Frederic Bastiat - O Estado
Frederic Bastiat - O Estado
Frederic Bastiat - O Estado
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Eu gostaria que alguém concedesse um prêmio, não de quinhentos francos, mas de um milhão,
com coroas, cruzes e medalhas, àquele que nos provesse uma boa, simples e inteligível definição
da palavra "Estado".
Que grande serviço prestaria à sociedade! O Estado! O que ele é? Onde está? O que faz? O que
deveria fazer?
Tudo o que sabemos é que ele é um misterioso personagem; e, certamente, é o personagem mais
solicitado, atormentado, consultado, admirado, acusado, invocado e provocado que há no mundo.
Pois, senhor, eu não tenho o prazer de conhecê-lo, mas, se esteve imaginando utopias nos últimos
seis meses, eu apostaria dez contra uma como o senhor está buscando o Estado para suas
realizações.
E, madame, eu não tenho dúvidas de que você deseja ver todos os tristes males da humanidade
sanados, e de que pensa que esta tarefa poderia ser facilmente executada caso o Estado a
assumisse.
Mas, diabos!, aquele pobre infeliz personagem, como Fígaro, mal sabe a quem escutar, nem a
quem se voltar. As cem mil bocas da imprensa e das tribunas gritam todas ao mesmo tempo:
"Ah! Senhores, um pouco de paciência", responde o Estado com um ar de tristeza. "Eu tentarei
satisfazê-los, mas para isso eu precisarei de alguns recursos. Eu encaminhei algumas propostas
de cinco ou seis novos impostos, os mais benignos do mundo. Vocês verão quão satisfeitas
ficarão as pessoas em pagá-los."
Mas então ouve-se um grande brado: "Vergonha! Vergonha! Que grande mérito há em se fazer algo
com recursos?! Você não seria digno de se chamar Estado! Em vez de nos impor novos impostos,
exigimos que você elimine os antigos. Suprima:
No meio deste tumulto, depois que o país mudou seu Estado duas ou três vezes por ele não ter
satisfeito todas esses pedidos, eu tentei observar que eles eram contraditórios. Que pensava eu,
meu bom Deus! Não podia eu ter mantido essa observação infeliz para mim mesmo?
Então aqui estou eu, desacreditado para sempre; é um fato estabelecido que sou um homem sem
coração e entranhas, um seco filósofo, um individualista, um burguês, em suma, um economista da
escola inglesa ou americana.
Oh, perdoem-me, sublimes autores, a quem nada pode parar, nem mesmo as contradições. Eu
estou equivocado, sem dúvidas, e faço aqui minha retratação de todo o meu coração. Certamente
vocês devem ter descoberto um ser benevolente e inexaurível, chamado Estado, que tem pão para
todas as bocas, trabalho para todas as mãos, capital para todas as empresas, crédito para todos
os projetos, ungüento para todos os ferimentos, bálsamo para todos os sofrimentos, conselhos
para todas as perplexidades, soluções para todos os problemas, verdades para todas as mentes,
distrações para todo enfado, leite para as crianças, vinho para os adultos, que satisfaz todas as
nossas necessidades, antecipa todos os nossos desejos, aplaca toda a nossa curiosidade, corrige
todos os nossos erros, retifica todas as nossas faltas e doravante nos exime a todos de toda a
necessidade de previdência, prudência, julgamento, sagacidade, experiência, ordem, economia,
temperança e industriosismo.
E por que eu não deveria desejá-lo? Deus me perdoe! Quanto mais reflito sobre o assunto, mais
vejo como é fácil a coisa toda; e eu, também, aguardo ansiosamente para ter essa inexaurível fonte
de riquezas e luzes, esse médico universal, esse tesouro ilimitado, esse conselheiro infalível, que
todos vocês chamam de Estado.
Portanto, eu insisto que ele me seja mostrado, que seja definido, e é por isso que proponho que se
ofereça um prêmio ao primeiro que descubra esta fênix. Pois, afinal, deve-se admitir que esta
preciosa descoberta ainda não foi feita, uma vez que as pessoas até hoje têm destruído
imediatamente tudo o que se tenha apresentado sob o nome Estado, precisamente porque ele tem
fracassado em realizar seus contraditórios deveres.
Seria necessário dizer que, penso eu, nós temos sido enganados por uma das mais bizarras ilusões
que já tomaram posse da alma humana?
O homem é avesso à Dor e ao Sofrimento. E, no entanto, ele está condenado pela natureza ao
Sofrimento da Privação caso não trabalhe para viver. Ele tem, portanto, apenas uma escolha entre
dois males.
Como evitá-los ambos? A única maneira encontrada até hoje e que jamais será encontrada é esta:
viver às custas dos frutos do trabalho dos outros; esta é a maneira por meio da qual as Dores e
Satisfações, em vez de serem atribuídas a cada um de acordo com as proporções naturais, são
divididas entre os exploradores e explorados, com todas as dores indo para os primeiros e todas as
satisfações indo para os últimos. Este é o princípio no qual se baseia a escravidão, e as
espoliações de todas as formas: guerras, imposturas, violências, restrições, fraudes, etc — abusos
monstruosos, mas consistentes com a idéia que as originou. Deve-se combater e odiar os
opressores, mas não se pode dizer que eles são absurdos.
A escravidão está chegando ao fim, graças aos Céus, e nossa inclinação natural a defender nossa
propriedade dificulta a Espoliação direta. Uma coisa, porém, permanece. É a tendência infeliz e
primitiva que todos homens têm a dividir em duas partes o todo complexo de suas vidas,
deslocando as Dores para outros e mantendo as Satisfações para si mesmos. Ainda se verá em
que nova forma esta tendência se manifesta.
O opressor não mais age diretamente pela força sobre os oprimidos. Não, nossa consciência se
tornou delicada demais para isso. Ainda existem, contudo, o opressor e sua vítima, mas entre eles
está um intermediário, o Estado, isto é, a própria lei. O que poderia ser melhor para silenciar nossos
escrúpulos e, talvez ainda mais importante, superar toda resistência? Assim, todos nós, com quais
exigências, sob um ou outro pretexto, vamos ao Estado. Dizemos a ele: "Eu não considero que há
uma proporção satisfatória entre meus lazeres e meu trabalho. Eu gostaria muito de tomar um
pouco da propriedade dos outros para estabelecer o equilíbrio desejado. Mas isso é perigoso. Você
não poderia facilitar meu desejo? Não poderia me arranjar um bom trabalho no serviço público,
restringir a indústria de meus competidores ou, melhor ainda, me prover um empréstimo a juro zero
com o capital que você tirou de seus legítimos proprietários, educar minhas crianças às custas do
público, me conceder subsídios ou garantir meu bem-estar quando eu completar cinqüenta anos?
Assim eu poderei alcançar meu objetivo com minha consciência tranqüila, pois a própria lei terá
agido em meu favor, e eu terei todas as vantagens dos saques sem ter que me submeter a
quaisquer riscos ou ressentimentos."
Como é certo, por um lado, que todos fazemos algum pedido similar ao Estado e, por outro, que é
um fato bem estabelecido que o Estado não pode prover a satisfação de alguns sem depender do
trabalho de outros, enquanto espero por outra definição do Estado, eu me autorizo a apresentar a
minha. Quem sabe não ganho o prêmio? Aqui vai ela:
O Estado é a grande ficção pela qual todos tentam viver às custas de todos os outros.
Pois, hoje tanto quanto no passado, cada um de nós, uns mais, outros menos, gostaria de lucrar às
custas do trabalho dos outros. O que fazer para satisfazer este sentimento, que todos escondem
de si mesmos e ninguém ousa externar? Imagina-se um intermediário, pede-se o auxílio do Estado,
e cada classe se volta para ele e diz: "Você, que pode tomar justa e honradamente, tome do público
e divida conosco." Diabos! O Estado está sempre pronto para seguir esse conselho diabólico; pois
ele é composto de ministros, burocratas, de homens que, em suma, como todos os homens,
carregam em seus corações o desejo de que suas riquezas e influências aumentem, e sempre
aproveitam as oportunidades que têm para fazer com que isso ocorra. O Estado, então,
compreende rapidamente o uso que pode fazer do papel que o público atribui a ele. Ele será o
árbitro, o mestre de todos os destinos. Ele tomará muito e, portanto, ficará com uma grande parte
para si. Ele multiplicará o número de seus agentes; ele aumentará o escopo de suas prerrogativas;
ele adquirirá proporções esmagadoras.
Mas o que mais chama a atenção é a impressionante cegueira do público a tudo isso. Quando os
soldados vitoriosos impuseram a escravidão aos derrotados, eles foram bárbaros, mas não
absurdos. O objetivo deles era, como é o nosso, o de viver às custas dos outros; mas, ao contrário
de nós, eles o atingiram. O que devemos pensar de pessoas que aparentemente não percebem que
uma pilhagem recíproca não deixa de ser pilhagem porque é recíproca; que não é menos criminosa
por ser executada de maneira ordenada por meio da lei; que ela nada adiciona ao bem-estar do
público; que, pelo contrário, ela o diminui por conta de todos os gastos intermediários que
chamamos de custos estatais?
E nós colocamos esta grande quimera, para edificação do povo, no frontispício da Constituição.
Estas são as primeiras palavras do Preâmbulo:
"A França foi constituída como uma república para ... elevar todos os seus cidadãos a
um patamar cada vez mais alto de moralidade, esclarecimento e bem-estar."
Portanto, a França, a abstração, deve elevar os franceses, as realidades, a um patamar mais alto de
moralidade, bem-estar, etc. Isso não contribui para a bizarra ilusão de que podemos esperar tudo
de um poder que não o nosso? Isso não implica que há, acima e além do povo francês, uma
entidade rica virtuosa e esclarecida que pode e deve conceder seus benefícios a ele? Isso não leva
a supor, de maneira certamente gratuita, que existe entre a França e o povo francês, isto é entre o
termo sintético, abstrato, usado para designar todos os indivíduos e os próprios indivíduos, um
relacionamento de pai e filho, de tutor e pupilo, de professor e aluno? Tenho consciência do fato de
que às vezes nós falamos metaforicamente: A pátria é uma mãe delicada. Mas para expor a
flagrante inanidade da proposição inserida em nossa Constituição, é suficiente demonstrar que ela
pode ser revertida, eu não direi sem desvantagens, mas até com vantagens. A exatidão seria
sacrificada caso o Preâmbulo dissesse "Os franceses foram constituídos como uma república para
elevar a França a um patamar cada vez mais alto de moralidade, esclarecimento e bem-estar"?
Ora, qual é o valor de um axioma em que o sujeito e objeto podem ser permutados sem qualquer
desvantagem? Todos conseguem entender a afirmação "A mãe cuidará do bebê". Mas seria ridículo
dizer "O bebê cuidará da mãe."
Os americanos tiveram outra idéia das relações dos cidadãos com o Estado quando colocaram no
cabeçalho de sua Constituição estas simples palavras:
"Nós, o povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma União mais perfeita, estabelecer
a justiça, assegurar a tranqüilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-
estar geral, e garantir para nós e para os nossos descendentes os benefícios da
Liberdade, promulgamos, etc."
Não há criação quimérica aqui, não há uma abstração da qual os cidadãos tudo exigem. Eles não
esperam nada que não de si mesmos e de seus esforços.
Se eu me permiti criticar as primeiras palavras de nossa Constituição, não é, como se pode pensar,
para lidar apenas com uma sutileza metafísica. Eu afirmo que essa personificação do Estado foi no
passado e será no futuro um solo fértil para calamidades e revoluções.
Temos o público de um lado e o Estado de outro, considerados como duas entidades distintas, o
último podendo extorquir o primeiro, o primeiro tendo o direito de fazer exigências ao último, uma
verdadeira torrente de alegrias humanas. Qual deve o resultado inevitável?
O fato é que o Estado não tem e não pode ter somente uma mão. Ele tem duas mãos, uma para
tirar e outra para dar — em outras palavras, a mão dura e a mão doce. A atividade da segunda é
necessariamente subordinada à da primeira.
A rigor, o Estado pode tomar e não retornar. Nós já vimos isso ocorrer, e se explica pela natureza
porosa e absorvente de suas mãos, que sempre retêm uma parte, às vezes o todo, do que tocam.
Mas o que nunca se viu, nunca se verá e não se pode nem mesmo conceber é o Estado dar ao
público mais do que dele tirou. É, portanto, tolice que assumamos a humilde atitude de mendigos
quando pedimos algo a ele. É fundamentalmente impossível para ele conferir uma vantagem
particular a alguns indivíduos que constituem a comunidade sem infligir um dano maior à toda a
comunidade.
Se retiver as benesses que dele são exigidas, ele é acusado de impotência, má vontade ou
incapacidade. Se tentar atender às exigências, é obrigado a cobrar impostos mais altos do povo, a
fazer mais mal do que bem, a atrair uma impopularidade geral para si.
Assim, nós encontramos duas esperanças da parte do público, duas promessas da parte do
governo: muitos benefícios e nenhum imposto. Esperanças e promessas que, sendo contraditórias,
jamais são realizadas.
Não é esta a causa de todas as nossas revoluções? Pois entre o Estado, que é pródigo em
promessas impossíveis, e o público, que tem esperanças irrealizáveis, duas classes de homens
intervêm: os ambiciosos e os utópicos. O papel deles é dado pela situação. É suficiente para esses
demagogos falar nos ouvidos das pessoas: "Aqueles que estão no poder estão te enganando; se
estivéssemos no lugar deles, os inundaríamos de benesses e os liberaríamos dos impostos."
Seus amigos, logo que assumem o controle, são chamados a honrar suas promessas: "Dê-me
emprego, pão, auxílio, crédito, educação e colônias", diz o povo, "e, ao mesmo tempo, cumpra o que
prometeu e me alivie do fardo da taxação."
O novo Estado não tem menos problemas que o antigo, em relação ao impossível, pode-se fazer
promessas, mas não pode mantê-las. Ele tenta ganhar o tempo de que necessita para colocar em
funcionamento seus grandes projetos. No começo ele faz algumas tentativas tímidas; por um lado,
estende um pouco a educação básica; por outro, reduz um tanto de impostos sobre as bebidas
(1830). Mas ele é sempre defrontado com a mesma contradição: se deseja ser filantrópico, precisa
continuar a aumentar os impostos; e se renunciar aos impostos, deve também renunciar à
filantropia.
Essas duas promessas sempre e necessariamente entram em conflito uma com a outra. Recorrer a
empréstimos, isto é, devorar o futuro, de fato é uma manieira de reconciliá-las no presente; tenta-se
fazer um pequeno bem no presente ao custo de um grande mal no futuro. Mas este procedimento
sempre levanta o espectro da bancarrota, a qual destrói o crédito. O que se deve fazer, então? O
novo Estado então assume uma firme posição contra seus críticos: ele reagrupa suas forças para
se manter, restringe a livre expressão, recorre a decretos arbitrários, ridiculariza suas velhas
máximas, declara que só se pode governar impopularmente; em suma, proclama a si mesmo o
governo.
E isso é precisamente o que os outros demagogos esperam. Eles exploram a mesma ilusão,
tomam o mesmo caminho, obtêm o mesmo sucesso e logo estão submersos no mesmo abismo.
Dessa forma fomos levados à Revolução de Fevereiro. Naquele momento, a ilusão que é assunto
deste artigo havia conseguido mais espaço do que nunca no pensamento popular, em conjunto
com as doutrinas socialistas. Mais do que nunca, as pessoas esperavam que o Estado, em sua
forma republicana, abrisse os portões de suas benesses e fechasse a torneira de impostos. "Eu já
fui enganado várias vezes", disse o povo, "mas desta vez eu mesmo me certificarei de que não seja
novamente."
O que poderia fazer o governo provisório? Diabos! O que é sempre feito em tais circunstâncias:
prometer e ganhar tempo. Ele não deixou de fazer isso, e, para conferir solenidade a suas
promessas, deu a elas forma definitiva em seus decretos. "Maior bem-estar, redução das horas de
trabalho, auxílio, crédito, educação gratuita, colônias agrícolas, liberação de terras e, ao mesmo
tempo, reduções de impostos sobre o sal, sobre as bebidas, sobre as cartas e sobre a carne serão
concedidos ... quando a Assembléia Nacional se reunir."
A Assembléia Nacional se reuniu e, uma vez que duas idéias contraditórias não podem ser
realizadas simultaneamente, sua tarefa, sua triste tarefa, se restringiu a revogar, tão delicadamente
quanto possível, um após o outro, todos os decretos do governo provisório.
Ainda assim, para não tornar o desapontamento demasiado cruel, ela teve que fazer algumas
concessões. Alguns compromissos foram mantidos, outros foram realizados de forma simbólica.
De forma que a presente administração está tentando criar novos impostos.
Leia o último Manifesto dos Montagnards3, que foi emitido em conexão com a eleição
presidencial. É um pouco longo, mas pode ser resumido em poucas palavras: O Estado deveria dar
muito aos cidadãos e tirar pouco deles. É sempre a mesma tática, ou, se preferir, o mesmo erro.
Ele deve:
Ele deve:
"Ensinar a cada cidadão seus deveres para com Deus, para com os homens e para com
si mesmo; desenvolver seus sentimentos, suas aptidões e suas faculdades; dar a ele,
em suma, proficiência em seu trabalho, entendimento de seus interesses e
conhecimento de seus direitos."
Ele deve:
"Colocar ao alcance de todos a literatura e as artes, a herança do pensamento humano,
os tesouros da mente, todos os lazeres intelectuais que elevam e fortalecem a alma."
Ele deve:
Ele deve:
Ele deve:
Ele deve:
Ele deve:
O Estado deve fazer tudo isso sem prejuízos aos serviços que executa atualmente; e, por exemplo,
ele deve sempre adotar uma atitude de ameaça em relação às nações estrangeiras; pois, dizem os
assinantes do programa, "ligados por aquela sagrada solidariedade e pelos precedentes da França
republicana, nós estendemos nossos comprometimentos e esperanças além das barreiras que o
despotismo erigiu entre as nações, em favor daqueles que ora são oprimidos pelo laço da tirania;
nós desejamos que nosso glorioso exército seja novamente, se preciso, o exército da liberdade".
Você vê que aquela delicada mão do Estado, aquela boa mão, que dá e concede, estará bem
ocupada sob o governo dos Montagnards. Talvez você acredite que o mesmo será verdade quanto
à mão dura, aquela que se estende até nossos bolsos e os esvazia?
Abram seus olhos. Os demagogos não seriam o que são se não dominassem a arte de esconder a
mão dura enquanto mostram somente a mão gentil.
"É sobre os supérfluos", dizem eles, "não sobre as necessidades que os impostos deveriam ser
cobrados."
Não seria um tempo feliz quando, para nos encher de benefícios, o tesouro público se contentar
em tirar apenas de nossos supérfluos?
E isso não é tudo. Os Montagnards pretendem que "toda a taxação deve perder seu caráter
opressor e não deve a partir de hoje ser mais que um ato de fraternidade".
Ó bondade dos Céus! Estou ciente do fato de que está em voga colocar a fraternidade em todo
lugar, mas eu não esperava que ela fosse posta no recibo do coletor de impostos.
"Exigimos a abolição imediata dos impostos que recaem sobre objetos de primeira
necessidade, tais como o sal, as bebidas, et cetera.
"Uma justiça gratuita, isto é, a simplificação dos formulários e a redução das despesas."
[Isto sem dúvida tem a ver com os carimbos oficiais.]
Ora, bem, eu pergunto ao leitor imparcial, não seria isto infantil e, mais, perigosamente infantil? Por
que as pessoas não fariam uma revolução após outra, se estivessem decididas a não parar até que
esta contradição fosse tornada realidade "Não dê nada ao Estado, e muito receba dele"?
Alguém acredita que se os Montagnards chegassem ao poder eles próprios não se tornariam
vítimas dos meios empregados para tomá-lo?
Cidadãos, através dos tempos dois sistemas políticos têm existido, e ambos podem ser
defendidos com bons argumentos. De acordo com um deles, o Estado deve fazer muito, mas
também tomar muito. De acordo com o outro, sua ação dupla mal deve ser perceptível. Deve-se
escolher um entre estes dois sistemas. Quanto ao terceiro sistema, o qual é uma mistura dos
outros dois, e que consiste em requerer tudo do Estado sem nada dar a ele, ele é quimérico,
absurdo, infantil, contraditório e perigoso. Aqueles que o propõem para ter o prazer de acusar
todos os governos de impotência e para expô-los assim aos seus violentos ataques, os lisonjeiam
e enganam, ou ao menos enganam a si próprios.
Quanto a nós, nós pensamos que o Estado não é e não deveria ser nada mais que uma força
policial comum instituída, não para ser um instrumento de opressão e de saques recíprocos, mas,
ao contrário, para garantir a cada um o que é seu e para que a justiça e a segurança prevaleçam.
Notas:
1 Esta última frase é de Alphonse de Lamartine (1790-1869), um escritor e político francês.
2 Este era um imposto local sobre certas mercadorias levadas para um distrito para consumo.