Nós Quem Somos - Autor: Alvaro DeAngelis

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Nós. Quem somos?

Aproximação em direção a um termo que pertence ao infinito

Álvaro Fernando De Angelis *

O principal perigo para a filosofia é a estreiteza na


seleção de provas. Esta estreiteza surge a partir das
idiossincrasias e timidez de autores específicos,
nomeadamente de determinados grupos sociais e de
épocas particulares na história da civilização.
A prova invocada por cima é arbitrariamente tendenciosa
pelos temperamentos dos indivíduos, pelas
provincianidade de grupos e pelas limitações dos
esquemas de pensamento (Alfred North Whitehead,
Process and Reality: an Essay in Cosmology).

Se é possível que a nossa consciência identitária se manifesta como pertencimento a uma


estrutura de associações interacionais em ação (Gabriel Tarde) e por uma alteridade
constitutiva que abrange inclusive a radicalidade do outro em nossa condição de ser
(Emmanuel Levinas), somos também, então, uma realidade de infinita possibilidades em
movimento.

Se este possível realmente procede, então, não somos mera e somente humanos. Somos
então uma aliança de seres humanos e não humanos associados? Para verificar estes
possíveis em "alter-ação" como modos de existência, tentemos interpretar ou traduzir o
que isso pode significar.

Em Bruno Latour e sua teoria do ator-rede, são levantados dois aspectos importantes que
nos aproximam dos aspectos relacionais e constitutivos das estruturas associativas, quais
sejam: a "natureza heterogênea" das entidades que a compõem e o "caráter distribuído da
ação que a anima" (Bruno, Felinto, Santaella, 2011).

Sobre a(s) natureza(s), o apoio de Latour vem de Tarde, que concebe uma filosofia
sociológica a partir de três princípios: diferença ontogênica de todos os seres, caráter
infinitesimal do real e indeterminação do real (Milet, 1970 apud Molina, 2010). Para
Tarde, existir é passar do possível ao real.

(...) como bien saben los discípulos de Gabriel Tarde,


sociedad siempre ha significado asociación, y no se ha
limitado nunca a los humanos. Así que siempre, y de
buen agrado, he hablado, como Alphonse de Candolle, de
“sociología de plantas”, o, como Alfred North
Whitehead, de “sociedades estelares” (Latour, 2014).

Em De Candolle - autor do primeiro livro que tratou de descrever quantitativamente as


redes científicas, publicado em 1837 -, que se notabilizou no meio científico ao rebater a
tese eugenista do gênio hereditário, de Galton (1869), Latour absorve a ideia de que os
distintos ambientes é que, de fato, contribuem fundamentalmente para o desenvolvimento
das capacidades dos indivíduos que os compõem (Del Cont, 2008).

Em Alfred North Whitehead, com seus objetos eternos e suas entidades atuais, Latour
aproveita a perspectiva de que, individual e coletivamente, pertencemos a uma realidade
interrelacionada, uma estruturada sociedade de ocasiões que tentamos tornar manifesta
através de nossa atualização como entidades, "como fundamental evidência enquanto
natureza das coisas" (Whitehead, 1968).

O encontro com as filosofias de Tarde, De Candolle e Whitehead, na afirmação de alguns


autores, como Molina (2011), por exemplo, constituem o "antecedente privilegiado" de
toda sociologia das associações e, por extensão, da própria Teoria do Ator-Rede.

De Candolle, inventor da cienciometria – a utilização das


estatísticas visando melhorar a atividade científica – era,
tal como seu pai, um sociólogo das plantas (...). A seu
ver, os corais, os babuínos, as árvores, as abelhas, as
formigas e as baleias são também elas sociais. A
sociobiologia reconheceu bem esta acepção ampla do
social (…). É (…) perfeitamente possível aceitar esta
extensão sem conceder demasiado crédito à definição
demasiado restrita de agência que numerosas teorias
sociobiológicas atribuem aos organismos (LATOUR,
2006).

À exceção de Alphonse de Candolle, autor que não será aqui examinado, procuraremos
desenvolver uma breve aproximação sintética dos trabalhos de Tarde, Latour e Whitehead
em seus possíveis e suas associações relacionais. Por fim, o artigo buscará sintetizar este
esforço com a contribuição perspectivista de Deborah Danowski e Viveiros de Castro,
como admissão de uma conjuntura plural da identidade compossibilitada em nós e
mundo(s).

Comecemos pela diferença ontogênica, pelo caráter infinitesimal do real e pela


indeterminação do real, conceitos chaves da filosofia sociológica de Gabriel Tarde.

Os possíveis em Gabriel Tarde

Como imagina Tarde, tudo começa a partir do infinitesimal e todos os retornos são para o
mesmo; nada aparece fortuitamente na esfera do finito. E por ser a infinita a realidade,
por consequência, nós - enquanto individuações em associação - não somos elementos
originais, somos antes o resultado de um processo de composição (Tarde, apud Themudo,
2002, p. 36).

O primeiro princípio da filosofia de Tarde é de que a natureza é um universo infinito de


seres diferenciados. "Existir é diferir". Portanto, devemos nos concentrar na ordem
ontológica, na similaridade com a diversidade e na constitutividade de frente para a
alteridade. Como diz Tarde, na alter-ação se encontra a nossa identidade.

Assim, a identidade do que somos não é uma causa; é apenas um produto, um caso limite
de diferenciação infinitamente atenuada. A ontologia tardiana argumenta que todos os
seres são diferentes. Este é o grande princípio da sua filosofia: "a diferença é o alfa e o
ômega do universo" (Tarde, 2007, p. 133).

Um segundo princípio afirma a natureza infinitesimal da realidade. "Existir é integrar o


infinito no finito". Os seres que vemos no mundo, individuações em torno de nós, são
apenas integrações da realidade infinita materializado em estruturas acabadas, que em um
instante seguinte já se acopla numa rede de diferenças que seguirá diferindo. "A realidade
é o que existe somente uma vez e dura só um instante" (ibidem, p. 212)

Nesta perspectiva, a existência do real é a passagem da possibilidade ao ato, uma vez que
tudo o que acontece no mundo traz em si uma "radiação de possíveis realidades"
(ibidem). Assim, a realidade é nada mais do que uma transformação em ato de uma
potência do possível.

Uma força latente, uma força potencial, uma força de


tensão ou de posição, não importa o nome que se dê, não
é nada mais senão uma possibilidade entendida nesse
último sentido - ou melhor, é simplesmente um feixo de
possibilidades semelhantes (ibidem, p. 194).

Entretanto, este autor nos chama a atenção de que nem todo o possível pode tornar-se
real, por conta de forças concorrentes, em luta constante para emergir em termos de
realidade.

Não fazemos um só movimento, seja corporal, seja


mental, sem esmagar milhares de germes, sejam seres
vivos, sejam idéias, sem aniquilar mundos possíveis.
Em suma, quando vir este universo, diga a si mesmo que
ele deve sua existência à imolação de milhares de outros
universos, entre os quais talvez houvesse alguns, apesar
de Leibniz, melhores e mais belos que ele - mas, penso
eu, não mais diferenciados (ibidem, p. 216).

Assim, por conta dessas condicionalidades, ou melhor dizendo, dessas possibilidades


realizáveis ou não, se pode afirmar ao mesmo tempo os possíveis de outros fatos que
talvez não existiram e nem existirão, mas que teriam tido (ou terão) lugar na existência se
outros encontros tivessem acontecido (ou tiverem de acontecer).

Neste sentido, vejamos as implicações que alguns termos como actâncias, coletivos,
entidades atuais e objetos eternos, entre outros, podem nos dar pistas destas outras
possibilidades que podem vir a se tornar real em nós e no mundo.

O associacionismo amplo de Bruno Latour e as realidades processuais


em Alfred Whitehead

A Teoria Ator-Rede (Actor-Red Theory - ART) tem Bruno Latour como principal autor
(além dele, John Law e Michel Callon). A ART tem como principal foco o desejo de
diluição da dicotomia entre o social e o natural, inserindo atores humanos e não-humanos
em uma mesma teia de associações.

Latour propõe uma aproximação nada ortodoxa para a compreensão do social, uma outra
via, não homogeneizada, mas, sim, através do movimento e das associações que se
estabelecem entre elementos heterogêneos presentes numa rede de relações (Camillis et
al, 2013).

A proposta latouriana é a de não definir o social como um tipo particular de elemento,


porém, como um movimento de associações e de reunião dos elementos que estão no
mundo, sejam humanos e não humanos, sejam máquinas ou virtualidades. Nesta
constituição, o social é um tipo de associação momentânea, caracterizada pela maneira
como se reúnem as novas formas (Latour, 2012, p.65).

Em sua ressignificação, ele propõe que o termo social seja alterado pelo termo "coletivo".
Assim, coletivo traduz melhor, segundo ele, o projeto de reunir em aliança os elementos
presentes na atualidade das coisas presentes na realidade, erigindo nesta forma uma nova
categoria de social.

Por sua vez, Whitehead entende que devemos estudar a realidade, mas essa realidade
apenas está realmente disponível para nós através da experiência que temos dela.
Partindo deste pressuposto, o estudo do mundo não é realmente o estudo do mundo; é o
estudo de nossa experiência do mundo (Digby, 2014, p. 65).

Na perspectiva whiteheadiana, o corpo é constituído de uma miríade de ocasiões


interconectadas e momentâneas (entidades atuais), como "gotas de experiência,
complexas e interdependentes", derradeiras coisas das quais se apreende o mundo por
uma conexão criativa com os objetos eternos. A objetivação é concebida como um ato de
experiência surgindo a partir de dados dos quais uma ocasião atual se origina.

Cada entidade real é uma vibração de experiência


incluindo o mundo atual em seu escopo. (...) Uma
entidade real é um processo, e não é descritível em
termos de morfologia de uma 'coisa' (WHITEHEAD,
apud BERNAL, 1967, p. 43).
Cada entidade real se torna o que é percebendo sua interconectividade com o resto do
universo, através de um processo de devir.

Whitehead descreve um processo de devir no qual cada


entidade real primeiramente sente passivamente o
universo objetivado, em seguida unifica ativamente
aqueles sentimento numa harmonia. Essa unificação dura
apenas um instante, mas é um momento de pura auto-
criatividade subjetiva. Uma vez que essa harmonização
esteja completa, ou satisfeita, o momento de vivenciar
subjetivo termina, como o faz o processo de devir.
Depois de sua satisfação, a entidade real permanece
como parte do contexto objetivo para a ocasião seguinte
de experiência. Sob essa perspectiva, o próprio universo é
um processo, no qual "muitos se tornam um e são
ampliados por um” (DIGBY, 2014, p. 70).

A humanidade é um tipo de unidade entre os objetos-corpos das entidades e a natureza,


que inclui a unidade do corpo material e a experiência mental subjetiva (Whitehead, apud
Digby, 2014, p. 72). Neste sentido, as relações que se processam entre as entidades pode
ser entendida, primariamente, como espécies de psicomorfismos.

Para Whitehead, a diferença entre um organismo vivo e o meio inorgânico é apenas uma
questão de nível. Portanto, há uma profunda interconexão entre a(s) natureza(s), o(s)
corpo(s) e as atividades mentais entre todas as entidades que compartem um mesmo
mundo.

Segundo um conceito caro à filosofia das mônadas, de Leibniz, a de perspectiva, aquilo


com o que nos representamos dependerá do ponto de vista que se adote. Basta que uma
perspectiva mude ligeiramente para que também haja mudança na representação
objetivada, mesmo que o objeto em questão permaneça o mesmo (Garber, 1980, p. 22).
Segue-se que a diferença entre cada representação estará em função do ponto de vista
assumido, e se caracterizará pela contínua aparição de matizes novos e desconhecidos do
mesmo objeto, e pela não menos sucessiva desaparição dos que já conhecíamos (ibidem).

Neste plano, aproximemo-nos do antropoceno que chegou, da guerra de Gaia e do nós


que ainda falta.
Nós e o mundo por vir no perspectivismo de Deborah Danowski e
Viveiros de Castro

Assim que o conceito de Antropoceno foi proposto, diversos cientistas e filósofos


começaram a apresentar interpretações para tentar entender os reais significados e as
ameaças que a sua realidade representa para todos os seres da Terra.

Para Danowski e Viveiros de Castro (2014, p. 16), o Antropoceno significa o fim de uma
época no que concerne à vida das espécies na Terra, uma coisa como um tempo presente
sem esperança de um futuro animador, cuja agência do homem para mitigar seus efeitos
não tem a garantia de o conseguir. "O Antropoceno aponta para uma catástrofe
compartilhada" (Chakrabarty apud Danowski e Viveiros de Castro, ibidem).

Um dos aspectos mais incontroversos destes tempos repletos de controvérsias, afirmam


os autores, é a aceleração descontrolada dos efeitos desreguladores do clima na terra.
"Virtualmente tudo o que pode ser dito sobre a crise climática se torna, por definição,
anacrônico, defasado; e tudo o que deve ser feito a respeito disso é necessariamente
muito pouco, e tarde demais" (Danowski e Castro, 2014, p. 19).

Citando Latour, Danowski e Viveiros de Castro afirmam que a transformação do


potencial transformador humanos em força geológica - um fenômeno objetivo cujos
condicionantes alteraram em pouco tempo o que as forças geológicas levam milhões de
anos para realizar - se paga assim, com "a intrusão de Gaia no mundo humano", dando ao
Sistema Terra a forma ameaçadora de um sujeito histórico, um agente político, uma
pessoa moral" (idem, p. 26).

"Estamos diante de um fim do mundo no sentido de mundo humano, o fim como


resultado de um processo de desvitalização ontológica do ambiente (...), com efeitos
desumanizadores sobre os sobreviventes" (ibidem, p. 61).

Neste cenário desolador, há chance para o alento, entretanto: "o 'fim do mundo' só tem
sentido determinado nestes discursos - só se torna ele próprio pensável como possível -se
se determina simultaneamente para quem este mundo que termina é mundo" (ibidem, p.
32).

E o que isto quer dizer? Os autores afirmam que o fim do mundo tem que ser pensado e
discutido como algo que é pensado a partir de um nós que necessariamente tem que
incluir o sujeito do discurso sobre este fim (ibidem, p. 33).

Entretanto, e voltando ao tema do artigo, a questão que surge é: quem é o nós a que se
referem Danowski e Viveiros de Castro? A abordagem desta questão é conclamada pelos
autores como uma tarefa estratégica. "O que se entende por humano ou pessoa em outros
coletivos consensualmente considerados (por nós) como humanos, raramente é colocada"
(ibidem, p. 34).

O pólo "sujeito" ou "pessoa" parece quase sempre se


referir, como vimos, à totalidade da humanidade
enquanto espécie; mas ele pode se reduzir à "verdadeira"
humanidade, isto é, a alguma encarnação sociocultural
específica da excelência humana (...), ou ao contrário se
expandir a uma virtualidade antropomórfica universal
(ibidem, p. 61)

Como sugerirá Latour e também Gunther Anders (Le temps de la fin), "o tempo do fim
contém dois tipos de homens: os culpados e as vítimas. Devemos levar em conta essa
dualidade em nossa reação" (p. 114). Latour, em seminário na Universidade de
Edimburgo, deu nomes a esses dois tipos: "Humanos" e "Terranos" (Latour, Gifford
Lectures, 2013).
A guerra de Gaia opõe dois campos ou partidos povoados
de humanos e não humanos - bichos, plantas, máquinas,
rios, glaciares, oceanos, elementos químicos, enfim, toda
a gama de existentes que se acham envolvidos no
advento do Antropoceno, e cuja persistência (...) se põe,
virtual ou atualmente, como "negadora" do campo oposto
(...): na situação (...) de inimigo político, portanto
(DANOWSKI e CASTRO 2014, pp. 133-134).

Neste combate, "Gaia é o chamado a resistir ao Antropoceno, isto é, a aprender a viver


com ele mas contra ele, isto é, contra nós mesmos. O inimigo, em suma, somos nós - nós
os Humanos".

Conforme observação de Latour, o Antropoceno é o anúncio do fim do Humano enquanto


um ser dissociado do habitat que lhe deu nascimento. Este acontecimento vai marcar,
assim, segundo Stengers (apud Danowski, p 145), o início da nossa obrigação de sonhar
outros sonhos.

Observemos que, para Stengers, o uso "Gaia" tem se


mostrado importante como antídoto ao conceito de
Antropoceno (...). Neste sentido, a Gaia de Stengers (...) -
seja no sentido de que o mundo está ele próprio,
enquanto multiverso atravessado por múltiplas ontologias
não-humanas, implicado em um devir que exige de nós
que aprendamos a segui-lo; seja no sentido de que os
Humanos devem dar lugar a esses que Latour chamou de
Terranos, isto é, a todos os existentes enquanto partes do
mundo - (...) se encontraria assim com o mundo "feito de
gente" das cosmogonias ameríndias: a transcendência
definitiva de Gaia se torna indistinguível da imanência
antropogeomórfica originária postulada pelo "povos de
Pachamama" (ibidem, pp. 145-146).

Nesta perspectiva, portanto, falar no fim do mundo é "falar na necessidade de imaginar


um novo povo, antes que um novo mundo em lugar deste nosso mundo presente". Ou
seja, é preciso - e possível - sonhar o tipo de povo que o mundo sente falta, ou melhor, as
entidades atuais do mundo precisam para continuar a tarefa de atualização eterna da
finidade deste mundo.

Um povo de Terranos - ou seja lá a denominação que outorguemos - que vivam, creiam e


sejam este mundo. Sonhar uma possibilidade de modo de mundo que este povo pode criar
a partir daquilo que restar do mundo humano que ainda é existente.

Juntando os possíveis para não concluir

Os Terranos são o povo que falta de que falam Deleuze e


Guatarri - o povo por vir, capaz de opor uma "resistência
ao presente" e assim criar "uma nova terra", o mundo por
vir (Danowski e Viveiros de Castro, 2014, pp. 125-126).

Terranos, humanos, ou seja lá o que isso signifique, nós não somos a individualidade que
cada um parece ser. Estamos mesmo mais para um processo irradiado de de associações
humanas e não humanas em estado atual de permanência, em um movimento natural de
finitude que se completa no infinito.

Nesta condição, ao mesmo tempo de devir frequente e objetivação eterna, somos uma
espécie de "Nós" que é, embora ainda estejamos por vir? Somos no real uma consciência
processual coletiva, em uma identidade de realidade possível, de um aqui-e-agora que
termina e recomeça infinitamente? São interrogações que não nos abandonam, desde os
questionamentos isolados do "quem sou" humano perdido na treva do individualismo e
do antropocentrismo.

Somos - prefiro pensar como os pensadores aqui comentados nos permitem a ilação -
portadores de uma identidade ainda não de todo definida, vivendo uma espécie de
processo de conexões associadas de coexistência, de oposição e de exclusão entre seres e
coisas em constante alteridade.

Se esta identidade pode ser nomeada terrana é algo a ser pensado no que diz respeito às
finalidades conceituais. Entretanto - em que pese sua direção primeira de referência dizer
respeito à Terra (ou Gaia, ou Pachamama) sem considerar as múltiplas conexões que nos
envolvem a todo o real além da nossa identidade planetária - é uma nominação melhor do
que a de humanos, a julgar todas as implicações nefastas que a condição imposta pelo
paradigma antropocêntrico trouxe a todos os seres e ao mundo.

Logo, nos saudarmos como terranos, resultado de um processo coletivo de composição,


ou de compossibilidade, abre-nos a possibilidade de ser individuações em associação.
Nesta condição, podemos ser co-construtores de uma realidade efetiva, como pó de
estrelas, multiplicidades de partes múltiplas de uma ontologia que une a espécie, a vida e
o mundo. Como diz Tarde ("Os possíveis" in Monadologia e sociedade): a imaginação
emancipada e indomável é tanto um perigo quanto um auxiliar para a ciência e a beleza
da arte, o que não aconteceria se ela existisse apenas em vista destas; e a fecundidade
da natureza é tanto um perigo quanto um auxiliar para a espécie, o que não aconteceria
se a prodigalidade dos semens tivesse por única finalidade a conservação da [própria]
espécie.

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* Álvaro Fernando De Angelis é graduando de Filosofia na Universidade de Brasília e


membro do grupo de estudos Anarchai.

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