Revista Ano 33 Numero 1 PDF
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pentagrama
Lectorium Rosicrucianum
“Se deixares de lado algumas discussões sobre o vocabulário,
descobrirás, meu filho, que o Espírito, a Alma de Deus, reina Diálogo – Uma conversa sobre a criação, o
verdadeiramente sobre tudo: sobre o destino, sobre a lei, sobre todo
homem e a linguagem da alma
o resto – e que nada lhe é impossível.”
Vivemos em diálogo: tudo fala
Hermes não poderia ter se expressado mais positivamente que dentro de nós
isso. Aqui, é dito intencionalmente que, mesmo no caso em que Uma conversa sobre a criação
um ser humano tenha degradado e transgredido de maneira Sobre o homem
extremamente grave as leis elementares da vida, se ele se entregar
Conversa consigo mesmo
e se confiar à alma eterna, ela poderá romper com o destino,
por mais fatal e aprisionador que ele seja, graças ao perdão dos
pecados. É por essa razão que não vamos contra nenhum ser, nem
contra o que ele poderia ter feito de mal em seu passado. Que
ele somente se entregue de forma positiva à sua alma e que ele
dê testemunho dela por meio de sua atitude. O estado de aluno
deve ser demonstrado concretamente: o aluno deve dar provas
disso. O ensinamento sobre o erro, sobre a remissão dos pecados e
a respeito da graça é um ensinamento hermético clássico. Todos
vós que podeis declarar isso e demonstrá-lo com base na fé dos Profundidade, silêncio,
evangelhos de milhões de anos da Gnosis original de Hermes,
pensamento, consciência,
todos vós nos trazeis muita alegria! Esse grandioso e maravilhoso
palavra
consolo chega até nós pela certeza de que a alma verdadeira é bem
mais elevada e poderosa do que todos os destinos. A profundidade da palavra
de Giordano Bruno
J. van Rijckenborgh
A Edda: O destino dos deuses
A Aquignosis
Redatores
C. Bode, A. Gerrits, H.P. Knevel, G.P. Olsthoorn,
A. Stokman-Griever, G. Uljée, I.W. van den Brul
Redação
Pentagram
Maartensdijkseweg 1
Revista Bimestral da Escola egípcia
NL-3723 MC Bilthoven, Países Baixos
Internacional da Rosacruz Áurea Vol. 2,3 e 4
e-mail: [email protected]
J. van Rijckenborgh
Edição brasileira
Pentagrama Publicações
Lectorium Rosicrucianum
www.pentagrama.org.br
No segundo volume da Arquignosis egípcia,
Administração, assinaturas e vendas
Pentagrama Publicações A revista Pentagrama dirige a atenção de seus leito- Jan van Rijckenborgh dirige-se a todos os
C.Postal 39 13.240-000 Jarinu, SP
[email protected] res para o desenvolvimento da humanidade nesta nova que em nossos dias ainda têm ouvidos para
[email protected]
Assinatura anual: R$ 80,00
era que se inicia. ouvir; àqueles que, tocados no fundo do
Número avulso: R$ 16,00 O pentagrama tem sido, através dos tempos, o símbolo coração, na irremediável desordem que eles
do homem renascido, do novo homem. Ele é também mesmos geraram, reconhecem a necessi-
Responsável pela Edição Brasileira o símbolo do Universo e de seu eterno devir, por
M.D. Eddé de Oliveira dade de uma mudança fundamental.
meio do qual o plano de Deus se manifesta. Entretan-
Revisão final
M.V. Mesquita de Sousa to, um símbolo somente tem valor quando se torna
realidade.O homem que realiza o pentagrama em seu O terceiro volume da Arquignosis egípcia traz
Coordenação, tradução e revisão
M.J.Versiani, M.M. Rocha Leite, L.M.Tuacek, microcosmo, em seu próprio pequeno mundo, está no ao homem buscador a indicação do único e
M.B. Paula Timóteo, A.C. Gonçalez Jr.,
D.B. dos Santos, J. Jesus, U.B. Schmidt,
caminho da transfiguração. antiquíssimo caminho de volta: “O Bem
M.S. Sader, M. Mölder, R.D. Luz, F. Luz A revista Pentagrama convida o leitor a operar essa
Único, o Bem absoluto, pode ser encontrado
Diagramação, capa e interior revolução espiritual em seu próprio interior.
D.B. Santos Neves somente em Deus e não no próprio ego.”
Terceira capa
H. Rogel
O quarto volume tenciona expor e esclarecer
Lectorium Rosicrucianum novamente a mensagem redentora de todos
Sede no Brasil os tempos à humanidade pesquisadora a fim
Rua Sebastião Carneiro, 215, São Paulo - SP
Tel. & fax: (11) 3208-8682 deconscientizá-ladaexistênciadeumcaminho
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até o final de abril
autorização prévia por escrito
ISSN 1677-2253
pentagrama
ano 33 número 1 2011
O tema deste número é Diálogo: uma conversa sobre a criação, o homem e a linguagem
da alma.Todos os que se sentiram interessados por essas palavras que representam
ideias fundamentais perceberão que o diálogo que aqui iniciamos é algo que vai além
de uma simples troca de pontos de vista.
I
maginemos que, ao abrir esta revista, esta mas sim como um interrogador respeitoso, ba
mos entrando em um espaço comunitário, seado na verdade, que é sempre fundamentada
e que vamos preenchê-lo inteiramente com em uma ideia bem estabelecida ou evidente.
nosso tempo, nossos pensamentos, nosso dese O que permite a Sócrates direcionar seus
jo de conhecimento e compreensão, e, talvez, diálogos é sua riqueza interior de bom senso e
nossa fome de libertação, de liberdade. Neste sabedoria. Conhecendo bem os preconceitos
espaço tudo está presente, tudo é possível. Ele e a mentalidade superficial de seus interlocu
é extremamente efervescente, concretamente tores, ele não formula seus pensamentos de
ativo e trêmulo de energia – como uma crian forma doutrinária. Pelo contrário: ele se esfor
ça na véspera do dia de seu décimo aniversá ça para demonstrar que, por meio do diálogo,
rio. Porém, ainda não há nada concretizado. pode ajudar seu interlocutor a alcançar uma
Uma simples exposição oral deixaria o assunto compreensão superior ou mais sutil. Quem
menos incisivo, menos expressivo. Um debate registrou essas conversas por escrito foi Platão.
o transformaria em um campo de batalha. Um Por isso, é natural que nos perguntemos se elas
diálogo é exatamente o oposto: ele traz em si realmente aconteceram.
o espaço fértil onde cada participante se torna Além desses diálogos gregos que se mostram
mais rico, adquire mais experiência e se sen sempre tão convincentes, há os Diálogos italia
te “religado” ao assunto. Um diálogo sempre nos de Giordano Bruno (que, geralmente não
acontece em determinado nível. Além disso, faz acontecem somente entre duas pessoas). O que
com que tudo o que existe nesse espaço se tor- esses diálogos têm de muito especial é a carac
ne livre, visível e concreto. A palavra “diálogo” terística de abordarem questões vitais essen
(do grego diálogos) significa “o que é transmi ciais e muito modernas para a época, tratando
tido por meio da palavra”, e, no caso presente, dos mesmos valores.
“por meio do que está escrito”. Com seu raciocínio que demonstra uma
Geralmente o que mais pesa em um diálogo mentalidade liberta, com muita erudição e
são os argumentos racionais. Porém, a maioria
perde seu objetivo exato ou se transforma em
uma conversa sem fim porque o encadeamen
to da argumentação não é bem feito – e isso Dresses. As abstrações do artista
acontece até no que chamamos de “diálogo americano Derrick Hickman de Grove
aberto”. City, Ohio (EUA), colocam-se entre o es
pectador e a história que o quadro narra,
Nos diálogos clássicos de Platão, vemos como “da mesma forma que o romantismo, o
Sócrates direciona seus interlocutores por ego e o exagero (drama) falsificam nossas
meio de perguntas – não como um detetive, lembranças”.
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DIÁlOGO
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Como a memória dos homens expressa o
pensamento em palavras, também podemos dizer:
a palavra é o instrumento do espírito para transmitir
pensamentos. Essa afirmação é verdadeira em
diversos níveis. Os pensamentos tornam-se visíveis
pela escrita. As palavras soam e formam um fluxo
vivo de pensamentos. As letras formam as palavras
no domínio material e formatam a imagem que
se expressa na palavra, e a palavra carrega o
pensamento. Assim se instaura o diálogo.
A
f ilosof ia hermética, como ireis verif i- Mas por que justamente a Bíblia deva ser a
car, desenvolve o seu raciocínio par- palavra de Deus, ninguém sabe. A conse
tindo sempre de um início elemen- quência é que um af irma categoricamente
tar, tomado como base, para elevar-se aos o que outro nega, enquanto que um tercei
aspectos mais abstratos. Quem faz uso des- ro não faz o que os dois outros fazem e per-
sa chave e nunca se desvia desse método, manece indiferente. Com semelhante méto
avançará passo a passo, prosseguirá no pensa- do de pensamento, é óbvio que a verdade não
mento e, por f im, compreenderá o que deve é servida em absoluto, sendo substituída pela
ser compreendido. Muitos, em seus proces- incerteza, pela mentira e por intensa disputa.
sos de pensamento, têm o hábito de come- O método de pensamento hermético é o úni
çar com o que é abstrato, com o desconhe- co seguro e certo, porque, partindo do pen
cido, e depois procurar chegar ao concreto. samento relativo ao identif icável, ao concre-
Semelhante método de pensamento jamais to, indica o caminho seguro para o abstrato.
poderá ser satisfatório e também sempre leva Por isso, esse método é sempre aplicado pela
à especulação, à mistif icação. Assim, fre- Gnosis original, e todos os que anseiam e
quentemente, ouve-se o homem místico di- buscam a libertação recebem-no, porque ele
zer que isso ou aquilo deve ou não deve ser concede o resultado mais evidente. Assim,
feito. O porquê, porém, f ica, de modo geral, também podemos reconhecer, pelo seu modo
totalmente indef inido e é por isso, amiúde, de pensar, se alguém é ou não um verdadeiro
ou a causa da negação ou da af irmativa deci- buscador da verdade. Um modelo inequívoco
siva. Então ouve-se: “A Bíblia é a palavra de no tocante a isso foi, na Holanda, por exem-
Deus, e dela nenhum jota pode ser negado”. plo, Benedito de Espinosa. Ele utilizou, sem
dúvida, o método de pensamento hermético.
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Jan van Rijckenborgh e Catharose de Petri,
DIÁlOGO
descrevem e comentam para alunos e interessados
o caminho que leva à libertação da alma com base
em textos originais da Doutrina Universal,
tais como o Corpus Hermeticum
Flor ornamental em
um mosaico de pare-
de no Taj Mahal, Índia
No Diálogo geral entre Hermes e Asclépio ve DIÁLOGO GERAL ENTRE HERMES E ASCLÉPIO
rificamos que existe uma fonte de força onia Hermes: Asclépio, tudo o que é movido não é
barcante, onipenetrante, fonte de força em movido em algo e por algo?
que todas as regiões cósmicas estão encer Asclépio: Certamente!
radas. A intenção do sexto livro de Hermes Hermes: E não é necessário que aquilo em que
Trismegisto é fazer com que nos tornemos algo é movido seja maior do que o
profundamente convictos desse fato. A inten que é movido?
ção não é a de dar uma profunda explicação Asclépio: Sem dúvida.
filosófica do ser de Deus e da atividade da for Hermes: Além disso, o que cria o movimen
ça divina. Trata-se unicamente de tornar cla to é mais poderoso do que o que é
ro ao aluno, a Asclépio, que se vê convocado movido!
à nobre missão por Deus e quer dedicar-se em Asclépio: É claro.
perfeita rendição à senda da Gnosis, que exis Hermes: E não será que a natureza daqui
te uma fonte de força universal oniabrangen lo no qual se realiza o movimento
te e onipenetrante, e que, por conseguinte, é seja necessariamente oposta ao que é
possível e também necessário entrar em liga movido?
ção com ela. A nossa insignificante existên Asclépio: É evidente.
cia como ser natural inconsciente sobre a mãe Hermes: Pois bem. Então este universo é
Terra constitui-se na mais ilógica das coisas maior do que qualquer outro corpo?
que possam existir na manifestação universal. Asclépio: Certamente.
Quem está ligado com as radiações da salva Hermes: E não está completamente cheio, isto
ção, à fonte da força, torna-se santificado, isto é, com muitos outros grandes corpos
é: sanado! E, mediante a maravilha da graça de ou, mais corretamente, com todos os
sua cura, ele se torna um sanador a serviço da corpos existentes?
Gnosis, um amadurecido Asclépio! Asclépio: Isso mesmo.
O Diálogo geral apela principalmente para o Hermes: Consequentemente, o universo é um
nosso discernimento, para o nosso pensar diri corpo.
gido para o interior. Ele não pede de nós que Asclépio: Justo.
apenas ouçamos, mas que também acompa Hermes: A saber, um corpo que é movido.
nhemos, no pensamento e na penetração em Asclépio: Certamente.
nosso próprio ser, até onde pode ser ouvido e Hermes: Quão grande deve então ser o espa
compreendido, em serena quietude e sossego, ço dentro do qual o universo é movi
o eterno chamado da veradeira finalidade da do! E de que natureza? Ele tem de ser
vida dos homens. muito maior do que o universo para
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poder admitir o movimento contí como espaço, mas como Deus; e se
nuo, sem que o universo seja compri pensamos no espaço como Deus, ele
mido pela estreiteza do espaço e te já não é espaço no sentido comum
nha de parar o seu movimento. da palavra, mas sim a força ativa de
Asclépio: Esse espaço deve ser extraordinaria Deus, que tudo encerra.
mente grande, Trismegisto! Tudo o que se move não se move em
Hermes: E de que natureza? De natureza opos algo que é movido por si mesmo, mas
ta, não, Asclépio? Pois bem, o con em algo que é imóvel; e a força mo
trário da natureza do corpo é o triz mesma é igualmente imóvel, não
incorpóreo. podendo partilhar do movimento
Asclépio: Sem dúvida. que ela produz.
Hermes: Então o espaço é incorpóreo! Asclépio: Mas, Trismegisto, de que modo as
Mas o incorpóreo é ou divino por na coisas aqui na Terra se comovimen
tureza ou Deus mesmo! (Com divino tam com as que causam o seu movi
não quero agora dizer o criado, mas o mento? Porque disseste que as esferas
não criado.) Se o incorpóreo é divino pecaminosas são movidas pela esfera
por natureza, é da natureza da essên sem pecado.
cia da criação; e se é Deus, é uno com Hermes: Asclépio, aqui não se trata de um mo
a essência. Aliás, podemos concebê-lo vimento em comum, mas de um mo
com a mente, como segue: vimento oposto! Porque essas esferas
Para nós Deus é o mais elevado para não são movidas na mesma direção,
o qual o pensamento possa dirigir mas na direção oposta. Esse contraste
se. Para nós, mas não para Deus mes oferece ao movimento um ponto fixo
mo! Porque o objeto da reflexão, para de equilíbrio, porque a reação dos
aquele que pensa, torna-se atingí movimentos opostos se manifesta na
vel pela luz da compreensão. Portanto quele ponto como imobilidade.
Deus não é para si mesmo objeto de Visto que as esferas pecaminosas são
reflexão; porque, sendo semelhante movidas numa direção oposta à da
à essência da reflexão, ele reflete so esfera sem pecados, elas, nesse con
bre si mesmo. Para nós, porém, Deus tramovimento, são movidas pelo
é diferente: por isso ele é objeto dos ponto fixo de equilíbrio ao redor da
nossos pensamentos. esfera resistente. E não pode ser de
Ora, se o espaço universal é objeto do outro modo. Vês as constelações da
nosso pensamento, não pensamos nele Ursa Maior e da Ursa Menor, que
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existiria se não fosse preenchido de re- Hermes: Espírito, inteiramente incluído em si
alidade. O que é real, o que existe em mesmo, livre de toda a corporalidade,
realidade nunca pode ser vazio. sem erro, sem sofrimento, intocável,
Asclépio: Mas não há objetos vazios, imovível em si mesmo, tudo envolven
Trismegisto, como um jarro, um do, tudo salvando, libertador, curador;
pote, um almofariz e todas as outras aquilo de que o bem, a verdade, o ar
coisas semelhantes? quétipo do espírito e o arquétipo da
Hermes: Cala-te, Asclépio, como podes errar alma emanam como raios.
tanto! Como podes considerar vazio o Asclépio: Mas o que é então Deus?
que é totalmente cheio e repleto! Hermes: Ele não é nada disso, mas a causa de
Asclépio: Que queres dizer, Trismegisto? tua existência, e de tudo o que é, e
Hermes: O ar não é um corpo? Esse corpo não igualmente de qualquer criatura em
penetra tudo que existe? E não enche particular, porque ele não deixou es
tudo o que penetra? Não é cada cor paço algum para o não ser; tudo o que
po composto de quatro elementos? existe vem a ser do que é e não do que
Todas essas coisas que chamaste vazio não é, porque ao não ser falta o poder
são, pois, repletas de ar, e, sendo pre do vir-a-ser, enquanto, por outro lado,
enchidas de ar, elas o são também dos o-que-é nunca deixa de ser.
quatro corpos dos elementos; assim Asclépio: O que disseste propriamente que
chegamos a uma conclusão justamen Deus é?
te oposta às tuas palavras: tudo o que Hermes: Deus não é a razão, mas o fundamento
chamas cheio está esvaziado de todo dela; não é o alento, mas o fundamen
o ar, porque o seu lugar está ocupa to dele, não é a luz, mas o fundamen
do por outros corpos, não deixando to dela. Por isso, Deus tem de ser ve
lugar para admitir o ar, e todas essas nerado pelos nomes de Bem e de Pai,
coisas que dizes vazias devem antes nomes que convêm somente a ele e a
ser chamadas de plenas e não vazias, nenhum outro, porque nenhum da
pois em realidade estão cheias de ar e queles que são chamados deuses e ne
de alento. nhum dos homens e dos demônios
Asclépio: Tudo isso é claro, Trismegisto. Dize pode ser bom em qualquer aspecto que
me uma vez mais: o que é o espaço seja. Somente Deus, unicamente ele é
no qual o universo é movido? bom, e nenhum outro. Todos os ou
Hermes: É o incorpóreo, Asclépio. tros não podem abranger a essência do
Asclépio: E o que é então o incorpóreo? bem, porque eles são corpo e alma e
carecem de lugar onde o bem possa re Por isso Deus é o bem, e o bem é
sidir. O bem contém o essencial de to Deus. O outro nome de Deus é Pai,
das as criaturas, tanto das corpóreas porque ele é o criador de todas as coi
como das incorpóreas, tanto das per sas, pois criar é a característica do Pai.
ceptíveis como das que pertencem ao Por isso, na vida daqueles cuja cons
mundo do pensamento abstrato. Isso ciência está bem sintonizada, o fazer
é o bem, isso é Deus. Por isso, nunca nascer o filho é uma coisa da maior se
chames qualquer outra coisa de bom, riedade e zelo e da máxima afeição a
porque isso seria impiedade. E nunca Deus; ao passo que a maior infelicidade
chames Deus de outro modo do que o e o maior pecado é alguém morrer sem
bem, porque isto também é ímpio. essa descendência e depois ser julgado
É verdade que todos usam a palavra pelos demônios.
“bom”, mas nem todos percebem o Eis portanto a sua punição: a alma sem
que seja. Por isso, todos não compre filho é condenada a adotar um corpo
endem a Deus e em ignorância cha que não é de natureza masculina nem
mam de bom os deuses e alguns ho- feminina, o que é uma execração sob
mens, apesar de eles nunca poderem ser o Sol. Participa, pois, Asclépio, da ale
nem tornar-se bons, porque o bem é o gria se ninguém ficar sem descendên
absoluto imutável de Deus e insepará cia, mas envolve de compaixão aquele
vel dele, por ser Deus mesmo. Todos os que se encontra na infelicidade, por
outros deuses são, como imortais, hon que sabe da punição que o aguarda.
rados com o nome de deus, mas Deus Asclépio, possa o que te disse constituir
é o bem, não como expressão de hon para ti, segundo a natureza e extensão,
ra, mas em virtude de seu ser! A essên certo conhecimento introdutório em
cia de Deus e o bem são uma só coisa: relação à essência do universo µ
eles formam, em conjunto, a única ori
gem de todos os gêneros, porque bom
Fontes:
é aquele que tudo dá e nada toma! Em Rijckenborgh, J. van. A Arquignosis egípcia. São Paulo:
verdade, Deus tudo dá e nada toma! Lectorium Rosicrucianum , 1986. Tomo II, cap. XIII.
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vivemos em
DIÁlOGO
diálogo: tudo
fala dentro
de nós
“Mas como está escrito: As coisas que
o olho não viu, e o ouvido não ouviu,
e não subiram ao coração do homem,
são as que Deus preparou para os
que o amam. Mas Deus no-las revelou
pelo seu Espírito; porque o Espírito
penetra todas as coisas, ainda as pro
fundezas de Deus.”
Coríntios I, 2:9-10
T
entemos imaginar algo que nenhum
olho jamais viu e nenhum ouvido
jamais ouviu… Tentemos fazer isso
só porque somos seres humanos e quere
mos saber. “Querer saber” é exatamente
o que é típico do fenômeno humano.
Quando, além disso, nosso saber se junta
ao rico mundo das ideias, nós nos eleva
mos e ultrapassamos, aqui embaixo, todas
as outras criaturas da Terra.
Para começar, tomemos a fórmula bem
conhecida do Evangelho de João: “No
princípio era o Verbo”. Na dimensão in
finita do princípio está a fonte não apenas
de um, mas de todos os universos. O oce
ano original das formas não passa de um
simples pontinho naquilo que os gnósticos
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O papiro “Edwin Smith” do antigo Egito trata sobre remédios e tratamentos de ferimentos, por volta de
1600 a.C. (Malloch, Sala de Livros Raros, Academia de Medicina de New York). © Malloch Rare Book Room of the
New York Academy of Medicine
2. autoconhecimento adquirido pela convivên não ser: “Vem a mim!” – e é assim que a cria
cia com nosso semelhante; ção começa!
3. aprender a conhecer o “Outro” dentro de Esse “insondável” traz consigo “uma profun
nós, a alma. didade, um silêncio, uma paz e um movimento
É assim que o mundo se apresenta a nós como secreto”. É um processo como esse que se re
uma fonte inesgotável de impressões, de coisas produz em cada nascimento de um ser humano
a serem vividas, e de uma sequência incessante na matéria. Ele conhece apenas o desejo da es
de novas sensações. Pode ser que a vida se tenha fera de onde ele provém: a mãe. É a única coisa
originado porque “algo divino” quis dar forma de que ele tem consciência: a consciência de
a algo, assim como o criador engendrou a vida, que algo dentro dele está chamando – “Volta!”
a fim de poder perceber a si mesmo. Mas isso
levanta uma questão: a ciência gnóstica fala UM FOGO QUE ALIMENTA A SI MESMO Todo o
sobre o “silêncio” e chama a isso de “o nada” nosso percurso de vida representa um caminho
do profundo “não ser”. E é dessa profundidade de desenvolvimento. Quando não acontece o
insondável que ressoa o chamado do Espírito intercâmbio, o diálogo entre nós e o mundo, a
que, sendo secreto e sagrado, se oculta nesse vida para – e para também a evolução. A alma
se retira. Para preservar-nos disso, as três chaves mesmo”. Portanto, pensar é dialogar dentro de
são uma fonte de inspiração que oferecem reno si mesmo.
vação e aprofundamento.
• A natureza é mestre do ser humano e o ensina SÓCRATES Há muitos diálogos maravilhosos,
a arte de viver. É ela que nos mostra as carac redigidos por filósofos célebres, por grandes
terísticas fundamentais da vida neste mundo: sábios e místicos humildes, por Jesus, por Buda.
e disso surgem as grandes indagações. Se nos Em todos os tempos, em todas as partes do mun
aprofundarmos nesse assunto, veremos como do, encontramos diálogos que nos levam a tri
há intercâmbio entre tudo e como tudo está lhar os caminhos da busca no decorrer da vida.
interligado e é coerente. A natureza é efêmera: Sem dúvida, Sócrates é um mestre nesse gê
sempre está mudando. O verdadeiro buscador nero de diálogo. Em todos os seus diálogos ele
reconhece tudo o que é passeiro como símbolo coloca a questão capital: “Como devo viver?”
e parábola. Sócrates (469-399 a.C.) era um personagem
• Em nossos contatos com nossos semelhantes e bem conhecido em Atenas. Ele considerava
com a natureza, obtemos o autoconhecimento. que sua missão era percorrer todos os dias essa
Percebemos nossos limites, por exemplo, pela cidade, cercado de alguns alunos, muitos deles
convivência com os outros, mas também há a bem jovens, para conversar com todo o tipo de
possibilidade de criar compaixão. Observamos pessoas a respeito “do bom, do belo e do verda
nossa própria impotência e nossas capacidades deiro”. E dizia sobre si mesmo: “Sou a parteira
inalcançáveis – enfim, o que podemos fazer ou de meus amigos” (o que era uma alusão à sua
não. Esses contatos nos fazem descobrir o fato mãe, que era parteira). “Não estou interessado
de que somos únicos, mas, em seguida, vemos no corpo, mas sim na alma que precisa nascer.
que os outros também estão vivenciando a mes Faço perguntas e perguntas, até que o fruto
ma experiência (ou podem fazê-lo um dia!). Em oculto da compreensão possa ver, de repente, a
princípio, somos todos semelhantes e, partindo luz do dia.”
do individual, passamos ao universal. Ele queria “dar à luz” as qualidades divinas que
• Mediante a solidão da autoconsciência e os humanos não sabem possuir, portanto prestar
da vivência de nossos limites, chegamos ao uma espécie de assistência obstétrica espiritual.
“Outro”. Quem conhece a si mesmo é capaz de A ignorância é a fonte de todos os males! Ele
conhecer o Outro dentro de si: a alma. queria libertar os seres humanos de todos os
É isso o que as escolas de mistérios ensinam. obstáculos e limitações que os atormentam e
A iniciação é “silenciar e dialogar com o bloqueiam o desenvolvimento de sua alma.
Outro dentro de nós”. É isso o que represen Em dois diálogos com Tat, Hermes chama
ta a imagem do “fogo que se alimenta a si de “atormentadores” todos esses entraves que
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Ah, escuta minha prece!
Vê como é ilustre e grande
Que eu nunca perca o contato
o esplendor do mundo eterno,
com o Um e Único
que pode partilhar seu poder
no jogo da multiplicidade.
e sua glória por tantos espelhos,
Dante
se colocam à nossa frente e nos manipulam nossa real situação e o que é a alma imortal, o
inconscientemente: “Outro” em nós. Precisamos questionar-nos
“Tat: Tenho, então, atormentadores dentro de sobre qual é o nosso real significado – nós, que
mim, Pai? possuímos uma forma com a qual podemos
Hermes: Não poucos, meu filho, assustadores e expressar-nos. Como aproveitar ao máximo
numerosos! essas circunstâncias e não deixar levar-nos pelos
Tat: Eu os não conheço, Pai. problemas aparentemente insolúveis levantados
Hermes: Essa ignorância é, ela mesma, o pela nossa situação e pelas nossas escolhas?
primeiro castigo, meu filho; o segundo é dor Um dos diálogos de Sócrates trata da busca da
e aflição; o terceiro, incontinência; […] Esses natureza essencial da alma imortal e do cor
castigos são doze em número, porém entre esses po humano mortal. O diálogo começa pela
há numerosos outros que, mediante a prisão questão da importância da vida humana para a
do corpo, pela natureza, forçam o homem a alma, uma vez que o homem morre, enquanto
sofrer pelas atividades dos sentidos. Afastam-se, a alma continua. Será que precisamos cuidar de
porém, (embora não imediatamente) daque nossa alma? Citemos uma passagem da última
le a quem Deus mostra sua misericórdia; e conversa de Sócrates antes de sua morte:
essa última explica a natureza e o sentido do “Achas, então, perguntou, que podemos admitir
renascimento!”.2 duas espécies de coisas: umas visíveis e outras
Ignorância é o grande flagelo que aflige a invisíveis?
humanidade. E a Bíblia nos transmite esta Podemos.
lamentação: “O meu povo está sendo destruído Sendo que as invisíveis são sempre idênticas a si
porque lhe falta o conhecimento” (Oseias 4:6), mesmas, e as visíveis, o contrário disso?
o que representa a mesma ideia. Por falta de Admitamos também esse ponto, respondeu.
conhecimento devemos entender “não dialogar Então, prossigamos, uma parte de nós mesmos
com a Divindade”. Isso significa não conhecer não é corpo, e a outra não é alma?
a existência da Divindade, não ocupar-se com Sem dúvida, falou.
ela. A ilusão de que o corpo e suas percepções E com qual daquelas classes diremos que o cor
sensoriais são o que há de mais elevado na vida po é mais conforme e tem mais afinidade?
do ser humano nos isola da Divindade! Ora, o Para todo o mundo é evidente que é com a das
ser humano é duplo: seu corpo é mortal, e sua coisas visíveis.
alma, imortal. E com relação à alma? É visível, ou será
Precisamos preocupar-nos seriamente com invisível?
a pergunta: “O que estamos fazendo aqui?”. Pelo menos para o homem, não o será,
Precisamos esforçar-nos para compreender Sócrates, respondeu.
é sempre com vista à natureza humana. Ou mento e sempre se repete: “Volta! Retorna!”
E a alma? Que diremos dela: poderemos vê-la Um texto de Martin Buber (1878-1965) relata
rar alguma coisa por intermédio da vista ou do – Acreditas que a Escritura é eterna e abrange
ouvido, ou por qualquer outro sentido – pois cada época, cada geração, e cada ser humano?
considerar seja o que for por meio dos sentidos – Sim, acredito – disse ele.
é fazê-lo por intermédio do corpo – é arrastada – Pois bem, Deus sempre se dirige a cada ser
por ele para o que nunca se conserva no mesmo humano e pergunta: ‘Onde estás no mundo?
estado, passando a divagar e a perturbar-se, e Já se passaram tantos anos e dias que te foram
ficando tomada de vertigens, como se estives concedidos. Nesse meio tempo, até onde che
Sim, dissemos isso mesmo. Adão. É a ti que Deus pergunta: ‘Onde estás?’
E o contrário disso: quando ela examina sozi Se Deus nos faz essa pergunta é porque quer
nha alguma coisa, volta-se para o que é puro, provocar em nós o conflito que pode susci
ele enquanto permanecer consigo mesma e lhe Adão esconde-se para não ter de prestar con
for permitido, deixando, assim, de divagar e tas, para escapar à responsabilidade que tem
pondo-se como relação com o que é sempre sobre a própria vida. É assim que cada um de
igual e imutável, por estar em contato com ele. nós se oculta, pois todos nós estamos na mesma
A esse estado, justamente, é que damos o nome situação de Adão. Para não termos de pres-
de pensamento.” (Fédão, XXVI, XXVII).3 tar conta de nossa vida, a própria existência
Nesse trecho, o problema é colocado de forma nos serve de esconderijo. É claro que há algo
categórica: as duas situações não são nem cons em Adão que busca a Deus – mas Adão cuida
tantes nem duráveis. Trata-se de resolver o que para que fique cada vez mais difícil para esse
o homem significa. Durante toda a nossa vida, algo encontrar Deus. Fazendo essa pergunta
18 pentagrama 1/2011
Então, num relampejar de discernimento interior, o conheci-
mento da alma pode manifestar-se em nossa consciência!
questionadora, Deus quer sacudi-lo, arrancá energias elevadas – mas na realidade do mundo
lo de seu esconderijo, mostrar-lhe até onde ele ela é arrastada para uma aventura cada vez mais
chegou. Deus quer despertar nele uma vontade agitada através da vida, e aprende o prazer de
firme de encontrar uma saída. Mas o hábito de conhecer a natureza. Isso vai tão longe que, de
sempre esconder-se também ajuda Adão a negar tão fragilizada que está, ela pensa que a vida
essa inquietação do coração. No entanto, essa deva ser assim mesmo…
voz que chama não soa quando uma tempes Nossa característica como seres humanos é que,
tade violenta ameaça a existência humana. graças à Gnosis, a partir dessa fragilidade que
Não, a voz que chama e questiona é a de ‘um pode ser comparada a um sono, podem surgir a
silêncio que aflora por um momento’, e é fácil inteligência gnóstica e a energia libertadora que
abafá-la.”4 a acompanha.
J. van Rijckenborgh, em seu livro A Arquignosis Então, num relampejar de discernimento
egípcia, tomo IV, trata esse assunto com bastante interior, o conhecimento da alma pode mani
concisão: “Por que tendes forma corpórea? Para festar-se em nossa consciência! Disso resulta
vos atolardes aqui durante alguns anos em todas uma mudança profunda e fundamental: desse
as misérias possíveis e exercerdes uma ou outra momento em diante a alma toma as rédeas da
vocação burguesa, a fim de manterdes a cabeça situação. Ela questiona-se: “O que preciso fazer
fora da água e então morrer? Para vos afogar para recuperar o meu primeiro amor?” µ
no éter nervoso todos esses anos? Na maldade?
Fontes:
Por que tendes forma corpórea? A forma Hermes Trismegistus. Inleiding, teksten, commentaren
corpórea, diz Hermes, é um instrumento, um (Hermes Trismegisto. Introdução, textos, comen
tários). Amsterdam: Bibliotheca Philosophica
atributo da alma para se poder apresentar a seu Hermetica, 2006.
serviço, como seu servidor.”5 2 Trismegisto, H. Corpus Hermeticum, Décimo
O desejo da alma original é absolutamente quarto livro. In: Rijckenborgh, J. van. A Arquignosis
puro: ela não quer nada mais do que refletir egípcia. São Paulo: Lectorium Rosicrucianum, 1981.
Tomo IV.
sobre sua criação original e desenvolver outras 3 Platão. Fédão. In: Protágoras, Górgias, Fédão.
aptidões que recebeu do Altíssimo. E, como Belém: Editora Universitária UFPA, 2002.
ela é “invisível”, sua felicidade está nas peque 4 Buber, M. Der Weg des Menschen nach der chas
nas coisas intangíveis, pois ela foi criada para sidischen Lehre (O caminho do homem segundo
a doutrina hassídica). Gütersloh: Gütersloher
ligar-se ao espírito invisível e aí encontrar sua Verlagshaus, 2001.
paz. Ela não quer nada mais do que receber, 5 Rijckenborgh, J. van. A Arquignosis egípcia. São
das mais altas esferas, seu alento de vida ou suas Paulo: Lectorium Rosicrucianum , 1981. Tomo IV.
20 pentagrama 1/2011
diálogo sobre
a criação
DIÁlOGO
A
linguagem da criação sussurra através das e se dissociam. […] A árvore não é uma impres
árvores, rumoreja nos riachos, mostra são, nem um efeito de minha imaginação: ela não
nos sua beleza nas flores, revela a vida à tem valor sentimental, mas está diante de mim
luz do sol. Desvenda seus mistérios à luz da lua, com toda a sua vitalidade. Ela tem a ver comigo,
a esperança, nas estrelas, e a alegria, no vôo dos como eu tenho a ver com ela, mas de forma to
pássaros. Podemos caracterizar Jacob Boehme talmente diferente”.2
como “um filósofo da natureza”. Em seu livro
Christosophia, ele diz: Alguém poderia dizer agora: a árvore produz o
“Vemos a grandiosa construção de Deus na natu oxigênio necessário para minha respiração – por
reza e sabemos, por meio Dele, que sua vontade tanto, ela é necessária à minha existência e a na
é que seu Verbo se revele na luz da natureza. Essa tureza é minha fonte nutriz, pois sem ela eu não
força da natureza ainda não foi domada”.1 conseguiria viver. Mas esse é o sinal característico
Podemos vivenciar a natureza e estabelecer uma da criação como um todo: tudo se mantém uni
ligação com ela permitindo que a experimente do. Estudar a natureza é estudar sua linguagem
mos. Em seu livro Eu e tu, Martin Buber dá um simbólica, ou sua organização estrutural e as leis
exemplo que pode exprimir esses pensamentos pelas quais ela se manifesta.
com mais precisão:
“Contemplo uma árvore. Sou capaz de assimilá Olhemos agora para a natureza como um li
la como a imagem de um pilar que se ergue reto. vro surpreendente onde podemos ler e desco
A luz toca o verde resplandecente de seu cume, brir o que ela quer nos dizer sobre o pensamen
e, através dele, aparece o suave azul prateado do to hermético: “O que está embaixo é como o que
céu em segundo plano. Posso também percebê está em cima”. O “pequeno” é como o “gran
la como movimento, considerando suas veias que de”. Como microcosmo, o homem é um peque
correm, aderem e aspiram no coração da madei no mundo construído à imagem do macrocosmo,
ra, a sucção das raízes, a respiração das folhas, a que é o grande mundo.
circulação sem fim entre a terra e o ar – o pró Vemos o sol como o centro do sistema planetário
prio sombrio crescimento”. e como fonte de vida. O centro do ser humano
Posso, de certa forma, me incorporar a ela e ob é o coração, com seu núcleo divino. Onde está a
servá-la como exemplo, de acordo com sua estru fonte do sol? Onde fica seu centro? E onde esse
tura e sua maneira de viver. Posso me despren núcleo está instalado? Essa é a questão que tanto
der da forma da árvore para só reconhecer nela aproxima quanto distancia a religião e a ciência.
a expressão das leis por meio das quais as forças É essa a pergunta com a qual nos deparamos, de
contrárias conseguem, aos poucos, o equilíbrio. tempos em tempos: “Você acredita na existência
Ou então, posso ver como as matérias se juntam de Deus ou algo parecido?”
O QUE HAVIA ANTES DO BIG BANG? de átomos se encontra uma informação comple
resposta dada por Aries Bos, um clínico geral ho está subjacente’. Poderíamos dizer: ‘debaixo da in
landês e professor de Filosofia da Ciência em seu formação’. Portanto, qualquer substância represen
livro Hoe de geest de stof kreeg (Como o espírito re ta informação – e podemos considerar esta pala
cebeu a matéria?): “Afinal, por que existe algo e vra como um conceito moderno para ‘sabedoria’.
não apenas o nada? Essa é uma pergunta impossí Quando mencionamos ‘informação’, estamos fa
vel de ser respondida, não é mesmo? Isso me im lando de sabedoria’ – portanto, de espírito. Isso
pressiona incrivelmente. Bem, de acordo com a significa que não há matéria sem espírito. Os ho-
Física atual, admitimos que tudo começou com o mens sempre imaginaram que a sabedoria poderia
Big Bang. É apenas um nome, uma teoria científi flutuar livremente no ar. Assim como o Espírito
ca. Quer dizer que antes disso não havia nada? O de Deus que ‘se movia sobre a face das águas’
Big Bang não teria uma causa? Vocês não acham (Gênesis 1:2), ou como o Espírito Santo. A ciência
isso espantoso? Sempre tenho o sentimento de física já aceita o fato de que ele não é visível. Na
que simplesmente não queremos ver o que havia verdade, a única coisa visível é a matéria subjacen
antes, como fazemos sempre. E então: já que não te: a substância. E o verdadeiro princípio, a infor
há uma causa, foi Deus quem fez tudo? mação primordial, nós a chamamos de Deus”.3
Esperem, ainda não abordei totalmente a ques A conclusão do livro mostra que a finalidade da
tão de Deus. O que quero dizer é que a energia criação é fazer com que a humanidade escolha o
e os quarks têm uma causa, e essa causa somente amor em total liberdade. Afinal, o espírito ape
pode ser descrita como informação. No princípio nas se liga à matéria por meio de um ser que é
tudo era informação. No princípio havia o Verbo. suficientemente livre para escolher seu próprio
fra, número, palavra, pensamento (como conteú Sigamos agora um colóquio descrito por
do) e espírito (como força criadora). ‘Informação’ Giordano Bruno no livro Acerca do infinito, do
poderia ser uma tradução moderna. O Big Bang universo e dos mundos (primeiro colóquio entre
causou ondas. As ondas podem funcionar como Elpino, Filóteo, Fracastório e Búrquio), que dá
portadoras de informação, como os fótons. A ma uma visão profunda da relação entre o homem e
energia’ – e, mais uma vez, em forma de ondas. Filóteo: Como é possível que o universo seja
22 pentagrama 1/2011
ordem deles? Porque cada ordem é determinada exatamen e cobre o firmamento todo em sua rotação. Quem é o
te pelo número e pelo lugar. O Sol, o supremo dos deuses possuidor desse instrumento? Quem estabeleceu ao mar os
da abóbada celeste, a quem todos os deuses celestiais seus limites? Quem deu à Terra o seu fundamento?
concedem reverente lugar como a seu rei e soberano, É, ó Tat, o criador e senhor do universo. Nenhum lugar,
imensamente grande, maior que a Terra e o mar, permite nem número, nem medida como expressão da ordem
que menores estrelas se movam acima dele. Por reverência cósmica seria possível sem aquele que os criou. Pois toda a
ou por temor a quem, meu filho? ordem é o resultado de uma atividade criadora. Unicamen
Não descreve cada uma dessas estrelas um mesmo curso te quando a ordem e a medida faltam, fica provada a sua
no céu? Quem determinou para cada uma delas sua nature ausência.
za e a grandeza de seu curso?
Veja a Ursa Maior, que gira em torno de seu próprio eixo Hermes Trismegisto. Corpus Hermeticum, oitavo livro, Hermes a seu filho Tat 5
Elpino: Julgam que se pode demonstrar essa bastante elucidativo e testemunho suficiente, o
infinidade? fato de os sentidos não terem força para nos con
Filóteo: Julgam que se pode demonstrar essa tradizer, e ainda mais, evidenciando e confessan
finidade? do a sua debilidade e insuficiência na aparência
Elpino: De que extensão falas? de finitude causada pelos limites do seu hori
Filóteo: E tu de que limites falas? zonte; e até nisto se vê a sua inconstância. Ora,
Búrquio: Ainda que isso seja verdade, não que como temos por experiência que eles nos enga
ro crê-lo; porque não é possível que esse infinito nam, com respeito à superfície deste globo em
possa ser compreendido pela minha cabeça, nem que nos encontramos, muito mais deveríamos
digerido pelo meu estômago; embora, na verda suspeitar deles, no que diz respeito ao termo que
de, eu desejasse que fosse como diz Filóteo, pois nos faz compreender a concavidade estrelada.
que, se por má sorte me acontecesse cair fora Elpino: Diz-me então: para que nos servem os
deste mundo, encontraria sempre outras terras. sentidos?
Elpino: Decerto, Filóteo, se nós quisermos fazer Filóteo: Somente para excitar a razão; para, em
dos sentidos juiz, ou dar-lhes a primazia que lhes parte, tomar conhecimento, indicar e testemu
cabe, pelo fato de todo o conhecimento provir nhar, não para testemunhar tudo; não servem
deles, concluiremos, talvez, que não seja fácil en para julgar, nem condenar. Porque, nunca, por
contrar o meio para chegar ao que tu dizes, de mais perfeitos que sejam, são isentos de alguma
preferência ao contrário. Agora, se quiseres, co perturbação. Por conseguinte, a verdade em mí
meça por fazer-me compreender alguma coisa. nima parte brota desse débil princípio, que são
Filóteo: Não existe sentido que veja o infinito, os sentidos, mas não reside neles.
nem sentido a que se possa pedir essa conclusão, Elpino: Onde está, então?
porque o infinito não pode ser objeto dos senti- Filóteo: No objeto sensível, como num espelho;
dos; por isso, quem procurar conhecê-lo por essa na razão, sob o aspecto de argumentação e dis
via, é como quem quisesse ver com os olhos a curso; no intelecto, sob o aspecto de princípio
substância e a essência; e quem a negasse por não ou conclusão; na mente, como forma própria e
ser sensível, ou visível, viria a negar a própria viva.4
substância e o ser. Por conseguinte, deve haver
cautela em recorrer ao testemunho dos sentidos, HERMES E TAT Segue-se que o homem, que pro
que só admitimos em relação a coisas sensíveis, vém em grande parte da natureza e vive por
e ainda com certa dúvida, se não concorrerem, meio dela, pode aqui fazer a experiência de que
juntamente com a razão, para o juízo. Ao inte há algo mais do que a natureza. Como ser da na
lecto compete julgar e dar razão das coisas afas tureza, ele não pode perceber um pouco que
tadas no tempo e no espaço. Quanto a isto, é seja da realidade através da natureza tal como ela
24 pentagrama 1/2011
Pouco a pouco, o homem reconhecerá interiormente
a voz do Deus original que conversa com ele!
vós”. Apesar de ele haver-se expressado de forma 1 Boehme, J. Cristosophia: der Weg zu Christo
tão clara, poucos são os que escutam essas pala (Cristosophia: o caminho para Cristo). Frankfurt:
Insel, 1992.
vras como se fossem dirigidas a si mesmos. 2 Buber, M. Eu e tu. 10. ª ed. São Paulo: Centauro, 2006.
No próximo artigo continuaremos a tratar da 3 Bos,A. Hoe de geest de stof kreeg: de evolutie van het
“totalmente outro” – caminho que leva a um di 3.ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.
álogo interior, no qual, afinal, é o próprio ser 5 Rijckenborgh, J. van. A Arquignosis egípcia. São Paulo:
Carta de um viajante
26 pentagrama 1/2011
DIÁlOGO
A
té agora temos tentado descobrir como Jesus diz: “Se vos conhecerdes, sereis conheci
o ser humano, desde a aurora dos dos e sabereis que sois filhos do Pai vivo. Mas,
tempos, é chamado para voltar, para se não vos conhecerdes, vivereis na pobreza, e
retornar: “Vem a mim!”. É a ele que são diri vós mesmos sereis essa pobreza” (Evangelho de
gidas essas palavras tão significativas dos mitos Tomé, logion 3).
ancestrais da criação. Depois disso, considerando a natureza das
Esse chamado para o retorno do Omnia ab coisas, queremos ter uma atitude despojada
Uno – Omnia ad Unum (tudo vem do uno e de egocentrismo. E aqui aparece uma arma
tudo retorna ao uno) chega a cada ser huma dilha. Será que o autoconhecimento serviria
no. Significa o retorno ao fundamento de sua apenas para saber como é que o psíquico e o
existência: desde o começo, quando acaba emocional se associam? Os questionamen
de nascer e sua alma pura é ligada a um belo tos psicológicos como: “O que isso tem a ver
e magnífico corpo – o que, por si, já é uma comigo?” “Como estou me sentindo?” – e
completa maravilha. Mas logo observamos outras perguntas como essas estão logo abaixo
que o ser humano vive bloqueado em uma da superfície. Isso sem falar nas camadas do
inércia existencial, passando pelos aconteci inconsciente, que afloram espontaneamente,
mentos e tristezas da vida na terra. Ele mal chamando a atenção da consciência. Entran
consegue assegurar sua sobrevivência. A partir do nesse domínio, podemos dizer que não é
de certa idade, as circunstâncias exigem todo assim que procuramos conhecer a nós mesmos.
o seu tempo. Portanto, a partir de sua juven Conhecemos apenas as colunas, os pilares e
tude, ele chega à consciência, à compreensão cúpulas não demolidos do passado, que são, na
de sua situação. Isso faz com que ele veja o verdade, uma construção cambaleante – entre-
que pode fazer quanto a seus parentes pró tanto, perfeitamente real: trata-se da consciên
ximos e observar os erros que comete em cia que chamamos de “eu”, e que muitas vezes
relação aos outros. se apresenta amável, brilhante, vergonhosa,
Vemos como tudo isso nos impulsiona em di ciumenta e assim por diante. Definitivamen
reção à consciência, ao conhecimento do que te, não é a imagem de um verdadeiro homem
é o mundo ao nosso redor, e ao conhecimento superior.
de nós mesmos neste mundo. Conseguimos
descobrir por que está gravado no frontão do De certo modo, intuímos que o ser verdadeiro
célebre Templo de Apolo em Delfos: “Ho deve encontrar-se em outro plano e agir por
mem, conhece-te a ti mesmo”. São palavras meio de outras faculdades. E é nessas trocas
originadas no Egito e completadas pela frase: com o outro ser humano, e com o “Outro no
“E conhecerás a natureza e os deuses”. ser humano”, que aprendemos a conhecê-lo.
sobre o homem 27
O homem, representação na forma de sequências CTAG (citosina, timina, adenina, guanina) do código do ADN
(ácido desoxirribonucleico, ou DNA, em inglês).
VIVER POR MEIO DO OUTRO Segundo o coisas imateriais. Todas essas “outras coisas”
filósofo lituano Emanuel Lévinas (1906-1995) são da mesma natureza: elas constituem nosso
podemos dizer que vivemos exclusivamente “eu”, são suas propriedades. Mas com o tem
por meio do outro. Com o nosso nascimento, po, essa forma de vida e essas posses já não nos
começamos, antes de tudo, a nos familiari satisfazem, pois não nos colocam em situação
zar com os que nos rodeiam. É o primeiro de aprender a conhecer a realidade do que é o
horizonte, onde tudo se vai delineando. Os outro. É assim que deixamos para trás a facul
outros fazem parte de nós à medida que se dade mais importante que poderia elevar-nos
alegram com nossa existência e a tornam mais acima de nosso instinto de conservação. Essa
fácil. Desde o início, possuímos o instinto de faculdade é o amor.
conservação, e, em função disso, nos servimos Os grandes pensadores dizem que não há
de todas as coisas que estão ao nosso alcance. felicidade maior do que conhecer o outro. Na
Asseguramos nossa autonomia ao apropriar filosofia hindu, os Vedas ensinam que não há
nos de tudo. Absorvemos alimentos e bebi diferença entre o outro e nós. Tat tvam asi,
das, alugamos filmes, utilizamos nosso carro, ou seja: “Tu és isso”. E comparam o outro a
possuímos livros, uma moradia, e também Brahma. Com o mesmo espírito, Jesus disse:
28 pentagrama 1/2011
O ser humano é aquele que aprende, que dá e toma,
que pode dizer: tenho necessidade de você!
“Ama a teu próximo como a ti mesmo”. Um não vejo apenas o seu olhar, mas muito mais.
poeta persa fala de forma lírica do “fogo que Vejo um mundo, uma história no futuro, a
alimenta a si mesmo”, assim como da “fonte necessidade que essa pessoa tem de mim. Tudo
inesgotável” – outra coisa que estimula a nossa isso é muito comum, aqui, no tempo. Mas se
verdadeira natureza: o amor. Ser interpelado eu conseguir enxergar nessa pessoa o homem
pelo outro é o começo da verdadeira liberta original, é porque, em meu imo, o homem
ção. Para começar, servimo-nos da criação em original já foi despertado e meus olhos se abri
torno de nós a fim de assegurar nossa própria ram, iluminados pelo Espírito!
existência. Em seguida, a criação se abre para
nós e nos interessamos por essa maravilhosa TRANSCENDER O INSTINTO DE
criação que nos rodeia. Então, começamos a CONSERVAÇÃO A primeira e maior etapa
perceber o outro ser humano, pela primeira rumo à libertação definitiva acontece
vez. E, assim, passamos da surpresa para a ad quando nos abrimos e sentimos amor e
miração, e da admiração para “uma balbucian preocupação com o outro. Essa é uma nova
te adoração”, nas palavras de J. van Rijcken responsabilidade: podemos aprender a estar
borgh. E nos damos conta de que, sem esse unicamente a serviço do outro, a nos abrirmos
outro ser humano, não existiríamos. completamente para o outro, esse ser único,
O ser humano é aquele que aprende, que dá tão especial. Não é que o próprio ser humano
e que recebe. Ele pode dizer: “eu preciso de não seja importante – ao contrário! Não é
você” e suplicar “tenha necessidade de mim!” Jesus, o portador do Cristo, que nos diz:
Ele sabe se fazer pequeno como Lao Tsé acon “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”?
selha: “Ele é como a água e busca os lugares Daí as sábias palavras dos rosa-cruzes: “Servir
mais baixos para acumular-se e correr em em autoesquecimento é sempre o caminho
direção ao vasto oceano” (Tao Te King, capítu mais curto e mais alegre para se chegar a
lo 66). Deus”. É um fabuloso segredo, talvez o maior
de nossos deveres em nossa época.
Somente numa vida com os outros e para Segundo Lévinas, o ser humano precisa trans
os outros é que podemos ser alguma coisa e cender seu instinto de conservação. Viver é
realizar nossa autodescoberta. O que acontece estar em todo lugar, pensando e dando sen
quando encontramos alguém? Na maioria das tido à vida: é poder ajudar, instruir, de olhos
vezes, ficamos meio conscientes um do ou abertos para o bem-estar de todos. “O reino
tro, e nada mais fazemos do que passar diante de Deus está dentro de vós”, diz o Evangelho.
dessa pessoa. Por exemplo: alguém chega para Mas somente o encontraremos no serviço ao
falar comigo, e, num instante, tudo muda – eu próximo.
sobre o homem 29
O não ser é o espelho do ser absoluto.
Shabistari
O homem-alma, o ser verdadeiramente ma meio que os cerca, com o que está fora deles.
duro interiormente, levanta seus olhos em Digamos que, pelo contato com nossos se
direção ao Espírito, embora seu coração esteja melhantes, aprendemos a nos conhecer. Mas
voltado para todos os seus irmãos. Estas pala onde anda nossa capacidade de conhecer? O que
vras são ainda mais claras: “Se vossos guias vos é conhecer, de fato? Espinosa responde em sua
disserem que o reino está no céu, então as aves Ética: “A compreensão sem o poder mental do
vos precederam; o reino está no mar, então espírito é o método pessoal do ser: ela o man
os peixes vos precederam. Mas, o reino está tém fixo em si próprio” (Espinosa. Ética, 14).
dentro de vós, e também fora de vós. Se vos Com nossos sentidos, percebemos as dimen
conhecerdes, sereis conhecidos (Evangelho de sões do espaço-tempo. Visto que nossas per
Tomé, logion 3). cepções desencadeiam nossos pensamentos,
Aqui o reino está diretamente ligado ao pro sentimentos e vontades, chegamos a uma com
cesso de autoconhecimento: é a vida espiritual preensão com base em nossas percepções. É as
propriamente dita. O reino é “um estado de sim que nos identificamos, e isso nos conduz à
consciência, aqui e agora”, verifica Jacob Sla consciência experimental. A natureza circun
venburg em seu livro Inleiding tot het esoterish dante nos estende um espelho que nos oferece
christendom (Introdução ao cristianismo eso nossa visão da vida. Na verdade, é esse espelho
térico), e ele acrescenta que os ensinamentos que constitui a base de nossa existência. Se, no
de Jesus incitam seus ouvintes a se tornarem decorrer de nossas experiências, ficarmos blo
conscientes de si mesmos, tal é o reino. queados nesse ponto e nada fizermos com essa
Trata-se da consciência da realização total do sabedoria, nosso desenvolvimento estagnará.
ser humano – mas isto apenas pode ocorrer “Nós nos fixamos em nosso próprio ser”, diz
em colaboração com o outro. E apenas pode Espinosa. Vemos o mundo através da consci
acontecer onde a verdadeira ligação se torna ência que nós próprios constituímos e vemos
possível: no domínio da alma. É aí que se dá o tudo através de nós mesmos. Não vemos o
verdadeiro “diálogo”. sol, mas sim a idéia que fazemos dele: vemos
apenas nossas próprias projeções. Não ouvimos
ESPINOSA Diálogo é uma conversa entre duas nossos interlocutores, mas sim nossas próprias
pessoas que respondem, cada uma na sua vez: é interpretações do que ouvimos.
uma troca de ideias, de opiniões – uma ligação Espinosa também fala a respeito de um conhe
mútua. Os dois oferecem, um ao outro, um cimento que nos permitiria entender as coisas
reflexo de si próprios. Nesse reflexo, tentam em sua essência. Nosso poder mental não é
alargar suas visões, aprender um com o outro. espiritual. Somente o será quando nossa inteli
É uma oportunidade de aprenderem com o gência for guiada pelo poder mental do Espíri
30 pentagrama 1/2011
Homem e vacas sobre uma ponte na Geórgia. © Archil Kikodze
to e aí perceberemos a essência das coisas. Ele respeito desse conhecimento, dessa sabedoria
acrescenta: “O Espírito tem o poder de nos do amor. Essa “essência das coisas” fala como
dar todas as imagens ou impressões formais uma voz interior. Hermes diz ao buscador:
das coisas – e isso até chegar à idéia de Deus”. “Porque o que é criado, vem a ser, como já
“Todas as imagens, à medida que se referem a foi dito, por outro; ora, nada pode existir, que
Deus, são verdadeiras, porque todas as imagens já não fosse antes que tudo viesse a ser, com
existem em Deus e correspondem inteiramen exceção do que ele mesmo nunca veio a ser: o
te ao que ele representa, logo são verdadeiras” criador. […] Além disso, todas as criaturas são
(Espinosa. Ética, 32). visíveis; ele porém, é invisível. É justamente
por isto que ele cria; para tornar-se visível!
O AMOR “Quem faz do amor uma verdadei Assim ele cria incessantemente; e assim se faz
ra imagem, sabe que sua concepção é justa e visível. Desse modo deve-se pensar, e, desse
não pode duvidar de sua verdade” (Espinosa. modo, chegar à admiração, e a considerar-se
Ética, 43). bem-aventurado por ter aprendido a conhecer
Uma grande quantidade de interpretações e o Pai” (Hermes Trismegisto, Corpus Hermeti
de informações não traz o conhecimento da cum, Livro XV, vers. 3-5).
essência das coisas. A essência das coisas per Podemos vivenciar esse pensamento esbo
tence a um estado que se encontra muito além çado por Hermes quando nosso pensamento
de nosso espaço-tempo: é um estado com o comum, nossa faculdade de entendimento
qual, em princípio, só temos algo em comum descobre que é “pobre de espírito”. Quando
– o amor. Nosso ser microcósmico – que é o o Espírito ainda não pode manifestar-se na
homem verdadeiro, cuja transcendência nos alma, ele em realidade não vive. Essa compre
envolve e penetra – fala-nos constantemente a ensão é a porta que leva à verdade.
sobre o homem 31
Realizar a iniciação é silenciar e encontrar-se em verdadeiro
intercâmbio com o outro. No silêncio, o outro fala!
Amor é ligação. É o amor que lança uma pon Logos, irá glorificar-se no diálogo mantido
te entre o buscador que aspira à libertação e o com sua criatura, o homem criador. Esse é o
mundo do “reino de Deus”. Afinal, no mundo significado da expressão “o fogo que alimenta
verdadeiro, somos semelhantes ao que vemos, a si mesmo”, ou “a fonte única e inesgotável”.
às coisas que atraem nosso coração. Então, o ser humano estará sobre outro funda
Sobre isso, Felipe diz em seu evangelho: mento existencial. O que é conhecido já não
“Ninguém pode ver algo das coisas impere estará fora do conhecedor µ
cíveis a menos que se torne como elas. Não é
assim que se passa com o homem neste mun
do: ele vê o sol, sem ser o sol; vê o céu, a terra
e todas as outras coisas, mas não é essas coisas.
Mas, se vês algo do reino da verdade, tornas-te
verdade. Se vês o Espírito, tornas-te Espírito.
Se vês o Cristo, tornas-te o Cristo. Se vês o
Pai, tornas-te o Pai. Assim, aqui neste mundo
vês todas as coisas e não vês a ti próprio. No
outro mundo, contudo, vês a ti mesmo, por
que o que nele vês, nisso tu te tornas” (Evan
gelho de Felipe, logion 36).
Deus quer ser conhecido por todos. E, para
isso, ele nos oferece tanto o outro ao nosso re
dor como o “Outro” em nós. Ele nos oferece a
faculdade do não ser, que é, em si, a pureza. O
não ser é como um espelho no qual Deus vê a
si mesmo e nós nos vemos nele.
Realizar a iniciação é silenciar e encontrar-se
em verdadeiro intercâmbio com o outro. No
silêncio, o outro fala! Se nós, seres humanos,
abandonarmos nossa lógica limitada, Deus, o
32 pentagrama 1/2011
Página de uma
alocução do mestre
Eckhart (Universi
dade Georg-August,
em Göttingen).
sobre o homem 33
conversa consigo mesmo
Hermes, Pimandro
Q
uero marcar uma entrevista. — Que suposição?
— O Senhor tem hora marcada? — A suposição de que existe um mestre invisível
— Pra dizer a verdade, não. Mas preciso que realiza o trabalho.
marcar uma entrevista. — A base de tudo é a sabedoria – tanto a ociden
— Qual seria o assunto? É alguma coisa grave, tal como a oriental. E a sabedoria universal, como
séria? Seria a respeito de Deus? Ou a respeito de a conhecida tradição do cristianismo ocidental,
futilidades? diz: “Meu jugo é suave, e meu fardo é leve”.
— As duas coisas. É sobre a vida dos homens, que Com isso, quero dizer que o mestre interior torna
é pesada para muitos e leve para poucos. leve o que é pesado. É isso o que chamam de
— Por que o Senhor gostaria de discutir sobre “caminho da cruz”.
isso? — Mas você está se baseando na fé das autorida
— Quero sondar se é possível tornar mais leve a des. Ainda não compreendeu nada por si mes
vida de um grande número de pessoas, oferecen mo e, além do mais, não encontrou resposta às
do-lhes a possibilidade de se desvencilharem do perguntas: “Por que todos as pessoas precisam ser
“peso” de sua vida. libertadas?” e “Quem realizará essa tarefa, você?”
— Resumindo: trata-se de conquistar a libertação? — Entendo que preciso sondar mais profunda-
— Isso mesmo. mente. Gostaria que pudéssemos fazer isso juntos,
— Acho que desejar obter libertação para si mes pois acredito que vale a pena. Mas acho que seria
mo é uma atitude bastante egocêntrica. melhor começar depois da minha “entrevista”.
— Mais ou menos. Imagino que, para libertar Está combinado?
outras pessoas, seja preciso primeiro libertar-me, — Sim, claro que vale a pena! Sinceramente,
com base em certas condições favoráveis. Esse não também me preocupo com esse tema. Não só o
seria o único meio viável? considero interessante como também acho que os
— Quanta pretensão! Quem o senhor pensa que homens deste mundo precisam aprender a livrar
é para decidir que deve ser o primeiro a livrar-se se do peso de sua vida.
do peso da vida para que os outros sejam libertos? — É por isso que estou solicitando uma entrevista
— Olhe só o que acontece comigo: não con de seleção.
sigo libertar a mim mesmo, mas quem opera — Muito obrigado.
esse trabalho em mim, sem que eu compreenda
exatamente como, é uma força magistral, que FALAR DEMAIS, FUGINDO DO TEMA Um bom
não consigo controlar, invisível. É por isso que eu diálogo é o que envolve interlocutores que acre
gostaria de marcar essa entrevista. ditam nos mesmos valores, são dotados do mesmo
— Tudo bem. É possível. Mas qual é a base dessa bom senso e pensam que as almas – tanto as almas
suposição? que somos quanto as que nos tornamos – possam
34 pentagrama 1/2011
DIÁlOGO
encontrar-se no plano mental para trocar ideias. para a igualdade de posições. Poderes, institui
Essa troca deve conduzir à compreensão mútua. ções, interesses, lucro, apologias, lutas… todos es
Mas, sobretudo, deve levar a uma nova e mais ses sistemas do mundo organizam-se de tal modo
ampla compreensão das situações com as quais que um diálogo “aberto” se torna coisa rara.
somos confrontados nesta vida. Muitas vezes, o início de um “diálogo aberto”
Essa compreensão pode consistir em uma se degenera rapidamente e vira uma batalha verbal,
quência de ideias cada vez mais sublimes, ligadas na qual um dos campos precisa sair vencedor. Um
de modo vivente a cada pessoa que se comunica, comediante holandês, André van Duijn, definiu
à consciência de cada uma delas. esse fenômeno como “falar demais, fugindo do
Podemos dizer que um diálogo deve ser “esta tema”. Na sua opinião, essa é a marca registrada
belecido”? Ele deve desenvolver-se baseado na da comunicação moderna. Só muito excepcional
crença dos “mesmos valores” e no “mesmo bom mente é que as pessoas se encontram para trocar
senso”? ideias com base nos mesmos valores e no mesmo
Sim. Afinal, no palco deste mundo não há lugar bom senso. Afinal, por que alguém conversaria
“abertamente” se não existe lucro ou interesse tal da compreensão: a célebre máxima “penso,
em jogo? Para obter um lucro espiritual ou para logo existo”.
progredir espiritualmente? Quem poderia verdadeiramente expressar, ainda
Sabemos que a verdadeira humanidade é qualifi que parcialmente, a ideia ou a suspeita daquilo
cada de “maravilha” nas considerações herméticas que carrega em si de imortal ou eterno? Quem
fundamentais desta edição da revista Pentagrama. poderia formular pensamentos correlatos a essa
E podemos ler no livro A Gnosis original egípcia: ideia numa conversa com outras pessoas? Trata
“O homem é uma admirável maravilha”. Nosso se realmente de uma questão de saber por que
corpo é surpreendente por si só, pois carrega con motivo a consciência desse tipo de ideia parece
sigo a possibilidade de transmitir as ideias mais muito especial. Por que expressá-las exige talento
remotas. de artista? Porque as imagens transmitidas pelas
palavras e pela própria língua são muito subjeti
O ETERNO É UM MISTÉRIO Quanto ao homem, vas, o significado cai rápido em desuso, dissolve-
essa admirável maravilha, no contexto hermético se e desaparece.
se trata sobretudo do termo homem no sentido Muitos pioneiros como Lao Tsé e Buda pouco
mais antigo: “manas” – que, em sânscrito, sig falavam e geralmente ficavam calados. Os sábios
nifica “o pensador” e também “filho do sol”. jamais falam inutilmente. Do mesmo modo, os
Na civilização grega, vemos a estreita ligação do discípulos da filosofia gnóstica e da gnosis hermé
homem com seu pensamento autônomo. Tudo tica cristã são pessoas que pouco falam. Segundo
isso é escrito e relatado por Sócrates e Platão. a tradição, o que é eterno e divino no homem
Um diálogo “aberto” acontece sobretudo quando é secreto. Essa afirmação ainda é válida nos dias
há troca de pensamentos entre pessoas plenas de de hoje. E é extremamente delicado evocar esse
razão. Aqui não se trata, hermeticamente falando, segredo, pois cada palavra proferida a esse respei
de um “sistema fechado”, mas sim da consciên to vai perdendo sua força – e, com certeza, isso
cia da presença de um elemento imortal, eterno, acontece em presença dos que, por exemplo, se
porém latente. E, mesmo que esse elemento não esforçam para obter poder, sucesso, riqueza e pos
esteja atuante, ou vivificado durante um período tos elevados. Os rosa-cruzes clássicos conheciam
curto ou longo, ele alimenta pensamentos reple a expressão “sub rosa”, que significa “manter-se
tos de razão. sob a rosa, sob o segredo”. E também a frase que
“Nas profundezas de meus pensamentos, sou diz: “não se deve oferecer rosas aos burros”.
um deus”. Essa é uma citação de William Kloos,
escritor holandês do século XIX. Os iluministas O DIÁLOGO VERTICAL Na filosofia do sécu
Descartes e Espinosa levaram uma vida humana lo XX também há uma afirmação semelhante:
verdadeira, unicamente com base no poder men “Sobre o que não se pode falar, deve-se calar”
36 pentagrama 1/2011
(Wittgenstein). Saber calar é uma grande virtude, aprende sobre si mesma e sua origem.
do Ocidente ao Oriente, de épocas antigas até os — Pergunta difícil. Isso depende. Em que medida
dias de hoje. O silêncio não profana a serenida penso em minha responsabilidade pelo bem-estar
de ambiente. Quando nos mantemos próximos de minha alma? Consigo distinguir dois estados
dessa atitude, o diálogo espiritual se estabelece de ser. Posso sentir-me humano, ocupar-me de
de modo muito especial. No Ocidente, graças coisas cotidianas e viver incrivelmente. Mas tam
aos textos herméticos greco-egípcios, estamos bém posso sentir essa vida de outra maneira.
abertos à troca de ideias. Frequentemente trata-se — Pergunto novamente: como devo compreen
de diálogos verticais interiores, ou seja, diálogos der isso?
entre consciências esclarecidas numa relação de — Seria mais fácil compreender se falássemos de
mestre e aluno. Assim – e isso é parte do segre “manifestação”.
do – também ocorre uma relação de mestre para — Um desses estados é melhor do que o outro?
aluno, em nosso íntimo! Esse diálogo é puramen — O que há de bom em alguém que tropeçou e
te espiritual: ele é leal e claro como cristal. Num caiu? Não. Como já disse, trata-se de uma ques
diálogo desse gênero, conosco mesmo ou em tão de responsabilidade.
nosso íntimo – se quisermos chegar a conclusões — Ter boa consciência, a satisfação de ser boa
razoáveis – devemos formular bem o assunto e pessoa…
não concluí-lo. Abaixo, um exemplo de seme — Não. Não se trata de ser bom, mas sim de, em
lhante troca interior de pensamentos: ambos os casos, saber que somos seres humanos.
— No que se refere à minha alma, em que ponto — A alma é a consciência?
me encontro? — Não. Ela não é a consciência – mas pode ser
— Boa pergunta. como uma voz. A consciência é um auxílio para
— Sei que ela existe, e preocupo-me com seu que possamos assumir seriamente nossas respon
bem estar. sabilidades e preservar-nos do esquecimento, da
— Como deduzir em que ponto se encontra sua cólera cega.
alma? — Estou gostando muito dessa nossa conversa.
— Talvez se me perguntasse: sinto-me mais pesa Não me leve a mal. Gostaria de fazer mais uma
do ou mais leve? pergunta. De onde vem a preocupação com esse
— Mais precisamente, o que isso significa? misterioso ser interior que, imagino, seja imate
— Sinto-me pesado pelo fato de minha alma ser rial?
puxada para baixo perpetuamente, correndo atrás — Eu não invento nada. Eu o conheço. Isso nada
de necessidades e desejos demasiado humanos. tem de intelectual. É algo superior: é preciso
Sinto-me leve, aliviado, como se um peso dimi que haja intuição. Uma intuição que ultrapas
nuísse, quando ela é atraída para o alto, onde ela sa o intelecto – que é direta, universal, eterna.
Essa sabedoria não pode ser encontrada mediante vibrante, iluminadora, esclarecedora.
raciocínio: ela vem do coração. A alma possui a — Sim! E é isso que quero dizer com o termo
possibilidade de reconhecer o ser divino no âma responsabilidade. Quando pensamos sobre o cami
go de si mesma. nho que a alma deve percorrer, percebemos cla
— Acho que estou começando a entender. O ramente e compreendemos que podemos desfazer
que transforma esse diálogo é a clareza que se nossas ligações. Nesse momento, sabemos estabe
conquista com ele. A clareza, o brilho da alma, lecer a distinção entre a alma corporal – a nossa
envolve-nos porque é com esse brilho que per alma, que nos aprisiona – e a nova alma, que
corremos o caminho. O que a alma diz chega até nos liberta. Percebemos o que devemos fazer ou
nós através de certa capacidade de conhecimento. deixar de fazer. Mas, caso não estejamos atentos,
É assim que acontece o contato com a Luz, de confundimos o bem e o mal. É daí que surgem a
onde esse brilho provém, realidade totalmente confusão e o esquecimento.
38 pentagrama 1/2011
Sobre a natureza divina da alma, Krishna explica derá. Ela jamais nos abandonará. Ela está ligada a
a Arjuna: “Se a luz de todas as luzes permanece, cada um de nós até o sangue!
ela transcende as trevas da nossa ignorância. Ela Por sabermos a respeito dos dois mundos, das
é conhecimento, a única realidade a estudar ou a duas naturezas, e por termos obtido esse conheci
conhecer que habita o coração”. mento vivo, por temos permanecido em diálogo,
podemos dizer que, nesse diálogo vertical, os dois
O “OUTRO” ESPIRITUAL NO SER HUMANO Se amigos espirituais tornaram-se um único ser. Eles
nos aprofundarmos interiormente até chegar ao já não precisarão desaparecer do microcosmo.
conhecimento verdadeiro – à nossa alma, ao fun Muito pelo contrário: eles o conduzirão a um de
damento divino da nossa existência – compreen senvolvimento glorioso no novo campo de vida.
deremos certamente o que se encontra no início Quem assim estabelece um diálogo como esse
do pensamento hermético. Hermes o denomina está ligado a um saber completamente diferente, a
“pensamento superior das coisas essenciais”, e um novo gênero de conhecimento vivente – que
assim se fecha o circuito. A partir desse momento, é a própria Gnosis µ
eleva-se no microcosmo a forma original do ser
humano cuja alma recebeu essa possibilidade, e
ele ascende completa e perfeitamente, com grande
felicidade, ao “outro” espiritual. É assim que po
demos liberar a força e a luz para todos os nossos
semelhantes, de maneira excepcional, vivendo e
trabalhando na sociedade atual. E há realmente
grande necessidade de que isso aconteça.
A força e a luz que emanam da vida universal
original podem ser vivenciadas e, desse modo,
podem agir. Explica-se: o microcosmo foi estru
turado outrora, em tempos imemoráveis, com
base nessa vida original. A luz é vibração. No
mundo da matéria não existe nenhuma velocida
de superior à velocidade da luz. À luz também se
associa à alegria. A luz concede à terra sua beleza
e a torna visível. Quando iluminamos um local,
podemos observar se ele está bem arrumado. Por
isso, podemos dizer que a luz vem a nós quando
ouvimos ou experimentamos algo interiormente.
Quando caminhamos num bosque, podemos
observar como a luz cai sobre os ramos através
dos galhos, como ela brinca com o orvalho sobre
o verde da folhagem, em rico e cintilante bailado,
enquanto numerosos raios atravessam os ramos
que pendem até o chão. A cada passo dado, pode
mos perceber uma nova gama de cores, inúmeros
e variados matizes de raios de luz.
A luz original é muitas vezes mais viva – ela é o
conhecimento dos dois mundos. Do âmago do
nosso ser, nós o sabemos: jamais essa luz se per
o destino
dos deuses
Os mitos reunidos na Edda, uma coletânea
de contos e poemas nórdicos, falam sobre os
mistérios do desenvolvimento do mundo. A
Edda transmite a verdade universal em imagens
variadas que correspondem ao poder de imagi
nação dos ouvintes da época. A terceira parte
dessa série fala sobre o destino dos deuses.
O
que Völwa ou Wala nos relata é apenas
um mito, em sua narrativa não há nada
de histórico. Das brumas de um passado
longínquo, completamente desaparecido, a Völwa
contempla, com muita clareza, alguns aconte
cimentos singulares, e registra-os muito nitida
mente na consciência da comunidade do Althing,
que a escuta. Essa comunidade era formada pelos
anciãos das famílias, pelos homens livres e pelos
guerreiros. Eles eram filhos de “Heimdall”, o que
“resplandece sobre o mundo”, que equivale a luz
da primeira criação. Ele é a Luz do Mundo, que
provém diretamente da fonte original do Espírito
Edda
40 pentagrama 1/2011
e da perfeição divina. Quando Heimdall sopra reflexo de si mesmo – que é o homem material, o
sua trompa de chifre, ela ressoa através de todos ser terrestre.
os períodos do mundo como um segredo. Ouvir Odin possui doze forças ou poderes criadores,
a “sonoridade” da luz é sempre o sinal atemporal que emanam da energia central do Invisível, do
de uma recriação do ser humano. Único. Simbolicamente, observamos o que é
A Völwa fala em nome do deus Odin, também transmitido pelos doze Æsires, os doze deuses que
chamado de “Pai universal”, ou Walvater (Pai conferem sua expressão à criação como um todo.
Wal). Ele é o criador de todas as almas; é ele Podemos observar seu reflexo nos doze pares de
quem anuncia aos homens a evolução do mundo nervos cranianos, essa rede de natureza sutil e
desde seus primórdios, na noite dos tempos, até extremamente sensível que toca cada uma das
seu desaparecimento final. A imagem do homem células do corpo humano e permite uma estreita
perfeito pode vir até os homens como chega a au ligação entre o corpo, a alma e o espírito.
rora que desponta. O primeiro verso da profecia A criação de três mundos provém de Asgard
da vidente diz: “Silêncio peço às estirpes divinas, ( jardim ou mundo do Um). O “ás” é a carta de
filhos de Heimdall, grandes e pequenos. Desejas, baralho que representa o número 1, o trunfo que
ó Odin, que eu proclame as lendas antigas dos vence todas as outras cartas e, como unidade,
homens que recordo.” interconecta tudo.
Em seguida, encontramos os doze princípios
QUEM É ODIN? Diz-se que Odin tem doze originais, as doze correntes que jorram da fonte
nomes diferentes. Isso significa que a energia de Niflheim (Lar das Névoas). Também vemos
que dele emana comporta um grande número de aí os doze princípios que deram origem ao nosso
aspectos criadores. Ele e sua esposa, Freya, são os zodíaco astrológico, também chamado de “círcu
pais dos deuses mais importantes, como Baldur, lo dos deuses”. Odin é a fonte original, o criador
Thor, Heimdall e Tyr. Esses deuses agem no pla de todas as almas, o pai dos valentes guerreiros
no da natureza e desenvolvem a forma e o caráter que não morrem no leito, mas que perdem a
do homem material. vida no campo de batalha da existência terres
Odin é filho de Bor e da gigante Bestla. Ele é tre. Aqui podemos ver novamente a referência à
o símbolo de um ser espiritual que está a cami luta interior em que o herói vence as forças que
nho, entre as diferentes formas da natureza. Na o aprisionam ao plano inferior. Odin leva a alma
Doutrina Universal, podemos considerar que o dos guerreiros para o Valhalla, que é o salão onde
nome Odin indica determinado tipo de micro são recebidos os que morreram honradamente em
cosmo: ele representa a imagem espiritual ori combate: eles “morreram” no decorrer do proces
ginal do homem verdadeiro que, em seu cami so de transformação de sua alma e despojaram-se
nho natural, tenta lançar um chamado para esse de seu antigo ser.
COMO SURGIU A FALA HUMANA No nome fazem pressentir, mesmo que muito vagamente, a
Odin também estão ocultos os vocábulos “odem, própria essência do ser de Cristo e de sua missão.
adem” (sopro, alento) e “Adam” (Adão), a alma Por meio das palavras da vidente, os ouvintes
insuflada em segredo. No antigo alemão, Odin se sentiam dentro de si o destino dos deuses. Dentro
refere também a Wuodan ou Wotan: o que impul deles, alguma coisa revivia: aspectos de uma
siona para frente, com força, que reina na tem reminiscência original. Eles “vivenciavam” Odin
pestade, que, na respiração, enche o pulmão de como uma energia resplandecente e vitalizante,
ar. É o vento que corre nos bosques e faz que os como uma ligação com um aspecto superior do
fenômenos naturais “falem”. espírito.
A Edda narra que Odin ficou pendurado na Para os germânicos, Odin era o dispensador oni
árvore da vida por nove “noites” (nove níveis de presente do destino. No entanto, ele próprio tam
consciência), enquanto escutava todos os tipos bém se submetera ao destino. Ele personificava a
de impressões e ruídos da natureza. Com base força e o poder que opera em toda parte e repre
nessas impressões e ruídos ele formou a lingua- sentava, dentro de cada ser humano, a vontade,
gem humana, tão rica de imagens. Afinal, não a sabedoria e a ação divinas. Ao mesmo tempo,
é verdade que, em todas as línguas, há segredos a vidente mostra como Odin morreria em cada
ocultos, que escondem as ligações entre o espírito homem. Em nossa linguagem moderna, diríamos
e a natureza? O espírito aprende a se conhecer que Odin “deslizaria para nosso inconsciente”.
com o auxílio da natureza e, no decorrer de eras O processo corre paralelamente à individualiza
e eras imensas, ele transforma e espiritualiza a ção. À medida que o “eu” humano se desenvolve,
natureza. Nesse processo, o tempo não desempe começa a ter uma percepção de si mesmo e não
nha nenhum papel! Quem vai registrando tudo é da ação dos deuses dentro dele. Ele já não se vê
Mimir, a memória da natureza. O sopro de Odin como um reflexo de uma entidade espiritual, mas
está presente em todas as línguas. como um ser independente.
O fato de Odin ter ficado dependurado em uma A vidente percebe, também, os sinais que pressa
árvore durante nove ”noites” dá a impressão de giam um futuro cheio de infelicidades e profetiza
um tipo de descida, de uma queda do espiritual um destino ameaçador e inevitável µ
para o material. Assim, para que um dia tivésse
mos a possibilidade de efetuar nosso desligamen
to da natureza no tempo previsto, seria preciso
acontecer a crucificação deliberada de um ser
muito superior – e esse fato anunciaria nossa
espiritualização e transfiguração. Precisamos estar
bem conscientes de que os mistérios nórdicos nos
42 pentagrama 1/2011
Ilustração do século XVIII representando a árvore do mundo, Iggdrasil.
(J.C. Cooper, Enciclopédia ilustrada dos símbolos tradicionais, Londres, 1978).
o destino dos deuses 43
uma boa conversa
Em nossa época, comunicação é uma palavra mágica. No entanto, uma boa conversa nunca
esteve tão pouco em evidência. O verdadeiro diálogo parece ter perdido grande parte de sua
importância, agora que a comunicação humana acontece mais por meio de e-mails, sms ou Fa
cebook.As mídias estão dominando nossa vida e nos sobrecarregam de uma quantidade incrí
vel de informações.As conversas giram principalmente em torno do que as mídias nos trazem,
e falamos cada vez menos sobre o que poderíamos dizer a nós mesmos. O mais importante é
estar por dentro das novidades, estar bem informado. Quem não estiver, só pode calar-se, não
pode dizer nada, nem participar da conversa.
A
comunicação pessoal deixa transpare brigas, e sempre nos perdemos em uma avalanche
cer muito da confusão de informações de palavras.
que mantém nossa “comunidade global” Por isso, estamos chegando a um ponto em
aprisionada. Todas as pessoas, individualmente, que vale mais ter razão do que dizer a verdade.
precisam ter uma opinião bem formada, cheia de Trata-se de uma antiga técnica de discussão pra
argumentos e justificada com veemência. Durante ticada entre os sofistas na antiga Grécia – e eles
alguns confrontos de estudantes da Universidade chegavam até a ser remunerados por ela! Vencia
de Colúmbia, em Nova Iorque, alguns jornalistas quem tinha razão, e a vitória era dada a quem
entrevistaram o filósofo Jacob Needleman, profes pronunciasse a última palavra.
sor e autor do livro Lost Christianity (Cristianismo Nessa tentativa de definir o que qualificamos
perdido), para saber sobre sua opinião a respeito como “boa conversa”, a quem poderíamos nos
dos acontecimentos. “Não tenho nenhuma opi referir melhor do que ao filósofo grego Sócrates?
nião a respeito”, respondeu ele, tranquilamente. Se Por ser o “pai do diálogo socrático”, ele atraía
as pessoas não se conformassem com essa resposta a hostilidade dos sofistas. Sócrates não era um
insignificante, ele a repetia, pois era verdade: ele mestre da conversa cotidiana sobre “tempo bom”
não sabia o que pensar a respeito daquele fato. ou “tempo ruim”. Pessoalmente, ele também
Mesmo quando insistiam, ele não queria tomar não queria convencer ninguém a qualquer preço.
uma posição, e os repórteres o olhavam com certo Mas ele acabou colocando em dúvida todas as
estranhamento, perguntando: “Isso quer dizer que falsas certezas de seus interlocutores. Como ia
o senhor não tem nenhuma opinião?” Needleman fazendo perguntas cada vez mais profundas, ele
teve a impressão de que não ter opinião alguma era os levava a tomar consciência de que realmente
pior do que cometer um crime. É claro que esse não sabiam nada. Desse modo, resumia a conver
diálogo não foi transmitido pela mídia, pois não sa e dava fim a toda tagarelice das pessoas muito
é comum alguém não receber bem os jornalistas. seguras de si. Sócrates colocava-se como um
Nosso mundo de informações está ameaçado por exemplo, pois dizia que também não sabia nada
uma polarização a ponto de ser quase uma obriga a respeito de nada e que não achava que poderia
ção tomar o partido de um lado e menosprezar o saber de tudo. De certa forma, só de dizer isso
outro. Para sermos claros, apegamo-nos a opiniões ele já se mostrava mais sábio do que os outros.
radicais. A hesitação e a incerteza tornam difícil a Karen Armstrong tem razão quando se refere ao
formação de opinião. Exige-se uma opinião firme método de diálogo socrático em seu novo livro,
a respeito dos assuntos mais divergentes possíveis Em nome de Deus1 (The Case for God). Segundo
– e sempre precisamos justificar, dar exemplos ela, as polêmicas sobre as grandes questões vitais
para fundamentá-la. Isso é bem lógico, pois nossas são sempre improdutivas, pois impedem que a
conversas geralmente caem em discussões, debates, pessoa vivencie experiências espirituais autênti
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DIÁlOGO
se trata de falar de modo puramente informativo no judaísmo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
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DIÁlOGO
a profundidade da palavra
de giordano bruno
Giordano Bruno está entre os personagens mais conhecidos do final do século XVI e é um
dos mais difíceis de ser interpretado. Sua obra complexa é difícil de ser entendida em nossos
dias, pois o contexto desapareceu, e as ideias, as figuras míticas e históricas já nada represen
tam para nós. No entanto, seu final de vida atroz, em Roma, na fogueira montada em Campo
di Fiore, marca o fracasso de todos os que não toleram a liberdade de pensamento.A inter
pretação de que Bruno teria sido um charlatão, um pretenso mago, ainda turva sua imagem.
F
ilippo Bruno nasceu em 1548 em Nola, atacar determinado teólogo, em seguida chegar
uma localidade ao sul da Itália, próxima a a confundi-lo por meio de debate, e depois ser
Nápoles – e ele nunca tentou esconder sua forçado a fugir ou a apresentar desculpas.
origem. Em suas obras aparecem membros de Giovanni Mocenigo, um conterrâneo venezia
sua família, o que lhes confere uma vivacidade no, convida-o a ir a Veneza e, depois de alguns
dramática e um tom pessoal bastante particu meses, entrega-o à Inquisição, que o faz passar
lar. Filippo tinha quinze anos quando entrou por um longo processo, primeiro em Veneza e
para a ordem dos dominicanos de Nápoles. depois em Roma. Bruno começa dando teste
Foi quando escolheu seu nome monástico: munho de contrição, mas em seguida se recusa
Giordano. Logo se revolta contra a vida mo a revogar suas ideias. Por isso foi condenado
nacal e é acusado de exercer má influência em à fogueira, que era a punição usual para os
seus confrades. hereges.
Ameaçado de processo por heresia, ele foge
para Roma e depois para o norte da península. TRÊS DIÁLOGOS EM UM As obras de
Por fim, ele se refugia em locais em que o ca Giordano Bruno, escritas na maior parte sob
tolicismo não é tão predominante. Em Gênova, a forma de diálogo, são redigidas em latim
ele reúne-se com os calvinistas e logo entra em e italiano. O latim era a língua utilizada nas
conflito com seus dirigentes, seguindo um pro universidades, e o italiano era importante pelo
cedimento que irá repetir-se frequentemente: fato de ser a língua das pessoas cultas nas cortes
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Afinal, entre dez mil desse tipo de pedan
tes, nem sequer um só respeita seu próprio
catecismo. Se ele ainda não o publicou, então
está em vias de fazê-lo, ele, que apenas con
sidera bom o seu modo de pensar e sempre
encontra em todos algo para observar, para
le- criticar e do que duvidar.”
gis
ladores VIRTUDE. A IMPORTÂNCIA DO QUE É
e as leis, ou ÚTIL, DA FORÇA E DA VIRTUDE
pelo menos a A Igreja de Roma também não sai ilesa de tudo
demonstrar frieza isso: “Mercúrio declara que o que desencadeou
em relação a eles, dando a ação da Inquisição em Nápoles foi uma enor
a entender que esses legislado me cupidez, sob o pretexto de preservar a reli
res têm tarefas impossíveis. […] E, quando eles gião.” Essa é a grande diferença de Bruno e das
dizem que querem reformar as leis e as religi teorias revolucionárias de Rousseau no século
ões, eles acabam alterando todo o bem que aí XVIII: ele não tenta defender, absolutamente,
se encontra. […] E, por fim, quando eles (os a ideia de uma Época Áurea. Pelo contrário: no
católicos) se cumprimentam desejando ‘a paz’, terceiro diálogo ele afirma que estar isento de
estão brandindo a lâmina da discórdia onde pecados, como na antiga Época Áurea, ainda
quer que entrem. Então, tiram os filhos de seu não significa que se possui “a força e a virtude”.
pai, o próximo de seu próximo, o cidadão de Os deuses deram mãos aos homens justamente
sua pátria e causam outras terríveis separações para que eles agissem e se distinguissem dos
que vão contra a natureza e todas as leis. E animais. Indiretamente, Bruno exige o retorno
se, fingindo ser servidores daquele que traz os da primazia do livre-arbítrio contra o “recru
mortos à vida e cura os doentes ( Jesus), eles (os tamento” de Lutero. Em seguida, ele fala que
católicos tradicionalistas) são os piores de todos a sabedoria dos antigos egípcios está na ideia
os que a terra alimenta: eles torturam ou levam de que “Deus está na natureza” e até mesmo
os vivos à morte, com sua língua pérfida e com que a natureza (como todos devem saber) não
o fogo de sua espada. representa nada mais do que a presença de Deus
E que espécie de paz e união eles fazem cintilar em todas as coisas.” Ao reverenciar a natureza,
aos olhos do povo pobre? […] No mundo in os antigos egípcios reverenciavam a Divindade.
teiro, não se encontra tanta divisão e discórdia “Em certo sentido, à medida que ela se mani
como entre eles. festa, a Divindade desce à natureza, assim como
o homem se eleva por meio da natureza até a objetivo na vida, depois de morrerem ficam
Divindade. Ele se alça no decorrer da existência impossibilitadas de fazer o que quer que seja
através das coisas aparentes da natureza até a por si mesmas ou por outras.” É um ataque sem
vida superior.” disfarces à veneração dos santos na época da
Contra-Reforma.
O ANO MUNDIAL DE 1600 No livro Parece claramente que Bruno vê na chegada
Expulsão da besta triunfante também encontra iminente do ano de 1600 o término de toda a
mos o conceito de escada, que permite chegar a tradição mosaico-cristã. Isso deve trazer uma
Deus por meio da “magia natural” – que é algo renovação da moral por meio de um retorno
completamente diferente da prática das pesso à clássica “virtude” dos antigos romanos, que
as de hoje, que “adoram os deuses e possuem Bruno aprecia tanto; “magnanimidade, equida
quase tanto espírito quanto nossos animais. de e graça agradam aos deuses. Por essas razões,
Realmente, no final das contas, essa adoração os deuses elevaram o povo romano acima de
acaba fazendo com que essas pessoas se tornem todos os outros povos, pois, por seus atos bri
mortais sem valor, escandalosas, idiotas, fanáti lhantes, eles chegaram a igualar-se aos deuses
cas, sem honra, miseráveis, obsedadas por maus muito mais do que outros povos. E como seus
espíritos, desprovidas de cérebro, de eloquência costumes e seus gestos correspondiam às suas
e de “virtude”. Como não tinham nenhum leis e à sua religião, foram-lhes distribuídas
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muitas honras e felicidades.” Na verdade, esse combater transforma-se no próprio Hércules,
encorajamento a um novo impulso moral é o que vence o cão Cérbero, que está coroado por
lado mais utópico de Bruno: no entanto, as uma tiara (mitra papal). Essa contradição ou
estruturas utópicas como a “Cidade ideal” de essa mudança de direção nem por isso sugere
Thomas Morus ou as tentativas desse tipo o que Bruno negue todas as ideias expressas no
deixavam bastante indiferente. diálogo: suas ideias formam muito bem um
sistema bastante coerente. Resumindo: aí estão
O PRETO E O BRANCO No debate sobre as dois pontos cruciais – Os enlevos do amor fala
constelações de Órion e Centauro, na última a respeito do amor do homem pelo divino,
parte do terceiro diálogo, Bruno ataca disfarça em oposição ao amor comum, bem dentro da
damente o cristianismo. Tratando a respeito de tradição platônica do Eros celeste e do Eros
Órion, por exemplo, Momo declara: “Porque terrestre. Como a união com o divino não
ele faz milagres e, como Netuno sabe, ele anda pode realizar-se inteiramente durante uma vida
sobre as águas sem afundar nem molhar os pés e humana, o amor heróico é de natureza trági
ainda traz em sua sacola os truques mais incrí ca e, para o filósofo, uma tortura sem fim. De
veis. Vamos enviá-lo aos seres humanos a fim qualquer modo, a Divindade o conduz para o
de que lhes conte o que quer e lhes faça crer alto, ao longo de uma escada que resume vários
que o branco é preto, que a inteligência huma processos que levam ao conhecimento. Esse
na é cega exatamente onde ele acha que está texto é considerado uma obra-prima, na qual
enxergando melhor, e que o que é bom, racio já se prefigura o destino de Bruno e sua atitude
nal, excelente e superior é vil, mau e corrompi imperturbável diante da Inquisição.
do […]”
Esse diálogo, como todos os diálogos de Bruno, A VISÃO HELIOCÊNTRICA DO MUNDO
precisa ser considerado como um texto po A opinião sustentada por Giordano Bruno
lêmico, um momento no caminho do autor. sobre o cosmo é de grande importância. Em
Também não precisamos espantar-nos com O banquete da Quarta-feira de Cinzas (1548), ele
o fato de que logo em seguida Bruno apa defende Copérnico como sendo “[…] alguém
rece nos centros luteranos, como as cidades muito superior a Ptolomeu, Hiparco, Eudóxio
de Wittenberg e Helmstedt, louvando o re e todos os que seguiram seus passos. Ele atinge
formador religioso alemão (Lutero) em sua essa superioridade quando se liberta de alguns
Oratio Valedictoria (1588), que foi seu discurso axiomas errôneos da filosofia comum e vulgar
de despedida realizado na Universidade de – em outras palavras, da cegueira. No entanto,
Wittenberg. No livro A expulsão da besta, o ele não pôde distanciar-se muito disso porque,
monstro da heresia que Hércules precisa vir a sendo mais matemático do que físico, não pôde
escavar mais profundamente para desenraizar relativos. Em todas essas concepções, Bruno
todos os falsos e inúteis princípios, para resolver coloca-se como um precursor da ciência mo
todas as dificuldades, para libertar a si mesmo derna. A amplitude da influência de Bruno
e aos outros das pesquisas inúteis e direcionar é difícil de ser estimada. Até que ponto um
solidamente suas observações para objetos in pensador como Galileu tinha conhecimento de
dubitáveis e bem estabelecidos. Apesar de tudo, suas ideias? Não há certeza sobre isso; o mes
apreciemos, por seu justo valor, esse alemão* mo acontece com Espinosa, por mais que seja
que, sem preocupar-se com o povo sem inteli provável que ele tenha lido essa ou aquela obra
gência, operou com tanta constância na contra de Giordano Bruno.
corrente das crenças.” Na Holanda, não houve grande interesse com
relação a Giordano Bruno. A Rozekruis Pers
Essa apologia de Copérnico, mais explícita ain dedicou-lhe um volume na série Symposionreeks.
da no diálogo Acerca do infinito, do universo e dos A editora Ambo publicou no ano 2000 a obra
mundos, veio treze anos antes de um texto que intitulada Italiaanse dialogen, que dá uma visão
não estava previsto para ser publicado, em que de conjunto brilhante de toda a sua obra µ
Galileu iria afirmar a mesma coisa, e um século
antes da publicação de seu Diálogo sobre os dois *Apesar de Copérnico ser polonês, é assim mesmo que Giordano o
principais sistemas do mundo (1632). apelida em seu livro (NT).
52 pentagrama 1/2011
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Internacional da Rosacruz Áurea Vol. 2,3 e 4
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No segundo volume da Arquignosis egípcia,
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Pentagrama Publicações A revista Pentagrama dirige a atenção de seus leito- Jan van Rijckenborgh dirige-se a todos os
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era que se inicia. ouvir; àqueles que, tocados no fundo do
Número avulso: R$ 16,00 O pentagrama tem sido, através dos tempos, o símbolo coração, na irremediável desordem que eles
do homem renascido, do novo homem. Ele é também mesmos geraram, reconhecem a necessi-
Responsável pela Edição Brasileira o símbolo do Universo e de seu eterno devir, por
M.D. Eddé de Oliveira dade de uma mudança fundamental.
meio do qual o plano de Deus se manifesta. Entretan-
Revisão final
M.V. Mesquita de Sousa to, um símbolo somente tem valor quando se torna
realidade.O homem que realiza o pentagrama em seu O terceiro volume da Arquignosis egípcia traz
Coordenação, tradução e revisão
M.J.Versiani, M.M. Rocha Leite, L.M.Tuacek, microcosmo, em seu próprio pequeno mundo, está no ao homem buscador a indicação do único e
M.B. Paula Timóteo, A.C. Gonçalez Jr.,
D.B. dos Santos, J. Jesus, U.B. Schmidt,
caminho da transfiguração. antiquíssimo caminho de volta: “O Bem
M.S. Sader, M. Mölder, R.D. Luz, F. Luz A revista Pentagrama convida o leitor a operar essa
Único, o Bem absoluto, pode ser encontrado
Diagramação, capa e interior revolução espiritual em seu próprio interior.
D.B. Santos Neves somente em Deus e não no próprio ego.”
Terceira capa
H. Rogel
O quarto volume tenciona expor e esclarecer
Lectorium Rosicrucianum novamente a mensagem redentora de todos
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“Se deixares de lado algumas discussões sobre o vocabulário,
descobrirás, meu filho, que o Espírito, a Alma de Deus, reina Diálogo – Uma conversa sobre a criação, o
verdadeiramente sobre tudo: sobre o destino, sobre a lei, sobre todo
homem e a linguagem da alma
o resto – e que nada lhe é impossível.”
Vivemos em diálogo: tudo fala
Hermes não poderia ter se expressado mais positivamente que dentro de nós
isso. Aqui, é dito intencionalmente que, mesmo no caso em que Uma conversa sobre a criação
um ser humano tenha degradado e transgredido de maneira Sobre o homem
extremamente grave as leis elementares da vida, se ele se entregar
Conversa consigo mesmo
e se confiar à alma eterna, ela poderá romper com o destino,
por mais fatal e aprisionador que ele seja, graças ao perdão dos
pecados. É por essa razão que não vamos contra nenhum ser, nem
contra o que ele poderia ter feito de mal em seu passado. Que
ele somente se entregue de forma positiva à sua alma e que ele
dê testemunho dela por meio de sua atitude. O estado de aluno
deve ser demonstrado concretamente: o aluno deve dar provas
disso. O ensinamento sobre o erro, sobre a remissão dos pecados e
a respeito da graça é um ensinamento hermético clássico. Todos
vós que podeis declarar isso e demonstrá-lo com base na fé dos Profundidade, silêncio,
evangelhos de milhões de anos da Gnosis original de Hermes,
pensamento, consciência,
todos vós nos trazeis muita alegria! Esse grandioso e maravilhoso
palavra
consolo chega até nós pela certeza de que a alma verdadeira é bem
mais elevada e poderosa do que todos os destinos. A profundidade da palavra
de Giordano Bruno
J. van Rijckenborgh
A Edda: O destino dos deuses