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MARIA LUIZA ANDREAZZA

PARAÍSO DAS DELÍCIAS


ESTUDO DE UM GRUPO IMIGRANTE UCRANIANO
1895-1995

Tese de Doutorado apresentada como


requisito parcial para aprovação junto aos
Cursos de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Odilon


Nadalin.

CURITIBA
1996
TERMO DE APROVAÇÃO

PARAÍSO DAS DELÍCIAS


ESTUDO DE UM GRUPO IMIGRANTE UCRANIANO
1895-1995

Tese aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor,


nos Cursos de Pós-Graduação em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e
Artes, Universidade Federal do Paraná, pela Banca de Exame formada pelos
professores:

Orientador: Professor Doutor Sérgio Odilon Nadalin


Departamento de História, SCHLA, Universidade Federal do
Paraná.

Professora Doutora Ana Maria de Oliveira Burmester


Departamento de História, SCHLA, Universidade Federal do
Paraná.

Professora Doutora Eni de Mesquita Samara


Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo.

Professora Doutora Maria Sílvia Beozzo Bassanezi


Núcleo de Estudos de População, Universidade Estadual de
Campinas.

Professora Doutora Oksana Olga Boruszenko


Patrimônio Histórico e Cultural de Curitiba, Fundação Cultural de
Curitiba.
CARTA DO BRASIL

Vizinhos! - É Olécia que está escrevendo


Saúde boa e bem vai se vivendo

Faz sete meses que silenciamos.


No fim de tal destino já acampamos.

Vivemos em florestas, em cabanas,


£ imensamente estamos trabalhando.

Vivemos juntos, não nos separaram,


da vila quinze léguas nois distaram.

Na mata, sob montanhas.... Não chiamos:


Não há estradas, trilhas palmilhamos.

Brasil! Também se sofre nessa terra:


Pegou-nos logo a febre amarela.

Em três meses na Ilha das Flores


Morreram três mulheres e três homens.

Vendemos como servos cinco moços,


Àquelas casas foram cinco moças.

Dos moços não tivemos nem notícia.


As moças comem, bebem... Q u e "delícia".

Q u e mais escrevo? Novas não alardam.


De cobras cinco nossos se finaram.

Aqui anda um povo rude pelo mato


Q u e mata e come a gente. Fuja deste fato.

Se Deus quizer, e nós nos recompormos.


Quarenta fomos, em dezoito somos.

É pena que rezar nem conversar.


Não querem em ruteno nos deixar.

Na vila Kandziubinski assim gritou:


"Aqui não se fala em ruteno, não!

Polacos são o rei, o país e Deus!


Falar em polonês ou calar de vez!"

Fazer o que com tal intimação?


Que assim seja. Qual a salvação.

Aqui termino. Adeus. E de ora


Tereis mais novas se luzir melhora.
IWAN FRANKÓ, 1895.
Aos meus pais, Alfredo e Maria Nilda.
Aos meus filhos, Alfredo e Eduardo.
AGRADECIMENTOS

A superação das incontáveis trilhas que confluem na concretização de


determinados projetos de vida motiva o encontro providencial de situações e de
pessoas. São elas que amenizam o caminho e orientam os rumos.
Institucionalmente, elas se devem à CAPES e FUNPAR, pela concessão de
bolsas de estudos para determinadas etapas da pesquisa. Aos Cursos de Pós-
graduação em História, por terem acolhido a proposta de minha pesquisa e
proporcionado a formação imprescindível para a sua elaboração. Ao prof. Dr. Jayme
A. Cardoso, que aceitou orientar o projeto, embora não tenha assumido a tarefa em
função de seu afastamento da Universidade. Ao Programme de Recherche Rendu-
Osler, pela doação do programa SYGAP. À Andreazza Madeiras S / A pelo
financiamento para a reprodução dos originais desta tese.

Durante toda a realização do meu estudo, fui também contemplada com a


presença de pessoas e de gestos de atenção impossíveis de serem esquecidos e que
agora desejo relembrar e agradecer.
Ao prof. Dr. Sergio Odilon Nadalin. Sua orientação revelou um Mestre.
Conhecimento sólido, por isso mesmo intransigente em algumas questões teórico-
metodológicas. Generoso na transmissão do conhecimento, atencioso e
compreensivo em todos os momentos da elaboração do trabalho.

Aos colegas no Departamento de História da Universidade Federal do


Paraná que me substituíram nos encargos docentes no ano em que estive afastada.
Aos chefes do Departamento de História, Francisco Moraes Paz - ausência que não
consegui preencher -, Sergio Nadalin e Dennison de Oliveira, sensíveis na
atribuição das atividades didáticas.
À banca de meu exame de qualificação, Sergio Nadalin, Ana Maria de
Oliveira Burmester e Maria Ignés M. de Boni, pela discussão e inestimável
contribuição no encaminhamento deste estudo.

Aos colegas e amigos que emprestaram seu tempo para leituras,


discussões, indicações de fontes e de bibliografia, ou simplesmente para me ouvir,
Ana Maria de Oliveira Burmester, Decio Szvarça, José Antônio Peres Gediel, José
Augusto Leandro, Manolo Garcia Florentino, Roberto Edgar Lamb e Ronald J.
Raminelli. Em particular, Cacilda da Silva Machado, pelas minuciosas ponderações e
pela dedicação no acompanhamento da análise demográfica.
Aos que me confiaram a memória da experiência imigrante, minha
gratidão especial. Receberam-me em Antonio Olinto, em suas casas, em suas vidas.
Destaco João Karpowicz, Lucia Jurkiw, Stephano Szner e Maria Aidney Cunico Bach.
Aos que me facilitaram a compreensão do universo cultural dos
ucranianos, revelando significados implícitos, esclarecendo hábitos corriqueiros ou
traduzindo documentos. Em primeiro lugar à Oksana O. Boruszenko que me abriu
as portas do mundo ucraniano, presente em todos os momentos, vigilante e amiga.
Permitiu que eu tivesse acesso a livros e documentos de seu arquivo particular, e
muitas vezes não se furtou a traduzi-los. Depois Eugenia Mazepa, padre Teodoro
Hainóz, padre Nicola Miluz, padre Daniel Kozlinski e padre Miron Mazur. Em
especial, Francisco Krokóz, que também leu os originais.
Aos pesquisadores que agilizaram meu contato com determinadas fontes.
Solange de O. Rocha e Fernando Naufal Filho; Maria Olinda Trindade, solícita
companhia nas viagens, eficiente na coleta de documentos e entrevistadora sagaz.
Nessa tarefa, foi também importante a dedicação de inúmeras bibliotecárias,
principalmente de Dayse Andrade, do Arquivo Público do Paraná, e Helena Soares,
do Museu Paranaense.
Aos que me pouparam a compreensão do mundo da informática e se
tornaram minhas verdadeiras "teclas de atalho". Jair Mequelussi, Josué C. dos

vi
Santos, Ricardo Wittig e Maria Ivone S. de Souza. Laercio dos S. Machado Filho, que
possibilitou a efetiva utilização do Programa SYGAP. A Serley M. F. Ranzi e Marco
Aurelio Pereira, companheiro sempre pronto a discutir questões técnicas e
conceituais, por terem compartilhados das angústias iniciais na operacionalização
do SYGAP. Ao Antonio César de A. Santos, que não poupou esforço e tempo para
colocar esta tese nos padrãos de apresentação exigidos e, principalmente, pelas
colocações teóricas substanciais e pela carinhosa troca de experiências.
À Antonia Schwinden, responsável pela revisão dos originais, por saber
unir competência e capacidade crítica a uma extrema sensibilidade para com o texto
e o autor. Convivência que abriu espaço a uma profícua relação pessoal.
Aos amigos Tatiana D. Marchetti, Valfrido S. de Oliveira Júnior e Sandro
Coneglian, interlocutores pacientes, que, juntamente com Cacilda, Décio, Leandro e
Roberto, me proporcionaram boas pausas no trabalho.
Às amigas Martha Kumagai, que durante a realização da tese soube
cultivar a nossa amizade e não economizou afeto aos seus "sobrinhos", e Patrícia
Trindade, incentivadora constante, que de uma maneira ou de outra esteve sempre
envolvida neste estudo.
Aos meus familiares. Meus pais, Alfredo e Maria Nilda, porque me
ensinaram que, antes de tudo, família é o lugar do amor. Esse valor sustentou a
relação que tiveram entre eles e com os filhos. Com eles aprendi que o empenho
aplicado nas relações pessoais e de trabalho é a medida de seu resultado. Meus
irmãos e cunhadas, Flávio e Jane, Antonio e Rosângela, Jorge e Mari, especialmente
Sérgio e Marila, com suas atenções me fazem vivenciar a família como espaço de
compromissos afetivos.
Aos meus filhos, Alfredo e Eduardo, com todo o meu amor. Eles estiveram
ligados a cada minuto da elaboração desta tese, compreendendo minhas angústias e
meus destemperos. Cada um deles, a sua maneira, compreenderá, um dia, o porquê
de tantas ausências, tantos planos não concretizados e perdoará, como sempre
fizeram, os momentos que me ocupei apenas em estudar a família e não em vivê-la.
Ao Antonio, pela solícita presença junto aos nossos filhos nas horas mais difíceis da
execução desta tese.
A Etelvina Maria de C. Trindade. Historiadora competente e perspicaz,
suas críticas e reflexões foram fundamentais no desenvolvimento deste trabalho.
Percorreu comigo todas as etapas de minha vida profissional e com ela dividi as
alegrias e angústias desta pesquisa e de seus desdobramentos. A mão estendida e o
coração aberto...

viii
SUMÁRIO

LISTA DE ILUSTRAÇÕES xii


LISTA DE GRÁFICOS E DIAGRAMAS xiv
LISTA DE TABELAS xvi
INTRODUÇÃO 1
PARTE I - EMIGRAÇÃO E ESTABELECIMENTO DA COLÔNIA 13
1 DAS RAZÕES PELAS QUAIS ELES EMIGRARAM 14
1.1 UMA SOCIEDADE EM DESCOMPASSO 16
1.2 REERGUE-TE RUSH' DE KIEV 22
1.3 ENTRE DOIS MUNDOS 28
1.4 FIDELIDADE AO PASSADO 32
2 O ESTABELECIMENTO DA COLÔNIA ANTONIO OLYNTHO 39
2.1 VENHAM PARA O BRASIL 39
2.2 ALCANÇOU-SE A TERRA 50
2.3 MUDANDO COM AS RAÍZES 63
3 RECONSTRUINDO A CULTURA RUTENA 78
3.1 DE POLACOS A RUTENOS 78
3.2 A COLÔNIA RUTENA DE ANTONIO OLYNTHO 85
3.3 A ANTECÁMARA DO INFERNO 97
3.4 ANTONIO OLYNTHO: A REPÚBLICA DO PADRE MICHALCZUK 109
PARTE II - A FAMÍLIA DOS IMIGRANTES 127
1 CASAMENTO E NUPCIALIDADE 128
1.1 AS ESCOLHAS MATRIMONIAIS 128
1.1.1 O Stárosta e a endogamia dos pioneiros 135
1.1.2 Esperando o casamento 139
1.1.3 Serpentes no paraíso 143
1.2 TEMPO DE CASAR 152
1.2.1 Dia de casar 156
1.3 O CASAMENTO E SEUS RITOS 159
2 PELAS PASSAGENS DA VIDA 171
2.1 ORGANIZANDO O ESPAÇO 171
2.2 ARRANJOS DOMICILIARES 187
2.3 DAR LUZ À VIDA 200
2.4 DESDOBRAR-SE EM MUITOS FILHOS 209
3 UMA HERANÇA CAMPONESA 223
3.1 A TERRA NO TEMPO 223
3.2 AS RELAÇÕES FAMILIARES 233
3.2.1 O convívio com os da casa 233
3.2.2 Das portas para fora 243
CONCLUSÃO - ANTONIO OLYNTHO: A RECRIAÇÃO
DA ALDEIA 258
PARTE III - A HISTÓRIA DEMOGRÁFICA DOS UCRANIANOS:
OS DADOS DE BASE 264
1. OS REGISTROS PAROQUIAIS 265
1.1 ARQUIVO DA IGREJA NOSSA SENHORA DA IMACULADA
CONCEIÇÃO 266
1.1.1 Livros de batizado 266
1.1.2 Livros de casamento 266
1.1.3 Livros de óbitos 267
1.2 ARQUIVO DA IGREJA DE SANTO ANTONIO 267
1.3 OUTRAS FONTES DEMOGRÁFICAS 269
2 O PROCESSAMENTO DOS DADOS 270
2.1 A CODIFICAÇÃO DOS DADOS 271
2.1.1 A codificação dos indivíduos 271

XV
2.1.2 A codificação dos óbitos 272
2.1.3 A codificação das uniões 272
2.1.4 A codificação do fim da união 273
3. A ANÁLISE DEMOGRÁFICA DA FECUNDIDADE 276
3.1 TIPOLOGIA DAS FAMÍLIAS 276
3.2 TIPOS DE NASCIMENTO 280
3.3 AS TAXAS DE FECUNDID ADE 283
3.4 INTERVALO ENTRE OS FILHOS 291
3.4.1 Intervalos protogenésicos 291
3.4.2 Intervalos intergenésicos 295
3.4.3 Intervalos sucessivos 297
3.5 IDADE MÉDIA DA MÃE NO ÚLTIMO NASCIMENTO 300
3.6 DISTRIBUIÇÃO DAS FAMÍLIAS SEGUNDO O NÚMERO DE FILHOS.... 302
3.7 MASCULINIDADE DOS NASCIMENTOS 303
3.8 SAZON ALIDADE DOS NASCIMENTOS 304
4 A ANÁLISE DEMOGRÁFICA DA NUPCIALIDADE 306
4.1 TÁBUA DE NUPCIALIDADE 306
4.2 IDADE DOS CÔNJUGES 307
4.3 ESTADO MATRIMONIAL DOS CÔNJUGES 309
4.4 IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES 310
4.5 FREQÜÊNCIA DO RECASAMENTO E DURAÇÃO DA VIUVEZ 313
4.6 DURAÇÃO DA UNIÃO 315
4.6.1 Duração fecunda da união a partir do primeiro nascimento 316
4.6.2 Duração fecunda da união a partir do casamento 317
5. SEXO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE 319
6. MOVIMENTO MENSAL DE CASAMENTOS 321
ANEXOS 322
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 376

xi
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

1 FOTOGRAFIA DA SEDE DA PARÓQUIA NOSSA SENHORA DA


IMACULADA CONCEIÇÃO 12
2 REPRODUÇÃO DE DOCUMENTO - PROSPECTO PARA
ATRAÇÃO DE IMIGRANTES AO BRASIL 38
3 FOTOGRAFIA - MEDIÇÃO DE TERRAS 53
4 PLANTA DA COLÔNIA ANTONIO OLINTO 58
5 REPRODUÇÃO DE DOCUMENTO - TÍTULO PROVISÓRIO
DE DESIGNAÇÃO DE LOTES 59
6 REPRODUÇÃO DE DOCUMENTO - PÁGINA DE LIVRO DE CONTA
CORRENTE 62
7 CALENDÁRIO 62
8 REPRODUÇÃO DE DOCUMENTO - LISTA DE DESEMBARQUE DE
IMIGRANTES 70
9 FOTOGRAFIA DA IGREJA NOSSA SENHORA DA IMACULADA
CONCEIÇÃO 89
10 ESTANDARTE DA ASSOCIAÇÃO ESCOLAR 91
11 FOTOGRAFIA DO PADRE JOÃO MICHALCZUK 96
12 REPRODUÇÃO DE DOCUMENTOS - RECIBO 113
13 REPRODUÇÃO DE DOCUMENTOS - RECIBO 120
14 FOTOGRAFIA DE NOSSA SENHORA ORNADA COM OS CORAIS
RECOLHIDOS PELO PADRE MICHALCZUK 124
15 REPRODUÇÃO DE DOCUMENTO - OBITUÁRIO DO PADRE
MICHALCZUK 126
16 REPRODUÇÃO DE QUADRO - IWAN KUPALA 144
17 REPRODUÇÃO DE QUADRO - JUÍZO FINAL 146
18 REPRODUÇÃO DE QUADRO - MOLODÁ 164
19 FOTOGRAFIA - FESTA DE CASAMENTO 166
20 FOTOGRAFIA - NOIVOS DA DÉCADA DE 1950 168
21 REPRODUÇÃO DE QUADRO - VESILHA 170
22 REPRODUÇÃO DE QUADRO - O FIM DA SERVIDÃO 171
23 FOTOGRAFIA - ÁRVORE DOS IMIGRANTES 173
24 FOTOGRAFIA - CASA DE PIONEIROS 176
25 PLANTA DE UMA "CASA DE BARRO" 177
26 PLANTA BAIXA DE UMA CASA DE MADEIRA 182
27 FOTOGRAFIA - CASA COM LAMBREQUINS 183
28 FOTOGRAFIA - PEDRO, OS FILHOS DO PRIMEIRO CASAMENTO
E A SEGUNDA ESPOSA 197
29 FOTOGRAFIA - FAMÍLIA "MÉDIA" DE DESCENDENTES DE
UCRANIANOS, NA PRIMEIRA COORTE 211
30 FOTOGRAFIA - PROCISSÃO EM ANTONIO OLINTO 244
31 FOTOGRAFIA - DISPOSIÇÃO DOS ÍCONES NA CASA DE UM
CELIBATÁRIO 249
32 REPRODUÇÃO DE QUADRO - CANTORES DE NATAL 253

xiii
LISTA DE GRÁFICOS E DIAGRAMAS

GRÁFICO 1 - DISTRIBUIÇÃO MENSAL DOS


CASAMENTOS, 1895-1949 153
GRÁFICO 2 - DISTRIBUIÇÃO MENSAL DOS
CASAMENTOS, 1950-1980 153
GRÁFICO 3 - DISTRIBUIÇÃO SEMANAL DOS
CASAMENTOS, 1900-1949 157
GRÁFICO 4 - DISTRIBUIÇÃO SEMANAL DOS
CASAMENTOS, 1950-1980 157
DIAGRAMA 1 - FILIAÇÃO E COMPOSIÇÃO DO DOMICÍLIO
DE ANDRÉ E EUDÓXIA EM 1994 189
DIAGRAMA 2 - HISTÓRICO DA COMPOSIÇÃO DOMICILIAR DOS
PEREYMIBIDA 195
DIAGRAMA 3 - DOMICÍLIO DO MARIDO DE ANGÉLICA NO
ANO DE SEU CASAMENTO 199
GRÁFICO 5 - TAXA DE FECUNDID ADE LEGÍTIMA - INDEPENDENTE
DA IDADE DA MULHER AO CASAR 218
GRÁFICO 6 - TAXA DE FECUNDIDADE LEGÍTIMA, 1895-1949 219
GRÁFICO 7 - TAXA DE FECUNDIDADE LEGÍTIMA, 1950-1980 219
DIAGRAMA 4 - COMPOSIÇÃO DO DOMICÍLIO DE SIMÃO NO
ANO DA MORTE DE SEU PAI 229
DIAGRAMA 5 - DOMICÍLIO DE JOAQUIM, ULTIMO G ÊNITO
DE SIMÃO, 1994 230
DIAGRAMA 6 - HISTÓRICO DO DOMICÍLIO DO PAI DE
CAROLINA E SITUAÇÃO NO ANO DE SUA MORTE 231
DIAGRAMA 7 - RELAÇÕES DE PODER NO INTERIOR DOS
DOMICÍLIOS EM HAUTE-PROVENCE 234
DIAGRAMA 8 - RELAÇÕES DE PODER NO INTERIOR DOS
DOMICÍLIO EM ANTONIO OLYNTHO 235

XV
LISTA DE TABELAS

1 SITUAÇÃO DOS IMIGRANTES EM ANTONIO OLYNTHO 54


2 TIPOS DE CASAMENTO 138
3 REGIMES DE FECUNDIDADE 210
4 ESTATÍSTICAS GERAIS DO REGISTRO - COORTE 1 274
5 ESTATÍSTICAS GERAIS DO REGISTRO - COORTE 2 274
6 TIPOLOGIA DAS FAMÍLIAS - COORTE 1 278
7 TIPOLOGIA DAS FAMÍLIAS - COORTE 2 278
8 IDENTIFICAÇÃO DO NÚMERO DE FILHOS POR
PARTO - COORTE 1 280
9 IDENTIFICAÇÃO DO NÚMERO DE FILHOS POR
PARTO - COORTE 2 281
10 NASCIMENTOS ILEGÍTIMOS - COORTE 1 282
11 NASCIMENTOS ILEGÍTIMOS - COORTE 2 282
12 CONCEPÇÕES PRÉ-NUPCIAIS - COORTE 1 283
13 CONCEPÇÕES PRÉ-NUPCIAIS - COORTE 2 283
14 NASCIMENTOS ARROLADOS SEGUNDO A IDADE
AO CASAR - COORTE 1 285
15 NASCIMENTOS ARROLADOS SEGUNDO A IDADE
AO CASAR - COORTE 2 285
16 NASCIMENTOS PERDIDOS MAS REENCONTRADOS, SEGUNDO A
IDADE AO CASAR, NÚMEROS ABSOLUTOS - COORTE 1 286
17 NASCIMENTOS PERDIDOS MAS REENCONTRADOS, SEGUNDO A
IDADE AO CASAR, NÚMEROS ABSOLUTOS - COORTE 2 286
18 NASCIMENTOS PERDIDOS MAS REENCONTRADOS, SEGUNDO A
IDADE AO CASAR, NÚMEROS RELATIVOS - COORTE 1 287
19 NASCIMENTOS PERDIDOS MAS REENCONTRADOS, SEGUNDO A
IDADE AO CASAR, NÚMEROS RELATIVOS - COORTE 2 287
20 NASCIMENTOS PERDIDOS - COORTE 1 288
21 NASCIMENTOS PERDIDOS - COORTE 2 288
22 NASCIMENTOS ARROLADOS E PERDIDOS - COORTE 1 289
23 NASCIMENTOS ARROLADOS E PERDIDOS - COORTE 2 289
24 ANOS-MULHER - COORTE 1 290
25 ANOS-MULHER - COORTE 2 290
26 TAXA CORRIGIDA DE FECUNDIDADE LEGÍTIMA (0/00)
- COORTE 1 291
27 TAXA CORRIGIDA DE FECUNDIDADE LEGÍTIMA (0/00)
- COORTE 2 291
r

28 INTERVALOS PROTOGENÉSICOS - COORTE 1 293


29 INTERVALOS PROTOGENÉSICOS - COORTE 2 293
30 CONJUNTO DOS INTERVALOS PROTOGENÉSICOS
- COORTE 1 293
31 CONJUNTO DOS INTERVALOS PROTOGENÉSICOS
- COORTE 2 294
32 INTERVALO PROTOGENÉSICO - A PARTIR DE 8 MESES
- COORTE 1 294
33 INTERVALO PROTOGENÉSICO - A PARTIR DE 8 MESES
- COORTE 2 295
34 PRIMEIRO INTERVALO INTERGENÉSICO
- CONJUNTO - COORTE 1 296
35 PRIMEIRO INTERVALO INTERGENÉSICO
- CONJUNTO - COORTE 2 296
36 PRIMEIRO INTERVALO INTERGENÉSICO - CELIBATÁRIOS
- COORTE 1 296

xvii
37 PRIMEIRO INTERVALO INTERGENÉSICO - CELIBATÁRIOS
- COORTE 2 297
38 PRIMEIROS INTERVALOS SUCESSIVOS - COORTE 1 298
39 PRIMEIROS INTERVALOS SUCESSIVOS - COORTE 2 298
40 ÚLTIMOS INTERVALOS SUCESSIVOS - COORTE 1 299
41 ÚLTIMOS INTERVALOS SUCESSIVOS - COORTE 2 299
42 INTERVALOS ENTRE OS NASCIMENTOS
RECENSEADOS - COORTE 1 300
43 INTERVALOS ENTRE OS NASCIMENTOS
RECENSEADOS - COORTE 2 300
44 IDADE MÉDIA DA MÃE NO ÚLTIMO NASCIMENTO
- COORTE 1 301
45 IDADE MÉDIA DA MÃE NO ÚLTIMO NASCIMENTO
- COORTE 2 301
46 NÚMERO MÉDIO DE FILHOS NAS FAMÍLIAS,
SEGUNDO A IDADE AO CASAR DA MULHER - COORTE 1 302
47 NÚMERO MÉDIO DE FILHOS NAS FAMÍLIAS,
SEGUNDO A IDADE AO CASAR DA MULHER - COORTE 2 303
48 MASCULINIDADE DOS NASCIMENTOS - COORTE 1 303
49 MASCULINIDADE DOS NASCIMENTOS - COORTE 303
50 MOVIMENTO MENSAL DAS CONCEPÇÕES E
DOS NASCIMENTOS - COORTE 1 304
51 MOVIMENTO MENSAL DAS CONCEPÇÕES E
DOS NASCIMENTOS - COORTE 2 305
52 TÁBUA DE NUPCIALIDADE DOS CELIBATÁRIOS - COORTE 1 307
53 TÁBUA DE NUPCIALIDADE DOS CELIBATÁRIOS - COORTE 2 307
54 IDADE MÉDIA DOS CÔNJUGES NO PRIMEIRO
CASAMENTO - COORTE 1 308

xviii
55 IDADE MÉDIA DOS CÔNJUGES NO PRIMEIRO
CASAMENTO - COORTE 2 309
56 ESTADO MATRIMONIAL DOS CÔNJUGES - COORTE 1 309
57 ESTADO MATRIMONIAL DOS CÔNJUGES - COORTE 2 309
58 IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES AO CASAR - COORTE 1 310
59 IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES AO CASAR - COORTE 2 311
60 IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES NO PRIMEIRO
NASCIMENTO RECENSEADO - COORTE 1 312
61 IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES NO PRIMEIRO
NASCIMENTO RECENSEADO - COORTE 2 312
62 IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES NO ÚLTIMO
NASCIMENTO RECENSEADO - COORTE 1 313
63 IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES NO ÚLTIMO
NASCIMENTO RECENSEADO - COORTE 2 313
64 FREQÜÊNCIA DO RECASAMENTO E DURAÇÃO
DA VIUVEZ - COORTE 1 314
65 FREQÜÊNCIA DO RECASAMENTO E DURAÇÃO
DA VIUVEZ - COORTE 2 315
66 DURAÇÃO DA UNIÃO - COORTE 1 316
67 DURAÇÃO DA UNIÃO - COORTE 2 316
68 DURAÇÃO FECUNDA DA UNIÃO A PARTIR DO PRIMEIRO
NASCIMENTO - COORTE 1 317
69 DURAÇÃO FECUNDA DA UNIÃO A PARTIR DO PRIMEIRO
NASCIMENTO - COORTE 2 317
70 DURAÇÃO FECUNDA DA UNIÃO A PARTIR DO
CASAMENTO - COORTE 1 318
71 DURAÇÃO FECUNDA DA UNIÃO A PARTIR DO
CASAMENTO - COORTE 2 318

xix
72 SEXO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE - COORTE 1 319
73 SEXO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE - COORTE 2 320
74 MOVIMENTO MENSAL DE CASAMENTOS - COORTE 1 321
75 MOVIMENTO MENSAL DE CASAMENTOS - COORTE 2 321

XX
INTRODUÇÃO

Nem cronológico, nem linear, nem único: hoje se reconhece que o tempo
vivido envolve uma multiplicidade de temporalidades desdobradas em cadências
dissonantes. Na idéia de que diversos ritmos de tempo perpassam o real, têm sido
sedutoras e recorrentes as formulações teóricas que conferem à longa duração, ou à
estrutura, primado em relação aos demais ritmos temporais. Em decorrência
verificou-se não apenas uma desvalorização do tempo curto, como também
desenvolveu-se a noção de polaridade entre evento e estrutura, sustentada pela
concepção de serem antagônicos o suceder dos acontecimentos na história e a
imutabilidade da estrutura.
Entendendo que essa oposição é fruto do pensamento ocidental no qual
mudança e estabilidade são compreendidos como contrários lógicos e ontológicos1,
Sahlins propõe uma interpretação da sociedade pelo viés simbólico combinando os
dois extremos das dimensões temporais. Para ele na natureza da ação simbólica,
sincronia e diacronia coexistem em uma síntese indissolúvel. A ação simbólica é um
composto duplo, construído por um passado inescapável e por um presente
irredutível.2
Com base no pressuposto de que a ação social é ao mesmo tempo
reprodução da cultura e fator de sua alteração, Sahlins descaracteriza a dicotomia do
tempo longo e tempo curto formalizando a tese de "transformação estrutural" em
função da contínua interação entre estrutura e fato. Se o que informa a prática de
relações sociais é uma determinada consciência cultural tradicional, quando ela é
confrontada com a experiência cotidiana - e mais intensamente com 03 eventos

1 SAHLINS, M. Ilhas da história. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 1990. p. 180.
2 Ibid., p. 189.
2

extraordinários - são alterados os sentidos e as relações habituais. Isso porque, como


as circunstâncias contingentes da ação não se conformam necessariamente aos
significados que lhe são atribuídos por grupos específicos, sabe-se que os homens
criativamente repensam seus esquemas convencionais3. E acrescenta: se há sempre
um passado no presente, um sistema a priori de interpretação, há também uma vida
que se deseja a si mesma4.

Tem-se então que toda a transformação cultural é também um modo de sua


reprodução e que no mundo ou na ação - nos atos de referência - as categorias
culturais adquirem novos significados funcionais . As idéias são funcionalmente
reavaliadas, pois ao serem retomadas no exercício cotidiano sofrem o risco da ação
cultural5. Dessa maneira, a possibilidade de o presente vir a transcender o passado e
ao mesmo tempo lhe permanecer fiel depende tanto da ordem cultural quanto da
situação prática.
Ao se fazer uma história da cultura, deve-se estar atento, assim, também
aos fatos extraordinários por conterem o potencial de alterar substancialmente os
significados tradicionais, de refazer relações e de criar o "novo". Desse ponto de vista
pode-se afirmar que a imigração tenha sobre a estrutura social efeito
"revolucionário" por constituir fato excepcional na trajetória de um determinado
grupo social, implicando necessariamente um recomeço.
A

E justamente aqui que se inserem as preocupações deste trabalho: verificar


o impacto da imigração sobre uma estrutura cultural de grande permanência.
Seguindo os pressupostos de interação dialética entre fato e estrutura, e decorrente
alteração do campo simbólico, o que se buscou foi acompanhar o processo de
recriação de uma linguagem socialmente efetiva entre um grupo imigrante.

3 Ibid., p. 7.
4 Ibid., p. 189.
5 Ibid., p 185.
3

O grupo escolhido foi o dos ruteno^/ucranianos - emigrados da Galicia


em 1895 e instalados numa colonia do sul do Paraná - Antonio Olyntho. E, para
analisar o processo de recriação cultural, optou-se pelo acompanhamento da
formação familiar verificando as formas assumidas pela família dos imigrantes e de
seus descendentes, entre 1895 e 1995.
Tendo como pressuposto que a emigração favoreceu a reformulação da
rede de significados do grupo de rutenos/ ucranianos imigrado para Antonio
Olyntho, tentou-se captar a medida e o ritmo dessas mudanças, mantendo a
premissa de que embora a imigração tenha alterado toda uma rede de significados,
ela fundamentou-se numa tradição comum. Se as práticas sociais são a tradução
concreta de uma cultura, abordar a família, neste sentido, é tentar alcançar suas
transformações, numa perspectiva de alteração de visão de mundo. Se, na sua
experiência vivida anteriormente ao fato migratório, um grupo criou determinado
modelo de família, é meu problema perceber até quando estas representações,
oriundas de uma experiência camponesa, tiveram eficácia; quando começou a
disparidade entre as significações camponesas e a experiência vivida na terra de
adoção, e como se apresenta esta situação hoje.
Essas reflexões incitaram-me a definir o objetivo deste estudo: apreender as
representações envolvidas no casamento e na constituição da família imigrante
ucraniana, bem como o ritmo de suas alterações numa perspectiva diacrônica, ao
longo de cem anos.

6 A opção por designar os imigrantes também como rutenos deu-se em virtude da forma

pela qual eles se autonominavam. Esta designação étnica, nas primeiras décadas do século XX, foi
recorrente para designar os ucranianos, não apenas na comunidade, mas em todo o Paraná. Em
Antonio Olyntho, especificamente, a menção a ucranianos só vai aparecer, nas atas dos registros
paroquiais, depois da década de 1920. Era tão disseminada a expressão rutenos que um dos
principais periódicos da etnia, o Micionar, até 1915 recebia a denominação de Missionário para os
Ruthenos do Brasil e a partir de então passou a se chamar Missionário para os Ucranianos no Brasil.
Não cabe a este trabalho explicar de que maneira a preferência pela expressão ucranianos prevaleceu;
somente para acompanhar a designação de época, vai-se utilizar de forma equivalente as
denominações rutenos e ucranianos.
* * *

Para recuperar a historia da família .rufe/7,3/ucraniana imigrante a pesquisa


desenvolveu diversos procedimentos metodológicos tendo como vetor principal o
estudo de caráter demográfico.
A pesquisa contou, portanto, tecnicamente com a elaboração de uma
reconstituição de famílias, seguindo o método FLEURY e HENRY 7 . Isso foi possibilitado
tanto pelas especificidades religiosas dos ucranianos quanto pelo fato de Antonio
Olyntho ter sido uma colônia rural alheia, até recentemente, ao processo de
modernização da sociedade paranaense. Fatores esses que facilitaram não apenas a
concentração espacial dos imigrantes, bem como a freqüência a uma única paróquia:
Nossa Senhora da Conceição. A reconstituição de famílias prestou-se, sobremaneira,
ao estudo, à medida que possibilitou o estabelecimento do ciclo familiar e vital do
grupo de colonos - ciclos marcados pelo nascimento, casamento e morte -,
tradicionalmente anotados nos registros paroquiais. Nesta pesquisa, os dados
constantes nos registros da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição foram
processados pelo Système de Gestion et d'Analyse de Population - SYGAP— que
consiste num arquivo informatizado de módulos de análise de registro de
população.

Elaborado por um consórcio internacional de entidades preocupadas em


agilizar estudos de demografía histórica, o SYGAP segue a tradição dos estudos
demográficos inaugurada por Louis Henry . O encaminhamento de tal metodologia
reflete as mesmas deficiências e as mesmas virtualidades do método HENRY. A
limitação mais acentuada desse método situa-se no fato de proporcionar a imagem
fiel de apenas um segmento das famílias, qual seja, o das famílias estáveis,

7 FLEURY, M.; HENRY, L. Nouveau manuel de dépoullement et exploitation de l'état


civil andén. Paris : INED, 1979.
5

trabalhando com procedimentos médios8. Tendo clara essa limitação, as


possibilidades de um estudo pautado na reconstituição de famílias são inúmeras,
especialmente por permitir uma análise longitudinal. Da utilização desse software
saíram os índices e taxas demográficas, essencialmente aqueles relativos a
nupcialidade e fecundidade utilizados na pesquisa.
A nupcialidade é indicativa de relações sociais que, nos termos da presente
pesquisa, assumiu uma posição especial. Na escolha do cônjuge, por exemplo, estão
embutidos certos valores culturais que, nas condições da população em estudo,
traduzem-se numa linguagem cultural. Daí o significado dos níveis de endogamia e
exogamia como manifestações de determinadas visões de mundo. E ainda, tendo em
vista que a religião dos imigrantes possui tradição diferente do catolicismo ocidental
!

e que os rutenos integravam uma cultura camponesa, assumiu relevância entender


de que maneira religiosidade e nupcialidade se articulavam.
Buscou-se, então, verificar, no tocante às atitudes que se relacionam à
nupcialidade, os imperativos que regeram as escolhas mútuas, o "tempo de casar" e o
modelo de mundo que orientou tais escolhas.
V

A medida que o foco de análise centrou-se no estudo de famílias


originárias de uma região onde a transição demográfica ainda não se realizara, e
que eram participantes de uma cultura na qual uma prole numerosa tem conotação
economicamente positiva, a pesquisa preocupou-se também em definir o padrão de
composição familiar e acompanhar as alterações ocorridas no período em estudo.
O estudo da fecundidade viabilizado pela análise dos índices relativos aos
intervalos genésicos, da descendência final, bem como da idade da mãe nas diversas
parturições, em especial na última maternidade, situou, então, a possibilidade de
entrever as especificidades do grupo no tocante à concepção pré-conjugal e à

8 Ver DUPÂQUIER, J. Pour la démographie historique. Paris : Presses Universitaires de


France, 1984.
6

contracepção e esboçar considerações a respeito da composição doméstica e da


própria sexualidade.
A pesquisa muito se valeu do acompanhamento demográfico ao longo de
85 anos9, pois ele indicou o peso dos significados culturais nas formações familiares.
Afinal, a etnologia propõe uma história feita de acontecimentos repetidos ou
esperados como festas do calendário religioso, acontecimentos e cerimônias ligadas à
história biológica e familiar: nascimentos, casamentos e mortes.10

* * *

Se as atas de catolicidade permitiram a elaboração de dados demográficos


que forneceram a medida dos ritmos do ciclo familiar e vital, esses resultados
direcionaram a busca de outras fontes para se atingir o plano das significações
envolvidas nos dados quantitativos. Assim, metodológicamente foi necessário
agregar outras fontes para se entender a trajetória dos significados culturais que
acompanharam a constituição destas famílias ao longo de um século. Textos
literários, narrativas de viajantes, cartas, artigos de jornais e de revistas, relatórios
oficiais e, ainda e principalmente, memórias de antigos moradores da localidade
passaram a compor o corpus documental que foi pesquisado, possibilitando a
qualificação dos índices demográficos e uma análise da rede de significações
simbólicas recriadas e ativas para o grupo dos colonos rutenos/ucranianos
instalados em Antonio Olyntho.
Dentre o conjunto de fontes manuscritas, algumas assumiram relevância
especial. Nesse caso está o Livro Tombo do Curato Antonio Olyntho, redigido entre
1911 e 1980, por diversos párocos da localidade, no qual pode-se conhecer os pontos

9 O estudo demográfico cobriu 85 anos; o estudo da família, 100 anos.


10 LE GOFF, J. Para um novo conceito de Idade Média. Lisboa : Editorial Estampa, 1980.
p. 135.
7

de vista que informavam a relação dos párocos com seus fiéis. Esse livro e a
Correspondência de Iwan Michalczuk, escrita para a Galicia na década de 1910,
foram preciosos, principalmente para subsidiar a análise do personagem João
Michalczuk, pároco da localidade durante 39 anos, figura fundamental na história
do grupo imigrante em estudo. Pôde-se consultar também cartas escritas pelos
imigrantes e endereçadas à Galicia e cabe destacar aquela coletivamente enviada, em
1922, ao Metropolita Andrei Szeptetzkei, que deu voz aos anseios e frustrações de 50
pioneiros. Nesse documento, eles refazem sua história de emigrante, dando a
conhecer suas avaliações a respeito da aventura na qual haviam se embrenhado.
A instalação da colônia, as atividades econômicas - basicamente nas
primeiras décadas do século XX -, como também a relação dos colonos com o padre
Michalczuk puderam ser acompanhadas nos relatórios oficiais do governo
paranaense e em jornais, tanto aqueles editados na capital paranaense quanto os
dirigidos especificamente para a etnia ucraniana. Destacaram-se os periódicos A
República, o Diário da Tarde e a Gazeta do Povo como também o Pracia, o Prapor e
o Missionar. Outros fragmentos da experiência dos colonos e de seus descendentes
foram encontrados em outras publicações, destacando-se o Estado do Paraná
(década de 1920) e a uma crônica de viagem escrita por Karmanskyj, intelectual
ucraniano, que visitou Antonio Olyntho por volta de 1922.
As entrevistas11 - realizadas com diversos moradores da localidade -
constituíram fonte especial para o estudo da natureza da linguagem social da
comunidade, descortinando as práticas cotidianas e os acontecimentos excepcionais.
A análise do conteúdo das falas dos ruten os/ ucranianos permitiu que se
identificassem significados nos atos integrantes das diversas etapas da composição
domiciliar, aclarando a interpretação do sentido das relações familiares.

11 No ANEXO 7 encontra-se a relação das pessoas entrevistadas.


8

Conversar com as pessoas possibilitou, também, reconhecer outras


dimensões da intimidade doméstica que não haviam sido expostas nos dados
demográficos - nesse caso, a efetiva composição domiciliar, as tensões familiares e
geracionais, as crenças e os cerimoniais articulados ao ciclo familiar e, sobretudo, o
teor das transformações das idéias ligadas à formação familiar em decorrência das
novas condições sócio-culturais. Foram elas, principalmente, que permitiram
dimensionar a diferença de temporalidade trazida pelos pioneiros e aquela vivida
pelos seus descendentes.
Da interação dos dados fornecidos pelo SYGAP com a análise do conteúdo
das entrevistas origina-se a maior parte dos resultados deste estudo. E, ambos> à sua
maneira, exigiram esforços não previstos, em especial os que se relacionam às
entrevistas. Se a história oral foi um recurso do qual pude me valer por trabalhar
com a história recente de uma população, não foi por isso que ela deixou de me
envolver em situações inusitadas. Entre elas, freqüentar as festas e cultos religiosos
da paróquia durante mais de três anos, sob olhares curiosos e investigativos, para
depois desse tempo, devidamente apresentada pelo pároco, ter acesso às casas, aos
quitutes e, finalmente, à intimidade das memórias dessas pessoas. Ao constatar que
eu detinha conhecimento de datas e de situações do histórico de suas famílias, que
em certos casos elas próprias desconheciam, algumas delas se assustavam; outras
aproveitavam para refazer suas genealogías, pois à época das entrevistas o SYGAP já
havia completado a reconstituição de famílias. De qualquer maneira, o registro
dessas memórias de vida, principalmente a dos mais idosos, ajudou também na
complementação dos dados paroquiais, aumentando o volume das "fichas M F " 1 2 , tão
importantes para o historiador demógrafo. Os entrevistados deram-me, ainda,
oportunidade de vizualizar fotografias de pessoas que eu "conhecera" em seus

12 Estou me referindo à tipologia de fichas de família do método FLEURY e HENRY na


qual "famílias MF" são aquelas das quais se sabe, com exatidão, a data do início e do fim da união.
9

batizados, festejara seus casamentos, acompanhara a formação de suas proles e


lamentara suas mortes. Algumas delas são mostradas neste trabalho.
Dadas as dificuldades em se conseguir "voluntários" para as entrevistas,
colheram-se depoimentos de quem permitiu acesso às suas reminiscências. Alguns
gostaram desse jogo com a memória, chegando posteriormente a enviar textos com
lembranças que não haviam mencionado; outros, provavelmente desconfortáveis
com a situação, impossibilitaram novos contatos. Todavia, houve uma preferência
por colher a "memória remota" do grupo dos descendentes dos imigrantes: por isso a
maior parte dos entrevistados foi composta por pessoas que haviam nascido e
desenvolvido grande parte do ciclo familiar até 1949 - portanto, na primeira coorte13.
As entrevistas não possuíam roteiro preestabelecido, mas estavam centradas na
evocação de temas ligados à família. E, assim, as recordações revividas na pesquisa
oral continuamente realimentaram o desejo de esmiuçar detalhes a respeito da
experiência daquelas pessoas, reiteradamente no que tange às formas sociais
assumidas e os significados atribuídos a vida familiar.

* * *

A trajetória do grupo ruteno!ucraniano instalado na colônia Antonio


Olyntho vem relatada em três grandes partes, desdobradas em capítulos.
O contexto da Galicia na época da emigração desses camponeses, os
estímulos para emigrar e a instalação da etnia na colônia constituem o conteúdo dos
três capítulos que conformam a PARTE I - Emigração e estabelecimento da colônia.

13Coorte designa "a classe ou conjunto de indivíduos que apresentam o mesmo fenômeno
em dado período de tempo; logo, uma coorte de nascimentos é sinônimo de geração, uma coorte de
casamentos é o conjunto de pessoas que se casaram em determinado período". Cf. DICIONÁRIO
DEMOGRÁFICO MULTILÍNGÜE. Rio de Janeiro : Fundação IBGE, 1969. p.18. Neste trabalho, a
população em estudo foi dividida em duas coortes: a primeira, entre 1895 e 1949; a segunda, entre
1950 e1980.
10

O Capítulo 1 - Das razões pelas quais eles emigraram discute as


motivações para a emigração dos rutenos, preocupando-se em enfatizar as condições
de vida desses camponeses e as contradições sociais da Galicia no século XIX,
paulatinamente atingida pela expansão do capitalismo ocidental. Sua elaboração
buscou não apenas as razões pelas quais eles imigraram mas, sobretudo, estabelecer
a temporalidade vivida pelos imigrantes à época de sua partida.
N o Capítulo 2 - O estabelecimento da Colônia Antonio Olyntho o

imigrante não é o único sujeito. Inicialmente, a análise está centrada no delineamento


da política migratória paranaense e no estudo das especificidades ocorridas na
instalação da colônia Antonio Olyntho. Trata, assim, das aspirações das elites
paranaenses manifestas num projeto colonizador e a especificidade assumida por
esse projeto na instalação dos colonos rutenos/ucranianos. Para finalizar, volta-se o
foco aos rutenos, recompondo e examinando a constituição da família imigrante e
reconhecendo suas particularidades na forma de instalação dos núcleos domiciliares.
A seguir, o Capítulo 3 - Reconstruindo a cultura rutena, é dedicado a
acompanhar a trajetória de demarcação das fronteiras étnicas na localidade,
buscando respostas a algumas questões: saber se havia homogeneidade cultural
entre os pioneiros, identificar os eventos que concorreram para tornar os imigrantes
rutenos um grupo à parte e quais os valores culturais eleitos para marcar a
identidade rutena imigrante em Antonio Olyntho. Nesse capítulo, sobressai a figura
do padre João Michalczuk, condutor da pároquia por quatro décadas, personagem
marcante na conformação do grupo social.
Ao se refazer a trajetória dos imigrantes, da colônia e do grupo étnico-
cultural buscou-se, em particular, delinear as condições sobre as quais os imigrantes
retomaram suas vidas. Já as formas assumidas por esses percursos, basicamente
aquelas ligadas à vida familiar, estão detalhadas nos três capítulos que compõem a
PARTE II - A família dos imigrantes.
11

Ao tratar a vida dos jovens no compasso de espera da hora do casamento, o


Capítulo 1 - Casamento e nupcialidade procura verificar o peso étnico-cultural
existente nas escolhas matrimoniais. O estudo permitiu conhecer as particularidades
do ordenamento social do grupo imigrante e a maneira pela qual ele se reproduzia
nas alianças matrimoniais. Desvela também, a atualização de práticas ancestrais nos
rituais envolvidos nas uniões e as manifestações concretas do desdobramento de um
campo simbólico camponês no que se refere à nupcialidade.
O Capítulo 2 - Pelas passagens da vida percorre os espaços da comunidade
e das moradias, examinando os significados que as pessoas imprimiram a essa
reestruturação. Adentra os domicílios para reconhecer a composição doméstica e a
maneira pela qual se processava a reposição geracional. Nesse percurso deteve-se no
estudo do sentido das relações domiciliares e da sacralização expressa nos espaços e
atos da vida doméstica.
Finalizando a PARTE II, o Capítulo 3 - Uma herança camponesa estabelece
um elo entre a composição domiciliar e o processo de transmissão de propriedade,
mostrando a qualidade e as motivações que perpassavam as relações domésticas.
Dimensiona também as características que definiam o pertencimento a um grupo
familiar.
A PARTE III - A história demográfica dos ucranianos: os dados de base
está dedicada às tabelas demográficas processadas pelo SYGAP, bem como ao
detalhamento dos registros paroquiais utilizados para alimentar esse programa. A
cada tabela corresponde uma explicação, mesmo quando seus dados não foram
utilizados como suporte para o estudo de família efetuado nas partes anteriores. São
apresentados, porém, para demonstrar as possibilidades de tratamento demográfico
nos módulos de nupcialidade e de fecundidade do Programa SYGAP.

* * *
12

Ao recuperar a experiência cotidiana do grupo ruteno/ucraniano, pretendi

refletir sobre as implicações da imigração nos seus significados culturais.

Acompanhei, então, a saga migratória e revisitei a dura realidade dos tempos

pioneiros da colônia. Pude, assim, identificar o florescimento de afinidades etno-

culturais que fundamentaram a recriação da lógica orientou o estabelecimento de

laços familiares que deram suporte tanto à trajetória da vida do grupo imigrante e de

seus descendentes quanto às preocupações desta tese.

S E D E D A P A R Ó Q U I A N O S S A S E N H O R A D A I M A C U L A D A C O N C E I Ç Ã O . 1992.
PREFEITURA MUNICIPAL DE A N T O N I O O L I N T O .
PARTE I
EMIGRAÇÃO E ESTABELECIMENTO DA COLÔNIA
1 DAS RAZÕES PELAS QUAIS ELES EMIGRARAM

Toda a viagem tem sempre os mesmos momentos consecutivos: a partida, que reproduz
ontogenéticamente o trauma do nascimento, o instante em que cada um de nós é expelido
do útero para a viagem da vida, e filogeneticamente o momento em que os primeiros
homens abandonaram a sua pátria; o percurso, travessia biográfica recapitulando
travessias pré-históricas; a chegada, novo habitat, savana, pradaria, floresta; e sobretudo
o momento humano por excelência, que movimenta todo este processo, a viagem como
desejo, a fantasia do novo, a esperança de chegar, o encontro com o país sonhado.
S. P. ROUANET

Em diferentes momentos o europeu representou a América como Paraíso.


Desde 1492, as mais variadas formas de expressão colocaram o Novo Mundo como
um espaço paradisíaco, gerando lendas, uma vasta iconografia e, sobretudo,
alimentando esperanças e ilusões.
O "país da Cocanha" do século XVI metamorfoseou-se, no século XIX, em
"paraíso das delícias" e impulsionou milhares de europeus a transferirem-se para a
América, realizando o movimento conhecido como a Grande Migração.
Esses deslocamentos eram motivados pela construção de uma nova
realidade. Ninguém migra a longa distância sem que exista um impulso, muito
subjetivo, da esfera da esperança, chamado por alguns de ilusão migratória1.
Certamente, a mobilidade social consistia num ingrediente ativo desta ilusão, à
medida que "o fazer a América" no século XIX implicava participar de um
movimento no qual o fluxo destinava-se para a periferia do mundo
industrializado/civilizado. É provável que os participantes daquela aventura
imigratória tivessem a firme crença na força de mecanismos compensatórios capazes
de lhes garantir melhores posições sociais.

1 Estou me referindo à expressão utilizada por Fausto Britto, em sua exposição no IX

Encontro de Estudos Populacionais. 10/14 de outubro de 1994.


15

Particularmente quanto à imigração rutena para o Brasil2, um pároco - nas


frases que, em 1911, abrem um Livro Tombo - reafirma a crença de tais pessoas
encontrarem, na América, a Terra Prometida:

A prepotência dos ricos sobre os pobres foi a causa porque o povo ia aos poucos
abandonando a terra do seu berço com o intuito de alem do vasto oceano melhorar a sua
deplorável condição.- Primeiramente eram a América do Norte e o Canada os países
aonde o povo affluia afim de la grangear-se um sofrível sustento - Só mais tarde foi
considerado o Brasil, como o paraíso de delicias, ao qual principiou em 1894 emmigrar o
nosso povo ucraniano da Galicia oriental5, (sem grifo no original)

Essas ponderações indicam, contudo, que a emigração dos ucranianos não


se restringia a fatores subjetivos. Elas deixam bem claro que um emaranhado de
forças interagiu para estimular o abandono da terra do seu berço, destacando as
condições de submissão social e econômica das camadas populares que, nessas
condições, se viam forçadas a emigrar.
Especialmente para a etnia em estudo, as condições que auxiliaram a idéia
de emigração - os fatores de repulsão populacional - foram bastante intensas. A
história vivida pelas pessoas das regiões do leste europeu fez com que, até meados
do século XIX, elas mantivessem relações feudais, que só foram legalmente abolidas
na esteira das revoluções de 1848. Mesmo assim, em função das dificuldades que
vivenciaram como homens livres, no final do oitocentos a servidão era uma memória
poderosa. Talvez tão forte que tenha impulsionado o abandono do locus tradicional,

2 Neste trabalho, os rutenos/ucranianos em estudo são aqueles oriundos da Galicia, que,


juntamente com a Bukovina, conformavam as regiões da atual Ucrânia que estavam sob a dominação
do Império austro-húngaro. A designação regional que recebiam era de rutenos, em sua própria
língua, chamavam-se de rusyny. Por volta do final do século XIX, os rutenos galicianos e bucovinos
passaram a favorecer a adoção de um novo nome nacional: ucranianos, que finalmente prevaleceu.
(RUDNYTSKYJ, I. Essays in modem Ukrainian history. Edmonton : Printing Services. University of
Alberta, 1987. p. 315) Por outro lado, KA YE esclarece que bucovinos e galicianos eram denominações
político-geográficas, enquanto rutenos e ucranianos, designações étnicas do mesmo grupo. (KAYE,
W.J. Early Ukrainians settlements in Canadá : 1895-1900. Dr. Joseph Oleskow's role in the settlement
of Canadian northwest. Toronto : University of Toronto Press, 1964. p. xxiii)
3LIVRO TOMBO DO CURATO DE ANTONIO OLYNTHO. 1911-1980. Arquivo da
Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição, p. 2.
16

para em terras absolutamente desconhecidas empreenderem a tentativa de serem


senhores de si mesmos^.

1.1 UMA SOCIEDADE EM DESCOMPASSO


Foi de ti, mujique, foi de ti que tudo precedeu-nobres, padres, sábios, czares, todos são
antigos mujiques. Vês? Compreendes? Aprende a viver de forma a que te não batam
mais.
M.GORKI

Parte dos rutenos, durante o século XIX, era formada por habitantes da
Galicia - à época, a maior província do Império austro-húngaro5, portanto, desde
1772, integrava o Império dos Habsburgos. Em sua maioria eram camponeses socio-
económicamente submissos à nobreza polonesa.
Conforme um recenseamento da década de 18806, da população total,
5.958.907 habitantes, os poloneses representavam 40% e os rutenos outros 40%. A
população restante dividia-se majoritariamente entre judeus e alemães7.
Os poloneses concentravam-se na Galicia Ocidental, onde eram tanto
proprietários de terras quanto camponeses. Já, na Galicia Oriental, ainda que em
minoria, constituíam a nobreza detentora das terras; os demais poloneses desta
região eram funcionários ligados à burocracia ou a atividades urbanas. Os dois
milhões e meio de ucranianos concentravam-se na Galicia Oriental e sobretudo
ocupavam a zona rural na qualidade de camponeses. Os judeus estavam dispersos

4 Ibid., p. 3.
5 A Galicia era a província situada mais a noroeste do Império aüstro-húngaro,
perfazendo 10% da sua área total e concentrando aproximadamente 15% da sua população total.
6 Esse recenseamento não privilegiou a categoria nacionalmente, mas sim religião e língua
coloquial. A respeito, ver: HOBSBAWM, E. Nações e nacionalismos desde 1780 : programa, mito e
realidade. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1990. p.101-153.
7 HIMKA, J. P. Galician villagers and the Ukrainian national movement in the
nineteenth century. Edmonton : Canadian Institute of Ukrainian Studies, 1988. p. xxiii.
17

por toda a região, e os alemães viviam nas grandes cidades, onde se ocupavam da
burocracia8.
Considerando o contexto econômico do leste europeu durante o século XIX,
a concentração dos ucranianos em zonas rurais é bastante reveladora de sua situação.
C. MORAZÉ delineia um quadro sombrio deste estrato social, referindo-se às primeiras
décadas do oitocentos:

Desde que nos afastamos do Reno, vemos a velha divisão de terras em folhas trienais
bordadas de terras comunais e de florestas, a velha rotação das culturas que manteve os
camponeses da Idade Média.[..] No leste [...] apesar dos esforços tumultuosos de José E,
os constrangimentos que pesavam sob o servo continuavam a ser de um extremo rigor.
Citam-se camponeses que têm de trabalhar de noite em suas terras, por ter estado do
nascer ao pôr-do-sol ocupados pelo trabalho em benefício do senhor. E ao falarmos de
terras camponesas não devemos esquecer que nelas não existe o regime de propriedade
individual: as terras [...] pertencem à aldeia que as administra comunalmente. E a partir
do Elba, à medida que penetramos na Polônia e na imensa Rússia, este sistema
comunitário camponês afirma-se, adquirindo a fixidez geográfica .
5

Ao longo do século, naturalmente houve modificações nesse estado de


coisas, nuançando a imobilidade social descrita por C. MORAZÉ. Muitas delas,
todavia, tiveram caráter mais formal do que efetivamente transformadoras do
cotidiano das camadas populares. Na dinâmica das mudanças, merece especial
destaque a emancipação da servidão de gleba, em 13 de abril de 1848.
Até então, a permanência legal de relações feudais fizera com que os
camponeses se mantivessem presos à terra, na alternância do cumprimento de
direitos e de obrigações servis. As obrigações eram devidas tanto aos nobres, que
tinham o dominium dos servos, quanto ao Estado e à Igreja. De acordo com um
cadastro de 1819-20, os camponeses gastavam 84,7 % de sua renda líquida anual em
impostos; a maior parte deles era destinada aos senhorios (80%) e o restante ao
Estado (16,1%) e à Igreja (2,8%). No entanto, dada à forma pela qual a economia se

8 Ibid., p. xxiii.
9 MORAZÉ, C. Os burgueses à conquista do mundo : 1780-1895. Lisboa : Edições
Cosmos, 1965. p. 40.
18

desenvolvia nesse período, as obrigações dos servos eram basicamente quitadas com
o trabalho - ainda em 1845, a maior parte delas continuava a ser paga pela corvéia
(83,2 %).10 Por ela, o camponês trabalhava alguns dias da semana nas terras dos
nobres, nas obras do Estado ou pela glória de Deus: uma obrigação servil que
chegava a consumir vários dias da semana11.
Para coibir tais excessos, especificamente os praticados pela nobreza
latifundiária, desde o final do século XVIII, a Coroa austríaca ocupava-se com
reformas, passando a legislar sobre este assunto. Atingidos pelo iluminismo, Maria
Teresa12 e, principalmente, José II13 passaram a desfazer uma série de laços feudais,
tornando o campesina to um objeto da lei14.
Algumas das medidas mais importantes dos soberanos austríacos, ainda na
década de 1780, foram a limitação da cobrança da corvéia a um máximo de três dias
por semana por domicílio; a proibição estrita de qualquer cobrança adicional à
corvéia estatutária; a criação de um cadastro que assegurava ao camponês a posse
dos lotes que ocupava e cultivava; a organização administrativa das aldeias, que
passaram a eleger seus oficiais; a garantia de certos direitos individuais básicos,
como o de casamento sem a prévia permissão do senhor, e o direito de apelar nos
órgãos de administração estatal15. Com essas reformas, o camponês obteve alguns
direitos e com eles uma relativa alteração no seu estatuto social.

10 Em relação à Coroa austríaca, as obrigações incluíam, além dos impostos, o serviço


militar, a abertura e conservação de estradas e trabalho em demais obras públicas. Quanto à Igreja o
pagamento se dava geralmente na forma de serviços: dos fiéis era requisitado que se providenciasse
mão-de-obra para a construção e reparos das igrejas e de outros pertences das paróquias.
(RUDNISTYJ, op. cit., p. 316)
11 HIMKA, op. cit., p. xxvii.
12 Imperatriz da Áustria entre 1740-1780, casada com Francisco I, de Lorena.
13Primogênito de Maria Tereza e Francisco I, foi imperador germânico e co-regente dos
estados dos Habsburgos (1765-1790). Desde a juventude mostrou-se favorável aos ideais iluministas,
empreendendo importantes reformas com o intuito de racionalizar e modernizar o Império.
14 RUDNYTSKYJ, op. cit., p. 316.
15 Ibid., p . 316.
19

As reformas pró-campesinato fundaram as bases da lealdade das massas


camponesas da Galicia a José II; lealdade esta que vai se estender até o final da
monarquia. A esse respeito, mais de cem anos depois, I. FRANKÓ 16 asseverava: Nosso
povo não os esqueceu e ainda falam da sua sabedoria e do tratamento humano para
com seus súditos17.
O governo austríaco, porém, não tinha como objetivo dar-lhes condição de
igualdade cívica. No Império permanecia um ordenamento hierárquico, e o
camponês da Galicia continuava como um tenente hereditário da propriedade
senhorial.18 Com a permanência do dominium, o campesinato, durante a primeira
metade do século XIX, não ficou plenamente livre da corvéia e nem de outras
obrigações de natureza administrativa e fiscal19.
Alarmados com as atitudes esclarecidas da Coroa austríaca, os nobres,
desde então, passaram a ensaiar várias estratégias que compensassem as restrições
quanto à corvéia - e uma das mais bem-sucedidas foi a instituição dos chamados
dias-a uxiliared0. Como a regulamentação oficial previa a possibilidade de requisição
de trabalho adicional dos camponeses, basicamente no períodos do preparo do feno
e da época da colheita, os dias-auxiliares passaram a ser o recurso para a
manutenção dos camponeses em constante corvéia21.

16 Iwan Franko (1856-1918), poeta ucraniano, foi um dos líderes do movimento


nacionalista da segunda metade do século XIX.
17 FRANKÓ, I. apud : RUDNYTSKYJ, op. cit., p. 316.
18 Em outras regiões do Império, como a Boêmia, a servidão de gleba foi oficialmente

abolida no bojo dessas reformas. Aí "todos os súditos viram assegurado o direito de livre escolha em
matéria de casamento, migração, trabalho, ocupação e propriedade. Nos locais onde ela não existia [e
é este o caso da Galicia], foi assegurado aos camponeses a garantia da posse da terra e aos nobres
proibiu-se a compra de parcelas." (ANDERSON, P. Linhagens do estado absolutista. São Paulo :
Editora Brasiliense, 1985. p. 319)
19 RUDNYTSKYJ, op. cit., p. 316-7.
20 HIMKA, op. cit., p. 3.
15 Ibid., p . 316.
20

Outra reação às reformas de José II consistiu na paulatina desapropriação,


tanto das terras destinadas à subsistência dos camponeses como das terras comunais
- florestas e campos de pasto que as aldeias utilizavam coletivamente. A nobreza da
Galicia, nas décadas anteriores a 1848, pressentindo a iminência do fim da servidão
passou a se preocupar em ter a posse legal e efetiva daquelas terras. Com isto tentava
antecipar uma compensação das perdas que teria quando da emancipação dos
servos22.
De maneira geral, mesmo após 1848, os nobres continuaram a exigir
pagamento em trabalho ou em dinheiro para que o camponês utilizasse as terras que
haviam sido comunitárias. Na realidade, os camponeses continuaram a usar
ilegalmente as terras rústicas e os pastos23. Em função do impasse, a administração
provincial passou a instalar comissões de direitos servis para examinar as demandas
dos camponeses, as quais tendiam a favorecer os senhores das terras. Para se ter uma
noção das dimensões dessa questão, entre 1850 e 1900, as apelações relativas à
querela sobre os direitos "servis" apareceram em 984 aldeias galicianas: destas, 90%
localizavam-se na Galicia Oriental24.
Esse jogo de forças - no qual as tentativas de afrouxamento dos laços servis
eram rebatidas com estratégias que garantissem sua permanência - gerou um clima
de tensão social bastante agudo durante todo o século XIX.25

22 Ibid., p. 8.
23 Ibid., p. 49.
24 Ibid., p. 49.
A respeito dessa tensão é esclarecedora a análise de Himka quando diz que os conflitos
25

sociais entre os proprietários de terras e os camponeses mantiveram-se intensos mesmo após a


abolição da servidão, em função da manutenção da prática daquilo que caracterizara como "direito
servil". Ainda em 1900, 1902 e 1906 aconteceram revoltas camponesas que só evidenciam o clima de
tensão existente na década de 1890 O autor considera, também, que a dominação econômica dos
proprietários de terras não cessou em 1848, já que mais de 40 por cento das terras agriculturáveis e
florestas eram ainda propriedade dos nobres no início de 1900. Neste sentido, em 1902 cerca de
metade de metade das famílias camponesas da Galicia obtinha parte de seus ganhos com o trabalho
agrícola nessas terras (HIMKA, op. cit., p. 146-148)
21

Apesar das vitórias das forças sociais conservadoras, o período foi pautado
naquilo que um estudioso do assunto chama do conflito entre serfdom and
servitudeS26. Essa tensão traduzia-se inicialmente, como foi descrito acima, nas
estratégias desenvolvidas pela nobreza polonesa no sentido de continuar recebendo
dos camponeses o tributo da corvéia e, de outro, nas dos camponeses rutenos de
manter os direitos tradicionais da exploração familiar e comunal da terra.
Outra faceta desse conflito esteve articulada à exigência de que os
camponeses indenizassem os nobres pelos prejuízos causados com sua emancipação.
Naturalmente, os camponeses se rebelaram contra tal ressarcimento. As palavras de
um deputado-camponês, no Parlamento austríaco, expressam tal oposição: Eles [os
senhores de terras] não terão que nos indenizar pelo que nós fízemos: nós
trabalhamos para eles, dia e noite, por centenas de anos, muitas vezes passamos
fome e destruímos nossa saúde e nossas propriedades em função deles. Assim não
têm direito a qualquer compensação27.
A despeito dessa posição em contrário, o Parlamento e o Imperador
decidiram ressarcir a nobreza. Os camponeses deveriam pagar tal compensação até
189828, com impostos adicionais para permitir que o governo da Galicia indenizasse
os nobres.
Por isso mesmo, a tensão social agudizou-se após 1848, pois a dominação
econômica e a propriedade quase que exclusiva da terra mantinham-se nas mãos da
nobreza latifundiária. Um levantamento, em 1900, mostra que 40% das terras
agricultáveis e das florestas da Galicia ainda eram propriedade exclusiva dos nobres.

26 Ibid., p. 1-48. As palavras "serfdom" e "servitudes" podem ser traduzidas como


"obrigações servis" e "direitos servis" respectivamente.
Ibid., p. 29. No original: "They [the landlords] haven't compensated us for what we
27

did: we worked for them for centuries day and night, more than once while we are hungry, and we
destroyed our health and property on account of them. Therefore they are not entitled to any
compensation".
28 Ibid., p. 29. Até 1898 os camponeses da Galicia Oriental pagaram, a título dessa

indenização, mais de 50 milhões de florins (gulden) e cerca de 62 milhões em juros. Pode ser
lembrado que os imigrantes em estudo chegaram ao Brasil em 1895. (ibid., p. 29)
22

Sem direito às terras comuns, depois de 1848, cerca da metade das famílias
camponesas da Galicia passou a obter seus ganhos com o trabalho nessas terras.
Evidentemente, o fundamento desse conflito entre nobres e camponeses foi a
ausência da garantia do direito à propriedade acompanhando a abolição da
servidão29.

1.2 REERGUE-TE RUSH' DE KIEV30


Ukrainian history of the nineteenth century may mean two different things: a history of
the nationalist movement on the one hand, and a history of the country and the people on
the other hand. The two are closely interrelated, but they not coincide.
I. RUDNYTSKYJ

Entre os sustentáculos para a manutenção do sistema de servidão estavam


a opressão, a violência e a ignorância31. A forma tradicional das relações de trabalho
na Galicia era marcada pelas opressivas cobranças das obrigações servis, o que não
gerava incentivos ao trabalho: tudo o que podia mover o camponês para o serviço
era a coerção. A este respeito um crítico na década de 1840 dizia que o único motivo

29 Ibid., p. 146.
30 A historiografia nacionalista situa as origens da Ucrânia no século IX, com o reino de
Rush'deKiev, alinhando uma seqüência de eventos políticos e sociais que fornecem a imagem de um
país que, outrora, não apenas teve soberania, como também expressão política e econômica
significativa no contexto do leste europeu. As origens do Estado ucraniano estão situadas, assim, por
volta do século IX, com a organização do Principado de Kiev ou de Rush' de Kiev. O século X marca
um período de glória, quando reinava o Grão-Príncipe Volodymyr. Em seu reinado as regiões
vizinhas são unificadas e decreta-se o cristianismo como religião oficial, passando o Principado a
receber influência direta da Igreja greco-bizantina. Merece ser apontado que este tipo de construção
historiográfica é questionável, entre outras coisas, justamente por pressupor uma ininterrupta
linearidade histórica. Um especialista em história política da Ucrânia adverte dos perigos desta
lineariedade, considerando que "Ukraine is a tipically East Nation in that its history is marked by
degree of descontinuity."(RUDNYTSKYJ, op. cit., p. 11)
31 P. ANDERSON indica que, ainda no século XVI, o Estado Absolutista do Leste foi uma

"máquina repressiva de uma classe feudal que acabara de suprimir as tradicionais liberdades
comunais da população pobre. Foi um mecanismo para a consolidação da servidão num ambiente
em que não existiam cidades autônomas ou uma resistência urbana. A reação senhorial no Leste
significou que um novo mundo tinha que ser implantado de cima para baixo, à viva força. A dose de
violência injetada nas relações sociais foi proporcionalmente muito maior [que no Ocidente], O
Estado absolutista do Leste nunca perdeu os sinais desta experiência originária." (ANDERSON, P.,
op. cit., p.196)
23

da manutenção da servidão na Galicia eram a ameaça de um lado e o medo no


outro.32
Apesar do servilismo inculcado pelos freqüentes açoitamentos e a despeito
da ignorância, os historiadores em geral realçam que os camponeses mantinham
uma resistência muito grande contra a servidão. Ela assumia diversas formas: o
envio de reclamações para as autoridades do Império relatando os abusos cometidos
pelos senhores das terras e pelos oficiais do exército,33 o trabalho na medida
suficiente para escapar do chicote, o uso de mais tempo que o necessário para a
execução das tarefas, ou ainda a utilização dos piores animais e ferramentas em dias
de corvéia34.
A medida que o século XIX adentrava, a recusa ao cumprimento das
obrigações feudais resultava em confronto aberto, gerando rebeliões, naturalmente
com duras conseqüências para os camponeses.
Além da violência, outro componente básico para a manutenção do sistema
servil era a concepção de "brutos" que as elites locais tinham deste segmento social.
Numa carta datada em setembro de 1846, um oficial austríaco da região de
Stanyslaviv, comentava que no grupo dos camponeses locais, os traços que
diferenciam os seres humanos dos animais, estavam muito pouco desenvolvido^5.
Tal representação era associada a outra: a de um campesinato analfabeto e preso a
uma visão de mundo tradicional.

32 WASILEWESKI, apud HIMKA, op. cit., p. 10.


33 É apontado por HIMKA, que dada a ignorância do campesinato, para formular, por
escrito, as denúncias, eram utilizados os serviços de indivíduos que, mesmo possuindo educação
formal, eram marginais à sociedade: marginalização gerada por incompatibilidades políticas ou pela
própria opressão da sociedade. Eram oficiais subalternos que perderam seus postos, professores,
proprietários de tavernas, os que ganhavam suas vidas escrevendo as denúncias e petições dos
camponeses. (HIMKA, op. cit., p. 17).
34 Ibid., p. 16-18.
15 Ibid., p . 316.
24

Com efeito, havia, na primeira metade do século XIX, por parte da Coroa
austro-húngara, uma clara política de desestimulação do ensino para as camadas
populares nas regiões da Galicia. É significativo que, em 1842, somente 15% das
crianças galicianas freqüentassem a escola, enquanto em outras regiões do Império,
como na Boêmia, verificava-se uma freqüência de 94%; em toda a Áustria (com
exceção da Galicia) este índice era de 75% 36 .
A situação daqueles rutenos inspirava os lamentos de poetas nacionalistas,
como I. FRANKÓ:

Meu povo sofredor e mutilado,


Igual a um lazarento no monturo
Pelo desdém dos homens ultrajado!
Q u e angústia vivo em teu destino duro!
Foge-me o sono em queimações de pejo
Q u e marcará teus filhos no futuro.
Acaso está fixado teu ensejo:
Servir de adubo para o mau vizinho,
Puxar sua carruagem sobre o brejo?
Será sua sina cultivar sozinho
Este ódio surdo e falsa humildade
A todos os traidores no caminho
Q u e te forçaram, preso, à lealdade?
Será que nunca chegarás ao gozo
No revelar da força imensidade? 37

Demonstrando consciência de submissão histórica do seu povo, esses


versos são exemplares no que tange à movimentação da intelectualidade ucraniana.
Desde o alvorecer do século XIX, ela articulava-se no sentido de conseguir a
unificação dos territórios considerados seus e, mais do que isto, almejava a
autonomia política38 . Assim, uma melhoria substancial das condições de vida do

36Ibid., p. 10-16. O autor, neste sentido, afirma também: "In fact, the peasants'ignorance
was almost as important as violence imn maintaining the feudal system." (p. 14)
37 Esses são os versos iniciais de Moisés, de Iwán Franko, em que o poeta "se identifica

com o vate judeu, vendo na historia bíblica urna parábola da historia de seu próprio povo".
(KOLODY, H; SELANSKI, W. Moisés. Curitiba : Sociedade dos Amigos da Cultura Ucraniana, 1981.
p. 14)
38Pode-se atribuir vuna certa defasagem no despertar da moderna consciência nacional
ucraniana, à própria dispersão territorial desta etnia. Parte do território como herança de Rush' de
Kiev pertenceu, durante mais de 120 anos, à Russia e a outra à Áustria. Para KOZIK, que se ocupou
em estudar detalhadamente o nacionalismo no período que vai de 1815 à 1849 "the division
contributed in large mesure to retarding national revival and the formation of a modern national
25

estrato básico daquela sociedade era indispensável. O empenho da campanha pela


abolição da servidão de gleba situava-se nesse plano, à medida que ela consistia
numa pré-condição para a participação efetiva do campesinato na política nacional.
Como em todos os outros movimentos protonacionais, o campesinato
desempenhou, também, um papel importante no despertar da consciência nacional
ucraniana.39 Tendo sido o guardião do sagrado legado das canções, das histórias e
dos costumes populares, bem como da língua vernácula, era o segmento mantenedor
de tudo aquilo que a inteligenzzia resgatou e mitificou no sentido de canonizar como
ethos nacional. Fornecia, assim, elementos básicos, para que a camada erudita
desenvolvesse as idéias nacionalistas.
Essa pretensão esbarrava, entretanto, no terceiro fator que sustentava, como
já visto, o sistema de servidão: a ignorância do campesinato. Não é à toa que uma
das principais ramificações do movimento nacionalista chamou-se Sociedade
Prosvità10. Neste sentido, a idéia de que a redenção social dos camponeses se daria
pela educação, colaborou para que, ainda em 1848, os deputados galicianos se
ocupassem com a expansão da educação elementar41.

consciousness among Ukrainians." (KOZIK, J. The Ukrainian national movement in Galicia. : 1815-
1849. Edmonton : Printing Services, University of Alberta, 1986. p.16)
39 Em relação ao movimento protonacional vale lembrar a associação feita por
HOBSBAWM de que, sendo a nação moderna "uma comunidade imaginada", a dissiminação do
"patriotismo nacional" tornou-se rapidamente uma força política poderosa em função de os Estados
e os movimentos nacionais terem mobilizado certas variantes de sentimento de vínculo coletivo já
existente. Ele chama tais laços de protonacionais. (HOBSBAWM, op. cit., p. 63)
40 Em português, Prosvita significa Iluminação.
41 RUDNYTSKYJ, op. cit., p. 385. De maneira geral a bancada de deputados eleitos pelo

campesinato da Galicia, para representá-los no Parlamento em Viena, a partir de 1848, é considerada


reacionária tanto pela grande lealdade que tinha à coroa austríaca em memória das reformas
empreendidas por José II, quanto pela influência do clero greco-católico nas indicações destes
deputados. A igreja ucraniana de rito grego, ou uniata, ocupou um espaço crucial na história dos
rutenos nos séculos XIX e XX. O governo austríaco garantiu à igreja uniata, e ao seu clero, um status
igual aos dos seus correspondentes na igreja de rito latino, que haviam sido negado pelo regime
polonês anterior. Em 1774 oficializou o termo "católicos-gregos" com o objetivo de enfatizar a
paridade dos ritos grego e romano. Este princípio de paridade, valorizado tanto por Maria Tereza,
José II e Leopoldo II, foi acompanhado por uma série de medidas práticas, como o melhoramento das
condições econômicas e legais do clero greco-católico e a criação de seminários. (Ibid., p. 316)
26

Por seu lado, o governo austríaco, desde os finais da década de 1860 passou
efetivamente a incentivar a educação obrigatória em todas as regiões do Império,
bem como a favorecer uma relativa liberdade de imprensa. Contudo, nas condições
da Galicia, sob a hegemonia da nobreza polonesa, essa iniciativa não foi
integralmente implementada. A situação refletiu-se no quadro desolador para a
região: em 1880 somente 17,3% dos homens e 10,3% das mulheres conseguiam 1er e
escrever. Isto destoava do total do Império onde as percentagens eram 61,9 e 55,13%,
respectivamente, de homens e mulheres alfabetizados. Umas das razões do
analfabetismo de adultos e da baixa freqüência escolar das crianças pode ser
atribuída em parte às condições econômicas do campesinato. Sabendo-se que, em
economias camponesas, o valor primordial é o trabalho físico, é compreensível a
relutância do campesinato tradicionalista em escolarizar seus filhos. Contudo, os
impasses gerados pelas disputas em torno dos direitos servis ensinou uma lição aos
rutenos, que passaram afrouxar um pouco sua resistência quanto à escolarização.

A despeito desse quadro de analfabetismo, a Coroa austríaca, desde


meados do século XIX, permitiu a proliferação de escolas, jornais42 e de associações
de caráter diverso, engendrando a possibilidade do início do que um autor chama de
verdadeira "revolução cultural" na região43.
Em relação à penetração de uma cultura escrita no campo da Galicia, deve-
se dar um papel de destaque à fundação, em 1868, da Sociedade Prosvita sob a
iniciativa do reverendo Stephen Kachala e dos populistas Anatoly Vachnhanyn e
Omelian Partytzky.44 Originalmente um movimento cultural e educacional, a
Prosvita ganhou força política com o apoio da juventude, principalmente por incluir

42 Outro aspecto dessa "revolução cultural" se deu com a veiculação de diversos jornais
em língua ucraniana a partir dos anos de 1848/49 - então impressos em Viena. Contudo, mesmo que
a partir da década de 1860 passassem a ser editados na Galicia, esses jornais só viriam a atingir uma
"massa considerável" de leitores após a década de 1880.
43 HIMKA, op. cit., p. 59.
44 Anatoly era maestro e Omelian, advogado.
27

estudantes de teologia45. Sendo um movimento nacional-populista46, preocupava-se


em editar jornais e pequenos livretos , da mesma maneira que promovia a criação
dos clubes de leitura sempre destinados às camadas populares47. A orientação do
movimento Prosvita opunha-se à geração de conservadores, que eram mais ligados
às tendências russófilas.
Gradativamente essa organização foi se tornando o ponto central da
consciência nacional ruteno/ ucraniana. O objetivo inicial, que tinha uma
característica mais acadêmica e literária, a partir de 1870, passou a ser assumido pela
Sociedade Chevtchenko. A Prosvita dirigiu suas atividades fundamentalmente para
a promoção da educação entre as massas camponesas e acabou por ramificar-se na
forma de clubes de leitura.

Os clubes de leitura eram instituições que proviam educação popular para


adultos com uma orientação nacional48. A Prosvita, com as tchetálhnia49, criava um
ambiente no qual se prestigiava a leitura - complementando a educação recebida nas
escolas - trazendo educação, senão a própria alfabetização aos camponeses.50

TERLETSKY, I. H.. Educational and cultural movement in Galicia. In: UKRAINE : A


45

CONCISE ENCYCLOPAEDIA, v 2. Toronto : University of Toronto Press, 1971. p.335.


46 O conceito de populismo é polissêmico, e neste sentido ALAVI distingue quatro

contextos mais importantes entre os muitos em que a palavra tem sido usada. Pela forma de ação dos
populistas rutenos os movimentos nacional-populistas da Galicia, entre os quais a Prosvita,
aproximam-se ao sentido dado por Lenin quando interpretou a ideologia deste tipo de populismo
como um protesto contra o capitalismo a partir do ponto de vista dos pequenos produtores,
particularmente dos camponeses, cuja posição estava sendo enfraquecida pelo desenvolvimento
capitalista mas que, não obstante, queriam uma dissolução do sistema feudal. (ALAVI, H.
Populismo. In: BOOTMORE, T. (org.). DICIONÁRIO DO PENSAMENTO MARXISTA. Rio de
Janeiro : Jorge Zahar Editor, 1988. p. 290 )
47 O primeiro jornal veiculado pela Prosvita chamava-se Pyzmo z Prosvity. Contudo,
como o estatuto da Sociedade Prosvita não permitia um engajamento em ações políticas diretas, os
nacional-populistas fecharam esse jornal e passaram a expressar-se através do Batkivshchyna que,
formalmente, era independente do movimento Prosvita. (HIMKA, op. cit., p. 70)
48 Ibid., p.86.
49 Salas de leitura.
50 O número de membros dos clubes de leitura espalhados pelas diversas aldeias da
Galicia era variado, apresentando grupos em torno de cinqüenta a até mais de cem sócios; a média
mais freqüente era de quarenta a sessenta membros. Em meados da década de 1880, havia
quatrocentos clubes de leitura e em 1914 já eram mais de três mil, espalhados pela Galicia. (HIMKA,
op. cit., p. 90).
28

Destaca-se no movimento a participação ativa do clero greco-católico: uma


identificação generalizada entre rito-grego e população camponesa de etnia rutena
favorecia essa relação.
Partiu do clero a formulação de uma ideologia concebendo o movimento
nacional como uma luta dicotômica: da virtude contra o vício, da iluminação contra a
ignorância, da sobriedade contra a embriaguês, da diligência contra a indolência e
da frugalidade contra a prodigalidade51. Estavam dadas, assim, as bases de uma
nova ética social. E, o projeto de um estado nacional para os rutenos passava
necessariamente pela emancipação concreta dos camponeses.

1.3 ENTRE DOIS MUNDOS


O oponente mais importante contra o qual o "espírito" do capitalismo - no sentido de um
estilo de vida normativo baseado e revestido de uma ética - teve de lutar, foi esse tipo de
atitude e reação, que podemos designar de tradicionalismo. Também neste caso, qualquer
tipo de "definição" final deve ser deixada em suspenso. Por outro lado, devemos tentar
esclarecer o sentido provisório citando alguns casos.
M. WEBER

Após 1848, a criação legal de um campesinato independente possibilitou a


emergência de duas orientações nas relações de trabalho daquela sociedade: uma
aprisionada pelo passado e outra receptiva às influências do Ocidente. O passado
representado pela efetiva ascendência dos nobres latifundiários que, com suas
grandes propriedades, faziam de conta que a abolição da corvéia tinha sido
meramente formal, como já foi visto acima. É nessa orientação que pode ser situado
o significado da expropriação das florestas e terras comunais durante o processo da
emancipação do campesinato. É também nela que se explica a manutenção de
revoltas camponesas rutenas até o início do século XX52.

51 Ibid., p.125.
52 HOBSBAWM indica como causas da manutenção de movimentos sociais pré-políticos

havidos em vários países, entre os quais, na Ucrânia até finais da década de 1910, o fato de que seus
participantes "não cresceram junto com ou dentro de uma sociedade moderna: foram jogados nela
29

A segunda orientação situava-se no incipiente desenvolvimento do


capitalismo na Galicia oitocentista. A economia da região, até meados do século XIX,
havia sido fundamentada em relações feudais. O camponês, então, necessitava de
muito pouco dinheiro; a bebida e o sal consistiam nas maiores despesas, já que as
obrigações feudais eram pagas basicamente em trabalho.
A partir da década de 1870, contudo, tal estrutura iniciou sua efetiva
desagregação com o incremento de uma economia de mercado, que vai ser
implementada, porém, muito lentamente. Considerando a íntima relação entre a
economia monetária e urbanização, a lentidão deste processo é perceptível na parca
urbanização da região. Um estudo relativo às cidades na Galicia no século XIX revela
que, em finais da década de 1890, menos que 16% da população rutena poderia ser
descrita como urbana.

De qualquer forma, a expansão da economia monetarizada ía, cada vez


mais, minando a economia tradicional da região. Mesmo assim, as duas "orientações"
daquela sociedade levaram à coexistência, por um largo período, de interesses
divergentes que eram fonte das ambigüidades nas relações econômicas da época.
Apesar de alguns estudos clássicos terem insistido no fato de que a
superação de uma etapa econômica implique a imediata adoção de outra, [...] não é
sensato falar de um sistema capitalista quando a superestrutura política e legal de
uma sociedade ainda é aquela moldada por condições econômicas pré-capitalistas.
O poder político, mesmo nas mãos de uma classe dominante cuja base econômica
ainda está ruindo, é capaz de retardar o desenvolvimento de novas formas
econômicas e sociais12.

[...] seu problema é como adaptar-se à vida e as lutas desse mundo". (HOBSBAWM, E. Rebeldes
Primitivos, Rio de Janeiro : Zahar Editores, 1978. p.13)
53 HILTON, R. Um comentário. In: SWEEZY, P. et al. A transição do feudalismo para o
capitalismo. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1976. p.154.
30

Enfatiza-se, assim, a idéia de que as relações de produção na Galicia do


século XIX viviam um período de transição. Não comportavam mais a denominação
de economia feudal, contudo não eram plenamente capitalistas; estavam sim, sendo
incorporadas nos mecanismos produtivos do capitalismo ocidental. Caberia melhor
caracterizar tal fase como de economia monetária: Ao menos de 1848 até a virada do
século, capitalismo como tal não existiu na Galicia. Em seu lugar, a economia era
baseada na pequena produção, e conseqüentemente a precondição fundamental do
capitalismo - a separação do trabalhador e dos meios de produção - estava ausenté.
Para os latifundiários - vitoriosos na maioria dos conflitos a respeito da
posse das terras - a monetarização da economia passou a ser um excelente
mecanismo para frear as pretensões de auto-suficiência dos camponeses e induzi-los
a retornarem ao trabalho, por salários bem reduzidos. Aos que tinham a garantia da
pequena propriedade, a necessidade do dinheiro colocava-se, inclusive, para o
pagamento dos impostos e das taxas de indenização que deviam aos seus antigos
senhores.55

A gradativa desagregação da economia feudal pela penetração de uma


economia monetarizada teve outro desdobramento: a ramificação das atividades da
Prosvita, a partir de 1891, no campo econômico. Foram organizados armazéns
comunitários, cooperativas agrícolas e comerciais, bem como bancos de poupança e
empréstimo56. Também foram criados granários coletivos, pois em função da
escassez de grãos nos períodos que antecediam o plantio, os camponeses
necessitavam recorrer aos empréstimos dos usurários para a compra das sementes.
Só nas últimas décadas do século XIX é que se desenvolveram instituições bancárias

54 HIMKA, op. cit., p. 160. No original: "At least from 1848 until the turn of the century,
capitalism as such did not exist in Galicia. Instead, the economy was based on petty producers, and
therefore a fundamental precondition of capitalism - the separation of the labourer from the means
of production - was lacking".
55 Ver supra, item 1.1, "Uma sociedade em descompasso", neste capítulo.
TERLETSKY, op. cit., p. 336. Em 1912, a Prosvita contava com 257 uniões de crédito,
56

(cf. HIMKA, op cit., p. 165)


31

modernas que acabaram com o empréstimo particular, especialmente difundido nas


vilas da Galicia.
Periféricas à industrialização que se processava na Europa Ocidental, as
regiões do leste europeu - ao ingressarem na economia de mercado -
especializavam-se cada vez mais, em suprir o mercado europeu de grãos. Neste
sentido, as crises do capitalismo das últimas décadas do século XIX afetaram
diretamente a região. O aumento na produção de grãos, que crescera enormemente
no decorrer do oitocentos, gerava uma superabundancia de oferta:

A agricultura foi a vítima mais espetacular desse declínio dos lucros. [...] Sua produção,
que havia aumentado muito no decorrer das décadas precedentes [...] agora inundava o
mercado mundial. [...] As conseqüências para os preços agrícolas, tanto na agricultura
européia como nas economias exportadoras ultramarinas, foram dramáticas. Em 1894 o
preço do trigo era apenas um pouco mais de um terço do que fora em 1867 - um prêmio
esplêndido para os compradores, mas um desastre para os agricultores e trabalhadores
agrícolas, que ainda representavam entre 40 a 50% dos trabalhadores do sexo masculino
nos países industrializados [à exceção apenas da Inglaterra] e até 90% nos outros países 57 .

Tal situação econômica gerava as mais distintas reações locais58, sendo que
a de muitos rutenos galicianos foi a imigração.

57 HOBSBAWM, E. A era dos impérios : 1875-1914. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1988.
p .59-60.
58 Conforme HOBSBAWM, as reações da população européia às crises do capitalismo se

davam, principalmente, em função das condições gerais da economia em questão. Oscilavam, assim,
entre a rebelião camponesa (Irlanda e Sicilia), a modernização da agricultura (Dinamarca) e ainda na
opção pelo protecionismo com o aumento das tarifas alfandegárias (Alemanha, França). Ele aponta
que, nas regiões periféricas da Europa, as reações não-governamentais mais comuns foram
emigração e formação de cooperativas. Esse contexto levou, a partir de 1880, a um incremento das
taxas de imigração ultramarina nos países com imigração antiga e o início da emigração em massa de
países, como a Itália, Espanha e Austria-Hungria, seguidos pela Rússia e pelos Bálcãs. Para o autor, a
imigração resolvia as tensões internas dos países exportadores de população à medida que mantinha
a pressão social abaixo do ponto de rebelião ou revolução. (HOBSBAWM, ibid., p. 60-61)
32

1.4 FIDELIDADE AO PASSADO


Os fiéis desse evangelho do progresso terreno provinham basicamente da burguesia
racionalista dos negócios e profissionais liberais e da classe média cultivada. Mas a antiga
ordem permanecia intacta sob demasiados aspectos para que o novo credo pudesse atrair
as elites dominantes, agrária, do serviço público, e da cultura, ou conseguir muitos
adeptos entre o campesinato, a petite bourgeoisie e as massas trabalhadoras.
A.J.MAYER

Nas décadas finais do século XIX, os camponeses da Galicia viviam as


ambigüidades de um mundo em transição. A modernização que se introduzia nas
relações de trabalho desde a emancipação em 1848, a penetração numa economia
capitalista em expansão, a ação do movimento cultural empreendido pela Sociedade
Prosvita não tiveram, até o final da década de 1890, tempo suficiente para derrubar
as antigas estruturas que sustentaram, até então, as práticas e representações daquela
sociedade. Viviam, na realidade, em dois mundos onde emaranhavam-se o passado
e o futuro, tornando o presente um repositório de paradoxos e contradições.
Como é característico a fases de intensas transformações estruturais, não
existe uma sincronia absoluta no ímpeto das mudanças. Cada região, e mais
especificamente, cada aldeia experimentou a modernização em ritmos diferentes em
função da temporalidade própria de cada um dos agentes modernizantes e das
contradições sociais decorrentes. Ter em mente as diversas temporalidades vividas
no espaço da Galicia é importante para não resvalar na hipótese de que a
modernização não tenha conhecido movimentos sinuosos.

Entre as contradições da sociedade que se modernizava, é notável na região


a manutenção do mir - forma de organização coletiva da propriedade que já perdera
seu sentido no Ocidente. Isto se torna mais inusitado sabendo-se que, desde a
emancipação, os camponeses tinham direito à propriedade individual, e nas
associações em mir a autoridade é dada não aos indivíduos, mas à aldeia:

Na maior parte dos casos, o trabalho permanece, se não individual pelo menos familiar. O
que prevalece é a preocupação duma repartição fraternal dos encargos. O imposto, o
recrutamento militar, os atrasos da dívida financeira são suportados não por cada família,
33

mas pela aldeia inteira e é a aldeia que fixa agora a parte de cada um em função das suas
possibilidades. A aldeia sustenta as crianças, as viúvas, os velhos e não lhes pede senão
pequenos trabalhos em troca. Quando se espalha a voga da instrução, a aldeia cria por
vezes um pecúlio para ter a própria escola [...]. A intervalos periódicos, a aldeia divide as
suas terras em lotes, de forma a que cada lote ofereça uma actividade equilibrada
segundo as possibilidades daquele que terá o encargo.[...] Encontram-se casos assás raros
em que o hábito da divisão foi abolido, mas mesmo nestes casos a solidariedade persiste e
as colheitas devem estar a serviço de todos: o mir tem pena de todos, diz o provérbio 59 .

A lógica da organização social não abrigava a individualização imposta


pela sociabilidade moderna. E, justamente por isso encontrava-se a possibilidade da
manutenção da cultura tradicional camponesa - apesar da "revolução cultural" que a
inteligenzzia tentava fazer desde meados do oitocentos. O campesinato ruteno
preservou, efetivamente, grande parte de sua cultura, até o início do século XX.
Herança oral que era passada de geração em geração na forma de provérbios,
canções e histórias e, sobretudo, reproduzindo práticas ancestrais que davam sentido
à continuidade de uma visão de mundo60.

A sociedade que se desenvolvia a partir de forças capitalistas exigia


gradativamente a alteração disto tudo, e foi inevitável a introdução da cultura
impressa.

A introdução da cultura impressa efetuou mudanças em quase todos os aspectos da vida


camponesa e de atividades tradicionais. Isto significou, por exemplo, que o teatro foi
introduzido nos entretenimentos dos camponeses; que o relógio estava começando a usar
o espaço do horário solar e estrelar; e que as festas tradicionais religiosas ou sazionais
passavam agora a serem suplantadas pelos feriados da cultura impressa [...]; que a
medicina popular tradicional começava a ser denunciada pelos camponeses letrados
como estúpida superstição [...]. A cultura impressa alterou drasticamente a visão de
mundo camponesa: os camponeses instruidos desenvolveram uma moderna consciência

59 MORAZÉ, op. cit., p. 376.


60 Como em outros movimentos nacionalistas a cultura camponesa foi adquirindo novos
significados, passando a denotar símbolos nacionais. Esta adição de significado simbólico à
elementos culturais foi o resultado da relação, via cultura impressa, entre o campesinato e a
"intelligenzzia: aquela cultura criada e desenvolvida pelo campesinato sem propósitos nacionalistas
foi codificada e envolvida em propósitos políticos, retornando aos camponeses enquanto símbolos da
autodiferenciação". (HIMKA, op. cit., p. 196)
34

nacional, opiniões políticas, e em alguns casos, uma atitude mais crítica para com a
. 61
igreja .

Ainda assim, em finais do século XIX os elementos da cultura popular eram


práticas vivas e significativas entre os rutenos. E a manutenção de formas culturais
pode ser associada tanto à ruralidade da vida social, quanto à tolerância da igreja de
rito grego62. Diferentemente da igreja de rito latino, essa tolerância se refletia na
permanência de costumes pagãos aos quais foram dados características cristãs pela
Igreja. Um exemplo da mescla de crenças aparece com bastante clareza na
comemoração da Páscoa - a mais importante festa da Igreja Oriental - cuja
celebração preservou muitas características da cultura pré-cristã.63 Tal hibridismo
manteve-se até as reformas econômicas e sociais radicais fomentadas quando da
instituição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Até então a vida nas
aldeias da Galicia era marcada por vários eventos combinando o calendário religioso
com festas populares64.
Nesse contexto, a religiosidade dos camponeses passou a ser objeto de
preocupação da inteligenzzia em finais do século XIX. As crenças e as práticas
mágicas, por desempenharem um papel importante na cultura camponesa, foram

61 Ibid., p. 193-194. No original: "The introduction of the print culture effected changes
in almost all aspects of peasants life and folk ways. It meant, for example, that theatre was added to
the peasant's entertainments, that clock time was starting to replace solar and stellar time, that
tradicional religious and seasonal feasts were now supplemented by new print-culture holidays [...];
that tradicional folk medicine was now being denouced as harmful and stupid superstition by
readind peasants [...] The print culture also drastically altered the peasant world-view: the readind
peasant developed a modern national consciousness, political opinions and, in some cases, a more
critical attitude to the church".
62Na PARTE I, Capítulo 3, Item 3.1 - De polacos a rutenos, encontra-se uma explicação
da divisão desses ritos.
63 Esses costumes implicam aquilo que é chamado de fé dual, pela coexistência de crenças

tanto pagãs quanto cristãs. Um especialista no assunto aponta tal dualidade nas práticas da igreja
católica de rito grego: "The tolerance was reflected in the durability of ancient pagan customs wich
were given Crhristian character by the Church. These customs manifested themselves in the so-called
dual faith (dvoieviria-the coexistance in the popular customs of both pagan and Christian beliefs) the
remnants of wich survived until the radical social-economic reforms in the USSR and completely
changed the rural way of life." (KOROWYTSKY, I. Constitution of Ukrainian churches. In:
UKRAINE : A CONCISE ENCYCLOPAEDIA, v.2, p 231)
64 Ibid., p 230-231.
35

objeto de anátema dos populistas, que preconizavam uma cultura racionalista65. Um


reflexo dessas tendências modernizantes se verificou na reestruturação das relações
tradicionais com o clero. Os aldeões passaram a envolver-se com um projeto de
igreja no qual ela deveria ser concebida como mais um aspecto do nova ordem
social. Para tal, as paróquias começaram a implementar irmandades de temperança,
escolas, clubes de leitura e cooperativas. Em decorrência, o pertencimento à religião
de rito grego passou a afigurar-se, também, como um símbolo de autodiferenciação
étnica.
Todavia, mesmo as atividades que tinham um caráter paroquial estavam
submetidas às contradições dessa sociedade. Não foi todo o campesinato que aderiu
aos clubes de leitura, por exemplo. Houve resistências que podem ser atribuídas
tanto ao conflito com a tradição oral, quanto ao medo de represálias por parte da
nobreza.
Quanto ao primeiro motivo, é exemplar a observação de um clérigo rural
que, tendo fundado inúmeros clubes de leitura, tinha experiência com essa
resistência: [...] não existem razões de se ficar surpreso que os nossos aldeões. Sendo
pouco esclarecidos, não entendam os benefícios dos clubes de leitura para sua
instrução e, sendo conservadores, encontram dificuldades de acostumarem-se com
alguma coisa que não estivesse na aldeia desde há muito tempef6.
A oposição a essa prática estaria ligada à herança de uma mentalidade
servil na qual a educação seria um atributo distintivo, característico de uma classe

65 HIMKA, op. cit., p. 202. Referindo-se às transformações que o movimento nacionalista

ucraniano realizava na cultura camponesa em finais do século XIX, o autor afirma também: "It is
reasonable to suppose, therefore, that the peasantry was evolving from a superstitious form of
religion to a more rational form of religion during this period. One might even say that there was a
small-scale Reformation underway in the Ukrainian village in the late niniteenth and early twentieth
centuries".(cf. p. 203)
66 Ibid., p. 94. No original: "there is no reason to be surprised that our village people,
being litle enlightened, do not understand the benefit of reading clubs for their enlightenment, and
being conservative, they find it difficult to accustom themselves at first to something that has not
been in the village for ages past."
36

opressora e estrangeira. Isso está bem expresso nas palavras de um oponente ao


clube de leitura na aldeia de Perviatychi, em 1884: Serei um senhor para poder 1er
umjornaP.67
Já, o segundo motivo se daria porque grande parte do campesinato
entendia que qualquer iniciativa para melhorar suas condições poderia ser
reprimida pelas autoridades. Os conflitos com a nobreza local - principalmente
desde as reformas de José II - reforçavam esse tipo de concepção. Os temores tinham
certo fundamento, à medida que, nos finais de 1870 e início de 1880, alguns
camponeses radicais foram presos por estarem lendo literatura socialista proibida. A
população tradicional associava as prisões dos radicais ao fato de "estarem lendo" e
não à espécie de leitura que era efetuada.
Apesar dos segmentos refratários, o que se verificou é que os clubes de
leitura passaram a integrar, paulatinamente, a paisagem rural, com a adesão dos
segmentos mais jovens da sociedade, basicamente homens. Reunidos nas escolas,
salões paroquiais ou mesmo ao ar livre, liam, escutavam e debatiam as condições
propostas pelos nacional-populistas para a construção de uma Ucrânia
independente. Outros, porém, descortinavam para si a possibilidade de refazer suas
vidas além-mar.68

* * *

Ainda que traços de modernidade começassem a aparecer na área rural da


Galicia, o cotidiano da maior parte do campesinato mantinha-se inalterado. De fato,
os galicianos viviam segundo formas ancestrais que apenas agora começavam a

67 Ibid., p. 94. No original: "Am I a lord that I should read a newspaper?"


68 A emigração transoceánica se dirigiu com maior intensidade para os Estados Unidos e

para o Brasil. Calcula-se que, entre 1890 e 1913, aproximadamente 700 a 800 mil rutenos/ucranianos
da Galicia e da Transcarpácia deixaram a região. (RUDNITSKYJ, op. cit., p. 336)
37

serem desestabilizadas. Por isso mesmo, em meados da década de 1890, quando


emigraram para o Brasil, trouxeram uma visão de mundo essencialmente camponesa
e tradicional.69

69 A própria localização desses imigrantes e sobretudo seus movimentos de migração


indicam um caráter essencialmente rural dos estratos populacionais que constituíram as diferentes
levas de ucranianos chegados ao Brasil até a Primeira Guerra Mundial. A este respeito consultar
BORUSZENKO. A imigração ucraniana. In: WIRTSCHAFTSKRÄFTE UND WIRTSCHAFTS WEGE.
Klett-Cotta : München, 1981. p. 760-761.
38

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~ i:I.'6laio, de ~n:Ilf't. do Ie':
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r. -ConitrUctlo.o e~ aut.rCs; 00 "I trou'~~dleJlt J'arailo é& uno inOnilÓ d'aulres minmus:.
, Dé)6, ii cxilte ,u~BtCsiI ck", ~res 'Jlportena,nt I'Í,III, Ilui l sOlL' cn -plellle pro-
'périlé. Diuu': la pro\'ioco do S::mla Ci&barioí, Rs ~Olljel db Blumcncau : "I,JIIO habil.3nti;
'I~jahr e' DOID Pooro:' !,~ baliil:I.1IIS. Olns Jai',ro\'h,co de Esliirito~ Salllo,les C1)lonics
tlile Rl~'~o\'O, f;!iU luitiitílll5: lit SàlltaClr.~ldi. ,8.880 babllanlll, Dan. II pro\'illoo tle
"1840 Paulo, I:. 'colollie de C:1Il1l0CI, .ui batlitanlf. Danr,la prol'ince de Minas GeriU, lã
,' oolonio ~fúcur)' : -;Ot( hawlImU. llilll ~"llloe de Pllr:ln., Assunguy, 1,000 habilanu,
cl "h si',,'
hcures do cht:mifl db fer do' lll capitule.. !a '\'OUl"cllu cOloni ... de l~urlo·l\eal. Jo:nfilí,
. ~ l . '.

PROSPECTO PARA ATRAÇÃO DE IMIGRANTES AO BRASIL. 1874. (DEAP)


2 O ESTABELECIMENTO DA COLÔNIA ANTONIO OLYNTHO

2.1 VENHAM PARA O BRASIL


Hoje em dia, o melhor e maior sinal de patriotismo é cuidar da imigração européia.
A. TAUNAY, 18%

Ser proprietário é um desideratum para o emmigrante europeu.[...] Os immigrantes


localizados nas proximidades da capital e em terras ferteis no interior do Estado, vivem
em abundancia, contentes e felizes.
J. P. SANTOS ANDRADE, 1895

On peut donc dire en tout sincérité aux emigrants: Vous voulez émigrer? Allez au Brésil.
Si vous êtes laborieux et honnêtes, vous y aurez la certitude de devenir propriétaire en
peu de temps, et d'être riche après une dizaine d'années.
C.PINTO JUNIOR, 1874

I a k b e meni chto skazav v odnim slovi oznatchete tchem iest dla nachych emigrantiv
Brazylia, vidpovivbem: hrobom. Ne tilhke hrobom vsiakym nadiam na lipchu
budutchnist, aie taky doslivno Hrobom 7 .
OLESKOW, 1895

Os testemunhos acima retratam algumas dimensões da realidade


migratória européia do final do século XIX para o Brasil. Neles confundem-se as
posições do Estado brasileiro, dos agentes de imigração e a dos próprios imigrantes.
Taunay e Santos Andrade, governantes do Paraná, qualificando como patriótica a
atitude do Estado em atrair imigrantes e afirmando que o empreendimento estava
sendo bem-sucedido; os agentes de imigração percorrendo as aldeias e vilas na
Europa distribuindo seus prospectos, nos quais descreviam as vantagens de se
estabelecer no Brasil2; e ainda, no caso específico da Galicia, o ruteno Dr. Joseph

1 Se alguém pedir para eu dizer em uma palavra o que o Brasil significa para nosso

emigrantes eu responderia: o túmulo. Não somente túmulo para todas as esperanças de um futuro
melhor mais literalmente O túmulo, (tradução livre)
2Cf. Reprodução de documento - "Prospectus", supra p. 37. AVANTAGES. Offerts aux
emigrants qui désirent s'établir dans l'empire du Brésil. Correspondência do Governo.
Requerimentos, v. 6. AP. 0588. p. 10. (DEAP)
40

Oleskow3, sensível às dificuldades que seu povo experienciava com a emigração de


maneira geral, desestimulando a vinda de emigrantes para o Brasil.
É certo que a um deslocamento de contingentes humanos, como o
verificado durante a segunda metade do século XIX, correspondem,
simultaneamente, um impulso de atração, desenvolvido nos locais de adoção dos
emigrados, e outro de repulsão, gerado pelas nuanças conjunturais dos países de
onde se deslocaram os imigrantes.4
Efetivamente, ao mecanismo de repulsão populacional que se processou na
Europa, correspondeu o processo de atração da imigração, não só desejado, mas
sobretudo necessário ao Estado brasileiro. Nas colocações dos Presidentes de
Província e dos Governadores do Paraná são recorrentes posicionamentos que
denotam o anseio governamental por força de trabalho, com vistas ao povoamento e
desenvolvimento econômico do território. O discurso oficial simplesmente
atualizava as posições expressa pelo Presidente da Província, em 1860, que clamava
por: encher de população activa o vasto territorio da provincia, onde tudo floresce á
força da natureza, onde o colono europeo depara com um clima análogo ao de seu
paiz natal, e onde Analmente, a salubridade que tanto o distingue, é título de mais
para confíar do futuro que se antolhcP.

Membro do Comitê de Lemberg, uma sociedade de imigração, que nos finais do século
3

XIX acompanhou levas de imigrantes para se instalarem no Canadá. (Ver infra, notas 25 e 28).
4 A tese - tão amplamente aceita na atualidade - de que o processo migratório decorre da

interação dos fatores de atração e repulsão foi desenvolvida principalmente por H. JERÔME, na
década de 1940. Segundo esta posição, a imigração não se processa apenas pela decisão de
abandonar, a pátria de origem, mas sim pela imposição simultânea de duas condições: "I a ) - Q u e a
situação dentro do país de origem torne-se intolerável ou, pelo menos, que ela apresente-se como tal
para o provável imigrante; 2a) - Que o outro país ofereça à imaginação do futuro imigrante uma
resposta a esta situação, prometendo-lhe a possibilidade de começar uma vida nova e de ter chance
de obter aquilo que lhe é negado em seu próprio país." (JERÔME, H. Migration and bussines cycle.
In: CITROEN, N. A. Les migrations internacionales. Paris : Librairie de Medicis, 1947. p. 22.)
5 PARANÁ. Relatorio do Presidente da Provincia do Paraná José Francisco Cardoso
apresentado á Assembléa Legislativa da Provincia do Paraná no dia 1 de março de 1860. Curityba :
Typ. de Candido Martins Lopes, 1860. p. 62 (Biblioteca Pública do Paraná). Em relação a posição
oficial no tocante a recepção de imigrantes no Paraná ver : ANDREAZZA, M. L; NADALIN, S. O. O
cenário da colonização no Brasil Meridional e a família imigrante. REVISTA BRASILEIRA DE
41

Esse esforço continuado das autoridades paranaenses no sentido de


fomentar o processo era resultado da realidade do Estado à época:
a) o Paraná era uma Província que recebera a sua emancipação política há
pouco tempo e via na ocupação territorial uma forma de garantir seu
espaço político;
b) havia precariedade em métodos e insuficiência em quantidade da
lavoura de subsistência;
c) existia a necessidade de ativar meios de transporte e comunicação, como
também de efetuar obras públicas urbanas;
d) era preciso resolver o impasse constituído pela ameaça de extinção do
sistema escravista.
Durante a segunda metade do século XIX, seria difícil precisar o que era
prioritário para o direcionamento da política imigratória. Na realidade, parece que o
Paraná recém-desmembrado de São Paulo aceitava povoamento urbano e rural,
indistintamente. Os textos oficiais lembravam a urgência da adopção de medidas
tendentes ao supprimento de operarios e cultivadores uteiáapontavam a falta de
gente propria para o serviço de estradas e obras publicad, revelavam o interesse em
promover a imigração de colonos morigerados e laboriosoi , e preconizavam o
estabelecimento de colônias, hoje que a salutar lei da emancipação do escravo nos

ESTUDOS DE POPULAÇÃO. São Paulo, v. 11, n.l, jan/jun. 1994.; como também, BALHANA, A. P,
et al. História do Paraná. Curitiba : Grafipar, 1969. p. 144-184.
6 PARANÁ. Relatorio do Presidente da Provincia do Paraná José Francisco Cardoso

apresentado á Assembléa Legislativa da Provincia do Paraná no dia 1 de março de 1860. Curityba :


Typ. de Candido Martins Lopes, 1860. p. 60. (Biblioteca Pública do Paraná)
PARANÁ. Relatorio do Vice-presidente José Antonio Vaz de Carvalhaes apresentado á
7

Assembléa Legislativa Provincial da Província do Paraná no dia 7 de janeiro de 1857. Curityba ; Typ.
Parananense de C. M. Lopes., 1957. p. 46. (Biblioteca Pública do Paraná)
PARANÁ. Relatorio do Presidente da Provincia do Paraná Francisco Liberato de Mattos
8

na abertura da Assembléa Legislativa Provincial em 7 de janeiro de 1858. Corityba : Typ.


Parananense de C. Martins Lopes, 1858. p. 21. (DEAP)
42

coUocou na dependência do braço europeil. Apresentavam ainda a necessidade de


salvarmos a Província do estado de decadência a que chegou sua agricultura™.
Além disso, pode-se destacar ainda que havia uma baixíssima densidade
demográfica na Província do Paraná; por isso mesmo a imigração era tanto
estimulada quanto sofria raras restrições. A este respeito é ilustrativo o fato de, no
final do século, Candido Ferreira de Abreu reiterar essa posição: Épreciso cuidar-se
seriamente em augmentar a densidade de nossa população. De que servem vastos
territorios onde imperam despóticamente animais feroses e servem de passeio
temporário ao erradio aborígene f 1

Além do atendimento à carência populacional, considerava-se a


immigração como fator ethnico de primeira ordem,, destinada a tonifícar o
organismo nacional abastardado por vícios de origem e pelo contacto que teve com a
escravidãd2 . O darwinismo social embutido neste tipo de afirmação não era algo
que provocasse estranheza na época.
Em seus esforços na captação de imigrantes, as autoridades estavam
atentas também ao que acontecia em outros países receptores: Notae que quando os
emmigrantes se dirigem para a União Americana, Canadá e Austrália, encontram ali,

9 PARANÁ. Relatorio com que o Exmo. Sr. Dr. Frederico José Cardoso de Araújo

Abranches abriu a 2 a sessão da 11a legislatura da Assembléa Legislativa Provincial no dia. 15 de


fevereiro de 1875. p. 22. Curityba : Typ. da Viúva Lopes, 1874 . (DEAP)
10PARANÁ. Relatorio com que o Exm. Sr. Presidente Dr. Venancio José de Oliveira
Lisboa abriu a I a sessão da 10a legislatura da Assembléa Legislativa Provincial do Paraná no dia 15
de fevereiro de 1872. p. 65. Corityba : Typ. da Viúva & Filhos de C. M. Lopes, 1872. (Biblioteca
Publica do Paraná)
11PARANÁ. Relatorio apresentado ao Dr. José Pereira Santos Andrade governador do
Estado do Paraná pelo engenheiro civil Candido Ferreira de Abreu Secretário de Estado dos
Negócios de Obras Públicas e Colonização em 1 de setembro de 1897. p. 8. Corityba : Typ. da
Livraria Economica, 1897. (DEAP)
12 PARANÁ. Relatorio que ao Exm. Sr. Commendador Ildefonso Pereira Correia segundo

vice- presidente da Provincia apresentou o Exm. Sr. Dr. José Cezário de Miranda Ribeiro por
occasião de passar-lhe a administração da Provincia do Paraná em 30 de junho de 1888. p. 26.
Curityba : Typ. da Gazeta Parananese, 1888. (Museu Paranaense)
43

derribadas feitas, terras destocadas e expostas á venda. O colono funda logo seu
direito ápropriedade, estabelecendo immediatamente o amor e interesse ao sold3.
Esse tipo de pronunciamento deixa bastante claro que o governo do Paraná
estava se questionando, por via comparativa, quanto às suas fórmulas de atrair e
instalar os imigrantes europeus14. Os insucessos havidos na década de 1880, por
exemplo, com a instalação dos alemães do Volga no planalto curitibano levaram ao
reconhecimento de que o processo de colonização estava trilhando caminhos
contraproducentes. As primeiras experiências imigratórias demonstraram que a
localização de colônias em áreas de difícil acesso e em terras impróprias para o
cultivo, concentrava tantas dificuldades que acabavam por levar o imigrante a
abandonar suas terras15, procurando meios para sua subsistência junto aos centros
mais povoados ou dispersando-se no trabalho em obras públicas16. É evidente, assim,
a inoperacionalidade das colônias dispersas pelo interior e a prosperidade das
estabelecidas nas circunvizinhanças da capital paranaense17.

13PARANÁ. Relatorio do Presidente da Provincia do Paraná José Francisco Cardoso


apresentado á Assembléa Legislativa da Provincia do Paraná no dia 1 de março de 1860. p. 61.
Curityba : Typ. de Candido Martins Lopes, 1860. p. 60. (Biblioteca Pública do Paraná)
14 PARANÁ. Relatorio apresentado a Assembléa Legislativa do Paraná por occasião da
installação da 2a sessão da 14a legislatura no dia 16 de fevereiro de 1881 pelo Presidente da Provincia
o Exm. Sr. Dr. João José Pedrosa. Curityba : Typ. Perseverança de J. P. Pinheiro, 1881 (Museu
Paranaense). Esse relatório apresenta, também, um questionamento sobre a forma em que se
desenvolvia a imigração no Estado: "Há idéas que aprogoadas fóra, nós no Brazil, aceitamos
abstractamente, sem estudarmos, por vezes, com cuidado as condições precisas para sua applicação
ao nosso desenvolvimento moral e material. A colonização foi uma dessas. Pelo que ouvimos de
maravilhoso em seus resultados na grande republica Norte-Americana, acreditavamos, que não
tínhamos mais do que introduzir o colono, dar-lhe terra, arado, alimento por alguns dias e repetir-
lhes as palavras de animação com que, segundo as Sagradas Lettras, o Creador lançára o primeiro
casal humano sobre a Terra: crescite e multiplicamini. Que illusão!" (cf. p. 65)
15 PARANÁ. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa do Paraná por occasião da

installação da I a sessão da 15a legislatura no dia 1 de outubro de 1882 pelo Presidente da Província o
Exmo Sr. Dr. Carlos Augusto de Carvalho, p. 78. Curytiba : Typ. Perseverança de J. F. Pinheiro. 1882.
(Museu Paranaense)
16PARANÁ. Relatorio que ao Exm. Sr. Dr. Brazilio Augusto Machado de Oliveira
apresentou o Exm. Sr. Dr. Luis Alves Leite de Oliveira Bello ao passar-lhe a administração em 22 de
agosto de 1884. p. 13. Curityba : Typ. Perseverança de J. F. Pinheiro, 1884. (Museu Paranaense)
17 Nessas colônias criadas na década de 1870, principalmente pela administração do
Presidente Lamenha Lins, algumas já contavam com emigrantes da Galicia como a Colônia
Lamenha, Tomáz Coelho, Muricy e Inspetor Carvalho. (PARANÁ. Relatorio apresentado á
44

De qualquer maneira, o sucesso que se obtinha com as colônias situadas ao


redor da capital não anulava a divulgação do fracasso de outras tentativas de
assentamento de imigrantes. Em função disto, as estatísticas de entrada de
imigrantes de 1886 e 1887 apresentaram índices muito baixos18. Diante disso, o
governo fixou sua nova política migratória: organizou a Secretaria de Obras Públicas
e Colonização em 189219, dispôs sobre medições, plantas e registros20, criou a
Inspetoria Geral de Colonização para fiscalizar e dirigir os serviços ligados à
colonização e imigração21. Sobretudo passou a votar leis orçamentárias para
sustentar uma estrutura de pessoal relacionada à organização de todo este processo.
Estendeu-se também o programa colonizador para o litoral e para os Campos Gerais:
As autoridades provincianas conhecedoras da situação decadente das estruturas
socio-econômicas dos Campos Gerais, alimentaram a esperança de que a introdução
de novos contingentes populacionais immigrados propriciaria condições de
mudança eprogresso agrário da região?1

Assembléa Legislativa do Paraná por occasião da installação da I a sessão da 15a legislatura no dia 1
de outubro de 1882 pelo Presidente da Província o Exmo Sr. Dr. Carlos Augusto de Carvalho, p. 81.
Curytiba : Typ. Perseverança de J. F. Pinheiro. 1882 (Museu Paranaense). A respeito do sucesso
desses empreendimentos, em 1886 o Presidente Taunay afirmava que um passeio por tais núcleos era
"o suficiente para apreciar o esforço constante e sincero, o desejo de progredir, aplicação do trabalho
quotidiano, a esperança no futuro, e felicidade ganha com o suor do rosto, a confiança em si, a
moralidade e o socego, o empenho moral e material em conseguir o conforto tão indipensável ao
homem." (PARANÁ. Exposição com que o S. Ex o Sr. Dr. Alfredo D'Escragnolle Taunay passou a
administração da Provincia do Paraná ao Exm. Snr. Dr. Joaquim de Almeida Faria Sobrinho, I o Vice-
presidente a 3 de Maio de 1886. p. 49. Corityba : Typ. da Gazeta Paranaense, 1886. (DEAP)
18 Em 1886 entraram no Paraná 801 imigrantes e, em 1887 registraram-se apenas 383
imigrantes. (PARANÁ. Relatorio apresentado pelo Exm. Sr. Joaquim D'ALmeida Faria Sobr. ao Exm.
Sr. Commendador Antonio Ricardo dos Santos em 17 de fevereito de 1887. p. 29. Curityba : Typ. da
Gazeta Paranaense, 1887. (Museu Paranaese)
19 PARANÁ. Lei n° 1 de 27 de abril de 1892. In: Constituição Política. Leis e
Regulamentos do Estado do Paraná. Curityba : Typ. d'A Republica, 1892. p. 3. (Círculo de Estudos
Bandeirantes)
PARANÁ. Decreto n° 1-A de 08 de abril de 1893. In: Leis e Regulamentos do Estado do
20

Paraná de 1893. Curityba : Typ da Companhia Impressora Paranaense, 1893. p. 88. (Círculo de
Estudos Bandeirantes)
PARANÁ. Decreto n° 15 de 21 de janeiro de 1895. In: Leis, Decretos e Regulamentos
21

do Estado do Paraná : 1895-1896. Curityba : Typ. da Penitenciária do Ahú., n.d. p. 18. (Círculo de
Estudos Bandeirantes)
22 BALHANA, op. cit., 75.
45

O resultado dessa estrategia governamental foi a instalação, entre 1880 e


1911, da maior parte dos 100 mil imigrados que chegaram ao Paraná entre 1829 e
191123. Neste período foram criados mais de cem núcleos coloniais e entre eles estava
a Colônia Antonio Olyntho. O texto legal de sua criação estabelecia:

Já tendo sido localizados nos valles do Rio Negro e Iguassú immigrantes em numero
sufficiente para garantir o rápido desenvolvimento d'aquellas zonas e sendo necessário
fomentar o povoamento de outras zonas do Estado, resolveu-se crear um novo núcleo
colonial no municipio da Lapa, no lugar denominado Agua Amarella, aproveitando assim
assim uma grande porção de lotes ali medidos.[...] Pretendo, como justa homenagem
prestada ao Exm. Sr. Ministro da Viação [...] que o novo núcleo se denomine Antonio
Olyntho. 2 *

A "justa homenagem" prestada ao Ministro da Viação provavelmente


deve-se à sua intermediação no encaminhamento de levas imigratórias para o Estado
do Paraná. Em correspondência datada de 24 de setembro de 1895, por exemplo, o
ministro Antonio Olintho encaminhou ao governador Francisco Xavier da Silva o
membro do Comitê de Lemberg25, Estanislau Klobukowski, para tratar de questões
relativas a immigração para o Sul, acrescentando na carta de apresentação que:
Considerando que sua visita a esse Estado será de inconstestável vantagem para o
estabelecimento da corrente emmigratoría para ahi, peço a V. Excia acolha com
benevolencia, facilitando-lhe os meios de conhecer de perto as condições vantajosas
d'esse estadd6.

23 Ibid., p. 75.
PARANÁ. Relatorio apresentado ao Exm. Sr. Dr. Francisco Xavier da Silva Governador
24

do Estado do Paraná pelo Dr. João Baptista da Costa Carvalho Filho, Secretário de Obras Públicas e
Colonização em 28 de outubro de 1895. Corityba : Impressora Parananese, 1895. p. 40. (DEAP)
25 Os comitês de imigração ocupavam-se com a organização do processo migratório

fazendo os contatos com as autoridades do país de destino. No caso dos rutenos/ucranianos sabe-se
que muitos destes agentes eram ligados ao Movimento Prosvita. Quanto a Estanislau Klobukowski,
era polonês, nascido em 1852, estudou em Paris, Genebra, Cracovia e Lwiw, doutorando-se nas
Universidades de Bonn e Viena. Ocupou uma série de cargos administrativos na Galicia, e a partir de
1891 preocupou-se exclusivamente com os problemas da emigração. Sua viagem ao Brasil e
Argentina durou três anos (1895-1897). (DRANKA, F. Introdução. ANAIS DA COMUNIDADE
BRASILEIRO-POLONESA. v. 4.. Curitiba : Gráfica Vicentina, 1971. p. 9-13)
26 Gabinete do Ministro da Industria. Livro 337. Ministérios. A.P.P., p. 7. (DEAP)
46

Viagens como a de Estanislau Klobukowski para o Brasil, e especialmente


para o Paraná em 1895, representavam a preocupação existente entre a inteligenzzia
da Galicia para com o movimento migratório que se desenvolvia com bastante
intensidade naquele período. Klobukowski veio acompanhando um grupo de
imigrantes, a pedido da Sociedade São Rafael, que era uma organização católica
alemã que tinha sob seus cuidados os problemas da imigração. Existiam fíliais da
mesma na Áustria e Lwow. Gozava do amparo dos magnatas galicianoi1.
Além de guia-intérprete dos imigrantes, esse emissário do Comitê de
Lemberg preocupava-se em obter informações sobre a emigração para a América
Latina, verifícando in loco as condições para esta imigração bem como esclarecer
alguns pontos du vidosos e obscuros28.
Um dos frutos dessa visita refletiu-se na chegada de mais de 2000
emigrantes, oriundos da Galicia, no final de 1895. Saídos de aldeias e cidades, como
as dos distritos de Brody, Dobrowola, Bibrka, Sokal, Zolotchiw e Berezany29,
deslocavam-se até Viena para embarcarem num trem em direção ao porto de
Gênova. Nessa fase da viagem ainda contavam com o apoio das sociedades de
emigração local, como a São Rafael que possuía filial em Viena. Em Gênova, as
empresas de emigração ocupavam-se com os embarques dos emigrantes,

27 DRANKA, op. cit., p. 17.


28 KLOBUKOWSKI, E. Recordações de viagem. ANAIS DA COMUNIDADE
BRASILEIRO-POLONESA. v. 4. Curitiba : Gráfica Vicentina, 1971. p. 17. Em KAYE, encontra-se a
análise de atuação de Josef Oleskow no assentamento de camponeses galicianos na região de
Manitoba e noroeste do Canadá. Em carta datada em 1 de abril de 1895, Oleskow, na qualidade de
plenipotenciário do Comitê de Lemberg, envia ao Departamento de Interior em Otawa a solicitação
das vantagens oferecidas aos camponeses rutenos desejosos de se instalarem no Canadá. Nesta
correspondência ele afirma que "the representatives of the Brazilian Governement are conduing
intensive propaganda with the aim of directing the flow of the emigration towards Brazil, promising
the immigrants, apart a free homestead and some material assistance for the beginning, free
transportation from Italy to Buenos Aires and to the place of settlements as well". (KAYE, V. Early
Ukrainians settlements in Canada : 1895-1900. Dr. Josef Oleskow's role in the settlement of the
Canadian northwest. Toronto : University of Toronto Press, 1964. p. 3-4)
29 Ver A N E X O 1.
47

normalmente destinados ao Rio de Janeiro.30 Toda a organização de transporte para


o navio consistia numa operação: A Companhia metropolitana do Rio de Janeiro
recebia do Governo Brasileiro uma soma de dinheiro, por exemplo: 120 francos por
adulto; 60por criança entre 10-5 anos e trinta por criança entre 5-2 anos31.
A descrição do embarque sintetiza um amplo processo de mediação que as
agências de emigração realizavam na Europa. No Brasil, os governos federal e
estadual autorizavam empresas particulares a realizarem o transporte de emigrantes
que, chegados ao Rio de Janeiro, tomariam seus destinos. Havia diferentes interesses
em jogo, e nem sempre a viagem corria sem percalços. A organização das sociedades
de emigração, nas nações nela envolvidas, estava articulada à tentativa de coibir os
engodos nos quais os camponeses eram enredados. No caso da emigração dos
galicianos, ficou célebre a atuação dos agentes italianos. Estes criavam expectativas
de se "fazer a América" inclusive trabalhando com elementos da cultura local32.

Quanto à viagem marítima, A. HEMPEL, ativista político da Galicia que,


interessado pelo movimento migratório, acompanhou os emigrantes em 1891, assim
a descreveu:

Escolhi a 3a classe [...], com a finalidade de expender posteriormente uma opinião segura.
[...] passei com os emigrantes as três semanas de viagem nos porões. Muitas vezes vi-me
tomado pelo desespero neste chiqueiro humano, dentro dessa sujeira, em meio ao ar
contaminado e abafado, penetrado de miasma nos dias causticantes da travessia do
Equador...É uma viagem horrível, mesmo para uma pessoa com poucas exigências. É

30 Os seguintes vapores saídos de Gênova chegaram no Rio de Janeiro, nos dois últimos

meses de 1895: Vapor Rosário 01/11/1895; Vapor Attivitá 06/11/1895; Vapor Alacrita 18/11/1895
(na viagem de agosto, este vapor trouxe Estephano Klobukowski); Vapor Bormida 18/11/1895;
Vapor Fortunatta 23/11/1895; Vapor Pará 28/11/1895; Vapor Rei Umberto 04/12/1895. (Relação de
vapores atracados no porto do Rio de Janeiro, entre janeiro de 1895 e setembro de 1905. Instrumento
de Pesquisa. ARQUIVO NACIONAL)
31 KLOBUKOWSKI, op. cit., p. 21.
32 Muitas das companliias de navegação e dos embarques realizavam-se no porto de

Gênova. Neste sentido basicamente eram os italianos que se ocupavam em percorrer a Galicia com a
intenção de atraírem camponeses para América. A este respeito ver também WÀCHOWICZ.
Conjuntura emigratoria polonesa no século XIX. ANAIS DA COMUNIDADE BRASILEIRO-
POLONESA. v. 1. Curitiba : Gráfica Vicentina, 1970. p. 30-32. Um dos efeitos desta propaganda era a
insistência dos galicianos em emigrarem, especificamente, para o Paraná.
48

"sangrenta", como a chamavam os colonos. [...] Muitos me contaram que se viram


cercados por desespero no momento em que o navio levantava âncoras. Muitos, já no
Brasil, confessavam que pensavam seriamente em atirar-se às ondas, pois sentiam que
alguma coisa de errado havia em tudo isso e de maneira especial o pagamento da
passagem. Alguns sentiam que não foi feito de graça e, quem o sabe?, talvez voltariam a
33
ser novamente servos.

O caráter impressionista desta descrição torna-se realista quando


confrontado com análises que contemplam a viagem dos emigrantes: numa delas, E.
HOBSBAWM atribui ao imigrante da terceira classe o epíteto de gado humano 34 .

Uma forma, porém, de atenuar a precariedade das condições dos porões


dos navios e a ansiedade a respeito do próprio futuro era distrair-se com a música e
a dança. Os emigrantes mesclavam seus pensamentos tétricos ao som dos violinos e
dos bumbos das aldeiai5. Como os navios traziam emigrantes de várias
nacionalidades, havia, inclusive, a oportunidade de confrontar, à vontade, as canções
populares. As italianas de Nápoles são alegres, mas pouco animadas, as italianas da
Calábria, são primitivas, não possuem alegria, são sérias. As polonesas e russas são
mais ligeiras, melódicas e vivas. Certa feita, os poloneses, os ucranianos e os
calabreses cantaram em cord6.

A chegada de emigrantes implicava uma escala no Rio de Janeiro. Aí, um


grande número de funcionários subia à bordo: eram da alfândega, da saúde, da
colonização, etc..?7 Na Ilha das Flores desembarcavam os imigrantes afetados de

HEMPEL, A. Os poloneses no Brasil. ANAIS DA COMUNIDADE BRASILEIRO-


33

POLONESA. v. 7 . Curitiba : Gráfica Vicentina, 1973. p. 23.


34 HOBSBAWM, E. A era do capital : 1848-1875. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1982. p.212.
35 HEMPEL, op. cit., p. 23.
36 KLOBUKOWSKI, op. cit., p. 23.
37 Ibid., p. 29. A respeito das condições de saúde na viagem que trouxe os galicianos

acompanhados por Klobukowski, ele relatou: "A saúde dos passageiros não era religiosamente
exemplar: Era grande a mortalidade infantil. Aquelas coceiras causavam verdadeira espécie, (p.28).
Durante o percurso entre Gênova e Rio de Janeiro, morreram 17 crianças no navio - quase todas
polonesas, pois somente duas eram italianas. A causa foi a prolongada viagem entre Lwow e Gênova
e ainda porque foi dois dias mais comprida do que a dos italianos que embarcaram em Nápoles."
(cf. p.30)
49

moléstias; ali os navios faziam suas quarentenas, aguardando a cura e o


desembarque para os hospitai£&.
Após a "quarentena", os imigrantes eram encaminhados para os seus
núcleos coloniais. Foi desta maneira que - entre 15 de novembro e 24 de dezembro
de 1895 - os primeiros imigrantes destinados à colônia Antonio Olyntho chegaram a
Paranaguá.39 Aí aguardaram o embarque em trem especial ou em trem de bitola que
os levaria diretamente para a Lapa. Deste novo percurso recobraram suas forças no
Palacete Wirmond - nome da hospedaria de imigrantes da localidade40.
O restante do trajeto, distando 70 léguas a sede da nova colônia, era
realizado em carroções. Desta viagem, o Inspector Geral de Colonização do Estado
relatou que, em função do estado péssimo da estrada da Agua Amarella foi com
diffículdades feito o transporte em carroças até o lugar denominado séde da
colonia41.

38 Ibid., p.29. As condições do atendimento aos imigrantes na Ilha das Flores foi objeto

dos comentários de Klobukowski: "Nos fins de 1895 ou princípio de 1896 surgiram enormes abusos
por parte dos funcionários e da polícia. Matavam de fome os imigrantes, ganhando na comida
destinada aos miseráveis. A fome, a miséria e a falta de higiene atingiram o mais alto degrau entre os
nossos. O próprio presidente da República, Prudente de Moraes, visitou inesperadamente a Ilha das
Flores, limpando-a da escória de maus funcionários." (cf. p. 37)
Nos seguintes vapores estavam algumas das famílias pioneiras destinadas à colônia
39

Antonio Olyntho: Desterro (15/11/1895); íris (17/11/1895); Porto Alegre (26/11); Desterro (06/12);
íris (14/12); Muquy (24/12). (Relação dos imigrantes chegados ao Estado do Paraná. 1895/1896.
Códices 0821, 0444, 0449, 0429 - DEAP).
PARANÁ. Relatorio apresentado pelo Inspector Geral de Colonização do Estado
40

Aristides P. Liberato ao Dr. Candido Ferreira de Abreu, Secretário de Obras Públicas e Colonização
.26 de setembro de 1896. p.13. In: Relatorio apresentado ao Dr. José Pereira Santos Andrade
governador do Estado do Paraná pelo engenheiro civil Candido Ferreira de Abreu Secretário de
Estado dos Negócios de Obras Públicas e Colonização em 26 de setembro de 1896. p. 8. Corityba :
Typ. da Livraria Economica, 1897. (DEAP)
51 I b i d . , p . 14.
50

2.2 ALCANÇOU-SE A TERRA


No fim de tal destino já acampamos.
Vivemos na floresta em cabanas,
E imensamente estamos trabalhando.
Cortamos troncos grossos de braçada,
Com dois-tres dias de especaçada.
Num ano vamos ter um descampado. Prá
semear.
Vivemos do fiado. Pois o governo por enquanto
fia
Até obtermos sal, batata e milho.
I. FRANKÓ 42

Os camponeses da Galicia que vieram em busca de terras para cultivar e


ganhar seu sustento, defrontaram-se com uma realidade menos paradisíaca do que a
relatada nos boletins, veiculados na Europa, que informavam sobre as condições
dadas aos imigrantes que viessem ao Paraná. A Carteira Folheto13 - editada pelas
Sociedade de Immigração de Curityba e Associação de Acclimação Paranaense para
a Exposição Sul-Americana de Berlim em 1887- e o livro Notícia sobre o Estado do
Paraná - publicado em 1892 e distribuído inicialmente na Exposição Colombiana de
Chicago14 - , ocupados na explanação das vantagens da emigração, possivelmente

42FRANKÓ, I. Carta do Brasil. In: Ivan Franko. Curitiba : Sociedade dos Amigos da
Cultura Ucraniana, 1988. p. 32. (Ver ANEXO 8)
43 A publicação deste livro não deveria mais ter "forma banal do livro ou da brochura,,
mas sim organizada como uma carteira-folheto, portátil, commoda, que tenha informações succintas,
rapidas, à maneira do que praticarão sempre os americanos do Norte." O objetivo era desenvolver
uma intensa propaganda do Paraná, à medida que o Paraná era uma das Províncias "menos
conhecidas na Europa e na Alemanha. Allí muito se fala no Rio Grande do Sul, em Santa Catharina,
S. Paulo, Espirito Santo até, nunca no Paraná". A tradução desta Carteira-Folheto para o idioma
alemão ficou ao cargo de Otto Finkensieper, para o idioma italiano ao cargo do Dr. J. Lazzarini, e
para o polonês sob a responsabilidade do Sr. Bendazewski, "todos membros activos e proeminentes
da directoria da Sociedade de Immigração de Curitiba". (Exposição com que o S. Ex o Sr. Dr. Alfredo
D'Escragnolle Taunay passou a administração da Provincia do Paraná ao Exm. Snr. Dr. Joaquim de
Almeida Faria Sobrinho, I o Vice-presidente a 3 de Maio de 1886. Corityba : Typ. da Gazeta
Paranaense, 1886. p.100/106. DEAP)
44PARANÁ. Mensagem do Governador do Estado do Paraná, Francisco Xavier da Silva.
13 de novembro de 1895. p. 113-116 (DEAP). A importância deste livro, aludido pelo governador
Francisco Xavier da Silva, na captação de imigrantes para o Paraná também foi mencionada no
Relatório do Secretário de Obras Públicas e Colonização, João Baptista da Costa Carvalho Filho, em
1894, onde está detalhado o conteúdo da obra: " I a parte: - Situação e limites do Estado. Superfície.
Topographia. Montanhas. Rios. Ilhas. Bahias. Clima e Salubridade. 2a . parte: - População. Colonias
Militares. Ruinas Antigas. Immigração. Movimento immigratorio. Viação. Vias Ferreas. Instrucção
primaria e secundaria. Telegrapho. Producção do Estado. Productos naturaes. Productos industriaes.
Agricultura. Commercio. Finanças do Estado. Cidades e Villas. 3a . parte: - Esta parte se compõe de
51

não informaram o relativo despreparo do governo paranaense para o assentamento


de grandes levas de imigrantes.
Desta maneira, os imigrantes que chegaram em Antonio Olyntho em finais
de 1895 - estimados em 2.250 indivíduos45 - provavelmente não imaginaram que os
lotes tão almejados ainda estavam por ser demarcados e que teriam participação
ativa na medição das linhas do núcleo colonial, tarefa que durou alguns anos.
Referindo-se aos primeiros tempos, um pároco local escreveu: chegados ao
Brasil, instalou-os o governo hospitaleiro nas diversas localidades dos seus vastos
sertões. Repartiu então essas extensas regiões em lotes de dez alqueires cada um.
Colocou neles os colonos que podiam apropriar-se desses lotes, pelo preço módico
de 300 a 400mil réis, a pagar-se num tempo ilimitado*6.
O relato não faz jus às experiências dos pioneiros: quem viveu aquela fase
certamente não entendia o governo como "hospitaleiro". Chegados a Antonio
Olyntho, realmente foram acolhidos nos barracões e choças que ajudaram a

informações minuciosas aos emigrantes que se destinarem ao Paraná, um mappa explicativo da zona
colonisada, um quadro estatístico dos núcleos coloniais e outro das comarcas e municipios."
(PARANÁ. Relatorio apresentado ao Dr. Governador do Estado do paraná pelo Dr. João Baptista da
Costa Carvalho Filho, Secretario d'Estado dos Negócios das Obras Públicas e Colonização. Estado do
Paraná : Typ. d'A República, 1894. p. 54. (Museu Paranaense)
45 PARANÁ. Relatorio apresentado pelo Inspector Geral de Colonização do Estado

Aristides P. Liberato ao Dr. Candido Ferreira de Abreu, Secretário de Obras Públicas e Colonização.
26 de setembro de 1896. p.13. In: Relatorio apresentado ao Dr. José Pereira Santos Andrade
governador do Estado do Paraná pelo Engenheiro Civil Candido Ferreira de Abreu Secretário de
Estado dos Negócios de Obras Públicas e Colonização em 26 de setembro de 1896. p. 8. Corityba :
Typ. da Livraria Economica, 1897. p.13. (DEAP). Deve-se observar a imprecisão em relação aos
dados relativos ao contingente de imigrantes instalados no núcleo colonial. Por exemplo, um
documento do Instituto de Terras e Cartografia, em 1941, informava que na colônia foram instalados
seiscentos e quarenta e oito lotes e localizados 1.160 imigrantes. Estes dados possivelmente
correspondem à população local na década de 1940, já que outras estatísticas, contemporâneas à
vinda dos imigrantes apresentam números bem maiores. Em 1896, um quadro estatístico indicava
dois mil e vinte e dois "austríacos" instalados (ver infra TABELA 1). Deve-se considerar a respeito
dessa imprecisão das estatísticas, a situação política dos galicianos que fazia com que eles
aparecessem nos registros oficiais de entrada dos imigrantes sob diversas denominações. Entre elas,
no Brasil, as mais freqüentes são austríacos, rutenos e polacos, aparecendo eventualmente bucovinos
e galicianos. Neste particular, parece que em outros países receptores de imigrantes eslavos, o
mesmo sucedeu. A este respeito, pode-se consultar KAYE, op. cit., p. xxv e PARTE I, Capítulo 1,
Item 1.1 - Uma sociedade em descompasso, deste trabalho.
46 LIVRO TOMBO DO CURATO ANTONIO OLYNTHO. 1911 - 1980. Arquivo da
Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição, p. 1.
52

edifica/7. Enquanto aí permaneciam, recebiam alimentos e aqueles que tomavam


posse do lote ganhavam subsídios para iniciar sua nova vida. O Chefe da
Commissão do Rio Negro, Joaquim dos Santos Gama, e seu auxiliar, Laudelino
Ferreira de Miranda48, fixaram-se na localidade, para orientar as tarefas de instalação
do novo núcleo colonial.
A medição dos 63 lotes urbanos - cada um com 1800m2 - foi realizada pelo
Engenheiro Francis Chartier. No delineamento da sede do núcleo colonial houve a
preocupação em designar o local para a construcção do escríptorio para a
administração e a Igreja.49

A demarcação dos lotes rústicos, em média com 25.000m2, esteve


inicialmente a cargo dos engenheiros Francisco Gonçalves e Figueiredo, e "não
sendo regulares os serviços por elles executados forão totalmente recusados pelo
Engenheiro Fiscal?0" Mesmo atribuindo seus nomes a duas linhas de demarcação,
ambos os engenheiros foram dispensados em meados de 189651.

47 PARANÁ. PARANÁ. Relatorio apresentado pelo Inspector Geral de Colonização do


Estado Aristides P. Liberato ao Dr. Candido Ferreira de Abreu, Secretário de Obras Públicas e
Colonização .26 de setembro de 1896. p.12. In: Relatorio apresentado ao Dr. José Pereira Santos
Andrade governador do Estado do Paraná pelo engenheiro civil Candido Ferreira de Abreu
Secretário de Estado dos Negócios de Obras Públicas e Colonização em 26 de setembro de 18%. p. 8.
Corityba : Typ. da Livraria Economica, 1897. (DEAP)
48 PARANÁ. Decreto n. 15 de 21 de janeiro de 1895. Leis, Decretos e Regulamentos do

Estado do Paraná, p. 18 (Círculo de Estudos Bandeirantes). Este decreto criou a Inspectoría Geral de
Colonização do Estado, à qual estavam subordinadas as hospedarías de imigrantes de Paranaguá e
Curitiba, bem como as Comissões de Localização de Imigrantes do Rio Negro e Iguaçu. Cada
Comissão era encarregada de determinados núcleos coloniais e tinha dois funcionários, o chefe e seu
auxiliar. Neste decreto estão nominados os responsáveis pelo colônia Antonio Olyntho:. Joaquim dos
Santos Gama e Laudelino F. de Miranda.
49 PARANÁ. PARANÁ. Relatorio apresentado pelo Inspector Geral de Colonização do
Estado Aristides P. Liberato ao Dr. Candido Ferreira de Abreu, Secretário de Obras Públicas e
Colonização .26 de setembro de 1896. p.13-14. In: Relatorio apresentado ao Dr. José Pereira Santos
Andrade governador do Estado do Paraná pelo engenheiro civil Candido Ferreira de Abreu
Secretário de Estado dos Negócios de Obras Públicas e Colonização em 26 de setembro de 1896. p. 8.
Corityba : Typ. da Livraria Economica, 1897. (DEAP)
50 Ibid., p. 14.
51 I b i d . , p . 14.
53

MEDIÇÃO D E T E R R A S . DÉCADA DE 1890. COLEÇÃO PARTICULAR MARIA AIDNEY


CUNICO BACH.

Os imigrantes participavam, portanto, da instalação da colônia. Abriam

picadas, atuavam na medição de lotes e auxiliavam na construção de moradias das

famílias que, lentamente, tomavam posse das novas terras. Desses trabalhos,
dirigidos basicamente pelo engenheiro Chartier, foram surgindo as diversas linhas

coloniais. Em julho de 1896 os lotes medidos e ocupados pelos imigrantes

localizavam-se nas linhas designadas pelos nomes de: Munhoz, Corvo Branco,

Lucilla, São Francisco e Gonçalves. Nestas linhas estavam 239 lotes rústicos,

abrigando imigrantes da Galicia e nacionals52.

Ao alívio das 239 famílias que foram recebendo esses lotes rústicos e ao

daquelas que optaram pelos lotes urbanos, somava-se a angústia dos que

permaneciam nos barracões.

52 Ibid., p. 15.
54

O Comissário Joaquim dos Santos Gama, em meados de 1896, pedia a


Aristides Liberato, Inspector de Colonização, profissionais habilitados a auxiliar o
engenheiro Chartier na medição dos lotes. O Chefe da Comissão do Rio Negro
demonstrava-se sensível às dificuldades daquelas familias,/...] inclusive nacionaes
que ahi estão passando privações por falta de meios de subsistência e sem abrigo*3.
Sobretudo preocupava-se com uma urgência nos serviços de localização, tendo em
vista que as accumulações dos immigrantes nos barracões trazia serios
inconvenientes ao serviço administrative^.
O número de imigrantes que ainda estavam esperando seus lotes era
suficiente para trazer inconvenientes à Inspectoría de Colonização. Aristides
Liberato quantificou o "problema" da seguinte maneira:

TABELA 1 - SITUAÇÃO DOS IMIGRANTES EM ANTONIO OLYNTHO. 1896

Imigrantes recebidos 2.022


Imigrantes estabelecidos 1.195
Imigrantes por estabelecer 827
FONTE: RELATÓRIO, Aristides P. Liberato, 1896.

A morosidade desse processo obviamente gerou tensões,55 e ainda em 1896


aconteceu o primeiro dos muitos distúrbios na localidade.

Os colonos estavam literalmente largados à própria sorte, não tendo a


quem recorrer. Não possuíam representação oficial, já que o vice-consulado da
Áustria-Hungria só foi estabelecido em Curitiba em setembro de 1896.56 E mais,

53 Ibid., p. 15.
54 Ibid., p. 14.
55 A respeito das tensões entre imigrantes e nacionais consultar: LAMB, R. E. Uma
jornada civilizadora : imigração, conflito social e segurança pública na Província do Paraná - 1867 a
1882. Curitiba, 1994. Dissertação (mestrado). Departamento de História, Universidade Federal do
Paraná.
54 Em correspondência ao governador, Pohol informa que "conforme decreto de Sua

Majestade Imperial da Ãustro-Hungria foi elevado esse vice-consulado ao grao de consulado." (R.
und. K.. Österreichesch-ungarisches. Consulat. Livro 1113, v. 05, 1900. p. 177. DEAP). Até então,
havia vice-consulado apenas no Rio de Janeiro. Em 1895, a respeito do diplomata que lá desenvolvia
55

sofriam dificuldades de comunicação pois ainda não dominavam a língua local. É


provável que vivessem o temor de um ataque de índios, haja vista que Joaquim dos
Santos Gama havia sido chefe da colônia Lucena onde, no primeiro semestre de
1896, índios botocudos atacaram e mataram inúmeras famílias de galicianos.57
Insatisfeitos com as condições em que estavam se dando a distribuição dos
lotes e a própria morosidade dà medição das terras, os imigrantes se revoltaram em
julho de 1896. Os líderes do motim foram Gregorio Prokopiw, Theodoro Dzurelo,
José Okunski, Wasílio Komar, Stanislau Szymanski e Casimiro Ozuch.58 Foi
necessário o deslocamento de um pelotão de policiais da Lapa para acalmar a
situação no núcleo colonial. Segundo a argumentação oficial, os immigrantes,
acostumados, como esta vão, a receber alimentação não querião sujeitar-se as novas
ordens do Governo e revoltão-se contra o Chefe, no intuito de continuarem a receber
o fornecimento de alimentação negando-se ao trabalho e dizendo que os salários a
perceberem diariamente não eram suffícientespara a manutenção de suas famüiaé9.

O texto oficial esclarece o despreparo das autoridades paranaenses para


instalar os imigrantes. A aceitação das levas de galicianos que entraram em 1895 não
implicou prévia preparação de lotes coloniais, nos quais os imigrantes, tão logo

essa função, Klobukowski emitiu o seguinte parecer: "Julgo que entendia perfeitamente do comércio
internacional, dava perfeitas informações diplomáticas ao seu governo, esgotando nisso toda sua
atividade, menosprezando outros setores. Fez-me sentir na conversação que os imigrantes poloneses
não passam de simples gado, que não têm consciência se estão viajando para o Brasil, África,
Austrália ou América do Norte." (KLOBUKOWSKI, op. cit., p.32-33)
57Na colônia Lucena estavam as linhas Moema e Iracema as quais, em 1895, sofreram
ataques de índios. O que está sendo mencionado consta do Relatorio apresentado ao Dr. José Pereira
Santos Andrade pelo Bacharel Antonio Augusto de Carvalho Chaves, Secretário de Negócios, Justiça
e Instrucção Pública. 1897 (DEAP). Neste relatório o secretário narra "uma 'correria de índios' nas
linhas Moema ocorrida em novembro de 1898, onde forão assassinados 19 immigrantes polacos" (p.
26). Em VIHORYNSKI, I. Ikrainski pereselentsi v Brasylii : Iracema v istorychnomuv 1895-1958 apud
KAYE, V., op. cit., p. 14, são relatados outros ataques de índios à essas linhas, inclusive com mortes
de imigrantes, desde 1895.
58 PARANÁ. Relatorio apresentado ao Dr. José Pereira Santos Andrade Governador do

Estado do Paraná pelo bacharel Antonio Augusto de Carvalho Chaves, Secretário de Negócios do
Interior, Justiça e Instrução Pública em 1 de setembro de 1896. Curityba : Typ. Modello a Vapor,
18%. p.5 (DEAP). Todos os indivíduos citados como líderes da rebelião são rutenos/ucranianos.
59 Ibid., p.5.
56

chegassem ao Paraná, pudessem ativar uma plantação para sua subsistência.


Acrescem-se a isso os problemas enfrentados no acerto das medições dos lotes
coloniais; de um lado, a incompetência dos engenheiros contratados pela Inspectoría
de Colonização, de outro, as questões decorrentes de querelas em torno da posse das
terras devolutas onde o Estado estava instalando o núcleo colonial.60
Sete meses após seus desembarques no país, as condições precárias e a
promiscuidade dos barracões e choças, a obrigatoriedade de convivência com
pessoas que até então lhes tinham sido totalmente estranhas, a informação de que
não receberiam mais alimentação gratuita do Estado foram motivação mais do que
suficiente para um levante. O essencial a respeito deste episódio é o fato de que
todos os líderes, pais de famílias compostas entre quatro e sete pessoas, ainda
moravam no barracão que construíram junto com o governo hospitaleiro.
Os líderes, certamente, não se insurgiram apenas pelo fato de não
receberem mais a alimentação fornecida via Otto Zimmer & Cia61. Eles se revoltaram,
sim, por não terem obtido a oportunidade de ser morigerados e laboriosos, em
função de ainda permanecerem alocados nos barracões comunitários.62

60 Este impasse entre fazendeiros locais alegando a propriedade de terras não aconteceu
apenas na colônia em estudo, mas foi uma constante nas regiões coloniais. No caso de Antonio
Olyntho as questões de divisas e medições de lotes, acarretaram inúmeras "reorganizações" das
linhas coloniais, que se arrastaram até finais da década de 1920. Pode ser indicativo de insatisfação
quanto ao processo de regularização de terras o assassinato do coletor Francisco Pinto, em 1930
(GAZETA DO POVO. A volúpia de sangue volve a tingir de rubro a já celebrizada colonia Antonio
Olyntho! - Mais um covarde assassinato. Curitiba : 18/02/1928, no. 2774. p.2/3.)
61 PARANÁ. PARANÁ. Relatorio apresentado pelo Inspector Geral de Colonização do

Estado Aristides P. Liberato ao Dr. Candido Ferreira de Abreu, Secretário de Obras Públicas e
Colonização .26 de setembro de 1896. p.13-15 In: Relatorio apresentado ao Dr. José Pereira Santos
Andrade governador do Estado do Paraná pelo engenheiro civil Candido Ferreira de Abreu
Secretário de Estado dos Negócios de Obras Públicas e Colonização em 26 de setembro de 18%. p. 8.
Corityba : Typ. da Livraria Economica, 1897. (DEAP)
62Tudo indica que a questão primordial não era uma revolta no sentido da perpetuação
do auxílio governamental para a sua subsistência: a queixa era justamente pela impossibilidade de
proverem a própria subsistência. Considerando apenas o fato de grande parte dos imigrantes terem
chegado em finais de 1895, seria impossível, - mesmo àqueles que receberam seus lotes em janeiro -
dadas às condições da vegetação local, terem, no intervalo de seis meses, uma colheita que garantisse
o sustento da família.
57

A hipótese de que o levante foi ocasionado pela idéia de que ser


proprietário era um desideratum para o immigrante se mantém, sustentada pelo fato
de que, mesmo tendo se evadido do local - conforme relata o Inspetor de Polícia - ,
os líderes retornaram assim que se acalmou a situação, para, pacientemente,
aguardarem a medição de seus lotes. Todos esses imigrantes receberam finalmente
seus lotes na linha Candido de Abreu, que foi demarcada depois de setembro de
1896. Ao receberem-nos, em sua grande maioria, mantiveram-se na localidade até
morrer. Este foi o caso de José Okunski, elogiado no obituário que o correspondente
da Gazeta do Povo enviou para Curitiba, em 1928:

Com a avançada idade de 73 anos faleceu no dia 4 do corrente o prestante colono José
Okunski, homem probo e trabalhador. 63

63 GAZETA DO POVO. Notícias do Estado - Antonio Olyntho. Curitiba : 15/07/1928. no.


2984. p. 8.
58

ilL: ; - i '4:
'••íííí v á
. M \ l :: 1

PLANTA DA COLÔNIA ANTONIO OLINTO. 1920. DIVISÃO DE REGULARIZAÇÃO


FUNDIÁRIO. COORDENADORIA DE TERRAS, CARTOGRAFIA E CADASTRO. SECRETARIA
DO ESTADO DO MEIO AMBIENTE.

Apesar dos percalços iniciais, a aspiração dos rutenos à propriedade da


terra foi efetivada. A medição inicial da colônia seguiu-se uma ampliação do núcleo
59

colonial, apresentando novas linhas como Cândido de Abreu, Constard, Chartier,

Munhoz (2· secção), Mato Queimado, Santos Andrade e São João.64

ESTADO DO PARAr A'

&...... f&w. .. cn.,- ~. ~_ qo.u;....!!J.,..... "" .s.... "" 4t.......


- ~·+'-.41 ...___
L~;_ . ~ oojL..
e rJ.noc,

TITULO PROVISÓRIO DE DESIGNAÇÃO DE LOTES. (DEAP).

'" Nos sucessivos relatórios dos governadores do Paraná, verifica-se que, no mínimo, até a
década de 1920 a situaç..'io da posse da terra. ainda não estava resolvida. Como este trabalho
preocupn-se com a tem5tica da fanu1ia, houve apenns o interesse em analisar com maior
prohmdid:lde, no tocante à propriedade da tema, a instalação dos pioneiros. (Ver ANEXO 2 ).
60

Mesmo instalados, mantinham uma obrigação para com o Estado. O


subsidio recebido para a viagem, alimentação e instalação, correspondia à chamada
Dívida Colonial. Desta, a maior quantia referia-se à compra do lote propriamente
dito. Conforme a relação nominal na Expedição dos Títulos Definitivos de Domínio
Pleno de Terras das linhas de demarcação do Núcleo Antonio Olyntho, a quitação
destes lotes se deu entre 1901 e 193165.
O pagamento da Dívida Colonial podia ser saldado em moeda corrente
e/ou mediante a prestação de serviços em obras públicas para o benefício da colônia.
A quitação da dívida era um problema para os colonos, já que envolvia a posse de
moeda corrente. A localização em mata virgem, o trabalho na lavoura de
subsistência e a distância de centros urbanos isolavam a colônia, gerando a
necessidade de estratégias para o pagamento. De um lado, inseriam-se nos trabalhos
em obras de abertura de picada, estradas, pontilhões - conforme já era prescrito pelo
Estado como forma de completar o pagamento. Também, empregavam-se como
trabalhadores na construção da Ferrovia São Paulo-Rio Grande do Sul. Auxiliavam,
ainda, na coleta sazonal da erva-mate nativa, realizada principalmente nos meses de
inverno. A partir da década de 1920, quando a atividade econômica da região passou
a concentrar-se na extração da madeira, eles obtinham ganhos com a venda dos
pinheiros existentes em suas propriedades, bem como prestando serviços às
madeireiras locais. Entre elas, destaca-se a Lumber Company, empresa americana
que extraía a madeira de propriedade da American Raylway Company -
construtora da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande do Sul.
A falta de circulação de moeda inseriu os colonos numa prática de captação
financeira - comuns em outros núcleos de imigrantes - que lhes permitia tanto o
pagamento da dívida colonial como a compra de produtos essenciais. A estratégia
consistia na entrega de parte da sua produção de grãos - feijão, milho, trigo, batata,

65 PARANÁ. Secretaria do Estado do Meio Ambiente. Pasta Antonio Olintho. Divisão de

Regularização Fundiária. Coordenadoria de Terras, Cartografia e Cadastro.


61

cevada - ou de extração da erva-mate para os comerciantes locais em troca de


dinheiro. A transação não envolvia simultaneidade, ou seja, a entrega dos produtos
por parte dos colonos e a do dinheiro por parte dos comerciantes não se
processavam ao mesmo tempo.
Os comerciantes locais faziam, assim, as vezes de "banco". Um deles foi
Francisco Bach cujos livros de registro documentam esta modalidade de negócio,
como demonstram as anotações do Livro Borrador II, em 14 de agosto de 1922:

Miguel Rubel Ha ver


1 lá cargueiros de feijão 24,000
1 aro de toucinho 25,000
O mesmo deve
LP que recebeu
1 ms. phosphoros 900
pimenta 200

ou ainda, uma anotação do dia seguinte:

AdãoMunhak Haver
17 K cs hervaa ^ 110,500
O mesmo deve
1 kl. de hering 3,000
1 gr. pinga 1,200
bombom 200
1 chapéu 10,000
1 par tamancos 1,800

Tal transação criava toda uma expectativa, envolvendo ambas as partes: os


colonos com suas dúvidas a respeito do recebimento do dinheiro e o comerciante
quanto ao valor que poderia "emprestar". Às esposas dos comerciantes, no entanto,
não sobrava expectativa alguma. Na proximidade da data da vinda do coletor da
dívida colonial ocupavam-se com a execução de pequenos saquinhos,
confeccionados com tecido de algodão barato, nos quais poderiam ser colocadas as
moedas equivalentes à necessidade financeiras dos colonos66.

66 Entrevista 6 - 1994.
62

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PÁGINA DE LIVRO DE CONTA CORRENTE. COLEÇAo


1
PARTICULAR MARIA AIDNEY CUNICO BACH.
63

2.4 MUDANDO COM AS RAÍZES


Vivemos juntos, não nos separaram. Da vila quinze léguas nos distaram.
I. FRANKÓ 67

Com estas palavras, Olécia, na Carta do Brasil de I. FRANKÓ, tranqüiliza


seus conterrâneos da Galicia quanto aos temores de que a imigração pudesse ter
dispersado as famílias. Apesar da natureza poética do texto, ele contém uma
sugestão importante: o fluxo migratório não teria sido realizado por sujeitos
isolados; implicou, sim, o deslocamento de famílias.
O conhecimento da estrutura domiciliar dos imigrantes que chegaram em
1895 em Antonio Olyntho comprova a imigração familiar. O resgate da distribuição
dessa população pioneira foi possível pela existência de um censo da colônia
realizado em 1896 pela Secretaria de Viação e Obras Públicas do Paraná.68
Com base nesse Censo, comprova-se que, em meados de 1896, já estavam
instaladas na colônia 258 famílias rutenas e que deste total 207 eram domicílios
compostos por famílias regularmente constituídas69. Num primeiro olhar, essa
informação revela que a busca da "Terra Prometida" foi uma experiência que
envolveu basicamente pais, mães e filhos.
Eram casais jovens, mas, em geral, não estavam começando sua vida
conjugai, já que vieram acompanhados de alguns filhos70. Isto significa que, se
entendermos a imigração enquanto um rito de passagem 71 , a grande maioria das

67 FRANKÓ, op. cit., p. 32. (Ver ANEXO 8)


68 Registro de Immigrantes e Lotes do Núcleo Antonio Olyntho. 1896. Livro não
catalogado (DEAP). Nesse item, por fundamentar-se em um recenseamento, considerou-se que
"lote" e "família" são expressões equivalentes. Define-se assim, que a estrutura domiciliar dos
emigrantes, refere-se aos indivíduos arrolados enquanto moradores de um determinado lote.
69 Ver TABELA A l .
70 Ver TABELA A3.
71 LEE, E. Uma teoria sobre a migração. In: MIGRAÇÃO INTERNA. Textos selecionados.
Série Estudos Econômicos e Sociais. Fortaleza : Banco do Nordeste do Brasil S.A., 1980. p. 113.
64

famílias rutenas que se instalou em Antonio Olyntho não associou a emigração a


outros momentos do ciclo vital como, por exemplo, o casamento. Apenas 20
unidades domiciliares eram ocupadas, presumidamente, por recém-casados.72
Esses dados refletem uma articulação entre a motivação dos camponeses
galicianos em empreenderem a emigração e a política imigrantista do governo
brasileiro. Se a Galicia passava por uma grave crise econômica que impedia os meios
mínimos de subsistência à parte de sua população, o projeto de instalação de
imigrantes no Paraná privilegiava a vinda de famílias estabelecidas para que
pudessem render frutos, tanto no trabalho quanto no povoamento do Estado.
Alguns contratos de colonização especificavam claramente o perfil do
imigrante desejado pelo Paraná. Um deles, em 1896, esclarece que eles deveriam
constituir famßias do seguinte modo:

- I o Casal com ou sem filhos, enteados ou irmãos menores, bem como seus ascendentes. -
2o Viuvo ou viuva, com filhos ou enteados com seus ascendentes, devendo ter sempre,
neste caso, um homem válido. - 3 o Avô ou Avó com seus descendentes, devendo sempre
entre elles haver um homem válido. - 4 o Unicamente os chefes de famílias e seus
ascendentes poderão ser maiores de cincoenta annos. - 5 o Os collateraes menores de 21
annos, poderão fazer parte das famílias de que tratam as condições I a 2 a 3 a da presente
clausula 73 .

Nesse contexto, a expressão colono morigerado e laborioso usada


largamente pelas autoridades paranaenses estaria, na prática, significando famßias
morigeradas e laboriosas. O Paraná, envolvido num projeto de colonização voltado
para a pequena propriedade, enfatizava a instalação de famílias chefiadas por um
homem cuja idade fosse a garantia de pleno potencial de trabalho e, por extensão,

72 A evidência de que as famílias emigrantes não estão iniciando suas vidas matrimoniais
foi constatada também entre os imigrantes alemães luteranos, localizados em Curitiba a partir de
1866. (BIDEAU, A.; NADALIN, S.O. Familles stables et familles mobiles : Une nouvelle approche de
la fécondité différentielle. L'exemple de la communauté evangelique lutherienne de Curitiba entre
1866 et 1939. In: LE PEUPLEMENT DES AMÉRIQUES. Veracruz - México, 1992. p. 163-175).
73PARANÁ. Relatorio apresentado ao Dr. José Pereira Santos Andrade Governador do
Estado do Paraná pelo Engenheiro Civil Candido Ferreira de Abreu, Secretario dos Negócios de
Obras Publicas e Colonização em 1 de setembro de 1896. Curityba : Typ. a Vapor Modello. 1896. p.
16. (DEAP)
65

reprodução de mão-de-obra. Não havia lugar para "aventureiros". Basta observar o


contrato acima, que não prevê a localização de homens solteiros isoladamente74.
Verificando a composição de idade dos cônjuges75, dentre os casais
pioneiros a combinação de idade mais freqüente era: homens entre 35/39 anos,
casados com mulheres entre 30/34 anos (24 casais); homens entre 30/34 anos casados
com mulheres entre 25/29 anos (17 casais); homens entre 35/39 anos, casados com
mulheres da mesma faixa etária (16 casais).76 Observa-se também que na maior parte
dos casos o marido era mais velho do que a mulher (69,5%); numa proporção
significativa os cônjuges estavam na mesma faixa etária (25,7%); e numa minoria, a
esposa era mais velha que o marido (4,8%)77. Os imigrantes adultos eram pessoas
cujas idades concentravam-se na faixa etária dos 25 aos 40 anos, haja vista que, em
média, as mulheres casadas tinham 33,6 anos78 e seus maridos 38,9 anos79.
Tais famílias deslocaram-se majoritariamente em um momento específico
do ciclo conjugai, no qual já houvera tempo para a constituição parcial da prole; e
isto significaria que a propaganda realizada pelos agentes de imigração estava em
sintonia com os propósitos governamentais: atingir principalmente casais com algum
tempo de vida matrimonial. Constata-se, assim, um índice médio de 2,7 filhos,

74 Ver TABELA Al .
75 Ver TABELA A2.
76 Exatamente com a combinação de idades mais freqüente - 35/39 anos para os homens e
30/34 para as mulheres - estavam o casal Hilario Truchan, 35 anos e Maria Siczka, 32 anos,
moradores da Linha Munhoz. A segunda combinação de idades - 30/34 anos para os homens e
25/29 anos para as mulheres - , encontra sua exemplaridade no casal Nicolau Makowski, 34 anos e
Eudoxia Haureluk, 25 anos, moradores na Linha Cândido de Abreu. Na terceira combinação de
idade de casais mais freqüente - homens e mulheres entre 35/39 anos - encontram-se José Rymar, 37
anos e Anna Hupalo, 35 anos, moradores da linha Santos Andrade.
77 Ver TABELA A2.
78 A idade média das mães imigrantes pertencentes à comunidade evangélica luterana de

Curitiba, em 1866, era de 29.5 anos. Essas situam-se em um grupo de idades abaixo das que estão
sendo analisadas. (BIDEAU, A.; NADALIN, S.O. op. cit., p. 166).
79 Ver T A B E L A A3.
66

concentrados entre 0 e 14 anos80. Por outro lado, vinte casais pioneiros não possuíam
filho algum, número maciçamente formados por cônjuges entre 14-24 anos de idade;
são, no entanto, minoria, representando 9,2% dos casais imigrantes81.
Nota-se, assim, que as famílias imigrantes vinham com muitas crianças.
Entre os filhos das famílias pioneiras, 82,1% tinham idades inferiores a 15 anos82.
Desse total, 32,2% estavam com idades inferiores a 5 anos; e entre esses mais da
metade são mencionados no Registro de Immigrantes e Lotes do Núcleo Antonio
Olyntho como tendo "1 ano de idade". Pode-se pensar que a proximidade de um
parto não impediu que as famílias levassem adiante seu projeto, pois há os que
nasceram na travessia do Atlântico83.
No lote ocupado por Hilário e Maria Truchan, 36 anos e 32 anos
respectivamente, encontra-se a expressão do perfil "médio" da família imigrante:
seus filhos Paraska, 9 anos, Estephano, 6 anos, e Demétrio, 3 anos, estavam com as
idades exatamente dentro das médias calculadas para esses casais.
O segundo tipo de casal de imigrantes pioneiros mais freqüente era aquele
formado por um homem de 30-34, anos casado com uma mulher de 25-29 anos. Esses
casais tinham, em média, 2,3 filhos distribuídos entre 0-14 anos e mais concentrados
entre 0-9 anos: aqui resgatamos como "casal padrão", Nicolau e Eudoxia Makoski,
que tinham Miguelina com 4 e João com 2 anos. Era também acentuada a freqüência
de uma terceira composição familiar: aquela com homens e mulheres na mesma faixa
etária (35-39 anos). Estes casais possuíam, em média, 3,6 filhos, entre 0-19 anos,
concentrados entre 0-14 anos. Aqui o perfil médio encontra-se na família de José e

80 Ver TABELA A4. Deve ser apontado que o índice relativo à Moda é bastante

expressivo, pois 28,9% dos casais pioneiros vieram com dois filhos.
81 Ver TABELA A4.
82 Ver TABELA A5.
83 Nos registros paroquiais existem algumas menções a pessoas nascidas "no Oceano" e
outras nascidas na Ilha das Flores.
67

Anna Rymar que imigraram com 3 filhos: Rosália, 11 anos; Sophia, 5 anos e Ilko de 1

ano.
Desses exemplos emerge uma questão: as famílias imigrantes teriam uma
composição diferente daquela que ficou no Leste europeu? Em suas reflexões para a
formulação da teoria da família camponesa, por exemplo, A. CHAYANOV 84 apresentou
uma composição doméstica teórica85, entre os eslavos, bem maior do que a verificada
nas famílias estabelecidas em Antonio Olyntho.
Porém, na comparação da composição das duas famílias, pode ser
observada uma semelhança na estrutura de ambas. A. CHAYANOV calculou que um
camponês eslavo quando estivesse na faixa etária entre 35-39 anos e sua esposa na de
30-34 anos, teria uma prole entre quatro e cinco filhos86. Já, o grupo doméstico
"médio", entre os pioneiros de Antonio Olyntho, situava-se com três filhos quando
os casal estava na mesma faixa etária dos casais apresentadas por A. CHAYANOV 87 .

Prosseguindo na comparação, pode ser observado que nas duas a diferença de idade
entre os cônjuges é assemelhada: as esposas estão em um grupo de idades abaixo da
dos homens88.
Constatada essa similitude geral entre as estruturas familiares, resta
apontar, ainda, o motivo pelo qual nas unidades residenciais dos imigrantes no
momento da instalação da colônia, o número médio de filhos era de 2,789, e na
Galicia a descendência final - teórica - era de 11 filhos90. A prole das imigrantes não
deveria ser mais numerosa?

84 CHAYANOV, A.V. The theory of peasant economy. Illinois : Richard D. Irwin, Inc.,
1966. Cf. p..53-69.
85 Ver TABELA A6.
86 Ver TABELA A6.
87 Ver TABELA A5.
88 Ver TABELA A2 e A6.
89 Ver TABELA A4.
79 Ver T A B E L A A3.
68

A explicação para o pequeno número de filhos é dada pela faixa etária das
mães que emigraram. Majoritariamente (66,3%), situavam-se na faixa de 25-39 anos,
estando assim em pleno período reprodutivo; o mesmo se verifica quando é
contabilizado apenas o grupo de mães entre 25-34 anos, que perfaz 43,8% do total91.
Assim, é válido enfatizar que a maior parte das imigrantes - 83% - ainda estava em
idade reprodutiva, não tendo encerrado o ciclo de constituição familiar.
Por isso mesmo, destaca-se outra característica das famílias pioneiras: elas
abrigavam a possibilidade de crescimento. A comprovação se dá ao observar-se o
comportamento de alguns casais pioneiros, para se fazer uma ponte entre índices
médios e expressões familiares específicas. Por exemplo, Hilário e Maria Truchan -
que trouxeram três filhos - até encerrarem o ciclo reprodutivo, já instalados na
colônia Antonio Olyntho, dobraram sua prole: em 1899 nasceu Nicolau, em 1902
Mary a e, em 1904, José.
É possível dizer, assim, que as dificuldades na instalação em terras
brasileiras não impediram a continuidade do aumento da prole. Aqui, o
desempenho de Anna, esposa de Joaquim Kawka é exemplar. Veio para o Brasil com
37 anos e cinco filhos e na colônia preencheu plenamente seu ciclo fecundo. Em 1897
nasceu Anastácia, em 1901 Catharina e em 1903 - quando tinha 44 anos - encerrou
sua prole ao nascer Nicolau. Maria, esposa de Kuzma Neistor também gerou uma
prole característica de mulheres que não usam a contracepção. Ao emigrar, com 32
anos, trouxe cinco filhos. Na colônia Antonio Olyntho teve mais seis. Com esta
descendência final, Maria e Kuzma podem ser entendidos como a representação da
família camponesa de A. CHAYANOV.92

91 Ver TABELA A5.


92 BIDEAU E NADALIN constataram uma fecundidade mais alta entre as mães
pertencentes à famílias "instáveis" (famílias EF), quais sejam, aquelas cujo início matrimonial não se
deu na paróquia do que entre as de famílias estáveis (famílias MF). E lançam algumas questões:
"Comment expliquer la plus forte vitalité des femmes EF? Pourquoi les familles instables ont-elles
tendence à avoir plus d'enfants que les familles sédentaires? Serait-ce peut-être parce que, forcées
d'interromper la succession normale des grossesses à cause de leur déplacements successifs, en
s'étlablissent à nouveau elles represent avec plus de vigueur leur cycle fécond, par une sorte de
69

Pode-se deduzir que a família imigrante, apesar de corresponder apenas a


um estrato da população total da qual emigra, constitui uma amostra da população
de origem, por ter perfil muito próximo das formadas naquela região,
principalmente quando se considera que A. CHAYANOV, por elaborar um modelo
teórico, não inclui a mortalidade como alteradora desta composição.
Todavia, outras situações entre as mães imigrantes merecem reflexão. É o
caso do pequeno número de filhos das mães pioneiras que, pelas idades com que
imigraram, já haviam encerrado seus ciclos reprodutivos.93 Quatro ou cinco filhos
acompanhavam essas mães94. Para estes números, porém, três fatores podem ter
interferido: de um lado, uma provável alta taxa de mortalidade geral das populações
camponesas que, mesmo em finais do século XIX, ainda não se beneficiavam dos
avanços trazidos pela modernização; a seguir a hipótese de que estas mães podem
ter deixado parte de seus filhos na Galicia, talvez já casados, e emigrado com aqueles
que não teriam possibilidade de questionar as decisões dos pais. Quanto a isto, é
significativo que 75% dos filhos de mães entre 45-49 anos tenham menos de 14
anos95. Uma terceira hipótese é a de que os filhos mais velhos emigrassem
conjuntamente e que no recenseamento fossem localizados em outros lotes.96 Como
exemplo, tem-se a situação de Katarina Karpowicz, 46 anos, viúva, que
acompanhava dois filhos: Stephano, 27 anos, sua nora Anna, 19 anos, e Joaquim, 20
anos. Em 25 de dezembro de 1895, em Paranaguá, ela desembarcou do vapor

compensation à l'instabilité anteriéure? Cette nouvelle vigueur se fonderait-elle sur les espérances et
les angoisses causées par le nouvelle vie à laquelle ils devient faire face?" (BIDEAU; NADALIN, op.
cit., p. 168)
93 As mães acima de 45 anos representam 11,1% do total das mães imigrantes. (Ver

TABELA A5).
94 Ver TABELA A5
95 Ver TABELA A5.
96Os dados paroquiais que complementam esta análise, em muitos casos não contêm as
informações sobre a filiação dos membros de casais que emigraram casados.
70

Muquy. Na lista de desembarque de passageiros ela fazia parte da família chefiada


por Stephano97 ,

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LISTA DE DESEMBARQUE DE IMIGRANTES. (DEAP) .

. 91 Entrada de Immigrantes. 1895. Códice 444. p . 183. Fundo Imigração. (DEAP)


71

No Registro de Immigrantes e Lotes do Núcleo Antonio Olyntho, de


meados de 1896, encontra-se, na linha Corvo Branco, apenas a família conjugal de
Stephano, Anna e o pequeno Michal que tinha desembarcado em Paranaguá com
quatorze dias. Possivelmente Katarina ainda aguardava o lote em que passaria a
morar com o filho Joaquim.
Essa situação específica evidencia também que, se os lotes eram ocupados
majoritariamente por famílias nucleares, havia outras modalidades de composição
familiar. Na situação de Katarina (viúvo/a com filhos) encontravam-se outros
domicílios, mas geralmente traziam uma prole mais numerosa. Das viúvas, apenas
em um lote não há menção de familiares; as demais têm prole que varia de três a seis
filhos.
Quanto aos viúvos, somente um deles emigrou com apenas uma filha de 16
anos - idade superior a de algumas esposas imigrantes. Ao que tudo indica, essa
moça encontrou no casamento uma forma de aumentar a força de trabalho
domiciliar, pois há menção de seus filhos legítimos a partir de 1898.

A opção pelo casamento também parece ter sido a estratégia dos solteiros
que ocupavam cerca de 9% do total dos lotes. Neste caso está João Lapczinski, 24
anos, que ocupou o lote 97 da linha Corvo Branco; casou-se em 1897 com Eudoxia
Szafrun, 17 anos, que morava no lote 93 da mesma linha. Contudo, deve-se observar
que, na maior parte, os solteiros não se fixaram na localidade. Provavelmente, as
dificuldades iniciais os motivaram à migração.
O reduzido número de celibatários no conjunto dos imigrantes de 1895,
além de negar certas teorias dã imigração quando afirmam que ela era apenas uma
experiência para jovens e audazes celibatários,98 incita a outras colocações.

98 WILLEMS faz uma revisão dos autores que se preocuparam com os aspectos seletivos
envolvidos nos deslocamentos populacionais a partir da seguinte indagação: "são os 'melhores' ou os
'piores' elementos que se desagregam e migram? (WILLEMS, E. A aculturação dos alemães no
72

Primeiramente, poder-se-ia relacionar a pequena taxa de solteiros ao


modelo de casamentos do leste europeu formulado por J. HAJNAL." Oposto ao
modelo ocidental, implicava um baixo índice de celibato definitivo,100 como também
uma precocidade na idade ao casar. Pode-se supor uma relação entre este
comportamento sócio-cultural dos imigrantes com o baixo índice de solteiros que se
instalou na localidade101.
A esse modelo cultural, que possivelmente determinou a precariedade de
população imigrante celibatária, certamente somou-se outro fator: a política
migratória - pautada na pequena propriedade - adotada pelo Sul do país
privilegiando a instalação de famílias nos lotes coloniais.
Associando a ênfase do governo paranaense em instalar famílias, com a
composição dos domicílios dos pioneiros, pode-se, agora, rever a colocação de
Olécia, quando tranqüilizava os conterrâneos, afirmando que vivemos juntos, não
nos separaram. Mas, quando aplicada especificamente à composição dos domicílios
dos primeiros galicianos que vieram morar em Antonio Olyntho, vivemos juntos
implicaria apenas o fato de que a emigração não dispersou as unidades familiares?
Ou continha implicitamente uma noção mais alargada de família?

Brasil : Estudo antropológico dos imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil. São Paulo :
Editora Nacional; Brasília : INL, 1980. p. 51-67)
99HAJNAL, J. European mariage patterns in perspective. In : GLASS, D.V.; EVERSLEY,
D.E. (org). Population in history : Essays in historical demography. London : London Edward
Arnold Ltd., 1969.
100 Celibato definitivo é um parâmetro teórico relativo a indivíduos que ainda não
casaram ao atingirem a idade de 50 anos. Segundo HAJNAL, enquanto cerca de 80 a 90% dos
rapazes da Inglaterra, França e Itália - censo de 1900 - estavam solteiros aos 20-24 anos, essa taxa
reduzia-se a 51% na União Soviética - censo de 1926. Num detalhamento apenas da Rússia Européia,
em 1900, HAJNAL aponta que aos 20-29 anos 42% dos homens e 23% das mulheres estavam
solteiros; na faixa etária 40-49 anos, 4% dos homens e 5% das mulheres eram celibatários. (HAJNAL,
op. cit., p. 101)
79 Ver T A B E L A A3.
73

O conceito de família hão é unívoco e sua diversidade está relacionada às


várias formas que assumiu em culturas e em períodos diferentes. J.L. FLANDRIN 102 , ao
desenvolver uma ampla discussão a este respeito, indica, consultando dicionários de
época, variações históricas nessa acepção. No Brasil, a variedade de concepções
também aparece: o CALDAS AULETE, por exemplo, prioriza três delas. Na primeira dá
uma noção de família alargada, na qual o elo entre as pessoas é a coabitação; a outra
associa a família à residência e consangüinidade; e, por último, amplia o conceito de
família a relações consangüíneas, sem coabitação103.
Apesar de algumas diferenças conceituais, na atualidade a noção de família
está cada vez mais presa ao sentido de consangüinidade e, principalmente, da
moradia conjunta. No dizer de J.L. FLANDRIN, à noção de pessoas aparentadas que
vivem sob o mesmo teto e mais particularmente pai, mãe e filhos. O autor adverte
que o mesmo não acontecia outrora: a palavra evocava de facto, com muito mais
freqüência, um conjunto de parentes que não moravam juntos; e designava também
freqüentemente um conjunto de pessoas que coabitavam e que não estavam
necessariamente ligadas pelo sangue ou pelo casamento104.
Essa colocação serviu como um alerta para tentar se delinear - dentro das
possibilidades das fontes em questão - alguns aspectos da representação de família
que os imigrantes trouxeram consigo; em outras palavras, tentar saber se a família
imigrante era redutível à unidade doméstica, conforme o quadro de distribuição das
famílias nos lotes fornecido pelo Registro de Immigrantes.
Realmente, os domicílios dos colonos apresentavam uma composição
doméstica que aparentava a constituição de uma família reduzida à consangüinidade
- essencialmente o núcleo conjugal e sua prole. Contudo, o momento histórico, a

102 FLANDRIN, J.L. Famílias : Parentesco, casa e sexualidade na sociedade antiga. Lisboa
: Editorial Estampa, 1991. p. 12-18.
103 DICIONÁRIO CONTEMPORÂNEO DE LÍNGUA PORTUGUESA por Caldas Aulete.

Rio de Janeiro : Editora Delta, 1986.


104 FLANDRIN, op. cit., p. 12.
74

região e o estrato social de origem aos quais estão referidos os imigrantes não
estariam coerentes com a individualização embutida num conceito que evoca a
família nuclear moderna. É justamente na consideração da origem sociocultural dos
que empreenderam esta imigração que se pode tentar desvelar alguns traços da sua
representação de família.
Oriundos de uma região na qual a permanência de um campesinato
tradicional permitia um descompasso com todas as alterações que a modernidade
trazia em termos de visão de mundo, os galicianos empreenderam sua aventura em
sincronia com a maneira pela qual desenvolviam suas vidas. Uma análise da
disposição das famílias nas diversas linhas da colônia indica que - de maneira geral
- as famílias pioneiras não vieram sozinhas. Mantendo a afirmação anterior de que a
emigração não foi uma aventura solitária pois envolvia pai, mãe e filhos, pode-se
acrescentar: envolvia também avós, tios e primos.
Retomando-se o exemplo da Katarina Karpowicz - a viúva que
acompanhou os filhos - constata-se que o vapor Muquy trouxe outros parentes, além
de seus filhos, nora e neto. Na relação de desembarque estavam outros Karpowicz:
Jacó, a esposa Tatianna e seus filhos, bem como Maria, os filhos e seu marido João
Jarei e ainda Daniel Karpowicz, a esposa e dois filhos105. Outra evidência deste
parentesco é o fato de que a localização dos primeiros Karpowicz de Antonio
Olyntho se concentrou na linha Corvo Branco. A possibilidade de ilustração de
prováveis parentescos entre os imigrantes, com base apenas nas listas de
desembarque, são inúmeras. No mesmo vapor que viajou Katarina Karpowicz
estavam, ainda, três famílias com o sobrenome Nogacz e duas com o sobrenome
Hewko.
No entanto, foi através do exame da disposição dos lotes nas diversas
linhas coloniais que a hipótese de a imigração ter possibilitado o deslocamento de

105 Cf., supra, Ilustração LISTA DE DESEMBARQUE DE IMIGRANTES.


75

uma família extensa ganha mais corpo. Tomando como exemplo a linha Dr.
Gonçalves106, situada no centro geográfico da colônia, encontram-se algumas
evidências de que a corrente migratória albergou a transferência de famílias no seu
sentido mais ampliado.107 No lote 25 estava André Panek, viúvo de 60 anos com suas
quatro filhas (25, 19, 16 e 8 anos, respectivamente). Talvez um dos fatores que
auxiliou a decisão deste viúvo sem filhos a emigrar tenha sido o fato de seu genro,
João Burlikoski, acompanhar a família, João morava no lote 21 com sua esposa
Olianna e o filho André. Seus vizinhos dos lotes 27, 28 e 29 pertenciam à família
Grabasz. No primeiro lote morava o casal João e Marianna (32 e 28 anos) com três
filhas; no seguinte um possível cunhado, André Czip, casado com Salvina Grabasz,
com quatro filhos e no terceiro lote estavam prováveis recém-casados: Miguel e Tecla
Grabasz. A natureza das fontes não permite que se defina exatamente o grau de
parentesco destes três núcleos domésticos. Além do sobrenome comum, é
significativo, contudo, o fato de todos terem vindo da mesma aldeia: Mikoliek. Mais
duas famílias, com provável parentesco, estavam na linha Gonçalves: no lote 20 a
família do André Grabasz; e no lote 51 Nicolau, casado com Anastácia Grabasz.
Outro caso de vizinhança familiar encontrou-se na linha Figueiredo. Wasyl
Moisa e Estephano Kniaz tinham como esposas Tecla e Anastácia Romankiw.
Morando em lotes lindeiros, tinham também como vizinho Wasel Romankiw, que
emigrou solteiro. Como nos outros casos, é difícil precisar o grau de parentesco
dessas pessoas. Contudo, é significativo que, na primeira menção de compadrio,108
Estephano tenha sido o padrinho da filha de Wasyl e Tecla.

106 Cf., supra, ilustração PLANTA DA COLONIA ANTONIO OLINTO. 1920.


107 Nathalia, por exemplo, contando a emigração dos seus pais faz uma associação com a

dos sogros: "Minha mãe nasceu na Bahia. Veio nenezinho para cá. Vieram direto para Antonio
Olyntho e sempre moraram aqui. Aqui não tinham ninguém; só uma capela lá na sede e padre
brasileiro, para rezar. Aí, foi indo, foi indo, e veio o padre polaco; fizeram uma capela maior e
aumentou. F. eles vieram junto com a família do meu pai." (Entrevista 26 - 1994 - destaque do autor).
Para o estudo desse caso, os dados aos quais se recorreu são os constantes nos registros
108

paroquiais da localidade.
76

Outro pormenor que ajudaria a entender um pouco mais as relações entre


as unidades residenciais é a situação do Wasel Romankiw. Como já se disse, em 1896
ocupava um lote, na condição de solteiro. É possível que tenha precedido a vinda
dos pais e de outro irmão. Poderia até ter sido o autor de uma carta que outro eslavo
enviou, de São Mateus em 1891, dizendo:

[...] Amada e querida Mãe se voces tem meios e desejo de vir, venham, porque aqui é
melhor. Possuo mais de quatro eitos (wlóki) poloneses de belo mato que limpamos e
plantamos 109 .

Ou de outra ainda, na qual um terceiro galiciano, não apenas aguardava a


vinda de familiares como também a da futura esposa:

[...] nestas terras existe muito mato e erva mate, isto é arvore de chá, que é semelhante ao
vime que cresce por lá e com ela se pode ganhar um bom dinheiro. A vida é boa.[...].
Mando os mais profundos cumprimentos aos Korolewski e peço a mão da senhorita
Mariana que seja bondosa de chegar com seus pais. Se porventura os pais dela não
vierem, então peço que a Senhorita venha com os meus pais 110 .

Mais tarde, nos registros paroquiais encontramos o casamento de Wasel, de


seu irmão Antonio e o óbito da mãe Catharina.

Assim, em conformidade com a política migratória recorrente no sul do


País, os galicianos foram instalados na zona rural do sul do Paraná para se tornarem
pequenos proprietários.
A análise, da forma da instalação da colônia e da disposição dos lotes,
permitiu, além disso, perceber que os imigrantes tinham fortes laços familiares. E ao
que tudo indica, no caso dos galicianos, a imigração não agiu necessariamente como
desagregadora dos laços familiares tradicionais. Sabe-se que mesmo na Europa pré-
industrial, não era a composição do domicílio que atestava a vivência de uma família

KULA, M. Correspondência dos imigrantes do Brasil. ANAIS DA COMUNIDADE


109

BRASILEIRO-POLONESA. v. 8. Curitiba : Gráfica Vicentina, 1977. p. 49.


110 Ibid., p. 96.
77

extensa. Era no trabalho e nas relações cotidianas que se percebia a configuração de


uma sociabilidade que não albergava a nuclearização familiar. A contiguidade dos
lotes familiares, constantes entre os imigrantes de Antonio Olyntho criava condições
para o desdobramento da forma de viver tradicional.
3 RECONSTRUINDO A CULTURA RUTENA

3.1 DE POLACOS A RUTENOS


O espaço social e as diferenças que nele se desenham espontaneamente tendem a
funcionar simbolicamente como espaços de estilo de vida ou como conjunto de Stände,
isto é, de grupos caracterizados por estilos de vida diferentes.
P. BOURDIEU

As diretrizes brasileiras para a instalação de núcleos coloniais, no período


em estudo, preconizava uma pluralidade étnica, envolvendo no mesmo núcleo uma
mescla de estrangeiros com nacionais. O objetivo era evitar aquilo que mais tarde
passou ser chamado de quisto étnico; assim, na colônia de Antonio Olyntho estavam
também alguns italianos, alemães e nacionais. Qual fosse a etnia, receberam lotes nas
mesmas condições, ou seja, comprados do governo do Estado e, em média, com dez
alqueires.
Na produção da vida material dos colonos verificou-se, grosso modo, a
mesma paridade. Inicialmente derrubavam a mata-virgem, para, posteriormente,
produzirem a lavoura de subsistência. Os rutenos, da mesma maneira que os
demais, ocuparam-se com a coleta da erva-mate nativa e, mais tarde, principalmente
a partir da década de 1930, com a extração da madeira. Essas atividades, contudo,
não significaram uma fonte de renda expressiva para os colonos e, de maneira geral,
a produção agrícola local destinou-se basicamente à subsistência não favorecendo
uma diferenciação sócio-econômica significativa entre os moradores. Já os cargos
administrativos e políticos foram assumidos, inicialmente, por fazendeiros luso-
brasileiros que, em alguns casos, já residiam nas imediações, ou por comerciantes
que acompanharam o desenvolvimento da colônia. Com poucas exceções, foram
79

apenas os netos dos imigrantes que começaram a ter um desempenho mais


expressivo na política local.
Não houve distinções, sociais e econômicas, relevantes entre os colonos,
principalmente até a década de 1920. Todavia, eram minoritários os participantes de
outras etnias, podendo-se inclusive afirmar que a despeito do projeto multi-étnico
inicial, Antonio Olyntho foi uma colônia de rutenos e de polacos. Entre essas etnias é
que foram construídas fronteiras culturais expressivas. Coloca-se aqui uma questão:
o que tornou os imigrantes rutenos um grupo à parte entre o grupo eslavo?
É importante não deixar de considerar a história pregressa dos eslavos que
se instalaram em Antonio Olyntho para lembrar que rutenos e polacos não possuíam
uma única tradição: abrigavam, sim, diferenças histórico-culturais agudas. Por isso
mesmo, pode-se pensar que na reestruturação dos respectivos códigos sociais a
rivalidade étnica já veio pronta: as diferenças entre as duas etnias tiveram seu molde
na Galicia e em Antonio Olyntho elas foram retomadas1.
E mais, parece duvidoso que entre os próprios rutenos houvesse uma
harmonia étnica: as pessoas que compunham as cerca de 350 famílias pioneiras
emigraram de várias regiões da própria Galicia. Como foi visto anteriormente,
aquela região era palco de uma enorme reestruturação social, política, econômica e
cultural que se processava em diversos graus - tanto na implementação como na
aceitação. Nestes termos, é difícil imaginar que pessoas oriundas da aldeia de
Solotvyna, por exemplo, adotassem os mesmos significados sociais que as oriundas
da aldeia de Zahblottta, à medida que uma localiza-se ao norte e a outra ao sul da

1 Estou pensando na recriação cultural dos imigrantes nos termos propostos por BARTH e
CARDOSO DE OLIVEIRA, uma vez que eles não reduzem o grupo étnico a uma unidade portadora
de cultura que, independentemente das condições em que se encontre, reproduz comportamentos
semelhantes em função de uma matriz cultural. Esses autores priorizam o entendimento do tipo
organizacional assumido pelos grupos étnicos, pois sua configuração está referida ao que é
socialmente efetivo em um grupo que se vale da identidade étnica para classificar-se entre si próprio
e entre os outros. (CARDOSO DE OLIVEIRA, R. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo :
Livraria Pioneira Editora, 1976)
80

Galicia. Do confronto das linguagens sociais específicas entre os grupos que estavam
abrigados sob a rubrica de rutenos, um pároco local, mais tarde, deu testemunho:

Chegando ao Brazil, trouxe o povo ucraniano os seus costumes e usanças a que está
instinctivamente agarrado. - Em certas occasiões, p.e. num casamento, não raras vezes
surtiram questões, discordias, discrepancias so pela rasão que as cerimonias pela occasião
do casamento eram numa povoação différentes dos da outra. Custou duro e porfiado
trabalho o introduzir de um uniforme ritual do casamento: mas desse tempo entrou na
colonia certa paz e socego .

No entanto, é relevante considerar que apesar das variações dialetais entre


os rutenos, um idioma comum facilitava a comunicação entre eles, ao menos em
maior intensidade do que com os alemães, italianos ou luso-brasileiros da
localidade. A semelhança lingüística entre os rutenos traduzia-se em condições
propícias a uma recriação cultural que, pelo próprio fato imigratório, mesclaria
diversos códigos sociais correspondentes às várias culturas que imigraram. Em
outras palavras, estas populações imigrantes usaram seus respectivos acervos
culturais para montarem os significados de pertencimento étnico. Tudo indica que
foi da comunhão de tradições e idiomas assemelhados com a prática de uma religião
comum que se retiraram os marcos de sua contrastividade com os demais.
Nessa recriação cultural havia - como foi dito anteriormente - uma matriz
de contrastividade trazida da Galicia. E ela foi retomada na colônia, fato que se
evidencia pelos atritos havidos entre os dois grupos desde o estabelecimento. Nas
demarcações étnico-culturais era expressivo o fato de os rutenos serem de rito grego
ou ortodoxo e os poloneses, de rito latino. Nesse ponto deve-se retornar à algumas
questões de fundo, qual seja, esclarecer um pouco a divisão etno-religiosa da Galicia.
A história das divisões da Igreja Católica remonta à sua própria
organização que, até 1054, caracterizava-se pela existência de patriarcados3,

2 LIVRO TOMBO DO CURATO ANTONIO OLYNTHO. 1911-1980. Arquivo da Paróquia


Nossa Senhora da Imaculada Conceição, p. 10.
3 O nome dos patriarcados corresponde ao de suas sedes: Jerusalém, Antioquia,
Alexandria, Roma e Constantinopla.
81

correspondiam, grosso modo, a cinco grandes ritos litúrgicos. Com o Cisma do


Oriente surgiram a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa4. Em termos de rito, à
Igreja Católica Romana corresponde o rito latino e à Igreja Ortodoxa, o rito bizantino
ou constantinopolitano.
A região da atual Ucrânia corresponde, aproximadamente, ao que foi, no
século X, o Reino de Rush' de Kiev. Os missionários Cirilo e Metódio, oriundos do
então Patriarcado de Constantinopla5, iniciaram a evangelização daqueles povos na
segunda metade do século IX. Com o Cisma de 1054, Rush' de Kiev, inserido no
catolicismo oriental, manteve-se sob o rito constatinopolitano, no qual ficou até 1596.
Neste ano, o Papa Urbano VIII, envolvido na política expansionista da Igreja
Romana, fez um acordo de união com uma facção dissidente do clero ortodoxo
ucraniano. Deste acordo surgiu a Igreja Católica Ucraniana de rito grego - ou os
Uniatas - que, apesar de unida a Roma, manteve autonomia em sua organização
interna6 e no rito7.
Em correspondência a esses vários desdobramentos do catolicismo, tem-se
que a população da Galicia era composta por rutenos, católicos de rito grego ou
uniatas ou ainda ortodoxos; e poloneses, católicos latinos. Na região passou a haver
uma relação muito íntima entre crença religiosa e identificação étnico-cultural. E.
HOBSBAWN, ao estudar os nacionalismos do leste europeu, refere-se a essa questão:
[...] as verdades universais estão freqüentemente em competição, e as pessoas que

4 Os princípios da fé ortodoxa já haviam surgido desde 842, com o movimento


iconoclasta, mas com o Cisma, passaram a ter força de dogma.
5 O principe de Rush'de Kiev, à época, era Woldymyr que se converteu ao catolicismo, e
por decreto, tornou católicos todos os seus súditos. (BORUSZENKO, O. A imigração ucraniana no
Paraná. IV SIMPÓSIO NACIONAL DOS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS DE HISTÓRIA. Anais...
São Paulo : ANPUH, 1969. p. 71)
6 Entre essas especificidades pode-se citar o fato de que nela a autoridade máxima é o
Metropolita e não o Papa; o rito manteve-se oriental (que mais tarde receberá a denominação rito
grego); a liturgia prosseguiu a tradição oriental; e ao clero era facultado o direito de não optar pelo
celibato. Enquanto acordo político, a igreja de rito greco-católico passa a relacionar-se com Roma;
contudo, a tradição e a liturgia possuem identidade com a igreja ortodoxa.
7 O rito dos uniatas manteve a tradição oriental, sob o nome de rito greco-católico.
82

estão na fronteira de algumas dessas verdades podem, às vezes escolher outras como
um distintivo étnico, como o fazem russos, ucranianos e poloneses para se
diferenciarem entre si como católicos romanos, ortodoxos e uniata
Pode-se ter como pressuposto que tais rivalidades atravessaram o
Atlântico. Tudo indica que as formas rituais de religião mantiveram-se como o
grande parâmetro de divisão religiosa entre rutenos e poloneses em Antonio
Olyntho9. Neste aspecto, os imigrantes poloneses levavam uma vantagem, pois a
pátria que os acolhia adotava uma fé semelhante a deles. Aos rutenos restou a
resignação de - em nome da fé - dirigirem suas orações no mesmo local e sob o rito
latino. O governo paranaense construíra, na sede da colônia, uma capela, e eram
padres poloneses que visitavam Antonio Olyntho mais freqüentemente.
Nos primordios da colonia, contudo, esporadicamente padres de rito
grego10 atenderam os rutenos, como atesta o Livro Tombo do Curato de Antonio
Olyntho: No princípio de sua fundação, foi a colonia visitada algumas vezes pelos
RRPPMichniak OSBM, Martyniuk OSBM e Rosdolki. Nesse tempo, querendo o povo
receber os Stos Sacramentos tinha que ir a Rio Claró1.
Todavia, artigos do Pracia12 e no Missionar13 revelam um quadro bastante
desolador do estado geral das diversas colônias rutenas paranaenses14. Um dos

8 HOBSBAWM, E. J. Nações e nacionalismos desde 1870 : Programa, mito e realidade.


Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1990. p. 83.
9 Especificamente entre os rutenos, deve ser observado que a religião abrigava a
possibilidade de manutenção de significados culturais múltiplos, inclusive porque a liturgia do rito
grego sempre foi em idioma ucraniano, sendo que as alterações neste sentido acompanharam a
própria dinâmica da língua vernácula. Neste sentido, a clássica demarcação étnica, com base na
religião, apontada por WILLEMS entre outros, está presente.(WILLEMS, E. A aculturação dos
alemães no Brasil : estudo antropológico dos imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil. São
Paulo : Editora Nacional; Brasília : INL, 1980)
10Os primeiros missionários de rito grego ao Brasil foram padres diocesanos e, a seguir,
os da Ordem de São Basilio Magno. Todavia, basicamente até a década de 1910, estavam sediados
em Iracema, Prudentópolis e Rio Claro de onde partiam para assistirem, itinerantemente, os demais
núcleos imigrantes do Paraná e Santa Catarina com população de rito grego.
11 LIVRO TOMBO. p. 2.
Jornal veiculado em idioma ucraniano, dirigido aos imigrantes ucranianos. Sendo de
12

propriedade da Ordem de São Basilio Magno sua orientação era católica. Foi fundado em 1912 e,
83

articulistas foi minucioso ao se referir às condições de vida de imigrantes instalados


em Prudentópolis em 1897:

Os brasileiros espalharam entre o nosso povo uma terrível prostituição. E aconteceu o que
não houve senão em Sodoma e Gomorra. Para conseguir dinheiro a fim de comprar pão e
cachaça, o marido mandava a sua mulher e o pai a sua filha para prostituirem-se. Até as
menores, meninas de doze anos iam, porque os pais as obrigavam a se entregar a esse
ganho satânico. E quando isso começou a ser insuficiente, de resto, o diabo converteu o
nosso povo em animais selvagens - e os pais começaram a vender seus filhos aos
brasileiros. Dizem que havia comércio de crianças como de gado. [...] O padre Kizema
encontrou-os nessa selvageria. Como ele conseguiu converter e fazer estes selvagens
voltarem à memória é só Deus quem sabe. Hoje isso não acontece, mas ainda existem
algumas mulheres que não querem se converter, vivem amancebadas com brasileiros, e o
pior é que não se pode provocar, porque podem responder a bala .

Pela tenacidade da ação pastoral que se desenvolveu, em Antonio Olyntho,


a partir de 1911, é possível que a situação aí não fosse muito diferente. Numa carta
enviada à Galicia, em 192216, os imigrantes da localidade reafirmavam a situação de
miséria e abandono que vivenciaram nos primeiros tempos:

Nós, pobres e abandonados imigrantes, ficávamos em pequenos ranchos cobertos com


palmeira ou folhas de árvores, alimentando-nos com o que e da maneira pela qual cada

ainda hoje, editado em Prudentópolis/PR. Prácia significa Trabalho. (Cf. BORUSZENKO, O. Os


ucranianos. 2. ed., Curitiba : Fundação Cultural de Curitiba, v. 22, n. 108, out. 1995. p.24.)
13Periódico veiculado em idioma ucraniano, editado em Prudentópolis, fundado em 1911.
(BORUSZENKO, op. cit. ,p. 24). Vale observar que, até 1915, o nome desse periódico foi
"Missionário para os ruthenos no Brasil" e depois passa a ser "Missionário Ucraino no Brasil".
14HANICZ, ao discutir a ascendência do clero sobre os colonos afirma: "Habituados na
Ucrânia ao domínio de toda a esfera de valores religiosos, sociais e morais da aldeia, os missionários
ucranianos quando chegam ao Brasil e vêem a situação moral em que vivem os seus patrícios, na
maioria das vezes vão atacá-los duramente "(HANICZ, T. Igreja e imigração ucraniana no Paraná.
Elementos para uma história da Igreja ucraniana no Brasil. Texto inédito, 1993, p. 36)
15 O MISSIONÁRIO. Ano I, maio 1897 - abril 1898, p. 125. Apud : HANICZ, p. 38. Esse

mesmo autor, analisando a atuação da igreja na imigração ucraniana para o Brasil, aponta que os
principais problemas encontrados pelos missionários foram a prostituição, o alcoolismo e a
mancebía; essa última em grau reduzido. E acrescenta: 'O combate à imoralidade será uma constante
no cotidiano missionário, procurando sobretudo extirpar os vícios que prejudicavam a conduta cristã
e dificuldavam o controle do povo. Na vida da colônia [...] foram denunciados e policiados pelos
padres o concumbinato e a prostituição, a bebedeira e os bailes. O concubinato não foi um problema
generalizado na colônia ucraniana. Entre os ucranianos, os casos de concubinato eram raros, exceto
nos primeiros tempos ". (Ibid., p. 36)
16 Ver ANEXO 6.
84

um podia; às vezes com frutos das florestas, às vezes com feijão preto sem gordura
alguma; pão víamos somente poucas vezes durante o ano e às vezes passávamos fome de
verdade. O reverendo Clemente Bjuh'ovskei visitava-nos duas a três vezes por ano e
^ . 17
administrava naquele tempo a nossa paróquia .

Apesar de aludir à miséria, a carta não aponta qualquer desvio de conduta


moral provocado pela desestruturação social advinda da imigração. Pelo contrário,
os pioneiros afirmavam que podemos comprovar que antes da vinda do padre
Michalczuk [1911], não havia tanta imoralidade e pecados entre a nossa juventude?8.
Todavia, em 1912, o pároco local, relatando a situação dos colonos, entendia que o
Mal ali se instalara, em decorrência da falta de uma forte liderança religiosa que os
guiasse cotidianamente: Trabalho tem aqui, pois apesar de uma vez por ano virem
aqui os padres basilianos, não foi possível desenraizar todo o mal. O povo é bom, são
até obedientes, possivelmente por ser o começo, ou quem sabe eu me engano19.
Pode-se supor que a diversidade desses relatos estivesse traduzindo a
própria desestruturação étnica dos primeiros tempos, muito em função das
dificuldades a que estavam submetidos.
A época, a freqüência ao culto religioso de rito latino - o dos poloneses -
era inevitável aos que tentaram manter práticas de fé cristã; e a convivência com os
rigores dos padres poloneses também. Rigor esse que talvez tenha sido exacerbado
em função do desvio das populações imigrantes das normas às quais se submetiam
rotineiramente O distanciamento dos princípios da Igreja fez com que pessoas de
colônias isoladas assumissem comportamentos marginais aos olhos da Igreja.
Dessa forma, as relações iniciais dos colonos com os padres parecem não
ter sido de muita cordialidade, haja vista que um deles espancava seus fiéis20 e outro
17 CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES, 1922. n.p. Arquivo Provincial da Ordem
Basiliana. Prudentópolis. (Tradução livre). No ANEXO 6, encontra-se o texto integral dessa carta.
18 Ibid
19 CORRESPONDÊNCIA DE IWAN MICHALCZUK. Maio de 1912. Arquivo Histórico
Nacional da República da Ucrânia. Fundo 358. Arquivo Metropolita Andrei Szeptetzkei. Unidade 59.
Documento 20.
20 DIÁRIO DA TARDE, Factos diversos. Curitiba, 8 de fev. de 1904. n. 1504, p. 2.
85

foi assassinado, recaindo as suspeitas sobre um colono eslavo21. No Diário da Tarde,


jornal curitibano, já em 1904 encontram-se menções da tensão entre os fiéis e o clero
local:

O padre Jose Schuky da colônia Antonio Olyntho, está aplicando em suas ovelhas o
regime da vara de marmelo. Colono que ao domingo não enverga a fatiota para ver Deus
e não vae à igreja, toma uma surra na certa. Muitos têm sido os indivíduos de
nacionalidade polaca que têm ficado com o corpo coberto de vergões, provenientes de
22
sovas, por commettterem o pecado de deixar de ir a missa.

Possivelmente animados pelo espírito da Prosvita23 que soprava na Galicia,


um grupo entre os imigrantes rutenos reagiu a esta situação e, por volta de 1904, não
aceitaram mais que a sociedade local os identificasse com os poloneses.
Esse período marcou o início da efetiva recriação social fundamentada na
religião. Deve-se rearfirmar que os rutenos trouxeram consigo várias linguagens
sociais e que no estabelecimento da colônia não havia, efetivamente, uma unidade
étnica. A primeira década, provavelmente, funcionou como diluidora de suas
diferenças; passado esse tempo, foi possível assumir a construção de fronteiras que
limitaram o espaço dos que se tornaram o grupo ruteno/ucraniano local.

21 DIÁRIO DA TARDE, Padre estrangulado. Detalhes sobre o crime. Curitiba, 18 de set.


1911. n. 3914, p. 2.
22 DIÁRIO DA TARDE, Factos diversos. Curitiba : 8 de fev. de 1904. n. 1504, p. 2. A

relação do clero e dois fiéis pautada na agressão física foi uma constante na época, quer fosse para
poloneses ou para fiéis de outras etnias. Não só os jornais referiam-se a isto, mas as próprias
memórias de pioneiros estão recheadas destes casos. No caso específico de Antonio Olyntho, em
1911, ocorreu o assassinato do pároco polonês da localidade - João Wolencewicz - no qual a
imprensa levanta a hipótese de ter sido realizado pelos próprios colonos em função da tensão
existente na relação entre eles. (DIÁRIO DA TARDE, Padre estrangulado. Detalhes sobre o crime.
Curitiba, 18 de set. de 1911. n. 3914, p. 2).
23Estou me referindo à Associação Prosvita (Iluminação) de caráter nacionalista que
veiculava ideais educacionais e associativas como forma de emancipar o campesinato ruteno. Ver
PARTE I, Capítulo 1, Item 1.2 - Reergue-te Rush'de Kiev.
86

3.2 A COLÔNIA RUTENA DE ANTONIO OLYNTHO


[...] a cultura é justamente a organização da situação atual em termos do passado.
SAHLINS

Na reconstrução cultural que os rutenos vinham efetuando, a constituição


de uma identidade étnica estava fundamentada na prática religiosa. Os rutenos
serviram-se da religião na fixação de suas fronteiras, sobretudo porque instituição
religiosa, tradição étnica e idioma se confundem no emaranhado de seus significados
culturais.24 Em Antonio Olyntho, desde meados da década de 1900, o pertencimento
a uma determinada igreja limitava os territórios culturais: os imigrantes de rito
grego e os de rito latino sabiam-se diferentes. Uma crônica de 1912 revela que a
ruptura formal entre os imigrantes se deu a partir desse fundamento:

No princípio faziam as suas orações tanto os ukrainos como os polacos


simmultaneamente na capella que o governo mandou levantar pelo construtor Semko
Say. As intermináveis questões e brigas porém chegaram a tal ponto, que os ukrainianos
abandonaram a capela até então comum transferindo-se para um predio adquirido para
este fim, adaptando a casa ali existente para uma capella provisória 25 .

Tornou-se impossível aos ucranianos rezar com os poloneses, na capela que


o governo colonizador havia construidd6. E isto é muito significativo na
argumentação de que os limites étnicos se deram com base na tradição religiosa. Se a
autodemarcação dos rutenos fosse fundamentada em outros princípios, eles
poderiam manter a posse da igreja local, afinal eram em maior número. Os dados

24 É oportuno mencionar a crença de que as raízes nacionais ucranianas - instituídas a


partir dos movimentos nacionalistas, entre os quais está a Sociedade Prosvista - estariam no século
X, articuladas à própria cristianização do Reino de Rush' de Kiev. Por isso mesmo, na bandeira
nacional ucraniana, sobre um fundo azul e amarelo, destaca-se um tridente cujo significado seria o
da Santíssima Trindade. (TSVIETKOV, V. Pequena história da Ucrânia-Rush. Curitiba : Eparquía
Ucraniano-Católica de São João Batista, 1994)
25 LIVRO TOMBO. p. 2.
26 Ibid., p. 2.
87

gerais a este respeito dão uma proporção de cerca de 70 famílias polonesas para 350
famílias rutenas, em 1896.
Então, sendo maioria na colônia, por que os rutenos não ficaram com a
igreja existente? Possivelmente pelas especificidades da religião de rito grego. A
tradição oriental possui simbologia própria, não apenas na conformação da liturgia
como também na obediência a um calendário específico.
Uma implicação referente à prática de uma religião particular do oriente
era a obediência ao calendário juliano. Em termos práticos, verificava-se uma falta de
sincronia na datação dos eventos religiosos. Isso pode ser exemplificado pelas datas
do Natal: aos de rito grego é em 6 de janeiro; aos latinos é em 25 de dezembro.
Desde o século XVI o calendário gregoriano passou a normatizar o conjunto do
catolicismo ocidental, mas não conseguiu a adesão do catolicismo oriental, muito
arraigado à herança bizantina. No caso específico dos católicos de rito grego no
Brasil, apenas em finais da década de 1930 o calendário gregoriano foi adotado para
datação dos eventos litúrgicos.
Outra especificidade se dava na disposição física da igreja. Nessa tradição a
forma arquitetônica ideal de um templo é aquela configurada em cruz e não como
nave - comum às igrejas ocidentais. A cruz associa o cristianismo a Santo André,
missionário que catequizou parte da região de Rush' de Kiev, a nave, à imagem de
São Pedro pescador, que pouco significa àqueles que derivam do Patriarcado de
Constantinopla. Ainda, a tradição oriental dispõe de significados específicos na
ornamentação da igreja, de maneira incompatível com a disposição ocidental.
Estátuas, por exemplo, são entendidas como heresia; os rutenos cultuam ícones27.
Naturalmente, a igreja que o governo construiu para eles usarem em comum,
seguindo a tradição ocidental, contava com uma estátua de São José.

27 Estou me referindo a ícone enquanto imagem, de divindades ou de santos, pintadas


sobre tela ou madeira.
88

No entanto, deve ser considerado que, entre os imigrantes que vieram ao


Brasil, havia aqueles de crença ortodoxa28. Como em Antonio Olyntho não
encontraram continuidade para sua forma de expressão religiosa, optaram pela
agregação com os católicos de rito grego - e não com os de rito latino. Para esta
opção possivelmente estiveram envolvidos aspectos como a existência de uma
liturgia29 e um idioma comuns e ainda a partilha de inúmeras tradições, fossem da
esfera religiosa ou da secular.
Procurando a retomada de suas referências culturais, os rutenos
compraram, por volta de 1904, um terreno onde erigiram uma igreja. Os próprios
colonos referiam-se ao empenho que tiveram na construção:

Seu início data de 1903-4, portanto alcança vinte anos. Naquela época tudo era cercado
pela mata virgem como um mar imenso, e só em raros lugares, apareciam oásis, com
matas derrubadas.[...]. O reverendo Clemente Bjuh'ovskei visitava-nos e [...] graças aos
seus conselhos e ajuda construímos este pequeno tempIo.[...] Na construção de nossa
igrejinha, trazíamos toda a madeira da floresta nas costas, e o peso nos arrancava a pele e
com a ajuda de Deus e do referido padre, erguemos esta casa de Deus, entre muitos
sofrimentos e muitos calos nas mãos 30 .

28 Não é possível precisar exatamente quantas famílias eram ortodoxas, mas pode-se

estimar que dentre as 350 famílias pioneiras, por volta de 40 eram de fé ortodoxa.
29 Como já foi observado acima, os católicos de rito grego podem ser considerados uma
dissidência da ortodoxia. Todavia, na forma litúrgica não existiam diferenças essenciais entre essas
duas religiões católicas.
30 CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES.
89

IGREJA N O S S A SENHORA DA IMACULADA CONCEIÇÃO. ANTONIO OLINTO. 1994.

Tudo indica, também, que a afirmação de identidade rutena em Antonio

Olyntho fazia parte de um movimento que se dava em várias outras colônias onde a

etnia tinha contingente de imigrantes. Nessa fase de autodemarcação,

concomitantemente ao signo da fé se colocava a questão de serem retomados os

princípios da Sociedade Prosvita. E, como o nome da própria associação já esclarece,

o objetivo geral era a iluminação das pessoas pela educação formal, ideal que

deveria nortear a vida dos imigrantes e de seus descendentes. Um texto com esta

orientação, explicava:

Oração, instrução e trabalho eis os caracteres distinctivos de um verdadeiro ucraniano.


Pela oração conquista-se a Deus e em Deus possue-se todos os bens segundo diziam Sto.
Agostinho e S. Francisco de Assis. - Pela instrucção adquire-se força; - pelo trabalho
conquista-se o mundo. [...] Ao vir esse povo para o Brazil, não desaprendeu que a
instrucção é o telescopio por meio do qual o homem conhece facilimamente o modo de
viver neste vale de pranto 31 .

31 LIVRO TOMBO, p .7.


90

Com a criação de associações Prosvita nas diversas colônias são instaladas


salas de leitura para adultos, tchetálhnia32, e principalmente implementadas
inúmeras escolas. As colônias rutenas são tomadas por uma verdadeira ânsia de
escolaridade, associando muito intimamente o sucesso da imigração com o princípio
da educação. O. BORUSZENKO identificou que em 1898, em Curitiba foi fundada a
primeira associação Prosvita do Brasil e [...] associações deste gênero espalharam-se
pelo estado do Paraná e já em 1913 atingiam o número de trinta e duasP.
Em 1908, um periódico curitibano traz um artigo, em que, num claro apelo
à participação nas sociedades Prosvita, o autor comparava o insucesso das colônias
rutenas ao sucesso das alemãs. Conclui que

os alemães tem uma qualidade muito interessante que está ausente nos nossos imigrantes.
F.les são pessoas que tem um gosto pela leitura, eles se interessam em 1er livros que
possuem informações importantes. E assim eles aprendem técnicas que para nós ainda
são desconhecidas. Os nossos falam que é difícil plantar árvore frutífera [...] alegando que
as formigas acabam com tudo. Mas, é interessante, será que as formigas não são as
mesmas para os italianos e os alemães? 34 (sem grifo no original)

As escolas e as salas de leitura nas sociedades Prosvita faziam parte do


projeto dos rutenos no Brasil durante a década de 1900, e os colonos de Antonio
Olyntho não se furtaram a estas intenções de inspiração nacional-populistas. Aqueles
da linha de Santos Andrade e redondezas, por exemplo, relataram:

ao lado da igreja construímos uma casa para a moradia do sacerdote quando nos visitava
e onde as crianças pudessem reunir-se para receber os ensinamentos escolares. Além
disso, compramos uma chácara, e destinamos os lucros para as despesas comunitárias

32 "A tchetálhnia, ou sala de leitura, era a escola para adultos, principalmente para
analfabetos, cujo objetivo, além da informação geral consistia na formação e conscientização sócio-
política do colono. [...] Desde o início, em Rio Claro, por exemplo, a associação teve um objetivo bem
claro: organizar e sustentar a escola, criar uma biblioteca e instalar uma cooperativa comercial. Os
membros deveriam reunir-se todos os domingos para a leitura de livros e jornais em voz alta. Todos
deveriam participar, principalmente os que não sabiam 1er." (HANICZ, op. cit., p.9-10).
BORUSZENKO, O. Imigração ucraniana no Paraná. München : Wirtschaftskräften und
33

Wirtschaftswege. Klettcotta, 1981. p. 761.


34 KWASSINSKI, W. Os ruthenos no Paraná. BOLETIM COLONIAL E AGRÍCOLA DO

ESTADO DO PARANÁ. Curitiba, 1908, n. 5, 6, 7. Ano 2, v. 2. p. 263.


91

como igreja, escola, clube de leitura e outras. Todos estes bens eram administrados por
nós mesmos, através de um comitê eleito, e com a participação do padre Bjuh'ovskei 3 5 .

Nos esforços para prover a educação de crianças e adultos, as iniciativas

individuais eram louvadas: o empenho do imigrante Stephan Duma, instalado em

Antonio Olyntho, foi citado no Boletim Colonial e Agrícola, porque ministrava suas

aulas possuindo apenas uma cartilha: durante a noite, ele repassava para os papéis

tudo aquilo que ia lecionar, em número equivalente ao de alunos que tinha na sala,

para no dia seguinte entregar às criançaà*6.

ESTANDARTE DA ASSOCIAÇÃO ESCOLAR METROPOLITA CONDE ANDREI


SZEPTETZKEI.
(Tradução da inscrição: "Oração, ensino, trabalho"; " N o ensino está a força")

35 CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES.


36 KWASSINSKI, W. op. cit., p. 264.
92

Pode-se relacionar a intensificação do movimento Prosvita à chegada de


novas levas de emigrantes.37 O contingente de população rutena avolumou-se e eles,
do mesmo modo que os localizados em Antonio Olyntho, não aceitaram mais ser
amalgamados com os polacos.38
Em fevereiro de 1910, o jornal curitibano, A República, editou uma matéria
que iria dar motivo a essa necessidade de diferenciação. A nota chamava a atenção
sobre o jornal ruteno- O Prapof9, que expusera opiniões à respeito de política e da
polícia local. Segundo a República, O Prapor se manifestara de maneira ofensiva não
só ao Paraná como ao Brasil, referindo-se aos brasileiros como homens sem
escrúpulos e na maioria, negros e vagabundos. Por esta injuria irregada à uma
corporação por um estrangeiro indigno que se abroquella n'um idioma extranho, o
periódico naciomal proclamava que, na falta de outro sentimento, o redactor d'O
Prapor, ao menos devia animal-o o da gratidão para não servir-se da liberdade
consagrada pelas leis d'um povo para atacar o mesmoi0.
Em dezembro desse mesmo ano, O Prapor foi motivo de nova matéria no A
República, que ainda usava, indistintamente, a denominação polacos e rutenos, para
se referir aos responsáveis pelo jornal dos imigrantes. Este foi acusado de: [...] ser um
meio de que se vale o padre rutheno na sua tarefa, que é mais política que
evangélica, de inimisar os seus compatriotas da assimilação ao indígena, obrigando-

37A periodização realizada por BORUSZENKO envolve três fases em que houve maior
concentração de chegada de emigrantes: entre 1895 - 97, quando entraram cerca de 20.000 imigrantes
nos portos de Santos e de Paranaguá; nova chegada em massa entre 1908 a 1914 onde chegaram
aproximadamente 18.500 pessoas; e uma terceira fase, após a 2a guerra mundial. (BORUSZENKO, O.
Os ucranianos. Boletim Informativo da Casa Romário Martins, v. 22, 1981)
38 Em termos de designação étnica, contudo, eles mantinham-se autodenominados
rutenos.
Essa palavra significa Estandarte. Foi o segundo jornal ruteno do Brasil - o primeiro foi
39

o Zoriá (Estrela) - editado inicialmente em Curitiba, desde 1907, e depois em Prudentópolis.


Basicamente veiculava um ideário católico e foi o antecessor do jornal Pracia.
40 A REPÚBLICA. O Prapor. Curitiba. 3 de fev. de 1910. p.l. n° 28.
93

os a conservar as tradições pátrias [...] semeando divisões de raças, infiltrando no


espírito ingênuo do polaca a aversão ao nacional, (sem grifo no original)
Dias após, era publicada uma carta enviada por uma polonesa radicada em
Curitiba, na qual ela veementemente se ocupava em esclarecer que os poloneses e os
rutenos não deviam e não podiam ser equiparados. Querendo evitar para o futuro
similhantes identificações entre os Polacos e os Ruthenos, sinto-me obrigada a
explicar que [...] formão duas nações absolutamente différentes pela língua, caráter e
costumes, e até pelo rito42.
A autora atribuía a confusão que os brasileiros faziam entre as duas etnias,
possivelmente ao fato de ambas provirem da Galicia, que está sob o poder da
Austria. Os polacos ao oeste e os ruthenos à leste43. Para se evitarem novas confusões,
entre os polacos que absolutamente não se solidarizam com as posições dos
ruthenos, o texto localizava geograficamente os membros dessas nações no mapa
paranaense: [...] as colônias polacas são collocadas ao redor de Curytiba, Ponta
Grossa, Palmeira, e os ruthenos em maioria na colônia de Prudentopolis, Antonio
Olintho, distrito Agua Amarela e em grande número nas colonias do Rio Claro,
Lucena e Marcelina14.
O esforço de diferenciação dessas etnias na sociedade paranaense foi um
processo longo.45 De qualquer maneira, se a sociedade paranaense homogeneizou as

41 A REPÚBLICA. Os padres ruthenos. Curitiba, 29 de dez. de 1910. p.l.


42 JAHOLKONWSKA, J. Polacos e ruthenos. PARANÁ MODERNO. Curitiba, 23 de jan.
de 1911, p.5.
43 Ibid., p.5.
44 Ibid., p.5.
45 A esse respeito, ainda em 1910, um artigo de um jornal de Curitiba (DIÁRIO DA
TARDE. Colonia Antonio Olintho. Curitiba, 30 de dez. de 1910. n° 3693, p.l), não pressupunha
distinção entre polacos e rutenos quando noticiou que a colônia Antonio Olyntho ainda não tinha
escola [pública], apenas possuía uma dos polacos. Essa escola, na verdade, era dos rutenos. Em 1913,
os textos do jornal ainda mantinham essa indistinção: o colunista Octavio Tenebroso colocava como
manchete a frase: A propósito das colônias ruthenas, e durante o texto se referia a esses imigrantes
como como polacos. (TENEBROSO, Octavio. A propósito das colônias ruthenas. DIÁRIO DA
TARDE. Curitiba, 4 de set. de 1913, n° 4473. p.l).
94

duas durante muito tempo, isto não significa que elas não tenham se autodelimitado.
No caso específico de Antonio Olyntho, tudo indica que desde o início da colônia,
rutenos e polacos sabiam suas diferenças e isto é o que importa reter.
Pela comparação com o que acontecia nas demais colônias onde havia
imigrantes rutenos, evidencia-se que aqueles de Antonio Olyntho acompanhavam o
sentido geral do comportamento dos rutenos no Brasil. Uma vez que esses
imigrantes eram em sua maioria camponeses, as organizações locais partiam de
alguns segmentos que assumiam uma orientação Prosvita mais acentuada: estes
formavam a inteligenzzia local, encarregada de guiar o resto do grupo.
Buscando a implementação da educação geral e o trabalho com base em
cooperativas, eles procuravam alternativas para o desenvolvimento econômico da
colônia. Em 1908, por exemplo, na Exposição Nacional do Rio de Janeiro, dentre os
Productos Agrícolas Procedentes das Colonias paranaenses, os rutenos de Antonio
Olyntho enviaram três qualidades de milho; toalha de algodão e amostras de tecidos
de Unho trabalhado na colônia46.
Deve ser enfatizado que toda a organização social, apesar de estar
fundamentada na igreja de rito grego, era essencialmente um movimento leigo.
Nessa época os religiosos atendiam a paróquia de maneira itinerante. Este ponto é
importante pois respalda, mais uma vez, o argumento de que os imigrantes rutenos
associavam o pertencimento a uma determinada igreja à auto-identificação étnica.
Eles se organizaram em torno de uma igreja, mas não pela ação direta do clero.

46 EXPOSIÇÃO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO. Catálogo do Estado do Paraná.

Agricultura, várias indústrias, artes liberaes, pecuária. Rio de Janeiro : Officinas Graphicas, 1908. pp.
16, 44 e 45, respectivamente. Esses esforços iniciais dos colonos esbarraram em uma série de
impecilhos, cuja explicitação extrapola os objetivos deste trabalho. Deve ser colocado que não se
verificou o desenvolvimento econômico e a promoção social, que parece ter sido a meta dos
pioneiros. Questões políticas como a querela entre Paraná e Santa Catarina, em função dos limites
entre os dois estados; desorganização na demarcação da colônia e do seu próprio núcleo urbano
fazendo com que as demandas em torno de lotes devolutos se estendessem até meados do século XX;
insuficiências no sistema de comunicações - tanto pelos Correios quanto viária - com os demais
centros; o tipo de exploração econômica regional, baseada no extrativismo e coordenado por
empresas sólidas, entre outros motivos, podem indicar algumas das causas do malogro geral das
expectativas.
95

Passados quinze anos da instalação na colônia, os imigrantes já haviam


conseguido uma reestruturação de suas relações tanto sociais quanto econômicas;
podiam fazer um balanço dos limites e das possibilidades reais da empreitada que
assumiram. Neste momento, o sonho de tornarem-se senhores de si mesmoé7 fora
atingido e sentiam-se suficientemente organizados para aspirar um guia espiritual.
Intercederam por um pároco tanto ao padre Clemente Bjuh'ovskei - que à época
visitava as capelas da sede e de Santos Andrade duas ou três vezes por armo48 -, a
Dom José de Camargo Barros49, a Dom Duarte Leopoldo e Silva 50
e a Dom João
Braga51, sucessivamente bispos em Curitiba e ao Metropolita Andrei Szeptetzkei, da
igreja católica de rito grego, em Lwiw52. Assim, em vinte e quatro de agosto de 1911,
chegou a Antonio Olyntho, o padre João Michalczuk.
O novo pároco encontrou os rutenos organizados tanto como paróquia -
coesos sob um signo da fé - quanto associados em torno de ideais de nacionalidade,
de educação e de cooperação - a Sociedade Prosvita. E, sobretudo, dispostos a ter um
dirigente espiritual; como escreveram mais tarde, a ter um paf3. Haviam construído
capelas para realizar o culto, edificaram residências para acolher o padre, escolas
para alfabetizar adultos e crianças e tentavam a organização cooperativa.

47
LIVRO TOMBO, p. 4.
48
CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES.
49
Bispo de Curitiba entre 1894 e 1904.
50
Bispo de Curitiba entre 1904 e 1907.
51
Bispo de Curitiba entre 1908 e 1935.
52
LIVRO TOMBO, 1912. p. 3.
53
CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES.
96

PADRE JOÃO MICHALCZUK. COLEÇÃO PARTICULAR JOÃO DOMBEK.


97

3.3 A ANTECÁMARA DO INFERNO


Na luta pela imposição da visão legítima do mundo social, [...] os agentes detêm um
poder à proporção do seu capital, quer dizer, em proporção ao reconhecimento que
recebem do grupo.
P. BOURDŒU

Formado em Teologia, em Roma, João Michalczuk não era religioso até às


vésperas de sua vinda para Antonio Olyntho. Exercia, na Galicia, o cargo de oficial
do exército austríaco54. Segundo relatos de contemporâneos, aceitou a oferta do
Metropolita Szeptetzkei de ordenar-se padre e tornar-se missionário em troca da
quitação de suas dívidas contraídas no jogo55.
Durante os trinta e nove anos em que foi pároco de Antonio Olyntho
inspirou os mais distintos sentimentos. Do temor reverenciai ao repúdio ostensivo;
da mais pura admiração ao ódio extremo, marcando profundamente a trajetória da
comunidade.
Michalczuk redigiu o Livro Tombo do Curato de Antonio Olintho56,
documento fundamental para esclarecer um pouco das representações que ele

54PRÁCIA: Editorial. Prudentópolis, 19 de jul. de 1950. n° 30. p.l. O editorial dessa data,
ocupado com o obituário do padre João Michalczuk refere-se à passagem pelo exército. "Nasceu em
10 de outubro de 1884 e chegou ao Brasil em 1911. A sua trajetória de vida foi iniciada no exército
austríaco onde seu comportamento mereceu elogios e distinção", (ver ANEXO 5)
55 Entrevista 20 (1992)
56 Esse livro é uma espécie de relatório dos acontecimentos religiosos da paróquia, fornece
rica informação sobre a mentalidade religiosa veiculada pelo autor e implementada no contexto da
comunidade. Analisado em seu aspecto estritamente formal, o estilo e a linguagem sobressaem de
forma intrigante, visto tratar-se o autor de um estrangeiro que se expressava de uma forma correta e
erudita. Em raciocínio coerente, formalizado dentro de um estilo rebuscado, aparecem as
características de força e dominação inerentes ao personagem e que se destacam na própria
organização do texto: parágrafos maciços e densos, pontuação abundante. Na construção deste
discurso em terceira pessoa não se entrevê a noção de modéstia, pois Michalczuk se apresenta como
personagem de ficção, a quem atribui qualidades de benfeitor. São freqüentes, no Livro Tombo,
frases como as seguintes: 'Visitou cada família o Padre [ fazendo proibição de se ingerir bebida
alcoólica ] sendo acceito com bom grado, de maneira que logo depois a colônia estava em pleno
progresso, ou também: envidou todas as forças para fundar escolas, sustentando-as com seus
próprios recursos. Parece que tais recursos" visam, sobretudo, fornecer ao seu leitor potencial um
quadro amplo das situações cotidianas da comunidade onde ele se coloca como o protagonista:
"quantas vezes quiz-se-me despedaçar o coração ao contemplar os ultrages de toda espécie com que
foi offendida a magestade Divina". Observa-se, sobretudo, um colorido de linguagem obtido através
do uso de termos fortes e contundentes, exageração descritiva e uso pontual de adjetivos: "A colonia
98

cultivava a respeito de sua função como pároco. Em vários momentos do texto, por
exemplo, escreveu que o sacerdote, entre o povo confiado à sua proteção deve
tornar-se tudo a todos [...] e que deve empenhar todas as suas energias no
cumprimento do seu devei57. Não apenas redigiu estas palavras, mas pautou toda
sua ação na idéia de que sua ascendência espiritual lhe dava o direito de interferir
nos atos cotidianos da comunidade. Por mais paradoxal que pareça ser o fato de ele
ter pertencido ao exército e tornar-se padre, não se pode perder de vista que exército
e igreja são instituições basicamente normativas e autoritárias. E foi dentro desses
parâmetros que ele se relacionou com os seus paroquianos.

Ao chegar na colônia sistematizou a organização da vida religiosa dos fiéis,


começando pela instituição do padroado: aos rutenos da sede coube Nossa Senhora
da Imaculada Conceição e aos da capela de Santos Andrade, Nossa Senhora da
Anunciação58. A questão do padroado era básica na orientação da Igreja Católica da
época, já que concretizava uma representação de culto. A devoção a imagens sacras,
as procissões, as músicas e as festas em torno de padroeiros e por extensão, a
prestação do culto a Deus, legitimavam, por outro lado, a autoridade clerical. O
padre Michalczuk tinha uma boa consciência do poder destes rituais coletivos, pois

Antonio Olyntho é um mundo à parte; é a antecámara do inferno; é o lugar onde todo o crime se
oculta deante da justiça; é o logar onde toda ocasião é um julgamento, cada instincto brutal, um juiz".
Contém um discurso carregado de emoção, que permite porém entrever um narrador atento,
preocupado, sobretudo, com a construção de uma boa imagem de si mesmo junto às autoridades
eclesiásticas. É bastante evidente que foi escrito em época diversa dos acontecimentos narrados,
permitindo ao escritor uma postura facciosa, direcionada a justificar suas atitudes, envoltas todas no
sentido da glorificação de Deus. É curioso também que suas atividades extra religiosas, como
arrendatário e como proprietário de terras, jamais sejam mencionadas e que as descrições detalhadas
cessem quando vem a receber o poder político distrital. A partir deste período, o LIVRO TOMBO
passa a ser mero instrumento de registro das orientações diocesanas.
57 LIVRO TOMBO, p.6.
58 A instituição das padroeiras foi mencionada da seguinte maneira no LIVRO TOMBO:

"Lembrando-se o Padre João Michalczuk da devoção histórica do povo rutheno a Maria Santíssima,
chamando-a Nossa Mãe [...] e pensando [...] nas muitas graças recebidas na sua vida privada por
intercessão da Immaculada Virgem [...] resolveu o Padre João Michalczuk de nomear a Immaculada
Conceição da Santíssima e Puríssima Virgem Maria por perpétua padroeira da colônia ruthena de
Antonio Olintho, publicando já no primeiro domingo (dez de setembro de 1911 anno) depois do
pedido feito pelo povo esta sua determinação". (Ibid., p.5)
99

anotou que empregou todos os meios que um sacerdote de roça pode dispor a fim de
realizar seu ideal; cânticos devotos, pregações bem preparadas todas as noites, etc..59
Esforçou-se também para a agregação de seus paroquianos, estimulando
uma série de elos devocionais. Desde o começo dos seus trabalhos sacerdotais teve
[...] o intuito de accender nos corações de seus paroquianos uma profunda devoção
ao sagrado coração de Jesus e uma tema devoção para com Nossa Senhora60.
Acompanhando a tendência da Igreja Católica, os meses de maio e junho
ficaram reservados às orações à Nossa Senhora e ao Sagrado Coração de Jesus,
respectivamente. Todavia, em 1915, sentia haver a necessidade de um
aprofundamento maior nos laços espirituais da paróquia. Entendia que, embora o
povo freqüentasse a Igreja e se confessasse amiudadas vezes, não se notava todavia
grande fervor no amor de Deus. Os meses de maio e de junho não são o bastante
para manter os christãos durante o ano todo no fervor e devoção61.
Para intensificar os atos de fé dos paroquianos instituiu, ainda, o
Apostolado da Oração, pois urgia ter uma causa capaz de sustentar a alma na
piedade [...Jpara refrear sua indómita vontade.62 Ao final desse ano, satisfeito com o
pietismo de seu rebanho, redigiu: que ele [o apostolado] era um poderosíssimo meio
que transforma o homem animal em um christão exemplai63. Entendendo seus
paroquianos enquanto pessoas a serem transformadas pela religião, enfatizava que
esta meta só poderia ser perfeitamente alcançada pela assiduidade aos atos
religiosos. Exigia, assim, presença maciça em todas as celebrações:

59 Ibid., p.8.
60 Ibid., p.9.
61 Ibid., p.10.
62 Ibid., p.16.
63 Ibid., p.ll.
100

Ele instituiu a quarta e a sexta-feira como dias privilegiados para obter a graça [...]
propiciadores a receber favores que as pessoas buscassem ou recorressem [...]. A falta
mesmo com distância de doze quilômetros era ameaçada de pecado mortal. 64

Envolver os paroquianos em tantos atos devocionais implicava a


interferência em seu cotidiano e Michalczuk sentiu-se muito a vontade em impor o
comportamento que entendia como adequado. Iniciou com a disciplinarização das
festas, interferindo principalmente na vida dos jovens. Escrevendo ao seu superior
em Lwiw, dizia:

[...] os jovens daqui também consegui segurar em minhas mãos. Ela, a juventude, que
antes tocava e dançava todos os domingos e feriados e, nos casamentos tinha mais não
convidados do que convidados. E disto tinha muitas brigas e choques. E agora, Deus me
ajudou e música só tem quando eu permito.* 5 (sem grifo no original).

Ou ainda, com estes jovens tenho tido alguns problemas mas o bom é que
os tomei nas mãos desde o início e agora não os soltarei mais.66
Fiel ao princípio de que um sacerdote deve ser tudo para todos, outra
frente na qual o padre João se empenhou desde os primeiros tempos foi pela
temperança da comunidade. Constatando que

haviam muitas desordens e brigas entre os ruthenos motivadas pela caxaça,[...] fez o povo
jurar abstinência da bebida, com tal effeito de valer o juramento para uns por toda vida,
para outros por certo tempo podendo-se uzar a referida bebida somente com
consentimento do padre. 67

Impondo uma marca de solenidade em tudo, o padre Michalczuk não


apenas fez os colonos jurarem, em uníssono, seu compromisso para com a
sobriedade, como também garantia para aqueles que sustentassem o juramento

64 CORRESPONDÊNCIA DE IWAN MICHALCZUK.1912.


65 Ibid.
66 Ibid.
67 LIVRO TOMBO, p. 3-4.
101

cinqüenta dias de indulgência, desde que rezassem a invocação; Beatíssima Virgem


Maria ajude-me a ser fiel ao meu juramento68.
Nessa concessão revela-se um aspecto da personalidade autoritária de
Michalczuk: o de não aceitar limites para sua ação. Na verdade, sendo padre, ele não
tinha autoridade para instituir indulgências. Ao assumir para si este ato, parecia
usufruir o sabor da ascendência sobre a comunidade que lhe coubera dirigir.
Contudo, aos fiéis abstêmios restava o consolo de que Dom João Braga efetivamente
concedeu a indulgência que Michalczuk alardeou enquanto obra sua69.
A sobriedade dos colonos em Antonio Olyntho passou a ser modelar entre
as demais colônias rutenas. O Missionário, periódico desta etnia no Brasil, já em 1912
dava notícias disto afirmando que Antonio Olyntho é a colônia que merece servir de
exemplo às demaid0.
A disciplina era um tema caro a Michalczuk. Da mesma maneira que a
impunha aos paroquianos, ele metódicamente prestava contas - à sua maneira - ao
superior em Lwiw.71 Sobre o tema, Michalczuk escreveu uma carta, em maio de 1912,
para o metropolita Szeptetzkei, narrando:

Algumas coisas de novo já consegui introduzir aqui:[...] - a sobriedade de todos de tal


maneira que aguardente não existe nas moradias. Custou-me isso seis domingos de
trabalho, mas Deus ajudou. E como no começo o ferro estava quente e maleável então
muitos curvaram-se à vontade de Deus. 72 (sem grifo no original)

68 Ibid., p.4.
69 O padre João registrou : "Poucos dias depois esteve o padre em audiência com o Exmo
Snr, Bispo Diocesano Dom João Braga em Curityba ao qual participou no relatório sobre a colonia
também este juramento dos colonos. Mostrou sua excia o Seu maior prazer e contentamento
concedendo a cada colono que prestou o juramento o sustentando cincoenta dias de indulgências
uma vez por dia rezando a invocação". (LIVRO TOMBO, p.4)
70 MISSIONÁRIO RUTHENO NO BRASIL Ano D, n° 2. fevereiro de 1912. Apud:

HANICZ, p. 39.
71 No início dos anos 1920, o Metropolita Szeptetzkey visitou os padres missionários
fútenos no Brasil. Ver, no ANEXO 10, fotografia de sua chegada à Colônia Antonio Olyntho.
72 CORRESPONDÊNCIA DE IWAN MICHALCZUK. Maio, 1912.
102

As pessoas curvaram-se não apenas à vontade de Deus, mas à tenacidade

daquele que, ali, era o representante do sagrado. Desta tenacidade decorre uma

associação imediata com sua passagem pelo exército como se verifica tanto no jornal

católico Prácia - como estava acostumado à disciplina militar desejava ver ordem em

tudcP - quanto na fala de seus opositores: Os hábitos que ele possuía através da

organização do exército, ele pôs em prática como se fosse um homem civil, para

materialmente se prover e chegar a um posto que ambicionava religiosa e

economicamente4.

Com um temperamento descrito como colérico - aquele padre era

vermelhcf5 - João Michalczuk chegava a bater em seus fiéis, com um chicotinho de

couro do qual não se separava,76 ou mandava bater77. E mais, não dispensava a

violência em palavras ásperas que dirigia aos paroquianos, como nos relata uma

carta que os próprios enviaram à Galicia, dizendo que no seu sermão, até em meados

da década de 1920, Michalczuk se resumia a esbravejar: Vocês são ignorantes, não

passam de lixo. São maçons. Todos juntos não valem sequer um cavalo meu; o meu

cachorro vale mais que vocês que são ralé. Eu tenho vocês embaixo do meu sapató*.

Nas bases em que o pároco estabelecia sua relação com os paroquianos,

entre os quais havia aqueles que já transitavam no universo da Prosvita, foi

inevitável o desenvolvimento de uma relação de antagonismo bastante aguda. Dos

73 PRACIA. Editorial. Prudentópolis, 19 de jul de 1950. n° 30. (Ver ANEXO 5)


74 Entrevista 20 (1993)
75 Entrevista 33 (1995)
76 Entrevista 2 (1994); entrevista 9 (1995); entrevista 30 (1994); entrevista 19 (1991).
77 A esse respeito, o próprio Michalczuc anotou no Livro Tombo que foram "queixar-se ao

Exmo Sr. Bispo accusando o padre de não permittir ás moças ir á algum casamento e no caso de que
uma se atrever a ir sem licença delle, castiga-as ás pauladas; de que o padre as quer escravizar
obrigando-as á trabalhar gratuitamente; de que o padre lhes dirige palavras insultuosas e de até ás
vezes as surra". (LIVRO TOMBO, p. 29).
78 CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES.
103

inúmeros conflitos locais pode ser destacada a questão da chave da igreja, acontecida

por volta de 1915.

Logo que Michalczuk chegou na localidade, num gesto simbólico os

colonos moradores nas imediações da linha Santos Andrade lhe entregaram as

chaves da capela dessa região da colônia. Desde meados da década de 1900 a capela

estava ativa, e nela os imigrantes e seus filhos faziam o culto dominical e as demais

cerimônias, quando e da maneira que era possível79. Com a chegada do padre, os

colonos acreditaram poder concretizar a esperança de verem um padre oficiando o

culto - todos os domingos - em sua capela. Mas, Michalczuk deveria vir todos os

domingos, porém, só vinha quando tinha vontade, e chegamos a ficar três meses sem

assistência espirituaf0.

Ele manteve-se com a posse da chave e só abria a capela pessoalmente.

Impedia, assim, o acesso dos colonos. E mais grave, passou a visitar Santos Andrade

poucas vezes por ano. Estava criado o motivo do impasse: missa apenas na matriz.81

Os colonos instalados em Santos Andrade não aceitaram a imposição e

conseguiram reaver, pela boa-fé do sacristão82, a chave da sua igreja. A partir de

então rebellaram-se contra o sacerdote [...] affirmando que não o reconheciam por

79 "Antes da vinda dele, era totalmente diferente. Em nossa igreja, rezávamos junto,

cantávamos os salmos e outros cantos, alguém lia o Missionário ou a vida dos santos. A tarde
reuníamo-nos para as vésperas e antes dos grandes dias santificados fazíamos vigília. Naquele tempo
a juventude não andava pelas estradas, nem se escondia pelos cantos, pois acompanhava os mais
velhos na igreja. Reunia-se também para os ensaios no coral de quatro vozes, dirigido pelo Felipe
Kobren". (CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES).
80 Ibid.
Na carta que enviaram ao Metropolita Andrei Szeptetzkei os colonos informaram: "É
81

preciso lembrar que a distância é grande até a nossa matriz. Os que moram perto estão a oito ou dez
quilômetros. As estradas são ruins e só é possível transitar nelas à pé. Às vezes, acontecia de sairmos
[ para ir na missa ] no sábado e só voltarmos na segunda-feira. E se levarmos em consideração as
chuvas, as geadas, o calor do verão, então a estrada é impraticável". (CORRESPONDÊNCIA DOS
IMIGRANTES)
82 LIVRO TOMBO. p.16.
104

seu pároco.[...] Desde este tempo vedaram ao parocho o ingresso na capella; faziam

as funções sacras sem a assistência de sacerdoté3.

Os revoltosos pediram, ainda, na Lapa, então sede distrital, uma comissão

para verificar as contas paroquiais accusando o proprio parocho de ter assaltado a

Igreja84. Para prestar contas a tal comissão, Michalczuk, com seus métodos inusitados

para um clérigo, não dispensou a companhia de 100 colonos a cavalo e o restante a

pé5. Dado ganho de causa ao pároco, aos revoltosos, intimidados, restou a decepção

de devolverem a chave e o altar de sua capela.

Outro enfrentamento ocorrido na comunidade, e cujos momentos mais

ruidosos se deram entre 1916 e 1918, foi a unificação das irmandades locais. Tudo

porque, quando o padre João chegou em Antonio Olyntho, os pioneiros já haviam

criado duas irmandades: uma na sede da paróquia e outra associando os colonos da

linha Santos Andrade e arredores.86 Deve ser enfatizado que essas irmandades

tinham a particularidade de não se ocupar apenas do bom andamento das questões

espirituais. Sob a rubrica de Irmandade São João Batista e São Basilio abrigavam-se

atividades de duas unidades da Prosvita local. Os imigrantes leigos que as criaram

possivelmente transferiram experiências que tiveram em várias aldeias da Galicia de

envolver atividades da igreja com as da escola e da cooperativa agrícola.

83 Ibid., p.18.
84 Ibid., p.19.
85 Ibid., p.17.
86 A esse respeito escreveu, em 1912, ao seu superior em Lwiw: "Já há algum tempo em
formar a Irmandade do Sagrado Coração de Jesus, mas como existem duas irmandades, a de São
João Batista e a de São Basilio, se eu fundar mais uma, é capaz de todas as três acabarem. Por outro
lado, para transformar as que existem em Irmandade do Sagrado Coração teria que transferir
também para a nova irmandade a escritura das terras que pertencem à irmandade de São João. E
como isto custa caro, os associados começariam a latir feito uma matilha. Por isso, penso transformar
a outra irmandade, que é mais recente e não possue terra alguma, em Irmandade do Sagrado
Coração de Jesus e dar mais atenção à ela, e com o tempo, caso não me engane, os da outra
irmandade pedirão expontaneamente para ser anexados a esta minha nova Irmandade, e assim a
matilha não latiria e nem em sentiria o peso da transferência da escritura das terras".
(CORRESPONDÊNCIA DE IWAN MICHALCZUK, 1912)
105

O fato de Michalczuk querer unificar as irmandades criou novo impasse:


quem iria assumir os rumos da Prosvita local, que até então fora dirigida por leigos?
O pároco, naturalmente, exigiu o comando não apenas das questões religiosas como
da posse real dos bens que as sociedades possuíam87.
Esse fato gerou um período de intenso conflito, motivo da seguinte
observação: a despeito de todas as cautelas, [verifica-se] o aparecimento de hervas
ruins, origem de múltiplos dissabore^8.
Tais ervas ruins vicejavam principalmente na linha de Santos Andrade, e
moveram perante o tribunal da Lapa uma ação contra Michalczuk e a diretoria da
Sociedade Católica Ruthena, acusando-os, novamente, de terem defraudado o
dinheiro da igreja89. Nesse pormenor, deve-se notar que essa sociedade tinha caráter
beneficente, podendo emprestar dinheiro aos associados. E nas acusações constantes
no processo judiciário, registrou-se que a diretoria da Sociedade deixava o caixa sob
a responsabilidade do padre Michalczuk, que distribuía empréstimos a quem
desejasse. Por outro lado, o dinheiro dos associados deveria proporcionar a
manutenção da igreja, casa paroquial, escola e cemitério, e tudo isso estava em pleno
abandono por falta de verba, a qual tinha sido emprestada, segundo os critérios do
padre. Michalczuk e os colonos que então o apoiavam enfrentaram, assim, mais uma
batalha judicial. Novamente conseguiram provar a improcedencia das acusações.

87 Os bens que pertenciam à igreja matriz, já em 1916 foram escriturados para o padre
João Michalczuk. Cf. Escriptura de desistência da presidência da irmandade ruthena catholica de
Nossa Senhora Imaculada e Irmandade do Sagrado Coração de Jesus, que faz Lucas Koczi, a favor
do reverendíssimo padre João Michalczuk. Livro de Notas n° 43. p.102. ANTONIO CLARET
BUENO - TABELIÃO - OFÍCIO DE PROTESTO DA CIDADE DA LAPA/PR. A respeito desta
escritura deve-se notar que sendo padre diocesano Michalczuk poderia ter bens registrados em seu
nome. Essas propriedades, conforme anotação do padre João, no Livro Tombo, serão escrituradas,
mais tarde para a Mitra Diocesana.
88 LIVRO TOMBO, p. 17.
89 PARANÁ. FORUM DA CIDADE LAPA. Summario-Crime. Juízo de Direito da
Comarca da Lapa. 08/01/1916. Requerente: Júlio Reva. Requeridos: Padre João Michalczuk, João
Sambulski, Elias Wons, Nicolau Schner, Gregorio Wiçoski e Alfredo Schner. (Processo-crime não
catalogado).
106

As manifestações de repúdio de alguns segmentos da comunidade rutena


de Antonio Olyntho à atuação de Michalczuk foram decrescendo, à medida que ele
recebia apoio das instâncias superiores. A Mitra Diocesana, quando informada da
irregularidade do comportamento do clérigo, aconselhava aos imigrantes que fossem
bons filhoi0. A respeito desse episódio, o próprio Michalczuk escreveu: O Exmo. Sr.
D. João Francisco Braga, varão de grande erudição e muita experiência, psychologo
do mais subido quilate, compreendeu desde logo com quem tinha que fazer. -
Deligenciou convencei-os de que o parocho lhes seria pai amoroso se eles lhe
queriam ser filhos obedientes e submissos'1.
Até onde se sabe, em uma única vez, em 1918, Dom João Braga escreveu ao
parocho traçando-lhe regras para o procedimento, que o mesmo acolheu
amorosamente2. Obedecendo no plano diocesano à autoridade do Bispo, o padre
Michalczuk raras vezes recebeu um veto às suas atitudes.
Em visita à colônia, em 1918, Dom João Braga foi informado por grupos
que se opunham às suas excessivas exigências do cura local e à sua conduta pouco
afeita ao comportamento moral esperado de um sacerdote. Solteiro, num rito
religioso que permitia o casamento, Michalczuk ao manter-se celibatário consentiu o
aflorar de murmúrios a respeito da sua conduta sexual. A memória da comunidade é
rica a esse respeito e nela estão depositadas inúmeras ocorrências pelas quais se
entrevê que o padre João exercia o chamado "direito do senhor". Defendendo o
pároco, o Bispo utilizou a passagem bíblica que se refere à postura de Jesus Cristo
perante os acusadores de Maria Madalena, exortando a quem considerasse sua
própria atitude perfeita, que atirasse a primeira pedra93.

90 LIVRO TOMBO, p. 18.


91 Ibid., p. 17.
« ¡bid., p. 22.
93 Ibid., p. 18.
107

Da mesma forma, as autoridades civis procuradas pelos colonos


dificilmente se arriscariam a contrariar uma autoridade eclesiástica. Prova disso são
os resultados dos processos criminais movidos contra o padre. Deve-se acrescentar,
ainda, que desde 1917, quando a colônia passou a pertencer ao município de Rio
Negro, o padre João, além de ser membro do Diretório Político Municipal foi alçado
ao cargo de chefe político de todo o distrito.94 Acabaram-se aí, definitivamente, suas
idas e vindas para os tribunais.
Se ele antes dispunha de uma forma de intervenção mais ligada à fé e à
espiritualidade da comunidade, passou a contar, igualmente, com o aparato
administrativo para regular essa relação. Utilizou-se tanto do púlpito, quanto do
inspetor de polícia, para sustentar suas ações. Além do mais, ele foi inspetor de
ensino a partir de finais da década de 1930.
Perante tantos insucessos, os colonos tentaram, ainda, uma solução radical:
matar o padre. Ainda em 1913, colocaram sua cabeça a prêmio, como ele mesmo
relatou em carta ao Metropolita: na verdade, preparam-se para matar-me, e até
estipularam 200$réispela minha cabeça. Mas eu continuo em pé, pois Deus é Bom e
eu não tenho mede?5.
Michalczuk manteve-se vivo, mas parece que alguns colonos acalentaram
por anos a alternativa de matá-lo. Por volta de 1919, a idéia tomou corpo
novamente96 e foi então que alguns de seus opositores prepararam a emboscada.
Rinko97 lembra desse episódio:

94 Ibid., p. 21.
95 CORRESPONDÊNCIA DE IWAN MICHALCZUK., junho, 1913.
96 Possivelmente foram as tensões dessa época que originaram as seguintes reflexões do

padre João: "a colonia Antonio Olyntho é um mundo à parte; é a antecámara do inferno; é o logar
onde todo o crime se occulta deante da justiça; o logar onde toda a occasião é um julgamento, cada
instincto brutal um juiz; e o punhal, a bala e a navalha um castigo. " (LIVRO TOMBO., 1918, p.6.)
Até esse momento, os nomes dos imigrantes citados são reais. A partir daqui optou-se
97

por denominações fictícias com o objetivo de preservar a identidade dos entrevistados.


108

Naquela estrada tinha uma ponte e ficaram todos do lado do riozinho. Uns vinte homens
esperando o padre com cambaus, foices, paus; não tinham armamento. Ele veio, passou
por ali - ele sabia que eles [ os imigrantes ] estavam escondidos - e foi rezar a missa.
Ninguém se mexeu, não tiveram coragem. E foram todos atrás dele na igreja. Isso parece
uma farra, não é? Falaram tanto em matar o padre, se reuniram e na hora não teve um
que teve coragem de pular no padre 55 .

Entendendo que lhes faltaria coragem para finalizar pessoalmente o


planejado, os colonos contrataram serviços profissionais. E, inexplicavelmente, essa
estratégia falhou. O caso foi lembrado por alguns antigos moradores: Tinha ali tun
outro brasileiro, que deram muito dinheiro para ele matar o padre. Quando ele
estava esperando o padre passar, começou a sair sangue pela boca, e ele morreu
antes do padre Michalczuk passa/9.
O mito da invencibilidade tornava Michalczuk cada vez mais poderoso aos
olhos de seus paroquianos. Mesmo assim, podem ser arroladas outras duas atitudes
de recusa, ainda na década de 1920, aos seus excessos. A primeira foi o abandono da
localidade por alguns rutenos que se dirigiram a outras frentes colonizadoras que se
desenvolviam no norte do Paraná. A segunda foi a instalação de uma igreja ortodoxa
na colônia, para onde os dissidentes se encaminharam.100

98 Entrevista 24 (1994); entrevista 19 (1990)


99 Entrevista 24 (1994)
100A instalação da igreja ortodoxa insere-se num movimento mais amplo de insatisfação
contra o predomínio dos padres da Ordem de São Basilio Magno e cuja alternativa se dava pela
oportunidade de se trazerem padres ortodoxos ao Brasil. Em Antonio Olyntho ela funcionou com o
atendimento de padres itinerantes, desde os finais da década de 1920 até meados da década de 1950.
Possivelmente não havia uma intenção daqueles que organizaram a igreja ortodoxa, na localidade,
em fazer uma dissidência pois ainda em 1922, antes da vinda do Metropolita Andrei Szeptetzkei ao
Brasil, esses imigrantes e seus descendentes lhe escreveram narrando os conflitos existentes e
pedindo apenas a mudança de pároco. (CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES.)
109

3.4 ANTONIO OLYNTHO: A REPÚBLICA DO PADRE


MICHALCZUK101
A ação simbólica é um composto duplo, constituído por um passado inescapável e por
um presente irredutível.
SAHLINS

A década de 1920 marca uma reestruturação da composição social da


colônia. Isto porque, em função da migração, pode-se pensar que nessa época
ocorreu uma seleção na composição dos paroquianos.
É significativo que as pessoas (famílias) que se destacaram na liderança da
comunidade, até a década de 1920, tenham desaparecido dos registros paroquiais
desde então. Pode-se pensar que, no encaminhamento da organização dos pioneiros,
a liderança inicial da colônia tenha sido realizada por imigrantes oriundos de aldeias
com maior predominância dos ideais nacional-populistas, como os da Sociedade
Prosvita102. Com a chegada de Michalczuk os interesses se chocaram
inapelavelmente. Em se aceitando esta hipótese, tem-se também que os paroquianos
que se mantiveram com Michalczuk seriam, grosso modo, aqueles mais arraigados a
um comportamento camponês tradicional. Isto implicava a retomada da aceitação do
princípio da desigualdade social, submetendo-se ao "senhor", fosse ele "nobre" ou
representante do clero.
Em termos locais, pode-se afirmar que o padre João assumiu os dois
papéis, assenhoreando-se da localidade, pela total ascendência que tinha sobre seus
paroquianos. A liderança de Michalczuk sobre a comunidade rutena não era apenas
sub-reptícia na relação comunitária; era visível para os estranhos que aí passavam.

101A expressão "República de Antonio Olyntho" foi utilizada em uma publicação


comemorativa do cinqüentenário da imigração ucraniana no Brasil realizada pela Congregação das
Irmãs Servas de Maria Imaculada.
102 Não apenas a insistência na questão da escola e cooperativa mas outras atitudes dos
rebeldes denotam atitudes Prosvita. Entre elas, pode ser apontada a insistência com que usaram do
recurso à apelação judicial. Ir aos tribunais era uma ação típica do novo camponês rufenoinstigado
pelos líderes nacionalistas, desde a emancipação da servidão de gleba em 1842, a apelarem pelos seus
direitos de homens livres. (HIMKA, J.P. Galician villagers and the Ukrainian national movement in
the nineteenth century. Edmonton : Canadian Institute of Ukrainian Studies, 1988. p. 231).
110

Na narrativa de um viajante ucraniano - P. KARMANSKYJJ 103 -, que esteve em Antonio


Olyntho em 1922, João Michalczuk reeditava a relação senhor e servo:

A casa do padre, imponente e muito bonita, esconde-se no meio de um lindo bosque.


Cada canto é bem cultivado e bem limpo. No pomar estão algumas macieiras, algumas
pereiras e uma raridade no Brasil: alguns carvalhos.[...] Passeei olhando o resto das
construções da propriedade. Admirei-me com a perseverança do proprietário,
surpreendi-me com o modelo de ordem em tudo, e tive ciúmes: é um verdadeiro senhor
no sentido exato da palavra 104 , (sem grifo no original)

Na atitude passiva e nostálgica dos imigrantes, KARMANSKYJ constatava a


predisposição para a retomada de uma mentalidade servil:

Cresceram na gleba e a miséria os levou além mar a vinte e seis anos, quando ainda eram
jovens e suas consciências dormentes. Foram anos de terríveis sofrimentos e desgraças
[onde] choravam pelas aldeias natais. E agora [...] dizem que lembram de cada caminho e
que freqüentemente vem as suas casas como se as tivessem deixado ontem.[...] E apesar
de muitos deste que foram da gleba terem se tornado proprietários, apesar de tudo,
sentem saudades da antiga miséria e pedem que os levem a terra natal 105 , (sem grifo no
original)

Na recriação de uma relação servil Michalczuk desempenhou o seu papel


quando instituiu entre os paroquianos uma série de deveres que extrapolavam a
mera relação espiritual. E argumentava, neste sentido, que houve um compromisso
assumido pelos pioneiros em sustentá-lo. Efetivamente, ao solicitarem um pároco
fixo, ainda na década de 1910, comprometeram-se a sustentá-lo, e isto foi assumido
em carta que dirigiram à Ucrânia: Não nos esquecemos de suas necessidade
materiais e fizemos esforços para que nada lhe faltasse106.
Essa obrigação era bem definida no entendimento do padre João:

103 Jornalista ucraniano, viajou ao Brasil por duas vezes: uma em 1922 e outra em 1924.

Na primeira viagem veio como representante do governo ucraniano, para arrecadação financeira
para o Fundo de Doações para a Pátria, que objetivava o fortalecimento da jovem república. Com "
este intuito, percorreu diversas colônias, entre as quais, Antonio Olyntho.
104 KARMANSKYJ, Petró. Miz ridneme u pivdeniy Améretzi. Kiev/Viena/Lwiw :
Tcahika, n.d. p.104. (tradução livre). Ver fotografia da casa do padre João no ANEXO 10.
105 Ibid., p.106.
106 CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES.
Ill

[...] caso fosse enviado [um padre] promettia o povo por à plena disposição delle a terra,
obrigando-se ao mesmo tempo cada família a pagar uma pensão annual de 5&000 e
prestar ainda auxílio no trabalho107, (sem grifo no original).

O teor de sua interpretação revela a disposição de não abandonar os


privilégios de um certo tipo de clero tradicional. Expondo a relação com seus
paroquianos de maneira contratual, não parece ter sido sua intenção ser mero pastor
de almas.
Sabe-se que a igreja de tradição oriental não cobra dízimo, mesmo tendo
como pároco um padre diocesano, caso de Michalczuk. O auxílio que os sacerdotes
recebem é originário de colaborações voluntárias, de missas e de celebrações
especiais que garantem a manutenção dos religiosos, não configurando, contudo,
uma obrigação fixa dos paroquianos. Aos olhos de Michalczuk as coisas não eram
bem assim: ele tornou, efetivamente, os atos religiosos uma fonte de renda. Muitos
situam, inclusive, seu enriquecimento pessoal na prática abusiva dos Molében e dos
Parastás. Executando estes rituais destinados a pedir bênçãos divinas
respectivamente à cultura e boa colheita e aos mortos da comunidade, ele recebia,
além da espórtula correspondente, uma contribuição em produtos da lavoura e da
criação de animais. As confissões, principalmente na época da quaresma, constituíam
uma boa fonte de renda, pois custavam, por volta de 1920, 400 réis a cada
penitente108. Uma das queixas recorrentes entre os descendentes de imigrantes era
sua recusa em prestar o serviço religioso sem o pagamento adiantado: batizados,
casamentos, exéquias, só aconteciam mediante o pagamento prévio109.
Uma mostra de que os colonos entendiam o pagamento que faziam a
Michalczuk enquanto uma obrigação servil está no fato de que se referiam a ele

107 LIVRO TOMBO, p.4.


108 Entrevista 19 (1990); entrevista 33 (1994)
109Todos os entrevistados, que conviveram com o padre reafirmaram este aspecto, e em
1922, os imigrantes já haviam formalizado queixa a Szeptetzkei com esse teor. A manutenção do
comportamento do padre revela que não houve diferença nessa atitude em todo o período em que
esteve à frente da comunidade.
112

como corvéia. Numa queixa eles expressaram: A corvéia anual para nós é maior e
mais dispendiosa do que para os que moram ao lado da igreja-matriz110. (sem grifo
no original) Seria possível, no contexto das relações entre os rutenos e seu pároco,
pensar que eles usaram a palavra corvéia em função de uma insuficiência
lingüística? A forma e o estilo do documento citado indicam que o autor era pessoa
com formação escolar; por isso mesmo, teria conhecimento de que no idioma
ucraniano pagamento de corvéia e pagamento de dízimo não correspondem a
mesma palavra: rokiwchtchena designa corvéia e deciatena, dízimo cristão. E ele
utilizou rokiwchtchena.in
O folclore112 ao redor de Michalczuk, inclusive, informa que o padre ao
dirigir-se para a casa de algum moribundo fazia-se acompanhar pelo cartorário local,
e, para administrar a extrema-unção, pedia doações de pelo menos cinco alqueires
de terra. Diz-se que chegou a receber doações de propriedades maiores, como foi o
caso da viúva Horen que lhe doou dez alqueires de terran3.

110 CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES.


111A respeito de que este pagamento, para os imigrantes e seus filhos, era entendido como
uma corvéia e não como um dízimo, era o entendimento corrente de que as pessoas que não tinham
propriedade (nem produção) ficariam isentos de seu pagamento: "Quando alguém lhe pedia pela
confissão, na maioria das vezes perguntava de imediato: - Você pagou a corvéia anual? E se a pessoa
não tinha dinheiro para entregar-lhe, então batia, chutava e expulsava seu próprio paroquiano. Por
exemplo, a Catharina Olynek, uma viúva velhinha, pediu-lhe a confissão. O confessor, como de
hábito, perguntou-lhe se havia pago a corvéia. A velhinha respondeu-lhe que não, agora que não era
mais proprietária, porque a propriedade agora era dos filhos e eles haviam pago. Com esta resposta
o padre ficou furioso e começou a gritar e a chutar. Fez tanto barulho que a velhinha apavorada
entregou todo o dinheiro que possuia. "(CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES - destaq ue do
autor)
112Folclore ou não, as pessoas do lugar têm argumentação suficiente para lembrar de
vários fatos semelhantes. Entre muitos, este a seguir: "O sogro do N N tinha um terreno lá no
Espigão. Ficou doente. O padre João foi confessar, logo ele morreu e o padre pegou o terreno. Eles
ficaram revoltados. Depois demorou um tempo, ele foi medir. Ele endireitou as picadas e pegou um
pedaço do outro terreno." (HANICZ, op. cit., p.20)
113 Entrevista 19 (1992)
113

RECIBO. ARQUIVO DA PARÓQUIA NOSSA SENHORA DA IMACULADA CONCEIÇÃO.

Seja como for, ele dispunha de terras em seu nome w " das terras das
irmandades11S e aquelas que ele tomava de empréstimo entre seus paroquianos. E
116
nelas principiou sua própria lavoura e criação de SuínOS e eqüinos. Para estas
atividades utilizava o trabalho dos colonosll7, que eram escalados nominalmente no

114 Um levantamento sumário no cartório local mostrou que no ano de sua morte, as

propriedades em nome do padre João somavam mais de 100 alqueires. A esse respeito, o Livro
Tombo também esclarece: "O padre João trabalhou aqui 39 anos e conseguiu adquirir muitos bens os
quais, antes d3. sua morte doou aos Padres Basilianos em benefício dos mesmos e formação de novos
sacerdotes. Algum tempo antes da sua morte o padre João professou os votos e recebeu o hábito-
batina, adotando o novo nome de padre Inocêncio. [... ]. O padre Inocêncio J05.o Michalczuk faleceu
como membro da Ordem de 550 Basílio Magno." (LlVRO TOMBO. p.43).
ILS As irmaudades do. sede e a da linha Santos Andrade. Mais tarde, ainda enquanto era
pároco local, foi crindn n capela de Campina, em outro. região da colônia, que passou a contar com a
mesma orgnniz.'\ç50 d as demais.
11 (, Angélico. expresso a lembrança que a localidade tem a respeito dos animais do padre:

"Ele sempre teve muitos animais. Era tudo de raça. As vacas eram leiteiras e os porcos eram sempre
gordos; tinha semp re W \S trinta quarenta porcos. 56 vendia porco de 13 arrobas". (Entrevista 15 -
1994).
111 Os pnroquianos que se recusossem a executar os trabalhos demandados pelo padre
João corriam o risco d e não receber atendimento es piritual. Vários testemwthos se referem a isto:
"Uma ·vez aconteceu o seguinte: chegou o pároco para as confissões da Páscoa e sem descer do
cavalo, perguntou se o fe ij5.o~dele havia sido colh ido e descascado. E por azar o feijão não havia sido
colhido por causn dns chuvas. 5..'\bendo disso, o padre deu meia volta com o cavalo e nós ficamos
114

sermão dominical. E, diante do fanatismo religioso existente as pessoas não


deixavam de comparecer, levando a foice e a enxada para executarem o serviço
determinado pelo párocd18.
Esses trabalhos com a lavoura e com os animais integravam também o
pagamento pelo atendimento médico que ele dava aos fiéis. Menções à sua farmácia
- a apteka - já aparecem no livro do viajante P. KARMANSKYJ: Em uma das salas [ da
casa das irmãs ] está a farmácia do pároco, que substitui o médico para a população
local e com isto presta-lhes incalculáveis serviços. Ele cura todas as doenças,
inclusive picadas de cobra e realiza cirurgias leved19.

Mais tarde a Apteka passou a ocupar uma edificação específica onde


Michalczuk preparava bebidas com frutas como a maçã e a pêra, manuseava plantas
medicinais e realizava primeiros socorros. São inúmeros os relatos de pessoas
picadas por cobra, "ruins das tripas", com cortes ou esfaqueados, "variados de
febre" ou com problemas dentários que foram atendidas por Michalczuk ou
encaminhadas, quando possível, para um centro maior. Tudo indica que
efetivamente detinha alguma espécie de saber médico e atendia seus paroquianos
nas emergências. Contudo, sua vocação para São Lucas120 não era tão acentuada e
exigia pagamento - em dinheiro e em trabalho - por seus préstimos. O caso descrito
por Anna é exemplar:

A nossa Anastácia, quando era pequena, [...] era muito traquina. Um dia ela subiu numa
árvore lá do quintal para tirar frutas e machucou o olho. Ficou feio o olho dela e eu pensei
que ela ia ficar cega. [...] De noite o falecido pai levou ela para que o padre Michalczuk

sem a confissão pascal. " (CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES). Atitudes semelhantes foram
narradas por outros antigos paroquianos, como João, que afirmou: "Aquele padre era brabo. Se
chegava aqui e as coisas não estavam como ele mandava, virava o trole e não fazia a missa."
(Entrevista 28 - 1994)
118 Entrevista 19 (1990)
119 KARMANSKYJ, op. cit., p.102.
120 Evangelista e médico.
115

desse remédio. Ele tinha bastante remédio na aptéka. Deu o remédio e depois ela ficou
121
boa. Mas nós ficamos pagando aquele remédio durante cinco anos

Bem à maneira do clero tradicional, Michalczuk exigia auxílio na


construção de edificações especificamente religiosas. Entre elas, destacam-se a gruta
da santa e a igreja, em estilo bizantino, que se impõe sobre a paisagem local desde o
início da década de 1920. P. KARMANSKYJ escreveu:

A igreja, a propriedade do pároco, o pátio e tudo que o cerca impressionaram-se


profundamente. A igreja com quatro cúpulas (a quinta ainda vão construir), em forma de
cruz grega, e o campanário com sua arquitetura muito leve (com o maior sino entre as
igrejas ucranianas), construídas [...] entre a clareira da mata, lembram assim as antigas
grutas ucranianas e, em solo brasileiro invocam um efeito estético todo especial 122 .

No plano religioso, o domínio de Michalczuk ganhava legitimidade a partir


do projeto arquitetônico. Correspondendo à tradição do catolicismo oriental era
construída em forma de cruz. Essa forma, externamente, possibilitava a convivência
do simbolismo cristão com significados ancestrais de se construir o espaço sagrado
numa recriação da imago mundP3. Esta disposição delimitava também os espaços
internos da igreja. Seguindo o modelo arquetípico do Templo da Jerusalém
Celeste124, a igreja do padre João distribui-se em três grandes partes: a dos gentíos
(babenétz), a dos fiéis (virneh) e o santo santorum.

As delimitações no interior da igreja eram utilizadas por Michalczuk para


ordenamento dos fiéis. O lugar dos gentios, no fundo da igreja, era ocupado pelos
que, momentânea ou definitivamente, estavam impuros. Nessa situação se

121 Entrevista 24 (1994)


122 KARMANSKYJ, op. cit., p.103.
123 ELIADE, M. O sagrado e o profano. A essência das religiões. São Paulo : Martins
Fontes, 1992. p. 40-52. Esse autor entende que toda a construção, para o homem religioso, tem como
modelo exemplar a Cosmogonia: "[...] se o Templo constitui uma imago mundi é porque o Mundo,
enquanto obra dos deuses, é sagrado. Decorre disso que [...] a Criação do Mundo torna-se o
arquétipo de todo o gesto criador humano, seja qual for seu plano de referência. [... ] O quadrado
construído a partir de um ponto central é uma imago mundi. A divisão da aldeia em quatro setores
[...] corresponde à divisão do Universo em quatro horizontes. [...] O simbolismo cósmico da aldeia é
retomado na estrutura do santuário ou da casa cultural."
124 Ibid., p.50.
116

encontravam, por exemplo, as mulheres que tiveram um filho e cumpriam o período


da quarentena,125 e as mães solteiras. É significativo que aí domine a cena uma
pintura que retrata Nossa Senhora. Com seus braços abertos ela envolve uma
comunidade de fiéis ajoelhados que lhe rendem devoção. Estão ao lado de uma
igreja - idêntica à local - destacando-se, no primeiro plano, a figura de um pároco
em pé. A ligação entré proteção sobrenatural, igreja e pároco expressa uma
mensagem com obviedade opressiva. Aos fiéis que se mantivessem fora desse espaço
não haveria salvação possível. Parece que Michalczuk, ao encomendar essa alegoria,
pretendia fixar seu poder sobre as forças espirituais. Afinal, somente a Virgem e o
padre estão em pé, no quadro.

O espaço intermediário da edificação - o dos fiéis - correspondia ao lugar


da normalidade pretendida pela Igreja e, localmente, por Michalczuk. Pelo próprio
caráter da edificação, era possível se entrever daí o espaço soberano do templo: o
Sanctus Sanctorum. Nas igrejas de tradição bizantina, mais do que um mero altar,
esse lugar assume uma solenidade absoluta por estar isolado do corpo da igreja pelo
ikonostád26. E o acesso ao interior do Sanctus Sanctorum era possível apenas pela
abertura do Portão Celestial127. E deste, o dono das "chaves" era Michalczuk.

O interior da igreja foi todo pintado com cenas bíblicas, tanto nas paredes
laterais quanto nas cúpulas128. Michalczuk entendia que as imagens nas Igrejas são
como que retratos dos santos, são uma espécie de livros em que vêm os que não

Seguindo uma tradição hebraica, nas igrejas do rito oriental, as mulheres, após o parto,
125

só passavam a freqüentar a igreja depois de receberem a "bênção das mães". As entrevistas com
mães destacaram essa prática em Antonio Olyntho.
126 Literalmente, parede de ícones.
127 Nome dado ao portão central dos três que estão situados na divisória feita pelo
ikonostás. Esse portão só é aberto no momento de culto religioso.
128Sua preocupação com o caráter pedagógico da decoração da igreja motivou-o a enviar
um talentoso filho de imigrante aos Estados Unidos da América, para aprender pintura.
117

sabem le/29; [...] como a palavra age por meio da audição, do mesmo modo actúa a
imagem perante a vista.130
Na comparação da decoração da igreja - totalmente dominada por cenas
bíblicas e por santos da tradição oriental - com os textos escritos do padre
Michalczuk, ressalta-se a ambigüidade de seu comportamento. Seus textos
evidenciam uma formação intelectual bastante ocidentalizada. É notável que ele
descartasse os membro da Corte Divina mais considerados na tradição da Igreja de
Rito Ucraíno-Católica. Nos trinta e nove anos em que escreveu o Livro Tombo, não
menciona em nenhuma vez os nomes de São Waldomiro, Santa Olga, São Basilio ou
ainda São Nicolau. Em contrapartida, São Francisco de Assis e Santo Agostinho são
constantes suportes aos temas que registra. São esses detalhes que revelam a
habilidade de Michalczuk em atingir a religiosidade específica de seus fiéis.

O padre João também centralizou e orientou toda a formação escolar. E isso


o fez de maneira ambígua. Desde sua chegada à colônia, tomou a seu cargo a ação
escolar criando inclusive a Associação Escolar Metropolita Conde Andrei
Szeptetzkei. Indicava que o fim desta sociedade era esclarecer o povo sobre as
vantagens e as necessidades do ensino e que no dia da fundação se inscreveram 430
membrod31. Mais tarde, em meados da década de 1930, outra notícia que se tem
desta Associação Escolar era a de que já possuía 720 inscritos, com o intuito de
angariar fundos em benefício da escola e tem cedido também uma casa de sua
propriedade ás irmãs da Immaculada Conceição (Ukranianas) que, em breve, virão
assumira direcção de um collegiopara criança5132.

129 Michalczuk atribui a autoria desta frase a Gregorio Magno, formulada ao bispo de
Marselha. (LIVRO TOMBO, p.7.)
130 Ibid., p.7.
131 Ibid., 1912. p. 4.
ESTADO DO PARANÁ,
132 São Paulo : Empreza Editora Brasil : Capri & Olivero,
MCMXXin. n.p.
118

Efetivamente, o padre João se empenhou pela educação. Todas as crianças


eram literalmente obrigadas a freqüentar os bancos escolares, até a terceira série.
Elias esclarece o empenho de Michalczuk:

Ele era muito firme. Tinha um piazinho com mais de quinze anos que parou de ir para a
escola para ir para a roça porque o pai era pobre. O padre Michalczuk mandou um
policial buscar o menino para terminar o terceiro ano. Ele era muito bom instrutor 133 .

Durante as duas primeiras décadas da colônia os professores haviam sido


leigos - ligados à organização Prosvita original. Stephano Duma, Filippe Kobryn,
Alexyc Stawonyczyj eram os professores na localidade. Contudo, a partir do
momento que Michalczuk acresceu a educação escolar às suas atribuições, intentou
que ela fosse administrada pelas religiosas da congregação das Irmãs Servas de
Maria Imaculada.134 Em suas palavras:

As [construções das] escolas, por causa do processo 7 5 5 foram interrompidas e sabendo o


padre João que dantes as sustentara do proprio bolso, deliberou construir um grande
edifício [ na sede da colônia] e convidar as religiosas ruthenas [para lecionar na
localidade] resolvido, se preciso fosse, contribuir ainda mensalmente para seu sustento,
contanto que tivesse uma boa escola em sua parochia/ 5 6

Decidida a construção de uma escola e de uma casa para as educadoras


religiosas oriundas de Prudentópolis, foi iniciada a edificação137. Antes mesmo dela
findar, em 15 de fevereiro de 1918 começaram as Servas de Maria Imaculada a
ensinar na escola138.

133 Entrevista 11 (1992)


134 Congregação feminina ucraniana que chegou ao Brasil em 1911.
135 Michalczuk está referindo-se ao processo que os colonos de Santos Andrade moveram

na Lapa em 1916, mencionado anteriormente.


136 LIVRO TOMBO, p. 20.
137 Em finais da década de 1910 havia muita tensão entre os colonos e seu pároco.
Michalczuk explica que durante a construção desses edifícios "alguns irreconciliáveis inimigos [...]
suscitavam revoltas e até algumas vezes planejaram vir incendiar o material e espancar os obreiros,
os quais para não se deixarem remover do intento, vinham ao trabalho armados de espingarda."
(LIVRO TOMBO, p.21)
138 Ibid., p. 21.
119

O exigente pároco elogiava o trabalho das educadoras posto que ainda


jovens leccionaram com perfeição™9. Todavia, elas partiram em seis de dezembro de
192&®; e só voltariam a localidade em 1952 - após a morte de Michalczuk.141 Os
ucranianos de Antonio Olyntho se tornarem quase que a única paróquia da etnia que
não recebeu a educação escolar e religiosa veiculada por esta congregação. Pelas
alusões em entrevistas, pode-se colocar a hipótese de que Michalczuk apreciava a
juventude das irmãs não apenas pelo vigor com que desempenhavam suas funções
de educadoras; a admiração teria extrapolado a possibilidade de convivência entre
religiosos. É significativo o fato delas terem fugido da localidade à noite, quando o
padre Michalczuk esta va viajandd42.

Concretamente, a educação na colônia, desde então, manteve-se sob o


comando de Michalczuk143 e ministrada por professores por ele convidados, da etnia
ucraniana, todos oriundos de outras paróquias.
Só a partir de sua morte, moças descendentes de imigrantes nascidos em
Antonio Olyntho aí desempenharam a função docente. E havia pessoas habilitadas
para tal, como expressou Anastácia:

O padre Michalczuk não deixava as moças trabalharem. As moças da nossa colônia


podiam estudar o quanto fosse, mas nenhuma delas se tornou professora num município
tão grande como o nosso. O velho Markiw mandou as filhas estudarem em Rio Negro e
conseguiram os papéis necessários, mas o padre não deixou que elas dessem aula aqui.
Ele era o inspetor de ensino. Com quantas outras isto aconteceu../ 4 4

139 Ibid., p. 21.


140 Ibid., p. 23.
141 Ibid., p. 43.
Entrevista 11 (1992); entrevista 19 (1990); entrevista 2 (1993); CORRESPONDÊNCIA
142

DOS IMIGRANTES.
143 Já foi mencionado o fato de Michalczuk ter sido, após a década de 1930, inspetor
regional de ensino.
144 Entrevista 24 (1994)
120

Nesse jogo político, como em outras situações, também as decisões do

pároco prevaleciam. E a ignorância e o obscurantismo dos descendentes dos


imigrantes também, a ponto de uma moradora da localidade que não é ucraniana

comentar: meu marido tjnha loja de comércio e a gente conhecia todo o mundo. E

dava p<lra ver que muitos dos inu"grantes eram mais educados [formalmente] do
que os que tinham nascido aqu/45.

---~- - ----- _._---

-,~-_._~. -- -
---- --~

--- --- - -
RECIBO. ARQUIVO DA PARÓQUIA NOSSA SENHORA DA IMACULADA CONCEIÇÃO.

A ascendência de Michalczuk perante seus paroquianos tornou-os um

grupo à parte na localidade. A tal ponto que um álbum dos municípios paranaenses,
em 1928, ao se referir ao distrito de Antonio Olyntho no Município de Rio Negro,

dispensa duas folhas e lIma fotografia para o distrito como um todo, e três folhas e

• 1'15 Entrevista 7 (1993)


121

cinco fotografias especificamente à Colônia Ukraniana de Antonio Olyntho e a obra


luminosa e fecunda do Revmo Padre D. João Michalczuk146.
Os críticos locais não entendiam a ascendência de Michalczuk com tanta
positividade, pois durante a década de 1920 e 1930, nas vezes em que o nome do
padre aparecia nos jornais curitibanos, as manchetes eram irônicas ou pouco
elogiosas: Antonio Olyntho, a célebre?47; A ineffavel colonia Antonio Olyntho e seu
não menos ineffavel par ocho; Cinema e pau! - O padre aggride a um distinto
moço148; A aza negra de Antonio Olyntho149.
Seja como for, os elogios e as críticas reforçam o fato de que os ucranianos
da localidade formavam um grupo à parte em Antonio Olyntho e estavam sob o
comando de Michalczuk. Efetivamente ele tornou sua paroquia um microcosmo com
vida independente dos demais e vigiava as possibilidades de abertura. Pulso firme,
preocupava-se em manter os paroquianos da sua aldeia sob fiscalização estrita. Até a
sua morte interferiu na vida da comunidade de uma maneira acintosa, distribuindo
os parâmetros de conduta do alto do púlpito. Anna, 82 anos, lembra que durante a
missa Deus o livre se fizesse algum barulho. O sermão era muito longo, levava mais
de uma hora150, porém as pessoas lembram que a igreja estava sempre cheia. Daqui
até a estrada, não tinha lugar quase para passai351.

Interpretar estes depoimentos apenas como indícios de que a pastoral de


Michalczuk conseguira formar paroquianos devotos e assíduos seria simplificar a

146 ESTADO DO PARANÁ, n.p.


147 GAZETA DO POVO. Antonio Olyntho, a célebre. Curitiba, 18 de fev. de 1928. n.2774.
p.2.
148GAZETA DO POVO. A inefável colonia Antonio Olyntho e seu não menos ineffavel
parocho; Cinema e pau! Curitiba, 26 de 1928. n. 2755. p. 3
149 Ibid., p. 3
150 Entrevista 23 (1993)
113 Entrevista 19 (1992)
122

realidade social da paróquia. A submissão ao padre não pode ser resumida numa
relação unilateral.
E aqui voltamos à posição anteriormente colocada. A partir da década de
1920, as condições para que se reeditasse a antiga aldeia ancestral estavam dadas:
isolamento social e geográfico, ignorância e uma liderança que incentivava a forma
de vida tradicional. É nesse último aspecto que se encontra a explicação para o
assentimento da comunidade à autoridade de Michalczuk.
Como os imigrantes não tiveram estímulos para romper com a mentalidade
que trouxeram da Galicia, mantiveram-se pensando e vivendo da mesma maneira
que seus pais e avós. A manutenção dos significados do mundo tradicional envolveu
a permanência da visão de mundo sacralizada que era combatida, em finais do
século XIX, tanto por facções do clero galiciano quanto pelos populistas152.

Explicando o mundo e as relações interpessoais de uma forma mágica, os


imigrantes e seus descendentes mantiveram a crença em um mundo povoado por
forças transcendentes que interferiam nas suas vidas, de maneira ambígua. Mavkê,
babas selvagens, tchort, sova, lovison - seres da demonologia ucraniana -
acompanharam a imigração e continuaram a assombrar o cotidiano das pessoas. Pela
crença de que suas existências estavam subjugadas a poderes sobrenaturais, era
importante que se mantivesse um equilíbrio entre as forças do Bem e as do Mal.
E, para esse equilíbrio, Michalczuk era essencial. Era ele quem dominava as
práticas de magismo cristão153 tão caras ao mundo rural tradicional. Foi apenas ele
quem, até 1950, ultrapassava o Ikonostás e chegava ao Santo Santorum para

152 HIMKA, op. cit., p. 127-145.


153 DELUMEAU, J. História do medo no Ocidente. São Paulo : Companhia das Letras.
1993. p. 71-73. Esse mesmo autor explica a esse respeito que "[...]. o poder eclesiástico, na
continuidade de uma longa tradição, aceitou abençoar [...] condutas e ritos anteriores ao cristianismo,
limitando-se a condenar as práticas que tentavam esquivar-se da vigilância da Igreja. Daí o magismo
cristão que permaneceu até uma época recente um dos componentes maiores da vida religiosa do
Ocidente. [...] absolvições, bênçãos, conjurações, exorcismos, [...] bênçãos dos rebanhos, do vinho, do
pão, do óleo, do leite, dos ovos, [...] dos celeiros, das granjas, do leito conjugai."
123

transformar coisas comuns - alimentos, ramos verdes, velas, água e fitas - em objetos
sagrados154. Seria possível não ter ele tanta autoridade sobre seus paroquianos?
Afinal, nas representações daquelas pessoas era provavelmente graças a ele que a
fragilidade da experiência humana comum, constantemente ameaçada pelas forças
do Mal, poderia ser fortalecida.
É nesse contexto que se explica também a doação que as mulheres
ucranianas fizeram de seus colares de coral. Transmitido de mãe para filha por
ocasião do casamento, esse adereço pode ser associado não apenas à idéia de
fertilidade, mas à própria formação familiar155.
A doação dos corais pode ser, assim, interpretada como o símbolo da
delegação do comando das vidas dos colonos à Michalczuk156. Todas as vezes que
iam à igreja este fato era reiterado; os paroquianos, em contrapartida, tinham
assegurado que o padre se manteria como mediador entre eles e as forças mágicas
que acreditavam constantemente assolá-los.

A esse respeito, ELIADE aponta : "O sagrado é sempre perigoso para quem entra em
154

contato com ele sem estar preparado, sem ter passado pelos movimentos de aproximação".
(ELIADE, op. cit., p. 298)
155 Depois de instituir a padroeira da igreja, Michalczuk encomendou um ícone junto à

Academia de Belas Artes de Cracovia (LIVRO TOMBO, p. 23). Com o quadro já entronizado,
provavelmente animado pelo crescente assentimento da comunidade às suas ações, passou a recolher
entre as paroquianas os colares de coral e demais adereços que contivessem ouro, prata e pedrarias.
Com esse material, encomendou das Irmãs da Sagrada Família, em Curitiba, o bordado que vestiu o
ícone. Do trabalho do acadêmico polonês, manteve-se à vista apenas o rosto de Maria e de Jesus
Menino.
156Simultaneamente à doação dos corais por parte das mulheres, verificou-se a entrega
das alianças de casamento por parte dos homens, com cujo ouro foi confeccionado um cálice para ser
usado na celebração da missa. Esse cálice, até hoje, é chamado de ciúme dos homens. (Entrevista 38 -
1995)
124

N O S S A S E N H O R A O R N A D A C O M OS CORAIS R E C O L H I D O S PELO P A D R E M I C H A L C Z U K .
125

Em uma nova terra, camponeses que empreenderam a tentativa de serem


senhores de si mesmo encontraram a alternativa de retomada da vida anterior com
Michalczuk. Os que optaram pelo novo, migraram de Antonio Olyntho. Os que
permaneceram, criaram o personagem Michalczuk. Um personagem que se revelou
no Livro Tombo em que o próprio padre se faz protagonista referindo-se a si mesmo
na terceira pessoa.
Nessa construção mítica corroboraram qualidade inerentes à Michalczuk.
Um indivíduo inteligente, que sutilmente enaltecia sua virtudes angariando para si
posições em que se impunha com altivez. Estrategista, usava sua formação
heterogênea para dar vazão a um temperamento autoritário. Com efeito, ele detinha
efetiva ascendência em todas as esferas da vida de seus paroquianos: tinha o
domínio do plano religioso, conhecimentos para reestabelecer a saúde física e poder
para arbitrar a respeito do comportamento social. Por isso mesmo, na atualidade, ao
se referirem ao padre João, a expressão mais recorrente entre as pessoas da
comunidade é: ele era padre, médico e juiz.

Essa diversificação de seus papéis, exercida sobre uma comunidade


fascinada pelo sobrenatural, alimentava o mito. Deste, uma mulher resumiu a
essência: Michalczuk era um bruxo157.

157 Entrevista 39 (1994). Em outros episódios da comunidade pode-se entrever a


associação feita entre Michalczuk e feitiçaria. Ainda em 1922, os imigrantes escandalizavam-se
porque Michalczuk citava a palavra porco dentro da Igreja, sendo que essa palavra, na cultura
ucraniana significa uma invocação ao demônio; nessa mesma época reclamavam das maldições que o
padre fazia para que perdessem a produção da lavoura. (CORRESPONDÊNCIA DOS
IMIGRANTES). Ainda, a manipulação de plantas e frutas, que o pároco fazia para produzir remédios
e sua própria capacidade em promover determinadas curas também eram interpretadas
ambigüamente por parte dos paroquianos. THOMAS, analisando a associação popular entre
remédio, cura e bruxaria nas sociedades tradicionais, considera válida, no caso da Inglaterra até o
século XIX, a seguinte observação: "Do ponto de vista do paciente, na verdade, todas as prescrições
médicas que ultrapassassem sua compreensão eram, em certo sentido, mágicas, visto operarem por
meio ocultos. [...] os leigos sempre ficaram desconcertados com a medicina profissional e não
pretendem entender os princípios lógicos por trás de cada tipo de tratamento." (THOMAS, K.
Religião e o declínio da magia. Crenças populares na Inglaterra. São Paulo: Companhia das Letras,
1991. p. 166).
126

Por ter consistido em referência para a comunidade, parece ter sido muito

difícil a essas pessoas estabelecerem relações sociais de maneira autônoma, após a


sua morte. Assim, o "bruxo" continuou por muito tempo a ditar as normas. Ainda

hoje, recorrentemente, os moradores relatam as aparições do padre João ...

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OÍl1TUÁRIO DO PADRE MICHALCZUK. MISSIONÁRIO UCRANIANO DO SAGRADO


CORAÇÃO DE JESUS NO BRASIL.
PARTE II
A FAMÍLIA DOS IMIGRANTES
128

1 CASAMENTO E NUPCIALIDADE

1.1 AS ESCOLHAS MATRIMONIAIS


O centro da arquitetura social são os elos entre um casal: o casamento. Em demografía, a
nupcialidade.
S. O. NADALIN

Na trajetória de vida das moças e rapazes da colonia Antonio Olyntho o


casamento era uma das alternativas mais prováveis. Os filhos dos pioneiros
puderam perceber, inclusive, o valor da família enquanto unidade para o trabalho, já
que viveram com seus pais o desenraizamento geográfico e as dificuldades da
instalação de uma nova vida1. Então, a manutenção da divisão tradicional dos papéis
conjugáis e familiares foi fundamental, não apenas na reconstrução material, mas
sobretudo na recriação cultural empreendida na terra de adoção.
Esses jovens, quando comparados com o padrão europeu ocidental, uniam-
se relativamente cedo.2 Entre 1895 e 19493, as moças casavam em média aos 21 e os

1 Nesse aspecto, é pertinente a colocação de vim dos entrevistados que têm memória dos
primeiros tempos. Ele enfatizou que as pessoas sem família não tinham condições de obter sucesso
em instalarem-se na colônia (Entrevista 19 - 1993). Pode-se pensar, assim, que o núcleo familiar
servia como anteparo às dificuldades iniciais dos imigrantes. Um fato curioso aparece quando se
analisam individualmente as trajetórias dos celibatários pioneiros com idade para casar: os rapazes
que imigraram com seus pais demoraram de três a cinco anos para casar e entre os que se tornaram
proprietários de lotes individualmente, ou casaram num prazo menor, ou imigraram da colônia.
2 WRIGLEY, contudo, mostra que se até meados do século XVII, na Europa Ocidental, a

idade média ao casar se situava em torno de 27 anos, este nível foi gradativamente baixando. Já no
século XIX a idade média no primeiro casamento era de 23 anos, estando as mulheres, geralmente,
com dois anos a menos que os homens. Aponta ainda, usando dados da índia (1950) e China (1940)
"que las problaciones preindustriales no europeas vienen a diferir de las europeas fundamentalmente
en un punto muy importante: que el matrimonio - al menos en el caso de las mujeres - es en ellas
casi universal y se produze a una idade muy trempana". (WRIGLEY, E. A. Historia y población :
Introducción a la demografía histórica. Madrid : Ediciones Guadarrama, 1969. p.86-88)
3Os dados demográficos trabalhados neste item correspondem a uma divisão da
população estudada em duas coortes: a primeira, compreendendo o período entre 1895 e 1949 e a
segunda de 1950 a 1980. A respeito dos critérios para se efetuar esta divisão ver PARTE III. Contudo,
algumas tabelas referentes ao estudo demográfico desenvolvido neste capítulo, estão, também, em
ANEXO.
129

rapazes aos 25,4 anos4. Tal padrão de idade só se modificou a partir da terceira
geração nascida no Brasil: elevou-se para 24,2 anos entre as moças e 27,5 anos entre
os rapazes, após 19505.
Assim, na primeira coorte, as mulheres casavam-se preferencialmente entre
15 e 24 anos (52%); na segunda, essa concentração dilatou-se por mais quatro anos.
De qualquer maneira, as noivas entre 15-19 anos, que na primeira coorte
representavam 29,1%, ainda eram uma parcela considerável na segunda (26%).
Como novidades na segunda coorte têm-se o maior número de noivas entre 20-24
anos e a ocorrência de primeiro casamento em todas as faixas etárias, inclusive 3%
deles envolvendo mulheres acima de 45 anos6.
Já entre os homens da primeira coorte, a concentração se dava entre 20-29;
na segunda coorte, passou a ser entre 20-34 anos7. Dessa maneira, até 1950, 89,7% dos
rapazes já estavam casados ao completar 30 anos; na segunda, com a elevação da
idade média ao casar, esse número decresce para 77,5%. Pode-se observar também
que na primeira coorte 8% dos rapazes casavam entre 30-34 anos; na segunda, esse
percentual já é de 13,2%8.
Por isso, na primeira coorte os casais mais freqüentes, em seu primeiro
casamento, eram aqueles formados por uma noiva de 15-19 anos e um rapaz entre
20-24 anos. Essa freqüência simplesmente reitera a manutenção do hábito da
constituição de casais em idades precoces, haja vista que a maior parte deles era
formada por mulheres entre 15-24 anos casando com rapazes entre 20-29 anos. A

4 Ver PARTE ffl - TABELA 58.


5 Ver PARTE III - TABELA 59. Essas idades médias foram obtidas considerando apenas o

casamento entre celibatários. No entanto, os cálculos de idade ao casar que incluem também os
recasamentos não alteram substancialmente as idades dos cônjuges: na primeira coorte a idade das
mulhres fica em 21,3 e dos homens em 25,9; e na segunda coorte as idades das mulheres são 24,5 e
dos homens 27,9.
' Ver PARTE III - TABELA 58.
' Ver PARTE m - TABELA 59.
« Ver PARTE HI- TABELAS 58 e 59.
130

partir de 1950, esse quadro tem uma pequena modificação com uma maior dispersão
à direita, apesar de o casal mais freqüente ainda ser aquele em que ambos os noivos
estavam na faixa de 20-24 anos9.
Sabendo-se da origem sociocultural dos imigrantes fixados em Antonio
Olyntho, a constatação de idades mais ou menos precoces na primeira coorte estaria
indicando que eles mantiveram o padrão de nupcialidade camponês oriental.10 A
lógica que regia aquela sociedade não era a mesma desenvolvida no Ocidente
europeu; ou seja, o new pattern11 não se realizara nos campos da Galicia até o
período em que se deu a emigração. Por outro lado, os imigrantes desenvolveram
uma estrutura familiar complexa que, abrigando a moradia conjunta, acolhia os
recém-casados. E isso concorria para o casamento em idade precoce na primeira
coorte. A dilatação de uma faixa etária na idade média ao casar para ambas os sexos
na segunda coorte pode ser atribuída à progressiva adoção de outros valores socio-
económicos12.

Se os índices das idades ao casar mantiveram-se coerentes com a matriz


cultural dos imigrantes, parece que essa paridade ocorreu também na forma de

' Ver PARTE m - TABELA 59.


" HAJNAL, J. European patterns in perspective. In : GLASS, D. V.; EVERSLEY, D.E.C.
Population in history : Essays in historical demography. Londres : E. Arnold, 1965. p. 101-140. "O
primeiro a decobrir a especificidade do casamento europeu foi o demógrafo inglês Hajnal. Nele está
o verdadeiro sistema de civilização, pois nenhuma outra população não européia apresenta modelo
de casamento comparável. Todavia este modelo não pode ser generalizado para toda a Europa; de
fato, ele só cobre os países da cristandade latina. A Europa oriental conheceu modelo diferente. Por
exemplo, por volta de 1900, dois terços da mulheres da Europa Ocidental são ainda solteiras, aos 20-
24 anos, enquanto na Europa Oriental três quartos delas já estão casadas nesta idade. Aos 45-49 anos
o celibato definitivo é cinco vezes mais elevado entre as mulheres européias do Ocidente". (BIDEAU,
A. Mecanismos auto-reguladores de populações tradicionais. In: MARCÍLIO, M.L. (org) População
e sociedade. São Paulo : Vozes, 1984. 50-51)
11 Sob a denominação new pattern está subsumido o regime de nupcialidade europeu
ocidental, "que se inicia por volta do século XIV, e que tomou rumo original em relação ao resto do
mundo. Suas características básicas são a freqüência elevada de celibato definitivo feminino (por
volta de 1675, 6,7% das mulheres atingiam a idade de 50 anos sem se casar e por volta de 1775, esta
freqüência sobe para 12%) e idade tardia para o casamento (médias para o século XVIII: 27,9 anos
para os homens e 25,7 anos para as mulheres)". (NADALIN, S.O. A demografía das sociedades
tradicionais. Conceitos. Texto inédito. 1988, p. 19)
u Ver PARTE II, Capítulo 3 - Item 3.2 - As relações familiares.
131

escolha dos parceiros: os jovens se mantêm fortemente influenciados pelas


indicações dos pais, e, os da primeira coorte, até mesmo pelas do padre Michalczuk.
Pessoas que se casaram nesse período13 afirmam que não eram os jovens que
escolhiam seus noivos, mas sim os pais, como era costume na Europau. Uma mulher
que se casou em 1937, com 22 anos, confirma que não se manifestou a respeito: seu
futuro marido era sacristão, e o padre João achava que se ele não casasse não ficaria
morando em Antonio Olyntho. Acrescentou que:

É, o padre Michalczuk me obrigou a casar com o João. A outra minha irmã podia casar
com ele, a mais nova. E eu era para ficar. Daí o padre disse: que fica nada. Ele começou a
amolar, o pai também. Daí casei. Moramos um ano com o pai, e daí mudamos para perto
da igreja15, (destaque do autor)

Nessa influência hierárquica para a escolha dos parceiros verificou-se a


interferência ativa das mães, como relatou Anastácia, casada em 1936:

Conheci meu marido na Igreja. Nós andavamos, ele lá na Campina e eu em Santos


Andrade. Não éramos vizinhos. Sabe como é: as velhas mandavam. A mãe dele me achou
lá longe e nós casamos 16 , (destaque do autor)

Em relação à atuação dos pais na escolha dos cônjuges, uma hipótese pode
ser colocada: as mães interferiam mais na busca do cônjuge para os filhos e os pais
para as filhas. Isso estaria justificado pelo costume generalizado, até por volta da
década de 1960, de moradia do novo casal com os progenitores.17 Pela coabitação
u Deve-se ressaltar que a primeira coorte compreende pessoas casadas entre 1895 e 1950 e
o padre João foi pároco entre 1911 e 1950, verificando-se assim, na colônia, um interstício de 15 anos
sem sua influência. No entanto, isto não invalida a argumentação de que as escolhas dos noivos não
eram atos totalmente individualizados, à medida que, no período anterior à chegada de Michalczuk,
os pais desempenhariam esta função. Quanto aos párocos itinerantes, que atenderam a colônia antes
de 1911, não tenho informações a respeito de sua postura perante as escolhas matrimoniais.
" Entrevista 20 (1993)
15 Entrevista 26 (1993)
" Entrevista 12 (1993)
" Nas entrevistas ficou muito claro que o casamento não implicava moradia isolada para
o novo casal. Todos os entrevistados que casaram até a década de 1970 coabitaram temporária ou
definitivamente com a família de um dos cônjuges, costume generalizável para toda a colônia. A
análise da coabitação é tema do item 2.2, no Capítulo 2 e dos itens 3.1 e 3.2 do Capítulo 3, da PARTE
li desta tese.
132

implicar convivência, as mães teriam mais interesse em uma boa nora dentro de seu
quadro de referências, e o pai, em garantir um genro trabalhador.
A ascendência dos pais na escolha dos cônjuges ainda vem se mantendo
entre as pessoas da comunidade, e muito lentamente tem dado espaço à
individualização nas decisões matrimoniais. Nos casamentos da década de 1950 e
1960, pessoas que não eram da etnia, mas viviam em Antonio Olyntho, atestam o
hábito de os noivos não interferirem na questão:

Era tudo muito controlado; não havia liberdade e eram poucos os dias de namoro. No
começo não havia namoro: era tudo arranjado pela família, os pais decidiam. Um pai
tinha uma filha para casar, lá o compadre tinha um filho... Eles conversavam e ajeitavam
o casamento. Inclusive meu marido, quantos casamentos arranjou! 18

Um exemplo de lentidão na transformação da ingerência dos pais se


expressa no caso de Nastia. Essa jovem, que casou em 1993, efetivamente escolheu
seu futuro cônjuge, mas antes de começar o relacionamento pediu a permissão aos
pais. Inquirida a respeito da possibilidade de uma recusa, ela respondeu que acataria
a decisão paterna19.
Ao peso da interferência dos pais articulavam-se, visceralmente, outros
fatores delineando o futuro cônjuge. Era consenso entre os jovens solteiros que a
preferência interétnica, principalmente de moça polonesa, não seria bem acatada
pela comunidade. Ao infrator cabia sempre a pergunta: Você não podia achar uma

" Entrevista 9 (1994). O marido da entrevistada foi Francisco Bach, comerciante local, de
origem alemã, com grande prestígio sócio-político na colônia, onde exercia inclusive a função de juiz
de paz. Pelos relatos, mesmo sendo estranho ao grupo, participava do cotidiano dos colonos por ser
comerciante. O balcão de uma venda do interior é muito mais do que o mero local de transações
econômicas.
" Entrevista 42 (1995). A falta de individualização nas escolhas matrimoniais nas
sociedades tradicionais é tema constante entre os autores que tem a família como objeto de estudo.
Entre os vários historiadores que se preocuparam com este tipo de análise destaco aqui a posição de
Shorter quando caracteriza as sociedades tradicionais como aquelas onde se verifica "a
preponderância do controle da comunidade sobre a ação individual: as relações amorosas e
matrimoniais dos jovens, funcionando dentro do quadro de controles exercidos pelo grupo dos
próprios jovens e do conjunto da comundidade". (SHORTER, E. Naissance de la famille moderne.
Paris : Éditions du Seuil, 1977. p. 153).
133

moça que fosse filha de gente!) já, se a moça fosse da etnia ucraniana ela tinha
tradição, tinha respeito; ela era recomendada. Aí ele não era considerado uma pessoa
vira-casacê0.

Ademais, aos jovens que desrespeitassem tal regra dirigia-se a cólera do


padre João. Sua postura para com essas uniões aparece claramente em
correspondência que enviou ao Metropolita Andrei Szeptetzkei em 1912:

Mas eu sempre afirmo: primeiro Deus, segundo a religião, terceiro o nosso rito e depois o
resto. E também, aconteça o que acontecer, eu não vou entregar moça alguma a brasileiro
nenhum, a não ser que aconteça algo que Deus me livre. De mais a mais, sei como vivem
os que casaram com estes caboclos. Eles não têm religião nos dias santificados; só vivem
de um dia para o outro literalmente vegetando. E aqueles que possuem ainda uma
centelha de amor a Deus, choram e se lamentam daqueles que poderiam proibi-los um dia
e não o fizeram. 21 (sem grifo no original)

À primeira vista fica a impressão de que o padre não fazia restrições aos
casamentos com poloneses, porém, em sua escala de valores, ele frisa que o rito
grego só estava abaixo de Deus. A diferenciação étnico-religiosa de Michalczuk fica
bastante evidente no próprio registro dos casamentos: durante o período em que foi
pároco de Antonio Olyntho - 1911 a 1950 - , havia dois livros para ãs atas de
casamento. Num deles eram registrados os casamentos nos quais se manteve a
endogamia e no outro, os exogâmicos.

Dada à sua personalidade, o pároco não restringia sua desaprovação ao


registro discriminatório; efetivamente, realizava ruidosas admoestações no púlpito.
Uma paroquiana, nascida em 1910, lembra esses sermões:

O padre Michalczuk no sermão xingava e maltratava muito o povo. Gritava o quanto


podia, sapateava e com um pedaço de pau corria atrás dos que ficavam para fora da
igreja. Tudo tinha que ser feito como ele queria. Tudo devia ser feito como ele mandava.
Não devia ser assim, o povo tem que ter um pouco de liberdade. No tempo dele isto não

20 Entrevista 21 (1994)
21 CORRESPONDÊNCIA DE IWAN MICHALCZUK. Fundo 358. Metropolita André
Szeptetzkei. Arquivo Histórico Nacional da República da Ucrânia. Lwiw.
134

existia. [...]. O povo não queria mas suportava. Hoje, se isto acontecesse, o povo não
suportaria mais essas coisas 22 .

Todas essas interferências promoveram um alto nível de endogamia para


as pessoas que continuaram a exercer suas práticas de fé no rito grego. Esse quadro
começou a se modificar somente a partir de 1950, não se efetuando, porém, uma
alteração significativa na natureza das escolhas.
A extensão geográfica do mercado matrimonial23 dos casamentos
efetuados ao longo de todo o período estudado reforçam o caráter de endogamia do
grupo24. Os dados relativos às duas coortes evidenciam que, majoritariamente, os
casamentos se deram entre cônjuges nascidos na localidade. Caracteriza-se, assim,
um mercado matrimonial auto-alimentado, em que 81,6%25 dos matrimônios
aconteceram entre pessoas nascidas na Galicia ou em Antonio Olyntho. Naqueles
casamentos da primeira coorte, este índice é mais alto, pois 90,5% das uniões
concentraram-se nas combinações que envolviam noivos nascidos na Galicia ou
nascidos em Antonio Olyntho. Nessa fase, percebe-se também que as escolhas se
fizeram num perímetro geográfico reduzido: 1,6% dos casamentos celebrados na
paróquia incluem um cônjuge nascido a mais de 100 quilômetros de distância. O
alargamento do mercado matrimonial fez-se apenas na segunda coorte: após 1950, a
auto-alimentação local declinou, situando-se em 66,6%; e, nesta coorte, apareceram
casamentos com cônjuges nascidos em localidades mais distantes. Entretanto, no
cómputo geral, a grande maioria dos matrimônios envolveu noivos nascidos num
raio geográfico reduzido.

22 Entrevista 24 (1994)
23 Deve ser feita a ressalva de que, tenicamente, mercado matrimonial está referido ao

local de residência dos noivos. As fontes em estudo não especificam residência atual, apenas local de
nascimento.
Ver TABELAS A7 e A8 e ANEXOS 1 e 3. Como exemplo pode-se citar São Mateus, Três
24

Barras, Canoinhas no rol daquelas localizadas entre 20 e 50 km de distância; Irati, Contenda, Lapa,
Marienthal entre 70 e 100 km e Curitiba, Marechal Mallet como cidades a mais de 100 km.
25Esse percentual relaciona-se ao número total de casamentos havidos entre 1895 e 1980
dos quais se sabe o local de nascimento dos cônjuges. Neste caso estão 1.655 uniões.
135

Nesse raio, as cidades envolvidas nos casamentos dos jovens de Antonio


Olyntho são locais com assentamento de imigrantes eslavos, quando não
exclusivamente de ucranianos: São Mateus, Marienthal, Contenda, Marechal Mallet,
Prudentópolis, Araucária, entre outras. Curitiba, contudo, configura-se como o
centro urbano que, isoladamente, forneceu mais noivos para os matrimônios na
localidade. Isso porque grande parte da migração dos colonos de Antonio Olyntho se
dirigiu para a capital paranaense.

1.1.1 O Stárosta e a endogamia dos pioneiros


As pessoas não se casam para si mesmas, mesmo que o digam; casam-se sobretudo, para
sua posteridade, para sua família. Um casamento, para ser bom, recusa a companhia e as
condições do amor.
M. MONTAIGNE

Na diluição da endogamia primitiva destacam-se alguns fatores como o


aumento da rede de conhecimentos interpessoais e as facilidades na comunicação
interurbana, subsidiando uma ampliação do perfil do futuro cônjuge para além das
fronteiras étnicas e geográficas.
O padrão até aqui descrito envolveu coortes temporais relativamente
amplas, mas, para melhor detalhamento, jiilgou-se importante investigar o
comportamento específico dos filhos dos pioneiros, ou seja, aqueles que casaram
entre 1895 e 191026.
Os resultados demonstram que o padrão endogâmico foi quase que
absoluto entre os filhos dos pioneiros: as uniões realizaram-se maciçamente entre
cônjuges nascidos na Galicia. Em uma colônia imigrante é de esperar que casamentos
intra-étnicos fossem privilegiados. Afinal, é mais fácil casar com pessoas com quem a
barreira da língua não se impõe, ou com as quais se está concentrado

26 Ver T A B E L A A9.
136

geograficamente. Ainda, casar com pessoas que têm a mesma crença religiosa é
fundamental em grupos tradicionais.
Assim, a endogamia pode ser entendida como a expressão do
conservadorismo de uma sociedade tradicional, principalmente quando se leva em
conta que havia opções étnicas no mercado matrimonial local. Nesse sentido ressalta
o fato de que - mesmo havendo poloneses, alemães, luso-brasileiros e até alguns
italianos na localidade - somente cinco moças, ao casarem no rito grego, escolheram
rapazes poloneses como cônjuge e apenas um rapaz ucraniano casou-se com moça
polonesa ? 7
Coloca-se, então, a hipótese de que o mercado matrimonial dos rutenos de
Antonio Olyntho era regulado por outros fatores além das facilidades oferecidas por
uma língua em comum e pela proximidade física. No sentido de aprofundar a
investigação sobre essa endogamia, procedeu-se ao cruzamento das cidades de
origem dos noivos incluídos nos 309 casais que compõem a combinação Homem da
Galicia casado com Mulher da Galicia da Tabela A9. Foi possível localizar 119
cidades de origem de ambos os nubentes e, nesse casos, no mínimo 42% dos
matrimônios se deram entre cônjuges nascidos na mesma aldeia da Galicia.28

Esse percentual, ao mesmo tempo em que reforça o fato de que a recriação


cultural dos imigrantes foi pautada numa coesão étnica, aponta a necessidade de
incluir outra dimensão da comunidade quando se analisa especificamente a
endogamia matrimonial. Explicar o fato de 42% dos casamentos envolverem noivos
oriundos da mesma cidade implicou, sobretudo, entender as representações da
comunidade a respeito da ritualização matrimonial.

Na TABELA A9 o índice de cônjuges dos quais não se sabe a origem étnica e geográfica
27

é muito pequeno para que se altere esta configuração de endogamia matrimonial.


Do cruzamento das cidades de origem desses casais foi obtido o seguinte resultado:
28

ambos os noivos nascidos na Galicia = 188 casais; noivos com a especificação da cidade da Galicia na
qual nasceram = 119; um dos noivos nascido na Galicia e outro na Polônia = 3; ambos nascidos na
Polônia = 1; ambos nascidos na Áustria = 3; um dos noivos nascido na Áustria com um noivo
nascido na Galicia = 2.
137

O casamento dos jovens ucranianos era um processo articulado a urna série


de etapas, que envolviam não apenas as famílias mas também a comunidade29. Nesse
sentido, o casamento implicava muito mais um conhecimento anterior, não
necessariamente entre as famílias dos noivos, mas entre essas famílias e o indivíduo
que fazia a apresentação do noivo à casa da noiva: o stárosta.30 O ritual de introdução
de um novo membro na família era sustentado pelos laços de conhecimento e
respeito entre o stárosta e as famílias envolvidas. Naturalmente, o papel de stárosta
não podia ser de qualquer pessoa: seu desempenho exigia a ancestralidade de um
idoso.
A ele caberia a função de unir famílias, e assim, à medida que não havia
escolhas individualizadas, não era imperioso que os jovens se conhecessem. Até
certo momento, os noivos eram meros coadjuvantes nas negociações matrimoniais:
os pais e o stárosta detinham os papéis principais. É possível que o índice tão alto de
noivos oriundos da mesma cidade entre os casados, nos primeiros quinze anos da
colônia, se deva também ao fato de que, no momento da instalação da colônia, os
stárostas ainda não tivessem uma rede de relações tão ampliada.
Para verificar a ação do stárosta, foram analisadas as escolhas dos filhos
dos pioneiros localizados em apenas uma das linhas de demarcação da colônia: a

29 Os atos do casamento estão descritos, infra, no Item 1.3 - O casamento e seus ritos,
neste capítulo.
30 Diversos estudos indicam que, nos meios tradicionais, os arranjos matrimoniais
contavam com um mediador entre as famílias dos noivos. F. LEBRUN, por exemplo, aponta que os
pais usavam muito freqüentemente os bons ofícios de um intermediário. Esse poderia ser um amigo,
um familiar e algumas vezes o próprio padrinho de um dos nubentes. Indica também que certas
províncias contavam com verdadeiros profissionais casamenteiros. (LEBRUN, F. La vie conjugale
sous l'ancien régime. Paris : Armand Colin. 1975. p. 33-34). Vários outros autores, citados por
WOORTMANN ; WOORTMANN, identificaram essa função em seus estudos: na Inglaterra, GILLIS,
J. (1984); HAMMEL (1968) e DENICH (1974) para os Bálcãs; na Áustria (KHERA, 1981). Para o Brasil,
apontam diversos estudos apresentaram o casamenteiro, desde o Brasil colônia até passado recente.
Ressalte-se, que aqui o casamenteiro não era profissional, como em certas partes da Europa, e nem
poderia ser o pai dos noivos. (WOORTMANN, K.; WOORTMANN, E. F. Amor e celibato no
universo camponês. Campinas : NEPO : Unicamp, 1900.)
138

linha Gonçalves31. Aí estavam 34 famílias cujos filhos32 fizeram escolhas de cônjuge


da seguinte maneira:

TABELA 2 - T I P O S DE CASAMENTO - 1895-1910

CASAMENTOS LOCAL DE MORADIA Total Total


parcial
ENDOGÂMICOS Entre moradores da linha 16
Com pessoas relacionadas com os 14
moradores da linha
53
Com pessoas sem relação aparente com 23
os moradores da linha
EXOGÂMICOS Entre os moradores da linha
Com pessoas sem relação aparente com 3
os moradores da linha
3
TOTAL 56 56
FONTE: Registros paroquiais - n° absolutos

Além dessas uniões refletirem o padrão dos casamentos locais com um


índice de 96,4% de casamentos endogâmicos, elas permitem entrever-se a ação dos
stárostas. Em primeiro lugar, a vizinhança facilitou apenas 30% das uniões; a seguir,
26% dos casamentos se deram entre moças e rapazes que tinham relação de
parentesco com moradores da linha; e em 44% dos casamentos não foi possível
estabelecer uma ligação consangüínea e nem de vizinhança com os moradores da
linha Gonçalves. Em uma colônia imigrante, este dado causaria estranheza,
pensando-se que seria mais fácil para as famílias casarem seus jovens entre os

31A colônia Antonio Olyntho era dividida em 11 linhas de demarcação (Ver ANEXO 2). A
escolha da linha Gonçalves deve-se à especificidade de estar localizada no centro geográfico da
colônia e concentrar proprietários de diversas etnias. Sobretudo, foi escolhida por haver
documentação que possibilitou o cruzamento de dados oriundos dos registros paroquiais com as de
posse da terra.
32 Não foi possível saber o destino de todos os filhos dos casais pioneiros. Soube-se que,
além dos 56 que casaram na paróquia, tais famílias contavam com mais 35 filhos. Desses, uma moça
foi mãe solteira; 5 morreram e os demais - 29 - são pessoas das quais não foi possível acompanhar a
trajetória de vida. Alguns podem ter morrido (haviam 13 crianças com menos de 5 anos); outros
acompanhado a remigração de suas famílias e, ainda, simplesmente terem casado fora da paróquia
(endogâmica ou exogamicamente).
139

vizinhos, em função da possibilidade de aí estarem situados os primeiros contatos


com a sociedade de adoção. No entanto, se considerarmos a atuação do stárosta nos
casamentos ucranianos, a vizinhança perde o papel predominante de facilitador do
contato entre os jovens.

1.1.2 Esperando o casamento


Le temps, quant à lui, est découpé en sectins bien contrastées, mais à l'intérieur des cycles
toujours identiques, se succédant sans fin.
R. MUCHEMBLED

Vivendo a temporalidade rural, cabia aos jovens esperarem a hora do


casamento oscilando suas atividades entre o trabalho e os folguedos naturais da
juventude. O compasso da existência dessas pessoas era marcado pelo calendário
agrícola e religioso. Nesse ritmo peculiar, a agitação característica dos períodos da
colheita e do plantio era sucedida por períodos de intenso marasmo. Apenas o
calendário de festas conseguia alterar a monotonia do dia-a-dia.

Na colônia Antonio Olyntho, as festas eram esperadas com ansiedade;


nelas jovens e adultos cantavam, jogavam, bebiam e brigavam. Com certa nostalgia,
relembra-se Nicolau, nascido em 1929, que nós cantávamos feitos uns loucos aquelas
músicas loucas35.
A alegria e a irreverência caracterizavam esses espaços de inversão do
cotidiano34 onde as letras das músicas mais populares entre os colonos expressavam

33 Entrevista 2 (1994)
34 M. BAKTHIN foi um dos primeiros a indicar a relação entre cultura popular, espaço do
riso e inversão social. Ao contrário da festa oficial, que mantendo o povo na ordem existente, não
criava uma segunda vida, a festas populares convertiam-se "na forma de que se revestia a segunda
vida do povo, a qual penetrava temporariamente no reino utópico da universalidade, liberdade,
igualdade e abundância." Diz que o riso popular opõe-se ao riso satírico da era moderna, porque ao
se empregar a sátira mantém-se iam distanciamento com o objeto aludido, opondo-se à ele, e o "riso
popular expressa uma visão de mundo em plena evolução no qual estão incluídos os que riem".
(BAKTHIN. M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento : O contexto de François
Rabelais. São Paulo : Hucitec, Brasília : Editora da UnB, 1987. p. 8-11)
140

a concepção de um mundo utópico, no qual o fardo das responsabilidades pudesse


ser amenizado:

Mamãezinha, mamãezinha
veja como eu danço graciosamente [lindamente]
Como eu sei trançar as pernas
mas sem vontade de trabalhar.35

Se nessa letra aparece o desejo de substituir o trabalho pela dança, outras


letras de kolomeykai6 preocupavam-se em descrever o fatalismo da vida e o desejo
de isentar-se das conseqüências de um comportamento pré-malthusiano:

Fornicava ontem e fornicava hoje


e fiz quatro filhos.
E como estas crianças não tinham o que comer
Q u e levem à breca e vivam como puderem. 37

A própria comunidade avalia, hoje, que alguns cantos eram apimentados;


assim, os homens tocavam e cantavam e as mulheres fingiam que estavam ofendidas
e batiam neles. Em meio a essa alegria, ouvia-se o som da rabeca e do bumbo38; e
muitas vezes a gaita de 12 baixos do próprio juiz de paz. Ele aliava a celebração do
casamento com uma participação ativa nas festas39.
Suas celebrações eram acompanhadas de grandes bebedeiras. As pessoas
do meio rural sempre utilizaram as bebidas fortes para aquecerem seus corpos e
suas almas. Ai a bebida fazia parte do arcabouço social: era o narcótico essencial que
anestesiava as pessoas contra as tensões da vidai0. Os pequenos proprietários de
Antonio Olyntho

35 Entrevista 19 (1993)
* Kolomeika é um gênero de canção popular que possui um refrão fixo e versos jocosos,
muitas vezes improvisados. O tema da kolomeyka é associado ao motivo da festa e no mais das
vezes canta os amores.
37 Entrevista 19 (1993)
M Tocados, nas primeiras décadas da colônia por Simon Stech, Kirilo Kostianowickz e
Paulo Wons.
35 O juiz de paz até a década de 1940 era Francisco Bach.
40 THOMAS, K. Religião e o declínio da magia : Crenças populares na Inglaterra. Séculos

x v n e x v n . São Paulo : Companhia das Letras, 1991. p. 30


141

bebiam u m trago na hora do almoço e de noite, e isto não embebedava. Eles se


embebedavam nos casamentos que era a festa deles. Era a cachaça, o vinho. E eles
gostavam muito da safra de mel, de mel com cachaça. N a língua deles é outro nome, mas
na nossa esta mistura se chama pica-pau. Esta dava porre mesmo 4 1 .

Se eram as festas os momentos privilegiados para o consumo de bebida


alcoólica, João Hladczuk foi um bom anfitrião. Num registro de compras da Casa de
Comércio Francisco Bach, em 29 de janeiro de 1923, verifica-se que além de adquirir
roupas e acessórios (1 terno de roupa, uma peça de renda, dois anéis, 11 metros de
fita) ele providenciou 1 garrafão de pinga, 40 litros de vinho além de 200 gramas de
lúpulo42. Sem dúvida, essa compra se destinava ao casamento de Wasílio, seu filho
mais velho, que foi celebrado no dia 06 de fevereiro de 1923.
Essas pequenas compensações para um dia-a-dia penoso talvez tivessem
um sabor mais alegre se não sofressem a interferência do padre João Michalczuk.
Preocupado em manter seus fiéis dentro de uma conduta correta, ele foi implacável
na vigilância dos bons costumes de seus paroquianos.
O acompanhamento de suas cartas ao Metropolita Andrei Szeptetzkei dão
uma imagem da ação que desenvolveu na paróquia. Um ponto em que ele se
empenhou foi pela sobriedade local43, pois sempre menciona sua campanha pela
temperança, já que encontrou muitas desordens motivadas pela cachaça44. Sua outra
frente de ataque foi a restrição ao que ele entendia como os excessos dos jovens,
obrigando a uma diminuição na freqüência das festas45.
Tal disciplinarização foi assumida também pelos próprios adultos, o que
causou surpresa a Michalczuk, por exemplo, quando relata em sua correspondência
que também os velhos têm vindo pedir permissão para os bailes16. A postura do
41 Entrevista 8 (1994)
42 Livro Borrador II - Casa de Comércio Francisco Bach. 1922. p. 244.
43 CORRESPONDÊNCIA DE IWAN MICHALCZUK. 1913.
44 Ibid.
45 Ibid.
44 Ibid.
142

padre a respeito dos folguedos de seus fiéis extrapolou o âmbito da localidade. Uma
matéria do jornal curitibano, Gazeta do Povo, em 1928, comenta que o padre
dedicava quase a totalidade dos seus sermões a pregar contra cabelos cortados e
principalmente contra os bailes, que são, segundo sua teoria, criação satânica. 47

Em sua igreja havia uma disposição específica para os fiéis, obedecendo a


uma divisão por sexo e por estado civil. O momento do culto, tão importante na
sociabilidade rural, era marcado pela extrema vigilância:48

O padre arrumou tudo direitinho: onde os solteiros os solteiros, onde os casados os


casados e onde as mães solteiras, só as mães solteiras. Era assim, tudo separado. Não
como agora, tudo de ponta cabeça.49

Na memória das pessoas da localidade, Michalczuk era imbatível em


reprimendas públicas e, aos jovens acuados, sobrava pouco espaço para o jogo da
sedução. À postura moralizante que imprimia, não escapava nenhum detalhe. O
recato do traje feminino implicava mangas compridas; caso uma moça estivesse de
braços nus, só receberia a comunhão depois de o sacristão colocar sobre seus ombros
um véu preto. Ao homem convinha ir à igreja de terno, ou no mínimo, com paletó:
para ir se confessar, os homens tinham que estar de paletó. Quem não estava tinha
que emprestar daqueles que já se confessaram50.

Tudo aquilo que poderia ser interpretado como um simples ato de vaidade
feminina recebia sanções severas do padre:

" GAZETA DO POVO. A ineffável colonia Antonio Olyntho e o seu não menos ineffavel
parocho rutheno. Curitiba. 26 nov 1928. n. 2755. p. 3.
" Traços dessa disposição das pessoas se mantêm na igreja local. Na atualidade, às
mulheres cabe o lado direito da igreja e aos homens, o lado esquerdo.
» Entrevista 22 (1994)
50 Entrevista 22 (1994)
143

Ele não queria que moça nenhuma cortasse o cabelo. A minha mãe fez uma peruca 51 ,
então ele desceu do pulpito e fez ela desmanchar dentro da igreja, na frente de todo o
mundo, porque não era para andar assim 52 .

1.1.3 Serpentes do paraíso


Em todo o Brasil não há ordem como em Antonio Olyntho.
J. MICHALCZUK

As normas de Michalczuk coibiam o contacto direto dos jovens entre si.


Mas não conseguiam penetrar, porém, nas crenças que compunham o imaginário
feminino. Dessa maneira, as moças da colônia - devotas Filhas de Maria - buscavam
tanto em Santo Antonio, como no baú das tradições, as formas de atrair um bom
marido.
Aquelas que casaram até a década de 1930 tinham, por exemplo, a firme
crença de que as flores de papoula, bem como outras flores, que enfeitavam os
jardins de suas casas possuíam o poder mágico de uni-las a um determinado rapaz.
O mês de junho era a ocasião ideal para as moças solteiras indagarem seu
destino, confeccionando guirlandas que eram jogadas nas águas de um rio. A crença
popular dizia que a posição das flores na água revelaria o futuro da jovem, ou,
ainda, que o jovem que resgatasse a coroa seria seu marido53. Nesse mês
comemorava-se a festa de Iwan Kupala em que o tema agrícola e o familiar estavam
muito presentes, entrecruzando aspectos associados à prosperidade, à fecundidade,
ao matrimônio e, conforme L. BILETZKEI, explicitando o elemento erótico no ritual do
Kupala*.

- De quem é o trigal da colina?


É do Iwanka esse trigal.
Tão carregado que brilha como Lua.
- Venha, Marusia, colher o trigal.

51 Expressão usada aqui no sentido de arumar o cabelo em forma de coque.


52 Entrevista 22 (1994)
55 BILETEZKEI, L. Istoria ukrainskoi literature. Augsburg : Cícero. 1974. p. 132.
54 Ibid., p. 112.
144

- Isso Iwanku, eu sei fazer mal,


mas no brilho da Lua eu serei sua.

Toda a festividade do Kupala desenvolvia-se em meio a cantigas populares

que evocavam relações entre pares pinçados da natureza, antropormofizados e

basicamente redutíveis à Iwanku e Marusia, casal recorrente nas canções populares.

IWAN K U P A L A (DETALHE). I.I.LESENKO. 40X50.1984.

Se as guirlandas e ramalhetes, confeccionados preferencialmente na época

do Iwan Kupala, não viessem a surtir o efeito desejado, havia ainda o recurso à

vorôchka55, uma mulher que conhecia os segredos da natureza humana e sabia atrair

55 Entrevista 20 (1994). O termo vorôchka equivale a feiticeira ou bruxa.


145

um homem para uma mulher. Quantas moças da colônia buscaram auxílio junto à
vorôchka é um enigma, mas todos sabiam que elas existiam e onde moravam.
Para os rapazes, em desvantagem perante essas forças sobrenaturais, não
havia muita alternativa. A cultura popular apenas lhes reservava uma advertência
em músicas, como a que Stephano, nascido em 1907, ainda relembra:

Gregorio, Gregorio, cuidado


Não ande nas noitadas.
Cuidado que nas noites as mulheres são muito sérias;
Elas queimam palha e fervem as plantas
E com isto estragam a tua saúde 56 .

Algumas moças, em décadas posteriores, passaram a usar uma codificação


mais explícita para demonstrar aos rapazes seu interesse. Utilizando o hábito
regional de tomar o chimarrão, ao entregarem a cuia ao rapaz que lhes interessava
davam um aperto em seu dedc?7, sinalizando sua disposição pela corte.

De qualquer maneira, tudo era feito em pequenos fôlegos conseguidos


entre a vigilância dos pais e do pároco. Não apenas o discurso moralizante de
Michalczuc, mas também a própria idade ao casar desses jovens colaborava para que
eles segurassem suas paixões58.

* Entrevista 20 (1994)
57 Entrevista 20 (1994)
58 Ver PARTE Dl - TABELAS 54 e 55.
146

JUÍZO FINAL (DETALHE). A N Ô N I M O . 2,15x1,76. FINAL D O S É C U L O XVI.


(Na parte inferior, a representação do Inferno, onde estão, entre outros condenados, a mãe solteira
- coin o filho nos braços -, à esquerda, e os fornicadores, acima à direita).

Diferentemente de outros emigrantes com origem camponesa, parece que

os da Galicia reservavam o exercício da sexualidade ao quadro específico do

casamento. Prova disso é o baixo índice de concepções pré-nupciais 59 . Em todo o

período estudado, em apenas 3,3% das uniões a noiva já estava grávida 60 . Essa

situação se mantém quando se analisam os nascimentos ilegítimos, entendidos como

filhos nascidos fora de um casamento, que posteriormente foi efetivado. Esse índice

também é baixo: somente oito uniões em cada uma das coortes já tinham um ou mais

filhos quando foram celebradas na igreja61.

» Ver PARTE III - TABELAS 12 e 13.


Dessas concepções pré-nupciais 24 estão na primeira coorte e 9 na segunda coorte.(Ver
60

TABELA A10)
- Ver PARTE III - TABELAS 10 e 11.
147

Comparando esse comportamento com o de outra grupo imigrante - o dos


alemães luteranos62 - , percebe-se que os rutenos tinham um padrão mais rígido
perante a sexualidade S. NADALIN, para os períodos de 1895-1919 e 1920-1939, aponta
uma freqüência de ilegitimidade de 18% e 14,7%, respectivamente. Tais imigrantes
são de origem diversa e, nesse período, 60% das mães já são nascidas em Curitiba63.
S. NADALIN argumenta que as comunidade aldeãs de outrora controlavam o
comportamento sexual dos seus jovens sob o manto das instituições, costumeiras e
que essas variavam bastante segundo as regiões. Aponta, nesse sentido, as cortes
noturnas nas quais, em cada sábado da época apropriada, um rapaz diferente
visitava uma moça diferente, até que os candidatos ao casamento se conhecessem.
Uma vez que um rapaz e uma moça se detivessem na sua procura, e havendo um
entendimento, tudo era permitido. Por conseguinte, o comprometimento selado com
o noivado, deñnia o início da vida sexual do casal, antes do casamentóA. Tudo indica
que, em Antonio Olyntho, a comunidade ucraniana tinha outras normas e,
contrariamente ao grupo de alemães, não incentivava as relações sexuais entre os
jovens.

A procedência e a história do comportamento fecundo desses imigrantes


podem ter determinado as diferenças de comportamento. As alemãs procediam da
Europa Ocidental e Central e aqui apresentaram não apenas uma alta taxa de
concepções pré-nupciais e de intervalo protogenésico negativo, como também um
evidente comportamento contraceptivo.65 Já as ucranianas de Antonio Olyntho têm
sua origem na Europa Oriental, apresentando uma fecundidade alta e desuso da

42 NADALIN, S. O. Une paroise d'origine germanique au Brésil : la communauté


evangelique luthrienne à Curitiba entre 1866 et 1969. Paris. 1978. Tese (Doutorado). EHESS.
° NADALIN, S. O.. Sexualidade, casamento e reprodução. REVISTA BRASILEIRA DE
ESTUDOS POPULACIONAIS. São Paulo, v. 5. n. 2. p. 63-91, jul-dez., 1988.
" Ibid., p. 67.
" Entre 1895-1919, 4,6 filhos em média e, entre 1920-1939, 2,6 filhos em média.
148

contracepção66. Essas fatores ajudam a entender um pouco mais os limites do espaço


apropriado para as uniões físicas que cada uma dessas tradições possuía. Os índices
relativos ao comportamento reprodutivo dos imigrantes ucranianos não indicam a
liberdade sexual permitida aos jovens compromissados que aparece com tanta
clareza, tanto no trabalho de S. NADALIN quanto em pesquisas de comunidades
aldeãs européias no passado. 67
De qualquer maneira, em Antonio Olyntho, os jovens de ascendência
ucraniana encontravam brechas no que deveria ser a vigilância estrita das suas
condutas para, individualmente, escolherem seus parceiros. A questão das mães
solteiras dá outro panorama da sexualidade desse grupo: 50 crianças foram
batizadas sem a menção do pai, contando, assim, a comunidade com um rol de mães
solteiras68.
Os dados demográficos indicam um exercício das relações homem-mulher
diferente do preconizado pelo padre Michalczuk ou retido pela memória da
comunidade69. As mães solteiras não constituíam um número tão pequeno:
representam 5,9% das mães entre 1895-194970. Por outro lado, nessa mesma coorte,
10,5%71 das concepções se deram fora do vínculo do casamento72. No período

Ver infra, no Item 2.4 - Desdobrar-se em muitos filhos, do Capítulo 2 da PARTE II, os
66

GRÁFICOS 3, 4 e 5.
" Os autores nem sempre concordam quando o assunto é sexualidade. Alguns deles
indicam uma castidade quase absoluta nos dez a quinze anos que precedem o casamento, facilitados
por um processo de larga sublimação. Outros, notadamente J.L. FLANDRIN, criticam essa noção,
dizendo que os jovens tinham atividade sexual que podia ser revestida das mais variadas formas.
(FLANDRIN, J. L. Sexo e o Ocidente. São Paulo : Brasiliense, 1981.). E. SHORTER discorda, dizendo
que os meios camponeses tradicionais eram desprovidos de erotismo e, que por isso mesmo, os
índices de concepção ilegítima eram, geralmente, baixos (por volta de 3%). Contudo SHORTER
indica, para vários locais da Europa camponesa, as cortes noturnas , ocasião propícia para os jovens
desenvolverem jogos eró ticos.(SHORTER, op. cit., p. 98-152)
" Ver TABELA AlO.
" Lídia, 67 anos, explicou: "Tinha que se cuidar para casar virgem. É o que eu digo até
hoje para as minhas filhas. Todos ficavam meio revoltados. Porque não deve ser assim." (Entrevista 2
-1993).
70 Esse percentual relaciona o total de mães (655+41) com o total de mães com filhos

ilegítimos. (Ver TABELA A10)


71 Esses percentuais incluem mães-solteiras. (Ver TABELA A10)
149

seguinte, os dados demográficos indicam uma queda geral dos índices de


ilegitimidade - 7,1% - mantendo-se, porém, inalterada a percentagem de concepções
pré-nupciais73.
De qualquer maneira, a análise geral dos registros demográficos apontam
uma abstinência sexual entre as imigrantes ucranianas solteiras. Mesmo assim, a
comunidade de Antonio Olyntho possuía o espaço social das mães-solteiras.
Inicialmente, elas perdiam o direito de exibir os distintivos de uma moça casadoura.
Numa cultura em que definiam as posições sociais com símbolos externos, era-lhes
negado o uso das tranças e dos cabelos compridos próprios das donzelas. Sua
situação perante a comunidade lhes impunha o dever de usar a h'ustka - um lenço
na cabeça, que normalmente assinalava o estatuto da mulher casada. Mas não era o
espaço da mulher casada que elas ocupavam, por pertencer a um segmento oblíquo74
era-lhes proibida qualquer participação nas ritualizações comunitárias.75 Na própria
igreja, a mãe-solteira não se perfilava nem com as casadas nem com as solteiras: para
ela era reservado o babenétz, local mais distante do altar, abaixo do coro, onde não
havia bancos ou genuflexórios. O lugar dos gentíos.
Uma situação social específica era experimentada, assim, por aquelas que
infringiram a moral coletiva. Os imigrantes de Antonio Olyntho percebiam o
casamento enquanto assunto da comunidade, repudiando as decisões que

71A esse respeito, VIHORINSKY generalizou uma observação: " A s uniões ilegais eram
raras e quando aconteciam estavam expostas ao afronto da comunidade e principalmente dos
padres, prometendo-lhes mil e uma maldições e os piores desarranjos na vida caso continuassem
neste estado desregado e pecaminoso. A pena mais comum era a excomunhão". (VIHORINSKY, i,
Iracema-Imigrantes ucranianos no Brasil, 1895-1959, p. 65 Apud HANICZ, T. Igreja e imigração
ucraniana no Paraná : Elementos para uma história da Igreja ucraniana no Brasil. 1993, p. 36. Texto
inédito.)
n Vèr PARTE III -TABELAS 10,11,12 e 13.
Na comunidade quando as pessoas se referiam à mãe-solteira usavam a palavra kurva.
M

No idioma ucraniano kurva significa prostituta.


75 Estou me referindo à participação na ritualização do casamento, nos termos que será
descrita, infra, no Item 1.3 - O casamento e seus ritos, deste Capítulo.
150

rompessem com o padrão coletivo. Desenvolveram uma organização social em que


sexo e matrimônio constituíam binômio indissociável.
A agregação de fatores como as dificuldades naturais de se criar os filhos, a
forma de organização do trabalho rural, e sobretudo, a precocidade da idade ao
casar do modelo oriental podem ter criado espaço para a concepção de que o
exercício da sexualidade e os filhos são conseqüência da família constituída.
Era aceita com naturalidade a atitude paterna que mantinha sob sua tutela
a escolha dos candidatos ao casamento. Quando assim não fosse, os pais até
poderiam impetrar ações exigindo reparação por danos morais; dois episódios
podem ilustrar os fatos.
No primeiro, acontecido em 1928, encontramos um grupo de rapazes que
organizaram a rifa de uma jovem rutena. Distribuídos os números, foi entre grande
algazarra que se congraçaram com o ganhador do prêmio. Tudo não passaria de
uma brincadeira (de mau gosto) se os brincalhões fizessem um ponto finai6.
Animado pelo direito da premiação, o ganhador dirigiu-se com alguns
companheiros à casa da moça. Lá, reclamaram o prêmio ao progenitor:

À tal entrega [...] opoz-se energicamente o pai da moça e a menina também de boa ou má
vontade (não se sabe), virou bicho. Os meninos porém, mantinham-se firmes na sua
resolução e travou-se a interessante tragédia. Pula daqui, salta dali [...] e nem a gancho
conseguiram dominá-la. O resultado foi que estraçalharam com as vestes da pequena e o
caso foi bater na polícia.77

Se este pai teve sucesso, tanto em conter os ímpetos da juventude quanto


em obter, pelo acordo na justiça, roupas novas para sua filha, o mesmo não
aconteceu em outras situações.
Já em 1955, o pai de uma moça de 17 anos ao perceber a gravidez da filha
apelou para a autoridade civil, mas não conseguiu que o responsável assumisse a

GAZETA DO POVO. Antonio Olyntho, a célebre. Curitiba, 18 fev 1928. n. 2774. p. 2-3.
Ibid., p. 3.
151

paternidade e a levasse ao altar78. O rapaz sustentou que manteve relação sexual com
a moça, notando que a mesma não era mais virgem e que não se recusaria a casar
com ela caso ela fosse virgem mas como ela já fora defíorada pelo Augusto, deixava
o caso para a justiça resolveP9. Não se pode precisar se este rapaz usou apenas a
virgindade como vim recurso legal ou se foi o valor cultural que ela representava que
o impeliu a não se casar. Contudo, pode-se afirmar que a jovem em questão foi
afetada pelo código moral da comunidade e passou a integrar o grupo marginal
destinado às mães-solteiras. Encontramos em 1957 o batizado de seu segundo filho,
registrado sem a menção do pai.
Se pela autoridade civil não se ob tinha a legitimação do casamento, a
autoridade religiosa, em alguns casos, tinha mais sucesso. Ainda em 1912, o padre
Michalczuk, interferiu para legitimar a união de uma moça rutena.

Uma rapariga fugiu durante a noite para a companhia de um brasileiro mulato! Viveu
com ele umas cinco semanas, e depois com a ajuda da Virgem Mãe consegui ministrar-
lhes o sacramento do matrimônio* 0 .

Se as mães solteiras eram discriminadas, aos homens era dado o direito de


buscar prazeres fora do casamento. Havia prostíbulos onde os rapazes podiam
divertir-se sem que houvesse uma sanção manifesta às suas condutas. Ao que tudo
indica, tais casas de libertinagem apareceram na paisagem local acompanhando a
construção da Ferrovia São Paulo - Rio Grande do Sul. Uma delas, era dirigida pela
dona Júlia.

" PARANÁ. Fórum da Lapa. Processo-crime não catalogado : Chefatura de Polícia da


Lapa. 18/02/1955.
" Ibid.
80 CORRESPONDÊNCIA DE IWAN MICHALCZUK. 1913. Nesse mesmo ano, em
dezembro, em outra carta, ele relata que "uma moça de 15 anos conheceu um caboclo do mato e o tal
larápio desgraçou-a de tal maneira que o caso acabou em batizado". E dando a dimensão de sua
preocupação em regrar os costumes da comunidade, ele continua: " E apesar de todos os meus
cuidados e das ordens que dou aos pais, agora preciso tolerar isto e passar tamanha vergonha. Eu
preferia ter perdido um cento de dinheiro do que ter isso na minha paróquia".
152

Os homens nos sábados e domingos à tarde, iam procurar a casa da dona Júlia. Lá ela
mantinha umas garotas. Isto era na linha Santos Andrade e depois na linha Constard. Ela
era ucraniana e era comentada às largas 81 .

1.2 TEMPO DE CASAR82


O calendário depende do tempo cósmico, regulador da duração que se impõe a todas as
sociedades humanas; mas estas captam-no, medem-no e transformam-no em calendário
segundo as suas estruturas sociais e políticas, seus sistemas econômicos e culturais e seus
instrumentos tecnológicos.
J. LE GO FF

Entre restrições e resistências, chegava o momento de marcar a data do


casamento. Mas, nas sociedades tradicionais, a escolha do dia das nupcias, longe de
ser uma escolha dos noivos, prendia-se a normas pautadas no calendário agrícola e
religioso.83

Pela ruralidade daquela experiência de vida, os interditos para essa escolha


eram mais rigorosos em relação à distribuição mensal e menos em relação à
localização das uniões ao longo da semana.
Com efeito, em Antonio Olyntho as escolhas dos meses para o casamento se
davam dentro dos padrões gerais, já delineados para populações camponesas e
católicas84. A comunidade privilegiava os casamentos em fevereiro e maio
corroborando o respeito tradicional a Quaresma Pascal.

" Entrevista 20 (1994)


Parte da análise desse item foi desenvolvida no artigo Tempo do sagrado e dia de casar,
82

realizado em co-autoria com o bolsista de Iniciação Científica, Fernando Nauffal Filho, cf


ANDREAZZA, M.L.; NAUFFAL, F. Tempo do sagrado e dia de casar. IX Encontro de Estudos
Populacionais (1994 : Caxambu) Anais ... Belo Horizonte : ABEP, 1994. p. 419-431.
83 A constatação de que tais calendários se interpenetram para definir as possibilidades de
escolha da data do matrimônio é observada em trabalhos diversos, muitos deles inspirados no
clássico de GAUTIER e HENRY, em que os autores concluíam que: "em função da interdição
religiosa de se casar durante a Quaresma e o Advento, existiam muito poucos casamentos em março
e abril e quase nenhum em dezembro. Os casamentos eram celebrados em fevereiro e em novembro;
entre estes dois picos maiores, situa-se o pico agudo de julho precedendo a crise dos meses do
grandes trabalhos". (GAUTIER, E.; HENRY, L. La population de Crulai : Paroisse normande. Paris :
Presses Universitaires de France, 1958. p.64.)
M Ver TABELAS A l l e A12 e infra, GRÁFICOS 1 e 2.
153

Gráfico 1 - Distribuição mensal Gráfico 2 - Distribuição mensal


dos casamentos dos casamentos
1900 -1949 1950 -1980

J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D

A escolha de Anna, que casou em 30 de maio de 1936, é exemplar nesse


sentido:

O pai pediu para esperar para casar depois da Páscoa. Porque vieram os velhos para
combinar com o pai. A minha mãe disse: a Páscoa está aí, vamos deixar para depois da
Páscoa. 85

Na segunda coorte, o respeito pela quaresma manteve-se. Contudo, se na


primeira coorte esse respeito implicava uma divisão da concentração entre fevereiro
e maio, o que se verifica a partir de 1950 é um privilegiamento pelo mês de maio.
O respeito que tinham para com o período da quaresma não se verifica com
a mesma intensidade para com o advento. Na primeira coorte casavam-se menos em
agosto do que em dezembro. E após 1950 que cresce a rejeição por casar no último
bimestre do ano. Nesse comportamento, os rutenos mostraram-se diferentes dos
imigrantes poloneses instalados nas colônia de Orleans e de Abranches e dos
italianos de Santa Felicidade. Para esses, o advento interditava quase que totalmente
os casamentos, verificando-se nas primeiras décadas do século XX uma ausência

113 Entrevista 19 (1992)


154

quase que total de uniões nesse período86. Por parte dos ucranianos em Antonio
Olyntho, a acentuação do pico negativo das uniões na segunda coorte pode estar
sinalizando a assimilação do comportamento convencional.
Outras especificidades do calendário religioso dos rutenos auxiliam a
compreensão da distribuição mensal dos casamentos. Um exemplo disso é a
celebração do Jordan, cerimonial destinado à bênção das águas, realizado em janeiro.
Nesse mês, entre 1900 e 1909, há somente dois casamentos, ambos no dia 30; entre
1910 e 1919, a concentração ocorre a partir da segunda quinzena, agrupando-se os
casamentos no último terço do mês (71,4%). Essa baixa densidade manteve-se até a
década de 1960, quando então delineou-se uma distribuição homogênea ao longo do
mês.
Como o Jordan implica a bênção particularizada da casa dos fiéis, o pároco
envolvia-se com esse rito por um bom tempo. A prática mais efetiva do Jordan na
época do padre João explica a baixa densidade e a concentração dos casamentos no
final de janeiro. Mais recentemente, um relaxamento em relação a essa prática vem
retirando o interdito do mês.
Em outros momentos, o calendário litúrgico não teve função reguladora.
Este é o caso da Petriuka, evento demarcado na quinzena anterior à festa de São
Pedro - comemorada em 29 de junho. O período consistiria numa pequena
quaresma, na qual se esperava o comportamento regrado da Quaresma Pascal.
Todavia, o movimento mensal de casamentos em Antonio Olyntho, na primeira
coorte, indica uma preferência acentuada por uniões nesse mês. Inclusive, nas
primeiras três décadas, junho está entre os meses com maior taxa de nupcialidade;
este quadro só se alterou após 1950.
Pode-se pensar que na escolha desse mês para o casamento, a cultura dos
imigrantes tenha se sobreposto ao calendário cristão e ao agrícola. Em junho, o

86CARDOSO, J. A; NADALIN, S. O. Os meses e os dias de casamento no Paraná.


HISTÓRIA: QUESTÕES E DEBATES. Curitiba, v.3, n.5. p. 105-129, dez. 1982.
155

campesinato ucraniano comemorava a festa de Iwan Kupala. Essa festividade, de


origem pagã, enfatizava três temas: o trabalho agrícola, a família e a felicidade
pessoal.
As canções populares associam freqüentemente o Kupala ao tempo de
casar:

- Bétula, betulazinha,
já é tempo dos galhos pratear.
- Iwanku, Iwanku,
já é tempo de casar.
- Não é tempo, tempo não é,
minha noiva jovem é.
Q u e se divirta até o Kupala,
pois eu disse que esperava 87 .

A partir da cristianização dos ucranianos, no final do século X, passou-se a


incorporar o Kupala (uma vez que a palavra em si denota banhar-se) a São João
Batista sem, no entanto, isso significar a descaracterização dos traços originais da
comemoração a Iwan Kupala88. Até recentemente, ramos de trigo e de flores
preservavam, assim, a ligação com suas características pagãs e agrárias.
Na segunda coorte, o mês de junho perde a preferência para os casamentos.
Paralelamente ao abandono da práticas tradicionais, no caso uma festa com traços
pagãos, ocorre uma mudança para acompanhar a tendência moderna de se casar em
maio.
Em outros meses a configuração da distribuição dos casamentos esteve
mais atrelada ao calendário agrícola. Nesse caso estão julho, agosto e outubro.
Em Antonio Olyntho julho é o mês que antecede o plantio de produtos
básicos.89 No entanto, são raros os casamentos celebrados nesse mês90 contrariando a

" BILETZKEI, op. cit., p. 87. As cantigas citadas neste texto foram identificadas, na íntegra
ou em variações, pelos descendentes dos imigrantes do grupo em estudo.
88 Ibid., p. 127.
" Conforme relatórios oficiais, os produtos cultivados na colônia são, desde o início do
século, principalmente o feijão, o milho, a batata, a mandioca, além da extração da erva-mate.
90No que tange às três primeiras décadas, 2,7%; 0,8% e 1,5% são os percentuais relativos à
incidência de casamentos no mês de julho.
156

distribuição clássica que concentra casamentos nos períodos que antecedem os


trabalhos agrícolas. Uma explicação seria a reduzida demanda de trabalho em
função do tamanho dos lotes, o que não requeria uma antecipação dos casamentos.
Isso pode ser evidenciado pela incidência de casamentos em agosto,
principalmente na primeira coorte. Essa explicação ganha consistência quando se
observa a diminuição de casamentos em agosto a partir de 1950. Aqui, poderia estar
começando a interferência de um ritmo de produção também voltada para o
mercado, à medida que nessa década efetivou-se um aumento no tamanho dos lotes
familiares.
Ligado à intensificação da atividade agrícola, poderia estar o aumento do
volume de casamentos em setembro na segunda coorte. Até 1950, prefere-se casar em
outubro e setembro mantinha-se com índices negativos.
Em todo o período, foi explícita a relação da distribuição dos casamentos
com um comportamento tradicional. Interditos culturais, religiosos e agrícolas
determinavam a escolha do mês dos casamentos. Apesar de alguns deslocamentos
de preferência, pode-se notar, também, que os casamentos se concentravam no
primeiro semestre. Nesse caso, abstraindo o mês de fevereiro, é possível que, ao lado
do significado cristão do mês de maio - dedicado a Maria, símbolo de mulher e de
mãe - , estivesse persistindo a crença camponesesa européia de que a primavera -
prenuncio da renovação da natureza - é a estação do amor91.

1.2.1 Dia de casar


A distribuição semanal dos casamentos também se orientou por questões
de fundo cultural e religioso.
Ao se observar a nupcialidade em períodos decenais, percebe-se um
comportamento singular da população pioneira. O período que antecede à chegada

SHORTER, op. cit., p. 198.


157

de Michalczuk -1900-1910 - revela um quadro em que os casamentos espalhavam-se


por toda a semana, havendo, contudo, uma preferência significativa pela segunda-
feira. Nela celebraram-se 40,5% dos casamentos. Se considerarmos a opção por este
dia como a expressão de um imaginário camponês, é possível associá-lo à expe-
riência de vida dos imigrantes que relacionavam o ciclo vital às forças da natureza.

Gráfico 3 - Distribuição semanal Gráfico 4 - Distribuição semanal


dos casamentos dos casamentos
1895 -1949 1955 - 1980

SEG TER QUA QUI SEX SÁB DOM SEG TER QUA QUI SEX SÁB DOM

Sabe-se da ligação que diversas culturas fazem entre o ciclo da Lua com a
fertilidade, tanto da terra quanto das mulheres92. Em diversos idiomas europeus, a
segunda-feira ainda mantém-se como o dia da Lua. Na cultura ucraniana este dia
está intimamente ligada ao ritual do casamento e à relação homem-mulher. Pela
tradição dos imigrantes, o Sol rege todos os movimentos do Cosmos, protegendo
inclusive a relação conjugai do seu irmão Lua com a Estrela Vespertina. Nesta

92 ELIADE, M. Imagens e símbolos : Ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso. São


Paulo : Martins Fontes, 1992. especialmente p. 123-149.
158

relação simbólica está representado o casal, bem como seus filhos - todas as estrelas
- e as bênçãos da natureza93. As cantigas de casamento enfatizam esta simbologia:

Semeava estrelinha, semeava.


- Com quem Marusia, você casava?
- Com você, Iwanku, com você,
assim como o claro Lua com a sua estrela.
- E como, Marusia, você sabia,
que a mim de Lua chamava?
- Pelo seu linguajar, pelo seu linguajar, Iwanku,
para que você tivesse uma coroa principesca na cabeça,
assim eu chamava. 94

A distribuição semanal, todavia, apresentou-se surpreendentemente


homogênea quando se analisa um recorte temporal mais amplo95. Na primeira coorte
houve uma concentração maciça dos casamentos em terças-feiras (62,8%), na
segunda a preferência se desloca para o sábado (66,7%). A brusca alteração na
preferência do dia de casar combina alguns fatores para a sua explicação.96
Num primeiro momento pôde-se resgatar que, dentre as normas que
Michalczuk impôs, estava o casamento às terças-feiras. Quando inquiridos a respeito
do porquê casavam neste dia, os habitantes da localidade respondem que era assim
que o padre queria. O depoimento de uma moradora sintetiza esta aceitação
popular:

Como eram bonitos os casamentos! Eram sempre na terça-feira. Deus nos livre e guarde
se no tempo do padre João alguém fizesse casamento no sábado. Ele não deixava porque
[se as pessoas fossem na festa] ninguém iria na missa do domingo. Então começava na

93 BILETZKEI, op. cit. p. 89


94 Ibid., p. 85.
» Ver TABELAS A13 e A14.
* A preocupação em investigar essa mudança abrupta na escolha do dia de casar
prendeu-se, sobretudo, a um pressuposto teórico-metodológico que perpassa toda esta pesquisa: as
tendências coletivas, apreendidas em sua dinâmica, apresentam efetivamente mudanças. Todavia,
mantida a normalidade do ritmo dos acontecimentos, as transformações se completam a médio ou
longo prazo, porque as prisões de longa duração se impõem enquanto fortes condicionamentos.
Nesses termos, a dialética que se estabelece entre o fato e a estrutura garante a dinâmica histórica
enquanto um processo de alterações graduais.
159

segunda na casa da noiva o dia inteiro, trançavam as tranças, cantavam, dançavam... Era
bonito 97 .

Todavia, não se pode perder de vista que a imposição de Michalczuk não


teria receptividade se não houvesse o terreno fértil da religiosidade popular para
aceitar suas exigências. Nesse sentido, a sacralidade impressa na visão de mundo
dos imigrantes e de seus descendentes seria o motivo subjacente à aceitação da terça-
feira como o dia próprio para o casamento. Michalczuk prendeu-se justamente a essa
religiosidade, quando interditou para o casamento o domingo, a quarta e a sexta-
feira. O domingo, por ser dia das funções religiosas, a quarta e a sexta-feira por
estarem associadas à Paixão e Morte de Jesus Cristo98.
A recuperação destes impedimentos e a herança cultural dos imigrantes só
deixaram possível, ao paroquiano devoto, casar nas terças-feiras. Tal herança
mantinha o casamento ucraniano envolto em uma ritualização que culmina em
festejos nos dois últimos dias. Então, na comunidade de Antonio Olyntho, os tónicos
dias consecutivos e livres de impedimentos passaram a ser a segunda, quando se
iniciavam as festividades, e a terça, quando então era celebrada a cerimônia
religiosa.
A morte de Michalczuk, em 1950, precipitou a mudança dos casamentos
para os sábados, o que também se realizou em bloco. Nesta ruptura, a itinerância dos
novos padres torna-se o elemento central de explicação. A visita dos padres em finais
de semana passou a concentrar as uniões nos sábados.

57 Entrevista 22 (1994)
" Entrevista 19 (1993)
160

1.3 CASAMENTOS E SEUS RITOS


A estrutura social de personalidade dos indivíduos, inclusive as imagens do eu e do nós,
é relativamente duradoura. Opõe-se a todas as múltiplas inovações acarretadas pela
transição para um novo nível de integração.
N. ELIAS

Independentemente do dia em que fosse celebrado, o casamento envolvia


toda a comunidade por um bom espaço de tempo. Seu ritual" iniciava-se com o
pedido formal de casamento quando da visita do stárosta à casa dos pais da noiva. A
apresentação se dava num momento em que a comunidade e as famílias envolvidas
já sabiam e haviam consentido no andamento das negociações matrimoniais.
O cerimonial de aproximações familiares ocorria num clima de confiança. E
não poderia ser diferente. O stárosta já se ocupara da manutenção da endogamia e
da homogamia da comunidade. Garantia que o casamento desempenhasse sua
efetiva função numa sociedade tradicional: unir jovens confirmando a constante
reprodução social.
A visita do noivo com o stárosta corresponde ao que a tradição ucraniana
chama de svatánha.100 É descrita como de grande ritualização e cerimônia,
normalmente iniciadas na soleira da casa:

E bateram à porta pela terceira vez. Então Naum (o dono da casa) fazendo um sinal da
cruz disse: - Se vocês são pessoas de bem, pedimos que entrem. Após o convite de Naum,
entram duas pessoas moradoras da localidade [...] . O mais velho traz consigo um pão.
Ao entrarem em casa, oram e se enclinam para os donos da casa. Naum pergunta: -
Quem são vocês, de onde vieram, a procura de que Deus os traz? O senhor mais velho
responde: - Primeiramente permita-nos inclinarmo-nos diante de vós e servir-vos de boa

99 Os atos do casamento que serão sumarizados foram praticados em Antonio Olyntho,


praticamente na íntegra, até a década de 1960. A dinâmica de uma reorganização social provocada
pela imigração, a alteração gradativa das formas de trabalho, a perda da ruralidade como referência
dos códigos sociais e a própria sucessão de gerações foram descolorindo os significados originais da
ritualização.
100Svatánha é o equivalente ao pedido de casamento, e corresponde ao ato inicial do
casamento ucraniano, a seguir acontece o Zarútchene, equivalente ao noivado e o ato final chama-se
Vesilha, que seriam os festejos que acompanham a celebração religiosa.
161

palavra. Pedimos que ouça nossas palavras, se elas não forem corretas nós nos
retiraremos.

Esse primeiro ato do ritual do casamento foi reeditado nas uniões dos
imigrantes e de seus descendentes em Antonio Olyntho. Nicolau casou em 04 de
maio de 1957 e tinha como stárosta seu tio; já namorava a futura esposa há dois anos
e ela sabia qual seria o dia do svatánha. Isto não impediu que o stárosta, Paulo, e
Nicolau parassem na soleira da casa da noiva para cumprir a cerimônia ancestral101.
O stárosta chega na casa e pede se vão recebê-los; se na casa tem uma filha para
casar, porque ele trouxe um rapaz102. Esse depoimento foi feito por Tereza, que casou
em 31 de janeiro de 1970. Respondendo se o svatánha das amigas se processou da
mesma maneira disse: Sim, o sistema que eu conheço é assim. Até hoje é assim,103

É interessante notar que, em se tratando de uma cultura imigrante, esta


pode ter sido a forma que prevaleceu no processo de recriação da cultura rutena.
Coexistiram outras formas até que se engendrasse a linguagem comum exercitada
por Tereza na década de 1970. Nesse caso está o impasse provocado pelo stárosta de
João, casado na década de 1950. A fórmula ritual utilizada, Viemos buscar uma
cabrita. Queremos saber se tem uma para negócio104, não agradou ao pai da noiva e
foi preciso interpretar a expressão para que o primeiro ato do casamento se
concluísse.
O cerimonial do svatánha prosseguia com o presentear um pão à família da
noiva. Para alguns intérpretes da cultura ucraniana, comer do mesmo pão e beber do
mesmo cálice daria uma conotação religiosa ao início da vida de um novo casal105.
Sem precisarem a razão de se levar o pão no dia do svatánha, as mulheres

101 Entrevista 2 (1994)


102 Entrevista 2 (1994)
103 Entrevista 3 (1994)
104 Entrevista 45 (1995)
105 BILETZKEI, op. cit., p. 150.
162

entrevistadas, de maneira geral, concordaram que receberam o pão no dia do pedido


de casamento; algumas receberam o pão e o vinho. Uma delas sintetiza a
manutenção da tradição, sem referência a algum significado, ao explicar que o noivo
levou um pão e comeram todos juntos, porque é assim que se faz106.
Os noivados - zarutchne?07 - geralmente duravam pouco. Decorridos de
um a três meses depois do svatánha e do zarutchne, ocorria a vesilha, celebração do
casamento. Nela transcorriam os últimos atos simbólicos dando um desfecho ao
ritual do casamento.
Em Antonio Olyntho, a preparação da vesilha chegava a envolver as
pessoas mais próximas durante uma semana, apesar de os festejos culminarem nos
dois últimos dias. Quem presidia o cerimonial era o stárosta108, organizando as
funções masculinas e femininas na preparação dos festejos. Ao som de cantos e da
rabeca109 as pessoas casadas ocupavam-se dos alimentos obedecendo a uma divisão:
às mulheres cabia a preparação das massas, repolho e pepino azedo e do korovai110;
aos homens, o preparo das carnes: eles tinham o serviço deles que era lidar com os
porcos e com o boi.lu A vizinhança trazia farinha, ovos, açúcar e outros ingrediente

104 Entrevista 17 (1993)


Esta palavra designa tanto o dia do noivado quanto o período em que o casal já
107

comprometido espera o dia do casamento - a vesilha.


Alguns estudiosos da cultura popular ucraniana apresentam a figura do starché-
boiarém como o mestre de cerimônias da vesilha. Contudo, na comunidade em estudo não ouvi
menção a este personagem. Os entrevistados sempre atribuíram a organização e direção das
solenidades ao stárosta.
1MUma moradora da localidade, que não é da etnia ucraniana, comentando a respeito
desses preparativo indicou que envolviam as pessoas durante um bom período, normalmente uma
semana; além disso, apontou uma questão que não pode ser explorada nas entrevistas com as
pessoas de origem ucraniana: o fato de que "nestes preparativos, o noivo já ia dormir na mesma
cama que a noiva. As vezes, já estava meio bêbado, deitava na mesma cama, um com a cabeça para
cá e outro para lá". (Entrevista 7 - 1994). Este dado poderia ser um indicativo da liberdade sexual,
tradicionalmente dada aos noivos nos meios camponeses, depois de oficializado o compromisso
matrimonial. De qualquer maneira, se isso fosse costume entre os descendentes dos imigrantes
implicava uma intimidade maior entre os noivos apenas a partir dos dias que antecediam o
casamento, haja vista o pequeno índice de concepções pré-nupciais da comunidade.
uo Nome dado ao principal alimento da vesilha, que sintetiza o simbolismo deste
cerimonial. Isto será detalhado adiante.
m Entrevista 23 (1994).
163

para a preparação dos alimentos, mas esse hábito perpetuou-se apenas em algumas
partes da colonia. No depoimento de Anastácia, moradora da linha Santos Andrade,
casada em 1936, não há lembrança de contribuição dos vizinhos; outra moradora
dessa linha, Agneta, que casou também em 1936 ao relatar seu casamento dividiu as
funções das mulheres e dos homens, dos solteiros e casados e mencionou a
colaboração com mantimentos por parte dos vizinhos112; Lidia, que casou em 1956
afirmou que na linha Campina até hoje as mulheres levam os ovos para o korovai e
para o macarrão.
Enquanto os casados organizavam a comemoração, na semana que
precedia a vesilha, a noiva visitava a casa dos vizinhos e parentes formalizando os
convites para a festa. Era acompanhada por amigas solteiras denominadas drújke,
dentre as quais uma era a principal. De maneira geral até a década de 1940, as noivas
faziam os convites usando na cabeça uma guirlanda de flores preparada com as
drújke. Um morador, nascido na década de 1900, lembra dessas ocasiões: As noivas
vinham convidar para o casamento acompanhadas de suas drújke. Todo mundo as
escutava e todos se curvavam. A noiva tinha uma guirlanda na cabeça114. Não se
pode precisar em qual década o acompanhamento reduziu-se a apenas uma drújka;
no entanto, o hábito de a noiva ter essa acompanhante perdurou até o final do
período em estudo.

Entrevista 23 (1993)
lu Entrevista 2 (1994) e Entrevista 3 (1993)
114 Entrevista 20 (1994)
164

M O L O D Á . O .H. C H A B A T U R A . 44X62.1987.

O acompanhamento não era privilégio da noiva: o noivo também escolhia

um amigo que era seu drújba. Esse personagem mantinha-se ao lado do noivo,

principalmente no cortejo para a realização da cerimônia religiosa e nos rituais que

transcorriam durante a festa. Alguns moradores que presenciaram casamentos da

década de 1910 e 1920 lembram que, na chegada da igreja, os rapazes da

comunidade simulavam uma luta com o noivo e os drújbas. Não sabem explicar por
165

que isto acontecia, têm apenas a memória das lutas de brincadeira na frente da

igreja™.
L. BILETZKEI busca raízes culturais muito antigas para explicar o significado
dos acompanhantes dos noivos116. Especificamente a drújka e o drújba evocam o
período da formação nacional ucraniana, ainda no século IX, quando o príncipe
Wolodymir organiza seu exército, ou seja, sua drujena. Os noivos, na vesilha,
atualizam o período do principado de Rush' de Kiev personificando durante a festa,
o príncipe e a princesa. A hierarquia dos papéis no casamento rememoram o período
do principado. O stárosta e os drújbe são o cortejo do noivo atualizando a relação do
príncipe com a sua corte. Já a simulação da luta do noivo com os jovens da
comunidade remontaria a uma tradição originária da proto-história ucraniana,
quando os costumes tribais incluíam o rapto da noiva e conseqüente enfrentamento
com sua família.
Ainda nos primeiros tempos da colônia os noivos iam para a igreja a pé, ao
som dos bumbos e da rabeca. Um antigo morador lembra de casamentos nos quais a
noiva, com roupas coloridas, dançava, liderando seu cortejo que entoava canções.
Mais tarde iam para a igreja em carrocinhas com os cavalos enfeitados com
pingentes de papel de seda, e foguete?17. A decoração da carrocinha era função das
drújke que, em coerência com uma cultura camponesa, utilizavam-se para isto de
flores, fitas, ramos de cereais e rolinhos de papel. Nem mesmo a a modernização dos
meios de transportes alterou o tipo dos adereços: os mesmos enfeites foram
transferidos para os caminhões que passaram a levar os nubentes.

113 Entrevista 19 (1993). Varios autores apontam cerimônias rituais, em sociedades do


passado, ligados aos atos da vida matrimonial. Cf. DAVIS, N.Z. Culturas do povo : Sociedade e
cultura no início da França Moderna. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1990. p. 87-106 e SHORTER, op.
cit., p. 153-208.
BILETZKEI, op. cit., p. 162.
Entrevista 8 (1994)
166

FESTA DE CASAMENTO. 1953. COLEÇÃO PARTICULAR JOÃO KARPOWICZ.

Pela tradição, para iniciar a celebração religiosa o pároco dirige-se à porta

da igreja para aí interrogar os noivos se estão realmente de acordo em receber o

sacramento do matrimônio118. Essa particularidade motivou entre os moradores da

colônia Antonio Olyntho o desenvolvimento de uma chacota alusiva ao fato de os

noivos ucranianos poderem, até o último instante, fugir do casamento. Enquanto

permanecessem do lado de fora, haveria maiores possibilidades de desistência119.

Até onde se sabe, a fuga do compromisso matrimonial não se efetivou no período

estudado; em Antonio Olyntho, rapazes e moças cumpriam os acordos familiares.

Buscar os noivos na porta é uma deferencia do celebrante aos cônjuges que

possivelmente tem raízes na cultura rutena que concebe as bodas como a união de

um príncipe e uma princesa. Nesse mesmo motivo está articulado a vintchánha: ato

"* Na atualidade o rito matrimonial já prevê a vintchánha durante a celebração do


casamento no interior da igreja. Na localidade, por ser um hábito arraigado, muitos casamentos
ainda coxitam com a acolhida na porta do templo.
Uma das entrevistadas, referindo-se aos casamentos na atualidade, confirma que a
diferença entre o ritual latino e o grego gera esta brincadeira local, expressando-se da seguinte
maneira: "No nosso casamento o padre busca na porta da igreja e muitos debocham porque dizem
que se se arrepender é fácil: está na porta. É só ir no carro e escapar". (Entrevista 2 - 1994)
167

realizado no tetrapóé20 no qual o celebrante cobre os noivos com uma coroa


confeccionada com ramos verdes, momento importante da cerimônia que concede
aos noivos o direito à vida conjugai.
Finalizando a cerimônia religiosa da vesilha, a noiva era encaminhada ao
altar de Nossa Senhora - localizado à direita da igreja - a fim de receber uma bênção
especial. A fórmula ritual dessa cerimônia contém invocações para o bom
desempenho do papel de esposa tradicional: ser boa para o marido, desenvolver
prole e, dela ser mãe, espelhada no modelo de Maria. Para receber tal bênção a
cabeça das noivas recebia um véu, marcando a maneira pela qual deveria ficar a
partir de então: coberta com uma h'utzka - um lenço -, como convém às mulheres
casadas. Para essa bênção as noivas - principalmente as da primeira coorte -
levavam alguns metros de tecido para ser abençoado pelo pároco121; com esse pano
iam sendo confeccionadas as h'utzka que usavam por toda a vida.

uo Pequeno altar, alinhado com o altar-mor, e situado fora do Sanctu-Sanctorum.


U1 Entrevista 30 (1994). Quanto ao tecido usado para o lenço, algumas mencionaram pano
fino, outras linho e a grande maioria citou o mor im.
168

NOIVOS DA DÉCADA DE 1950. COLEÇÃO PARTICULAR JOÃO KARPOWICZ.

Acabada a cerimônia religiosa, a vesilha continuava com as comemorações

na casa dos pais da noiva.122 Casar e festejar eram indissociáveis, pois o casamento

era a festa por excelência. O depoimento de Ahaphia, que casou com João, em 1943, é

exemplar:

A nossa festa era sábado e domingo. Dia inteiro. O falecido pai já tinha morrido: morreu
de doença, porque a gente era pobre e não levamos no médico. A mãe e o meu irmão
fizeram a festa. Foi sábado o dia inteiro. Fomos na missa, casamos e daí o dia inteiro foi

122As entrevistas indicaram que as festividades do dia anterior ao casamento religioso


ocorriam na casa do noivo e aquelas que o sucediam, eram realizadas na casa da noiva.
169

baile.[...] Amanheceu, e aquele baile continuava. Cedo, a falecida mãe deu café para todo
mundo. E baile o dia todo 123 .

A confraternização pelo início de um novo casal era imprescindível. Mas


antes dos festejos os noivos eram acolhidos pelos pais com vinho e pão e abençoados
com os ícones.
A seguir desenvolvia-se a daróvanha, em que simulava-se a apresentação
da corte ao príncipe e à princesa. Para cumprir esse ato o stárosta nomina va os
convidados, especificando a relação que tinham com a famñia dos noivos e o
presente que trouxeram. Nessa ocasião aqueles que ainda não haviam dado
lembranças colocavam, para os noivos, dinheiro embaixo da toalha - serveta - sobre
a qual estava o korovai.

O korovai é um dos elementos fundamentais da vesilha. Consiste num pão


arredondado e decorado que recebe na parte superior um adorno em forma de lua.
Como já foi visto, na cultura ucraniana, uma das representações do casal são o Lua e
a Estrela Vespertina. É significativo mencionar que, quando o korovai é partido, é
essa a parte que cabe aos noivos. Ainda no korovai estava presente outra simbologia
ligada à vida agrícola. Uma pequena árvore era colocada no seu centro - que na
colônia em estudo era um pinheirinho. Outrora, os noivos se dirigiam a uma árvore
associada às forças fertilizadoras da Mãe-terra. Alguns autores, inclusive, entendem
esta árvore como a própria árvore do Paraíso.124
Após os noivos circundarem a árvore do korovai, concluíam mais um rito
que lhes colocava em compasso com o ciclo da natureza. Cabia, agora, festejar e
depois dar frutos.

123 Entrevista 17 (1994)


u< BILETZKEI, op. cit., p. 147.
170

VESllHA. I.M. SKOLOSORA. 1985.(ÓLEO SOBRE VIDRO) 3Sx28


2 PELAS PASSAGENS DA VIDA

2.1 ORGANIZANDO O ESPAÇO


Não se faz " n o s s o " um território senão "criando-o" de novo, quer dizer, consagrando-o.
M. ELIADE

FIM D A S E R V I D Ã O . L M . S K O L O S D R A . 1987.

Um conto ucraniano narra que, ao partir para a América, Iwan deixou, na

aldeia natal, uma cruz construída com pedras, em memória da vida que
172

abandonava. Nos festejos de despedida, entre muitas lágrimas e lamentações, fez um


apelo aos amigos:

Peço a vocês todos, donos, que quando nos domingos santos benzerem os campos não
deixem de passar pela colina. Que qualquer jovem corra até lá em cima e esparja a cruz
com água benta, pois vocês sabem que o padre não vai subir lá. Eu até lhes peço muito
este favor. Q u e não abandonem nunca a minha cruz. Pedirei a Deus no outro mundo por
vocês, mas façam a vontade do velho 1 .

Se Iwan, o personagem do conto, marcou com uma cruz sua emigração os


seus conterrâneos que se dirigiram a Antonio Olyntho marcaram com ela a sua
chegada. Ainda em 1895, no processo de instalação da colônia, à medida que eram
designados para ocupar lotes em determinadas linhas de demarcação, os imigrantes
abandonavam o alojamento geral na sede da colônia, e deslocavam-se para a
proximidade dos terrenos que iriam ocupar. Aí, em mutirão, ajudavam os
funcionários da Inspetoria de Colonização na abertura de picadas, na medição dos
terrenos e na construção de toscas moradias que serviram enquanto abrigo. Nos
locais onde acampavam, ergueram cruzes, que ainda hoje marcam a paisagem; são
conhecidas como as cruzes dos imigrantes.

Da inter-relação das cruzes com a fundação da colônia surgiu uma das


histórias locais: da cruz fincada pelos futuros moradores da linha São João brotou
um cedro. Alheios à metamorfose, os descendentes de imigrantes dirigiam-se, como
ainda hoje, a esta árvore frondosa para fazer orações comunitárias.

1 STEFANYK, V. Cruz de Pedra e outros contos. Curitiba : Sociedade dos Amigos da

Cultura Ucraniana, 1982. p.27.


173

Á R V O R E D O S I M I G R A N T E S . A N T O N I O O L I N T O . 1995.

As cruzes dos imigrantes marcaram o esforço dos pioneiros em integrar a

mudança radical que se efetuava em suas vidas com uma força transcendente.

Concomitantemente, elas sintetizam a visão de mundo dos imigrantes, pela qual o

espaço é passível de marcas sacralizadoras. No dizer de M. ELIADE instalar-se num

território equivale, em última instância, a consagrá-lc?. Desse ponto de vista, as

cruzes podem ser entendidas enquanto sinais da organização do espaço que os

imigrantes passaram a ocupar. Para o autor, o que caracteriza as sociedades

tradicionais é a oposição que elas subentendem entre o território habitado e o espaço

desconhecido. O primeiro é o "nosso mundo" - o Cosmos; o restante é um espaço

ELIADE, M. O sagrado e o profano : A essência das religiões. São Paulo : Martins


!

Fontes, 1992. p.32.


174

consagrado previamente, e esta consagração - o momento cosmogónico - é que


funda o mundo, no sentido de que fixa os limites e, assim, estabelece a ordem
cósmica4. Segundo o autor, quando se trata de arrotear uma terra inculta ou de
conquistar e ocupar um território já habitado por outros seres humanos a posse ritual
deve, de qualquer modo, repetir a cosmogonia. Porque da perspectiva das
sociedades arcaicas, tudo o que não é o nosso mundo não é ainda tun mundâ.

Talvez possa ser um anacronismo paralelizar a simbologia das cruzes dos


imigrantes com práticas primitivas em relação a terras desconhecidas, inclusive
quando são datadas, pelo próprio M. ELIADE até as auroras dos tempos modernos.
Talvez não, quando se constata que a organização da vida dos pioneiros no "paraíso
das delícias"contou com outros elementos, de caráter religioso, que têm raízes num
passado bastante remoto.

Houve, assim, uma sacralização do território não apenas no erigir das


cruzes, mas na própria construção das hatas - casas dos imigrantes 6 . A escolha do
local para essa construção, longe de ser aleatória, seguia princípios relacionados com
uma visão mágica de mundo. E mais, para os imigrantes, a própria edificação
também tinha uma relação direta com o próprio Cosmos. Assim, o leste era
entendido como o local privilegiado; aí nasce o sol. Na face leste da casa ficava,
portanto, o aposento principal, onde eram colocados os ícones. Até hoje, os
descendentes dos imigrantes respondem, sem hesitação, que é esta a forma correta
de se dispor uma casa 7 . Entendem também que se constrói dessa maneira,

* Ibid., p.28.
' Ibid., p.30.
' Essas casas estavam localizadas em lotes de dez alqueires, em média, para cada família
imigrante. Tais terrenos eram basicamente retangulares com profundidade maior do que largura. Na
face dianteira passavam carreiros e as demais divisas eram com os lotes vizinhos. Cada conjunto de
sessenta a noventa lotes - uma linha - recebia denominação específica e ligava-se às demais por uma
rede de carreiros e de estradas. (Ver ANEXO 2)
7 HOLOWKO, em um estudo sobre as habitações na Ucrânia, generalizou esta relação,
fosse qual fosse o estilo ou a região das moradas camponesas. (HOLOWKO, S. et al. UKRAINSKA,
MENUVCHENA : Ilustrovanei etnografotchnei dovidnek. Kiev : Lebidh, 1994. p. 117)
175

porque foi assim toda a vida. Quem fazia a casa, colocava os santos assim [para o leste],
toda a vida. A casa também se colocava com a frente para o lado que o sol nasce 8 .

É M. ELIADE, ainda, que apresenta a imagem do Centro do Mundo no qual


existe uma ruptura de nível, ou seja, uma comunicação entre as três zonas cósmicas,
em que a imago mundi, bem como a idéia de Centro se repetem no interior do
mundo habitado 9 . Coloca também que a multiplicidade de Centros e a reiteração da
imagem do mundo a escalas cada vez mais modestas constituem uma das notas
específicas das sociedades tradicionais.

Todavia, inseridos numa cultura católica, os descendentes dos imigrantes


ucranianos, ao explicarem a sincronia de suas casas com os pontos cardeais,
associam, evidentemente, o sol a Cristo reproduzindo o discurso clerical com a idéia
evangélica de "Eu sou a Luz". Para uma cultura agrária, a associação do sol com a
vida não poderia se restringir a um nível tão abstrato: o sol que fecunda, que
germina é uma imagem rural que, como outras, foi apropriada pelo cristianismo.
Nesse pormenor, é interessante a observação local de que o leste é o lado da vida,
enquanto o oeste, o lado da morte10. Por este princípio, a cabeceira das camas deve
ficar, preferencialmente, virada para o leste. Nessa crença, envolve-se a própria
disposição dos túmulos; no cemitério de Santos Andrade, por exemplo, os
frontispicios das covas estão voltados para o oeste.

Tomando o sol como referência, os pioneiros mantiveram, igualmente, a


forma de construir que conheciam: casas de pau-a-pique, com estrutura de troncos

' Entrevista 12 (1994) Essa mesma entrevistada, que à época tinha 78 anos, explicou que a
geração atual não mantém mais o hábito de colocar a casa e os ícones direcionados ao leste. Em
relação a casa em que mora, esse costume foi abolido depois de uma reforma, em 1991: "Foram
fazendo reforma e ficou assim. Quando passaram a tinta, o meu filho pediu de que lado devia pregar
os santos. Eu disse que podia colocar em qualquer lado. E ele colocou ali [norte]. Mas eu acho que
para mim, ficava melhor se estivesse para cá [leste]. Eu estava mais acostumada".
' ELIADE, op. cit., p.38.
10 Entrevista 5 (1995)
176

de madeira. O relato de Dina, antiga moradora de Antonio Olyntho, é explicativo

dessa prática:

Três, quatro famílias se reuniam e faziam uma casa. Eles tiravam aquelas árvores
compridas e faziam as vigas debaixo, com pé direito, tudo duplo. Daí, eles colocavam a
palha, o capim, a cinza e o esterco de cavalo e iam "recheando" as paredes. O barro ficava
como se fosse casa de alvenaria. E o chão, antes de começarem a pôr assoalho de madeira,
era de barro socado. Eles eram caprichosos: no tempo do Natal, da Páscoa e das festas,
eles buscavam nos barrancos dos rios, barro vermelho e passavam no chão para ficar bem
lisinho. Passavam o barro também na parede. 11

C A S A D E PIONEIROS. D A T A PROVÁVEL D E C O N S T R U Ç Ã O : 1902.1995.

Essas casas eram cobertas com palha de centeio ou, mais freqüentemente,

com tabuinhas lascadas e predominaram até a década de 1930, quando a abundância

de madeira na localidade, e principalmente a instalação de serrarias, tornou mais

corriqueiras as construções de casas de madeira serrada. Entre as casas dos

» Entrevista 5 (1993)
177

pioneiros, contudo, já havia as de madeira cepilhada, com estrutura de vigas


encaixadas.12
Igualmente, o interior das casas dos pioneiros reproduziam as concepções
tradicionais de moradia.

NORTE

I
KUHNIA

DEPÔS RRA HATA

OESTE LESTE
o
QUARTO O
m
ca
QUARTO

SUL

PLANTA DE UMA CASA DE BARRO DA LINHA SÃO JOÃO CONSTRUÍDA EM 1902

" João explicou que era comum as casas possuírem lambrequins e que as casas edificadas
mais recentemente não contam com esses detalhes porque é muito trabalhosa tanto a execução
quanto a montagem dos entalhes. Ele mesmo comprou a madeira de uma casa desmontada e quando
foi construir novamente não reproduziu os lambrequins: "Eu abandonei. Dava muito trabalho para
colocar, porque era tabuinha por tabuinha e se acabava o modelo continuava na outra e eu tinha
misturado e não numerei as tábuas. Aquilo é prá louco". (Entrevista 30 -1995)
178

A "casa" contava com dois edifícios: a ha ta e a kuhnia. À ha ta, cabia, à


primeira vista, a função exclusiva de dormitório. Pelos relatos de antigos moradores
dessas casas de barro, consegue-se desvelar, no entanto, não haver uma preocupação
em restringir os quartos a meros dormitórios. Na parede do cômodo mais amplo,
estavam dispostos os ícones, sempre fixados acima de uma mesa. Principal local da
casa, portanto voltado para o leste. Por isso mesmo, neste aposento, eram recebidas
as visitas de cerimônia, selados os acordos matrimoniais e os moradores eram
abençoados pelo padre no Jordan13.
Tudo isso em meio aos leitos: dos pais, dos avós, dos filhos. A palha de
centeio recoberta por um lençol fazia as vezes de colchão e imensas perenas14
cobriam as camas. Eram camas largas e compartilhadas por várias pessoas. Por
exemplo, Anna lembra que se dormia de dois, de três, de quatro na cama. Depois o
pai fazia outra cama15', Lucia, que dividia a cama com três irmãs16 e João, que, até
casar, dormiu com seu irmãcf7. As camas só apareciam fora do limite desse aposento
quando, num determinado momento do ciclo matrimonial, suas dimensões se
tornavam insuficientes para abrigar toda a prole.
Pela sacralidade na qual desenvolviam suas vidas, pode-se cogitar que a
presença dos ícones nessa parte da casa, ordinariamente de uso noturno, retirava da
noite a insegurança.18 O temor noturno - de perigos reais e imaginários - nas
sociedades do passado tem sido apontado como uma das causas da concentração de

uEvento do calendário litúrgico dos ucranianos que ocorre em janeiro. Nele os padres
percorrem as casas dos paroquianos para benzê-las.
" Acolchoado de penas de ganso.
13 Entrevista 15 (1994)
16 Entrevista 25 (1995)
" Entrevista 44 (1995)
u As crenças populares dessa etnia concentram na noite a ação das entidades fantásticas.
Alguns aspectos do mundo mágico que veio na bagagem imigrante está detalhado no Item 3.2 - As
relações familiares, no Capítulo 3, da PARTE II.
179

pessoas num mesmo aposento19. E, é possível que a presença do altar dos ícones no
quarto em que a família pioneira dormia, signifique uma solução que a cultura
camponesa rutena tenha dado ao problema.20
Além desse quarto, a hata possuía mais dois aposentos. Uma espécie de
vestíbulo que, quando necessário, podia transformar-se em quarto; o aposento
contíguo servia como depósito de cereais: trigo, feijão, arroz e milho.21 A lógica que
regeu tal disposição dos aposentos da casa parece estranha, considerando que um
depósito de alimentos estaria mais bem situado nas proximidades da cozinha. E,
nessa casa em especial, a cozinha distava mais de quinze metros da hata.

Tudo indica que a tradicional casa de barro dos camponeses rutenos sofreu
uma adaptação na América, e isto se evidencia numa comparação feita entre as duas
formas arquitetônicas. S. HOLOWKO22 apresenta plantas e estilos de casas,
principalmente aquelas construídas nas regiões próximas ao rio Dniester,
semelhantes às casas de barro dos imigrantes em Antonio Olyntho. Uma das
características das moradias camponesas na região da antiga Galicia era o fato de um
único conjunto arquitetônico23 abrigar a casa, a cozinha, o celeiro e o estábulo. Aqui,
o que se verificou foi uma dispersão desses compartimentos em várias construções.
Basicamente, a cozinha e o celeiro mantiveram-se separados, não apenas nas casas de
barro dos pioneiros como também naquelas de madeira, e não é raro encontrar,
atualmente, casas de descendentes de ucranianos com as cozinhas separadas.

" Entre outros: SEGALEN, M. Mari et femme dans la société paysanne. Paris :
Flammarion, 1980; DELUMEAU, J. Historia do medo no Ocidente : 1300-1800. Uma cidade sitiada.
São Paulo : Companhia das Letras, 1993. p.84-106; FLANDRIN, J.L. Famílias : Parentesco, casa e
sexualidade na sociedade antiga. Lisboa : Editorial Estampa, 1992. p.107-108.
20 Deve-se notar, contudo, que era comum as pessoas dormirem aglomeradas. Com
exceção de Delumeau, os demais autores preocupados com esta questão não associam diretamente as
crenças populares ao dormir promíscuo.
21Nessa, como em outras casas, o sótão servia, habitualmente, como depósito. Tornava-se
dormitório na eventualidade de ficarem mais pessoas para "passar a noite" ou num aumento do
grupo doméstico.
22 HOLOWKO, op. cit., p.26.
23 Ibid., p.27.
180

É apenas pelas letras das cantigas de ninar, cantaroladas até hoje, que os
descendentes dos imigrantes sabem que, outrora, a cozinha e os quartos compunham
o mesmo corpo de construção. Para se abrigarem dos rigores do inverno, as baba
instalavam suas camas num aposento acima do forno:

Caiu a vovó do leito Vpala baba z prepitchka 25


Onde dormia e roncava De h'ropila i spala
Foi para lá uma gatinha Pichla tude ketzenka
E sozinha com o bebê brincava I samadethá zabavlahla ÍÂ

As pessoas que compunham os grupos domiciliares dos imigrantes e de


seus descendentes - maciçamente até a década de 1940 e diluindo-se a partir de
então - viviam numa proximidade inimaginável aos nossos olhos. Tudo leva a crer
que as formas de individualização que acompanharam a gestação da sociabilidade
moderna lhe eram desconhecidas. Nada, na disposição dos aposentos das casas ou
nos relatos das pessoas, autoriza a afirmação de que manifestassem um viver
familiar com a mesma intimidade dos termos modernos.

É ]. L. FLANDRIN quem ilumina o entendimento de relações familiares, nas


quais estava ausente o sentido do privado:

Devíamos pelo menos admitir a possibilidade de o sono em comum ter sido, entre os
camponeses e outras pessoas pobres de outros tempos, uma das manifestações
interessantes do sentimento comunitário, e o leito comum um dos lugares privilegiados
da vida da família, antes de, no espaço de três séculos ou mais, os moralistas, obcecados
pelos pecados da carne, terem conseguido o seu desaparecimento 27 .

A datação implícita na afirmação acima extingue a promiscuidade familiar

em meados do oitocentos. Valendo-se dela, seria lícito pensar que o campesinato

21 Palavra ucraniana que significa avó.


Deve se observar que a palavra prepitchka significa forno, logo, a tradução literal seria:
23

A vovó caiu de cima do forno.


Canção mencionada por várias babas de Antonio Olyntho, principalmente aquelas da
26

linha Campina e Santos Andrade.


27 FLANDRIN, op. cit., p.107.
181

ocidental foi atingido precocemente pela individualização familiar. No entanto, M.

SEGALEN apresenta moradias rurais francesas, no início do século XX, onde a

promiscuidade não existia apenas entre os moradores da casa; viviam sim,

aglomerados também com os animais. Visto por outro ângulo, pode-se pensar ainda

que os moralistas do Leste europeu não se preocuparam em associar tão fortemente

noções como pudor e pecado. Seja como for, é pertinente a questão levantada por J. L.

FLANDRIN: Nesta quente intimidade do leito, não nasceria entre os membros da

famüia camponesa, uma relação familiar tão autêntica ou tão digna de atenção como

os rituais dos nossos lares burgueses?28

De qualquer maneira, a partir da década de 1930, as residências dos

habitantes de Antonio Olyntho já começavam a contar com um conjunto de cômodos

mais variado e a serem construídas maciçamente de madeira: madeira disposta de

forma horizontal ou vertical, no mais das vezes preparada artesanalmente. Stephano,

que nasceu em 1907, recorda:

Madeira serrada não existia. Quando muito era madeira lascada. Tiravam-se as lascas da
madeira, partia-se com cunhas e obtinha-se as tábuas. Deitava-se a tábua com o machado
e ia se falquejando. Sempre tinha um ou outro que tinha ferramenta de carpinteiro e com
isso trabalhavam. Eles passavam um barbante no carvão e esticavam o barbante para
marcar a madeira com uma linha reta. Meu avô fez assim as paredes e o assoalho da
casa 29 .

Eudóxia lembra que, no final da década de 1930, a casa de seus sogros

possuía, da mesma maneira que outras, um andar:

Tinha escada no meio e usava-se o sótão para deixar as coisas lá em cima. Podia-se
dormir também, se alguém "sobrasse". Tinha cinco quartos para dormir e tinha sala para
fazer baile. Era coberta de tabuinha. Quando tinha bastante gente tocavam a rabeca e o
bumbo e dançavam. O pai também tinha casa grande 30 .

Mbid.,p.l07.
M Entrevista 19 (1991)
30 Entrevista 23 (1994)
182

Nessas casas já aparece uma especialização dos ambientes: quarto para o

casal e os filhos pequenos; e outros, divididos entre o "quarto das moças" e o

"quarto dos rapazes". A cozinha - kuhnia - passa a integrar o corpo da casa e os

ícones são transferidos para as paredes da "sala-de-visitas". Essa especialização de

aposentos indica tanto uma sofisticação na forma de morar, associável à melhoria do

padrão de vida dos descendentes dos imigrantes, quanto uma mudança no estilo de

vida - a promiscuidade dos pioneiros estava sendo abandonada. A distribuição das

peças na casa de Lúcia, da década de 194031, é exemplar:

QUARTO QUARTO QUARTO

1 1
SALA

COZINHA
DEPÓSITO

VARANDA

PLANTA BAIXA DE UMA CASA DE MADEIRA DA DÉCADA DE 1940.

Apesar da tendência de modificação no arranjo dos aposentos, ainda hoje,

em muitos lotes existem duas hatas. uma servindo aos pais e outra à família

secundária. Entre esses dois núcleos domésticos, o elo continua sendo a kuhnia, que

se mantém comum às duas hatas.

31 Essa planta baixa sintetiza as descrições de moradias de diversas pessoas da localidade.


184

C A S A C O M L A M B R E Q U I N S . 1995.

Essa divisão das casas destinadas aos dois núcleos domésticos - uma

modificação na forma de morar - não traduz necessariamente uma alteração

fundamental nas relações domésticas. M. SEGALEN aponta, por exemplo, entre o

campesinato francês, a demanda por refeições tomadas apenas pelo núcleo familiar

como índice da sociabilidade moderna; partilhadas somente pelo pai, mãe e filhos.32

Não foi isso que aconteceu em Antonio Olyntho. Aí, em todo o período

estudado, a cozinha abrigou a relação corriqueira do grupo residencial. Em seu

interior sobressaía-se uma grande mesa, que garantiria lugar para todos. A despeito

disso, tal mesa não era local obrigatório das refeições familiares. Muito pela natureza

do trabalho rural, o que se verificava era uma dispersão das pessoas e dos locais das

32 Á autora afirma, ainda que: "C'est [...] moins le couchage séparé (qui va de soi
aujourd'hui) que la cuisine et le repas, pris seuls, qui sont revendiqués. Maintenant, mari et femme
aspirent à dejeuner et diner seuls avec leurs enfants, les parents âgés cuisinant de leur côté."
(SEGALEN, op. cit., p.60)
184

refeições. Os integrantes de uma residência, basicamente os homens, alimentavam-se

em horários desencontrados e, muitas vezes, sozinhos; mais freqüentemente,

levavam para a roça algo para comer. A rotina ao redor da mesa desenvolvia-se

apenas a partir do entardecer, fixando que a última refeição do dia fosse em

conjunto.

Finda a labuta, as pessoas iam se agregando nesse aposento, utilizando os

bancos e o chão batido33 para repousar: os adultos sentavam-se à mesa, as crianças

no chão34. A rusticidade do fogão - geralmente uma trempe35 - recobria de fuligem

as paredes da kuhnia. A fumaça era um dos motivos para que a construção fosse

distanciada do corpo da moradia. A casa de barre?6 tinha muita fumaça. A outra era

limpa, e era feita longe, para não sujaf7. É possível que a sujeira da kuhnia estivesse

também ligada ao fato de nela se desenrolar o ordinário da existência dessas pessoas.

Panelas de barro, e posteriormente de ferro, eram utilizadas no preparo dos

alimentos. A guarnição da mesa restringia-se a pratos, canecas e colheres. Aí

partilhavam uma alimentação trivial; algumas famílias comiam feijão, carne de

porco, torresmo, kubasé?8', outras, quirera de milho, ovo e moranga 39 ; e ainda, feijão,

sopa de batatinha, perohê10, banha, holuptzf1 e kubasá12.

O preparo do barro que cobria o chão dos aposentos implicava a mistura de "palha de
33

centeio picadinha, estrume seco de cavalo e a argila."(Entrevista 21 - 1993)


34 Entrevista 12 e 18 (1994); entrevista 39 (1995).
35 A cozinha com "fogo no chão", pela utilização da trempe permaneceu por muito tempo,

e parece que seu desuso principiou no início da década de 1940. (Entrevistas 3, 12 (1994), 19 e 37
(1995))
34Como já foi dito, algumas moradias contavam com a hata e a kuhnia, ambas de barro.
Quando construções de madeira passaram a ser mais acessíveis aos colonos - muito em função do
instrumental que facilitasse a manufatura - as hatas passaram a ser de madeira e a kuhnia manteve-
se edificada em barro. Desta maneira, a denominação "casa de barro" é, hoje, associada à cozinha.
37 Entrevista 12 (1994)
M Lingüiça de porco.
39 Entrevista 19 (1993)
40 Pastel cozido.
41 Charutinho de repolho.
42 Entrevista 33 (1995)
185

A relação do cardápio dos descendentes de ucranianos evidencia que, com

a imigração, a culinária não sofreu em seu princípio. A carne de porco e seus

derivados, complementados por pratos à base de repolho, de beterraba e de batata-

inglesa, continuaram sendo muito apreciados. Os ingredientes é que sofreram

adaptações; a mais notável foi a utilização do coco no principal prato do Natal - o

kotiu43. O simbolismo desse doce - expresso nos ingredientes - invocava os desejos

dos familiares para o Novo Ano: a abundância do trigo, a fortaleza da nogueira, a

fertilidade da parreira, a docilidade do mel e a beleza da papoula. Por outro lado, os

produtos locais como o feijão, o milho e a erva-mate, passaram, evidentemente, a

integrar a alimentação diária.

A culinária serviu também para demarcar fronteira étnica. Nesse caso é

exemplar a kapusta: repolho picado, salgado e acondicionado numa barrica, coberto

com um pano e prensado com uma pedra. Para as ucranianas, seu kapusta é

diferente da kapusta polonesa pela forma de fazer a "mistura", pois aquele conta

com ovo, batatinha, cebola e farinha frita. Ele é mais caprichado que o dos poloneses,
porque o molho é mais grosso. O deles émais ralinhól4.
As refeições de final de tarde transformavam-se em serões nos quais o

grupo doméstico vivia a sua "intimidade". O frio da noite, lembra Placidina, era

amenizado pelo calor do fogo, ao redor do qual ela e seus irmãos pequenos

sentavam-se para escutar as histórias dos adultos45. Muito comumente, a família lia a

Bíblia ou histórias de santos. Anna, viúva e com dois filhos adultos em seu

domicílio46, refere-se a isto: eu até hoje ensino eles. Leio livros, ensino Bíblia e a gente

43 WOROBAY, O. Vetchai nachoho narodu. Kiev : Lebidh, 1992.


44 Entrevista 12 (1994)
45 Entrevista 14 (1993)
46 Um desses filhos está casado.
186

canta*7 João também lembra que seu pai gostava de cantar música de igreja. De

tarde sentava perto do fogão de pedra e cantava para a gente48.


Era também nesses serões que se contavam histórias: Anastácia ouvia o avô

contar da vida que deixara na Galicia49; Stephano, nessas noites, aprendeu em

conversas as conseqüências, da chuva e da seca, para a lavoura50; era aí que se

faziam os mexericos sobre os vizinhos ou que se comentavam dos excessos do padre

Michalczuk51; eram aí que se contavam as histórias de família.52

Era nesse local que se desenvolviam, normalmente, as festas familiares:

casamentos, batizados, a Páscoa e o Natal eram comemorados aí53. Tais festas

permitiam a prática de formas da tradição popular na qual um linguajar vulgar tinha

vazão e certamente não era apropriado ao espaço onde estavam os santos. No rol das

kolomeykas cantadas, uma grande parte das letras era "apimentadas." 54 Nelas, os

"baixos corporais" descritos por M. BAKTHIN,55 por exemplo, e metáforas para as

c Entrevista 37 (1995)
« Entrevista 30 (1995)
" Entrevista 15 (1994)
50 Entrevista 19 (1993)
51 Entrevista 8 (1993)
E Dentre muitas outras histórias, os bisnetos de Pedro sabem de um episódio em que

esteve envolvido, através da transmissão oral de seus descendentes. Sabem, assim, que quando o
bisavô chegou ao Brasil com sua esposa e dois filhos passaram um tempo na ilha das Flores onde
aprenderam a apreciar bananas. Algum tempo depois, foram encaminhados para Paranaguá, onde
pernoitaram. Logo cedo, no momento em que embarcavam no trem que os levaria até a Lapa, os
filhos de Pedro insistiram com ele para que descesse da condução e lhes comprasse bananas. Ao
atender o pedido das crianças, Pedro perdeu o trem. Tentou alcançá-lo, mas seus esforços foram em
vão: a esposa relatava que via ao longe seu marido ao lado de um homem negro e todos diziam: "O
negro vai matar o dido". Foi somente depois de um mês que Pedro encontrou a família, já, no
acampamento de Membeca - local onde se ergueram os primeiros barracões dos imigrantes.
(Entrevista 12 -1994)
53 Entrevistas 7,12 e 22 (1994)
51 Entrevista 20 (1994). Os moradores da localidade geralmente associam os cantos
populares - as kolomeykas - a "músicas apimentadas" referindo-se a conotação assumida pelas
expressões usadas em seus versos. Como exemplo, a letra da kolomeyka das Katerinas, rememorada
por r àud"xia: "Gosto de duas moças, ambas Katarinas / Uma 'dá" na colina e outra no vale / Para a
da colina, aqü°la carta deixo / Para a do vale, o meu 'rabo" mexo". (Entrevista 33 - 1994)

Esse a u t o r aponta que a "orientação para baixo é própria de todas as formas de alegria
55

popular e do realismo «grotesco. [...] Em baixo, do avesso, de trás para frente: tal é o movimento que
187

diversas formas de expressão dá sexualidade são uma constante, evidenciando que a

reforma de costumes que se fazia na Galicia ainda não atingira o cancioneiro dos

camponeses. Por isso mesmo, na kuhnia não se colocavam ícones. Catharina foi

enfática: Não se coloca santos na parede da kuhnia, porque onde tem santo não pode
ser sujo nem usar chapéu.56

2.2 ARRANJOS DOMICILIARES


Então dar-vos-emos as nossas filhas, e tomaremos para nós as vossas filhas e habitaremos
convosco, e tornar-nos-emos um só povo.
GENESIS, 34,16

A prática de coabitação entre imigrantes ucranianos em Antonio Olyntho -

geralmente com duas famílias conjugáis e três gerações - é indicativa da manutenção

de uma estrutura domiciliar complexa, própria das regiões rurais tradicionais. Os

recém-casados moravam durante os primeiros tempos na residência dos pais de um

dos noivos; normalmente, na casa dos pais do noivo. Se o casal não era formado por

herdeiros, essa moradia era temporária; caso contrário, definitiva.

O modelo domiciliar baseava-se, mais freqüentemente, na residência

patrilocal, com a mulher assumindo a família do marido como sua. Nas entrevistas,

mulheres de diferentes gerações sempre indicaram pertencimento ao grupo

domiciliar do marido, de maneira que transcendia à simples adoção patronímica. Por

um bom tempo do ciclo matrimonial, a jovem esposa desempenhava um papel

subalterno no domicílio: na esfera feminina, devia à sogra dedicação e obediência;

marca essas formas. [...] e as imprecações e grosserias também são caracterizadas por essa orientação
elas cavam por sua vez uma tumba que é corporal e criativa". E acrescenta adiante, que "esses
rebaixamento não tem caráter relativo ou de moral abstrata, são pelo contrário topográficos,
concretos e perceptíveis". (BAKTHIN, M. A cultura popular na idade média e no renascimento : O
contexto de François Rabelais. São Paulo: HUCITEC; Brasília : Editora da Universidade de Brasília,
1987. p.325)
Entrevista 4 (1993). O "velho Fareniuk" era vizinho da entrevistada e foi sacristão nas
56

décadas de 1920 e 1930. Pode ser observado, também, que mesmo na atualidade mantém-se o hábito
de os homens deixarem seus chapéus na parte externa da igreja.
188

nas relações conjugáis, devia ao marido trabalho ombro a ombro, além de serviços

domésticos e reprodutivos. A vinculação das mulheres ao grupo doméstico do

cônjuge é exemplar nas palavras de Lídia, casada em 1954:

Meu marido era o filho mais velho. Mas tinha irmãs mais velhas que depois casaram e
foram morar com a família"delas". Então, nós ficamos para cuidar da mãe [sogra] e dos
irmãos mais novos 57 , (destaque do autor)

Com tal composição, é possível dizer que as unidades residenciais mais

comuns em Antonio Olyntho assumiram, possivelmente em função da imigração, a

forma de famílias-tronco ou familles-souche, segundo a tipologia de LE PLAY.58 Sob

essa designação define-se uma estrutura residencial extensa, com autoridade

concentrada no chefe da família original que a exerce, tanto na família secundária

57 Entrevista 2 (1993). A entrevistada explicou também que os cunhados mais novos não

permaneceram na localidade: casaram e desenvolveram suas vidas em Curitiba. Dessa maneira, no


momento aprazado, ela sucedeu a sogra na gerência da casa. Este exemplo poderia sugerir que ao
filho mais velho caberiam concomitantemente a herança da terra e a responsabilidade pelo amparo
dos pais na velhice. No entanto, uma pesquisa acurada possibilitou a compreensão de que coabitação
com os pais não era função do primogênito. Ver PARTE III, Capítulo 3, Item 3.1, A terra no tempo.
" ANDERSON resume a tipologia elaborada por LE PLAY: "A descrição de Le Play
refere-se à três tipos de família: a familia-patriarcal (característica das sociedades nômades e de
pastores), que davam grande relevo à estabilidade, à autoridade, à linhagem e à tradição, o que
determinou um grande grupo familiar que incluía pelo menos todos os homens descendentes do
patriarca; a família estirpe, ou famille souche (generalizada, segundo Le Play, nas sociedades
camponesas européias) que também tinha um elemento patriarcal estável, mas que, em geral limitava
a co-residência e a sucessão a um filho do patriarca e seus descendentes, embora outros filhos
solteiros pudessem ficar no lar paterno [...]; família instável, que caracterizou as populações
industriais urbanas e, ao contrário dos dois tipos anteriores, assentava no casamento de dois
indivíduos independentes, e só subsistia enquanto estes subsistiam e enviavam os filhos para o
mundo logo que eram independentes, exercendo pouco controle sobre eles". (ANDERSON, M.
Elementos para a história da família ocidental : 1500 - 1914. Lisboa : Querco, 1984, p.20).
FLANDRIN adverte sobre a impropriedade de caracterizar indiscriminadamente as famílias
camponesas do passado enquanto famílias-tronco, advertindo das intenções políticas de LE PLAY ao
enaltecer esse tipo de estrutura domiciliar (FLANDRIN, op. cit., p.61). Nessa linha está LASLETT
que opõe-se à tal tipologia sugerindo uma nova que acompanha - grosso modo - a localização
geográfica, mas que contempla as variações culturais da formação familiar. (BURGUIÈRE, A. Une
géographie des formes familiales. In: BURGUIÈRE, A. et al. Histoire de la famille : Le choc des
modernités. Paris : Armand Colin, 1986. p.61). Outra classificação que privilegia uma localização
geográfica dós modelos de famílias é a elaborada por HAJNAL, situando o modelo ocidental e
oriental. (HAJNAL, J. European marriage patterns in perspective. In: GLASS, D.V.; EVERSLEY, D.E.
(org) Population in history. Londres : London Edward Arnold, 1969). A despeito dessa riqueza de
alternativas, nesse trabalho assumo a posição já afirmada por BURGUIÈRE de que "para fins de
análise parece útil retornar aos três modelos de base sugeridos por LE PLAY." (BURGUIÈRE, op. cit.
p.63)
189

quanto nos filhos celibatários - que se mantendo nessa situação civil têm o direito de

permanecer.

Em Antonio Olyntho, pode-se apontar, entre outros, o domicílio de André

e Eudóxia para exemplificar a estrutura de uma família-tronco:

DIAGRAMA 1 - FILIAÇÃO E DOMICÍLIO DE ANDRÉ E EUDÓXIA EM 1994

André Eudóxia
1917

H H H H H H M H u
1946 1951 1953 1956 1957 1960 1963 i9ë&

M H H M
198S î990 1991 1994

FONTE: Registros paroquiais.


NOTA: A área reticulada refere-se à composição domiciliar em 1994.

Casados em 1945, da união de André e Eudóxia nasceram oito filhos. Os

mais velhos casaram e foram abandonando a casa paterna. No entanto, o sexto filho

inverteu o fluxo e trouxe a esposa para o domicílio de seus pais - ao que tudo indica

de maneira permanente. Da análise desse grupo doméstico pode-se reter a diferença

existente entre a composição da família-tronco e da família patriarcal strictu sensu.

Enquanto uma família patriarcal abrigaria sob o mesmo teto a totalidade dos seus

membros, independente do estado civil59, a família-tronco reduz o número de

pessoas conviventes. A dessemelhança entre as duas situa-se, assim, mais na

dimensão do que na estrutura domiciliar. Por abrigarem "três gerações", em ambas,

no entanto, o poder é patriarcal.

55Por essa característica, alguns autores, entre os quais BURGUIÈRE, denominam


igualmente família patriarcal e família comunitária. (BURGUIÈRE, op. cit., p.64)
190

A. BURGUIÈRE 60 nas cento e uma famûias da Europa apontou a freqüência


de unidades residenciais com estrutura complexa no Leste europeu. Segundo ele, nas
regiões em que a relação senhorial assumiu formas extremas, era elevada a
porcentagem desse tipo de domicílio, acrescentando, porém, que tal geometria
doméstica tem raízes remotas. Nessas bases, entre os camponeses russos e poloneses
era comum a coabitação de dois ou mais casais, por ser particularmente conveniente
à economia regional de grandes domínios onde a relação de trabalho não se baseava
em salários. O autor observa que situação de arrendatários ou meeiros, os
camponeses do Leste europeu eram motivados a compor domicílios complexos61.

Com base em estudos desses diversos "campesinatos", A. BURGUIÈRE

estabelece, assim, uma relação entre necessidade econômica de mão-de-obra


abundante e formação residencial complexa. Por essa razão, aponta que os grandes
proprietários colocavam não apenas obstáculos ao deslocamento dos servos como
também favoreciam a coabitação familiar, encorajando casamentos precoces62.
Ao associarem estrutura domiciliar com racionalidade econômica, os
estudos referem-se, muito comumente, às análises de A. CHAYANOV. 6 3 Com base em
estatísticas agrárias, esse autor demonstrou a interdependência entre alterações na
dimensão domiciliar - havidas ao longo do ciclo familiar - com disponibilidade de
oferta de mão-de-obra. Nessa esteira de interpretação, W. KULA 6 4 vai adiante ao
demonstrar que nas propriedades senhoriais da Polônia do século XVIII, as famílias
extensas eram incentivadas tanto pelos nobres - preocupados com fartura de mão-
de-obra - quanto por uma relação de compromisso moral das comunidades

« Ibid., p.38.
" Ibid., p.38.
° Ibid., p.38-9.
63 CHAYANOV, A.V. The theory of peasant economy. Illinois : Richard D. Irwin, Inc.,
1966.
" KULA, W. La seigneure et la famille paysanne dans la Pologne du XVIIIe. siècle.
A N N A L E S . E.S.C. Paris, v. 27.1972. p.957.
191

camponesas para com seus membros65. Detalha, assim, as inúmeras estratégias que
os nobres desenvolveram para manter como seus servos os filhos casados e as filhas
adultas, explorando o mesmo domínio que seus pais. Indica, ainda, enquanto
elemento facilitador de composições complexas, regulamentações oficiais que
favoreciam os domicílios dos camponeses a tomar sob sua guarda órfãos e parentes
próximos ou distantes.66
O desenvolvimento de unidades residenciais com estrutura ampliada entre
o campesinato europeu oriental devia-se, sobretudo, ao fato de a propriedade não
ser individualizada. Não era o indivíduo isolado que possuía com exclusividade os
recursos produtivos, mas a famûia67. GALESKI analisando a propriedade familiar
polonesa indica que a fazenda é legada de geração em geração, enquanto a famûia -
os usufrutuários sucessivos - é responsável perante seus próprios filhos (e a opinião
da aldeia)pela propriedade que administré.

Com base nisso, A. MACFARLANE reitera que nos casos em que a


propriedade é do grupo e não do indivíduo - e onde o trabalho familiar é importante
na produção - com freqüência as famílias são mais numerosas, uma vez que os
filhos, co-proprietários com os pais, permanecem em casa por mais tempo que nas
sociedades em que são lançados desde cedo no mercado de trabalho. E finaliza:
parece claro que, no século XIX, a unidade residencial da Europa oriental era amiúde
composta de mais do que apenas a família nuclear69. Por isso mesmo, a famûia
camponesa tradicional constitui-se em geral em trêsgeraçõed0.

45 Ibid., p. 957.
" Ibid., p. 957-58.
" MACFARLANE, A. Família, propriedade e transição social : As origens do
individualismo inglês. Rio de Janeiro : Zahar Editores, 1980. p.33.
" GALESKI, Apud: MACFARLANE, p.33.
" Ibid., p. 38.
» THOMAS E ZNANIECKI, Apud: MACFARLANE, p.38.
192

O desenvolvimento de uma determinada estratégia de composição


familiar, todavia, é fenômeno que envolve muitos outros aspectos. Assim, A.
BURGUIÈRE, por exemplo, teve a prudência de não localizar tais estratégias apenas na
racionalidade econômica:

No caso de camponeses inseridos numa economia senhoria!, não podemos negligenciar o


sentimento de segurança e de imersão no grupo que o indivíduo angariava pertencendo a
uma"casa". Essas famílias eram semelhantes à fortalezas nos períodos de incerteza, já que
não possuíam a proteção do Estado ou de um senhor. E, por um mecanismo de inércia,
próprio a todas as instituições, o sentimento sobreviveu à realidade e gerou um sistema
de valores no qual a família era investida de todos os papéis e de todos os direitos que
dizem respeito ao meio social. 71

Considerando que os domicílios complexos têm raízes profundas na


experiência de diferentes sociedades agrárias e foram particularmente disseminados
entre o campesinato da Europa Oriental, depreende-se que a formação de grupos
domésticos complexos entre os imigrantes que se dirigiram a Antonio Olyntho,
traduz a perpetuação de uma morfología doméstica na qual já transitavam.
No entanto, deve-se apontar que, se a característica das residências
camponesas do Leste europeu tendia para o tipo patriarcal, as que se formaram em
Antonio Olyntho, como já dito, eram grupos domésticos semelhantes à família-
tronco. A partir disso, é melhor afirmar que os imigrantes trouxeram uma tradição
na formação de unidades domésticas extensas, mas que a imigração transformou o
princípio que regulava tal complexidade.
Como foi observado, a residência de tipo patriarcal entre o campesinato
europeu oriental relacionava-se intimamente com a forma de trabalho, pautada na
exploração familiar, e por isso os grupos residenciais complexos eram estimulados.

" Nesse sentido A. BURGUIÈRE observou: "Dans le cas de ces paysans insérés dans une
économie dominiale, on ne peut négliger le sentiment de sécurité et d'immersion dans le groupe que
l'individu pouvait retirer de son appartenance à une grande maisonée. Ces familles s'étaient faites
bastilles dans les périodes d'incertitude alors que la protection d'un État ou d'un seigneur leur faisait
défaut. Et, par un mécanisme d'inertie propre à toute institution, le sentiment avait survécu à la
réalité et généré un système de valeurs dans lequel la famille était investie de toutes les tâches et de
tous les droits qui reviennent à l'environnement social." (BURGUIÈRE, op. cit., p.39).
193

Contudo, a existência dessa modalidade de composição doméstica era tributária ao


fato que a propriedade privada da terra era atributo da nobreza. A despeito da
emancipação da servidão, em meados do oitocentos, grande parte do campesinato
não se tornou efetivamente proprietária de terras. A propriedade, por conseguinte,
significava algo diferente de seu sentido atual no Ocidenté"2 e naquelas condições o
grupo tinha precedência sobre o indivíduo, em termos de posse. Numa análise dessa
situação na Rússia, em finais do século XIX, T. SHANIN descreve que o direito à
propriedade era ainda equacionado da maneira costumeira: Mesmo que a terra, o
gado e os equipamentos possam ser formalmente definidos como pertencendo
àquele que é o chefe da famûia, na verdade ele age apenas como detentor e
administrador da propriedade comum, sendo o direito de vendê-la ou doá-la
severamente restringido, ou tornado inteiramente ausente, pelos costumes
campesinos73.

Os imigrantes que vieram a Antonio Olyntho foram inseridos numa


política de instalação em pequenas propriedades e sobretudo iniciados na prática da
propriedade privada. Aqui assume real sentido a frase escrita por Michalczuk de
que os rutenos abandonaram a Galicia para satisfazer o desejo de serem senhores de
simesmo^4.
Naturalmente a posse individualizada definiu alterações na composição
doméstica. Sobretudo porque em Antonio Olyntho, os lotes medindo, geralmente,
dez alqueires eram suficientes apenas para prover o trabalho e sustento a um grupo
doméstico com proporções reduzidas. A manutenção de uma família patriarcal, in
totum, tornou-se inadequada à nova realidade fundiária dos imigrantes. É lícito
pensar que da necessidade de rearranjo na composição domiciliar resultou uma
diminuição do número de moradores sob o mesmo teto, imprimindo traço mais

» MACFARLANE, op. cit., p.33.


» SHANIN. Apud: MACFARLANE, p.34.
» LIVRO TOMBO, p.2.
194

acentuado no perfil de familia-tronco. A redução do número de coabitantes não


extinguiu, contudo, como será visto adiante, a permanência do código de
reciprocidade tradicional.
Todavia, se a unidade residencial mais constante em Antonio Olyntho foi a
que fixou três gerações e dois núcleos conjugáis, outros arranjos domiciliares se
verificaram. Embora menos significativos numericamente, eles representam a
variedade e a riqueza de possibilidades da geometria da composição doméstica,
tantas vezes redesenhada por questões contingenciais.
Um deles, existente na atualidade, apresenta moradias compostas
unicamente por irmãos germanos75, solteirões que, além de coabitarem, exploram
solidariamente a terra deixada por seus ancestrais. O domicílio dos Pereymibida, na
linha São João, exemplifica bem esta situação. Nele, Nicolau, nascido em 1935, é o
mais novo de cinco irmãos celibatários que dividem o teto e a terra comprada pelo
avô. A irmã; Maria, nascida em 1923 - trabalhando e reclamando - desenvolve
sozinha as tarefas definidas como femininas e entende que, no final das contas, teve
um destino feliz; Meus irmãos são bons. não bebem e não me batem76.

Sentimentos pessoais à parte, esse tipo de composição residencial encontra


sua lógica enquanto uma das variações possíveis na tradição de domicílios
complexos. É legítima a coabitação de irmãos germanos enquanto se mantiverem
celibatários, delineando algo semelhante às "frérèche" descritas por historiadores
europeus.77 Possivelmente, o casamento de apenas um deles, entendendo-se aqui um
dos homens, não alteraria a composição atual; já, dois casamentos, sim. A moradia

" Indivíduos que são filhos do mesmo pai e da mesma mãe. (DICIONÁRIO
DEMOGRÁFICO MULTILÍNGÜE. Rio de Janeiro : Fundação IBGE, 1969. p.17).
" Entrevista 9 (1995)
" Na verdade as frérèche eram arranjos de caráter econômico pelos quais dois ou mais
irmãos casados moravam sob o mesmo teto. COLLOMP esclarece que esse tipo de co-residência seria
contrária à ideologia da família-tronco que privilegia um único herdeiro, e perigosa para o equilíbrio
econômico e afetivo do lar. (COLLOMP, Á. Famílias, habitações e coabitações. In: HISTÓRIA DA
VIDA PRIVADA, 3 : Da Renascença ao século das luzes. São Paulo : Companhia das Letras, 1991.
p.533).
195

conjunta, nos moldes locais, prende-se ao binômio domicílio e propriedade, e


havendo dois filhos casados, para se manter a norma da família-tronco, fatalmente
um deles abandonaria a propriedade.

D I A G R A M A 2 - H I S T Ó R I C O E COMPOSIÇÃO DOMICILIAR D O S PEREYMIBIDA E


S I T U A Ç Ã O E M 1995

Avô Avó
1856-1939 1857-1839

H Pai Mãe M M
1889-1957 1899-1952

M M M H M «
192&
H Nicola u
1919 1921 Ï92£ 1925 1925 1932 Ï935

FONTE: Registros paroquiais.


NOTAS: 1) A s letras sublinhadas referem-se a indivíduos falecidos até 1995.
2) A área reticulada refere-se à composição domiciliar em 1995.

No quadrado inferior do diagrama estão os irmãos que convivem,


atualmente, nessa "frérèche". Contudo, tal composição domiciliar deve ser entendida
como a expressão atual da própria dinâmica demográfica de seus integrantes, que
determinou, ao longo de três gerações, sucessivas modificações em sua estrutura e
composição.
Observando o diagrama pode-se constatar então que o pai de Nicolau era o
segundo na ordem de filiação, mas manteve-se morando no domicílio, porque
apenas mulheres o sucederam - em Antonio Olyntho, a norma patrilocal só foi
rompida em situações muito especiais, como se verá adiante. Assim, entre 1918 e
1939 - durante todo o ciclo fecundo de seu casamento - o pai de Nicolau foi o chefe
da família secundária daquele domicílio. Durante os dezoito anos seguintes, entre a
morte de seu pai (1939) até a sua própria morte (1957), ele passou a ser chefe de uma
196

famüia nuclear. A partir de então, o domicílio passou a ter a configuração atual.


Pode ser observado, contudo, que até o nascimento de seu último filho (1935), essa
residência albergava uma família-tronco padrão. Os avós ainda estavam vivos e na
residência conviviam as clássicas três gerações.
Uma terceira modalidade domiciliar era a constituída por cônjuges viúvos
que se casavam novamente. Essa variação merece destaque porque, em tais casos, as
moradias acentuavam a complexidade horizontal de sua composição, implicando
muitas vezes a coabitação de irmãos germanos com irmãos uterinos e
consangüíneos.78

No total de casamentos realizados até 1950, 5,7% referem-se a


recasamentos; na segunda coorte esse percentual decresce para 2,7%.79 As entrevistas
com descendentes dos pioneiros apresentam, porém, um recasamento em níveis
maiores do que os apontados pelos índices demográficos. As pessoas relatam que
dadas as dificuldades em que ficava uma residência quando a mãe falecia deixando
filhos pequenos, muitos viúvos se casavam imediatamente após o óbito.80

™ Irmãos germanos designa os que são filhos do mesmo pai e da mesma mãe; irmãos
uterinos os que são filhos da mesma mãe e irmãos consangüíneos aquele que são filhos do mesmo
pai. (DICIONÁRIO DEMOGRÁFICO MULTILÍNGÜE, op. cit., p.18)
" Deve-se apontar a dificuldade de precisar o estado civil anterior dos cônjuges quando
não estava especificado nas atas paroquiais. A língua ucraniana conta com sufixos no feminino que
indicam o grau de pertencimento a uma determinada família. Por exemplo se a mulher for da família
PAULUK, sendo esposa a grafia de seu sobrenome será Paulukwina e se for filha escreve-se
Paulukowa. Na medida em que muitos casamentos foram recuperados a partir da existência de
filhos, ou ainda, que na ata matrimonial o sobrenome da mulher contaria com o sufixo de
pertencimento à família do marido, não se pode precisar seu estado civil anterior. Aqui, outro
problema interferia, porque mesmo em atas nas quais havia a menção do pai e mãe dos noivos,
muitos nomes foram trocados, como o caso de Nicolau que nas atas de batizado de seus nove filhos,
em três aparece com seu nome e nas outras foi anotado como Alfredo. Esta informação foi dada por
um descendente e evidentemente teria sido impossível checar todas as pessoas constantes nos
registros. Quanto às mulheres, este problema também aparecia com freqüência: uma Agneta poderia
aparecer como Inês; uma Ahaphia respondia por Sophia e Anna. Em alguns momentos pode-se
inferir que eram as mesmas pessoas; mas em quantos outros elas passaram a ser registradas como
dois "indivíduos"?
Outro aspecto observado nas escolhas matrimoniais dos viúvos, de ambos os sexos, foi a
80

tendência em casarem com celibatários. Isto aparece com maior clareza na primeira corte: entre os
viúvos, 75% dos recasamentos se deram com solteiras, e entre as viúvas o índice é de 64%. (Ver
PARTE HI - TABELAS 56 e 57).
198

PEDRO, OS FILHOS DO PRIMEIRO CASAMENTO E A S E G U N D A ESPOSA. DÉCADA DE


1930. COLEÇÃO PARTICULAR: JOÃO KARPOWICZ.

Aqui é pertinente a história de João: em primeiras núpcias casou com

Antonia, em 20/06/1910, com quem teve onze filhos; ela faleceu em 01/06/1932 e

duas semanas depois ele casou com uma viúva sem filhos. Nesse caso específico, a

estrutura interna da família se manteve, à medida que a nova esposa passou apenas

a preencher a vacância de um papel familiar81. A freqüência dessas composições

" Outra situação recorrente na memória relativa aos recasamentos locais, é a de homens
que casavam com parente próxima ou até mesmo com a irmã da esposa falecida. Aqui é exemplar o
casamento de Demétrio com Anna, sua cunhada, em 10 de fevereiro de 1936, após a morte de
Pauliiia, com que ele casara em 26 de maio de 1931 (e da qual não existe o registro de óbito). Não
pude aprofundar a pesquisa desse pormenor, mas é possível associar a esse fato, a idéia de que,
198

residenciais heterogêneas, possivelmente, gerava tensões e expectativas nos


domicílios. Disso, é reveladora a lembrança que Lídia tem da ameaça que seu pai,
viúvo, fazia aos filhos:

O pai enviuvou e não casou mais. Ficou com muitos filhos pequenos. Ele nos assustava
quando fazíamos traquinagem, dizendo que ia casar com uma preta da Água Amarella
que fumava cachimbo e que ela ia limpar o cachimbo nas nossas testas. 82

Essa ameaça estaria sinalizando a consciência do mal-estar que


acompanhava os recasamentos. Por mais naturais que tenham sido no passado 83 , sem
dúvida, provocavam reestruturações nas relações domésticas. Isso porque novos
casamentos acentuavam sobremaneira a heterogeneidade do grupo doméstico. É o
caso da situação da residência de Angélica. Seu sogro casou três vezes: no primeiro
matrimônio não teve descendentes; no segundo teve um casal (um deles o marido de
Angélica) e no terceiro, oito filhos. Quando Angélica casou, foi incorporada a um
domicílio que já abrigava pessoas das mais diversas procedências: seu sogro com a
terceira esposa, a mãe desta e quatro filhos, a irmã do seu marido que se manteve

sendo o casamento uma aliança que interrelaciona grupos domésticos, a morte de um elo desta
corrente poderia implicar na necessidade de retomá-lo com um novo matrimônio.
E Entrevista 2 (1994). Nos registros paroquiais pode-se acompanhar o ciclo vital da mãe
de Lídia. Nascida em 1898, primeira filha de um casal pioneiro, desposou Stephano em 16/05/1916.
N o ano seguinte teve o primeiro dos seus onze filhos, sendo que no último parto, em 1937, nasceram
gêmeos. Faleceu em 17/01/1939. Nesta data, ela tinha sete filhos vivos, com idades entre 22 e 2 anos.
Deve-se notar, porém, que a filha mais velha (22 anos) casara em 1937 e já morava em outro
domicílio. Assim, a "dona-de-casa" passou a ser sua irmã de 16 anos e é expressivo o fato desta
manter-se solteira até morrer, em 1970.
83 R. DARNTON apresenta este mundo de madastas e órfãos, no passado francês,

quando, ao resgatar trabalhos de historiadores demógrafos franceses sintetiza: "[...] poucos pais
chegavam ao fim de seus anos férteis, porque a morte os interrompia. Terminados com a morte, e
não com o divórcio, os casamentos duravam uma média de quinze anos. [...]. Em Crulai, um, em
cinco maridos perdia a esposa, e então tornava a se casar. As madrastas proliferavam por toda a
parte - muito mais que os padrastos, porque o índice de novos casamentos, entre as viúvas era de
um em dez. Os filhos postiços podiam não ser tratados como Cinderela, mas as relações entre os
irmãos, provavelmente, eram difíceis. Um novo filho, muitas vezes significava a diferença entre a
pobreza e a indigencia. Mesmo quando não sobrecarregava a despensa da família, podia trazer a
penúria para próxima geração, aumentando o número de pretendentes, quando a terra dos pais fosse
dividida entre seus herdeiros". (DARNTON, R. O grande massacre dos gatos : E outros episódios da
história cultural francesa. Rio de Janeiro : Graal, 1986. p.44-45)
199

celibatária e ainda uma tia do seu marido que, também celibatária, havia sido
"assumida" pela residência.

DIAGRAMA 3 - DOMICÍLIO DO MARIDO DE ANGÉLICA, NO ANO DE SEU CASAMENTO

M
1874

Sogro M
1889 18%

H Angélica M
1928 1932 1931
H M M H
1934 1935 1937 1939

FONTE: Registros paroquiais.

Pela observação dos diagramas anteriores, percebe-se o quanto é falsa a


idéia de que a famflia-tronco proporcione estabilidade ao núcleo doméstico. Esse
tipo de composição residencial está sujeito a alterações pela dinâmica familiar, como
aquelas descritas no acompanhamento da história do domicílio dos Pereymibida84. O
jogo demográfico - casamentos, nascimentos, migração e morte - não permite uma
constância de um único tipo de família.
No caso específico da família-tronco, estando seu desenvolvimento
articulado a dois ciclos familiares - o do pater familia e o do herdeiro - revela,
sobremaneira, uma composição domiciliar descontínua. A coabitação de um casal
com seus pais - seu traço mais característico - só se realiza dentro de uma parte de
ambos os ciclos familiares, e em condições que variam de lugar para lugar.85 Em

84 Ver, supra, Diagrama 2.


" A. BURGUIÈRE relaciona estas variações com condições demográficas e jurídicas. Diz,
também, que essa coabitação é tardia se o princípio for a ultimogenitura, mais cedo, quando se trata
de u m herdeiro, (op. cit., p.67).
200

Antonio Olyntho, como o princípio mais constante na moradia conjunta foi o da


ultimogenitura, a coabitação dos casais tendeu a ser reduzida, propiciando que, num
determinado momento do ciclo matrimonial, o núcleo residencial assumisse a
característica de família nuclear. Todavia, não se pode perder de vista que era
possivelmente a coabitação que mantinha a precocidade da idade ao casar entre os
jovens da localidade. Na segunda coorte, quando esse comportamento tendeu a ser
abandonado, houve um sensível acréscimo na idade média para o casamento em
ambos os sexos86.
A análise das histórias matrimoniais realçou, então, a movimentação
constante própria à geometria dessa composição doméstica: em um momento tinha-
se uma residência com estrutura complexa, em outro, com estrutura extensa, e em
outros ainda, tornava-se nuclear.87

2.3 DAR LUZ À VIDA


Avant le survie temporelle, c'est le salut éternel de l'enfant qui importe.
F. LEBRUN

O viver sob referências pré-modernas que tem caracterizado o


comportamento do grupo imigrante de ucranianos em Antonio Olyntho, transparece,
sobremaneira, nos procedimentos atinentes ao parto. Como já foi mencionado, as
pessoas da localidade experimentaram as carências médico-hospitalares comuns às
"vilas" do interior brasileiro. Nesse contexto, o parto da grande maioria das
mulheres foi uma experiência que seu deu no interior de suas casas, com a
assistência dos familiares, da parteira ou, em muitos casos, sozinha.

86 Ver PARTE III, TABELAS 54 e 55.


» A: BURGUIÈRE aponta que o tipo de estrutura familiar mais estável é a patriarcal, ou
comunitária. Utilizando como referência os três modelos de família de le Play, ele afirma: "Des trois
modèles c'est pourtant la famille communautaire qui est le plus stable ou plutôt le plus insensible au
déroulement du cycle domestique. Ce ne sont pas les événements démographiques (mariages des
fils, décès du chef de ménage, etc) qui provoquent l'éclatement du ménage et font surgir de
nouveaux groupes domestiques, mais des tensions psychologiques." (op. cit., p.69)
201

Gerar filhos configurava-se como parte essencial do papel feminino. Assim,


a mulher grávida não ocupava espaço privilegiado e desempenhava a função
procriativa sem regalias. Trabalhava até à última hora, foi frase recorrente por parte
das mães sintetizando a naturalidade com que transcorria a chegada da hora do
parto e isso está bem representada na atitude de Angélica:

Eu trabalhava até à última hora. Quando estava saindo a última água de mim, eu lavava
os pés, subia na cama e"vê se dorme" (sic). Passou cinco vezes e já a criança nascia. 88

O destino - dolha89 - era responsável para que a gestação chegasse a bom


termo, e o que era para acontecer acontecia, e o que não era não acontecia
No momento do parto, recorria-se - quase que nessa ordem - à sogra, ao
marido, aos vizinhos e à parteira. Não havia um pudor que restringisse o parto à
esfera feminina; os homens detinham papéis para a ocasião. Os maridos e vizinhos
tinham atividades específicas: ferviam a água, rezavam e faziam promessas 91 . Alguns
maridos que não pudessem presenciar o nascimento de seu filho, deixavam seu
chapéu na cabeceira (ou na própria cabeça) da parturiente, como signo de sua
presença92. Outros, ainda, fugiam da situação e bebiam.93 Angélica relatou que o

" Entrevista 15 (1995). Essa mulher teve nove filhos entre 1948 e 1972, todos em casa
sendo que cinco partos foram realizados sem o auxílio de parteira. Indagada a respeito dos cuidados
com assepssia, como por exemplo, ferver a tesoura com a qual iria cortar o cordão umbilical, ela
respondeu: "Eu não tenho estudo; eu não fui nem meia hora de escola. Eu não sabia que tinha que
lavar nada; Eu usava faca".
" Entre as crenças populares ucranianas, uma era no dolha, ou destino. De acordo com a
imaginação popular todos possuem o seu dolha que fatalmente determina seu tempo de vida, sua
felicidade e sua infelicidade. Ele era entendido como uma segunda personalidade da própria pessoa.
Estas crenças afirmam, também, que os ricos são felizes, porque o dolha cuida de seus problemas. Já
o dolha dos pobres, na maioria das vezes não se ocupa deles, e fica se balançando nas árvores e
dormindo. Mais recentemente, passou-se a acreditar que o destino era determinado por Deus e assim
era impossível não aceitá-lo (HOLOWKO, op. cit., p.71). A partir dessa última observação é
oportuno observar que, entre os descendentes de ucranianos em Antonio Olyntho, a maior parte
designa com a palavra dolha tanto graça divina, quanto destino pessoal. A expressão erudita para
graça divina seria laska boja.
90 Entrevista 14 (1994)
51 Entrevista 12 (1993), entrevista 10 (1994); entrevista 37 (1995)
n Entrevista 14 (1994)
Entrevistas 2,7 e 15. (1995)
202

parto dos gêmeos complicou porque ela ficou sozinha. O marido e o casal de
vizinhos ficaram bêbados e não auxiliaram em nada94.
Nessa comunidade e nessa tradição, engendradas pari passu com os
processos da natureza, seria impensável que a germinação e a concepção fossem
mistérios exclusivos do gênero feminino. Tentava-se, no entanto, manter as crianças
distantes desses "mistérios", mandando-as para a vizinha95 ou trancado-as num
quartef6.
Contudo, a ascendência feminina prevalecia e o momento era regido pelas
parteiras97, que com suas habilidades acompanharam a maioria dos nascimentos
locais98. A sabedoria dessas mulheres baseava-se mais na experiência para o
encaminhamento do parto99 que para o alívio das dores, como nos explica Verônica,
afirmando que elas não ajudavam nada porque a gente sofria mesmo. Elas passavam
banha e cachaça na barriga e acabou-se.W0
As técnicas das diversas parteiras pouco diferiam, consistindo basicamente
em massagens com banha e cachaça101; na esfregação de azeite-doce com erva
artemisia102) na ingestão de infusões quentes, com erva-cidreira103, com laranjeira ou

94 Entrevista 15 (1994)
* Entrevista 4 e 6 (1994)
" Entrevista 38 (1995)
" Foram mencionadas como parteiras em Antonio Olyntho: Anna Wons, Maria
Sambulski, Pelagia Malinowski, Maria Kozlinski, Maria Kuznarski, Anastácia Makohin, Justina
Bilinski.
* Essa função foi exercida, também, pelas irmãs Servas de Maria Imaculada, da
congregação religiosa ucraniana responsável por um "hospital" de primeiros socorros que se instalou
na localidade, em meados da década de 1950. Essa mesma congregação esteve em Amtonio entre
1918 e 1919 e, por desentendimentos com o padre Michalczuk, não puderam aí se manter
desenvolvendo trabalhos de catequese ou na área da educação e da saúde (Ver PARTE I, Capítulo 3,
Item 3.4). A volta das Servas de Maria Imaculada se deu após a morte de Michalczuk, quando os
padres da Ordem de São Basilio Magno assumiram o comando espiritual da paróquia.
" Com exceção das religiosas, há indicações de que, somente a partir da década de 1960,
algumas parteiras passaram a receber treinamento especializado.
Entrevista 35 (1995)
101 Entrevista 2 (1993), entrevista 34 (1995).
102 Entrevista 6 (1994)
203

com mancenilha104. Situações mais complicadas exigiam que se preparasse um banho


de imersão numa gamela com água bem quente e folhas de laranjeira; depois
mantinha-se a parturiente na cama, sob as perenal05. Com esse processo de
aquecimento facilitavam-se os trabalhos do parto, era um instantinho e o neném já
nascia, não tinha problema106.
Para essas ocasiões, ainda na década de 1910 e 1920, a loja de Nicolau Szner
vendia remédios como a Beladona107, mais tarde, Francisco Bach comercializava
Dolorifora108. Sobretudo, usava-se Melhorai.109
Se o recurso às parteiras não era, como Verônica afirmou, por seus poderes
em aliviar as dores, onde elas legitimavam sua autoridade? Possivelmente, na crença
que se tinha nas simpatias que executavam, nas velas que acendiam e nas orações
que recitavam. Catharina lembra-se de que sua mãe tinha orações especiais porque
ela era parteira110. Parece que eram preces dirigidas para Nossa Senhora, ela não
recorda com exatidão; no entanto, recorda perfeitamente que o parto podia ser
perigoso o quanto fosse. Ela rezava a oração, dava os remédios e dava tudo certo/11.

,ra Entrevista 2 (1994)


104 Entrevista 23 (1995)
1<B Acolchoados de penas de ganso.
106 Entrevista 5 (1994)
"" Entrevista 20 (1994). Para a farmacopéia homeopática a Beladona, além da indicação
geral enquanto antinflamatório e vaso dilatador, tem propriedades que a indicam para utilização
durante o processo do parto. Pelo princípio da similitude, esse remédio é apropriado para
"congestão utero-ovariana dolorosa ao toque e sensível ao menor movimento; hemorragia uterina
acompanhada de contração espasmódica do útero". ( CAIRO DA SILVA, N. Guia de Medicina
Homeopática Dr. Nilo Cairo. São Paulo : Livraria Teixeira, 1990. 21a edição, p.205.)
lM Entrevista 5 (1993)
105 Entrevista 23 (1995) Essa entrevistadas é filha de parteira e textualmente disse; "Eu

nunca precisei de médico para ter os meus filhos [...]. Se o parto complicasse fazia chá de marsenilha,
de laranjeira e até tomava Melhorai". Possivelmente sob a expressão "Melhorai" estão subsumidos
outros analgésicos, já que ela teve filhos até a década de 1970.
110 Entrevista 10 (1994)
111 Entrevista 10 (1994)
204

K. THOMAS indica comportamentos semelhantes entre os camponeses da


Inglaterra, dizendo que a

invocação da Virgem Maria e o emprego de objetos consagrados nas fases difíceis do


parto tinham sido incentivados pela Igreja medieval e muitas delas sobreviveram à
Reforma. Mas outras técnicas nunca implicaram qualquer bênção eclesiástica. O uso de
cintas e medidas para aliviar as dores do parto, o costume de abrir baús e portas e a
recitação de preces e fórmulas encantatórias eram traços comuns do repertório da
parteira rural112.

Enquanto "parteiras rurais", as ucranianas desenvolviam seu trabalho com


base na manipulação de objetos mágicos; sabiam que para essa situação perigosa
eram eficazes os remédios simbólicos. Nesse caso está a fita benta destinada a
envolver a parturiente; fita azul com as dimensões de uma imagem de Nossa
Senhora para medir o comprimento e a grossura da doente. Ela media a mulher e
daí não tinha perigo algum113. Levavam, sobretudo, a água-benta para batizar a
criança assim que nascesse: para garanti?1*.

Mas, todas essa fórmulas e rituais destinavam-se a garantir o quê?


Sabendo-se do envolvimento dessa etnia com a religião católica, uma primeira
explicação coloca a questão da salvação da alma. Desde meados da Idade Média, em
face da grande mortalidade infantil - quando uma em cada quatro crianças morria
antes de completar um ano - a Igreja Católica passou a recomendar que o batizado
na igreja fosse feito o mais rapidamente possível. Essa prescrição foi retomada no
Concüio de Trento, e, pelo pequeno intervalo de dias ocorrido entre o dia do

1U THOMAS, op. cit., p.l64.


lu Entrevistas 5 e 10 (1994). THOMAS apresenta métodos de diagnose mágica que tinham
como pressuposto que objetos de uso pessoal refletiriam, numa relação simpática, a saúde de seu
usuário. Generaliza, como amplamente disseminada pela Europa - e presente na Inglaterra no século
XVni - a prática de medicina popular que buscava a cura medindo os doentes com cintos, lenços e
fitas, entre outras coisas. Isso funcionava com base na idéia de que a presença de um mau espírito (a
fada) se refletiria nas variações dessa medida. (THOMAS, op. cit., p.160-162).
Entrevistas 2 e 12 (1994); 17, 30 e 37 (1995).
205

nascimento e o dia do batizado, parece que a recomendação foi obedecida pelas


populações católicas, desde o final do século XV.115
A concepção do batismo precoce pode ser entendida, então, como um
esforço em se proporcionar a saúde espiritual aos recém-nascidos, produto de uma
época em que conviveram altas taxas de mortalidade infantil e a crença no limbo.
Terror dos terrores, pela falta de cuidado, permitir que uma alma infantil tivesse tal
destino: passar à eternidade de forma errática e sem consolo. Em face desse temor,
nas situações em que a criança corria perigo de vida, a própria Igreja Católica
instituiu a possibilidade de um batismo domiciliar feito pela mãe, pelo pai ou algum
adulto presente. Posteriormente seria ratificado, mediante duas testemunhas,
perante o pároco responsável.116 Mas as coisas não se resolviam tão facilmente,
porque havia a necessidade de se ter certeza de que a criança não era um natimorto,
pois seria sacrilégio ministrar um sacramento a um defunto117.
Entre os imigrantes, okreschne- batizado na Igreja —, transcorria de três a
cinco dias após o nascimento e sem a presença das mães. Essas, principalmente
aquelas da primeira coorte, só voltariam à igreja passada a "quarentena", para
receber a "bênção das mães". Se desejassem freqüentar os ofícios religiosos
anteriormente, deveriam permanecer no local dos gentíos - dos impuros. A
Purificação das Mães é recorrente na cultura cristã e é ritual eclesiástico com forte
significado social. Representa o reconhecimento do papel da mulher como mãe.
Alguns autores apontam que, em algumas regiões da Europa, para cumprir a

™ BURGUIÈRE, op. cit., 171.


Uma mãe da localidade que não é da etnia, mas que foi atendidade por parteira
ucraniana explicou: "As parteiras tinham as velas de cera e suas rezas. Esta que me atendeu, tinha
lenço branco, levava um rosário dela e o sal para batizar. Elas batizavam a criança assim que nascia.
Assim que nascia, elas cortavam o umbigo, nem enleavam, e diziam: é menina, e pediam o nome e
batizavam. Punham na gamela, que é uma bacia de madeira, e batizavam a criança. Elas diziam que
nunca se sabia se a criança ia amanhecer viva no outro dia". (Entrevista 5 - 1994)
BURGUIÈRE apontou que a Igreja previa o batizado caseiro - ondoiement— para que a
mãe pudesse, posteriormente assistir o batismo solene na Igreja. Esse procedimento exigia dispensa
formal e tudo indica que entre as camadas populares da sociedade esse comportamento não era
usual (op. cit., p.132).
206

purificação, as mulheres deveriam passar um período de abstinência e isolamento


ritual para então retomar as relações sexuais com o marido118. De resto, essa bênção
envolve crenças das mais variadas naturezas como a judaica, de que a mulher que
deu à luz uma criança é impura, a cristã de que a virgindade era condição ideal de
santidade e decorrentemente a relação sexual deveria visar apenas a procriação.
Crenças populares difundiram a noção de que era impróprio que uma mulher no
puerpério olhasse o céu e a terra, antes de ser purificada119.
Com a prática do batismo doméstico e pela rapidez com que celebravam o
kreschne, evidencia-se que a comunidade ucraniana de Antonio Olyntho partilhava
da preocupação católica em salvar almas. Pode-se, inclusive, inferir que, à primeira
vista, as crianças saudáveis recebiam apenas o batizado solene, e àquelas mais
frágeis cabia tanto o batizado caseiro quanto o kreschne. Contudo, está aí uma falsa
imagem, pois era justamente essa uma das garantias que a parteira dava: ela levava a
água-benta para batizar,120 e batizava indiscriminadamente. Tranqüilizava-se, assim,
a casa, pois possuía mais um cristão: se ele morresse, sua salvação estava assegurada.
No entanto, em outros ritos de passagem dessa comunidade - notadamente
no casamento - percebeu-se que a tradição dos imigrantes era compósita, não
enfeixando suas práticas apenas em representações cristãs. A autoridade das
parteiras passa pelo maravilhoso do universo cultural dos imigrantes. Essa via
explicativa se impôs a partir da análise do conteúdo das falas de mães,
principalmente daquelas que tiveram filhos na primeira coorte, por mencionarem
práticas relacionáveis à crença em figuras demonológicas.
Vários autores arrolam crenças populares de que as bruxas são perigo para
crianças pequenas. Para J. DELUMEAU, por exemplo, no Ocidente, até o século XVIII,
não era apenas Satã que se rejubilava quando as crianças morriam sem batismo - já

118 THOMAS, op. cit., p.44.


115 Ibid., p.44.
uo A totalidade das mães entrevistadas confirmou a incidência desse batismo caseiro.
207

que não iriam para o paraíso - mas também as feiticeiras, pois em suas imundas
misturas, acreditava-se, as feiticeiras tinham o costume de inserir pedaços de
crianças não batizadas121.
O temor às bruxas foi recorrente entre os povos do passado e esteve
particularmente entranhado nos vários aspectos da vida rural, ocupando aí um lugar
privilegiado até tempos muito recentes. Tudo indica que as feiticeiras atravessaram o
Atlântico com os imigrantes, pois são inúmeras as referências a elas.
A vidhma representava um dos personagens demonológicos mais
populares do imaginário ucraniano; era poderosa, pois podia transformar-se,
antropomórfica e zoomorficamente, tornando-se muito difícil identificá-la. Podendo
metamorfosear-se, assumia inclusive a forma de baba selvagem122. Nesse pormenor,
é importante apontar que no imaginário ucraniano a baba selvagem era uma figura
feminina, a quem, entre outras, cabia o rapto das crianças ainda não batizadas, para
serem trocadas pelas suas próprias crianças123.

A vidhma, sob a forma de baba selvagem, foi motivo de temor entre as


mães em Antonio Olyntho. A narrativa de um caso, supostamente ocorrido em finais
da década de 1950, revela que, até há pouco tempo, acreditava-se que ela prosseguia
trocando crianças que não haviam sido suficientemente resguardadas:

Houve um caso de uma vidhma que trocou um neném na estrada. A madrinha estava
levando o neném na igreja para batizar e deixou ele sozinho, um pouquinho, na estrada.
Pôs a criança no chão e quando voltou não era aquela criança. Era outra. Mas
batizaram. 124

m DELUMEAU, op. cit., p.63. A argumentação do autor desenvolve-se, contudo, em


sentido diferente da minha, à medida que ele associa a crença popular em bruxas, à mortalidade
infantil e a desconfiança geral em relação à parteira quando o parto saia mal.
m HOLOWKO, op. cit., p.84.
Ibid., p.85.
111 Entrevista 10 (1994)
208

Essa criança em especial teve um destino muito triste, que a comunidade


atribui aos malefícios da vidhma. O batismo não foi suficiente para exorcizar os
malefícios empreendidos pela bruxa:

A cabeça da criança foi crescendo, dilatando e ficou uma cabeçona. Eu conheci a criança,
era meninota. A minha mãe pegou a criança no colo, era uma menininha curtinha e os
olhos eram deste tamanhão e era tão pesada que pesava que nem adulto. Só dava
gargalhadas que nem adulto. Ela morreu antes dos dois anos 125 .

A ação preventiva aos malefícios da vidhma caracteriza-se por uma série


de precauções tomadas no dia do parto. Fechava-se toda a casa126, colocava-se água
benta no quarto127 - para afastar os maus espíritos, as más influências. Deixava o
galho bento também128. Nessas precauções incluía-se não deitar fora a água do banho
das crianças após o pôr-do-sol, pois sabia-se que as forças do mal preferem agir nas
trevas. Por essa mesma crença, não se deixavam crianças em quarto escuro antes que
o batizado formal se realizasse. Como disse Lúcia, antes não tinha luz elétrica, então
deixava vela ou uma lamparinazinha129.

As fórmulas recitadas na cerimônia do batizado católico reafirmam ao fiel


que as forças do mal rondam as pessoas e que têm predileção pelas crianças, por
ainda estarem com o pecado original. A cerimônia inicia com a pergunta Renuncias a
Satanás e a todas as suas forças?No caso específico do rito grego, pela disposição da
Igreja, com a entrada voltada para o oeste, até muito pouco tempo atrás, os
padrinhos ao responderem a pergunta do pároco viravam-se para a porta principal e
cuspiam no chão simulando repúdio ao locus do Mal.
Parece que, pouco a pouco, instalou-se um entendimento diferente em
relação à morte de crianças, no parto ou em tenra idade. As explicações, na

125 Entrevista 38 (1995)


Ué Entrevistas 31, 33,42 e 45 (1995)
» Entrevistas 4 (1993), 12 (1994), 37 e 38 (1995)
Entrevista 38 (1995)
œ Entrevista 31 (1994)
209

atualidade, passaram a ter uma conotação de maior abnegação cristã. Se a criança


morre é porque tinha outra função a desempenhar. Agneta explica bem este ponto
de vista, ao observar que uma crianças morre cedo, decerto porque Deus precisava
dela130.

2.4 DESDOBRAR-SE EM MUITOS FILHOS


Se os casais de outrora tinham tantos filhos era porque assim o desejavam.
VAN DE WALLE

As populações rurais eram, e muitas delas continuam sendo, organizadas


de maneira a exercer fortes pressões em seus componentes para se reproduzirem.131
Os imigrantes de Antonio Olyntho não se furtaram dessa norma e as famílias132
numerosas que constituíram traduzem os patamares alcançados pelas taxas de
fecundidade do grupo.133 As moças casavam em torno de 20 anos, entre 1895-1949, e,
ao longo de seus ciclos familiares, davam à luz de 8 a 9 filhos; a partir de 1950
passaram a casar mais velhas, por volta de 24 anos - e diminuíram para 7 o número
de sua prole134.

130 Entrevista 32 (1995)


U1 COALE, A. J. A transição demográfica. Palestra no IUSSP. Texto mimeo : n.d., p. 3.
œ Nesse item, pelo seu caráter demográfico, diferentemente dos demais, o conceito de
família está reduzido à unidade conjugai pois como já disse J. L. FLANDRIN "as famílias
reconstituídas pelos demógrafos a partir dos registros de baptismo, casamentos e sepulturas, mais
não são do que a imagem da fecundidade dos casais". O autor apresenta ampla discussão a respeito
da variedade de acepções da palavra família cf. FLANDRIN, Famílias ..., p.9-18.
Ver PARTE III - TABELAS 26 e 27. Os dados de fecundidade aqui expostos referem-se
133

à fecundidade legítima e não a fecundidade geral.


134Respectivamente 8,4 e 7,1 filhos, em média (Ver PARTE III - TABELAS 26 e 27). Muitos
pesquisadores têm alertado para o interesse em estudos de fecundidade diferencial. Dupâquier é um
deles, e acusa justamente as monografias paroquiais - caso desse trabalho - de calcular apenas
médias e não se ocuparem pelas distribuições destas médias nos diferentes segmentos da sociedade.
(DUPÂQUIER, J. Demografía Histórica e história social. In : MARCÍLIO, M. L. População e
sociedade. São Paulo : Vozes, 1984. p.38.). Esse trabalho, em função das fontes, não pode considerar
tal advertência. Mas, em defesa das médias gerais de fecundidade aqui apresentadas, está o fato de
que o estudo detalha comportamentos de uma paróquia rural, baseada na exploração da pequena
propriedade e com pessoas originárias de uma cultura comum agrupando, então, uma relativa
homogeneidade socioeconómica.
210

Aliando as idades em que casavam com a descendência final135


apresentada, a fecundidade das imigrantes de Antonio Olyntho pode ser
caracterizada como não-controlada. Na tentativa de entender um pouco melhor os
processos inerentes à tal perfil de fecundidade, é útil o esquema desenvolvido por
MATRAS 136 .

TABELA 3 - REGIMES DE FECUNDIDADE

FECUNDIDADE
Não controlada Controlada

Precoce A B
CASAMENTO

Tardio C D

FONTE: MACFARLANE, A história do amor e casamento, p. 45.

Os índices apresentados pelas imigrantes de Antonio Olyntho em relação


às duas variáveis envolvidas no esquema de regimes de fecundidade, permitem
situá-las, sucessivamente, em duas categorias. As mulheres da primeira coorte
apresentavam comportamentos adequados ao regime A: casamento relativamente
cedo e descendência final alta. Nessa coorte, evidenciou-se que a recriação cultural
provocada pela imigração manteve o modelo de casamento oriental.137 Assim, além
de constituição de famílias numerosas, as mulheres casavam-se concentradamente
nas faixas de idade que percorriam dos 15 a 24 anos e basicamente não tinham filhos

135 O conceito de descendência final, aqui utilizado, refere-se ao número médio de crianças

que nascem de uma união. Nesse caso vale retomar as palavras de HENRY quando observa que
descendência, num sentido amplo, compreende todos os nascimentos, legítimos e ilegítimos pois
estaria considerando todas as mulheres. Todavia, em demografía histórica esse sentido não é
utilizado pois ela privilegia apenas a fecundidade legítima. (HENRY, L. Manuel de démographie
historique. 2 a edição. Genève : Paris : Librairie Droz. 1970. p.90.)
MATRAS. Apud: MACFARLANE, A. História do amor e do casamento : Inglaterra,
134

1300-1840. São Paulo : Companhia das Letras. 1990. p.45.


U7Estou me referindo à tipologia de modelos de casamento proposta por HAJNAL, já
mencionada em capítulos anteriores, na qual o modelo oriental implica em idade precoce para o
casamento e diminuta opção pelo celibato definitivo.
212

depois dos 30 anos. A partir de 1950, surge uma tendência à adoção do regime C.

Com efeito, decresce o número de mães da faixa de 15-19 anos para aumentar

aquelas entre 20-29 anos, além de ocorrer uma distribuição de mães por todas as

faixas de idade mais elevadas, não verificada para a primeira coorte. Essa alteração

na idade ao casar provocou uma redução no número médio de filhos por casal; as

famílias diminuíram sua prole entre um e dois filhos na segunda coorte.138

FAMÍLIA " M É D I A " DE DESCENDENTES DE UCRANIANOS, NA PRIMEIRA COORTE.


COLEÇÃO PARTICULAR JOÃO KARPOWICZ.

138 Os demógrafos apontam a relação existente entre a diminuição das taxas de


fecundidade de um grupo e a idade média ao casar. Nessa relação, situa-se também a especificidade
do new pattern desenvolvido na Europa ocidental. STONE explica: "En la actualidade se ha
establecido sin ninguna duda que a partir del siglo XV por todo el noroeste de Europa, con algunas
excepciones regionales inexplicables, hombres y mujeres de las clases media y baja contraían
matrimonio en edad muy avalizada. [...] Esta costumbre de matrimonio retardado de hombres e
mujeres es una característica extraordinaria e única de las civilizaciones noroccidentales de Europa, y
no existe en la actualidade una explicación completamente satisfactoria para ella. E, entre os
resultados do casamento tardio, esse autor aponta que o severo freno al crecimiento demográfico,
evitando en las mujeres sexualmente maduras la reproducción en aproximadamente 10 de los 25
anos férteis."(STONE, L. Família, sexo y matrimonio en Inglaterra : 1500-1800. México : Fondo de
cultura económica. 1990. p.37).
212

Mesmo com um movimento mais recente no sentido da retração do número


de filhos, as famílias dos descendentes de imigrantes ucranianos foram grandes
durante todo o período estudado. Isso significa que mantiveram socialmente válido
o tradicional preceito camponês de que o adequado desempenho do papel de mulher
casada implica desenvolver prole numerosa.
Para que cumprissem tão bem a função procriadora, as imigrantes
otimizaram o tempo de constituição da famüia139 conjugando uma série de fatores
que foram algumas vezes puramente biológicos e, na maior parte delas, de caráter
cultural.

Deve-se, inicialmente, considerar que o tempo de constituição familiar em


Antonio Olyntho era amplo. Além de as moças casarem em idades relativamente
precoces, tinham filhos até os 40 anos140. Assim o ciclo fecundo era integralmente
aproveitado, pois, em tese, toda a mulher pode conceber entre os 15 e os 50 anos.
Nesses termos, a idade socialmente adotada para o casamento entre as imigrantes,
favorecia a formação de descendência final volumosa. Todavia, esse índice só
assume significado quando aliado com a idade da mãe na última maternidade, haja
vista que elas poderiam casar cedo e concentrar os filhos nos primeiros anos do
matrimônio. L. HENRY dá evidências empíricas da relação entre o momento em que se
interrompe o tempo de formação familiar sobre a taxa de fecundidade geral de um
determinado grupo social, afirmando assim que a idade da mãe na última

u ' Em demografía, tempo de constituição da família equivale ao intervalo compreendido

entre o casamento e o nascimento do último filho. (HENRY, L. Demografía. Barcelona : Editorial


Labor, 1976. p.142). As balizas e a forma de ocupação desse tempo apresentam formas variadas nos
diferentes grupos e conforme HEER, "existe um extensíssimo conjunto de dados que descrevem as
diferenças de fertilidade entre nações numa determinada época". A despeito das variações quanto a
explicação da fecundidade diferencial os autores concordam "que os huterianos [...] detém,
aparentemente o recorde mundial de fertilidade". As pesquisas de Eaton e Mayer, considerando
mulheres entre 45 e 54 anos, revelaram que a descendência final foi de 10,6 filhos a despeito do fato
de terem casado, em média com mais de 20 anos. "Descontado o tempo reprodutivo perdido, elas
teriam a capacidade biológica de ter, pelo menos 12 filhos". (HEER, D.M. Sociedade e população.
São Paulo : Pioneira, 1972. p. 85-86).
140 40,1 anos na primeira coorte e 40,2 anos na segunda coorte, independentemente da

idade da mãe ao casar. Ver PARTE III, TABELAS 44 e 45.


213

maternidade indica prática de redução voluntária de filhos. Nesse aspecto são


ilustrativos os resultados obtidos por L. HENRY entre as mulheres genebrinas: entre
1600-1649, elas tinham seu oitavo e último filho, em média aos 38,7 anos; entre 1800-
1899 tinham seu terceiro e último filho aos 31,7 anos141.
Para complementar a análise do regime de fecundidade, faz-se necessário
verificar a maneira como as famílias dos imigrantes distribuíam seus filhos ao longo
do ciclo familiar142. E, em Antonio Olyntho, a periodização dos intervalos genésicos
esteve entre os fatores que concorreram para um perfil de fecundidade pré-
malthusiana.

Os autores, em geral, consideram que, pelo caráter acentuadamente


biológico do intervalo protogenésico, sua duração não seria, necessariamente,
indicativo da constituição de prole numerosa. Isso porque a fertilidade de mulheres
mais jovens é inferior à daquelas acima dos 20 anos, fenômeno conhecido como
esterilidade das adolescenteis143. A análise dos intervalos protogenésicos das
imigrantes ucranianas reiterou a ação dos fatores biológicos sobre a fecundidade,
pois esses intervalos entre as mães mais jovens foi sempre superior aos daquelas que
casaram em faixas etárias mais altas144.

Todavia, é pertinente observar que nas populações em que se identificou


fecundidade natural145, o intervalo protogenésico variou entre treze e dezoito
meses146. Nesses termos, aqui estaria outro fator que contribuiu para que a

141 HENRY, L. Demografía..., p.143.


142 Ibid., p. 142-144.
143 PRESSAT, P. El análisis demográfico : Métodos, resultados, aplicaciones. México :

Fondo de Cultura Económica, 1967. p. 238-239.


144 Ver PARTE III - TABELAS 28, 29, 30 e 31.
145 Se chama fecundidade natural aquela apresentada por populações nas quais se sabe ou

se presume que não se pratica nenhuma forma eficaz de limitação dos naiscimentos. (HENRY,
Demografía..., p.ll9).
144 GUILLAUME, P.; POUSSOU, J.P. Démographie historique. Paris : Armand Colin,
1970. p.l74.
214

fecundidade das imigrantes ficasse entre o regime A e C, segundo a tipologia


desenvolvida por MATRAS 147 , pois a média protogenésica da primeira coorte foi de
18,4 meses e a da segunda, 17,1 meses148. O reflexo da ausência de controle de filhos
é perceptível, então, no intervalo protogenésico: 39,2% dos casais da primeira coorte
já tinham filho ao completar o primeiro ano de casamento e 69,1%, antes de
completar o segundo ano de casamento. Aqueles da segunda coorte - 1950-1980 -
apresentaram resultados semelhantes: 40,3% dos casais tinham seu primeiro filho até
um ano de casados e 72,4%, quando completavam o segundo ano de casados.
A despeito de os intervalos protogenésicos já indicarem um
comportamento pré-malthusiano, a descendência final entre 7 e 9 filhos, para os
ucranianos de Antonio Olyntho, é fortemente tributária da distribuição assumida
pelos intervalos intergenésicos. Até 40 anos, em média, as mulheres tinham filhos em
intervalos gerais situados entre 21 e 35 meses.149 Alguns estudos, ao explicar a
dimensão dos intervalos intergenésicos de populações pré-malthusianas, dão
destaque ao papel da amamentação porque sua prática prolonga, estatisticamente, o
tempo morto. Tais análises consideram, assim, os fatores fisiológicos que interferem
na intervalação genésica, haja vista que a ovulação é inibida pelo aleitamento

147 Ver, supra, TABELA 3.


Esses índices referem-se à média dos intervalos de primeiro nascimento considerando
apenas aqueles que se deram entre 60 meses ou menos. Se a média considerasse o intervalo
protogenésico total, isto é, englobando aqueles nascimentos ocorridos depois de 60 meses do
casamento, a médias seriam de 23,72 e 28,28 meses para a primeira e segunda coortes
respectivamente, (ver PARTE HI - TABELAS 28 e 29)
"» Ver PARTE III - TABELAS 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42 e 43. GUILLAUME e POUSSOU
indicam que, em populações tradicionais, é possível fixar que os nascimentos, a partir do segundo, se
sucedem ao ritmo de um a cada dois anos ou dois anos e meio. (op. cit., p.176).
215

materno150. Todavia, apontam que o período ocupado pela lactância é


comportamento cultural associável ou não à interrupção de relações sexuais.151
Desenvolvendo uma fecundidade tão elevada, constata-se que a
comunidade imigrante de Antonio Olyntho não tinha preocupação em controlar o
número de filhos. Muito pelo contrário, tudo indica que eram bem-vindos à medida
que permitiam a reprodução da sociedade nos moldes conhecidos e na qual a relação
de reciprocidade era essencial. A esse respeito, é significativa a posição assumida por
um casal estéril ao mencionar que a terra ficaria para quem merecer na última hora.
Quem cuidar de nós na velhice, vai ficar com tudo152. Se a natureza não concedeu a
esse casal o herdeiro natural, coerentemente com sua visão de mundo, "adotará" um
herdeiro para não interromper o ciclo natural das coisas.

Esse consenso tradicional em relação a uma fecundidade elevada foi


acompanhado pela produção de objetos lúdicos que o reafirmam. As meninas, ao
brincarem com as matriozkas - bonecas com tamanhos diferentes que se encaixam,
fazendo com que uma se desdobre em várias - já transitam num universo de
procriação. Diferentemente das bonecas "pedagógicas" da atualidade, que simulam
um parto simples, as matriozkas induzem à noção de que uma mãe se desdobra em
muitos filhos.

150 PRESSAT argumentando acerca das explicações que tem sido dadas para as diferenças
entre os intervalos intergenésicos de diversas populações entende que a mais plausível é a que se
baseia na esterilidade temporária provocada pela amamentação. Adverte, porém, que é uma
correlação discutível porque se for invertido o encadeamento causai, pode ser sustentada a idéia de
que uma concepção durante o período da lactância aumenta o risco de morte da criança. (PRESSAT,
op. cit., pp.238-239).
131 As entrevistas não permitiram averiguar a crença nesse tabu entre os imigrantes. É

válido, no entanto, assinalar a observação de PRESSAT: "Los períodos de suspension de Ias


relaciones sexuales durante el amamantamiento que se observan en certas poblaciones no pueden
tener efecto sino quando al término del quai se reanudan dichas relaciones después del parto es
superior al término de reaparición de la ovulación." (PRESSAT, op. cit., p.239). Ainda, merece nota
que na análise do movimento mensal de concepções evidenciou-se que interditos religiosos
aparentemente não se sobrepuseram aos desejos individuais. Em ambas as coorte os índices de
concepção nos meses março, abril e dezembro - onde localizam-se as"quaresmas" mais importantes
dessa etnia - são semelhantes, e em algumas vezes maiores do que as havidas nos demais meses.
152 Entrevista 8 (1994)
216

E, pelo entendimento social de que os filhos são necessários, evidenciou-se


entre as mulheres ucranianas uma impermeabilidade às referências "modernas" no
que diz respeito ao comportamento procriativo. Contrariamente ao que S. NADALIN já
disse à respeito de outras imigrantes, tudo indica que essas mulheres não amavam
ao abrigo de certas precauções153) mesmo aquelas que tiveram poucos filhos não se
atribuíam responsabilidade por uma interferência direta na dimensão da prole.
Nesse caso, Anna, casada em 1948, aos 31 anos, que teve três filhos, sintetiza bem a
resignação perante o número de filhos quando afirmou que tive poucos, decerto
porque Deus não quis154.

Por outro lado, as pessoas da localidade percebem que, na geração atual da


segunda coorte, está acontecendo uma diminuição das famílias em decorrência de
método químico. Ao ser indagada se não era possível controlar a quantidade de
filhos, Placidina, casada na primeira coorte - que teve 11 filhos e sua cunhada, 14 -
responde:

Antes ninguém falava disso. Ninguém sabia tomar remédio como agora.[—J.Mas tinham
algumas que não tinham tantos. A minha irmã teve só seis e minha cunhada só dois.
[...jEIas não tinham mais. 155 (destaque do autor)

Se nessa entrevista declara-se o conhecimento tardio da pílula


anticoncepcional, outras evidenciam que tal conhecimento veio do "centro para a
periferia". Alega-se que as mulheres que moravam em Curitiba conheceram antes a

œ NADALIN, S.O. Sexualidade, casamento e reprodução. REVISTA BRASILEIRA DE


ESTUDOS DE POPULAÇÃO. São Paulo. v.5. n.2. jul/dez. 1988. Nesse estudo, NADALIN aponta as
transformações relativas à fecundidade das alemãs luteranas em Curitiba, referindo-se
especificamente à diminuição das concepções pré-nupciais a partir da inserção desse grupo imigrante
na vida urbana. Quanto às ucranianas, já foi analisado esse aspecto da sexualidade ( cf. PARTE II,
Capítulo 1 , Subítem 1.1.3 - Serpentes no paraíso) constatando-se que a maternidade do grupo
ruteno/ucraniano de Antonio Olintho restringia-se basicamente à maternidade legítima, ou seja,
aquela desenvolvida no quadro do casamento..
« Entrevista 18 (1995)
10 Entrevista 5 (1995)
217

possibilidade da interferência nas concepções. Anastácia, que casou em 1957 e teve


dez filhos, nascidos entre 1957 e 1973, enfatizou esse aspecto:

Antes de casar ninguém falou que podia ter menos filhos. Depois que eu casei sim porque
viram que eu fui tendo bastante. A minha cunhada dizia para eu tomar comprimido. Ela
trabalhou em Curitiba e aprendeu lá o comprimido. 156

O argumento de que o aprendizado anticonceptivo realizou-se por meio


dos cochichos das comadres (e de cunhadas) encontra respaldo na precariedade do
atendimento médico-hospitalar local, no qual há pouco tempo insere-se uma
assistência médica fixa. E isso em termos de ambulatório médico, porque o hospital
mais próximo fica na cidade vizinha, São Mateus do Sul, situada aproximadamente a
40 quilômetros da localidade.

De qualquer maneira, a investigação da contracepção esbarra com


resistências pessoais, culturais e religiosas em que dificilmente se pode penetrar.
Alguns fragmentos nas falas das imigrantes permitiram entrever, contudo, que essas
mulheres podiam não praticar a contracepção mas detinham o conhecimento de
formas de controle da natalidade. Uma entrevistada, que casou em 1957 e teve 9
filhos, esclarece:

Tinha como evitar os filhos. Tudo vinha da farmácia porque nós não sabíamos fazer nada.
Tinha umas lá que faziam xaropadas, chás, mas sei lá se isso dava certo. Mas acho que
não. 157

Com uma prole de nove filhos, essa mãe efetivamente pode não ter
provado as xaropadas e os chás abortivos que algumas mulheres possivelmente
tomaram.
No entanto, as médias gerais de fecundidade - entre 1895 e 1980 - são
reflexo dessa despreocupação social quanto ao controle dos nascimentos. Numa
comparação entre as duas coortes, considerando apenas os grupos de mulheres

« Entrevista 2 (1993)
Entrevista 20 (1994)
218

casadas entre 15 e 29 anos, verifica-se, inclusive, um leve aumento do número médio


de filhos na segunda coorte - entre as mulheres da faixa 25-29 anos158. Por essa
desconsideração da possibilidade de contracepção, o desenho das curvas nos
gráficos de fecundidade assumiu o traçado característico de populações pré-
malthusianas.

Gráfico 5 - Taxa de Fecundidade Legítima


independente da idade da mulher ao casar

de 1895 até 1949 de 1950 até 1980

1M Quanto às médias de fecundidade legítima, é interessante observar que, na primeira


coorte, apesar de uma média geral de 8,4 filhos, os cálculos não consideraram nenhuma mãe a partir
de 35 anos. Isto ocorreu porque tecnicamente o SYGAP só considera para cálculos de fecundidade as
mães com casamento MF1 ou seja, aquelas das quais sabe-se não só a data exata do casamento, mas
também a data exata do nascimento. Sendo que muitas mães da coorte 1 eram imigrantes, ou
nascidas nos primeiros tempos da colônia, foi impossível saber com exatidão as datas de seus
nascimentos. Q mesmo fenômeno acontece na segunda coorte, quando as mães a partir de 35 anos
aparecem basicamente sem filhos. (Ver PARTE III - TABELAS 26 e 27)
Gráfico 6 - Taxa de Fecundidade Legítima (1895-1949)
em função da idade da mulher ao casar

ao casar 15-19 ao casar 20-24 ao casar 25-29

Gráfico 7 - Taxa de Fecundidade Legítima (1950-1980)


em função da idade da mulher ao casar

ao casar 15-19 ao casar 20-24 ao casar 25-29


220

No gráfico 5, que não considera a idade em que as mulheres casavam, a


relativa convexidade das curvas indica a participação num regime de "fecundidade
natural", destacando-se para esse traçado a elevada idade da mãe na última
parturição159. De igual modo, os gráficos 6 e 7 traduzem a relativa debilidade da
idade ao casar sobre a fecundidade em regimes de fecundidade não-controlada.160
Embora isso seja mais nítido no primeiro período, mantém-se evidente também no
segundo.

Finalmente, pode-se acrescentar que o padrão de fecundidade apresentado


pelas ucranianas de Antonio Olyntho tem uma relação bastante estreita com a
manutenção de uma determinada visão de mundo, possibilitada pelo
desenvolvimento da história dessas famílias no Brasil. Essa colocação adquire maior
relevo quando se compara a fecundidade dessas mulheres com a das imigrantes
ucranianas que se dirigiram ao Canadá.161

Um estudo de J. WOLOWINA162, com base em censos decenais, mostra,


efetivamente, que as mulheres ucranianas canadenses tinham uma fecundidade

01 Na correlação da idade na última maternidade com a faixa de idade em que as mães


casavam não se verificou quaisquer variações essenciais. As imigrantes ucranianas que, entre 1895-
1940, casavam entre 15-19 anos encerravam sua prole, em média, aos 40 anos e as casadas entre 20-24
anos, aos 40,1 anos. Outras imigrantes, - as alemãs luteranas estudadas por NADALIN -, analisadas
numa coorte menor, entre 1895-1919, apresentam comportamento diferente: as casadas entre 15-19
anos completavam sua descendência, em média com 32,7 anos; entre 20-24 anos com 33,7. (BIDEAU,
A.; NADALIN, S.O. Étude de la fécondité d'une communauté luthérienne à Curitiba (Brésil) de 1866
à 1939. POPULATION. Paris, n.6,1988. p. 1047)
L. HENRY, entre outros, indica que o traçado das curvas de fecundidade em
160

populações modernas tem separações muito marcadas. "A edad igual la fecondidad es netatmente
más elevada en las mujeres casadas recientemente que en las mujeres casadas más pronto, es decir, a
una edad menor." (HENRY, Demografía, p-121-122)
«i Deve ser ressaltado que a emigração para o Canadá se processou paralelamente à do
Brasil, sendo que muitas aldeias repartiram-se entre os dois países. (BORUSZENKO, O. Integratzia
ukkraintziv u Brazylii. Tese (Doutorado em História). München. Ukrainishe Freie Universität, 1972).
O que eu quero destacar é que não houve diferenças aparentes entre os segmentos emigrantes, o que
daria um ponto de partida comum para estas famílias cujos comportamentos fecundos vão ter
características tão diferenciadas.
«a WOLOWYNA, J. E. Trends in marital status and fertility of Ukrainians in Canadá. In:
PETRYSHYN. W.R. (edit). Changing realities : Social trends among Ukrainian Canadians. Alberta :
Canadian Institute of Ukrainians Studies, 1980. pp.161-188.
221

maior do que as canadenses de qualquer outra origem étnica, nos anos de 1931, 1941
e 1951.163 A partir de então, houve uma diminuição significativa nas taxas de
fecundidade das mães ucranianas canadenses, colocando a descendência final por
volta de dois filhos na década de 1970.
Vários fatores interferiram na alteração do comportamento dessas
ucranianas que se dirigiram para os dois países; obviamente, esses fatores estão
articulados à dinâmica sob a qual se processaram ambas as histórias. Para que
houvesse a prática do controle da natalidade das mulheres ucranianas de Antonio
Olyntho, seriam necessárias mudanças estruturais nesse grupo social. A diminuição
voluntária da prole não decorre simplesmente da adoção de práticas
anticoncepcionais; implica, sobretudo, romper com uma determinada forma de viver
a família.

Ora, o grupo doméstico mais característico em Antonio Olyntho foi aquele


com domicílios relativamente complexos, delineando com mais freqüência famílias-
tronco ligadas à atividade agrícola, basicamente voltada para o autoconsumo. Essa
estrutura domiciliar é fundamental para o entendimento da manutenção de altas
taxas de fecundidade na comunidade, pois fatores como a idade precoce no
casamento, intervalos genésicos curtos e seqüenciados, ocupação de todo o período
fértil da mulher não são causas, mas sim conseqüências de uma determinada prática
familiar; são índices de um comportamento socialmente aceito e que, por isso
mesmo, tem garantida a sua permanência. Pode-se concluir que a fecundidade
manteve-se alta até o final do período estudado justamente porque, para os

De qualquer forma é considerável a diferença das taxas de fecundidade obtidas para as


10

mulheres ucranianas canadenses e as obtidas neste estudo. Apesar de ter origem em fontes diversas,
(o estudo canadense trabalhou com censos e cortes tranversais e este trabalha com base nos registros
paroquiais e corte longitudinal) as taxas de fecundidade poderiam apresentar resultados mais
próximos. Por exemplo, uma mulher de ascendência ucraniana no Canadá, casada aos 20-24 anos,
tinha uma taxa de fecundidade legítima de 216,6 em 1931; 147,2 em 1941 e 170.2 em 1951. Nas de
Antonio Olyntho, uma mulher casada na mesma idade, aos 20-24 anos, teve uma taxa de
fecundidade de 452 na primeira coorte (1895-1949) e de 335 na segunda coorte (1950-1980). (Ver
PARTE m - TABELAS 26 e 27)
222

descendentes de ucranianos em Antonio Olyntho, a representação de familia que


abriga a noção de uma prole extensa não encontrou o seu limite. Em outras palavras,
os parâmetros da organização social, econômica e mental do grupo possibilitaram a
manutenção de um padrão de fecundidade basicamente inalterado durante o
período em estudo.

Os imigrantes organizaram o espaço da colônia numa nítida reprodução de


um viver camponês. A orientação espacial, a composição doméstica e a sucessão de
gerações decorriam reiterando hábitos e costumes ancestrais. Isso porque o percurso
da história local resguardou-os da necessidade de arranjos fundamentais. Por isso
mesmo a natureza manteve-se como referência, tanto no ciclo familiar quanto no
ciclo da vida dos rutenos/ ucranianos de Antonio Olyntho.
3 UMA HERANÇA CAMPONESA

3.1 A TERRA NO TEMPO


Compre terra e plante filhos, e tudo dará certo, Podem vir a guerra e os ladrões e a
colheita se perder - isso não significa nada. [...] Se um homem tem sangue forte como eu,
e espalha suas sementes por toda a parte, esse homem irá florescer.
(camponês espanhol anônimo 1 )

Os compromissos com a tradição tomam vulto na comunidade de Antonio


Olyntho, quando se analisa a forma pela qual se processava a transmissão da
propriedade.
E. SHORTER2, entre outros, aponta a diversidade de procedimentos relativos
à herança entre os camponeses europeus, ora regidos pelo direito romano, ora pelo
consuetudinário. Essas diferentes tradições derivavam numa multiplicidade de
formas de sucessão, oscilando entre a noção da indivisibilidade da terra até a
paridade de direitos entre os herdeiros.3 Em algumas regiões da Áustria, por
exemplo, a terra era prometida a somente um dos filhos, geralmente o mais velho;
em outras, quem herdava era o mais novo, de maneira a permitir que o pai se
mantivesse por mais tempo na direção dos negócios familiares. Nesses casos, os
demais filhos, não herdeiros, recebiam compensação financeira ou o direito de se

1 Apud MACFARLANE. A. História do amor e do casamento : Inglaterra, 1300-1840. São

Paulo : Companhia das Letras, 1990. p. 57.


2 SHORTER, E. Naissance de la famille moderne : XVIII e XX siècle. Paris : Éditions du
Seuil, 1977. p. 35.
3 BERKNER também aponta múltiplas formas da sucessão patrimonial e as associa à
estrutura residencial, ao estudar, especificamente, algumas regiões da Alemanha. Para o autor,
"when the land is not divided and the property rights are inherited by a single heir, we usually
speak of impartible inheritance, and this is often associated with a residential pattern of "steam-
family" households formed by a co-residence of one married child." (BERKNER, L.K. Inheritance,
land tenure and peasant family structure: a German regional comparison. In : GOODY, J.; THIRSK,
J.; THOMPSON, E.P. Family and inheritance : Rural society in western Europe. 1200-1800.
Cambridge : Cambridge University Press, 1976. p. 71)
224

manter morando com a família, sob a condição de não casar. A despeito das
variações locais, um aspecto fica muito claro: a prática de diferentes regras para a
sucessão patrimonial esteve sempre relacionada com a estrutura familiar vigente.
Entre os imigrantes em estudo, a transmissão do patrimônio mais freqüente
foi aquela na qual o filho mais novo articulava sua permanência no grupo domiciliar
paterno à sucessão de domínio da propriedade. Considerando o que já foi exposto
em relação à estrutura do grupo doméstico, pode ser resgatada a observação de F. LE
PLAY quando identificou a relação existente entre família-tronco e transmissão de
patrimônio a um único herdeiro4. Essa estratégia estaria refletindo a concepção de
direito costumeiro que os imigrantes trouxeram consigo. Apesar de, entre os
camponeses da Europa Oriental do século XIX e início do XX, haver a concepção da
propriedade ser algo pertencente à família no decorrer do tempo5, isso não
significava nem direito comunal e muito menos que um conjunto de pessoas
possuísse parcelas individuais desse bem6. A prática de os filhos não terem,
isoladamente, direito à posse foi exemplificada por T. SHANIN quando apresentou as
decisões tomadas pelas Cortes de Apelação da Rússia, em final do oitocentos. Por
elas, as terras eram consideradas como propriedade não da pessoa legalmente
registrada como sua proprietária, mas de todos os membros da família, sendo o seu
chefe apenas o representante da mesma7. Com base nesse entendimento social da
propriedade, A. MACFARLANE identifica que entre as raízes da destruição do sistema

* LE PLAY, F. apud FLANDRIN, J. L. Famílias : Parentesco, casa e sexualidade na


sociedade antiga. Lisboa : Editorial Estampa, 1992. p. 82.
• Entre outros, ver GOODY, J.; THIRSK, J.; THOMPSON, E.P.. op. cit.; CHAYANOV, A.
V. The theory of peasant economy. Illinois : Richard D. Irwin, Inc., 1966; MACFARLANE, A.
Família, propriedade e transição social. As origens do individualismo inglês. Rio de Janeiro : Zahar
Editores, 1980.
« MACFARLANE, op. cit., p. 33.
'SHANIN, apud MACFARLANE,p.35.
225

campesino [estaria] a evolução do conceito de que o indivíduo tem direito à


propriedade face a outros indivíduoi.
Pela inexistência da noção de herança da forma desenvolvida em
sociedades não camponesas, outra característica peculiar é que o legado de uma
geração a outra não envolvia necessariamente a morte de um dos pais e era encarada
legalmente como a partilha da propriedade da família entre seus membros*.
A herança baseada na tentativa de indivisibilidade do lote é recorrente em
comunidades imigrantes. Alguns estudos têm apresentado resultados nesse
sentido10, o que reforça a noção de que, muitas vezes, códigos culturais específicos
encontram maneiras de burlar as normas legais da sociedade envolvente. Sabe-se
que o Código Civil Brasileiro, em vigor desde 1916, prevê paridade de direitos entre
os herdeiros. De qualquer maneira, já foi apontado para a realidade européia, que
nos países de direito escrito nos quais a família original era dominante e muito viva,
os tabeliõesperpetuaram até hoje as práticas testamentárias que permitem conservar
a integridade do patrimônio de geração em geraçãon.

Foi justamente no recurso a fórmulas notariais que, entre os imigrantes de


Antonio Olyntho, buscou-se uma adequação das prescrições legais à tentativa de se
preservar, o mais possível, a integridade do lote. Lendo a escritura de partilha
amigável do espólio de Leonardo, em 1934, tem-se conhecimento de que deixou para
a viúva e seus dois filhos um lote de terras de dez alqueires adquirido por compra
feita ao governo do Estado, no valor de dois contos de réis12. Pelo Código Civil

« Ibid., p. 34.
' Ibid., p. 34.
ÍC Entre eles, WOORTMANN, E. F. Herdeiros, compadres e vizinhos : Colonos do sul e

sitiantes do nordeste. São Paulo-Brasilia : HUCITEC/Edunb, 1995.


" MENDRAS, H. Sociedades camponesas. Rio de Janeiro : Zahar Editores, 1978. p. 75.
12 PARANÁ. Comarca da Lapa. Cartório Distrital de Antonio Olinto. Livro de Escrituras.

Ano 1934. p. 97.


226

Brasileiro, caberia à viúva Anastácia a quantia de mil contos de réis e aos filhos,
partes iguais, de quinhentos contos de réis. No entanto,

em virtude de se achar a viúva meeira de há muito tempo residindo em companhia de


seu filho Estefano, que é quem lhe está sustentando e cuidando por quasi não poder mais
trabalhar, foi então por ela dito, que renuncia, como de fato renunciado tem, à sua
meação, em favor do dito Estefano, para que este seja adjudicado na sua referida parte,
ficando assim subrogado em todos os direitos que lhe assistem com relação a esta partilha
e seus ônus 13 .

Em outros casos, o que se percebe é uma partilha paritária e, findo o


processo legal, os herdeiros, principalmente quando não eram mais moradores da
localidade, doavam suas parcelas de herança aos irmãos que permaneceram na
localidade, basicamente àqueles que cuidavam dos pais. Neste caso estão Felipe e
sua esposa Tecla, Simão e sua esposa Ahafia, residentes em Três Barras que cederam
e transferiram aos outorgados aceitantes Pedro e Demétrio, todos os seus direitos
hereditários que lhes cabia no espólio de seus pais e sogros João e Marie?4.

Com base nesse recurso, ainda na atualidade, é consenso entre as famílias


mais tradicionais que ao filho mais novo, caibam a manutenção da terra e o dever de
cuidar da velhice dos pais; em outras palavras, o mais novo é responsabilizado
concomitantemente pela perpetuação do patrimônio e pela reprodução da lógica
familiar.
Evidentemente, grande parte dos terrenos originais foi objeto de divisão, e
alguns moradores mais idosos afirmam que, no início da colônia, houve uma forte
inclinação para se fazer partilhas igualitárias15. Essa tendência poderia explicar a

u Ibid, p. 97.
14 PARANÁ. Comarca da Lapa. Cartório Distrital de Antonio Olinto. Livro de Escrituras.

Ano 1939. p. 126.


u Entrevista 39 (1994)
227

quantidade de minifúndios que apareceu em cadastramentos, como o do INCRA 16 , em


1964, e a pauperização atual dos proprietários de microlotes.
As famílias que pulverizaram seus lotes em partilhas igualitárias sofreram
um processo de pauperização, porque a porção de terra que lhes coube não foi
suficiente para sustentar sequer uma família nuclear. Sabe-se que mesmo dez
alqueires são parcamente suficientes para a subsistência de um grupo doméstico de
porte mediano; no entanto, os colonos sustentavam uma prole em média de oito
filhos por casal até 1950. De qualquer maneira, o número de pessoas à mesa era
sempre maior, considerada a complexidade do grupo doméstico. Nessas condições,
explica-se também a insistente memória da penúria e das dificuldades iniciais. Os
filhos dos pioneiros contam que, nos primeiros tempos, quando não havia nem
carreiro para passar comiam broto de samambaia e broto de xaxim para matar a
fomê1. Uma investigação nos livros de uma casa comercial local evidencia que
apenas nas décadas mais recentes passou-se a comprar mais que o estritamente
necessário ou que não pudesse, absolutamente, ser produzido por métodos caseiros -
querosene, sal, cal, foguete, fitas.

Pode-se pensar, assim, que tal tendência inicial a heranças paritárias tenha
favorecido a instituição do ultimogênito enquanto o herdeiro ideal. Aquelas famílias
que puderam manter o lote inicial indiviso retomaram a coabitação, no sentido de
evitar a pobreza geral que viam entre os domicílios fragmentados e de garantir o
exercício da relação de reciprocidade tradicional. Nesses termos, onde um filho a
mais signiñcava a diferença entre pobreza e indigencia18, pode-se colocar a hipótese
de que a experiência dos imigrantes como pequenos proprietários forjou, então, o
ultimogênito como sucessor. Lotes pequenos não proviam as necessidades de uma

16 BRASIL. Ministério da Agricultura. Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária. Cadastro Rural de Antonio Olintho. 1964.


17 Entrevista 24 (1994).
18 DARTON, R. O grande massacre dos gatos : E outros episódios da história cultural

francesa. Rio de Janeiro : Graal, 1986. p. 45.


228

família extensa, nos moldes patriarcais. Foi imperioso restringir o grupo de


coabitação.
Os filhos mais velhos passaram a buscar suas oportunidades fora do
domicílio e, no mais das vezes, da localidade. Abandonando a casa paterna levavam
sua força de trabalho excedente a um lote de dez alqueires, além de garantir a
diminuição do consumo doméstico19. No momento em que a capacidade produtiva
dos pais começava a declinar, o ultimogênito, em condições de pleno trabalho, trazia
para o lar uma esposa trabalhadora.
E. WOORTMANN constatou sucessão patrimonial nos mesmos moldes entre
os alemães da colônia Dois Irmãos (RS). E nesse pormenor associa responsabilidades
diferentes entre o herdeiro e os demais irmãos que se refletiam na precocidade da
idade média ao casar desses últimos20:

Casar mais cedo é privilégio dos colonos forrtes, com condições de passar para os filhos
os recursos necessários. A idade ideal para o casamento, entre os fortes, é em torno de
vinte anos. Casar cedo é , por outro lado, privilégio dos não-herdeiros da Stsmmhaus. Ao
herdeiro cabe esperar até que os demais estejam estabelecidos e casados em outro lugar,
com exceção dos que ficarão celibatários, e contribuir para tornar possível essas uniões:
viabilizar por exemplo o dote das irmãs 21 .

Outros estudos têm evidenciado essa relação entre idade ao casar e


disponibilidade da propriedade, como é o caso dos alemães instalados em Curitiba
em finais do século passado que se casavam em média mais cedo do que seus
conterrâneos que não imigraram22. Parece que tal relação, no caso curitibano, estava

19 Foram muitos os moradores a mencionar o fato dos que, trabalhando fora, enviavam

com certa regularidade ajuda aos familiares que ficaram em Antonio Olyntho.
20 WOORTMANN, op. cit., 162
21 ibid, p. 162.
22 ANDREAZZA, M. L. ; NADALIN, S. O. O cenário da colonização no Brasil Meridional e
a família imigrante. REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS DE POPULAÇÃO. São Paulo : ABEP. v.
11, n. 1, jan/jun, 1994. p. 76. As mulheres alemãs imigrantes instaladas em Curitiba casavam, na
segunda metade do século XIX, em torno de 21 anos; na Alemanha entre os 26 e 27 anos.
229

ligada à concessão gratuita de terras aos colonos estrangeiros na periferia da cidade,


o que teria facilitado o estabelecimento, pelos jovens, de um domicílio próprid3.
Se em Antonio Olyntho era mais comum o ultimogênito cumprir a
reciprocidade tradicional - cuidar dos pais e receber o patrimônio - , a análise desse
processo revelou, naturalmente, exceções e adaptações24. Entre elas, encontram-se
muitas situações em que se pode entrever o arbítrio dos pais na escolha do filho que
cuidaria deles na velhice e, portanto, receberia a propriedade. Exercendo tal arbítrio,
Pedro e Anna escolheram seu filho Simão, casado em 1932, para coabitar25.

D I A G R A M A 4 - C O M P O S I Ç Ã O D O DOMICÍLIO D E S I M Ã O N O A N O D A M O R T E D E SEU
PAI

Pedro Anna
1S78-Î947

H H H H H Simão M M H H M M
' 1909 Î91&

H
r i
M M
l i
H!

FONTE: Registros paroquiais.


NOTA: A área reticulada refere-se à composição do domicílio em 1947.

23 Ibid., p. 77.
* WOORTMANN também verificou uma elasticidade quanto a obediência às regras -
mesmo as costumeiras - de transmissão de herança entre os imigrantes alemães do RS: " N a Colônia,
apesar da vinda de grupos de tradição de primogenitura, prevaleceu a tradição da ultimogenitura,
visando igualmente a integridade do patrimônio. Se o casamento é construído, não menos construído
é o herdeiro. Em princípio, ele é o último a nascer e a casar; concretamente, porém, o sucessor não é
necessariamente o filho mais novo. Os pais avaliam o que se chama de Geschik, jeito, tendência,
inclinação de cada filho homem, sua suposta qualidade inata e, em função dessa avaliação,
constroem seu Schicksal, destino." (op. cit., p. 178)
25 WOORTMANN aponta que o princípio da ultimogenitura implica maior grau de
incerteza que a primogenitura. No contexto desta última, uma vez nascido u m filho homem, tinha-se
um herdeiro. " N o caso da ultimogenitura, nunca se sabia quem seria o último a nascer [...]. O casal,
porém decidiria, em certo momento, quem seria o último filho, e se nascesse mais um, este seria, em
princípio, descartado." (WOORTMANN, op. cit., p. 178)
230

Simão era o sexto dos oito filhos homens do casal. Ao casar, manteve-se no
domicílio paterno, onde ainda estavam quatro de seus irmãos solteiros, dois de cada
sexo. Sua esposa Anastácia esclareceu que:

N ó s casamos e ficamos morando aqui. Eles [os sogros] gostavam do meu marido porque
ele era trabalhador e sabia andar de carroça. Os outros casaram e nós ficamos. Depois eles
passaram o terreno para nós. 26

Já no caso dos filhos de Simão e Anastácia, a ultimogenitura foi adotada: a


manutenção do terreno e os cuidados com a mãe [Simão morreu em 1972] couberam
a Joaquim, o filho mais novo. Em 1983, ele casou e se manteve morando na casa dos
pais. Nascido em 1962, ele expôs: Eu morava só com a mãe; era o fílho mais novo e
depois que casamos, fícamospor aquF.

DIAGRAMA 5 - DOMICÍLIO DE JOAQUIM, ULTIMOGÊNITO DE SIMÃO, 1994.

Simão Anastácia
1909-1972 1918-

I I I I I I I I
H H M H M H M M Joaquim M
I960 J965

!
Il M M
I

FONTE: Registros paroquiais.


NOTA: A área reticulada refere-se à composição do domicílio em 1994.

Outra situação que ilustra, na localidade, uma forma de herança que os


historiadores franceses chamam de mariage en gendre está expressa no casamento
de Nicolau. Dinâmico e empreendedor, construiu uma casa para morar com
Carolina, sua vizinha, após as nupcias. Esse plano realmente efetivou-se, mas por
apenas dois anos: entre 1956 e 1958. Neste último ano, seu sogro convidou-o para

24 Entrevista 12 (1995)
27 Entrevista 16 (1995)
231

residir em sua casa, e foi lá que Nicolau desenvolveu sua prole; essa coabitação
durou até a morte dos pais da esposa.

DIAGRAMA 6 - HISTÓRICO DO DOMICÍLIO DO PAI DE CAROLINA E SITUAÇÃO N O


A N O DE SUA MORTE.

Sogro Sogra
ÎS99-1969 1901-1968

M M Nicolau Carolina M M

H M H M M H H
1957 vm 1961 1962 1965 1967 ma

FONTE: Registros paroquiais.


NOTA: A área reticulada refere-se à situação do domicílio do pai de Carolina, no ano de sua morte.

Deve-se notar, porém, que o sogro de Nicolau contava apenas com (cinco)
filhas mulheres (cf. segunda linha do diagrama 6). Dessa maneira o princípio de que
o amparo na velhice, bem como a herança do terreno, se daria pela linha masculina
estava impossibilitado. Aqui, também o fato de Nicolau ser um bom trabalhador
parece ter sido decisivo nos critérios de escolha do sogro. Afinal, havia mais quatro
genros disponíveis...
Analisando o sistema de herança entre os camponeses que adotam a
família-tronco, H. MENDRAS concluiu que, se para o pater familias e seu herdeiro a
residência fundamentada em um patrimônio, não tem começo nem fim e permite
uma adequação entre terra, trabalho e subsistência?8, o sistema é extremamente
excludente para com o restante da prole. A perpetuação do patrimônio fundiário
pauta-se num consenso de desigualdade entre os filhos. Neste pormenor, A.
BURGUIÈRE tem uma posição diferente. Segundo ele, na realidade, as estratégias de
transmissão devem estar de acordo com o desejo latente de igualdade que faz parte

21 MENDRAS, op. cit., p. 74.


232

do espírito do cristianismo e, possivelmente, com o espírito de parentesco europeu


bilinear29. Com este ponto de partida, o autor argumenta que as regras de sucessão
igualitárias ou desigualitárias correspondem tanto a fatores subjetivos - os contratos
morais e afetivos que pesam sobre as decisões dos pais - como a questões objetivas
relativas à conjuntura demográfica e econômica na qual se inserem as decisões. E
acresce que os costumes tidos como desigualitários não correspondem,
obrigatoriamente, a um desejo, mas a uma necessidade de desigualdade. Os
costumes, ditos desigualitários [...] visam preservar uma unidade de exploração ou o
poderio (a força) de uma casa e se esforçam em compensar, de uma maneira ou de
outra (com um dote ou uma legítima em dinheiro, como uma certa despesa em
educação ou com a formação profissional, etc.) a injustiça que se coloca para os
excluídos10.

A pesquisa relativa à forma como se processava a herança entre os


descendentes de rutenos em Antonio Olyntho apontou que, sempre que possível, os
filhos eram impelidos a abandonar a propriedade paterna31 recebiam uma
compensação. Isto fica evidente quando os entrevistados afirmam que é dever dos
pais dar um começo para o filho e a festa do casamento para a filha.
Esse começo que o filho homem recebia, podia se apresentar na forma de
um auxílio para a compra de terras (na localidade ou fora)32, na construção de uma
casa33, no eventual custeio da educação formal34, ou, entre os mais pobres, apenas na
compra do terno para o dia do casamento. João relata que seu pai, um aventureiro

" BURGUIÈRE, A. Les cent et une familles de l'Europe. In: BURGUIÈRE, A. et al.
Histoire de la famille : Le choc des modernités. Paris : Armand Colin. 1986. p. 88.
30 Ibid., p. 85.
31 A este respeito vários entrevistados afirmaram o fato de que os que não ficavam com o
lote recebiam dinheiro para um começo.
32 Entrevista 7 (1994)
33 Entrevista 35 (1994)
27 Entrevista 16 (1995)
233

que mudou de casa várias vezes35, não tinha como ajudá-lo, e na ocasião de seu
casamento, vendeu tuna vaca para que pudesse comprar o terne?6. A forma assumida
para auxiliar a constituição de um domicílio neolocal tinha relação direta com as
possibilidades do domicílio emissor, e, por isso, muitos tentaram sua vida em outras
localidades, sem qualquer ajuda dos pais.37

3.2 AS RELAÇÕES FAMILIARES

3.2.1 O convívio com os de casa


La famille traditionelle était plus une imité de prodution et de reprodution qu'une imité
affective. Elle constituait un mecanisme de transmission de la propriété et du rang social
de génération en génération.
E. SHORTER

Considerando que a composição doméstica e a sucessão patrimonial


desenvolveram-se, preferencialmente, nos moldes patriarcais, o convívio familiar
encontrou também aí sua referência. Em função desse modelo de autoridade, após as
cerimônias e as festividades do casamento, os jovens esposos dirigiam-se para a casa
onde curvavam-se perante os pais realizando um gesto denotador do locus da
autoridade familiar. A noiva, que durante a comemoração do casamento já trocara a
guirlanda de flores38 pela h'ustka39, entrava na moradia com o status de mulher
casada. Nesse recinto, no entanto, já havia uma dona de casa: sua sogra.

35 Entrevista 45 (1995)
36 Entrevista 8 (1991). João casou em 1953.
37 Outros estudos, quando se ocupam com sucessão patrimonial, indicam estratégias
familiares que tornavam este começo mais substantivo. Neste caso, estão os alemães de Dois Irmãos
(RS) para os quais a propriedade original se mantinha indivisa mas a instalação das novas gerações
correspondia a abertura de novas frentes de colonização. (WOORTMANN, op. cit., p. 175-192)
38 O véu e grinalda só foram adotados pelas noivas, definitivamente, após a década de
1960, apesar do seu uso esporádico, desde 1940. Até então, o adereço mais comum na cabeça das
noivas, era uma guirlanda de flores naturais.
39 A h'ustka é o lenço que as mulheres casadas usam na cabeça para demonstrar sua

condição civil. É interessante observar que, inicialmente, ele era confeccionado com um pano que a
234

Para esclarecer as relações intrafamiliares dos imigrantes ucranianos é


pertinente resgatar o esquema de poder doméstico elaborado por A. COLLOMP, no
qual está indicada a qualidade dos vínculos entre os moradores40:

DIAGRAMA 7 - RELAÇÕES DE PODER NO INTERIOR DOS DOMICÍLIOS EM HAUTE-


PROVENCE

FONTE: COLLOMP, Conflits familiaux et groupes de résidence en Haute-Provence, p. 411.

Na colônia, o dido - avô - constituía o principal personagem da casa, até


morrer. Era respeitado e temido no lar e, no círculo das relações interfamiliares,
respondia e decidia pela unidade residencial. Somente a morte permitia a sucessão
na chefia do domicílio. Essa prática evidencia um certo distanciamento de alguns
estudos voltados a regiões da Europa, como o caso da Irlanda onde, nas famílias-
tronco, a partir de um determinado momento do ciclo familiar, o pai delegava suas
funções ao filho herdeiro41.

Até mesmo em situações corriqueiras do cotidiano, o chefe da família tinha


voz ativa. Anna, que casou na década de 1940, lembra que, após o casamento, passou

noiva levava consigo na igreja - no dia do casamento - para que fosse abençoado pelo padre. Esta
benção, conforme Nathalia, casada em 1937, acontecia após a celebração do casamento: "A noiva
levava para a igreja dois metros de morim e depois que casava ela ficava na igreja para o padre dar a
benção no morim. Já agora não usam mais fazer esta benção, mas usam o lenço. E para usar: Nossa
Senhora não usava?" (Entrevista 26 - 1995).
COLLOMP, A. Conflits familiaux et groupes de résidence en Haute-Provence.
40

ANNALES : E.S.C. Paris, v. 36, n.3, mai-jun, 1981. p. 411.


41 J. GOODY aponta que o período em que se dá a transmissão da autoridade doméstica

afeta a relação entre gerações. Referindo-se ao hábito, existente em algumas regiões da Europa, de
adotar a transmissão inter vivos, ele assevera: "Late transmission retains generational control; early
transmission weakens it." (GOODY, J; THIRSK, J. ; THOMPSON, E.P., op. cit., p.28)
235

a usar a h'ustka porque o sogro entendia que era assim que devia se/ 2 . Sua fala
empresta poder à autoridade do patriarca, no caso, o seu sogro:

Eu ando de lenço, sabe por quê? Porque meu sogro não queria que eu andasse sem lenço.
Ele não gostava e pra não contrariá-lo, eu usava. Pra que é que eu ia deixar o velho
brabo? Eu fazia os gostos dele, não é? Até é engraçado pensando hoje. Mas eu usei lenço
desde a mocidade; não tenho vergonha, é costume 43 .

Se o depoimento de Anna desvela um pouco da hierarquia familiar e do


papel subordinado de uma nora, ele coloca em relevo o papel do costume; a
autoridade do patriarca era legitimada pelo costume e não pelo exercício direto do
poder. Por isso mesmo não era ele quem exercia sanções e castigos. Essa função
estava a cargo da mãe, que determinava a conduta desejável e que castigava
infrações. Assim, o modelo de autoridade familiar dos imigrantes ucranianos
pautava-se numa estrutura patriarcal, mas à esposa do patriarca cabiam funções que
eram parte fundamental dessa autoridade. Esta especificidade das relações
domésticas em Antonio Olyntho permite redesenhar as linhas de circulação do poder
domiciliar da seguinte maneira:

DIAGRAMA 8 - RELAÇÕES DE PODER NO INTERIOR DOS DOMICÍLIOS EM ANTONIO


OLYNTHO

« Entrevista 38 (1994)
° Entrevista 38 (1995)
236

N. TZEMBALÍSTEI44, preocupado em caracterizar a mentalidade do povo


ucraniano, atribuiu à mulher-mãe um papel de suma importância, inclusive maior
do que de suas congêneres na Europa Ocidental. Segundo ele, no tocante à educação,
a família ucraniana é matriarcal. Nos lares, o pai é figura apenas normativa e que,
portanto, permanece distante. A mãe, inclusive, seria a pessoa que defenderia os
filhos da agressividade paterna.
As relações mãe e filhos evidenciadas entre os colonos de Antonio Olyntho
não chegaram a realçar a mãe terna e doce que N. TZEMBALÍSTEI encontrou na
Galicia; a ela, no entanto, cabia, da mesma maneira que as da Galicia, a educação dos
filhos. Um diálogo com Lídia nos conta um pouco dessa severidade materna:

— A senhora disse que as crianças obedeciam porque iam apanhar. - Apanhavam de


chicote, senão no muque. - E até que idade? - Até casar; - E de quem elas apanhavam? -
Da mãe. Do pai um pouco, mas da mãe sempre. A mãe é que educava* 5 .

O caráter pedagógico da severidade materna era entendido com muita


naturalidade. Por isso as crianças desenvolviam-se num ambiente de muito rigor.
Desde pequenas elas iam para a roça; aquelas de tenra idade ficavam deitadas em
balaios. Por volta de seis-sete anos já participavam do trabalho na roça e em casa.
Esse envolvimento no trabalho doméstico, segundo Hilária - uma das professoras na
localidade, nas décadas de 1940 e 1950 — era o grande rival da escola. Ela relatou
que as crianças ficavam na lavoura até onze horas e daí corriam para a escola.
Malmente faziam a segunda ou a terceira série e já iam para a roça. Era bem pouca
criança que aprendeu para frente46. A professora narrou o episódio de Casimiro que
não sentia motivação alguma para os bancos escolares. Expressava assim, seu
entendimento de que outras atividades é que garantiriam sua sobrevivência:

- TZEMBALÍSTEI, N. In : HOLOWKO, S. et al. Ukrainska menuvchena. Kiev : Lebidh,


1994. p: 187.
15 Entrevista 35 (1995)
14 Entrevista 11 (1993)
237

Eu não quero copiar o ponto para estudar. Eu não vou comer o ponto; eu só quero saber
1er e depois eu vou pegar na foice e roçar47.

Até hoje são raros os eventos específicos para crianças. A escola e o


catecismo - esse apenas uma semana por ano - consistiam nas únicas atividades
especiais que lhes eram destinadas. Contudo, não lhes era negado o espaço dos
adultos. Participavam dos casamentos, das festas, das orações e do trabalho.
Conforme a regra local de coabitação, a mãe tornava-se, no limite, uma
sogra. As mulheres da primeira coorte costumam declarar que uma nora é que nem
uma filha e por isso mesmo, ela tinha que obedecer e trabalha/8. Tradicionalmente, o
comando doméstico era da sogra; era a hospodenha - a dona da casa - até a morte.
Tereza, que casou em 1957, situou essa relação sogra-nora:

as duas eram donas da casa, mas ela governava um pouco porque eu era nova, era boba.
Depois que ela morreu, quem mandava era eu49.

Além de gerar filhos a nora representava um braço a mais, principalmente


nas tarefas especificamente femininas. As sogras ainda hoje associam o fato de casar
um filho com aumento da força de trabalho doméstico. Catharina, que tem filhos em
sua residência com idade de casar, recrimina o celibato dos filhos:

Eles já podiam estar casados e eu ter uma nora e uns netirihos prá me ajudar. Mas não
casam.[...] Eu disse prá eles: as filhas vão casar e eu preciso de ajuda. Nem que não
morassem na mesma casa. A gente dava um jeito, fazia uma casinha ali do lado 50 .

A relação sogra e nora, idealmente de submissão e obediência, envolvia


uma constante tensão. Verônica, que casou na década de 1930, é uma das poucas que
assume essa circunstância na relação com a sogra:

" Entrevista 11 (1993)


" Entrevista 3 e 8 (1994)
« Entrevista 5 (1994)
50 Entrevista 2 (1994). Os solteirões que preocupam esta mãe, têm 32, 35 e 37 anos.
238

Deus o livre. Eu pensava, às vezes, que estava no inferno. Quando ia para a roça quase
não queria voltar para casa 51 .

Por conta dessa insatisfação, as famílias secundárias passaram


gradativamente a construir casa separada da dos pais. Em muitos lotes, mais
recentemente, têm-se disseminado o hábito de construir um rancho do lado porque a
sogra atropeloi}1. Já as sogras, atribuem a impossibilidade crescente de coabitação ao
fato de que antes a nora obedecia, se enquadrava. Era fogo no chão e um banquinho,
e estava bom. Agora, só quer comprai53. Soma-se a isso a crescente insubordinação
das noras, que está presente na fala de Anna, 78 anos: as noras, antes, cuidavam da
sogra. Agora, ela quer ser mais do que a sogra. A nora tem que ser obediente [...]. Ela
tem que ser como uma filhei.

Verônica, a nora que comparou a vida com a sogra ao inferno, evidencia,


no entanto, a legitimidade social da obrigação filial da uma nora. Depois de cinco
anos morando juntos, ela, seu marido e seus filhos foram "atropelados" pela sogra.
O casal secundário construiu uma casa nas proximidades e pelo fato de a sogra ser
doentia, Verônica fazia todo o serviço para ela:

varria o terreiro, lavava a roupa, fazia a comida, senão ela ficava braba. Para mim estava
bom. Eu sofri bastante, mas não dizia nada. Os outros é que contavam como ela era
r u•i mss.

A resignação de Verônica pode ser entendida como a aceitação natural do


dolha feminino. O destino lhe reservara uma sogra exigente, mas isto não era motivo
para que uma nora - da primeira coorte - deixasse de cumprir seu papel. Em
períodos mais recentes, da segunda coorte, as sogras já não se sentiam confiantes

51 Entrevista 11 (1994)
52 Entrevista 3 (1994) e 7,13,17 (1995)
53 Entrevista 33 (1995)
54 Entrevista 35 (1995)
" Entrevista 2 (1994)
239

quanto a receber amparo das noras. Placidina, com 65 anos e um filho que mora no

mesmo terreno, sintetiza essa alteração na concepção tradicional:

Eu não vou muito na fiúza de nora. Nora é nora, é diferente de filha.[...] Elas querem mais
luxo, mais moderno. Hoje, quem casa quer casa, já não querem ficar junto. Antes era
diferente. O meu tio Pedro casou e ela [a esposa] criou dez filhos com a sogra. A sogra
morreu nos braços da nora. E eles morreram na terra56.

Nas relações domésticas não se pôde perceber, contudo, a clássica


rivalidade entre os irmãos - o herdeiro e os não herdeiros57. É possível que a
inexistência de grupos domésticos ricos e sólidos, nos quais a exclusão da herança
poderia significar desigualdade entre os filhos, seja um dos fatores que inibiu
conflitos entre os irmãos. Ainda, o consenso entre os herdeiros quanto à
possibilidade de indivisão dos lotes mesmo havendo uma prescrição legal de
heranças paritárias. Pode-se pensar, também, que os filhos que saíram de casa cedo
não quisessem, de bom grado, exercer a relação de reciprocidade. Pelo fato de saírem
da localidade entravam em contato com outros valores, que os desobrigavam
moralmente da compulsoriedade do amparo à velhice dos pais.

É possível, contudo, que uma das maiores tensões se verificasse na singular


posição do filho herdeiro neste arranjo familiar, pois, como já observou H. MENDRAS:
o jovem que permanece na residência, tem uma condição subalterna, que o assimila a
um doméstico, ainda que esteja na própria casa e que tenha, em princípio, voz no
capítulo familiat58 .

Todavia, tais tensões na relação pai e herdeiro não foram mencionadas. Os


homens, quando inquiridos a esse respeito, objetivavam a questão em termos do
trabalho conjunto, do aprendizado que tinham com a experiência dos antigos. Em
suma, até hoje aceita-se, embora com intensidade menor, o exercício da relação de

54 Entrevista 32 (1995)
" MENDRAS, op. cit., p. 73.
58 Ibid., p. 73.
240

reciprocidade familiar. E, é a partir dessa lógica tradicional no desempenho dos


papéis familiares que se explica a prática de obediência e de serviço aos pais/sogros.
Com orgulho, Anna contou: Eu cuidei dos velhinhos até morrerein59; Emilia explicou
que Minha sogra morreu nos meus braçoe Anastácia detalhou: Eu lavava as
feridas do meu sogrà\ Se essas pessoas desempenharam funções que, em outras
sociedades contemporâneas, já eram delegadas a profissionais, é porque entendiam
que ao processo vital, e principalmente ao ciclo familiar, correspondiam
determinados direitos e deveres. Do exercício de uma sociabilidade em que se
articulava o ciclo da vida ao cumprimento de papéis específicos - fossem de
comando ou de obediência - advinha essa solidariedade entre as gerações.

À medida que a relação de reciprocidade sustentava os vínculos


intergeracionais, várias situações ocorridas na colônia trazem à tona que a
comunidade cobrava não só dos filhos mas também dos pais o correto desempenho
de seus papéis. Pode-se dizer que no mínimo até a década de 1950, havia, em toda a
colônia, uma rede de obrigações mútuas que extrapolava o grupo domiciliar. Os
vizinhos, bem como os próprios filhos, tinham, por vezes, autoridade para cobrar a
conduta desejada, caso os pais se desviassem do exercício correto de sua funções.
Um caso, na década de 1950, ilustra essa influência da comunidade sobre as
unidades domiciliares.

João, aos vinte e três anos de idade, apoiado pelos vizinhos Pedro,
Bernardo e Gregorio, recorreu ao delegado de polícia, para encaminhar denúncia,
com o propósito de retirar o pátrio-poder de Estephano, seu pai, sobre os demais
irmãos, menores de idade62. Estephano, viúvo pela morte da segunda esposa, tinha

55 Entrevista 18 (1995)
60 Entrevista 32 (1995)
« Entrevista 12 (1994)
"PARANÁ. Forum da Lapa. Chefatura de Polícia da Lapa. Subdelegacia de Antonio
Olinto. Auto de Declarações. 28/01/1953, enviado para a Lapa em 20/03/1953. Não catalogado.
241

sete filhos, cinco da primeira esposa e dois da segunda. Por ocasião da viuvez, sua
filha Anna, então com 22 anos, e trabalhando em Curitiba, voltou a Antonio Olyntho
para assumir o comando feminino da casa do pai. Aí, estavam cinco irmãos menores,
entre 8 e 17 anos63. Assustada com os desmandos do pai, que tem por costume
embriagar-se; e ao chegar em casa maltrata seus filhos menores; chega até a espancar
os mesmos menores, como se não fossem fílhos dele64, ela procurou conselhos entre
os vizinhos. Nesse pormenor, é necessário frisar que várias pessoas da localidade, e
das proximidades de sua casa, eram seus parentes consangüíneos. Pedro, Bernardo e
Gregorio, as pessoas que Anna buscou, não eram parentes de sangue: tinham apenas
relação de vizinhança e de parentesco espiritual65; suas esposas haviam sido
madrinhas de algum dos filhos de Estephano, ou foram eles próprios padrinhos,
como o caso de Pedro (padrinho de Anna). A única relação de parentesco sangüíneo
desses vizinhos com o domicílio de Estephano e Anna, era o da esposa de Bernardo,
tia, em primeiro grau, dos dois filhos de seu segundo casamento.

Assim, Anna deu início a uma ação, buscando apoio na vizinhança, mas a
denúncia que desencadeou o inquérito policial partiu de iam de seus irmãos, com
uma queixa na Delegacia. É significativo que João, o denunciante, trabalhasse, nessa
época, no norte do Paraná. Pode-se considerar ainda que, na década de 1950, Anna
não se sentisse livre do peso dos papéis sexuais de uma sociedade patriarcal; apesar

° Pelo Código Civil Brasileiro, em vigor desde 1916, a maioridade civil se dá aos vinte e
um anos; a maioridàde penal, aos dezesseis.
" PARANÁ. Forum da Lapa. Chefatura de Polícia da Lapa. Subdelegacia de Antonio
Olinto. Auto de Declarações. 28/01/1953, enviado para a Lapa em 20/03/1953. Não catalogado, p.
4.
45 A trajetória de laços familiares e de apadrinhamento pôde ser acompanhada na

reconstituição de famílias realizada no SYGAP.


242

de 3 anos mais velha66 que o irmão João, foi ele quem formalizou a denúncia e o
pedido ao Juiz de Paz para que retirasse os irmãos do convívio do seuprogenítof.
As evidências de comportamento da comunidade em estudo não reforçam
uma análise desse caso, apenas a partir de uma preocupação com o bem-estar das
crianças. Não eram exatamente os direitos individuais que João e os vizinhos
estavam tentando garantir; buscavam apenas que Estephano cumprisse a sua
obrigação de pai, obedecendo às concepções tradicionais. Segundo elas, seria
aceitavel tanto a violência quanto a bebida se os pais garantissem, mesmo que
minimamente, a sobrevivência dos filhos. Foi o caso do depoimento de Angélica,
onde ela reconheceu que o marido bebia muito, mas era bom pai porque nunca
deixou faltar comida em casa68. Tudo sugere, assim, que o ponto de partida para a
leitura da atitude de Anna e dos vizinhos deva passar pelo significado que aquela
sociedade dava à família: um sistema moral relacionado, intimamente, com a própria
lógica socioeconómica da comunidade.
Para o entendimento dos pressupostos que norteavam a concepção de
família destes emigrantes e o caso que está sendo analisado, é válido apontar alguns
aspectos levantados por C. SARTI a respeito do sistema familiar de pobres, em São
Paulo69. Para a autora, é um princípio de obrigação moral que fundamenta a família
e estrutura suas relações, já que a pertinência a um grupo familiar fica demonstrada
pela disponibilidade a essas obrigações70. Neste sistema, inexiste, um cálculo de
dívida explícito. [...] É precisamente a falta de interesse que marca as relações
familiares, na medida em que o interesse constitui uma categoria fundamentalmente

66 À época do processo ela tinha 25 anos.


" PARANÁ. Forum da Lapa. Chefatura de Polícia da Lapa. Subdelegacia de Antonio
Olinto. Auto de Declarações. 28/01/1953, enviado para a Lapa em 20/03/1953. Não catalogado, p.
3.
" Entrevista 34 (1994),
" SARTI, C. A. A família como espelho : Um estudo sobre a moral dos pobres na
periferia de São Paulo. São Paulo, 1994. Tese. (Doutorado). Dpto. de Antropologia, USP.
" I b i d . , 114.
243

individualista, em oposição à noção de necessidade, utilizada pelos pobres como


critério para se definir a obrigação de ajud£x.
Essas considerações podem subsidiar o entendimento do caso policial a que
foi exposta a família de Estephano. De um lado, Estephano tinha uma descendência
a quem devia - moralmente - uma conduta. Infringindo essa norma, legitimou a
inversão hierárquica dos papéis familiares, autorizando seu filho a recorrer a um
poder externo àquela lógica familiar. Para a transgressão dessa hierarquia, no
entanto, João buscou anuência e solidariedade na vizinhança. Por todas as funções
que os vizinhos desempenham em grupos, cuja coesão é pautada na solidariedade
coletiva, pode-se afirmar que entre os imigrantes de Antonio Olyntho mantiveram-se
as marcas da parentela tradicional. Por ela, os laços de pertencimento familiar não
coincidiam necessariamente com os laços de sangue; daí também se entende porque
Anna buscou os vizinhos e não os tios. E isso traz para a análise outra das
características do grupo imigrante instalado em Antonio Olyntho: o grupo familiar
não se restringia à unidade residencial e não era necessariamente a consangüinidade
que definia o parentesco.72

3.2.2 Das portas para fora


É preciso dizer, desde já, que o mundo profano na sua totalidade, o Cosmos totalmente
dessacralizado, é uma descoberta recente na história do espírito humano.
M. ELIADE

A entreajuda nos problemas do dia-a-dia e nos trabalhos da lavoura e a


cotidianidade nas relações de vizinhança atavam entre os imigrantes laços
compreendidos enquanto relações familiares. Era com os vizinhos que se ria ou se

Ibid., p. 115.
71 Deve-se apontar, contudo, que na atualidade, devido a grande migração local e a

acentuada endogamia do grupo, basicamente todas as famílias são aparentadas, com as outras pelo
casamento.
244

chorava; que se fazia a Via Sacra e a novena da Páscoa73; que se participava do

koliaduvánha74) que se buscava a pêssanka. João, que viveu sua infância na década

de 1940, fornece pistas dessa ligação:

Festa e presente a gente não tinha. Era só a pêssaiika. A gente brincava, brincava até
quebrar. E dentro era ovo cozido. Se a gente ia na vizinha, ela dava uma pêssanka para a
gente75.

PROCISSÃO EM ANTONIO OLINTO. DÉCADA DE 1960. COLEÇÃO PARTICULAR JOÃO


KARPOWICZ.

Era também com os vizinhos que se preparavam as festas de casamento e

as do krechne76) que se levavam os alimentos por ocasião da Páscoa77 para benzer nas

" Entrevista 37 (1995)


" Entrevista 35 (1995)
" Entrevista 30. Na casa onde nasceu a esposa de João, neta de imigrantes, manteve
contudo, o hábito das pêssaiikas pascais. Ela explicou: "Na casa da mãe não davam pêssanka. Não
era tanto a mãe; nías o pai que não gostava da tradição. Depois que a gente casou, ele [ o marido ]
inventou isto para as meninas", (entrevista 32).
Kreclme é o batizado. Pelas especificidades da religião, no entanto, compreende dois
sacramentos: o batizado e o crisma.
245

cruzes dos imigranteou na igreja; eram os vizinhos que visitavam a família


enlutada, recolhida por um ano em seu domicílio, e, principalmente entre os
vizinhos, estabelecia-se o compadrio. Parascevia lembra os conselhos que recebia da
mãe e da sogra, quando recomendavam:

Escolha padrinhos bons. Madrinha boa é aquela que vai para o confesso 79 e que mora
perto. Porque um de longe, quando precisa, está longe80.

As recomendações que recebeu podem ser generalizadas enquanto prática


local; os padrinhos eram, mais comumente, de ascendência ucraniana,
freqüentadores da igreja de rito grego e escolhidos entre os familiares ou os vizinhos.
Nesse movimento das escolhas para apadrinhamento reforçavam-se os laços
familiares, numa trama de compromissos mútuos.
Todavia, a escolha embutia, até muito recentemente, um cuidado muito
importante: tanto a madrinha quanto o padrinho deveriam ser casados, embora não
entre si. Isso porque o compadrio criava laços de parentesco não só dos padrinhos
com os pais do afilhado, como entre os próprios padrinhos. E, as pessoas
acreditavam que, caso uma união acontecesse entre os dois, o resultado seria
desastroso: seus filhos nasceriam defeituosos ou com todas as condições para se
tornar lobisomem81. A este respeito, Placidina foi incisiva:

Comadre com compadre não deve casar. [...] Não sei por quê. Mas depois, se tiver
criança, vai nascer aleijado.[...] Nasce muito aleijado mas morre dali a pouco 82 .

77 Essa prática de benzer os alimentos faz parte do calendário dos católicos de rito grego e,

é retomada anualmente. Anna relata que leva sua cesta, da mesma maneira que a mãe levava: "Eu
sempre levo a cesta, como antigamente. Levo pão, ovos, carne, lingüiça, tudo..." (entrevista 22)
7! Uma explicação dessas cruzes está na PARTE II, Capítulo 2, Item 2.1 - Organizando o
espaço.
" "Confesso" é uma corruptela da palavra confissão.
M Entrevista 35 (1995)
81 Entrevista 40 (1995). O lobisomen é um personagem muito popular na cultura
tradicional ucraniana. Interferia em várias outras situações do dia-a-dia da colônia.
82 Entrevista 41 (1995)
246

O lobisomem foi uma entidade que conviveu intensamente até a década de


1940 com os pioneiros e seus filhos. Uma neta de imigrante relatou:

Antigamente tinha muita história de lobisomem. Muitas coisas eu cheguei a ver. Coisas
apavorantes. A mãe tinha um porco bem grande e uma noite ele estava estragando e
arrebentando tudo. E dava cada pulo! Era um porco grande e preto, a coisa mais linda. E
a mãe disse: isto é lobisomem. Na hora que ela disse, ele deu um urro e fugiu para o
mato 83 .

O mais importante e temido é - ao contrário dos lobisomens enfeitiçados84


que vivem no mato sob a forma de lobo85 - aquele que já nasce lobisomem, vive no
seio da família, e apenas em determinadas ocasiões une-se com os demais para matar
o gado 86 . No caso do casamento de padrinhos e as madrinhas a filha vira bruxa -
bohenha - e o filho lobisomem - lovison87.
Outros seres sobrenaturais estiveram igualmente presentes no cotidiano
das famílias de Antonio Olyntho. Entre eles as mavkê, seres nos quais se
transformam os natimortos ou os que morreram sem batismo. Possuem o aspecto de
lindas jovens, que voam na forma de pássaro, gritando um pedido de batismo. Se o
apelo desse espírito não for atendido até que complete sete anos, ele se tranformará
definitivamente em mavka: espírito do mal que causa transtornos às pessoas 88 .

10 Entrevista 38 (1995)
M Segundo a cultura popular ucraniana, o lobisomem pode nascer como tal ou
transformar-se, por ação de encantamento. Os nascidos lobisomem, teriam adquirido tal condição
pela ação de um determinado planeta, ou porque uma mulher grávida enxergara um deles. Já os
enfeitiçados seriam aqueles transformados pelas bruxas; esquecer Deus também poderia motivar
essa mutuação, bem como fazer um acordo com bruxa (vidhma). (HOLOWKO, S. Ukrainska
Menuwchena : Dustrovanei etnografitchnei dovidnek. Kiev : Lebidh. 1994, p. 92)
" No caso do "porco-lobisomem" citado acima, é interessante perceber que a falta de
lobos, no Brasil, não impediu a continuidade da crença.
M Acreditava-se que existiam formas de ajudar os lobisomens enfeitiçados à abandonar tal

condição. Entre elas, a mais branda seria dar três voltas ao redor de um ícone e no extremo oposto
arrancar a pele do enfeitiçado. (HOLOWKO, op. cit., p. 94).
Entrevista 38, 41 e 42 (1995). Nos trabalhos de antropólogos ucranianos essas entidades
17

são denominadas vidhma (bruxa) E vovkulaka (lobisomem). Muitos dos descedentes dos imigrantes,
em Antonio Olyntho, referem-se à elas como borenha e lovison, respectivamente.
" Segundo o mesmo estudo, acreditava-se, na Galicia, que pendurar alho ou cebola nas
casas era a forma usual de se defender da ação das mavkes. Uma proteção maior seria obtida quando
a pessoa usasse alho nos bolsos. Entre os descendentes dos imigrantes em Antonio Olyntho, contudo,
247

Nathalia lembra da prática local de manter o quarto das crianças


constantemente iluminado, pois senão a coruja viria buscar o neném - sová prêide
bráte detêm/9. Segundo os imigrantes, as palavras sová (coruja) e mavka (espécie de
bruxa) designam a mesma coisa. A tradição oral dos imigrantes que veiculava a
crença na mavka parece ter resguardado, da entidade original, apenas sua forma de
pássaro; sendo uma entidade do mal, agia à noite: logo a coruja passou a ser sua
representação ideal.90
Essa visão de mundo, em que o fantástico explica os imprevistos da vida,
estendia-se na interpretação de outras relações sociais. Informava, por exemplo, a
desconfiança dos maus vizinhos. Nesse caso, tratavam-se de pessoas ruins que
prejudicavam as vacas de leite, as pessoas. Faziam mau-olhadcf1 : aquele vizinho era
tun vidhma. As famílias preocupavam-se muito com esta suposta proximidade da
vidhma, porque sua ação maligna incluiria, conforme afirmou Nicolau, o poder de
chupar o sangue das crianças pequenas pelo peito. Esta criança fica com doença de
minguar e fica com a caixa do peito estufadai92.
As pessoas da comunidade ucraniana de Antonio Olyntho citaram também
outros seres das trevas: a marra, o zmii e o tchort. Marra seria a personificação da
deusa do mal, que sob a forma de fantasma tiraniza as pessoas 93 ; para os pioneiros e
seus descendentes era um elemento mau que agia de noite*. Já o zmii, que na
tradição popular ucraniana, sintetizando motivos pré-cristãos com o fantástico

não se pôde destacar a crença desta ação protetora do alho ou da cebola. (HOLOWKO, op. cit., p.
122)
»' Entrevista 25 e 30 (1995)
90 DELUMEAU indica que entre as populações rurais da Europa Ocidental - entre 1300 e
1800 - associava-se a figura da coruja com o próprio demônio. (DELUMEAU, J. História do medo no
Ocidente : 1300-1800. Uma cidade sitiada. São Paulo : Companhia das Letras, 1993. p. 239-259).
51 Entrevista 7,12 e 33 (1995)
92 Entrevista 7 e 12 (1995). As pessoas esclareceram que a doença de minguar só poderia
ser curada com benzimento realizado ao longo de 7 dias de lua minguante.
* HOLOWKO, op. cit., p. 39.
94 Entrevista 30, 38 e 40 (1995)
248

medieval, significaria o dragão, para os imigrantes perdeu uma série de funções e


sua forma. Ao invés de matar os homens, raptar jovens e mulheres e queimar aldeias
ele se tornou uma cobra95. João explicou: zmii é uma cobra, uma coisa má. Uma
pessoa má pode, também, ser um zmif6. Existia, finalmente o tchort - lúcifer - ,
representando todas as forças inimigas do homem. Suas funções eram muito amplas:
prejudicar as pessoas, violentar as jovens, induzir a toda a espécie de crimes97. Nessa
relação da cultura popular com o tchort, os estudiosos afirmam que haveria a
consciência da possibilidade de evocar a força secreta que o diabo possui, quando se
dirigiam maldições aos inimigos98. Parece que esta noção perpetuou-se entre os
imigrantes, pois, ao encontrarem alguém de que não gostavam, afirmavam
imperativamente: Idê do tchórta - Vá para o diabo99.
Segundo J. DELUMEAU, coexistiram no Ocidente, desde o século XVI, e até
muito tempo depois, duas representações diferentes do Satã; uma elitista, sendo esta
a mais trágica, e outra popular100:

£ [...] o diabo popular [popular] não é designado por seu nome bíblico, mas se chama
Robin, Pierasset, Greppin, etc. [...] É uma divindade entre outras, suscetível de ser
adulada e que pode ser benfazeja.. [...] O diabo [...] pode ser também um personagem
familiar, humano, muito menos temível do que assegura a Igreja e isso é tão verdade que
se chega bem facilmente à enganá-lo.[...] a cultura popular assim se defendeu, não sem
sucesso, contra a teologia horrorizante dos intelectuais 101 .

* HOLOWKO, op. cit., p. 92.


* Entrevista 25 (1995)
57 Nas lendas apócrifas ucranianas sobre a Criação do Mundo, o diabo aparece como
opositor de Deus, mas tendo contribuido na Criação. Seria exatamente o demônio quem teria
ensinado aos homens o ofício de ferreiro e inventado o fogo, o moinho, o violino, a serraria, a
aguardente e o fumo. Nas versões mais recentes dessas lendas, ele teria sido o responsável pelas
realizações do progresso técnico, como a criação das fábricas, das ferrovias e do telefone, entre
outras. (HOLOWKO, op. cit., p. 73)
" HOLOWKO, op. cit., p. 82; DELUMEAU, op. cit., p. 247-249.
99 Entrevista 25 e 33 (1995)
100 DELUMEAU, op. cit., 248.
101 I b i d . , p . 249.
249

Pela maneira ambígiia com que a comunidade se relacionava com esse

personagem, parece que o diabo popular esteve presente na representação local do

Príncipe das Trevas. Por isso mesmo assumiu aí uma adaptação de gênero: havia o

tchorte a tchortela, sua mulher102.

Envolvidos por tantas figuras demonológicas, a estratégia de defesa só

poderia se dar pelo estabelecimento de uma relação muito íntima com as forças da

luz. Não apenas a lamparina, o lampião e, mais recentemente, a própria luz elétrica,

ajudavam na manutenção dessa defesa, mas, como também já foi analisado

anteriormente, o enquadramento dos espaços habitados ao eixo cósmico adequado 103 .

A isso se acrescia introduzir no convívio doméstico a presença de ícones para

garantir a proteção do ambiente.

D I S P O S I Ç Ã O D O S Í C O N E S N A C A S A DE U M CELIBATÁRIO. 1995.

102 Entrevista 3S (1995)


Ver PARTE II, Capítulo 2, Item 2.1- Organizando o espaço..
250

Nesse universo social mesclado pela crença na ação de forças


transcendentais opostas, parece que nada era supérfluo quando se tratava de
proteção. É comum as pessoas relatarem que, ainda hoje, mantêm, atrás dos íconeèl04,
os ramos bentos no Jordan105, para o caso de tormenta ou para aquietar a criaçãd06; e
em caso de suspeita de alguma entidade sinistra, queimam os ramos bentos para
purificação e para afastamento dos maus espíritos. Esse simbolismo de purificação
pela fumaça é muito presente na cultura ucraniana: toda a celebração da missa
decorre, ainda hoje, com a queima de incenso, já que ele tem o poder de afastar os
espíritos negativo^07. Outra purificação ritual praticada por eles - principalmente
durante a primeira coorte -, verificava-se na época do Natal com o caiamento das
casas, tarefa efetuada pelas mulheres.

Conservam, igualmente, as velas bentas no stritenia108, para com elas


fazerem invocações aos santos com a certeza de que a gente reza, uma vez o santo dá
e outras não dá109 ; levam uma cesta de alimentos à bênção no dia da Páscoa, para
garantir uma mesa e uma colheita farta durante o ano110.
Nesses, como em vários outros fatores do dia-a-dia das pessoas, a figura do
padre avolumava-se. As práticas de magismo cristão111 eram possíveis graças à sua
mediação.

,M Entrevista 17 (1995)
Deve-se notar que até o final da década de 1930, a festa do Jordan não era comemorada
105

em 6 de janeiro. Nesse dia, pelo calendário até então vigente na igreja católica de rito grego - o
calendário juliano - era o dia do Natal. A partir de então apenas os ucranianos de rito ortodoxo
mantiveram-se comemorando o Natal em seis de janeiro.
Entrevista 37 (1995)
107 Entrevista 42 (1995)
,OT Evento do calendário litúrgico que ocorre no dia 2 de fevereiro.
,M Entrevista 20 (1994)
110 Entrevista 10 e 17 (1995)
111DELUMEAU esclarece que "[...] o poder eclesiástico, na continuidade de uma longa
tradição, aceitou abençoar [...] condutas e ritos anteriores ao cristianismo, limitando-se a condenar as
práticas que tentavam esquivar-se da vigilância da Igreja. Daí o magismo cristão, que permaneceu
até uma época recente, um dos camponeses maiores da vida religiosa do Ocidente. [...] absolvições,
251

Uma última relação dessas pessoas com o sobrenatural merece, ainda, ser
apontada: a dos vivos com os mortos. Na verdade a relação da comunidade com o
além mostrou-se uma experiência que ignorava a divisão radical que as sociedades
modernas estabelecem entre a vida e a morte; para ela, estes dois estados não
representam pares opostos. Por isso mesmo a morte, principalmente para as pessoas
da primeira coorte, não implicava a efetiva ruptura do convívio intrafamiliar: as
almas mantinham-se pelas imediações da casa, especificamente ajudando os vivos a
cultivarem a terra.

Antigamente se acreditava que os espíritos da família ficavam no campo, enquanto a


lavoura estava se formando. Quando era feita a colheita, guardavam-se os feixes no paiol
e os espíritos saiam do campo e ficavam lá [ no celeiro ].112

E no ritual do diduch - véspera do Natal - os falecidos eram convidados


para confraternizar com os vivos na hata\

Na véspera do Natal, para trazer os espíritos para dentro de casa o pai pegava uma
vasilha com água benta e ia com um filho buscar os espíritos.[...] Aspergiam o celeiro e
uns feixes de trigo e traziam para dentro de casa 113 .

Toda a celebração do diduch possuía um simbolismo que expunha as


crenças compósitas dos imigrantes. Colocava-se feno sob a toalha da mesa, pois,
explicou Lúcia, Jesus nasceu numa manjedoura forrada com feno. A refeição natalina
contava com doze pratos diferentes. Hoje, os doze pratos natalinos são relacionados
aos doze apóstolos; mas essa tradição pode ser associada ao antigo culto pagão ao
deus Sol, ligando-se, assim, ao movimento de translação e aos doze meses do ano114.
E a feitura do infalível kotiu com seus significados de abundância e fertilidade115.

bênçãos, conjurações, exorcismos, [...] bênçãos dos rebanhos, do vinho, do pão, do óleo, do leite, dos
ovos, [...] dos celeiros, das granjas, do leito conjugai", (op. cit., p. 72)
m Entrevistas 12, 39 e 44 (1995)
113 Entrevista 38 (1995)
HOLOWKO, op. cit., p. 95.
Conforme foi visto, PARTE II, Capítulo 2, item 2.1 - Organizando o espaço, os
ingredientes do kotiu têm simbolismo que expressam os desejos dos familiares para o Novo Ano: a
252

Muito em função deste prato, os jardins das casas eram coloridos pelas flores de
papoulas, utilizadas também pelos pioneiros, segundo alguns, para fazer chás
calmantes para as crianças116.
Toda a celebração do Natal, a despeito de ser considerada festa cristã,
transcorria por entre representações agrárias. Ao feixe de trigo que iniciava a
comemoração, ao feno sob a toalha da mesa, ao simbolismo do kotiu, agrega-se o
hábito de jogar palha no chão - numa espécie de ritual de fertilidade - para as
crianças brincaremni. A partir da década de 1950 esse hábito entra em desuso e sua
manutenção está restrita a algumas moradias. João associa a própria sofisticação das
moradias com o declínio do diduch'. antes não era chão encerado e agora a palha
risca o chão118.
A idéia de confraternização natalina se estendia aos próprios animais:

Os antigos diziam que era Natal e não era para haver maldade, mau-tratamento. Tudo
devia ser feito com carinho. Se um dos filhos fizesse traquinagem, os pais levavam com
jeito para ninguém pagar. O meu pai até dizia que se o cachorro encontrasse a lebre ele
não ia matá-la. Era época de paz. E os animais em casa, o pai dava uma comidinha
melhor e um poucos mais de carinho no dia do diduchf19.

Desse espírito natalino que invadia as casas e se estendia a uma atenção


maior também aos animais, L. BILETZKEI nos dá uma explicação prática: havia a
crença, entre os camponeses, de que na noite de Natal o Menino Jesus visitava os
domicílios e conversava com os animais, que nesta ocasião poderiam reclamar de
eventuais maus tratos que recebessem das pessoas da casa.

abundância do trigo, a fortaleza na nogueira, a fertilidade da parreira, a docilidade do mel e a beleza


da papoula. (WOROBAY, Olexa. Vetchai nachoho narodu. Kiev : Lebih, 1994. p. 83)
Entrevista 8 (1994)
117 Todas as entrevistas citam esse momento do diduch, em Natais até a década de 1940,
talvez 1950.
Entrevista 44 (1995)
"» Entrevista 44 (1995)
253

Era um dia de muita excitação familiar porque havia toda uma expectativa

em relação à alimentação dos mortos da casa. Para eles guardava-se efetivamente um

lugar à mesa120, e na manhã do Natal toda a família ia observar se as almas haviam

feito sua refeição. Nathalia, que foi criança na década de 1950, lembra que as pessoas

diziam para as almas:

Hoje é Natal e vocês vem comer conosco. E no dia seguinte, a gente acordava curioso
para ver se os espíritos comeram 121 .

C A N T O R E S DE N A T A L . I.M. S K O L O S D R A . 1988. Ó L E O S O B R E V I D R O . 35X28.

120 Esse traço do diduch se manteve até hoje.


m Entrevista 13 (1995). Essa idéia de que os mortos necessitavam mais do que alimentos
espirituais aparece também nas cerimônias de Parastás e no dia dos mortos, quando as pessoas
levavam pão à igreja ou ao cemitério.
254

O diduch constituía, assim, um dia de confraternização comunitária pois


era o dia do koliaduvánha - dia dos cantores. Para fazer a celebração, um coral ia de
casa em casa entoando canções natalinas e ensejando augurios de felicidade e
prosperidade no próximo ano.
Até a década de 1970 o koliaduvánha foi uma celebração que,
espontaneamente, agregava famílias, na noite do Natal, quando peregrinavam,
cantando, nos lotes dos vizinhos. Na atualidade, envolve um coro fixo que, de
caminhão ou de trator, celebra o koliaduvánha pelas diversas linhas da localidade122.

Era dessa forma que a intersecção das experiências corriqueiras do


cotidiano estabeleciam os laços indicativos de pertencimento familiar. Uma família
que tinha, como se buscou evidenciar, uma conotação muito ampla: pai, mãe, filhos,
noras, vizinhos, padrinhos; vivos, mortos, entidades imaginárias do bem e do mal e
ícones de santos.
E, considerando, como foi analisado anteriormente, que os compromissos
familiares envolviam uma dimensão de compromissos morais, essa pode ser a
explicação para que até hoje persistam, na localidade, as invernadas coletivas. São
elas espaços criados ao longo do tempo para servir especificamente à criação ou
pastagem de animais. O que distingue as invernadas dos descendentes de
ucranianos em Antonio Olyntho, é o fato de serem utilizadas, conjuntamente, por
vários núcleos domiciliares da localidade. É consenso que as elas não pertencem
especificamente a alguém e são, por isso mesmo, de toda a comunidade. E, à
despeito dos conselhos de um prefeito ou do padre - Nicolau não recorda qual dos
dois123 - , as pessoas não se sentem à vontade para desativar estas "common land". Já
em 1994, ele sintetizou um sentimento geral:

m Entrevista 33 (1995)
m Entrevista 2 (1994)
255

Lá na lagoa não tem mais invernada, agora é um parreiral. Falaram que aqui devia ser
feito deste tipo. Cada qual segurar o seu gado no seu terreninho fechado e o resto que
ninguém ocupa, plantar arvoredo, uva, fazer plantação. Só que na Campina é difícil,
porque tem morador que não tem terra. Assim como está, dá para todos. 124

27 Entrevista 16 (1995)
CONCLUSÃO
ANTONIO OLYNTHO: A RECRIAÇÃO DA ALDEIA

Cem anos após a emigração, os ucranianos de Antonio Olyntho passam a


adotar uma convivência familiar com significados diferentes daqueles que
informaram a vida de seus pais e avós. Os atuais comportamentos cotidianos
indicam o gradativo desgaste de valores que garantiriam a continuidade do padrão
ancestral. As concepções tradicionais paulatinamente vêm sendo questionadas,
dando condições à resistência à coabitação e ao exercício da relação de reciprocidade
intergeracional. Os jovens sentem-se desconfortáveis com a pretensão de obediência
irrestrita, por parte dos mais velhos e, entre os que não conseguem aventurar-se para
horizontes muito distantes, a opção pela nucleação familiar vem aumentando sua
freqüência. Não há mais consenso, também, em torno da noção de que prole
numerosa é "benção de Deus", admitindo os pais, francamente, a dificuldade em
manter um domicílio extenso.

Observa-se, além disso, que os rituais ancestrais ligados aos atos do ciclo
matrimonial entraram em sensível desuso. Os que casaram na última década, por
exemplo, não mencionam mais o stárosta com naturalidade; a interferência do
casamenteiro é apenas, com certo incômodo, confirmada. A tendência da geração
mais moça em diminuir suas diferenças com a sociedade envolvente é sensível na
própria celebração do casamento. De fato, é cada vez menos excepcional uma jovem
pedir a interferência dos pais junto ao pároco para que o casamento siga a liturgia
latina . E, generalizou-se a preferência das noivas em entrar na igreja ao lado do pai,
ficando o noivo a sua espera no altar.

O casamento continua sendo merecedor de comemoração, pois ainda


traduz momento fundamental na trajetória de vida daquelas pessoas. Todavia, nos
novos tempos, os festejos perderam o caráter de celebração que contava o trabalho e
257

a alegria de todos os rutenos. Agora, os pais da noiva recebem os convidados.


Aqueles que têm posses comemoram no salão paroquial; assim sendo o pátio das
casas deixou de ser o espaço onde se tocam as rabecas e o bumbo, onde se dança e
onde se cantam as kolomeikas. Aliás, a música que embala os festejos é reproduzida
por disco de vinil e espalhada pelos alto-falantes. Em função desses novos costumes
muitas babas comparam as festas de hoje a verdadeiros velórios.
Sentindo-se autorizados a escolher seus noivos, casar com alguém da etnia
já não é tão indispensável aos rapazes e moças, quanto o foi para seus pais. Esses
tendem a manifestar resignação quanto às escolhas individualizadas: Ela é uma boa
moça. Conheço os pais desde que nasceram... . A preocupação em destacar que os
laços atados no presente têm raízes em certa tradição soa como uma maneira de se
desculparem com um passado com o qual não foram capazes de manter elos
suficientemente fortes.
O crescente esvaziamento dos sentidos de valores, até então entendidos
como legítimos para informar a ação do grupo, se expressa também num consenso,
pelo qual a geração atual de mães considera "três filhos" a descendência ideal. E,
não é raro que o assunto "cesariana" ocupe espaço na fala das mulheres mais moças,
já duvidando de que velas, fitas e invocações pela proteção a entidades sobrenaturais
sejam complemento natural da hora do parto. Afinal, a própria mavka foi "vista",
pela última vez, em finais da década de 1950.

* * *

Tal situação é fruto de mudanças substantivas ocorridas no comportamento


do grupo a partir da década de 1960, quando as relações dos rutenos com a
sociedade envolvente intensificaram-se. Desde então, o número de pequenas
transformações - de reavaliações funcionais dos signos - ampliou sua freqüência,
revelando que estava em processo uma transformação estrutural. Essa datação é
258

evidência de que, só muito recentemente, a temporalidade dos imigrantes passou a


assumir o ritmo mais comumente vivenciado pela sociedade existente na terra de
adoção.
A tradição camponesa que, em Antonio Olyntho, havia se prolongado
como manancial do qual eram retirados os sentidos da vida do grupo, passou a
perder espaço para novas maneiras de perceber a realidade. E a organização familiar
em vigor até então começou a dar mostras de ter atingido o seu limite. Principiaram
a surgir fendas na rede de significados, impossibilitando o desdobramento da visão
de mundo que informava aquelas relações. Mas foi necessário mais de meio século
na "América" para que os imigrantes instalados em Antonio Olyntho passassem a
imprimir novos sentidos aos papéis familiares, formulados em concepções
individualistas como "eu não vou na fiúza de nora", "é custoso criar filhos", "quem
casa quer casa ".

* * *

Atualmente, a vida cotidiana e as relações familiares entre os ucranianos de


Antonio Olyntho é muito semelhante à de outras localidades rurais brasileiras.
Contudo, essa similitude só foi assumida muito recentemente mostrando que, entre
os imigrantes, os significados efetivamente norteadores de suas vidas consistiam no
prolongamento da estrutura cultural camponesa da qual são egressos. E isso é
notável, pois a emigração dos rutenos não implicou apenas a transferência de
ambiente geográfico, mas o abandono da relação cotidiana com o ecossistema no
qual foi forjada grande parte de seus significados culturais.
Mais do que isso, deixar a Galicia importou uma ruptura radical na
natureza das relações sociais. Lá, os emigrantes eram camponeses em situação quase
feudal, aqui proprietários - senhores de si mesmos. Vindo para o Brasil, os rutenos
259

criaram, efetivamente, a possibilidade de reestruturar seus códigos sociais em novas


bases. Fizeram-no, contudo, muito lentamente.
A partir da constatação de que os imigrantes - por tanto tempo refratários à
adoção de novos hábitos sociais - permaneceram interpretando o mundo com os
códigos ancestrais, cumpre agrupar a teia de motivações que interagiram para que
não fossem essencialmente infiéis a concepções familiares criadas por necessidades
de outro espaço, de outras relações e de outro tempo social.

* * *

A validade da permanência de comportamentos tradicionais entre um


grupo imigrante pode ser tributada, em muitos casos, ao fato de conseguir recriar em
outras terras, o "espaço de uma aldeia camponesa". Circunscritos a ela, permanecer
vivendo uma sociabilidade comunitária na qual, pelo relacionamento cotidiano,
banalizam-se as práticas no sentido, não de sua diluição, mas justamente de seu
exercício. Naturalmente, a possibilidade de "recriar uma aldeia" deve-se à
conjugação de múltiplos fatores.

No caso dos ucranianos de Antonio Olyntho, isso ocorreu, inicialmente, em


função da composição do grupo pioneiro. A decisão de emigrar deu-se entre
diversos núcleos domésticos, muitas vezes ligados por parentesco, que cruzaram o
oceano trazendo para Antonio Olyntho suas redes de compromissos. Elas
constituíram a base sobre a qual foram atadas novas solidariedades com os demais
rutenos. No entanto, os elos de origem poderiam ter sofrido rápida corrosão se a
inserção social dos pioneiros tivesse ocorrido em outras condições.

A recriação da aldeia deveu-se, igualmente, à localização da colônia


Antonio Olyntho em área rural, estando à época de sua instalação isolada dos
diversos centros urbanos que foram se desenvolvendo no território paranaense. Essa
situação dificultava interagir com costumes de outros grupos e a integração
260

econômica com as demais regiões. A condição de pequenos proprietários rurais não


provocou o questionamento de conceitos tradicionais - como o de família enquanto
unidade de trabalho - e conseqüentemente não desestabilizou a legitimidade do
desempenho dos papéis domiciliares ancestrais. É nesse contexto que pode ser
explicada a aparente indiferença desses colonos para com sua mais nova condição:
proprietário de terras.
Contribuiu, ainda, para a recriação da aldeia o desenvolvimento das
relações interétnicas. Apesar de projeto multi-étnico, a colônia Antonio Olyntho
concentrou basicamente eslavos - poloneses e rutenos - entre os quais já havia
diferenças históricas. Isso favoreceu, sobremaneira, a coesão entre aqueles imigrantes
que professavam a fé católica sob o rito grego. Da necessidade de estabelecer os
limites etnoculturáis com os poloneses, foi acelerado o desbastamento das diferenças
entre as culturas rutenas que haviam imigrado. Com base naquilo que se tornou - ou
que se impôs - comum a todos, floresceu a cultura rutena local.

No fomento dessa cultura, foi fundamental a relação dos colonos com o


padre Michalczuk; e dela, o delineamento final do grupo sociocultural quando, no
início da década de 1920, as pessoas que se opunham ao cura abandonaram a
paróquia. Aos que ficaram, restou ativar vários traços da antiga relação de servidão;
submissão que confirma serem os imigrantes majoritariamente oriundos do mesmo
estrato social.
Nessa relativa homogeneidade sócio-econômica do grupo imigrante
situava-se a condição para a permanência de valores ancestrais. Camponeses, em sua
maioria, possuíam repertório cultural semelhante o que, por sua vez, promovia
identidades. A naturalidade com que prestavam obediência, respeito e serviços ao
padre João destaca a resignação dessas pessoas ao ordenamento social. Tendo sua
autoridade legitimada pela cruz e pela espada, o padre Michalczuk marcou sua ação
como pastor severo de um rebanho que o aceitava justamente por fazer parte de um
261

universo cultural acostumado a se curvar à autoridade. Jed, Pan e Pip1 é um ditado


até hoje repetido entre os ucranianos de Antonio Olyntho, como síntese das forças
opressoras.
Outro fator que pode ser apontado na recriação de uma sociabilidade aldeã
emergiu da própria ritualização desenvolvida no processo das negociações
matrimoniais. Mais do que mediar a constituição de casais, o stárosta favorecia a
consolidação de compromissos familiares. Esse personagem deteve, assim, um
importante papel, pois, através da sua intermediação, tornou possível refazer as
solidariedades que uniam as antigas aldeias.

* * *

Antes de tudo, para os imigrantes ucranianos reeditar uma aldeia


significou a criação da possibilidade de, sem encaminharem-se para uma
transformação estrutural, manter viva a concepção de realidade que informara a
experiência de seus ancestrais. Ao organizar a aldeia, estabeleceram a condição de
mapear seu presente com os marcos de referência do passado.

As representações que envolviam a ação social eram, em decorrência,


pautadas em uma cultura agrária engendrada em estrutura de longa duração. Pela
imprevisibilidade do trabalho agrícola - no qual os esforços humanos são
absolutamente subordinados à vontade da Natureza -, essa cultura projetou a idéia
de que a experiência humana não pode ser solitária. Para ser cumprida, depende do
estabelecimento de uma densa trama de compromissos mútuos.

Tal concepção reproduziu-se entre os imigrantes de Antonio Olyntho. Da


mesma maneira como seus antepassados, não distingüiam a procedência, natural ou
sobrenatural, da força com a qual compactuavam. Ainda, o consenso social da

1 Judeus, senhores feudais e padres.


262

necessidade de laços coletivos encontrava outra expressão no estabelecimento de


solidariedades familiares. Por isso mesmo, a reorganização social esteve centrada no
viver em família, da qual o núcleo doméstico era apenas uma manifestação.
Assim, toda a comunidade partilhava dos atos rituais ligados à constituição
de novos casais. Desempenhando suas funções específicas nessas comemorações, o
homem e a mulher, solteiros ou casados, tinham a oportunidade de reconhecer seus
papéis naquele corpo social. E, na certeza de que, pela formação de mais um casal a
ordem natural das coisas estava sendo cumprida, os matrimônios eram
marcadamente o espaço da alegria. Neles, festejar não significava apenas o
contraponto com o cotidiano de trabalho, mas que o grupo conseguia manter ativa a
sociabilidade que dava sentido à suas vidas. A insegurança em relação à fatalidade
do destino era, assim, momentaneamente dissolvida na dança, na bebida e no
irreverência das kolomeikas.

Representantes de uma cultura camponesa, valoravam positivamente ter


muitos filhos; somavam a isso a noção cristã de que a família só adquire sentido e
legitimidade a partir do nascimento de filhos. Por isso, entendiam como sensato ter
prole numerosa sobretudo para a manutenção dos vínculos intergeracionais. Entre
eles, percorrer as etapas costumeiras do ciclo familiar implicava, ainda, assumir que
os papéis domésticos se alternavam em comando e obediência, proteção e sujeição,
garantindo o cumprimento da relação de reciprocidade entre as gerações, que
qualificava a dimensão moral da formação familiar.
Um braço desse compromisso moral seria a responsabilidade para com o
bem-estar dos idosos, claramente sintetizados por Eudóxia:

A gente tem filhos para cuidar da gente na velhice. Um estranho ia cuidar? Não ia. O lote
fica pra quem cuida da gente.

A garantia para essa afirmativa está na permanência do filho mais novo e


casado em seu domicílio, evidenciando que, como para Eudóxia e o marido, para
263

outros desdendentes dos pioneiros a reciprocidade tradicional não havia se


esgotado. Com ela, mantêm-se atuantes traços de uma visão de mundo que
privilegia o coletivo. Assim, as relações não podem ser individuais, pois o sentido
da vida do grupo é dado pela noção de que viver é a busca da constante superação
das dificuldades impostas pela Natureza. Por isso mesmo, a base das relações
familiares não está situada em laços individuais, mas no elo perene que as gerações
sucessivamente conseguem manter com seu quinhão de terra.

O reconhecimento dessa complexa estratégia de convivência social,


evidenciada no estudo da saga dos imigrantes, propiciou - muito mais que
identificar a ação de forças desgastantes dos códigos culturais no interior do grupo -
compreender que representações originadas em épocas distantes, quando o homem
tributava, temerosamente, respeito às forças da Mãe-terra, têm amarras profundas e
de difícil dissolução.
PARTE III
A HISTÓRIA DEMOGRÁFICA DOS UCRANIANOS:
OS DADOS DE BASE
1 OS REGISTROS PAROQUIAIS

Trabalhar famûia, enfatizando questões articuladas a nupcialidade e


fecundidade, não poderia prescindir de um estudo demográfico. Foi com essa
premissa que se empreedeu o arrolamento e processamento dos registros na igreja
Nossa Senhora da Imaculada Conceição, localizada em Antonio Olinto. As atas de
catolicidade foram transcritas para fichas de batizado, casamento e óbito
preconizadas pelo método FLEURY E HENRY1. Os dados constantes nessas fichas
serviram de base para a reconstituição de famílias efetivada pelo SYSTÈME DE

GESTION ET D'ANALYSE DE POPULATION - SYGAP.

O arquivo da igreja Nossa Senhora da Imaculada Conceição detém a


centralização dos registros dos atos desta mesma igreja e de mais duas capelas, uma
denominada Campestre e a outra Santos Andrade. É vim arquivo ativo, com
expedição normal de certidões de batismos, casamentos e óbitos, sob custódia de
pároco itinerante e consulta permitida mediante autorização. Apesar de não
catalogado tecnicamente é de fácil manuseio, encontrando-se os livros em razoável
estado de conservação.
A coleção é integrada por livros de batizados, num total de 5 volumes
(com o primeiro registro datado de 1903), e um sexto livro com registros de 1912 a
1936, referentes às cerimônias realizadas conforme o rito latino; livros de
casamentos, num total de 4 volumes (com data de 1905 para o primeiro registro); e,
livro de óbitos, com um volume iniciado em 1911.

1 HENRY, L. Manuel de démographie historique. Paris : Librairie Droz, 1970.


266

1.1 REGISTROS DA IGREJA NOSSA SENHORA DA IMACULADA


CONCEIÇÃO

1.1.1 Livros de batizados


O primeiro volume, com a identificação Batizados I - Antonio Olyntho -
1903/1911, contém um total de 368 registros, em 81 folhas, sem numeração,
parcialmente utilizado e sem interrupção cronológica. O termo de abertura e de
encerramento estão assinados pelo Pe. Clemente Buchovskyj. O conteúdo dos
registros consiste em: nome e sobrenome, assentamento em cirílico, dia, mês e ano
do batizado, local do batismo, data do nascimento, nome dos pais e dos padrinhos.
O número dos batizados é retomado da unidade no início de cada ano.
Os demais quatro volumes seguem a mesma forma de anotação, sendo
suas identificações:
a) Batizados li - 4.10.1911-9.7.1936, com 1.943 registros;
b) Batismos m-1936-1947, com 880 registros;
c) Batismos IV-1947-1962, com 970 registros;
d) Registros de Batizados V (1962-1980), com 1.030 registros.
A observação detalhada dos livros de registros de batizados da Paróquia
de Nossa Senhora da Imaculada Conceição leva às seguintes constatações:
a) são registros seriados e sem lacunas evidentes;
b) há homogeneidade aparente dos registros a partir de 1910;
c) aparecem sinais de decréscimo nas séries a partir de 1960.

1.1.2 Livros de casamentos


Os três volumes de registro de casamentos estão, de um modo geral, em
bom estado de conservação, com variações de notificação em relação à precisão dos
assuntos dependendo do responsável por estes. Com a identificação Registros de
Casamentos, o primeiro volume contém aproximadamente 33 registros, abrangendo
267

os anos de 1905 a 1910. O segundo volume, Casamentos IIcobrindo os anos 1911 a


1936, tem cerca de 357 assentos; e no terceiro, encontram-se 580 registros, entre os
anos de 1936 e 1980.
No conteúdo dos registros constam dia, mês e ano do matrimônio, local,
nome das testemunhas, procedência, idade e filiação dos noivos. Até 1938, os
registros são manuscritos, e a partir daí o texto é impresso e as lacunas preenchidas.

1.1.3 Livro de óbitos


Há um único Livro de Óbitos com termo de abertura realizado pelo
Monsenhor Celso Itiberê da Cunha, que compreende os anos de 1911 a 1966 e
contém 728 registros. Consta de seu corpo: dia, mês, ano e local do falecimento,
nome dos pais, principalmente quando se trata de crianças, e local do sepultamento.
As séries referentes a óbitos são relativamente pequenas; isto colocou a necessidade
de complementação das informações com pesquisas nos registros de óbito do
Cartório de Antonio Olinto.

1.2 ARQUIVO DA IGREJA SANTO ANTONIO

Trata-se da igreja católica latina de Antonio Olinto, que possui séries


completas de livros de batizados, casamentos e óbitos, em bom estado de
conservação e passíveis de consulta. Recorreu-se à esse arquivo principalmente pela
constatação das particularidades da colônia. O caráter preponderantemente
itinerante do atendimento religioso nos primeiros tempos e as querelas existentes
entre parte da comunidade ucraniana e o pároco que os atendeu durante 39 anos,
indicaram a necessidade de se abrir espaço para esse outro arquivo paroquial.
Nos registros da igreja Santo Antonio são anotados preponderantemente
os eventos religiosos atinentes aos descendentes de poloneses, constituindo
continuação da capela colonial que o governo estadual construiu para o
atendimento do núcleo, ainda em 1896. Dada a religiosidade característica do povo
268

ucraniano, entendeu-se como provável a freqüência a essa igreja, quando da falta de


párocos especificamente ucranianos em sua própria igreja.
A análise dos registros da "igreja polonesa" apresentou um rol
significativo de sobrenomes2 que também constam na "igreja ucraniana". Optou-se,
então, por arrolar nesse arquivo apenas os casamentos e batizados anteriores a 1911.
Esse ano marca a chegada do padre Michalczuk, e considerando o valor que a etnia
ucraniana dava às especificidades religiosas, acredita-se que o estabelecimento de
um pároco ucraniano tenha sido fator de reagregação da comunidade 3 .

Quanto aos registros de óbitos da "igreja polonesa", decidiu-se copiá-los


integralmente porque na "igreja ucraniana" esse tipo de registro é extremamente
lacunar, e uma quantidade mais extensa de informações a esse respeito facilitaria a
elaboração de um maior número de fichas de família do tipo MF4.

Do arquivo da igreja de Santo Antonio foram utilizados os seguintes


livros:
a) Batizados I - 1907/1915. arrolamento dos batizados até 1911, num total
de 158 batizados;
b) Casamentos I -1907/1910. 30 casamentos;

c) ÓbitosI-1896/1939: 360 óbitos;


d) Óbitos n-1906/1957:175 óbitos.
Uma observação geral dos resultados do levantamento nesses arquivos
demonstra evidente não-anotação sistemática nos primeiros sete anos de existência
da colônia, no tocante a batizados e casamentos. Já os óbitos estão registrados desde
1896, na "igreja polonesa"; contudo, no caso da igreja ucraniana tais registros
constituem raridade.

2 Ver ANEXO 4.
3 Ver FARTE I,Capítulo 3, Item 3.1. De polacos a rutenos.
4 Os critérios para a tipologia de famílias encontra-se em 3. A análise demográfica..., cf.
infra, p. ?????
269

1.3 OUTRAS FONTES DEMOGRÁFICAS

Com o intuito de corrigir ou complementar os dados constantes nos

registros paroquiais foram utilizadas outras fontes. Uma delas foi a lista nominativa

intitulada "Immigrantes e Lotes do Núcleo Antonio Olyntho - 1896", constante em


livro não catalogado do Arquivo Público do Paraná, que relaciona

aproximadamente 2.000 moradores na colônia, no ano seguinte de sua instalação.

Outra fonte complementar foram os registros do cartório da localidade, expedidos

desde 1919, e pesquisados nos microfilmes da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos

Últimos Dias.

Após os procedimentos de arrolamento, fichamento, padronização de

sobrenomes5 e agrupamento das fichas de batizado, casamento e óbitos em blocos

que uniam as famílias biológicas, a fase seguinte consistiu em alimentar, com essas

informações, o Programa SYGAP.

5 Ver A N E X O 4.
2 O PROCESSAMENTO DOS DADOS

O processamento estatístico foi feito pelos módulos de análise


demográfica do Système de Gestion et d'Analyse du Population - SYGAP, elaborado
conjuntamente pelo Centre Pierre Léon, da Universidade de Lyon, e pelo
Programme de Recherche en Démographie Historique, da Universidade de
Montréal.
Constitui o SYGAP um arquivo de módulos de análise de registro de
população que, informatizado, permite a gerência de um modelo numérico de
população cujos dados servem como referência para que sejam processados
módulos de análise genética e demográfica. Funciona de modo interativo, por isso
facilita a operação de seus numerosos comandos. Para que tais operações se
efetuem, são integrados dois componentes básicos: o registro de população
(contendo o registro de indivíduos, o registro de uniões, o fichário dicionário e o
fichário de parâmetros de funcionamento) e os módulos de análise (contendo
módulos de análise demográfica e genética e o agrupamento dos módulos
analíticos). Para esta pesquisa foi utilizado apenas o módulo de análise
demográfica.

Os 8.667 indivíduos, que totalizam os registros de,todo o período, foram


separados em duas coortes, pois a finalidade da pesquisa era empreender uma
análise comparativa da dinâmica dessa população. A primeira delas inclui
nascimentos, casamentos e óbitos ocorridos entre 1895-1949 (COORTE 1) e a segunda
compreende os mesmos dados, mas relativos ao período de 1950-1980 (COORTE 2).
A aparente disparidade cronológica das duas coortes - uma abrange
cinqüenta e nove e a outra trinta anos - não foi aleatória. Deve-se à precariedade dos
dados atinentes aos primeiros quinze anos da colônia, muitas vezes, anotados por
padres itinerantes em livros que não ficaram na paróquia. Sendo assim, o que se
271

quis privilegiar foi uma paridade entre as uniões MF: a coorte 1 possui 281 uniões MF
de um total de 1.301 uniões, e a coorte 2 possui 244 uniões MF de um total de 733
casamentos. Outro critério que, indubitavelmente, perpassou a divisão das coortes
foi a morte de João Michalczukc, em 1950. À medida que ele exerceu inegável
influência sobre seus paroquianos, o ano de sua morte foi considerado um divisor
de águas.
Para que o SYGAP desenvolvesse os cálculos demográficos que
interessavam à pesquisa, quais sejam, os de nupcialidade e fecundidade, toda
população constante dos registros da igreja Nossa Senhora da Imaculada Conceição,
entre 1895 e 1980, recebeu uma codificação numérica específica, construindo-se
assim, o banco de dados que alimentou os cálculos e a estatística demográfica. Tais
códigos qualificam a origem dos dados, e com base neles o SYGAP selecionou os que
integraram os cálculos demográficos.

2.1 A CODIFICAÇÃO DOS DADOS

2.1.1 A codificação dos indivíduos


Para qualificar os nascimentos (DATEN), os códigos adotados foram os
seguintes:
a) Código 1 = indivíduo nascido e batizado na paróquia;
b) Código 3 = indivíduo nascido na paróquia e recuperado, como tal, em
seu registro de casamento ou de óbito. Recebe a codificação 3, porque
sua idade pôde ser calculada com base em indicações em documentos
posteriores ao seu nascimento. Dessa maneira, mesmo sem o registro
exato de batizado o SYGAP utiliza-se de indivíduos de código 3 em
diversos cálculos relativos à fecundidade e à nupcialidade do grupo;
c) Código 5 = indivíduo que nasceu fora da paróquia e em período que
antecede o início do estudo, ou seja, antes de 1895. Como muitas vezes
272

pode-se saber com exatidão o ano do nascimento dessa pessoa, o


código 5, nestes casos, recebe a extensão A. Para os cálculos do SYGAP,

os individuos "5" só entram na categoria de pais ou cônjuges, ou seja,


são excluídos dos cálculos de fecundidade;
d) Código 7 = indivíduos que, durante o período em estudo, aparecem nos
registros da paróquia mas nasceram em outra localidade. Em termos
da utilização pelo SYGAP, estão na mesma situação que os indivíduos
código 5;
e) Código 9 = indivíduos dos quais não se sabe a localidade do nascimento
e nem a data do nascimento. O critério adotado para o cálculo de sua
idade foi registrá-lo nascendo em primeiro de janeiro do ano anterior
ao nascimento de seu primeiro filho registrado na paróquia.

2.1.2 A codificação dos óbitos


Para qualificar os óbitos (DATED) os códigos escolhidos foram os seguintes:
a) Código 1 = indivíduo cuja data de falecimento está registrada no livro
de óbitos da paróquia. Aceitou-se também a informação dessa data por
fontes orais;
b) Código 4 = indivíduo cuja morte foi atribuída em função da última
menção de sua presença na paróquia;
c) Código 9 = indivíduo que, pela ausência de referência, à sua morte foi
atribuída data de óbito fictícia. Isso porque, para alguns cálculos o
SYGAP necessita dos resultados do sexo do cônjuge sobrevivente e a
codificação 9 foi um artifício para que tal cálculo pudesse ser efetuado.
À medida que a análise não se preocupa com questões relativas à
mortalidade, o código 9 resulta inócuo.

2.1.3 A codificação das uniões


Para qualificar as uniões (DATEM), foram escolhidos os seguintes códigos:
273

a) Código 1 = casamentos realizados na paróquia, sabendo-se, assim, a


data exata de sua celebração;

b) Código 3 = casamentos dos quais não se tem a menção da data em que


foram celebrados. A data passa a ser a de primeiro de janeiro do ano
anterior à data de nascimento do primeiro filho registrado na paróquia;
c) Código 7 = casamentos realizados fora da paróquia, mas que por um
motivo qualquer foram anotados, ao lado do registro de nascimento de
um dos cônjuges. Essa anotação continha data, local e o nome do
cônjuge. O SYGAP não utiliza esse código para seus cálculos;
d) Código 9 = casamentos dos quais não há menção alguma do local em
que possam ter sido realizado, e cujos filhos não têm registro de
batismo na paróquia. Nessa pesquisa referem-se geralmente à
codificação da união de pais de noivos.

2.1.4 A codificação do fim da união


Para qualificar o final da união (DATEFU), foram escolhidos os seguintes
códigos:
a) Código 1 = quando se sabe a data exata do óbito de ambos os cônjuges;
b) Código 2 = quando se sabe a data do óbito de apenas um dos cônjuges e
que o outro lhe sobreviveu;
c) Código 3 = quando se atribui o final de união pela última menção na
paróquia.
Deve-se ainda mencionar que os números que se situam na linha iniciada
por "[ ]" (tabelas 4 e 5) referem-se a indivíduos ou uniões que não se adaptam em
nenhum dos códigos previstos. Nesse caso estão os 3.577 indivíduos que não
receberam nenhum tipo de codificação para sua morte (DATED). Nessa mesma
situação estão 875 uniões da primeira coorte e 450 da segunda, que não receberam
final de união (DATEFU).
274

A partir da divisão da população em duas coortes e da codificação


adotada, a população ucraniana de Antonio Olinto assumiu a seguinte composição:

TABELA 4 - ESTATÍSTICAS GERAIS DO REGISTRO - COORTE 1


Total de indivíduos: 8.667
Homens: 4.343
Mulheres: 4.324
Indeterminados:
Total de uniões: 1.301
Códigos DATEN DATED DATEM DATEFU
7
t ] 3.577 875
1 5.392 1.278 655 134
2 170
3 491 484 122
4 1.227
5 1.095
6
7 403 16
8
9 1.286 2.585 146
Total 8.667 8.667 1.301 1.301

TABELA 5 - E S T A T Í S T I C A S GERAIS D O REGISTRO - C O O R T E 2


Total de indivíduos: 8.667
Homens: 4.343
Mulheres: 4.324
Indeterminados:
Total de uniões: 753
Códigos DATEN DATED DATEM DATEFU
7
[ 1 3.577 450
1 5.392 1.278 371 2
2 9
3 491 145 291
4 1.227
5 1.095
6
7 403 195
8
9 1.286 2.585 41
Total 8.667 8.667 752 752

Com base na codificação dos dados, as tabelas 4 e 5 situam a população


constante nos registros da paróquia por sexo, estado civil, qualificando a natureza
dos dados relativos ao nascimento, casamento e óbito dos indivíduos. Nelas, para
275

ambas as coortes, os dados relativos aos "indivíduos" (DATEN) são comuns, ou seja,
em Antonio Olinto, freqüentaram os registros de catolicidade 8.667 pessoas durante
os 85 anos que estão sendo analisados demográficamente e, desse total 4.443 são
homens e 4.424 são mulheres1. Nas tabelas 4 e 5, o que é específico a cada coorte são
apenas os quantitativos relativos ao casamento (DATEM E DATEFU) qualificados por
códigos em função da origem dos dados.

1 Como foi mencionado acima, sempre que possível foram acrescidas as informações dos

registros paroquiais e dados provenientes de outras fontes. Nesse caso estão as constantes na lista
"Immigrantes e Lotes do Núcleo Antonio Olyntho - 18%", onde a população local está descrita por
"fogos"; as Lista de Immigrantes entrados no Paraná (1895-1896) e os registros da paróquia latina
(até 1911).
3 A ANÁLISE DEMOGRÁFICA DA FECUNDIDADE

De acordo com HENRY, se estudia bajo al nombre de fecundidad el conjunto


de fenómenos quantitativos directamente ligados a la procriación} Dada essa
característica, este item ocupa-se em apresentar os resultados demográficos dos
aspectos articulados à composição da prole. Mães, partos e filhos, em sua forma
quantificada, são o objeto das tabelas.

3.1 TIPOLOGIA DAS FAMÍLIAS

As tabelas 6 e 7, que virão a seguir, fornecem os tipos de família que foram


reconstituídas e o critério de classificação é dado pelos códigos do DATEN, do DATEM

e do DATEFU. A tipologização efetuada pelo SYGAP segue os mesmos critérios da


técnica FLEURY E HENRY 2 , resultando em dois tipos principais de família: as "M" e as
E .

FICHAS DE FAMÍLIA M (DATEM 1) que têm como ponto de partida de


observação o casamento realizado no seio da comunidade. Essas fichas dividem-se,
por sua vez, em:
a) Fichas MO (DATEM 1 e sem DATEFU), relativas àqueles casais que, logo
após o casamento, ou depois de certo tempo de observação, por uma ou
outra razão, deixaram de ter sua presença comprovada no grupo.
Portanto, trata-se de fichas sem "fim de observação";
b) Fichas MF (DATEM 1e DATEFU 1, 2 ou 3), relativas aos casais que, por
intermédio do registro de óbito, ou por outra fonte convergente

1 HENRY, L. Demografía. Barcelona : Editorial Labor, 1976. p.89.


2 HENRY, L. Técnicas de análise em demografía histórica. Curitiba : A.M. Cavalcanti e
Cia. Ltda., 1977. p.86-88.
277

qualquer, independentemente dos filhos (sob pena de privilegiar apenas


as famílias fecundas), puderam ter um fim de observação estabelecido;
c) FICHAS DE FAMÍLIA E (DATEM 3): que têm como ponto de partida de
observação o primeiro filho nascido e registrado na paróquia. Trata-se,
geralmente, de casais unidos fora do grupo, que tiveram ou não filhos
anteriores à sua instalação na paróquia. Subdividem-se em:

- Fichas EF (DATEM 3 E DATEFU 1, 2 ou 3), referindo-se àquelas que,


mesmo não tendo o casamento realizado na paróquia, possuem
algum tipo de registro que permite "fechar" esta união,
atribuindo-se para tal um código (DATEFU) pertinente;

- Fichas EO (DATEM 3 e sem DATEFU), referindo-se àquelas que não


possuem nem registro do casamento nem registro de final da
união. É uma ficha de família montada em função de registros
de filhos nascidos na paróquia3.
Ainda, considerando os códigos dos "indivíduos" envolvidos nas uniões, o
SYGAP categoriza fichas de família em "1" ou "2". O conjunto das fichas Tipo 1 reúne
uniões em que a data de nascimento da mulher é conhecida na íntegra (DATEN 1) e o
conjunto de fichas Tipo 2 agrupa os casamentos nos quais a data do nascimento da
mulher foi calculada a partir da indicação de idade na ocasião do casamento ou da
morte. (DATEN3 ou 5).

3 A descrição da tipologia das famílias realizada apóia-se no detalhamento realizado por


NADALIN, Fecundidade das famílias de confissão evangélica luterana em Curitiba (1920-1939).
(Relatório da pesquisa apresentado ao CNPq. Período de 01/7/80 - 30/6/81).
278

TABELA 6 - TIPOLOGIA DAS FAMÍLIAS - COORTE 1


TIPOS DE 1 2 TOTAL
FAMÍLIA N° absolutos % N° absolutos % N° absolutos %
MF 149 11,5 132 10,1 281 21,6
MO 182 14,0 192 14.,8 374 28,7
EF 11 0,8 134 10,3 145 11,1
EO 72 5,5 429 33,0 501 38,5
Total 414 31,8 887 68.2 1.301 100,0

TABELA 7 - TIPOLOGIA DAS FAMÍLIAS - COORTE 2


TIPOS DE 1 2 TOTAL
FAMÍLIA N° absolutos % N° absolutos % N° absolutos %
MF 180 23,9 64 8,5 244 32,4
MO 101 13,4 26 3,5 127 16,9
EF 23 3,1 35 4,7 58 7,7
EO 143 19,0 180 23,9 324 43,0
Total 447 59,4 305 40,6 753 100,0

Na coorte 1 (tabela 6), constam 149 uniões MF 1 e 132 MF 2, e na coorte 2


(tabela 7), 180 uniões MF 1 e 64 MF 2. Em termos gerais, o aumento de uniões MF na
coorte 2 pode ser atribuído, principalmente, a uma anotação mais sistemática dos
casamentos. Deve, contudo, ser levado em conta que, na coorte 1, o número
expressivo de uniões MO revela uma grande migração dos pioneiros. Com base nas
fichas MO - onde não é possível atribuir fim de união (DATEFU) - , pode-se afirmar
que as pessoas tenderam mais à migração no período que vai de 1895 até 1950.
Naquele período, 28,7% dos casamentos são MO; na coorte seguinte, apenas 16,9%.

A dinâmica migratória da população, da primeira coorte, é notada, ainda,


na soma das uniões EF e EO, que totalizam 646, perfazendo 49,6% das uniões. Essa
característica se mantém na segunda coorte, quando 50,7% das uniões são EF ou EO.
Deve-se considerar também que, dada a artificialidade do corte transversal - início
da observação em 1895 -, a quantidade de uniões E na coorte 1 pode ser atribuída à
própria metodologia da pesquisa.
Ainda, entre 1895 e 1911, bem como a partir de 1950, não houve párocos
fixos na localidade. De qualquer forma - e isto é válido para as duas coortes -, o
279

índice de casamentos EF é alto, significando que o grande volume de famílias que


registraram parte dos nascimentos de seus filhos na paróquia, não se fixou
definitivamente lá. Neste pormenor, é contundente o percentual, na primeira coorte,
de 38,5% e na segunda, de 43,0% de famílias EO.
Sabe-se que o método FLEURY E HENRY foi construído prevendo análises
demográficas de um universo de "população estável". Essa premissa, haja vista a
quantidade de fichas EO, não pôde ser cumprida no presente trabalho.Todavia,
dentre as fichas que são utilizadas para os cálculos demográficos - as fichas MF -
constatou-se um índice de rendimento razoável para sustentar as colocações a
respeito do padrão de fecundidade do grupo4. Na coorte 1, o rendimento foi de
42,9% e, na coorte 2 foi de 65,7%5, quando são considerados satisfatórios resultados
situados entre 40 a 50%6. Deve ser ressaltado que o índice de rendimento das fichas
MF é obtido por uma relação que privilegia apenas as famílias M, ou seja, aquelas
cujo início da união se deu na paróquia. Esse percentual, então, não resulta de uma
relação das fichas MF com o total dos casamentos havidos no período. Nesse caso, o
índice de rendimento seria de 21,6% para a primeira coorte e 32,4% para a segunda. 7

1 Ver PARTE II, Capítulo 2, Item 2.4.


5 Para esse cálculo de rendimento utilizaram-se as indicações apresentadas por HENRY,

Técnicas de análise ...., op. cit., p.87, e por NADALIN, Une paroisse d'origine germanique au
Brésil : la communauté evangelique lutherienne a Curitiba entre 1866 et 1969. Doctorat 3e. cycle.
Paris : EHESS, 1978. p.149.
' NADALIN, Fecundidade das famílias ... op. cit., p.5 e 6.
' O que se está calculando é a relação das fichas MF com o total das uniões (MF/T =
281/1301 e 244/753, sucessivamente para cada coorte) para verificar qual o índice da relação entre as
famílias incluídas nos cálculos de fecundidade com o universo total de famílias presentes nos
registros da paróquia.
280

3.2 TIPOS DE NASCIMENTO

O SYGAP classifica os nascimentos de três maneiras: indicando número de


filhos por parto, identificando os nascimentos ilegítimos como também as
concepções pré-nupciais.
As tabelas 8 e 9 fornecem a distribuição do número de filhos nascidos por
parto relacionando-o com o grupo de idade das mães. Os números relativos são
fixados para o conjunto do grupo de idade das mães. Essa função aplica-se a todas as
uniões, salvo aquelas em que não há filhos. Os filhos sem data de nascimento são
classificados entre os partos simples.
a) Rejeição 1: o número da união no fichário de entrada não existe no
registro de união;
b) Rejeição 2: a união não teve filhos.

TABELA 8 - IDENTIFICAÇÃO DO NÚMERO DE FILHOS POR PARTO - COORTE 1


Idade da TIPO DE NASCIMENTO
mãe 1 2 3 4 5+ Total
10-14 3 1 4
15-19 138 2 140
20-24 446 6 452
25-29 429 6 435
30-34 373 7 380
35-39 248 6 254
40-44 104 1 105
45-49 11 11
Indeterminada 2.956 32 2.988
Total 4.708 61 0 0 0 4.769
% 98,72 1,28 0,00 0,00 0,00
Rejeição 2 = 157
281

TABELA 9 - IDENTIFICAÇÃO DO NÚMERO DE FILHOS POR PARTO - COORTE 2


Idade da TIPO DE NASCIMENTO
mãe 1 2 3 4 5+ Total
10-14 1 1
15-19 59 59
20-24 221 221
25-29 224 2 226
30-34 154 6 160
35-39 109 109
40-44 37 37
45-49 3 3
Indeterminada 372 4 1 377
Total 1.180 12 1 0 0 1.193
% 98,91 1,01 0,08 0,00 0,00
Rejeição 2 = 328

A ilegitimidade, por sua vez, é apresentada nas tabelas 10 e 11 que


fornecem a distribuição das uniões com, ao menos, uma criança nascida antes do
casamento, segundo o grupo de idade das mães. O SYGAP utiliza para este cálculo
apenas as crianças com DATEN 1; já as mães podem ter DATEN 1, 3 e 7. O critério de
anotação de criança ilegítima significa aqui que houve um casamento religioso
posterior - o SYGAP não contempla um estudo de mães solteiras. Nesse sentido, a
criança em cuja ata de batismo verificava-se a ausência do nome do pai, a anotação
"filho natural de", ou ainda "ilegítima" consta na coluna filhos ilegítimos nas tabelas
10 e 11 apenas se houve união posterior de seus progenitores. Caso a mãe não tenha
se casado, integra o rol de mães-solteiras.8

.a) Rejeição 1: Não existe o número da união no fichário de entrada;


b) Rejeição 2: A união não tem data de casamento ou o código da data não é
válido.

8 Ver Tabela A10 com a relação das mães solteiras de ambas as coortes em estudo.
282

TABELA 10 - NASCIMENTOS ILEGÍTIMOS -COORTE 1


N° DE UNIÕES COM N° DE UNIÕES SEM
IDADE AO CASAR FILHOS ILEGÍTIMOS FILHOS ILEGÍTIMOS TOTAL
10-14 2 2
15-19 177 177
20-24 145 145
25-29 2 42 44
30-34 16 16
35-39 1 1
40-44 2 2
45-49
50 +
Indeterminada 6 262 268
Total 8 647 655
Rejeição 2 = 646

TABELA 11 - NASCIMENTOS ILEGÍTIMOS -COORTE 2


N° DE UNIÕES COM N" DE UNIÕES SEM
IDADE AO CASAR FILHOS ILEGITIMOS FILHOS ILEGÍTIMOS TOTAL
10-14
15-19 94 94
20-24 4 112 116
25-29 1 47 48
30-34 2 19 21
35-39 11 11
40-44 4 4
45-49 6 6
50 + 7 7
Indeterminada 1 63 64
Total 8 363 371
Rejeição 2 = 381

Finalizando a classificação dos nascimentos, as tabelas 12 e 13 apresentam a


distribuição das uniões que tiveram ou não concepções pré-nupciais, segundo o
grupo de idade ao casar da mãe. São rejeitadas as uniões para as quais não se tem
data exata (DATEM 1) e considera-se pré-nupcial o nascimento ocorrido antes de o
casamento completar 8 meses de duração.
a) Rejeição 1: Não existe o número da união no fichário de entrada;
b) Rejeição 2: A união não tem data de casamento ou o código da data não é
válido.
283

TABELA 12 - CONCEPÇÕES PRÉ-NUPCIAIS - COORTE 1


N° DE UNIÕES COM N° DE UNIÕES SEM
IDADE AO CASAR CONCEPÇ. PRÉ-NUP. CONCEPÇ. PRÉ-NUP. TOTAL
10-14 2 2
15-19 7 170 177
20-24 4 141 145
25-29 1 43 44
30-34 16 16
35-39 1 1
40-44 2 2
45-49
50 +
Indeterminada 12 256 268
Total 24 631 655
Rejeição 2 = 646

TABELA 13 - CONCEPÇÕES PRÉ-NUPCIAIS - COORTE 2


N° DE UNIÕES COM N° DE UNIÕES SEM
IDADE AO CASAR CONCEPÇ. PRÉ-NUP. CONCEPÇ. PRÉ-NUP. TOTAL
10-14
15-19 3 91 94
20-24 4 112 116
25-29 3 45 48
30-34 21 21
35-39 11 11
40-44 4 4
45-49 6 6
50 + 7 7
Indeterminada 64 64
Total 10 361 371
Rejeição 2 = 381

3.3 AS TAXAS DE FECUNDIDADE

Para a obtenção das taxas de fecundidade legítima das mulheres segundo


seu grupo de idade ao casar e no nascimento do filho9, são necessários diversos
cálculos que envolvem os resultados das tabelas das páginas seguintes. O fator de
correção sugerido pelo SYGAP é de 1.048, mas, em função da dimensão reduzida de
fichas MF, neste trabalho, optou-se pelo fator 1.000.
9 "As taxas de fecundidade legítima podem ser calculadas seja a partir da idade da

mulher, seja a partir da duração do casamento [...]. As análises demográficas feitas até o momento
têm privilegiado a idade da mulher para as populações antigas e a duração d o casamento para as
populações atuais". NADALIN, Fecundidade das famílias de confissão evangélica luterana em
Curitiba : 1920-1939. (Relatório 4, período 01.07.1981 - 31.12.1981. p.2).
284

As operações dos cálculos de fecundidade se fazem a partir de uma seleção


das uniões, realizada em função de critérios preestabelecidos: aquelas uniões que
não estão em conformidade com os critérios, são rejeitadas. Tais rejeições, que
aparecem na parte inferior das tabelas, são codificadas da seguinte maneira:
a) Seleção e rejeição das uniões:
- Rejeição 1: O número de união no fichário de entrada, não existe
no registro da população;
- Rejeição 2: A data do casamento da união é desconhecida. As
variáveis relativas à data do casamento (DATEM) e do código do
casamento (XDATEM) são desconhecidas;
- Rejeição 3: A união tem uma data que não corresponde à ata do
casamento, ou àquela do contrato civil de casamento; não possui
código 1 (DATEM 1);
- Rejeição 4: A união não tem data de fim de união (DATEFU);
- Rejeição 5: A união possui ao menos um filho nascido antes do
casamento;
- Rejeição 6: A união não tem mulher;
- Rejeição 7: A união tem uma mulher sem data de nascimento
conhecida (DATEN E XDATEN vazios). Todos os tipos de data de
nascimentos são retidos;
- Rejeição 8: A união tem uma mulher que casou com 50 anos ou
mais;
b) Seleção e rejeição dos filhos:
- Rejeição 0: Não tem data de nascimento;
- Rejeição 2: Morreu logo após o nascimento;
- Rejeição 3: A criança tem uma data de nascimento deduzida.
O SYGAP inicia os cálculos para a obtenção das taxas corrigidas de
fecundidade apontando a distribuição dos nascimentos arrolados. As tabelas 14 e 15
285

indicam, então, os nascimentos efetivamente registrados nas atas paroquiais


relacionando-os com as idades da mãe ao casar e no nascimento de seus filhos. A
diferença entre essas duas datas é considerada em dias completos (365,25), sendo
que o resultado é expresso em anos-completos. Essa distribuição considera apenas os
nascimentos dos quais se tenha a ata do batismo (DATEN 1).

TABELA 14 - NASCIMENTOS ARROLADOS SEGUNDO A IDADE AO CASAR - COORTE 1


Idade ao N° IDADE DA MÃE AO NASCIMENTO DO FILHO TOTAL
casar Cas. 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49
10-14 1 3 2 1 4 2 1 13
15-19 91 60 157 132 111 75 34 6 575
20-24 65 62 83 74 56 24 2 301
25-29 16 12 18 14 5 1 50
30-34 5 1 5 1 7
35-39
40-44
45-49
Total 178 63 221 228 208 152 65 9 946
Total de rejeições: 1.123
Rejeições de união: 3 = 646; 4 = 374; 7 = 103
Rejeições de criança: 3 = 18
Casamentos correspondentes aos nascimentos arrolados: 52

TABELA 15 - NASCIMENTOS ARROLADOS SEGUNDO A IDADE AO CASAR - COORTE 2


Idade ao N° IDADE DA MÃE AO NASCIMENTO DO FILHO TOTAL
Casar Cas. 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49
10-14
15-19 64 33 79 51 38 26 6 233
20-24 73 52 58 43 23 10 2 188
25-29 32 31 31 14 9 85
30-34 13 2 9 11
35-39 4 1 1 2
40-44 3 1 1
45-49 3
Total 192 33 131 140 114 73 27 2 520
Total das rejeições: 561
Rejeições de união: 3 = 382; 4 = 127; 5 = 5; 7 = 43; 8 = 4
Rejeições de crianças: 3 = 7
Casamentos correspondentes aos nascimentos arrolados: 26

Continuando os cálculos de fecundidade, as quatro tabelas seguintes (16,


17, 18 e 19) correspondem à estimativa de uma parcela dos nascimentos perdidos,
dos quais não se tem a ata de batismo. Referem-se basicamente aos indivíduos cuja
286

data de nascimento foi calculada (DATEN 3) mas que pertencem a famílias MF. A
distribuição desses nascimentos é dada segundo o grupo de idade da mãe ao casar e
seu grupo de idade no nascimento da criança. As tabelas 16 e 17 trabalham com
números absolutos e as tabelas 18 e 19 com os índices relativos a 1.000.

TABELA 16 - NASCIMENTOS PERDIDOS MAS REENCONTRADOS, SEGUNDO A


IDADE AO CASAR, NÚMEROS ABSOLUTOS - COORTE 1
Idade ao N° IDADE DA MÃE AO NASCIMENTO DO FILHO TOTAL
Casar Cas. 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49
10-14 1 0
15-19 91 4 5 1 3 13
20-24 65 2 2 4
25-29 16 0
30-34 5 1 1
35-39
40-44
45-49
Total 178 4 7 3 3 1 18
Total de rejeições: 1.123
Rejeições: 3 = 646; 4 = 374; 7 = 103

TABELA 17 - NASCIMENTOS PERDIDOS MAS REENCONTRADOS, SEGUNDO A


IDADE AO CASAR, NÚMEROS ABSOLUTOS - COORTE 2
Idade ao N° IDADE DA MÃE AO NASCIMENTO DO FILHO TOTAL
Casar Cas. 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49
10-14
15-19 64 2 1 2 5
20-24 73 2 2
25-29 32 0
30-34 13 0
35-39 4 0
40-44 3 0
45-49 3
Total 192 2 1 4 7
Total de rejeições: 561
Rejeições: 3 = 382; 4 = 127; 5 = 5; 7 = 43; 8 = 4
287

TABELA 18 - NASCIMENTOS PERDIDOS MAS REENCONTRADOS, S E G U N D O A


IDADE AO CASAR, NÚMEROS RELATIVOS - COORTE 1
Idade ao N° IDADE DA MÃE AO NASCIMENTO DO FILHO TOTAL
Casar Cas. 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49
10-14 1 0
15-19 91 222 278 56 167 722
20-24 65 111 111 222
25-29 16 0
30-34 5 56 56
35-39 0
40-44 0
45-49 0
Total 178 0 222 389 167 0 167 56 0 1.000
Total de rejeições: 1.123
Rejeições: 3 = 646; 4 = 374; 7 = 103
Casamentos correspondentes aos nascimentos perdidos: 6

TABELA 19 - NASCIMENTOS PERDIDOS MAS REENCONTRADOS, S E G U N D O A


IDADE AO CASAR, NÚMEROS RELATIVOS - COORTE 2
Idade ao N° IDADE DA MÃE AO NASCIMENTO DO FILHO TOTAL
Casar Cas. 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49
10-14 0
15-19 64 286 143 286 714
20-24 73 286 286
25-29 32 0
30-34 13 0
35-39 4 0
40-44 3 0
45-49 3 0
Total 192 0 286 143 571 0 0 0 0 1.000
Total de rejeições: 561
Rejeições: 3 = 382; 4 = 127; 5 = 5; 7 = 43; 8 = 4
Casamentos correspondentes aos nascimentos perdidos: 5

Além de indicar os nascimentos perdidos mas reencontrados (tabelas 16 e


17) o SYGAP avalia os nascimentos perdidos. São considerados como tal todos aqueles
que não foram levantados nos arquivos da localidade em estudo. Como uma parte
deles foi efetivamente reencontrada posteriormente (tabelas 18 e 19), a avaliação dos
nascimentos perdidos (tabelas 20 e 21) implica uma relação entre os nascimentos
perdidos e os nascimentos levantados em um grupo de famûias determinado, que é
igual à relação obtida por um documento posterior, independentemente do registro
de batismo ou de nascimento, entre pessoas nascidas nessas famílias cujo nascimento
não foi levantado ou aquelas cujo nascimento foi levantadd0. A disposição dessa
estimativa segue a freqüência da distribuição do quadro de nascimentos

reencontrados (DATEN 3), pois adota-se a hipótese de que os nascimentos perdidos se


distribuem da mesma forma que os reencontradosA seguir, as tabelas 22 e 23
consistem na somatória dos nascimentos arrolados (tabelas 14 e 15) c o m os

nascimentos perdidos (tabelas 20 e 21).

TABELA 20 - NASCIMENTOS PERDIDOS - COORTE 1


Idade ao N° IDADE DA MÃE AO NASCIMENTO DO FILHO TOTAL
Casar Cas. 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49
10-14 1 0
15-19 91 27 34 7 20 88
20-24 65 13 27
25-29 16 0
30-34 5 7 7
35-39 0 0
40-44 0 0
45-49 0 0
Total 178 27 47 20 20 7 121

TABELA 21 - NASCIMENTOS PERDIDOS - COORTE 2


Idade ao N° IDADE DA MÃE AO NASCIMENTO DO FILHO TOTAL
Casar Cas. 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49
10-14 0 0
15-19 64 29 15 29 73
20-24 73 29 29
25-29 32 0
30-34 13 0
35-39 4 0
40-44 3 0
45-49 3 0
Total 192 29 15 58 102

10 10. HENRY, Técnicas de análise ..., op. cit., p.94. A fórmula para o cálculo dos
nascimentos perdidos é:
Nascimentos perdidos = Casamentos reencontrados
Total nasc. levantados Total casam, levantados
11 HENRY, L. Técnicas de análise ... op. cit., p. 99.
289

TABELA 22 - NASCIMENTOS ARROLADOS E PERDIDOS - COORTE 1


Idade ao N° IDADE DA MÃE AO NASCIMENTO DO FILHO TOTAL
Casar Cas. 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49
10-14 1 3 2 1 4 2 1 13
15-19 91 87 191 139 111 95 34 6 663
20-24 65 75 96 74 56 24 2 328
25-29 16 12 18 14 5 1 50
30-34 5 1 5 8 14
35-39 0 0
40-44 0 0
45-490 0
Total 178 90 268 248 208 172 72 9 1.067

TABELA 23 - NASCIMENTOS ARROLADOS E PERDIDOS - COORTE 2


Idade ao N° IDADE DA MÃE AO NASCIMENTO DO FILHO TOTAL
Casar Cas. 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49
10-14 0 0
15-19 64 62 94 80 38 26 6 306
20-24 73 52 87 43 23 10 2 217
25-29 32 31 31 14 9 85
30-34 13 2 9 11
35-39 4 1 1 2
40-44 3 1 1
45-49 3 0
Total 192 62 146 198 114 73 27 2 622

Integra os índices para obtenção das taxas corrigidas de fecundidade o


cálculo dos ano-mulher. Esses dados, apresentados nas tabelas 24 e 25, são
denominadores que agregam os anos vividos por uma mulher em cada faixa de
idade qüinqüenal, relacionando esse tempo com a idade ao casar; suas idades são
calculadas em anos-completos.
290

TABELA 24 - ANOS-MULHER - COORTE 1


Idade ao N° IDADE DA MÃE AO NASCIMENTO DO FILHO TOTAL
Casar Cas. 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49
10-14 1 1 5 5 5 5 5 5 5 36
15-19 91 164 358 332 314 280 256 243 1.946
20-24 65 166 227 209 192 177 156 1.126
25-29 16 43 51 45 41 40 220
30-34 5 10 15 15 15 55
35-39
40-44
45-49
Total 178 1 169 529 606 588 537 494 459 3.382
Total de rejeições: 1.123
Rejeições: 3 = 646; 4 = 374; 7 = 103

TABELA 25 - ANOS-MULHER - COORTE 2


Idade ao N° IDADE DA MAE AO NASCIMENTO DO FILHO TOTAL
Casar Cas. 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49
10-14
15-19 64 108 196 140 114 89 50 11 708
20-24 73 155 182 135 97 60 29 659
25-29 32 82 79 48 37 27 272
30-34 13 26 24 20 18 89
35-39 4 6 14 8 28
40-44 2 6 3 9
45-49 4 6 6
Total 192 108 351 404 354 265 186 102 1.770
Total de rejeições: 560
Rejeições: 3 = 381; 4 = 127; 5 = 5; 7 = 43; 8 = 4

Com base nos índices apontados nas tabelas anteriores, o SYGAP pôde,
finalmente, calcular as taxas de fecundidade legítima corrigidas. Assim, os números
apresentados nas tabelas 26 e 27 são resultantes das diversas operações efetuadas
para construir as tabelas que as antecederam (tabelas 14/15, 16/17, 18/19, 20/21,
22/23, 24/25) e que lhes são complementares. A taxa de fecundidade legítima
deriva, então, de uma relação entre os nascimentos totais e os anos-mulher, cujo
resultado é corrigido pelo fator 1.000. Deve ser observado que a última coluna das
tabelas 26 e 27 apresenta tanto a descendência completa por grupos de idades das
mães quanto a descendência completa média.
291

TABELA 26 - TAXA CORRIGIDA DE FECUNDIDADE LEGÍTIMA (0/00) - COORTE 1


Idade ao N° IDADE DA MÃE AO NASCIMENTO DO FILHO Descendência
Casar Cas. 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 completa
10-14 1 0 600 400 200 800 400 200 0 13,0
15-19 91 530 534 419 354 339 133 25 10,1
20-24 65 452 423 354 292 136 13 7,2
25-29 16 279 353 311 122 25 4,8
30-34 5 100 333 533 0 4,5
35-39 0 0,0
40-44 0 0,0
45-49 0 0,0
Total 178 0 533 507 409 354 320 146 20 8,4

TABELA 27 - TAXA CORRIGIDA DE FECUNDIDADE (0/00) - COORTE 2


Idade ao N° IDADE DA MÃE AO NASCIMENTO DO FILHO Descendência
Casar Cas. 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 completa
10-14 0 0,0
15-19 64 574 480 571 333 292 120 0 10,0
20-24 73 335 478 319 237 167 69 7,1
25-29 32 378 392 292 243 0 5,6
30-34 13 77 375 0 0 2,0
35-39 4 167 71 0 0,6
40-44 2 167 0 0,5
45-49 4 0 0,0
Total 192 0 574 416 490 322 375 145 20 7,1

3.4 INTERVALO ENTRE OS FILHOS

3.4.1 Intervalos protogenésicos


Os intervalos protogenésicos referem-se ao período, em meses completos,
entre o casamento e o primeiro nascimento segundo o grupo de idade das mães.
Somente os casais que apresentam datas exatas para a união (DATEM 1) e o
nascimento do primeiro filho (DATEN 1) são conservadas nos cálculos desse intervalo.

As uniões retidas para o cálculo dos intervalos protogenésicos são as que


tem duração igual ou maior que cinco anos.
Para os cálculos dos intervalos protogenésicos e intergenésicos, o SYGAP

rejeita as seguintes uniões:


a) Rejeição 1: A união não está cadastrada no fichário de uniões;
292

b) Rejeição 2: A data de casamento dessa união é desconhecida;


c) Rejeição 3: A união tem data de casamento que não corresponde à da
certidão de casamento;
d) Rejeição 4: A duração da união não pode ser calculada ou é inferior a
cinco anos;
e) Rejeição 5: A união possui ao menos um filho concebido antes do
casamento;
f) Rejeição 6: A união possui um filho concebido antes do casamento;
g) Rejeição 7: A união não tem mulher;
h) Rejeição 8: A união tem uma mulher que não tem data de nascimento
conhecida. Todos os tipos de data de nascimento são retidas;
i) Rejeição 9: O primeiro filho não tem data de nascimento conhecida ou
pelo menos um dos filhos da união tem uma data de nascimento
desconhecida;
j) Rejeição 10: A união não teve filhos.
Como os intervalos protogenésicos referem-se à medida, em meses
completos, entre o casamento e o primeiro nascimento, segundo o grupo de idade ao
casar da mãe, o algorítimo produz três tabelas. As duas primeiras (tabelas 28/29 e
30/31) mostram os intervalos médios segundo o grupo de idade da mãe e seu estado
matrimonial ao casar. Essas médias são obtidas para o conjunto dos intervalos
(coluna "méd") e para os intervalos estritamente inferiores a 61 meses (coluna méd*).
A terceira tabela (32/33) fornece a distribuição, em números absolutos e relativos,
dos intervalos protogenésicos segundo a extensão, em meses completos, até 60
meses, e por reagrupamentos além de 60 meses.
293

TABELA 28 - INTERVALOS PROTOGENÉSICOS - COORTE 1


CELIBATÁRIOS VIÚVOS
Idade N° % de Intervalos Intervalos N° de % de Intervalos Intervalos
ao casar inter. 8-llm 12m.+ méd* méd interv. 8-llm. 12m.+ méd* méd
10-14 1 0,00 100,00 12,00 12,00 0,00 0,00 0,00 0,00
15-19 114 29,82 70,18 17,01 22,50 0,00 0,00 0,00 0,00
20-24 77 35,06 64,94 18,08 22,83 0,00 0,00 0,00 0,00
25-29 26 23,08 76,92 24,08 29,35 1 0,00 100,00 17,00 17,00
30-34 7 28,57 71,43 27,17 34,00 1 0,00 100,00 0,00 91,00
35-39 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
40-44 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
45-49 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Total 225 30,67 69,33 18,47 23,72 2 0,00 100,00 17,00 54,00
Rejeições: 3 = 101; 4 = 102; 5 = 8; 6 = 24; 8 = 795; 9 = 9; 10 = 35
méd*: intervalo de 60 meses ou menos.

TABELA 29 - INTERVALOS PROTOGENÉSICOS - COORTE 2


CELIBATÁRIOS VIÚVOS
Idade N° % de Intervalos Intervalos N° % de Intervalos Intervalos
ao casar inter. 8-llm 12m.+ méd* méd inter. 8-llm. 12m.+ méd* méd
10-14 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
15-19 39 30,77 69,23 18,43 26,05 0,00 0,00 0,00 0,00
20-24 46 41,30 58,70 12,94 32,52 0,00 0,00 0,00 0,00
25-29 16 31,25 68,75 19,47 22,06 0,00 0,00 0,00 0,00
30-34 6 16,67 83,33 25,83 25,83 0,00 0,00 0,00 0,00
35-39 1 0,00 100,00 23,00 23,00 0,00 0,00 0,00 0,00
40-44 1 0,00 10,00 35,00 35,00 0,00 0,00 0,00 0,00
45-49 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Total 109 33,94 66,06 17,19 28,24 0,00 0,00 0,00 0,00
Rejeições: 3 = 234; 4 = 31; 5 = 8; 6 = 9; 8 = 211; 9 = 4; 10 = 47
méd*: intervalo de 60 meses ou menos.

TABELA 30 - CONJUNTO DOS INTERVALOS PROTOGENÉSICOS - COORTE 1


Idade ao N° % de Intervalos Intervalos
casar intervalos 8-11 meses 12 meses+ méd* méd
10-14 1 0,00 100,00 12,00 12,00
15-19 114 29,82 70,18 17,01 22,50
20-24 77 35,06 64,94 18,08 22,83
25-29 27 22,22 77,78 23,80 28,89
30-34 8 25,00 75,00 27,17 41,13
35-39 0 0,00 0,00 0,00 0,00
40-44 0 0,00 0,00 0,00 0,00
45-49 0 0,00 0,00 0,00 0,00
Total 227 30,40 69,60 18,46 23,98
TABELA 31 - CONJUNTO DOS INTERVALOS PROTOGENÉSICOS - COORTE 2
Idade ao N° % de Intervalos Intervalos
casar intervalos 8-11 meses 12 meses+ méd* méd
10-14 0 0,00 0,00 0,00 0,00
15-19 39 30,77 69,23 18,43 26,05
20-24 46 41,30 58,70 12,94 32,52
25-29 16 31,25 68,75 19,47 22,06
30-34 6 16,67 83,33 25,83 25,83
35-39 1 0,00 100,00 23,00 23,00
40-44 1 0,00 100,00 35,00 35,00
45-49 0 0,00 0,00 0,00 0,00
Total 109 33,94 66,06 17,19 28,24

TABELA 32 - INTERVALO PROTOGENÉSICO, A PARTIR DE 8 MESES - COORTE 1


Intervalo N° % Intervalo N° % Intervalo N° %
8 4 1,76 28 4 1,76 48 2 0,88
9 15 6,61 29 2 0,88 49 1 0,44
10 26 11,45 30 1 0,44 50 3 1,32
11 24 10,57 31 1 0,44 51 0 0,00
12 20 8,81 32 1 0,44 52 0 0,00
13 16 7,05 33 2 0,88 53 2 0,88
14 12 5,29 34 1 0,44 54 0 0,00
15 6 2,64 35 0 0,00 55 0 0,00
16 8 3,52 36 0 0,00 56 0 0,00
17 8 3,52 37 1 0,44 57 0 0,00
18 3 1,32 38 2 0,88 58 1 0,44
19 7 3,08 39 0 0,00 59 2 0,88
20 4 1,76 40 1 0,44 60 0 0,00
21 1 0,44 41 1 0,44 61-72 2 0,88
22 4 1,76 42 2 0,.88 73-84 6 2,64
23 6 2,64 43 1 0,44 85-96 5 2,20
24 1 0,44 44 0 0,00 97-108 1 0,44
25 5 2,20 45 0 0,00 109-120 3 1,32
26 2 0,88 46 0 0,00 121-132 1 0,44
27 3 1,32 47 3 1,32 133 e + 0 0,00
295

TABELA 33 - INTERVALO PROTOGENÉSICO, A PARTIR DE 8 MESES - COORTE 2


Intervalo N° % Intervalo N° % Intervalo N° %
8 1 0,92 28 0 0,00 48 1 0,92
9 16 14,68 29 3 2,75 49 0 0,00
10 15 13,76 30 1 0,92 50 0 0,00
11 5 4,59 31 2 1,83 51 0 0,00
12 7 6,42 32 0 0,00 52 0 0,00
13 7 6,42 33 0 0,00 53 0 0,00
14 2 1,83 34 0 0,00 54 0 0,00
15 4 3,67 35 3 2,75 55 0 0,00
16 3 2,75 36 0 0,00 56 0 0,00
17 3 2,75 37 0 0,00 57 0 0,00
18 5 4,59 38 0 0,00 58 1 0,92
19 2 1,83 39 0 0,00 59 1 0,92
20 3 2,75 40 1 0,92 60 1 0,92
21 1 0,92 41 0 0,00 61-72 4 3,67
22 2 1,83 42 0 0,00 73-84 6 5,50
23 2 1,83 43 0 0,00 85-96 0 0,00
24 1 0,92 44 0 0,00 97-108 1 0,92
25 1 0,92 45 0 0,00 109-120 1 0,92
26 0 0,00 46 0 0,00 121-132 1 0,92
27 0 0,00 47 0 0,00 133 e + 2 1,83

3.4.2. Intervalo intergenésicos


Os primeiros intervalos intergenésicos são deduzidos subtraindo a data do
segundo nascimento da data do primeiro nascimento. Somente as uniões que têm
ambas as datas exatas, ou seja DATEN 1e DATEM 1, são retidas. Todas as seleções
expostas para os intervalos protogenésicos se aplicam, com exceção da rejeição 10 e
da inclusão de mais uma rejeição:

a) Rejeição 10: A união não tem filhos ou tem apenas um;


b) Rejeição 11: O segundo filho não tem data de nascimento conhecida.
Essa função gera duas tabelas (34/35 e 36/37) que permitem a
discriminação segundo o estado matrimonial da mulher ao casar. Os intervalos
protogenésicos médios e os primeiros intervalos intergenésicos médios são
mostrados segundo o grupo de idade da mulher ao casar. As médias são calculadas
distinguindo-se o conjunto de intervalos e aqueles que são inferiores a 61 meses. A
diferença entre os primeiros intervalos (diff*) e os intervalos protogenésicos (diff) é
igualmente calculada.
296

TABELA 34 - PRIMEIRO INTERVALO INTERGENÉSICO-CONJUNTO - COORTE 1


Idade ao N° Intervalo Protogenésico Primeiro intervalo Diff* Diff
casar intervalos méd* médio méd* méd
10-14 1 12,00 12,00 22,00 22,00 10,00 10,00 .
15-19 106 17,04 20,27 28,00 29,40 10,96 9,12
20-24 72 18,04 19,29 31,42 31,19 13,38 11,90
25-29 25 24,42 27,40 33,13 34,88 8,71 7,48
30-34 5 24,60 24,60 23,60 23,60 -1,00 -1,00
35-39 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
40-44 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
45-49 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Total 18,44 20,85 29,68 30,50 11,24 9,65
Rejeições: 3 = 101; 4 = 102; 5 = 8; 6 = 24; 8 = 795; 9 = 7; 10 = 49; 11 = 6
méd*: intervalo de 60 meses ou menos.

TABELA 35 - PRIMEIRO INTERVALO INTERGENÉSICO-CONJUNTO - COORTE 2


Idade ao N° Intervalo Protogenésico Primeiro intervalo Diff* Diff
casar intervalos méd* médio méd* méd
10-14 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
15-19 35 18,55 23,23 22,58 23,34 4,03 0,11
20-24 40 12,94 22,65 24,62 28,33 11,68 5,68
25-29 15 20,00 22,73 26,86 30,53 6,86 7,80
30-34 5 27,60 27,60 16,20 16,20 -11,40 -11,40
35-39 1 23,00 23,00 36,00 36,00 13,00 13,00
40-44 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
45-49 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Total 17,16 23,14 23,85 26,30 6,69 3,17
Rejeição: 3 = 234; 4 = 131; 5 = 8; 6 = 24; 8 = 211; 9 = 4; 10 = 57; 11 = 3
méd*: intervalo de 60 meses ou menos.

TABELA 36 - PRIMEIRO INTERVALO DMTERGENÉSICO-CELIBATÁRIOS - COORTE 1


Idade ao N° Intervalo Protogenésico Primeiro intervalo Diff* Diff
casar intervalos méd* méd méd* méd
10-14 1 12,00 12,00 22,00 22,00 10,00 10,00
15-19 106 17,04 20,27 28,00 29,40 10,96 9,12
20-24 72 18,04 19,29 31,42 31,19 13,38 11,90
25-29 24 24,74 27,83 31,17 33,08 6,43 5,25
30-34 5 24,60 24,60 23,60 23,60 -1,00 -1,00
35-39 0 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
40-44 0 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
45-49 0 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Total 208 18,45 20,87 29,44 30,27 11,00 9,40
Rejeições: 3 = 101; 4 = 102; 5 =8; 6 = 24; 8 = 795; 9 = 7; 10 = 49; 1 1 = 6
méd*: intervalo de 60 meses ou menos.
297

TABELA 37 - PRIMEIRO INTERVALO INTERGENÉSICO-CELIBATÁRIOS - COORTE 2


Idade ao N° Intervalo Protogenésico Primeiro intervalo Diff* Diff
casar intervalos méd* méd méd* méd
10-14 0 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
15-19 35 18,55 23,23 22,58 23,34 4,03 0,11
20-24 40 12,94 22,65 24,62 28,33 11,68 5,68
25-29 15 20,00 22,73 26,86 30,53 6,86 7,80
30-34 5 27,60 27,60 16,20 16,20 -11,40 -11,40
35-39 1 23,00 23,00 36,00 36,00 13,00 13,00
40-44 0 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
45-49 0 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
Total 96 17,16 23,14 23,85 26,30 6,69 3,17
Rejeições: 3 = 234; 4 = 131; 5 = 8; 6 = 9; 8 = 211; 9 = 4; 10 = 57; 11 = 3
méd*: intervalo de 60 meses ou menos.

3.4.3 Intervalos sucessivos


Essa função calcula a extensão média dos primeiros intervalos sucessivos,
segundo o grupo de idade ao casar da mãe e a duração média dos últimos intervalos
sucessivos, segundo o grupo de idade ao casar da mãe. Finalmente, calcula a
extensão média dos intervalos sucessivos para as uniões de todos os tamanhos,
segundo o grupo de idade da mãe ao casar. Para evitar armadilhas inerentes a esse
tipo de análise, as uniões selecionadas devem ter ao menos seis filhos. Além disso,
para os cálculos cujo rol de filhos é inferior a seis, a união deve ter ata de casamento
(DATEM 1). Os intervalos são calculados somente para os casos em que as duas datas
de nascimento são exatamente conhecidas, estando assim na categoria DATEN 1.

a) Rejeição 1: O número da união no fichário de entrada não existe no


registro de população;
b) Rejeição 2: A data de casamento dessa união é desconhecida;
c) Rejeição 3: A união possui uma data de casamento que não corresponde
à da ata do casamento;
d) Rejeição 4: A união possui ao menos um filho nascido antes do
casamento;
e) Rejeição 5: A união possui ao menos um filho sem data de nascimento;
298

f) Rejeição 6: A união não tem mulher;


g) Rejeição 7: A união tem uma mulher que não tem data de nascimento

conhecida;
h) Rejeição 8: A união não tem ao menos 6 filhos.
Continuando o estudo dos intervalos genésicos, as tabelas 38 e 39
apresentam os intervalos médios, em meses completos, para os quatro primeiros
intervalos entre os nascimentos, segundo o grupo de idade da mãe ao casar (salvo
para o último grupo). O número de uniões não corresponde necessariamente ao
número de casos retidos para o cálculo de cada intervalo; o algorítimo pode ter
rejeitado uniões se algum dos dois nascimentos implicados não teve a data precisa e
pode tê-los conservado para os dados seguintes.

TABELA 38 - PRIMEIROS INTERVALOS SUCESSIVOS - COORTE 1


Idade ao Número de Intervalos Médios
casar uniões 1-2 2-3 3-4 4-5
10-14 1 22,00 5,00 74,00 12,00
15-19 78 23,24 25,65 28,69 26,34
20-24 40 26,49 27,72 30,21 33,54
25-29 8 25,13 22,88 36,38 28,88
30-49
Total 127 24,39 25,95 30,04 28,61
Rejeições: 3 = 101; 4 = 8; 7 = 807; 8 = 258

TABELA 39 - PRIMEIROS INTERVALOS SUCESSIVOS -COORTE 2


Idade ao Número de Intervalos Médios
casar uniões 1-2 2-3 3-4 4-5
10-14
15-19 20 20,71 31,11 24,89 29,84
20-24 14 25,07 36,14 27,07 24,57
25-29 5 22,20 21,00 14,40 22,40
30-49
Total 39 22,61 31,65 24,32 26,92
Rejeições: 3 = 234; 4 = 8; 7 = 211; 8 = 261

As tabelas 40 e 41 apresentam os intervalos médios, em meses completos


para os quatro últimos intervalos entre os nascimentos, segundo a idade da mãe ao
casar (salvo para o último grupo). Da mesma forma que nas tabelas 38 e 39, o
299

número de uniões não corresponde necessariamente ao número de casos retidos para


o cálculo de cada intervalo; o algorítimo pode ter rejeitado uniões se algum dos dois
nascimentos implicados não teve a data precisa e pode tê-los conservado para os
dados seguintes.

TABELA 40 - ÚLTIMOS INTERVALOS SUCESSIVOS - COORTE 1


Idade ao Número de Intervalos Médios
casar uniões AAAU AAU AU U
10-14 1 14,00 47,00 26,00 25,00
15-19 43 31,00 31,49 28,80 46,62
20-24 27 30,46 29,04 33,74 42,74
25-29 3 34,67 24,00 31,33 35,00
30-49
Total 74 30,72 30,47 30,75 44,41
Rejeições: 3 = 887; 4 = 254; 5 = 866

TABELA 41 - ÚLTIMOS INTERVALOS SUCESSIVOS - COORTE 2


Idade ao Número de Intervalos Médios
casar uniões AAAU AAU AU U
10-14
15-19 22 28,45 28,00 33,23 28,82
20-24 16 28,80 27,06 28,88 33,06
25-29 5 21,40 16,60 20,60 18,00
30-49 1 4,00 14,00 35,00 31,00
Total 44 27,12 26,00 30,25 29,18
Rejeições: 3 = 212; 4 = 315; 5 = 182

Uma última medida de intervalos intergenésicos é efetuada sobre as uniões


de todos os tamanhos (tabelas 42 e 43) tendo como especificidade o fato das uniões
não necessitarem possuir uma ata de casamento (DATEM 1) ou data de fim de união
(DATEFU 1, 2 ou 3) para serem incluídas nos cálculos. Com efeito, esse algorítimo
mede os intervalos médios entre todos os nascimento observados. Esse tipo de
procedimento produz resultados cuja explicação exige prudência em razão de
possíveis distorções.
a) Rejeição 1: O número da união no fichário de entrada não existe no
registro de população;
300

b) Rejeição 2: A união não tem mulher;


c) Rejeição 3: A união possui menos de dois filhos.
Os resultados das tabelas 42 e 43 afixam os seis primeiros intervalos médios
em meses completos entre os nascimentos recenseado relacionando esses intervalos
com o tamanho da família.

TABELA 42 - INTERVALOS ENTRE OS NASCIMENTOS RECENSEADOS - COORTE 1

N° total Número de Intervalos médios


filhos uniões 1-2 2-3 3-4 4-5 5-6 6-7
2 146 49,26
3 137 38,87 50,29
4 109 37,24 43,49 46,89
5 87 25,38 33,63 38,92 37,98
6 85 27,78 33,34 33,38 34,11 39,58
7+ 264 24,36 25,88 27,75 27,87 30,23 31,50
Total 828 33,03 35,04 33,70 30,74 32,33 31,50
Rejeição: 4 = 473

TABELA 43 - INTERVALOS ENTRE OS NASCIMENTOS RECENSEADOS - COORTE 2


N° total Número de Intervalos médios
fílhos uniões 1-2 2-3 3-4 4-5 5-6 6-7
2 87 33,85
3 48 27,26 33,11
4 40 26,30 33,00 35,51
5 25 29,52 33,58 36,76 37,72
6 17 27,75 30,13 24,65 27,94 30,29
7+ 37 21,35 28,11 23,66 26,37 28,11 26,68
Total 254 28,76 31,77 30,61 30,40 28,80 26,68
Rejeição: 4 = 499

3.5 IDADE MÉDIA DA MÃE NO ÚLTIMO NASCIMENTO

A idade da mãe no último nascimento é obtida subtraindo a data de


nascimento dessa criança à da sua mãe. A diferença obtida em dias é convertida em
anos dividindo-a por 365,25:
a) Rejeição 1: A união não tem data de casamento conhecida ou o código de
união não é válido;
b) Rejeição 2: A união não tem data de fim de união;
301

c) Rejeição 3: A data de nascimento da mãe é desconhecida;


d) Rejeição 4: A união teve fim de união quando a mulher tinha menos de
45 anos;
e) Rejeição 5: A união não teve filhos;
f) Rejeição 6: O código da data de nascimento do último filho não é válido;
g) Rejeição 7: A mulher teve filho com 50 anos ou mais.
O algorítimo produz uma tabela em que a idade média das mães no último
parto é repartida segundo o grupo de idade ao casar dessas mulheres. Uma idade
média é calculada para o conjunto das mulheres e para todos os grupos de idade.

TABELA 44 - IDADE MÉDIA DA MÃE NO ÚLTIMO NASCIMENTO - COORTE 1


Idade ao Número de Idade Idade ao Número de Idade
casar fichas média Casar fichas média
10-14 1 41,77 10-19 51 40,05
15-19 50 40,02
20-24 32 40,17 20-29 40 40,21
25-29 8 40,37
30-34 3 39,93 30-49 3 39,93
35-39
40-44
45-49
Total 94 40,11 Total 94 40,11
Total de rejeições: 1.207
Rejeições: 1 = 646; 2 = 374; 3 = 103; 4 = 84

TABELA 45 - IDADE MÉDIA DA MÃE NO ÚLTIMO NASCIMENTO - COORTE 2


Idade ao Número de Idade Idade ao Número de Idade
Casar fichas média Casar fichas média
10-14 10-19 3 38,34
15-19 3 38,34
20-24 8 41,54 20-29 14 40,96
25-29 6 40,19
30-34 3 36,82 30-49 5 39,34
35-39 1 42,30
40-44 1 43,93
45-49
Total 22 40,24 Total 22 40,24
Total de rejeições: 731
Rejeições: 1 = 382; 2 = 127; 3 = 44; 4 = 168; 5 = 8; 6 = 2
302

3.6 DISTRIBUIÇÃO DAS FAMÍLIAS SEGUNDO O NÚMERO DE


FILHOS

A medida do número médio de filhos efetua-se geralmente com as famílias


que têm uma data de casamento (DATEM 1) e de fim de união (DATEFU) exatamente
conhecidas. O algorítimo de cálculo efetua igualmente a operação para as outras
uniões e isso, unicamente a título indicativo. Todas as crianças são retidas
independente do código da data de seu nascimento. São rejeitadas apenas os casais
cuja esposa não possua data de nascimento conhecida ou cuja data de casamento não
exista.

As tabelas 46 e 47 fornecem o número médio de filhos das uniões das quais


se sabe ou não a data do fim da união. A repartição dos dados é realizada segundo o
grupo de idades ao casar da mãe.

TABELA 46 - NÚMERO MÉDIO DE FILHOS NAS FAMÍLIAS, SEGUNDO A IDADE AO


CASAR DA MULHER - COORTE 1
Fichas fechadas Fichas abertas Conjunto
Idade ao Número de Média de Número de Média de Número de Média de
casar fichas filhos fichas filhos fichas filhos
10-14. 1 13,00 1 2,00 2 7,50
15-19 91 6,46 86 3,88 177 5,21
20-24 65 4,69 80 2,68 145 3,58
25-29 16 3,13 28 2,82 44 2,93
30-34 5 1,60 11 1,91 16 1,81
35-39 1 0,00 1 0,00
40-44 2 0,00 2 0,00
45-49
50 ou +
Total 178 5,42 209 3,11 387 4,17
Rejeições: 646; 268
303

TABELA 47 - NÚMERO MÉDIO DE FILHOS NAS FAMÍLIAS, S E G U N D O A IDADE AO


CASAR DA MULHER - COORTE 2
Fichas fechadas Fichas abertas Conjunto
Idade ao Número de Média de Número de Média de Número de Média de
casar fichas filhos fichas filhos fichas filhos
10-14.
15-19 64 3,72 30 1,20 94 2,91
20-24 76 2,59 40 1,30 116 2,15
25-29 32 2,66 16 1,38 48 2,23
30-34 14 1,00 7 2,14 21 1,38
35-39 4 0,50 7 0,43 11 0,45
40-44 3 0,33 1 0,00 4 0,25
45-49 3 0,00 3 0,00 6 0,00
50 ou + 4 0,00 3 0,00 7 0,00
Total 200 2,69 107 1,20 307 2,17
Rejeições: 382; 64

3.7 MASCULINIDADE DOS NASCIMENTOS

Essa função de cálculo produz tabelas que mostram a distribuição dos


nascimentos, em valores absolutos e relativos, segundo o sexo. Uma razão de
masculinidade é igualmente deduzida, colocando-se em relação os nascimentos
masculinos e os femininos. Para esses cálculos são utilizadas todas as fichas do
arquivo.

TABELA 48 - MASCULINIDADE DOS NASCIMENTOS - COORTE 1


Nascimentos Números absolutos Porcentagem
Sexo masculino 2.413 49,96
Sexo feminino 2.417 50,04
Sexo indeterminado 0,00
Conjunto 4.830 100,00
Razão de masculinidade = 99,83

TABELA 49 - MASCULINIDADE DOS CASAMENTOS - COORTE 2


Nascimentos Números absolutos Porcentagem
Sexo masculino 594 49,21
Sexo feminino 613 50,79
Sexo indeterminado 0,00
Conjunto 1.207 100,00
Razão de masculinidade = 96,90
304

3.8 SAZONALIDADE DOS NASCIMENTOS

Para a observação do movimento mensal dos nascimentos, o SYGAP

distingue entre os primeiros nascimentos e os demais, pois, em regimes de

fecundidade natural, o mês dos primeiros nascimentos depende do mês do

casamento.

Para os cálculos que resultam nessas tabelas, as uniões cuja ata de

casamento são desconhecidas ou que tenham ao menos um filho nascido antes do

casamento são rejeitadas. Os filhos retidos devem, além disso, possuir uma data

exata de nascimento (DATEM 1). Para as uniões em que há ao menos uma criança sem

data de nascimento conhecida, o algorítimo não leva, igualmente, em conta o

primeiro filho e classifica todos os outros filhos.

As tabelas 50 e 51 apresentam isoladamente o movimento mensal de

concepções e nascimentos dos primogênitos e a distribuição das demais concepções e

nascimentos. Fornece, tanto para os primeiros nascimentos quanto para os demais,

uma distribuição em valores absolutos relacionado com os meses de concepção e

nascimento, cuja razão é também calculada em relação a 1.200.


TABELA 50 - MOVIMENTO MENSAL DAS CONCEPÇÕES E D O S N A S C I M E N T O S - COORTE 1
Nascimentos Concepções Primeiro Nascimento Outros Conjunto
N° abs. Rel. N° abs. Rel. N° abs. Rel.
Jan Abr 42 108 164 97 206 99
Fev Maio 25 64 160 94 185 89
Mar Jun 47 121 157 93 204 98
Abr Jul 28 72 145 86 173 83
Maio Ago 48 123 180 106 228 109
Jun Set 45 115 173 102 218 105
Jul Out 41 105 178 105 219 105
Ago Nov 40 103 179 106 219 105
Set Dez 35 90 160 94 195 94
Out Jan 38 97 196 116 234 112
Nov Fev 40 103 173 102 213 102
Dez Mar 39 100 168 99 207 99
Total 468 1.200 2.033 1.200 2.501 1.200
Total de uniões: 481
Rejeições de uniões: 820
Total de nascimentos: 2.501
Rejeições de nascimentos: 224
305

TABELA 51 - MOVIMENTO MENSAL DAS CONCEPÇÕES E DOS NASCIMENTOS - COORTE 2

Nascimentos Concepções Primeiro Nascimento Outros Conjunto


N° abs. Rel. N° abs. Rel. N° abs. 1 Rel.
Jan Abr 14 88 44 105 58 100
Fev Maio 18 114 30 72 48 83
Mar Jun 16 101 49 117 65 113
Abr Jul 14 88 38 91 52 90
Maio Ago 19 120 45 107 64 111
Jun Set 13 82 50 119 63 109
Jul Out 21 133 41 98 62 107
Ago Nov 16 101 44 105 60 104
Set Dez 17 107 49 117 66 114
Out Jan 17 107 41 98 58 100
Nov Fev 16 101 36 86 52 90
Dez Mar 9 57 36 86 45 78
Total 190 1.200 503 1.200 693 1.200
Total de uniões: 195
Rejeições de uniões: 558
Total de nascimentos: 693
Rejeições de nascimentos: 61
4 A ANÁLISE DEMOGRÁFICA DA NUPCIALIDADE

4.1 TÁBUA DE NUPCIALIDADE

A nupcialidade dos celibatários é representada sob a forma de tábua de


nupcialidade, segundo o sexo a partir de 10 anos e por grupo de idades qüinqüenal.
Os recasamentos não são considerados.

Os indivíduos submetidos sofrem dez tipos de rejeições:


a) Rejeição 1: O número do indivíduo no fichário de entrada não existe no
fichário de registro de população;
b) Rejeição 2: O sexo do indivíduo é diferente do escolhido para a análise;
c) Rejeição 3: A data do nascimento do indivíduo é desconhecida;
d) Rejeição 4: O código da data de nascimento é inválido;
e) Rejeição 5: A data de morte do indivíduo é desconhecida.
f) Rejeição 6: O código da data de óbito é inválido;
g) Rejeição 7: O indivíduo morreu antes dos 10 anos;
h) Rejeição 8: O indivíduo não migrou celibatário;
i) Rejeição 9: O indivíduo migrou depois de 70 anos;
j) Rejeição 10: O indivíduo migrou antes dos 10 anos.
307

TABELA 52 - TÁBUA DE NUPCIALIDADE DOS CELIBATÁRIOS - COORTE 1


Idade ao Entradas Saídas Casamentos Efetivo de Divisor Quociente Freqüência Casamentos
casar entrada do celibato da tábua
10-14 4 87 85,0 0,000 1.000 0
15-19 6 25 83 80,0 0,313 1.000 313
20-24 5 19 52 49,5 0,384 688 264
25-29 5 8 28 25,5 0,314 424 133
30-34 4 15 13,0 0,000 291 0
35-39 3 11 9,5 0,000 291 0
40-44 2 8 7,0 0,000 291 0
45-49 1 6 5,5 0,000 291 0
50-54 1 5 4,5 0,000 291 0
55-59 2 4 3,0 0,000 129 0
60-64 2 2,0 0,000 291 0
65-59 2 2,0 0,000 291 0
Total 0 33 52
Celibato definitivo: 291
Rejeições: 2 = 4.343; 4 = 1.596; 5 = 1.643; 6 = 795; 7 = 203
Total: 8.580

TABELA 53 - TÁBUA DE NUPCIALIDADE DOS CELIBATÁRIOS - COORTE 2


Idade ao Entradas Saídas Casamentos Efetivo de Divisor Quociente Freqüência Casamentos
casar entrada do celibato da tábua
10-14 4 87 85,0 0,000 1.000 0
15-19 5 3 83 80,5 0,037 1.000 37
20-24 7 2 75 71,5 0,028 963 27
25-29 10 2 66 61,0 0,033 936 31
30-34 12 54 48,0 0,000 905 0
35-39 4 42 40,0 0,000 905 0
40-44 4 1 38 36,0 0,028 905 25
45-49 4 33 31,0 0,000 880 0
50-54 8 29 25,0 0,000 880 0
55-59 9 21 16,5 0,000 880 0
60-64 7 12 8,5 0,000 880 0
65-59 2 5 4,0 0,000 880 0
Total 0 76 8 880
Celibato definitivo: 880
Rejeições: 2 = 4.343; 4 = 1.596; 5 = 1.643; 6 = 795; 7 = 203
Total = 8.580

4.2 IDADES DOS CÔNJUGES

Essa função ocupa-se em relacionar as idades dos noivos. Suas idades


médias são calculadas apenas para os indivíduos em seu primeiro casamento e cuja
data de nascimento seja conhecida. Somente as uniões com data conhecida são
retidas.
308

a) Rejeição 1: O número de união no fichário de entrada não existe no


fichário de população;
b) Rejeição 2: A data de casamento dessa união é desconhecida;
c) Rejeição 3: A união possui uma data de casamento que não corresponde
à da ata de casamento.
Nas tabelas 54 e 55 os cônjuges são distribuídos por sexo e segundo seu
grupo de idades no primeiro casamento. Os casos em que um dos cônjuges não tem
data de nascimento conhecida são colocados no último grupo de idades. A
penúltima linha das tabelas apresenta tanto as idades médias, masculina e feminina,
ao casar quanto os desvios-padrão para os homens e para as mulheres.

TABELA 54 - IDADE MÉDIA DOS CÔNJUGES NO PRIMEIRO CASAMENTO - COORTE 1


Homens
Mulheres 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50+ Ind. Total
10-14 1 1 2
15-19 6 60 44 4 60 174
20-24 5 50 41 10 2 27 135
25-29 1 6 17 7 2 8 41
30-34 1 2 3 1 1 3 11
35-39 0
40-44 0
45-49 0
50+ 0
Indeterm 6 33 26 3 1 165 234
Total 0 18 150 131 27 6 1 0 0 264 597
Média dos homens: 25,4
Média das mulheres: 21,0
Desvio-padrão dos homens: 3,8
Desvio-padrão das mulheres: 3,7
Rejeições: 2 = 646; 3 = 58
309

TABELA 55 - IDADE MÉDIA D O S CÔNJUGES N O PRIMEIRO C A S A M E N T O - COORTE 2


Homens
Mulheres 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50+ Ind. Total
10-14 0
15-19 3 47 19 13 1 1 1 9 94
20-24 2 49 44 6 2 11 114
25-29 1 15 14 10 1 6 47
30-34 1 3 5 4 2 1 2 18
35-39 1 2 3 1 1 1 9
40-44 1 2 3
45-49 1 1 1 2 5
50+ 1 4 1 6
Indeterm 4 23 14 7 1 2 2 11 64
Total 0 11 137 97 42 10 3 6 9 45 361
Média dos homens: 27,5
Média das mulheres: 24,2
Desvio-padrão dos homens: 7,6
Desvio-padrão das mulheres: 7,7
Rejeições: 2 = 382; 3 = 10

4.3 ESTADO MATRIMONIAL DOS CÔNJUGES

Essa função gera uma tabela cruzada (56/57) fornecendo a distribuição


dos cônjuges, segundo o sexo e o estado matrimonial observado no casamento,
como também as porcentagens relativas ao total. O algorítimo considera que todos
os casamentos dos cônjuges estejam no registro de população.

TABELA 56 - ESTADO MATRIMONIAL DOS CÔNJUGES POR SEXO - COORTE 1


Homens
Mulheres Celibatário Viúvo Conjunto
Celibatária 1.226 39 1.265
Viúva 23 13 36
Conjunto 1.249 52 1.301

TABELA 57 - ESTADO MATRIMONIAL DOS CÔNJUGES POR SEXO - COORTE 2


Homens
Mulheres Celibatário Viúvo Conjunto
Celibatária 732 10 742
Viúva 11 11
Conjunto 743 10 753
310

4.4 IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES

A idade ao casar é calculada subtraindo-se a data do nascimento dos


cônjuges da data do casamento. A operação é efetuada para os primeiros
casamentos e para os recasamentos, indistintamente.
a) Rejeição 1: O número de união no fichário de entrada não existe no
registro de população;
b) Rejeição 2: A data de casamento é inválida ou o código não é válido.
As tabelas 58 e 59 apresentam a distribuição dos cônjuges segundo o sexo
e o grupo de idades ao casar. Os casos em que a idade ao casar é indeterminada são
colocados após o último grupo de idades. As idades médias e os desvios-padrão são
registrados na penúltima linha.

TABELA 58 - IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES AO CASAR - COORTE 1


Homens
Mulheres 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50+ Ind. Total
10-14 1 2
15-19 6 60 44 5 62 177
20-24 5 50 43 11 2 1 1 32 145
25-29 1 6 18 7 2 10 44
30-34 1 2 4 2 2 5 16
35-39 1 1
40-44 1 1 2
45-49 0
50+ 0
Indeterm 6 33 30 3 1 1 1 193 268
Total 0 18 151 138 30 7 4 2 2 303 655
Média dos homens: 25,9
Média das mulheres: 21,3
Desvio-padrão dos homens: 5,0
Desvio padrão das mulheres: 4,2
Rejeição: 2 = 646
311

TABELA 59 - IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES AO CASAR - COORTE 2


Homens
Mulheres 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50+ Ind. Total
10-14 0
15-19 3 47 19 13 1 1 1 9 94
20-24 2 49 45 6 3 11 116
25-29 1 15 14 10 2 6 48
30-34 1 4 5 5 2 1 3 21
35-39 1 2 4 1 2 1 11
40-44 1 2 1
45-49 1 1 2 2 6
50+ 1 5 1 7
Indeterm 4 23 14 7 1 2 2 11 64
Total 0 11 138 98 43 13 3 6 12 46 371
Média dos homens: 27,9
Média das mulheres: 24,5
Desvio-padrão dos homens: 8,2
Desvio-padrão das mulheres: 8,0
Rejeição: 2 = 381

Continuando a análise da nupcialidade, para efetuar as tabelas da idade


combinada dos cônjuges no primeiro nascimento (tabelas 62/63) o SYGAP retém
todos os tipos de união (MF, MO, EF E EO) e a idades combinada são calculadas
considerando-se não a variável primeiro nascimento mas o primeiro nascimento
recenseado.
A tabela fornece a distribuição dos cônjuges segundo o sexo e o grupo de
idades no primeiro nascimento. Os casos em que a idade de um dos cônjuges é
desconhecida são registrados após o último grupo de idades.
312

TABELA 60 - IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES NO PRIMEIRO NASCIMENTO


RECENSEADO - COORTE 1
Homens
Mulheres 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50+ Ind. Total
10-14 1 1 1 3
15-19 38 26 3 42 109
20-24 1 34 60 9 2 1 1 51 159
25-29 9 19 15 4 1 1 15 64
30-34 1 7 8 2 3 7 28
35-39 2 1 1 1 5 10
40-44 0
45-49 0
50+ 0
Indeterm 1 29 34 10 1 1 1 371 448
Total 0 2 112 147 47 10 6 3 2 492 821
Média dos homens: 27,2
Média das mulheres: 22,9
Desvio-padrão dos homens: 5,2
Desvio-padrão das mulheres: 4,6
Rejeições: 2 = 157; 4 = 323

TABELA 61 - IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES NO PRIMEIRO NASCIMENTO


RECENSEADO - COORTE 2
Homens
Mulheres 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50+ Ind. Total
10-14 1
15-19 1 20 13 4 2 7 47
20-24 32 40 3 2 1 23 101
25-29 11 19 12 3 3 1 11 60
30-34 4 3 3 2 1 6 19
35-39 1 1 1 5 1 1 3 13
40-44 1 1 1 2 5
45-49 0
50+ 0
Indeterm 1 23 18 13 3 1 78 137
Total 0 2 91 95 36 18 7 2 2 130 383
Média dos homens: 27,8
Média das mulheres: 24,6
Desvio-padrão dos homens: 5,8
Desvio-padrão das mulheres: 5,7
Rejeições: 2 = 329; 4 = 41

As tabelas a seguir dão a distribuição da idades combinada dos cônjuges


no último nascimento recenseado, segundo o sexo e grupo de idades dos cônjuges.
Os casos em que a idade de um dos cônjuges é desconhecida são registrados após o
último grupo de idades.
313

TABELA 62 - IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES NO ÚLTIMO NASCIMENTO


RECENSEADO - COORTE 1
Homens
Mulheres 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50+ Ind. Total
10-14 1 1 2
15-19 12 6 5 23
20-24 10 19 5 16 50
25-29 3 13 16 5 3 22 62
30-34 2 18 21 4 2 3 24 74
35-39 1 4 13 17 14 3 21 73
40-44 1 10 33 10 26 80
45-49 2 3 2 4 11
50+ 0
Indeterm 8 15 13 15 16 7 2 482 558
Total 0 0 33 57 57 54 52 59 20 601 933
Média dos homens: 36,8
Média das mulheres: 33,0
Desvio-padrão dos homens: 9,0
Desvio-padrão das mulheres: 7,9
Rejeições: 2 = 157; 4 = 211

TABELA 63 - IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES NO ÚLTIMO NASCIMENTO


RECENSEADO - COORTE 2
Homens
Mulheres 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50+ Ind. Total
10-14 1 1
15-19 1 10 2 1 1 2 17
20-24 8 22 6 2 16 54
25-29 7 15 19 4 2 12 59
30-34 3 2 11 8 4 4 1 9 42
35-39 1 2 4 8 21 2 2 10 50
40-44 4 9 6 3 4 26
45-49 1 1 2
50+ 0
Indeterm 1 12 17 15 8 5 1 82 141
Total 0 2 41 61 56 35 42 13 7 135 392
Média dos homens: 33,3
Média das mulheres: 30,3
Desvio-padrão dos homens: 8,1
Desvio-padrão das mulheres: 7,3
Rejeições: 2 = 328; 4 = 32

4.5 FREQÜÊNCIA DO RECASAMENTO E DURAÇÃO DA VIUVEZ

Somente as uniões que tenham data de fim da união válida (DATEFU 1, 2


OU 3) e cujo cônjuge sobrevivente possa ser identificado são retidas. A duração da
314

viuvez é obtida em meses completos subtraindo a data do recasamento daquela do


fim da união. Os cálculos que resultam nas tabelas 64 e 65 são efetuados unicamente
quando as duas datas implicadas são conhecidas com precisão.
a) Rejeição 1: O número da união no fichário de entrada inexiste no
fichário de população;
b) Rejeição 2: Não existe data do fim da união ou o código é inválido;
c) Rejeição 3: O sexo do cônjuge sobrevivente não pôde ser definido.
A freqüência do recasamento e a duração da viuvez em meses completos
são distribuídas segundo o sexo do cônjuge sobrevivente e o grupo de idades ao
enviuvar. Os casos em que esta idade é desconhecida, são mostrados após o último
grupo de idades.

TABELA 64 - FREQÜÊNCIA DO RECASAMENTO E DURAÇÃO DA VIUVEZ - COORTE 1


Idade Mulheres Homens
da Número Duração Número Duração
viuvez de uniões Freqüência (meses) de uniões Freqüência (meses)
10-14
15-19 13 7,69 29,00
20-24 23 4,35 32,00 1 100,00 97,00
25-29 11 9,09 40,00 2 50,00 2,00
30-34 7 28,57 51,00 3 53,33 6,00
35-39 4 0,00 2 0,00
40-44 8 0,00 2 50,00 14,00 '
45-49 5 0,00 7 57,14 15,67
50-54 25 0,00 4 0,00
55-59 25 0,00 7 14,29 6,00
60+ 24 0,00 5 0,00
Indeterm. 151 4,64 73,57 91 21,98 22,55
Total 296 4,05 59,83 124 23,39 22,25
Rejeições: 2 = 875; 3 = 6
315

TABELA 65 - FREQÜÊNCIA D O RECASAMENTO E DURAÇÃO DA VIUVEZ - COORTE 2


Idade Mulheres Homens
da Número Duração Número Duração
viuvez das uniões Freqüência (meses) das uniões Freqüência (meses)
10-14
15-19 19 5,26 6,00
20-24 52 0,00 1 0,00
25-29 29 0,00
30-34 38 2,63 40,00 1 0,00
35-39 21 4,76 32,00 2 100,00 4,00
40-44 23 0,00
45-49 20 0,00 2 0,00
50-54 9 0,00
55-59 4 0,00
60+ 1 0,00 1 0,00
Indeterm. 75 0,00 2 50,00 3,00
Total 291 1,03 26,00 9 33,33 3,67
Rejeições: 2 = 450; 3 = 2

4.6 DURAÇÃO DA UNIÃO

A duração da união é calculada subtraindo-se a data do fim da união


(DATEFU) da data do casamento (DATEM). Unicamente as uniões cujas datas de
começo e fim são conhecidas na íntegra são retidas.
a) Rejeição 1: O número da união no fichário de entrada não existe no
registro de população;
b) Rejeição 2: A data de casamento não existe ou o código de data do
casamento não é válido;
c) Rejeição 3: A data do fim da união não existe ou o código de fim da
união não é válido.
A duração média das uniões, apresentada nas tabelas 66 e 67, é calculada
segundo o sexo e o grupo de idade ao casar. Os casos em que a idade ao casar é
desconhecida aparecem na última linha das tabelas.
316

TABELA 66 - DURAÇÃO DA UNIÃO - COORTE 1


Idade ao Homens Mulheres
casar Número de uniões Duração (anos) Número de uniões Duração (anos)
10-14 1 50,98
15-19 10 32,16 91 24,87
20-24 61 22,22 65 20,70
25-29 52 20,71 16 18,15
30-34 15 19,46 5 17,94
35-39 3 20,77
40-44 2 29,58
45-49
50+
Indeterminada 138 26,08 103 26,44
Total 281 24,07 281 24,07
Rejeições: 2 = 646; 3 = 374

TABELA 67- DURAÇÃO DA UNIÃO - COORTE 2


Idade ao Homens Mulheres
casar Número de uniões Duração (anos) Número de uniões Duração (anos)
10-14
15-19 8 8,88 64 10,34
20-24 96 8,61 76 8,21
25-29 68 9,11 32 7,96
30-34 26 8,21 14 7,08
35-39 9 8,35 4 9,59
40-44 3 2,52 2 3,69
45-49 5 2,63 4 5,17
50+ 6 3,58 4 0,90
Indeterminado 23 2,64 44 4,54
Total 244 7,84 244 7,82
Rejeições: 2 = 381; 3 = 127

4.6.1 Duração fecunda da união a partir do primeiro nascimento


Essa função calcula a duração fecunda dos casais subtraindo a data do

último nascimento recenseado da data do primeiro nascimento conhecido. A s

uniões devem ter ao menos dois nascimentos.

a) Rejeição 1: O número de uniões do fichário de entrada não existe no

registro de população;

b) Rejeição 2: A união não tem, no mínimo, dois nascimentos;

c) Rejeição 3: A união comporta, ao menos, um filho sem data exata de

nascimento ou sem código de nascimento válido.


317

A duração fecunda média das uniões é calculada segundo o sexo e o


grupo dé idades no primeiro nascimento.

TABELA 68 - DURAÇÃO FECUNDA DA UNIÃO A PARTIR DO PRIMEIRO NASCIMENTO -


COORTE 1
Idade no primeiro Homens Mulheres
nascimento Número de uniões Duração (anos) Número de uniões Duração (anos)
10-14 1 5,09
15-19 1 3,47 85 16,16
20-24 83 12,01 127 13,05
25-29 124 12,49 46 9,69
30-34 38 10,96 17 5,93
35-39 5 6,39 4 5,02
40-44 5 8,42
45-49 1 6,56
50+ 1 9,20
Indeterminada 336 13,24 314 12,43
Total 594 12,63 594 12,63
Rejeições: 2 = 473; 3 = 234

TABELA 69 - DURAÇÃO FECUNDA DA UNIÃO A PARTIR DO PRIMEIRO NASCIMENTO -


COORTE 2
Idade no primeiro Homens Mulheres
nascimento Número de uniões Duração (anos) Número de uniões Duração (anos)
10-14 33 11,05
15-19 65 7,80 72 8,44
20-24 75 7,76 42 7,29
25-29 20 8,92 10 5,65
30-34 11 5,55 6 3,04
35-39 5 6,37
40-44
45-49
50+ 1 11,38
Indeterminada 64 6,98 78 5,96
Total 241 7,54 241 7,54
Rejeições: 2 = 498; 3 = 13

4.6.2 Duração fecunda da união a partir do casamento


Essa função calcula a duração fecunda dos matrimônios subtraindo a data
do último nascimento recenceado da data do casamento. Essas datas devem ser
conhecidas na íntegra.
a) Rejeição 1: O número da união no fichário de entrada não existe no
fichário de população;
318

b) Rejeição 2: A união não tem data de casamento ou código válido;


c) Rejeição 3: A união não tem filhos;
d) Rejeição 4: A união possui ao menos um filho sem data exata ou com
código inválido.
A duração fecunda média da união é calculada segundo o sexo e o grupo
de idades ao casar. Os casos cuja idade ao casar são desconhecidos aparecem após o
último grupo de idades.

TABELA 70 - DURAÇÃO FECUNDA DA UNIÃO A PARTIR D O C A S A M E N T O - COORTE 1


Idade ao Homens Mulheres
casar Número de uniões Duração (anos) Número de uniões Duração (anos)
10-14 2 14,05
15-19 16 15,95 146 14,84
20-24 117 10,86 106 11,91
25-29 107 12,91 33 9,65
30-34 21 11,10 11 5,22
35-39 4 11,24
40-44 2 7,93
45-49
50+ 1 10,51
Indeterminada 233 14,61 203 13,70
Total 501 13,20 501 13,20
Rejeições: 2 = 646; 3 = 136; 4 = 18

TABELA 71 - DURAÇÃO FECUNDA DA UNIÃO A PARTIR D O C A S A M E N T O - COORTE 2


Idade ao Homens Mulheres
casar Número de uniões Duração (anos) Número de uniões Duração (anos)
10-14
15-19 8 7,76 62 9,45
20-24 94 7,87 71 8,34
25-29 62 8,59 29 7,64
30-34 19 8,77 12 3,98
35-39 6 4,93 4 2,51
40-44 1 2,90 1 2,90
45-49 1 2,28
50+ 1 3,93
Indeterminada 20 5,48 33 5,74
Total 212 7,78 212 7,78
Rejeições: 2 = 381; 3 = 159
5 SEXO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE

O sexo do cônjuge sobrevivente é deduzida das uniões com data de fim de


união que corresponde à data de óbito do primeiro cônjuge a falecer.
a) Rejeição 1: O número da união no fichário de entrada não existe dentro
do registro de população;
b) Rejeição 2: A data do fim da união inexiste ou o código da data do fim
da união não é válido;
c) Rejeição 3: O sexo do cônjuge sobrevivente não pode ser deduzido.
A primeira coluna das tabelas 72 e 73 corresponde à diferença de idade
entre os cônjuges reagrupados qüinqüenalmente. As primeiras seis linhas englobam
os casais nos quais o marido é mais velho e nas outras, o caso inverso.

TABELA 72 - SEXO D O CÔNJUGE SOBREVIVENTE - COORTE 1


Relação de idade Sobrevivente
entre os cônjuges Número de uniões Homens Mulheres
25+ 1 1
20-24 3 3
15-19 4 4
10-14 16 6 10
05-09 56 7 49
00-04 83 14 69
Homens mais velhos
Mulheres mais velhas
00-04 14 4 10
05-09 1 1
10-14 1 1
15-19
20-24
25+
Indeterminado 244 91 153
Total 423 124 299
Rejeições: 2 = 875; 3 = 3
TABELA 73 - SEXO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE - COORTE 2
Relação de idade Sobrevivente
entre os cônjuges Número de uniões Homens Mulheres
25+ 2 2
20-24 1 1
15-19 7 7
10-14 7 7
05-09 43 2 41
00-04 91 2 89
Homens mais velhos
Mulheres mais velhas
00-04 40 1 39
05-09 6 6
10-14 1 1
15-19
20-24
25+
Indeterminado 102 4 98
Total 300 9 291
Rejeições: 2 = 450; 3 = 2
6 MOVIMENTO MENSAL DE CASAMENTOS

As tabelas 74 e 75 estabelecem a distribuição mensal dos casamentos das


uniões com DATEM 1, ou seja, das que se conhece, com exatidão a data em que foram
celebradas. Nestas tabelas, a segunda coluna apresenta uma relação dos números
absolutos com 1.200.

TABELA 74 - MOVIMENTO MENSAL DE CASAMENTOS - COORTE 1


Conjunto dos casamentos
Meses Números absolutos Números relativos
Janeiro 59 108
Fevereiro 114 209
Março 4 7
Abril 14 26
Maio 118 216
Junho 85 156
Julho 39 71
Agosto 46 84
Setembro 46 84
Outubro 84 154
Novembro 43 79
Dezembro 3 5
Total: 655 1.200
Rejeição: 646
Total: 1.301

TABELA 75 - MOVIMENTO MENSAL DE CASAMENTOS - C O O R T E 2


Conjunto dos casamentos
Meses Números absolutos Números relativos
Janeiro 51 165
Fevereiro 41 133
Março 8 26
Abril 26 84
Maio 87 281
Junho 16 52
Julho 32 104
Agosto 15 49
Setembro 44 142
Outubro 35 113
Novembro 16 52
Dezembro 0 0
Total 371 1.200
Rejeição: 382
Total: 753
ANEXOS
SUMÁRIO

ANEXO 1 - LISTA DAS CIDADES E DISTRITOS DE ORIGEM DOS


IMIGRANTES INSTALADOS EM ANTONIO OLYNTHO 325

ANEXO 2 - LINHAS DE DEMARCAÇÃO DA COLÔNIA ANTONIO


OLYNTHO 328

ANEXO 3 - CIDADES DE ORIGEM DOS NOIVOS 329

ANEXO 4 - SOBRENOMES CONSTANTES NOS REGISTROS

PAROQUIAIS E PADRONIZAÇÃO ADOTADA NA PESQUISA 332

ANEXO 5 - OBITUARIO DE JOÃO MICHALCZUK 345

ANEXO 6 - CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES 348

ANEXO 7 - RELAÇÃO DE PESSOAS ENTREVISTADAS 361

ANEXO 8 - CARTA DO BRASIL (Poema de Iwan Franko) 363

ANEXO 9 - TABELAS 366


TABELA Al - DISTRIBUIÇÃO DAS FAMÍLIAS EM FUNÇÃO

DA CHEFIA DO DOMICÍLIO, 366

TABELA A2 - IDADES COMBINADAS DOS CÔNJUGES 367

TABELA A3 - DISTRIBUIÇÃO DOS IMIGRANTES CASADOS,


COM FILHOS, EM GRUPOS ETÁRIOS, 1896 367

TABELA A4 - DISTRIBUIÇÃO DOS DOMICÍLIOS PELO NÚMERO


DE FILHOS, 1896 368

TABELA A5 - RELAÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO ETÁRIA DAS MÃES


E DOS FILHOS, 1896 368

TABELA A6 - COMPOSIÇÃO DA FAMÍLIA ESLAVA 369

TABELA A7 - CIDADE DE ORIGEM DOS NOIVOS, 1895-1949 369


324

TABELA A8 - CIDADES DE ORIGEM DOS NOIVOS, 1950-1980 370

TABELA A9 - CIDADES DE ORIGEM DOS NOIVOS, 1895-1910 370

TABELA A10 - ILEGITIMIDADE 370

TABELA A l i - DISTRIBUIÇÃO MENSAL DOS CASAMENTOS,


1900-1949 371

TABELA A12 - DISTRIBUIÇÃO MENSAL DOS CASAMENTOS,


1950-1980 371

TABELA Al 3 - DISTRIBUIÇÃO SEMANAL DOS CASAMENTOS,


1985-1949 XX 371

TABELA A14 - DISTRIBUIÇÃO SEMANAL DOS CASAMENTOS,


1950-1980 XX 371

ANEXO 10 - FOTOGRAFIAS 372


ANEXO 1 - LISTA DAS CIDADES E DISTRITOS DE ORIGEM DOS
IMIGRANTES INSTALADOS EM ANTONIO
OLYNTHO

ADANIW
BIBRKA (BACZOW) (distrito)
BAKOWCE
BEREJANE ( distrito Berezany)
BIALA
BOLOTINA
BRODE (BRODY) (distrito)
BRZOSTEK (POL)
BUKACZOWCZ
BUSRCZE
BUTYNACH
CHROWYCI
CURYNY (distrito Berezany)
CZCHROW ( ROHSTYN)
DEZNASZOROCZE
DOBROWOLA (DOBROWODY) = (DIDBOWI) (distrito de TERNOPIL
(Tarnofril))
DOMAMIVICZ (distrito Ternopoliense)
DUBIW (DUBW) (distrito de Brody)
GRZYMALOW (distrito de Skalat)
HODOW (HODON)
HIROWICE (IHRAWYCI)
ILOESÓW
JAROSTEC
JASYNOW
JOWKWA
KALINOWSKA
KOBYLOWOLOKI
KONIUCHY (distrito Berezany)
K023NKA (KOZOWA) (distrito Berezany)
KUPICZWOLA
LAGUA
LAURIKOWCE
LESZCZANCE
LYSIATYN
MESZANECT
MIKOLIEC (MUKALOWIC)
MINSK (WOSTOPOL)
WOCZKDZOCE (OKZKIWCI)
OLWARZANCE (distrito Tarnopol)
OZIERNA
PAMORZANY (distrito de ZOLOTCHIW (Ztoczow)
PANASIWKA (distrito de Zboriw)
PEREIVOLOSZYN
PETLIKOWCE (paróquia Buczak)
PLOTYCZKA (distrito Berezany)
PROKOSPYSNA
RYKOW (distrito Hacsóv)
SOKOLOWSKA (distrito de Sokal)
STYBOROWRE
STOCOPYW(m)
327

TENIETUIKI (Tynitniki/Rohatyn)
TORNOBRZEY
TOVOROV (distrito de Berezany)
WARZANA
WOCZKOZOCE
WORNIOLINEAL (distrito de Zalistchekê)
ZABLOCIE
ZASCIÁNKA
ZBORIW

FONTE: Registros da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Antonio


Olinto.
ANEXO 2 - LINHAS DE DEMARCAÇÃO DA COLÔNIA ANTONIO
OLYNTHO

Sede
Linha Corvo Branco
Linha Constard ( Costard )
Linha Chartier
Linha Figueiredo
Linha Gonçalves
Linha Lucüia
Linha Mato Queimado
Linha Munhoz - la. secção
Linha Munhoz - 2a. secção
Linha Santos Andrade
Linha São Francisco
Linha São João

FONTE:Divisão de Regularização Fundiária. Pasta Antonio Olinto. Secretaria do


Estado do Meio Ambiente.
ANEXO 3 - CIDADES DE ORIGEM DOS NOIVOS

CIDADES NA GALÍCIA (ver ANEXO 1)


CIDADES NO BRASIL
ABRANCHES = AR (Curitiba)
AGUA AMARELA = AM
ÁGUA BRANCA = AB
ALIANÇA VELHA = AL
ARAUCÁRIA = AU
AVENCAL = AV
BLUMENAU = BN
BOA VISTA = BO
BURRO PRETO = BR
CAMBARÁ DO SUL = CR
CAMPO LARGO = CP
CANIVETE = CT
CANOINHAS = CN
CASTRO = CA
CERRO LINDO = CL
CONGOINHAS = CG
CONTENDA = CD
CORUPÁ = CO
CRUZ MACHADO = CZ
CURITIBA = CB
CURITIBANOS = CS
DORIZON = DR
FAXINAL = FX
GENERAL OSORIO = GE
GUAJUVIRA = GJ
ILHA DAS FLORES = IF
IRACEMA = IR
IRATI = IT
ITAJAI = IJ

ITAPIJARA D'OESTE = IO
IV AÍ = IV
JARAGUÁ DO SUL = JA
JO ANNERSDORF = JR
JOINVILLE = JO
LAGES = LA
LAMENHA PEQUENA = LQ
LAPA = LP
MAFRA = MA
MAJOR VIEIRA = JV
MARCELINO = MC
MARECHAL MALLET = ML
MARIENTAL = MT
MONTE ALEGRE = MO
NOVA ALIANÇA = NV
OURO PRETO = OP
PALMAS = PM
PAPANDUVA = PP
PARAGUASSU (SC) = PR
PATO BRANCO = PB
PINHAL = PI
PINHEIRO = PN
PIRAQUARA = PQ
PITANGA = PT
PONTA GROSSA = PG
PORTO UNIÃO = PU
PORTO VERA CRUZ = PV
PRUDENTÓPOLIS = PD
RIBEIRA(SP) = RB
RIO CLARO = RL
RIO DA AREIA = RD
RIO DA PONTE = RI
RIO NEGRO = RN
SANTA CECILIA = SC
SANTA MARIA = SA
SÃO FRANCISCO = SF
SÃO JOÃO DO TRIUNFO = SD
SÃO JOSE DOS PINHAIS = SJ
SÃO MATEUS DO SUL = SM
TOMAS COELHO = TM
TRÊS BARRAS = TR
TRÊS PASSOS = TP
VERA GUARANI = VE
VARGEM GRANDE = VG

FONTE:Registros da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Antonio


Olinto.
ANEXO 4 - SOBRENOMES CONSTANTES NOS REGISTROS
PAROQUIAIS E PADRONIZAÇÃO ADOTADA NA
PESQUISA

ADAMIW: ADAMOW, ADAMSKI


ANDRYCHOWICZ
AUGUSTYNIAK: AUGUSTINIAK, AUGUSTINHAK
ABRAMSKI
BACZYNSKI: BACZYGUSKI, BASZYNSKI, BACZYRISKYJ
BAI: BAJ, BAY
BALAZA: BALAZY
BALESKI: BALECKI, BALESKA, BALICKI
BALUTA: BATUTA
BARABASZ: BARABASZE, BARABAS
BARAN: BARÃO, BARAM, PARAMSIZAK
BECH
BEMBEM

BEDNARCZUK

BEDREICZZUK: BEDRICZAK, BEDRIYCZUK, BEDRIJCZUK,


BEREZOWSKI

BIL: BEAL
BILEK: BIALY, BITYK, BITYJ, BILOUS
BILINSKI: BILINSKY, BITINSKI
BINASZEWSKI: BINHASZEWSKI
BLASZCZAK: BLASZKAZAK, BALCEJAK

BOCHKO: BOCKOWSKI, BOCZKOWSKI, BOCZKOWSKI,


BOCKOWSKA, BOCKO, BROZKO, BROJKO
333

BOCZKOVSKI: BOTVHKOSOSI, BORZHOVSKI, BOCZKOWSKI


BODNAR
BORUCH
BRANDILA
BUNHAK: BUNIAK, BUNHAC, BUHAK, BRINISK
BURAK: BURACH, BURACZEK
BURLIKOSKI: BURLICOSKI
BUSKEI: BUSKI, BUSKY, BISKYI, BUSKIJ, BUCKEI
BYZ: BIS, BIZ, BYZ, BYSZ
CHARANIUK: CHRAMIUK, HRANIUYK
CHOMA

CHOMIAK: KOMIAK, CHOMIK, COMIAK, CHOMIAK, XOMIAK,


KHOMIAK

CHOPTIAK: CHOPTLAK, KHOPTIAK


CIMMERMANN: ZIMMERMANN
CRUZ: CRUSS
CYCAN: CEGAN
CZERNIATOWICZ: CZSRNIATOWICZ, TCHENIATKOWY, CZORNY
CZIP

CZORNOWICZ: CZORNOVUS, CZORNOVS, CZORNOWONS,


CZOWNOWES

CZUCHRAY: CZCHRAJ
CAP
CZECH
CEUCHOVSKY
CUBAS
DENEGA: DINEGA, DYNEGA
DIACZUK
334

DIADIO: DIAKOWSKYJ
DOMBEK: JOMBEK, GIOMEK, CHOMEK, COMBEK

DOMBROWSKI: DOBROVOSKI, DOBROSYNETZ, DOBROSYNETC,


DOBROSGUEC, DOBROSKI

DRIBOTA: DIBOTA
DUBIEL
DUBRIWY: DUBRIWYI, DUBRIWIRYJ
DUBYNA: DUBENA, DUBÊNA
DUMA: DOMAZ, DUMAZ
DZ30BA: DZIOKA
DZIOMBRA: ZIOMBRA, ZIOBRA, JIOMBRA, DZIOKA, DZIOBA

DZURELO: ZURITO, DJURELO, JURELO, DZURITO, ZURELO,


DOZORETZ

FARENIUK: FARYNIUK, HRANIUK, FARINHUK, FARENIUK,


FESTCZUK

FEDYSZEN: FEDYSZYN, FESSIW, FESIY, FESIJ


FESZCZUK: FESCHCZUK, FECHTCHUK, FESZHEZUK
FIL
FORKIW: FURKLIN, FOLKIN
FRANKIW: FRANKOSKI, FRANKOWSKI
FURDA
GAZADOWSKI: GOZARDOWSKI
GIROL
GIZICKI

GLUCHOWICZ: GTUGOWICZ, GUTUGOWICZ, GROCHOWWSKIE,


GRUCHOWSKI, GREJOWSKI

GOERYNSKI
335

GOLEMBIOWSKI: GOLEMBIOWSKEI, GOLUMBIOSKI,


GOLEMBIOWSKA, GOTEMBIOSKI, GOLEMBYOOWSKYJ,
GOLEMBIOVSKI

GORECKI
GOSLAR
GRABASZ: GRABAZ, GRABAS, GRABSKI
GRITTEN: GRITES, GRITEN
GROSZKO: GRZKO, GROZKO, BROZKO
GUILERME
GURAL: GORUZ, GUVAZ
HALUNKA: HATUNKA, HATUWKA

HARASEMIW: HARASYMIW, HARASYMOWIW, HARASYN,


ARASSEWSKI, ARASSEWSKI

HAWRELUK: HAURELUK, HAVRYLIUK, RIUK, ARIUQUE,


MAURELHUK, AURELHUK, HAUREILUK, ZAVERELUK,
AURELHUQUE, ARIUK, AURILUQUE

HAYNUSZ: HAJNOSZ, HAJNUSZ, HAINICH


HEWKO: HEUKO, HEVKO, ELKE

HLADCZUK: HTADCZUK, HLADCHUK, HLADTCHUK, KLADEZUK,


HLADCZUK

HODOWANEY: HODOVANYJ, HOROWANY, HODOWANEJ,


HODOWANEI, HODOWANY, HODOVANCI

HORBAN
HÖREN: HORYN
HORLTEI: HORLATYJ, HORLOTY, HORLATY, HORLOKI,
HRYUKIEWICZ
HUK
HUPALO: HUPATO
336

HAIT AN
HUSKI
HVACAR
HRANIUK
IWACHIW: IWACHIV, IVACHIV, IWACHIO, IWOCHIW
IWANCZUK: IWANCZYSZYN, IWANCVJSVKJN, IWANCZIZYN

YWANISKI: IWANICKI, IWANIKI, IWANIK, IVANIK, IWANIKA,


IWANIKOW, IWANIKIW, IVANIKIW

IWANKIW: IWANIKIW, IWANIK, IVANIKIW

JAREI: JARYI, JARIS, JAROSZ, JARIJ, JARY, JANOWSKA, JAROCZ,


JAWARSKA

JUHAN: JUHAM, JUHAU, JAN


JURKIW: JURKÓW, JURKIV
JUZWIAK
JUZWIAK
KACZOROWSKI
KARPEN: HARPYN, KARPYN

KARPOWICZ: KARPOVICZ, KARPOVYCZ, KARPOWETCH,


KARPOVETCH

KAWKA: KAVKA, KAFKA


KMETIUK: KMYTIUK, KMETUCK, KMITIUK
KYRIK

KOCZYI: KOCZYJ, KOCIJ, KOTCHIV, KOTSEI, KOCIY, KOTCHEI,


KOCZEI, KOTCHI, KOTUSIAK

KOLODY: KOLODIJ, KOTODYI, KOLODIY


KOMAR
KOSLIK: KOSTIK: KISTYK, KIZLYK
KOSTIW: KOSTTV
337

KOTARSKI
KOVALYK: KOWALYK, KOWATIK, KOWALEK
KOWAL
KOWALKO: KOVALKO, KOVALCO
KOZAK: KUZIAK
KUPCZAK

KOZISKI: KOZICKI, KOPICKI, KOSICKYJ, KOZITZKI, KOZICKEI


KOZIEWSKEI

KOZET

KOZLINSKI: KOALINSKEI, KOSLINSKEY, KOSLINSYJ, KOSSELINSKEI,


KOGLISKI

KRAVCZUK: KRAWCZUK, KRAVTCHUK, KRAUTCHUK, KRAUCZUK,


SCRAUCZUK, KRAUCZAK

KRAVCIV: KRAWCIV

KRETCHECHEN: KRYSZCZYYSZYN, KRYSZCZYS, KRYSCYSVYN,


KRYSKO

KROKOSZ
KRUK
KRUPNISKI: KRUPNICKI

KRUTYHOLOWA: KRUTIHOTOVA, KRENCZIGLOVA,


KRENCHIGLOVA, KRUTEHOLOVA, KTINTSIGLOVA

KUBRAK: KOBRAK, KOBROSZ, KUBRA


KUCHJAR: KUCHARSKA
KONRADO: CONRADO, KONRAD
KNIAZ
KUCZKUDA: KYERKUDA, KUJBIDA
KUDLA
KUPECKI: KUPETZKI, KUPCZAK, KUPESKA
338

KURPIEL: KURPIL

KURYLOWOLOSZYN: KORYTOWOTYSZYN, WOLOSZEN,


WOLOSZYN, WOLOCHEN anota como WOLOCHEN

KUSIK: KUSIAK
KLEMCZUK: KLIMCZUK, KLYMCZUK
KUTEN: KUTYN
KUZMA: KUZMIW

KUZNARSKI: KUGINHARSKI, KUGNHARSKI, KUZNHARSKI,


KOZNIARSKI, KUSNIARSKI

KWIATOKOWSKI: KWIATKOWSKA
LACHOWICZ: LHACHOVETCH, LAHOVI, LACHOVICZ

LADANIWSKEI: LADANIWSEI, LADANISKI, LADANISKEI,


LADANIWSKA, LADANIWSKI, LADANIWIKI, LADANIWSKYI,
LADANOWSKI

LAPCZINSKI: LAPZOINSKI, LAPTHYNSKEI, LAPSZYNSKEI,


LAPZYNSKI, LAPCZYNSKI, LISZCZYNSKI

LESKTV
LIEBEL: LIBEL, LIPPERT
LASRIN
LECYK
LISNOWSI: LICINHOSKI, LISNIOSKI
LYZAN: LEZAN, SZTYJAN
MAKOHIN
MAIDANCZEN
MAKOWSKI: MARKOWSKA
MALINOWSKI: MALINOVSKYJ, MALIJNOWSI, MANTINOWSKYJ
MARKIW: MARCIV
339

MARTENHAK: MARTINIAK, MARTYNIAK, MARTENIUK,


MARTENIAK, MARTYNJAK, MARTINHAK

MARTENOV
MAZUR

MEKETIUK: MYKYTTV, MYKETIUK, MIKYTIW, MIKELINK,


MYKETIUK, MEKETIW

MELNYCZENKO: MELNETCHENKO, MELECHENKO,


MELNICHENKO, MELNESZEUKO, MELNYTCHENKO,
MELNYTSHENKO, MELNECZUK, MELNETCHENKO,
MELECHENKO, MELNICHENKO

MELNYK: MIELIK
MICH: MNICH

MICHOLOWSKI: MICHAILOWSKI, MICHALOSKI, MICHALAVSKEI,


MICHALESKI, MICALOSKI, MYCHAJLOWSKI

MIKOLAIW: MIKOTOJOW, MIKALOJOW, MIKOLAJEW, MIKOLAJIW


MOISA: MOJSA, HOJSA
MOSKWYN: MOSKWYNA, MOSKIONA, MOSKIVSKA, MOKRINA
MOTYLEWICZ
MROCZKO

MRYHOLOD: MRYHOTOD, MREGLAT, MRYGLOD, MRYGTOD,


MEGLUT

MUCHNEI: MUCHNIJ, MUCHNIY, MUNHUIY


MULEK: MUTEK, MULIK, MULYK

MUSZNSKI: MUZENSKI, MUCHENSKEI, MUSZYNSKEI, MUCHINSKI,


MUCHYNSKEIJ, MYSZYNSKYJ, MUCHINKI, MUCHENSKI

MULARCZYK
NALEVAIKO
NAROG: NAROK
340

NEISTOR: NESTOR, NEISTER


NEWIADOMSKI: NEWIADOWSKI, NEWIADOMSKI, NEWIDOVSKI

NEZOWEI: NIDJOL, NIJOL, NIDZION, NDIZIO, NYZOWYZ, NIZIOL,


NYZOVYI

NEISER: NIZER, NEISER


NOGACZ: NARUK, NOGATSZ, NOGAZ
NOVOSAD: NOVOSSAD, NOWOSAD, NOVOISADLA
OKUNSKEI: OKOINSKI, OKOENSKI, OKUINSKI
OLESKIW: OLEKSIW, OLEKSIV, OTESKIW, OLENSKI
OLIVA: OLIWA
OLIYNEK: OLINIK, OLIJNIK, OLIJINIK, OLINEK

ONESKIW: ONISKIW, ONYSKIW, ONYSKO, ONESKO, ORNÍSKI,


OKUNSKI

PANEK
PALAMAR: PATAMAR
PAULUK: PAULHUK, PAWLUK, PAVLUK, PAULIUK, PAULOWSKA,
PAWUK: PAUK, PAVUK, PAIONK

PEREYMYBIDA : PEREIMYBIDA, PEREJMYBIDA, PEREIMEBIDA,


PERYMYBIDA

PETRASKI: PIETRASKI, PETRAZKI, PIETRACHEK, PIETRASZEK,


PETROWSKI, PETROSKI, PIETROSKI

PYSAR: PYSOW

PETRYCIA: PETRYCA, PETRICA, PATYCKI, PATYCKA, PETRECZA,


PIETRACHEK

PIVOVAR: PYVOVAR, PIWOWAR, PYVOVAR


PLAVZYNSKI: PTAVZYNSKA, PRYPLIVSKI, PRYSZLYNKA
POPILAR: POPULAR
POPIWNIAK: POPIWPIAK, POPIONIAK
341

POPLOSKI: POPLOCKI, PREPTOCKYJ, PORTOWSKI, PETROVSKI,


PREPTACKYI, POPTOCKYJ, PRIPLOWSKI, POPLOCHI

POTURLAK: POTURLIAK, POTURLHAK


PROCHYRA
PROCYK
PROCYSZYN
PROKOP: PROKIP
PRÚNH: PRON, PROIN, PRANH, PRONH
PRUSAK: PRUSSAK
PYSAR
PRYSTUPA: PRYLIPA
RATUSZ: ROTUZ
REVA
RICHTER
ROMANKIW
ROMANCZUK: ROMANTSCHUK, ROMANCHUK
ROMANIUK: ROMANYUCK
ROMANIW: ROMANIV

ROMANOWICZ: ROMANOVICZ, ROMANYCZ, ROMANOWETSZ,


ROMANOVETCH, ROMANOVECH

ROMANYCZ: ROMANYCZIN

ROSAWAKI: ROSAWSKI, ROSSOWSKI, RYSOWSKI, ROSAWSKYJ,


ROSACKI

RUBEL
RUDEI: RUDYI, RUDYJ, RUDY, RUDEJ, RUDY
RUDNICK
SAFRUN: SCHFRUN, SAPRUN, SZAFRUN
SAI: SAY, SAJ
SAMBULSKI, SAMBUJSKI, SAMBUISKI, SAMBUJSKYJ
SARCOZ
SASINSKI: SACHINSKI, SZASINSKI
SAWICKI: SAVITZKEI, SAVINSKEI, SAVICKYJ, SAWICA
SEGATIUK
SEMIGEN: SEMEGEU, SEMEGAN, SEMYGEN
SENIUK: SENHUK, XENIUK, SENHUK
SENKIW: SEÚKIW
SEVDUM: SEUDIM, SEUDUM, SANDUIN, SENDUM
SIEBEN: SIBEN
SIMEONIW: SEMINK, SIMEONIV, SEMEKOWICZ, SIMEON
SKOPETZ: SKOPEC, SKOPIEK, SKOPETC, HCOPETZ, SHOPETZ
SKRYPETZ: SKRETETZ, KRYPETZ
SLABEI: SLABI, SLABYI, SLABIJ, STABYJ, STATYJ, STATIN
SLEPAK: STEPAK: SLEPACK
SOLOMKA: SOTOMKA, SOLONIKA

STACYCSZYN: STECYSZYN, STAUNETCHEI, STAUNECZEY,


STASTYRYN, STACESZEN, STACYCHYN

STADNYK
STASIUK: STACHUK, STASKIW, STACHIW, STASIAK, STACHIV

STAVACZ: STAVOS, STAVAS, STAVAN, STAVARZ, STAWARS,


STAVNETCZEI, STANECZEI

STECH: STEC, STECKE


STELMACH: STELMACK
SUDOL: SUDOW, SENDUN, SUDOF
SOSALA: SACALA, SACOLA
SCHIP
SWIATEK: IWOIONTEK, SWIOTEK, SWIONTEK, SWATEK
343

SYTNYK: SITIK, SJTNYK, SYTNEK

SZEVCZUK: SZENCZUK, SCHEUCZUK, SZEWCZUK, SCHEWTSHUK,


IZEWCZUK, SCHEUTCHUK, CHEVTCHUK, SEMCZUK, SEMCHUK,
IZENTSCHUK, SENCZUK, SCHEVTCHUK, SEMENCZUKOWA

SZEJETZ: SZWEC
SZLEM: SCHLEM, SCHLEIAM, SCHLEM, IZLEM, CHLÊM
SZNER: SZNYR

SZPERUN: STARUN, STARON, STANRON, SPERUN, SPERIN, SPIRUN,


STARUN, SZPERUM, SZRAN, SCHARAM, SZAFRUM

SZWED: SHVEDER, SZEVED, SCHWED, SCHVOD, SCHWETZ

SZYDOLSKI: IZYDOLSKI, SCHEDOLSKI, SZYDOLSKEI, CHIDOLSKI,


SZYDOLSKYJ, SZYDLOVSKY, SCHEDOLSKI, SCHIDLOVSKEI,
SCHEDOLKEI, CHIDLOVSKEI

SZYMKIW: SZYNKIW
TERNOMY: TERNOVYI, TARNOVA
THEODOROWICZ
TRACIUK
TRECZ: TRATSCH, TRATCH
TRAFKA
TREIN: TREIN
TRUCHAN: TRUCHAW, TRUCHAU
TRUSZCZYNISKI :
TULCZAK
TUR: THÜR
URSZULAK: URSCHULAK, ORSZULAK, URCHULAK
WISZNIOWESKI, WISZNIWECKI, WISNIESKI, WISZNOWECKA
WOICECHOVSKI: WOJCIECHAVSKI
WOITKIW: WOJTKOW, VOITKIW, WOITKO
344

WOLOCHEN: VOLOSZEN, WOTOSZIN, WOTOSZEN, WOLOSCHEN,


KURYTOWOLOZYN

WONS: VONS
WYSOSKI: WYSOCKI, WYSLOTZKEI, WISOCKEI, VISOTSKEI,
VYSOCKYJ, VESSOTZKEY

WOLF
WILOMSKI: WITANSKA
WOZNIAK

ZABLONSKI: ZABLOTSKEI, ZACOWSKYJZ, ZAWOTSKEI, ZABTOCKI,


ZAPSTCNY, ZAPOTICZNY, ZABLOCKEI, ZANTCKI, ZAPLOTVA

ZALEWSKI: ZOLEWSKI, ZALESKI, ZALUSKI, ZALOWSKI

ZAPOTICZNY: ZAPOTICZNYJ, ZAPOTIANOWICZ, ZALOWSKI,


ZAPOTICZNY

ZATYSZKO: ZATCHKO, ZATESKO, ZATYCSKO


ZILNYK
ZIMMERMANN: escreve CIMMERMAN
ZULINSKI: ZILINSKI, ZILINSKA
ZWARYCZ: IWARICZ, ZVARETCH
ZIOMBRA: escreve DZIOMBRA

FONTE:Registros da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Antonio


Olinto.
ANEXO 5 - OBITUÁRIO DE JOÃO MICHALCZUK

Nasceu em 10 de outubro de 1884. Morreu em 13 de julho de 1950.

Pe. Inocencio Iwan Michalczuk, OSBM.

Dia 13 de julho pela manhã faleceu, na paz de Deus, o padre Inocencio

João Michalczuk. Nasceu em 10 de outubro de 1884 e chegou ao Brasil no ano de

1911. Iniciou sua trajetória no exército austríaco onde mereceu elogios e distinção

por seu comportamento. Aconselhado pelo Reverendíssimo Metropolita Andrei

Szeptetzkei abandonou a carreira militar que lhe abria brilhantes oportunidades e

iniciou seus estudos teológicos, sendo ordenado sacerdote em 1910. Nessa ocasião

chegou a Lwiw o padre Clemente Bjuh'ovskei, OSBM, que, encontrando-se com o

padre João, convenceu-o a vir para o Brasil.

Cheio de força e entusiasmo, seu coração foi tocado pelo trabalho

missionário e, um ano mais tarde, o jovem sacerdote já exercia seu trabalho pastoral

em Antonio Olinto. Lá deixou frutos de um esforço de quase quarenta anos. Um

deles, foi a bonita igreja de imbuia com cinco cúpulas, com o interior todo decorado

com pinturas e comportando um ikonostás, sobressaindo-se, particularmente, o

ícone de Nossa Senhora decorado com corais e pedras preciosas. O quadro brilha

com as cores do arco-íris quando batem nele os raios vespertinos do sol. Também

construiu uma residência para o pároco, outra para as religiosas, uma escola e uma

bela gruta. Ele não cuidou somente da ordem exterior da paróquia; acostumado à

disciplina militar desejava ver organização em tudo. Preocupou-se, principalmente,

com a catequeze infantil e procurava, ainda, despertar na alma dos seus


346

paroquianos a devoção à Virgem Maria e às Almas do Purgatório, às quais era

pessoalmente muito devotado. Por essa razão, todas as festas Marianas em Antonio

Olinto eram de caráter solene, sobretudo as festas da Anunciação e da Ascensão.

Para os seus paroquianos, ele não foi apenas sacerdote, mas conselheiro,

representante perante as autoridades, e médico em casos perdidos - em uma

palavra: era tudo. Já há alguns anos pretendia entrar na Ordem de São Basilio

Magno mas não conseguia um substituto para seu lugar em Antonio Olinto.

Desejava ardorosamente, pelo menos falecer com hábito dos filhos de nosso grande

Patriarca. Realizou esse desejo pouco antes da morte, recebendo o hábito de São

Basûio e professando os votos da Ordem três semanas antes do falecimento.

Os primeiros sinais de doença (diabetes) haviam surgido há muito tempo,

mas nos últimos três meses esteve acamado, por causa da enfermidade. Procurou

socorro em Curitiba, mas ao perceber que não havia esperanças, mandou que o

transportassem até a amada Antonio Olinto, para fechar seus olhos entre os

paroquianos. A doença foi muito dolorosa, mas ele suportou com paciência heróica

todo o desconforto, e ninguém ouviu de sua boca palavra alguma de auto-piedade,

reclamação ou impaciência. Consciente da aproximação da morte, determinou

previamente até as menores providências para que, após sua morte, ninguém

tivesse trabalho. Previu até endereços e textos que deveriam ser enviados na

comunicação de seu falecimento. Dois padres revezavam-se à cabeceira do doente e

esforçavam-se em trazer-lhe conforto para os seus padecimentos, ministrando-lhe o

sacramento da Santa Comunhão.


347

Ao primeiro som do sino, às cinco e meia da manhã, o povo fiel começou a

ocupar a igreja para prestar a última homenagem ao seu benfeitor e pastor. Foram

realizadas as celebrações fúnebres com a Santa Missa, sendo depois trazidos para a

igreja os seus restos mortais para a igreja. Durante todo o dia, e à noite, o povo

rezou piedosamente pela paz de sua nobre alma. Nas celebrações litúrgicas

tomaram parte cinco padres basilianos, o pároco latino de Antonio Olinto e uma

grande quantidade de pessoas que sabia valorizar o bem que foi feito pelo finado

durante o seu sacerdócio. A predica na igreja foi feita pelo reverendo Padre Nikola

Iwaniw, OSBM, ouvida pelo povo entre lágrimas e lamentações. No cemitério, em

português, falou o reverendo padre José Martenetz, OSBM, e depois em nome dos

amigos pronunciou-se o doutor Cordeiro, de Rio Negro. Por fim, as pessoas,

tristemente, deixaram o cemitério, onde ficaram os restos mortais de seu querido

pastor.

Temos certeza que a Mãe do Céu, tão amada e reverenciada por ele, o

receberá na casa de Seu Filho, e a lembrança desse sacerdote pioneiro será guardada

na história de nossa imigração no Brasil.

Memória eterna por ele.

FONTE: PRACIA. Editorial. Prudentópolis, n° 30,19 de julho de 1950.)


ANEXO 6 - CORRESPONDENCIA DOS IMIGRANTES (1922)

Cristo Ressucitou:

Excelência!

Assim que recebemos as primeiras notícias de que Vossa Excelência

visitaria a nossa comunidade, alegramo-nos imensamente. Desde aquele momento

até agora - como fazem as crianças pelo seu pai - enviamos nossas orações ao Trono

Celeste, para tornar-nos dignos de alcançar a graça deste momento.

Já pensávamos em Vós, há alguns anos atrás, quando a invasão e violência

do tzar russo levaram Vossa Excelência aprisionado, rezando em nossas igrejas e

em nossas casas, pedindo a Deus pela vossa saúde, liberdade e felicidade.

E hoje - ao alcançar a graça de saudar Vossa Excelência no portal de nossa

pobrezinha comunidade, nossa alegria, nossa felicidade não têm limites.

Grande foi a satisfação e felicidade dos moradores de Jerusalém ao

saudar, em seu portal, Jesus Cristo; assim, é a nossa ao saudarmos entre nós Vossa

Excelência, nosso Arquipastor - enviado celeste do Senhor Cristo.

O povo de Jerusalém estendia com alegria ramos de palmeiras e suas

vestes, e hoje nós próprios nos estendemos a vossos pés, pois em vossa pessoa,

vemos o próprio Cristo, e recebemos Vossa benção, como a do próprio Cristo.

Seguindo o exemplo do povo de Jerusalém, também nós exclamamos:

Nosso Digníssimo ....

Em nome do Senhor, entrai em nosso portal e com vossas mãos dai-nos a

benção do Cristo Salvador!


349

Para o maior príncipe da Igreja que é Vossa Excelência, desejamos fazer

um breve relato sobre a situação de nossa igreja e paróquia a ela pertencente.

Seu início data de 1903-4, portanto alcança vinte anos. Naquela época tudo

era cercado pela mata virgem como um mar imenso, e só em raros lugares

apareciam oásis, com matas já derrubadas.

Nós, pobres e abandonados imigrantes, ficávamos em pequenos ranchos

cobertos com palmeiras ou folhas de árvores, alimentando-nos com o que, e da

maneira que cada um podia: às vezes com frutos das florestas, às vezes com feijão

preto sem gordura alguma; pão, víamos somente poucas vezes durante o año e às

vezes passávamos fome de verdade.

E nestas condições, começamos a construir a nossa igreja. O Rev. Clemente

Bjuh'ovskei visitava-nos duas a três vezes ao ano e administrava, naqueles tempos,

a nossa paróquia. Graças a seus conselhos e ajuda, construimos este pequeno

templo. Ele era para nós aquele anjo que nos trazia do céu ajuda e apoio, naquele

tempo que foi o mais difícil de nossas vidas.

Na construção de nossa igrejinha, trazíamos toda a madeira da floresta,

nas costas, e o peso nos arrancava a pele, mas com a ajuda de Deus e do referido

padre, erguemos esta casa de Deus, entre muitos sofrimentos e muitos calos nas

mãos.

Porém, era grande a nossa alegria ao ouvir, no domingo, ou dia santo, o

som do sino, no silêncio da selva brasileira. Como era fácil então, atravessar os

montes, barrancos, matas, para todos juntos, em nossa igrejinha, rezar e cantar:

"Louvemos o nome do Senhor" e "Glória a Deus nas alturas".


350

Ao lado da igreja, construímos uma casa para a moradia do sacerdote

quando nos visitava e onde nossas crianças pudessem se reunir para receberem os

ensinamentos escolares.

Além disso, compramos uma chácara e destinamos os lucros para as

despesas comunitárias como igreja, escola, clube de leitura e outras.

Todos estes bens comunitários eram administrados por nós mesmos,

através de um comitê eleito e com a participação do padre Bjoh'ovskei.

E assim, após alguns anos, já tínhamos igreja, casa comunitária com escola;

compramos terra e organizamos o cemitério, e no caixa haviam alguns milhares de

milréis e assim podíamos pensar em ter um padre na nossa comunidade. E

realmente, atendendo ao nosso pedido, graças aos esforços do Pe. Bjuh'ovskei, nós

recebemos um sacerdote para atender-nos, na pessoa de Iwan Michalczuk, que se

estabeleceu na nossa matriz e para quem enviamos a chave da nossa igrejinha, pelo

padre Clemente.

Com a vinda do sacerdote, que permaneceria definitivamente entre nós,

sentimos imensa alegria, pois em sua pessoa teríamos um pai, um irmão, um

professor e um bom amigo, que conosco dividiria as alegrias e tristezas, que nos

ajudaria em tudo, na igreja, na escola, na comunidade e no trabalho da Prosvita.

Não nos esquecemos de suas necessidades materiais, fizemos esforços

para que nada lhe faltasse; não só isso, mas também pagamos sua viagem da Galicia

até nossa comunidade.

Todavia, infelizmente nossas esperanças não se realizaram. O padre Iwan

Michalczuk, tendo recebido a chave da nossa igreja, deixou-a fechada e só abria a


351

porta quando vinha celebrar a missa. Deveria vir todos os domingos, porém só

vinha quando tinha vontade e chegamos a ficar três meses sem assistência

espiritual.

É preciso lembrar que a distância é grande até nossa matriz. Os que

moram perto, estão a 8 ou 10 quilômetros, e os demais, a 14, 18 quilômetros. As

estradas são ruins e só é possível andar nelas a pé. Às vezes, acontecia de sairmos

no sábado e só voltarmos na segunda-feira. E se levarmos em consideração as

chuvas, as geadas ou o calor do verão, então a estrada era impraticável. Mas a

corvéia anual é, para nós, maior e mais dispendiosa do que para os que moram ao

lado da igreja-matriz.

Assim, da nossa aldeia que conta com cerca de 400 almas, quando muito

uma dezena vai até a matriz e todos os outros ficam, às vezes, durante meses sem

ouvir missa, nem prédica. E aconteceu, não poucas vezes, do pároco chegar, após

três ou quatro meses, e havendo qualquer contratempo em família, muitas mães,

com filhos pequenos, muitos anciãos ou enfermos, muitos não ouviam missa

durante o ano todo, não tendo também possibilidade de se confessarem. E a igreja,

que é nossa, fica fechada e só abre poucas vezes durante o ano e nem nos é

permitido tocar o sino.

No Natal entoamos os cantos em nossas casas, pois nossa igreja está

trancada. Na Páscoa entoamos em nossas casas o alegre "Cristo ressuscitou", e ao

som do canto muitas mulheres e muitos idosos choram, pois não podem ouví-lo em

sua igreja, e talvez por muitos anos não o ouçam. Quando chega o mês de maio,

sozinhos, em nossas casas, baixinho dizemos: "Salve Rainha", porque a igreja está
352

fechada. Assim também todo o mês de junho, nossa igreja não vê devotos do

Sagrado Coração de Jesus, pois está fechada.

Continuando, além destas poucas vezes que é celebrada a missa, todos os

outros domingos e dias santificados do ano estão perdidos, sobretudo para a

juventude, pois ela não tem nenhuma ocupação durante o dia todo. Só fica andando

de um lado para o outro, tanto moços quanto moças, e pecando o tempo todo. Não

indo à igreja nem de manhã nem à tarde, pode-se encontrá-los em todos os lugares,

em bandos. Se acontece algum casamento ou festividade, lá estão todos, e todas as

"vendas" estão cheias deles.

Podemos comprovar que antes da vinda do Pe. Iwan Michalczuk, não

havia tanta imoralidade e pecados entre a nossa juventude, como agora.

Nossa Senhor nos ensina: "onde reunem-se dois ou três em meu nome, lá

estarei entre eles" - e o pároco, fechando-nos a igreja, ensina o contrário.

Antes da vinda dele, era totalmente diferente. Em nossa igreja, rezávamos

junto, cantávamos os salmos e outros cantos, alguém lia algo do Missionário ou da

Vida dos Santos. À tarde, reuníamo-nos para as "vésperas", e antes dos grandes

dias santificados fazíamos vigílias. Naquele tempo a juventude não andava pelas

estradas, nem se escondia pelos cantos, pois acompanhava os mais velhos à igreja, e

ainda reunia-se para os ensaios no coral de quatro vozes, dirigido pelo Felipe

Kobren. A escola funcionava sem interrupção, e as crianças aprendiam também o

catecismo e orações.

Entretanto, agora a nossa juventude cresce sem nenhum cuidado, sem a

proteção e sem os ensinamentos. Oração e catecismo só sabem se aprenderam em


353

casa. E, se os pais não sabem ensinar, então vão crescer sem ensinamento algum,

pois o Pe. Pároco não se preocupa nem um pouco com isso.

Ele, quando muito, batiza a criança e após alguns anos, faz a preparação

superficial para a primeira comunhão. Depois nem se encontra mais com ela, a não

ser quando ela cresce è deseja casar. Fora disso, ele não faz catequese, nem na igreja

e nem na escola. Se nós deixássemos os nossos jovens neste estado, então deles só

restaria o nome de cristãos.

Também estamos muito insatisfeitos, pois tendo lhe entregue a chave, ele

não nos deu mais nenhuma satisfação sobre as rendas da igreja. O dinheiro do caixa

ele levou todo e, durante estes onze ou doze anos que está entre nós, as rendas,

como coletas durante a missa, óbulos (ofertas), coletas especiais foram todas parar

no bolso dele.

O lucro das terras que compramos para fins da despesa da igreja e da

comunidade, e sobretudo para as da Prosvita, o que é mais de uma dezena de mil

contos de réis, também foram parar no cofre dele. Tudo isso ele pegou sem a

permissão e contra a vontade da comunidade.

E isso ele não devia fazer, pois nós lhe pagamos tudo e pagamos muito

mias do que lhe prometemos.

Inúmeras vezes ele nos ensinou a não tocarmos nas coisas alheias. Como

ousou então pegar aquilo que não era seu, sequer perguntando pela nossa

permissão?

Antes da chegada dele, tínhamos no caixa da igreja alguns milhares de

réis e agora que ele está entre nós, temos o quê? Nossa igreja está abandonada,
354

maltrapilha, preta como uma assombração, seu telhado já apodreceu, por todos os

cantos entra água. É preciso aumentá-la, cobri-la, enfeitá-la para que se pareça com

uma igreja e não com um rancho. Mas de onde tirar dinheiro para isso se o padre

guardou-o em seu próprio bolso? E isso não é um verdadeiro roubo de nossa

comunidade?

Nós poderíamos neste momento passar à Vossa Excia alguns contos de

réis para as pobres viúvas e órfãos na Galicia, mas a nossa comunidade é tão

maltrapilha quanto um órfão por causa do padre Michalczuk. E foi para isso que ele

veio? Como dissemos, antes da sua vinda construímos tanto a igreja quanto a

escola, mas ele pegou tudo de nós como se fosse sua propriedade e como se fosse

dono de tudo. E como ele trabalha a nosso favor? Pois da seguinte maneira: a igreja

fechada, apodrecendo, e logo desmoronará toda. E nas poucas vezes que vem, no

seu sermão, resume-se a dizer:

Vocês são ignorantes, vocês não passam de lixo, vocês são maçons, etc, etc.

Vocês, todos juntos, não valem sequer um cavalo meu, o meu cachorro vale mais

que vocês, vocês são mulas, vocês são cavalos, vocês são ralé. Eu pedirei ao Senhor,

eu vou rezar ao Nosso Senhor - e isso falava parado na porta do iconostás, vestindo

os paramentos litúrgicos - para que Deus castigue vocês, para que não tenham

colheita alguma, para que um raio caia sobre vocês (e exatamente no dia seguinte

um raio caiu na propriedade dele), eu tenho todos vocês debaixo do meu sapato,

etc, etc.. Estes eram os ensinamentos dele.

E que isto é pura verdade, podemos repetir tudo em juramento. E para

verificação, damos os nomes abaixo, para que os escutem. "Vocês são lixo, vocês são
355

maçons", ouviu Fedko Szner; vocês não valem um cavalo meu, ouviu Gregorio

Wesotsky; "meu cavalo e meu cachorro valem mais que vocês", ouviu a Catharina

Zatyzko, mulher do Pedro; "eu tenho vocês embaixo do meu sapato", ouviu o

Demetrio Romaniw; "eu vou pedir a Deus para que um raio os parta; para que uma

praga de gafanhotos venha para que não tenham colheita alguma", ouviu o Nicolau

Szner. Muitas pessoas ouviram tudo isso, mas nominalmente citamos só uma pessoa

para comprovação.

Uma vez aconteceu o seguinte: Chegou o pároco para as confissões da

Páscoa e sem descer do cavalo foi perguntando se o feijão dele foi colhido e

descascado. E, por azar, o feijão não havia sido colhido por causa das chuvas. O

padre quando soube disso, deu meia volta com o cavalo e foi-se embora, e nós

ficamos sem nossa confissão pascal.

Quando alguém pedia-lhe pela confissão, na maioria das vezes

perguntava de imediato: você já pagou a corvéia anual? E se a pessoa não tinha

dinheiro para entregar-lhe, então gritava, batia os pés, e expulsava seu próprio

paroquiano. Por exemplo, a Catharina Olynek, uma viúva velhinha pediu-lhe

confissão. O confessor, como de hábito perguntou-lhe se havia pago a corvéia. A

velhinha respondeu-lhe que não, agora que não era mais proprietária, porque a

propriedade era dos filhos e eles já haviam pago. Com esta resposta o padre ficou

raivoso (furioso) e começou a gritar e a bater os pés e a fazer tanto barulho que a

velhinha apavorada entregou todo o dinheiro que tinha consigo.

Se algum vendeiro não é favorável ao padre, durante as confissões ele

proibia que o povo fizesse compras lá. Por isso muitas pessoas deixaram de
356

confessar-se e passaram a procurar o padre latino, e destes já há praticamente um

terço da comunidade. A estes pertencem, por exemplo, o Paulo Stauneytchy, o

Gregorio Kyslek e o Iwam Klemkzuk.

Também nos batismos e funerais o padre tem exorbitado. Uma ocasião

trouxeram uma criancinha para batizarem. Ao pai faltavam 100 réis para completar

os 5 mil réis. Por mais que o pai implorasse que depois traria o resto não adiantou.

Os padrinhos precisaram aguardar horas, até o pai emprestar dinheiro em algum

lugar, para só daí o batismo ser realizado.

Na casa do José Rudey morreu uma criancinha de três dias. Pelo funeral, o

pai precisou pagar a exorbitância de 16 mil réis.

O comportamento desumano do padre Michalczuk pode ser avaliado

também no caso das irmã que para cá vieram e que ensinavam, de modo piedoso,

nossas crianças. Mas pouco durou nossa alegria, pois logo veio a notícia de que as

religiosas fugiram e ainda por cima durante a ausência do padre. E isso, apesar de

ele ter proibido a todos de levar as irmãs embora. Mas elas conseguiram um

cocheiro sem medo do padre, e conseguiram fugir.

Quando ele passou das medidas, tivemos que procurar nossos direitos no

Fórum da Lapa. Só Deus sabe quanto incômodo isso nos trouxe.

Mas como ele não ligava para a escola e nem para a Prosvita, então após

uns cinco anos, nós mesmos fizemos novamente a lista das crianças, contratamos

um professor e enviamos o Fedko Szner buscar a chave da escola. Mas o padre não

entregou, e afirmou que jamais entregaria, pois tudo era dele. Após alguns pedidos

e recusas iguais, tivemos que ir até Rio Negro e processá-lo, e só assim ele foi
357

obrigado a devolver a chave da escola. E é por essa razão, que as aulas aqui só

recomeçaram no final de abril.

Sempre, e a respeito de tudo, precisamos brigar, discutir e quem sabe até a

se chegar a trocar socos, pois o padre gosta disso. Tanto que já surrou pessoalmente

alguns. Estes não terão coragem de queixar-se pessoalmente a Vossa Excia, por isso

nós mesmo tocamos no assunto.

Se fôssemos contar tudo, teríamos que escrever volumes inteiros, e não

para jogar lama no padre porque ele já enlameou-se sozinho. Mas, pedimos sim,

atenção de V. Excia para o que segue:

considerando tudo o que sofremos durante a estada do padre Michalczuk

entre nós;

considerando os roubos, os processos e as humilhações;

considerando a prepotência, dentro e fora da igreja

considerando que ele só cuida dos interesses dele e não dos nossos;

considerando que com ele só temos problemas, dissabores e brigas;

considerando que com ele estamos sendo destruídos, bem como, e

sobretudo, os nossos jovens - nossa esperança;

considerando, enfim que não podemos dirigir-nos a ele como pai, pastor e

amigo; ao contrário, temos que fugir como de um inimigo e procurar guarida entre

os estranhos na Lapa, Rio Negro e Curitiba (pois tivemos de levar nossas queixas ao

bispo de lá), pedimos:

Excia, nosso guia, pai protetor!


358

O padre Michalczuk não pode continuar sendo sustentado por nós, de

agora em diante. Não podemos tê-lo como pároco e não podemos continuar sendo

seus paroquianos. Não podemos dar pão a quem nos tem enganado e jogado pedra

em nós. Não podemos continuar amigos daquele que luta contra nós. Não pode ter

lugar entre nós aquele que coloca na frente seus cavalos, seus cachorros e não os

paroquianos. Não podemos dar pão para aquele que pede a Deus para tirar-nos este

pão. Aquele que nos chama de lixo, de maçons, e perdoe-nos a expressão, de

porcos, e ainda por cima, dentro do templo de Deus.

Não podemos ter conosco aquele que nos empurra para a igreja latina, a

tal ponto que acabaremos sendo anexados a ela, ou melhor dizendo, aos poloneses,

e acrescentamos ainda que queríamos, há tempo, livrarmo-nos dele e esperávamos a

chegada de Vossa Excia; pois poderiam os padres basilianos voltar a atender-nos

como antigamente? Isto porque, a partir de hoje não consideramos mais este padre

como nosso pároco. Por isso solicitamos que o padre Mychalczuk entregue as

chaves de nossa igreja para que possamos continuar rezando junto com nossas

mulheres, nossos idosos e nossas crianças.

Exigimos ainda que o padre Mychalczuk devolva os nossos lucros com

erva-mate e o dinheiro do nosso caixa comunitário (não é de admirar que não

desejemos um padre larápio, pois desejamos enviar pelo menos um conto de réis,

através de Vossa Excia, para os órfãos na Galicia; bem como reconstruir nossa

igreja). Precisamos deste dinheiro.

Estes são os pedidos que apresentamos a Vossa Excia na esperança de vê-

los resolvidos.
359

O que aqui está escrito temos provas para tudo e, se preciso for, podemos

esclarecer Vossa Excia. ainda com outros fatos. Muitos paroquianos têm medo de

Michalczuk pois não são poucos os que dele apanharam, foram fechados na cadeia,

etc...

Não fosse o medo, todos juntos, em uníssono, gritariam: - Leve embora

este padre e mande-nos outro, pois não podemos aguentá-lo mais.

Nossa esperança é Vossa Excia, a quem desejamos saúde, longa vida e

bênçãos divinas. Nós, moradores de Santos Andrade e dos arredores pertencentes à

nossa Igreja, assinamos este pedido.

Santos Andrade, maio de 1922

Gregorio Vesoskei Nicolau Zatizko


Nicolau Szner Ivan Klemczuk
Elias Reva Basilio Makohin
Miguel Titzkei José Chafrun
Antin (Antonio) Romankiw Daniel Mulek
Demko (Demetrio) Feziw Nicola Markiw
Hrynko (Gregorio) Kolody Nicola Hladczuk
Paulo Satuneytchei Gregorio Kizlik
Demétrio Romani w Stefano Stetz
Oleksa Nezovey Miguel Rudei
Basilio Tcherniatovitch Pedro Wons
Pedro Zaatechko Maria Zalewska
Felipe Kobren Miguel Kozak
Iaken (Jacob) Volochen IaskoQoaquim) Pronh
Gregorio Makohin Nicola Savitzkei
Maksyn (Maximiliano) Sapko José Mrotchko
Lucas Schvetz Alexandre Poturlak
Demétrio Meketiw Miguel Zatyzko
Elias Prussak Ahafia Juhanka
Ivan Onesko Basilio Malinowski
Marco Denega Basilio Petrena
Andre Prokopiw Basilio Makohin
Fedir Onesko Leon Brochko
Estefano Skonetz Ivan Feskiw
Ivan Nalevaiko Gabriel Hladczuk
Ivan Makohin Pedro Kizlek
Paulo Romantch Basilio Filh
Fedir Rudei Gabriel Kretzechen
Ivan Kotuziak
Mekola Ivachiv
Teodoro Szner
(59 assinaturas)

FONTE: Arquivo da Ordem dos Basilianos. Prudentópolis. Paraná.


ANEXO 7 - RELAÇÃO DE PESSOAS ENTREVISTADAS

MORADORES DE ANTONIO OLYNTHO:


Anastácia (Nathalia) Martenhak, nascida em 1914.
Anastácia Wolochen, nascida em 1918.
Angélica Kotarski, nascida em 1930.
Anna Feskiw, nascida em 1919.
Anna Hladczuk, nascida em 1917.
Anna Romankiw, nascida em 1926.
Anna Schlemm, nascida em 1914.
Antonio Hupalo, nascido em 1932.
Catharina Sasinski, nascida em 1935.
Emilia Proen, nascida em 1938.
Eudóxia Mulek, nascida em 1917.
Hilária Gluchowski, nascida em 1921.
Ines Mikolowski, nascida em 1940.
Ivanilde Szner Mayer, nascida em 1938.
João Dombek, nascido em 1919.
João Karpowicz, 59 anos.
Lidia Fareniuk, nascida em 1932.
Lidia Hladczuk, nascida em 1931.
Lidia Hupalo, nascida em 1965.
Lucia Jurkiw, nascida em 1937.
Maria Horlatey, nascida em 1939.
Maria Pereymibida, nascida em 1923.
Nascia Jurkiw, 22 anos.
Nicolau Pereymibida, nascido em 1935.
Nicolau Zablonski, nascido em 1929.
Olga Karpowicz, nascida em 1953.
Olga Kubrak, nascida em 1934.
Rosa Chimulaski, nascida em 1942.
Stephano Szner, nascido em 1907.
Tereza Kawka, nascida em 1946.
OUTRAS PESSOAS:
Francisco Krókozs.
Maria Audiney Cunico Bach.
Oksana O. Boruszenko.
Pe. Daniel Kozlinski.
Pe. Nicola Miluz.
Teodoro Hainosz.
ANEXO 8 - CARTA DO BRASIL - (Poema de Iwan Franko)

Vizinhos! - É Olécia que está escrevendo -


Saúde boa e bem se vai vivendo.
Faz sete meses que silenciamos.
No fim de tal destino já acampamos.
Vivemos na floresta, em cabanas,
E imensamente estamos trabalhando.
Cortamos troncos grossos, de braçada,
Com dois-três dias de espicaçada.
Num ano vamos ter um descampado
P'rá semear. Vivemos do fiado.
Pois o governo por enquanto fia,
Até obtermos sal, batata e milho.
Vivemos juntos, não nos separaram,
Da vila quinze léguas nos distaram.
Na mata, sob montanhas ... não chiamos:
Não há estradas, trilhas palmilhamos.
Estais curiosos como alcançamos
O mar e como aqui chegamos.
A Viena viemos juntos e tranqüilos:
Aí três dias no xadres nos vimos.
Soltaram-nos só quando um senhor
Por sete pratas fez-se fiador.
Já de Pontebba fazem-nos voltar
E três semanas prendem-nos em Graz.
A Mósty, Stryi e Kúty enviamos cartas,
"Ficai aqui!" diziam em descarte.
Pelágia lá morreu de mau-olhado,
Falou o doutor teutão: "Faltou caldeado".
Ivash morreu na certa de insônia,
E o médico diz: "Não solteis insânias!"
Mas quando morrem Hrytsh, Oksanka e Rúzia,
Soltaram-nos: "Segui a vossa fiúza!"
Os mares alcançamos sem azares,
Mas dois judeus de nós se acercaram
E surrupiaram de Balanda e Khmyz
Dez pratas por "avisos" em cada vez.
E numa baldeada se sumiu
E lá se extraviou Antosh Iurkív.
Em Gênova esperamos sete semanas
Por um navio, em tendas ciganas.
País danado. Fomos molestados,
De fome e de febre atacados.
A Tchálplha, a Onyshko e o Khruchtch falecem .
E sete crianças! - Mortos, não padecem ...
Talvez morresem mais, pois certa dama,
Armou-se contra nós a italiana
E de uma ordem do reinado conseguiu:
"Detê-los té lhes morram o mulheno!"
Conosco a cruz divina! Tal-e-qual
Alguma impia vilã do mal:
Não é que nesses dias nas mulheres
Bateram as piores pestes nelas.
Mas Deus puniu a tal megera vil:
Surgiu um bom ruteno senhoril,
E expôs, assim na carta, com desvelo,
À Margarita, tal rainha deles:
Que as febres nos abatem, e que a bruxa
A noite o sangue das mulheres chupa,
Que crianças sem comida choram secas,
Que o rei e aquela bruxa pulam cerca
Saiu-se bem: Soltaram-nos embora.
Desfez-se a trama dele nessa hora.
Mas quando todos no navio subiam,
O moço senhoril no-lo aprendiam.
E ele, preso como um pilantra,
Nos cochichou: "A bruxa quer vingança!"
"Calai, senão a todos exterminam!"
E mais trezentas pratas lá sumiram.
Nadáramos no mar sem casos maus.
Somente a gente padecera mais.
Aí morreram dessa gente nove:
365

No mar, a água foi sua cova.


Que Deus nos livre desse tetro quadro:
Enquanto as mães pranteando o fim macabro,
Os peixes feito troncos adentados
Seus filhos trucidavam em pedaços.
Brasil! Também se sofre nessa terra:
Pegou-nos logo a febre amarela.
Em três meses na Ilha das Flores
Morreram três mulheres e três homens.
Vendemos como servos cinco moços,
Àquelas casas foram sete moças.
Dos moços não tivemos nem notícia.
As moças comem-bebem... Que "delícia".
Que mais escrevo? Novas não alardam.
De cobras cinco nossos se finaram.
Aqui anda um povo rude pelo mato
Que mata e come a gente. Fuja desse fato!
Se Deus quizer, e nós nos recompormos.
Quarenta fomos, em dezoito somos.
É pena que rezar nem conversar.
Não querem em ruteno nos deixar.
Na vila Kandziubinski assim gritou:
"Aqui não se fala em ruteno, não!
Polacos são o rei, o país e Deus!
Falar em polonês ou calar de vez!"
Fazer o que com tal intimação?
Que assim nos seja. Qual a salvação
Aqui termino. Adeus. E de ora
Tereis mais novas se luzir melhora.

FONTE: IWAN FRANKÓ. Curitiba : Sociedade dos amigos da cultura ucraniana,


1988.
ANEXO 9 - TABELAS

A interpretação conduzida no presente trabalho está alicerçada em


pressupostos da história demográfica. Em grande parte, os dados para este tipo de
análise é de cunho quatitativo, tanto assim que, na PARTE III - A história
demográfica dos ucranianos: os dados de base, ocupei-me em apresentar um
conjunto de 71 (setenta e uma) tabelas geradas pelo programa SYGAP.

Neste anexo, constam as tabelas que foram elaboradas visando construir


dados não ofertados pelo programa citado e necessárias para fundamentar algumas
análises. A exceção é a TABELA A6, que reproduz aquela apresentada por CHAYANOV.

TABELA A l - DISTRIBUIÇÃO DAS FAMÍLIAS EM FUNÇÃO DA CHEFIA DO DOMICÍLIO,


1896

CHEFIA DO DOMICÍLIO
ESTADO CIVIL MULHER HOMEM TOTAL
CASADO 207 207
CASADO SEM MENÇÃO DO
CÔNJUGE 3 3
VIÚVO 4 5 9
SOLTEIRO 18 18
INDEFINIDO 21 21
TOTAL 4 254 258
FONTE: Censo da Colônia Antonio Olyntho - Números absolutos.
367

TABELA A2 - IDADES COMBINADAS DOS CÔNJUGES, 1896


HOMENS
MULHERES 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 TOTAL
10-14 1 1
15-19 6 4 10
20-24 3 9 5 1 1 T=69,5% 19
25-29 7 1Z 8 3 35
30-34 15 24 14 6 4 1 64
35-39 2 16 11 8 1 38
40-44 1 6 5 6 1 19
45-49 1 4 4 5 1 15
50-54 1 ¡111111 2 4
55-59 111111 1
60-64 T=4,8% 1 1
65-69 -

TOTAL 9 21 40 50 36 23 21 5 1 1 207
T=25,7%
FONTE: Censo da Colônia Antonio Olyntho - Números absolutos.
OBS.: A área reticulada destaca a ocorrência de casais com ambos os cônjuges na mesma faixa etária (25,7%).
Acima dessa linha as mulheres estão em faixas etárias abaixo da dos homens (69,5%); e, o lado inferior da tabela
mostra a situação inversa (4,8%).

TABELA A3 - DISTRIBUIÇÃO DOS IMIGRANTES CASADOS, COM FILHOS, EM GRUPOS


ETÁRIOS, 1896
IDADES HOMENS MULHERES
10-14 - 1
15-19 - 11
20-24 10 19
25-29 22 34
30-34 43 64
35-39 45 36
40-44 38 18
45-49 22 16
50-54 18 4
55-59 4 3
60-64 4 1
65-69 1 -

TOTAL 207 207


FONTE: Censo da Colônia Antonio Olyntho - Números absolutos.
368

TABELA A4 - DISTRIBUIÇÃO DOS DOMICÍLIOS PELO NUMERO DE FILHOS, 1896


NÚMERO DE FILHOS FAMÍLIAS
0 20
1 32
2 56
3 40 média: 2,7
4 34 moda: 2,0
5 19
6 12
7 3
8 1
TOTAL 217
FONTE: Censo da Colônia Antonio Olyntho - Números absolutos.
Este total difere dos demais por considerar os filhos dos viúvos e ainda um lote, cujo chefe é solteiro,
acompanhado pela mãe e dois irmãos.

TABELA A5 - RELAÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO ETÁRIA DAS MÃES E DOS FILHOS, 1896


IDADE E SEXO DOS FILHOS
HLHOS MÉDIA
0-4 5-9 10-14 15-19 20-24 25-29 30-34 POR DE %
IDADE N° FAIXA FILHOS
MÃES MÃES M F M F M F M F M F M F M F ETÁRIA
15/19 4 1 1 0,25 0,1
20/24 12 10 9 2 3 24 2,0 4,0
25/29 28 2616 8 U 3 2 66 2,3 11,0
30/34 65 3634 42 27 21 17 13 6 196 3,0 32,8
35/39 37 2211 25 16 22 21 9 8 134 3,6 22,5
40/44 21 16 3 9 12 U 4 12 14 3 1 85 4,0 14,2
45/49 14 2 6 U 10 9 6 10 U 3 3 1 72 5,1 12,0
50/54 3 1 1 3 1 4 1 1 12 4,0 2,0
55/59 3 1 1 2 1 1 6 2,0 LO
60/64 1 1 1 2 2,0 0,4
TOTAL 188 192 177 122 91 14 1 1 598 3,0
% 32,2 29,6 20,5 15,2 2,3 0,1 0,1 100
FONTE: Censo da Colônia Antonio Olyntho - Números absolutos.
369

TABELA A6 - COMPOSIÇÃO DA FAMÍLIA ESLAVA


ANOS DE NUMERO
EXISTÊNCIA IDADE DO IDADE DA IDADE DOS FILHOS DE
DA FAMÍLIA MARIDO MULHER 1° 2o 3o 4 o 5o 6 o 7" go 9o
PESSOAS
1 25 20 2
2 26 21 1 3
3 27 22 2 3
4 28 23 3 3
5 29 24 4 1 4
6 - 30 25 5 2 4
lllllllllll 31 26 6 3 4
8 32 27 7 4 1 5
9 33 28 8 5 111 5
10 34 29 9 6 3 5
11 35 30 10 7 4 1 6
12 36 31 11 8 5 2 6
13 37 32 12 9 6 3 6
14 38 33 13 10 7 4 •1H 7
15 39 34 14 11 8 5 .2-: 7
16 40 35 15 12 9 6 3 7
17 41 36 16 13 10 7 4 1 8
18 42 37 17 14 11 8 5 2 8
19 43 38 18 15 12 9 6 3 8
20 44 39 19 16 13 10 7 4 1 9
21 45 40 20 17 14 11 8 5 2 9
22 46 41 21 18 15 12 9 6 3 9
23 47 42 22 19 16 13 10 7 4 1 10
24 48 43 23 20 17 14 11 8 5 2 10
25 49 44 24 21 18 15 12 9 6 3 10
26 50 45 25 22 19 16 13 10 7 4 1 11
FONTE: CHAYANOV (1965, p. 57).
OBS.: A área reticulada destaca momentos do ciclo familiar apresentados por Chayanov semelhantes aos
encontrados entre os imigrantes de Antonio Olyntho.

TABELA A7 - CIDADE DE ORIGEM DOS NOIVOS, 1895-1949


CIDADE DE NASCIMENTO DO NOIVO
CIDADE DE ANTO-
NASCIMENTO DA NIO DA 20 a 70 a + de DA SEM TOTAL
NOIVA OLINTO GALÍCIA 70km 100 km 100km POLÔNIA MENÇÃO
ANTONIO OLINTO 448 82 16 20 12 1 47 626
DA GALÍCIA 17 397 2 7 6 24 453
20 a 70km 17 1 18
70 a 100km 5 7 12
+ de 100km 4 1 5
DA POLÔNIA 1 1
SEM MENÇÃO 32 14 46
TOTAL 523 502 18 27 13 7 71 1.161
FONTE: Registros paroquiais - Números absolutos.
370

TABELA A8 - CIDADES DE ORIGEM DOS NOIVOS, 1950 - 1980


CIDADE DE NASCIMENTO DO NOIVO
CIDADE DE ANTO-
NASCIMENTO DA NIO DA 20 a 70 a + de DA SEM TOTAL
NOIVA OLINTO GALÍCIA 70km 100km 100km POLÔNIA MENÇÃO
ANTONIO OLINTO LZ402.::::; 3 36 23 44 4 512
DA GALÍCIA 2 2
20 a 70km 29 29
70 a 100km 24 24
+ de 100 km 34 34
+ de 200km 10 10
SEM MENÇÃO 22 2 24
TOTAL 523 5 36 23 44 4 635
FONTE: Registros paroquiais - Números absolutos.

TABELA A9 - CIDADES DE ORIGEM DOS NOIVOS, 1895-1910.


CIDADE DE NASCIMENTO DO NOIVO
CIDADE DE
NASCIMENTO DA DA ANTONIO DA ARAUCÁRIA LAPA SEM TOTAL
NOIVA GALÍCIA OLINTO POLÔNIA MENÇÃO
DA GALÍCIA :::::3Ò9.::::::;:. 2 5 1 2 6 325
ANTONIO OLINTO 1 2 1 4
DA POLÔNIA 1 1 2
RIO NEGRO 1 1
SEM MENÇÃO 8 8
TOTAL 320 4 6 1 2 7 340
FONTE: Registros paroquais - Números absolutos.

TABELA A10 - ILEGITIMIDADE

TOTAL CONCEPÇÕES PRÉ-NUPCIAIS MÃES TOTAL DE


PERÍODO DE UNIÕES Interv. protog. Filhos nascidos SOLTEIRAS MÃES
0-7 mese antes de casar Subtotal
N°abs % N° abs. % N° abs. % N° abs. % NPabs % N°abs %
*

1895-1949 655 100 24 3,7 8 1,2 32 4,9 41 5,9 696 100

1950-1980 371 100 10 2,7 8 2,2 18 4,9 9 2,4 380 100

TOTAL 1.026 100 34 3,3 16 1,6 50 4,9 50 4,6 1.076 100


FONTE: Registros paroquais.
371

TABELA A l l - DISTRIBUIÇÃO MENSAL DOS CASAMENTOS, 1900-1949


JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ TOTAL
Números
Absolut. 60 113 5 15 116 82 38 46 47 84 45 35 686

Divisor 31 28,24 31 30 31 30 31 31 30 31 30 31 -

Número
por dia 1,93 4,0 0,16 0,5 3,74 2,73 1,23 1,48 1,57 2,71 1,5 1,13 22,68
Números
Proporc. 102 212 9 27 198 144 65 78 83 143 79 60 1.200
FONTE: Registros paroquiais.

TABELA A12 - DISTRIBUIÇÃO MENSAL DOS CASAMENTOS 1950-1980


JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ TOTAL
Números
Absolut. 63 59 U 39 121 24 52 16 70 43 24 16 538

Divisor 31 28,24 31 30 31 30 31 31 30 31 30 31 _
Número
por dia 2,03 2,09 0,35 1,30 3,90 0,8 1,68 0,52 2,33 1,39 0,8 0,52 17,71
Números
Proporc. 138 142 24 88 264 54 114 35 158 94 54 35 1.200
FONTE: Registros paroquiais.

TABELA A13 - DISTRIBUIÇÃO SEMANAL DOS CASAMENTOS, 1895-1949


SEG TER QUA QUI SEX SÁB DOM TOTAL
Números
Absolutos 66 418 15 22 14 92 43 670
Números
Relativos 69 437 15 23 15 96 45 700
FONTE: Registros paroquiais.

TABELA A14 - DISTRIBUIÇÃO SEMANAL DOS CASAMENTOS, 1950-1980


SEG TER 1 QUA QUI SEX SAB DOM TOTAL
Números
Absolutos 41 56 14 24 13 378 35 561
Números
Relata tivos 51 70 17 30 16 472 44 700
FONTE: Registros paroquiais.
ANEXO 10 - FOTOGRAFIAS

METROPOLITA ANDRE SZEPTETZKEI CHEGANDO A COLONIA ANTONIO OLYNTHO.


1922. COLEÇÃO PARTICULAR MARIA AIDINEY CUNICO BACH.
373

ESTANDARTE DA ASSOCIAÇÃO ESCOLAR METROPOLITA CONDE ANDRE


SZEPTETZKEI. A N T O N I O O L Y N T H O .
374

O "CÁLICE DO CIÚME".
375

CASA DO PADRE JOÃO MICHALCZUK. 1923. ESTADO DO PARANÁ.


FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 FONTES

1.1 Fontes paroquiais


CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES. 1922. Prudentópolis. Arquivo Provincial
da Ordem Basiliana.

LIVRO TOMBO DO CURATO ANTONIO OLYNTHO. 1911-1980. Arquivo da


Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Antonio Olinto.

REGISTROS de batizados, casamentos e óbitos. Paróquia Nossa Senhora da


Imaculada Conceição. 1902-1980. Antonio Olinto.

REGISTROS de batizados, casamentos e óbitos. Paróquia São José. 1896-1910.


Antonio Olinto.

1.2 Fontes oficiais

1.2.1 Fontes oficiais manuscritas


PARANÁ. Gabinete do Ministro da Industria ao Sr. Francisco Xavier da Silva. Pasta
dos Ministérios. Livro 337. (DEAP)

. Mensagem do Governador do Estado do Paraná lida perante o Congresso


Legislativo em 13 de novembro de 1895. (DEAP)

R. und R. Österreichisch - Ungarisches Consulat. Livro 1113, v. 05.1900. (DEAP)

REGISTRO de Immigrantes e Lotes do Núcleo Antonio Olyntho. 1896. Livro não


catalogado. (DEAP)

RELAÇÃO de desembarque de Immigrantes. Códice. 0444.1891. Fundo Immigração.


(DEAP)
377

RELAÇÃO dos Immigrantes chegados ao Estado do Paraná. Códice 0821. Fundo


Immigração. (DEAP)

RELAÇÃO dos Immigrantes chegados ao Paraná. Códice 0449.1896. Fundo


Immigração. (DEAP)

1.2.2 Fontes oficiais impressas


BRASIL. Ministério da Agricultura. Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária. Cadastro Rural de Antonio Olinto. 1964.

PARANÁ. Comarca da Lapa. Antonio Olinto. Cartório Distrital. Livros de Escrituras.


1920-1990.

Constituição política. Leis e regulamentos do estado do Paraná. Curityba :


Typ. d'A República, 1892.(Círculo de Estudos Bandeirantes)

. Forum da Lapa. Auto de Declarações. Chefatura de Polícia da Lapa.

Subdelegacia de Antonio Olinto. 1896-1990.

. Forum da Lapa. Processos-Crime. 1896-1990.

. Lapa. Antonio Claret Bueno. Tabelião - Ofício de Protesto da Cidade da


Lapa.

Leis e Regulamentos do Estado do Paraná de 1893. Curityba : Typ. da


Companhia Impressora Paranaense, 1893. (Círculo de Estudos Bandeirantes)

. Leis, decretos e regulamentos do Estado do Paraná : 1895-1896. Curityba :


Typ. da Penitenciária do Ahú, n.d. (Círculo de Estudos Bandeirantes)

. Mapas de Antonio Olinto. Mapoteca da Divisão de Regularização Fundiária.


Coordenadoria de Terras, Cartografia e Cadastro. Secretaria do Estado do Meio
Ambiente .

. Relação da Expedição de Títulos Definitivos de de Domínio Pleno de Terras


da Colônia Antonio Olinto. Divisão de regularização Fundiária. Coordenadoria
de Terras, Cartografia e Cadastro. Secretaria do Estado do Meio Ambiente.

. Relatórios de Presidentes de Província. 1854 -1889.


378

Relatórios de Presidentes/Governadores do Estado. 1890 -1930.

. Secretaria do Estado do Meio Ambiente. Pasta Antonio Olinto. Divisão de


Regularização Fundiária. Coordenadoria de Terras, Cartografia e Cadastro.

1.3 Publicações

1.3.1 Livros
ANAIS DA COMUNIDADE BRASILEIRO-POLONESA. v. 1 -8. Curitiba : Gráfica
Vicentina, 1971-1977.

CINCOENTENÁRIO DA ESTRADA DE FERRO DO PARANÁ. Curitiba :


Impressora Paranaense, 1935.

ESTADO DO PARANÁ. São Paulo : Empreza Editora Brasil, Capri & Olivero,
MCMXXIII.

KARMANSKYJ, P. Miz ridneme u pivdeniy Améretzi. Kiev:Viena:Lwiw : Tcahika,


n. d.

OLESKIW, J. Pro vilni zemli. Lwiw : Tovarystvo Prosvita, 1895.

1.3.2 Periódicos
BOLETIM COLONIAL E AGRICOLA DO ESTADO DO PARANÁ. Curitiba. 1907 -
1908. (Biblioteca Pública do Paraná).

PARANÁ MODERNO. Curitiba. 1911 (Museu Paranaense)

A REPÚBLICA. Curitiba. 1889-1930 (Museu Paranaense)

DIÁRIO DA TARDE . Curitiba. 1899-1950 (Museu Paranaense)

GAZETA DO POVO. Curitiba. 1919-1995 (Museu Paranaense)

DEZENOVE DE DEZEMBRO. Curitiba. 1880-1900 (Museu Paranaense)

O PRÁCIA. Prudentópolis. 1950. (Arquivo da Ordem dos Basilianos)


379

1.4 Outras fontes


CORRESPONDÊNCIA DE IWAN MICHALCZUK. Fundo 358. Arquivo Histórico
Nacional da República da Ucrânia. (Arquivo Metropolita Andrei Szeptetzkei)

EXPOSIÇÃO NACIONAL DO RIO DE JANEIRO. Catálogo do Estado do Paraná.


Agricultura, varias industrias, artes liberaes, pecuaria. Rio de Janeiro: Officinas
Graphicas, 1908. (DEAP)

AVANTAGES. Offerts aux émigrants que désirent s'établir dans l'empire du Brésil.
Correspondência do Governo. Requerimentos, v. 6. AP. 0588. (DEAP)

REGISTROS de Óbitos do Cartório Antonio Olinto. Curitiba. Microfilmes da Igreja


de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.

RELAÇÃO dos vapores atracados no porto do Rio de Janeiro, entre janeiro de 1895 e
setembro de 1895. Instrumento de Pesquisa. Rio de Janeiro. Arquivo Nacional.

1.5 Fontes orais

Entrevistas com moradores e antigos moradores da localidade (ver relação


no ANEXO 7).

Entrevistas com pessoas relacionadas à etnia ucraniana (ver relação no


ANEXO 7).

2 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Familles stables et familles mobiles. Un nouvelle approche de la fécondité


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