T - Andreazza, Maria Luiza PDF
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CURITIBA
1996
TERMO DE APROVAÇÃO
vi
Santos, Ricardo Wittig e Maria Ivone S. de Souza. Laercio dos S. Machado Filho, que
possibilitou a efetiva utilização do Programa SYGAP. A Serley M. F. Ranzi e Marco
Aurelio Pereira, companheiro sempre pronto a discutir questões técnicas e
conceituais, por terem compartilhados das angústias iniciais na operacionalização
do SYGAP. Ao Antonio César de A. Santos, que não poupou esforço e tempo para
colocar esta tese nos padrãos de apresentação exigidos e, principalmente, pelas
colocações teóricas substanciais e pela carinhosa troca de experiências.
À Antonia Schwinden, responsável pela revisão dos originais, por saber
unir competência e capacidade crítica a uma extrema sensibilidade para com o texto
e o autor. Convivência que abriu espaço a uma profícua relação pessoal.
Aos amigos Tatiana D. Marchetti, Valfrido S. de Oliveira Júnior e Sandro
Coneglian, interlocutores pacientes, que, juntamente com Cacilda, Décio, Leandro e
Roberto, me proporcionaram boas pausas no trabalho.
Às amigas Martha Kumagai, que durante a realização da tese soube
cultivar a nossa amizade e não economizou afeto aos seus "sobrinhos", e Patrícia
Trindade, incentivadora constante, que de uma maneira ou de outra esteve sempre
envolvida neste estudo.
Aos meus familiares. Meus pais, Alfredo e Maria Nilda, porque me
ensinaram que, antes de tudo, família é o lugar do amor. Esse valor sustentou a
relação que tiveram entre eles e com os filhos. Com eles aprendi que o empenho
aplicado nas relações pessoais e de trabalho é a medida de seu resultado. Meus
irmãos e cunhadas, Flávio e Jane, Antonio e Rosângela, Jorge e Mari, especialmente
Sérgio e Marila, com suas atenções me fazem vivenciar a família como espaço de
compromissos afetivos.
Aos meus filhos, Alfredo e Eduardo, com todo o meu amor. Eles estiveram
ligados a cada minuto da elaboração desta tese, compreendendo minhas angústias e
meus destemperos. Cada um deles, a sua maneira, compreenderá, um dia, o porquê
de tantas ausências, tantos planos não concretizados e perdoará, como sempre
fizeram, os momentos que me ocupei apenas em estudar a família e não em vivê-la.
Ao Antonio, pela solícita presença junto aos nossos filhos nas horas mais difíceis da
execução desta tese.
A Etelvina Maria de C. Trindade. Historiadora competente e perspicaz,
suas críticas e reflexões foram fundamentais no desenvolvimento deste trabalho.
Percorreu comigo todas as etapas de minha vida profissional e com ela dividi as
alegrias e angústias desta pesquisa e de seus desdobramentos. A mão estendida e o
coração aberto...
viii
SUMÁRIO
XV
2.1.2 A codificação dos óbitos 272
2.1.3 A codificação das uniões 272
2.1.4 A codificação do fim da união 273
3. A ANÁLISE DEMOGRÁFICA DA FECUNDIDADE 276
3.1 TIPOLOGIA DAS FAMÍLIAS 276
3.2 TIPOS DE NASCIMENTO 280
3.3 AS TAXAS DE FECUNDID ADE 283
3.4 INTERVALO ENTRE OS FILHOS 291
3.4.1 Intervalos protogenésicos 291
3.4.2 Intervalos intergenésicos 295
3.4.3 Intervalos sucessivos 297
3.5 IDADE MÉDIA DA MÃE NO ÚLTIMO NASCIMENTO 300
3.6 DISTRIBUIÇÃO DAS FAMÍLIAS SEGUNDO O NÚMERO DE FILHOS.... 302
3.7 MASCULINIDADE DOS NASCIMENTOS 303
3.8 SAZON ALIDADE DOS NASCIMENTOS 304
4 A ANÁLISE DEMOGRÁFICA DA NUPCIALIDADE 306
4.1 TÁBUA DE NUPCIALIDADE 306
4.2 IDADE DOS CÔNJUGES 307
4.3 ESTADO MATRIMONIAL DOS CÔNJUGES 309
4.4 IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES 310
4.5 FREQÜÊNCIA DO RECASAMENTO E DURAÇÃO DA VIUVEZ 313
4.6 DURAÇÃO DA UNIÃO 315
4.6.1 Duração fecunda da união a partir do primeiro nascimento 316
4.6.2 Duração fecunda da união a partir do casamento 317
5. SEXO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE 319
6. MOVIMENTO MENSAL DE CASAMENTOS 321
ANEXOS 322
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 376
xi
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
xiii
LISTA DE GRÁFICOS E DIAGRAMAS
XV
LISTA DE TABELAS
xvii
37 PRIMEIRO INTERVALO INTERGENÉSICO - CELIBATÁRIOS
- COORTE 2 297
38 PRIMEIROS INTERVALOS SUCESSIVOS - COORTE 1 298
39 PRIMEIROS INTERVALOS SUCESSIVOS - COORTE 2 298
40 ÚLTIMOS INTERVALOS SUCESSIVOS - COORTE 1 299
41 ÚLTIMOS INTERVALOS SUCESSIVOS - COORTE 2 299
42 INTERVALOS ENTRE OS NASCIMENTOS
RECENSEADOS - COORTE 1 300
43 INTERVALOS ENTRE OS NASCIMENTOS
RECENSEADOS - COORTE 2 300
44 IDADE MÉDIA DA MÃE NO ÚLTIMO NASCIMENTO
- COORTE 1 301
45 IDADE MÉDIA DA MÃE NO ÚLTIMO NASCIMENTO
- COORTE 2 301
46 NÚMERO MÉDIO DE FILHOS NAS FAMÍLIAS,
SEGUNDO A IDADE AO CASAR DA MULHER - COORTE 1 302
47 NÚMERO MÉDIO DE FILHOS NAS FAMÍLIAS,
SEGUNDO A IDADE AO CASAR DA MULHER - COORTE 2 303
48 MASCULINIDADE DOS NASCIMENTOS - COORTE 1 303
49 MASCULINIDADE DOS NASCIMENTOS - COORTE 303
50 MOVIMENTO MENSAL DAS CONCEPÇÕES E
DOS NASCIMENTOS - COORTE 1 304
51 MOVIMENTO MENSAL DAS CONCEPÇÕES E
DOS NASCIMENTOS - COORTE 2 305
52 TÁBUA DE NUPCIALIDADE DOS CELIBATÁRIOS - COORTE 1 307
53 TÁBUA DE NUPCIALIDADE DOS CELIBATÁRIOS - COORTE 2 307
54 IDADE MÉDIA DOS CÔNJUGES NO PRIMEIRO
CASAMENTO - COORTE 1 308
xviii
55 IDADE MÉDIA DOS CÔNJUGES NO PRIMEIRO
CASAMENTO - COORTE 2 309
56 ESTADO MATRIMONIAL DOS CÔNJUGES - COORTE 1 309
57 ESTADO MATRIMONIAL DOS CÔNJUGES - COORTE 2 309
58 IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES AO CASAR - COORTE 1 310
59 IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES AO CASAR - COORTE 2 311
60 IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES NO PRIMEIRO
NASCIMENTO RECENSEADO - COORTE 1 312
61 IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES NO PRIMEIRO
NASCIMENTO RECENSEADO - COORTE 2 312
62 IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES NO ÚLTIMO
NASCIMENTO RECENSEADO - COORTE 1 313
63 IDADE COMBINADA DOS CÔNJUGES NO ÚLTIMO
NASCIMENTO RECENSEADO - COORTE 2 313
64 FREQÜÊNCIA DO RECASAMENTO E DURAÇÃO
DA VIUVEZ - COORTE 1 314
65 FREQÜÊNCIA DO RECASAMENTO E DURAÇÃO
DA VIUVEZ - COORTE 2 315
66 DURAÇÃO DA UNIÃO - COORTE 1 316
67 DURAÇÃO DA UNIÃO - COORTE 2 316
68 DURAÇÃO FECUNDA DA UNIÃO A PARTIR DO PRIMEIRO
NASCIMENTO - COORTE 1 317
69 DURAÇÃO FECUNDA DA UNIÃO A PARTIR DO PRIMEIRO
NASCIMENTO - COORTE 2 317
70 DURAÇÃO FECUNDA DA UNIÃO A PARTIR DO
CASAMENTO - COORTE 1 318
71 DURAÇÃO FECUNDA DA UNIÃO A PARTIR DO
CASAMENTO - COORTE 2 318
xix
72 SEXO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE - COORTE 1 319
73 SEXO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE - COORTE 2 320
74 MOVIMENTO MENSAL DE CASAMENTOS - COORTE 1 321
75 MOVIMENTO MENSAL DE CASAMENTOS - COORTE 2 321
XX
INTRODUÇÃO
Nem cronológico, nem linear, nem único: hoje se reconhece que o tempo
vivido envolve uma multiplicidade de temporalidades desdobradas em cadências
dissonantes. Na idéia de que diversos ritmos de tempo perpassam o real, têm sido
sedutoras e recorrentes as formulações teóricas que conferem à longa duração, ou à
estrutura, primado em relação aos demais ritmos temporais. Em decorrência
verificou-se não apenas uma desvalorização do tempo curto, como também
desenvolveu-se a noção de polaridade entre evento e estrutura, sustentada pela
concepção de serem antagônicos o suceder dos acontecimentos na história e a
imutabilidade da estrutura.
Entendendo que essa oposição é fruto do pensamento ocidental no qual
mudança e estabilidade são compreendidos como contrários lógicos e ontológicos1,
Sahlins propõe uma interpretação da sociedade pelo viés simbólico combinando os
dois extremos das dimensões temporais. Para ele na natureza da ação simbólica,
sincronia e diacronia coexistem em uma síntese indissolúvel. A ação simbólica é um
composto duplo, construído por um passado inescapável e por um presente
irredutível.2
Com base no pressuposto de que a ação social é ao mesmo tempo
reprodução da cultura e fator de sua alteração, Sahlins descaracteriza a dicotomia do
tempo longo e tempo curto formalizando a tese de "transformação estrutural" em
função da contínua interação entre estrutura e fato. Se o que informa a prática de
relações sociais é uma determinada consciência cultural tradicional, quando ela é
confrontada com a experiência cotidiana - e mais intensamente com 03 eventos
1 SAHLINS, M. Ilhas da história. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 1990. p. 180.
2 Ibid., p. 189.
2
3 Ibid., p. 7.
4 Ibid., p. 189.
5 Ibid., p 185.
3
6 A opção por designar os imigrantes também como rutenos deu-se em virtude da forma
pela qual eles se autonominavam. Esta designação étnica, nas primeiras décadas do século XX, foi
recorrente para designar os ucranianos, não apenas na comunidade, mas em todo o Paraná. Em
Antonio Olyntho, especificamente, a menção a ucranianos só vai aparecer, nas atas dos registros
paroquiais, depois da década de 1920. Era tão disseminada a expressão rutenos que um dos
principais periódicos da etnia, o Micionar, até 1915 recebia a denominação de Missionário para os
Ruthenos do Brasil e a partir de então passou a se chamar Missionário para os Ucranianos no Brasil.
Não cabe a este trabalho explicar de que maneira a preferência pela expressão ucranianos prevaleceu;
somente para acompanhar a designação de época, vai-se utilizar de forma equivalente as
denominações rutenos e ucranianos.
* * *
* * *
de vista que informavam a relação dos párocos com seus fiéis. Esse livro e a
Correspondência de Iwan Michalczuk, escrita para a Galicia na década de 1910,
foram preciosos, principalmente para subsidiar a análise do personagem João
Michalczuk, pároco da localidade durante 39 anos, figura fundamental na história
do grupo imigrante em estudo. Pôde-se consultar também cartas escritas pelos
imigrantes e endereçadas à Galicia e cabe destacar aquela coletivamente enviada, em
1922, ao Metropolita Andrei Szeptetzkei, que deu voz aos anseios e frustrações de 50
pioneiros. Nesse documento, eles refazem sua história de emigrante, dando a
conhecer suas avaliações a respeito da aventura na qual haviam se embrenhado.
A instalação da colônia, as atividades econômicas - basicamente nas
primeiras décadas do século XX -, como também a relação dos colonos com o padre
Michalczuk puderam ser acompanhadas nos relatórios oficiais do governo
paranaense e em jornais, tanto aqueles editados na capital paranaense quanto os
dirigidos especificamente para a etnia ucraniana. Destacaram-se os periódicos A
República, o Diário da Tarde e a Gazeta do Povo como também o Pracia, o Prapor e
o Missionar. Outros fragmentos da experiência dos colonos e de seus descendentes
foram encontrados em outras publicações, destacando-se o Estado do Paraná
(década de 1920) e a uma crônica de viagem escrita por Karmanskyj, intelectual
ucraniano, que visitou Antonio Olyntho por volta de 1922.
As entrevistas11 - realizadas com diversos moradores da localidade -
constituíram fonte especial para o estudo da natureza da linguagem social da
comunidade, descortinando as práticas cotidianas e os acontecimentos excepcionais.
A análise do conteúdo das falas dos ruten os/ ucranianos permitiu que se
identificassem significados nos atos integrantes das diversas etapas da composição
domiciliar, aclarando a interpretação do sentido das relações familiares.
* * *
13Coorte designa "a classe ou conjunto de indivíduos que apresentam o mesmo fenômeno
em dado período de tempo; logo, uma coorte de nascimentos é sinônimo de geração, uma coorte de
casamentos é o conjunto de pessoas que se casaram em determinado período". Cf. DICIONÁRIO
DEMOGRÁFICO MULTILÍNGÜE. Rio de Janeiro : Fundação IBGE, 1969. p.18. Neste trabalho, a
população em estudo foi dividida em duas coortes: a primeira, entre 1895 e 1949; a segunda, entre
1950 e1980.
10
* * *
12
laços familiares que deram suporte tanto à trajetória da vida do grupo imigrante e de
S E D E D A P A R Ó Q U I A N O S S A S E N H O R A D A I M A C U L A D A C O N C E I Ç Ã O . 1992.
PREFEITURA MUNICIPAL DE A N T O N I O O L I N T O .
PARTE I
EMIGRAÇÃO E ESTABELECIMENTO DA COLÔNIA
1 DAS RAZÕES PELAS QUAIS ELES EMIGRARAM
Toda a viagem tem sempre os mesmos momentos consecutivos: a partida, que reproduz
ontogenéticamente o trauma do nascimento, o instante em que cada um de nós é expelido
do útero para a viagem da vida, e filogeneticamente o momento em que os primeiros
homens abandonaram a sua pátria; o percurso, travessia biográfica recapitulando
travessias pré-históricas; a chegada, novo habitat, savana, pradaria, floresta; e sobretudo
o momento humano por excelência, que movimenta todo este processo, a viagem como
desejo, a fantasia do novo, a esperança de chegar, o encontro com o país sonhado.
S. P. ROUANET
A prepotência dos ricos sobre os pobres foi a causa porque o povo ia aos poucos
abandonando a terra do seu berço com o intuito de alem do vasto oceano melhorar a sua
deplorável condição.- Primeiramente eram a América do Norte e o Canada os países
aonde o povo affluia afim de la grangear-se um sofrível sustento - Só mais tarde foi
considerado o Brasil, como o paraíso de delicias, ao qual principiou em 1894 emmigrar o
nosso povo ucraniano da Galicia oriental5, (sem grifo no original)
Parte dos rutenos, durante o século XIX, era formada por habitantes da
Galicia - à época, a maior província do Império austro-húngaro5, portanto, desde
1772, integrava o Império dos Habsburgos. Em sua maioria eram camponeses socio-
económicamente submissos à nobreza polonesa.
Conforme um recenseamento da década de 18806, da população total,
5.958.907 habitantes, os poloneses representavam 40% e os rutenos outros 40%. A
população restante dividia-se majoritariamente entre judeus e alemães7.
Os poloneses concentravam-se na Galicia Ocidental, onde eram tanto
proprietários de terras quanto camponeses. Já, na Galicia Oriental, ainda que em
minoria, constituíam a nobreza detentora das terras; os demais poloneses desta
região eram funcionários ligados à burocracia ou a atividades urbanas. Os dois
milhões e meio de ucranianos concentravam-se na Galicia Oriental e sobretudo
ocupavam a zona rural na qualidade de camponeses. Os judeus estavam dispersos
4 Ibid., p. 3.
5 A Galicia era a província situada mais a noroeste do Império aüstro-húngaro,
perfazendo 10% da sua área total e concentrando aproximadamente 15% da sua população total.
6 Esse recenseamento não privilegiou a categoria nacionalmente, mas sim religião e língua
coloquial. A respeito, ver: HOBSBAWM, E. Nações e nacionalismos desde 1780 : programa, mito e
realidade. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1990. p.101-153.
7 HIMKA, J. P. Galician villagers and the Ukrainian national movement in the
nineteenth century. Edmonton : Canadian Institute of Ukrainian Studies, 1988. p. xxiii.
17
por toda a região, e os alemães viviam nas grandes cidades, onde se ocupavam da
burocracia8.
Considerando o contexto econômico do leste europeu durante o século XIX,
a concentração dos ucranianos em zonas rurais é bastante reveladora de sua situação.
C. MORAZÉ delineia um quadro sombrio deste estrato social, referindo-se às primeiras
décadas do oitocentos:
Desde que nos afastamos do Reno, vemos a velha divisão de terras em folhas trienais
bordadas de terras comunais e de florestas, a velha rotação das culturas que manteve os
camponeses da Idade Média.[..] No leste [...] apesar dos esforços tumultuosos de José E,
os constrangimentos que pesavam sob o servo continuavam a ser de um extremo rigor.
Citam-se camponeses que têm de trabalhar de noite em suas terras, por ter estado do
nascer ao pôr-do-sol ocupados pelo trabalho em benefício do senhor. E ao falarmos de
terras camponesas não devemos esquecer que nelas não existe o regime de propriedade
individual: as terras [...] pertencem à aldeia que as administra comunalmente. E a partir
do Elba, à medida que penetramos na Polônia e na imensa Rússia, este sistema
comunitário camponês afirma-se, adquirindo a fixidez geográfica .
5
8 Ibid., p. xxiii.
9 MORAZÉ, C. Os burgueses à conquista do mundo : 1780-1895. Lisboa : Edições
Cosmos, 1965. p. 40.
18
desenvolvia nesse período, as obrigações dos servos eram basicamente quitadas com
o trabalho - ainda em 1845, a maior parte delas continuava a ser paga pela corvéia
(83,2 %).10 Por ela, o camponês trabalhava alguns dias da semana nas terras dos
nobres, nas obras do Estado ou pela glória de Deus: uma obrigação servil que
chegava a consumir vários dias da semana11.
Para coibir tais excessos, especificamente os praticados pela nobreza
latifundiária, desde o final do século XVIII, a Coroa austríaca ocupava-se com
reformas, passando a legislar sobre este assunto. Atingidos pelo iluminismo, Maria
Teresa12 e, principalmente, José II13 passaram a desfazer uma série de laços feudais,
tornando o campesina to um objeto da lei14.
Algumas das medidas mais importantes dos soberanos austríacos, ainda na
década de 1780, foram a limitação da cobrança da corvéia a um máximo de três dias
por semana por domicílio; a proibição estrita de qualquer cobrança adicional à
corvéia estatutária; a criação de um cadastro que assegurava ao camponês a posse
dos lotes que ocupava e cultivava; a organização administrativa das aldeias, que
passaram a eleger seus oficiais; a garantia de certos direitos individuais básicos,
como o de casamento sem a prévia permissão do senhor, e o direito de apelar nos
órgãos de administração estatal15. Com essas reformas, o camponês obteve alguns
direitos e com eles uma relativa alteração no seu estatuto social.
abolida no bojo dessas reformas. Aí "todos os súditos viram assegurado o direito de livre escolha em
matéria de casamento, migração, trabalho, ocupação e propriedade. Nos locais onde ela não existia [e
é este o caso da Galicia], foi assegurado aos camponeses a garantia da posse da terra e aos nobres
proibiu-se a compra de parcelas." (ANDERSON, P. Linhagens do estado absolutista. São Paulo :
Editora Brasiliense, 1985. p. 319)
19 RUDNYTSKYJ, op. cit., p. 316-7.
20 HIMKA, op. cit., p. 3.
15 Ibid., p . 316.
20
22 Ibid., p. 8.
23 Ibid., p. 49.
24 Ibid., p. 49.
A respeito dessa tensão é esclarecedora a análise de Himka quando diz que os conflitos
25
Apesar das vitórias das forças sociais conservadoras, o período foi pautado
naquilo que um estudioso do assunto chama do conflito entre serfdom and
servitudeS26. Essa tensão traduzia-se inicialmente, como foi descrito acima, nas
estratégias desenvolvidas pela nobreza polonesa no sentido de continuar recebendo
dos camponeses o tributo da corvéia e, de outro, nas dos camponeses rutenos de
manter os direitos tradicionais da exploração familiar e comunal da terra.
Outra faceta desse conflito esteve articulada à exigência de que os
camponeses indenizassem os nobres pelos prejuízos causados com sua emancipação.
Naturalmente, os camponeses se rebelaram contra tal ressarcimento. As palavras de
um deputado-camponês, no Parlamento austríaco, expressam tal oposição: Eles [os
senhores de terras] não terão que nos indenizar pelo que nós fízemos: nós
trabalhamos para eles, dia e noite, por centenas de anos, muitas vezes passamos
fome e destruímos nossa saúde e nossas propriedades em função deles. Assim não
têm direito a qualquer compensação27.
A despeito dessa posição em contrário, o Parlamento e o Imperador
decidiram ressarcir a nobreza. Os camponeses deveriam pagar tal compensação até
189828, com impostos adicionais para permitir que o governo da Galicia indenizasse
os nobres.
Por isso mesmo, a tensão social agudizou-se após 1848, pois a dominação
econômica e a propriedade quase que exclusiva da terra mantinham-se nas mãos da
nobreza latifundiária. Um levantamento, em 1900, mostra que 40% das terras
agricultáveis e das florestas da Galicia ainda eram propriedade exclusiva dos nobres.
did: we worked for them for centuries day and night, more than once while we are hungry, and we
destroyed our health and property on account of them. Therefore they are not entitled to any
compensation".
28 Ibid., p. 29. Até 1898 os camponeses da Galicia Oriental pagaram, a título dessa
indenização, mais de 50 milhões de florins (gulden) e cerca de 62 milhões em juros. Pode ser
lembrado que os imigrantes em estudo chegaram ao Brasil em 1895. (ibid., p. 29)
22
Sem direito às terras comuns, depois de 1848, cerca da metade das famílias
camponesas da Galicia passou a obter seus ganhos com o trabalho nessas terras.
Evidentemente, o fundamento desse conflito entre nobres e camponeses foi a
ausência da garantia do direito à propriedade acompanhando a abolição da
servidão29.
29 Ibid., p. 146.
30 A historiografia nacionalista situa as origens da Ucrânia no século IX, com o reino de
Rush'deKiev, alinhando uma seqüência de eventos políticos e sociais que fornecem a imagem de um
país que, outrora, não apenas teve soberania, como também expressão política e econômica
significativa no contexto do leste europeu. As origens do Estado ucraniano estão situadas, assim, por
volta do século IX, com a organização do Principado de Kiev ou de Rush' de Kiev. O século X marca
um período de glória, quando reinava o Grão-Príncipe Volodymyr. Em seu reinado as regiões
vizinhas são unificadas e decreta-se o cristianismo como religião oficial, passando o Principado a
receber influência direta da Igreja greco-bizantina. Merece ser apontado que este tipo de construção
historiográfica é questionável, entre outras coisas, justamente por pressupor uma ininterrupta
linearidade histórica. Um especialista em história política da Ucrânia adverte dos perigos desta
lineariedade, considerando que "Ukraine is a tipically East Nation in that its history is marked by
degree of descontinuity."(RUDNYTSKYJ, op. cit., p. 11)
31 P. ANDERSON indica que, ainda no século XVI, o Estado Absolutista do Leste foi uma
"máquina repressiva de uma classe feudal que acabara de suprimir as tradicionais liberdades
comunais da população pobre. Foi um mecanismo para a consolidação da servidão num ambiente
em que não existiam cidades autônomas ou uma resistência urbana. A reação senhorial no Leste
significou que um novo mundo tinha que ser implantado de cima para baixo, à viva força. A dose de
violência injetada nas relações sociais foi proporcionalmente muito maior [que no Ocidente], O
Estado absolutista do Leste nunca perdeu os sinais desta experiência originária." (ANDERSON, P.,
op. cit., p.196)
23
Com efeito, havia, na primeira metade do século XIX, por parte da Coroa
austro-húngara, uma clara política de desestimulação do ensino para as camadas
populares nas regiões da Galicia. É significativo que, em 1842, somente 15% das
crianças galicianas freqüentassem a escola, enquanto em outras regiões do Império,
como na Boêmia, verificava-se uma freqüência de 94%; em toda a Áustria (com
exceção da Galicia) este índice era de 75% 36 .
A situação daqueles rutenos inspirava os lamentos de poetas nacionalistas,
como I. FRANKÓ:
36Ibid., p. 10-16. O autor, neste sentido, afirma também: "In fact, the peasants'ignorance
was almost as important as violence imn maintaining the feudal system." (p. 14)
37 Esses são os versos iniciais de Moisés, de Iwán Franko, em que o poeta "se identifica
com o vate judeu, vendo na historia bíblica urna parábola da historia de seu próprio povo".
(KOLODY, H; SELANSKI, W. Moisés. Curitiba : Sociedade dos Amigos da Cultura Ucraniana, 1981.
p. 14)
38Pode-se atribuir vuna certa defasagem no despertar da moderna consciência nacional
ucraniana, à própria dispersão territorial desta etnia. Parte do território como herança de Rush' de
Kiev pertenceu, durante mais de 120 anos, à Russia e a outra à Áustria. Para KOZIK, que se ocupou
em estudar detalhadamente o nacionalismo no período que vai de 1815 à 1849 "the division
contributed in large mesure to retarding national revival and the formation of a modern national
25
consciousness among Ukrainians." (KOZIK, J. The Ukrainian national movement in Galicia. : 1815-
1849. Edmonton : Printing Services, University of Alberta, 1986. p.16)
39 Em relação ao movimento protonacional vale lembrar a associação feita por
HOBSBAWM de que, sendo a nação moderna "uma comunidade imaginada", a dissiminação do
"patriotismo nacional" tornou-se rapidamente uma força política poderosa em função de os Estados
e os movimentos nacionais terem mobilizado certas variantes de sentimento de vínculo coletivo já
existente. Ele chama tais laços de protonacionais. (HOBSBAWM, op. cit., p. 63)
40 Em português, Prosvita significa Iluminação.
41 RUDNYTSKYJ, op. cit., p. 385. De maneira geral a bancada de deputados eleitos pelo
Por seu lado, o governo austríaco, desde os finais da década de 1860 passou
efetivamente a incentivar a educação obrigatória em todas as regiões do Império,
bem como a favorecer uma relativa liberdade de imprensa. Contudo, nas condições
da Galicia, sob a hegemonia da nobreza polonesa, essa iniciativa não foi
integralmente implementada. A situação refletiu-se no quadro desolador para a
região: em 1880 somente 17,3% dos homens e 10,3% das mulheres conseguiam 1er e
escrever. Isto destoava do total do Império onde as percentagens eram 61,9 e 55,13%,
respectivamente, de homens e mulheres alfabetizados. Umas das razões do
analfabetismo de adultos e da baixa freqüência escolar das crianças pode ser
atribuída em parte às condições econômicas do campesinato. Sabendo-se que, em
economias camponesas, o valor primordial é o trabalho físico, é compreensível a
relutância do campesinato tradicionalista em escolarizar seus filhos. Contudo, os
impasses gerados pelas disputas em torno dos direitos servis ensinou uma lição aos
rutenos, que passaram afrouxar um pouco sua resistência quanto à escolarização.
42 Outro aspecto dessa "revolução cultural" se deu com a veiculação de diversos jornais
em língua ucraniana a partir dos anos de 1848/49 - então impressos em Viena. Contudo, mesmo que
a partir da década de 1860 passassem a ser editados na Galicia, esses jornais só viriam a atingir uma
"massa considerável" de leitores após a década de 1880.
43 HIMKA, op. cit., p. 59.
44 Anatoly era maestro e Omelian, advogado.
27
contextos mais importantes entre os muitos em que a palavra tem sido usada. Pela forma de ação dos
populistas rutenos os movimentos nacional-populistas da Galicia, entre os quais a Prosvita,
aproximam-se ao sentido dado por Lenin quando interpretou a ideologia deste tipo de populismo
como um protesto contra o capitalismo a partir do ponto de vista dos pequenos produtores,
particularmente dos camponeses, cuja posição estava sendo enfraquecida pelo desenvolvimento
capitalista mas que, não obstante, queriam uma dissolução do sistema feudal. (ALAVI, H.
Populismo. In: BOOTMORE, T. (org.). DICIONÁRIO DO PENSAMENTO MARXISTA. Rio de
Janeiro : Jorge Zahar Editor, 1988. p. 290 )
47 O primeiro jornal veiculado pela Prosvita chamava-se Pyzmo z Prosvity. Contudo,
como o estatuto da Sociedade Prosvita não permitia um engajamento em ações políticas diretas, os
nacional-populistas fecharam esse jornal e passaram a expressar-se através do Batkivshchyna que,
formalmente, era independente do movimento Prosvita. (HIMKA, op. cit., p. 70)
48 Ibid., p.86.
49 Salas de leitura.
50 O número de membros dos clubes de leitura espalhados pelas diversas aldeias da
Galicia era variado, apresentando grupos em torno de cinqüenta a até mais de cem sócios; a média
mais freqüente era de quarenta a sessenta membros. Em meados da década de 1880, havia
quatrocentos clubes de leitura e em 1914 já eram mais de três mil, espalhados pela Galicia. (HIMKA,
op. cit., p. 90).
28
51 Ibid., p.125.
52 HOBSBAWM indica como causas da manutenção de movimentos sociais pré-políticos
havidos em vários países, entre os quais, na Ucrânia até finais da década de 1910, o fato de que seus
participantes "não cresceram junto com ou dentro de uma sociedade moderna: foram jogados nela
29
[...] seu problema é como adaptar-se à vida e as lutas desse mundo". (HOBSBAWM, E. Rebeldes
Primitivos, Rio de Janeiro : Zahar Editores, 1978. p.13)
53 HILTON, R. Um comentário. In: SWEEZY, P. et al. A transição do feudalismo para o
capitalismo. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1976. p.154.
30
54 HIMKA, op. cit., p. 160. No original: "At least from 1848 until the turn of the century,
capitalism as such did not exist in Galicia. Instead, the economy was based on petty producers, and
therefore a fundamental precondition of capitalism - the separation of the labourer from the means
of production - was lacking".
55 Ver supra, item 1.1, "Uma sociedade em descompasso", neste capítulo.
TERLETSKY, op. cit., p. 336. Em 1912, a Prosvita contava com 257 uniões de crédito,
56
A agricultura foi a vítima mais espetacular desse declínio dos lucros. [...] Sua produção,
que havia aumentado muito no decorrer das décadas precedentes [...] agora inundava o
mercado mundial. [...] As conseqüências para os preços agrícolas, tanto na agricultura
européia como nas economias exportadoras ultramarinas, foram dramáticas. Em 1894 o
preço do trigo era apenas um pouco mais de um terço do que fora em 1867 - um prêmio
esplêndido para os compradores, mas um desastre para os agricultores e trabalhadores
agrícolas, que ainda representavam entre 40 a 50% dos trabalhadores do sexo masculino
nos países industrializados [à exceção apenas da Inglaterra] e até 90% nos outros países 57 .
Tal situação econômica gerava as mais distintas reações locais58, sendo que
a de muitos rutenos galicianos foi a imigração.
57 HOBSBAWM, E. A era dos impérios : 1875-1914. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1988.
p .59-60.
58 Conforme HOBSBAWM, as reações da população européia às crises do capitalismo se
davam, principalmente, em função das condições gerais da economia em questão. Oscilavam, assim,
entre a rebelião camponesa (Irlanda e Sicilia), a modernização da agricultura (Dinamarca) e ainda na
opção pelo protecionismo com o aumento das tarifas alfandegárias (Alemanha, França). Ele aponta
que, nas regiões periféricas da Europa, as reações não-governamentais mais comuns foram
emigração e formação de cooperativas. Esse contexto levou, a partir de 1880, a um incremento das
taxas de imigração ultramarina nos países com imigração antiga e o início da emigração em massa de
países, como a Itália, Espanha e Austria-Hungria, seguidos pela Rússia e pelos Bálcãs. Para o autor, a
imigração resolvia as tensões internas dos países exportadores de população à medida que mantinha
a pressão social abaixo do ponto de rebelião ou revolução. (HOBSBAWM, ibid., p. 60-61)
32
Na maior parte dos casos, o trabalho permanece, se não individual pelo menos familiar. O
que prevalece é a preocupação duma repartição fraternal dos encargos. O imposto, o
recrutamento militar, os atrasos da dívida financeira são suportados não por cada família,
33
mas pela aldeia inteira e é a aldeia que fixa agora a parte de cada um em função das suas
possibilidades. A aldeia sustenta as crianças, as viúvas, os velhos e não lhes pede senão
pequenos trabalhos em troca. Quando se espalha a voga da instrução, a aldeia cria por
vezes um pecúlio para ter a própria escola [...]. A intervalos periódicos, a aldeia divide as
suas terras em lotes, de forma a que cada lote ofereça uma actividade equilibrada
segundo as possibilidades daquele que terá o encargo.[...] Encontram-se casos assás raros
em que o hábito da divisão foi abolido, mas mesmo nestes casos a solidariedade persiste e
as colheitas devem estar a serviço de todos: o mir tem pena de todos, diz o provérbio 59 .
nacional, opiniões políticas, e em alguns casos, uma atitude mais crítica para com a
. 61
igreja .
61 Ibid., p. 193-194. No original: "The introduction of the print culture effected changes
in almost all aspects of peasants life and folk ways. It meant, for example, that theatre was added to
the peasant's entertainments, that clock time was starting to replace solar and stellar time, that
tradicional religious and seasonal feasts were now supplemented by new print-culture holidays [...];
that tradicional folk medicine was now being denouced as harmful and stupid superstition by
readind peasants [...] The print culture also drastically altered the peasant world-view: the readind
peasant developed a modern national consciousness, political opinions and, in some cases, a more
critical attitude to the church".
62Na PARTE I, Capítulo 3, Item 3.1 - De polacos a rutenos, encontra-se uma explicação
da divisão desses ritos.
63 Esses costumes implicam aquilo que é chamado de fé dual, pela coexistência de crenças
tanto pagãs quanto cristãs. Um especialista no assunto aponta tal dualidade nas práticas da igreja
católica de rito grego: "The tolerance was reflected in the durability of ancient pagan customs wich
were given Crhristian character by the Church. These customs manifested themselves in the so-called
dual faith (dvoieviria-the coexistance in the popular customs of both pagan and Christian beliefs) the
remnants of wich survived until the radical social-economic reforms in the USSR and completely
changed the rural way of life." (KOROWYTSKY, I. Constitution of Ukrainian churches. In:
UKRAINE : A CONCISE ENCYCLOPAEDIA, v.2, p 231)
64 Ibid., p 230-231.
35
ucraniano realizava na cultura camponesa em finais do século XIX, o autor afirma também: "It is
reasonable to suppose, therefore, that the peasantry was evolving from a superstitious form of
religion to a more rational form of religion during this period. One might even say that there was a
small-scale Reformation underway in the Ukrainian village in the late niniteenth and early twentieth
centuries".(cf. p. 203)
66 Ibid., p. 94. No original: "there is no reason to be surprised that our village people,
being litle enlightened, do not understand the benefit of reading clubs for their enlightenment, and
being conservative, they find it difficult to accustom themselves at first to something that has not
been in the village for ages past."
36
* * *
para o Brasil. Calcula-se que, entre 1890 e 1913, aproximadamente 700 a 800 mil rutenos/ucranianos
da Galicia e da Transcarpácia deixaram a região. (RUDNITSKYJ, op. cit., p. 336)
37
On peut donc dire en tout sincérité aux emigrants: Vous voulez émigrer? Allez au Brésil.
Si vous êtes laborieux et honnêtes, vous y aurez la certitude de devenir propriétaire en
peu de temps, et d'être riche après une dizaine d'années.
C.PINTO JUNIOR, 1874
I a k b e meni chto skazav v odnim slovi oznatchete tchem iest dla nachych emigrantiv
Brazylia, vidpovivbem: hrobom. Ne tilhke hrobom vsiakym nadiam na lipchu
budutchnist, aie taky doslivno Hrobom 7 .
OLESKOW, 1895
1 Se alguém pedir para eu dizer em uma palavra o que o Brasil significa para nosso
emigrantes eu responderia: o túmulo. Não somente túmulo para todas as esperanças de um futuro
melhor mais literalmente O túmulo, (tradução livre)
2Cf. Reprodução de documento - "Prospectus", supra p. 37. AVANTAGES. Offerts aux
emigrants qui désirent s'établir dans l'empire du Brésil. Correspondência do Governo.
Requerimentos, v. 6. AP. 0588. p. 10. (DEAP)
40
Membro do Comitê de Lemberg, uma sociedade de imigração, que nos finais do século
3
XIX acompanhou levas de imigrantes para se instalarem no Canadá. (Ver infra, notas 25 e 28).
4 A tese - tão amplamente aceita na atualidade - de que o processo migratório decorre da
interação dos fatores de atração e repulsão foi desenvolvida principalmente por H. JERÔME, na
década de 1940. Segundo esta posição, a imigração não se processa apenas pela decisão de
abandonar, a pátria de origem, mas sim pela imposição simultânea de duas condições: "I a ) - Q u e a
situação dentro do país de origem torne-se intolerável ou, pelo menos, que ela apresente-se como tal
para o provável imigrante; 2a) - Que o outro país ofereça à imaginação do futuro imigrante uma
resposta a esta situação, prometendo-lhe a possibilidade de começar uma vida nova e de ter chance
de obter aquilo que lhe é negado em seu próprio país." (JERÔME, H. Migration and bussines cycle.
In: CITROEN, N. A. Les migrations internacionales. Paris : Librairie de Medicis, 1947. p. 22.)
5 PARANÁ. Relatorio do Presidente da Provincia do Paraná José Francisco Cardoso
apresentado á Assembléa Legislativa da Provincia do Paraná no dia 1 de março de 1860. Curityba :
Typ. de Candido Martins Lopes, 1860. p. 62 (Biblioteca Pública do Paraná). Em relação a posição
oficial no tocante a recepção de imigrantes no Paraná ver : ANDREAZZA, M. L; NADALIN, S. O. O
cenário da colonização no Brasil Meridional e a família imigrante. REVISTA BRASILEIRA DE
41
ESTUDOS DE POPULAÇÃO. São Paulo, v. 11, n.l, jan/jun. 1994.; como também, BALHANA, A. P,
et al. História do Paraná. Curitiba : Grafipar, 1969. p. 144-184.
6 PARANÁ. Relatorio do Presidente da Provincia do Paraná José Francisco Cardoso
Assembléa Legislativa Provincial da Província do Paraná no dia 7 de janeiro de 1857. Curityba ; Typ.
Parananense de C. M. Lopes., 1957. p. 46. (Biblioteca Pública do Paraná)
PARANÁ. Relatorio do Presidente da Provincia do Paraná Francisco Liberato de Mattos
8
9 PARANÁ. Relatorio com que o Exmo. Sr. Dr. Frederico José Cardoso de Araújo
vice- presidente da Provincia apresentou o Exm. Sr. Dr. José Cezário de Miranda Ribeiro por
occasião de passar-lhe a administração da Provincia do Paraná em 30 de junho de 1888. p. 26.
Curityba : Typ. da Gazeta Parananese, 1888. (Museu Paranaense)
43
derribadas feitas, terras destocadas e expostas á venda. O colono funda logo seu
direito ápropriedade, estabelecendo immediatamente o amor e interesse ao sold3.
Esse tipo de pronunciamento deixa bastante claro que o governo do Paraná
estava se questionando, por via comparativa, quanto às suas fórmulas de atrair e
instalar os imigrantes europeus14. Os insucessos havidos na década de 1880, por
exemplo, com a instalação dos alemães do Volga no planalto curitibano levaram ao
reconhecimento de que o processo de colonização estava trilhando caminhos
contraproducentes. As primeiras experiências imigratórias demonstraram que a
localização de colônias em áreas de difícil acesso e em terras impróprias para o
cultivo, concentrava tantas dificuldades que acabavam por levar o imigrante a
abandonar suas terras15, procurando meios para sua subsistência junto aos centros
mais povoados ou dispersando-se no trabalho em obras públicas16. É evidente, assim,
a inoperacionalidade das colônias dispersas pelo interior e a prosperidade das
estabelecidas nas circunvizinhanças da capital paranaense17.
installação da I a sessão da 15a legislatura no dia 1 de outubro de 1882 pelo Presidente da Província o
Exmo Sr. Dr. Carlos Augusto de Carvalho, p. 78. Curytiba : Typ. Perseverança de J. F. Pinheiro. 1882.
(Museu Paranaense)
16PARANÁ. Relatorio que ao Exm. Sr. Dr. Brazilio Augusto Machado de Oliveira
apresentou o Exm. Sr. Dr. Luis Alves Leite de Oliveira Bello ao passar-lhe a administração em 22 de
agosto de 1884. p. 13. Curityba : Typ. Perseverança de J. F. Pinheiro, 1884. (Museu Paranaense)
17 Nessas colônias criadas na década de 1870, principalmente pela administração do
Presidente Lamenha Lins, algumas já contavam com emigrantes da Galicia como a Colônia
Lamenha, Tomáz Coelho, Muricy e Inspetor Carvalho. (PARANÁ. Relatorio apresentado á
44
Assembléa Legislativa do Paraná por occasião da installação da I a sessão da 15a legislatura no dia 1
de outubro de 1882 pelo Presidente da Província o Exmo Sr. Dr. Carlos Augusto de Carvalho, p. 81.
Curytiba : Typ. Perseverança de J. F. Pinheiro. 1882 (Museu Paranaense). A respeito do sucesso
desses empreendimentos, em 1886 o Presidente Taunay afirmava que um passeio por tais núcleos era
"o suficiente para apreciar o esforço constante e sincero, o desejo de progredir, aplicação do trabalho
quotidiano, a esperança no futuro, e felicidade ganha com o suor do rosto, a confiança em si, a
moralidade e o socego, o empenho moral e material em conseguir o conforto tão indipensável ao
homem." (PARANÁ. Exposição com que o S. Ex o Sr. Dr. Alfredo D'Escragnolle Taunay passou a
administração da Provincia do Paraná ao Exm. Snr. Dr. Joaquim de Almeida Faria Sobrinho, I o Vice-
presidente a 3 de Maio de 1886. p. 49. Corityba : Typ. da Gazeta Paranaense, 1886. (DEAP)
18 Em 1886 entraram no Paraná 801 imigrantes e, em 1887 registraram-se apenas 383
imigrantes. (PARANÁ. Relatorio apresentado pelo Exm. Sr. Joaquim D'ALmeida Faria Sobr. ao Exm.
Sr. Commendador Antonio Ricardo dos Santos em 17 de fevereito de 1887. p. 29. Curityba : Typ. da
Gazeta Paranaense, 1887. (Museu Paranaese)
19 PARANÁ. Lei n° 1 de 27 de abril de 1892. In: Constituição Política. Leis e
Regulamentos do Estado do Paraná. Curityba : Typ. d'A Republica, 1892. p. 3. (Círculo de Estudos
Bandeirantes)
PARANÁ. Decreto n° 1-A de 08 de abril de 1893. In: Leis e Regulamentos do Estado do
20
Paraná de 1893. Curityba : Typ da Companhia Impressora Paranaense, 1893. p. 88. (Círculo de
Estudos Bandeirantes)
PARANÁ. Decreto n° 15 de 21 de janeiro de 1895. In: Leis, Decretos e Regulamentos
21
do Estado do Paraná : 1895-1896. Curityba : Typ. da Penitenciária do Ahú., n.d. p. 18. (Círculo de
Estudos Bandeirantes)
22 BALHANA, op. cit., 75.
45
Já tendo sido localizados nos valles do Rio Negro e Iguassú immigrantes em numero
sufficiente para garantir o rápido desenvolvimento d'aquellas zonas e sendo necessário
fomentar o povoamento de outras zonas do Estado, resolveu-se crear um novo núcleo
colonial no municipio da Lapa, no lugar denominado Agua Amarella, aproveitando assim
assim uma grande porção de lotes ali medidos.[...] Pretendo, como justa homenagem
prestada ao Exm. Sr. Ministro da Viação [...] que o novo núcleo se denomine Antonio
Olyntho. 2 *
23 Ibid., p. 75.
PARANÁ. Relatorio apresentado ao Exm. Sr. Dr. Francisco Xavier da Silva Governador
24
do Estado do Paraná pelo Dr. João Baptista da Costa Carvalho Filho, Secretário de Obras Públicas e
Colonização em 28 de outubro de 1895. Corityba : Impressora Parananese, 1895. p. 40. (DEAP)
25 Os comitês de imigração ocupavam-se com a organização do processo migratório
fazendo os contatos com as autoridades do país de destino. No caso dos rutenos/ucranianos sabe-se
que muitos destes agentes eram ligados ao Movimento Prosvita. Quanto a Estanislau Klobukowski,
era polonês, nascido em 1852, estudou em Paris, Genebra, Cracovia e Lwiw, doutorando-se nas
Universidades de Bonn e Viena. Ocupou uma série de cargos administrativos na Galicia, e a partir de
1891 preocupou-se exclusivamente com os problemas da emigração. Sua viagem ao Brasil e
Argentina durou três anos (1895-1897). (DRANKA, F. Introdução. ANAIS DA COMUNIDADE
BRASILEIRO-POLONESA. v. 4.. Curitiba : Gráfica Vicentina, 1971. p. 9-13)
26 Gabinete do Ministro da Industria. Livro 337. Ministérios. A.P.P., p. 7. (DEAP)
46
Escolhi a 3a classe [...], com a finalidade de expender posteriormente uma opinião segura.
[...] passei com os emigrantes as três semanas de viagem nos porões. Muitas vezes vi-me
tomado pelo desespero neste chiqueiro humano, dentro dessa sujeira, em meio ao ar
contaminado e abafado, penetrado de miasma nos dias causticantes da travessia do
Equador...É uma viagem horrível, mesmo para uma pessoa com poucas exigências. É
30 Os seguintes vapores saídos de Gênova chegaram no Rio de Janeiro, nos dois últimos
meses de 1895: Vapor Rosário 01/11/1895; Vapor Attivitá 06/11/1895; Vapor Alacrita 18/11/1895
(na viagem de agosto, este vapor trouxe Estephano Klobukowski); Vapor Bormida 18/11/1895;
Vapor Fortunatta 23/11/1895; Vapor Pará 28/11/1895; Vapor Rei Umberto 04/12/1895. (Relação de
vapores atracados no porto do Rio de Janeiro, entre janeiro de 1895 e setembro de 1905. Instrumento
de Pesquisa. ARQUIVO NACIONAL)
31 KLOBUKOWSKI, op. cit., p. 21.
32 Muitas das companliias de navegação e dos embarques realizavam-se no porto de
Gênova. Neste sentido basicamente eram os italianos que se ocupavam em percorrer a Galicia com a
intenção de atraírem camponeses para América. A este respeito ver também WÀCHOWICZ.
Conjuntura emigratoria polonesa no século XIX. ANAIS DA COMUNIDADE BRASILEIRO-
POLONESA. v. 1. Curitiba : Gráfica Vicentina, 1970. p. 30-32. Um dos efeitos desta propaganda era a
insistência dos galicianos em emigrarem, especificamente, para o Paraná.
48
acompanhados por Klobukowski, ele relatou: "A saúde dos passageiros não era religiosamente
exemplar: Era grande a mortalidade infantil. Aquelas coceiras causavam verdadeira espécie, (p.28).
Durante o percurso entre Gênova e Rio de Janeiro, morreram 17 crianças no navio - quase todas
polonesas, pois somente duas eram italianas. A causa foi a prolongada viagem entre Lwow e Gênova
e ainda porque foi dois dias mais comprida do que a dos italianos que embarcaram em Nápoles."
(cf. p.30)
49
38 Ibid., p.29. As condições do atendimento aos imigrantes na Ilha das Flores foi objeto
dos comentários de Klobukowski: "Nos fins de 1895 ou princípio de 1896 surgiram enormes abusos
por parte dos funcionários e da polícia. Matavam de fome os imigrantes, ganhando na comida
destinada aos miseráveis. A fome, a miséria e a falta de higiene atingiram o mais alto degrau entre os
nossos. O próprio presidente da República, Prudente de Moraes, visitou inesperadamente a Ilha das
Flores, limpando-a da escória de maus funcionários." (cf. p. 37)
Nos seguintes vapores estavam algumas das famílias pioneiras destinadas à colônia
39
Antonio Olyntho: Desterro (15/11/1895); íris (17/11/1895); Porto Alegre (26/11); Desterro (06/12);
íris (14/12); Muquy (24/12). (Relação dos imigrantes chegados ao Estado do Paraná. 1895/1896.
Códices 0821, 0444, 0449, 0429 - DEAP).
PARANÁ. Relatorio apresentado pelo Inspector Geral de Colonização do Estado
40
Aristides P. Liberato ao Dr. Candido Ferreira de Abreu, Secretário de Obras Públicas e Colonização
.26 de setembro de 1896. p.13. In: Relatorio apresentado ao Dr. José Pereira Santos Andrade
governador do Estado do Paraná pelo engenheiro civil Candido Ferreira de Abreu Secretário de
Estado dos Negócios de Obras Públicas e Colonização em 26 de setembro de 1896. p. 8. Corityba :
Typ. da Livraria Economica, 1897. (DEAP)
51 I b i d . , p . 14.
50
42FRANKÓ, I. Carta do Brasil. In: Ivan Franko. Curitiba : Sociedade dos Amigos da
Cultura Ucraniana, 1988. p. 32. (Ver ANEXO 8)
43 A publicação deste livro não deveria mais ter "forma banal do livro ou da brochura,,
mas sim organizada como uma carteira-folheto, portátil, commoda, que tenha informações succintas,
rapidas, à maneira do que praticarão sempre os americanos do Norte." O objetivo era desenvolver
uma intensa propaganda do Paraná, à medida que o Paraná era uma das Províncias "menos
conhecidas na Europa e na Alemanha. Allí muito se fala no Rio Grande do Sul, em Santa Catharina,
S. Paulo, Espirito Santo até, nunca no Paraná". A tradução desta Carteira-Folheto para o idioma
alemão ficou ao cargo de Otto Finkensieper, para o idioma italiano ao cargo do Dr. J. Lazzarini, e
para o polonês sob a responsabilidade do Sr. Bendazewski, "todos membros activos e proeminentes
da directoria da Sociedade de Immigração de Curitiba". (Exposição com que o S. Ex o Sr. Dr. Alfredo
D'Escragnolle Taunay passou a administração da Provincia do Paraná ao Exm. Snr. Dr. Joaquim de
Almeida Faria Sobrinho, I o Vice-presidente a 3 de Maio de 1886. Corityba : Typ. da Gazeta
Paranaense, 1886. p.100/106. DEAP)
44PARANÁ. Mensagem do Governador do Estado do Paraná, Francisco Xavier da Silva.
13 de novembro de 1895. p. 113-116 (DEAP). A importância deste livro, aludido pelo governador
Francisco Xavier da Silva, na captação de imigrantes para o Paraná também foi mencionada no
Relatório do Secretário de Obras Públicas e Colonização, João Baptista da Costa Carvalho Filho, em
1894, onde está detalhado o conteúdo da obra: " I a parte: - Situação e limites do Estado. Superfície.
Topographia. Montanhas. Rios. Ilhas. Bahias. Clima e Salubridade. 2a . parte: - População. Colonias
Militares. Ruinas Antigas. Immigração. Movimento immigratorio. Viação. Vias Ferreas. Instrucção
primaria e secundaria. Telegrapho. Producção do Estado. Productos naturaes. Productos industriaes.
Agricultura. Commercio. Finanças do Estado. Cidades e Villas. 3a . parte: - Esta parte se compõe de
51
informações minuciosas aos emigrantes que se destinarem ao Paraná, um mappa explicativo da zona
colonisada, um quadro estatístico dos núcleos coloniais e outro das comarcas e municipios."
(PARANÁ. Relatorio apresentado ao Dr. Governador do Estado do paraná pelo Dr. João Baptista da
Costa Carvalho Filho, Secretario d'Estado dos Negócios das Obras Públicas e Colonização. Estado do
Paraná : Typ. d'A República, 1894. p. 54. (Museu Paranaense)
45 PARANÁ. Relatorio apresentado pelo Inspector Geral de Colonização do Estado
Aristides P. Liberato ao Dr. Candido Ferreira de Abreu, Secretário de Obras Públicas e Colonização.
26 de setembro de 1896. p.13. In: Relatorio apresentado ao Dr. José Pereira Santos Andrade
governador do Estado do Paraná pelo Engenheiro Civil Candido Ferreira de Abreu Secretário de
Estado dos Negócios de Obras Públicas e Colonização em 26 de setembro de 1896. p. 8. Corityba :
Typ. da Livraria Economica, 1897. p.13. (DEAP). Deve-se observar a imprecisão em relação aos
dados relativos ao contingente de imigrantes instalados no núcleo colonial. Por exemplo, um
documento do Instituto de Terras e Cartografia, em 1941, informava que na colônia foram instalados
seiscentos e quarenta e oito lotes e localizados 1.160 imigrantes. Estes dados possivelmente
correspondem à população local na década de 1940, já que outras estatísticas, contemporâneas à
vinda dos imigrantes apresentam números bem maiores. Em 1896, um quadro estatístico indicava
dois mil e vinte e dois "austríacos" instalados (ver infra TABELA 1). Deve-se considerar a respeito
dessa imprecisão das estatísticas, a situação política dos galicianos que fazia com que eles
aparecessem nos registros oficiais de entrada dos imigrantes sob diversas denominações. Entre elas,
no Brasil, as mais freqüentes são austríacos, rutenos e polacos, aparecendo eventualmente bucovinos
e galicianos. Neste particular, parece que em outros países receptores de imigrantes eslavos, o
mesmo sucedeu. A este respeito, pode-se consultar KAYE, op. cit., p. xxv e PARTE I, Capítulo 1,
Item 1.1 - Uma sociedade em descompasso, deste trabalho.
46 LIVRO TOMBO DO CURATO ANTONIO OLYNTHO. 1911 - 1980. Arquivo da
Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição, p. 1.
52
Estado do Paraná, p. 18 (Círculo de Estudos Bandeirantes). Este decreto criou a Inspectoría Geral de
Colonização do Estado, à qual estavam subordinadas as hospedarías de imigrantes de Paranaguá e
Curitiba, bem como as Comissões de Localização de Imigrantes do Rio Negro e Iguaçu. Cada
Comissão era encarregada de determinados núcleos coloniais e tinha dois funcionários, o chefe e seu
auxiliar. Neste decreto estão nominados os responsáveis pelo colônia Antonio Olyntho:. Joaquim dos
Santos Gama e Laudelino F. de Miranda.
49 PARANÁ. PARANÁ. Relatorio apresentado pelo Inspector Geral de Colonização do
Estado Aristides P. Liberato ao Dr. Candido Ferreira de Abreu, Secretário de Obras Públicas e
Colonização .26 de setembro de 1896. p.13-14. In: Relatorio apresentado ao Dr. José Pereira Santos
Andrade governador do Estado do Paraná pelo engenheiro civil Candido Ferreira de Abreu
Secretário de Estado dos Negócios de Obras Públicas e Colonização em 26 de setembro de 1896. p. 8.
Corityba : Typ. da Livraria Economica, 1897. (DEAP)
50 Ibid., p. 14.
51 I b i d . , p . 14.
53
famílias que, lentamente, tomavam posse das novas terras. Desses trabalhos,
dirigidos basicamente pelo engenheiro Chartier, foram surgindo as diversas linhas
localizavam-se nas linhas designadas pelos nomes de: Munhoz, Corvo Branco,
Lucilla, São Francisco e Gonçalves. Nestas linhas estavam 239 lotes rústicos,
Ao alívio das 239 famílias que foram recebendo esses lotes rústicos e ao
daquelas que optaram pelos lotes urbanos, somava-se a angústia dos que
52 Ibid., p. 15.
54
53 Ibid., p. 15.
54 Ibid., p. 14.
55 A respeito das tensões entre imigrantes e nacionais consultar: LAMB, R. E. Uma
jornada civilizadora : imigração, conflito social e segurança pública na Província do Paraná - 1867 a
1882. Curitiba, 1994. Dissertação (mestrado). Departamento de História, Universidade Federal do
Paraná.
54 Em correspondência ao governador, Pohol informa que "conforme decreto de Sua
Majestade Imperial da Ãustro-Hungria foi elevado esse vice-consulado ao grao de consulado." (R.
und. K.. Österreichesch-ungarisches. Consulat. Livro 1113, v. 05, 1900. p. 177. DEAP). Até então,
havia vice-consulado apenas no Rio de Janeiro. Em 1895, a respeito do diplomata que lá desenvolvia
55
essa função, Klobukowski emitiu o seguinte parecer: "Julgo que entendia perfeitamente do comércio
internacional, dava perfeitas informações diplomáticas ao seu governo, esgotando nisso toda sua
atividade, menosprezando outros setores. Fez-me sentir na conversação que os imigrantes poloneses
não passam de simples gado, que não têm consciência se estão viajando para o Brasil, África,
Austrália ou América do Norte." (KLOBUKOWSKI, op. cit., p.32-33)
57Na colônia Lucena estavam as linhas Moema e Iracema as quais, em 1895, sofreram
ataques de índios. O que está sendo mencionado consta do Relatorio apresentado ao Dr. José Pereira
Santos Andrade pelo Bacharel Antonio Augusto de Carvalho Chaves, Secretário de Negócios, Justiça
e Instrucção Pública. 1897 (DEAP). Neste relatório o secretário narra "uma 'correria de índios' nas
linhas Moema ocorrida em novembro de 1898, onde forão assassinados 19 immigrantes polacos" (p.
26). Em VIHORYNSKI, I. Ikrainski pereselentsi v Brasylii : Iracema v istorychnomuv 1895-1958 apud
KAYE, V., op. cit., p. 14, são relatados outros ataques de índios à essas linhas, inclusive com mortes
de imigrantes, desde 1895.
58 PARANÁ. Relatorio apresentado ao Dr. José Pereira Santos Andrade Governador do
Estado do Paraná pelo bacharel Antonio Augusto de Carvalho Chaves, Secretário de Negócios do
Interior, Justiça e Instrução Pública em 1 de setembro de 1896. Curityba : Typ. Modello a Vapor,
18%. p.5 (DEAP). Todos os indivíduos citados como líderes da rebelião são rutenos/ucranianos.
59 Ibid., p.5.
56
60 Este impasse entre fazendeiros locais alegando a propriedade de terras não aconteceu
apenas na colônia em estudo, mas foi uma constante nas regiões coloniais. No caso de Antonio
Olyntho as questões de divisas e medições de lotes, acarretaram inúmeras "reorganizações" das
linhas coloniais, que se arrastaram até finais da década de 1920. Pode ser indicativo de insatisfação
quanto ao processo de regularização de terras o assassinato do coletor Francisco Pinto, em 1930
(GAZETA DO POVO. A volúpia de sangue volve a tingir de rubro a já celebrizada colonia Antonio
Olyntho! - Mais um covarde assassinato. Curitiba : 18/02/1928, no. 2774. p.2/3.)
61 PARANÁ. PARANÁ. Relatorio apresentado pelo Inspector Geral de Colonização do
Estado Aristides P. Liberato ao Dr. Candido Ferreira de Abreu, Secretário de Obras Públicas e
Colonização .26 de setembro de 1896. p.13-15 In: Relatorio apresentado ao Dr. José Pereira Santos
Andrade governador do Estado do Paraná pelo engenheiro civil Candido Ferreira de Abreu
Secretário de Estado dos Negócios de Obras Públicas e Colonização em 26 de setembro de 18%. p. 8.
Corityba : Typ. da Livraria Economica, 1897. (DEAP)
62Tudo indica que a questão primordial não era uma revolta no sentido da perpetuação
do auxílio governamental para a sua subsistência: a queixa era justamente pela impossibilidade de
proverem a própria subsistência. Considerando apenas o fato de grande parte dos imigrantes terem
chegado em finais de 1895, seria impossível, - mesmo àqueles que receberam seus lotes em janeiro -
dadas às condições da vegetação local, terem, no intervalo de seis meses, uma colheita que garantisse
o sustento da família.
57
Com a avançada idade de 73 anos faleceu no dia 4 do corrente o prestante colono José
Okunski, homem probo e trabalhador. 63
ilL: ; - i '4:
'••íííí v á
. M \ l :: 1
'" Nos sucessivos relatórios dos governadores do Paraná, verifica-se que, no mínimo, até a
década de 1920 a situaç..'io da posse da terra. ainda não estava resolvida. Como este trabalho
preocupn-se com a tem5tica da fanu1ia, houve apenns o interesse em analisar com maior
prohmdid:lde, no tocante à propriedade da tema, a instalação dos pioneiros. (Ver ANEXO 2 ).
60
AdãoMunhak Haver
17 K cs hervaa ^ 110,500
O mesmo deve
1 kl. de hering 3,000
1 gr. pinga 1,200
bombom 200
1 chapéu 10,000
1 par tamancos 1,800
66 Entrevista 6 - 1994.
62
----. ...
f ••• ça ~ad.
1$6A
,
... _/~ """ _t# •• ,/..~,,,,,~
- I o Casal com ou sem filhos, enteados ou irmãos menores, bem como seus ascendentes. -
2o Viuvo ou viuva, com filhos ou enteados com seus ascendentes, devendo ter sempre,
neste caso, um homem válido. - 3 o Avô ou Avó com seus descendentes, devendo sempre
entre elles haver um homem válido. - 4 o Unicamente os chefes de famílias e seus
ascendentes poderão ser maiores de cincoenta annos. - 5 o Os collateraes menores de 21
annos, poderão fazer parte das famílias de que tratam as condições I a 2 a 3 a da presente
clausula 73 .
72 A evidência de que as famílias emigrantes não estão iniciando suas vidas matrimoniais
foi constatada também entre os imigrantes alemães luteranos, localizados em Curitiba a partir de
1866. (BIDEAU, A.; NADALIN, S.O. Familles stables et familles mobiles : Une nouvelle approche de
la fécondité différentielle. L'exemple de la communauté evangelique lutherienne de Curitiba entre
1866 et 1939. In: LE PEUPLEMENT DES AMÉRIQUES. Veracruz - México, 1992. p. 163-175).
73PARANÁ. Relatorio apresentado ao Dr. José Pereira Santos Andrade Governador do
Estado do Paraná pelo Engenheiro Civil Candido Ferreira de Abreu, Secretario dos Negócios de
Obras Publicas e Colonização em 1 de setembro de 1896. Curityba : Typ. a Vapor Modello. 1896. p.
16. (DEAP)
65
74 Ver TABELA Al .
75 Ver TABELA A2.
76 Exatamente com a combinação de idades mais freqüente - 35/39 anos para os homens e
30/34 para as mulheres - estavam o casal Hilario Truchan, 35 anos e Maria Siczka, 32 anos,
moradores da Linha Munhoz. A segunda combinação de idades - 30/34 anos para os homens e
25/29 anos para as mulheres - , encontra sua exemplaridade no casal Nicolau Makowski, 34 anos e
Eudoxia Haureluk, 25 anos, moradores na Linha Cândido de Abreu. Na terceira combinação de
idade de casais mais freqüente - homens e mulheres entre 35/39 anos - encontram-se José Rymar, 37
anos e Anna Hupalo, 35 anos, moradores da linha Santos Andrade.
77 Ver TABELA A2.
78 A idade média das mães imigrantes pertencentes à comunidade evangélica luterana de
Curitiba, em 1866, era de 29.5 anos. Essas situam-se em um grupo de idades abaixo das que estão
sendo analisadas. (BIDEAU, A.; NADALIN, S.O. op. cit., p. 166).
79 Ver T A B E L A A3.
66
concentrados entre 0 e 14 anos80. Por outro lado, vinte casais pioneiros não possuíam
filho algum, número maciçamente formados por cônjuges entre 14-24 anos de idade;
são, no entanto, minoria, representando 9,2% dos casais imigrantes81.
Nota-se, assim, que as famílias imigrantes vinham com muitas crianças.
Entre os filhos das famílias pioneiras, 82,1% tinham idades inferiores a 15 anos82.
Desse total, 32,2% estavam com idades inferiores a 5 anos; e entre esses mais da
metade são mencionados no Registro de Immigrantes e Lotes do Núcleo Antonio
Olyntho como tendo "1 ano de idade". Pode-se pensar que a proximidade de um
parto não impediu que as famílias levassem adiante seu projeto, pois há os que
nasceram na travessia do Atlântico83.
No lote ocupado por Hilário e Maria Truchan, 36 anos e 32 anos
respectivamente, encontra-se a expressão do perfil "médio" da família imigrante:
seus filhos Paraska, 9 anos, Estephano, 6 anos, e Demétrio, 3 anos, estavam com as
idades exatamente dentro das médias calculadas para esses casais.
O segundo tipo de casal de imigrantes pioneiros mais freqüente era aquele
formado por um homem de 30-34, anos casado com uma mulher de 25-29 anos. Esses
casais tinham, em média, 2,3 filhos distribuídos entre 0-14 anos e mais concentrados
entre 0-9 anos: aqui resgatamos como "casal padrão", Nicolau e Eudoxia Makoski,
que tinham Miguelina com 4 e João com 2 anos. Era também acentuada a freqüência
de uma terceira composição familiar: aquela com homens e mulheres na mesma faixa
etária (35-39 anos). Estes casais possuíam, em média, 3,6 filhos, entre 0-19 anos,
concentrados entre 0-14 anos. Aqui o perfil médio encontra-se na família de José e
80 Ver TABELA A4. Deve ser apontado que o índice relativo à Moda é bastante
expressivo, pois 28,9% dos casais pioneiros vieram com dois filhos.
81 Ver TABELA A4.
82 Ver TABELA A5.
83 Nos registros paroquiais existem algumas menções a pessoas nascidas "no Oceano" e
outras nascidas na Ilha das Flores.
67
Anna Rymar que imigraram com 3 filhos: Rosália, 11 anos; Sophia, 5 anos e Ilko de 1
ano.
Desses exemplos emerge uma questão: as famílias imigrantes teriam uma
composição diferente daquela que ficou no Leste europeu? Em suas reflexões para a
formulação da teoria da família camponesa, por exemplo, A. CHAYANOV 84 apresentou
uma composição doméstica teórica85, entre os eslavos, bem maior do que a verificada
nas famílias estabelecidas em Antonio Olyntho.
Porém, na comparação da composição das duas famílias, pode ser
observada uma semelhança na estrutura de ambas. A. CHAYANOV calculou que um
camponês eslavo quando estivesse na faixa etária entre 35-39 anos e sua esposa na de
30-34 anos, teria uma prole entre quatro e cinco filhos86. Já, o grupo doméstico
"médio", entre os pioneiros de Antonio Olyntho, situava-se com três filhos quando
os casal estava na mesma faixa etária dos casais apresentadas por A. CHAYANOV 87 .
Prosseguindo na comparação, pode ser observado que nas duas a diferença de idade
entre os cônjuges é assemelhada: as esposas estão em um grupo de idades abaixo da
dos homens88.
Constatada essa similitude geral entre as estruturas familiares, resta
apontar, ainda, o motivo pelo qual nas unidades residenciais dos imigrantes no
momento da instalação da colônia, o número médio de filhos era de 2,789, e na
Galicia a descendência final - teórica - era de 11 filhos90. A prole das imigrantes não
deveria ser mais numerosa?
84 CHAYANOV, A.V. The theory of peasant economy. Illinois : Richard D. Irwin, Inc.,
1966. Cf. p..53-69.
85 Ver TABELA A6.
86 Ver TABELA A6.
87 Ver TABELA A5.
88 Ver TABELA A2 e A6.
89 Ver TABELA A4.
79 Ver T A B E L A A3.
68
A explicação para o pequeno número de filhos é dada pela faixa etária das
mães que emigraram. Majoritariamente (66,3%), situavam-se na faixa de 25-39 anos,
estando assim em pleno período reprodutivo; o mesmo se verifica quando é
contabilizado apenas o grupo de mães entre 25-34 anos, que perfaz 43,8% do total91.
Assim, é válido enfatizar que a maior parte das imigrantes - 83% - ainda estava em
idade reprodutiva, não tendo encerrado o ciclo de constituição familiar.
Por isso mesmo, destaca-se outra característica das famílias pioneiras: elas
abrigavam a possibilidade de crescimento. A comprovação se dá ao observar-se o
comportamento de alguns casais pioneiros, para se fazer uma ponte entre índices
médios e expressões familiares específicas. Por exemplo, Hilário e Maria Truchan -
que trouxeram três filhos - até encerrarem o ciclo reprodutivo, já instalados na
colônia Antonio Olyntho, dobraram sua prole: em 1899 nasceu Nicolau, em 1902
Mary a e, em 1904, José.
É possível dizer, assim, que as dificuldades na instalação em terras
brasileiras não impediram a continuidade do aumento da prole. Aqui, o
desempenho de Anna, esposa de Joaquim Kawka é exemplar. Veio para o Brasil com
37 anos e cinco filhos e na colônia preencheu plenamente seu ciclo fecundo. Em 1897
nasceu Anastácia, em 1901 Catharina e em 1903 - quando tinha 44 anos - encerrou
sua prole ao nascer Nicolau. Maria, esposa de Kuzma Neistor também gerou uma
prole característica de mulheres que não usam a contracepção. Ao emigrar, com 32
anos, trouxe cinco filhos. Na colônia Antonio Olyntho teve mais seis. Com esta
descendência final, Maria e Kuzma podem ser entendidos como a representação da
família camponesa de A. CHAYANOV.92
compensation à l'instabilité anteriéure? Cette nouvelle vigueur se fonderait-elle sur les espérances et
les angoisses causées par le nouvelle vie à laquelle ils devient faire face?" (BIDEAU; NADALIN, op.
cit., p. 168)
93 As mães acima de 45 anos representam 11,1% do total das mães imigrantes. (Ver
TABELA A5).
94 Ver TABELA A5
95 Ver TABELA A5.
96Os dados paroquiais que complementam esta análise, em muitos casos não contêm as
informações sobre a filiação dos membros de casais que emigraram casados.
70
"
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I' •
"'I
LISTA DE DESEMBARQUE DE IMIGRANTES. (DEAP) .
A opção pelo casamento também parece ter sido a estratégia dos solteiros
que ocupavam cerca de 9% do total dos lotes. Neste caso está João Lapczinski, 24
anos, que ocupou o lote 97 da linha Corvo Branco; casou-se em 1897 com Eudoxia
Szafrun, 17 anos, que morava no lote 93 da mesma linha. Contudo, deve-se observar
que, na maior parte, os solteiros não se fixaram na localidade. Provavelmente, as
dificuldades iniciais os motivaram à migração.
O reduzido número de celibatários no conjunto dos imigrantes de 1895,
além de negar certas teorias dã imigração quando afirmam que ela era apenas uma
experiência para jovens e audazes celibatários,98 incita a outras colocações.
98 WILLEMS faz uma revisão dos autores que se preocuparam com os aspectos seletivos
envolvidos nos deslocamentos populacionais a partir da seguinte indagação: "são os 'melhores' ou os
'piores' elementos que se desagregam e migram? (WILLEMS, E. A aculturação dos alemães no
72
Brasil : Estudo antropológico dos imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil. São Paulo :
Editora Nacional; Brasília : INL, 1980. p. 51-67)
99HAJNAL, J. European mariage patterns in perspective. In : GLASS, D.V.; EVERSLEY,
D.E. (org). Population in history : Essays in historical demography. London : London Edward
Arnold Ltd., 1969.
100 Celibato definitivo é um parâmetro teórico relativo a indivíduos que ainda não
casaram ao atingirem a idade de 50 anos. Segundo HAJNAL, enquanto cerca de 80 a 90% dos
rapazes da Inglaterra, França e Itália - censo de 1900 - estavam solteiros aos 20-24 anos, essa taxa
reduzia-se a 51% na União Soviética - censo de 1926. Num detalhamento apenas da Rússia Européia,
em 1900, HAJNAL aponta que aos 20-29 anos 42% dos homens e 23% das mulheres estavam
solteiros; na faixa etária 40-49 anos, 4% dos homens e 5% das mulheres eram celibatários. (HAJNAL,
op. cit., p. 101)
79 Ver T A B E L A A3.
73
102 FLANDRIN, J.L. Famílias : Parentesco, casa e sexualidade na sociedade antiga. Lisboa
: Editorial Estampa, 1991. p. 12-18.
103 DICIONÁRIO CONTEMPORÂNEO DE LÍNGUA PORTUGUESA por Caldas Aulete.
região e o estrato social de origem aos quais estão referidos os imigrantes não
estariam coerentes com a individualização embutida num conceito que evoca a
família nuclear moderna. É justamente na consideração da origem sociocultural dos
que empreenderam esta imigração que se pode tentar desvelar alguns traços da sua
representação de família.
Oriundos de uma região na qual a permanência de um campesinato
tradicional permitia um descompasso com todas as alterações que a modernidade
trazia em termos de visão de mundo, os galicianos empreenderam sua aventura em
sincronia com a maneira pela qual desenvolviam suas vidas. Uma análise da
disposição das famílias nas diversas linhas da colônia indica que - de maneira geral
- as famílias pioneiras não vieram sozinhas. Mantendo a afirmação anterior de que a
emigração não foi uma aventura solitária pois envolvia pai, mãe e filhos, pode-se
acrescentar: envolvia também avós, tios e primos.
Retomando-se o exemplo da Katarina Karpowicz - a viúva que
acompanhou os filhos - constata-se que o vapor Muquy trouxe outros parentes, além
de seus filhos, nora e neto. Na relação de desembarque estavam outros Karpowicz:
Jacó, a esposa Tatianna e seus filhos, bem como Maria, os filhos e seu marido João
Jarei e ainda Daniel Karpowicz, a esposa e dois filhos105. Outra evidência deste
parentesco é o fato de que a localização dos primeiros Karpowicz de Antonio
Olyntho se concentrou na linha Corvo Branco. A possibilidade de ilustração de
prováveis parentescos entre os imigrantes, com base apenas nas listas de
desembarque, são inúmeras. No mesmo vapor que viajou Katarina Karpowicz
estavam, ainda, três famílias com o sobrenome Nogacz e duas com o sobrenome
Hewko.
No entanto, foi através do exame da disposição dos lotes nas diversas
linhas coloniais que a hipótese de a imigração ter possibilitado o deslocamento de
uma família extensa ganha mais corpo. Tomando como exemplo a linha Dr.
Gonçalves106, situada no centro geográfico da colônia, encontram-se algumas
evidências de que a corrente migratória albergou a transferência de famílias no seu
sentido mais ampliado.107 No lote 25 estava André Panek, viúvo de 60 anos com suas
quatro filhas (25, 19, 16 e 8 anos, respectivamente). Talvez um dos fatores que
auxiliou a decisão deste viúvo sem filhos a emigrar tenha sido o fato de seu genro,
João Burlikoski, acompanhar a família, João morava no lote 21 com sua esposa
Olianna e o filho André. Seus vizinhos dos lotes 27, 28 e 29 pertenciam à família
Grabasz. No primeiro lote morava o casal João e Marianna (32 e 28 anos) com três
filhas; no seguinte um possível cunhado, André Czip, casado com Salvina Grabasz,
com quatro filhos e no terceiro lote estavam prováveis recém-casados: Miguel e Tecla
Grabasz. A natureza das fontes não permite que se defina exatamente o grau de
parentesco destes três núcleos domésticos. Além do sobrenome comum, é
significativo, contudo, o fato de todos terem vindo da mesma aldeia: Mikoliek. Mais
duas famílias, com provável parentesco, estavam na linha Gonçalves: no lote 20 a
família do André Grabasz; e no lote 51 Nicolau, casado com Anastácia Grabasz.
Outro caso de vizinhança familiar encontrou-se na linha Figueiredo. Wasyl
Moisa e Estephano Kniaz tinham como esposas Tecla e Anastácia Romankiw.
Morando em lotes lindeiros, tinham também como vizinho Wasel Romankiw, que
emigrou solteiro. Como nos outros casos, é difícil precisar o grau de parentesco
dessas pessoas. Contudo, é significativo que, na primeira menção de compadrio,108
Estephano tenha sido o padrinho da filha de Wasyl e Tecla.
dos sogros: "Minha mãe nasceu na Bahia. Veio nenezinho para cá. Vieram direto para Antonio
Olyntho e sempre moraram aqui. Aqui não tinham ninguém; só uma capela lá na sede e padre
brasileiro, para rezar. Aí, foi indo, foi indo, e veio o padre polaco; fizeram uma capela maior e
aumentou. F. eles vieram junto com a família do meu pai." (Entrevista 26 - 1994 - destaque do autor).
Para o estudo desse caso, os dados aos quais se recorreu são os constantes nos registros
108
paroquiais da localidade.
76
[...] Amada e querida Mãe se voces tem meios e desejo de vir, venham, porque aqui é
melhor. Possuo mais de quatro eitos (wlóki) poloneses de belo mato que limpamos e
plantamos 109 .
[...] nestas terras existe muito mato e erva mate, isto é arvore de chá, que é semelhante ao
vime que cresce por lá e com ela se pode ganhar um bom dinheiro. A vida é boa.[...].
Mando os mais profundos cumprimentos aos Korolewski e peço a mão da senhorita
Mariana que seja bondosa de chegar com seus pais. Se porventura os pais dela não
vierem, então peço que a Senhorita venha com os meus pais 110 .
1 Estou pensando na recriação cultural dos imigrantes nos termos propostos por BARTH e
CARDOSO DE OLIVEIRA, uma vez que eles não reduzem o grupo étnico a uma unidade portadora
de cultura que, independentemente das condições em que se encontre, reproduz comportamentos
semelhantes em função de uma matriz cultural. Esses autores priorizam o entendimento do tipo
organizacional assumido pelos grupos étnicos, pois sua configuração está referida ao que é
socialmente efetivo em um grupo que se vale da identidade étnica para classificar-se entre si próprio
e entre os outros. (CARDOSO DE OLIVEIRA, R. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo :
Livraria Pioneira Editora, 1976)
80
Galicia. Do confronto das linguagens sociais específicas entre os grupos que estavam
abrigados sob a rubrica de rutenos, um pároco local, mais tarde, deu testemunho:
Chegando ao Brazil, trouxe o povo ucraniano os seus costumes e usanças a que está
instinctivamente agarrado. - Em certas occasiões, p.e. num casamento, não raras vezes
surtiram questões, discordias, discrepancias so pela rasão que as cerimonias pela occasião
do casamento eram numa povoação différentes dos da outra. Custou duro e porfiado
trabalho o introduzir de um uniforme ritual do casamento: mas desse tempo entrou na
colonia certa paz e socego .
estão na fronteira de algumas dessas verdades podem, às vezes escolher outras como
um distintivo étnico, como o fazem russos, ucranianos e poloneses para se
diferenciarem entre si como católicos romanos, ortodoxos e uniata
Pode-se ter como pressuposto que tais rivalidades atravessaram o
Atlântico. Tudo indica que as formas rituais de religião mantiveram-se como o
grande parâmetro de divisão religiosa entre rutenos e poloneses em Antonio
Olyntho9. Neste aspecto, os imigrantes poloneses levavam uma vantagem, pois a
pátria que os acolhia adotava uma fé semelhante a deles. Aos rutenos restou a
resignação de - em nome da fé - dirigirem suas orações no mesmo local e sob o rito
latino. O governo paranaense construíra, na sede da colônia, uma capela, e eram
padres poloneses que visitavam Antonio Olyntho mais freqüentemente.
Nos primordios da colonia, contudo, esporadicamente padres de rito
grego10 atenderam os rutenos, como atesta o Livro Tombo do Curato de Antonio
Olyntho: No princípio de sua fundação, foi a colonia visitada algumas vezes pelos
RRPPMichniak OSBM, Martyniuk OSBM e Rosdolki. Nesse tempo, querendo o povo
receber os Stos Sacramentos tinha que ir a Rio Claró1.
Todavia, artigos do Pracia12 e no Missionar13 revelam um quadro bastante
desolador do estado geral das diversas colônias rutenas paranaenses14. Um dos
propriedade da Ordem de São Basilio Magno sua orientação era católica. Foi fundado em 1912 e,
83
Os brasileiros espalharam entre o nosso povo uma terrível prostituição. E aconteceu o que
não houve senão em Sodoma e Gomorra. Para conseguir dinheiro a fim de comprar pão e
cachaça, o marido mandava a sua mulher e o pai a sua filha para prostituirem-se. Até as
menores, meninas de doze anos iam, porque os pais as obrigavam a se entregar a esse
ganho satânico. E quando isso começou a ser insuficiente, de resto, o diabo converteu o
nosso povo em animais selvagens - e os pais começaram a vender seus filhos aos
brasileiros. Dizem que havia comércio de crianças como de gado. [...] O padre Kizema
encontrou-os nessa selvageria. Como ele conseguiu converter e fazer estes selvagens
voltarem à memória é só Deus quem sabe. Hoje isso não acontece, mas ainda existem
algumas mulheres que não querem se converter, vivem amancebadas com brasileiros, e o
pior é que não se pode provocar, porque podem responder a bala .
mesmo autor, analisando a atuação da igreja na imigração ucraniana para o Brasil, aponta que os
principais problemas encontrados pelos missionários foram a prostituição, o alcoolismo e a
mancebía; essa última em grau reduzido. E acrescenta: 'O combate à imoralidade será uma constante
no cotidiano missionário, procurando sobretudo extirpar os vícios que prejudicavam a conduta cristã
e dificuldavam o controle do povo. Na vida da colônia [...] foram denunciados e policiados pelos
padres o concumbinato e a prostituição, a bebedeira e os bailes. O concubinato não foi um problema
generalizado na colônia ucraniana. Entre os ucranianos, os casos de concubinato eram raros, exceto
nos primeiros tempos ". (Ibid., p. 36)
16 Ver ANEXO 6.
84
um podia; às vezes com frutos das florestas, às vezes com feijão preto sem gordura
alguma; pão víamos somente poucas vezes durante o ano e às vezes passávamos fome de
verdade. O reverendo Clemente Bjuh'ovskei visitava-nos duas a três vezes por ano e
^ . 17
administrava naquele tempo a nossa paróquia .
O padre Jose Schuky da colônia Antonio Olyntho, está aplicando em suas ovelhas o
regime da vara de marmelo. Colono que ao domingo não enverga a fatiota para ver Deus
e não vae à igreja, toma uma surra na certa. Muitos têm sido os indivíduos de
nacionalidade polaca que têm ficado com o corpo coberto de vergões, provenientes de
22
sovas, por commettterem o pecado de deixar de ir a missa.
relação do clero e dois fiéis pautada na agressão física foi uma constante na época, quer fosse para
poloneses ou para fiéis de outras etnias. Não só os jornais referiam-se a isto, mas as próprias
memórias de pioneiros estão recheadas destes casos. No caso específico de Antonio Olyntho, em
1911, ocorreu o assassinato do pároco polonês da localidade - João Wolencewicz - no qual a
imprensa levanta a hipótese de ter sido realizado pelos próprios colonos em função da tensão
existente na relação entre eles. (DIÁRIO DA TARDE, Padre estrangulado. Detalhes sobre o crime.
Curitiba, 18 de set. de 1911. n. 3914, p. 2).
23Estou me referindo à Associação Prosvita (Iluminação) de caráter nacionalista que
veiculava ideais educacionais e associativas como forma de emancipar o campesinato ruteno. Ver
PARTE I, Capítulo 1, Item 1.2 - Reergue-te Rush'de Kiev.
86
gerais a este respeito dão uma proporção de cerca de 70 famílias polonesas para 350
famílias rutenas, em 1896.
Então, sendo maioria na colônia, por que os rutenos não ficaram com a
igreja existente? Possivelmente pelas especificidades da religião de rito grego. A
tradição oriental possui simbologia própria, não apenas na conformação da liturgia
como também na obediência a um calendário específico.
Uma implicação referente à prática de uma religião particular do oriente
era a obediência ao calendário juliano. Em termos práticos, verificava-se uma falta de
sincronia na datação dos eventos religiosos. Isso pode ser exemplificado pelas datas
do Natal: aos de rito grego é em 6 de janeiro; aos latinos é em 25 de dezembro.
Desde o século XVI o calendário gregoriano passou a normatizar o conjunto do
catolicismo ocidental, mas não conseguiu a adesão do catolicismo oriental, muito
arraigado à herança bizantina. No caso específico dos católicos de rito grego no
Brasil, apenas em finais da década de 1930 o calendário gregoriano foi adotado para
datação dos eventos litúrgicos.
Outra especificidade se dava na disposição física da igreja. Nessa tradição a
forma arquitetônica ideal de um templo é aquela configurada em cruz e não como
nave - comum às igrejas ocidentais. A cruz associa o cristianismo a Santo André,
missionário que catequizou parte da região de Rush' de Kiev, a nave, à imagem de
São Pedro pescador, que pouco significa àqueles que derivam do Patriarcado de
Constantinopla. Ainda, a tradição oriental dispõe de significados específicos na
ornamentação da igreja, de maneira incompatível com a disposição ocidental.
Estátuas, por exemplo, são entendidas como heresia; os rutenos cultuam ícones27.
Naturalmente, a igreja que o governo construiu para eles usarem em comum,
seguindo a tradição ocidental, contava com uma estátua de São José.
Seu início data de 1903-4, portanto alcança vinte anos. Naquela época tudo era cercado
pela mata virgem como um mar imenso, e só em raros lugares, apareciam oásis, com
matas derrubadas.[...]. O reverendo Clemente Bjuh'ovskei visitava-nos e [...] graças aos
seus conselhos e ajuda construímos este pequeno tempIo.[...] Na construção de nossa
igrejinha, trazíamos toda a madeira da floresta nas costas, e o peso nos arrancava a pele e
com a ajuda de Deus e do referido padre, erguemos esta casa de Deus, entre muitos
sofrimentos e muitos calos nas mãos 30 .
28 Não é possível precisar exatamente quantas famílias eram ortodoxas, mas pode-se
estimar que dentre as 350 famílias pioneiras, por volta de 40 eram de fé ortodoxa.
29 Como já foi observado acima, os católicos de rito grego podem ser considerados uma
dissidência da ortodoxia. Todavia, na forma litúrgica não existiam diferenças essenciais entre essas
duas religiões católicas.
30 CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES.
89
Olyntho fazia parte de um movimento que se dava em várias outras colônias onde a
o objetivo geral era a iluminação das pessoas pela educação formal, ideal que
deveria nortear a vida dos imigrantes e de seus descendentes. Um texto com esta
orientação, explicava:
os alemães tem uma qualidade muito interessante que está ausente nos nossos imigrantes.
F.les são pessoas que tem um gosto pela leitura, eles se interessam em 1er livros que
possuem informações importantes. E assim eles aprendem técnicas que para nós ainda
são desconhecidas. Os nossos falam que é difícil plantar árvore frutífera [...] alegando que
as formigas acabam com tudo. Mas, é interessante, será que as formigas não são as
mesmas para os italianos e os alemães? 34 (sem grifo no original)
ao lado da igreja construímos uma casa para a moradia do sacerdote quando nos visitava
e onde as crianças pudessem reunir-se para receber os ensinamentos escolares. Além
disso, compramos uma chácara, e destinamos os lucros para as despesas comunitárias
32 "A tchetálhnia, ou sala de leitura, era a escola para adultos, principalmente para
analfabetos, cujo objetivo, além da informação geral consistia na formação e conscientização sócio-
política do colono. [...] Desde o início, em Rio Claro, por exemplo, a associação teve um objetivo bem
claro: organizar e sustentar a escola, criar uma biblioteca e instalar uma cooperativa comercial. Os
membros deveriam reunir-se todos os domingos para a leitura de livros e jornais em voz alta. Todos
deveriam participar, principalmente os que não sabiam 1er." (HANICZ, op. cit., p.9-10).
BORUSZENKO, O. Imigração ucraniana no Paraná. München : Wirtschaftskräften und
33
como igreja, escola, clube de leitura e outras. Todos estes bens eram administrados por
nós mesmos, através de um comitê eleito, e com a participação do padre Bjuh'ovskei 3 5 .
Antonio Olyntho, foi citado no Boletim Colonial e Agrícola, porque ministrava suas
aulas possuindo apenas uma cartilha: durante a noite, ele repassava para os papéis
tudo aquilo que ia lecionar, em número equivalente ao de alunos que tinha na sala,
37A periodização realizada por BORUSZENKO envolve três fases em que houve maior
concentração de chegada de emigrantes: entre 1895 - 97, quando entraram cerca de 20.000 imigrantes
nos portos de Santos e de Paranaguá; nova chegada em massa entre 1908 a 1914 onde chegaram
aproximadamente 18.500 pessoas; e uma terceira fase, após a 2a guerra mundial. (BORUSZENKO, O.
Os ucranianos. Boletim Informativo da Casa Romário Martins, v. 22, 1981)
38 Em termos de designação étnica, contudo, eles mantinham-se autodenominados
rutenos.
Essa palavra significa Estandarte. Foi o segundo jornal ruteno do Brasil - o primeiro foi
39
duas durante muito tempo, isto não significa que elas não tenham se autodelimitado.
No caso específico de Antonio Olyntho, tudo indica que desde o início da colônia,
rutenos e polacos sabiam suas diferenças e isto é o que importa reter.
Pela comparação com o que acontecia nas demais colônias onde havia
imigrantes rutenos, evidencia-se que aqueles de Antonio Olyntho acompanhavam o
sentido geral do comportamento dos rutenos no Brasil. Uma vez que esses
imigrantes eram em sua maioria camponeses, as organizações locais partiam de
alguns segmentos que assumiam uma orientação Prosvita mais acentuada: estes
formavam a inteligenzzia local, encarregada de guiar o resto do grupo.
Buscando a implementação da educação geral e o trabalho com base em
cooperativas, eles procuravam alternativas para o desenvolvimento econômico da
colônia. Em 1908, por exemplo, na Exposição Nacional do Rio de Janeiro, dentre os
Productos Agrícolas Procedentes das Colonias paranaenses, os rutenos de Antonio
Olyntho enviaram três qualidades de milho; toalha de algodão e amostras de tecidos
de Unho trabalhado na colônia46.
Deve ser enfatizado que toda a organização social, apesar de estar
fundamentada na igreja de rito grego, era essencialmente um movimento leigo.
Nessa época os religiosos atendiam a paróquia de maneira itinerante. Este ponto é
importante pois respalda, mais uma vez, o argumento de que os imigrantes rutenos
associavam o pertencimento a uma determinada igreja à auto-identificação étnica.
Eles se organizaram em torno de uma igreja, mas não pela ação direta do clero.
Agricultura, várias indústrias, artes liberaes, pecuária. Rio de Janeiro : Officinas Graphicas, 1908. pp.
16, 44 e 45, respectivamente. Esses esforços iniciais dos colonos esbarraram em uma série de
impecilhos, cuja explicitação extrapola os objetivos deste trabalho. Deve ser colocado que não se
verificou o desenvolvimento econômico e a promoção social, que parece ter sido a meta dos
pioneiros. Questões políticas como a querela entre Paraná e Santa Catarina, em função dos limites
entre os dois estados; desorganização na demarcação da colônia e do seu próprio núcleo urbano
fazendo com que as demandas em torno de lotes devolutos se estendessem até meados do século XX;
insuficiências no sistema de comunicações - tanto pelos Correios quanto viária - com os demais
centros; o tipo de exploração econômica regional, baseada no extrativismo e coordenado por
empresas sólidas, entre outros motivos, podem indicar algumas das causas do malogro geral das
expectativas.
95
47
LIVRO TOMBO, p. 4.
48
CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES.
49
Bispo de Curitiba entre 1894 e 1904.
50
Bispo de Curitiba entre 1904 e 1907.
51
Bispo de Curitiba entre 1908 e 1935.
52
LIVRO TOMBO, 1912. p. 3.
53
CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES.
96
54PRÁCIA: Editorial. Prudentópolis, 19 de jul. de 1950. n° 30. p.l. O editorial dessa data,
ocupado com o obituário do padre João Michalczuk refere-se à passagem pelo exército. "Nasceu em
10 de outubro de 1884 e chegou ao Brasil em 1911. A sua trajetória de vida foi iniciada no exército
austríaco onde seu comportamento mereceu elogios e distinção", (ver ANEXO 5)
55 Entrevista 20 (1992)
56 Esse livro é uma espécie de relatório dos acontecimentos religiosos da paróquia, fornece
rica informação sobre a mentalidade religiosa veiculada pelo autor e implementada no contexto da
comunidade. Analisado em seu aspecto estritamente formal, o estilo e a linguagem sobressaem de
forma intrigante, visto tratar-se o autor de um estrangeiro que se expressava de uma forma correta e
erudita. Em raciocínio coerente, formalizado dentro de um estilo rebuscado, aparecem as
características de força e dominação inerentes ao personagem e que se destacam na própria
organização do texto: parágrafos maciços e densos, pontuação abundante. Na construção deste
discurso em terceira pessoa não se entrevê a noção de modéstia, pois Michalczuk se apresenta como
personagem de ficção, a quem atribui qualidades de benfeitor. São freqüentes, no Livro Tombo,
frases como as seguintes: 'Visitou cada família o Padre [ fazendo proibição de se ingerir bebida
alcoólica ] sendo acceito com bom grado, de maneira que logo depois a colônia estava em pleno
progresso, ou também: envidou todas as forças para fundar escolas, sustentando-as com seus
próprios recursos. Parece que tais recursos" visam, sobretudo, fornecer ao seu leitor potencial um
quadro amplo das situações cotidianas da comunidade onde ele se coloca como o protagonista:
"quantas vezes quiz-se-me despedaçar o coração ao contemplar os ultrages de toda espécie com que
foi offendida a magestade Divina". Observa-se, sobretudo, um colorido de linguagem obtido através
do uso de termos fortes e contundentes, exageração descritiva e uso pontual de adjetivos: "A colonia
98
cultivava a respeito de sua função como pároco. Em vários momentos do texto, por
exemplo, escreveu que o sacerdote, entre o povo confiado à sua proteção deve
tornar-se tudo a todos [...] e que deve empenhar todas as suas energias no
cumprimento do seu devei57. Não apenas redigiu estas palavras, mas pautou toda
sua ação na idéia de que sua ascendência espiritual lhe dava o direito de interferir
nos atos cotidianos da comunidade. Por mais paradoxal que pareça ser o fato de ele
ter pertencido ao exército e tornar-se padre, não se pode perder de vista que exército
e igreja são instituições basicamente normativas e autoritárias. E foi dentro desses
parâmetros que ele se relacionou com os seus paroquianos.
Antonio Olyntho é um mundo à parte; é a antecámara do inferno; é o lugar onde todo o crime se
oculta deante da justiça; é o logar onde toda ocasião é um julgamento, cada instincto brutal, um juiz".
Contém um discurso carregado de emoção, que permite porém entrever um narrador atento,
preocupado, sobretudo, com a construção de uma boa imagem de si mesmo junto às autoridades
eclesiásticas. É bastante evidente que foi escrito em época diversa dos acontecimentos narrados,
permitindo ao escritor uma postura facciosa, direcionada a justificar suas atitudes, envoltas todas no
sentido da glorificação de Deus. É curioso também que suas atividades extra religiosas, como
arrendatário e como proprietário de terras, jamais sejam mencionadas e que as descrições detalhadas
cessem quando vem a receber o poder político distrital. A partir deste período, o LIVRO TOMBO
passa a ser mero instrumento de registro das orientações diocesanas.
57 LIVRO TOMBO, p.6.
58 A instituição das padroeiras foi mencionada da seguinte maneira no LIVRO TOMBO:
"Lembrando-se o Padre João Michalczuk da devoção histórica do povo rutheno a Maria Santíssima,
chamando-a Nossa Mãe [...] e pensando [...] nas muitas graças recebidas na sua vida privada por
intercessão da Immaculada Virgem [...] resolveu o Padre João Michalczuk de nomear a Immaculada
Conceição da Santíssima e Puríssima Virgem Maria por perpétua padroeira da colônia ruthena de
Antonio Olintho, publicando já no primeiro domingo (dez de setembro de 1911 anno) depois do
pedido feito pelo povo esta sua determinação". (Ibid., p.5)
99
anotou que empregou todos os meios que um sacerdote de roça pode dispor a fim de
realizar seu ideal; cânticos devotos, pregações bem preparadas todas as noites, etc..59
Esforçou-se também para a agregação de seus paroquianos, estimulando
uma série de elos devocionais. Desde o começo dos seus trabalhos sacerdotais teve
[...] o intuito de accender nos corações de seus paroquianos uma profunda devoção
ao sagrado coração de Jesus e uma tema devoção para com Nossa Senhora60.
Acompanhando a tendência da Igreja Católica, os meses de maio e junho
ficaram reservados às orações à Nossa Senhora e ao Sagrado Coração de Jesus,
respectivamente. Todavia, em 1915, sentia haver a necessidade de um
aprofundamento maior nos laços espirituais da paróquia. Entendia que, embora o
povo freqüentasse a Igreja e se confessasse amiudadas vezes, não se notava todavia
grande fervor no amor de Deus. Os meses de maio e de junho não são o bastante
para manter os christãos durante o ano todo no fervor e devoção61.
Para intensificar os atos de fé dos paroquianos instituiu, ainda, o
Apostolado da Oração, pois urgia ter uma causa capaz de sustentar a alma na
piedade [...Jpara refrear sua indómita vontade.62 Ao final desse ano, satisfeito com o
pietismo de seu rebanho, redigiu: que ele [o apostolado] era um poderosíssimo meio
que transforma o homem animal em um christão exemplai63. Entendendo seus
paroquianos enquanto pessoas a serem transformadas pela religião, enfatizava que
esta meta só poderia ser perfeitamente alcançada pela assiduidade aos atos
religiosos. Exigia, assim, presença maciça em todas as celebrações:
59 Ibid., p.8.
60 Ibid., p.9.
61 Ibid., p.10.
62 Ibid., p.16.
63 Ibid., p.ll.
100
Ele instituiu a quarta e a sexta-feira como dias privilegiados para obter a graça [...]
propiciadores a receber favores que as pessoas buscassem ou recorressem [...]. A falta
mesmo com distância de doze quilômetros era ameaçada de pecado mortal. 64
[...] os jovens daqui também consegui segurar em minhas mãos. Ela, a juventude, que
antes tocava e dançava todos os domingos e feriados e, nos casamentos tinha mais não
convidados do que convidados. E disto tinha muitas brigas e choques. E agora, Deus me
ajudou e música só tem quando eu permito.* 5 (sem grifo no original).
Ou ainda, com estes jovens tenho tido alguns problemas mas o bom é que
os tomei nas mãos desde o início e agora não os soltarei mais.66
Fiel ao princípio de que um sacerdote deve ser tudo para todos, outra
frente na qual o padre João se empenhou desde os primeiros tempos foi pela
temperança da comunidade. Constatando que
haviam muitas desordens e brigas entre os ruthenos motivadas pela caxaça,[...] fez o povo
jurar abstinência da bebida, com tal effeito de valer o juramento para uns por toda vida,
para outros por certo tempo podendo-se uzar a referida bebida somente com
consentimento do padre. 67
68 Ibid., p.4.
69 O padre João registrou : "Poucos dias depois esteve o padre em audiência com o Exmo
Snr, Bispo Diocesano Dom João Braga em Curityba ao qual participou no relatório sobre a colonia
também este juramento dos colonos. Mostrou sua excia o Seu maior prazer e contentamento
concedendo a cada colono que prestou o juramento o sustentando cincoenta dias de indulgências
uma vez por dia rezando a invocação". (LIVRO TOMBO, p.4)
70 MISSIONÁRIO RUTHENO NO BRASIL Ano D, n° 2. fevereiro de 1912. Apud:
HANICZ, p. 39.
71 No início dos anos 1920, o Metropolita Szeptetzkey visitou os padres missionários
fútenos no Brasil. Ver, no ANEXO 10, fotografia de sua chegada à Colônia Antonio Olyntho.
72 CORRESPONDÊNCIA DE IWAN MICHALCZUK. Maio, 1912.
102
daquele que, ali, era o representante do sagrado. Desta tenacidade decorre uma
associação imediata com sua passagem pelo exército como se verifica tanto no jornal
católico Prácia - como estava acostumado à disciplina militar desejava ver ordem em
tudcP - quanto na fala de seus opositores: Os hábitos que ele possuía através da
organização do exército, ele pôs em prática como se fosse um homem civil, para
economicamente4.
violência em palavras ásperas que dirigia aos paroquianos, como nos relata uma
carta que os próprios enviaram à Galicia, dizendo que no seu sermão, até em meados
passam de lixo. São maçons. Todos juntos não valem sequer um cavalo meu; o meu
cachorro vale mais que vocês que são ralé. Eu tenho vocês embaixo do meu sapató*.
Exmo Sr. Bispo accusando o padre de não permittir ás moças ir á algum casamento e no caso de que
uma se atrever a ir sem licença delle, castiga-as ás pauladas; de que o padre as quer escravizar
obrigando-as á trabalhar gratuitamente; de que o padre lhes dirige palavras insultuosas e de até ás
vezes as surra". (LIVRO TOMBO, p. 29).
78 CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES.
103
inúmeros conflitos locais pode ser destacada a questão da chave da igreja, acontecida
chaves da capela dessa região da colônia. Desde meados da década de 1900 a capela
estava ativa, e nela os imigrantes e seus filhos faziam o culto dominical e as demais
culto - todos os domingos - em sua capela. Mas, Michalczuk deveria vir todos os
domingos, porém, só vinha quando tinha vontade, e chegamos a ficar três meses sem
assistência espirituaf0.
Impedia, assim, o acesso dos colonos. E mais grave, passou a visitar Santos Andrade
poucas vezes por ano. Estava criado o motivo do impasse: missa apenas na matriz.81
então rebellaram-se contra o sacerdote [...] affirmando que não o reconheciam por
79 "Antes da vinda dele, era totalmente diferente. Em nossa igreja, rezávamos junto,
cantávamos os salmos e outros cantos, alguém lia o Missionário ou a vida dos santos. A tarde
reuníamo-nos para as vésperas e antes dos grandes dias santificados fazíamos vigília. Naquele tempo
a juventude não andava pelas estradas, nem se escondia pelos cantos, pois acompanhava os mais
velhos na igreja. Reunia-se também para os ensaios no coral de quatro vozes, dirigido pelo Felipe
Kobren". (CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES).
80 Ibid.
Na carta que enviaram ao Metropolita Andrei Szeptetzkei os colonos informaram: "É
81
preciso lembrar que a distância é grande até a nossa matriz. Os que moram perto estão a oito ou dez
quilômetros. As estradas são ruins e só é possível transitar nelas à pé. Às vezes, acontecia de sairmos
[ para ir na missa ] no sábado e só voltarmos na segunda-feira. E se levarmos em consideração as
chuvas, as geadas, o calor do verão, então a estrada é impraticável". (CORRESPONDÊNCIA DOS
IMIGRANTES)
82 LIVRO TOMBO. p.16.
104
seu pároco.[...] Desde este tempo vedaram ao parocho o ingresso na capella; faziam
Igreja84. Para prestar contas a tal comissão, Michalczuk, com seus métodos inusitados
pé5. Dado ganho de causa ao pároco, aos revoltosos, intimidados, restou a decepção
ruidosos se deram entre 1916 e 1918, foi a unificação das irmandades locais. Tudo
linha Santos Andrade e arredores.86 Deve ser enfatizado que essas irmandades
espirituais. Sob a rubrica de Irmandade São João Batista e São Basilio abrigavam-se
83 Ibid., p.18.
84 Ibid., p.19.
85 Ibid., p.17.
86 A esse respeito escreveu, em 1912, ao seu superior em Lwiw: "Já há algum tempo em
formar a Irmandade do Sagrado Coração de Jesus, mas como existem duas irmandades, a de São
João Batista e a de São Basilio, se eu fundar mais uma, é capaz de todas as três acabarem. Por outro
lado, para transformar as que existem em Irmandade do Sagrado Coração teria que transferir
também para a nova irmandade a escritura das terras que pertencem à irmandade de São João. E
como isto custa caro, os associados começariam a latir feito uma matilha. Por isso, penso transformar
a outra irmandade, que é mais recente e não possue terra alguma, em Irmandade do Sagrado
Coração de Jesus e dar mais atenção à ela, e com o tempo, caso não me engane, os da outra
irmandade pedirão expontaneamente para ser anexados a esta minha nova Irmandade, e assim a
matilha não latiria e nem em sentiria o peso da transferência da escritura das terras".
(CORRESPONDÊNCIA DE IWAN MICHALCZUK, 1912)
105
87 Os bens que pertenciam à igreja matriz, já em 1916 foram escriturados para o padre
João Michalczuk. Cf. Escriptura de desistência da presidência da irmandade ruthena catholica de
Nossa Senhora Imaculada e Irmandade do Sagrado Coração de Jesus, que faz Lucas Koczi, a favor
do reverendíssimo padre João Michalczuk. Livro de Notas n° 43. p.102. ANTONIO CLARET
BUENO - TABELIÃO - OFÍCIO DE PROTESTO DA CIDADE DA LAPA/PR. A respeito desta
escritura deve-se notar que sendo padre diocesano Michalczuk poderia ter bens registrados em seu
nome. Essas propriedades, conforme anotação do padre João, no Livro Tombo, serão escrituradas,
mais tarde para a Mitra Diocesana.
88 LIVRO TOMBO, p. 17.
89 PARANÁ. FORUM DA CIDADE LAPA. Summario-Crime. Juízo de Direito da
Comarca da Lapa. 08/01/1916. Requerente: Júlio Reva. Requeridos: Padre João Michalczuk, João
Sambulski, Elias Wons, Nicolau Schner, Gregorio Wiçoski e Alfredo Schner. (Processo-crime não
catalogado).
106
94 Ibid., p. 21.
95 CORRESPONDÊNCIA DE IWAN MICHALCZUK., junho, 1913.
96 Possivelmente foram as tensões dessa época que originaram as seguintes reflexões do
padre João: "a colonia Antonio Olyntho é um mundo à parte; é a antecámara do inferno; é o logar
onde todo o crime se occulta deante da justiça; o logar onde toda a occasião é um julgamento, cada
instincto brutal um juiz; e o punhal, a bala e a navalha um castigo. " (LIVRO TOMBO., 1918, p.6.)
Até esse momento, os nomes dos imigrantes citados são reais. A partir daqui optou-se
97
Naquela estrada tinha uma ponte e ficaram todos do lado do riozinho. Uns vinte homens
esperando o padre com cambaus, foices, paus; não tinham armamento. Ele veio, passou
por ali - ele sabia que eles [ os imigrantes ] estavam escondidos - e foi rezar a missa.
Ninguém se mexeu, não tiveram coragem. E foram todos atrás dele na igreja. Isso parece
uma farra, não é? Falaram tanto em matar o padre, se reuniram e na hora não teve um
que teve coragem de pular no padre 55 .
Cresceram na gleba e a miséria os levou além mar a vinte e seis anos, quando ainda eram
jovens e suas consciências dormentes. Foram anos de terríveis sofrimentos e desgraças
[onde] choravam pelas aldeias natais. E agora [...] dizem que lembram de cada caminho e
que freqüentemente vem as suas casas como se as tivessem deixado ontem.[...] E apesar
de muitos deste que foram da gleba terem se tornado proprietários, apesar de tudo,
sentem saudades da antiga miséria e pedem que os levem a terra natal 105 , (sem grifo no
original)
103 Jornalista ucraniano, viajou ao Brasil por duas vezes: uma em 1922 e outra em 1924.
Na primeira viagem veio como representante do governo ucraniano, para arrecadação financeira
para o Fundo de Doações para a Pátria, que objetivava o fortalecimento da jovem república. Com "
este intuito, percorreu diversas colônias, entre as quais, Antonio Olyntho.
104 KARMANSKYJ, Petró. Miz ridneme u pivdeniy Améretzi. Kiev/Viena/Lwiw :
Tcahika, n.d. p.104. (tradução livre). Ver fotografia da casa do padre João no ANEXO 10.
105 Ibid., p.106.
106 CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES.
Ill
[...] caso fosse enviado [um padre] promettia o povo por à plena disposição delle a terra,
obrigando-se ao mesmo tempo cada família a pagar uma pensão annual de 5&000 e
prestar ainda auxílio no trabalho107, (sem grifo no original).
como corvéia. Numa queixa eles expressaram: A corvéia anual para nós é maior e
mais dispendiosa do que para os que moram ao lado da igreja-matriz110. (sem grifo
no original) Seria possível, no contexto das relações entre os rutenos e seu pároco,
pensar que eles usaram a palavra corvéia em função de uma insuficiência
lingüística? A forma e o estilo do documento citado indicam que o autor era pessoa
com formação escolar; por isso mesmo, teria conhecimento de que no idioma
ucraniano pagamento de corvéia e pagamento de dízimo não correspondem a
mesma palavra: rokiwchtchena designa corvéia e deciatena, dízimo cristão. E ele
utilizou rokiwchtchena.in
O folclore112 ao redor de Michalczuk, inclusive, informa que o padre ao
dirigir-se para a casa de algum moribundo fazia-se acompanhar pelo cartorário local,
e, para administrar a extrema-unção, pedia doações de pelo menos cinco alqueires
de terra. Diz-se que chegou a receber doações de propriedades maiores, como foi o
caso da viúva Horen que lhe doou dez alqueires de terran3.
Seja como for, ele dispunha de terras em seu nome w " das terras das
irmandades11S e aquelas que ele tomava de empréstimo entre seus paroquianos. E
116
nelas principiou sua própria lavoura e criação de SuínOS e eqüinos. Para estas
atividades utilizava o trabalho dos colonosll7, que eram escalados nominalmente no
114 Um levantamento sumário no cartório local mostrou que no ano de sua morte, as
propriedades em nome do padre João somavam mais de 100 alqueires. A esse respeito, o Livro
Tombo também esclarece: "O padre João trabalhou aqui 39 anos e conseguiu adquirir muitos bens os
quais, antes d3. sua morte doou aos Padres Basilianos em benefício dos mesmos e formação de novos
sacerdotes. Algum tempo antes da sua morte o padre João professou os votos e recebeu o hábito-
batina, adotando o novo nome de padre Inocêncio. [... ]. O padre Inocêncio J05.o Michalczuk faleceu
como membro da Ordem de 550 Basílio Magno." (LlVRO TOMBO. p.43).
ILS As irmaudades do. sede e a da linha Santos Andrade. Mais tarde, ainda enquanto era
pároco local, foi crindn n capela de Campina, em outro. região da colônia, que passou a contar com a
mesma orgnniz.'\ç50 d as demais.
11 (, Angélico. expresso a lembrança que a localidade tem a respeito dos animais do padre:
"Ele sempre teve muitos animais. Era tudo de raça. As vacas eram leiteiras e os porcos eram sempre
gordos; tinha semp re W \S trinta quarenta porcos. 56 vendia porco de 13 arrobas". (Entrevista 15 -
1994).
111 Os pnroquianos que se recusossem a executar os trabalhos demandados pelo padre
João corriam o risco d e não receber atendimento es piritual. Vários testemwthos se referem a isto:
"Uma ·vez aconteceu o seguinte: chegou o pároco para as confissões da Páscoa e sem descer do
cavalo, perguntou se o fe ij5.o~dele havia sido colh ido e descascado. E por azar o feijão não havia sido
colhido por causn dns chuvas. 5..'\bendo disso, o padre deu meia volta com o cavalo e nós ficamos
114
A nossa Anastácia, quando era pequena, [...] era muito traquina. Um dia ela subiu numa
árvore lá do quintal para tirar frutas e machucou o olho. Ficou feio o olho dela e eu pensei
que ela ia ficar cega. [...] De noite o falecido pai levou ela para que o padre Michalczuk
sem a confissão pascal. " (CORRESPONDÊNCIA DOS IMIGRANTES). Atitudes semelhantes foram
narradas por outros antigos paroquianos, como João, que afirmou: "Aquele padre era brabo. Se
chegava aqui e as coisas não estavam como ele mandava, virava o trole e não fazia a missa."
(Entrevista 28 - 1994)
118 Entrevista 19 (1990)
119 KARMANSKYJ, op. cit., p.102.
120 Evangelista e médico.
115
desse remédio. Ele tinha bastante remédio na aptéka. Deu o remédio e depois ela ficou
121
boa. Mas nós ficamos pagando aquele remédio durante cinco anos
O interior da igreja foi todo pintado com cenas bíblicas, tanto nas paredes
laterais quanto nas cúpulas128. Michalczuk entendia que as imagens nas Igrejas são
como que retratos dos santos, são uma espécie de livros em que vêm os que não
Seguindo uma tradição hebraica, nas igrejas do rito oriental, as mulheres, após o parto,
125
só passavam a freqüentar a igreja depois de receberem a "bênção das mães". As entrevistas com
mães destacaram essa prática em Antonio Olyntho.
126 Literalmente, parede de ícones.
127 Nome dado ao portão central dos três que estão situados na divisória feita pelo
ikonostás. Esse portão só é aberto no momento de culto religioso.
128Sua preocupação com o caráter pedagógico da decoração da igreja motivou-o a enviar
um talentoso filho de imigrante aos Estados Unidos da América, para aprender pintura.
117
sabem le/29; [...] como a palavra age por meio da audição, do mesmo modo actúa a
imagem perante a vista.130
Na comparação da decoração da igreja - totalmente dominada por cenas
bíblicas e por santos da tradição oriental - com os textos escritos do padre
Michalczuk, ressalta-se a ambigüidade de seu comportamento. Seus textos
evidenciam uma formação intelectual bastante ocidentalizada. É notável que ele
descartasse os membro da Corte Divina mais considerados na tradição da Igreja de
Rito Ucraíno-Católica. Nos trinta e nove anos em que escreveu o Livro Tombo, não
menciona em nenhuma vez os nomes de São Waldomiro, Santa Olga, São Basilio ou
ainda São Nicolau. Em contrapartida, São Francisco de Assis e Santo Agostinho são
constantes suportes aos temas que registra. São esses detalhes que revelam a
habilidade de Michalczuk em atingir a religiosidade específica de seus fiéis.
129 Michalczuk atribui a autoria desta frase a Gregorio Magno, formulada ao bispo de
Marselha. (LIVRO TOMBO, p.7.)
130 Ibid., p.7.
131 Ibid., 1912. p. 4.
ESTADO DO PARANÁ,
132 São Paulo : Empreza Editora Brasil : Capri & Olivero,
MCMXXin. n.p.
118
Ele era muito firme. Tinha um piazinho com mais de quinze anos que parou de ir para a
escola para ir para a roça porque o pai era pobre. O padre Michalczuk mandou um
policial buscar o menino para terminar o terceiro ano. Ele era muito bom instrutor 133 .
DOS IMIGRANTES.
143 Já foi mencionado o fato de Michalczuk ter sido, após a década de 1930, inspetor
regional de ensino.
144 Entrevista 24 (1994)
120
comentar: meu marido tjnha loja de comércio e a gente conhecia todo o mundo. E
dava p<lra ver que muitos dos inu"grantes eram mais educados [formalmente] do
que os que tinham nascido aqu/45.
-,~-_._~. -- -
---- --~
--- --- - -
RECIBO. ARQUIVO DA PARÓQUIA NOSSA SENHORA DA IMACULADA CONCEIÇÃO.
grupo à parte na localidade. A tal ponto que um álbum dos municípios paranaenses,
em 1928, ao se referir ao distrito de Antonio Olyntho no Município de Rio Negro,
dispensa duas folhas e lIma fotografia para o distrito como um todo, e três folhas e
realidade social da paróquia. A submissão ao padre não pode ser resumida numa
relação unilateral.
E aqui voltamos à posição anteriormente colocada. A partir da década de
1920, as condições para que se reeditasse a antiga aldeia ancestral estavam dadas:
isolamento social e geográfico, ignorância e uma liderança que incentivava a forma
de vida tradicional. É nesse último aspecto que se encontra a explicação para o
assentimento da comunidade à autoridade de Michalczuk.
Como os imigrantes não tiveram estímulos para romper com a mentalidade
que trouxeram da Galicia, mantiveram-se pensando e vivendo da mesma maneira
que seus pais e avós. A manutenção dos significados do mundo tradicional envolveu
a permanência da visão de mundo sacralizada que era combatida, em finais do
século XIX, tanto por facções do clero galiciano quanto pelos populistas152.
transformar coisas comuns - alimentos, ramos verdes, velas, água e fitas - em objetos
sagrados154. Seria possível não ter ele tanta autoridade sobre seus paroquianos?
Afinal, nas representações daquelas pessoas era provavelmente graças a ele que a
fragilidade da experiência humana comum, constantemente ameaçada pelas forças
do Mal, poderia ser fortalecida.
É nesse contexto que se explica também a doação que as mulheres
ucranianas fizeram de seus colares de coral. Transmitido de mãe para filha por
ocasião do casamento, esse adereço pode ser associado não apenas à idéia de
fertilidade, mas à própria formação familiar155.
A doação dos corais pode ser, assim, interpretada como o símbolo da
delegação do comando das vidas dos colonos à Michalczuk156. Todas as vezes que
iam à igreja este fato era reiterado; os paroquianos, em contrapartida, tinham
assegurado que o padre se manteria como mediador entre eles e as forças mágicas
que acreditavam constantemente assolá-los.
A esse respeito, ELIADE aponta : "O sagrado é sempre perigoso para quem entra em
154
contato com ele sem estar preparado, sem ter passado pelos movimentos de aproximação".
(ELIADE, op. cit., p. 298)
155 Depois de instituir a padroeira da igreja, Michalczuk encomendou um ícone junto à
Academia de Belas Artes de Cracovia (LIVRO TOMBO, p. 23). Com o quadro já entronizado,
provavelmente animado pelo crescente assentimento da comunidade às suas ações, passou a recolher
entre as paroquianas os colares de coral e demais adereços que contivessem ouro, prata e pedrarias.
Com esse material, encomendou das Irmãs da Sagrada Família, em Curitiba, o bordado que vestiu o
ícone. Do trabalho do acadêmico polonês, manteve-se à vista apenas o rosto de Maria e de Jesus
Menino.
156Simultaneamente à doação dos corais por parte das mulheres, verificou-se a entrega
das alianças de casamento por parte dos homens, com cujo ouro foi confeccionado um cálice para ser
usado na celebração da missa. Esse cálice, até hoje, é chamado de ciúme dos homens. (Entrevista 38 -
1995)
124
N O S S A S E N H O R A O R N A D A C O M OS CORAIS R E C O L H I D O S PELO P A D R E M I C H A L C Z U K .
125
Por ter consistido em referência para a comunidade, parece ter sido muito
1 CASAMENTO E NUPCIALIDADE
1 Nesse aspecto, é pertinente a colocação de vim dos entrevistados que têm memória dos
primeiros tempos. Ele enfatizou que as pessoas sem família não tinham condições de obter sucesso
em instalarem-se na colônia (Entrevista 19 - 1993). Pode-se pensar, assim, que o núcleo familiar
servia como anteparo às dificuldades iniciais dos imigrantes. Um fato curioso aparece quando se
analisam individualmente as trajetórias dos celibatários pioneiros com idade para casar: os rapazes
que imigraram com seus pais demoraram de três a cinco anos para casar e entre os que se tornaram
proprietários de lotes individualmente, ou casaram num prazo menor, ou imigraram da colônia.
2 WRIGLEY, contudo, mostra que se até meados do século XVII, na Europa Ocidental, a
idade média ao casar se situava em torno de 27 anos, este nível foi gradativamente baixando. Já no
século XIX a idade média no primeiro casamento era de 23 anos, estando as mulheres, geralmente,
com dois anos a menos que os homens. Aponta ainda, usando dados da índia (1950) e China (1940)
"que las problaciones preindustriales no europeas vienen a diferir de las europeas fundamentalmente
en un punto muy importante: que el matrimonio - al menos en el caso de las mujeres - es en ellas
casi universal y se produze a una idade muy trempana". (WRIGLEY, E. A. Historia y población :
Introducción a la demografía histórica. Madrid : Ediciones Guadarrama, 1969. p.86-88)
3Os dados demográficos trabalhados neste item correspondem a uma divisão da
população estudada em duas coortes: a primeira, compreendendo o período entre 1895 e 1949 e a
segunda de 1950 a 1980. A respeito dos critérios para se efetuar esta divisão ver PARTE III. Contudo,
algumas tabelas referentes ao estudo demográfico desenvolvido neste capítulo, estão, também, em
ANEXO.
129
rapazes aos 25,4 anos4. Tal padrão de idade só se modificou a partir da terceira
geração nascida no Brasil: elevou-se para 24,2 anos entre as moças e 27,5 anos entre
os rapazes, após 19505.
Assim, na primeira coorte, as mulheres casavam-se preferencialmente entre
15 e 24 anos (52%); na segunda, essa concentração dilatou-se por mais quatro anos.
De qualquer maneira, as noivas entre 15-19 anos, que na primeira coorte
representavam 29,1%, ainda eram uma parcela considerável na segunda (26%).
Como novidades na segunda coorte têm-se o maior número de noivas entre 20-24
anos e a ocorrência de primeiro casamento em todas as faixas etárias, inclusive 3%
deles envolvendo mulheres acima de 45 anos6.
Já entre os homens da primeira coorte, a concentração se dava entre 20-29;
na segunda coorte, passou a ser entre 20-34 anos7. Dessa maneira, até 1950, 89,7% dos
rapazes já estavam casados ao completar 30 anos; na segunda, com a elevação da
idade média ao casar, esse número decresce para 77,5%. Pode-se observar também
que na primeira coorte 8% dos rapazes casavam entre 30-34 anos; na segunda, esse
percentual já é de 13,2%8.
Por isso, na primeira coorte os casais mais freqüentes, em seu primeiro
casamento, eram aqueles formados por uma noiva de 15-19 anos e um rapaz entre
20-24 anos. Essa freqüência simplesmente reitera a manutenção do hábito da
constituição de casais em idades precoces, haja vista que a maior parte deles era
formada por mulheres entre 15-24 anos casando com rapazes entre 20-29 anos. A
casamento entre celibatários. No entanto, os cálculos de idade ao casar que incluem também os
recasamentos não alteram substancialmente as idades dos cônjuges: na primeira coorte a idade das
mulhres fica em 21,3 e dos homens em 25,9; e na segunda coorte as idades das mulheres são 24,5 e
dos homens 27,9.
' Ver PARTE III - TABELA 58.
' Ver PARTE m - TABELA 59.
« Ver PARTE HI- TABELAS 58 e 59.
130
partir de 1950, esse quadro tem uma pequena modificação com uma maior dispersão
à direita, apesar de o casal mais freqüente ainda ser aquele em que ambos os noivos
estavam na faixa de 20-24 anos9.
Sabendo-se da origem sociocultural dos imigrantes fixados em Antonio
Olyntho, a constatação de idades mais ou menos precoces na primeira coorte estaria
indicando que eles mantiveram o padrão de nupcialidade camponês oriental.10 A
lógica que regia aquela sociedade não era a mesma desenvolvida no Ocidente
europeu; ou seja, o new pattern11 não se realizara nos campos da Galicia até o
período em que se deu a emigração. Por outro lado, os imigrantes desenvolveram
uma estrutura familiar complexa que, abrigando a moradia conjunta, acolhia os
recém-casados. E isso concorria para o casamento em idade precoce na primeira
coorte. A dilatação de uma faixa etária na idade média ao casar para ambas os sexos
na segunda coorte pode ser atribuída à progressiva adoção de outros valores socio-
económicos12.
É, o padre Michalczuk me obrigou a casar com o João. A outra minha irmã podia casar
com ele, a mais nova. E eu era para ficar. Daí o padre disse: que fica nada. Ele começou a
amolar, o pai também. Daí casei. Moramos um ano com o pai, e daí mudamos para perto
da igreja15, (destaque do autor)
Em relação à atuação dos pais na escolha dos cônjuges, uma hipótese pode
ser colocada: as mães interferiam mais na busca do cônjuge para os filhos e os pais
para as filhas. Isso estaria justificado pelo costume generalizado, até por volta da
década de 1960, de moradia do novo casal com os progenitores.17 Pela coabitação
u Deve-se ressaltar que a primeira coorte compreende pessoas casadas entre 1895 e 1950 e
o padre João foi pároco entre 1911 e 1950, verificando-se assim, na colônia, um interstício de 15 anos
sem sua influência. No entanto, isto não invalida a argumentação de que as escolhas dos noivos não
eram atos totalmente individualizados, à medida que, no período anterior à chegada de Michalczuk,
os pais desempenhariam esta função. Quanto aos párocos itinerantes, que atenderam a colônia antes
de 1911, não tenho informações a respeito de sua postura perante as escolhas matrimoniais.
" Entrevista 20 (1993)
15 Entrevista 26 (1993)
" Entrevista 12 (1993)
" Nas entrevistas ficou muito claro que o casamento não implicava moradia isolada para
o novo casal. Todos os entrevistados que casaram até a década de 1970 coabitaram temporária ou
definitivamente com a família de um dos cônjuges, costume generalizável para toda a colônia. A
análise da coabitação é tema do item 2.2, no Capítulo 2 e dos itens 3.1 e 3.2 do Capítulo 3, da PARTE
li desta tese.
132
implicar convivência, as mães teriam mais interesse em uma boa nora dentro de seu
quadro de referências, e o pai, em garantir um genro trabalhador.
A ascendência dos pais na escolha dos cônjuges ainda vem se mantendo
entre as pessoas da comunidade, e muito lentamente tem dado espaço à
individualização nas decisões matrimoniais. Nos casamentos da década de 1950 e
1960, pessoas que não eram da etnia, mas viviam em Antonio Olyntho, atestam o
hábito de os noivos não interferirem na questão:
Era tudo muito controlado; não havia liberdade e eram poucos os dias de namoro. No
começo não havia namoro: era tudo arranjado pela família, os pais decidiam. Um pai
tinha uma filha para casar, lá o compadre tinha um filho... Eles conversavam e ajeitavam
o casamento. Inclusive meu marido, quantos casamentos arranjou! 18
" Entrevista 9 (1994). O marido da entrevistada foi Francisco Bach, comerciante local, de
origem alemã, com grande prestígio sócio-político na colônia, onde exercia inclusive a função de juiz
de paz. Pelos relatos, mesmo sendo estranho ao grupo, participava do cotidiano dos colonos por ser
comerciante. O balcão de uma venda do interior é muito mais do que o mero local de transações
econômicas.
" Entrevista 42 (1995). A falta de individualização nas escolhas matrimoniais nas
sociedades tradicionais é tema constante entre os autores que tem a família como objeto de estudo.
Entre os vários historiadores que se preocuparam com este tipo de análise destaco aqui a posição de
Shorter quando caracteriza as sociedades tradicionais como aquelas onde se verifica "a
preponderância do controle da comunidade sobre a ação individual: as relações amorosas e
matrimoniais dos jovens, funcionando dentro do quadro de controles exercidos pelo grupo dos
próprios jovens e do conjunto da comundidade". (SHORTER, E. Naissance de la famille moderne.
Paris : Éditions du Seuil, 1977. p. 153).
133
moça que fosse filha de gente!) já, se a moça fosse da etnia ucraniana ela tinha
tradição, tinha respeito; ela era recomendada. Aí ele não era considerado uma pessoa
vira-casacê0.
Mas eu sempre afirmo: primeiro Deus, segundo a religião, terceiro o nosso rito e depois o
resto. E também, aconteça o que acontecer, eu não vou entregar moça alguma a brasileiro
nenhum, a não ser que aconteça algo que Deus me livre. De mais a mais, sei como vivem
os que casaram com estes caboclos. Eles não têm religião nos dias santificados; só vivem
de um dia para o outro literalmente vegetando. E aqueles que possuem ainda uma
centelha de amor a Deus, choram e se lamentam daqueles que poderiam proibi-los um dia
e não o fizeram. 21 (sem grifo no original)
À primeira vista fica a impressão de que o padre não fazia restrições aos
casamentos com poloneses, porém, em sua escala de valores, ele frisa que o rito
grego só estava abaixo de Deus. A diferenciação étnico-religiosa de Michalczuk fica
bastante evidente no próprio registro dos casamentos: durante o período em que foi
pároco de Antonio Olyntho - 1911 a 1950 - , havia dois livros para ãs atas de
casamento. Num deles eram registrados os casamentos nos quais se manteve a
endogamia e no outro, os exogâmicos.
20 Entrevista 21 (1994)
21 CORRESPONDÊNCIA DE IWAN MICHALCZUK. Fundo 358. Metropolita André
Szeptetzkei. Arquivo Histórico Nacional da República da Ucrânia. Lwiw.
134
existia. [...]. O povo não queria mas suportava. Hoje, se isto acontecesse, o povo não
suportaria mais essas coisas 22 .
22 Entrevista 24 (1994)
23 Deve ser feita a ressalva de que, tenicamente, mercado matrimonial está referido ao
local de residência dos noivos. As fontes em estudo não especificam residência atual, apenas local de
nascimento.
Ver TABELAS A7 e A8 e ANEXOS 1 e 3. Como exemplo pode-se citar São Mateus, Três
24
Barras, Canoinhas no rol daquelas localizadas entre 20 e 50 km de distância; Irati, Contenda, Lapa,
Marienthal entre 70 e 100 km e Curitiba, Marechal Mallet como cidades a mais de 100 km.
25Esse percentual relaciona-se ao número total de casamentos havidos entre 1895 e 1980
dos quais se sabe o local de nascimento dos cônjuges. Neste caso estão 1.655 uniões.
135
26 Ver T A B E L A A9.
136
geograficamente. Ainda, casar com pessoas que têm a mesma crença religiosa é
fundamental em grupos tradicionais.
Assim, a endogamia pode ser entendida como a expressão do
conservadorismo de uma sociedade tradicional, principalmente quando se leva em
conta que havia opções étnicas no mercado matrimonial local. Nesse sentido ressalta
o fato de que - mesmo havendo poloneses, alemães, luso-brasileiros e até alguns
italianos na localidade - somente cinco moças, ao casarem no rito grego, escolheram
rapazes poloneses como cônjuge e apenas um rapaz ucraniano casou-se com moça
polonesa ? 7
Coloca-se, então, a hipótese de que o mercado matrimonial dos rutenos de
Antonio Olyntho era regulado por outros fatores além das facilidades oferecidas por
uma língua em comum e pela proximidade física. No sentido de aprofundar a
investigação sobre essa endogamia, procedeu-se ao cruzamento das cidades de
origem dos noivos incluídos nos 309 casais que compõem a combinação Homem da
Galicia casado com Mulher da Galicia da Tabela A9. Foi possível localizar 119
cidades de origem de ambos os nubentes e, nesse casos, no mínimo 42% dos
matrimônios se deram entre cônjuges nascidos na mesma aldeia da Galicia.28
Na TABELA A9 o índice de cônjuges dos quais não se sabe a origem étnica e geográfica
27
ambos os noivos nascidos na Galicia = 188 casais; noivos com a especificação da cidade da Galicia na
qual nasceram = 119; um dos noivos nascido na Galicia e outro na Polônia = 3; ambos nascidos na
Polônia = 1; ambos nascidos na Áustria = 3; um dos noivos nascido na Áustria com um noivo
nascido na Galicia = 2.
137
29 Os atos do casamento estão descritos, infra, no Item 1.3 - O casamento e seus ritos,
neste capítulo.
30 Diversos estudos indicam que, nos meios tradicionais, os arranjos matrimoniais
contavam com um mediador entre as famílias dos noivos. F. LEBRUN, por exemplo, aponta que os
pais usavam muito freqüentemente os bons ofícios de um intermediário. Esse poderia ser um amigo,
um familiar e algumas vezes o próprio padrinho de um dos nubentes. Indica também que certas
províncias contavam com verdadeiros profissionais casamenteiros. (LEBRUN, F. La vie conjugale
sous l'ancien régime. Paris : Armand Colin. 1975. p. 33-34). Vários outros autores, citados por
WOORTMANN ; WOORTMANN, identificaram essa função em seus estudos: na Inglaterra, GILLIS,
J. (1984); HAMMEL (1968) e DENICH (1974) para os Bálcãs; na Áustria (KHERA, 1981). Para o Brasil,
apontam diversos estudos apresentaram o casamenteiro, desde o Brasil colônia até passado recente.
Ressalte-se, que aqui o casamenteiro não era profissional, como em certas partes da Europa, e nem
poderia ser o pai dos noivos. (WOORTMANN, K.; WOORTMANN, E. F. Amor e celibato no
universo camponês. Campinas : NEPO : Unicamp, 1900.)
138
31A colônia Antonio Olyntho era dividida em 11 linhas de demarcação (Ver ANEXO 2). A
escolha da linha Gonçalves deve-se à especificidade de estar localizada no centro geográfico da
colônia e concentrar proprietários de diversas etnias. Sobretudo, foi escolhida por haver
documentação que possibilitou o cruzamento de dados oriundos dos registros paroquiais com as de
posse da terra.
32 Não foi possível saber o destino de todos os filhos dos casais pioneiros. Soube-se que,
além dos 56 que casaram na paróquia, tais famílias contavam com mais 35 filhos. Desses, uma moça
foi mãe solteira; 5 morreram e os demais - 29 - são pessoas das quais não foi possível acompanhar a
trajetória de vida. Alguns podem ter morrido (haviam 13 crianças com menos de 5 anos); outros
acompanhado a remigração de suas famílias e, ainda, simplesmente terem casado fora da paróquia
(endogâmica ou exogamicamente).
139
33 Entrevista 2 (1994)
34 M. BAKTHIN foi um dos primeiros a indicar a relação entre cultura popular, espaço do
riso e inversão social. Ao contrário da festa oficial, que mantendo o povo na ordem existente, não
criava uma segunda vida, a festas populares convertiam-se "na forma de que se revestia a segunda
vida do povo, a qual penetrava temporariamente no reino utópico da universalidade, liberdade,
igualdade e abundância." Diz que o riso popular opõe-se ao riso satírico da era moderna, porque ao
se empregar a sátira mantém-se iam distanciamento com o objeto aludido, opondo-se à ele, e o "riso
popular expressa uma visão de mundo em plena evolução no qual estão incluídos os que riem".
(BAKTHIN. M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento : O contexto de François
Rabelais. São Paulo : Hucitec, Brasília : Editora da UnB, 1987. p. 8-11)
140
Mamãezinha, mamãezinha
veja como eu danço graciosamente [lindamente]
Como eu sei trançar as pernas
mas sem vontade de trabalhar.35
35 Entrevista 19 (1993)
* Kolomeika é um gênero de canção popular que possui um refrão fixo e versos jocosos,
muitas vezes improvisados. O tema da kolomeyka é associado ao motivo da festa e no mais das
vezes canta os amores.
37 Entrevista 19 (1993)
M Tocados, nas primeiras décadas da colônia por Simon Stech, Kirilo Kostianowickz e
Paulo Wons.
35 O juiz de paz até a década de 1940 era Francisco Bach.
40 THOMAS, K. Religião e o declínio da magia : Crenças populares na Inglaterra. Séculos
padre a respeito dos folguedos de seus fiéis extrapolou o âmbito da localidade. Uma
matéria do jornal curitibano, Gazeta do Povo, em 1928, comenta que o padre
dedicava quase a totalidade dos seus sermões a pregar contra cabelos cortados e
principalmente contra os bailes, que são, segundo sua teoria, criação satânica. 47
Tudo aquilo que poderia ser interpretado como um simples ato de vaidade
feminina recebia sanções severas do padre:
" GAZETA DO POVO. A ineffável colonia Antonio Olyntho e o seu não menos ineffavel
parocho rutheno. Curitiba. 26 nov 1928. n. 2755. p. 3.
" Traços dessa disposição das pessoas se mantêm na igreja local. Na atualidade, às
mulheres cabe o lado direito da igreja e aos homens, o lado esquerdo.
» Entrevista 22 (1994)
50 Entrevista 22 (1994)
143
Ele não queria que moça nenhuma cortasse o cabelo. A minha mãe fez uma peruca 51 ,
então ele desceu do pulpito e fez ela desmanchar dentro da igreja, na frente de todo o
mundo, porque não era para andar assim 52 .
do Iwan Kupala, não viessem a surtir o efeito desejado, havia ainda o recurso à
vorôchka55, uma mulher que conhecia os segredos da natureza humana e sabia atrair
um homem para uma mulher. Quantas moças da colônia buscaram auxílio junto à
vorôchka é um enigma, mas todos sabiam que elas existiam e onde moravam.
Para os rapazes, em desvantagem perante essas forças sobrenaturais, não
havia muita alternativa. A cultura popular apenas lhes reservava uma advertência
em músicas, como a que Stephano, nascido em 1907, ainda relembra:
* Entrevista 20 (1994)
57 Entrevista 20 (1994)
58 Ver PARTE Dl - TABELAS 54 e 55.
146
período estudado, em apenas 3,3% das uniões a noiva já estava grávida 60 . Essa
filhos nascidos fora de um casamento, que posteriormente foi efetivado. Esse índice
também é baixo: somente oito uniões em cada uma das coortes já tinham um ou mais
TABELA A10)
- Ver PARTE III - TABELAS 10 e 11.
147
Ver infra, no Item 2.4 - Desdobrar-se em muitos filhos, do Capítulo 2 da PARTE II, os
66
GRÁFICOS 3, 4 e 5.
" Os autores nem sempre concordam quando o assunto é sexualidade. Alguns deles
indicam uma castidade quase absoluta nos dez a quinze anos que precedem o casamento, facilitados
por um processo de larga sublimação. Outros, notadamente J.L. FLANDRIN, criticam essa noção,
dizendo que os jovens tinham atividade sexual que podia ser revestida das mais variadas formas.
(FLANDRIN, J. L. Sexo e o Ocidente. São Paulo : Brasiliense, 1981.). E. SHORTER discorda, dizendo
que os meios camponeses tradicionais eram desprovidos de erotismo e, que por isso mesmo, os
índices de concepção ilegítima eram, geralmente, baixos (por volta de 3%). Contudo SHORTER
indica, para vários locais da Europa camponesa, as cortes noturnas , ocasião propícia para os jovens
desenvolverem jogos eró ticos.(SHORTER, op. cit., p. 98-152)
" Ver TABELA AlO.
" Lídia, 67 anos, explicou: "Tinha que se cuidar para casar virgem. É o que eu digo até
hoje para as minhas filhas. Todos ficavam meio revoltados. Porque não deve ser assim." (Entrevista 2
-1993).
70 Esse percentual relaciona o total de mães (655+41) com o total de mães com filhos
71A esse respeito, VIHORINSKY generalizou uma observação: " A s uniões ilegais eram
raras e quando aconteciam estavam expostas ao afronto da comunidade e principalmente dos
padres, prometendo-lhes mil e uma maldições e os piores desarranjos na vida caso continuassem
neste estado desregado e pecaminoso. A pena mais comum era a excomunhão". (VIHORINSKY, i,
Iracema-Imigrantes ucranianos no Brasil, 1895-1959, p. 65 Apud HANICZ, T. Igreja e imigração
ucraniana no Paraná : Elementos para uma história da Igreja ucraniana no Brasil. 1993, p. 36. Texto
inédito.)
n Vèr PARTE III -TABELAS 10,11,12 e 13.
Na comunidade quando as pessoas se referiam à mãe-solteira usavam a palavra kurva.
M
À tal entrega [...] opoz-se energicamente o pai da moça e a menina também de boa ou má
vontade (não se sabe), virou bicho. Os meninos porém, mantinham-se firmes na sua
resolução e travou-se a interessante tragédia. Pula daqui, salta dali [...] e nem a gancho
conseguiram dominá-la. O resultado foi que estraçalharam com as vestes da pequena e o
caso foi bater na polícia.77
GAZETA DO POVO. Antonio Olyntho, a célebre. Curitiba, 18 fev 1928. n. 2774. p. 2-3.
Ibid., p. 3.
151
paternidade e a levasse ao altar78. O rapaz sustentou que manteve relação sexual com
a moça, notando que a mesma não era mais virgem e que não se recusaria a casar
com ela caso ela fosse virgem mas como ela já fora defíorada pelo Augusto, deixava
o caso para a justiça resolveP9. Não se pode precisar se este rapaz usou apenas a
virgindade como vim recurso legal ou se foi o valor cultural que ela representava que
o impeliu a não se casar. Contudo, pode-se afirmar que a jovem em questão foi
afetada pelo código moral da comunidade e passou a integrar o grupo marginal
destinado às mães-solteiras. Encontramos em 1957 o batizado de seu segundo filho,
registrado sem a menção do pai.
Se pela autoridade civil não se ob tinha a legitimação do casamento, a
autoridade religiosa, em alguns casos, tinha mais sucesso. Ainda em 1912, o padre
Michalczuk, interferiu para legitimar a união de uma moça rutena.
Uma rapariga fugiu durante a noite para a companhia de um brasileiro mulato! Viveu
com ele umas cinco semanas, e depois com a ajuda da Virgem Mãe consegui ministrar-
lhes o sacramento do matrimônio* 0 .
Os homens nos sábados e domingos à tarde, iam procurar a casa da dona Júlia. Lá ela
mantinha umas garotas. Isto era na linha Santos Andrade e depois na linha Constard. Ela
era ucraniana e era comentada às largas 81 .
J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D
O pai pediu para esperar para casar depois da Páscoa. Porque vieram os velhos para
combinar com o pai. A minha mãe disse: a Páscoa está aí, vamos deixar para depois da
Páscoa. 85
quase que total de uniões nesse período86. Por parte dos ucranianos em Antonio
Olyntho, a acentuação do pico negativo das uniões na segunda coorte pode estar
sinalizando a assimilação do comportamento convencional.
Outras especificidades do calendário religioso dos rutenos auxiliam a
compreensão da distribuição mensal dos casamentos. Um exemplo disso é a
celebração do Jordan, cerimonial destinado à bênção das águas, realizado em janeiro.
Nesse mês, entre 1900 e 1909, há somente dois casamentos, ambos no dia 30; entre
1910 e 1919, a concentração ocorre a partir da segunda quinzena, agrupando-se os
casamentos no último terço do mês (71,4%). Essa baixa densidade manteve-se até a
década de 1960, quando então delineou-se uma distribuição homogênea ao longo do
mês.
Como o Jordan implica a bênção particularizada da casa dos fiéis, o pároco
envolvia-se com esse rito por um bom tempo. A prática mais efetiva do Jordan na
época do padre João explica a baixa densidade e a concentração dos casamentos no
final de janeiro. Mais recentemente, um relaxamento em relação a essa prática vem
retirando o interdito do mês.
Em outros momentos, o calendário litúrgico não teve função reguladora.
Este é o caso da Petriuka, evento demarcado na quinzena anterior à festa de São
Pedro - comemorada em 29 de junho. O período consistiria numa pequena
quaresma, na qual se esperava o comportamento regrado da Quaresma Pascal.
Todavia, o movimento mensal de casamentos em Antonio Olyntho, na primeira
coorte, indica uma preferência acentuada por uniões nesse mês. Inclusive, nas
primeiras três décadas, junho está entre os meses com maior taxa de nupcialidade;
este quadro só se alterou após 1950.
Pode-se pensar que na escolha desse mês para o casamento, a cultura dos
imigrantes tenha se sobreposto ao calendário cristão e ao agrícola. Em junho, o
- Bétula, betulazinha,
já é tempo dos galhos pratear.
- Iwanku, Iwanku,
já é tempo de casar.
- Não é tempo, tempo não é,
minha noiva jovem é.
Q u e se divirta até o Kupala,
pois eu disse que esperava 87 .
" BILETZKEI, op. cit., p. 87. As cantigas citadas neste texto foram identificadas, na íntegra
ou em variações, pelos descendentes dos imigrantes do grupo em estudo.
88 Ibid., p. 127.
" Conforme relatórios oficiais, os produtos cultivados na colônia são, desde o início do
século, principalmente o feijão, o milho, a batata, a mandioca, além da extração da erva-mate.
90No que tange às três primeiras décadas, 2,7%; 0,8% e 1,5% são os percentuais relativos à
incidência de casamentos no mês de julho.
156
SEG TER QUA QUI SEX SÁB DOM SEG TER QUA QUI SEX SÁB DOM
Sabe-se da ligação que diversas culturas fazem entre o ciclo da Lua com a
fertilidade, tanto da terra quanto das mulheres92. Em diversos idiomas europeus, a
segunda-feira ainda mantém-se como o dia da Lua. Na cultura ucraniana este dia
está intimamente ligada ao ritual do casamento e à relação homem-mulher. Pela
tradição dos imigrantes, o Sol rege todos os movimentos do Cosmos, protegendo
inclusive a relação conjugai do seu irmão Lua com a Estrela Vespertina. Nesta
relação simbólica está representado o casal, bem como seus filhos - todas as estrelas
- e as bênçãos da natureza93. As cantigas de casamento enfatizam esta simbologia:
Como eram bonitos os casamentos! Eram sempre na terça-feira. Deus nos livre e guarde
se no tempo do padre João alguém fizesse casamento no sábado. Ele não deixava porque
[se as pessoas fossem na festa] ninguém iria na missa do domingo. Então começava na
segunda na casa da noiva o dia inteiro, trançavam as tranças, cantavam, dançavam... Era
bonito 97 .
57 Entrevista 22 (1994)
" Entrevista 19 (1993)
160
E bateram à porta pela terceira vez. Então Naum (o dono da casa) fazendo um sinal da
cruz disse: - Se vocês são pessoas de bem, pedimos que entrem. Após o convite de Naum,
entram duas pessoas moradoras da localidade [...] . O mais velho traz consigo um pão.
Ao entrarem em casa, oram e se enclinam para os donos da casa. Naum pergunta: -
Quem são vocês, de onde vieram, a procura de que Deus os traz? O senhor mais velho
responde: - Primeiramente permita-nos inclinarmo-nos diante de vós e servir-vos de boa
palavra. Pedimos que ouça nossas palavras, se elas não forem corretas nós nos
retiraremos.
Esse primeiro ato do ritual do casamento foi reeditado nas uniões dos
imigrantes e de seus descendentes em Antonio Olyntho. Nicolau casou em 04 de
maio de 1957 e tinha como stárosta seu tio; já namorava a futura esposa há dois anos
e ela sabia qual seria o dia do svatánha. Isto não impediu que o stárosta, Paulo, e
Nicolau parassem na soleira da casa da noiva para cumprir a cerimônia ancestral101.
O stárosta chega na casa e pede se vão recebê-los; se na casa tem uma filha para
casar, porque ele trouxe um rapaz102. Esse depoimento foi feito por Tereza, que casou
em 31 de janeiro de 1970. Respondendo se o svatánha das amigas se processou da
mesma maneira disse: Sim, o sistema que eu conheço é assim. Até hoje é assim,103
para a preparação dos alimentos, mas esse hábito perpetuou-se apenas em algumas
partes da colonia. No depoimento de Anastácia, moradora da linha Santos Andrade,
casada em 1936, não há lembrança de contribuição dos vizinhos; outra moradora
dessa linha, Agneta, que casou também em 1936 ao relatar seu casamento dividiu as
funções das mulheres e dos homens, dos solteiros e casados e mencionou a
colaboração com mantimentos por parte dos vizinhos112; Lidia, que casou em 1956
afirmou que na linha Campina até hoje as mulheres levam os ovos para o korovai e
para o macarrão.
Enquanto os casados organizavam a comemoração, na semana que
precedia a vesilha, a noiva visitava a casa dos vizinhos e parentes formalizando os
convites para a festa. Era acompanhada por amigas solteiras denominadas drújke,
dentre as quais uma era a principal. De maneira geral até a década de 1940, as noivas
faziam os convites usando na cabeça uma guirlanda de flores preparada com as
drújke. Um morador, nascido na década de 1900, lembra dessas ocasiões: As noivas
vinham convidar para o casamento acompanhadas de suas drújke. Todo mundo as
escutava e todos se curvavam. A noiva tinha uma guirlanda na cabeça114. Não se
pode precisar em qual década o acompanhamento reduziu-se a apenas uma drújka;
no entanto, o hábito de a noiva ter essa acompanhante perdurou até o final do
período em estudo.
Entrevista 23 (1993)
lu Entrevista 2 (1994) e Entrevista 3 (1993)
114 Entrevista 20 (1994)
164
M O L O D Á . O .H. C H A B A T U R A . 44X62.1987.
um amigo que era seu drújba. Esse personagem mantinha-se ao lado do noivo,
comunidade simulavam uma luta com o noivo e os drújbas. Não sabem explicar por
165
que isto acontecia, têm apenas a memória das lutas de brincadeira na frente da
igreja™.
L. BILETZKEI busca raízes culturais muito antigas para explicar o significado
dos acompanhantes dos noivos116. Especificamente a drújka e o drújba evocam o
período da formação nacional ucraniana, ainda no século IX, quando o príncipe
Wolodymir organiza seu exército, ou seja, sua drujena. Os noivos, na vesilha,
atualizam o período do principado de Rush' de Kiev personificando durante a festa,
o príncipe e a princesa. A hierarquia dos papéis no casamento rememoram o período
do principado. O stárosta e os drújbe são o cortejo do noivo atualizando a relação do
príncipe com a sua corte. Já a simulação da luta do noivo com os jovens da
comunidade remontaria a uma tradição originária da proto-história ucraniana,
quando os costumes tribais incluíam o rapto da noiva e conseqüente enfrentamento
com sua família.
Ainda nos primeiros tempos da colônia os noivos iam para a igreja a pé, ao
som dos bumbos e da rabeca. Um antigo morador lembra de casamentos nos quais a
noiva, com roupas coloridas, dançava, liderando seu cortejo que entoava canções.
Mais tarde iam para a igreja em carrocinhas com os cavalos enfeitados com
pingentes de papel de seda, e foguete?17. A decoração da carrocinha era função das
drújke que, em coerência com uma cultura camponesa, utilizavam-se para isto de
flores, fitas, ramos de cereais e rolinhos de papel. Nem mesmo a a modernização dos
meios de transportes alterou o tipo dos adereços: os mesmos enfeites foram
transferidos para os caminhões que passaram a levar os nubentes.
possivelmente tem raízes na cultura rutena que concebe as bodas como a união de
um príncipe e uma princesa. Nesse mesmo motivo está articulado a vintchánha: ato
na casa dos pais da noiva.122 Casar e festejar eram indissociáveis, pois o casamento
era a festa por excelência. O depoimento de Ahaphia, que casou com João, em 1943, é
exemplar:
A nossa festa era sábado e domingo. Dia inteiro. O falecido pai já tinha morrido: morreu
de doença, porque a gente era pobre e não levamos no médico. A mãe e o meu irmão
fizeram a festa. Foi sábado o dia inteiro. Fomos na missa, casamos e daí o dia inteiro foi
baile.[...] Amanheceu, e aquele baile continuava. Cedo, a falecida mãe deu café para todo
mundo. E baile o dia todo 123 .
FIM D A S E R V I D Ã O . L M . S K O L O S D R A . 1987.
aldeia natal, uma cruz construída com pedras, em memória da vida que
172
Peço a vocês todos, donos, que quando nos domingos santos benzerem os campos não
deixem de passar pela colina. Que qualquer jovem corra até lá em cima e esparja a cruz
com água benta, pois vocês sabem que o padre não vai subir lá. Eu até lhes peço muito
este favor. Q u e não abandonem nunca a minha cruz. Pedirei a Deus no outro mundo por
vocês, mas façam a vontade do velho 1 .
Á R V O R E D O S I M I G R A N T E S . A N T O N I O O L I N T O . 1995.
mudança radical que se efetuava em suas vidas com uma força transcendente.
* Ibid., p.28.
' Ibid., p.30.
' Essas casas estavam localizadas em lotes de dez alqueires, em média, para cada família
imigrante. Tais terrenos eram basicamente retangulares com profundidade maior do que largura. Na
face dianteira passavam carreiros e as demais divisas eram com os lotes vizinhos. Cada conjunto de
sessenta a noventa lotes - uma linha - recebia denominação específica e ligava-se às demais por uma
rede de carreiros e de estradas. (Ver ANEXO 2)
7 HOLOWKO, em um estudo sobre as habitações na Ucrânia, generalizou esta relação,
fosse qual fosse o estilo ou a região das moradas camponesas. (HOLOWKO, S. et al. UKRAINSKA,
MENUVCHENA : Ilustrovanei etnografotchnei dovidnek. Kiev : Lebidh, 1994. p. 117)
175
porque foi assim toda a vida. Quem fazia a casa, colocava os santos assim [para o leste],
toda a vida. A casa também se colocava com a frente para o lado que o sol nasce 8 .
' Entrevista 12 (1994) Essa mesma entrevistada, que à época tinha 78 anos, explicou que a
geração atual não mantém mais o hábito de colocar a casa e os ícones direcionados ao leste. Em
relação a casa em que mora, esse costume foi abolido depois de uma reforma, em 1991: "Foram
fazendo reforma e ficou assim. Quando passaram a tinta, o meu filho pediu de que lado devia pregar
os santos. Eu disse que podia colocar em qualquer lado. E ele colocou ali [norte]. Mas eu acho que
para mim, ficava melhor se estivesse para cá [leste]. Eu estava mais acostumada".
' ELIADE, op. cit., p.38.
10 Entrevista 5 (1995)
176
dessa prática:
Três, quatro famílias se reuniam e faziam uma casa. Eles tiravam aquelas árvores
compridas e faziam as vigas debaixo, com pé direito, tudo duplo. Daí, eles colocavam a
palha, o capim, a cinza e o esterco de cavalo e iam "recheando" as paredes. O barro ficava
como se fosse casa de alvenaria. E o chão, antes de começarem a pôr assoalho de madeira,
era de barro socado. Eles eram caprichosos: no tempo do Natal, da Páscoa e das festas,
eles buscavam nos barrancos dos rios, barro vermelho e passavam no chão para ficar bem
lisinho. Passavam o barro também na parede. 11
Essas casas eram cobertas com palha de centeio ou, mais freqüentemente,
» Entrevista 5 (1993)
177
NORTE
I
KUHNIA
OESTE LESTE
o
QUARTO O
m
ca
QUARTO
SUL
" João explicou que era comum as casas possuírem lambrequins e que as casas edificadas
mais recentemente não contam com esses detalhes porque é muito trabalhosa tanto a execução
quanto a montagem dos entalhes. Ele mesmo comprou a madeira de uma casa desmontada e quando
foi construir novamente não reproduziu os lambrequins: "Eu abandonei. Dava muito trabalho para
colocar, porque era tabuinha por tabuinha e se acabava o modelo continuava na outra e eu tinha
misturado e não numerei as tábuas. Aquilo é prá louco". (Entrevista 30 -1995)
178
uEvento do calendário litúrgico dos ucranianos que ocorre em janeiro. Nele os padres
percorrem as casas dos paroquianos para benzê-las.
" Acolchoado de penas de ganso.
13 Entrevista 15 (1994)
16 Entrevista 25 (1995)
" Entrevista 44 (1995)
u As crenças populares dessa etnia concentram na noite a ação das entidades fantásticas.
Alguns aspectos do mundo mágico que veio na bagagem imigrante está detalhado no Item 3.2 - As
relações familiares, no Capítulo 3, da PARTE II.
179
pessoas num mesmo aposento19. E, é possível que a presença do altar dos ícones no
quarto em que a família pioneira dormia, signifique uma solução que a cultura
camponesa rutena tenha dado ao problema.20
Além desse quarto, a hata possuía mais dois aposentos. Uma espécie de
vestíbulo que, quando necessário, podia transformar-se em quarto; o aposento
contíguo servia como depósito de cereais: trigo, feijão, arroz e milho.21 A lógica que
regeu tal disposição dos aposentos da casa parece estranha, considerando que um
depósito de alimentos estaria mais bem situado nas proximidades da cozinha. E,
nessa casa em especial, a cozinha distava mais de quinze metros da hata.
Tudo indica que a tradicional casa de barro dos camponeses rutenos sofreu
uma adaptação na América, e isto se evidencia numa comparação feita entre as duas
formas arquitetônicas. S. HOLOWKO22 apresenta plantas e estilos de casas,
principalmente aquelas construídas nas regiões próximas ao rio Dniester,
semelhantes às casas de barro dos imigrantes em Antonio Olyntho. Uma das
características das moradias camponesas na região da antiga Galicia era o fato de um
único conjunto arquitetônico23 abrigar a casa, a cozinha, o celeiro e o estábulo. Aqui,
o que se verificou foi uma dispersão desses compartimentos em várias construções.
Basicamente, a cozinha e o celeiro mantiveram-se separados, não apenas nas casas de
barro dos pioneiros como também naquelas de madeira, e não é raro encontrar,
atualmente, casas de descendentes de ucranianos com as cozinhas separadas.
" Entre outros: SEGALEN, M. Mari et femme dans la société paysanne. Paris :
Flammarion, 1980; DELUMEAU, J. Historia do medo no Ocidente : 1300-1800. Uma cidade sitiada.
São Paulo : Companhia das Letras, 1993. p.84-106; FLANDRIN, J.L. Famílias : Parentesco, casa e
sexualidade na sociedade antiga. Lisboa : Editorial Estampa, 1992. p.107-108.
20 Deve-se notar, contudo, que era comum as pessoas dormirem aglomeradas. Com
exceção de Delumeau, os demais autores preocupados com esta questão não associam diretamente as
crenças populares ao dormir promíscuo.
21Nessa, como em outras casas, o sótão servia, habitualmente, como depósito. Tornava-se
dormitório na eventualidade de ficarem mais pessoas para "passar a noite" ou num aumento do
grupo doméstico.
22 HOLOWKO, op. cit., p.26.
23 Ibid., p.27.
180
É apenas pelas letras das cantigas de ninar, cantaroladas até hoje, que os
descendentes dos imigrantes sabem que, outrora, a cozinha e os quartos compunham
o mesmo corpo de construção. Para se abrigarem dos rigores do inverno, as baba
instalavam suas camas num aposento acima do forno:
Devíamos pelo menos admitir a possibilidade de o sono em comum ter sido, entre os
camponeses e outras pessoas pobres de outros tempos, uma das manifestações
interessantes do sentimento comunitário, e o leito comum um dos lugares privilegiados
da vida da família, antes de, no espaço de três séculos ou mais, os moralistas, obcecados
pelos pecados da carne, terem conseguido o seu desaparecimento 27 .
aglomerados também com os animais. Visto por outro ângulo, pode-se pensar ainda
noções como pudor e pecado. Seja como for, é pertinente a questão levantada por J. L.
famüia camponesa, uma relação familiar tão autêntica ou tão digna de atenção como
Madeira serrada não existia. Quando muito era madeira lascada. Tiravam-se as lascas da
madeira, partia-se com cunhas e obtinha-se as tábuas. Deitava-se a tábua com o machado
e ia se falquejando. Sempre tinha um ou outro que tinha ferramenta de carpinteiro e com
isso trabalhavam. Eles passavam um barbante no carvão e esticavam o barbante para
marcar a madeira com uma linha reta. Meu avô fez assim as paredes e o assoalho da
casa 29 .
Tinha escada no meio e usava-se o sótão para deixar as coisas lá em cima. Podia-se
dormir também, se alguém "sobrasse". Tinha cinco quartos para dormir e tinha sala para
fazer baile. Era coberta de tabuinha. Quando tinha bastante gente tocavam a rabeca e o
bumbo e dançavam. O pai também tinha casa grande 30 .
Mbid.,p.l07.
M Entrevista 19 (1991)
30 Entrevista 23 (1994)
182
padrão de vida dos descendentes dos imigrantes, quanto uma mudança no estilo de
1 1
SALA
COZINHA
DEPÓSITO
VARANDA
em muitos lotes existem duas hatas. uma servindo aos pais e outra à família
secundária. Entre esses dois núcleos domésticos, o elo continua sendo a kuhnia, que
C A S A C O M L A M B R E Q U I N S . 1995.
Essa divisão das casas destinadas aos dois núcleos domésticos - uma
campesinato francês, a demanda por refeições tomadas apenas pelo núcleo familiar
como índice da sociabilidade moderna; partilhadas somente pelo pai, mãe e filhos.32
Não foi isso que aconteceu em Antonio Olyntho. Aí, em todo o período
interior sobressaía-se uma grande mesa, que garantiria lugar para todos. A despeito
disso, tal mesa não era local obrigatório das refeições familiares. Muito pela natureza
do trabalho rural, o que se verificava era uma dispersão das pessoas e dos locais das
32 Á autora afirma, ainda que: "C'est [...] moins le couchage séparé (qui va de soi
aujourd'hui) que la cuisine et le repas, pris seuls, qui sont revendiqués. Maintenant, mari et femme
aspirent à dejeuner et diner seuls avec leurs enfants, les parents âgés cuisinant de leur côté."
(SEGALEN, op. cit., p.60)
184
levavam para a roça algo para comer. A rotina ao redor da mesa desenvolvia-se
conjunto.
as paredes da kuhnia. A fumaça era um dos motivos para que a construção fosse
distanciada do corpo da moradia. A casa de barre?6 tinha muita fumaça. A outra era
limpa, e era feita longe, para não sujaf7. É possível que a sujeira da kuhnia estivesse
porco, torresmo, kubasé?8', outras, quirera de milho, ovo e moranga 39 ; e ainda, feijão,
O preparo do barro que cobria o chão dos aposentos implicava a mistura de "palha de
33
e parece que seu desuso principiou no início da década de 1940. (Entrevistas 3, 12 (1994), 19 e 37
(1995))
34Como já foi dito, algumas moradias contavam com a hata e a kuhnia, ambas de barro.
Quando construções de madeira passaram a ser mais acessíveis aos colonos - muito em função do
instrumental que facilitasse a manufatura - as hatas passaram a ser de madeira e a kuhnia manteve-
se edificada em barro. Desta maneira, a denominação "casa de barro" é, hoje, associada à cozinha.
37 Entrevista 12 (1994)
M Lingüiça de porco.
39 Entrevista 19 (1993)
40 Pastel cozido.
41 Charutinho de repolho.
42 Entrevista 33 (1995)
185
com um pano e prensado com uma pedra. Para as ucranianas, seu kapusta é
diferente da kapusta polonesa pela forma de fazer a "mistura", pois aquele conta
com ovo, batatinha, cebola e farinha frita. Ele é mais caprichado que o dos poloneses,
porque o molho é mais grosso. O deles émais ralinhól4.
As refeições de final de tarde transformavam-se em serões nos quais o
grupo doméstico vivia a sua "intimidade". O frio da noite, lembra Placidina, era
amenizado pelo calor do fogo, ao redor do qual ela e seus irmãos pequenos
sentavam-se para escutar as histórias dos adultos45. Muito comumente, a família lia a
Bíblia ou histórias de santos. Anna, viúva e com dois filhos adultos em seu
domicílio46, refere-se a isto: eu até hoje ensino eles. Leio livros, ensino Bíblia e a gente
canta*7 João também lembra que seu pai gostava de cantar música de igreja. De
vazão e certamente não era apropriado ao espaço onde estavam os santos. No rol das
kolomeykas cantadas, uma grande parte das letras era "apimentadas." 54 Nelas, os
c Entrevista 37 (1995)
« Entrevista 30 (1995)
" Entrevista 15 (1994)
50 Entrevista 19 (1993)
51 Entrevista 8 (1993)
E Dentre muitas outras histórias, os bisnetos de Pedro sabem de um episódio em que
esteve envolvido, através da transmissão oral de seus descendentes. Sabem, assim, que quando o
bisavô chegou ao Brasil com sua esposa e dois filhos passaram um tempo na ilha das Flores onde
aprenderam a apreciar bananas. Algum tempo depois, foram encaminhados para Paranaguá, onde
pernoitaram. Logo cedo, no momento em que embarcavam no trem que os levaria até a Lapa, os
filhos de Pedro insistiram com ele para que descesse da condução e lhes comprasse bananas. Ao
atender o pedido das crianças, Pedro perdeu o trem. Tentou alcançá-lo, mas seus esforços foram em
vão: a esposa relatava que via ao longe seu marido ao lado de um homem negro e todos diziam: "O
negro vai matar o dido". Foi somente depois de um mês que Pedro encontrou a família, já, no
acampamento de Membeca - local onde se ergueram os primeiros barracões dos imigrantes.
(Entrevista 12 -1994)
53 Entrevistas 7,12 e 22 (1994)
51 Entrevista 20 (1994). Os moradores da localidade geralmente associam os cantos
populares - as kolomeykas - a "músicas apimentadas" referindo-se a conotação assumida pelas
expressões usadas em seus versos. Como exemplo, a letra da kolomeyka das Katerinas, rememorada
por r àud"xia: "Gosto de duas moças, ambas Katarinas / Uma 'dá" na colina e outra no vale / Para a
da colina, aqü°la carta deixo / Para a do vale, o meu 'rabo" mexo". (Entrevista 33 - 1994)
Esse a u t o r aponta que a "orientação para baixo é própria de todas as formas de alegria
55
popular e do realismo «grotesco. [...] Em baixo, do avesso, de trás para frente: tal é o movimento que
187
reforma de costumes que se fazia na Galicia ainda não atingira o cancioneiro dos
camponeses. Por isso mesmo, na kuhnia não se colocavam ícones. Catharina foi
enfática: Não se coloca santos na parede da kuhnia, porque onde tem santo não pode
ser sujo nem usar chapéu.56
dos noivos; normalmente, na casa dos pais do noivo. Se o casal não era formado por
patrilocal, com a mulher assumindo a família do marido como sua. Nas entrevistas,
marca essas formas. [...] e as imprecações e grosserias também são caracterizadas por essa orientação
elas cavam por sua vez uma tumba que é corporal e criativa". E acrescenta adiante, que "esses
rebaixamento não tem caráter relativo ou de moral abstrata, são pelo contrário topográficos,
concretos e perceptíveis". (BAKTHIN, M. A cultura popular na idade média e no renascimento : O
contexto de François Rabelais. São Paulo: HUCITEC; Brasília : Editora da Universidade de Brasília,
1987. p.325)
Entrevista 4 (1993). O "velho Fareniuk" era vizinho da entrevistada e foi sacristão nas
56
décadas de 1920 e 1930. Pode ser observado, também, que mesmo na atualidade mantém-se o hábito
de os homens deixarem seus chapéus na parte externa da igreja.
188
nas relações conjugáis, devia ao marido trabalho ombro a ombro, além de serviços
Meu marido era o filho mais velho. Mas tinha irmãs mais velhas que depois casaram e
foram morar com a família"delas". Então, nós ficamos para cuidar da mãe [sogra] e dos
irmãos mais novos 57 , (destaque do autor)
57 Entrevista 2 (1993). A entrevistada explicou também que os cunhados mais novos não
quanto nos filhos celibatários - que se mantendo nessa situação civil têm o direito de
permanecer.
André Eudóxia
1917
H H H H H H M H u
1946 1951 1953 1956 1957 1960 1963 i9ë&
M H H M
198S î990 1991 1994
mais velhos casaram e foram abandonando a casa paterna. No entanto, o sexto filho
inverteu o fluxo e trouxe a esposa para o domicílio de seus pais - ao que tudo indica
Enquanto uma família patriarcal abrigaria sob o mesmo teto a totalidade dos seus
« Ibid., p.38.
" Ibid., p.38.
° Ibid., p.38-9.
63 CHAYANOV, A.V. The theory of peasant economy. Illinois : Richard D. Irwin, Inc.,
1966.
" KULA, W. La seigneure et la famille paysanne dans la Pologne du XVIIIe. siècle.
A N N A L E S . E.S.C. Paris, v. 27.1972. p.957.
191
camponesas para com seus membros65. Detalha, assim, as inúmeras estratégias que
os nobres desenvolveram para manter como seus servos os filhos casados e as filhas
adultas, explorando o mesmo domínio que seus pais. Indica, ainda, enquanto
elemento facilitador de composições complexas, regulamentações oficiais que
favoreciam os domicílios dos camponeses a tomar sob sua guarda órfãos e parentes
próximos ou distantes.66
O desenvolvimento de unidades residenciais com estrutura ampliada entre
o campesinato europeu oriental devia-se, sobretudo, ao fato de a propriedade não
ser individualizada. Não era o indivíduo isolado que possuía com exclusividade os
recursos produtivos, mas a famûia67. GALESKI analisando a propriedade familiar
polonesa indica que a fazenda é legada de geração em geração, enquanto a famûia -
os usufrutuários sucessivos - é responsável perante seus próprios filhos (e a opinião
da aldeia)pela propriedade que administré.
45 Ibid., p. 957.
" Ibid., p. 957-58.
" MACFARLANE, A. Família, propriedade e transição social : As origens do
individualismo inglês. Rio de Janeiro : Zahar Editores, 1980. p.33.
" GALESKI, Apud: MACFARLANE, p.33.
" Ibid., p. 38.
» THOMAS E ZNANIECKI, Apud: MACFARLANE, p.38.
192
" Nesse sentido A. BURGUIÈRE observou: "Dans le cas de ces paysans insérés dans une
économie dominiale, on ne peut négliger le sentiment de sécurité et d'immersion dans le groupe que
l'individu pouvait retirer de son appartenance à une grande maisonée. Ces familles s'étaient faites
bastilles dans les périodes d'incertitude alors que la protection d'un État ou d'un seigneur leur faisait
défaut. Et, par un mécanisme d'inertie propre à toute institution, le sentiment avait survécu à la
réalité et généré un système de valeurs dans lequel la famille était investie de toutes les tâches et de
tous les droits qui reviennent à l'environnement social." (BURGUIÈRE, op. cit., p.39).
193
" Indivíduos que são filhos do mesmo pai e da mesma mãe. (DICIONÁRIO
DEMOGRÁFICO MULTILÍNGÜE. Rio de Janeiro : Fundação IBGE, 1969. p.17).
" Entrevista 9 (1995)
" Na verdade as frérèche eram arranjos de caráter econômico pelos quais dois ou mais
irmãos casados moravam sob o mesmo teto. COLLOMP esclarece que esse tipo de co-residência seria
contrária à ideologia da família-tronco que privilegia um único herdeiro, e perigosa para o equilíbrio
econômico e afetivo do lar. (COLLOMP, Á. Famílias, habitações e coabitações. In: HISTÓRIA DA
VIDA PRIVADA, 3 : Da Renascença ao século das luzes. São Paulo : Companhia das Letras, 1991.
p.533).
195
Avô Avó
1856-1939 1857-1839
H Pai Mãe M M
1889-1957 1899-1952
M M M H M «
192&
H Nicola u
1919 1921 Ï92£ 1925 1925 1932 Ï935
™ Irmãos germanos designa os que são filhos do mesmo pai e da mesma mãe; irmãos
uterinos os que são filhos da mesma mãe e irmãos consangüíneos aquele que são filhos do mesmo
pai. (DICIONÁRIO DEMOGRÁFICO MULTILÍNGÜE, op. cit., p.18)
" Deve-se apontar a dificuldade de precisar o estado civil anterior dos cônjuges quando
não estava especificado nas atas paroquiais. A língua ucraniana conta com sufixos no feminino que
indicam o grau de pertencimento a uma determinada família. Por exemplo se a mulher for da família
PAULUK, sendo esposa a grafia de seu sobrenome será Paulukwina e se for filha escreve-se
Paulukowa. Na medida em que muitos casamentos foram recuperados a partir da existência de
filhos, ou ainda, que na ata matrimonial o sobrenome da mulher contaria com o sufixo de
pertencimento à família do marido, não se pode precisar seu estado civil anterior. Aqui, outro
problema interferia, porque mesmo em atas nas quais havia a menção do pai e mãe dos noivos,
muitos nomes foram trocados, como o caso de Nicolau que nas atas de batizado de seus nove filhos,
em três aparece com seu nome e nas outras foi anotado como Alfredo. Esta informação foi dada por
um descendente e evidentemente teria sido impossível checar todas as pessoas constantes nos
registros. Quanto às mulheres, este problema também aparecia com freqüência: uma Agneta poderia
aparecer como Inês; uma Ahaphia respondia por Sophia e Anna. Em alguns momentos pode-se
inferir que eram as mesmas pessoas; mas em quantos outros elas passaram a ser registradas como
dois "indivíduos"?
Outro aspecto observado nas escolhas matrimoniais dos viúvos, de ambos os sexos, foi a
80
tendência em casarem com celibatários. Isto aparece com maior clareza na primeira corte: entre os
viúvos, 75% dos recasamentos se deram com solteiras, e entre as viúvas o índice é de 64%. (Ver
PARTE HI - TABELAS 56 e 57).
198
Antonia, em 20/06/1910, com quem teve onze filhos; ela faleceu em 01/06/1932 e
duas semanas depois ele casou com uma viúva sem filhos. Nesse caso específico, a
estrutura interna da família se manteve, à medida que a nova esposa passou apenas
" Outra situação recorrente na memória relativa aos recasamentos locais, é a de homens
que casavam com parente próxima ou até mesmo com a irmã da esposa falecida. Aqui é exemplar o
casamento de Demétrio com Anna, sua cunhada, em 10 de fevereiro de 1936, após a morte de
Pauliiia, com que ele casara em 26 de maio de 1931 (e da qual não existe o registro de óbito). Não
pude aprofundar a pesquisa desse pormenor, mas é possível associar a esse fato, a idéia de que,
198
O pai enviuvou e não casou mais. Ficou com muitos filhos pequenos. Ele nos assustava
quando fazíamos traquinagem, dizendo que ia casar com uma preta da Água Amarella
que fumava cachimbo e que ela ia limpar o cachimbo nas nossas testas. 82
sendo o casamento uma aliança que interrelaciona grupos domésticos, a morte de um elo desta
corrente poderia implicar na necessidade de retomá-lo com um novo matrimônio.
E Entrevista 2 (1994). Nos registros paroquiais pode-se acompanhar o ciclo vital da mãe
de Lídia. Nascida em 1898, primeira filha de um casal pioneiro, desposou Stephano em 16/05/1916.
N o ano seguinte teve o primeiro dos seus onze filhos, sendo que no último parto, em 1937, nasceram
gêmeos. Faleceu em 17/01/1939. Nesta data, ela tinha sete filhos vivos, com idades entre 22 e 2 anos.
Deve-se notar, porém, que a filha mais velha (22 anos) casara em 1937 e já morava em outro
domicílio. Assim, a "dona-de-casa" passou a ser sua irmã de 16 anos e é expressivo o fato desta
manter-se solteira até morrer, em 1970.
83 R. DARNTON apresenta este mundo de madastas e órfãos, no passado francês,
quando, ao resgatar trabalhos de historiadores demógrafos franceses sintetiza: "[...] poucos pais
chegavam ao fim de seus anos férteis, porque a morte os interrompia. Terminados com a morte, e
não com o divórcio, os casamentos duravam uma média de quinze anos. [...]. Em Crulai, um, em
cinco maridos perdia a esposa, e então tornava a se casar. As madrastas proliferavam por toda a
parte - muito mais que os padrastos, porque o índice de novos casamentos, entre as viúvas era de
um em dez. Os filhos postiços podiam não ser tratados como Cinderela, mas as relações entre os
irmãos, provavelmente, eram difíceis. Um novo filho, muitas vezes significava a diferença entre a
pobreza e a indigencia. Mesmo quando não sobrecarregava a despensa da família, podia trazer a
penúria para próxima geração, aumentando o número de pretendentes, quando a terra dos pais fosse
dividida entre seus herdeiros". (DARNTON, R. O grande massacre dos gatos : E outros episódios da
história cultural francesa. Rio de Janeiro : Graal, 1986. p.44-45)
199
celibatária e ainda uma tia do seu marido que, também celibatária, havia sido
"assumida" pela residência.
M
1874
Sogro M
1889 18%
H Angélica M
1928 1932 1931
H M M H
1934 1935 1937 1939
Eu trabalhava até à última hora. Quando estava saindo a última água de mim, eu lavava
os pés, subia na cama e"vê se dorme" (sic). Passou cinco vezes e já a criança nascia. 88
" Entrevista 15 (1995). Essa mulher teve nove filhos entre 1948 e 1972, todos em casa
sendo que cinco partos foram realizados sem o auxílio de parteira. Indagada a respeito dos cuidados
com assepssia, como por exemplo, ferver a tesoura com a qual iria cortar o cordão umbilical, ela
respondeu: "Eu não tenho estudo; eu não fui nem meia hora de escola. Eu não sabia que tinha que
lavar nada; Eu usava faca".
" Entre as crenças populares ucranianas, uma era no dolha, ou destino. De acordo com a
imaginação popular todos possuem o seu dolha que fatalmente determina seu tempo de vida, sua
felicidade e sua infelicidade. Ele era entendido como uma segunda personalidade da própria pessoa.
Estas crenças afirmam, também, que os ricos são felizes, porque o dolha cuida de seus problemas. Já
o dolha dos pobres, na maioria das vezes não se ocupa deles, e fica se balançando nas árvores e
dormindo. Mais recentemente, passou-se a acreditar que o destino era determinado por Deus e assim
era impossível não aceitá-lo (HOLOWKO, op. cit., p.71). A partir dessa última observação é
oportuno observar que, entre os descendentes de ucranianos em Antonio Olyntho, a maior parte
designa com a palavra dolha tanto graça divina, quanto destino pessoal. A expressão erudita para
graça divina seria laska boja.
90 Entrevista 14 (1994)
51 Entrevista 12 (1993), entrevista 10 (1994); entrevista 37 (1995)
n Entrevista 14 (1994)
Entrevistas 2,7 e 15. (1995)
202
parto dos gêmeos complicou porque ela ficou sozinha. O marido e o casal de
vizinhos ficaram bêbados e não auxiliaram em nada94.
Nessa comunidade e nessa tradição, engendradas pari passu com os
processos da natureza, seria impensável que a germinação e a concepção fossem
mistérios exclusivos do gênero feminino. Tentava-se, no entanto, manter as crianças
distantes desses "mistérios", mandando-as para a vizinha95 ou trancado-as num
quartef6.
Contudo, a ascendência feminina prevalecia e o momento era regido pelas
parteiras97, que com suas habilidades acompanharam a maioria dos nascimentos
locais98. A sabedoria dessas mulheres baseava-se mais na experiência para o
encaminhamento do parto99 que para o alívio das dores, como nos explica Verônica,
afirmando que elas não ajudavam nada porque a gente sofria mesmo. Elas passavam
banha e cachaça na barriga e acabou-se.W0
As técnicas das diversas parteiras pouco diferiam, consistindo basicamente
em massagens com banha e cachaça101; na esfregação de azeite-doce com erva
artemisia102) na ingestão de infusões quentes, com erva-cidreira103, com laranjeira ou
94 Entrevista 15 (1994)
* Entrevista 4 e 6 (1994)
" Entrevista 38 (1995)
" Foram mencionadas como parteiras em Antonio Olyntho: Anna Wons, Maria
Sambulski, Pelagia Malinowski, Maria Kozlinski, Maria Kuznarski, Anastácia Makohin, Justina
Bilinski.
* Essa função foi exercida, também, pelas irmãs Servas de Maria Imaculada, da
congregação religiosa ucraniana responsável por um "hospital" de primeiros socorros que se instalou
na localidade, em meados da década de 1950. Essa mesma congregação esteve em Amtonio entre
1918 e 1919 e, por desentendimentos com o padre Michalczuk, não puderam aí se manter
desenvolvendo trabalhos de catequese ou na área da educação e da saúde (Ver PARTE I, Capítulo 3,
Item 3.4). A volta das Servas de Maria Imaculada se deu após a morte de Michalczuk, quando os
padres da Ordem de São Basilio Magno assumiram o comando espiritual da paróquia.
" Com exceção das religiosas, há indicações de que, somente a partir da década de 1960,
algumas parteiras passaram a receber treinamento especializado.
Entrevista 35 (1995)
101 Entrevista 2 (1993), entrevista 34 (1995).
102 Entrevista 6 (1994)
203
nunca precisei de médico para ter os meus filhos [...]. Se o parto complicasse fazia chá de marsenilha,
de laranjeira e até tomava Melhorai". Possivelmente sob a expressão "Melhorai" estão subsumidos
outros analgésicos, já que ela teve filhos até a década de 1970.
110 Entrevista 10 (1994)
111 Entrevista 10 (1994)
204
que não iriam para o paraíso - mas também as feiticeiras, pois em suas imundas
misturas, acreditava-se, as feiticeiras tinham o costume de inserir pedaços de
crianças não batizadas121.
O temor às bruxas foi recorrente entre os povos do passado e esteve
particularmente entranhado nos vários aspectos da vida rural, ocupando aí um lugar
privilegiado até tempos muito recentes. Tudo indica que as feiticeiras atravessaram o
Atlântico com os imigrantes, pois são inúmeras as referências a elas.
A vidhma representava um dos personagens demonológicos mais
populares do imaginário ucraniano; era poderosa, pois podia transformar-se,
antropomórfica e zoomorficamente, tornando-se muito difícil identificá-la. Podendo
metamorfosear-se, assumia inclusive a forma de baba selvagem122. Nesse pormenor,
é importante apontar que no imaginário ucraniano a baba selvagem era uma figura
feminina, a quem, entre outras, cabia o rapto das crianças ainda não batizadas, para
serem trocadas pelas suas próprias crianças123.
Houve um caso de uma vidhma que trocou um neném na estrada. A madrinha estava
levando o neném na igreja para batizar e deixou ele sozinho, um pouquinho, na estrada.
Pôs a criança no chão e quando voltou não era aquela criança. Era outra. Mas
batizaram. 124
A cabeça da criança foi crescendo, dilatando e ficou uma cabeçona. Eu conheci a criança,
era meninota. A minha mãe pegou a criança no colo, era uma menininha curtinha e os
olhos eram deste tamanhão e era tão pesada que pesava que nem adulto. Só dava
gargalhadas que nem adulto. Ela morreu antes dos dois anos 125 .
FECUNDIDADE
Não controlada Controlada
Precoce A B
CASAMENTO
Tardio C D
135 O conceito de descendência final, aqui utilizado, refere-se ao número médio de crianças
que nascem de uma união. Nesse caso vale retomar as palavras de HENRY quando observa que
descendência, num sentido amplo, compreende todos os nascimentos, legítimos e ilegítimos pois
estaria considerando todas as mulheres. Todavia, em demografía histórica esse sentido não é
utilizado pois ela privilegia apenas a fecundidade legítima. (HENRY, L. Manuel de démographie
historique. 2 a edição. Genève : Paris : Librairie Droz. 1970. p.90.)
MATRAS. Apud: MACFARLANE, A. História do amor e do casamento : Inglaterra,
134
depois dos 30 anos. A partir de 1950, surge uma tendência à adoção do regime C.
Com efeito, decresce o número de mães da faixa de 15-19 anos para aumentar
aquelas entre 20-29 anos, além de ocorrer uma distribuição de mães por todas as
faixas de idade mais elevadas, não verificada para a primeira coorte. Essa alteração
na idade ao casar provocou uma redução no número médio de filhos por casal; as
se presume que não se pratica nenhuma forma eficaz de limitação dos naiscimentos. (HENRY,
Demografía..., p.ll9).
144 GUILLAUME, P.; POUSSOU, J.P. Démographie historique. Paris : Armand Colin,
1970. p.l74.
214
150 PRESSAT argumentando acerca das explicações que tem sido dadas para as diferenças
entre os intervalos intergenésicos de diversas populações entende que a mais plausível é a que se
baseia na esterilidade temporária provocada pela amamentação. Adverte, porém, que é uma
correlação discutível porque se for invertido o encadeamento causai, pode ser sustentada a idéia de
que uma concepção durante o período da lactância aumenta o risco de morte da criança. (PRESSAT,
op. cit., pp.238-239).
131 As entrevistas não permitiram averiguar a crença nesse tabu entre os imigrantes. É
Antes ninguém falava disso. Ninguém sabia tomar remédio como agora.[—J.Mas tinham
algumas que não tinham tantos. A minha irmã teve só seis e minha cunhada só dois.
[...jEIas não tinham mais. 155 (destaque do autor)
Antes de casar ninguém falou que podia ter menos filhos. Depois que eu casei sim porque
viram que eu fui tendo bastante. A minha cunhada dizia para eu tomar comprimido. Ela
trabalhou em Curitiba e aprendeu lá o comprimido. 156
Tinha como evitar os filhos. Tudo vinha da farmácia porque nós não sabíamos fazer nada.
Tinha umas lá que faziam xaropadas, chás, mas sei lá se isso dava certo. Mas acho que
não. 157
Com uma prole de nove filhos, essa mãe efetivamente pode não ter
provado as xaropadas e os chás abortivos que algumas mulheres possivelmente
tomaram.
No entanto, as médias gerais de fecundidade - entre 1895 e 1980 - são
reflexo dessa despreocupação social quanto ao controle dos nascimentos. Numa
comparação entre as duas coortes, considerando apenas os grupos de mulheres
« Entrevista 2 (1993)
Entrevista 20 (1994)
218
populações modernas tem separações muito marcadas. "A edad igual la fecondidad es netatmente
más elevada en las mujeres casadas recientemente que en las mujeres casadas más pronto, es decir, a
una edad menor." (HENRY, Demografía, p-121-122)
«i Deve ser ressaltado que a emigração para o Canadá se processou paralelamente à do
Brasil, sendo que muitas aldeias repartiram-se entre os dois países. (BORUSZENKO, O. Integratzia
ukkraintziv u Brazylii. Tese (Doutorado em História). München. Ukrainishe Freie Universität, 1972).
O que eu quero destacar é que não houve diferenças aparentes entre os segmentos emigrantes, o que
daria um ponto de partida comum para estas famílias cujos comportamentos fecundos vão ter
características tão diferenciadas.
«a WOLOWYNA, J. E. Trends in marital status and fertility of Ukrainians in Canadá. In:
PETRYSHYN. W.R. (edit). Changing realities : Social trends among Ukrainian Canadians. Alberta :
Canadian Institute of Ukrainians Studies, 1980. pp.161-188.
221
maior do que as canadenses de qualquer outra origem étnica, nos anos de 1931, 1941
e 1951.163 A partir de então, houve uma diminuição significativa nas taxas de
fecundidade das mães ucranianas canadenses, colocando a descendência final por
volta de dois filhos na década de 1970.
Vários fatores interferiram na alteração do comportamento dessas
ucranianas que se dirigiram para os dois países; obviamente, esses fatores estão
articulados à dinâmica sob a qual se processaram ambas as histórias. Para que
houvesse a prática do controle da natalidade das mulheres ucranianas de Antonio
Olyntho, seriam necessárias mudanças estruturais nesse grupo social. A diminuição
voluntária da prole não decorre simplesmente da adoção de práticas
anticoncepcionais; implica, sobretudo, romper com uma determinada forma de viver
a família.
mulheres ucranianas canadenses e as obtidas neste estudo. Apesar de ter origem em fontes diversas,
(o estudo canadense trabalhou com censos e cortes tranversais e este trabalha com base nos registros
paroquiais e corte longitudinal) as taxas de fecundidade poderiam apresentar resultados mais
próximos. Por exemplo, uma mulher de ascendência ucraniana no Canadá, casada aos 20-24 anos,
tinha uma taxa de fecundidade legítima de 216,6 em 1931; 147,2 em 1941 e 170.2 em 1951. Nas de
Antonio Olyntho, uma mulher casada na mesma idade, aos 20-24 anos, teve uma taxa de
fecundidade de 452 na primeira coorte (1895-1949) e de 335 na segunda coorte (1950-1980). (Ver
PARTE m - TABELAS 26 e 27)
222
manter morando com a família, sob a condição de não casar. A despeito das
variações locais, um aspecto fica muito claro: a prática de diferentes regras para a
sucessão patrimonial esteve sempre relacionada com a estrutura familiar vigente.
Entre os imigrantes em estudo, a transmissão do patrimônio mais freqüente
foi aquela na qual o filho mais novo articulava sua permanência no grupo domiciliar
paterno à sucessão de domínio da propriedade. Considerando o que já foi exposto
em relação à estrutura do grupo doméstico, pode ser resgatada a observação de F. LE
PLAY quando identificou a relação existente entre família-tronco e transmissão de
patrimônio a um único herdeiro4. Essa estratégia estaria refletindo a concepção de
direito costumeiro que os imigrantes trouxeram consigo. Apesar de, entre os
camponeses da Europa Oriental do século XIX e início do XX, haver a concepção da
propriedade ser algo pertencente à família no decorrer do tempo5, isso não
significava nem direito comunal e muito menos que um conjunto de pessoas
possuísse parcelas individuais desse bem6. A prática de os filhos não terem,
isoladamente, direito à posse foi exemplificada por T. SHANIN quando apresentou as
decisões tomadas pelas Cortes de Apelação da Rússia, em final do oitocentos. Por
elas, as terras eram consideradas como propriedade não da pessoa legalmente
registrada como sua proprietária, mas de todos os membros da família, sendo o seu
chefe apenas o representante da mesma7. Com base nesse entendimento social da
propriedade, A. MACFARLANE identifica que entre as raízes da destruição do sistema
« Ibid., p. 34.
' Ibid., p. 34.
ÍC Entre eles, WOORTMANN, E. F. Herdeiros, compadres e vizinhos : Colonos do sul e
Brasileiro, caberia à viúva Anastácia a quantia de mil contos de réis e aos filhos,
partes iguais, de quinhentos contos de réis. No entanto,
u Ibid, p. 97.
14 PARANÁ. Comarca da Lapa. Cartório Distrital de Antonio Olinto. Livro de Escrituras.
Pode-se pensar, assim, que tal tendência inicial a heranças paritárias tenha
favorecido a instituição do ultimogênito enquanto o herdeiro ideal. Aquelas famílias
que puderam manter o lote inicial indiviso retomaram a coabitação, no sentido de
evitar a pobreza geral que viam entre os domicílios fragmentados e de garantir o
exercício da relação de reciprocidade tradicional. Nesses termos, onde um filho a
mais signiñcava a diferença entre pobreza e indigencia18, pode-se colocar a hipótese
de que a experiência dos imigrantes como pequenos proprietários forjou, então, o
ultimogênito como sucessor. Lotes pequenos não proviam as necessidades de uma
Casar mais cedo é privilégio dos colonos forrtes, com condições de passar para os filhos
os recursos necessários. A idade ideal para o casamento, entre os fortes, é em torno de
vinte anos. Casar cedo é , por outro lado, privilégio dos não-herdeiros da Stsmmhaus. Ao
herdeiro cabe esperar até que os demais estejam estabelecidos e casados em outro lugar,
com exceção dos que ficarão celibatários, e contribuir para tornar possível essas uniões:
viabilizar por exemplo o dote das irmãs 21 .
19 Foram muitos os moradores a mencionar o fato dos que, trabalhando fora, enviavam
com certa regularidade ajuda aos familiares que ficaram em Antonio Olyntho.
20 WOORTMANN, op. cit., 162
21 ibid, p. 162.
22 ANDREAZZA, M. L. ; NADALIN, S. O. O cenário da colonização no Brasil Meridional e
a família imigrante. REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS DE POPULAÇÃO. São Paulo : ABEP. v.
11, n. 1, jan/jun, 1994. p. 76. As mulheres alemãs imigrantes instaladas em Curitiba casavam, na
segunda metade do século XIX, em torno de 21 anos; na Alemanha entre os 26 e 27 anos.
229
D I A G R A M A 4 - C O M P O S I Ç Ã O D O DOMICÍLIO D E S I M Ã O N O A N O D A M O R T E D E SEU
PAI
Pedro Anna
1S78-Î947
H H H H H Simão M M H H M M
' 1909 Î91&
H
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M M
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H!
23 Ibid., p. 77.
* WOORTMANN também verificou uma elasticidade quanto a obediência às regras -
mesmo as costumeiras - de transmissão de herança entre os imigrantes alemães do RS: " N a Colônia,
apesar da vinda de grupos de tradição de primogenitura, prevaleceu a tradição da ultimogenitura,
visando igualmente a integridade do patrimônio. Se o casamento é construído, não menos construído
é o herdeiro. Em princípio, ele é o último a nascer e a casar; concretamente, porém, o sucessor não é
necessariamente o filho mais novo. Os pais avaliam o que se chama de Geschik, jeito, tendência,
inclinação de cada filho homem, sua suposta qualidade inata e, em função dessa avaliação,
constroem seu Schicksal, destino." (op. cit., p. 178)
25 WOORTMANN aponta que o princípio da ultimogenitura implica maior grau de
incerteza que a primogenitura. No contexto desta última, uma vez nascido u m filho homem, tinha-se
um herdeiro. " N o caso da ultimogenitura, nunca se sabia quem seria o último a nascer [...]. O casal,
porém decidiria, em certo momento, quem seria o último filho, e se nascesse mais um, este seria, em
princípio, descartado." (WOORTMANN, op. cit., p. 178)
230
Simão era o sexto dos oito filhos homens do casal. Ao casar, manteve-se no
domicílio paterno, onde ainda estavam quatro de seus irmãos solteiros, dois de cada
sexo. Sua esposa Anastácia esclareceu que:
N ó s casamos e ficamos morando aqui. Eles [os sogros] gostavam do meu marido porque
ele era trabalhador e sabia andar de carroça. Os outros casaram e nós ficamos. Depois eles
passaram o terreno para nós. 26
Simão Anastácia
1909-1972 1918-
I I I I I I I I
H H M H M H M M Joaquim M
I960 J965
!
Il M M
I
24 Entrevista 12 (1995)
27 Entrevista 16 (1995)
231
residir em sua casa, e foi lá que Nicolau desenvolveu sua prole; essa coabitação
durou até a morte dos pais da esposa.
Sogro Sogra
ÎS99-1969 1901-1968
M M Nicolau Carolina M M
H M H M M H H
1957 vm 1961 1962 1965 1967 ma
Deve-se notar, porém, que o sogro de Nicolau contava apenas com (cinco)
filhas mulheres (cf. segunda linha do diagrama 6). Dessa maneira o princípio de que
o amparo na velhice, bem como a herança do terreno, se daria pela linha masculina
estava impossibilitado. Aqui, também o fato de Nicolau ser um bom trabalhador
parece ter sido decisivo nos critérios de escolha do sogro. Afinal, havia mais quatro
genros disponíveis...
Analisando o sistema de herança entre os camponeses que adotam a
família-tronco, H. MENDRAS concluiu que, se para o pater familias e seu herdeiro a
residência fundamentada em um patrimônio, não tem começo nem fim e permite
uma adequação entre terra, trabalho e subsistência?8, o sistema é extremamente
excludente para com o restante da prole. A perpetuação do patrimônio fundiário
pauta-se num consenso de desigualdade entre os filhos. Neste pormenor, A.
BURGUIÈRE tem uma posição diferente. Segundo ele, na realidade, as estratégias de
transmissão devem estar de acordo com o desejo latente de igualdade que faz parte
" BURGUIÈRE, A. Les cent et une familles de l'Europe. In: BURGUIÈRE, A. et al.
Histoire de la famille : Le choc des modernités. Paris : Armand Colin. 1986. p. 88.
30 Ibid., p. 85.
31 A este respeito vários entrevistados afirmaram o fato de que os que não ficavam com o
lote recebiam dinheiro para um começo.
32 Entrevista 7 (1994)
33 Entrevista 35 (1994)
27 Entrevista 16 (1995)
233
que mudou de casa várias vezes35, não tinha como ajudá-lo, e na ocasião de seu
casamento, vendeu tuna vaca para que pudesse comprar o terne?6. A forma assumida
para auxiliar a constituição de um domicílio neolocal tinha relação direta com as
possibilidades do domicílio emissor, e, por isso, muitos tentaram sua vida em outras
localidades, sem qualquer ajuda dos pais.37
35 Entrevista 45 (1995)
36 Entrevista 8 (1991). João casou em 1953.
37 Outros estudos, quando se ocupam com sucessão patrimonial, indicam estratégias
familiares que tornavam este começo mais substantivo. Neste caso, estão os alemães de Dois Irmãos
(RS) para os quais a propriedade original se mantinha indivisa mas a instalação das novas gerações
correspondia a abertura de novas frentes de colonização. (WOORTMANN, op. cit., p. 175-192)
38 O véu e grinalda só foram adotados pelas noivas, definitivamente, após a década de
1960, apesar do seu uso esporádico, desde 1940. Até então, o adereço mais comum na cabeça das
noivas, era uma guirlanda de flores naturais.
39 A h'ustka é o lenço que as mulheres casadas usam na cabeça para demonstrar sua
condição civil. É interessante observar que, inicialmente, ele era confeccionado com um pano que a
234
noiva levava consigo na igreja - no dia do casamento - para que fosse abençoado pelo padre. Esta
benção, conforme Nathalia, casada em 1937, acontecia após a celebração do casamento: "A noiva
levava para a igreja dois metros de morim e depois que casava ela ficava na igreja para o padre dar a
benção no morim. Já agora não usam mais fazer esta benção, mas usam o lenço. E para usar: Nossa
Senhora não usava?" (Entrevista 26 - 1995).
COLLOMP, A. Conflits familiaux et groupes de résidence en Haute-Provence.
40
afeta a relação entre gerações. Referindo-se ao hábito, existente em algumas regiões da Europa, de
adotar a transmissão inter vivos, ele assevera: "Late transmission retains generational control; early
transmission weakens it." (GOODY, J; THIRSK, J. ; THOMPSON, E.P., op. cit., p.28)
235
a usar a h'ustka porque o sogro entendia que era assim que devia se/ 2 . Sua fala
empresta poder à autoridade do patriarca, no caso, o seu sogro:
Eu ando de lenço, sabe por quê? Porque meu sogro não queria que eu andasse sem lenço.
Ele não gostava e pra não contrariá-lo, eu usava. Pra que é que eu ia deixar o velho
brabo? Eu fazia os gostos dele, não é? Até é engraçado pensando hoje. Mas eu usei lenço
desde a mocidade; não tenho vergonha, é costume 43 .
« Entrevista 38 (1994)
° Entrevista 38 (1995)
236
Eu não quero copiar o ponto para estudar. Eu não vou comer o ponto; eu só quero saber
1er e depois eu vou pegar na foice e roçar47.
as duas eram donas da casa, mas ela governava um pouco porque eu era nova, era boba.
Depois que ela morreu, quem mandava era eu49.
Eles já podiam estar casados e eu ter uma nora e uns netirihos prá me ajudar. Mas não
casam.[...] Eu disse prá eles: as filhas vão casar e eu preciso de ajuda. Nem que não
morassem na mesma casa. A gente dava um jeito, fazia uma casinha ali do lado 50 .
Deus o livre. Eu pensava, às vezes, que estava no inferno. Quando ia para a roça quase
não queria voltar para casa 51 .
varria o terreiro, lavava a roupa, fazia a comida, senão ela ficava braba. Para mim estava
bom. Eu sofri bastante, mas não dizia nada. Os outros é que contavam como ela era
r u•i mss.
51 Entrevista 11 (1994)
52 Entrevista 3 (1994) e 7,13,17 (1995)
53 Entrevista 33 (1995)
54 Entrevista 35 (1995)
" Entrevista 2 (1994)
239
quanto a receber amparo das noras. Placidina, com 65 anos e um filho que mora no
Eu não vou muito na fiúza de nora. Nora é nora, é diferente de filha.[...] Elas querem mais
luxo, mais moderno. Hoje, quem casa quer casa, já não querem ficar junto. Antes era
diferente. O meu tio Pedro casou e ela [a esposa] criou dez filhos com a sogra. A sogra
morreu nos braços da nora. E eles morreram na terra56.
54 Entrevista 32 (1995)
" MENDRAS, op. cit., p. 73.
58 Ibid., p. 73.
240
João, aos vinte e três anos de idade, apoiado pelos vizinhos Pedro,
Bernardo e Gregorio, recorreu ao delegado de polícia, para encaminhar denúncia,
com o propósito de retirar o pátrio-poder de Estephano, seu pai, sobre os demais
irmãos, menores de idade62. Estephano, viúvo pela morte da segunda esposa, tinha
55 Entrevista 18 (1995)
60 Entrevista 32 (1995)
« Entrevista 12 (1994)
"PARANÁ. Forum da Lapa. Chefatura de Polícia da Lapa. Subdelegacia de Antonio
Olinto. Auto de Declarações. 28/01/1953, enviado para a Lapa em 20/03/1953. Não catalogado.
241
sete filhos, cinco da primeira esposa e dois da segunda. Por ocasião da viuvez, sua
filha Anna, então com 22 anos, e trabalhando em Curitiba, voltou a Antonio Olyntho
para assumir o comando feminino da casa do pai. Aí, estavam cinco irmãos menores,
entre 8 e 17 anos63. Assustada com os desmandos do pai, que tem por costume
embriagar-se; e ao chegar em casa maltrata seus filhos menores; chega até a espancar
os mesmos menores, como se não fossem fílhos dele64, ela procurou conselhos entre
os vizinhos. Nesse pormenor, é necessário frisar que várias pessoas da localidade, e
das proximidades de sua casa, eram seus parentes consangüíneos. Pedro, Bernardo e
Gregorio, as pessoas que Anna buscou, não eram parentes de sangue: tinham apenas
relação de vizinhança e de parentesco espiritual65; suas esposas haviam sido
madrinhas de algum dos filhos de Estephano, ou foram eles próprios padrinhos,
como o caso de Pedro (padrinho de Anna). A única relação de parentesco sangüíneo
desses vizinhos com o domicílio de Estephano e Anna, era o da esposa de Bernardo,
tia, em primeiro grau, dos dois filhos de seu segundo casamento.
Assim, Anna deu início a uma ação, buscando apoio na vizinhança, mas a
denúncia que desencadeou o inquérito policial partiu de iam de seus irmãos, com
uma queixa na Delegacia. É significativo que João, o denunciante, trabalhasse, nessa
época, no norte do Paraná. Pode-se considerar ainda que, na década de 1950, Anna
não se sentisse livre do peso dos papéis sexuais de uma sociedade patriarcal; apesar
° Pelo Código Civil Brasileiro, em vigor desde 1916, a maioridade civil se dá aos vinte e
um anos; a maioridàde penal, aos dezesseis.
" PARANÁ. Forum da Lapa. Chefatura de Polícia da Lapa. Subdelegacia de Antonio
Olinto. Auto de Declarações. 28/01/1953, enviado para a Lapa em 20/03/1953. Não catalogado, p.
4.
45 A trajetória de laços familiares e de apadrinhamento pôde ser acompanhada na
de 3 anos mais velha66 que o irmão João, foi ele quem formalizou a denúncia e o
pedido ao Juiz de Paz para que retirasse os irmãos do convívio do seuprogenítof.
As evidências de comportamento da comunidade em estudo não reforçam
uma análise desse caso, apenas a partir de uma preocupação com o bem-estar das
crianças. Não eram exatamente os direitos individuais que João e os vizinhos
estavam tentando garantir; buscavam apenas que Estephano cumprisse a sua
obrigação de pai, obedecendo às concepções tradicionais. Segundo elas, seria
aceitavel tanto a violência quanto a bebida se os pais garantissem, mesmo que
minimamente, a sobrevivência dos filhos. Foi o caso do depoimento de Angélica,
onde ela reconheceu que o marido bebia muito, mas era bom pai porque nunca
deixou faltar comida em casa68. Tudo sugere, assim, que o ponto de partida para a
leitura da atitude de Anna e dos vizinhos deva passar pelo significado que aquela
sociedade dava à família: um sistema moral relacionado, intimamente, com a própria
lógica socioeconómica da comunidade.
Para o entendimento dos pressupostos que norteavam a concepção de
família destes emigrantes e o caso que está sendo analisado, é válido apontar alguns
aspectos levantados por C. SARTI a respeito do sistema familiar de pobres, em São
Paulo69. Para a autora, é um princípio de obrigação moral que fundamenta a família
e estrutura suas relações, já que a pertinência a um grupo familiar fica demonstrada
pela disponibilidade a essas obrigações70. Neste sistema, inexiste, um cálculo de
dívida explícito. [...] É precisamente a falta de interesse que marca as relações
familiares, na medida em que o interesse constitui uma categoria fundamentalmente
Ibid., p. 115.
71 Deve-se apontar, contudo, que na atualidade, devido a grande migração local e a
acentuada endogamia do grupo, basicamente todas as famílias são aparentadas, com as outras pelo
casamento.
244
koliaduvánha74) que se buscava a pêssanka. João, que viveu sua infância na década
Festa e presente a gente não tinha. Era só a pêssaiika. A gente brincava, brincava até
quebrar. E dentro era ovo cozido. Se a gente ia na vizinha, ela dava uma pêssanka para a
gente75.
as do krechne76) que se levavam os alimentos por ocasião da Páscoa77 para benzer nas
Escolha padrinhos bons. Madrinha boa é aquela que vai para o confesso 79 e que mora
perto. Porque um de longe, quando precisa, está longe80.
Comadre com compadre não deve casar. [...] Não sei por quê. Mas depois, se tiver
criança, vai nascer aleijado.[...] Nasce muito aleijado mas morre dali a pouco 82 .
77 Essa prática de benzer os alimentos faz parte do calendário dos católicos de rito grego e,
é retomada anualmente. Anna relata que leva sua cesta, da mesma maneira que a mãe levava: "Eu
sempre levo a cesta, como antigamente. Levo pão, ovos, carne, lingüiça, tudo..." (entrevista 22)
7! Uma explicação dessas cruzes está na PARTE II, Capítulo 2, Item 2.1 - Organizando o
espaço.
" "Confesso" é uma corruptela da palavra confissão.
M Entrevista 35 (1995)
81 Entrevista 40 (1995). O lobisomen é um personagem muito popular na cultura
tradicional ucraniana. Interferia em várias outras situações do dia-a-dia da colônia.
82 Entrevista 41 (1995)
246
Antigamente tinha muita história de lobisomem. Muitas coisas eu cheguei a ver. Coisas
apavorantes. A mãe tinha um porco bem grande e uma noite ele estava estragando e
arrebentando tudo. E dava cada pulo! Era um porco grande e preto, a coisa mais linda. E
a mãe disse: isto é lobisomem. Na hora que ela disse, ele deu um urro e fugiu para o
mato 83 .
10 Entrevista 38 (1995)
M Segundo a cultura popular ucraniana, o lobisomem pode nascer como tal ou
transformar-se, por ação de encantamento. Os nascidos lobisomem, teriam adquirido tal condição
pela ação de um determinado planeta, ou porque uma mulher grávida enxergara um deles. Já os
enfeitiçados seriam aqueles transformados pelas bruxas; esquecer Deus também poderia motivar
essa mutuação, bem como fazer um acordo com bruxa (vidhma). (HOLOWKO, S. Ukrainska
Menuwchena : Dustrovanei etnografitchnei dovidnek. Kiev : Lebidh. 1994, p. 92)
" No caso do "porco-lobisomem" citado acima, é interessante perceber que a falta de
lobos, no Brasil, não impediu a continuidade da crença.
M Acreditava-se que existiam formas de ajudar os lobisomens enfeitiçados à abandonar tal
condição. Entre elas, a mais branda seria dar três voltas ao redor de um ícone e no extremo oposto
arrancar a pele do enfeitiçado. (HOLOWKO, op. cit., p. 94).
Entrevista 38, 41 e 42 (1995). Nos trabalhos de antropólogos ucranianos essas entidades
17
são denominadas vidhma (bruxa) E vovkulaka (lobisomem). Muitos dos descedentes dos imigrantes,
em Antonio Olyntho, referem-se à elas como borenha e lovison, respectivamente.
" Segundo o mesmo estudo, acreditava-se, na Galicia, que pendurar alho ou cebola nas
casas era a forma usual de se defender da ação das mavkes. Uma proteção maior seria obtida quando
a pessoa usasse alho nos bolsos. Entre os descendentes dos imigrantes em Antonio Olyntho, contudo,
247
não se pôde destacar a crença desta ação protetora do alho ou da cebola. (HOLOWKO, op. cit., p.
122)
»' Entrevista 25 e 30 (1995)
90 DELUMEAU indica que entre as populações rurais da Europa Ocidental - entre 1300 e
1800 - associava-se a figura da coruja com o próprio demônio. (DELUMEAU, J. História do medo no
Ocidente : 1300-1800. Uma cidade sitiada. São Paulo : Companhia das Letras, 1993. p. 239-259).
51 Entrevista 7,12 e 33 (1995)
92 Entrevista 7 e 12 (1995). As pessoas esclareceram que a doença de minguar só poderia
ser curada com benzimento realizado ao longo de 7 dias de lua minguante.
* HOLOWKO, op. cit., p. 39.
94 Entrevista 30, 38 e 40 (1995)
248
£ [...] o diabo popular [popular] não é designado por seu nome bíblico, mas se chama
Robin, Pierasset, Greppin, etc. [...] É uma divindade entre outras, suscetível de ser
adulada e que pode ser benfazeja.. [...] O diabo [...] pode ser também um personagem
familiar, humano, muito menos temível do que assegura a Igreja e isso é tão verdade que
se chega bem facilmente à enganá-lo.[...] a cultura popular assim se defendeu, não sem
sucesso, contra a teologia horrorizante dos intelectuais 101 .
Príncipe das Trevas. Por isso mesmo assumiu aí uma adaptação de gênero: havia o
poderia se dar pelo estabelecimento de uma relação muito íntima com as forças da
luz. Não apenas a lamparina, o lampião e, mais recentemente, a própria luz elétrica,
D I S P O S I Ç Ã O D O S Í C O N E S N A C A S A DE U M CELIBATÁRIO. 1995.
,M Entrevista 17 (1995)
Deve-se notar que até o final da década de 1930, a festa do Jordan não era comemorada
105
em 6 de janeiro. Nesse dia, pelo calendário até então vigente na igreja católica de rito grego - o
calendário juliano - era o dia do Natal. A partir de então apenas os ucranianos de rito ortodoxo
mantiveram-se comemorando o Natal em seis de janeiro.
Entrevista 37 (1995)
107 Entrevista 42 (1995)
,OT Evento do calendário litúrgico que ocorre no dia 2 de fevereiro.
,M Entrevista 20 (1994)
110 Entrevista 10 e 17 (1995)
111DELUMEAU esclarece que "[...] o poder eclesiástico, na continuidade de uma longa
tradição, aceitou abençoar [...] condutas e ritos anteriores ao cristianismo, limitando-se a condenar as
práticas que tentavam esquivar-se da vigilância da Igreja. Daí o magismo cristão, que permaneceu
até uma época recente, um dos camponeses maiores da vida religiosa do Ocidente. [...] absolvições,
251
Uma última relação dessas pessoas com o sobrenatural merece, ainda, ser
apontada: a dos vivos com os mortos. Na verdade a relação da comunidade com o
além mostrou-se uma experiência que ignorava a divisão radical que as sociedades
modernas estabelecem entre a vida e a morte; para ela, estes dois estados não
representam pares opostos. Por isso mesmo a morte, principalmente para as pessoas
da primeira coorte, não implicava a efetiva ruptura do convívio intrafamiliar: as
almas mantinham-se pelas imediações da casa, especificamente ajudando os vivos a
cultivarem a terra.
Na véspera do Natal, para trazer os espíritos para dentro de casa o pai pegava uma
vasilha com água benta e ia com um filho buscar os espíritos.[...] Aspergiam o celeiro e
uns feixes de trigo e traziam para dentro de casa 113 .
bênçãos, conjurações, exorcismos, [...] bênçãos dos rebanhos, do vinho, do pão, do óleo, do leite, dos
ovos, [...] dos celeiros, das granjas, do leito conjugai", (op. cit., p. 72)
m Entrevistas 12, 39 e 44 (1995)
113 Entrevista 38 (1995)
HOLOWKO, op. cit., p. 95.
Conforme foi visto, PARTE II, Capítulo 2, item 2.1 - Organizando o espaço, os
ingredientes do kotiu têm simbolismo que expressam os desejos dos familiares para o Novo Ano: a
252
Muito em função deste prato, os jardins das casas eram coloridos pelas flores de
papoulas, utilizadas também pelos pioneiros, segundo alguns, para fazer chás
calmantes para as crianças116.
Toda a celebração do Natal, a despeito de ser considerada festa cristã,
transcorria por entre representações agrárias. Ao feixe de trigo que iniciava a
comemoração, ao feno sob a toalha da mesa, ao simbolismo do kotiu, agrega-se o
hábito de jogar palha no chão - numa espécie de ritual de fertilidade - para as
crianças brincaremni. A partir da década de 1950 esse hábito entra em desuso e sua
manutenção está restrita a algumas moradias. João associa a própria sofisticação das
moradias com o declínio do diduch'. antes não era chão encerado e agora a palha
risca o chão118.
A idéia de confraternização natalina se estendia aos próprios animais:
Os antigos diziam que era Natal e não era para haver maldade, mau-tratamento. Tudo
devia ser feito com carinho. Se um dos filhos fizesse traquinagem, os pais levavam com
jeito para ninguém pagar. O meu pai até dizia que se o cachorro encontrasse a lebre ele
não ia matá-la. Era época de paz. E os animais em casa, o pai dava uma comidinha
melhor e um poucos mais de carinho no dia do diduchf19.
Era um dia de muita excitação familiar porque havia toda uma expectativa
feito sua refeição. Nathalia, que foi criança na década de 1950, lembra que as pessoas
Hoje é Natal e vocês vem comer conosco. E no dia seguinte, a gente acordava curioso
para ver se os espíritos comeram 121 .
m Entrevista 33 (1995)
m Entrevista 2 (1994)
255
Lá na lagoa não tem mais invernada, agora é um parreiral. Falaram que aqui devia ser
feito deste tipo. Cada qual segurar o seu gado no seu terreninho fechado e o resto que
ninguém ocupa, plantar arvoredo, uva, fazer plantação. Só que na Campina é difícil,
porque tem morador que não tem terra. Assim como está, dá para todos. 124
27 Entrevista 16 (1995)
CONCLUSÃO
ANTONIO OLYNTHO: A RECRIAÇÃO DA ALDEIA
Observa-se, além disso, que os rituais ancestrais ligados aos atos do ciclo
matrimonial entraram em sensível desuso. Os que casaram na última década, por
exemplo, não mencionam mais o stárosta com naturalidade; a interferência do
casamenteiro é apenas, com certo incômodo, confirmada. A tendência da geração
mais moça em diminuir suas diferenças com a sociedade envolvente é sensível na
própria celebração do casamento. De fato, é cada vez menos excepcional uma jovem
pedir a interferência dos pais junto ao pároco para que o casamento siga a liturgia
latina . E, generalizou-se a preferência das noivas em entrar na igreja ao lado do pai,
ficando o noivo a sua espera no altar.
* * *
* * *
* * *
* * *
A gente tem filhos para cuidar da gente na velhice. Um estranho ia cuidar? Não ia. O lote
fica pra quem cuida da gente.
2 Ver ANEXO 4.
3 Ver FARTE I,Capítulo 3, Item 3.1. De polacos a rutenos.
4 Os critérios para a tipologia de famílias encontra-se em 3. A análise demográfica..., cf.
infra, p. ?????
269
registros paroquiais foram utilizadas outras fontes. Uma delas foi a lista nominativa
desde 1919, e pesquisados nos microfilmes da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos
Últimos Dias.
que uniam as famílias biológicas, a fase seguinte consistiu em alimentar, com essas
5 Ver A N E X O 4.
2 O PROCESSAMENTO DOS DADOS
quis privilegiar foi uma paridade entre as uniões MF: a coorte 1 possui 281 uniões MF
de um total de 1.301 uniões, e a coorte 2 possui 244 uniões MF de um total de 733
casamentos. Outro critério que, indubitavelmente, perpassou a divisão das coortes
foi a morte de João Michalczukc, em 1950. À medida que ele exerceu inegável
influência sobre seus paroquianos, o ano de sua morte foi considerado um divisor
de águas.
Para que o SYGAP desenvolvesse os cálculos demográficos que
interessavam à pesquisa, quais sejam, os de nupcialidade e fecundidade, toda
população constante dos registros da igreja Nossa Senhora da Imaculada Conceição,
entre 1895 e 1980, recebeu uma codificação numérica específica, construindo-se
assim, o banco de dados que alimentou os cálculos e a estatística demográfica. Tais
códigos qualificam a origem dos dados, e com base neles o SYGAP selecionou os que
integraram os cálculos demográficos.
ambas as coortes, os dados relativos aos "indivíduos" (DATEN) são comuns, ou seja,
em Antonio Olinto, freqüentaram os registros de catolicidade 8.667 pessoas durante
os 85 anos que estão sendo analisados demográficamente e, desse total 4.443 são
homens e 4.424 são mulheres1. Nas tabelas 4 e 5, o que é específico a cada coorte são
apenas os quantitativos relativos ao casamento (DATEM E DATEFU) qualificados por
códigos em função da origem dos dados.
1 Como foi mencionado acima, sempre que possível foram acrescidas as informações dos
registros paroquiais e dados provenientes de outras fontes. Nesse caso estão as constantes na lista
"Immigrantes e Lotes do Núcleo Antonio Olyntho - 18%", onde a população local está descrita por
"fogos"; as Lista de Immigrantes entrados no Paraná (1895-1896) e os registros da paróquia latina
(até 1911).
3 A ANÁLISE DEMOGRÁFICA DA FECUNDIDADE
Técnicas de análise ...., op. cit., p.87, e por NADALIN, Une paroisse d'origine germanique au
Brésil : la communauté evangelique lutherienne a Curitiba entre 1866 et 1969. Doctorat 3e. cycle.
Paris : EHESS, 1978. p.149.
' NADALIN, Fecundidade das famílias ... op. cit., p.5 e 6.
' O que se está calculando é a relação das fichas MF com o total das uniões (MF/T =
281/1301 e 244/753, sucessivamente para cada coorte) para verificar qual o índice da relação entre as
famílias incluídas nos cálculos de fecundidade com o universo total de famílias presentes nos
registros da paróquia.
280
8 Ver Tabela A10 com a relação das mães solteiras de ambas as coortes em estudo.
282
mulher, seja a partir da duração do casamento [...]. As análises demográficas feitas até o momento
têm privilegiado a idade da mulher para as populações antigas e a duração d o casamento para as
populações atuais". NADALIN, Fecundidade das famílias de confissão evangélica luterana em
Curitiba : 1920-1939. (Relatório 4, período 01.07.1981 - 31.12.1981. p.2).
284
data de nascimento foi calculada (DATEN 3) mas que pertencem a famílias MF. A
distribuição desses nascimentos é dada segundo o grupo de idade da mãe ao casar e
seu grupo de idade no nascimento da criança. As tabelas 16 e 17 trabalham com
números absolutos e as tabelas 18 e 19 com os índices relativos a 1.000.
10 10. HENRY, Técnicas de análise ..., op. cit., p.94. A fórmula para o cálculo dos
nascimentos perdidos é:
Nascimentos perdidos = Casamentos reencontrados
Total nasc. levantados Total casam, levantados
11 HENRY, L. Técnicas de análise ... op. cit., p. 99.
289
Com base nos índices apontados nas tabelas anteriores, o SYGAP pôde,
finalmente, calcular as taxas de fecundidade legítima corrigidas. Assim, os números
apresentados nas tabelas 26 e 27 são resultantes das diversas operações efetuadas
para construir as tabelas que as antecederam (tabelas 14/15, 16/17, 18/19, 20/21,
22/23, 24/25) e que lhes são complementares. A taxa de fecundidade legítima
deriva, então, de uma relação entre os nascimentos totais e os anos-mulher, cujo
resultado é corrigido pelo fator 1.000. Deve ser observado que a última coluna das
tabelas 26 e 27 apresenta tanto a descendência completa por grupos de idades das
mães quanto a descendência completa média.
291
conhecida;
h) Rejeição 8: A união não tem ao menos 6 filhos.
Continuando o estudo dos intervalos genésicos, as tabelas 38 e 39
apresentam os intervalos médios, em meses completos, para os quatro primeiros
intervalos entre os nascimentos, segundo o grupo de idade da mãe ao casar (salvo
para o último grupo). O número de uniões não corresponde necessariamente ao
número de casos retidos para o cálculo de cada intervalo; o algorítimo pode ter
rejeitado uniões se algum dos dois nascimentos implicados não teve a data precisa e
pode tê-los conservado para os dados seguintes.
casamento.
casamento são rejeitadas. Os filhos retidos devem, além disso, possuir uma data
exata de nascimento (DATEM 1). Para as uniões em que há ao menos uma criança sem
registro de população;
ADANIW
BIBRKA (BACZOW) (distrito)
BAKOWCE
BEREJANE ( distrito Berezany)
BIALA
BOLOTINA
BRODE (BRODY) (distrito)
BRZOSTEK (POL)
BUKACZOWCZ
BUSRCZE
BUTYNACH
CHROWYCI
CURYNY (distrito Berezany)
CZCHROW ( ROHSTYN)
DEZNASZOROCZE
DOBROWOLA (DOBROWODY) = (DIDBOWI) (distrito de TERNOPIL
(Tarnofril))
DOMAMIVICZ (distrito Ternopoliense)
DUBIW (DUBW) (distrito de Brody)
GRZYMALOW (distrito de Skalat)
HODOW (HODON)
HIROWICE (IHRAWYCI)
ILOESÓW
JAROSTEC
JASYNOW
JOWKWA
KALINOWSKA
KOBYLOWOLOKI
KONIUCHY (distrito Berezany)
K023NKA (KOZOWA) (distrito Berezany)
KUPICZWOLA
LAGUA
LAURIKOWCE
LESZCZANCE
LYSIATYN
MESZANECT
MIKOLIEC (MUKALOWIC)
MINSK (WOSTOPOL)
WOCZKDZOCE (OKZKIWCI)
OLWARZANCE (distrito Tarnopol)
OZIERNA
PAMORZANY (distrito de ZOLOTCHIW (Ztoczow)
PANASIWKA (distrito de Zboriw)
PEREIVOLOSZYN
PETLIKOWCE (paróquia Buczak)
PLOTYCZKA (distrito Berezany)
PROKOSPYSNA
RYKOW (distrito Hacsóv)
SOKOLOWSKA (distrito de Sokal)
STYBOROWRE
STOCOPYW(m)
327
TENIETUIKI (Tynitniki/Rohatyn)
TORNOBRZEY
TOVOROV (distrito de Berezany)
WARZANA
WOCZKOZOCE
WORNIOLINEAL (distrito de Zalistchekê)
ZABLOCIE
ZASCIÁNKA
ZBORIW
Sede
Linha Corvo Branco
Linha Constard ( Costard )
Linha Chartier
Linha Figueiredo
Linha Gonçalves
Linha Lucüia
Linha Mato Queimado
Linha Munhoz - la. secção
Linha Munhoz - 2a. secção
Linha Santos Andrade
Linha São Francisco
Linha São João
ITAPIJARA D'OESTE = IO
IV AÍ = IV
JARAGUÁ DO SUL = JA
JO ANNERSDORF = JR
JOINVILLE = JO
LAGES = LA
LAMENHA PEQUENA = LQ
LAPA = LP
MAFRA = MA
MAJOR VIEIRA = JV
MARCELINO = MC
MARECHAL MALLET = ML
MARIENTAL = MT
MONTE ALEGRE = MO
NOVA ALIANÇA = NV
OURO PRETO = OP
PALMAS = PM
PAPANDUVA = PP
PARAGUASSU (SC) = PR
PATO BRANCO = PB
PINHAL = PI
PINHEIRO = PN
PIRAQUARA = PQ
PITANGA = PT
PONTA GROSSA = PG
PORTO UNIÃO = PU
PORTO VERA CRUZ = PV
PRUDENTÓPOLIS = PD
RIBEIRA(SP) = RB
RIO CLARO = RL
RIO DA AREIA = RD
RIO DA PONTE = RI
RIO NEGRO = RN
SANTA CECILIA = SC
SANTA MARIA = SA
SÃO FRANCISCO = SF
SÃO JOÃO DO TRIUNFO = SD
SÃO JOSE DOS PINHAIS = SJ
SÃO MATEUS DO SUL = SM
TOMAS COELHO = TM
TRÊS BARRAS = TR
TRÊS PASSOS = TP
VERA GUARANI = VE
VARGEM GRANDE = VG
BEDNARCZUK
BIL: BEAL
BILEK: BIALY, BITYK, BITYJ, BILOUS
BILINSKI: BILINSKY, BITINSKI
BINASZEWSKI: BINHASZEWSKI
BLASZCZAK: BLASZKAZAK, BALCEJAK
CZUCHRAY: CZCHRAJ
CAP
CZECH
CEUCHOVSKY
CUBAS
DENEGA: DINEGA, DYNEGA
DIACZUK
334
DIADIO: DIAKOWSKYJ
DOMBEK: JOMBEK, GIOMEK, CHOMEK, COMBEK
DRIBOTA: DIBOTA
DUBIEL
DUBRIWY: DUBRIWYI, DUBRIWIRYJ
DUBYNA: DUBENA, DUBÊNA
DUMA: DOMAZ, DUMAZ
DZ30BA: DZIOKA
DZIOMBRA: ZIOMBRA, ZIOBRA, JIOMBRA, DZIOKA, DZIOBA
GOERYNSKI
335
GORECKI
GOSLAR
GRABASZ: GRABAZ, GRABAS, GRABSKI
GRITTEN: GRITES, GRITEN
GROSZKO: GRZKO, GROZKO, BROZKO
GUILERME
GURAL: GORUZ, GUVAZ
HALUNKA: HATUNKA, HATUWKA
HORBAN
HÖREN: HORYN
HORLTEI: HORLATYJ, HORLOTY, HORLATY, HORLOKI,
HRYUKIEWICZ
HUK
HUPALO: HUPATO
336
HAIT AN
HUSKI
HVACAR
HRANIUK
IWACHIW: IWACHIV, IVACHIV, IWACHIO, IWOCHIW
IWANCZUK: IWANCZYSZYN, IWANCVJSVKJN, IWANCZIZYN
KOTARSKI
KOVALYK: KOWALYK, KOWATIK, KOWALEK
KOWAL
KOWALKO: KOVALKO, KOVALCO
KOZAK: KUZIAK
KUPCZAK
KOZET
KRAVCIV: KRAWCIV
KROKOSZ
KRUK
KRUPNISKI: KRUPNICKI
KURPIEL: KURPIL
KUSIK: KUSIAK
KLEMCZUK: KLIMCZUK, KLYMCZUK
KUTEN: KUTYN
KUZMA: KUZMIW
KWIATOKOWSKI: KWIATKOWSKA
LACHOWICZ: LHACHOVETCH, LAHOVI, LACHOVICZ
LESKTV
LIEBEL: LIBEL, LIPPERT
LASRIN
LECYK
LISNOWSI: LICINHOSKI, LISNIOSKI
LYZAN: LEZAN, SZTYJAN
MAKOHIN
MAIDANCZEN
MAKOWSKI: MARKOWSKA
MALINOWSKI: MALINOVSKYJ, MALIJNOWSI, MANTINOWSKYJ
MARKIW: MARCIV
339
MARTENOV
MAZUR
MELNYK: MIELIK
MICH: MNICH
MULARCZYK
NALEVAIKO
NAROG: NAROK
340
PANEK
PALAMAR: PATAMAR
PAULUK: PAULHUK, PAWLUK, PAVLUK, PAULIUK, PAULOWSKA,
PAWUK: PAUK, PAVUK, PAIONK
PYSAR: PYSOW
ROMANYCZ: ROMANYCZIN
RUBEL
RUDEI: RUDYI, RUDYJ, RUDY, RUDEJ, RUDY
RUDNICK
SAFRUN: SCHFRUN, SAPRUN, SZAFRUN
SAI: SAY, SAJ
SAMBULSKI, SAMBUJSKI, SAMBUISKI, SAMBUJSKYJ
SARCOZ
SASINSKI: SACHINSKI, SZASINSKI
SAWICKI: SAVITZKEI, SAVINSKEI, SAVICKYJ, SAWICA
SEGATIUK
SEMIGEN: SEMEGEU, SEMEGAN, SEMYGEN
SENIUK: SENHUK, XENIUK, SENHUK
SENKIW: SEÚKIW
SEVDUM: SEUDIM, SEUDUM, SANDUIN, SENDUM
SIEBEN: SIBEN
SIMEONIW: SEMINK, SIMEONIV, SEMEKOWICZ, SIMEON
SKOPETZ: SKOPEC, SKOPIEK, SKOPETC, HCOPETZ, SHOPETZ
SKRYPETZ: SKRETETZ, KRYPETZ
SLABEI: SLABI, SLABYI, SLABIJ, STABYJ, STATYJ, STATIN
SLEPAK: STEPAK: SLEPACK
SOLOMKA: SOTOMKA, SOLONIKA
STADNYK
STASIUK: STACHUK, STASKIW, STACHIW, STASIAK, STACHIV
SZEJETZ: SZWEC
SZLEM: SCHLEM, SCHLEIAM, SCHLEM, IZLEM, CHLÊM
SZNER: SZNYR
SZYMKIW: SZYNKIW
TERNOMY: TERNOVYI, TARNOVA
THEODOROWICZ
TRACIUK
TRECZ: TRATSCH, TRATCH
TRAFKA
TREIN: TREIN
TRUCHAN: TRUCHAW, TRUCHAU
TRUSZCZYNISKI :
TULCZAK
TUR: THÜR
URSZULAK: URSCHULAK, ORSZULAK, URCHULAK
WISZNIOWESKI, WISZNIWECKI, WISNIESKI, WISZNOWECKA
WOICECHOVSKI: WOJCIECHAVSKI
WOITKIW: WOJTKOW, VOITKIW, WOITKO
344
WONS: VONS
WYSOSKI: WYSOCKI, WYSLOTZKEI, WISOCKEI, VISOTSKEI,
VYSOCKYJ, VESSOTZKEY
WOLF
WILOMSKI: WITANSKA
WOZNIAK
1911. Iniciou sua trajetória no exército austríaco onde mereceu elogios e distinção
iniciou seus estudos teológicos, sendo ordenado sacerdote em 1910. Nessa ocasião
missionário e, um ano mais tarde, o jovem sacerdote já exercia seu trabalho pastoral
deles, foi a bonita igreja de imbuia com cinco cúpulas, com o interior todo decorado
ícone de Nossa Senhora decorado com corais e pedras preciosas. O quadro brilha
com as cores do arco-íris quando batem nele os raios vespertinos do sol. Também
construiu uma residência para o pároco, outra para as religiosas, uma escola e uma
bela gruta. Ele não cuidou somente da ordem exterior da paróquia; acostumado à
pessoalmente muito devotado. Por essa razão, todas as festas Marianas em Antonio
Para os seus paroquianos, ele não foi apenas sacerdote, mas conselheiro,
palavra: era tudo. Já há alguns anos pretendia entrar na Ordem de São Basilio
Magno mas não conseguia um substituto para seu lugar em Antonio Olinto.
Desejava ardorosamente, pelo menos falecer com hábito dos filhos de nosso grande
Patriarca. Realizou esse desejo pouco antes da morte, recebendo o hábito de São
mas nos últimos três meses esteve acamado, por causa da enfermidade. Procurou
socorro em Curitiba, mas ao perceber que não havia esperanças, mandou que o
transportassem até a amada Antonio Olinto, para fechar seus olhos entre os
paroquianos. A doença foi muito dolorosa, mas ele suportou com paciência heróica
previamente até as menores providências para que, após sua morte, ninguém
tivesse trabalho. Previu até endereços e textos que deveriam ser enviados na
ocupar a igreja para prestar a última homenagem ao seu benfeitor e pastor. Foram
realizadas as celebrações fúnebres com a Santa Missa, sendo depois trazidos para a
igreja os seus restos mortais para a igreja. Durante todo o dia, e à noite, o povo
rezou piedosamente pela paz de sua nobre alma. Nas celebrações litúrgicas
tomaram parte cinco padres basilianos, o pároco latino de Antonio Olinto e uma
grande quantidade de pessoas que sabia valorizar o bem que foi feito pelo finado
durante o seu sacerdócio. A predica na igreja foi feita pelo reverendo Padre Nikola
português, falou o reverendo padre José Martenetz, OSBM, e depois em nome dos
pastor.
Temos certeza que a Mãe do Céu, tão amada e reverenciada por ele, o
receberá na casa de Seu Filho, e a lembrança desse sacerdote pioneiro será guardada
Cristo Ressucitou:
Excelência!
até agora - como fazem as crianças pelo seu pai - enviamos nossas orações ao Trono
saudar, em seu portal, Jesus Cristo; assim, é a nossa ao saudarmos entre nós Vossa
vestes, e hoje nós próprios nos estendemos a vossos pés, pois em vossa pessoa,
Seu início data de 1903-4, portanto alcança vinte anos. Naquela época tudo
era cercado pela mata virgem como um mar imenso, e só em raros lugares
maneira que cada um podia: às vezes com frutos das florestas, às vezes com feijão
preto sem gordura alguma; pão, víamos somente poucas vezes durante o año e às
templo. Ele era para nós aquele anjo que nos trazia do céu ajuda e apoio, naquele
nas costas, e o peso nos arrancava a pele, mas com a ajuda de Deus e do referido
padre, erguemos esta casa de Deus, entre muitos sofrimentos e muitos calos nas
mãos.
som do sino, no silêncio da selva brasileira. Como era fácil então, atravessar os
montes, barrancos, matas, para todos juntos, em nossa igrejinha, rezar e cantar:
quando nos visitava e onde nossas crianças pudessem se reunir para receberem os
ensinamentos escolares.
E assim, após alguns anos, já tínhamos igreja, casa comunitária com escola;
realmente, atendendo ao nosso pedido, graças aos esforços do Pe. Bjuh'ovskei, nós
estabeleceu na nossa matriz e para quem enviamos a chave da nossa igrejinha, pelo
padre Clemente.
professor e um bom amigo, que conosco dividiria as alegrias e tristezas, que nos
para que nada lhe faltasse; não só isso, mas também pagamos sua viagem da Galicia
porta quando vinha celebrar a missa. Deveria vir todos os domingos, porém só
vinha quando tinha vontade e chegamos a ficar três meses sem assistência
espiritual.
estradas são ruins e só é possível andar nelas a pé. Às vezes, acontecia de sairmos
corvéia anual é, para nós, maior e mais dispendiosa do que para os que moram ao
lado da igreja-matriz.
Assim, da nossa aldeia que conta com cerca de 400 almas, quando muito
uma dezena vai até a matriz e todos os outros ficam, às vezes, durante meses sem
ouvir missa, nem prédica. E aconteceu, não poucas vezes, do pároco chegar, após
com filhos pequenos, muitos anciãos ou enfermos, muitos não ouviam missa
que é nossa, fica fechada e só abre poucas vezes durante o ano e nem nos é
som do canto muitas mulheres e muitos idosos choram, pois não podem ouví-lo em
sua igreja, e talvez por muitos anos não o ouçam. Quando chega o mês de maio,
sozinhos, em nossas casas, baixinho dizemos: "Salve Rainha", porque a igreja está
352
fechada. Assim também todo o mês de junho, nossa igreja não vê devotos do
juventude, pois ela não tem nenhuma ocupação durante o dia todo. Só fica andando
de um lado para o outro, tanto moços quanto moças, e pecando o tempo todo. Não
indo à igreja nem de manhã nem à tarde, pode-se encontrá-los em todos os lugares,
Nossa Senhor nos ensina: "onde reunem-se dois ou três em meu nome, lá
Vida dos Santos. À tarde, reuníamo-nos para as "vésperas", e antes dos grandes
dias santificados fazíamos vigílias. Naquele tempo a juventude não andava pelas
estradas, nem se escondia pelos cantos, pois acompanhava os mais velhos à igreja, e
ainda reunia-se para os ensaios no coral de quatro vozes, dirigido pelo Felipe
catecismo e orações.
casa. E, se os pais não sabem ensinar, então vão crescer sem ensinamento algum,
Ele, quando muito, batiza a criança e após alguns anos, faz a preparação
superficial para a primeira comunhão. Depois nem se encontra mais com ela, a não
ser quando ela cresce è deseja casar. Fora disso, ele não faz catequese, nem na igreja
e nem na escola. Se nós deixássemos os nossos jovens neste estado, então deles só
Também estamos muito insatisfeitos, pois tendo lhe entregue a chave, ele
não nos deu mais nenhuma satisfação sobre as rendas da igreja. O dinheiro do caixa
ele levou todo e, durante estes onze ou doze anos que está entre nós, as rendas,
como coletas durante a missa, óbulos (ofertas), coletas especiais foram todas parar
no bolso dele.
contos de réis, também foram parar no cofre dele. Tudo isso ele pegou sem a
E isso ele não devia fazer, pois nós lhe pagamos tudo e pagamos muito
Inúmeras vezes ele nos ensinou a não tocarmos nas coisas alheias. Como
ousou então pegar aquilo que não era seu, sequer perguntando pela nossa
permissão?
réis e agora que ele está entre nós, temos o quê? Nossa igreja está abandonada,
354
maltrapilha, preta como uma assombração, seu telhado já apodreceu, por todos os
cantos entra água. É preciso aumentá-la, cobri-la, enfeitá-la para que se pareça com
uma igreja e não com um rancho. Mas de onde tirar dinheiro para isso se o padre
comunidade?
réis para as pobres viúvas e órfãos na Galicia, mas a nossa comunidade é tão
maltrapilha quanto um órfão por causa do padre Michalczuk. E foi para isso que ele
veio? Como dissemos, antes da sua vinda construímos tanto a igreja quanto a
escola, mas ele pegou tudo de nós como se fosse sua propriedade e como se fosse
dono de tudo. E como ele trabalha a nosso favor? Pois da seguinte maneira: a igreja
fechada, apodrecendo, e logo desmoronará toda. E nas poucas vezes que vem, no
Vocês são ignorantes, vocês não passam de lixo, vocês são maçons, etc, etc.
Vocês, todos juntos, não valem sequer um cavalo meu, o meu cachorro vale mais
que vocês, vocês são mulas, vocês são cavalos, vocês são ralé. Eu pedirei ao Senhor,
eu vou rezar ao Nosso Senhor - e isso falava parado na porta do iconostás, vestindo
os paramentos litúrgicos - para que Deus castigue vocês, para que não tenham
colheita alguma, para que um raio caia sobre vocês (e exatamente no dia seguinte
um raio caiu na propriedade dele), eu tenho todos vocês debaixo do meu sapato,
verificação, damos os nomes abaixo, para que os escutem. "Vocês são lixo, vocês são
355
maçons", ouviu Fedko Szner; vocês não valem um cavalo meu, ouviu Gregorio
Wesotsky; "meu cavalo e meu cachorro valem mais que vocês", ouviu a Catharina
Zatyzko, mulher do Pedro; "eu tenho vocês embaixo do meu sapato", ouviu o
Demetrio Romaniw; "eu vou pedir a Deus para que um raio os parta; para que uma
praga de gafanhotos venha para que não tenham colheita alguma", ouviu o Nicolau
Szner. Muitas pessoas ouviram tudo isso, mas nominalmente citamos só uma pessoa
para comprovação.
Páscoa e sem descer do cavalo foi perguntando se o feijão dele foi colhido e
descascado. E, por azar, o feijão não havia sido colhido por causa das chuvas. O
padre quando soube disso, deu meia volta com o cavalo e foi-se embora, e nós
dinheiro para entregar-lhe, então gritava, batia os pés, e expulsava seu próprio
velhinha respondeu-lhe que não, agora que não era mais proprietária, porque a
propriedade era dos filhos e eles já haviam pago. Com esta resposta o padre ficou
raivoso (furioso) e começou a gritar e a bater os pés e a fazer tanto barulho que a
proibia que o povo fizesse compras lá. Por isso muitas pessoas deixaram de
356
trouxeram uma criancinha para batizarem. Ao pai faltavam 100 réis para completar
os 5 mil réis. Por mais que o pai implorasse que depois traria o resto não adiantou.
Na casa do José Rudey morreu uma criancinha de três dias. Pelo funeral, o
também no caso das irmã que para cá vieram e que ensinavam, de modo piedoso,
nossas crianças. Mas pouco durou nossa alegria, pois logo veio a notícia de que as
religiosas fugiram e ainda por cima durante a ausência do padre. E isso, apesar de
ele ter proibido a todos de levar as irmãs embora. Mas elas conseguiram um
Quando ele passou das medidas, tivemos que procurar nossos direitos no
Mas como ele não ligava para a escola e nem para a Prosvita, então após
uns cinco anos, nós mesmos fizemos novamente a lista das crianças, contratamos
um professor e enviamos o Fedko Szner buscar a chave da escola. Mas o padre não
entregou, e afirmou que jamais entregaria, pois tudo era dele. Após alguns pedidos
e recusas iguais, tivemos que ir até Rio Negro e processá-lo, e só assim ele foi
357
obrigado a devolver a chave da escola. E é por essa razão, que as aulas aqui só
se chegar a trocar socos, pois o padre gosta disso. Tanto que já surrou pessoalmente
alguns. Estes não terão coragem de queixar-se pessoalmente a Vossa Excia, por isso
para jogar lama no padre porque ele já enlameou-se sozinho. Mas, pedimos sim,
entre nós;
considerando que ele só cuida dos interesses dele e não dos nossos;
considerando, enfim que não podemos dirigir-nos a ele como pai, pastor e
amigo; ao contrário, temos que fugir como de um inimigo e procurar guarida entre
os estranhos na Lapa, Rio Negro e Curitiba (pois tivemos de levar nossas queixas ao
agora em diante. Não podemos tê-lo como pároco e não podemos continuar sendo
seus paroquianos. Não podemos dar pão a quem nos tem enganado e jogado pedra
em nós. Não podemos continuar amigos daquele que luta contra nós. Não pode ter
lugar entre nós aquele que coloca na frente seus cavalos, seus cachorros e não os
paroquianos. Não podemos dar pão para aquele que pede a Deus para tirar-nos este
Não podemos ter conosco aquele que nos empurra para a igreja latina, a
tal ponto que acabaremos sendo anexados a ela, ou melhor dizendo, aos poloneses,
como antigamente? Isto porque, a partir de hoje não consideramos mais este padre
como nosso pároco. Por isso solicitamos que o padre Mychalczuk entregue as
chaves de nossa igreja para que possamos continuar rezando junto com nossas
desejemos um padre larápio, pois desejamos enviar pelo menos um conto de réis,
através de Vossa Excia, para os órfãos na Galicia; bem como reconstruir nossa
los resolvidos.
359
O que aqui está escrito temos provas para tudo e, se preciso for, podemos
esclarecer Vossa Excia. ainda com outros fatos. Muitos paroquianos têm medo de
Michalczuk pois não são poucos os que dele apanharam, foram fechados na cadeia,
etc...
CHEFIA DO DOMICÍLIO
ESTADO CIVIL MULHER HOMEM TOTAL
CASADO 207 207
CASADO SEM MENÇÃO DO
CÔNJUGE 3 3
VIÚVO 4 5 9
SOLTEIRO 18 18
INDEFINIDO 21 21
TOTAL 4 254 258
FONTE: Censo da Colônia Antonio Olyntho - Números absolutos.
367
TOTAL 9 21 40 50 36 23 21 5 1 1 207
T=25,7%
FONTE: Censo da Colônia Antonio Olyntho - Números absolutos.
OBS.: A área reticulada destaca a ocorrência de casais com ambos os cônjuges na mesma faixa etária (25,7%).
Acima dessa linha as mulheres estão em faixas etárias abaixo da dos homens (69,5%); e, o lado inferior da tabela
mostra a situação inversa (4,8%).
Divisor 31 28,24 31 30 31 30 31 31 30 31 30 31 -
Número
por dia 1,93 4,0 0,16 0,5 3,74 2,73 1,23 1,48 1,57 2,71 1,5 1,13 22,68
Números
Proporc. 102 212 9 27 198 144 65 78 83 143 79 60 1.200
FONTE: Registros paroquiais.
Divisor 31 28,24 31 30 31 30 31 31 30 31 30 31 _
Número
por dia 2,03 2,09 0,35 1,30 3,90 0,8 1,68 0,52 2,33 1,39 0,8 0,52 17,71
Números
Proporc. 138 142 24 88 264 54 114 35 158 94 54 35 1.200
FONTE: Registros paroquiais.
O "CÁLICE DO CIÚME".
375
1 FONTES
1.3 Publicações
1.3.1 Livros
ANAIS DA COMUNIDADE BRASILEIRO-POLONESA. v. 1 -8. Curitiba : Gráfica
Vicentina, 1971-1977.
ESTADO DO PARANÁ. São Paulo : Empreza Editora Brasil, Capri & Olivero,
MCMXXIII.
1.3.2 Periódicos
BOLETIM COLONIAL E AGRICOLA DO ESTADO DO PARANÁ. Curitiba. 1907 -
1908. (Biblioteca Pública do Paraná).
AVANTAGES. Offerts aux émigrants que désirent s'établir dans l'empire du Brésil.
Correspondência do Governo. Requerimentos, v. 6. AP. 0588. (DEAP)
RELAÇÃO dos vapores atracados no porto do Rio de Janeiro, entre janeiro de 1895 e
setembro de 1895. Instrumento de Pesquisa. Rio de Janeiro. Arquivo Nacional.
2 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAIRO DA SILVA, N. Guia de Medicina Homeopática Dr. Nilo Cairo. São Paulo :
Livraria Teixeira, 1990.
CHAYANOV, A.V. The theory of peasant economy. Illinois : Richard D.Irwin Inc.,
1966.
1992.
GINSBURG, C. Mitos, emblemas, sinais. Sâo Paulo : Cia das Letras, 1989.
GOODY, J.; THIRSK, J.; THOMPSON, E.P. Family and inheritance : Rural Society in
Western Europe. 1200-1800. Cambridge : Cambridge University Press, 1979.
HUNT, L. (org.). A nova história cultural. São Paulo : Martins Fontes, 1992.
LEBRUN, F.. La vie conjugale sous l'ancien régime. Paris : Armand Colin, 1975.
OLIVEIRA, R.C. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo : Livraria Pioneira
Editora, 1976.
Cultura, 1981.
TAVARES DOS SANTOS, J.V. Colonos do vinho. São Paulo : HUCITEC, 1978
Periódicos:
ANNALES DE DEMOGRAPHIE HISTORIQUE. Paris.
RURAL STUDIES.
POPULATION. Paris.
Teses e dissertações
BURMESTER, A. M. O. Population de Curitiba au XVIII siècle. 1981. Montreal.
Tese (Ph.D.) Departement de Demographie. Faculte des Arts et des Sciences.
DOUSTAR, N. M. Imigração polonesa : raízes de um preconceito. Curitiba, 1990.
Dissertação de mestrado. Departamento de História, UFPr.
LUPUL, M. R.(org.). Continuity and change : The cultural life of Alberta's first
Ukrainians. Edmonton : Canadian Institute of Ukrainian Studies/Printing
Services, University of Alberta : 1988.