Netnografia e pesquisas em psicologia: diálogos possíveis
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Netnografia e pesquisas em psicologia - Marina Kohlsdorf
Sumário
INTRODUÇÃO: DIÁLOGOS ENTRE A PESQUISA EM PSICOLOGIA E OS DADOS PÚBLICOS ONLINE
Marina Kohlsdorf
Luana Christine Silva Moura
A internet é provavelmente o meio de comunicação mais revolucionário que a sociedade já experimentou. Um campo repleto de trocas e compartilhamentos, de modo democrático ao permitir que todas as pessoas com acesso online mínimo possam expressar suas opiniões e depoimentos. Assim, plataformas como blogs, sites, Instagram, Twitter e demais redes sociais se tornam um ambiente muito rico para análises aprofundadas acerca de diversos fenômenos em psicologia. Neste cenário, surge recentemente a proposta de pesquisa baseada na etnografia aplicada ao campo online, denominada netnografia
. (Silva & Stabile, 2016).
A netnografia é um tipo de etnografia, que se configura como uma análise de campo estudando a cultura de uma determinada comunidade (Silva & Stabile, 2016). Uma netnografia significa que tanto a pesquisa de campo quanto a observação são realizadas a partir de análises online, de forma que todos os relatos ou postagens serão analisados, mas com especial cuidado em relação a interpretações e generalizações, pois o que estará sendo analisado são os códigos, relatos e imagens da superfície, de maneira que não é possível aprofundar significados específicos da vivência de quem relata a mensagem online (Silva & Stabile, 2016).
Contudo, por outro lado, a netnografia possibilita a obtenção de relatos e impressões pessoais de forma extremamente espontânea, sem as diretrizes ou roteiros semiestruturados de uma entrevista, por exemplo, que podem contribuir para o direcionamento dos relatos. Em outras palavras, as informações obtidas podem ser consideradas a partir de um ambiente natural de pesquisa, e não artificial como em experimentos ou diálogos dirigidos, contribuindo assim para a análise de relatos fidedignos e essencialmente espontâneos por parte dos participantes (Silva & Stabile, 2016).
Os mesmos autores destacam também que esse novo ambiente de obtenção de dados se popularizou em 1990 quando cientistas viram que o espaço digital é um espaço de criação de novas conexões e também de novas socializações. A partir desse método, é possível observar, de forma mais fidedigna, como as pessoas se comportam, a qual meio se sentem pertencidas, quais assuntos mais lhes chamam atenção, entre outros aspectos que influenciam diretamente na vida social e nos processos psicológicos individuais.
Com as inevitáveis inovações no campo digital é necessário que este novo ambiente de relatos espontâneos seja cada vez melhor explorado e cada vez mais utilizado, possibilitando o surgimento de novas estratégias de análise que se adequem melhor ao novo contexto que as comunidades online proporcionam em termos de conteúdos afetivos, emocionais e psicossociais que ficam registrados (Rodrigues, Chagas & Corrêa, 2015; Silva Stabile, 2016).
A netnografia pode ser combinada a diferentes métodos de pesquisa já tradicionalmente utilizados, tanto em esfera quantitativa, quanto em propostas qualitativas. Desta forma, o referencial de análise de conteúdo temática se apresenta como uma alternativa importante a ser combinada à netnografia, considerando que a proposta referente à análise de conteúdo visa interpretações sistemáticas acerca de informações e conhecimentos em determinada área, ou seja, o pesquisador busca compreender características por trás das mensagens expostas (Bardin, 2011; Câmara, 2013).
Este livro apresenta cinco estudos realizados no âmbito da Psicologia Social e da Saúde que utilizaram a netnografia como ferramenta principal de trabalho, ilustrando os diálogos possíveis entre a pesquisa em psicologia e este novo campo de dados online. No primeiro capítulo, Nathália Marques Bontempo e Marina Kohlsdorf analisam relatos que explicam motivos pelos quais mulheres vítimas de violência conjugal permanecem em seus relacionamentos abusivos. Em seguida, no segundo capítulo, é descrita uma análise sobre autorrelatos em ideação e/ou tentativas de suicídio, buscando aprofundar o entendimento sobre as motivações e fatores de risco que promovem o autoextermínio, uma pesquisa de autoria de Carolina dos Santos Fonseca e Marina Kohlsdorf.
No terceiro capítulo, de autoria de Jhennifer Martinazzo e Marina Kohlsdorf, o movimento antivacinação brasileiro é focalizado, buscando analisar as justificativas de participantes que aderem à não-vacinação. O quarto capítulo apresenta uma pesquisa sobre os sentidos e significados atribuídos à transição capilar por indivíduos negros que optaram pela intervenção estética, estudo realizado por Simone Soares Paz e Marina Kohlsdorf. Finalizando a obra, as questões de luto após perda perinatal são descritas por Caroline Gomes Ramos e Marina Kohlsdorf, todos estes trabalhos que realizaram análise netnográfica de relatos online.
Referências
Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70.
Câmara, R. H. (2013). Análise de conteúdo: da teoria à prática em pesquisas sociais aplicadas às organizações. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (2), jul. – dez., 2013,179-191
Rodrigues, C. M. L., Chagas, P. C. & Corrêa, C. R. (2015). Pesquisa mediada pela internet: possibilidades de aplicação de entrevista online nas ciências da gestão. Periódico Científico: Negócios em Projeção | v.6, n.2, 2015 | ISSN: 2178-6259.
Silva, T. & Stabile, Max. (Orgs.) (2016). Monitoramento e pesquisa em mídias sociais: metodologias, aplicações e inovações. São Paulo: Uva Limão, 2016. 364p; il.
UMA ANÁLISE SOBRE A PERMANÊNCIA DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA CONJUGAL
Nathália Marques Bontempo
Marina Kohlsdorf
A definição dos gêneros entre feminino e masculino é sempre realizada dentro de um determinado contexto histórico-cultural. As possibilidades da sexualidade, ou seja, as formas de expressar os desejos e prazeres sexuais, também são sempre socialmente estabelecidas e codificadas. Sendo assim, as identidades de gênero e sexuais são compostas e definidas por relações sociais e são moldadas a partir das redes de poder de uma sociedade (Louro, 2000). A sexualidade (...) é uma invenção social, uma vez que se constitui, historicamente, a partir de múltiplos discursos sobre o sexo: discursos que regulam, que normatizam, que instauram saberes, que produzem
verdades (Louro, 2000, p. 9).
Diante desse contexto, observa-se também que os ideais de amor romântico - que também são compostos pelo conjunto de traços e modos de comportamento que conformam a identidade de uma coletividade social - afetaram muito mais as aspirações das mulheres do que dos homens, embora ambos tenham sido influenciados por eles. O amor romântico pressupõe a possibilidade de se estabelecer em uma união emocional durável e, ao mesmo tempo, pode ser considerado um compromisso com o machismo na sociedade moderna, uma vez que enquadra as mulheres em um ambiente restrito à vida doméstica e privada (Giddens, 1993).
Machado (1998) argumenta que é a partir desse acordo com os ideais machistas que são construídos diariamente relacionamentos nos quais o homem se declara em uma posição privilegiada e superior perante sua parceira feminina, acreditando na ideia de que poderá dirigir a relação íntima/conjugal apenas de acordo com suas preferências e intenções.
Entende-se assim como violência conjugal a violência contra a mulher perpetrada pelo seu parceiro no contexto de uma relação afetiva, independentemente de ser uma relação estável legal. Tal fenômeno pode ocorrer tanto no espaço doméstico quanto no espaço urbano (Ravazzola, 1997).
É estabelecida uma ideia de que o masculino representa a figura do ser ativo enquanto o feminino revela uma imagem passiva, de modo a favorecer a produção de violências do homem contra a mulher (Giffin, ١٩٩٤). Ou seja, homens e mulheres se encontram ancorados em papéis sociais de gênero de maneira que as culturas patriarcais, durante muito tempo, reforçaram as diferenças entre as figuras do masculino e feminino, posicionando os primeiros em posição hierárquica superior (Gomes & Diniz, ٢٠٠٨).
Partindo disso, o fenômeno da violência no casal se enquadra no âmbito do gênero, uma vez que são afirmadas relações de poder sustentadas por uma ideologia machista que percorre o espectro histórico sociocultural há séculos (Soares, 1999).
É importante deixar claro que isso não ocorre