Aula3 Etica

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Disciplina: Ética na Saúde

Aula 3: Avaliação de riscos e benefícios em pesquisas biomédicas

Apresentação
Nesta aula estudaremos a evolução histórica dos mecanismos e principais legislações acerca do controle de
riscos em pesquisas científicas que implicam na participação de seres humanos na área da saúde.

Conheceremos não apenas os documentos internacionais como também as diretrizes e normatizações


brasileiras a respeito destes procedimentos.

Veremos a importância dos comitês de pesquisa institucionais e em que consiste sua atuação.
Identificaremos ainda, alguns dos procedimentos éticos de avaliação de riscos e benefícios como o
Princípio da Precaução e sua aplicação no controle de riscos e eventos adversos.

Bons estudos!

Objetivos
Reconhecer o histórico sobre o controle de pesquisas envolvendo seres humanos;
Identificar os procedimentos de avaliação de riscos e benefícios nas pesquisas em seres humanos a
luz dos princípios éticos.
O trabalho do biomédico
Para iniciar esta aula, vamos conhecer o trabalho do biomédico.


O trabalho do biomédico (Fonte: Youtube)
https://youtu.be/IcH2Pz8VSos

Surgimento da pesquisa biomédica


Segunda Guerra Mundial
Como vimos na aula anterior, em consequência dos abusos criminosos promovidos por experimentações
nazistas no decorrer da Segunda Grande Guerra surgiu a Bioética, uma nova concepção ética voltada de
modo mais direto aos aspectos associados à saúde e às pesquisas científicas que envolvessem seres
humanos.
 Foto de soldados nazistas (Fonte: Everett Historical /
Shutterstock)

Julgamento de Nuremberg
Uma das consequências impostas aos criminosos nazistas ao fim da guerra foi o chamado julgamento de
Nuremberg. Mundialmente conhecido, este foi constituído por um tribunal militar internacional que efetuou
os julgamentos dos primeiros criminosos de guerra (dentre eles 20 médicos) e ocorreu entre 1945 e 1946
na cidade alemã de Nuremberg. Em função deste julgamento, foi elaborado em 1947, o chamado Código
de Nuremberg.

Objetivando eliminar futuros episódios semelhantes aos praticados pelos nazistas, o código de Nuremberg
surge como um importante marco na história da ética envolvida em pesquisas médicas.

 Julgamento de Nuremberg (Fonte: https://goo.gl/E9ztfm


<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Defendants_in_the_dock_at_the_Nuremberg_Trials
)
Em síntese, ele determinava que deveria haver consentimento prévio e voluntário de todos os sujeitos
envolvidos em pesquisas e para garantir que não haveria indução à participação, os sujeitos deveriam
receber informações sobre riscos, objetivos e procedimentos experimentais.

Determinava também que toda pesquisa deveria apresentar a possibilidade de resultados não alcançáveis
por outros procedimentos não invasivos e exigia a realização de experimentos anteriores em animais.

Esta foi a primeira legislação moderna que visou o controle sobre atuações científicas de riscos em seres
humanos.

Declaração de Helsinque
Quase vinte anos depois, em 1964, foi criado pela Associação Médica Mundial, um novo e mais elaborado
documento, conhecido pelo nome de Declaração de Helsinque. A Declaração passou no decorrer dos anos
por diversas alterações e revisões, tendo sido a última, até o momento, efetuada em 2008, na 59ª
Assembleia Médica Mundial, realizada em Seul na Coreia do Sul. A Declaração de Helsinque é considerada
o mais atual e importante documento mundial sobre a ética em pesquisas na área da saúde e tem servido
como base para quase que a totalidade de todos os procedimentos regulatórios sobre pesquisa biomédica.

 Vista de Helsinque naShutterstock)


Finlândia (Fonte: Mikhail Markovskiy /

Este documento foi dividido em três partes principais:

Princípios básicos

Nos princípios básicos a declaração procura seguir os princípios gerais da Bioética, ressaltando os
aspectos morais envolvidos nos procedimentos e experimentos científicos e na necessária
proporcionalidade entre os riscos envolvidos e os benefícios advindos destas pesquisas.

Pesquisa médica combinada com cuidados profissionais


Na parte referente à pesquisa clínica combinada com o cuidado profissional, o documento
aborda a possibilidade da aplicação de meios extraordinários de tratamento (pesquisas experimentais)
desde que previamente consentidos e que a pesquisa traga perspectiva de reversão da patologia do
próprio paciente.

Pesquisa médica combinada com cuidados profissionais

No que diz respeito à pesquisa clínica não terapêutica, a declaração de Helsinque obriga o médico
pesquisador a se responsabilizar pela saúde do paciente no qual os procedimentos experimentais são
efetuados e considera que, apesar do necessário consentimento explicito, consciente e plenamente
justificado do paciente, a responsabilidade sobre danos ou consequências é sempre do médico
pesquisador. Podendo ainda o sujeito, objeto da pesquisa, cancelar seu consentimento ou solicitar seu
encerramento a qualquer momento.

Estes princípios tratam da necessidade de serem seguidos critérios científicos aceitos pela comunidade
científica internacional e da revisão ética e científica de toda pesquisa envolvendo seres vivos.

A bioética no Brasil
O primeiro documento brasileiro a tratar das questões éticas sobre pesquisas em seres humanos foi
elaborado em 1988.

Tratava-se da Resolução nº 1 do Conselho Nacional de Saúde (CNS)


<http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_88.htm> que regulamentava o credenciamento de
centros de pesquisa e recomendava a criação de comitês de ética nas instituições de saúde (CEP’s). Estes
comitês multidisciplinares têm como função analisar as pesquisas em seres humanos nas diversas áreas de
conhecimento, bem como fomentar a discussão sobre a Bioética.

 Logo dohttps://goo.gl/PmRvvj
Conselho Nacional de Saúde (Fonte:

<http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_inicial.htm> )

Com a crescente discussão ética mundial, no entanto, a Resolução 01/88 mostrou-se ainda incipiente e
para complementá-la surgiu, oito anos após, um novo documento nacional abordando os aspectos éticos
em pesquisa. A Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Este novo documento, que é ainda hoje a legislação regulatória geral vigente neste aspecto, nasceu de um
amplo debate entre a comunidade científica e representantes da sociedade civil, e foi elaborado pelo
Ministério da Saúde com o intuito de normatizar as diretrizes de todas as pesquisas que envolvessem seres
humanos no território nacional.

Tomando por base os documentos internacionais e igualmente centrada nos princípios gerais da Bioética, a
Resolução 196/96
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/1996/res0196_10_10_1996.html> instala
ainda a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), instância colegiada, de natureza consultiva,
deliberativa, normativa, educativa e independente, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde.
 Logo do CONEP (Fonte: https://goo.gl/EhM4cX
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Logotipo_CONEP_Rep%C3%BAblica_Dominicana.jp
)

Como instância superior e reguladora dos CEP’s, a CONEP é composta por 13 membros sendo cinco
personalidades destacadas no campo da ética e saúde e oito personalidades de atuação em outras áreas.
Atualmente, qualquer pesquisa só consegue publicação nas revistas científicas nacionais ou internacionais,
após aprovação prévia dada por um comitê de ética institucional.

O objetivo maior de todos estes documentos citados é assegurar os direitos à

integridade e à preservação da dignidade dos pacientes envolvidos em pesquisas

e regulamentar os deveres e responsabilidades da comunidade científica e do

Estado, na medida em que a existência de riscos é uma característica inerente às

pesquisas em seres humanos.

 Profissional de um laboratório segurando um tubo de ensaio (Fonte: dkHDvideo / Shutterstock)

As pesquisas biomédicas
A classificação ou definição precisa do conceito de risco é sempre algo controverso e que implica em
aspectos subjetivos e muitas vezes culturais ou ideológicos.
Vejamos:


1

Antiga Resolução 01/88

Classificava os riscos de uma pesquisa em risco mínimo e risco maior que mínimo.


2

Resolução 196/96

Ao revogar a anterior, eliminou a classificação de riscos e faz uma assertiva mais geral ao determinar, em
sua parte V – RISCOS E BENEFÍCIOS, que “considera-se que toda pesquisa envolvendo seres humanos
envolve risco”.

A Resolução 196/96 complementa, ainda, definindo que os danos podem ser imediatos ou tardios e
individuais ou coletivos. Desta forma, estabelece o entendimento de risco como a possibilidade de dano
(previsto ou não) ao sujeito da pesquisa ou, indiretamente, à coletividade como consequência da mesma.

Em maior ou menor grau, estes riscos só se tornam aceitáveis quando a finalidade da pesquisa o justificar
pelos seguintes critérios básicos:


Se a pesquisa oferecer elevada possibilidade de entendimento, prevenção ou alívio do problema que afeta
o sujeito.


Se o benefício esperado for de grande importância ou se o benefício for igual ou maior que o de outra
alternativa já conhecida.

Assim, percebe-se a direta correlação estabelecida na relação de risco x benefício ao paciente ou à


sociedade.

Outro importante aspecto a ser considerado, diz respeito ao fato de que nem sempre estamos cientes de
todos os riscos envolvidos em um procedimento.

Em 1994, no livro “Ethics of scientific research” (Éticas da Pesquisa Científica), a Dr.ª Kristin Sharder-
Frechette (in José Roberto Goldim – O Princípio da Precaução) ressalta que não se pode considerar como
inexistente um risco desconhecido, ou seja, do qual não temos ainda as possíveis dimensões de sua
ocorrência. Por isso, procedimentos de análise prévia e prevenção de riscos são tão importantes em
pesquisas científicas.
 Capa do livro “Ethics of scientific research” (Fonte:
https://goo.gl/5W1eZE
<https://www.livrariacultura.com.br/p/livros/ciencias-
biologicas/filosofia-da-ciencia/ethics-of-scientific-research-
2514255?
id_link=8787&adtype=pla&id_link=8787&adtype=pla&gclid=EAIaIQobChMIp9-
i8bHE2gIVFYGRCh3GmgEQEAYYBSABEgLLCvD_BwE#> )

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD) ou simplesmente
Rio 92, como ficou mais conhecida, ocorreu na Cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1992 e dentre outros
aspectos voltados para o desenvolvimento sustentável estabeleceu um documento, chamado Agenda 21,
no qual foi formalmente retomado o antigo preceito grego conhecido como Princípio da Precaução.

 Logo da Rio 92 (Fonte: https://goo.gl/N5B5fq


<http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/rio20/a-
rio20/conferencia-rio-92-sobre-o-meio-ambiente-do-planeta-
desenvolvimento-sustentavel-dos-paises.aspx>

Seu sentido original, reporta-se ao cuidado necessário para que seja possível antecipar danos à saúde ou à
segurança das pessoas.

Retomando como um princípio do direito ambiental, este conceito, no entanto, aplica-se a qualquer forma
de análise de riscos referentes a atividades científicas e tecnológicas que envolvam a possibilidade de
danos às pessoas.

Segundo este conceito, mediante a ausência de certeza científica da inexistência de riscos de danos,
devem ser tomadas todas as medidas necessárias na prevenção de efeitos indesejáveis.
Especificamente quando falamos de intervenções clínicas ou científicas em saúde, estes efeitos
indesejáveis recebem o nome de “eventos adversos”. Segundo Renata Mahfuz Daud Gallotti:


Eventos adversos (EAs) são definidos como complicações indesejadas

decorrentes do cuidado prestado aos pacientes, não atribuídas à evolução

natural da doença de base.

(Revista da Associação Médica Brasileira, ISSN 0104-4230. Rev. Assoc. Med. Bras. vol. 50 nº. 2. São Paulo: abr. / jan.
2004.)

Estes eventos podem ou não ser decorrentes de erros ou ocorrer como consequências diretas das
intervenções sobre o sujeito. Reduzir sua ocorrência é, além da principal função da aplicação do Princípio
da Precaução, uma preocupação constante em profissionais eticamente comprometidos e uma das
atribuições básicas dos CEP’s.
Atividade
Quando pensamos em proteção e/ou prevenção de riscos em pesquisas com seres humanos, em
geral, consideramos prioritariamente os sujeitos da pesquisa, mas não podemos nos esquecer que,
em muitos casos, também os pesquisadores são expostos a riscos e precisam de proteção. Veja este
caso que ficou mundialmente famoso:

“A química Karen E. Wetterhahn, do Dartmouth College/USA, era uma pesquisadora de 48 anos que
pesquisava sobre os efeitos dos metais pesados sobre moléculas e células. Durante um experimento,
em agosto de 1996, ela acidentalmente foi exposta ao dimetilmercúrio, que é um composto incolor
extremamente tóxico, raramente utilizado. Esta substância era considerada como padrão de controle
nos testes que utilizam Ressonância Nuclear Magnética para verificar a ligação entre moléculas. A
Dra. Wetterhahn era uma pesquisadora experiente e meticulosa. Durante este experimento, uma
pequena quantidade desta substância respingou em sua luva de látex, quando transferia o material
para um equipamento de Ressonância Nuclear Magnética. Como estava utilizando equipamento de
segurança recomendado, não deu maior importância ao fato. A substância era permeável aos poros
da luva e entrou em contato com a sua pele em questão de segundos. Ela ficou doente alguns meses
após e faleceu em menos de um ano do ocorrido. Após a sua morte, seus colegas iniciaram uma série
de testes e verificaram que o dimetilmercúrio atravessa o látex das luvas descartáveis em menos de
15 segundos.“

Fonte: Zacks R. Looking for alternatives


<https://www.ufrgs.br/bioetica/wetter.htm> . Scientific
American 1997;277(3):13. Caso Wetterhahn - Proteção ao
pesquisador – Bioética – Dr. José R. Goldim 1997.

Se consideramos o Princípio da Precaução, estudado na aula, o que podemos aprender com este
lamentável episódio? Que procedimento não foi respeitado e o que deveria ter sido feito que poderia
ter evitado esta morte trágica?

Próximos Passos

Direitos fundamentais do receptor e do doador de órgãos e tecidos;


Critério e caracterização de morte;
Legislação e princípios éticos sobre o transplante de órgãos e tecidos.

Explore mais

Acesse os sites:

• Bioética <https://www.ufrgs.br/bioetica/bioetica.htm> ;

• Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP)


<http://conselho.saude.gov.br/web_comissoes/conep/index.html> .

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