Synara de Almeida Pinto - Fundos Solidários No Centro-Oeste

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CENTRO DE ESTUDOS E ASSESSORIA (CEA)

SECRETARIA NACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA


MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO E PREVIDÊNCIA SOCIAL

Brasília, 2015
Copyright © by Centro de Estudos e Assessoria (CEA), Secretaria Nacional de Economia Solidária, Ministério
do Trabalho e Emprego e Previdencia Social
Todos os direitos reservados – 1a edição

DIRETORIA EXECUTIVA Agentes de Finanças Solidárias


Alexandro da Silva Souza (MS)
Diretor Presidente
Miguelina Martinha (MT)
Ademar de Andrade Bertucci
Claudia Lima (GO)
Diretora Administrativa Daniel Roberto (GO)
Adenilce Maria de Araujo Silva Paulo Moraes (DF)
Elkin Páez (DF)
Diretor Secretário
Paulo Henrique de Morais Consultoria
Aldeia Mundo
CONSELHO FISCAL
Elaboração do texto
Edilberto Sebastião D. Campos
Synara de Almeida Pinto
José Boaventura Teixeira
Ronal Acioli Silveira Revisão de conteúdo
Marcelo Inácio de Sousa

Fotos
CEA
EQUIPE DO PROJETO

Coordenação Executiva EQUIPE CT COMUNICAÇÃO


Synara de Almeida Pinto
Direção de arte, ilustrações e diagramação
Coordenação Pedagógica Clayton Gonçalves
Simone Fonseca
Revisão dos textos
Yana Palankof

Projeto: “Apoio e Fomento às iniciativas de Fundos Solidários da Região do Centro-Oeste”


Convênio CEA/MTE/SENAES 793008/2013

Centro de Estudos e Assessoria (CEA)


SGAN | 914 | conjunto F | casa 1 | Asa Norte |Brasília-DF |CEP: 70.790-140
www.centrodeestudoseassessoria.org.br

Secretaria Nacional de Economia Solidária / Ministério do Trabalho e Emprego e Previdência Social


Esplanada dos Ministérios | bloco F | 3o andar | sala 331 | Brasília-DF | CEP: 70056-900

FICHA CATALOGRÁFICA

CENTRO DE ESTUDOS DE ASSESSORIA


Fundos solidários no Centro-Oeste: iniciativas comunitárias que fazem a diferença /
Synara de Almeida Pinto – Brasília: CEA;, 2016. – 68 p .; il.

1. Economia solidária. 2. Cartilha de mapeamento. 3. Fundos solidarios.


Sumário

APRESENTAÇÃO 4

1 INTRODUÇÃO 6
2 FINANÇAS SOLIDÁRIAS COMO TECNOLOGIA
ARTICULADORA DO PROCESSO SOCIOECONÔMICO 10

3 FUNDO ROTATIVO SOLIDÁRIO:


CICLO QUE GERA SUSTENTABILIDADE 16

4 INICIATIVAS DE FUNDOS SOLIDÁRIOS


NA REGIÃO CENTRO-OESTE 28

CONSIDERAÇÕES FINAIS 56

REFERÊNCIAS 60
Apresentação

4| FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


Faz parte da concepção da Economia Solidária, numa perspectiva da Edu-
cação Popular, não só registrar o processo de trabalho, mas inclusive devolver
aos atores e protagonistas da ação, os resultados de sua militância.
Este é o esforço desta publicação do Centro de Estudos e Assessoria de
acordo com seus recursos e possibilidades apoiados pela Secretaria Nacional
de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego – SENAES/MTE,
no período de 2015-2016.
Esta Cartilha reúne o resultado de dois mapeamentos: um referente à eco-
nomia solidária e outro ao perfil dos fundos solidários. Ambos são importantes
retratos da economia solidária na região Centro-Oeste. Trazem informações
relevantes para subsidiar as definições das políticas públicas, principalmente
no campo das finanças solidárias.
A economia solidária desenvolve as potencialidades, os fazeres e saberes
das pessoas, reinventa novos processos de trabalho e de relações de troca
fundadas na diversidade, inclusive nas adversidades. Autogestão e democra-
cia, compromisso com a comunidade local, participação ativa nos processos
de desenvolvimento sustentável territorial, regional e nacional são trilhas per-
corridas e estimuladas pelo Projeto. O trabalho educativo emancipatório foi
sempre inerente a todo o processo.
Os dados, informações e reflexões, inscritos nesta publicação, mostram o
fortalecimento da Economia Solidária na Região, contudo comparando com ou-
tras regiões, indica o quanto ainda precisa avançar. Sobretudo no que se refere
ao acesso dos grupos às políticas públicas, inclusão digital, assessoramento téc-
nico e formação, articulação em rede e participação em fóruns. O texto destaca
que comparando os dois mapeamentos, percebe-se que a atividade de finanças
solidárias, se comparada às demais, aparece pouco na Região.
O Centro de Estudos e Assessoria e sua Equipe esperam que este mosaico
sirva para fornecer uma ampla visão de todo trabalho desenvolvido e suas
conquistas. Espera-se que o registro de avanços e limitações nesta Cartilha,
sirvam de estímulo à continuidade das atividades e ao surgimento de outras
iniciativas na Região. Deseja-se ainda o fortalecimento de ações que incidam
sobre as políticas públicas rumo à consolidação da economia solidária e da
organização em redes na região Centro-Oeste.

José Boaventura Teixeira


Conselheiro Fiscal – Centro de Estudos e Assessoria

APRESENTAÇÃO | 5
1 Introdução
“[...] toda manhã se cria num ontem, através de um hoje [...].
Temos de saber o que fomos para saber o que seremos”
(Paulo Freire)

Esta cartilha é fruto das ações do projeto Apoio e Fomento às Iniciati-


vas de Fundos Solidários da Região Centro-Oeste, que faz parte do Programa
Nacional de Apoio e Fomento às Finanças Solidárias da Secretaria Nacional
de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (Senaes/MTE). A
proposta do projeto é apoiar e fomentar as iniciativas de fundos solidários da
região, de forma articulada e em redes territoriais, estaduais e regional. Objeti-
va ainda a promoção de formação, articulação e sensibilização de integrantes
de movimentos sociais, gestores públicos e população em geral a respeito da
temática das finanças solidárias no Centro-Oeste.
Dos 81 fundos solidários de autogestão comunitária e 11 organizações de
fomento, mapeados em 2011/2012, o projeto apoiou trinta iniciativas, reuni-
das em 27 municípios nos três estados da Região Centro-Oeste e no Distrito
Federal, sendo:

 SEIS no Distrito Federal e Entorno: Brasília, Santa Maria, Sobradinho, Novo


Gama, Taguatinga, Samambaia, Luziânia e Planaltina de Goiás;
 SEIS em Goiás: Anápolis, Campinaçu, Flores de Goiás, Goiânia, Iaciara e Na-
zário;
 DEZ em Mato Grosso: Barra do Bugres, Chapada dos Guimarães, Cuiabá,
Jangada, Juína, Nossa Senhora de Livramento, Tangará da Serra e Rondo-
nópolis; e
 OITO em Mato Grosso do Sul: Anastácio, Campo Grande, Dourados, Mara-
caju e Nioaque.

INTRODUÇÃO | 7
Os fundos solidários são um dos tipos de iniciativas coletivas em finanças
solidárias (segmento da economia solidária) espalhadas por todo o Brasil. Essas
iniciativas têm praticado em seu dia a dia os princípios que garantem o desen-
volvimento territorial socioeconômico sustentável, pautado na autogestão, na
cooperação, na democracia, na solidariedade e no respeito ao meio ambiente.
As comunidades que desenvolvem experiências de fundos solidários rea-
lizam um processo de gestão coletiva de recursos (monetários ou não) volta-
dos para a sustentabilidade local e territorial e para a mobilização social. Os
fundos solidários têm sido um potencial transformador da realidade local, pois
são espaços e instrumentos de resistência, protagonismo e organização da
economia comunitária.
O autogerir é a ação chave desta prática. A economia solidária desenvolve
as potencialidades, os fazeres e os saberes das pessoas, reinventa novos pro-
cessos de trabalho e de relações de troca fundadas na diversidade, no associa-
tivismo solidário, no exercício da autogestão e da democracia, no compromisso
com a comunidade local, na participação ativa nos processos de desenvolvi-
mento sustentável territorial, regional e nacional. O trabalho educativo eman-
cipatório é inerente a todos esses elementos.
Apresentamos nesta publicação três principais assuntos. O primeiro traz
mais referências para a reflexão sobre finanças solidárias e fundos solidários;
finanças solidárias como um processo autogerido para que os recursos pos-
sam ser mais bem aproveitados, democratizados e cheguem onde é neces-
sário. Trazemos uma série de perguntas sobre fundos solidários, registradas
com base nas formações do projeto, mas também nas experiências de edu-
cadores da região. O segundo e o terceiro assuntos dizem respeito ao retrato
do Centro-Oeste com base em mapeamentos realizados no território nacional
entre os anos de 2010 e 2013: um deles é o Sistema Nacional de Informações
em Economia Solidária (Sies) e o outro é o mapeamento das experiências de
fundos solidários. Este último visitou 566 fundos solidários no Brasil.
Há uma grande presença de fundos solidários nos espaços rurais e urba-
nos, com iniciativas da agricultura familiar e camponesa e de empreendimen-
tos econômicos solidários. Os fundos atendem principalmente à população
de baixa renda e aos segmentos mais vulneráveis, com expressiva presença
das comunidades quilombolas, assentados da reforma agrária, catadores de
materiais recicláveis, indígenas, mulheres, jovens, ribeirinhos, faxinalenses e
comunidades tradicionais.

8| FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


Esperamos que este mosaico sirva para fornecer uma ampla visão do
ponto aonde já chegamos. A partir dele temos a possibilidade de desenvol-
ver ações que incidam sobre as políticas públicas no rumo da consolidação da
economia solidária e da organização em redes. Os dados mostram o quanto
já foi construído no Centro-Oeste, mas também (em comparação com outras
regiões) o quanto é preciso avançar! Não restam dúvidas de que as finanças
solidárias e, em particular, os fundos solidários são ferramentas primordiais
que precisam estar integradas a outros processos de formação, produção, co-
mercialização e incubação, entre outros diversos.

INTRODUÇÃO | 9
2 Finanças
solidárias como
instrumento
articulador
do processo
socioeconômico

10 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


No campo da economia as finanças são o eixo dedicado à gestão dos re-
cursos – geralmente monetários. No geral, o termo diz respeito tanto às insti-
tuições e aos mercados, quanto à maneira de gerir e também aos instrumen-
tos envolvidos na transferência de recursos entre pessoas, empresas e órgãos
públicos. É parte importante do nosso cotidiano.
As finanças estão presentes na vida em sociedade, seja para o indivíduo
ou sua família (finanças pessoais), seja para as empresas e os empreendi-
mentos (finanças privadas), seja para o governo e suas instituições (finanças
públicas). A boa gestão financeira é um dos fatores mais básicos para o de-
senvolvimento de qualquer ação nas esferas citadas anteriormente, garantin-
do que os recursos necessários não irão faltar, por exemplo, na produção, na
comercialização e no consumo.
Na economia capitalista, o principal eixo é a rentabilidade, ou o retorno
em cima do capital investido na produção de alguma coisa em forma de lucro.
Quanto maior a rentabilidade, maior o grau de sucesso de um empreendimen-
to. Assim, a economia é dividida entre grandes (aqueles que movimentam
uma quantidade imensa de capital) e pequenos (aqueles que movimentam
volumes bem menores). Na maioria das relações comerciais capitalistas, a
máxima rentabilidade vem com a escala, e por isso as empresas cruzam fron-
teiras para alcançar cada vez mais mercados no planeta. São elas as primeiras

FINANÇAS SOLIDÁRIAS COMO INSTRUMENTO ARTICULADOR DO PROCESSO SOCIOECONÔMICO | 11


na lista dos negócios com maior garantia de lucro, fato que atrai investimen-
tos de toda a economia (bancos, governos, empregados e consumidores). No
centro de todo esse processo está o dinheiro.
O modo capitalista de operar exclui uma ampla parcela da população que
não “dá lucro”. Sem condições de oferecer essa garantia, os pequenos produto-
res amargam a falta de recursos disponíveis para investimento produtivo. Na
visão capitalista do mundo, desenvolvimento é igual a “crescimento” constan-
te, e só é recomendável investir em empresas que partilhem da mesma visão.
No campo, o crédito rural vai para quem planta monocultura e usa transgênico
e veneno, porque é preciso garantir aumento constante da safra ano a ano.
Na cidade, o crédito vai para as indústrias de automóveis, eletrodomésticos e
as grandes construtoras, porque são as campeãs na geração de empregos e
registram movimentação de milhões em dinheiro. Se elas não oferecem risco
ao “crescimento”, o juro é mais baixo, o prazo para pagar é maior e a isenção
nos impostos é negociável, caso contrário, volte amanhã.
Na visão solidária do mundo, o desenvolvimento que importa é o do ser
humano. Interessados em trabalhar e viver com dignidade – em vez de morrer
de trabalhar –, as pessoas que escolheram produzir coletivamente e de ma-
neira sustentável precisaram desenvolver tecnologias específicas para gerir
seus recursos (monetários ou não). Aqui, boa gestão diz respeito à forma par-
ticipativa com a qual se decide como o recurso irá fluir para que haja acesso
democrático ao crédito e o resultado do trabalho seja o bem viver de todos.
Daí a importância de os trabalhadores se dedicarem à pauta da economia so-
lidária.
A soberania do trabalho associado e dos grupos produtivos comunitários
sobre suas próprias finanças promove a emancipação humana e a continuida-
de da vida. Os recursos materiais são para o trabalho produtivo, a comerciali-
zação e o consumo local, mas também, e sobretudo, para a reprodução da vida,
envolvendo o cuidado entre as pessoas e com o meio ambiente.
Porém, é importante não confundir “finanças solidárias” com “financia-
mento” da economia solidária. O financiamento diz respeito à garantia e ao
acesso a recursos para a execução de uma ação. Por exemplo: como a econo-
mia solidária é uma política pública, o financiamento público deve ser garanti-
do para, entre outras coisas, fomento à produção, aquisição de equipamentos
e infraestrutura, formação e assessoria técnica. Quando o acesso é assegu-
rado, esse recurso chega às mãos dos empreendimentos, mas não necessa-

12 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


riamente faz girar o ciclo das finanças solidárias do empreendimento, rede
ou organização comunitária (com investimento, produção, comercialização,
consumo e reinvestimento).
Ressalta-se que o ideal é que ambos os modos venham a se complemen-
tar, isto é, que o financiamento público cada vez mais chegue a partir das ini-
ciativas de finanças solidárias, quando se trata de economia solidária, uma vez
que tais inciativas chegam com mais eficiência e menos custos, onde a rede
bancária oficial não alcança. Aos moldes do que a Cooperação Internacional, no
passado vinha praticando com os chamados “Fundos Delegados de Fomento”.
As organizações de fomento eram delegadas pelas organizações internacio-
nais para fazer a gestão dos recursos junto às comunidades - definição de
critério, orientação a projetos, aprovação e acompanhamentos. Isso ocorreu
também aqui na gestão pública brasileira com o “Programa de apoio a projetos
produtivos solidários – PAPPS”, gestado pelo BNB, Ministério de Desenvolvi-
mento Social, SENAES e organizações da sociedade civil nos anos 2000.
Para fazer o ciclo das finanças solidárias girar, é preciso pensar e decidir
(coletivamente) sobre o impacto do recurso (do investimento) em todas as

FINANÇAS SOLIDÁRIAS COMO INSTRUMENTO ARTICULADOR DO PROCESSO SOCIOECONÔMICO | 13


etapas do processo econômico. Realizar a auto-gestão financeira como pers-
pectiva de autonomia da comunidade. Os trabalhadores precisam ter clareza
de que aquele recurso para a compra de um trator, por exemplo, tem impacto
sobre a produção, a comercialização, o consumo e o capital, que deverá ser
investido novamente ao final do ciclo. Se não for assim, o ciclo não se fecha,
mesmo que cada pessoa do empreendimento consiga (individualmente) reti-
rar um pouco mais de dinheiro na escala da comercialização. A comunidade é,
ao mesmo tempo, gestora e beneficiária. A gestão solidária está ligada à visão
de desenvolvimento local, comunitária e territorial. Quando a minha comuni-
dade se desenvolve, cada ser humano se desenvolve também.
É importante também não confundir as finanças solidárias com os fundos,
os clubes de trocas, as cooperativas de crédito e os bancos de desenvolvimen-
to comunitário. Cada um deles é uma forma diferente de organização e gestão
de finanças. A origem das cooperativas de crédito e dos bancos comunitários é
semelhante à dos fundos solidários, mas aqueles reúnem serviços bancários,
com linhas variadas de crédito a juros abaixo do mercado capitalista, além de
seguros, consórcios, correspondência bancária para pagamento de contas e

14 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


repasse de recursos dos programas governamentais (Bolsa Família e Pronaf,
por exemplo). Os bancos comunitários ainda podem operar com moedas so-
ciais – e nisso eles se assemelham aos clubes de troca. Como o próprio nome
diz, os clubes são experiências nas quais as pessoas se juntam para realizar
trocas solidárias de produtos, serviços e saberes entre si, utilizando ou não a
moeda social.
Os fundos solidários, por sua vez, estão estritamente ligados à peculiari-
dade de serem (essencialmente) uma estratégia de autogestão comunitária
de recursos para um determinado fim. Nessa fórmula, muita coisa é possível,
porque os recursos podem ser de natureza extremamente diversa. O recurso
pode ser, por exemplo, monetário: o empreendimento ou grupo produtivo pre-
cisa de dinheiro para investir na compra de mais matéria-prima e aumentar a
produção; então os trabalhadores se organizam para captar esse recurso por
meio de poupança, crédito ou doação, investem o dinheiro e fazem o ciclo das
finanças girar. Daí também o nome de fundos rotativos solidários, porque o
dinheiro segue um ciclo que retorna para ser emprestado novamente.
Mas o recurso pode ser também uma cisterna, sementes crioulas, nas-
centes, animais, saberes ou serviços. A gestão solidária desses recursos irá
implicar diretamente a garantia da irrigação para a agricultura, a diversidade
agroecológica, a troca de saberes e serviços sem o uso de dinheiro. Por isso, os
fundos solidários não são um fim em si mesmo: eles são uma forma autôno-
ma e sustentável de convivência com a escassez com base na boa gestão dos
recursos disponíveis.
Para a Senaes/MTE, os fundos rotativos solidários são estruturas man-
tidas tanto por organizações da sociedade civil quanto por grupos produtivos
comunitários, destinados ao apoio de projetos de produção de bens e serviços.
Por meio dos fundos rotativos solidários, investem-se recursos na comunida-
de por meio de empréstimos com prazos e reembolsos mais flexíveis e mais
adaptados às condições socioeconômicas das famílias empobrecidas benefi-
ciadas nos projetos. Com isso o financiamento é mais barato e mais acessível
para as iniciativas apoiadas, favorecendo o acesso mais democrático e solidá-
rio ao crédito e estimulando o desenvolvimento local.

FINANÇAS SOLIDÁRIAS COMO INSTRUMENTO ARTICULADOR DO PROCESSO SOCIOECONÔMICO | 15


3 Fundo rotativo
solidário:
ciclo que gera
sustentabilidade

16 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


Agora ficou fácil entender que o fundo rotativo solidário é uma maneira de
trabalhar com os recursos na forma de um ciclo, com seu início (investimento),
meio (produção, comercialização e consumo) e retorno para reinvestimento no
processo. É exatamente isso: o ciclo não tem fim! Ele deve se iniciar e retornar
para o fundo, garantindo a continuação permanente do trabalho. Sob esse
ponto de vista, o fundo tem um papel pedagógico na relação que desenvol-
vemos com os recursos, fundamental tanto para a gestão dos empreendi-
mentos e suas redes quanto para o próprio território onde a comunidade está
inserida. Mas olhar para a autogestão comunitária de recursos tem alguns
pressupostos:

1) O recurso que vem de fora (por meio de linhas de fomento, crédito ou doa-
ção), muitas vezes via projetos, precisa ser incluído no ciclo e seguir o fluxo
inteiro. Este ciclo de produção, comercialização e consumo também precisa
reservar uma parcela do recurso para a MULTIPLICAÇÃO, sem isso vai faltar
recurso alimentar ao próprio fundo rotativo solidário.
2) Uma comunidade pode até (aparentemente) não ter “muito dinheiro” circu-
lando; mas, observando com mais cuidado, é possível perceber outros tipos
de recursos em ABUNDÂNCIA que, se forem trabalhados coletivamente,
podem ser mobilizados em regime de mutirão.
3) A autogestão coletiva das finanças solidárias exige também clareza nas
ações e transparência como condições básicas. É com essa prática que
os laços de confiança vão sendo tecidos para que o trabalho coletivo seja
sempre voltado ao bem viver e fortaleça a COMUNHÃO entre as pessoas.
4) O propósito da construção de um fundo rotativo solidário é a AUTONOMIA
da comunidade para decidir sobre o desenvolvimento local, sustentável e
solidário.
5) O fundo começa a operar quando algum recurso disponível precisa ser ge-
rido. Mas ele não nasce a partir do dinheiro. O que faz nascer um fundo é a
reunião das pessoas em torno da construção de uma estratégia para gerir
seu próprio trabalho. Reunir investimentos para o fundo é um passo no
caminho da garantia da SUSTENTABILIDADE do ponto de vista econômico.

FUNDO ROTATIVO SOLIDÁRIO: CICLO QUE GERA SUSTENTABILIDADE | 17


FUNDOS SOLIDÁRIOS (QUADRO)

 SÃO GERENCIADOS pelos próprios SÓCIOS – muitas vezes com apoio de


uma entidade de apoio, sem fins lucrativos. Existem para ajudar, e não
para lucrar.
 A CONTRIBUIÇÃO e a PARTICIPAÇÃO SÃO VOLUNTÁRIAS. A não adesão
ou pagamento pode levar a pessoa a ser excluída do grupo, mas não tem
como consequência o confisco de bens ou a denúncia da pessoa nos ser-
viços de proteção ao crédito (SPC ou Serasa).
 NÃO SÃO uma ENTIDADE JURÍDICA (não tem CNPJ) e funcionam sem in-
termediação de um banco ou outra instituição financeira.
 A TRANSPARÊNCIA fortalece o laço de CONFIANÇA entre os participantes.
 REGISTROS são importantes para o dia a dia: ATA de reunião; movimen-
tação de CAIXA e SISTEMATIZAÇÃO da experiência (o registro da história
do grupo).
 É uma prática que ENVOLVE, além do repasse de recursos, a organização
coletiva e a participação nas decisões sobre o funcionamento do fundo,
com formação e capacitação para os associados e os gestores do fundo.

18 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


É IMPORTANTE SABER QUE: (QUADRO)

Fundos Rotativos Solidários (FRS)


São formas de AUTOFINANCIAMENTO COMUNITÁRIO capazes de garantir
a vivência da autogestão e do desenvolvimento local. A comunidade ou os
empreendimentos fazem a gestão de uma POUPANÇA coletiva. Os recursos
são mobilizados (captados) pelos próprios membros (sócios ou contribuin-
tes). Os recursos são DEVOLUTIVOS. Essa poupança pode reunir RECURSOS
de diversas naturezas: MONETÁRIA (dinheiro) e NÃO MONETÁRIA (sementes,
animais, mão de obra, nascentes, ou saberes, por exemplo).

Fundos Solidários de Fomento


São fundos que operam com recursos NÃO DEVOLUTIVOS, ou PARCIAL-
MENTE DEVOLUTIVOS, ou seja, não é preciso devolver para quem o forneceu
ou é devolvido em parte. O recurso empregado é repassado para fomentar
projetos produtivos, comunitários e/ou sociais e até mesmo as finanças so-
lidárias. No geral, são gestados por entidades de apoio e fomento, mas tam-
bém podem ser gestados por redes de organizações comunitárias que traba-
lham igualmente com Fundos Rotativos Solidários. Existem experiências no
Brasil de redes solidárias que fomentam novos fundos rotativos solidários.

Perguntas sobre Fundo Rotativo Solidário


A pergunta tem um papel importante no aprendizado. Ela, juntamente
com a curiosidade, produz o conhecimento. Infelizmente, é comum na cultu-
ra autoritária, na qual muitos de nós fomos educados, ver a pergunta como
sinônimo de “atrevimento”, “afronta”, “incoveniência” ou mesmo “burrice”,
abafando a curiosidade que temos naturalmente desde criança.
Nós, muito pelo contrário, acreditamos que essa é uma das condições
para que as pessoas nas comunidades criem soluções para suas dificuldades,
aperfeiçoem suas práticas e adquiram autoconhecimento, necessário para
promover seu desenvolvimento.

FUNDO ROTATIVO SOLIDÁRIO: CICLO QUE GERA SUSTENTABILIDADE | 19


Se as pessoas, as comunidades, os municípios não fazem perguntas
sobre sua história, sobre as causas da sua pobreza, sobre as alternati-
vas que podem construir, se não apresentam curiosidade sobre essas
coisas, é porque estão muito mal. Dificilmente se desenvolverão. Vi-
verão sempre à mercê das curiosidades alheias. Não descobrirão nem
seus recursos, nem seus limites (MOURA, 1998).

A pergunta muitas vezes coloca a atenção de quem a recebe em algo sobre


o que não havia pensado anteriormente. Nesse sentido, promove aprendizado
de “mão dupla”. Os intercâmbios são exemplos de momentos de aprendizados
únicos, ricos de perguntas; neles, um grupo recebe outros para apresentar sua
experiência. É o momento no qual se pode perguntar à vontade, observar a
prática, comparar as vivências, exercitar bastante a curiosidade.
Dessa forma, buscamos perguntas sobre o trabalho com fundos solidá-
rios com os quais nos fomos deparando nos grupos. São dúvidas selecionadas
nos momentos formativos realizados tanto pelo projeto quanto pelas edu-
cadoras de economia solidária de Mato Grosso: Miguelina Martinha e Dalva
Nascimento. Não temos a pretensão de apresentar respostas únicas, mesmo
porque o fundo solidário, como metodologia, é a base do que cada comunidade
cria, descobre e experimenta em termos de soluções, de acordo com sua reali-
dade. Assim, as respostas aqui dadas são possibilidades de caminho, propõem
a reflexão de como isso se aplica à própria realidade e do que o grupo considera
justo ou não.

1) Para começar um fundo solidário, de onde vem o recurso?


RESPOSTA – O recurso para o fundo solidário pode vir do investimento
do próprio grupo com a realização de eventos, bazares, bingos, ou mesmo da
comercialização de produtos doados para o fundo. Diversas estratégias po-
dem ser pensadas: existem fundos, por exemplo, formados pela devolução
voluntária de recursos (dinheiro, sementes, animais, materiais de construção)
que vieram por intermédio de projetos que beneficiam um número limitado
de empreendimentos ou pessoas; nesse caso, os beneficiados reconhecem
a estratégia de devolução voluntária como forma de multiplicar o benefício
recebido para outros participantes. Existem empreendimentos que já fazem a

20 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


previsão dessa devolução para o fundo solidário ainda na elaboração do pro-
jeto de captação de recursos como forma de garantir a sustentabilidade do
grupo. Outra possibilidade é a doação de recursos de um parceiro especifi-
camente para a formação do fundo; nesse caso, a orientação é que mesmo
com esse recurso de doação inicial os participantes façam também um in-
vestimento para a formação do fundo, independentemente do valor. Isso é
importante para os participantes estabelecerem um vínculo e o compromisso
com o fundo.

2) Como formalizar um fundo solidário? Como se faz para o FRS


ser jurídico? Tem de ser uma associação?
RESPOSTA – É importante esclarecer que o fundo solidário por si só não é
uma entidade jurídica, não é uma instituição financeira1. O fundo está no cam-
po da autonomia privada e pode até acontecer de o dinheiro ser guardado por
um dos associados da confiança do grupo. Neste caso é bom ficar atento se o
volume de recurso não implicará em ônus no imposto de renda do associado.
No geral, o grupo faz a opção de guardar o dinheiro em uma conta de uma as-
sociação para dar maior segurança aos participantes contra qualquer fato in-
feliz. Há situações onde uma organização de apoio e fomento ”empresta” uma
conta bancária para a gestão do fundo, enquanto o grupo não se formaliza.
Vale a pena conhecer experiências formalizadas, como a do Conselho Ges-
tor do Fundo Rotativo (COGEFUR) criado na Bahia, onde o objetivo do grupo é,
diretamente, a captação e gestão de recursos em um fundo.
Vale ressaltar que a formalização é uma opção válida para aqueles em-
preendimentos que têm interesse de captar recursos por meio do acesso a
editais.
O mais importante é que haja um “acordo de convivência”. Mínimas regras,
para que o grupo se identifique e se comprometa. Então, o mais simples e
necessário é: um regimento assumido e construído pelo grupo.

1
O artigo 17 da Lei no 4.495/1964 diz que instituições financeiras são personalidades jurídicas, pú-
blicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou
aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a
custódia de valores de terceiros.

FUNDO ROTATIVO SOLIDÁRIO: CICLO QUE GERA SUSTENTABILIDADE | 21


3) Se o fundo rotativo solidário terminar, o que fazer com o
dinheiro que há no caixa?
RESPOSTA – Por “término do fundo” entendemos que, na verdade, a inten-
ção é tratar do “término do próprio grupo”. Essa é uma situação que poderá ser
debatida pelo grupo no momento da construção do seu regimento interno. Se
assim não for, ainda é o grupo que poderá decidir o que fazer. Há regimentos
que preveem que o recurso poderá ser repassado a um fundo de fomento
parceiro para apoiar outros empreendimentos. Existem casos em que, por se
tratar de uma poupança coletiva formada pelos participantes, entende-se ser
justo que o recurso seja dividido entre estes de acordo com sua contribuição.

4) Quando não há dinheiro no fundo solidário, quer dizer que ele


não existe?
RESPOSTA – É a formação do grupo que se organiza para criar uma gestão
coletiva de recursos que define se o fundo solidário existe ou não. O fundo
solidário são as pessoas e a metodologia estratégica que estas resolvem usar,
e não o recurso em si a ser movimentado. Para nascer um fundo solidário é
preciso a reunião do grupo que decide por constituí-lo. A partir daí o grupo vai
em busca do recurso que precisa.
O fundo trabalha com recursos monetários ou não. Pode haver dinheiro,
mas ele pode trabalhar também com sementes, animais, serviços, saberes,
ou seja, infinitas possibilidades. Há momentos em que o caixa do fundo pode
ficar, aparentemente, com pouco dinheiro; mas isso porque ele pode estar
emprestado aos seus participantes (contando o tempo de carência para de-
volução) ou pode estar aplicado em alguma das etapas do processo produtivo
(produção, comercialização ou consumo).
Uma boa prática de gestão, é sempre deixar em caixa um valor de reser-
va. Por exemplo, os Fundos Solidários Uirapuru e Rede UVA no Mato Grosso,
fazem empréstimo com até 70% do valor disponível o restante fica como re-
serva.

22 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


5) Quando a pessoa está no grupo, ela contribui para o fundo;
quando ela sai quer levar a parte dela, como fica esta relação?
RESPOSTA – Vai depender das regras combinadas entre as pessoas do
grupo (e que precisam estar previstas no regimento interno). A pessoa con-
tribui para o fundo solidário primeiro para que este tenha sustentabilidade e
possa ter recurso disponível para suas necessidades. Ele é, no geral, formado
tanto por mensalidades dos sócios quanto por outras estratégias de capta-
ção. Nessa lógica de mensalidade, pode-se fazer a opção da não devolução do
recurso do fundo.
Há ainda a possibilidade de previsão de devolução de recurso na porcen-
tagem do que foi investido, como no caso dos Grupos de Auto Poupança e
Empréstimo Solidário – Gapes, que trabalha com ciclos e já prevê essa dinâ-
mica de funcionamento. A ideia do recurso não pode ficar ligada somente à
poupança ou ao “investimento do dinheiro”, porque se for assim as pessoas
vão acabar dizendo: “Eu coloquei mil reais no fundo; agora quero de volta mil e

FUNDO ROTATIVO SOLIDÁRIO: CICLO QUE GERA SUSTENTABILIDADE | 23


cem, com os juros”. As pessoas que se reúnem para criar um fundo solidário
devem estar informadas desde o início do propósito deste e compreender que
existem outros valores, custos e riscos envolvidos em um empreendimento
econômico solidário. Ele não existe para gerar lucro (rentabilidades) a inves-
tidores, existe para apoiar os participantes no desenvolvimento de iniciativas
produtivas sustentáveis, para o bem viver de todos.
Outro aspecto a ser ressaltado é que todo projeto que o fundo irá financiar
precisa envolver um começo, um meio e um retorno. Mas as pessoas podem
chegar no meio do projeto e não estar entendendo mais nada, acharem muito
complicado e pedirem o recurso de volta! Bom exemplo para reforçar a impor-
tância de agir com clareza e transparência em todos os projetos. Se o processo
foi construído com uma boa relação de confiança, não tem por que desfazer os
acordos no meio do caminho. Com clareza, o grupo inteiro poderá ter a certeza
de como e quando o recurso irá voltar.

6) O que pode ser financiado por esse fundo?


RESPOSTA – O dinheiro pode ajudar naquilo que for necessário às pessoas
do grupo: exames médicos, aparelho para tratamento de água, apoio à produ-
ção, à comercialização, compra de matéria-prima. Na Rede Unidos Vivendo em
Ação (UVA), de Mato Grosso, houve o caso de uma das associações, por exem-
plo, precisar de R$ 300,00 para pagar um documento no banco e depois fazer
um contrato com a Prefeitura Municipal. Com o documento ela conseguiu ser
contratada, e isso os ajudou a pagar o recurso solicitado no empréstimo.

7) Quais registros são importantes?


RESPOSTA – Os registros mais importantes no dia a dia do grupo são as
ATAS de reunião (com lista de presença), a movimentação de CAIXA e a SIS-
TEMATIZAÇÃO da experiência (que conta a história do grupo). Esses registros
podem ser feitos em cadernos próprios ou mesmo no computador.

24 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


8) Como definir os critérios para emprestar o recurso para as
pessoas? Como decidir quem tem acesso?
RESPOSTA – Alguns fundos solidários priorizam no seu regimento o em-
préstimo para projetos produtivos, dessa forma fica mais clara a capacidade de
devolução do recurso. As demandas são apresentadas nas reuniões do conse-
lho gestor do fundo, ou verbalmente ou por meio de um pequeno projeto (carta
proposta) para fins de registro e controle. Outros fundos estabelecem um rodí-
zio de empréstimos entre seus membros, seguindo uma sequência na qual, se
for o caso, a pessoa pode abrir mão da sua vez e passar para outra com neces-
sidades mais urgentes. No geral, um debate coletivo sobre o mérito e a urgência
da demanda sempre é feito, para depois autorizar (ou não) o empréstimo.

9) Existem juros no fundo solidário?


RESPOSTA – Existem fundos solidários em que os participantes combi-
nam a devolução do recurso com uma correção monetária com o intuito de
atualizar os valores do recurso emprestado. É uma forma também de garantir
a sustentabilidade para o fundo, mas isso sempre com taxas de acordo com

FUNDO ROTATIVO SOLIDÁRIO: CICLO QUE GERA SUSTENTABILIDADE | 25


a capacidade de pagamento dos participantes e com o que consideram justo.
Outra prática comum para a sustentabilidade é o pagamento de mensalida-
des com valores fixos e iguais entre todas as pessoas, independentemente
dos valores do empréstimo.

10) Fundo solidário pode ser um empreendimento econômico


solidário?
RESPOSTA – Se a atividade econômica que reúne as pessoas no grupo é a
própria ação de gerir recursos e fornecer empréstimos rotativos, sim, dizemos
que o fundo é (ele mesmo) um empreendimento econômico solidário (EES).
Mas a relação pode ser inversa e o fundo ser criado como estratégia de um
grupo produtivo – ou rede de comercialização ou de consumo, por exemplo.

11) Fundo Rotativo Solidário (FRS) é a mesma coisa de


microcrédito?
RESPOSTA – Não, ambos têm características diferentes. O microcrédito
é uma opção de empréstimo com valores pequenos direcionados ao público
de baixa renda ou de determinado ramo de negócio que, no geral, não tem
acesso ao crédito convencional. São muitas as iniciativas nesta área. No Bra-
sil, a modalidade mais utilizada é o “microcrédito produtivo orientado” (Lei
no 11.110/2005, que institui o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo
Orientado – PNMPO), que compreende o apoio a microempreendimentos eco-
nômicos por meio da figura do agente de crédito, responsável pelas visitas in
loco, pela avaliação do perfil socioeconômico do empreendimento e do em-
preendedor popular, pela análise do crédito solicitado, sua concessão (quando
aprovada) e seu acompanhamento posterior. É exatamente aqui que aparece
a principal diferença. Nos fundos rotativos solidários as pessoas beneficiadas
são também as donas e as gestoras do recurso. São elas também que esta-
belecem formas de retorno, carências e avaliam a concessão do crédito. Há
uma opção por financiar pessoas em processos coletivos, mesmo quando o
financiamento é pessoal.

26 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


FUNDO ROTATIVO SOLIDÁRIO: CICLO QUE GERA SUSTENTABILIDADE | 27
4 Iniciativas de
fundos solidários
na Região
Centro-Oeste

28 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


O contexto da Região Centro-Oeste
Para o modelo capitalista, a Região Centro-Oeste é considerada desen-
volvida economicamente em razão da produção agropecuária, destacando-se
na produção de soja, milho, arroz, feijão, sorgo, algodão e tomate, bem como
na expressiva criação de animais, especialmente bovinos de corte e leite, além
de hortigranjeiros. Devido ao avanço dessas produções, os biomas desta re-
gião – Amazônia, Cerrado e Pantanal – encontram-se em situação crítica, com
seus solos e águas contaminados devido à agressiva utilização de defensivos
químicos e agrotóxicos.
O ecossistema da região é marcado ainda pela diversidade sociocultural, eco-
nômica e demográfica, com grandes diferenças entre os três estados e o Distrito
Federal. O aumento da população e a construção de estradas e ferrovias foram
intensos. Hoje, a taxa de urbanização da região é de 81,3%, sendo a segunda maior
região brasileira em território. Tem uma área de 1.606.371.505 km², uma popula-
ção de 14.058.098 habitantes e 467 municípios (IBGE, 2010). É uma região pouco
povoada, com uma densidade demográfica de 8,26 hab./km². Goiás é o estado
mais populoso, com maior quantidade de municípios, seguido de Mato Grosso e
de Mato Grosso do Sul. Apesar da grande diferença em relação à extensão, o Dis-
trito Federal possui número de habitantes próximo ao do Estado de Mato Grosso
do Sul. No quadro a seguir apresentamos o perfil da região por UF.

Area: 1.606.371.505 Km²


População: 14.058.098 habitantes
Municípios: 467
Fonte: IBEGE 2010

INICIATIVAS DE FUNDOS SOLIDÁRIOS NA REGIÃO CENTRO-OESTE | 29


Informações MS MT GO DF Centro-Oeste

CAMPO
CAPITAL CUIABÁ GOIÂNIA BRASÍLIA
GRANDE

População (2010) 2.449.024 hab. 3035122 hab. 6.003.788 hab. 2.570.160 hab. 14058098 hab.

1 (dividido em
Municípios 79 141 246 31 regiões 467
administrativas)

357.145,534 903.198,091 340.110,385 5.779,999 1.606.371.505


Área (2015)
km² km² km² km² km2

Pantanal, Cerrado,
Pantanal
Bioma presente Cerrado e Cerrado Cerrado Pantanal e
Cerrado
Amazônia Amazônia

Fonte: IBGE

De acordo com o Ibama, o Cerrado é o segundo colocado na lista dos bio-


mas cuja biodiversidade está ameaçada de extinção, perdendo apenas para a
Mata Atlântica. Segundo a Rede Cerrado, 57% dos seus 204 milhões de hec-
tares já foram completamente destruídos, e metade do bioma remanescente
está descaracterizada pela ação humana. Ele é reconhecido como a savana
mais rica do mundo, abrigando 11.627 espécies de plantas nativas já cataloga-
das, sendo 330 de uso da medicina popular. Apresenta somente 8,21% de seu
território legalmente protegido por unidades de conservação. Pelo menos 137
espécies de animais que ocorrem no Cerrado estão ameaçadas de extinção.
Carrega vários títulos, dentre eles o de “celeiro do mundo”, por causa da pro-
dução de grãos para exportação, mas também outro de grande importância:
“berço das águas do Brasil”. Suas 19.864 nascentes (23% das nascentes do
país) são responsáveis por abastecer 1.500 cidades de 11 estados brasilei-
ros (REDE CERRADO). Suas águas são responsáveis pela geração de energia
usada por nove a cada dez brasileiros. As maiores agressões a esse bioma
iniciaram-se na década de 60 do século passado, com a construção de Brasília
e o “desenvolvimento” da Região Centro-Oeste.
É um bioma caracterizado também pela presença de comunidades extra-
tivistas, indígenas, quilombolas e de pequenos produtores agroextrativistas,
dentre tantas outras que vêm conservando, de forma efetiva, grande áreas
naturais por gerações porque estabeleceram uma relação de harmonia com o
local onde vivem. Destaca-se a grande presença dos povos indígenas.

30 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


Segundo a Funai,2 o Centro-Oeste é a terceira região do país com maior
concentração de indígenas, sendo que Mato Grosso do Sul reúne 56% da quan-
tidade total. É onde também esses povos vêm resistindo contra a invasão de
suas terras por fazendeiros desde a época da colonização (século 19), sendo
um dos casos atuais mais emblemáticos o massacre dos Guarani Kaiowás.
Ao mesmo tempo em que existem práticas de degradação do meio am-
biente e da vida, existe a resistência do povo, das comunidades originárias,
que, em sintonia com o ambiente por inteiro, vão cuidando uns dos outros nas
suas mais diversas expressões. É preciso perceber e valorizar a pequena pro-
dução familiar e o extrativismo como aliados da conservação e as populações
do Cerrado como seus verdadeiros protetores. Privilegiar um novo modelo de
desenvolvimento e de organização da sociedade que transforme os esforços
locais e regionais em benefício da comunidade é o desafio dos movimentos
e das organizações que valorizam o Cerrado como espaço de (con)vivência,
preservação, lutas e resistência.

Dados da economia solidária no Centro-Oeste


Apresentamos a seguir os dados do último mapeamento realizado no país
entre os anos de 2009 e 2013. Atualmente, o Sistema de Informações em Eco-
nomia Solidária (Sies) foi substituído pelo Cadastro Nacional de Empreendi-
mentos Econômicos Solidários (Cadsol). Trata-se de uma plataforma on line
na qual os empreendimentos econômicos solidários (EES) fazem a sua auto-
declaração. Com um formulário mais enxuto, uma comissão do estado valida
as informações e coloca para consulta pública o pedido. O Cadsol é um instru-
mento da política pública que tem por objetivo dar reconhecimento público
aos EES, favorecer a visibilidade da economia solidária, apoiar a articulação
em rede e os arranjos produtivos, substituir a base nacional de dados, além de
subsidiar a formulação de políticas públicas e de um marco jurídico adequado.

2 Fundação Nacional do Índio (funai.gov.br).

INICIATIVAS DE FUNDOS SOLIDÁRIOS NA REGIÃO CENTRO-OESTE | 31


O Cadsol é conquista e é direito dos EES. Você
pode consultar se o seu EES já está na base de
dados ou fazer sua autodeclaração no:
www.cadsol.mte.gov.br

Dos dados do Sies da amostra finalizada em 2013 foram validados no


Brasil os questionários de 19.708 empreendimentos econômicos solidários.
Destes, 10% estão concentrados no Centro-Oeste – foram 786 EES revisitados,
sendo 1.235 visitas a grupos que não participaram da pesquisa no primeiro
momento (2007).

Distribuição entre EES no Centro-Oeste

UF 2007 2013

DF 386 246
GO 737 843
MT 340 638
MS 747 294
Total 2.210 2.021
Fonte: Sies (2013)

Grande parte desses grupos está na área rural, conforme quadro


a seguir:

Área de atuação Rural Urbana Misto Total


Distrito Federal 45 197 4 246
Goiás 545 115 183 843
Mato Grosso 406 163 69 638
Mato Grosso do Sul 86 195 13 294
Centro-Oeste 1.082 (54%) 670 (33%) 269 (13%) 2.021

Fonte: Sies 2013 – Área de atuação do EES

32 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


A formalização como associação é uma das principais opções para os EES.
Outra opção ainda em destaque é a informalidade, por falta de uma forma
adequada de formalização que reconheça os empreendedores coletivos. O co-
operativismo deveria ser a personalidade jurídica mais adequada, porque não
tem fins lucrativos, e sim fins econômicos. Este não é visto como boa opção
devido à alta taxa de imposto cobrada das cooperativas.

Formas de organização 2007 2013

Associação 1.255 1.307 (64,7%)

Grupo informal 743 524 (25,9%)

Cooperativa 178 175 (8,7%)

Sociedade mercantil 34 15% (0,7%)

Total 2.210 2.021

Fonte: Sies 2013 – Forma de organização

Quanto à atividade econômica principal, o mapeamento demonstra que


a maior parte dos empreendimentos é de produção, e que as comunidades e
os empreendimentos da região têm pouco acesso a serviços financeiros via
finanças solidárias.

Prestação de serviços
106 (5,2%)

Poupança, crédito ou
finanças solidárias
8 (0,4%) Comercialização
279 (13,8%)

Troca
81 (4%)

Produção
1.239 (61%)

INICIATIVAS DE FUNDOS SOLIDÁRIOS NA REGIÃO CENTRO-OESTE | 33


Quanto ao perfil do público, 43,1% dos EES têm sócios com predominância
de pessoas na cor parda, conforme os quadros a seguir:
Não há
Região Branca Preta Amarela Parda Indígena Ignorado Total
predominância
Centro- 426 121 11 871 59 8 525 2.021
Oeste (21,1%) (6%) (0,5%) (43,1%) (2,9%) (0,4%) (26%)

4.158 1.543 129 8.958 194 125 4.601


Nacional 19.708
(21,1%) (7,8%) (0,7%) (45,5%) (1,0%) (0,6%) (23,3%)

Fonte: Sies 2013 – Cor ou raça predominante dos sócios dos EES

As categorias sociais mais representativas na região são agricultores fa-


miliares (47,3%), seguido por artesãos (21,2%) e assentados da reforma agrária
(14%). O quadro abaixo apresenta as categorias por estado e Distrito Federal.

DF GO MT MS Região
Agricultores familiares 34 557 294 71 956
Artesãos 130 44 118 136 428
Artistas 12 18 3 0 33
Assentados da reforma agrária 1 166 111 6 284
Catadores de material reciclável 12 13 5 4 34
Garimpeiros ou mineiros 0 0 3 1 4
Técnicos, profissionais de nível superior 0 10 2 1 13
Outros trabalhadores autônomos / por
12 17 39 29 97
conta própria
Desempregados (desocupados) 1 3 8 10 22
Não se aplica ou não há predominância 44 15 55 36 150

Fonte: Sies 2013 – Categoria dos sócios e sócias

Quanto aos dados relacionados à inclusão digital, os empreendimentos


da região precisam de políticas de democratização do acesso a tecnologias da
informação. Somente 40% dos EES da região têm acesso a computador, e 35%
têm acesso à internet. Esta poderia ser uma variável para melhorar as con-
dições de trabalho e aprendizagem dos associados. Consideram-se incluídas
digitalmente as pessoas que têm acesso a dispositivos para conexão, acesso
à rede e sabem utilizar as ferramentas.

34 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


Tem acesso a computador?

1.200
Quantidade de pessoas com acesso

1.000 Sim
Não
800
600
400
200
100
0
DF GO MT MS Região

Tem acesso à internet?

1.200
Quantidade de pessoas com acesso

1.000 Sim
Não
800
600
400
200
100
0
DF GO MT MS Região

Conforme o quadro a seguir, a grande maioria dos EES foi criada num
contexto de busca por uma fonte de renda complementar para os associados
(1.282 EES), para obtenção de maiores ganhos em um empreendimento asso-
ciativo (1.126 EES) e em terceiro lugar como alternativa ao desemprego (892
EES). Isso mostra que o contexto socioeconômico da região, no qual predomi-
na o agronegócio, não garante melhores condições de vida para a população
local.

INICIATIVAS DE FUNDOS SOLIDÁRIOS NA REGIÃO CENTRO-OESTE | 35


DF GO MT MS Região

1. Uma alternativa ao desemprego 138 387 236 131 892

2. Obtenção de maiores ganhos em um


96 695 282 53 1126
empreendimento associativo

3. Uma fonte complementar de renda para os


142 579 390 171 1282
(as) associados (as)

4. Desenvolvimento de uma atividade onde


133 405 259 78 875
todos são donos

5. Possibilidade de atuação profissional em


78 98 94 18 288
atividade econômica específica

6. Condição exigida para ter acesso a


11 256 217 6 490
financiamentos e outros apoios

7. Recuperação por trabalhadores de empresa


8 26 8 11 53
privada que faliu

8. Motivação social, filantrópica ou religiosa 94 84 79 60 317

9. Desenvolvimento comunitário de
87 229 195 49 560
capacidades e potencialidades

10. Alternativa organizativa e de qualificação 60 107 109 56 332

11. Incentivo de política pública (governo) 23 111 93 18 245

12. Organização econômica de beneficiários de


13 70 57 17 157
políticas públicas

13. Fortalecimento de grupo étnico 20 213 113 16 362

14. Produção ou comercialização de produtos


21 45 71 9 146
orgânicos ou ecológicos

15. Outro. Qual? 27 60 39 62 188

Fonte: SIES – 2013 – Motivo da criação do empreendimento

Outro dado que chama a atenção é relativo às políticas públicas da região


– 12% (245) EES têm como motivo para sua criação incentivo do poder público
e 7,8% (157) EES são organizações de beneficiários de política pública. O Soltec
fez uma análise da política pública federal da economia solidária entre os anos
2003 e 2010. O relatório aponta que o Centro-Oeste é a região que comparati-
vamente menos recebeu investimento e ações de projetos de apoio e fomen-
to, conforme a tabela a seguir.

36 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


Distribuição dos recursos investidos nos projetos por
abrangência nacional e regional (2003-2010)

Abrangência Projetos % R$ %
Nordeste 135 31,00 38.242.988,60 19,00
Sudeste 99 23,00 40.847.739,60 20,00
Sul 73 17,00 23.624.286,70 11,00
Norte 35 8,00 22.383.075,20 11,00
Centro-Oeste 26 6,00 10.898.380,70 5,00
Nacional 67 15,00 70.281.870,61 34,00
Total 435 100,00 206.278.341,41 100,00
Fonte: Pesquisa Senaes – Soltec/UFRJ, 2011

Ao serem perguntados se nos últimos 12 meses houve investimentos no


EES, 25% dos grupos da região responderam que sim. Os tipos de investimen-
tos realizados são: 1. infraestrutura física (53%); 2. aquisição de equipamentos
(52%); 3. ampliação de estoque (16%), 4. capacitação de mão de obra (12%); 5.
comunicação/divulgação (8%); outros tipos de investimentos (8%); 6. abertura
de espaços de comercialização (2%) e abertura de filiais (0,78%).
Em relação ao acesso a crédito, 78% dos grupos afirmam que nos últimos
12 meses não buscaram crédito ou financiamento. Este perfil de mais da me-
tade dos grupos não terem buscado crédito também é apresentado nos esta-
dos individualmente.

Buscou
Não buscou Buscou
crédito ou
crédito ou e obteve Total EES
financiamento
financiamento crédito
e não obteve
DF 219 13 14 246

GO 647 46 150 843

MT 467 45 126 638

MS 251 16 27 294
Região 1.584 120 317 2.021
Fonte: Sies 2013 – Se o EES teve acesso a crédito ou financiamento nos últimos 12 meses

INICIATIVAS DE FUNDOS SOLIDÁRIOS NA REGIÃO CENTRO-OESTE | 37


Quanto à necessidade de financiamento, 78% EES afirmam que necessi-
tam de investimentos. Casado ao financiamento é importante o assessora-
mento técnico. Quanto ao acesso dos EES a algum tipo de apoio, assesso-
ramento técnico ou capacitação, percebe-se uma grande demanda da região
para o desenvolvimento da economia solidária. No geral, é preciso desenvolver
vários campos, tanto políticas públicas quanto incubadoras e mesmo entida-
des de apoio e fomento.
Quantidade de apoio, assessoria ou capacitação

0 100 200 400 600 800

Assistência técnica ou gerencial

Qualificação profissional, técnica, gerencial

Formação sociopolítica (autogestão,


cooperativismo, economia solidária)

Assistência jurídica

Assessoria em marketing e na
comercialização de produtos e serviços

Diagnóstico, planejamento e análise de


viabilidade econômica

Assessoria na constituição, na
formalização ou no registro

Elaboração de projetos

Incubação

Fonte: Sies – 2013 – Se o empreendimento teve acesso a algum tipo de apoio, assessoria ou capacitação

Somente 27% desse grupo mapeado no Centro-Oeste declarou estar in-


serido em alguma rede ou fórum. Entretanto, 57% dos EES da região afirmam
participar de algum movimento popular, social ou sindical. Neste dado des-
taca-se Goiás, com 65% de envolvimento com alguma causa social, e Mato
Grosso do Sul, com 39%. Ainda em relação à região, 41% dos EES participam ou
desenvolvem alguma ação social ou comunitária.

38 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


Dados dos fundos solidários no Centro-Oeste
No mapeamento realizado pelo Projeto de Apoio às Ações e Iniciativas de
Finanças Solidárias com Base na Organização de Fundos Rotativos Solidários
na Região Centro-Oeste, realizado pelo Programa Providência de Elevação da
Renda Familiar conveniado com a Senaes/MTE, em 2011 e 2012, foram co-
letados dados nas organizações que trabalham com fundos solidários – as
entidades gestoras e as entidades de apoio e fomento.
Foi construído um banco de dados nacional que preserva informações
preciosas, como contribuição dos fundos solidários para a história da econo-
mia solidária na região e no Brasil. Hoje temos também a possibilidade de
atualizar esse mapeamento a partir da base de dados do Cadsol. Entretanto,
assim como o mapeamento dos fundos não conseguiu traduzir em dados e
números a riqueza das vivências e dos relatos dessas experiências, ele tam-
bém não dá conta dessa dimensão. Considera-se essa ferramenta importante
para o reconhecimento dessas iniciativas como sujeitos da política pública.
Vale ainda ressaltar que o mapeamento dos fundos solidários mostra
uma realidade de iniciativas maior que as alcançadas pelo mapeamento do
Sies/2013. Considera-se que o mapeamento do Sies captou apenas uma par-
te da realidade, dentre outros motivos, porque essas iniciativas, mesmo den-
tro do movimento de economia solidária, não tinham tanta visibilidade como
existe hoje a partir do apoio da política pública federal; outro motivo possível
é que sendo atividade meio, nem sempre está em evidência no grupo. Além
disto, há ainda seu caráter de iniciativa que busca dar conta de uma realidade
de dificuldade de acesso, inclusive a políticas públicas.
O mapeamento trabalhou com duas caracterizações para as organizações
que trabalham com fundos solidários:

ORGANIZAÇÕES DE APOIO
ORGANIZAÇÕES GESTORAS
E FOMENTO AOS FUNDOS SOLIDÁRIOS
DE FUNDOS SOLIDÁRIOS
São aquelas organizações
São aquelas organizações
formalizadas que fornecem subsídios,
(formais ou informais) que
sejam eles financeiros ou técnicos,
operacionalizam o fundo
para que o fundo solidário seja criado
solidário na base.
e mantido.

INICIATIVAS DE FUNDOS SOLIDÁRIOS NA REGIÃO CENTRO-OESTE | 39


Ambas as caracterizações faziam na época uma distinção clara entre fun-
dos solidários gestados pela base comunitária, também chamados de fundos
rotativos solidários, e fundos solidários gestados por organizações de apoio e
fomento. Temos atualmente experiências em curso tanto no Centro-Oeste
quanto nas demais regiões do país, experiências de redes de fundos gestados
pela comunidade que tanto operacionalizam os empréstimos com retornos
quanto fornecem subsídio técnico e financeiro sem retorno. Nestas é comum
um fundo que reúne várias associações e estas terem fundos gestados entre
os associados de cada organização da rede.

Organizações de apoio e fomento x organizações gestoras


É importante observar a superioridade numérica das organizações gesto-
ras em relação às organizações de apoio e fomento. Isso reflete a diversidade
e a capilaridade das entidades gestoras, chegando realmente às comunidades
mais diversas. Ao mesmo tempo fica o grande desafio das entidades de apoio
e fomento para apoiar e subsidiar as gestoras.

Fomento
12%

Gestoras
88%

40 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


Distribuição dos fundos solidários por organizações de apoio e
fomento por estado
É significativa a participação de MT na contagem geral da região, visto que
concentra em seu território mais de 50% das organizações de apoio e fomento.

MT
55%

GO
9%

DF
18% MS
18%

Distribuição dos recursos dos fundos solidários por organizações


de apoio e fomento por estado
Recursos repassados (R$)

MS
0,04%

MT
0,59%

DF
99,37%

INICIATIVAS DE FUNDOS SOLIDÁRIOS NA REGIÃO CENTRO-OESTE | 41


Do total dos recursos repassados pelas organizações de apoio e fomento,
o valor de R$ 35 milhões oriundo do Fundo Nacional de Solidariedade (FNS)
corresponde a 99,37% do total, restando apenas 0,63%, que é dividido entre
Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Essa é uma situação adversa e que não
favorece uma leitura da realidade do Centro-Oeste, uma vez que o FNS é uma
ação nacional, mas com sede no Distrito Federal. Ainda que não identificado o
registro de valores para o Estado de Goiás, mesmo constando uma entidade
com esse perfil e não apresentando recursos financeiros, a entidade presta
assessoria, formação e orientação aos empreendimentos de economia soli-
dária que acompanha.

Distribuição dos fundos solidários nas organizações de gestão


por estado

GO
36%

MT
32%

DF
16% MS
16%

No Estado de Goiás foram registrados 29 fundos. No entanto, 11 deles


estão nas chamadas cidades do entorno do Distrito Federal (Novo Gama, Lu-
ziânia, Valparaíso, Águas Lindas, Cidade Ocidental, Planaltina de Goiás), sendo
acompanhadas e animadas pela assessoria de entidades do Distrito Federal.
Esse registro é importante, pois podemos considerar a existência desses fun-
dos como resultado dos esforços do DF.

42 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


Distribuição dos recursos dos fundos solidários por organizações
de gestão por estado
Conforme explicitado no gráfico das organizações de apoio e fomento por
estado, Mato Grosso concentra a grande maioria dessas entidades, e em rela-
ção à distribuição de recursos por estado, também é ali a maior concentração,
ficando com 96,65%.

GO
0%

MS
1,54%

DF
1,49%

MT
96,65%

Em relação à distribuição dos fundos por organizações de gestão, é im-


portante destacar a atuação da Cáritas Diocesana de Rondonópolis – MT, que
desde o início de suas ações registrou uma aplicação de mais de R$ 20 milhões
na construção de casas para as famílias atendidas pela instituição naquela
cidade. O relato a seguir demonstra como, em razão de uma calamidade, a
solidariedade da sociedade civil nacional e internacional se fortalece.

Na tragédia, a solidariedade cria soluções inovadoras – nasce um


fundo solidário
Houve uma enchente em Rondonópolis em 1977. Muitas famílias ficaram
alojadas na feira da Vila Aurora. Pe. Lothar sentiu o chamado de Cristo de aju-
dá-las na construção de suas casas. Conseguiu apoio da Prefeitura Municipal,
que doou os terrenos, e da Cáritas Nacional, que deu recursos financeiros. Este
projeto continua até hoje. Surgiu como consequência da enchente. Inicialmen-

INICIATIVAS DE FUNDOS SOLIDÁRIOS NA REGIÃO CENTRO-OESTE | 43


te recebemos recursos do exterior e da Cáritas Brasileira. Hoje a comunidade
mantém o fundo. No ano de 2010 foram construídas 51 casas, em 2011 foram
47, e em 2012 foram 37 novas casas entregues. Para 2013 estão previstas
trinta casas para serem construídas.

Sobre o total dos recursos financeiros


Organizações gestoras

Número de
Estados com Número de
municípios Número de Recurso
fundos fundos
com fundos participantes repassado (R$)
solidários solidários
solidários

Distrito Federal 13 1 575 315.350,00

Goiás 29 10 437 68.270,00

Mato Grosso 13 48 3.636 326.900,35

Mato Grosso
26 36 3.911 20.467.550,00
do Sul

Organizações de apoio e fomento

Número de
Estados com Número de
municípios Número de Recurso
fundos fundos
com fundos participantes repassado (R$)
solidários solidários
solidários

Distrito
2 1 260.000 35.000.000,00
Federal

Goiás 1 12 0 0,00

Mato Grosso 2 15 520 15.000,00

Mato Grosso
6 40 22.828 208.152,36
do Sul

44 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


No que diz respeito às organizações gestoras, é importante ressaltar que
Mato Grosso, tendo um fundo focado na construção de moradias, por si só
tem um volume de recursos maior que outros fundos destinados a peque-
nas iniciativas, fazendo com que o volume de recursos seja proporcionalmen-
te maior que o volume de recursos das demais unidades da Federação. Em
contraposição, Mato Grosso do Sul, que detém o segundo maior volume de
recursos, tem expressivamente maior o número de participantes.
Em relação às organizações de fomento e apoio, é importante afirmar que
o Distrito Federal tem o Fundo Nacional de Solidariedade (coordenado pela
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB), que atende para além da
região. Isso causa um impacto expressivo nos dados, não significando que
todo o recurso seja investido somente na Região Centro-Oeste.

Área de atuação dos fundos (rural ou urbana)

rural
59%

urbana
41%

É interessante observar que no Centro-Oeste a presença dos fundos so-


lidários na área urbana é bastante significativa, não se restringindo apenas à
zona rural, diferente da realidade de outras regiões do país, que têm concen-
tração na área rural.

INICIATIVAS DE FUNDOS SOLIDÁRIOS NA REGIÃO CENTRO-OESTE | 45


Sobre a fonte de recursos para organizações de fomento e apoio
O mapeamento apontou as seguintes fontes de recursos para fomento e
apoio aos fundos solidários na região:

 Campanha da Fraternidade;
 Campanha de Evangelização;
 bazares;
 outras doações;
 Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN);
 Fundação Doen;
 Cooperação Internacional – Rondonópolis.

Também foram apontados os principais serviços que as organizações de


fomento e apoio oferecem aos fundos solidários apoiados/fomentados:

 assessoria técnica/visitas de acompanhamento;


 formação/capacitação;
 captação de recursos;
 apoio administrativo;
 marketing/divulgação/comunicação.

Além dos principais serviços prestados pelas organizações de fomento


e apoio, o mapeamento também identificou os principais resultados do seu
trabalho:

 fortalecimento das práticas de produção extrativista;


 experiência de se organizar em grupo;
 aumento na produção e na comercialização;
 melhorias na infraestrutura dos empreendimentos;
 adequação sanitária de produção;
 melhoria na identidade visual dos grupos;
 crescimento coletivo (senso do comunitário);
 mais dignidade aos envolvidos;
 consciência da pessoa como cidadã.

46 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


 geração de renda;
 resgate da cultura indígena;
 valorização da vida;
 preservação ambiental;
 cursos técnicos e de capacitação;
 protagonismo dos grupos de excluídos;
 apoio à formação dos agentes de pastoral das igrejas;
 apoio aos centros de tratamento de dependentes químicos;
 apoio à casa de idosos.

Foram listadas ainda as principais dificuldades enfrentadas pelas organi-


zações de fomento e apoio aos fundos solidários:

 recurso para ampliar o fundo de solidariedade;


 técnico para acompanhar os projetos atendidos;
 poucas linhas e programas de apoio;
 falta de prestação de contas dos grupos apoiados;
 falta de continuidade dos projetos;
 falta de pessoas profissionalmente qualificadas.
 descontinuidade das pessoas que atuam nas atividades comunitárias.
 falta de apoio financeiro aos fundos solidários para o fortalecimento das
experiências já existentes;
 o tempo de realização de um projeto gira em torno de um ano, muitos
geram ações de continuidade e outros são pontuais.

A pesquisa apresenta os principais resultados da atuação das organiza-


ções de gestão:

 manutenção do espaço físico, onde funciona a Central de Comercialização


de Economia Solidária;
 ajuda de custo para pessoas do administrativo;
 disponibilidade do fundo solidário;
 aumento do fundo por meio de acréscimo em cima do valor emprestado;

INICIATIVAS DE FUNDOS SOLIDÁRIOS NA REGIÃO CENTRO-OESTE | 47


 necessidade de fortalecer o fundo encaminhando um projeto para o Fun-
do Diocesano de Cuiabá;
 construção de grupo da economia solidária/organização do grupo;
 alimentação mais saudável;
 unidade do grupo;
 maior participação de encontros e eventos;
 descoberta dos seus deveres e de seus direitos.
 fortalecimento das Pastorais e dos movimentos sociais;
 aquisição da sede em comodato/espaço de formação;
 vivência do espírito ecumênico;
 prática da educação popular;
 preservação do meio ambiente;
 aquisição de outras máquinas;
 facilidade de comprar matéria-prima com valor mais baixo;
 intercâmbio para troca de experiências;
 responsabilidade das pessoas (não gera dependência);
 incentivo à comercialização e aumento da renda familiar;
 práticas de solidariedade, como empréstimo a outros grupos;
 segurança alimentar;
 construção de casas/moradias.

As principais dificuldades das organizações de gestão:

 valor insuficiente para cobrir o total das despesas em alguns meses do


ano, ocasionado pela queda das vendas;
 ao longo dos anos, os integrantes discordam do aumento do percentual,
preferindo cotizar a diferença quando necessário;
 poucos recursos para atender à demanda dos grupos;
 transportes para locomoção dos produtos para as feiras;
 divulgação dos espaços;
 apoio técnico na certificação dos produtos;
 falta de apoio dos governos;
 falta de recursos financeiros para atender às comunidades rurais;
 falta de recursos para formação de novos de novos assessores;
 falta de estrutura física em condições dignas;

48 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


 falta de uma prensa com maior potencialidade.
 falta de recurso para aumentar o fundo
 falta de um ponto fixo para comercialização;
 mudança de monocultura do leite para diversificada;
 cultura do individualismo;
 devolução do empréstimo, que não aconteceu totalmente;
 medo de pegar o recurso e não conseguir devolver;
 necessidade de assessoria técnica.

As organizações de gestão dos fundos solidários também apresentaram


as principais fontes de recursos para os fundos solidários:

 venda de produtos;
 doações de pessoas físicas;
 cotização entre os membros do grupo/participantes;
 apoio de organizações internacionais;
 apoio de organizações nacionais.
 apoio dos Fundos Diocesanos de Solidariedade (entidades de fomento);
 apoio de paróquias;
 repasse do poder público;
 heranças;
 bazares.

Foi possível identificar ainda as principais atividades ou bens que os fun-


dos solidários financiaram nos anos de 2010 e 2011:

 matéria-prima para produção de artesanatos;


 o recurso foi investido em pagamento de água, luz, telefone e transporte/
passagens;
 o fundo é só de manutenção dos equipamentos de trabalho;
 foi investido na montagem de uma cozinha – fogão e utensílios para fabri-
cação de pães e biscoitos;
 o recurso foi usado para compra de ração, pintinho, tela, arame, material
de construção para cerca elétrica, matrizes reprodutores suínos, mandio-

INICIATIVAS DE FUNDOS SOLIDÁRIOS NA REGIÃO CENTRO-OESTE | 49


cal, bomba, triturador para ração, máquina de costura, mudas de bananas,
sementes e matéria-prima para confecções;
 o fundo foi investido na ampliação da casa de sementes;
 aquisição de panelas, vidros e açúcar para produção dos doces;
 com o recurso recebido foram comprados materiais para os cursos de ca-
pacitação, nos quais cada participante confeccionava dois produtos, dei-
xando um para o fundo e outro para a pessoa;
 aquisição de matéria-prima para construção de casa, como: tijolos, cimen-
to, areia, telhas, entre outros;
 os recursos são utilizados para o bem comum, as contribuições e as do-
ações destinadas ao fundo são utilizadas em viagens de representação
(hospedagem, alimentos e transporte), saúde (remédios, médico e trans-
porte) e para cobrir despesas da associação. Os produtos da plantação e
da criação de animais são usados coletivamente por todos, e seus custos
são providos por todos e também pelo fundo, quando necessário.

Sobre a FORMA DE DEVOLUÇÃO do fundo solidário:

 em dinheiro;
 em produtos: repasse de animais, de sementes (formando os bancos de
sementes).

Destino da DEVOLUÇÃO VOLUNTÁRIA:

 já vai direto para outras famílias, é um giro;


 o grupo informal dos participantes (conta de pessoa física);
 investimentos em infraestrutura, utensílios, formação e capacitação;
 os valores devolvidos são depositados na conta da associação em uma
conta exclusiva do fundo.

50 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


Como é feita a GESTÃO do fundo solidário:

 busca-se uma gestão participativa com a prática de processos político-


-administrativos em definição;
 os registros de empréstimos são, em certa medida, formais e documen-
tados.
 o monitoramento e a avaliação ainda são práticas em construção e care-
cem de melhor atenção.

Sobre o GÊNERO dos participantes dos fundos solidários na


Região Centro-Oeste:

masculino
23%

feminino
77%

É bastante significativa a presença das mulheres nos fundos solidários.


Assim, com a economia solidária algo novo se faz presente, mostrando um
contraponto ao mundo das finanças oficiais, em que geralmente as mulheres
são a minoria. Nos fundos solidários, nas finanças solidárias, é o contrário, pois
são as mulheres que têm garantido o cuidado com as finanças domésticas e
comunitárias e buscado soluções criativas e eficazes na construção de outra
economia, cuidadosa e respeitosa e a serviço da vida, em contraponto com a
busca pelo lucro a qualquer preço.

INICIATIVAS DE FUNDOS SOLIDÁRIOS NA REGIÃO CENTRO-OESTE | 51


Sobre a RAÇA dos participantes:

não declarada
5%
parda
55%
amarela
7%

branca
negra 24%
9%

É importante observar que a grande maioria dos participantes se declara


de cor parda, se somado àqueles que se autodeclaram de cor negra, tem-se
mais de 60% da amostra, seguidos pelos que se autodeclaram de cor branca.
Em relação às pessoas da raça negra, vale ressaltar, conforme o box a
seguir, que a prática dos fundos solidários entre as comunidades remanes-
centes de quilombos é uma prática antiga, anterior inclusive à denominação.

Você sabia que em Iaciara (Goiás) os fundos solidários existem


desde 1924 no cotidiano dos quilombos?
A experiência foi vivenciada por uma comunidade de remanescentes
quilombolas dividida em duas localidades bem próximas geograficamente
– cerca de 1 km: Levantado, com 14 famílias, e Extrema, com 24 famílias,
na cidade de Iaciara-Goiás. O quilombo tem uma vida econômica solidária
comunitária. Em 2004 organizou-se em uma associação formalmente
constituída. As práticas do dia a dia dessa comunidade se traduzem em
uma forma de fundo solidário, sendo esta a mais antiga iniciativa na região
(1924) – Associação dos Pequenos Produtores Rurais dos povoados Extrema
e Levantado (Apel), Iaciara-GO.

52 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


Sobre a IDADE dos participantes dos fundos solidários no
Centro-Oeste:

30-59
57%
14-18
15%

19-29
60 - + 19%
9%

Em relação à faixa etária, a maioria (57%) é de adultos, seguidos de jovens. É


interessante observar que os idosos de 60 anos ou mais têm a menor participação.

Sobre a ESCOLARIDADE dos participantes dos fundos solidários


no Centro-Oeste:

ensino fundamental
(completo e incompleto)
47%

ensino superior
10%

ensino médio (completo e


incompleto)
não alfabetizado 35%
8%

Em relação à escolaridade, a maioria do público participante dos fundos


solidários tem o ensino fundamental, seguida daqueles que têm o ensino mé-
dio. Existe ainda uma pequena parcela de pessoas com ensino superior, e por
último a presença de pessoas não alfabetizadas.

INICIATIVAS DE FUNDOS SOLIDÁRIOS NA REGIÃO CENTRO-OESTE | 53


Sobre a PARTICIPAÇÃO dos membros em organizações:
 partido político;
 grupo produtivo solidário;
 Pastoral, organização vinculada a uma igreja;
 associação comunitária;
 cooperativa.

POLÍTICAS PÚBLICAS em que os participantes dos fundos


solidários estão inseridos:

 Programa de Aquisição de Alimentos (PAA);


 Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE);
 Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf);
 feiras de economia solidária;
 Primeiro Emprego;
 Bolsa Família.
 assentamentos de reforma agrária;
 formação pelo Centro de Formação em Economia Solidária (Cfes) Centro-
-Oeste;
 território de cidadania;
 Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Com base na leitura desses dados, podemos afirmar que o perfil do público
participante dos fundos solidários no Centro-Oeste é majoritariamente com-
posto por mulheres, adultas, pardas, com ensino fundamental e médio, e que
algumas destas conhecem e acessam políticas públicas – como os programas
de transferência de renda PAA e PNAE –, o que contribui para a redução da
exclusão e da miséria.
São pessoas que também se relacionam com os movimentos e as pasto-
rais sociais, quer sejam aqueles envolvidos com as lutas por acesso a moradia,
quer seja por reforma agrária, segurança alimentar, alfabetização de jovens e
adultos e economia solidária.

54 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


Podemos afirmar também que a realidade dos fundos solidários na região
é fruto do trabalho de organizações não governamentais, seja no fomento
seja na gestão, conforme demonstram os dados do Sies 2013. Além disso, a
pesquisa indica que os fundos solidários nascem da necessidade mais pre-
mente; são soluções criadas pelas próprias comunidades para resolver seus
problemas do cotidiano, pois nem sempre a política pública chega. A ausência
mais evidente é a dos bancos públicos, que poderiam estar presentes subsi-
diando e fomentando com recursos públicos os fundos solidários.
É importante lembrar que a parceria com a Secretaria Nacional de Eco-
nomia Solidária (Senaes–MTE) e com o Ministério do Desenvolvimento Social
(MDS) (Portaria n. 776 de 11 de novembro de 2010), no apoio e no fomento
aos fundos solidários, tem, entre outras ações – umas das mais concretas – a
doação de materiais apreendidos pela Receita Federal, que, por meio da reali-
zação de bazares, se revertem em fonte de recursos de fomento e apoio aos
fundos solidários.
Nesse sentido, os fundos solidários no Centro-Oeste conseguem chegar
aonde os bancos públicos não chegam e constituem, assim, uma oportuni-
dade importante de diálogo para atingir esse público. Seria importante a cria-
ção de mecanismo de aporte de recursos públicos para fomento dos fundos
solidários na região. Uma das possibilidades seriam subsídios de recursos do
Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO), que tem a missão de fomentar o
desenvolvimento sustentável da região com importantes iniciativas de finan-
ciamento para empreendimentos pequenos e médios do campo e da cidade,
mas ainda é muito voltado para a lógica do microcrédito, que não alcança a
singularidade do público aqui apresentado.
Seria um grande avanço se o FCO também aportasse recursos para o fo-
mento e o crescimento das finanças solidárias na região. Na falta de um banco
regional do Centro-Oeste, esses recursos poderiam chegar via Banco do Brasil
ou outros bancos públicos que têm atuado para além do Distrito Federal.

INICIATIVAS DE FUNDOS SOLIDÁRIOS NA REGIÃO CENTRO-OESTE | 55


Considerações
finais

56 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


O projeto Apoio e Fomento às Iniciativas de Fundos Solidários da Região
Centro-Oeste é uma segunda etapa de trabalho com os fundos solidários ma-
peados na região. Na ocasião do mapeamento, a equipe conta que iniciou o
trabalho sem saber se iria encontrar tais iniciativas na região, e se estas exis-
tissem, onde estariam? Essas duas perguntas guiaram a equipe.
Ela conta também que, ao abordar as pessoas com tais perguntas, as res-
postas eram desanimadoras: não conheciam, portanto ali não existiam fundos
solidários. Segundo a equipe, a surpresa veio no processo de formações em
oficinas, intercâmbios, encontros.
Os integrantes da equipe pensaram: uma vez que “não existem”, é preciso
fazer formação para estimular a organização na região. Foi nesses espaços
que os participantes, compreendendo melhor do que se tratava, como fun-
cionava, foram identificando práticas que já faziam nos seus grupos, nas suas
comunidades, identificaram-se com esse modo de gestão coletiva de recur-
sos. Identificamos hoje iniciativas formadas a partir desse processo formativo.
Por isso os espaços de formação não só sobre fundos solidários, mas também
sobre finanças solidárias, foram apontados como fundamentais.
Para o coordenador do primeiro projeto, Vitélio Pasa, ficou o aprendizado
da necessidade de conjugar verbos da educação popular, e acrescentamos que
quem se interessa pela construção coletiva autogestionária deve: perguntar,
escutar, buscar, formar (formação), perceber e intercambiar. Ele destacou que
a região tomou um gostinho e aprendeu a apreciar essas iniciativas das fi-
nanças solidárias, que também dá expressão à resistência e à criatividade dos
povos do Cerrado.
Na continuidade deste trabalho, trazemos esta publicação, que reúne o
resultado de dois mapeamentos: um referente à economia solidária e outro
ao perfil dos fundos solidários. Ambos são importantes retratos da econo-
mia solidária na região. Trazem informações que acreditamos essenciais para
subsidiar as definições das políticas públicas, principalmente no campo das
finanças solidárias.
Os dados mostram o quanto já construímos no Centro-Oeste, mas tam-
bém em comparação com outras regiões, o quanto precisamos avançar. Isso
no acesso dos grupos às políticas públicas, inclusão digital, assessoramento
técnico e formação, articulação em rede e participação em fóruns. Chama a
atenção, na comparação entre os dois mapeamentos, que a atividade de fi-
nanças solidárias, se comparada às demais, aparece pouco na região.

CONSIDERAÇÕES FINAIS | 57
Os mapeamentos apontam várias áreas que precisam ser estudadas e
mais bem entendidas. Uma delas, por exemplo, é o próprio financiamento dos
empreendimentos econômicos. Uma significativa quantidade de empreendi-
mentos, dentre os mapeados pelo Sies, afirma que nos últimos 12 meses não
buscou financiamento ou crédito (78%), mas também a quantidade que buscou
e não conseguiu (15%) ainda é maior do que os que buscaram e conseguiram.
Setenta e oito por cento dos empreendimentos afirmam necessitar de crédito
e/ou financiamento. O Sies não conseguiu mostrar como as comunidades es-
tão trabalhando suas finanças. Há uma diferença significativa de quantidade
entre os dados do mapeamento dos fundos solidários e os da base do SIES.
Hoje quem assume o papel de fotografar as iniciativas não só de fundos
solidários, mas também da economia solidária, é o Cadastro Nacional de Empre-
endimentos Econômicos Solidários (Cadsol), mas de uma forma mais enxuta.
Sua vantagem é a possibilidade de ser atualizado com mais frequência, mas isso
vai depender também do quão estratégico o próprio movimento de economia
solidária vai entender ser essa ferramenta. Uma ferramenta da política pública
que tem função de também dar visibilidade para iniciativas até então invisíveis.
Os dados apontam que a presença dos fundos solidários na área urbana é
bastante significativa, não se restringindo apenas à zona rural, diferente da re-
alidade de outras regiões do país, cuja concentração é na área rural. Apostamos
nessas experiências como possibilidade de referência entre os próprios fundos e
entre comunidades urbanas que não trabalham ainda com a metodologia.
Não restam dúvidas de que as finanças solidárias, especificamente os
fundos solidários, são ferramentas primordiais que precisam estar integradas
a outros processos. Muitas vezes, com a lógica de projetos que fazem um
recorte da realidade a ser trabalhada, tentamos isolar outros aspectos. Colo-
camos uma lente de aumento em um tema. Entretanto, no trabalho com fun-
dos solidários esse recorte nem sempre dá certo. Sendo atividade meio, não é
isolado de um contexto econômico, social ou mesmo comunitário. Então, não
dá para pensar em fundos solidários sem pensar em formação, educação para
as finanças solidárias, comercialização, produção, consumo – isso só para citar
o âmbito da economia.
Reunimos esses dados para que, olhando para o retrato que foi feito da
região, possamos nos reconhecer ou não. Mas para que também possamos,
ao perceber as necessidades, ir construindo novos retratos, novas pesquisas
que nos ajudem a entender melhor esse universo e, dessa forma, nos ajudem

58 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


a perceber quais estudos, quais formações, quais intervenções precisam ser
feitas para obter o desenvolvimento que queremos e acreditamos. Com certe-
za sempre há muito que avançar, mas também muitas conquistas a celebrar.
Apostamos, junto com muitos outros companheiros, nos fundos solidários
como ferramenta primordial na radicalização da democratização dos recursos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS | 59
Referências

60 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


A ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL: uma análise de dados nacionais. São Le-
opoldo, 2014. Disponível em: <sies.ecosol.org.br>.

ASPECTOS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA EM GOIÁS. Goiânia: Instituto Mauro Bor-


ges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos, 2014. Disponível em: <www.
imb.go.gov.br/down/aspectos_da_economia_solidaria_em_goias.pdf>.

AVANÇOS E DESAFIOS PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ECONOMIA SOLIDÁ-


RIA NO GOVERNO FEDERAL: 2003-2010. Rio de Janeiro: Núcleo de Solidarieda-
de Técinica (Soltec), 2012. Disponível em: <www.acesso.mte.gov.br>.

CARTILHA DOS FUNDOS SOLIDÁRIOS DA REGIÃO SUL: histórico, organização


e gestão. Porto Alegre: CAMP - Centro de Assessoria Multiprofissional, 2015.

CORDEL DOS FUNDOS SOLIDÁRIOS: gerando riquezas e saberes. Paraíba,


2008.

FUNDOS SOLIDÁRIOS: por uma política de emancipação produtiva dos movi-


mentos sociais. Caderno 1 – Mobilização em prol de uma política pública de
apoio a fundos solidários. Fundação Grupo Esquel, 2009.

FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE NA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA


ECONOMIA. Programa Providência de Elevação da Renda Familiar. Brasília,
2013.

IBGE. Censo demográfico: 2010. Rio de Janeiro: IBGE.

MANUAL DE ORIENTAÇÕES SOBRE O CADASTRO DE EMPREENDIMEN-


TOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS. Brasília: Senaes/TEM, 2015. Disponível em:
<www.trabalho.gov.br/trabalhador-economia-solidaria/cadsol>.

Sites:

cirandas.net
cadsol.mte.gov.br
redecerrado.org.br
www.fbes.org.br
www.fundossolidarios.org.br

REFERÊNCIAS | 61
Parcerias
Estaduais

62 | FUNDOS SOLIDÁRIOS NO CENTRO-OESTE


GOIÁS
CENTRO DE FORMAÇÃO, ASSESSORIA E PESQUISA EM JUVENTUDE (CAJUEIRO)
Rua 83, no 361, Setor Sul, CEP: 74083-195, Goiânia-GO
Fone: (62) 3225-8095
E-mail: [email protected]

MATO GROSSO
FUNDAÇÃO BOM JESUS DE CUIABÁ
Praça do Seminário, 239, Bairro Dom Aquino, CEP: 78018-140, Cuiabá-MT
Fone: (65) 3617-7909
E-mail: [email protected]

MATO GROSSO DO SUL


CENTRAL DE COMERCIALIZAÇÃO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA DE CAMPO GRANDE
Rua Cândido Mariano, no 1.500, Centro, Campo Grande-MS
Fone: (67) 3382-4021
E-mail: [email protected]

DISTRITO FEDERAL
CÁRITAS ARQUIDIOCESANA DE BRASÍLIA
SGAS, quadra 601, conjunto B, L2 Sul, Brasília-DF
Fone: 61 3225 6834
E-mail: [email protected]

PARCERIAS ESTADUAIS | 63
Esta publicação é financiada por recursos públicos.
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