0104 7183 Ha 23 47 0442
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Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 23, n. 47, p. 442-445, jan./abr. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832017000100020
Devires totêmicos: cosmopolítica do sonho 443
textos escritos ao longo dos últimos 32 anos, pode-se pensar que o eixo que
conecta aborígenes-antropóloga-escrita e leitores é o da fundição entre nomes
e lugares, de homens e mulheres que têm seus devires e agires traçados em
palavras. Pode-se também intentar um resumo do que se passa em Devires
totêmicos sublinhando que o que por “nós” classificar-se-ia como narrativas
míticas, discursos nativos, tempo passado-presente-futuro, experiências pes-
soais e normas culturais é porta de entrada para sentirmo-nos entre os warlpiri,
já que imbricadas e alinhavadas tais categorias na escrita de Glowczewski.
Escrita esta somente possível de riqueza fecunda se cuidadosa com aquilo que
dificilmente cabe em formato grafado.
No capítulo intitulado “Xamãs”, por exemplo, vemos a antropóloga ser
amparada por seus amigos warlpiri quando afligida por uma dor lancinante,
como ela mesma descreve, nos rins; sobretudo por um ngangkari, um curan-
deiro tradicional. A drenagem do sangue, intervenção para restabelecer o bem-
-estar da pessoa, é levada a cabo: o curandeiro cospe o sangue de má qualidade
que estava alojado nas costas da antropóloga e conclui que uma pedra a havia
acertado, ensejando uma reflexão acerca do caminho que havia sido percor-
rido em sua chegada à Lajamanu (localidade onde viveu entre os warlpiri).
Em várias passagens do livro nota-se a possiblidade de aproximações
entre a etnografia que realiza junto aos coletivos australianos com estudos et-
nográficos que tenham como foco cosmologias ameríndias. Práticas xamâni-
cas de extração de objetos de corpos acometidos por doenças, provocadas por
ações de subjetividades não humanas, mostram que essas áreas etnográficas
possuem confluências significativas no tocante aos modos de socialidades em-
preendidas. Isso será registrado por Glowczewski no último capítulo, quando
em diálogo com o antropólogo Philippe Descola acerca das quatro modali-
dades ontológicas propostas por ele. Mas até chegarmos em “O paradigma
dos aborígenes australianos”, imagino que todos aqueles pesquisadores que
tenham tido a oportunidade de viver entre grupos humanos não modernos te-
nham a impressão de se ver diante de um modo de existência unicamente idios-
sincrático frente à cosmologia ocidental. Como se vê acontecer em um sistema
de pensamento como o ocidental moderno, onde mundos invisíveis são desa-
creditados e a “razão” devém baluarte de superioridade, a exceção não está na
cultura dos Outros. Sublinho também que, já nas primeiras páginas do livro,
Glowczewski dedica um tópico às “Cosmopolíticas ontológicas australianas e
afro-brasileiras”, tecendo uma outra rede de aproximações cosmológicas.
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444 Maria Paula Prates
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