ART - Decisao-Judicial - Sergio Nojiri - PUCSP PDF
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COORDENAÇÃO GERAL
Celso Fernandes Campilongo
Alvaro de Azevedo Gonzaga
Tomo de
COORDENAÇÃO DO TOMO
Celso Fernandes Campilongo
Alvaro de Azevedo Gonzaga
André Luiz Freire
DECISÃO JUDICIAL
Sergio Nojiri
INTRODUÇÃO
1
CARACCIOLO, Ricardo. El problema de los hechos en la Justificación de Sentencias. Isonomía.
Revista de teoría y filosofía del derecho, n. 38, p. 19.
1
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUC-SP
TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO
2
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio, p. 215-216.
3
HART, Herbert Lionel A. O conceito de direito, p. 171.
4
Cf. KENNEDY, Duncan. Izquierda y derecho: ensayos de teoría jurídica crítica, p. 111.
2
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TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO
5
KENNEDY, Duncan. The structure of Blackstone’s commentaries, Buffalo Law Review, n. 28, p. 214-
215.
6
Cf. CAPURSO, Timothy J. How Judges Judge: Theories on judicial decision making, University of
Baltimore Law Forum, vol. 29, n. 1, p. 6.
3
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUC-SP
TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO
SUMÁRIO
Introdução ......................................................................................................................... 1
Referências ..................................................................................................................... 25
Sem dúvida, algumas das mais perspicazes, polêmicas e influentes teses sobre
como os juízes decidem nasceram no movimento realista norte-americano.7 Este
7
Deixaremos propositalmente de analisar o realismo escandinavo, que teve nas figuras de Axel
Hägerström, A. Vilhelm Lundstedt, Karl Olivecrona e Alf Ross seus mais notáveis pensadores. Apesar de
apresentarem semelhanças em alguns tópicos, consideramos que suas agendas diferem suficientemente a
4
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TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO
ponto de considera-los como movimentos intelectuais distintos. A esse respeito, cf. ALEXANDER,
Gregory S. Comparing the two legal realisms – american and scandinavian, The American Journal of
Comparative Law, vol. 50, p. 132.
8
TAMANAHA, Brian Z. Balanced realism on judging. Valparaiso University Law Review, Vol. 44, n. 4,
p. 1243. Importante ressaltar que a narrativa convencional sobre a história do realismo jurídico não é
aceita por todos. Tamanaha possivelmente é o seu maior opositor. Para ele, não houve uma era
“formalista” no pensamento jurídico norte-americano que só terminou com a chegada dos realistas nos
anos 20 e 30. Na realidade, segundo a versão de Tamanaha, juízes e estudiosos expressaram ideias
realistas durante o que se alega ser o apogeu do formalismo jurídico. A divisão entre formalismo e
realismo é, segundo este autor, errada em aspectos essenciais: “The story about the legal formalists is
largely an invention, and legal realism is substantially misapprehended”. TAMANAHA, Brian Z.
Beyond the formalist-realist divide: the role of politics in judging, p. 3. Em sentido contrário, Brian Leiter
acusa Tamanaha de falta de clareza conceitual e citações fora de contexto. LEITER, Brian. Legal
Formalism and Legal Realism: what is the issue? Legal theory, Volume 16, p. 31.
5
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TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO
distinguia as “regras de papel” das “regras reais”. Para Llewellyn e outros realistas, o
ponto crucial do desafio à visão tradicional de um direito determinado residia no fato de
que as regras de papel – a linguagem das leis – eram muitas vezes aproximações pobres
das regras reais que motivam as decisões judiciais. Os juízes seguem as regras, insistiam
Llewellyn e a maioria dos outros realistas, mas essas regras muitas vezes não são as
mesmas que são encontradas em fontes legais padrão.9
Segundo essa descrição, os materiais legais oficiais, como as leis e os
precedentes não ocupam lugar proeminente na decisão judicial. Ao contrário de algumas
teorias tradicionais, os realistas afirmavam que esses materiais não poderiam gerar
aplicações diretas, do tipo mecânicas ou lógicas, como imaginavam, no common law,
William Blackstone e Edward Coke, e no civil law, a escola da exegese francesa do
século XIX.
Uma visão, bem difundida pelos realistas, de que o direito, especialmente na
resolução de casos difíceis, é indeterminado, é também compartilhada por positivistas
jurídicos como H. L. A. Hart. Assim, tanto realistas como positivistas concordam sobre
a existência da indeterminação no direito10 (apesar de discordarem de sua extensão).
Hart não duvidava que em certas situações os juízes chegassem inicialmente a suas
decisões de forma intuitiva e só depois escolhiam, a partir de um catálogo de regras
jurídicas, uma que eles fingiam se adequar ao caso em julgamento. No entanto, o
importante para ele é saber que a maior parte das decisões é alcançada mediante um
autêntico esforço de obediência a normas que os juízes se dispõem previamente a
obedecer e cuja aplicabilidade ao caso é geralmente reconhecida.11
Já os realistas, partiam de uma outra perspectiva. Llewellyn, por exemplo,
pensava que os juízes, ao utilizarem a discricionariedade judicial, buscavam promover
os objetivos internos do sistema legal e os objetivos externos da política. Frank e outros
realistas, de outro lado, diziam que fatores psicológicos ou outros fatores pessoais
9
SCHAUER, Frederick. Legal realism untamed, Texas Law Review, vol. 91, p. 750-751.
10
Quando afirmamos que o direito é indeterminado estamos querendo dizer que ele não têm respostas
certas para todas as questões jurídicas. Em se tratando de uma teoria da decisão judicial, o direito é
indeterminado na medida em que materiais e métodos jurídicos permitem múltiplos resultados para ações
judiciais. Se os argumentos para a indeterminação radical são válidos, eles podem levantar sérias dúvidas
sobre a possibilidade de sistemas jurídicos legítimos e procedimentos judiciais não arbitrários. KRESS,
Ken. Legal indeterminacy, California Law Review, n. 283, p. 283.
11
HART, Herbert Lionel A. Op. cit. p. 182.
6
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TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO
12
SCHAUER, Frederick. Op.cit., p. 759.
7
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TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO
decisão judicial seja tipicamente mecânica, uma visão persistente insiste que mesmo as
decisões judiciais que não são decididas de forma mecânica se baseiam, ou devem se
basear, em sua maior parte, no próprio direito, na lei ou nos precedentes. Até hoje, os
trabalhos padrão sobre o raciocínio jurídico trazem a ideia, ainda que implícita, que
mesmo para esses casos, nos quais a decisão não decorre de uma inferência dedutiva,
algumas respostas e métodos são melhores, do ponto de vista jurídico, que outros.13
Nesse sentido, Ronald Dworkin se destaca entre aqueles que negam o exercício
da discricionariedade judicial em qualquer sentido convencional dessa palavra. Ao
sustentar que a decisão judicial é uma busca pela “resposta correta” em qualquer
controvérsia legal, Dworkin propõe a versão mais sofisticada da visão tradicional do
direito, no sentido de que é o próprio direito que determina a resolução de casos. Para
Dworkin, o direito governa até mesmo aqueles eventos sobre os quais parece, à primeira
vista, não haver resposta. O direito possui, assim, respostas certas tanto para os casos
fáceis como para os mais difíceis.
A partir de sua importante obra O Império do Direito, Dworkin oferece o que
ele mesmo chama de abordagem interpretativa do direito. Com isso ele quer dizer que
toda vez que o juiz se coloca diante de um problema legal, ele deve construir uma teoria
para dizer o que é o direito. Esta teoria deve se encaixar (fit) nas relevantes ações
governamentais do passado, transformando o direito no melhor que ele pode vir a se
tornar. Segundo Dworkin, tanto a prática do direito quanto a sua teoria são melhor
compreendidas como processos de interpretação construtiva, interpretações que
transformam seu objeto no melhor que ele pode vir a ser.14
A interpretação construtiva depende da capacidade de atribuição de um valor
ou propósito característicos ao objeto de interpretação. É este valor ou propósito que
serve de critério para se determinar se a interpretação de um objeto é pior ou melhor que
sua alternativa. Na interpretação construtiva do direito, Dworkin assevera que o
propósito é restringir ou justificar o exercício do poder governamental.15
A proposta de Dworkin é conhecida como direito como integridade: a crença
13
Idem. p. 760-761.
14
DWORKIN, Ronald. O império do direito, p. 66. Para uma visão crítica a respeito da interpretação
construtiva de Dworkin, que visa apresentar seu objeto, o direito, sob sua melhor luz, cf. NOJIRI, Sergio.
Neoconstitucionalismo versus democracia: um olhar positivista, p. 187-189.
15
Idem, p. 116.
8
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de que os juízes devem decidir de forma a tornar o direito mais coerente, preferindo
interpretações que façam com que o direito se pareça com um produto de uma visão
moral única. Assim, a interpretação do direito deve, na medida do possível, expressar
uma concepção coerente de justiça e equidade.16 O desenvolvimento da teoria da
interpretação em torno do conceito de integridade pode ser entendido como uma
sofisticada versão da forma de raciocinar do common law: uma forma de decidir
baseada, em parte, na consistente suscetibilidade aos princípios e, em outra parte, na
crença de que as decisões passadas são intuições aproximadas de justiça e equidade.17
Vale ressaltar que para Dworkin teóricos tentando compreender o direito como
uma instituição social, juízes decidindo casos, advogados aconselhando clientes e
cidadãos tentando entender seus direitos e responsabilidades legais, estão todos
engajados no mesmo empreendimento interpretativo. Isso significa que para Dworkin
não há uma diferença significativa entre questões como “qual o direito a ser aplicado
neste caso?” e “qual a natureza da instituição social chamada direito?” Para ele, não há
uma linha divisória bem definida entre uma teoria da decisão judicial e uma teoria geral
do direito. Se para Dworkin interpretar é uma questão de apresentar, a partir de um
ponto de vista moral, o direito em sua melhor luz, tanto teóricos do direito quanto juízes
devem apresentar o direito, a partir de um ponto de vista moral, da forma mais coerente
e justa possível.18
Segundo a metodologia de Dworkin, a interpretação construtiva visa apresentar
seu objeto em sua melhor luz. O objetivo é transformar o direito no melhor exemplo da
forma ou gênero ao qual ele pertence e isso significa limitar e justificar o uso da força
governamental. Nesse sentido, a teoria de Dworkin é avaliativa. Teóricos e juízes
devem se engajar no mesmo processo de interpretação construtiva para saber o que é o
direito, ou seja, devem enxergar o direito em sua melhor luz moral e política e avaliar as
condições sob as quais o uso coletivo da força é justificado. Neste processo, no qual
participam tanto teóricos quanto juízes, são realizados julgamentos avaliativos de
natureza moral sobre as características do direito. Isso permite, segundo Dworkin, que o
16
DWORKIN, Ronald. Op.cit., p. 305-307.
17
BIX, Brian. Jurisprudence. Theory and context, p. 90-91.
18
DICKSON, Julie. Evaluation and legal theory, p. 97-98.
9
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TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO
19
Idem. p. 106.
20
Oliver Wendell Holmes Jr., um dos precursores do movimento realista, falava da necessidade de
“lavar... com ácido cínico” (“wash... with cynical acid”) a visão tradicional do direito, segundo a qual a
doutrina proporciona uma única resposta correta a problemas legais. Cf. MEYERSON, Denise.
Understanding jurisprudence, p. 90.
21
BIX, Brian. Op.cit., p. 178.
22
MEYERSON, Denise. Understanding jurisprudence, p. 90.
10
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TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO
23
BIX, Brian. Op. cit., p. 178.
24
MEYERSON, Denise. Op.cit., p. 95.
11
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25
CAPURSO, Timothy J. Op.cit. p. 6.
12
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26
HART, Herbert Lionel A. Op. cit., p. 182.
27
SCHAUER, Frederick. Op.cit., p. 759.
13
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mesma forma, um juiz que queira julgar de acordo com a lei sabe o que fazer (ou seja,
punir apenas aqueles que dirigem mais rápido do que 50 km/h). Quanto a isto não
parecer haver discrepância relevante entre positivistas e realistas.28
Realistas e positivistas, consequentemente, afirmaram que há uma margem de
conformidade das decisões com as regras de direito. Contudo, a visão dos realistas sobre
a conformidade jurídica com o direito, além de heterodoxa, era pluralista. Alguns juízes
se conformam à lei por considerações prudenciais. O fato de suas decisões poderem ser
anuladas em grau de recurso, por seus colegas de tribunal, geralmente fará com que os
juízes sejam mais prudentes e se mantenham fiel à lei. No entanto, boa parte dos
realistas argumentou que a conformidade jurídica não é somente prudencial. Juízes
cumprem a lei porque são diretamente louvados por suas atitudes. Por essa razão,
quando julgam em conformidade com o material jurídico pré-estabelecido,
simplesmente reproduzindo o conteúdo legal, não querem ser taxados de “inertes”,
“conservadores” ou “preguiçosos”, mas como respeitadores de seus antecessores,
superiores e colegas, criando, assim, um hábito de deferência às expectativas da classe
ou do público. Além disso, algumas das atitudes mais importantes associadas à
conformidade com as regras jurídicas são morais. Muitos juízes acreditam que a defesa
da lei é moralmente importante por causa de suas consequências. Felix S. Cohen, por
exemplo, falava da proteção das expectativas humanas baseadas em decisões passadas,
da estabilidade das transações econômicas e da manutenção da ordem e da simplicidade
no sistema jurídico.29
Como vimos, a indeterminação cria situações nas quais os juízes são
confrontados com a questão moral de como o direito deve ser preenchido. Mas e quando
o direito já está determinado? Nestas hipóteses fecham-se as alternativas de cunho
moral para o juiz escolher de forma discricionária, mesmo que uma hipótese alternativa
aparente ser melhor? Nestes casos, deve o juiz simplesmente seguir a lei?
Na opinião dos realistas, não. A ideia de que a lei sempre obriga o juiz a
reproduzi-la, esconde, na opinião de Cohen, o caráter ético da decisão judicial,
ajudando, dessa forma, a perpetuar preconceitos de classe e suposições morais acríticas
28
GREEN, Michael Steven. Legal realism as theory of law, William and Mary Law Review, Vol. 46, n. 6,
p. 1922.
29
Idem p. 1959-1960.
14
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30
Idem. p. 1972-73.
31
MEYERSON, Denise. Op. cit., p. 104.
15
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de suas escolhas mediante práticas post hoc, com a elaboração de um “raciocínio legal
objetivo” em momento posterior à tomada de decisão. E os adeptos de ambos os
movimentos pensavam o direito como um instrumento para atingir metas políticas. Mas
no caso do CLS, a tese da indeterminação está inserida dentro de uma crítica radical de
todo o corpo da teoria jurídica liberal. Isso significa que os teóricos críticos desejavam
“deslegitimar” o direito, que eles viam como um instrumento de injustiça. Os realistas,
em contraste, eram reformistas liberais que pensavam que o direito deveria ser usado
como um instrumento para avançar os valores da democracia liberal norte-americana.
Ademais, pensavam que as ciências sociais poderiam superar as deficiências da doutrina
jurídica e ser uma fonte de padrões objetivos na tomada de decisões judiciais. Os
críticos, por outro lado, não compartilhavam tal fé na capacidade das ciências sociais.
Além disso, acreditavam que as noções liberais do Estado de Direito e de direitos legais
de juízes e demais funcionários públicos não são nem coerentes nem desejáveis.32
Mas com relação às causas da decisão judicial, estavam os teóricos críticos e os
realistas corretos ao afirmarem que “direito é política”? Em ampla e interessante
pesquisa empírica, Cass R. Sunstein, David Schkade, Lisa M. Ellman e Andres Sawicki
procuraram fornecer informações concretas sobre o comportamento judicial, a saber: se,
e em que sentido, juízes de tribunais podem ser considerados “políticos”. Nos Estados
Unidos, como no Brasil, chefes do Poder Executivo nomeiam juízes para as cortes
superiores, criando inúmeras controvérsias políticas.33 A pesquisa de Sunstein e seus
colegas, contudo, não se restringiu apenas ao comportamento de juízes da Corte
Suprema, mas também de tribunais inferiores, com especial ênfase na distinção entre
juízes indicados por presidentes republicanos e democratas.
Muitos acreditam que, como regra geral, a ideologia política não deve e não
afeta os julgamentos legais. Essa crença contém uma importante verdade:
frequentemente a lei é clara e os juízes devem simplesmente implementá-la, não
importa quem os tenha nomeado. Mas o que acontece quando a lei não é clara? Neste
caso parece inadequado pedir aos juízes que simplesmente “sigam a lei”. Assim, na
32
Idem. p. 105.
33
Em 1987, por exemplo, quando o presidente Ronald Reagan tentou nomear Robert Bork para o cargo
de Juiz da Suprema Corte norte-americana, o Senado rejeitou a nomeação por 58 a 42 votos. A rejeição
foi em grande parte baseada por motivos ideológicos. Ninguém argumentou que o juiz Bork era
incompetente. A verdadeira preocupação por parte de seus críticos era de que o posicionamento político e
ideológico de Bork influenciasse suas decisões judiciais.
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hipótese de a lei não fornecer nada para “seguir”, a afiliação política do presidente que
nomeou o juiz é importante? Que papel desempenha então a ideologia?
É possível imaginar duas linhas de respostas completamente distintas para
essas perguntas. Pode-se responder que, mesmo quando a lei não é clara, no sentido de
que não se pode encontrar precedentes vinculantes, a ideologia não importa. A própria
cultura jurídica impõe uma severa disciplina aos juízes, de modo que decidam como
juízes e não como ideólogos. Os juízes, nesses casos, devem proteger valores
constitucionais como a liberdade de expressão ou a igualdade de acordo com a lei, por
exemplo, independentemente de suas crenças pessoais, mesmo quando a lei existente
não prima pela clareza. Alternativamente, pode-se afirmar que, em casos difíceis, as
“atitudes” dos juízes acabem predizendo suas decisões, de modo que os juízes liberais
nomeados por presidentes democratas julguem sistematicamente diferentes de juízes
conservadores indicados por presidentes republicanos. O “modelo atitudinal”,34
influente e bem conhecido no direito e na política, tenta explicar as decisões judiciais
nestes termos.35
No atual contexto ideológico e político norte-americano é razoável pensar que
presidentes republicanos queiram nomear juízes que interpretarão a Constituição de
maneira mais conservadora que os juízes nomeados por presidentes democratas (e vice-
versa). Mas isso é verdadeiro? Esta hipótese foi confirmada pela pesquisa empírica
empreendida por Cass Sunstein e seus colegas? Ao que tudo indica, sim. Não somente
se confirmou que as decisões judiciais são diretamente influenciadas por aspectos
ideológicos e políticos do julgador, mas também que os juízes, como muitos outros
seres humanos, frequentemente são influenciados por outros juízes, especialmente
aqueles com quem interagem cotidianamente. E isso pode fazer com que às vezes os
juízes suprimam suas visões privadas e se conformem às visões de outros juízes.
Sunstein e seus colegas especulam, ainda, que os juízes de tribunais federais são
afetados pelos votos de outros juízes da mesma turma (panel). Em uma turma de três
juízes, o voto de um deles pode muito bem ser influenciado pelos dos outros dois.36
34
Este modelo trata a tomada de decisões judiciais como produto de crenças e impressões, com processos
de raciocínio posteriormente adicionados. O modelo atitudinal sustenta que os juízes buscam implementar
através de suas decisões suas próprias preferências políticas.
35
SUNSTEIN, Cass R. et al. Are judges political? An empirical analysis of the federal judiciary, p. 5.
36
Idem, p. 7.
17
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37
Idem, pp. 11-12.
18
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38
Idem, p. 24-25.
39
Idem, p. 43. É preciso ressaltar, no entanto, que, segundo esta mesma pesquisa, em alguns casos não
foram encontradas diferenças ideológicas, como, por exemplo, em apelações criminais.
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que os nomearam, mas esses exemplos estão longe de ser corriqueiros, pelo contrário,
são extremamente raros, especialmente na Suprema Corte (mas também nos tribunais
inferiores das últimas décadas).40 Os juízes nomeados pelos presidentes republicanos
são sistematicamente diferentes em seus comportamentos dos juízes nomeados pelos
presidentes democratas. Isso é verdade para as questões mais polêmicas: ação
afirmativa, discriminação sexual, aborto, pena de morte, proteção ambiental,
discriminação por deficiência, etc.
Mas isso vale para o Brasil? Como sabemos, o sistema norte-americano de
indicação e nomeação de juízes é distinto do brasileiro em inúmeros aspectos.
Apesar de a pesquisa ter se centrado na questão das nomeações de juízes por
presidentes republicanos e democratas, própria da realidade norte-americana,
acreditamos que as diferenças encontradas nas decisões de juízes nomeados ilumina não
somente as questões de direito e política daquele país, mas também de outros,
notadamente o nosso. Não obstante o maior número de juízes terem alcançado seus
cargos mediante concurso de provas e títulos, preocupações com o ativismo judicial,
decorrente de visões e ideologias políticas, já invadiu nosso cotidiano há muito tempo.
Juízes brasileiros são constantemente relacionados a ideologias de direita e esquerda e
alguns, especialmente de cortes superiores, são até associados a partidos políticos
específicos.
40
Não obstante, o perfil ideológico do juiz tenha sido extremamente relevante para a escolha do
presidente (que tende a buscar um perfil semelhante ao seu), estudos demonstram que com o passar do
tempo essas semelhanças se atenuam. Alguns podem atribuir isso a uma diminuição gradativa do
sentimento de lealdade ao presidente. No entanto, é mais provável que a tendência a divergir não decorra
de uma erosão da lealdade, mas do fato de que as ideologias de algumas pessoas mudam ao longo do
tempo, e que quanto mais tempo um juiz permanece na corte, mais provável a mudança. É também
possível que o presidente possa simplesmente ter se enganado sobre as inclinações ideológicas de um
candidato. Um juiz pode, ainda, ter sido nomeado por conta de uma questão controversa em que ele
concordava com o presidente, mas novas questões em que as suas opiniões divergem podem surgir. Cf.
EPSTEIN, Lee; LANDES, William M.; POSNER, Richard A. The behavior of federal judges: a
theoretical and empirical study of rational choice, p. 117-118.
20
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TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO
41
CAPURSO, Timothy J. Op.cit., p. 7.
42
Heurística é um procedimento mental simples. É uma espécie de atalho cognitivo que ajuda a encontrar
respostas adequadas, ainda que geralmente imperfeitas, para perguntas difíceis. A palavra vem da mesma
raiz que heureca. KANEHMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar, p. 127.
43
GUTHRIE, Chris; RACHLINSKI, Jeffrey J.; WISTRICH, Andrew J. Inside the judicial mind. Cornell
Law Review, Vol. 86, p. 780-781.
21
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44
“… when all is said and done, we must face the fact that judges are human.” Cf. Idem. p. 784.
22
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45
Idem. p. 829.
46
DANZINGER, Shai; LEVAV, Jonathan; AVNAIM-PESSO, Liora. Extraneous factors in judicial
decisions. PNAS, vol. 108, n. 17, p. 6890.
23
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47
Idem. p. 6892.
48
Idem.
24
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REFERÊNCIAS
25
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