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ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUC-SP

COORDENAÇÃO GERAL
Celso Fernandes Campilongo
Alvaro de Azevedo Gonzaga

André Luiz Freire

Tomo de

TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO

COORDENAÇÃO DO TOMO
Celso Fernandes Campilongo
Alvaro de Azevedo Gonzaga
André Luiz Freire

DIRETOR DA FACULDADE DE DIREITO


Pedro Paulo Teixeira Manus
DIRETOR ADJUNTO DA FACULDADE DE DIREITO
Vidal Serrano Nunes Júnior

Editado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


São Paulo, abril de 2017
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUC-SP
TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO

DECISÃO JUDICIAL
Sergio Nojiri

INTRODUÇÃO

Há, pelo menos, duas maneiras distintas de entender o significado da expressão


“decisão judicial”. A primeira, em sentido estrito, como a decisão que termina o
processo judicial e a segunda em sentido lato, aplicada a um conjunto de relevantes
escolhas tomadas durante o processo, mas que não tem como função encerrá-lo. Na
maior parte das vezes utilizaremos a expressão decisão judicial em sua primeira
acepção, no sentido de resolução definitiva de controvérsia. Ressalte-se, no entanto, que
a análise da decisão judicial que finaliza o processo pode comportar pelo menos dois
processos decisórios distintos (ainda que relacionados): 1) voltado para a solução das
quaestio iuris, de verificação e escolha da norma jurídica aplicável, de validade das
normas, de problemas gerados por lacunas e antinomias, etc.; 2) relacionado às quaestio
facti, especialmente quanto a reconstrução dos fatos através da admissão e avaliação de
provas.
As decisões judiciais, nesse sentido, apresentam-se como um instrumento de
resolução de litígios mediante a aplicação de normas gerais a um caso individual, no
qual seu produto final envolve a adoção de duas ou mais decisões. Este processo
consiste simultaneamente na escolha de regras com base nos fatos descritos e na
descrição dos fatos de acordo com as regras a serem aplicadas. Trata-se de uma
correspondência entre o conteúdo das normas e a descrição dos fatos.1
A adesão a este modelo implica, ainda que indiretamente, a aceitação da ideia
de que o processo judicial busca uma espécie de verdade, uma vez que os elementos
fáticos e jurídicos que compõem e definem a decisão judicial devem ser preexistentes.
O pensamento jurídico tradicional, alinhado a este modelo, considera que as
regras e os parâmetros anteriormente fixados servem para impedir ou limitar as crenças
e desejos pessoais do julgador, de forma a viabilizar um resultado racional e justificado

1
CARACCIOLO, Ricardo. El problema de los hechos en la Justificación de Sentencias. Isonomía.
Revista de teoría y filosofía del derecho, n. 38, p. 19.

1
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do processo. Alguns autores, nessa linha, chegam a propor a possibilidade de alcance de


uma única resposta correta para o caso.2 São, em geral, propostas de justificação
racional das decisões judiciais, de criação de padrões ou regras de justiça que visam
minimizar os erros e potencializar a aproximação com a verdade.
No entanto, essa descrição da decisão judicial está longe de ser unânime. Ainda
que o sistema jurídico preveja padrões ou regras interpretativas para a justificação de
opções decisórias, sempre existirá o risco de erro na identificação do direito a ser
aplicado ao caso concreto. Isso sem mencionar a possibilidade de duas ou mais opções
decisórias igualmente plausíveis para o caso. É possível, e também provável, que em
alguns casos existam argumentos disponíveis para mais de uma alternativa decisória, o
que abre espaço para a chamada discricionariedade judicial.3
Relacionada a essa questão, há outra sobre o caráter ideológico das decisões
judiciais. Para alguns, o processo de criação, de eleições interpretativas de normas, deve
ser mais “objetivo” e menos “pessoal”. A criação judicial do direito, nesse sentido, deve
ser o resultado de eleições normativas impessoais não resultantes de valores e
idiossincrasias. Diferentemente do processo de criação do direito pela via legislativa, de
natureza evidentemente política, a aplicação do direito, via decisão judicial, deve ser
realizada mediante um processo alheio às preferências políticas subjetivas do julgador
ou de uma maioria popular. A decisão judicial, segundo esta concepção, não precisa ser
política, uma vez que envolve apenas questões de significado e de fato independentes de
juízos de valor. A determinação das questões de direito podem, dessa forma, ser
realizadas de modo objetivo e não ideológico. Juízes deveriam ser profissionais
treinados a operar de acordo com uma lógica “independente”. Os tribunais, sob esta
perspectiva, não devem legislar, uma vez que não foram escolhidos por um
procedimento eleitoral.4
Em sentido contrário, há os que afirmam ser ilusória a concepção de decisões
judiciais como opostas às decisões políticas. O direito, nesse sentido, reflete
inegavelmente interesses políticos de certa classe social. Mais à esquerda do espectro
político, afirma-se que o direito, na realidade, serve a interesses de grupos privilegiados,

2
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio, p. 215-216.
3
HART, Herbert Lionel A. O conceito de direito, p. 171.
4
Cf. KENNEDY, Duncan. Izquierda y derecho: ensayos de teoría jurídica crítica, p. 111.

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em detrimento de toda uma classe de desfavorecidos. Nesse sentido, o direito serve


apenas para mascarar uma operação que atende exclusivamente interesses de detentores
do poder político e econômico.
Debates dessa natureza nos remetem a uma discussão acerca da possibilidade
de resolução de conflitos jurídicos de forma justa e racional. De um lado, se alega que o
uso de procedimentos como a da ponderação de valores (princípios) tornam esses
conflitos racionalmente resolúveis. De outro, tem se afirmado que técnicas e modelos de
raciocínio jurídico, se verdadeiros, nada mais são que mecanismos de recusa de
contradições. Esta não seria, portanto, uma forma honesta de enfrentar questões
jurídicas, já que deveríamos reconhecer as profundas contradições e ilusões que temos
acerca da objetividade do direito, pois ainda que o juiz recorra a recursos legais, sempre
haverá outra fonte disponível para apoiar uma conclusão oposta, com o mesmo poder de
convencimento.5
O tema da decisão judicial, como se viu, comporta distintas abordagens, muitas
delas incompatíveis. No presente verbete, iremos iniciar com a análise, no Título 1, do
realismo jurídico norte-americano, movimento intelectual surgido na primeira metade
do século XX. Justifica-se essa escolha pelo fato de o realismo jurídico, além de
responsável por uma das mais interessantes teorias acerca da decisão judicial, ter
acessado o processo de tomada de decisões judiciais a partir da observação da prática de
como os juízes efetivamente julgam os casos. Jerome Frank, um dos grandes nomes do
movimento, afirmava que as decisões redigidas por juízes eram apenas uma
representação imprecisa dos processos mentais reais que ocorrem em suas mentes.6 A
análise do realismo jurídico norte-americano tem como objetivo trazer luz para a
questão de como efetivamente os juízes produzem suas decisões.
No Título 2 serão abordadas as causas da decisão judicial, legais e extralegais,
com especial ênfase nas últimas. Poucos estudiosos reconhecem o processo judicial
como um exercício infalível de objetividade baseado em evidências. No direito, os
juízes raramente se colocam em situações de absoluta clareza empírica. Em vez disso,
eles têm que decidir articulando argumentos baseados em regras, princípios e

5
KENNEDY, Duncan. The structure of Blackstone’s commentaries, Buffalo Law Review, n. 28, p. 214-
215.
6
Cf. CAPURSO, Timothy J. How Judges Judge: Theories on judicial decision making, University of
Baltimore Law Forum, vol. 29, n. 1, p. 6.

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precedentes. Mas como, exatamente, isso é realizado? A partir da perspectiva da ciência


política, afirma-se que, apesar da existência de leis, princípios e precedentes
supostamente vinculantes, a ideologia política pode, em vários contextos, influenciar o
comportamento judicial.
Em uma outra perspectiva, fundada na relação entre o direito e a psicologia,
iremos abordar, entre outras coisas, os vieses cognitivos e preconceitos variados que
afastam as decisões judiciais do ideal de racionalidade que as teorias normativas de
caráter moral frequentemente defendem.

SUMÁRIO

Introdução ......................................................................................................................... 1

1. Teoria da decisão judicial: formalismo, realismo e indeterminação ....................... 4

1.1. Como os juízes devem decidir .................................................................... 7

1.2. Como os juízes realmente decidem ........................................................... 10

2. Causas da decisão judicial ..................................................................................... 12

2.1. Causas normativas: legais e morais ........................................................... 13

2.2. Causas ideológicas e políticas ................................................................... 15

2.3. Causas psicológicas ......................................................................... 20

Referências ..................................................................................................................... 25

1. TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL: FORMALISMO, REALISMO E INDETERMINAÇÃO

Sem dúvida, algumas das mais perspicazes, polêmicas e influentes teses sobre
como os juízes decidem nasceram no movimento realista norte-americano.7 Este

7
Deixaremos propositalmente de analisar o realismo escandinavo, que teve nas figuras de Axel
Hägerström, A. Vilhelm Lundstedt, Karl Olivecrona e Alf Ross seus mais notáveis pensadores. Apesar de
apresentarem semelhanças em alguns tópicos, consideramos que suas agendas diferem suficientemente a

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movimento surgiu e se desenvolveu nos anos 20 a 40 do século XX, principalmente nas


Faculdades de Direito de Yale e de Columbia. Apesar da dificuldade de conceituar o
realismo jurídico como um grupo de pessoas com unidade de ideias e concepções sobre
o direito, os seguintes autores são comumente descritos como suas figuras mais
representativas: Karl Llewellyn, Jerome Frank, Walter Wheeler Cook, Felix Cohen,
Herman Oliphant, Max Radin e Joseph Hutcheson.
A narrativa convencional sobre a história do realismo jurídico conta que foi
durante as décadas de 1870 até 1920, durante o auge do formalismo jurídico, que
advogados e juízes consideravam o direito de forma autônoma, abrangente, logicamente
ordenada e determinada. Nesta época, influenciados pelo método de casos de
Christopher Langdell, acreditava-se que os juízes se dedicavam a uma dedução
mecânica do corpo de leis e precedentes, visando a produção de uma única resposta
correta para cada caso. No entanto, a partir das décadas de 1920 e 1930, com base nas
ideias de Oliver Wendell Holmes Jr., Roscoe Pound e Benjamin Cardozo, os realistas
buscaram tornar o formalismo jurídico obsoleto, demonstrando que a lei está cheia de
lacunas e contradições e que o direito é indeterminado, que há exceções para a maior
parte das regras legais, princípios e precedentes, e que todos eles podem levar a
resultados opostos. Os realistas argumentaram que os juízes decidem de acordo com
suas preferências pessoais e, em seguida, constroem sua argumentação jurídica para
justificar o resultado por eles desejado.8
Dessa forma, o realismo jurídico foi convencionalmente entendido como um
movimento de questionamento do formalismo jurídico, de ceticismo diante da
afirmação de que o direito é plenamente determinado. Karl Llewellyn, por exemplo,

ponto de considera-los como movimentos intelectuais distintos. A esse respeito, cf. ALEXANDER,
Gregory S. Comparing the two legal realisms – american and scandinavian, The American Journal of
Comparative Law, vol. 50, p. 132.
8
TAMANAHA, Brian Z. Balanced realism on judging. Valparaiso University Law Review, Vol. 44, n. 4,
p. 1243. Importante ressaltar que a narrativa convencional sobre a história do realismo jurídico não é
aceita por todos. Tamanaha possivelmente é o seu maior opositor. Para ele, não houve uma era
“formalista” no pensamento jurídico norte-americano que só terminou com a chegada dos realistas nos
anos 20 e 30. Na realidade, segundo a versão de Tamanaha, juízes e estudiosos expressaram ideias
realistas durante o que se alega ser o apogeu do formalismo jurídico. A divisão entre formalismo e
realismo é, segundo este autor, errada em aspectos essenciais: “The story about the legal formalists is
largely an invention, and legal realism is substantially misapprehended”. TAMANAHA, Brian Z.
Beyond the formalist-realist divide: the role of politics in judging, p. 3. Em sentido contrário, Brian Leiter
acusa Tamanaha de falta de clareza conceitual e citações fora de contexto. LEITER, Brian. Legal
Formalism and Legal Realism: what is the issue? Legal theory, Volume 16, p. 31.

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distinguia as “regras de papel” das “regras reais”. Para Llewellyn e outros realistas, o
ponto crucial do desafio à visão tradicional de um direito determinado residia no fato de
que as regras de papel – a linguagem das leis – eram muitas vezes aproximações pobres
das regras reais que motivam as decisões judiciais. Os juízes seguem as regras, insistiam
Llewellyn e a maioria dos outros realistas, mas essas regras muitas vezes não são as
mesmas que são encontradas em fontes legais padrão.9
Segundo essa descrição, os materiais legais oficiais, como as leis e os
precedentes não ocupam lugar proeminente na decisão judicial. Ao contrário de algumas
teorias tradicionais, os realistas afirmavam que esses materiais não poderiam gerar
aplicações diretas, do tipo mecânicas ou lógicas, como imaginavam, no common law,
William Blackstone e Edward Coke, e no civil law, a escola da exegese francesa do
século XIX.
Uma visão, bem difundida pelos realistas, de que o direito, especialmente na
resolução de casos difíceis, é indeterminado, é também compartilhada por positivistas
jurídicos como H. L. A. Hart. Assim, tanto realistas como positivistas concordam sobre
a existência da indeterminação no direito10 (apesar de discordarem de sua extensão).
Hart não duvidava que em certas situações os juízes chegassem inicialmente a suas
decisões de forma intuitiva e só depois escolhiam, a partir de um catálogo de regras
jurídicas, uma que eles fingiam se adequar ao caso em julgamento. No entanto, o
importante para ele é saber que a maior parte das decisões é alcançada mediante um
autêntico esforço de obediência a normas que os juízes se dispõem previamente a
obedecer e cuja aplicabilidade ao caso é geralmente reconhecida.11
Já os realistas, partiam de uma outra perspectiva. Llewellyn, por exemplo,
pensava que os juízes, ao utilizarem a discricionariedade judicial, buscavam promover
os objetivos internos do sistema legal e os objetivos externos da política. Frank e outros
realistas, de outro lado, diziam que fatores psicológicos ou outros fatores pessoais

9
SCHAUER, Frederick. Legal realism untamed, Texas Law Review, vol. 91, p. 750-751.
10
Quando afirmamos que o direito é indeterminado estamos querendo dizer que ele não têm respostas
certas para todas as questões jurídicas. Em se tratando de uma teoria da decisão judicial, o direito é
indeterminado na medida em que materiais e métodos jurídicos permitem múltiplos resultados para ações
judiciais. Se os argumentos para a indeterminação radical são válidos, eles podem levantar sérias dúvidas
sobre a possibilidade de sistemas jurídicos legítimos e procedimentos judiciais não arbitrários. KRESS,
Ken. Legal indeterminacy, California Law Review, n. 283, p. 283.
11
HART, Herbert Lionel A. Op. cit. p. 182.

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influenciam de forma determinante o processo de tomada de decisão judicial. De


qualquer forma, no que diz respeito ao processo de resolução de litígios, todos (à
exceção dos realistas mais extremos) parecem acreditar que a operação judicial
rotineira, de resolução de casos fáceis, é diretamente regida por regras legais e
precedentes.12
Mas o que parece realmente diferenciar os realistas dos demais teóricos do
direito é a atitude no momento de decidir. Para os realistas, os juízes reagem
primeiramente aos fatos. Em outras palavras, os juízes tomam decisões com base
naquilo que pensam ser mais adequado, de acordo com os fatos do caso, e não de acordo
com a lei aplicável. Enquanto que para o formalismo jurídico os juízes respondem
primeiramente ao estímulo das regras de direito, para os realistas, os juízes respondem
primeiramente ao estímulo dos fatos. Com isso se quer afirmar que materiais legais
oficiais como leis e precedentes fornecem aos juízes razões legais para decidir, mas
quando os juízes se colocam diante de questões não muito claras, eles possuem razões
extralegais para julgar.
Ao tratarmos da forma como os juízes devem julgar e como de fato o fazem
iremos nos aprofundar um pouco mais na distinção acima mencionada.

1.1. Como os juízes devem decidir

Tradicionalmente, a opinião majoritária no direito (e fora dele) foi concebida


de forma que a tomada de decisão judicial devesse ser substancialmente determinada
pelo direito positivo. Essa noção, generalizada, tem sobrevivido por décadas. Embora
possam haver controvérsias sobre a forma como diferem algumas das teorias
tradicionais a respeito da aplicação de uma linguagem normativa a um caso concreto, e
do grau de interpretação que se possa exigir, a visão tradicional pressupõe um papel
determinante para as leis e precedentes na resolução de casos. Além disso, boa parte da
doutrina propõe técnicas de raciocínio jurídico com potencial de prevenção de
resultados injustos e ilegais.
Ainda que tenha havido uma notável queda na crença de que a tomada de

12
SCHAUER, Frederick. Op.cit., p. 759.

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decisão judicial seja tipicamente mecânica, uma visão persistente insiste que mesmo as
decisões judiciais que não são decididas de forma mecânica se baseiam, ou devem se
basear, em sua maior parte, no próprio direito, na lei ou nos precedentes. Até hoje, os
trabalhos padrão sobre o raciocínio jurídico trazem a ideia, ainda que implícita, que
mesmo para esses casos, nos quais a decisão não decorre de uma inferência dedutiva,
algumas respostas e métodos são melhores, do ponto de vista jurídico, que outros.13
Nesse sentido, Ronald Dworkin se destaca entre aqueles que negam o exercício
da discricionariedade judicial em qualquer sentido convencional dessa palavra. Ao
sustentar que a decisão judicial é uma busca pela “resposta correta” em qualquer
controvérsia legal, Dworkin propõe a versão mais sofisticada da visão tradicional do
direito, no sentido de que é o próprio direito que determina a resolução de casos. Para
Dworkin, o direito governa até mesmo aqueles eventos sobre os quais parece, à primeira
vista, não haver resposta. O direito possui, assim, respostas certas tanto para os casos
fáceis como para os mais difíceis.
A partir de sua importante obra O Império do Direito, Dworkin oferece o que
ele mesmo chama de abordagem interpretativa do direito. Com isso ele quer dizer que
toda vez que o juiz se coloca diante de um problema legal, ele deve construir uma teoria
para dizer o que é o direito. Esta teoria deve se encaixar (fit) nas relevantes ações
governamentais do passado, transformando o direito no melhor que ele pode vir a se
tornar. Segundo Dworkin, tanto a prática do direito quanto a sua teoria são melhor
compreendidas como processos de interpretação construtiva, interpretações que
transformam seu objeto no melhor que ele pode vir a ser.14
A interpretação construtiva depende da capacidade de atribuição de um valor
ou propósito característicos ao objeto de interpretação. É este valor ou propósito que
serve de critério para se determinar se a interpretação de um objeto é pior ou melhor que
sua alternativa. Na interpretação construtiva do direito, Dworkin assevera que o
propósito é restringir ou justificar o exercício do poder governamental.15
A proposta de Dworkin é conhecida como direito como integridade: a crença

13
Idem. p. 760-761.
14
DWORKIN, Ronald. O império do direito, p. 66. Para uma visão crítica a respeito da interpretação
construtiva de Dworkin, que visa apresentar seu objeto, o direito, sob sua melhor luz, cf. NOJIRI, Sergio.
Neoconstitucionalismo versus democracia: um olhar positivista, p. 187-189.
15
Idem, p. 116.

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de que os juízes devem decidir de forma a tornar o direito mais coerente, preferindo
interpretações que façam com que o direito se pareça com um produto de uma visão
moral única. Assim, a interpretação do direito deve, na medida do possível, expressar
uma concepção coerente de justiça e equidade.16 O desenvolvimento da teoria da
interpretação em torno do conceito de integridade pode ser entendido como uma
sofisticada versão da forma de raciocinar do common law: uma forma de decidir
baseada, em parte, na consistente suscetibilidade aos princípios e, em outra parte, na
crença de que as decisões passadas são intuições aproximadas de justiça e equidade.17
Vale ressaltar que para Dworkin teóricos tentando compreender o direito como
uma instituição social, juízes decidindo casos, advogados aconselhando clientes e
cidadãos tentando entender seus direitos e responsabilidades legais, estão todos
engajados no mesmo empreendimento interpretativo. Isso significa que para Dworkin
não há uma diferença significativa entre questões como “qual o direito a ser aplicado
neste caso?” e “qual a natureza da instituição social chamada direito?” Para ele, não há
uma linha divisória bem definida entre uma teoria da decisão judicial e uma teoria geral
do direito. Se para Dworkin interpretar é uma questão de apresentar, a partir de um
ponto de vista moral, o direito em sua melhor luz, tanto teóricos do direito quanto juízes
devem apresentar o direito, a partir de um ponto de vista moral, da forma mais coerente
e justa possível.18
Segundo a metodologia de Dworkin, a interpretação construtiva visa apresentar
seu objeto em sua melhor luz. O objetivo é transformar o direito no melhor exemplo da
forma ou gênero ao qual ele pertence e isso significa limitar e justificar o uso da força
governamental. Nesse sentido, a teoria de Dworkin é avaliativa. Teóricos e juízes
devem se engajar no mesmo processo de interpretação construtiva para saber o que é o
direito, ou seja, devem enxergar o direito em sua melhor luz moral e política e avaliar as
condições sob as quais o uso coletivo da força é justificado. Neste processo, no qual
participam tanto teóricos quanto juízes, são realizados julgamentos avaliativos de
natureza moral sobre as características do direito. Isso permite, segundo Dworkin, que o

16
DWORKIN, Ronald. Op.cit., p. 305-307.
17
BIX, Brian. Jurisprudence. Theory and context, p. 90-91.
18
DICKSON, Julie. Evaluation and legal theory, p. 97-98.

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direito possa ser identificado e compreendido.19

1.2. Como os juízes realmente decidem

Para Dworkin a compreensão do direito, que é um fenômeno moralmente


justificado, demanda uma avaliação moral por parte do teórico ou do juiz. Trata-se de
uma abordagem avaliativa que busca apresentar o direito, segundo uma perspectiva
moral, em sua melhor luz. Mas será que os juízes, de fato, decidem casos concretos da
maneira proposta por Dworkin?
Boa parte dos realistas jurídicos provavelmente responderia que não.
Vale lembrar que a palavra “realismo” foi utilizada pelos realistas jurídicos
norte-americanos em seu sentido coloquial. Desta forma, ser realista é olhar para além
dos ideais e das aparências, é olhar para o que “realmente” acontece. É ser até um pouco
cínico.20 Holmes criou uma imagem vívida do realismo ao afirmar que devemos
dispensar toda a linguagem do falso moralismo de advogados, juízes e teóricos legais e
assumir a perspectiva do “homem mau” (bad man), que é aquele que deseja saber
apenas quais ações o colocariam na cadeia ou lhe custariam uma multa e quais não.
Tudo mais seria supérfluo e fora de propósito.21
No lugar da visão tradicional, os realistas buscaram uma teoria focada nas
causas “reais” da decisão judicial e não naquilo que os juízes dizem fazer, mas naquilo
que os juízes e tribunais efetivamente fazem. Eles foram realistas no sentido de tentar
trazer a teoria do direito para o mundo real, afastando suas ilusões e descrevendo as
realidades práticas do sistema jurídico em seu contexto social.22
O realismo é uma referência obrigatória em razão de seu ponto central: o
desvendar do processo de tomada de decisão judicial. O correto entendimento de como
se decide uma ação judicial, na opinião dos realistas, deve atentar para o fato de que as
decisões dos juízes são frequentemente baseadas (conscientemente ou

19
Idem. p. 106.
20
Oliver Wendell Holmes Jr., um dos precursores do movimento realista, falava da necessidade de
“lavar... com ácido cínico” (“wash... with cynical acid”) a visão tradicional do direito, segundo a qual a
doutrina proporciona uma única resposta correta a problemas legais. Cf. MEYERSON, Denise.
Understanding jurisprudence, p. 90.
21
BIX, Brian. Op.cit., p. 178.
22
MEYERSON, Denise. Understanding jurisprudence, p. 90.

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inconscientemente) em vieses pessoais ou políticos, construídos a partir de intuições


(hunches). Os realistas desmistificaram o raciocínio jurídico como um procedimento
científico ou racional dedutivo. Regras e conceitos jurídicos geralmente são
indeterminados e raramente neutros. E é justamente essa indeterminação que leva os
realistas a explicar as decisões judiciais em termos de instintos e vieses.23
Alguns realistas, como Jerome Frank, afirmaram que os juízes determinam o
resultado de um processo judicial antes de decidir se a conclusão é, de fato, fundada em
regras ou princípios legais estabelecidos. O juiz, nesses casos, analisa os fatos
apresentados e decide antes mesmo de refletir sobre a lei ou o precedente aplicável.
Uma vez tomada a decisão, o juiz irá procurar por princípios ou regras existentes que
sustentem sua decisão. Os realistas, portanto, invertem o raciocínio tradicional que
entende que os juízes: 1) buscam a regra ou princípio de direito; 2) os aplica aos fatos;
3) alcança a decisão. Isso significa que para os realistas os juízes não raciocinam com
base em regras abstratas, mas em função de seus instintos, influenciados por fatores
extralegais. Considerando a indeterminação do direito, eles buscam no material jurídico
princípios e regras que apoiem suas visões instintivas do caso. Eles invocam o direito
após o evento, mas procuram fazer com que as razões não jurídicas se apresentem como
se fossem deduções claras de regras pré-existentes, como se não houvesse a intrusão de
opções particulares.24
Joseph Hutcheson, que foi magistrado, afirmou que os juízes decidem por
sentimentos e instintos, não pelo raciocínio. A racionalização, para ele, só surge na
fundamentação escrita da decisão. O impulso que motiva a decisão do juiz, segundo
Hutcheson, é seu senso intuitivo do que é certo e errado em um caso particular. Uma
vez realizada, o juiz irá empregar todos os meios disponíveis para justificar a decisão
judicial, a fim de evitar críticas de seus pares. Já, segundo Frank, a intuição, formada
pelos vieses, estereótipos e preconceitos do juiz, formam a base da conclusão judicial. O
juiz segue seus impulsos emocionais e, então, decide conforme pensa que é certo. Estas
proposições, no sentido de que os juízes formam suas opiniões acerca do certo e do
justo a partir de circunstâncias particulares, são reforçadas pela discrepância nos

23
BIX, Brian. Op. cit., p. 178.
24
MEYERSON, Denise. Op.cit., p. 95.

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resultados de decisões judiciais em assuntos similares.25


Ainda que os realistas jurídicos não estejam absolutamente certos, a visão
tradicional, exposta por certas teorias do direito, que descreve a decisão judicial como
uma escolha racional de aplicação exclusiva de regras e princípios legais, foi
definitivamente colocada sob suspeita. Para os realistas, quando os juízes decidem sobre
o resultado da ação, mesmo antes de se voltarem para as regras legais, assim o fazem
muitas vezes para fazer valer princípios de política em suas decisões. Outros afirmaram
que a personalidade do juiz tem mais impacto do que as regras legais. Dessa maneira, os
juízes alcançam, no processo de tomada de decisão, um resultado de sua preferência
antes mesmo de recorrerem às regras legais. Este resultado é geralmente baseado em
fundamentos extralegais como concepções de justiça, questões sociais e econômicas,
ideologia, vieses, etc. Estas são algumas das causas extralegais da decisão judicial, que
serão a seguir analisadas com maior profundidade. Essas causas, no entanto, nem
sempre aparecem de forma transparente. Os juízes geralmente serão capazes de obter
uma justificação legal para a sua escolha extralegal. Isso só é possível porque o sistema
jurídico é complexo e muitas vezes contraditório.

2. CAUSAS DA DECISÃO JUDICIAL

Os realistas argumentaram contra a ideia de que as regras e princípios abstratos


determinam o resultado de uma ação judicial. A teoria realista da decisão judicial
repudiou a visão do processo de tomada de decisão como uma operação de dedução
silogística ou mecânica. Ao menos nos casos difíceis permanece uma lacuna lógica
entre as proposições gerais e os casos concretos.
As teses realistas sobre como as decisões judiciais são construídas e aplicadas
trouxe à tona um importante questionamento acerca do papel das regras e dos princípios
legais na determinação do resultado de casos concretos.
A seguir, serão analisadas as causas normativas da decisão judicial. Será
realizada uma análise da função exercida pelo material jurídico (regras, princípios e
precedentes) na elaboração da decisão judicial.

25
CAPURSO, Timothy J. Op.cit. p. 6.

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2.1. Causas normativas: legais e morais

Em sua grande obra O Conceito de Direito, H. L. A. Hart teceu duras críticas


ao realismo. Segundo Hart, como os realistas pensavam que o direito era indeterminado,
as regras legais, para eles, seriam absolutamente incapazes de gerar, de forma direta,
resultados jurídicos. Ele os acusou de terem focado apenas nos casos difíceis. Se os
realistas tivessem reconhecido a onipresença dos resultados gerados por regras nos
casos fáceis, argumentou Hart, eles não teriam feito as alegações que fizeram sobre as
regras jurídicas em geral.26
Os realistas, no entanto, também sustentaram a ideia de que o material jurídico
pré-estabelecido pode ser diretamente empregado na maioria dos casos fáceis, de
aplicação legal incontroversa, no qual o resultado final da ação é facilmente previsível
para ambas as partes. Somente nos casos difíceis, de alta litigiosidade e incerteza quanto
ao resultado, é que o determinismo jurídico desaparece. Hart e os realistas, portanto, no
fundo estavam de acordo sobre a existência de uma parcela de indeterminação no
direito. A diferença é que enquanto Hart explicava a discricionariedade a partir da
textura aberta do direito, do caráter vago e ambíguo das palavras, Llewellyn e outros
realistas pensavam que os juízes utilizam suas decisões para promover os objetivos
internos do sistema legal e os externos da política, e que Jerome Frank e outros eram da
opinião de que fatores psicológicos e pessoais influenciam fortemente o processo de
tomada de decisão judicial.27
Os realistas, portanto, não rejeitaram as regras legais no sentido proposicional
do termo. Embora pensassem que a indeterminação substancial contamina o direito (e
não apenas suas margens, como pensava Hart), eles admitiram que as leis podem, até
certo ponto, instruir significativamente as pessoas a agir de certa forma e, por isso,
podem orientar o comportamento daqueles que procuram obedecer os seus
mandamentos. Se eu, por exemplo, quiser obedecer uma lei que diz que o limite de
velocidade é de 50 km/h, eu sei o que fazer (ou seja, dirigir a 50 km/h ou menos). Da

26
HART, Herbert Lionel A. Op. cit., p. 182.
27
SCHAUER, Frederick. Op.cit., p. 759.

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mesma forma, um juiz que queira julgar de acordo com a lei sabe o que fazer (ou seja,
punir apenas aqueles que dirigem mais rápido do que 50 km/h). Quanto a isto não
parecer haver discrepância relevante entre positivistas e realistas.28
Realistas e positivistas, consequentemente, afirmaram que há uma margem de
conformidade das decisões com as regras de direito. Contudo, a visão dos realistas sobre
a conformidade jurídica com o direito, além de heterodoxa, era pluralista. Alguns juízes
se conformam à lei por considerações prudenciais. O fato de suas decisões poderem ser
anuladas em grau de recurso, por seus colegas de tribunal, geralmente fará com que os
juízes sejam mais prudentes e se mantenham fiel à lei. No entanto, boa parte dos
realistas argumentou que a conformidade jurídica não é somente prudencial. Juízes
cumprem a lei porque são diretamente louvados por suas atitudes. Por essa razão,
quando julgam em conformidade com o material jurídico pré-estabelecido,
simplesmente reproduzindo o conteúdo legal, não querem ser taxados de “inertes”,
“conservadores” ou “preguiçosos”, mas como respeitadores de seus antecessores,
superiores e colegas, criando, assim, um hábito de deferência às expectativas da classe
ou do público. Além disso, algumas das atitudes mais importantes associadas à
conformidade com as regras jurídicas são morais. Muitos juízes acreditam que a defesa
da lei é moralmente importante por causa de suas consequências. Felix S. Cohen, por
exemplo, falava da proteção das expectativas humanas baseadas em decisões passadas,
da estabilidade das transações econômicas e da manutenção da ordem e da simplicidade
no sistema jurídico.29
Como vimos, a indeterminação cria situações nas quais os juízes são
confrontados com a questão moral de como o direito deve ser preenchido. Mas e quando
o direito já está determinado? Nestas hipóteses fecham-se as alternativas de cunho
moral para o juiz escolher de forma discricionária, mesmo que uma hipótese alternativa
aparente ser melhor? Nestes casos, deve o juiz simplesmente seguir a lei?
Na opinião dos realistas, não. A ideia de que a lei sempre obriga o juiz a
reproduzi-la, esconde, na opinião de Cohen, o caráter ético da decisão judicial,
ajudando, dessa forma, a perpetuar preconceitos de classe e suposições morais acríticas

28
GREEN, Michael Steven. Legal realism as theory of law, William and Mary Law Review, Vol. 46, n. 6,
p. 1922.
29
Idem p. 1959-1960.

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que não sobreviveriam à luz de um ambiente de liberdade ética. Ou como afirmou


Frank, quando os juízes pensam que estão somente aplicando comandos existentes, ao
criarem novos direitos, na realidade, estão se auto-iludindo. Essa forma de pensar o
papel da moralidade na construção da decisão judicial coloca os realistas bem próximos
de autores com notável preocupação de caráter ético e moral, como é o caso de
Dworkin. O que os tornam diferentes é a maneira como descrevem as atividades do juiz.
Para os realistas, há uma preocupação moral sobre a obrigação de seguir o direito,
entendido como um conjunto de práticas não normativas. Para Dworkin, é preciso saber
o que é o direito, entendido como obrigações morais geradas pelas práticas jurídicas.30

2.2. Causas ideológicas e políticas

Para melhor podermos entender as causas ideológicas e políticas da decisão


judicial, uma rápida análise do movimento que ficou conhecido nos Estados Unidos
América, na década de 1970, como Critical Legal Studies (CLS) pode vir a ser
proveitosa. Entre os adeptos desse movimento constam nomes como Roberto M. Unger,
Duncan Kennedy, Morton Horwitz, Mark Tushnet e Mark Kelman. Apesar de ser, em
muitos aspectos, herdeiro do realismo, o CLS combinava temas realistas com política de
esquerda e uma profunda crítica ao “liberalismo jurídico”. Os estudiosos do direito
crítico colocaram grande ênfase na natureza ideológica do direito - os interesses sociais
e econômicos aos quais ela atende, bem como suas funções legitimadoras - e, ao fazê-lo,
tomaram a mensagem do realismo de que “direito é política” (law is politics) mais
seriamente do que os próprios realistas. Apesar de o CLS não ter sido muito influente,
no sentido de ter transformado o direito vigente, ele ajudou a inspirar e informar as
abordagens críticas mais recentes, como a teoria jurídica feminista e a teoria crítica
racial.31
Tal como os realistas, os teóricos críticos do direito (também conhecidos como
“crits”) enfatizaram a indeterminação do direito - sua incapacidade de gerar respostas a
problemas legais e de restringir as decisões de juízes baseadas em escolhas políticas.
Como os realistas, eles também afirmaram que os juízes escondem a natureza política

30
Idem. p. 1972-73.
31
MEYERSON, Denise. Op. cit., p. 104.

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de suas escolhas mediante práticas post hoc, com a elaboração de um “raciocínio legal
objetivo” em momento posterior à tomada de decisão. E os adeptos de ambos os
movimentos pensavam o direito como um instrumento para atingir metas políticas. Mas
no caso do CLS, a tese da indeterminação está inserida dentro de uma crítica radical de
todo o corpo da teoria jurídica liberal. Isso significa que os teóricos críticos desejavam
“deslegitimar” o direito, que eles viam como um instrumento de injustiça. Os realistas,
em contraste, eram reformistas liberais que pensavam que o direito deveria ser usado
como um instrumento para avançar os valores da democracia liberal norte-americana.
Ademais, pensavam que as ciências sociais poderiam superar as deficiências da doutrina
jurídica e ser uma fonte de padrões objetivos na tomada de decisões judiciais. Os
críticos, por outro lado, não compartilhavam tal fé na capacidade das ciências sociais.
Além disso, acreditavam que as noções liberais do Estado de Direito e de direitos legais
de juízes e demais funcionários públicos não são nem coerentes nem desejáveis.32
Mas com relação às causas da decisão judicial, estavam os teóricos críticos e os
realistas corretos ao afirmarem que “direito é política”? Em ampla e interessante
pesquisa empírica, Cass R. Sunstein, David Schkade, Lisa M. Ellman e Andres Sawicki
procuraram fornecer informações concretas sobre o comportamento judicial, a saber: se,
e em que sentido, juízes de tribunais podem ser considerados “políticos”. Nos Estados
Unidos, como no Brasil, chefes do Poder Executivo nomeiam juízes para as cortes
superiores, criando inúmeras controvérsias políticas.33 A pesquisa de Sunstein e seus
colegas, contudo, não se restringiu apenas ao comportamento de juízes da Corte
Suprema, mas também de tribunais inferiores, com especial ênfase na distinção entre
juízes indicados por presidentes republicanos e democratas.
Muitos acreditam que, como regra geral, a ideologia política não deve e não
afeta os julgamentos legais. Essa crença contém uma importante verdade:
frequentemente a lei é clara e os juízes devem simplesmente implementá-la, não
importa quem os tenha nomeado. Mas o que acontece quando a lei não é clara? Neste
caso parece inadequado pedir aos juízes que simplesmente “sigam a lei”. Assim, na

32
Idem. p. 105.
33
Em 1987, por exemplo, quando o presidente Ronald Reagan tentou nomear Robert Bork para o cargo
de Juiz da Suprema Corte norte-americana, o Senado rejeitou a nomeação por 58 a 42 votos. A rejeição
foi em grande parte baseada por motivos ideológicos. Ninguém argumentou que o juiz Bork era
incompetente. A verdadeira preocupação por parte de seus críticos era de que o posicionamento político e
ideológico de Bork influenciasse suas decisões judiciais.

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hipótese de a lei não fornecer nada para “seguir”, a afiliação política do presidente que
nomeou o juiz é importante? Que papel desempenha então a ideologia?
É possível imaginar duas linhas de respostas completamente distintas para
essas perguntas. Pode-se responder que, mesmo quando a lei não é clara, no sentido de
que não se pode encontrar precedentes vinculantes, a ideologia não importa. A própria
cultura jurídica impõe uma severa disciplina aos juízes, de modo que decidam como
juízes e não como ideólogos. Os juízes, nesses casos, devem proteger valores
constitucionais como a liberdade de expressão ou a igualdade de acordo com a lei, por
exemplo, independentemente de suas crenças pessoais, mesmo quando a lei existente
não prima pela clareza. Alternativamente, pode-se afirmar que, em casos difíceis, as
“atitudes” dos juízes acabem predizendo suas decisões, de modo que os juízes liberais
nomeados por presidentes democratas julguem sistematicamente diferentes de juízes
conservadores indicados por presidentes republicanos. O “modelo atitudinal”,34
influente e bem conhecido no direito e na política, tenta explicar as decisões judiciais
nestes termos.35
No atual contexto ideológico e político norte-americano é razoável pensar que
presidentes republicanos queiram nomear juízes que interpretarão a Constituição de
maneira mais conservadora que os juízes nomeados por presidentes democratas (e vice-
versa). Mas isso é verdadeiro? Esta hipótese foi confirmada pela pesquisa empírica
empreendida por Cass Sunstein e seus colegas? Ao que tudo indica, sim. Não somente
se confirmou que as decisões judiciais são diretamente influenciadas por aspectos
ideológicos e políticos do julgador, mas também que os juízes, como muitos outros
seres humanos, frequentemente são influenciados por outros juízes, especialmente
aqueles com quem interagem cotidianamente. E isso pode fazer com que às vezes os
juízes suprimam suas visões privadas e se conformem às visões de outros juízes.
Sunstein e seus colegas especulam, ainda, que os juízes de tribunais federais são
afetados pelos votos de outros juízes da mesma turma (panel). Em uma turma de três
juízes, o voto de um deles pode muito bem ser influenciado pelos dos outros dois.36

34
Este modelo trata a tomada de decisões judiciais como produto de crenças e impressões, com processos
de raciocínio posteriormente adicionados. O modelo atitudinal sustenta que os juízes buscam implementar
através de suas decisões suas próprias preferências políticas.
35
SUNSTEIN, Cass R. et al. Are judges political? An empirical analysis of the federal judiciary, p. 5.
36
Idem, p. 7.

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Isso significa que a tendência ideológica de um juiz deve ser atenuada se


estiver na mesma turma que outros dois juízes com visões políticas diferentes. Um juiz
nomeado por um liberal, por exemplo, deve ser menos propenso a votar de forma
escancaradamente liberal, se estiver acompanhado por dois juízes nomeados por
republicanos, e um juiz de nomeação republicana deve ser menos propensos a votar de
forma nitidamente conservadora, se estiver acompanhado por dois juízes nomeados por
democratas. Por outro lado, é provável que a tendência ideológica de um juiz, em casos
ideologicamente conflituosos, seja ampliada se ele estiver na mesma turma com dois
juízes que compartilhem as mesmas ideologias políticas. Um juiz nomeado por um
democrata deve mostrar uma tendência maior a votar de forma amplamente liberal, se
acompanhado por dois juízes de nomeação democrata, e é provável que um juiz
nomeado por um republicano deva votar de forma rigorosamente conservadora, se
acompanhado por dois juízes de nomeação republicana.
No estudo realizado por Sunstein e seus colegas verificou-se que as variações
na composição das turmas do tribunal levam a resultados dramaticamente diversos. Nos
casos analisados em uma turma composta por três juízes nomeados por presidentes
democratas a média de decisões consideradas liberais foi de 62%, enquanto que em uma
turma composta por três juízes nomeados por republicanos a média de decisões tidas
como liberais foi de apenas 36%. A diferença de 26% é surpreendentemente grande. Por
sua vez, turmas mistas apresentaram resultados intermediários. Uma turma composta
por dois juízes nomeados por republicanos e um juiz nomeado por um democrata
atingiu a média de 41% de decisões consideradas liberais, enquanto que uma turma
composta por dois juízes nomeados por democratas e um nomeado por um republicano
obteve a média de 52%.37
A pesquisa realizada por Sunstein e seus colegas revelou também que, a
depender do assunto tratado, a ideologia política se mostra mais evidente. Nos casos de
ações afirmativas, por exemplo, que trataram da constitucionalidade de programas
destinados a beneficiar membros de grupos de minorias raciais, de 1978 a 2004, os
juízes nomeados por republicanos produziram 275 votos, com 129, ou 47%, a favor da
manutenção de um programa de ação afirmativa. Em contraste, os juízes nomeados por

37
Idem, pp. 11-12.

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democratas emitiram 208 votos, com 156, ou 75%, a favor da manutenção de um


programa de ação afirmativa. Aqui, encontramos uma evidência impressionante de
votação ideológica. E se analisarmos as decisões individuais de cada juiz, verificaremos
que dentre os juízes nomeados por republicanos as decisões a favor dos programas de
ação afirmativa atingiu o percentual de apenas 34%, enquanto que entre os juízes
nomeados por democratas as decisões individuais a favor desses programas foi de 81%.
Segue-se que uma instituição que defende um programa de ação afirmativa tem uma
chance de um em três de sucesso diante de uma turma de tribunal totalmente
republicana, mas mais de quatro em cinco diante de uma turma composta por
democratas!38
Em outros casos envolvendo assuntos como a Lei Nacional de Política
Ambiental (National Environmental Policy Act), interpretações das relações trabalhistas
pelo Conselho Nacional de Relações Laborais (National Labor Relations Board),
discriminação sexual, discriminação por deficiência, assédio sexual, financiamento de
campanhas políticas, segregação racial, entre outras, foram, da mesma forma,
verificadas significativas diferenças nas decisões judiciais de juízes nomeados por
democratas e republicanos, especialmente a partir de polêmicas de natureza política e
ideológica. Em média, juízes nomeados por republicanos decidiram em conformidade
com uma tendência liberal cerca de 48% das vezes, enquanto que os juízes nomeados
por democratas obtiveram o percentual de 59%. Mas quando os juízes nomeados por
republicanos estiveram com outros dois também nomeados por republicanos, o
percentual baixou para 43%, contrariamente aos juízes nomeados por democratas que
quando decidiram juntos, o percentual de decisões consideradas liberais subiu para
70%.39
Sunstein e seus colegas afirmam que muitas pessoas nos Estados Unidos
parecem pensar que os juízes nomeados por presidentes de diferentes partidos políticos
não são fundamentalmente diferentes e que, uma vez no exercício do cargo, os juízes
frequentemente surpreenderão aqueles que os nomearam. Essa suposição, apesar de não
ser totalmente sem fundamento, é enganosa. Alguns juízes decepcionam os presidentes

38
Idem, p. 24-25.
39
Idem, p. 43. É preciso ressaltar, no entanto, que, segundo esta mesma pesquisa, em alguns casos não
foram encontradas diferenças ideológicas, como, por exemplo, em apelações criminais.

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que os nomearam, mas esses exemplos estão longe de ser corriqueiros, pelo contrário,
são extremamente raros, especialmente na Suprema Corte (mas também nos tribunais
inferiores das últimas décadas).40 Os juízes nomeados pelos presidentes republicanos
são sistematicamente diferentes em seus comportamentos dos juízes nomeados pelos
presidentes democratas. Isso é verdade para as questões mais polêmicas: ação
afirmativa, discriminação sexual, aborto, pena de morte, proteção ambiental,
discriminação por deficiência, etc.
Mas isso vale para o Brasil? Como sabemos, o sistema norte-americano de
indicação e nomeação de juízes é distinto do brasileiro em inúmeros aspectos.
Apesar de a pesquisa ter se centrado na questão das nomeações de juízes por
presidentes republicanos e democratas, própria da realidade norte-americana,
acreditamos que as diferenças encontradas nas decisões de juízes nomeados ilumina não
somente as questões de direito e política daquele país, mas também de outros,
notadamente o nosso. Não obstante o maior número de juízes terem alcançado seus
cargos mediante concurso de provas e títulos, preocupações com o ativismo judicial,
decorrente de visões e ideologias políticas, já invadiu nosso cotidiano há muito tempo.
Juízes brasileiros são constantemente relacionados a ideologias de direita e esquerda e
alguns, especialmente de cortes superiores, são até associados a partidos políticos
específicos.

2.3. Causas psicológicas

Realistas como Jerome Frank reconheciam que não somente as regras e os


princípios de direito produzem uma decisão judicial. Vieses e preconceitos políticos,
econômicos e morais, também podem influenciar diretamente as decisões. Nesse

40
Não obstante, o perfil ideológico do juiz tenha sido extremamente relevante para a escolha do
presidente (que tende a buscar um perfil semelhante ao seu), estudos demonstram que com o passar do
tempo essas semelhanças se atenuam. Alguns podem atribuir isso a uma diminuição gradativa do
sentimento de lealdade ao presidente. No entanto, é mais provável que a tendência a divergir não decorra
de uma erosão da lealdade, mas do fato de que as ideologias de algumas pessoas mudam ao longo do
tempo, e que quanto mais tempo um juiz permanece na corte, mais provável a mudança. É também
possível que o presidente possa simplesmente ter se enganado sobre as inclinações ideológicas de um
candidato. Um juiz pode, ainda, ter sido nomeado por conta de uma questão controversa em que ele
concordava com o presidente, mas novas questões em que as suas opiniões divergem podem surgir. Cf.
EPSTEIN, Lee; LANDES, William M.; POSNER, Richard A. The behavior of federal judges: a
theoretical and empirical study of rational choice, p. 117-118.

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sentido, a credibilidade que um juiz atribui a uma testemunha pode depender de


idiossincrasias únicas, como um antagonismo racial, afeto ou animosidade por um
determinado grupo ou indivíduo, ou mesmo uma experiência ou memória singular. Para
Frank, uma mera tosse ou gesto por parte de um advogado ou testemunha podem
alimentar esses vieses inconscientes que estão constantemente em funcionamento e,
dessa forma, influenciar a decisão do juiz.41
No entanto, da época em que Frank elaborou suas ideias, para os dias de hoje,
muita coisa mudou em termos de investigação científica de escolhas e decisões
humanas. As pesquisas na área da psicologia evoluíram de forma consistente e
progressiva. Os psicólogos, hoje, sabem, por exemplo, que os seres humanos dependem
de atalhos mentais para tomar decisões complexas. Estes atalhos são frequentemente
chamados de “heurísticas”.42 A confiança nestas heurísticas facilita, na maior parte do
tempo, o bom senso, mas também pode produzir erros sistemáticos de julgamento.
Assim como certos padrões de estímulos visuais podem enganar a visão das pessoas,
levando-as a ver coisas que não estão realmente lá, certos padrões factuais podem
enganar o julgamento das pessoas, levando-os a acreditar em coisas que não são
verdadeiras. A dependência dessas heurísticas pode criar ilusões cognitivas que
produzem julgamentos errôneos. Pesquisadores descobriram, por exemplo, que as
decisões dos jurados são frequentemente afetadas por ilusões cognitivas. É comum
jurados acreditarem que litigantes deveriam: a) prever eventos que ninguém poderia ter
previsto; b) permitir que informações irrelevantes ou inadmissíveis influenciassem
ações geradoras de responsabilidade; c) se submeter a estimativas numéricas arbitrárias;
d) contar com métodos incoerentes para calcular danos.43
Mas e os juízes? Eles também estão sujeitos aos mesmos erros de escolhas
judiciais realizadas por jurados? Psicólogos suspeitam que, embora os juízes sejam
experientes no ofício de decidir, bem treinados e altamente motivados, eles também são
vulneráveis às ilusões cognitivas. Estudos empíricos demonstram que essas ilusões
afetam muitos profissionais, incluindo médicos, peritos imobiliários, engenheiros,

41
CAPURSO, Timothy J. Op.cit., p. 7.
42
Heurística é um procedimento mental simples. É uma espécie de atalho cognitivo que ajuda a encontrar
respostas adequadas, ainda que geralmente imperfeitas, para perguntas difíceis. A palavra vem da mesma
raiz que heureca. KANEHMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar, p. 127.
43
GUTHRIE, Chris; RACHLINSKI, Jeffrey J.; WISTRICH, Andrew J. Inside the judicial mind. Cornell
Law Review, Vol. 86, p. 780-781.

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contadores, corretores do mercado de capitais, comandantes militares, psicólogos e


advogados. Ademais, juízes tomam decisões em condições incertas e pressionados pelo
tempo, o que incentiva a dependência de atalhos cognitivos que podem causar ilusões de
julgamento.
Chris Guthrie, Jeffrey J. Rachlinski e Andrew J. Wistrich exploraram a
influência das ilusões cognitivas na tomada de decisões judiciais por meio de um estudo
empírico no qual procuraram saber qual a influência de cinco ilusões cognitivas na
forma como os juízes tomam decisões. Foi utilizada uma amostra de 167 magistrados
federais. Os vieses testados foram: a) ancoragem (realização de estimativas com base
em pontos de partida irrelevantes); b) enquadramento (consideração de ganhos e perdas
economicamente equivalentes de forma diferente); c) retrospectiva (percepção de
eventos passados como se fossem mais previsíveis do que realmente eram); d)
heurística de representatividade (ignorar informações estatísticas importantes); e)
egocentrismo (superestimação das próprias capacidades). Os pesquisadores descobriram
que cada uma dessas ilusões cognitivas influenciou os processos de tomada de decisão,
embora os juízes tenham mostrado menos vulnerabilidade a duas das cinco ilusões do
que outros especialistas e leigos. Os resultados demonstraram que, em determinadas
circunstâncias, os juízes se baseiam em heurísticas que podem levar a julgamentos
sistematicamente errôneos. Em suma, o estudo forneceu apoio empírico para a
afirmação de Jerome Frank de que “quando tudo estiver dito e feito, temos que lidar
com o fato de que os juízes são humanos”.44
Embora a maioria dos juízes tente construir suas decisões usando fatos,
evidências e critérios legais limitadores de preconceitos pessoais, atitudes e emoções,
eles são constantemente submetidos à influência das ilusões cognitivas acima descritas.
A pesquisa elaborada por Guthrie e seus colegas demonstrou que os juízes dependem do
mesmo processo de tomada de decisão cognitiva que leigos e outros especialistas, o que
os torna vulneráveis às ilusões cognitivas causadoras de maus julgamentos. Mesmo que
os juízes não tenham parcialidade ou preconceito contra qualquer dos litigantes,
compreendam plenamente a lei aplicável ao caso e conheçam todos os fatos relevantes,
eles ainda assim podem, em certas circunstâncias, tomar decisões sistematicamente

44
“… when all is said and done, we must face the fact that judges are human.” Cf. Idem. p. 784.

22
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errôneas, como todos os demais seres humanos.45


Outro importante estudo que vale ser lembrado foi realizado por Shai Danziger,
Jonathan Levav e Liora Avnaim-Pesso. Durante 10 meses estes pesquisadores avaliaram
1.112 decisões relacionadas a pedidos de liberdade condicional (parole) proferidas por
oito juízes israelenses de dois diferentes conselhos de liberdade condicional. Em
resumo, eles confirmaram a antiga e conhecida caricatura que o realismo jurídico fazia
do sistema judicial, de que a justiça é “o que o juiz comeu no café da manhã”.
Na análise de sequências de decisões de liberdade condicional realizadas por
experientes juízes, foram registradas duas pausas diárias para uma “refeição”, o que
resulta em uma segmentação das deliberações do dia em três “sessões de decisão”.
Danzinger e seus colegas descobriram que o percentual de decisões favoráveis caiu
gradualmente de ≈65% para quase zero em cada sessão de decisão e retornou
abruptamente para ≈65% após a pausa para a refeição. Essas descobertas, no sentido de
que os juízes concedem mais pedidos de liberdade condicional após uma refeição,
sugerem que as decisões judiciais podem ser influenciadas por variáveis extrajurídicas
que não deveriam ter nenhuma influência.46
Segundo esta pesquisa, evidências sugerem que quando os juízes fazem
repetidos julgamentos, eles mostram uma crescente tendência a decidir em
conformidade com o status quo. Contudo, esta tendência pode ser superada com uma
pausa para uma refeição, consistente com pesquisas anteriores que demonstraram os
efeitos positivos de um curto descanso, estar de bom humor e consumo de glicose na
reposição de recursos mentais. Os pesquisadores, no entanto, não afirmaram
inequivocamente que simplesmente descansar ou comer restaura os recursos mentais
dos juízes. Também não foi determinado a pausa melhorou o humor dos juízes. No
entanto, os resultados indicaram que variáveis extralegais podem influenciar as decisões
judiciais, o que reforça o crescente conjunto de evidências que apontam para a
suscetibilidade de juízes experientes a preconceitos psicológicos. A pesquisa, portanto,
reforça a tese de que o direito é indeterminado e que determinantes situacionais
juridicamente irrelevantes como uma pausa para alimentação podem levar um juiz a

45
Idem. p. 829.
46
DANZINGER, Shai; LEVAV, Jonathan; AVNAIM-PESSO, Liora. Extraneous factors in judicial
decisions. PNAS, vol. 108, n. 17, p. 6890.

23
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decidir de forma diferente em casos com características legais semelhantes.47


A suspeita de Danzinger e seus colegas é de que estratégias mentais de
simplificação da decisão encontram-se presentes em outras formas de decisões além das
judiciais, tais como as legislativas, médicas, financeiras, etc. Tudo indica que nem
mesmo os especialistas das mais diversas áreas são imunes a influência de informações
estranhas e aparentemente irrelevantes. Na realidade, opinam os pesquisadores, a
caricatura de que a justiça é o que o juiz comeu no café da manhã pode ser uma
caricatura apropriada para a tomada da decisão humana em geral.48

47
Idem. p. 6892.
48
Idem.

24
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TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO

REFERÊNCIAS

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