João Cabral, Uma Poesia A Palo Seco - Ouro de Tolo

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20/04/2019 João Cabral, uma poesia a palo seco – Ouro de Tolo

Ouro de Tolo
Carnaval, Esporte e Variedades

João Cabral, uma poesia a palo


seco
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João Cabral de Melo Neto, poeta nascido no Recife, é associado cronologicamente à


geração de 45 do Modernismo brasileiro, mas, em verdade, suas características destoam
das que normalmente  de nem tal momento literário. Contrário ao sentimentalismo
poético e defensor de uma poesia escrita ‘a palo seco’, ele produz com exatidão e
objetividade e, por isso, ocupa um espaço singular na Literatura.

A preferência pelo encontro de consoantes na composição poética, aspecto que


negligencia a suavidade atingida pela melodia das vogais, faz com que o elemento
“pedra” represente semanticamente essa valorização ao selecionar as palavras que serão

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por ele utilizadas. Seu primeiro livro intitula-se Pedra do sono (1942) e o último, A
educação pela pedra (1966), mostrando esse elemento não como um estorvo no meio do
caminho, mas como possibilidade de educar-se por meio do despertar provocado por um
eventual tropeço.

Isso ca mais claro, por exemplo, a partir do entendimento do poema “Catar feijão”, no
qual ele compara o processo de escrever com o ato de catar feijão: neste, retira-se “um
grão qualquer, pedra ou indigesto,/ um grão imastigável, de quebrar dente” que
ocasionalmente esteja entre os grãos de feijão; na composição poética, porém, acontece
o contrário – deve ser selecionada a melhor palavra, representada, pois, pela pedra, já
que “a pedra dá à frase seu grão mais vivo:/ obstrui a leitura uviante, utual,/ açula a
atenção, isca-a como o risco.”

A exatidão e a objetividade da produção literária de João Cabral podem ser vistas


sobretudo no modo como foi criada sua obra Serial: totalmente articulada em torno do
número quatro, é composta por dezesseis poemas – quatro ao quadrado –, todos eles
são divididos em quatro partes e há o trabalho com quatro variantes métricas, além de
outros aspectos que remetem ao mesmo número. É nesse livro que encontramos, a meu
ver, um de seus melhores poemas, “Graciliano Ramos:”, que será brevemente analisado:

GRACILIANO RAMOS:

Falo somente com o que falo:


com as mesmas vinte palavras
girando ao redor do sol
que as limpa do que não é faca:

de toda uma crosta viscosa,


resto de janta abaianada,
que ca na lâmina e cega
seu gosto da cicatriz clara.

***

Falo somente do que falo:


do seco e de suas paisagens,
Nordestes, debaixo de um sol
ali do mais quente vinagre:

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que reduz tudo ao espinhaço,


cresta o simplesmente folhagem,
folha prolixa, folharada,
onde possa esconder-se a fraude.

***

Falo somente por quem falo:


por quem existe nesses climas
condicionados pelo sol,
pelo gavião e outras rapinas:

e onde estão os solos inertes


de tantas condições caatinga,
em que só cabe cultivar
o que é sinônimo da míngua.

***

Falo somente para quem falo:


quem padece sono de morto
e precisa um despertador
acre, como o sol sobre o olho:

que é quando o sol é estridente,


a contrapelo, imperioso,
e bate nas pálpebras como
se bate numa porta a socos.

A temática do sertão aproxima João Cabral


de Melo Neto de Graciliano Ramos, a quem
o título se refere estabelecendo um diálogo
com Vidas Secas. Nesse romance, os
personagens têm uma fala limitada, com
construções simples, fato que permite a
relação da pobreza vocabular com a
experiência da miséria. João Cabral acredita que a vida no sertão não pode ser retratada
por uma linguagem associada ao ritmo e à melodia dos versos, porque esses artifícios
estariam dissociados da falta de humanidade a que são submetidos os que possuem uma

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vida severina. É por isso que ele utiliza somente “as mesmas vinte palavras”, palavras
estas que giram “ao redor do sol”, ou seja, em um ambiente seco e escasso.

Ainda na primeira estrofe, temos a “faca” como um instrumento responsável tanto pela
dor física do sertanejo quanto pela sua dor existencial. Pensando nesse mesmo signo a
partir da análise da criação textual, percebemos que as palavras consideradas poéticas
são evitadas por João Cabral justamente porque representariam o alimento que não deixa
nítido o perigo de uma faca: a palavra literária, desse modo, funcionaria como enfeite ou
oreio a uma realidade cruel e sem vida, da mesma maneira que a “crosta viscosa,/ resto
de janta abaianada” cegaria uma possível cicatriz feita pela lâmina que corta.

Ademais, ao falar “somente do que fala”, o poeta esclarece o sertão como tema: um
ambiente reduzido ao espinhaço, sem espaço para a folha prolixa ou vistosa de um
cenário que não faz parte daquele lugar seco. Mais adiante, ao falar “somente por quem
fala”, ele dá voz às pessoas que vivem no sertão, submetidas à falta de dignidade e a uma
experiência vital “em que só cabe cultivar/ o que é sinônimo da míngua”.

Por m, as duas últimas estrofes expressam a quem o poeta direciona seu lamento, como
se fosse um aviso ao leitor para que este desperte do “sono de morto” e enxergue a
problemática social tratada no poema. O sol “estridente”, quando “bate nas pálpebras
como/ se bate numa porta a socos”, evidencia a urgência de alertar e mostrar essa
realidade àqueles que a desconhecem ou mantêm distância dela.

“Graciliano Ramos:”, portanto, serve como um bom exemplo para uma breve
compreensão de sua obra. A partir da leitura desse poema, percebe-se a presença
constante do atrito de consoantes, a temática do sertão, a preocupação com a divisão
exata da forma, a crítica às palavras consideradas poéticas e a denúncia social,
características que marcam fortemente a composição literária de João Cabral de Melo
Neto.

Escrito por: Thaís Velloso em 16 de agosto de 2014.

Enredos e Suas A tragédia veio do ar


Sinopses: Segunda-feira

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One Reply to “João Cabral, uma poesia a


palo seco”

Witória

Amei! 14 de novembro de 2015 às 22:02

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