Livro2 AprenderTerra GeoCPLP2012

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Série Documentos A presente obra reúne um conjunto de contribuições apresentadas no I Congresso

9 789892 605241
Imprensa da Universidade de Coimbra Internacional de Geociências na CPLP, que decorreu de 14 a 16 de maio de 2012 no
Coimbra University Press Auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra. São aqui apresentados trabalhos
2012 desenvolvidos por várias equipas afiliadas a distintas instituições da CPLP,
que representam abordagens educativas inovadoras, perspetivadas quer para
contextos escolares, quer para cenários exteriores à sala de aula, e utilizando desde os
recursos mais convencionais, como os manuais escolares, até às narrativas ficcionadas,
sem descurar o potencial educativo que encerram muitos dos locais situados em vários
países lusófonos, e que detêm enorme valor patrimonial.

PARA APRENDER COM A TERRA


ARA APRENDER
COM A TERRA
MEMÓRIAS E NOTÍCIAS
DE GEOCIÊNCIAS
NO ESPAÇO LUSÓFONO

Henriques, M. H., Andrade, A. I.,


Quinta-Ferreira, M., Lopes, F. C.,
Barata, M. T., Pena dos Reis, R.
& Machado, A.
Coordenação

Fotografia da Capa
Ribeira do Maloás, Ilha de Santa Maria, Portugal

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA


2012

verificar medidas da capa/lombada. Lombada: 18mm


A presente obra reúne um conjunto de contribuições apresentadas no I Congresso
Internacional de Geociências na CPLP, que decorreu de 14 a 16 de maio de 2012 no
Auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra. São aqui apresentados trabalhos
desenvolvidos por várias equipas afiliadas a distintas instituições da CPLP,
que representam abordagens educativas inovadoras, perspetivadas quer para
contextos escolares, quer para cenários exteriores à sala de aula, e utilizando desde os
recursos mais convencionais, como os manuais escolares, até às narrativas ficcionadas,
sem descurar o potencial educativo que encerram muitos dos locais situados em vários
países lusófonos, e que detêm enorme valor patrimonial.

Fotografia da Capa
Ribeira do Maloás, Ilha de Santa Maria, Portugal
D O C U M E N T O S
EDIÇ ÃO
Im pren s a da U n iv ersid ad e d e C o i m b r a
URL: http://www.uc.pt/imprensa_uc
Email: [email protected]
Vendas online: http://livrariadaimprensa.uc.pt

CONCEÇ ÃO GR Á FIC A
An t ón io Ba r r o s

INFOGR A FI A DA C A PA
Carlos Costa

INFOGR A FI A
Henrique Patrício
Xavier Gonçalves

E X ECUÇ ÃO GR Á FIC A
Gráfica de Coimbra

ISBN
978-989-26-0524-1

DEPÓSITO L EG A L
355305/13

OBR A PUBLICADA COM O APOIO DE:

© DEZ EMBRO 2012, IMPR ENSA DA U N I V ER SIDA DE DE COIMBR A


ARA APRENDER
COM A TERRA
MEMÓRIAS E NOTÍCIAS
DE GEOCIÊNCIAS
NO ESPAÇO LUSÓFONO

Henriques, M. H., Andrade, A. I.,


Quinta-Ferreira, M., Lopes, F. C.,
Barata, M. T., Pena dos Reis, R.
& Machado, A.
Coordenação

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA


2012
(Página deixada propositadamente em branco)
“Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa.

Livros são papéis pintados com tinta.


Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.


Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto


É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca.”

(Fernando Pessoa)
(Página deixada propositadamente em branco)
Sumário

Apresentação........................................................................................................................... 13

SECÇÃO 1
NA TERR A DOS LIVROS ONDE TODAS AS HISTÓRIAS SÃO NATUR AIS

1. Geologia como reserva pedagógica para uma ecoliteracia crítica.......................................... 17


H. Tapadinhas

2. “Museus & Fósseis da Região Sul do Brasil”:


a relação entre a produção de um livro de divulgação científica
e a descoberta de fósseis de pterossauros na bacia sedimentar do Paraná.................................. 25
P. C. Manzig & L. C. Weinschütz

3. Paleontólogas descortinando os dinossauros e dragões de Pedro Bandeira........................... 33


L. L. M. Nogueira & M. H. Hessel

4. As temáticas do Ano Internacional do Planeta Terra nos manuais escolares


de Geologia dos 10º e 11º anos de escolaridade do Ensino Secundário Português................... 43
M. A. Pacheco & M. H. Henriques

SECÇÃO 2
A TERR A EM CENÁRIO ESCOLAR: NOVOS PROBLEMAS, NOVOS DESAFIOS

5. Educação para Desenvolvimento Sustentável e práticas interdisciplinares............................ 55


A. Capelo & M. A. Pedrosa

6. Educação em Geociências: investigação educacional


e currículo do Ensino Secundário de Timor‑Leste........................................................................ 65
D. Rebelo, A. Soares de Andrade, J. Bonito & L. Marques

7. O reflexo do ensino da Educação Ambiental como um instrumento


de contribuição para um ambiente sustentável......................................................................... 75
M. F. B. Damasceno, S. P. Dantas & E. V. da Silva
8. Energia e Educação para Desenvolvimento Sustentável....................................................... 85
P. João, M. A. Pedrosa & M. H. Henriques

9. Perceções de alunos do Ensino Secundário de Arganil (Portugal)


acerca de trabalho de campo................................................................................................... 95
G. M. Dias & M. H. Henriques

10. Atividades práticas para o ensino da estabilidade de taludes


com base em casos reais ........................................................................................................ 105
A. Rola, M. Quinta‑Ferreira & C. Gomes

11. As pedreiras como recursos educativos – a Pedreira Britaldos


(Penela, Portugal).................................................................................................................. 113
F. Filipe & M. H. Henriques

12. Perceções e ideias de alunos do Ensino Secundário acerca de Geoparques no


âmbito de uma intervenção educativa centrada no Geoparque Arouca (Portugal)................. 123
C. Tomaz, M. H. Henriques & A. A. Sá

13. Bogicca: jogo para ensino do processo de formação do solo............................................. 133


F. C. Reverte, M. G. M. Garcia & J. B. Sígolo

14. O ensino de Geografia e a construção de conhecimentos


do espaço geográfico de Independência (Ceará, Brasil).......................................................... 141
R. C. Gomes, I. Pedroza & M. C. Sales

SECÇÃO 3
A TERR A EM CONTEXTOS NÃO ESCOLARES: LÁ FOR A TAMBÉM SE APRENDE

15. Interpretar as Geopaisagens Açorianas..............................................................................153


E. A. Lima & P. Garcia

16. Fósseis e a expansão urbana na cidade de Mafra (Santa Catarina – Brasil)........................161


L. C. Weinschütz & M. Mets

17. A evolução das espécies e a percepção do tempo geológico:


oficina e exposição num projeto de cooperação entre o Brasil e Cabo Verde.......................... 167
K. L. Mansur

18. Divulgação dos fósseis da Bacia do Araripe (Nordeste do Brasil)..................................... 177


L. L. M. Nogueira, A. M. F. Sales, M. H. Hessel & J. A. Nogueira Neto

19. A Museografia como ferramenta para a divulgação das Geociências:


a experiência do Museu da Geodiversidade (MGEO – IGEO/UFRJ).................................... 185
A. R. S. F. Castro, P. D. Greco, K. Mansur, E. M. R. Pereira, M. C. Diogo & I. S. Carvalho
20. Museu de minerais e rochas e acervo paleontológico:
jogos didáticos como mediadores do conhecimento em geociências....................................... 195
S. de B. Barreto, M. de A. Lima, E. S. Ribeiro, E. R. Sales, A. M. de L. Correia,
E. V. Oliveira, S. M. B. Bittar & T. R. da Silva

21. LUND: uma proposta de base de dados de coleções paleontológicas brasileiras............... 205
R. P. Ghilardi, M. G. Soler & M. C. Langer

22. A importância didática das geocoleções virtuais no ensino/divulgação da geologia:


caso da Coleção Nacional de Mineralogia do Museu Geológico............................................ 213
P. A. Marta, J. A. Simão, N. Leal & J. M. Sequeira

23. Nota preliminar sobre o desenvolvimento de uma base de dados


a disponibilizar online para o ensino e divulgação da geologia:
a Coleção Nacional de Mineralogia do Museu Geológico...................................................... 223
P. A. Marta, J. M. Sequeira, J. A. Simão & N. Leal

24. A Coleção Krantz de braquiópodes devónicos do Museu da Ciência


da Universidade de Coimbra (Portugal)................................................................................ 231
M. Schemm‑Gregory & M. H. Henriques

SECÇÃO 4
PATRIMÓNIO GEOLÓGICO: HER ANÇA PAR A O FUTURO

25. Considerações preliminares sobre o Património Natural e Cultural


do território “Montemuro e Gralheira” (Portugal)................................................................. 241
D. Rocha, A. A. Sá & J. Brilha

26. O Património Natural do Arco (Namibe, Angola)


– enquadramento geológico e evolução geomorfológica......................................................... 251
M. A. Máquina, A. O. Tavares & M. H. Henriques

27. Valorização patrimonial das Minas de Regoufe e Rio de Frades


(Geoparque Arouca, Portugal).............................................................................................. 259
V. F. Correia, A. Sá & P. J. C. Favas

28. O Património Geológico‑Mineiro da região de Barrancos (Sul de Portugal).................... 267


J. M. Piçarra

29. Património Geológico da Tundavala (Huíla, Angola)


– uma avaliação qualitativa integrada.................................................................................... 277
M. H. Henriques, A. O. Tavares & A. L. M. Bala

30. Geoturismo e Turismo de Aventura no Vale do Pati


– Parque Nacional da Chapada Diamantina (Bahia, Brasil).................................................. 285
J. R. de Almeida, K. Suguio & V. Galvão
31. Trilhas Geoturísticas e sua importância na conservação do Patrimônio
Geológico: Parque Metropolitano Armando de Holanda Cavalcanti
– Cabo de Santo Agostinho/PE (Brasil)................................................................................ 295
T. O. Guimarães, G. Mariano & G. Seabra

32. Georoteiros: um caminho para o desenvolvimento rural................................................. 305


C. Viveiros, E. A. Lima & J. C. Nunes

33. Patrimônio Paleontológico e Geoconservação da Formação Santana


(Cretáceo Inferior da Bacia do Araripe, Pernambuco e Piauí – Nordeste do Brasil)................311
A. M. F. Barreto, J. B. R. Brilha, A. M. F. Sales & J. A. C. de Almeida

34. Efeitos positivos e negativos da mineração em São José de Itaboraí


– Itaboraí (Estado do Rio de Janeiro, Brasil)......................................................................... 321
W. F. S. Santos & I. S. Carvalho

35. Parque Paleontológico de São José de Itaboraí (Brasil): propostas para


a preservação do patrimônio a partir das opiniões da população de Cabuçu.......................... 331
W. F. S. Santos & I. S. Carvalho

36. Potenciais efeitos socioeconômicos do geoturismo na região do Parque


Paleontológico de São José de Itaboraí: a perspectiva dos professores locais........................... 341
W. F. S. Santos & I. S. Carvalho

37. O Património Geológico do Cabo Mondego (Portugal)


– Avaliação da vulnerabilidade dos geossítios........................................................................ 351
J. Rocha, M. H. Henriques & J. Brilha

38. O ordenamento jurídico na tutela do Patrimônio Natural e o papel


das geotecnologias como instrumento de controle................................................................. 363
A. S. Uller, W. Uller & J. M. Grott

SECÇÃO 5
GEOCIÊNCIAS: O QUE NOS DIZ A HISTÓRIA E O QUE FICA PAR A A HISTÓRIA

39. Evolução do conhecimento geológico na cidade do Rio de Janeiro (Brasil)...................... 375


R. Porto Jr. & B. P. Duarte

40. Um passado que condena (?):


alguns aspectos geo‑históricos ligados aos desastres naturais no Brasil.................................. 383
F. J. Corrêa‑Martins

41. O papel das Geociências no contexto “pós‑moderno”


de revalorização da cultura.................................................................................................... 393
J. A. S. Deus, L. D. Barbosa & M. A. S. Tubaldini
42. História da Ciência Geográfica:
uma versão descritiva e um estudo de caso brasileiro............................................................. 403
D. F. C. Reis Júnior & M. D. Araujo Neto

ANEXOS

Revisão Científica..................................................................................................................415

Patrocínios e Apoios.............................................................................................................. 419


(Página deixada propositadamente em branco)
APRESENTAÇÃO

Para Aprender com a Terra reúne um conjunto de contribuições apresentadas no


I Congresso Internacional de Geociências na CPLP, que decorreu de 14 a 16 de maio de
2012 no Auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra.
Assinalando os 240 anos de ensino e investigação em Geociências na CPLP, cuja gé-
nese foi a Universidade de Coimbra, e na sequência de uma iniciativa prévia que nela se
realizou em 2008 – a 1ª Conferência Internacional “As Geociências no Desenvolvimento
das Comunidades Lusófonas” –, o congresso contou com mais de 200 participantes oriun-
dos de todos os Estados‑membros da CPLP.
Nele foram apresentadas cerca de 300 comunicações orais e em painel, sobre diversos
domínios das Ciências da Terra, centrando‑se o presente livro nas contribuições relativas
a temáticas inerentes à educação científica mobilizando conhecimento do âmbito das Ci-
ências da Terra, relevando o papel crucial que aquela desempenha na promoção de um
planeta mais seguro, saudável e próspero.
Assim, são aqui apresentados trabalhos desenvolvidos por várias equipas afiliadas
a distintas instituições da CPLP, que representam abordagens educativas inovadoras,
perspetivadas quer para contextos escolares, quer para cenários exteriores à sala de aula, e uti-
lizando desde os recursos mais convencionais, como os manuais escolares, até às narrati-
vas ficcionadas, sem descurar o potencial educativo que encerram muitos dos locais
situados em vários países lusófonos, e que detêm enorme valor patrimonial.
E porque educar não é um processo descontextualizado do espaço e do tempo, o presente
volume também inclui contribuições relativas à História das Ciências da Terra, no pressupos-
to de que, no seu todo, também ele fique para a História como um testemunho indelével de
que a educação científica contemporânea não pode deixar de lado valores como a sustentabi-
lidade, entendida nas suas dimensões económica, social e de conservação da natureza.

Os Coordenadores da edição
(Página deixada propositadamente em branco)
SECÇÃO 1
NA TERRA DOS LIVROS:
ONDE TODAS AS HISTÓRIAS SÃO NATURAIS

“Andei por abrigos extensos. Mas não encontrei sombra senão na palavra.”

Mia Couto; “A Confissão da Leoa”


(Página deixada propositadamente em branco)
1
GEOLOGIA COMO RESERVA PEDAGÓGICA
PARA UMA ECOLITERACIA CRÍTICA

GEOLOGY AS A PEDAGOGICAL RESERVE


FOR CRITICAL ECOLITERACY

H. Tapadinhas1

Resumo – Contos do Mago é uma mitologia de criação geológica do Algarve que teve
por principal propósito lançar as bases de uma sólida literacia ambiental à margem das
abordagens entretanto instituídas para a Educação Ambiental (EA).
Procurando falar de ambiente sem o nomear, Contos do Mago tentou escapar à satura-
ção da temática ambiental na esfera pública, ao condicionamento das ideologias que lhe es-
tão adstritas e às polémicas académicas alimentadas pela imaturidade de muitas das teorias
em disputa no campo ambiental. Com efeito, pressionada pelo imperativo prático de obter
resultados ambientais socialmente valorados e sem ter tempo nem bases para questioná‑los,
a escola tem‑se atarefado na desmultiplicação de abordagens metodológicas para EA, sem,
contudo, se conseguir libertar do formato doutrinal incrustado nos conteúdos que lhes
dão suporte. Ora, dos resultados que este dogmatismo prático tem produzido ao nível da
adesão aos diagnósticos ambientais dominantes e respetivas terapias, não se pode inferir a
bondade da problematização que lhes está subjacente nem a sua compreensão.
É exatamente com foco numa literacia ambiental emancipadora que a geologia se nos
configura como reserva pedagógica de inestimável valor. Evoluindo em redor do binómio
tempo e mudança, a abordagem da vida pelo prisma da geologia suscita de forma sistemá-
tica o papel do conflito, casualidade, multicausalidade e complexidade na configuração do
mundo. Com essa abordagem constroem‑se as fundações de uma mundividência crítica
que é essencial para compreender ambiente.

Palavras‑chave – Geologia; Ambiente; Educação; Crítica; Ecoliteracia; Ecopedagogia

Abstract – Contos do Mago is a geological mythology inspired in the algarvian geological


history. It intends to promote a solid ecological understanding abroad the environmentalist

1
  Direção Regional de Educação do Algarve, Faro, Portugal; [email protected]
main stream speeches. Supported on geological local conditions, it aims to talk about environ‑
ment avoiding saying that is about environment that it intends to speak. Taking this course of
action, it intends to stress the foundations of a critical literacy on the main ideas of environ‑
ment as a complex system in a changing context, shaped by evolution and time production.
18
Doing it, Contos do Mago intends also to emphasize the understanding of conflituality,
casuality, multicausality, always present in geology, as main strengths of live. As so, Contos
do Mago intends to be the visible part of a grounded ecopedagogical iceberg.

Keywords – Geology; Environment; Education; Critique; Ecoliteracy; Ecopedagogy

1 – Introdução

Educação Ambiental – impasse e saturação


Um congresso de geologia poderá não parecer o contexto apropriado ao desenvolvi-
mento de considerações sobre Educação Ambiental (EA). No entanto, ambiente e geologia
são áreas transversais e multidisciplinares que têm entre si interfaces valiosas para apoiar
o seu desenvolvimento recíproco.
Para fundamentar esta afirmação, importam algumas notas prévias sobre o estado da
arte no domínio da EA. São vários os autores que a ela se têm referido. E, embora por
razões diferentes, convergem em diagnósticos da EA em que sobressaem problemas de
identidade e método.
Sabendo‑se que se trata de uma área recente, estes problemas podem e devem ser
relativizados. Com efeito, são naturais as crises de identidade no contexto do processo de
crescimento em que se encontra a EA. Não nos referimos apenas à que se poderia inferir
da dispersão das práticas, pois essa até poderia sinalizar a riqueza do campo. Referimos,
também, os sintomas de imaturidade teórica e conceptual, que se percebem nos conflitos
que tem suscitado a delimitação do campo ambiental, e que sobressaem nas tentativas de
avaliação da sua prática (PEREIRA, 2009, ALMEIDA, 2007 e GUERRA et al., 2008).
Em boa parte, essa conflitualidade é herdeira das derivas ideológicas do ambientalismo
moderno (PEPPER, 1996). Noutra parte, terá a ver com a própria imaturidade de algu-
mas das teorias científicas que lhe dão suporte e com a própria imaturidade do campo
ambiental enquanto domínio conceptual (CARVALHO, 2004). Em qualquer caso, são di-
ficuldades que se vêm somar àquelas que são inerentes à entrada de uma nova área temática
nos currículos escolares.
Com efeito, no que à escola diz respeito, a resultante da conflitualidade dentro do cam-
po ambiental tem sido o refúgio numa certa ortodoxia conservadora que se apoia num
determinado conceito de ambiente que se instalou no discurso dominante. Nele, ambiente
é tido como sinónimo de meio envolvente, e particularmente de meio natural. Sobre esta
dicotomia homem/ natureza apoiam‑se as narrativas que dão por adquirido um estado de
crise ambiental de indução humana (ALMEIDA, 2007). E, concomitantemente, é sobre
ela que se elaboram os pacotes de práticas verdes e amigas do ambiente que a escola, com
maior ou menor criatividade, empenho ou sucesso, se tem atarefado a promover ou se con-
sidera que deve promover.
Para além deste impacto na escola, as narrativas ambientalistas dominantes acarretam
ainda outra dificuldade. Ao tornarem‑se hegemónicas, elas como que saturaram a esfera
pública. Dessa forma, constituíram‑se como uma espécie de película dotada de uma con-
siderável tensão superficial impeditiva de um contato mais próximo com outras dimensões
da realidade. E geram uma situação de impasse educativo, pois obstam ao desenvolvimento
de uma ecoliteracia crítica capaz de gerar mundividências emancipadas.
19
Assim, ainda que esteja desperto e motivado para promover essas mundividências, não
é fácil ao professor romper com a tirania do imediato que dá prioridade às grandes ban-
deiras do ambientalismo mediático: aquecimento global, reciclagem, preservação de espé-
cies. Essa dificuldade tem muito a ver com indisponibilidade de espaço mental que os
pré‑conceitos mediados instalam na esfera pública. Eles como que bloqueiam a abordagem
do papel da mudança e do tempo na modelação da vida. Além disso, na medida em que
constituem narrativas profundamente deterministas, não deixam margem para compreen-
der o mundo como contexto aleatório (PICKETT et al., 1994).
Tome‑se para breve exemplo da dificuldade de qualquer empresa que pretenda contrariar
o main‑stream ambiental, uma iniciativa empreendida em contexto de sala de aula com o
intuito de questionar criticamente o conhecimento disponível quando este é convocado para
fazer predições para o clima a partir da informação histórica disponível. Que género de ar-
gumentos pode o professor usar que não entrem em confronto direto com a “autoridade” dos
documentários televisivos da National Geographic a propósito dos efeitos do aquecimento
global antropogénico (referido como verdade científica) nas populações do urso polar?
No nosso entendimento, a resposta a este género de dificuldade implica ir além
das variantes metodológicas disponíveis; implica a capacidade de conceptualizar al-
ternativas pedagógicas que enfatizem as abordagens sistémicas e a dimensão holística
do mundo e da vida (GADOTTI, 2003), sem para isso ser necessário desafiar diaria-
mente as grandes correntes do tempo. Este entendimento tem‑se desenvolvido como
uma “grounded theory” decorrente de um programa regional de educação de incidência
ambiental que esteve ativo no Algarve ao longo dos últimos catorze anos (DREALG,
2010). A opção do Programa Regional de Educação Ambiental pela Arte (PREAA) de
recorrer à expressão artística como eixo metodológico para abordagem das várias te-
máticas ambientais propostas pelos currículos, veio a revelar‑se em si mesma geradora
de processos de ecoliteracia crítica. Foi neste contexto que a geologia se perfilou como
importante reserva de soluções pedagógicas, depois corporizadas no Projeto Contos do
Mago (TAPADINHAS, 2009).

2 – Pedagogia Crítica e o Potencial Ecopedagógico da Geologia

SHOR (1992) refere‑se à pedagogia crítica como aquela que induz “Habits of thought,
reading, writing, and speaking which go beneath surface meaning, first impressions, dominant
myths, official pronouncements, traditional clichés, received wisdom, and mere opinions, to un‑
derstand the deep meaning, root causes, social context, ideology, and personal consequences of
any action, event, object, process, organization, experience, text, subject matter, policy, mass
media, or discourse.”

Aplicada ao campo ambiental, a definição de SHOR ajusta‑se integralmente ao sen-


tido que pretendemos atribuir ao conceito de ecoliteracia crítica e ao modo como ela
pode ser construída. Então, a ecoliteracia (CAPRA, 1999) seria uma base conceptual
capaz de abranger as várias possibilidades de compreensão do mundo em funcionamento,
mantendo ainda a abertura necessária para perceber que será sempre uma compreensão
provisória. Ou seja, relativamente ao ambiente, a ecoliteracia poder‑se‑ia entender como
uma espécie de literacia cultural construída com base na tradição da pedagogia crítica.
20
Um dos pilares dessa mundividência, que consideramos incontornável na abordagem
do ambiente, é o entendimento crítico do binómio mudança vs tempo.
A importância que atribuímos a um correto entendimento da dupla questão da mudança
e do tempo, tem a ver com a noção de que o tempo histórico produz simultaneamente
continuidade e novidade (ALMEIDA, 2009). Na ausência dessa compreensão, pode‑se ser
levado a confundir o fotograma do presente com a longa‑metragem em processo de onde
o retiramos, e a derivar daí para conceções da natureza como um estado ideal que é pos-
sível construir ou manter, e não como um processo que requer uma capacidade de adaptação
continuada. As perceções estáticas do mundo e as respetivas representações, ilustradas em con-
ceitos datados como o de harmonia da natureza ou de equilíbrio natural, constituem uma
armadilha conceptual que leva, por exemplo, a confundir conservação com preservação e
a desencadear práticas para realizar esta que tendem frequentemente a ignorar caracte-
rísticas básicas da natureza da mudança que estiveram presentes na génese da prática con-
servacionista (FABER & PROOPS, 1994) (1). Então, a dinâmicas naturais onde impera a
casualidade, a multicausalidade, a retroatividade, a conflitualidade (SHUGART, 1998),
tentam‑se opor dinâmicas de indução técnico‑científica em que predominam conceções
lineares e deterministas. Isto é, tenta‑se impor previsibilidade e ordem a sistemas com-
plexos não lineares sem levar em devida conta a natureza contingente (no sentido que lhe
atribui a teoria do caos) das dinâmicas ambientais. Ou, dizendo o mesmo de outro modo,
procura‑se organizar o mundo segundo uma matriz finalista em lugar de o habitar sob o
signo de uma lógica adaptativa onde pontuem a ideia de impermanência (2) e o princípio
da precaução (COMTE‑SPONVILLE, 2008).
Ora, a nosso ver, a geologia está particularmente bem apetrechada para ajudar a
construir uma mundividência capaz de evitar estas derivas, e elencamos três argumentos
em apoio desta ideia, sem qualquer hierarquia entre si.
(i) O primeiro deriva do facto de a geologia poder ser abordada diretamente sobre o
território concreto em que se habita, promovendo a consciência desse território enquanto
moldura de condicionalismos concretos e repositório vivo de testemunhos da mudança e
da omnipresença do tempo, nas suas variantes de ciclo longo e de ciclo curto.
Com efeito, a abordagem da geologia ajuda a ler o mundo, não como uma mera su-
cessão de estados, mas como um processo. A geologia não se limita a registar e tentar
explicar as transformações que estiveram na origem da atual configuração do espaço e a
descrever as suas características; ela reconhece que esse estado é ele mesmo transitório,
e que se realiza em velocidades distintas. Essa ênfase na mudança é possível em relação
à generalidade dos acontecimentos cujo estudo constitui o core da geologia, da geodi-
nâmica à geoquímica. Se adotada como eixo de desenvolvimento para a compreensão
dos fenómenos geológicos, a ideia de mudança contribui ainda para construir uma
noção do tempo que ajuda a melhorar a perceção do mundo em domínios onde essa
noção é essencial, nomeadamente no campo do ambiente, onde nem sempre é claro o
entendimento da permanência da mudança e da vida como impermanência.
(ii) O segundo tem a ver com a facilidade com que o estudo da geologia estabelece
interfaces com outras áreas disciplinares, interpotenciando‑se em valor heurístico como
“chaves” para a leitura e para a compreensão do papel da mudança na moldagem do mundo
e da vida, como é o caso da paleontologia, por exemplo. Com efeito, o valor didático
da abordagem exploratória de um afloramento de calcários conquíferos a quilómetros
do mar e a cotas muito distintas do atual nível médio das águas, é quase imbatível como
21
evidência das grandes mudanças que afetam o mundo e a vida.
(iii) Em terceiro lugar, a geologia tem ainda a vantagem complementar de, ao poder
promover a abordagem indireta de conceitos centrais para o entendimento do ambiente,
escapar aos constrangimentos da formatação ideológica que contamina o debate do-
minante no campo ambiental. Na verdade, a perceção da magnitude de fenómenos
como o vulcanismo ou outros associados à tectónica de placas, por exemplo, constitui
em si mesma uma referência relativizadora para a maioria dos debates que têm lugar
em redor de teses que com alguma frequência tendem a sobrevalorizar o papel dos homens
na mudança do mundo.

Em síntese e em tese, o desenvolvimento duma ecoliteracia crítica realizado sob o


signo da mudança é decisivo para abordagens inovadoras das questões ambientais.

(1) Mantendo a tradição romana, a conservação moderna (USSCS) definiu‑se sobre o


lema de continuar a colher, incorporando nesse propósito as mudanças necessárias para me‑
lhor o realizar; o preservacionismo, pelo contrário, pretendia manter determinados status
quo pressupondo que eles seriam indefinidamente auto‑replicáveis.

(2) A noção de impermanência constitui um dos pilares do budismo e refere‑se ao en‑


tendimento da vida como um fluxo de descontinuidade.

O entendimento das dinâmicas geológicas pode constituir‑se como base sobre a qual
é possível desenvolver‑se subliminarmente essa mudança de paradigma, abrindo cami-
nho ao reconhecimento de que o ambiente pertence ao domínio dos sistemas adaptativos
complexos e que, nessa medida, se entende melhor como contingência, do que em acepções
ortodoxas de planeamento finalista que, com frequência, pretendem abrir caminho à
passagem da utopia de um mundo asséptico, técnico, científico, perfeito.

3 – Geologia e Ecoliteracia Crítica – A questão metodológica e a Ecopedagogia

Sobra a questão metodológica para construir uma ecoliteracia apoiada no campo


da geologia. A ela dedicaremos o que se segue.
Entre muitos outros problemas que a afetam, a escola vive submersa numa crise
de motivação. Esta crise é um ciclo vicioso. Mas rompê‑lo constitui claramente uma
responsabilidade pedagógica que compete aos professores. Contudo, eles partem para
essa tarefa com uma desvantagem, que consiste na perda de estatuto da escola enquanto
lugar de descoberta e como espaço de espantos. Em comparação com as possibilidades
virtuais da internet e dos vídeo jogos, a escola é uma seca interminável.
A recuperação da escola como lugar de espantos precisa de criatividade e inovação.
O projeto Contos do Mago pretendeu isso. E pretendeu também recuperar o papel do
território de proximidade como plataforma didática para a construção do conhecimento.
Contudo, apesar desta dupla intencionalidade metodológica, a opção pedagógica sub-
jacente de recorrer à geologia como suporte para uma literacia ambiental crítica, é em
si mesma um resultado não previsto do recurso à Educação pela Arte (EArte) como
metodologia de EA.
22
Para melhor nos situarmos perante a afirmação anterior, convirá recordar que
na EArte a arte não é um fim em si, ao contrário do que sucede no ensino artístico.
Na EArte são as virtualidades do processo de criação artística que são exploradas no
seu potencial de construtoras de outros conhecimentos. Contudo, algumas formas de
expressão artística conseguem, apenas pela sua natureza, ir mais além. É o caso da
Expressão Dramática.
A expressão dramática alimenta‑se da conflitualidade entre personagens em redor
de um argumento situado no espaço e no tempo. Quando se pede que essas persona-
gens sejam construídas como ficções de situações da vida real, a realidade passa por um
processo de desconstrução e reconstrução sistemática para se materializar na ficção que
se pretende representar. Assim questionada, a realidade expõe‑se à perceção dela, as pa-
lavras confrontam‑se com o seu significado no mundo, e a crítica reconstrói a perceção
das coisas. Ou seja, permite ver para além do olhar, desenvolve o raciocínio integrador e
sistémico, e cultiva a emancipação.
Como atingir estes objetivos no contexto do estudo da dinâmica costeira no litoral
do barlavento algarvio, por exemplo? Como abordar esta realidade na escola de uma
forma que seja simultaneamente motivadora e capaz de trabalhar conteúdos geológicos
e conceitos com valor ambiental?
Com os Contos do Mago propusemo‑nos responder a estas dificuldades usando a
ficção como catalisadora desses processos, uma ficção geológica, que abre as portas à
dramatização de um argumento fantástico, mas construído sobre uma situação real,
que é a dinâmica costeira do litoral algarvio:

“Pela Sereia Seixa apaixonaram‑se o Monte e o Mar; por ela o Monte envia areia através
dos rios e afasta o mar; por ela o mar quebra as arribas para avançar por terra e chegar ao
Monte. Para sempre.”

Além das possibilidades óbvias que a desconstrução desta ficção permite, como sejam
o estudo das transgressões e regressões marinhas, da formação dos calcários conquí-
feros e das margas, do modulado cársico, dos fósseis, ela abre ainda a possibilidade
inestimável de construir uma perceção fundamentada da mudança e da passagem do
tempo sobre o território em que hoje se habita (TAPADINHAS, 2011). Mas vai mais
longe. É que, ao tornar os alunos atores da sua própria aprendizagem, este tipo de abor-
dagens pedagógicas abrem as portas a outras dimensões que são centrais para o de-
senvolvimento da ecoliteracia crítica.
Para ilustrar este ponto permitimo‑nos sugerir que nos acompanhem na recapitulação
de uma situação concreta recentemente vivida por nós quando usávamos este conto
com uma turma do 10º ano profissionalizante em educação para a infância. O duplo
propósito era dotar os alunos de ferramentas para o exercício da sua orientação pro-
fissional, mas, simultaneamente, melhorar os seus conhecimentos sobre o território em
que habitam. A determinada altura da recriação do conto, um dos alunos questionou
como podia o mar chegar ao monte. A esta dúvida respondeu um segundo, dizendo
que o podia fazer gerando um tsunami. Um terceiro revelou desconhecer o que era
um tsunami. Mas de imediato, uma aluna residente num bairro problemático, par-
tilhou com a turma uma metáfora que no seu entender ajudaria no entendimento do
conceito de tsunami:
23
– “É como uma rusga da polícia!”

Esta intervenção decerto entusiasmaria Ivan Illich ou Paulo Freire, embora se reconhe-
ça que não faltará quem se possa perguntar, perplexo, que tem isto a ver com a geologia ou
com o ambiente. Mas a resposta não é tão óbvia quanto possa parecer. É que o ambiente é
um mix complexo, onde a dimensão social e cultural são tão relevantes como as dinâmicas
biológicas ou geológicas que o suportam. O ambiente define‑se na forma como se habita,
e esse entendimento não prescinde da dimensão política desse habitar, como também não
prescinde da co‑responsabilização de todos os domínios disciplinares na construção dessa
consciência, e entre eles da geologia.
Claro que para isso a ciência terá de estar disponível para descer da torre de marfim onde
por vezes parece querer resguardar a sua pureza virginal, invocando uma pertença superiori-
dade sobre a política, assente numa certa confusão entre verdade e valor. Ora, nem a verdade
contém em si mesma um valor absoluto, nem o valor representa necessariamente qualquer
verdade objetiva (COMTE‑SPONVILLE, 2008). Quem o esquece pode ser tentado a in-
vestir no avanço do conhecimento descurando a décalage que muitas vezes se cria entre o
poder que ele permite e a utilidade social que realiza. O conhecimento deveria contribuir
para a emancipação humana, diz‑se, mas na prática constata‑se que ele também contri-
bui para a produção em massa de consumidores tão mais alienados quanto mais sofisti-
cados. Ora a escola tem responsabilidades na correção dessas assimetrias, e a pedagogia
crítica é uma ferramenta poderosa para liderar essas incursões, nomeadamente através
do território do ambiente. Mas são responsabilidades que têm de ser partilhadas com os
produtores primários do conhecimento, nomeadamente os geólogos, através duma des-
blindagem dos conteúdos que facilite o papel da escola, municiando‑a, na construção do
conhecimento. Mas é claro que, como bem notou Espinosa, nós não desejamos as coisas
por elas serem boas; é por as coisas nos parecerem boas que nós as desejamos.

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, A. (2007) – Educação Ambiental – a importância da dimensão ética. Lisboa: Livros Horizonte.

ALMEIDA, O. T. (2009) – De Marx a Darwin – a desconfiança das ideologias. Gradiva.

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Ambiente do Brasil, Brasília.

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COMTE‑SPONVILLE, A. (2008) – Valeur et vérité. Presses Universitaires de France, Paris.

DREALG – DIRECÇÃO REGIONAL EDUCAÇÃO DO ALGARVE (2010) – Programa Regional de Edu-


cação Ambiental pela Arte – Contos do Mago http://www.contosdomago.net (consultado em 2012.01.10).
FABAR, M. & PROOPS, J. (1994) – Evolution, Time Production and the Environment. Heidelberg, Germany.

GADOTTI, M. (2003) – Pedagogy of the Earth and the culture of sustainability. Toronto, Canada.

GUERR A, J., SCMIDT, L. & GIL‑NAVE, J. (2008) – Educação Ambiental em Portugal. Universidade
24 Nova de Lisboa.

PEREIRA, R. (2009) – Educação Ambiental no Ensino Básico e Secundário: conceções dos professores e
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PEPPER, D. (1996) – Ambientalismo Moderno. Perspetivas Ecológicas. Instituto Piaget, Lisboa.

PICKETT, S., KOLAS, J. & JONES, C. (1994) – Ecological Understanding – the nature of Theory and the
Theory of Nature. San Diego. Academic Press.

SHUGART, H. (1998) – Terrestrial Ecosystem in changing environments. Cambridge University Press.

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TAPADINHAS, H. (2009) – Contos do Mago – narrativas e percursos geológicos. Direção Regional Educação
do Algarve, Faro, Portugal.

TAPADINHAS, H. (2011) – A Dança da Duna Luna da Praia de Faro. Direção Regional Educação do Algarve,
Escola Secundária Tomás Cabreira e Agencia Nacional Ciência Viva, Faro, Portugal.
2
“MUSEUS & FÓSSEIS DA REGIÃO SUL DO BRASIL”:
A RELAÇÃO ENTRE A PRODUÇÃO DE UM LIVRO DE
DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E A DESCOBERTA DE FÓSSEIS
DE PTEROSSAUROS NA BACIA SEDIMENTAR DO PARANÁ

“MUSEUMS & FOSSILS OF SOUTHERN BRAZIL”:


THE RELATIONSHIP BETWEEN THE PRODUCTION OF
A BOOK OF SCIENTIFIC DISCLOSURE AND DISCOVERY
OF PTEROSAURS FOSSILS AT PARANÁ BASIN

P. C. Manzig1 & L. C. Weinschütz2

Resumo – Durante o ano de 2011 foi executado um projeto para a edição de um livro
de divulgação científica em paleontologia intitulado “Museus & Fósseis da Região Sul do
Brasil”, projeto aprovado em 2010 pelo mecanismo de incentivo à cultura conhecido como
Lei Rouanet, e que teve patrocínio integral da Companhia Paranaense de Energia – COPEL.
O principal objetivo desse projeto é contribuir para minimizar uma grande deficiência que
se tem no Brasil em termos de disponibilização de material didático e paradidático, em
geociências e paleontologia, voltado às necessidades de um público leigo. A concepção des-
se livro possui algumas características particulares que lhe conferem um ineditismo entre
todas as demais propostas similares já produzidas no país. Destacam‑se: forte apoio visual
conseguido por meio de fotografias próprias dos principais fósseis constantes dos acer-
vos de museus e universidades nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul; conteúdo textual de fácil compreensão; inclusão de imagens tridimensionais
por meio de anaglifos, como recurso lúdico e motivacional para o público em idade esco-
lar; abordagem do assunto (fósseis) mediante uma ótica cultural, procurando‑se sempre
que possível relacionar ciência com cultura, principalmente na compreensão do fóssil
do ponto de vista de seu valor como patrimônio da nação. Como adendo, os autores
(CENPÁLEO‑UnC) dessa obra, juntamente com geólogos da Universidade Estadual
de Ponta Grossa, chegaram a localizar um importante sítio fossilífero, inédito para

1
paulomanzig@geotemática.com.br
2
Coordenador do CENPÁLEO/Universidade do Contestado; [email protected]
a ciência, com fósseis de pterossauros de idade cretácea, em arenitos eólicos do Grupo
Caiuá, no noroeste do Estado do Paraná, Brasil.

Palavras‑chave – Museus; Fósseis; Região sul; Pterossauros; Brasil


26

Abstract – During 2011 a project was executed for the publication of a book of scientific
information in paleontology, entitled “Museums and Fossils of the South Region of Brazil”,
which has been approved in 2010 by the culture incentive regulations known as “Rouanet
Law”, and which had integral sponsorship of the Energy Company from Paraná – COPEL.
The principal objective of this project is to contribute to minimize a great deficiency that
exists in Brazil in terms of availability of didactic and paradidactic material in geosciences
and paleontology, aimed at the needs of a lay public. The conception of this book has some
particular characteristics that give it an unpublished originality among all too many simi‑
lar proposals already produced in the country. They stand out: great visual support through
photographs of the main fossils of the collections of museums and universities in the states
of Paraná, Santa Catarina and Rio Grande do Sul; textual content of easy understanding;
inclusion of 3‑D images, offering playful and motivational resources for the school‑age public;
approach of the subject ( fossils) by means of a cultural point of view making a connection
between science and culture whenever possible, especially in the understanding of fossils as
an inheritance of the nation. In addition, the authors (CENPÁLEO‑UnC) of this work in
co‑operation with geologists of the University of Ponta Grossa located an important fossil area,
unknown to science, with pterosaur fossils of Cretaceous age in aeolian sandstone of the Caiuá
group, in the northwest region of Paraná state, Brazil.

Keywords – Museums; Fossils; South region; Pterosaurs; Brazil

1 – Introdução

A região sul do Brasil é rica em ocorrências fossilíferas, algumas mundialmente co-


nhecidas. No extremo sul do país, por exemplo, nos sedimentos triássicos da Formação
Santa Maria, foram encontrados fósseis de dinossauros que são considerados entre os
mais antigos do mundo, juntamente com os dinossauros da Formação Ischigualasto,
na Argentina. Cabe destacar também a ocorrência expressiva de cinodontes mamaliformes,
na mesma região, importantes pela sua relação com a linha evolutiva dos mamíferos.
Em Mafra, no Estado de Santa Catarina, recentes descobertas de associações faunís-
ticas permianas, incluindo conodontes, insetos, esponjas e peixes paleoniscídeos, têm
colocado essa cidade em evidência entre a comunidade paleontológica brasileira. Nos
Estados do Paraná e Rio Grande do Sul existem várias ocorrências pontuais de animais
da megafauna pleistocênica, principalmente preguiças‑gigantes, gliptodontes, toxodontes
e mastodontes. Mas, infelizmente, boa parte da população não tem conhecimento dessa
riqueza. Isso reflete uma situação que é geral para todo o Brasil, onde existe ainda um
distanciamento muito grande entre o meio acadêmico e a sociedade. Isso se dá também
porque não temos em nosso país uma tradição firmada em divulgação científica que
proporcione uma difusão pública do conhecimento gerado nas universidades.
O projeto de livro “Museus & Fósseis da Região Sul do Brasil” foi apresentado
dentro desse contexto, com o objetivo principal de levar ao leitor leigo em geociências
e paleontologia um panorama dos fósseis que fazem parte dos acervos de museus e
universidades dos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que inte-
27
gram a região sul do Brasil, procurando ainda apresentar alguns aspectos históricos do
desenvolvimento das ciências naturais e de como elas chegaram e foram estabelecidas
nessa região do país (Fig. 1).

Fig. 1 – Capa do livro exibindo o crânio de um Prestosucus chiniquensis, réptil do Triássico do sul do Brasil.

Esse projeto foi aprovado pelo Ministério da Cultura, por meio de um mecanismo
da legislação brasileira conhecido como Lei Rouanet para captação de recursos na área
cultural, conforme número 08.4474 (Pronac), publicado no Diário Oficial da União
em 13 de novembro de 2009. A sua conclusão foi possível graças à captação integral
dos recursos, oriundos da COPEL‑Companhia de Energia Elétrica do Estado do Paraná,
e de patrocínio adicional oferecido pela Autopista Planalto Sul (empresa do Grupo
OHL). Com a disponibilização desses recursos foi possível a edição de 3000 exemplares
do referido livro (Fig. 1), com cerca de 300 páginas, bilíngue (português e inglês), que
estão sendo distribuídos, gratuitamente, em locais estratégicos para a divulgação da pa-
leontologia, como nas secretarias estaduais e municipais de ensino, bibliotecas públicas
e universidades da região envolvida no projeto.

2 – Metodologia

Inicialmente se fez uma análise de trabalhos anteriores e verificou‑se que alguns


dos erros cometidos que mais comprometiam sua eficácia como divulgação científica
estava relacionado a dois aspectos principais: conteúdo textual e conteúdo de imagem.
Os problemas observados com o conteúdo textual estão relacionados, principalmente,
com uma dificuldade de seleção de temas para serem abordados, que via de regra,
sobrecarrega o leitor com informações para as quais ele não está disposto ou apto a
absorver, e a forma como essas informações são descritas, na maioria das vezes sem
uma tradução adequada da linguagem acadêmica para a coloquial. Com relação às
imagens, é comum que trabalhos publicados na área de ciências sejam pobremente
28
ilustrados ou impressos com poucos recursos, dando origem a uma série de deficiências
de impressão, que, igualmente, empobrecem a obra.
No livro, procurou‑se evitar esses erros com uma meticulosa seleção de conteúdo,
abandonando algumas informações que, devido à sua especificidade, não eram relevan-
tes para o grande público, embora fossem importantes de um ponto de vista científico.
Essa seleção não é fácil, como pôde ser constatado durante a elaboração desse livro, pois
envolve julgamentos para os quais muitas vezes não existe um critério previamente estabe-
lecido, prevalecendo nesses casos à escolha baseada no bom senso. Quanto ao texto em si,
adotou‑se uma linguagem formal, mas com palavreado coloquial, evitando‑se sempre
que possível os termos técnicos que poderiam confundir o leitor.
Quanto às imagens, esse é o ponto forte desse trabalho, cujo título principal “Museus
& Fósseis da Região Sul do Brasil” é complementado pelo subtítulo “uma experiência visual
com a paleontologia”. Essa experiência visual é uma referência à qualidade técnica das foto-
grafias produzidas e à inclusão de um anexo com imagens em 3D, em anaglifos, visualizadas
através de óculos com filtros vermelho e azul. Esse recurso é usado pela NASA nas missões
espaciais e, no caso dos fósseis, sobretudo aqueles que apresentam certo volume, revelou‑se
um excelente método para a visualização do fóssil em seu aspecto real e tridimensional, o
que muitas vezes não fica bem caracterizado nas fotografias bidimensionais. As imagens em
anaglifos também funcionam como um forte atrativo motivacional para o público em idade
escolar, usando‑se esse caráter lúdico como meio de despertar a atenção e o interesse.
Existem poucos museus no Brasil voltados exclusivamente à paleontologia; a maio-
ria deles são museus de ciências naturais que incluem material paleontológico. Nas ci-
dades interioranas os museus são normalmente ecléticos, igualmente incluindo material
fossilífero oriundo da própria região. Adotou‑se um procedimento de visitar todos os mu-
seus (da região Sul) que, de alguma maneira, expunham fósseis, expandindo‑se essa visita
aos acervos das universidades, com o objetivo de se conseguir as melhores imagens para
ilustrar o livro. Dessa maneira, o livro apresenta um conjunto de imagens fotográficas de
grande valor didático, muitas delas inéditas. Todas as fotografias passaram por um rigoroso
tratamento de imagem para garantir uma qualidade excepcional.
Foram realizadas também uma série de entrevistas com pessoas que fizeram parte da
história recente da paleontologia na região e visitados vários afloramentos para a tomada de
fotografias de fósseis in situ, dentro da intenção de prover o livro com as melhores imagens.

3 – Estruturação

Para efeito de organização do seu conteúdo, o livro está dividido em quatro partes.

Parte I – Apresentação: corresponde às informações iniciais onde são apresentados


os créditos, prefácios, agradecimentos e uma página em homenagem ao Padre Daniel
Cargnin, falecido em 2002, que dividiu sua vida entre o sacerdócio e a paleontologia,
tornando‑se um dos principais descobridores de fósseis no Rio Grande do Sul.
Parte II – Introdução: aqui estão reunidos os capítulos um a seis, dedicados a uma
introdução básica à paleontologia, contando‑se um pouco sobre sua história; processos de
fossilização; técnicas modernas da paleontologia; uma introdução ao conceito de tempo
geológico; e uma apresentação resumida e didática do arcabouço geológico da região sul
29
do Brasil.

Parte III – Patrimônio Fóssil: onde são descritos os fósseis, reunidos nos capítulos sete a
dez. Os fósseis apresentados são agrupados em plantas, invertebrados, vertebrados e icnofós-
seis. O capítulo onze apresenta algumas considerações sobre o conceito de patrimônio fóssil
e turismo paleontológico. O capítulo doze relaciona as atividades de elaboração deste livro
com a descoberta de um sítio fossilífero inédito na Bacia do Paraná.

Parte IV – Anexos: a parte final do livro consta de três anexos, onde são apresentadas
as imagens em 3D, uma listagem com um breve descritivo dos museus com acervo
fossilífero e a bibliografia consultada.

4 – Pterossauros na Bacia Sedimentar do Paraná

Durante a elaboração deste livro, no momento em que se visitava a Universidade


Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Estado do Paraná, foi localizado um fóssil de
pterossauro que havia sido levado para aquela universidade em 1975, e que até então
permanecia sem ser identificado. No entanto, existia a informação de uma provável pro-
cedência em Cruzeiro do Oeste, uma pequena cidade no noroeste do Estado do Paraná,
assentada sobre arenitos eólicos do Grupo Caiuá, de idade cretácea. O projeto deste livro
proporcionou duas viagens ao local, com a participação de geólogos da UEPG e dos au-
tores desse livro (CENPÁLEO – Universidade do Contestado, Mafra‑SC), logrando‑se
encontrar o descobridor desse sítio fossilífero, Sr. João Gustavo Dobruski, que apresen-
tou o local onde ele teria desenterrado os primeiros fósseis em 1971, que enviou para
análise em 1975. A história dessa descoberta é apresentada com detalhes no livro.
O que chama a atenção nestes fósseis é a grande quantidade de ossos desarticulados
distribuídos em uma pequena área. Predominam ossos longos dos membros anteriores
e posteriores, metacarpos e fragmentos do crânio e da crista. No total, identificaram‑se
nove porções cranianas, sendo que sete representam indivíduos muito pequenos, prova-
velmente filhotes. Os outros dois indivíduos são adultos, mas aparentemente com morfo-
logias distintas e não relacionáveis com a morfologia craniana dos supostos filhotes. Não
se pode descartar, entretanto, a hipótese que esses indivíduos pequenos sejam adultos
de uma espécie ainda não conhecida. Uma análise preliminar do material resgatado, até
agora, sugere haver neste afloramento, no mínimo, três espécies de pterossauros. Mas ainda
é prematuro fazer afirmações categóricas a este respeito. O que se pode afirmar é que várias
características são indicadores seguros para classificá‑los dentro da família Tapejaridae.
Essa descoberta possibilitará correlações filogenéticas com os pterossauros nordestinos
e abrirá novas possibilidades para uma melhor compreensão dos ambientes cretáceos rela-
cionados ao Grupo Caiuá. A própria localização deste novo sítio afastado da costa oceânica
e a meio caminho entre os achados do Nordeste Brasileiro e os da Argentina e Chile (Fig. 2)
permitirá conhecer melhor o paleoambiente e hábito de vida desses répteis voadores.
30

Fig. 2 – Mapa da América do Sul com a localização das ocorrências de pterossauros (círculos),
e o posicionamento da Bacia Sedimentar do Paraná.

A ausência de dentição observada nas amostras sugere que os animais teriam tido uma
dieta frugívora, evidenciando indiretamente a presença de uma vegetação arbustiva ou ar-
bórea de pequeno ou médio porte, que fazia parte da paisagem cretácea de um grande
deserto coberto por dunas e permeado por algumas áreas restritas mais úmidas, caracte-
rizado pelos arenitos eólicos do Grupo Caiuá, depositados no noroeste do Paraná e onde
também teria se estabelecido uma fauna diversificada, incluindo‑se agora esses pteros-
sauros. É particularmente notável que, desde a década de 1970, os pesquisadores vêm
registrando a presença de pegadas fósseis atribuídas a dinossauros bípedes e mamíferos,
nos municípios de Cruzeiro do Oeste, Cianorte e Indianápolis, no Paraná, e em Rosana,
no Pontal do Paranapanema, em São Paulo. (SILVA et al., 2006).

5 – Considerações Finais

O livro “Museus & Fósseis da Região Sul do Brasil” é um produto inédito na literatura
de divulgação científica no Brasil. É resultado de um projeto de grande porte voltado
exclusivamente à produção de material didático sobre paleontologia. É inédito também
por abordar a paleontologia de um ponto de vista cultural, ressaltando o valor dos fósseis
como patrimônio da nação que deve ser preservado. A sua concepção foi projetada para
servir como instrumento de apoio no ensino de ciências naturais, e também para que
31
este projeto possa ter continuidade em outras regiões do país.
A descoberta dos primeiros pterossauros na Bacia Sedimentar do Paraná como con-
sequência direta dos trabalhos de pesquisa para a elaboração deste livro representa uma
premiação complementar para a paleontologia. Por meio destes fósseis, novas discussões
virão à tona em benefício da ciência, sendo importante que seja feito um trabalho conti-
nuado de divulgação sobre o significado destes répteis voadores neste contexto geológico,
para que os resultados futuros das pesquisas sejam também compartilhados com toda
a sociedade.

Referências Bibliográficas

SILVA, R. C., SEDOR, F. A. & MONTEIRO‑FILHO, L. A. (2006) – Pegadas Fósseis de Tetrapoda da Bacia do
Paraná, Brasil. Revisões de Zoologia, Cap. XII, p. 239‑253.
(Página deixada propositadamente em branco)
3
PALEONTÓLOGAS DESCORTINANDO OS
DINOSSAUROS E DRAGÕES DE PEDRO BANDEIRA

PALEONTOLOGISTS UNCOVERING THE DINOSAURS


AND DRAGONS OF PEDRO BANDEIRA

L. L. M. Nogueira1 & M. H. Hessel2

Resumo – Este trabalho analisa o livro do escritor brasileiro Pedro Bandeira intitu-
lado O dinossauro que fazia au‑au, publicado inicialmente em 1983. Em cerca de 100
páginas, este livro narra a história de um menino que, para ter seu dinossauro reconhecido
pela sociedade, teve que disfarçá‑lo de dragão. Até o final do século xix, quando os
dinossauros foram reconhecidos como tal, e meados do século xx, quando a literatura
infantojuvenil se tornou acessível às grandes massas, os dragões eram soberanos no
imaginário infantil, representando desafios a serem vencidos para obter um tesouro. Na
era tecnológica que vivemos, os dragões cederam lugar aos dinossauros (pois sua existên-
cia pode ser cientificamente comprovada) como representantes deste arquétipo. O livro
representa o anseio de toda a criança, que se percebe diferente, de ser aceita no mundo
adulto. O dinossauro que fazia au‑au apresenta um dragão, um desafio a ser vencido
para que o desenvolvimento social da criança possa alcançar novos patamares. Este
é o primeiro livro infantojuvenil de autor brasileiro a falar de dinossauros, apresentando
informações corretas e atualizadas sobre os fósseis, e delicadamente lembrando à academia
da importância de se divulgar a Paleontologia de modo acessível às crianças e jovens.

Palavras‑chave – Dinossauros; Dragões; Literatura infantojuvenil; Brasil; Pedro Bandeira

Abstract – This paper analyzes the book written by the Brazilian writer Pedro Bandeira
titled ‘O dinossauro que fazia au‑au’, published in 1983. At about 100 pages, the book tells
the story of a boy who, to get his dinosaur recognized by the society, had to disguise it in a
dragon. Until the end of the nineteenth century, when dinosaurs were recognized as such,
and mid‑twentieth century, when children’s literature became accessible to large masses, the

1
  Departamento de Geologia, UFC, Fortaleza; bolsista da CAPES; [email protected]
2
  Departamento de Geologia, UFC, Fortaleza; bolsista da FUNCAP; [email protected]
dragons were sovereign in the children’s imagination, representing the challenges to be over‑
come to obtain a treasure. In our technological age, the dragons gave rise to dinosaurs (their
existence can be scientifically proven) as representatives of this archetype. The book presents
the longing of every child who perceives differently to be accepted into the adult world. This
34
is the first book of children’s fiction about dinosaurs from a Brazilian writer, showing correct
and up to date information about the fossils, and gently reminding the academy of the impor‑
tance of disseminating the Paleontology accessible to children and young people.

Keywords – Dinosaurs; Dragons; Children’s literature; Brazil; Pedro Bandeira

1 – Introdução

O encanto infantil por histórias de dinossauros e dragões é conhecido de sobejo.


A imaginação humana se deleita com façanhas de seres que realmente desconhece e que,
por isso mesmo, permitem que sejam ‘vestidos’ com as mais diversas roupagens. Di-
nossauros e dragões são um sucesso comercial certo, quer em vitrinas, filmes, brin-
quedos, exposições museológicas ou projetos científicos. São monstros antediluvianos
muito intrigantes, cheios de mistérios!
Na milenar cultura chinesa, 2012 é o ano do dragão, um dos doze animais do seu
zodíaco. Dragões, como fruto da imaginação humana, não podem ser mais antigos do
que 250 mil anos, quando surgiram primeiros representantes do Homo sapiens Linnée
1758. Por outro lado, dinossauros, como répteis que habitaram a Terra entre 225 e 65
milhões de anos atrás, são bem mais antigos do que os dragões, que apareceram quando
os dinossauros já estavam extintos. Tudo o que sabemos sobre os dinossauros se baseia
em restos fossilizados, conhecidos há milhares de anos, mas só reconhecidos como
pertencentes a este grupo de animais a partir de 1842. E ambos só se tornaram presentes
nos livros de histórias infantojuvenis bem mais recentemente: dragões após o desenvol-
vimento da tecnologia tipográfica e a popularização de livros infantis, início do século
xix (OLIVEIRA, 2008), e dinossauros depois do reconhecimento de seus fósseis como
répteis, de suas reconstruções e de sua divulgação para o grande público, ou seja, final
do século xix. Porém, em diferentes épocas da civilização humana e em diferentes con-
tinentes, ambos personificam o arquétipo do obstáculo a ser transposto para se tornar
um herói e ser digno da recompensa social ou do reconhecimento acadêmico. Desvendar
o verdadeiro mistério escondido por traz das asas do dragão, ou das ossadas de um
dinossauro, é um feito para poucos...
Dinossauros e dragões se encontram na literatura infantojuvenil de ainda hoje,
povoando o imaginário de inúmeras crianças e adolescentes que têm o privilégio de
ler ou ouvir suas histórias fantásticas. No Brasil, há quase meia centena de livros so-
bre estes temas escritos por autores nacionais, todos surgidos depois de 1948, ainda
que a grande maioria tenha sido publicada nas duas últimas décadas. O livro‑objeto
do presente trabalho, O dinossauro que fazia au‑au, é de autoria do escritor brasi-
leiro Pedro Bandeira e saiu a lume em 1983. Em cerca de 100 páginas, ele narra a
interessante história de um menino que, para ter seu dinossauro reconhecido pela
sociedade, teve que disfarçá‑lo de dragão. De modo geral, livros infantojuvenis são
analisados sob a perspectiva literária, didática, social ou psicológica, mas aqui queremos
analisá‑lo também sob a ótica paleontológica. Não se trata de confrontar o pensamento
mágico com o pensamento racional, mas de analisar como as questões paleontológicas
são passadas aos pequenos.
35
2 – Dinossauros versus Dragões

Os dinossauros, quando surgiram, tinham o corpo coberto por escamas. Não sabe-
mos exatamente de que cor eles eram ou que padrão pigmentar possuíam. Todos tinham
caudas musculosas e quatro patas, ainda que uns possuíssem as anteriores muito reduzidas.
Não podiam nadar nem tampouco voar. Algumas das quase mil espécies hoje conhecidas
chegaram a ter 30 m de comprimento e perto de 85 toneladas (NOVELLI, 2008).
No Ocidente, a imagem mais conhecida dos dragões é oriunda de lendas celtas, germâ-
nicas e escandinavas. São tidos como seres muito grandes, com o corpo coberto por grossas
escamas, uma fileira de escamas dorsais triangulares e uma longa cauda sagital. Eles soltam
fogo pelas ventas e fazem tremer a Terra quando a pisam, com suas quatro pesadas patas,
mas podem facilmente flutuar no ar com suas denteadas asas (AUBIER, 1991).
Os dinossauros existiram durante cerca de 160 milhões de anos na superfície da Terra,
como comprovam seus fósseis preservados nas rochas. Podem ser reunidos em dois
grandes grupos: os ornitísquios, com quadril similar ao das aves, e os saurísquios, com o
quadril semelhante ao dos lagartos. Deste último grupo, há formas quadrúpedes e her-
bívoras (os sauropodomorfos), e bípedes e carnívoras (os terópodos), como Tyrannosaurus
rex Osborn 1905. Os terópodos tinham grandes dentes, garras afiadas, membros posteriores
fortes e pés com três dedos, sendo muito ferozes. Os sauropodomorfos em geral eram
maiores e mais pesados, com membros anteriores mais desenvolvidos.
Nas antigas mitologias chinesas e indianas, os dragões eram formas serpenteantes, ápo-
das e aladas, que mantinham seu ventre cheio das águas do céu, que liberavam ocasio-
nalmente, trazendo chuvas e boas colheitas aos humanos (ZIMMER, 1989). Os maias
e astecas também cultuavam um dragão‑serpente alado, que castigava ou beneficiava o
povo conforme sua própria justiça. Há uma deusa dos mitos peruanos, descrita como um
dragão, que zelava pela agricultura, mas que, ao andar, causava terremotos. Já os persas,
gregos, germanos e celtas acreditavam em dragões quadrúpedes, que atemorizavam os
homens para acumular e guardar ricos tesouros.
Restos de dinossauros foram registrados há quase 2000 anos atrás, em rochas jurás-
sicas da China, tendo sido interpretados, na época, como ossos de dragões. Só no início
do século xix, na Inglaterra, é que ossos e dentes de animais denominados Megalosaurus
(por Dean William Buckland em 1824) e Iguanodon (por Gideon Mantell em 1825)
foram reconhecidos como pertencentes a um extinto grupo de grandes répteis, que teriam
vivido na superfície da Terra, denominados dinossauros por Sir Richard Owen em 1842
(TORRENS, 1993). Nas duas décadas seguintes, várias reconstruções de dinossauros
foram expostas no Cristal Palace em Londres, visando divulgar ao grande público esta
descoberta de peso.
Na antiguidade, dragões eram ou seres benéficos, responsáveis pela fertilidade dos
campos, ou seres maléficos, quando expressavam sua fúria através de terremotos e tem-
pestades que destruíam suas casas, gado e plantações. Durante a Idade Média, a existência
dessas criaturas era tida como inquestionável, e muitas famílias possuíam a imagem de
um dragão em seus brasões. Na atualidade, os invisíveis e inaudíveis dragões são criaturas
aladas que representam o poder que os humanos gostariam de ter para usufruir dos
tesouros por eles guardados (ANJOS & BERNARDEZ, 1985).
Dinossauros viviam em planícies e terrenos de vegetação mais densa, em climas
36
tropicais ou temperados, onde andavam sozinhos ou em pequenas manadas, pastando
ou emboscando suas presas (ANELLI, 2010). Por outro lado, dragões viviam e vivem
em locais quase inacessíveis, nas profundezas de cavernas e lagos ou no cimo gelado das
mais elevadas montanhas. Deste modo, dinossauros e dragões não dividiam os mesmos
ambientes. Ou sim?

3 – O Livro

O livro em pauta, O dinossauro que fazia au‑au, é de autoria de Pedro Bandeira de


Luna Filho, professor, ator, diretor, cenógrafo, publicitário, jornalista, escritor e even-
tualmente ilustrador. É seu primeiro livro infantojuvenil, publicado em 1983, quando
completava 41 anos de idade. Desde então, Pedro Bandeira tem se dedicado inteira-
mente à literatura, o que lhe rendeu inúmeros prêmios e distinções. Com mais de meia
centena de obras, inclusive vertidas para o mundo cinematográfico, no Brasil é um dos
escritores que mais vende livros para adolescentes (COELHO, 1995).
O dinossauro que fazia au‑au surgiu com texto e desenhos do autor, e foi um livro muito
bem recebido pelo público. Com 27 edições em 29 anos de existência, é até hoje bastante lido
e apreciado, principalmente por ser adotado nas aulas de língua portuguesa em escolas de
todo o país. Na 9ª edição, de 1987, o texto foi reformulado e as ilustrações passaram a ser
elaboradas por Paulo Tenente. Em 2006, Pedro Bandeira, que publicava o livro pela Editora
Moderna, passou a editá‑lo pela Editora Melhoramentos, introduzindo algumas modifica-
ções no texto e contando agora com as ilustrações de Renato Moriconi. A 1ª edição indica-
da na publicação da Editora Melhoramentos corresponde à 27ª edição do livro.
Na primeira edição e nas sete subsequentes, há 25 curtos capítulos com simples vi-
nhetas distribuídos por 76 páginas, três delas com uma gravura de página inteira. Os
desenhos de Paulo Bandeira são simples, claros e tendem a expressar a realidade. Da 9ª
edição em diante, enquanto na Editora Moderna, encontramos 87 páginas reunidas em
14 capítulos com vinhetas mais elaboradas, e dez figuras de meia página. As ilustrações
de Paulo Tenente são bastante caricatas e o dinossauro é francamente fantasioso, a ponto
de ter cauda em caracol e língua de tamanduá. Na edição de 2006, o livro tem 100 pá-
ginas e 15 capítulos com vinhetas padronizadas. As ilustrações, em geral, ocupam toda a
página (sete) ou um terço dela (seis), com apenas duas figuras de meia‑página. Assim, à
medida que as edições se modernizaram, mais ilustrada ficou a obra.
O protagonista do livro O dinossauro que fazia au‑au não é um dinossauro, e sim um
menino chamado Galileu, com coadjuvantes muito presentes: um ratinho (de bolso),
um papagaio palrador, um dinossauro que nasce de um ovo escondido numa caverna,
e dois personagens circenses – o velho palhaço tio Bebeto e a pequena bailarina Nildi-
nha. Alguns outros personagens são identificados por suas ocupações, como o distraído
guarda florestal (ou vigia na edição da Editora Melhoramentos), a funcionária que dá
informações equivocadas por não ouvir o que o cliente quer, o professor preconceituoso
que só fala de si e só vê o que deseja ver, o prefeito preocupado com coisas de menor
importância, os gordos fiscais burocráticos, o síndico xerife, etc. Estes personagens são
caricaturais, pois personificam o antagonista, o poder instituído do mundo dos adultos,
sempre ameaçador com suas regras, burocracia e saber subfossilizado.
O que move a ação do livro é o reconhecimento de um dinossauro entre humanos
37
nos dias atuais. O ritmo, bastante rápido nas primeiras edições, torna‑se mais lento a
partir da 9ª edição, com a introdução de esclarecimentos que desaceleram a narrativa.
A partir desta edição, o enredo fica também bem mais fantasioso, e as explicações inseridas
parecem refletir contribuições de leitores e colegas nos anos de ‘vida’ do livro, como se
observa quando se aborda o tempo geológico. Nas primeiras edições encontra‑se ‘répteis
pré‑históricos desde a Era Arqueozoica (quando nem existiam organismos na face da
Terra) até o início da Era Cenozoica’, o que nas edições pós‑87 é corrigido para ‘répteis
pré‑históricos desde a Era Mesozoica’, a era dos dinossauros.
A história, nas três edições que introduzem mudanças textuais e ilustrativas, se inicia
com frases bem diferentes. Na primeira versão, temos a frase ‘Galileu morava num pré-
dio de apartamentos onde era proibido ter cachorro’, situando a trama diretamente num
espaço urbano atual, onde vive o menino. Nas edições da Editora Moderna pós‑87, a
história se inicia com ‘Você é criança?’, tecendo considerações sobre as dificuldades ine-
rentes esta situação. E na última edição, a primeira frase é ‘Há quase dez anos, o menino
Galileu nasceu numa cidade muito pequena’, retrocedendo no tempo e mostrando que
agora a vida de Galileu necessita de adaptações a um novo ambiente, a cidade grande.
O desfecho do livro também varia em cada uma destas edições. Na edição de 1983,
o dinossauro acaba com uma placa no pescoço, identificando‑o como um canguru, e
assim podendo viver entre os humanos. Na edição de 1987 e subsequentes, na Editora
Moderna, o dinossauro é aceito como um dragão que faz au‑au e, deste modo, pode
divertir os espectadores do grande circo humano. E na edição de 2006, onde é inse-
rido um penúltimo capítulo, no qual as crianças, depois os velhos e finalmente todos,
reconhecem que Isauro é um verdadeiro dinossauro. Daí então, a cidade ficou famosa e o
velho professor de Paleontologia, cheio de empáfia, pôde anunciar sua grande descoberta,
modéstia a parte...

4 – Dinossauros e Dragões no Livro

O dinossauro nasce de um ovo, como se acredita, que é descrito originalmente como


grande, lisinho, roliço, branco e cheio de pintas. Isto é possível, pois ovos fósseis rara-
mente preservam um padrão de coloração. Foi chocado com o calor solar, como se espe-
ra ocorrer com um ovo reptiliano. Por outro lado, o dinossauro nasce a partir de um ovo
deixado numa caverna, hábitat por excelência dos dragões, mostrando já desde o início
da história que dinossauro e dragão se confundem no imaginário infantil e de muitos
adultos. Para tanto, basta lembrar que restos de dinossauros, pioneiramente encontrados
na China, foram interpretados pelos cientistas da época como ossos de dragões.
Ao romper‑se, o ovo mostrou primeiro a cauda, uma estratégia para produzir suspense,
pois em geral é a cabeça que rompe os ovos. A cauda era alaranjada e roliça e, nas edi-
ções pré‑2006, cheia de escamas. Ainda nessas edições, é explicado que dinossauros têm
escamas e não pelos, e que as aves descendem de dinossauros. Na edição mais recente,
estes detalhes morfológicos e evolutivos foram omitidos, talvez em consideração a novas
descobertas paleontológicas que indicam que muitos dinossauros eram cobertos por pe-
nas, mormente os bípedes, como é o caso do dinossauro Isauro. O ovo ficara guardado
dentro das rochas durante milhões de anos, como convém a um fóssil. Nos desenhos de
Pedro Bandeira, o dinossauro tem uma cauda musculosa típica destes organismos, mas a
38
partir da 9ª edição, as ilustrações de Paulo Tenente trazem uma cauda serpenteante (como
são as caudas de dragões) ou em caracol, muito inverosímil. Renato Moriconi adota uma
cauda sauromorfa, porém listada, como a camisa que veste o menino Galileu, buscando
uma identificação entre ambos, como se um fosse a extensão do outro.
Dinossauro, explica Galileu, era ‘um bicho grande que sumiu da face da Terra
há milhões de anos’, uma definição um tanto generalista, mas que remete a tempos
pré‑humanos, sinalizando a ocorrência de um evento difícil de acreditar. O dinossau-
ro é alaranjado ou cor‑de‑laranja, sem qualquer padrão pigmentar, a cor das cenouras
que ele come. É corretamente identificado como pertencente ao grupo dos répteis e
descrito como um saurísquio terópodo, bípede e carnívoro (como Tyrannosaurus rex).
Seria um filhote de tiranossauro, do tamanho de um homem adulto, conforme as
edições pós‑87. Tinha cabeça, boca e abdômen enormes, membros posteriores fortes
e anteriores pequenos. Entretanto, diante da possível ferocidade do animal, o narra-
dor ameniza a personagem, descrevendo‑o com uma carantonha simpática e olhos
tímidos. Os terópodos eram carnívoros, mas Isauro, além de viver entre humanos, era
saudavelmente herbívoro: comia cenouras e sementes de girassol, e bebia limonada.
Assim, é ilustrado sem garras ou dentes afiados, mostrando uma índole benevolente,
como um cachorro de estimação, que ladra, mas não morde. Aliás, este temperamento
amigável o permite fazer au‑au, pois, como justifica Nildinha, ‘a gente não sabe como
era o som que eles emitiam’.
Com dificuldade para que as pessoas reconheçam sua grande descoberta (um dinos-
sauro novinho em folha), o menino Galileu o leva a uma universidade de sua cidade,
pois ouvira falar que ‘lá tem uma porção de professores que passa a vida inteira estu-
dando ossos de dinossauro’ (edições da Editora Moderna). Esta é uma afirmativa que
corresponde ao imaginário social alimentado pelas constantes notícias sobre dinossauros
veiculadas pela mídia, mas que está muito longe da realidade brasileira, onde a maioria
dos paleontólogos universitários trabalha só com seus alunos, e muito poucos se dedicam
ao estudo dos dinossauros. Ao chegar à universidade, o menino passa por estudantes
desatentos pensando como encontrar um ‘professor de dinossauro’ (ainda que dinossauro
não vá à escola!) e que talvez ele seja um professor de dinossaurologia. Então, Galileu sabe
que o sufixo ‘logia’ significa algo relacionado a estudo, conhecimento. Porém, mais
tarde na história, nas edições pós‑87, insiste em nomear ‘Paleo‑não‑sei‑o‑quê’, num
inexplicável ataque de amnésia.
Muito simpaticamente, o narrador diz que ‘a porta da Paleontologia estava aberta’
como a maioria dos paleontólogos sonha ser a porta de entrada desta intrigante ciência
dos organismos que viveram antes de nós, deixando tão poucos vestígios para desven-
dar outras vidas, outros mundos. Depois, sinaliza que este é um mundo tão vasto, que
abrange um tempo tão incomensurável, que os paleontólogos pesquisadores precisam
se especializar em épocas e grupos de organismos. O professor de Paleontologia é um
personagem muito caricato: um velho senhor de avental branco e óculos pequenos,
careca (nas representações dos três ilustradores), com uma pilha de livros e um saber
petrificado, que procura disfarçar com seu ar arrogante e comportamento aloprado.
Depois da 9ª edição, no desfecho do livro, há mais comentários sobre professores de Pa-
leontologia (nomeados professores de Paleo‑não‑sei‑o‑quê), insistindo em seu conheci-
mento fossilizado, pouco humilde, descolado da realidade. De certa forma, isto reflete
a distância que a Paleontologia tem hoje do cotidiano das pessoas no Brasil, diferente-
39
mente do que ocorre com a Informática, a Biologia e outras ciências, cujos objetos de
estudo mudam o futuro de vidas humanas.
Ao descrever o Cretáceo, um período do tempo geológico no qual os dinossauros
viveram, o professor narra cenas da vida dos tiranossaurídeos, grupo ao qual per-
tence o réptil da história. A partir da 9ª edição, detalha cinematograficamente estas
cenas: ‘Que paz, que amplitude naqueles pântanos, até que algum réptil gigantesco,
carnívoro, louco de fome, chegasse repentinamente com um apetite insaciável! Ah!
Ossos partindo‑se, carnes e cartilagens dilacerando‑se sob a ação daquelas mandíbu-
las assassinas! O sangue gelado dos grandes lagartos jorrando para todos os lados!’
Infelizmente dinossauros não eram lagartos e nem tinham sangue gelado. Mas dragões,
sim! Ou não?
Quando o menino Galileu e seus amiguinhos vão embora da universidade, o velho
professor vê as pegadas de dinossauro deixadas por Isauro e diz ser isto uma descober-
ta digna de causar inveja a seus pares da academia. A partir da 9ª edição, o narrador
explica corretamente como estas pegadas se formam (os icnofósseis). Também há ilus-
trações delas a partir de 1987: nas edições da Editora Moderna parecem pegadas de
ursos e na edição da Melhoramentos, é nitidamente humanóide. Podem melhorar...
Para disfarçar o dinossauro em dragão, uma fileira de bandeirolas triangulares em
feltro vermelho é colada em suas costas e dois espanadores coloridos são presos na
cabeça para fazer as orelhas, coisa que dinossauro não tem. A partir da 9ª edição, são
acrescentados dois leques nas costas do dinossauro à guisa de asas, são substituídas as
escamas dorsais de feltro por esbranquiçadas conchas de moluscos, e seu corpo é pintado
de vermelho com círculos coloridos. Para finalizar a fantasia de dragão, é colocada em
sua cabeça uma pequena coroa de lata, sinalizando agora que ele ‘é um tiranossauro‑rei’
(como o Tyrannosaurus rex, seu ‘primo’), um dinossauro! Ao transformar o dinossauro
em dragão, ficam bastante claras suas diferenças: o último tem orelhas, asas e escamas
dorsais. De resto, é tudo quase igual. O colorido pouca diferença faz, pois o dinossauro
da história já é cor‑de‑cenoura, uma cor tão presente no fogo como o vermelho, ambas
remetendo a tradicional imagem dos dragões.
A grande questão colocada claramente no livro é: dinossauros e dragões, quem
realmente existiu (ou existe)? A mãe diz que o menino deve deixar de brincadeiras
e maluquices. O guarda‑florestal (ou vigia) confunde‑o com uma árvore esquisita.
O síndico toma como ofensa pessoal, pois parece que querem fazê‑lo de idiota. Os
professores universitários crêem que o dinossauro é um caçador de fósseis ou um
cão (faz au‑au), e os passantes o tomam por um boneco de propaganda. E todos in-
sistem que dinossauros não existem há milhões de anos. Só as crianças e palhaços
(ou talvez quem tenha um pensamento infantil ou gaiato) aceitam tranquilamente
a existência de um dinossauro vivo hoje em dia, pois sabem que ‘nada é impossível
para sempre’, que ‘um sonho pode se tornar realidade’, e que ‘um dinossauro ainda
pode existir!’ Mas dragões são inquestionáveis: existem! Isto o prova o ‘Esquadrão
Caça‑dragão’, criado por circunspectos cidadãos da prefeitura local, diante da real
ameaça que a cidade se vê envolvida.
5 – Considerações finais

Dinossauros e dragões fazem parte do imaginário de toda a criança e, por consequência,


dos adultos em que depois se tornam. Porém, as crianças e adolescentes são fascinadas pelo
40 poder que eles representam (MELLON, 2006), decorando impronunciáveis nomes de dezenas
de dinossauros e descrevendo em detalhe seus mais incríveis comportamentos. Até o final do
século xix, quando os dinossauros foram reconhecidos e descritos como tal, e até mais tarde,
em meados do século xx, quando a literatura infantojuvenil se tornou acessível às grandes
massas, os dragões eram soberanos no imaginário infantil dos contos de fada, representando
desafios a serem vencidos para obter as riquezas defendidas por estes fantásticos guardiões. Na
era tecnológica que hoje vivemos, os dragões cederam lugar aos dinossauros, cuja existência
pode ser comprovada cientificamente (ao contrário dos dragões), como representantes do
arquétipo desafiador que, como todo o arquétipo, é fascinante e poderoso.
Como todo o livro que ultrapassa gerações depois de escrito, O dinossauro que fazia
au‑au de Pedro Bandeira, com suas 27 edições e milhares de exemplares lidos, traz
uma verdade capaz de satisfazer à inquietação infantil, uma resposta ao anseio de toda a
criança que se sente diferente de ser aceita e reconhecida no mundo civilizado. Galileu é,
na sua própria forma de dizer, um ‘narigador’, um menino curioso que não tem amigos,
só bichinhos de estimação: um rato que faz cuim, um dinossauro que faz au‑au e um pa-
pagaio que fala pelos cotovelos. À medida que outros personagens humanos reconhecem
seu dinossauro ou aceitam seu jeito de ser ‘narigador’ (uma ameaça pacífica, como é o di-
nossauro Isauro), ele desenvolve amizades, como com Nildinha e tio Bebeto, com quem,
no desfecho do livro, vai viajar e descobrir novos mundos. A identidade de Galileu com
o dinossauro é captada de modo esplendoroso por Renato Moriconi, que os ilustra com
camiseta e cauda listradas de igual forma. O dinossauro que faz au‑au na verdade é um
dragão, um desafio a ser vencido para que o desenvolvimento da criança possa ocorrer
de modo satisfatório, para que ela possa alcançar novos patamares em sua convivência
social. Embora esta história seja irreal, não é falsa, pois retrata de forma imaginária e
simbólica os passos essenciais do crescimento, como já salientou MELLON (2006), ao
comentar os contos de fada.
As três edições que introduzem mudanças textuais e ilustrativas se iniciam e terminam de
diferente forma, mas sem perder a essência da obra. Na primeira versão, de 1983, a frase ini-
cial remete diretamente à questão subjacente, pois onde Galileu mora é proibido ter cachorro,
ou seja, é proibido ter algo fora da norma do prédio. No final, o dinossauro acaba com uma
placa que o identifica como um canguru, e com este rótulo de disfarce é aceito pela sociedade
humana, mesmo continuando a ser o dinossauro de sempre. Nas edições depois de 1987, na
Editora Moderna, a história se inicia tecendo considerações sobre a questão de ser criança
num mundo de adultos. No desfecho, o dinossauro é aceito como um dragão que faz au‑au,
um ser quase inexistente e que, por isto mesmo, traz poucas ameaças à sociedade, como um
menino curioso. E na última versão, de 2006, a primeira frase lembra que Galileu é pequeno,
que veio de uma cidade pequena, e que, portanto, não está adaptado à realidade de um grande
centro civilizado, de gente grande. Ao término do livro todos reconhecem o dinossauro entre
eles e passam a conviver com esta nova realidade.
O dinossauro que fazia au‑au é o primeiro livro infantojuvenil de autor brasileiro a falar de
dinossauros. Esta é uma imensa dívida que toda a sociedade de paleontólogos brasileiros tem
com Pedro Bandeira que, sem ser paleontólogo, trouxe para o mundo infantil e adolescente,
o vislumbre de outras vidas ainda presentes em nossas vidas. E Pedro Bandeira soube fazer
isso com maestria, com leveza e humor, típicos dos grandes autores, tão grandes como os di-
nossauros o foram. As informações sobre os fósseis são verdadeiras e permanecem atualizadas
depois de muitos anos, às vezes por pequenas mudanças que o autor introduziu no texto.
O livro também lembra delicadamente a todos nós, paleontólogos, da importância de di- 41
vulgar em livros infantojuvenis as descobertas e reconstruções destes mundos passados que tão
poucos cientistas estão capacitados para desvendar. A crítica sobre os petrificados professores
de Paleontologia é absolutamente válida, um alerta para que deixemos nossas limitantes lupas
de mão e abramos os olhos para um mundo maior, o mundo habitado por todos os humanos.
Um mundo que não é nosso, porque passaremos como os dinossauros passaram, mas é o
mundo no qual vivemos, o mundo no qual sonhamos.. com dragões e dinossauros.

6 – Conclusões

Através da análise das diversas edições da obra infantojuvenil do escritor brasileiro


Pedro Bandeira intitulada O dinossauro que fazia au‑au, que surgiu em 1983 e teve duas
grandes mudanças textuais e ilustrativas (nas edições de 1987 e de 2006), podemos sin-
tetizar as seguintes principais conclusões:

a) Como as obras que ultrapassam gerações, o livro trata do anseio de toda a criança,
que se sente diferente, de ser aceita e reconhecida pelo mundo adulto e civilizado,
mostrando grande identidade entre o menino Galileu e seu dinossauro, observada
até nas ilustrações mais recentes. O dinossauro que faz au‑au representa um dragão,
um desafio a ser vencido para que a criança possa alcançar novos patamares em sua
convivência social.

b) As três edições que introduzem mudanças textuais e ilustrativas se iniciam e termi-


nam de diferente forma, mas sem perder a essência da obra, da inadequação infan-
til no mundo adulto para diferentes formas de acomodação social: pelo disfarce para
não ser visto, por ser inofensivo à sociedade ou por simples aceitação da realidade.

c) O dinossauro que fazia au‑au é o primeiro livro infantojuvenil de autor brasileiro


a falar de dinossauros, apresentando corretas e atualizadas informações sobre os
fósseis, relembrando à academia da importância de se divulgar a Paleontologia de
modo acessível às crianças e jovens.

Agradecimentos – Nossos melhores agradecimentos à Dra. Rosa Maria Hessel Silveira


(Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre) pela ajuda bibliográfica e
diversas sugestões de melhoria.

Bibliografia Ativa

BANDEIR A, P. (1983) – O dinossauro que fazia au‑au. 1ª ed., ilustrações de Pedro Bandeira. Moderna,
São Paulo, 78 p.
BANDEIR A, P. (1987) – O dinossauro que fazia au‑au. 9ª ed., ilustrações de Paulo Tenente. Moderna,
São Paulo, 87 p.
BANDEIRA, P. (2006) – O dinossauro que fazia au‑au. 1ª ed., ilustrações de Renato Moriconi. Melhoramentos,
São Paulo, 100 p.
42

Referências Bibliográficas

ANELLI, L. E. (2010) – O guia completo dos dinossauros do Brasil. Peirópolis, São Paulo, 222 p.
ANJOS, E. S. & BERNARDEZ, A. A. (1985) – O mundo do faz‑de‑conta. 2ª ed., Shogun Arte, Rio de Janeiro,
195 p.
AUBIER, C. (1991) – Dragão. Pensamento, Rio de Janeiro, 128 p.
COELHO, N. N. (1995) – Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil brasileira: séculos 19 e 20. 4ª ed.,
EDUSP, São Paulo, 1340 p.
MELLON, N. (2006) – A arte de contar histórias. Rocco, Rio de Janeiro, 249 p.
NOVELI, L. (2008) – Darwin e a verdadeira história dos dinossauros. Ciranda Cultural, São Paulo, 111 p.
OLIVEIRA, I. (org.) (2008) – O que é qualidade em literatura infantil e juvenil? Com a palavra o ilustrador.
Difusão Cultural do Livro, São Paulo, 213 p.
TORRENS, H. S. (1993) – Quando o dinossauro foi batizado? Cadernos IG [Unicamp], 3, p. 119‑125.
ZIMMER, H. (1989) – Mitos e símbolos na arte e civilização da Índia. Palas Athena, São Paulo, 234 p.
4
AS TEMÁTICAS DO ANO INTERNACIONAL DO PLANETA TERRA
NOS MANUAIS ESCOLARES DE GEOLOGIA DOS 10º E 11º ANOS
DE ESCOLARIDADE DO ENSINO SECUNDÁRIO PORTUGUÊS

THE MAJOR THEMES OF THE INTERNATIONAL YEAR OF


PLANET EARTH IN GEOLOGY TEXT‑BOOKS FOR THE 10TH AND
11TH GRADES OF THE SECONDARY EDUCATION IN PORTUGAL

M. A. Pacheco1 & M. H. Henriques2

Resumo – No presente trabalho analisa‑se a presença e a representatividade das temáti-


cas contempladas no Programa Científico do AIPT – Ano Internacional do Planeta
Terra (2007‑2008) em oito manuais escolares relativos à componente de Geologia dos
10º e 11º anos de escolaridade do ensino secundário português.
Os resultados obtidos mostram que todos os manuais analisados abordam as dez
temáticas incluídas no Programa Científico do AIPT: “Água Subterrânea: reservató-
rio para um planeta com sede?”; “Desastres Naturais: minimizar o risco, maximizar
a consciencialização”; “Terra e saúde: construir um ambiente mais seguro”; “Altera-
ções climáticas: registos nas rochas”; “Recursos: a caminho de um uso sustentável”;
“Megacidades: o nosso futuro global”; “O interior da Terra: da crusta ao núcleo”;
“Oceano: abismo do tempo”; “Solo: a pele da Terra”; “Terra e vida: as origens da
diversidade”. Contudo, essa abordagem não tem a mesma representatividade nos oito
manuais analisados: “O interior da Terra – da crusta ao núcleo” e “Oceano – abismo
do tempo” são as temáticas mais representadas, enquanto “Megacidades: o nosso futuro
global” é a menos representada.
Atendendo ao papel crucial que os manuais escolares desempenham nas práticas
educativas, a presença e a representatividade daquelas temáticas – que ref letem a
organização dos conteúdos programáticos homologados pelo Ministério da Educação
português para a componente de Geologia dos 10º e 11º anos de escolaridade –, per-
mitem relevar o seu valor enquanto recursos de promoção de uma melhor integração

1
Escola Secundária José Falcão; 3001‑654 Coimbra, Portugal; [email protected]
2
Departamento de Ciências da Terra e Centro de Geociências; Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade de Coimbra; 3000‑272 Coimbra, Portugal; [email protected]
das Ciências da Terra nos currículos dos diferentes sistemas de ensino, nomeadamente
nos que se incluem na CPLP, objetivo preconizado no Programa de Divulgação do
AIPT.
44
Palavras‑chave – Ano Internacional do Planeta Terra; Ensino Secundário Português;
Geologia; Manuais Escolares

Abstract – The present work describes the presence and representation of the themes inclu‑
ded in the Scientific Programme of the International Year of Planet Earth (2007‑2009)
in eight Geology text‑books for the 10th and 11th grades of the secondary education in Portugal.
The results show that all the analyzed textbooks address the 10 subject matters included
in the IYPE Science Program: “Groundwater – towards sustainable use”; “Hazards – mi‑
nimizing risk, maximizing awareness”; “Earth & Health – building a safer environment”;
“Climate – the ‘stone tape’”; “Resource issues – towards sustainable use”; “Megacities – going
deeper, building safer”; “Deep Earth – from crust to core”; “Ocean – abyss of time”; “Soil
– Earth’s living skin”; “Earth & Life – the origins of diversity”. However, this approach does
not have the same representation in the analyzed eight books: “Deep Earth – from crust to core”
and “Ocean – abyss of time” are the most represented themes, while “Megacities: going deeper,
building safer” is the less represented.
Given the crucial role that textbooks play in educational practices, the presence and
representation of those themes – which reflect the organization of the syllabus approved by the
Portuguese Ministry of Education for the Geology component for the 10th and 11th grades
of the secondary education – allow to emphasize their value as a resource to promote a better
integration of Earth sciences in the curricula of different education systems, particularly those
included in the Community of Portuguese Speaking Countries, a major goal of the Outreach
Programme of the IYPE.

Keywords – International Year of Planet Earth; Portuguese Secondary Education;


Geology; Text‑books

1 – Introdução

Em Dezembro de 2005, a Assembleia‑geral das Nações Unidas proclamou 2008 como


o Ano Internacional do Planeta Terra (AIPT), iniciativa integrada na Década das Nações
Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005‑2014), subordinada ao
tema “Ciências da Terra para a Sociedade” (MULDER et al., 2006). O AIPT envolveu
múltiplas iniciativas à escala global, em torno do objetivo principal de incrementar a
consciência pública acerca do enorme potencial do conhecimento em Ciências da Terra
de cerca de meio milhão de geocientistas de todo o mundo – frequentemente subutilizado
– que pode contribuir para a preservação do planeta e para a melhoria da qualidade de
vida dos cidadãos (CALVO, 2006).
Assente num Programa Científico e num Programa de Divulgação, o AIPT focalizou‑se
num conjunto de dez temáticas relativamente às quais o papel dos geocientistas é tido
como determinante, enquanto profundos conhecedores do equilíbrio e da complexidade
do Sistema Terrestre, do qual todos dependemos (AIPT, 2007a):
– Água Subterrânea: reservatório para um planeta com sede?;
– Desastres Naturais: minimizar o risco, maximizar a consciencialização;
– Terra e saúde: construir um ambiente mais seguro;
– Alterações climáticas: registos nas rochas; 45
– Recursos: a caminho de um uso sustentável;
– Megacidades: o nosso futuro global;
– O interior da Terra: da crusta ao núcleo;
– Oceano: abismo do tempo;
– Solo: a pele da Terra;
– Terra e vida: as origens da diversidade.

O Comité Português para o AIPT foi criado, sob a égide da Comissão Nacional
da UNESCO, em Abril de 2007, tendo, ao longo do triénio 2007‑2009, coordenado
aproximadamente 500 eventos, 84% dos quais inseridos no Programa de Divulgação
(HENRIQUES et al., 2010).
De entre os objetivos incluídos no Programa de Divulgação do AIPT, destacava‑se, na
área da educação, a necessidade de promover “uma melhor integração das Ciências da Terra
nos curricula e uma melhor visibilidade académica das mesmas no seio dos diversos sistemas
educativos” (AIPT, 2007b, p. 8), designadamente através da produção de recursos educativos
relacionados com as grandes temáticas em foco no AIPT, destinados a professores e alunos,
de que os manuais escolares (ME), enquanto mediadores privilegiados entre os currículos
oficiais e as práticas escolares, constituem exemplo.
Na verdade, a atividade dos professores é fortemente condicionada pelos conteúdos
inseridos nos ME, que a eles recorrem, não só para decidirem o que vão ensinar, mas
também para decidirem como vão ensinar e avaliar (PEDROSA & LEITE, 2005a, b).
De acordo com VALADARES & NEVES (2004, p. 9), “as aulas de ciências são predo-
minantemente orientadas, organizadas e restritas ao que está nos manuais, que ditam “o
curriculum de ciências a que são submetidos os alunos e, por isso, torna‑se a principal
fonte de conhecimento para a maioria deles”.
Neste contexto, torna‑se relevante analisar até que ponto os ME adotados no sistema
educativo português, nomeadamente na componente de Geologia, podem contribuir para
alcançar os objetivos do AIPT, de “melhorar a consciência geral acerca do enorme poten-
cial que as Ciências da Terra possuem para criar uma sociedade mais segura, saudável e
rica” (AIPT, 2007b, p. 8).
Por outro lado, os ME elaborados em Portugal têm fortes repercussões fora do
sistema educativo nacional, que se estendem, por exemplo, aos sistemas educativos de
países que integram a CPLP, muitas vezes servindo de referência na elaboração de ME
adotados naqueles países. É o caso da República de Cabo Verde, que recentemente
aprovou legislação relativa à mobilização e desenvolvimento da cooperação interna e
externa com vista ao estabelecimento de parcerias com organizações nacionais e in-
ternacionais para o desenvolvimento de programas de educação e ciência, bem como
para a elaboração dos ME que os apoiam (MED, 2012). Relativamente aos ME adotados
naquele país, “pode‑se afirmar que a sua produção e concepção sempre esteve a cargo de
técnicos caboverdianos e portugueses. Aliás, a presença de Portugal na produção de ma-
nuais caboverdianos é uma constante ao longo dos tempos. Se no ensino básico/primário
se pode identificar alguns manuais voltados em certa medida para a realidade do país,
no ensino secundário, por vezes, a carência é colmatada com manuais de Portugal que
são “adoptados” e “adaptados” em função dos conteúdos, das temáticas e dos níveis de
ensino, por exemplo, em disciplinas como História, Ciências Naturais ou Geografia”
46 (MARTINS et al., 2011, p. 5).
O presente trabalho refere‑se a resultados obtidos no âmbito de uma investigação
mais ampla, centrada na análise de conteúdo de oito ME relativos à componente de
Geologia dos 10º e 11º anos de escolaridade, que procurou averiguar de que forma as
temáticas do AIPT são abordadas naqueles recursos educativos (PACHECO, 2011).

2 – Metodologia da Investigação

Os manuais de Biologia e Geologia do 10º ano de escolaridade atualmente em


vigor nos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas foram selecionados no 3º
período do ano letivo 2006/2007, e os do 11º ano de escolaridade no 3º período do
ano letivo 2007/2008, de acordo com a legislação dos anos noventa, obedecendo, no
entanto, a uma vigência de seis anos letivos, e entraram, em vigor ou foram adotados
no ano letivo seguinte (PACHECO, 2011).
Dos oito ME analisados no presente trabalho, quatro referem‑se à componente de
Geologia do 10º ano (A10, B10, C10 e D10) e outros quatro à do 11º ano de escolarida-
de (A11, B11, C11 e D11), disponíveis no mercado livreiro (tabela 1). Utilizaram‑se livros
de quatro editoras, de modo a obter a maior representatividade possível no que se refere
às diferentes editoras que operam no mercado português. Deste modo, “o processo de
selecção da amostra enquadra‑se no de amostra propositada (tipo de amostra não‑pro-
babilístico), visto que se recorreu a uma amostra disponível” (LEITE, 1998, p. 48).
Para cada um deles, procurou‑se determinar a presença e a representatividade de con-
teúdos relacionados com as temáticas do AIPT nos diferentes Capítulos das Unidades
Temáticas neles abordadas, e que refletem a organização dos conteúdos programáticos
homologados pelo Ministério da Educação para a componente de Geologia dos 10º e 11º
anos de escolaridade (Fig. 1).

Fig. 1 – Organização, em quatro grandes temas, dos programas da componente de Geologia dos 10º e 11º
anos de escolaridade (adaptado de AMADOR et al., 2001, 2003).
Tabela 1 – Identificação dos manuais da componente de Geologia
dos 10º e do 11º anos analisados (retirado de PACHECO, 2011).

Número 47
Código Local de Ano de
Título Autores Editora total de
do M E edição edição
páginas
A. Guerner Dias,
Geologia Areal
A10 Paula Guimarães & Maia 2007 223
10/11 Editores
Paulo Rocha
Amparo D. da Silva,
Terra, Almira F. Mesquita,
Universo de Fernanda Gramaxo,
B10 Porto Editora Porto 2007 192
vida: 1ª Parte M. Ermelinda Santos,
– Geologia Ludovina Baldaia &
José M. Félix
Planeta
com Vida: Jorge Ferreira & Santillana
C10 Carnaxide 2007 232
Geologia Manuela Ferreira Constância
(vol. 1)
Desafios:
Óscar Oliveira,
Biologia e
D10 Elsa Ribeiro & Edições ASA Rio Tinto 2007 255
Geologia
João Carlos Silva
(vol. 1)
A. Guerner Dias,
Areal
A11 Geologia 11 Paula Guimarães & Maia 2008 192
Editores
Paulo Rocha
Amparo D. da Silva,
Terra, M. Ermelinda Santos,
Universo de Fernanda Gramaxo,
B11 Porto Editora Porto 2008 208
vida: 2ª Parte Almira F. Mesquita,
– Geologia Ludovina Baldaia &
José M. Félix
Planeta
com Vida: Jorge Ferreira & Santillana
C11 Carnaxide 2008 200
Geologia Manuela Ferreira Constância
(vol. 2)
Desafios:
João Carlos Silva,
Biologia e
D11 Elsa Ribeiro & Edições ASA Rio Tinto 2008 192
Geologia
Óscar Oliveira
(vol. 2)

3 – Resultados

Os dados representados na tabela 2 demonstram que todas as temáticas incluídas no


Programa Científico do AIPT são abordadas nos oito ME analisados, através de conteúdos
disseminados pelos diferentes Capítulos das respetivas Unidades Temáticas. “O interior
da Terra – da crusta ao núcleo” e “Oceano – abismo do tempo” são as temáticas mais
representadas, enquanto “Megacidades: o nosso futuro global” é a menos representada no
conjunto dos ME analisados.
Tabela 2 – Interrelações entre os conteúdos dos manuais da componente de Geologia dos 10º e 11º anos
de escolaridade e as temáticas do AIPT (2. Água Subterrânea: reservatório para um planeta com sede?;
3. Desastres Naturais: minimizar o risco, maximizar a consciencialização; 4. Terra e saúde: construir um
ambiente mais seguro; 5. Alterações climáticas: registos nas rochas; 6. Recursos: a caminho de um uso
sustentável; 7. Megacidades: o nosso futuro global; 8. O interior da Terra: da crusta ao núcleo; 9. Oceano:
48
abismo do tempo; 10. Solo: a pele da Terra; 12. Terra e vida: as origens da diversidade) (retirado de
PACHECO, 2011).

Temáticas do AIPT

2 3 4 5 6 7 8 9 10 12
Unidades
Temáticas/Capítulos

1. A Terra e os seus
√ √ √ √ √ √ √ √
subsistemas em interacção
A Geologia, os geólogos
e os seus métodos

2. As rochas, arquivos que


√ √ √ √ √ √ √ √
relatam a história da Terra
Tema I

3. A medida do tempo
√ √ √
e a idade da Terra

4. A Terra, um planeta
√ √ √ √ √
em mudança
um planeta muito especial

1. Formação do

Sistema Solar
A Terra,
Tema II

2. A Terra e os
√ √
planetas telúricos

3. A Terra, um planeta
√ √ √ √ √ √ √ √ √
único a proteger
Compreender a estrutura e a dinâmica

1. Métodos de estudo para



o interior da geosfera

2. Vulcanologia √ √ √ √ √
da geosfera
Tema III

3. Sismologia √ √ √ √

4. Estrutura interna
√ √ √
da geosfera

1. Ocupação antrópica e
e materiais do quotidiano

√ √ √ √ √
Geologia, problemas

problemas de ordenamento
Tema IV

2. Processos e materiais
geológicos importantes em √ √ √ √ √ √ √ √
ambientes terrestres

3. Exploração sustentada
√ √ √ √ √ √ √
dos recursos geológicos
4 – Considerações Finais

Embora estes resultados revelem preocupações, ao nível do sistema educativo português,


por promover uma educação científica assente na construção de conhecimento inerente às
Ciências da Terra, à luz dos pressupostos do AIPT, as diferentes temáticas em foco naquela 49
iniciativa não têm igual representatividade nos diferentes ME analisados.
“O interior da Terra – da crusta ao núcleo” e “Oceano – abismo do tempo” são
temáticas exaustivamente presentes naqueles recursos, sobretudo através de abordagens
tradicionais, que privilegiam conhecimento substantivo de Geociências, fortemente vo-
cacionadas para o universo dos conceitos, princípios e métodos inerentes a esta área do
conhecimento, em detrimento de outras, designadamente as de cariz epistemológico e as
que remetem para a aplicação dos conhecimentos na promoção de exercícios informados
de cidadania, fundamentais na promoção de educação para desenvolvimento susten-
tável centrada em conhecimento inerente às Ciências da Terra (HENRIQUES, 2008;
PACHECO, 2011).
“Megacidades: o nosso futuro global” é a temática menos representada nos ME
analisados. Se bem que, as “megacidades” se refiram a “áreas urbanas com mais de 5
milhões de habitantes” (AIPT, 2007c, p. 4), uma realidade que, aparentemente, não
faz parte do quotidiano atual e próximo dos alunos portugueses, o certo é que essa
realidade tende a alterar‑se rapidamente. Na verdade, “em 1950, 30% da população
mundial vivia nas cidades. Em 2000 esse número era já de 47%. Em 2007, 3,3 mil
milhões de pessoas, mais de metade da população mundial, viverá em cidades. Este
total pode mesmo alcançar os 60% por volta de 2030” (op. cit., p. 4), com o ano de
2015 a registar pelo menos 4 megacidades localizadas em países da CPLP (S. Paulo,
Belo Horizonte e Rio de Janeiro no Brasil e Luanda em Angola; Fig. 2).

Fig. 2 – Mapa da distribuição global de megacidades no ano 2015 (retirado de AIPT, 2007c).

As megacidades são um foco de risco global, altamente vulneráveis à ocorrência de


desastres naturais, com ampla cobertura mediática e, por conseguinte, próximos do
quotidiano dos alunos, uma vez que “las catástrofes son noticia y captan de inmediato
la atención de los lectores, oyentes o espectadores de los medios de comunicación”
(BRUSI et al., 2008, p. 156). A expansão urbana descontrolada, que é própria das
megacidades, “pode originar grandes volumes de tráfego, elevadas concentrações indus-
triais e sobrecargas ambientais; pode desregular e inflacionar os mercados imobiliários,
50
originar um deficiente planeamento habitacional e, nalguns casos, dar origem a si-
tuações extremas de pobreza e riqueza convivendo lado a lado, promovendo tensões
sociais” (AIPT, 2007c, p. 5).
Os problemas que afetam as megacidades resultam “de inter‑acções intensas e com-
plexas entre diferentes processos demográficos, sociais, políticos, económicos e ecológicos”
(AIPT, 2007c, p. 4). A sua mitigação reclama, por conseguinte, mudanças de com-
portamentos e de atitudes de todos os cidadãos, que é necessário estimular, “repensando
e reorientando a educação – formal e não‑formal – com vista à formação de cidadãos
informados, participativos e comprometidos com a sua quota‑parte de responsabilidade
na promoção de desenvolvimento sustentável” (HENRIQUES, 2008, p. 112). Requer
abordagens educativas que dependem de evidências que uma educação mobilizando co-
nhecimentos inerentes às Ciências da Terra, conjunta e articuladamente com outros sa-
beres, pode sustentar e estimular, superando práticas educativas tradicionais, espartilha-
das por barreiras disciplinares, que dificilmente poderão contribuir para a compreensão
da complexidade dos problemas inerentes à gestão de uma megacidade, cuja dimensão
“proporciona a criação de novas dinâmicas, nova complexidade e nova simultaneidade
de fenómenos e processos – físicos, sociais e económicos” (AIPT, 2007c, p. 4). Destacar a
pertinência desta temática, em contexto escolar, nomeadamente através de uma maior e
melhor representatividade nos ME de Geologia, pode contribuir para promover práticas
educativas interdisciplinares e holísticas, assentes em valores, que estimulem o pensa-
mento crítico e a resolução de problemas local e globalmente relevantes, características
inerentes a uma educação para desenvolvimento sustentável, objetivo central da Década
das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005‑2014), em
cujo âmbito se inseriu o AIPT (UNESCO, 2005).

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(Página deixada propositadamente em branco)
SECÇÃO 2
A TERRA EM CENÁRIO ESCOLAR:
NOVOS PROBLEMAS, NOVOS DESAFIOS

“A nova visão da educação para desenvolvimento sustentável coloca a educação no


coração da busca para resolver os problemas que ameaçam o nosso futuro.
A educação – em todas as suas formas e em todos os níveis – não só é um fim em si
mesmo, mas é também um dos mais poderosos instrumentos que temos para realizar
as mudanças necessárias para alcançar o desenvolvimento sustentável.”

Koïchiro Matsuura; ex‑Diretor‑geral da UNESCO


(Página deixada propositadamente em branco)
5
EDUCAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
E PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES

EDUCATION FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT


AND INTERDISCIPLINARY PRACTICES

A. Capelo1 & M. A. Pedrosa 2

Resumo – Em educação para desenvolvimento sustentável (EDS) importa que, em dife-


rentes níveis educativos e variados contextos (formal, não formal e informal), se promova
e pratique interdisciplinaridade. Reconhecer estreitamento de relações entre interdisci-
plinaridade e EDS é ainda mais relevante em contextos de cooperação entre países, como
entre os países de língua portuguesa (e.g., no âmbito da CPLP), onde, face à diversidade
geográfica, cultural e linguística importa que as comunidades educativas cooperem entre
si, promovendo a adoção de melhores práticas numa perspetiva de desenvolvimento sus-
tentável. Importa, pois, que professores, em geral, professores de ciências, em particular:
i) reflitam sobre o que é interdisciplinaridade e para quê praticá‑la em educação cientí-
fica; ii) reflitam sobre contextos apropriados para desenvolver práticas interdisciplinares
(e.g., alterações climáticas ou desastres e conflitos) tendo em conta literatura pertinente
no âmbito de investigação e de educação para a sustentabilidade; iii) construam e desen-
volvam, adequadamente, práticas interdisciplinares que incentivem a cooperação entre si
e auxiliem os alunos a melhor compreenderem aspetos de fenómenos do mundo material
e problemas atuais. Com estes propósitos, a presente comunicação pretende contribuir para
promover, informada e conscientemente, práticas educativas interdisciplinares em educação
científica numa perspetiva de desenvolvimento sustentável.

Palavras‑chave – Educação para desenvolvimento sustentável; Interdisciplinaridade;


Desenvolvimento de competências; Problemas atuais

1 
CESAM & Departamento de Biologia, Laboratório de Biotecnologia e Citómica, Universidade de
Aveiro; Portugal. Bolseira da FCT – SFRH/BPD/65032/2009; [email protected]
2 
Unidade de I&D nº70/94, Química‑Física Molecular/FCT, PEst‑OE/QUI/UIOO/700/2011; Departamento
de Química, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra (FCTUC), Portugal; [email protected]
Abstract – In the perspective of education for sustainable development (ESD), on dif‑
ferent educational levels and contexts (formal, non‑formal and informal), it is indispensable
to promote interdisciplinary practices. The closer relationships between interdisciplinarity
and ESD is even more relevant in the context of cooperation between countries, as happens
56
with Portuguese‑speaking countries (e.g., within CPLP), where, faced by different cultural and
natural heritage, cooperation between educational communities is important, in order to
promote best practices in a perspective of sustainable development. Thus, it is important
that the teachers, in general, science teachers, in particular: (i) reflect on what is it? and for
what? interdisciplinary approaches in science teaching and learning; (ii) reflect on appropriate
contexts for developing interdisciplinary practices (e.g., climate change or disasters and conflicts)
taking into account appropriate literature on research and on education for sustainability; (iii)
to, appropriately, build and develop interdisciplinary approaches that encourage cooperation
between teachers and assist students to better understand phenomena of the material world and
contemporary problems. With such purposes, the present communication intends to promote
itself, informed and conscientiously, in a sustainable development perspective, interdisciplinary
educational practices in science.

Keywords – Education for sustainable development; Interdisciplinarity; Development of


competencies; Contemporary problems

1 – Introdução

Problemas atuais e globais, como pobreza e fome, são complexos e requerem for-
mas de atuação adequadas. Para fazer face a estes e outros problemas, urge investir em
Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) visando preparar os cidadãos para
construírem um futuro melhor (UNESCO, 2010). As Nações Unidas (NU) consideram
que, para fazer face à crise que atualmente se vive, é necessário progredir no sentido de
economias verdes. As economias verdes são consideradas as adequadas por, numa pers-
petiva de desenvolvimento sustentável (DS), os equilíbrios entre as dimensões ambiental,
social e económica serem devidamente cuidados, de modo a melhorar a qualidade de
vida de todos (UNESCO, 2010).
A EDS, uma via essencial para promover DS, tem por objetivo melhorar a educação
abordando, de forma eficaz, os desafios atuais e globais para melhor os compreender e,
quando necessário, mudar atitudes e comportamentos. Com EDS pretende‑se que os
cidadãos: a) desenvolvam sentido de responsabilidade local e global; b) desenvolvam
pensamento crítico orientado para o futuro; c) valorizem conhecimento tradicional;
d) reconheçam a interdependência global das atuais mudanças; e) reflitam sobre novos
estilos de vida, respeitando os cidadãos e o ambiente (UNESCO, 2005). EDS implica,
pois, o desenvolvimento de competências, valores, atitudes e comportamentos, numa
perspetiva de ensino que se pretende transformadora e não transmissora: “We need to learn
how to change the way of teaching from being transmissible to becoming transformative”
(GC‑UNESCO, 2009, p. 40). A EDS abrange ainda múltiplas finalidades educativas (e.g.,
os propósitos de educação para todos), integra as Metas de Desenvolvimento do Milénio
(MDM) e empenha‑se em melhorar a qualidade da educação que se pratica incentivando
estratégias interdisciplinares (GC‑UNESCO, 2009).
Todavia, considerar a educação como veículo promotor de DS não é recente. Na confe-
rência do Rio+5, em particular no programa proposto para implementação da Agenda 21,
realça‑se a necessidade de reorientar a educação numa perspetiva de DS. Práticas educati-
vas interdisciplinares são apontadas entre os temas essenciais de EDS: “The core themes of
57
education for sustainability include lifelong learning, interdisciplinary education, partner-
ships, multicultural education and empowerment” (UN, 1997, p. 74). Pela sua natureza
holística, abordagens interdisciplinares são essenciais em EDS, pois ajudam a analisar as
múltiplas dimensões de problemas globais. Abordagens interdisciplinares devem, pois, ser
incentivadas de forma que responsáveis por diferentes áreas de conhecimento partilhem
conhecimentos, cooperem no sentido de alcançar consensos relativamente a assuntos com-
plexos e em diferentes contextos (e.g., formal, não formal e informal) e diferentes níveis de
ensino (GC‑UNESCO, 2009).
Partindo da análise da primeira metade da Década de Educação para Desenvolvimento
Sustentável (DEDS), reconhece‑se, claramente, que as políticas educativas vigentes a nível
dos ensinos primário e secundário procuraram integrar EDS (WALS, 2009). No contexto
europeu, em particular, as políticas educativas que se propuseram incluíam a: 1) integração
de EDS no currículo, ligando‑a a tópicos existentes com a adoção de abordagens integra-
das ou interdisciplinares; 2) criação de condições para as escolas adotarem projetos de EDS
ou atividades extra‑curriculares relacionadas com ESD; 3) escolha individual, por cada
escola, dos seus objetivos específicos e prioridades de trabalho em EDS (WALS, 2009). Os
sistemas educativos que defendiam abordagens interdisciplinares não estavam, contudo,
preparados para as integrar, nem para realçar o seu papel para melhorar a qualidade da edu-
cação (WALS, 2009). Assim, será importante clarificar o significado de interdisciplinaridade,
bem como quais os contextos e abordagens adequados para a sua concretização.
Nalgumas áreas disciplinares (e.g., em ciências) parece simples promover interdis-
ciplinaridade (SILLITOE, 2004), talvez pela aparente maior facilidade em relacionar
conteúdos. Por exemplo, nos ensinos básico e secundário pode parecer fácil interrela-
cionar‑se conteúdos de Biologia, Física, Geologia e Química envolvendo água – água
como recurso natural, água como conteúdo celular, água como solvente, água como
fonte alternativa de energia ou água para consumo humano, entre outros. No entanto,
parecer fácil relacionar conteúdos não significa que se desenvolve interdisciplinaridade,
pois abordagens interdisciplinares não significam: a) simples associação entre disciplinas,
sem alterações na forma e organização do ensino; b) organização temporal dos processos
de ensino e aprendizagem de determinados conteúdos programáticos (sequencial ou si-
multânea); c) adição das disciplinas envolvidas aquando do tratamento didático de um
assunto comum; d) colaboração com vista à recolha de informações provenientes das
disciplinas envolvidas; e) análise conjunta de um mesmo objeto; f ) encontro pontual
para resolução de um problema concreto (POMBO et al., 1994).
Assim, em educação científica será importante analisar: i) o que é interdisciplinaridade e
para quê praticá‑la; ii) quais os contextos apropriados para desenvolver práticas interdiscipli-
nares (e.g., alterações climáticas ou desastres e conflitos), tendo em conta literatura pertinente
no âmbito de investigação (e.g., CHETTIPARAMB, 2007; MORSE et al., 2007) e de edu-
cação para a sustentabilidade (e.g., GC‑UNESCO, 2009; WALS, 2009); iii) como construir
e desenvolver, adequadamente, práticas interdisciplinares que incentivem a cooperação entre
professores e auxiliem os alunos a melhor compreenderem fenómenos do mundo material e
problemas atuais, estimulando mudanças necessárias de atitudes e de comportamentos.
2 – Interdisciplinaridade

A interdisciplinaridade não é um termo científico a que corresponda uma defini-


ção única e universalmente aceite; é um termo aberto a múltiplas interpretações, algumas
58
contraditórias. D’ HAINAUT (1986) defendeu esta ideia no simpósio internacional sobre
interdisciplinaridade em educação, realizado na sede da UNESCO, em Paris, de 1 a 5 de
julho de 1985: “The term ‘interdisciplinarity’ is not a scientific term which has a unique
and universally accepted definition. The content of the concept may be interpreted in
different ways, and in writings on this subject we encounter a great number of terms
which introduce nuances into the interpretations but which, unfortunately, do not always
lie in the same dimension and are sometimes contradictory” (p. 7).
A própria natureza da aprendizagem sobre interdisciplinaridade, por um lado, e como
implementá‑la, por outro, resultam numa diversidade de perspetivas que, embora geradoras
de conflitos, podem constituir incentivos à procura de melhores formas para a promover.
Nas secções seguintes apresentam‑se perspetivas de interdisciplinaridade e refle-
te‑se sobre a sua relevância no contexto de EDS.

2.1 – O que é interdisciplinaridade?

Enquanto uma disciplina tende a expor aquilo que é a sua essência, os seus assuntos,
as suas principais teorias e métodos (SZOSTAK, 2007), o termo interdisciplinaridade tra-
duz a cooperação entre várias disciplinas no sentido de se alcançar um objetivo comum,
permitindo, assim, melhorar a educação (D’ HAINAUT, 1986).
De acordo com GODEMAN (2006), interdisciplinaridade significa cooperação entre
diferentes disciplinas e integração de diferentes perspetivas disciplinares, teorias e métodos.
Já desenvolver “competências interdisciplinares” (expressão utilizada por GODEMAN,
2006) significa que os professores e alunos envolvidos se tornam conscientes dos limites e
potencialidades das disciplinas. Desenvolver estas competências significa que professores
e alunos envolvidos aprendem a: i) confrontar aspetos específicos da sua disciplina (e.g.,
de cariz processual, substantivo ou atitudinal) e a problematizar questões próprias de
sustentabilidade; ii) participar em discussões complexas; iii) procurar formas de resolução
de conflitos; iv) negociar compromissos; v) procurar soluções viáveis e, se possível, aceitáveis,
para os problemas atuais (VAN DAM‑MIERAS et al., 2007).
NICOLESCU (1999) considera três graus de interdisciplinaridade, consoante o enfo-
que predominante se centre em aplicações (e.g., quando determinados métodos de Física
são aplicados em Medicina levando ao aparecimento de novos tratamentos para deter-
minadas doenças), reflexão epistemológica (e.g., quando ocorre reflexão epistemológica
decorrente da transferência de métodos de lógica formal para Direito) ou criação de uma
disciplina nova (e.g., Física‑Matemática resultante da transposição de métodos de Ma-
temática para Física). Independentemente do grau, interdisciplinaridade traduz‑se em
diferentes contributos de várias disciplinas no sentido de encontrar uma explicação ou
um entendimento comum para determinado assunto. Nesta perspetiva, interdisciplinari-
dade implica articular pontos de vista relativamente a um assunto e, então, elaborar uma
síntese (POMBO et al., 1994). Apesar de a interdisciplinaridade transpor as disciplinas, tal
como a multidisciplinaridade, distingue‑se desta por os seus propósitos não se confinarem
às fronteiras disciplinares (NICOLESCU, 1999).
2.2 – Para quê promover interdisciplinaridade?

Há várias razões e propósitos para promover interdisciplinaridade, por exemplo,


os defendidos por investigadores (e.g., NISSANI, 1997; SZOSTAK, 2007; NAITULI &
KRONLID, 2009), por instituições de ensino superior (e.g., BLACKWELL et al, 2009; 59
DEA/FBE, 2008) e por organismos internacionais (e.g., UNESCO, 1997). Embora razões
e propósitos se interliguem, importa discerni‑los para clarificar o valor do trabalho inter-
disciplinar e, consequentemente, identificar as razões pelas quais é importante promovê‑lo,
de que se destaca o seu valor intrínseco, ou seja, o seu valor no próprio desenvolvimento de
conhecimentos disciplinares: “another way to see discipline is as social networks of individu-
als interested in related problems or ideas” (NAITULI & KRONLID, 2009). Identicamente,
trabalho interdisciplinar é importante para desenvolver EDS e, assim, promover DS (de
KRAKER et al., 2007), designadamente contribuindo para reorientar a educação, de modo
que os cidadãos desenvolvam competências, e.g., colaboração e cooperação (UNESCO,
1997; VAN DAM‑MIERAS et al., 2007), valores, e.g., abertura de espírito, tolerância a
diferentes pontos de vista (SZOSTAK, 2007), atitudes, e.g., respeito, e comportamentos,
e.g., promotores de competências sociais (BLACKWELL et al., 2009) A segunda coleção
de boas práticas em EDS, da Associação de escolas da UNESCO, “Second Collection
of Good Practices Education for Sustainable Development” (UNESCO ASSOCIATED
SCHOOLS, 2009), apresenta exemplos em que se privilegiam abordagens holísticas e
interdisciplinares, visando desenvolver competências, valores, atitudes e comportamentos es-
senciais em EDS. Realizando projetos semelhantes aos desenvolvidos por escolas associadas
da UNESCO, pode estimular‑se os alunos a desenvolver bases sólidas de conhecimentos e
competências que melhorarão os seus estilos de vida, ambientes e perspetivas futuras. No
documento “Inventory of innovative practices in education for sustainable development
– Final Report” (GHK – DANISH TECHNOLOGY INSTITUTE, 2008) apresentam‑se
outros exemplos em que interdisciplinaridade e EDS se interligam e refere‑se uma lista de
boas práticas, inovadoras em EDS, visando estimular o intercâmbio de práticas, ideias e
conceitos entre professores e os restantes atores sociais nelas envolvidos. Entre as inovações
educativas referidas, destacam‑se práticas interdisciplinares em que se promove a análise de
assuntos interrelacionando dimensões sociais, económicas e ambientais (GHK – DANISH
TECHNOLOGY INSTITUTE, 2008).
Para alguns investigadores, promover interdisciplinaridade é um meio de fazer face
à crise atual emergente (e.g., SMITH, 2005), tal como salientou D’ HAINAUT (1986)
na década de 1980, referindo‑se a vários problemas então atuais, alguns dos quais não se
resolveram, até se agravaram:

“The world of today faces major problems – major in respect of their magnitude and
the gravity of their consequences. Famine and the destitution of entire populations, the
level attained by the exponential population growth, the threat of nuclear war and the
deterioration of the environment are problems which ethics, science and education can
no longer ignore or leave unsolved. All right‑thinking people are aware of this. But these
problems do not lie within any one discipline, and their solution requires interdisciplinary
approaches and collaboration between specialists in different disciplines. The same is true
of many human and social problems; their complexity is such that they involve interaction
between very different aspects of knowledge and its discovery” (p. 4‑5).
Assim, para atender aos desafios atuais e complexos, educadores e responsáveis pelos
curricula devem desenvolver programas inovadores e interdisciplinares (SMITH, 2005;
LAWRENCE et al., 2010), de modo a criarem condições para melhor se compreender
problemas ou questões emergentes de desenvolvimentos atuais e promover EDS. Por
60
exemplo, combustão é um assunto que integra currículos escolares para os ensinos
básico e secundário (ver, por exemplo, Orientações Curriculares para as Ciências Físicas e
Naturais do 3º ciclo do ensino básico, em Portugal, e programas de Biologia e Química
para o 10º ano, Ensino Secundário, em Timor‑Leste), e, embora reconhecendo a sua
adequação para abordagens interdisciplinares, provavelmente os recursos educativos,
incluindo professores, abordam‑no de forma diferenciada e não articulada nas diferentes
disciplinas curriculares que o integram.
Em suma, interdisciplinaridade é essencial para reorientar a educação no sentido
da sustentabilidade e auxilia a reconhecer que, quando se pretende progredir neste sentido,
o conhecimento disciplinar é insuficiente. Como as disciplinas tradicionais não po-
dem continuar isoladas, urge reconhecer que considerar problemas complexos atuais
requer que, progressivamente, se trabalhe em interfaces disciplinares: “Reorienting
education to sustainability requires recognizing that traditional compartments and
categories can no longer remain in isolation from each other and that we must work
increasingly at the interface of disciplines in order to address the complex problems
of today’s world” (UNESCO, 1997, p. 21). Interdisciplinaridade, contribuindo para
análises efetivas de factos complexos com impacto social, e.g., alterações climáticas,
desertificação, desastres e conflitos (UNEP, 2011; AEA, 2010), é fundamental em
EDS (MORSE et al., 2007).

3 – Contextos relevantes para desenvolver práticas interdisciplinares

Interdisciplinaridade em educação deve ser vista como meios de ensinar e aprender,


ou seja, corresponde a processos, não é um produto: “The key to the interdisciplinary ap-
proach is to recognize it as a process, a way of teaching and learning, and not a product”
(D’ HAINAUT, 1986, p. 41). Numa perspetiva de EDS, abordagens interdisciplinares
contribuem para analisar conteúdos envolvidos em problemas atuais globais, inerentemen-
te complexos. Assim, temas associados a DS (UNESCO, 2010) ou a MDM, e.g., alterações
climáticas ou pobreza, têm ligações a práticas interdisciplinares ou transdisciplinares
(UNESCO, 1997).
De acordo com de KRAKER et al. (2007), todos os que se envolvam na discussão
de assuntos complexos devem pertencer a meios educativos diferentes, ou a diferentes
contextos do meio escolar. Além disso, ambientes de aprendizagem próprios de EDS reme-
tem para grupos heterogéneos de estudantes e ambientes interativos e abertos a diversos
atores sociais: “Heterogeneous students groups (multidisciplinar, multicultural, interna-
tional)”; “Open learning environment, interaction with experts, clients or stakeholders
from outside university” (p. 110). Ambientes de aprendizagem com grupos heterogéneos
de pessoas proporcionam ciclos de negociação e de reflexão explícitas, e não implícitas,
isto é, cada reflexão pessoal é complementada com as perspetivas dos outros, através de
discussões das ideias em estudo, seguida da organização e síntese de ideias.
Todavia, reunir pessoas de diferentes contextos educativos ou de variados meios cultu-
rais é, por vezes, impraticável, sendo difícil promover interdisciplinaridade em ambientes es-
colares tradicionais. Estratégias de e‑learning, ou, mais precisamente, a utilização de tecno-
logias de informação e comunicação, por permitirem que pessoas de diferentes contextos
61
dialoguem, independentemente de tempo e lugar (CAILLIER & RIORDAN, 2009),
afiguram‑se recursos estratégicos para desenvolver interdisciplinaridade (DE KRAKER et
al., 2007). No entanto, para que a utilização destes recursos contribua para promover
EDS não se podem descurar necessidades locais e práticas tradicionais (GC‑UNESCO,
2009). Será, pois, importante refletir, numa perspetiva de EDS, sobre como planear e
desenvolver práticas interdisciplinares, referindo recursos a utilizar.

4 – Planear e desenvolver práticas interdisciplinares

Ensino e aprendizagem centrados em disciplinas geram, por vezes, barreiras à co-


municação entre si. A superação destas barreiras requer a utilização de estratégias diver-
sificadas, por diversificada ser a sua natureza: i) pessoal (e.g., falta de criatividade, foco
numa só disciplina como indicativo de rigor); ii) disciplinar (e.g. falta de compreensão
dos diferentes paradigmas disciplinares); iii) dos programas (e.g., linguagem utilizada, logísti-
ca, dificuldade em aceder aos programas). Concomitantemente, requer estratégias apro-
priadas, de que se de que se destaca a emergente necessidade de definir, claramente e em
conjunto, questões de investigação (MORSE et al., 2007). Atente‑se que, para se promo-
ver adequadamente trabalho interdisciplinar, importa atender tanto a aspetos particula-
res dos ambientes educativos (e.g., programas das disciplinas e contextos de cooperação
nacional ou internacional), como a recursos e estratégias a utilizar, designadamente:
1) Criação de grupos de investigação interdisciplinar em cada instituição de ensino
(NISSANI, 1997);
2) Conceção ou utilização de recursos disponibilizados em sítios da internet1,2;
3) Conceção ou utilização de Kits de ciências “scientific models” (FORTUS et al., 2008);
4) Portfolios3.

CHETTIPARAMB (2007), baseando‑se em literatura pertinente, salienta que trabalho


interdisciplinar requer estratégias de aprendizagem ativa e de pensamento crítico que,
integrando aprendizagem colaborativa e cooperativa em contextos de investigação e de re-
solução de problemas, englobam análise, síntese, aplicação e avaliação, incluindo autoa-
valiação e a utilização de métodos qualitativos e quantitativos.
No desenvolvimento de projetos interdisciplinares, é importante, em particular,
que as parcerias com outros grupos disciplinares formais, e mesmo grupos não formais
ou informais, e.g., instituições de âmbito social, sejam selecionados adequadamente.
É essencial que todos os envolvidos em parcerias interajam e participem nas negociações
e na construção de consensos. Intercâmbio e diálogo entre grupos de diferentes ambientes
requerem, por isso, reciprocidade, sensibilidade e respeito pelos aspetos culturais, conhe-
cimentos e práticas (tradicionais e não tradicionais) de cada um. É precisamente com
este enfoque que a UNESCO, visando a prossecução dos propósitos gerais definidos,
defende a necessidade de se desenvolverem práticas interdisciplinares na segunda metade
da DEDS (GC‑UNESCO, 2009).
5 – Considerações finais

Apesar da especialização de cada área disciplinar ter levado a avanços científi-


cos‑tecnológicos consideráveis, só a especialização disciplinar não tem sido suficiente
62 para construir conhecimentos necessários à compreensão e (re)solução de problemas
complexos atuais (MORSE et al., 2007), reconhecendo‑se a necessidade de educa-
ção interdisciplinar: “many academic and scientific institutions now recognize the
need for an interdisciplinary education to prepare future managers, scientists, and
leaders to solve complex socioenvironmental problems”. Esta torna‑se ainda mais
importante quando se pretende promover DS, uma vez que interdisciplinaridade, ao
contribuir para o desenvolvimento pelos cidadãos de competências, valores, atitudes
e comportamentos necessários para se adaptarem às mudanças atuais, é essencial em
EDS e, por conseguinte, na promoção de DS (JONES, 2010).
A forte relação entre interdisciplinaridade e EDS deve igualmente ter‑se em conta
na reorientação curricular ou na elaboração de novos curricula, já que, dada a natureza
holística de EDS, abordagens interdisciplinares são essenciais para assegurar que perma-
nentemente se estabelecem interligações entre as disciplinas (NAITULI & KRONLID,
2009). Em síntese, dada a complexidade das interligações entre as dimensões sociais, econó-
micas e ambientais de DS, abordagens interdisciplinares são particularmente necessárias,
tanto em investigação científica, como em educação. No caso dos países da CPLP, face
à diversidade geográfica, cultural e linguística, bem como às exigências dos desafios
globais atuais, é indispensável congregar esforços entre Estados‑membros, de modo a
cooperarem para promover DS (CPLP, 2006), designadamente através de EDS.

Notas (sítios acedidos em 2012.01.11):


1
http://www.learnnc.org/lp/pages/5196?ref=search;
2
http://serc.carleton.edu/departments/future/interdisciplinary.html;
3
http://w w w.emeraldinsight.com/mobile/index.htm?issn=1479‑3628&volume=5&chapter
id=1891801& show=pdf&PHPSESSID=jrqtjqaccib0bdkvbdbiga7ln6.

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3 
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6
EDUCAÇÃO EM GEOCIÊNCIAS:
INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL E CURRÍCULO
DO ENSINO SECUNDÁRIO DE TIMOR‑LESTE

GEOSCIENCES EDUCATION:
EDUCATIONAL RESEARCH AND SECONDARY
CURRICULUM FOR EAST TIMOR

D. Rebelo1,*, A. Soares de Andrade2,*,


J. Bonito3,* & L. Marques2,*

Resumo – O artigo será constituído por duas partes. Na primeira proceder‑se‑á a uma
breve apresentação do desenvolvimento da investigação em Educação em Geociências
(EG) e das suas implicações para o currículo (s.l.), tudo isto no contexto da Educação
em Ciência (EC). A segunda abordará o enquadramento em que se efetuou a conce-
ção e construção do currículo de Geologia para os três anos do Ensino Secundário de
Timor‑Leste, aliás, ainda em curso, bem como algumas referências aos manuais do
aluno e ao guia para o professor.

Palavras‑chave – Educação em geociências; Currículo; Ensino Secundário; Timor Leste

Abstract – The paper is organized in two parts. The first one presents a short conceptual
framework of the earth sciences education research in a science education context. The second one
is mainly concerned with principles of the geology curriculum, textbooks and teacher’s guide for the
secondary education at East Timor which are being prepared by the authors of this paper.

Keywords – Geosciences education; Curriculum; Secondary Education; East Timor

1 
Esc. Sec. de Estarreja. Rua Dr. Jaime Ferreira da Silva, 3860‑256 Estarreja, Portugal; [email protected]
2 
Univ. de Aveiro. Campus Universitário de Santiago, 3810‑193 Aveiro, Portugal; [email protected]; [email protected]
  Univ. de Évora. Apartado 94, 7002‑554 Évora, Portugal; [email protected]
3

*  Membro do Grupo responsável pela elaboração do currículo de Geologia para o Ensino Secundário de
Timor‑Leste
1 – Educação em Geociências no âmbito da Educação em Ciência

O modelo linear de desenvolvimento, a seguir sinteticamente formulado – mais


ciência = mais tecnologia = mais riqueza = mais bem estar social – ainda demasiada-
66
mente frequente nos meios de divulgação, tem a sua fundamentação numa visão clássica
do positivismo acerca da natureza da ciência – esta produz acreção de conhecimento
científico objetivo em relação ao mundo. A ciência só pode avançar para a consecução
do seu objetivo central – a descoberta da verdade – se se mantiver fora dos referentes
sociais. Por transposição, a tecnologia só pode atuar como agente transmissor do bem
estar social e, portanto, só será eficaz, se for completamente autónoma. Ciência e tecno‑
logia são apresentadas como formas autónomas da cultura, como atividades valorativamente
neutras, como uma aliança heroica de conquista cognitiva e material da natureza (BAZZO
et al., 2003, p. 121).
Acontece que este otimismo proclamado não se compagina com as evidências com que
nos confrontamos. Este conhecimento simplificante, que procura conhecer isolando o seu
objeto, ignorando o que o liga ao seu contexto e, de uma forma mais ampla, a um processo
ou a uma organização de conjunto, deverá dar lugar a um conhecimento complexo. Este
pretende reconhecer o que liga ou religa o objeto ao seu contexto, o processo ou a organização em
que se inscreve. Com efeito, o conhecimento é mais rico, mais pertinente, desde que se religue um
facto, um elemento, uma informação, um dado ao centro do seu próprio contexto (MORIN,
2009, p. 140). Com esta posição, articulam‑se bem as orientações de uma outra filosofia da
ciência, de alguma forma sistematizada por CLEMINSON (1990): a) o conhecimento cien-
tífico não deve ser equacionado em termos de verdade absoluta, pois ele não é definitivo; b) a
observação, só por si, não conduz ao conhecimento científico de uma forma indutivista. Nós
observamos o mundo através de um quadro teórico elaborado de conhecimentos prévios; c) o
novo conhecimento em ciência é produzido por atos criativos aliados a métodos de inquérito
científico. Desta forma, a ciência é uma atividade eminentemente humana; d) a aquisição de
novos saberes científicos é problemática e jamais fácil. O abandono de conhecimentos prévios
ocorre sempre com alguma relutância; e) os cientistas estudam um mundo do qual fazem
parte, não um mundo ao qual não pertencem.
As implicações educacionais que emergem do que vem sendo exposto são claras se
se pensar que a ciência é uma atividade na qual todas as crianças e jovens, independen-
temente do seu nível social e cultural devem estar profundamente envolvidos. Na bem
conhecida Conferência Mundial sobre a Ciência para o Século xxi, apoiada pela UNESCO
e Conselho Internacional para a Ciência, era referido que … para que um País esteja
em condições de satisfazer as necessidades fundamentadas da sua população, o ensino das
ciências e da tecnologia é um imperativo estratégico. Como parte dessa educação científica e
tecnológica, os estudantes deveriam aprender a resolver problemas concretos e a satisfazer
as necessidades da sociedade, utilizando as suas competências e conhecimentos científicos
e tecnológicos. Hoje mais do que nunca, é necessário fomentar e difundir a alfabetização
científica em todas as culturas e em todos os setores da sociedade, a fim de melhorar a par‑
ticipação dos cidadãos na tomada de decisões relativas à aplicação dos novos conhecimentos
(CONFERENCIA MUNDIAL SOBRE LA CIENCIA, 1999).
É assim que a educação científica (EC) deve valorizar a formação de cidadãos cien-
tificamente cultos com possibilidade de participar responsavelmente em sociedades que
se pretendem abertas e democráticas. Mas valorizar não significa absolutizar, porque ser
um cidadão “cientificamente culto” é uma questão multidimensional. De facto, passa
por aprender ciência (aquisição de conhecimento conceptual), aprender sobre ciência (en-
tendimento da natureza e métodos de ciência, evolução e história do seu desenvolvimen-
67
to, juntamente com uma posição de interesse sobre as relações nem sempre fáceis entre
ciência, tecnologia e sociedade) e aprender com a ciência (competências para desenvolver
caminhos de pesquisa e de resolução de problemas).
Este é o contexto em que se enquadra hoje a educação em geociências (EG). Esta tem
beneficiado da investigação que vem sendo efetuada, a qual assenta, do ponto de vista dos
autores, nos seguintes pressupostos: a Terra funciona como um sistema no qual a huma-
nidade se integra, contrastando assim com a perspetiva de que esta é distinta do mundo
natural (MAYER, 2003); a compreensão da Terra deve ser holística, através quer do tem-
po quer do espaço (FRODEMAN, 2003); conceitos básicos fundamentais para raciocinar
e pesquisar no domínio das Ciências da Terra incluem o tempo, o espaço, a energia – gra-
vítica, térmica, marés, solar, … – e o ciclo das rochas (DUSCHL & HERBERT, 2006); a
Terra deve ser entendida como um sistema onde, frequentemente, vários sistemas cíclicos
interagem, organizados numa matriz global (ORION, 2003); um currículo de Ciências
da Terra deve tratar de “coisas comuns” referentes quer ao ambiente natural quer ao meio
antrópico, as quais tenham relevância em termos pessoais, locais, regionais, nacionais ou
globais (THOMPSON, 2001).
Esta seleção é da responsabilidade dos autores. Percebe‑se que estas “coisas comuns”
e alguns dos “conceitos básicos” ajudam a compreender que a abordagem da Geologia
seja simultaneamente abstrata e concreta para os alunos. Os afloramentos com os seus
estratos, o solo que se pisa, os minerais e as rochas que se colhem no campo são, todos
eles, contributos para uma relação de proximidade com fenómenos e processos fami-
liares ao aluno. A deriva dos continentes, a tectónica de placas, a idade e a origem da
Terra, mesmo a evolução geomorfológica, são situações que contrariam o senso comum,
no nosso tempo real.
Os dois tipos de situações devem ser incluídas no currículo dando enfoque, quer
à compreensão de eventos geológicos em tempos e locais específicos, quer a princípios
orientadores de uma visão integrada do Planeta, analisando os seus sistemas em intera-
ção, tendo em relação à ciência e, portanto, às Geociências, uma atitude de curiosidade,
de procura, de descoberta e de funcionalidade. Duas boas razões podem ser avançadas
para sustentar a relevância de temáticas geológicas nos currículos dos Ensinos Básico
e Secundário: conhecer e compreender as dinâmicas da Terra para daí retirar consequências;
promover, recorrendo a uma abordagem interdisciplinar, com outras áreas do saber
(nomeadamente a Física, a Química, a Biologia, as Ciências Espaciais, as Tecnologias,
…), o reconhecimento de que o equilíbrio do Planeta deve ser tido como uma “regra de
ouro”, condicionando, assim, o uso e a exploração de bens naturais e a opção por muitos
investimentos, aparentemente vantajosos mas intrinsecamente danosos.
Parece afigurar‑se claro que, do ponto de vista conceptual e metodológico, as
Geociências se constituam numa ferramenta cognitiva que enriquece a interpretação
que os cidadãos possam elaborar sobre as questões do mundo natural e do ambiente.
Aliás, pode questionar‑se se a alfabetização em Geociências não é um ato político, no
sentido em que pode e deve contribuir para modificar a realidade, alterar a qualidade
de vida, aprofundar a atitude de cidadania, através do desenvolvimento de compe-
tências relacionadas com a dinâmica da Terra. Poderá obstaculizar, por exemplo, a
operacionalização de muitas decisões com pesadas faturas ambientais. La alfabetiza‑
ción geocientifica permite “ desnaturalizar” e “ humanizar” el origen de algunos daños
68
erróneamente adjudicados a procesos naturales. Esta nueva visión involucra un cambio
de concepción sobre los mismos hechos, derivada de la asimilación de nuevos marcos teó‑
ricos para interpretarlos. Aunque aisladamente esta alfabetización no sea suficiente, es un
paso necesario e imprescindible para que el ciudadano se constituya en un sujeto político
capaz de interactuar con otros e intentar mejorar aquellos aspectos de la realidad que
permitan mejorar su calidad de vida, tanto en aspectos culturales y económicos como en
los estéticos (LACREU, 2009, p. 25).
Ora, os currículos devem refletir estas perspetivas e não deixar de integrar, grandes
finalidades do ensino das ciências, bem como resultados emergentes da investigação
em EC, e, concretamente em EG. Tratando‑se de uma área de investigação muito
jovem, deve sublinhar‑se o imenso trabalho que vem sendo efetuado desde os anos 70
do século xx. Sem se pretender abordar aqui as várias linhas de investigação em EG,
enfatizam‑se algumas com fortes implicações na organização do currículo.
Os alunos, quando iniciam a aprendizagem das ciências, trazem já conceções que
foram elaborando em relação a diversas situações do mundo natural, as quais, fre-
quentemente, são diferentes da versão científica. É, assim, importante conhecê‑las.
Tópicos como, por exemplo, a Terra no Sistema Solar, a origem da Terra, vulcões,
sismos, tempo geológico, deriva dos continentes, tectónica de placas, ciclo da água,
têm vindo a ser investigados (TREND, 2009; DAHL et al., 2005; MARQUES &
THOMPSON, 1997). O diagnóstico das conceções dos alunos deve ser usado no
desenho de estratégias desenvolvidas numa matriz relacionada com pressupostos da
aprendizagem cognitiva.
A investigação sobre resolução de problemas, utilizando situações muito concretas
e familiares aos alunos (SOARES DE ANDR ADE, 2001) e, assim, intrinsecamen-
te relacionada com orientações de Ciência‑Tecnologia‑Sociedade, tem vindo a revelar
as suas potencialidades no desenvolvimento de competências visando contribuir para
uma cidadania melhor sustentada.
Há também evidências de que o trabalho prático, quer o de campo (REBELO et
al., 2011), quer o de laboratório (BONITO, 2001), quando abordados numa lógica de
questionamento e de participação dos alunos, são estratégias bem importantes para o
aperfeiçoamento das condições de ensino e de aprendizagem da Geologia, com reflexo
no desenvolvimento integral do aluno como pessoa. Realça‑se ainda a numerosa inves-
tigação realizada em torno das conceções de professores e alunos sobre a natureza da
ciência (PR AIA & CACHAPUZ, 1999).
Em qualquer processo investigativo, seja qual for a área do saber, a disseminação é
uma vertente central, tanto por fortalecer a validação do trabalho realizado, como por
proporcionar a partilha e potenciar a utilização do conhecimento produzido. Em EG
não poderia ser diferente. Faz por isso todo o sentido assinalar aqui o papel desempe-
nhado pela International Geoscience Education Organization (IGEO), apoiada pela
IUGS, em prol da divulgação da investigação efetuada em EG e das suas implicações
para a melhoria do ensino e da aprendizagem das Geociências.
2 – A Geologia na nova proposta curricular para Timor‑Leste

A relevância da temática educativa em geral (OECD, 2011) e a das Geociências em


particular (AMERICAN GEOLOGICAL INSTITUTE, 2008) permitem compreen-
der que políticos com alta responsabilidade em Timor‑Leste coloquem a Educação no 69
topo das prioridades. O Plano Nacional de Educação de 2007 e, muito especialmente, o
Timor‑Leste Plano Estratégico de Desenvolvimento 2011‑2030, expressam a necessidade
de definir padrões educacionais exigentes com vista à sua contribuição para o desejável
desenvolvimento do país. Foi este o enquadramento político em que surgiu o plano
de Reestruturação Curricular do Ensino Secundário Geral em Timor‑Leste 4 , solicitado
pelo Ministério da Educação do jovem país à Fundação Gulbenkian. Na Universidade
de Aveiro foi constituída uma vasta equipa de especialistas que, sob a coordenação da
Professora Isabel Martins, assumiu a responsabilidade de responder, do ponto de vista técni-
co, a este ambicioso programa – elaboração dos currículos para o Ensino Secundário
(10º, 11º e 12º anos), conceção e escrita dos manuais para os alunos e dos guias para
os professores. Indicadores da investigação em EC e a realidade de Timor‑Leste foram
tomados em devida conta.
Atendendo à necessidade de proceder ao enquadramento da disciplina de Geolo-
gia no plano curricular, os autores consideram importante destacar, das finalidades
do novo currículo: um dos seus três princípios – ter em consideração linhas orienta-
doras da Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável
e Objetivos para o Desenvolvimento do Milénio; um dos cinco objetivos – promover
o conhecimento científico multidisciplinar visando a compreensão de problemas
locais, nacionais e globais.
Do ponto de vista da organização, sublinhe‑se que o desenvolvimento em Ciências
e Tecnologia considera, além de uma Componente Geral, uma Componente de Ciên-
cias, integrando disciplinas como as de Biologia, Física, Geologia e Matemática. Não
é difícil reconhecer o seu papel nuclear, especialmente se bem articuladas, na construção
de uma visão de desenvolvimento sustentável, indissociável de um bom conhecimento
científico e tecnológico, bem como das condições geopolíticas.
Passa‑se, agora, a um olhar mais focado na disciplina de Geologia. No âmbito da
EC, a área disciplinar é aqui perspetivada como uma “medicina da Terra”, aparecen-
do nesta proposta curricular com um duplo papel – contribuir para a formação integral
do aluno como pessoa e ajudar ao desenvolvimento de uma atitude de envolvimento
do estudante na procura da sustentabilidade dos equilíbrios que facilitem a manuten-
ção da vida no Planeta.
As competências específicas definidas apontam no sentido de orientações preferenciais
assinaladas na primeira parte deste artigo. Destacam‑se as seguintes: aplica conhecimentos
geológicos a situações reais e quotidianas, adotando estratégias de resolução de problemas;
desenvolve atitudes de rigor, de capacidade crítica e de abertura a novas ideias para intervir
na sociedade; reconhece a importância de aspetos sociais e tecnológicos no desenvolvimento
da Geologia.

4
  Participação do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, Fundação Calouste Gulbenkian,
Universidade de Aveiro e Ministério da Educação de Timor‑Leste. Apoio financeiro do Fundo da Língua Portuguesa.
As estratégias para a abordagem das temáticas selecionadas, sem deixar de pon-
derar aspetos socioculturais inerentes à escola timorense, procuram ter em consi-
deração recomendações da investigação em EC. Fazem apelo ao desenvolvimento
de competências bem identificadas no programa, através do recurso a atividades de
70
natureza prática s.l., visando ajudar à resolução de problemas locais, regionais e glo-
bais, partindo da situação de Timor‑Leste. É expectável que o estudo da história
geológica de Timor‑Leste e as suas relações com a dinâmica existente na Terra con-
tribuam para perceber melhor a importante questão da sustentabilidade.
A Fig. 1 mostra o tema organizador do ciclo de três anos (10º, 11º e 12º), bem como
algumas questões chave dos programas respetivos.

Geologia de Timor‑Leste e sustentabilidade:


passado, presente e futuro

O que somos … 10º ano Que futuro teremos … 12º ano


. Quais são as relações geográfica e geológica . Quais os riscos geológicos que podem afetar
com a Indonésia e a Austrália? os timorenses e como minimizá‑los?
. Como localizar a Terra no Sistema Solar
. Rochas e minerais: os tijolos da Terra . Como se pode explorar de forma sustentável
. Como funciona a Terra? o património geológico de Timor‑Leste?
. Como é a estrutura interna e a dinâmica (…) (…)
da Terra?
(…) (…)

A nossa história geológica … 11º ano


. Tempo, vida e fósseis
. Como se lê o passado geológico?
. Timor – qual a história desta ilha complexa?
(…) (…)

Fig. 1 – Elementos estruturantes dos programas de Geologia para o Ensino Secundário.

A análise da figura revelará que houve intenção de estabelecer um quadro de referência em


que os alunos, ao abordar as temáticas propostas, reconheçam que: a Geologia a estudar no
Ensino Secundário contribui para um entendimento da localização e do passado geológico,
bem como das potencialidades de desenvolvimento de Timor‑Leste; eles próprios não estão
desligados do mundo natural, mas que lhe pertencem, sendo corresponsáveis pela questão da
sustentabilidade; os temas de Geologia têm fortes implicações sociais, económicas e politicas,
o que emerge por exemplo, do estudo de recursos minerais; a atitude de questionamento é uma
necessidade quer para clarificar o que vai ser estudado, quer para aumentar o envolvimento na
procura de respostas. Útil também para fazer crescer a curiosidade. Aliás, as respostas podem,
por vezes, estar associadas a dúvidas constantes, como acontece com o modelo de estrutura da
Terra; a relação com a tecnologia é uma realidade que contribui para um enriquecimento dos
saberes científicos, como pode ficar evidenciado quando é estudada a Terra no Sistema Solar;
a familiarização com “coisas comuns” como é o conhecer “o que somos...” ou, “que futuro
teremos…”, tem repercussões em termos “pessoais, locais, regionais, nacionais ou globais”.
A Fig. 2 permite detalhar as propostas programáticas para cada um dos anos do Ensino
Secundário. De uma forma sintética, dir‑se‑á que:
• as quatro unidades temáticas do 10º ano visam ajudar os alunos a constatar a
relação geográfica e geológica de Timor‑Leste na região e, ainda, a construir um
conjunto de saberes relacionados com o modelo de estrutura interna e a consti-
tuição da Terra. Tudo isto pretende dotar os alunos da preparação indispensável
71
a ser mobilizada em anos posteriores. Então deverão perscrutar, tanto o passado
do Planeta e de Timor‑Leste, como as potencialidades geológicas do país e certas
implicações sócias inerentes;
• o 11º ano, centrado no relevante e muito complexo conceito de tempo geológico,
é um exemplo claro de abordagem de uma temática abstrata, mas com efetiva
implicação ao nível do fortalecimento de uma atitude critica relativamente a certos
comportamentos antrópicos bem evidenciados nos documentos das Nações Unidas
sublinhados na primeira secção;
• o 12º ano é o espaço considerado mais adequado pelos autores para, através das
abordagem concreta das três unidades temáticas e especialmente da sua articu-
lação (bem expressa no figura) numa lógica de interdisciplinaridade, os alunos
perceberem a fragilidade – sem necessariamente se usar esta terminologia – do
modelo linear de desenvolvimento e de um conhecimento simplificante.

10º ANO
O que somos... U. T. 1
Timor‑Leste:
viver e conviver

U. T. 4 U. T. 2
Deformação das rochas: A Terra:
a força da Terra o ovo e a casca
12º ANO
Que futuro temos...
U. T. 3
Rochas e minerais:
os tijolos da Terra
U. T. 1
Geologia e sociedade

11º ANO
A nossa história... U. T. 1
O tempo U. T. 3 U. T. 2
dos geólogos Recursos Riscos
geológicos geológicos
U. T. 4 U. T. 2
O passado geológico A lição
de Timor‑Leste dos fósseis

U. T. 3
As reconstituições
do passado

Fig. 2 – Unidades temáticas de cada um dos anos do Ensino Secundário.

Esta breve leitura interpretativa da figura não pode desligar‑se do conjunto de com-
petências anteriormente referenciadas, as quais serão desenvolvidas a partir das unidades
temáticas apresentadas. Os conteúdos, para além de valerem por si mesmo, são também
instrumentos de valorização de competências dos estudantes.

72
3 – A finalizar

… uma pergunta: como proceder à operacionalização desta proposta curricular que


os autores reconhecem ser motivadora e ambiciosa?
A resposta, assumidamente incompleta, contemplará uma vertente estrutural e outra
de natureza instrumental.
Vertente estrutural: a formação de professores é uma dimensão essencial. Por melhor
que seja desenhada e sustentada uma qualquer proposta curricular, ela jamais reunirá
condições de êxito se não for acompanhada por um programa de formação de profes-
sores exigente e compaginável com uma visão adequada da natureza da ciência e do
seu papel na sociedade. Para além, obviamente, de uma boa fundamentação na área da
especialidade que o docente terá de ensinar.
Vertente instrumental: há dois elementos a relevar – o Manual elaborado para o
aluno e o Guia escrito para o professor, correspondentes a cada um dos três anos do
Ensino Secundário.
Duas claras orientações presidiram à feitura do Manual: formulação de grandes
questões no início de cada uma das unidades temáticas. A procura de respostas exige que
o texto apresentado seja articulado com a participação dos alunos, através, por exemplo,
da realização de atividades de natureza diversa; enquadramento das temáticas abordadas
na Geologia de Timor‑Leste.
Duas opções relevantes sustentaram a conceção do Guia: apresentação sistematizada
de um quadro teórico simplificado relativo a temas nucleares em EC como, por exemplo,
o trabalho prático ou a orientação CTS para o ensino das ciências; sugestões metodoló-
gicas para a abordagem de cada uma das unidades temáticas curriculares, enquadradas
pelos referentes apresentados na primeira parte.
A discussão, pelos professores, da proposta curricular nas suas vertentes conceptual,
conteudal e metodológica, em articulação com a análise detalhada das unidades temá-
ticas do Manual e do Guia, podem ser uma linha orientadora do desejado programa
de formação.
Em síntese. Torna‑se muito relevante reunir: a vontade forte dos decisores políticos
quanto ao investimento na Educação; a existência de um curriculum enraizado nas
realidades locais e apoiado em orientações da investigação em EC; uma formação de
professores que, valorizando a experiência profissional, tome em devida consideração
as situações com que se confronta a escola secundária atual.
Há indicadores de que será possível a atingir esta conjugação de fatores em Timor--
‑Leste! No que à situação concreta da Geologia diz respeito, ela beneficia neste momento
de um ambiente científico, social e político deveras favorável, como atesta o êxito da
realização recente do 1º Congresso Internacional de Geologia de Timor‑Leste. É, pois,
desejável que a qualidade da abordagem das temáticas geológicas no Ensino Secundário
venha a estar em sintonia com essas elevadas expetativas.
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(Página deixada propositadamente em branco)
7
O REFLEXO DO ENSINO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
COMO UM INSTRUMENTO DE CONTRIBUIÇÃO
PARA UM AMBIENTE SUSTENTAVEL

GLARE OF ENVIRONMENTAL EDUCATION


AS A TOOL FOR CONTRIBUTION TO
A SUSTAINABLE ENVIRONMENTAL

M. F. B. Damasceno1, S. P. Dantas2 & E. V. da Silva 3

Resumo – O presente artigo trata de discutir o papel da educação ambiental per-


passando o ensino formal e no cotidiano da sociedade. A educação ambiental surge no
contexto de uma sociedade que está em uma realidade social de problemas ambientais e
busca de crescimento econômico. Como metodologia foi pesquisada fontes bibliográficas
e documentais sobre o referido tema. Com os resultados obtidos pode‑se concluir a
importância da educação ambiental como instrumento de conscientização, de preser-
vação dos recursos naturais e de melhoria da qualidade de vida para uma sociedade
como um todo.

Palavras‑chave – Educação Ambiental; Ensino e Meio Ambiente

Abstract – The present article discusses the role of environmental education permeating
the formal education and in everyday society. Environmental education emerges in the con‑
text of a society that is in a social reality of environmental problems and search for economic
growth. The methodology used included research of documentary and bibliographic sources
on that topic. With these results we can conclude the importance of environmental education
as an instrument of awareness, preservation of natural resources and improving of the quality
of life for society as a whole.

Keywords – Environmental Education; Education and Environment

1
Graduando em Geografia pela Universidade Federal do Ceará, Brasil; [email protected]
2
Graduando em Geografia pela Universidade Federal do Ceará, Brasil; [email protected]
3
Prof. Dr. em Geografia pela Universidade Federal do Ceará, Brasil; [email protected]
1 – Introdução

Na história da humanidade, houve tanto progresso, desde o século xx. Com seus
inventos e descobertas, o Homem tem produzido e desfrutado de um grande número de
76 bens para o seu conforto, como a energia elétrica, a telefonia móvel, a diversidade de au-
tomóveis, o transporte aéreo, os dispositivos eletrônicos, os computadores diversos, etc.
Mas para produzir e consumir esses bens ele precisa de minerais, das águas dos rios,
das chuvas, do ar, do calor da atmosfera, do clima, das plantas, do solo e das florestas,
enfim, dos mais variados recursos naturais existentes na Terra.
Ao produzir bens de consumo, o Homem acaba acelerando o processo de degradação
dos recursos naturais, provocando grandes prejuízos ambientais que afetam todas as for-
mas de vida e os ecossistemas como um todo. A atividade industrial, principalmente, é
responsável por boa parcela dos problemas ambientais, tornando, cada vez mais, insusten-
tável a qualidade para a vida humana. Além disso, a velocidade com que essa destruição
vem ocorrendo pode apressar o fim de recursos, principalmente os não‑renováveis, se a
humanidade não mudar a maneira de manuseio das riquezas naturais.
É preciso entender que é necessário mudarmos a nossa maneira de nos organizarmos,
a fim de que possamos ter um progresso adequado. Cada parte influencia e depende de
outras partes, cada Homem depende de outros Homens, cada planta e cada animal
de outras plantas e animais. A Terra é um organismo vivo e, ao perturbar uma dessas
partes, acabamos afetando o todo (SARIEGO, 2001).
A Educação Ambiental constitui uma possibilidade de conter os impactos negativos
ocasionados pelas atividades exploratórias, pois ela possui, como principal objetivo, a
implementação de um processo sistemático de educação que induz o indivíduo (educan-
do) a uma ação – reflexão – ação, com o objetivo de compreender as consequências oca-
sionadas por seus comportamentos e por suas atitudes perante a natureza. Considera‑se
que o ato de refletir sobre uma dada situação, possivelmente, levará o indivíduo a agir em
prol de benefícios que este possa oferecer à conservação da natureza.
Nesse sentido, cabe à educação um papel de fundamental importância: formar cidadãos
comprometidos e capacitados para a preservação do meio ambiente, melhorar a qualida-
de de vida e garantir a saúde de todos.
Para REIGOTA (1994), uma educação ambiental crítica, desta forma, apresenta‑se
impregnada da utopia de mudar, de forma radical, as relações que hoje conhecemos, tanto
entre a humanidade como entre esta e a natureza. Trata‑se, portanto, de uma educação
de natureza política, em que se enfatiza primeiro a questão do “porquê fazer”, e depois a
questão do “como fazer”.

2 – A educação ambiental através de uma perspectiva histórica

A Educação Ambiental vem sendo construída ao longo da história, tendo um marco


importante na década de 1960, mais especificamente em 1962, com o livro “Primavera
Silenciosa”, da autora Rachel Carson, que tratava de um alerta sobre as consequências
de ações do homem inadequadas sobre o meio ambiente, como o uso de agrotóxicos so-
bre o meio natural. Foi um clássico na história do movimento ambientalista no mundo
(DIAS, 2004).
Em 1968, surge o “Clube de Roma”, que foi integrado por trinta profissionais de
diversas áreas. Através do relatório produzindo pelo Clube de Roma, intitulado “Os
Limites do Crescimento Econômico”, apontaram‑se ações a fim de que não houvesse
uma possível crise no mundo, sendo assim importante haver um consumo equilibrado.
77
O relatório denunciava que o crescente consumo mundial levaria a humanidade a um
limite de crescimento e, possivelmente, a um colapso” (DIAS, 2004).
A Conferência de Estocolmo em 1972 teve como um de seus principais resultados
a Declaração sobre o Ambiente Humano ou Declaração de Estocolmo, que expressa a
convicção de que “tanto as gerações presentes como as futuras, tenham reconhecidas
como direito fundamental, a vida num ambiente sadio e não degradado” (TAMANES,
1977).
Em 1975, a UNESCO realizou em Belgrado (Iugoslávia) o Encontro Internacional
em Educação Ambiental e desenvolveu o Programa Internacional de Educação Ambiental
– PIEA – que, segundo o Ministério da Educação (BRASIL, 2010) “formulou os seguintes
princípios orientadores: a Educação Ambiental deve ser continuada, multidisciplinar, in-
tegrada às diferenças regionais e voltada para os interesses nacionais.” A Carta de Belgrado
é documento muito importante resultado do PIEA:

“[...] Fala sobre a satisfação das necessidades e desejos de todos os cidadãos da


Terra. Propõe temas que falam que a erradicação das causas básicas da pobreza como
a fome, o analfabetismo, a poluição, a exploração e dominação, devam ser tratados
em conjunto. Nenhuma nação deve se desenvolver as custas de outra nação, havendo
necessidade de uma ética global. A reforma dos processos e sistemas educacionais é
central para a constatação dessa nova ética de desenvolvimento. A juventude deve
receber um novo tipo de educação que requer um novo e produtivo relacionamento
entre estudantes e professores, entre escolas e comunidade, entre o sistema educacional
e sociedade. Finaliza com a proposta para um programa mundial de Educação
Ambiental” (BRASIL, 2010, p. 49).

A primeira fase do PIEA se realizou na década de 1970 em Tbilisi, com a Confe-


rência Intergovernamental de Educação Ambiental, organizada pela UNESCO, com
a colaboração do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente).
Definiram‑se os objetivos, as características da Educação Ambiental, assim como as es-
tratégias pertinentes no plano nacional e internacional. No Brasil, o Conselho Federal
de Educação tornou obrigatória a disciplina “Ciências Ambientais” em cursos univer-
sitários de Engenharia. Na década de 1980, o parecer 819/85 do Ministério da Educação
(MEC) relatou a necessidade da inclusão de conteúdos ecológicos ao longo do processo
de formação do ensino de 1º e 2º graus, integrados a todas as áreas do conhecimento, de
forma sistematizada e progressiva, possibilitando a “formação da consciência ecológica
do futuro cidadão”.
Na década de 1990, mais especificamente em 1991, no ensino brasileiro aprofundou‑se
e ressaltou a Educação Ambiental na educação, com a Portaria 678/91 do MEC:

“[…] determinou que a educação escolar deveria contemplar a Educação Am-


biental permeando todo o currículo dos diferentes níveis e modalidades de ensino.
Foi enfatizada a necessidade de investir na capacitação de professores. Portaria 2421
/91 do MEC, institui em caráter permanente um Grupo de Trabalho de EA com o
objetivo de definir com as Secretarias Estaduais de Educação, as metas e estratégias
para a implantação da EA no país e elaborar proposta de atuação do MEC na área da
educação formal e não‑formal para a Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e
78 Desenvolvimento” (BRASIL, 2010).

A Conferência do RIO‑92, envolvendo temáticas sobre meio ambiente e desenvolvi-


mento, teve como objetivo divulgar e dialogar sobre os produtos anteriores adquiridos nos
encontros de âmbito nacional e internacional sobre a Educação Ambiental. A partir desse
encontro, que validou princípios da Conferência de Estocolmo‑72, começa a utilizar‑se o
novo termo de desenvolvimento sustentável.
Em 1995 foi criada a Câmara Técnica Temporária de Educação Ambiental vinculada
ao CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente), objetivando um fortalecimento
da Educação Ambiental.
No Brasil, o MEC lança, em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s),
com o objetivo de reorganizar e modernizar o instrumento de orientação ao ensino de
base. Os PCN’s trazem orientações para o ensino dos chamados “temas transversais na
escola”: meio ambiente e saúde, ética e cidadania, orientação sexual, pluralidade cultural,
trabalho e consumo. Desta forma, a temática ambiental deve fundamentar e enriquecer
a prática pedagógica do educador, com a absorção da dimensão ambiental nos conteúdos
ambientais, uma vez que advinham de práticas de ensino fragmentado e o tema meio am-
biente tradicionalmente era responsabilidade dos professores de Ciências (BRASIL, 2010).
Os princípios traçados para a Educação Ambiental e a orientação para que ela seja
adotada como um eixo transversal, no contexto do projeto pedagógico de cada curso,
possibilitaram a discussão e a análise do tema “meio ambiente” em diferentes áreas do
conhecimento, demandando a adoção de uma visão sistêmica e possibilitando discussões
e práticas que congreguem diferentes saberes, transcendendo as noções de disciplinas,
matéria e área.
O Brasil teve uma iniciativa importante na área do ensino ao aprovar na Constituição
Federativa Lei No 9.795, de 27 de Abril de 1999; o Art. 225, favoreceu a temática
ambiental, ao determinar que se deva “definir políticas públicas que incorporem a di-
mensão ambiental, promover a Educação Ambiental em todos os níveis de ensino e o
engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente”
(BRASIL, 2011).

3 – O ensino da Educação Ambiental

A aprendizagem através da Educação Ambiental permite que o sujeito que adquire este
conhecimento tenha uma consciência crítica frente à realidade que permeia a sociedade.
E, como consequência, dar a possibilidade da utilização de práticas sócias conscientes.
A Educação Ambiental tem um papel importante dentro do contexto atual de uma
sociedade que cresce em atividades, cada vez mais exploratórias, muitas vezes ativi-
dades essas com o ritmo desenfreado. A sua função é de informar e de despertar a tomada
de consciência a respeito do posicionamento e da atuação do ser humano no planeta
Terra. À medida que a humanidade interfere no meio ambiente impacta; porém, esses
impactos podem ser minimizados a partir do conhecimento e de práticas sustentáveis,
tal como refere RODRIGUES & SILVA (2010, p. 176):

“A educação ambiental surge como uma necessidade no processo de salvar a


79
humanidade de seu próprio desaparecimento e de ultrapassar a crise ambiental con-
temporânea. É um dos meios para se adquirir as atitudes, as técnicas e os conceitos
necessários à construção de uma nova forma de adaptação cultural aos sistemas ambien-
tais. É também, um elemento decisivo na transição para uma nova fase tecnológica, que
permita ultrapassar a crise atual, através da qual seja transmitido um novo estilo de
vida e que se mudem, profunda e progressivamente, as escalas dos valores e as atitudes
dominantes na sociedade atual”.

No Brasil, a Educação Ambiental é regulada pela Política Nacional de Educação


Ambiental – PNEA ‑, instituída pela lei nº. 9795, de abril de 1999, que definiu os seus
princípios básicos, dentre os quais se destaca o enfoque democrático e participativo, a
concepção de ambiente em sua totalidade e a garantia de continuidade e permanência
do processo educativo.

“Processo em que se busca despertar a preocupação individual e coletiva para a questão


ambiental, garantindo o acesso à informação em linguagem adequada, contribuindo para
o desenvolvimento de uma consciência crítica e estimulando o enfrentamento das questões
ambientais e sociais. Desenvolve‑se num contexto de complexidade, procurando trabalhar
não apenas a mudança cultural, mas também a transformação social, assumindo a crise
ambiental como uma questão ética e política” (BRASIL, 2011)”.

A primeira definição internacional da Educação Ambiental foi adotada pela “Interna-


tional Union for the Consevation of Nature” (IUCN) em 1971, que enfatizou aspectos
ecológicos da conservação da biodiversidade e dos sistemas da vida. A Conferência
Intergovernamental de Tbilise, em 1977, redefiniu esse conceito como sendo um processo
de reconhecimento de valores e clarificação de conceitos, objetivando o desenvolvimento
de habilidades e modificando as atitudes em relação ao meio, para entender e apreciar
as inter‑relações entre os seres humanos, suas culturas, e seus meios biofísicos, propor-
cionando a tomada de decisões e a ética que conduzam para a melhoria da qualidade de
vida (SATO, 2002).
GUIMARÃES (2000) reflete que essa demanda pela Educação Ambiental, não só
decorrente dos aspectos legais, mas também dos problemas ambientais vivenciados por
toda a sociedade, provoca a necessidade deformar profissionais aptos a trabalhar com
essa nova dimensão do processo educativo.
Segundo GUIMARÃES (2000), o educador ambiental, como liderança que pretende
contribuir para a superação dos problemas ambientais, não se contenta em promover
intervenções pontuais de caráter meramente informativo. Esse processo deve ser educa-
tivo e tem que ser potencializador, gerador de movimento, impulsionando o processo de
transformação social.
Tendo esse panorama, faz‑se importante compreender o significado de ambiente. O
ambiente tem seu conceito formulado por REIGOTA (1994). De acordo com o mesmo,
o conceito de ambiente é uma representação social, isto é, um conceito que evolui no
tempo e que depende do grupo social que o utiliza. Ele depende da formação profissional
das pessoas, de suas vivências e do lugar em que vivem. Certamente a família, a escola, os
meios de comunicação (imagens, mensagens, publicidade, entre outros), contribuem
na difusão e consolidação das representações sociais sobre meio ambiente.
80
O ambiente é:

“Um lugar determinado ou percebido, onde os elementos naturais e sociais estão


em relações dinâmicas e em interação. Essas relações implicam em processos de
criação cultural e tecnológica e processos históricos e sociais de transformação do
meio natural e construído [...] um espaço determinado no tempo, no sentido de se
procurar delimitar fronteiras e os momentos específicos que permitam um conheci-
mento mais aprofundado [...] percebido, já que cada pessoa o delimita em função de
suas representações, conhecimento específico e experiências cotidianas neste mesmo
tempo e espaço” (REIGOTA, 1994, p. 14).

REIGOTA (1994) afirma que as relações dinâmicas e interativas que ocorrem no


ambiente “indicam a constante mutação, como resultado da dialética das relações en-
tre grupos sociais e o meio natural e construído, implicando um processo de criação
permanente, que estabelece e caracteriza culturas em remóis e espaços específicos”. No
momento em que o ser humano transforma o espaço (meio natural e social), é também
transformado por eles.
Neste sentido, o meio ambiente é passível de ser modificado ao longo do processo his-
tórico de ocupação de um território por uma determinada sociedade, em um espaço de
tempo concreto. Ele surge da síntese histórica das relações entre a sociedade e a natureza.
No ensino e/ou práticas de Educação Ambiental existem objetivos a ser compridos.
SMYTH (1995) definiu esses principais objetivos da Educação Ambiental:

1. Sensibilização ambiental: é o processo que utiliza a conscientização sobre a relação


Homem e natureza, considerado como o primeiro objetivo para alcançar o pensa-
mento sistêmico da Educação Ambiental;

2. Compreensão ambiental: conhecimento dos componentes e dos mecanismos que


reagem o sistema natural;

3. Responsabilidade ambiental: reconhecimento do ser humano como principal


protagonista para determinar e garantir a manutenção do planeta;

4. Competência ambiental: capacidade de avaliar e agir efetivamente no sistema natural;

5. Cidadania ambiental: capacidade de participar efetivamente, resgatando os direitos


e promovendo uma nova ética capaz de conciliar natureza e sociedade.

Desta forma, a Educação Ambiental deve ser ensinada através de uma perspectiva
construtivista, onde há valorização do conhecimento empírico aliado com o conheci-
mento científico. Nessa perspectiva, a abordagem sobre a ligação das características do
meio natural onde a comunidade e alunos de determinada escola, nas quais está sendo
praticado o ensino, se torna válida.
4 – Uma Educação Ambiental para o Desenvolvimento Sustentável

O desenvolvimento sustentável é um processo de maior grandeza, onde se envolvem


esferas como o crescimento econômico, o respeito ao recurso natural e desenvolvimento
social (Fig. 1). Com essa concepção apresentada, surge o seguinte questionamento: Onde 81
se encaixa a prática da educação ambiental nesse processo, diante de uma sociedade cada
vez mais consumista? E como se pode contribuir para incentivar o uso sustentável dos
recursos naturais?

Fig. 1 – Organograma das esferas do desenvolvimento sustentável.

Atualmente, há uma grande produção de produtos gerados por uma sociedade mar-
cada pelo consumo. Isso acarreta consequência com a origem de resíduos, com um volu-
me cada vez mais significativo. Se faz necessário, assim, a conscientização de uma prática
educativa dentro da nossa conjuntura social, prática essa muitas vezes não utilizada, se
tornando assim só apenas discurso. Um bom início seria com a conscientização a partir
de uma visão crítica sobre a realidade dessa sociedade contemporânea.
E, ao pensar em uma pedagogia ambiental, deve‑se refletir no “como” pode ser aplicado.
RODRIGUEZ & SILVA (2010) concernem uma Educação Ambiental para contribuir signi-
ficativamente para um desenvolvimento sustentável, com a aprendizagem de quatro elemen-
tos ao aprender – a conhecer, a fazer, viver e ser:

“Aprender a Conhecer: prioriza‑se o domínio dos próprios instrumentos do co-


nhecimento, considerados como meio (forma de conhecer a complexidade do mundo)
e como fim (seu fundamento são os prazos de compreender, de conhecer e de desco-
brir). Aprender a Fazer: desenvolvimento de habilidades e estímulo ao surgimento de
novas aptidões. Aprender a Viver: trata‑se de aprender a viver junto ao outro, desenvol-
vendo o conhecimento deste, bem como concepção das interdependências. Aprender a Ser:
comprometimento da educação com o desenvolvimento total da pessoa” (RODRIGUEZ
& SILVA, 2010, p. 215).

Ao se tratar de ensino de Educação Ambiental, pode relacionar‑se com estudos e


práticas voltados para o meio ambiente. Atualmente, é necessária uma análise de acor-
do com uma concepção sistêmica. A concepção sistêmica se refere ao estudo do meio
natural de forma multidisciplinar e interdisciplinar, onde todos os seus elementos estão
interligados. E cabe ressaltar o ser humano como parte integrante desse processo, com
uma interação direta junto ao meio.
A concepção pedagógica multidisciplinar consiste em utilizar diversos campos referentes
a um tema geral em comum e a fazer abordagens dinâmicas de situações específicas através
do conhecimento de vários campos, a fim de se ter uma visão completa da realidade.
No ensino na perspectiva da Educação Ambiental é fundamental estimular a curiosi-
dade da “busca” do conhecer sobre a realidade social em que se está inserido, respeitando
e valorizando a cultura local, pois assim colabora‑se para a participação e mobilização
mais maciça das populações.
82

5 – Considerações finais

A Educação Ambiental deve estar presente de maneira informal em todos os espaços


que educam o cidadão. Desta forma, ela pode estar presente nas escolas, nas associações
de bairro, nas universidades, nos meios de comunicação e, enfim, de modo que cada um
desses contextos possa contribuir com suas peculiaridades para a diversidade e criatividade
da mesma, na busca de soluções possíveis para a problemática do meio ambiente.
Percebe‑se que esta concepção pedagógica (interdisciplinaridade) ainda necessita
de um maior entendimento para ser efetivada e produzir a consecução dos objetivos da
Educação Ambiental. O que se espera, pelo menos, é a produção de um conhecimento
que não esteja fragmentado e que contribua para a solução da problemática ambiental e
uma qualificação da vida planetária.
Cada disciplina tem sua contribuição a dar nas atividades de Educação Ambiental,
envolvendo professores de todas as áreas de conhecimento. Entretanto, a busca de so-
luções de problemas ambientais carece de uma maior integração interdisciplinar para
o enriquecimento do campo educacional e, como consequência, de uma melhoria na
perspectiva socioambiental.
A Educação Ambiental aplicada consiste na instituição de ações concretas junto às
populações que se relacionam diretamente com a natureza, através do uso direto de seus
recursos naturais. Estratégias de convivência entre populações e o meio natural como
um todo devem ser ampliadas, criando‑se novos modelos de desenvolvimento sustentável
para a sociedade.
Nesse sentido, a interdisciplinaridade, a visão sistêmica e complexa apostada pela
Educação Ambiental, é um elo importante na busca de harmonização nas inter‑relações
entre Sociedade e Natureza.

Referências Bibliográficas

BRASIL. IBAMA (2006) – Referências conceituais e metodológicas para gestão ambiental em áreas rurais/
Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável. Brasília:
MMA, p. 28.
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (2010) – Um pouco da história da educação ambiental. http://
portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educacaoambiental/historia.pdf. (consultado em 2011.02.02).
BRASIL (1999) – Presidência da República/Casa Civil: Lei de 1999. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Leis/L9795.htm. (consultado em 2011.02.02).
BRASIL (1988) – Presidência da República/Casa Civil: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. (consultado em 2011.02.02).
DIAS, G. F. (2004) – Educação ambiental: princípios e práticas. 9 ed. São Paulo: Gaia.
GUIMARÃES, M. (2000) – Educação ambiental: no consenso, um embate? Campinas: Papirus.
REIGOTA, M. (1994) – Meio ambiente e representações sociais. São Paulo: Cortez.
RODRIGUEZ, J. M. M. & SILVA, E. V. (2010) – Educação ambiental e desenvolvimento sustentável:
problemática, tendências e desafios. Fortaleza, Editora da UFC.
SARIEGO, J. C. (2001) – Educação Ambiental – As ameaças ao planeta azul. São Paulo. SP. Editora Scipione, 83
208 p.
SATO, M. (2002) – Educação ambiental. São Carlos: Rima.
SMYTH, J. C. (1995) – Environmental education: a view of a changing scene. In: Environmental Education
Research, 1.
TAMANES, R. (1977) – Estrutura da Economia Internacional. Edições: Publicações Dom Quixote, Lisboa.
(Página deixada propositadamente em branco)
8
ENERGIA E EDUCAÇÃO PARA
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

ENERGY AND EDUCATION FOR


SUSTAINABLE DEVELOPMENT

P. João1, M. A. Pedrosa 2 & M. H. Henriques3

Resumo – O Desenvolvimento Sustentável deve ser uma preocupação e motivo de


ação para todos os cidadãos, o que requer que tomem consciência de problemas neste âmbito
e desenvolvam competências para assumirem as suas responsabilidades. Da necessida-
de de preencher estes requisitos surgiu a Década da Educação para o Desenvolvimento
Sustentável. A educação é essencial, sendo a formal uma parte substancial e importante,
envolvendo crianças e jovens, adultos de amanhã. Estes, influenciando as suas famílias
e amigos, podem estimular iniciativas, a diversos níveis, contribuindo assim para que
mais cidadãos desenvolvam competências essenciais para esta responsabilização. Tendo
em conta políticas definidas para promover o Desenvolvimento Sustentável, numa perspeti-
va de educação para todos, impõe‑se uma reflexão acerca de energia e recursos energéticos.
Tal decorre da importância que se reconhece a preocupações atuais com gestão sustentá-
vel de recursos energéticos, das quais as questões de eficiência energética constituem uma
evidência. Dado que são fundamentais abordagens centradas nos alunos, que tenham
em conta os seus conhecimentos do quotidiano acerca de energia, realizadas nas diversas
disciplinas ou áreas curriculares, enfatizam‑se estratégias de Aprendizagem Baseada em
Resolução de Problemas. Num contexto de educação formal, estas devem proporcionar
meios para que os alunos desenvolvam, cooperativa e autonomamente, numa perspeti-
va interdisciplinar, conhecimentos científicos relevantes para exercícios responsáveis de
cidadania, orientados por preocupações de desenvolvimento sustentável.

1
Unidade de I&D nº 70/94, Química‑Física Molecular/FCT, PEst‑OE/QUI/UIOO/700/2011; Faculdade
de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra (FCTUC), Portugal; [email protected]
2
Unidade de I&D nº 70/94, Química‑Física Molecular/FCT, PEst‑OE/QUI/UIOO/700/2011; Departamento
de Química, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra (FCTUC), Portugal; [email protected]
3
Departamento de Ciências da Terra e Centro de Geociências, Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade de Coimbra, 3000‑272 Coimbra, Portugal; [email protected]
Palavras‑chave – Desenvolvimento sustentável; Energia; Recursos energéticos; Educação
formal; Interdisciplinaridade; Aprendizagem baseada em resolução de problemas

Abstract – Sustainable Development should be for all citizens a preoccupation and a


86
motive, which requires an awareness of problems in this context area and the development of
skills to fulfill their responsibilities. The Decade of Education for Sustainable Development
came from the need to comply these requirements. Education is indispensable, being formal
education a substantial and important part of it, involving children and young people, the
adults of tomorrow. They, in their turn, influencing their families and friends, can stimulate
initiatives at different levels and can contribute to the development of essential skills of more
citizens, leading to this accountability. In a perspective of education for all and taking into
consideration the defined policies to promote sustainable development, there is a need of a
reflection about energy and energy resources. This arises from the importance given to the
current concerns of sustainable management of energy resources, proved by energy efficiency
issues. Taking into account that there are crucial learner‑centred approaches, that takes into
account the quotidian use of energy knowledge, made in several subjects or disciplinary areas,
it should be emphasize the Learning Based on Problem Solving. In a context of formal educa‑
tion, they must provide means for students to develop, cooperatively and independently in an
interdisciplinary perspective, scientific knowledge relevant to responsible citizenship exercise,
guided by preoccupations with sustainable development.

Keywords – Sustainable development; Energy; Energetic resources; Formal education;


Interdisciplinarity; Problem‑based learning

1 – Introdução

O conceito de Desenvolvimento Sustentável (DS) emerge da necessidade de estabelecer


equilíbrios entre progresso económico e social e proteção ambiental, preocupações que
surgem, sobretudo a partir da década de 1980 (UNESCO, 2005).
Alcançar progresso económico equilibrado requer que os cidadãos compreendam ade-
quadamente, tanto os limites como o potencial do crescimento económico, assim como
as suas repercussões na sociedade e no ambiente, podendo, assim, tomar consciência da
necessidade de reduzir os níveis de consumo individual e torná‑los sustentáveis. Atingir
desenvolvimento social implica conhecer as instituições sociais e o papel social de cada
uma, requisito essencial para se viver em democracia. Quanto à proteção ambiental, é
necessário conhecer as fragilidades dos sistemas naturais e antrópicos para incrementar
a sensibilização para a sua gestão sustentável e impor, para tal, aos órgãos competentes, a
implementação de medidas políticas e sociais adequadas (UNESCO, 2005).
No entanto, atingir os equilíbrios em que se alicerça desenvolvimento sustentável nas
suas diferentes dimensões (económica, social e ambiental) é difícil pois, apesar de a pro-
teção ambiental ser um pilar reconhecido na estratégia europeia para o desenvolvimento
sustentável, o desenvolvimento económico é, geralmente, a dimensão mais privilegiada
(DIAS & SANTOS, 2009). Tal circunstância é preocupante, em particular tendo em
conta o crescimento populacional atual, que levou a que a exploração dos recursos na-
turais se tornasse tão intensiva, que minou o pilar em que deveria assentar a proteção
ambiental. Conhecendo os estilos de vida dos cidadãos na generalidade dos países indus-
trializados, sabe‑se que os padrões de consumo são elevados, nomeadamente de energia
e de recursos energéticos, e que uma consequência de tal são os impactos ambientais asso-
ciados, destacando‑se a profunda transformação da crosta terrestre (HENRIQUES, 2010).
87
Aliás, reconhece‑se que a humanidade “atualmente move mais materiais na superfície
terrestre do que todos os agentes erosivos naturais” (AIPT, 2007, p. 4).
Mas o problema do aumento do aquecimento global é, talvez, um dos mais elucidativos
da dificuldade no estabelecimento de equilíbrios entre proteção ambiental e progresso
social e económico. Na verdade, “as alterações climáticas, que têm múltiplos efeitos, al-
guns dos quais de consequências imprevisíveis, podem, por exemplo, levar à ocorrência
de cheias ou de secas, ilustram, de forma eloquente, como perturbações nos sistemas
naturais podem ter gravíssimas consequências em termos sociais e económicos” (DIAS
& SANTOS, 2009, p. 26).
Decorrente destes sérios problemas, a Organização das Nações Unidas para a Edu-
cação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) lidera, a nível global, a Década da Educa-
ção para o Desenvolvimento Sustentável (DEDS), iniciativa que se estende de 2005
a 2014. A DEDS releva o papel da educação como força motriz para estabelecer equi-
líbrios possíveis e duradoiros entre desenvolvimento social, desenvolvimento econó-
mico e proteção ambiental. A DEDS reconhece que só através da educação, formal e
não‑formal, é possível promover aprendizagens relevantes e geradoras de “mudanças
de comportamento que permitirão criar uma sociedade sustentável e mais justa para
todos” (UNESCO, 2005, p. 36; Fig. 1).

Fig. 1 – Representação esquemática de requisitos de desenvolvimento sustentável e de educação


consistente com as perspetivas deste desenvolvimento (PEDROSA & MORENO, 2007).

De acordo com a UNESCO, “Educação para Desenvolvimento Sustentável deve ser


uma realidade concreta para todos nós – indivíduos, organizações, governos – em todas as
nossas decisões diárias e ações, de modo a deixarmos como legado um planeta sustentável e
um mundo mais seguro” (op. cit., p. 17).
Os documentos curriculares oficiais portugueses apontam para perspetivas inovado-
ras de educação científica, que visam promover DS. No entanto, por serem inovadoras,
verifica‑se alguma resistência na sua implementação, dado que não fazem parte dos pro-
gramas e práticas de formação de professores. Para ultrapassar tal resistência, têm vindo
88
a realizar‑se congressos e ações de formação, nos quais se têm apresentado e discutido
recursos educativos que podem estimular a implementação das referidas perspetivas
(PEDROSA, 2010). Assim, defende‑se que é indispensável desenvolver recursos didáti-
cos inovadores, adequados para serem utilizados por professores, monitorizando a sua
implementação numa perspetiva investigativa, o que será uma via para concretizar medidas
e compromissos internacionais de DS (PEDROSA & LOUREIRO, 2008).
Uma das formas inovadoras de promover educação científica visando promover DS é
implementar Aprendizagem Baseada em Resolução de Problemas (ABRP) – uma estra-
tégia educativa que se centra em problemas e potencia a autonomia dos alunos nas suas
aprendizagens, na qual o professor assume um papel importante de orientador, para que
os alunos, naquele contexto, partindo dos seus conhecimentos construam novos conheci-
mentos. A ABRP é descrita como “um meio, não só para a realização de aprendizagens,
mas também para o desenvolvimento de competências essenciais para o exercício de uma
cidadania activa e sustentada” (LEITE & ESTEVES, 2005, p. 1751).
O trabalho aqui apresentado encontra‑se organizado em três secções: Energia e Educa-
ção para o Desenvolvimento Sustentável; Energia e Aprendizagem Baseada em Resolução
de Problemas e Considerações Finais. Na secção Energia e Educação para Desenvolvimento
Sustentável, releva‑se a importância de energia e recursos energéticos e o seu enfoque nos
documentos curriculares oficiais. Em Energia e Aprendizagem Baseada em Resolução de
Problemas, clarificam‑se conceitos subjacentes a estratégias educativas com esta orien-
tação, sugerindo abordagens ao tema energia e recursos energéticos, em particular ao
petróleo. Finalmente, em Considerações Finais releva‑se a pertinência desta reflexão para
estimular tomadas de consciência pelos cidadãos com vista à promoção de DS.

2 – Energia e Educação para Desenvolvimento Sustentável

A Educação Energética é descrita como um processo “continuo de acciones pedagógicas


dirigidas al desarrollo de un sistema de conocimientos, procedimientos, habilidades, com-
portamientos, actitudes y valores en relación con el uso sostenible de la energía” (ÁVILA &
BLANCH, 2006, p. 105). Assim, é necessário que a educação sobre energia, que engloba
múltiplos conceitos, incluindo alguns essenciais referentes ao quotidiano das sociedades
atuais, “atravesse fronteiras” entre a cultura dos círculos familiares e de amigos dos alunos,
os quotidianos de senso comum e a cultura das ciências, um mundo abstrato que lhes
é estranho (AIKENHEAD, 2002). Tal representa algo que, de um modo geral, ainda
não se verifica, designadamente tendo em conta conceções alternativas identificadas no
âmbito da temática energia (KURNAZ & SAGLAM‑ARSLAN, 2011).
Tendo a palavra energia uma enorme diversidade de significados, incluindo em
contextos escolares, importa, antes de mais, clarificar os essenciais. Assim, apresentam‑se
resultados de consultas realizadas a diversas fontes, das mais gerais, teoricamente aces-
síveis a todos os cidadãos, até outras mais restritas, incluindo algumas utilizadas em
contextos escolares (Tabela 1).
Tabela 1 – Os vários significados atribuídos ao termo energia, segundo diversas fontes.

Fonte Definição de energia

Dicionário de Língua Portuguesa “n.f. capacidade de um corpo, de uma substância ou de um 89


(PORTO EDITOR A ed., 2010) sistema físico produzir trabalho.”

Livro do 7º ano de escolaridade de “A energia é fundamental na nossa vida. Nada se faz sem energia
Ciências Físico‑Químicas, 3º ciclo [...]”
(RODRIGUES & DIAS, 2010) “A energia manifesta‑se de diferentes maneiras. De acordo
com os efeitos que produz, dão‑se algumas designações a essas
manifestações de energia.”

Na Infopédia 1 “nome feminino


FÍSICA capacidade de produzir trabalho
força; vigor
firmeza;
FÍSICA
– energia cinética: energia que um corpo ou sistema têm por
estarem em movimento;
– energia nuclear: energia libertada pelas reações nucleares
exoenergéticas;
– energia potencial: energia armazenada num corpo ou num
sistema devido à sua posição, forma ou estado;
– energia renovável: energia explorada a partir de forças naturais
como o vento, as marés, o sol e a água e que provém de fontes
inesgotáveis podendo renovar‑se;
– energia termonuclear: energia libertada numa fusão nuclear;
– equipartição da energia: divisão em partes iguais da energia média
das moléculas de um gás pelos seus diferentes graus de liberdade”

Na Wikipédia 2 “Definir energia não é algo trivial, e alguns autores chegam a


argumentar que “a ciência não é capaz de definir energia, ao
menos como um conceito independente”. Contudo, mesmo para
estes autores, “embora não se saiba o que é energia, se sabe o que
ela não é”, em clara alusão aos demais significados da palavra
difundidos em senso comum, não obstante bem distintos
daqueles encontrados no meio científico. Este artigo foca a
acepção científica da palavra energia.
Em ciência energia [...] refere‑se a uma das duas grandezas físicas
necessárias à correta descrição do inter‑relacionamento – sempre
mútuo – entre dois entes ou sistemas físicos. A segunda grandeza
é o momento. Os entes ou sistemas em interação trocam energia e
momento, mas o fazem de forma que ambas as grandezas sempre
obedeçam à respectiva lei de conservação.”

Segundo COIMBRA et al. (2009, p. 629), o termo energia refere‑se a um conceito


“muito abrangente e, por isso mesmo muito abstrato e difícil ser definido de modo preciso
com poucas palavras [...]”, embora o termo seja correntemente usado em diversas disciplinas.
Por exemplo, em biologia usa‑se energia para descrever os tipos de relação entre organismos
num ecossistema; em química interpretam‑se reações químicas, segundo transferências de
energia; em geologia usa‑se a conservação de energia para construir modelos que descre-
vam a tectónica de placas (NORDINE et al., 2010). Para ANGOTTI & AUTH (2001), a
energia tem grande potencial para interligar tópicos, estabelecendo relações com conceitos e
temas de outras áreas. No entanto, há grandes probabilidades de se construírem diferentes
interpretações, por parte de professores e alunos. Por exemplo, ao falar‑se de processos me-
tabólicos e de transformações químicas, em geral, os conhecimentos e interpretações que se
90
constroem podem, também eles, ser diferentes (SOUZA & JUSTI, 2011).
Para minorar e, se possível, eliminar esta multiplicidade de significados atribuídos ao
termo energia, sugere‑se a implementação de práticas educativas que valorizem aprendiza-
gens interdisciplinares, entendendo‑se a interdisciplinaridade como uma forma de com-
binação entre duas ou mais disciplinas, com vista à compreensão de um objetivo a partir
da confluência de pontos de vista diferentes e tendo como objetivo final a elaboração de
uma síntese relativa ao objetivo comum (POMBO, 1994).

3 – Energia e Aprendizagem Baseada em Resolução de Problemas

Na educação científica contemporânea requer‑se um reajustamento do papel do profes-


sor que, ao invés da tradicional transmissão de conteúdos disciplinares, deve criar contex-
tos de aprendizagem, nos quais os alunos aprendam a aprender e a atualizar‑se ao longo da
vida (LEITE & ESTEVES, 2005).
A ABRP, baseia‑se em problemas que surgem no dia a dia profissional e pessoal, antes
de se conhecerem soluções e de se dispor de ferramentas conceptuais e procedimentais ne-
cessárias para as construir (LAMBROS, 2004). Assim, a ABRP visa promover ambientes
de aprendizagem centrados nos alunos, confrontando‑os com problemas e estimulando
o desenvolvimento de competências necessárias à sua resolução (LEITE & ESTEVES,
2005). De acordo com LEITE & AFONSO (2001), a ABRP organiza‑se em quatro fases
que envolvem a realização de atividades em pequenos grupos, promotoras de autonomia e
cooperação entre os alunos (LEITE & ESTEVES, 2005), e em que o professor é, essen-
cialmente, orientador ou facilitador da aprendizagem (LAMBROS, 2004) (Tabela 2).

Tabela 2 – As fases de implementação de uma intervenção orientada para a ABRP.

Fase Descrição
1. Seleção do O professor, depois de selecionar os problemas (enquadrados no currículo vigente),
contexto prepara o/os contexto/s problemáticos que apresenta aos alunos, recorrendo, por
exemplo, a notícias de jornais, filmes, desde que os respetivos conteúdos tenham,
potencialmente, interesse para aqueles.
2. Formulação O professor assume um papel de orientador das atividades. Os alunos identificam os
de problemas problemas decorrentes do/s contexto/s problemáticos previamente apresentados pelo
professor.
3. Resolução do O professor assume um papel de orientador das atividades e deve disponibilizar
problema a informação mínima necessária para que os alunos sejam autónomos e capazes
de procurar e organizar a informação. Os alunos realizam atividades práticas que
impliquem a consulta de diversas fontes, e que lhes permitam chegar a algum
resultado.
4. Síntese e O professor e os alunos verificam se todos os problemas formulados foram resolvidos,
avaliação do ou concluem que aqueles não têm solução.
processo
Partindo das Orientações Curriculares para o 3º Ciclo do Ensino Básico português,
que sugerem a abordagem de “Recursos Naturais – Utilização e Consequências”, conjunta-
mente em Ciências Naturais e Físico‑Químicas do 8º ano, apresentam‑se e discutem‑se
os fundamentos para uma intervenção centrada em energia e recursos energéticos, em
91
particular petróleo, recorrendo a ABRP.
A implementação de ABRP requer uma cuidada seleção de problemas a resolver pelos
alunos, que devem relacionar‑se com assuntos interessantes e relevantes para eles (LEITE
et al., 2008), pois “o interesse dos alunos pelas ciências aumenta e o seu desempenho
melhora quando conseguem estabelecer relações entre o que aprendem na escola e os seus
outros quotidianos [...]” (PEDROSA, 2008, p. 8). Ao longo do ano letivo, surgem notícias
nos meios de comunicação social dando conta da ocorrência de diversas catástrofes no
mundo, que podem representar um recurso útil (BRUSI et al., 2008), nomeadamente em
contextos educativos, dado que configuram problemas atuais e relevantes para os jovens
(CHIN & CHIA, 2004). O petróleo, pela importância que os materiais dele derivados as-
sumem no nosso quotidiano, “deve ser alvo de especial atenção por parte dos alunos, para
que compreendam como a indústria do petróleo tem vindo a afectar as sociedades contem-
porâneas. Para isso, podem ser incentivados a pesquisar sobre a utilização dos derivados
do petróleo no dia‑a‑dia, vantagens e inconvenientes associados ao seu uso. A pesquisa
a realizar pode contemplar a constituição química do petróleo, extracção e processo de
refinação, transporte antes e após tratamento nas refinarias, evidenciando procedimentos
de segurança a ter em conta e custos envolvidos” (DEB, 2001, p. 28).
Partindo desta orientação, sugere‑se uma intervenção centrada em ABRP, envolvendo
os professores de Ciências Naturais e Físico‑Químicas do 8º ano de escolaridade. No âm-
bito da 1ª fase, relativa à seleção do contexto, os professores podem recorrer a uma notícia
publicada ou difundida, por exemplo, sobre a explosão na plataforma Deepwater Horizon,
no Golfo do México dos EUA, em 2011, da qual resultou o maior derrame de petróleo
da história dos Estados Unidos3. Posteriormente, a notícia selecionada deve ser apresenta-
da aos alunos, eventualmente complementada com a projeção de imagens capazes de lhes
suscitar emoções e opiniões, criando um contexto propício à formulação de problemas,
relacionados, por exemplo, com os perigos associados à produção de hidrocarbonetos.
Releva‑se este aspeto por força da dependência da sociedade atual relativamente a este
recurso e/ou da necessidade de se considerar alternativas para minorar esta dependência.
No decurso das etapas seguintes, os professores deverão assumir o papel de orien-
tadores das atividades dos alunos, nomeadamente práticas, que podem assumir formas
diversas, como por exemplo, uma visita de estudo a uma refinaria de petróleo, atividades
de pesquisa relacionadas com a composição química daquele recurso energético e/ou
atividades laboratoriais referentes a propriedades de hidrocarbonetos.
Por fim, e no quadro da síntese e avaliação da intervenção, professores e alunos
devem trabalhar conjuntamente para identificar os problemas que foram resolvidos, e/ou
novos problemas que tenham entretanto emergido.

4 – Considerações finais

Referiu‑se a necessidade de promover DS, uma preocupação e motivo de ação para


todos os cidadãos, e enfatizou‑se a importância da DEDS para concretizar princípios,
valores e práticas consentâneos com DS. Destacou‑se o papel da educação formal e de
abordagens interdisciplinares, em particular envolvendo Ciências Naturais e Ciências
Físico‑Químicas, recorrendo a ABRP e centradas em energia e recursos energéticos,
especificamente no petróleo.
92
A abordagem que se sugeriu refere‑se ao contexto educativo português – 3º ciclo
do ensino básico. Contudo, é igualmente pertinente e útil para educadores de outros
Estados‑Membros da CPLP, alguns dos quais importantes produtores de petróleo, como
Angola, Brasil, São Tomé e Príncipe e Timor, configurando uma resposta à necessidade,
subscrita pelos respetivos responsáveis políticos, de incentivar a “cooperação bilateral e
multilateral para a protecção e preservação do meio ambiente nos Países Membros, com
vista à promoção do desenvolvimento sustentável” (DCCPLP, 1996).

Nota – Este trabalho foi realizado no âmbito do projeto Educação em Ciências para
a Cidadania através da Aprendizagem Baseada na Resolução de Problemas (PTDC/
CPE‑CED/108197/2008), financiado pela FCT no âmbito do Programa Operacional
Temático Factores de Competitividade (COMPETE) do quadro Comunitário de Apoio
III e comparticipado pelo Fundo Comunitário Europeu (FEDER).

Websites ativos na data de submissão do texto


1
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2
http://pt.wikipedia.org/wiki/Energia#Energia
3
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deepwater‑horizon‑1454925

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9
PERCEÇÕES DE ALUNOS DO ENSINO SECUNDÁRIO DE ARGANIL
(PORTUGAL) ACERCA DE TRABALHO DE CAMPO

PERCEPTIONS OF STUDENTS OF SECONDARY EDUCATION


FROM ARGANIL (PORTUGAL) ABOUT FIELD WORK

G. M. Dias1 & M. H. Henriques2

Resumo – O presente trabalho refere‑se a uma investigação em Educação Científi-


ca, centrada em atividades práticas de campo, que pretendeu dar resposta ao seguinte
problema: “Como estimular aprendizagens significativas e relevantes, acerca de rochas
sedimentares detríticas, nomeadamente de argilas?”. Para tal, concebeu‑se, planeou‑se,
implementou‑se e avaliou‑se uma intervenção educativa que envolveu 25 alunos do 11º
ano de escolaridade, da escola do Ensino Secundário do concelho de Arganil (Portugal),
enquadrada na temática “Rochas Argilosas” do “Tema IV – Geologia, problemas e materiais
do quotidiano”, da disciplina de Biologia e Geologia.
A intervenção incluiu a realização de atividades, em pequenos grupos, em dois
contextos distintos – na sala de aula e/ou laboratório e no campo. O trabalho prático
de campo centrou‑se numa visita à Empresa Cerâmica da Carriça, com sede em Coja,
concelho de Arganil (Portugal).
Para avaliar as perceções dos alunos acerca de trabalho prático de campo, foram concebi-
dos, elaborados e validados dois instrumentos de avaliação – Questionário de Diagnóstico
e Questionário de Avaliação, administrados antes e depois da intervenção, respetivamente
– e instrumentos de registo – Grelha de Observação e Diário do Professor.
Os resultados obtidos com este estudo oferecem indicadores positivos em relação
ao valor educativo de intervenções que promovam interações entre contextos formais
e não formais e centradas no quotidiano dos alunos, e permitem reforçar a ideia de se
assumir o trabalho de campo como uma estratégia importante na promoção de Educa-
ção Científica em geral, e da Geologia em particular, com propósitos de Educação para
Desenvolvimento Sustentável.

1
  Agrupamento de Escolas de Arganil; Avenida das Forças Armadas – Apartado 8, 3300 Arganil e Centro
de Geociências; Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, Largo Marquês de Pombal,
3000‑272 Coimbra; [email protected]
2
Departamento de Ciências da Terra e Centro de Geociências; Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade de Coimbra, Largo Marquês de Pombal, 3000‑272 Coimbra; [email protected]
Palavras‑chave – Educação para Desenvolvimento Sustentável; Educação Científica;
Ensino Secundário; Geologia; Trabalho de campo

Abstract – The present work refers to a research in science education, focused on practical
96 activities in the field, which sought to respond to the following problem: “How to encourage
meaningful and relevant learning, about detritic rocks, particularly clays?” To this end, an
educational intervention involving 25 students of the 11th year of a secondary school located
in the municipality of Arganil (Portugal) was conceived, planned, implemented and assessed,
under the frame of the “Theme IV – Geology, problems and materials of everyday life”, in‑
cluded in the subject “Clay Rocks” of Biology and Geology. The intervention included several
activities in small groups, which were developed in two distinct contexts – in the classroom
and/or laboratory and in the field. The practical field work was focused on a visit to the
Carriça Ceramic Company, headquartered in Coja, at the municipality of Arganil (Portugal).
To evaluate the perceptions of students about practical field work, two evaluation instruments
were designed, developed and validated – the Diagnostic Questionnaire and the Assessment
Questionnaire, which were administered before and after the intervention, respectively –, as
well as two record instruments – a Grid of Observation and the Teacher´s Diary. The results
obtained from this study provide positive indicators in relation to the educational value of
interventions that promote interactions between formal and non‑formal contexts and focused
on the everyday life of pupils, and reinforces the idea of taking the fieldwork as an important
strategy in promoting science education in general and geology in particular, for purposes of
Education for Sustainable Development.

Keywords – Education for Sustainable Development; Science Education; Secondary


Education; Geology; Field work

1 – Introdução

Existe atualmente um consenso generalizado entre professores e investigadores acerca


da importância das atividades realizadas em ambientes exteriores à sala de aula/ativi-
dades de campo nas aprendizagens dos alunos relativamente a temáticas do âmbito das
Geociências. Contudo, a realização de saídas de campo tem sido pouco enfatizada nas
práticas letivas, e nem sempre o seu valor educativo é potenciado de forma adequada.
O campo, também designado ambiente “outdoor” na terminologia anglo‑saxónica,
ou ambientes exteriores à sala de aula (AESA) (MARQUES & PRAIA, 2009), é um
dos locais em que os alunos realizam atividades de aprendizagem, sob orientação do
professor, ou por iniciativa deste. De acordo com REBELO et al. (2011), as atividades
desenvolvidas nos ambientes exteriores à sala de aula são consideradas atividades por
excelência para complementar a aprendizagem realizada em ambiente formal (sala de
aula e/ou laboratório). O campo constitui o imediato da Geologia por duas razões:
traduz a acessibilidade de observação, e é o próprio palco do processo histórico‑geoló-
gico (BONITO, 2001). O trabalho de campo (TC) nas suas vertentes observacional,
descritiva, contextualizante e comparativa emerge como uma estratégia primordial para
a compreensão de conceitos e ideias estruturantes no domínio da Geologia.
O modelo de TC de raiz construtivista, desenvolvido por ORION (1993), visa poten-
ciar a desestruturação do modelo de TC, preconizado, ainda hoje, em muitas escolas,
limitado a atividades avulsas, pouco contextualizadas nas práticas letivas, mal articuladas
com os curricula, orientadas pelo bom senso e destituídas de fundamentação epistemológica
e didática (MOREIRA, 2005), o que levou PRAIA & MARQUES (1996) a designá‑lo
como do tipo “excursionista”. Segundo o modelo de ORION, o TC deve constituir‑se
como uma estratégia sustentada e em continuidade com outras estratégias de ensino/ 97
aprendizagem, utilizadas no desenvolvimento do curriculum escolar dos alunos a quem se
destina (ORION & HOFSTEIN, 1994), repartindo‑se pelas seguintes três etapas, que
se interligam (MOREIRA, 2005): Fase de preparação; Saída de campo; Fase de pós‑saída
de campo. Cada fase, embora estruturada de forma independente, deve representar uma
solução de continuidade relativamente à fase seguinte.
Como elemento integrante nos processos de ensino/aprendizagem, na planificação
de uma saída de campo devem incluir‑se atividades a realizar antes, durante e depois
dela (PEDRINACI et al., 1994). Na opinião de ORION (1993), a planificação cuidada
da saída de campo, é crucial em todo o processo, na medida em que permite superar o
obstáculo educativo existente entre a teoria, a explicação e a prática.
Na preparação (organizacional e teórica) – 1ª etapa – deverão ser motivo de cuidada
preocupação os seguintes aspetos: Seleção criteriosa da área em estudo; Distribuição dos
conceitos para cada paragem e sua articulação com os conceitos curriculares; Planifica-
ção do roteiro, com vista à sua praticabilidade; Conceção das atividades e elaboração do
material a ser usado durante a viagem pelos alunos e professor (livro de campo, guião e
posters elucidativos) (MOREIRA, 2005). Nesta preparação devem desenvolver‑se uma
série de ações tendentes a diminuir o grau de novidade que o ambiente sempre comporta
(o “espaço‑novidade” ou “novelty space”) (ORION, 1993). Este processo de familiari-
zação é indispensável para otimizar a capacidade de concentração dos alunos durante a
viagem (MOREIRA, 2005).
Durante a saída de campo – 2ª etapa e fase central da unidade ‑, a estratégia e as
atividades programadas para cada paragem devem ser orientadas em termos de processo,
estando sempre subjacente uma interação permanente entre o aluno e o meio (MOREIRA,
op. cit.). O trabalho de grupo assume aqui particular realce, não só pelas atitudes de
partilha, de respeito pela diferença, co‑responsabilização, entre outras, mas sobretudo
porque os alunos, em geral, têm uma perceção positiva dos benefícios educacionais que
derivam de trabalhar no campo em grupo (KEMPLA & ORION, 1996). Neste sentido,
é necessário que as atividades propostas no guia de campo impliquem uma interação
e um diálogo constante entre os alunos e o ambiente natural, tendo como estratégia
determinante a discussão intra e inter‑grupos.
A 3ª etapa – pós saída de campo – nem sempre é suficientemente valorizada (PE-
DRINACI et al., 1994) e deve ser planificada e sustentada por atividades e materiais
de síntese. Aqui, retoma‑se a exploração das questões deixadas em aberto, no sentido de
(re)construir o conhecimento acerca da região estudada (MOREIRA, 2005). A refor-
mulação das hipóteses elaboradas, bem como a confrontação das observações realizadas
durante as atividades de campo, tornam possível uma maior conceptualização dos co-
nhecimentos. É que, tanto a apresentação como a discussão coletiva dos resultados das
atividades realizadas conduzem a elementos de aprendizagem muito importantes, tais
como a utilização de técnicas e de recursos de expressão e comunicação, o confronto
das ideias próprias com as de colegas, o enriquecimento e a crítica dessas ideias, entre
outros (CÁRMEN, 1988, citada em PEDRINACI et al., 1994). Nesta fase, deve ocorrer
também a avaliação de todo o processo de aprendizagem. VILASECA & BACH (1993)
defendem a construção de instrumentos específicos para a recolha de informação relativa
à aprendizagem dos conteúdos, nas vertentes conceptual, procedimental e atitudinal
(MOREIRA, 2005).
As atividades desenvolvidas no campo (durante a saída), em articulação com as atividades
98
realizadas na sala de aula /laboratório (antes e depois da saída), devem assumir um papel central
no ensino das Ciências da Terra (REBELO et al., 2011), nomeadamente no ensino da Geologia.
O presente trabalho refere‑se a resultados obtidos no âmbito de uma investigação em
Educação Científica, centrada em atividades práticas de campo, que pretendeu dar res-
posta ao seguinte problema: “Como estimular aprendizagens significativas e relevantes,
acerca de rochas sedimentares detríticas, nomeadamente de argilas?” (DIAS, 2011).

2 – Metodologia da investigação

A metodologia selecionada para esta investigação tem uma natureza essencialmente qua-
litativa, do tipo estudo de caso, em que a recolha de dados contemplou a análise do conteúdo
das respostas dos alunos ao questionário de diagnóstico, às fichas de trabalho e ao questioná-
rio de avaliação, bem como os registos de observação direta e no diário do professor.
No desenvolvimento da intervenção subjacente à presente investigação organizaram‑se
estratégias educativas traduzidas em diversas atividades, orientadas por recursos didáticos es-
pecialmente concebidos e elaborados para o efeito, onde foram contemplados dois con-
textos educativos distintos, mas complementares: contexto formal – com a realização de
diversas atividades na sala de aula/laboratório – e contexto não formal – que envolveu uma
saída de campo à Cerâmica da Carriça, situada na freguesia de Côja, pertencente ao con-
celho de Arganil, o mesmo em que residem os alunos envolvidos na intervenção. Assim,
elaborou‑se um dossiê de apoio às diferentes tarefas (DAT), contendo vários documentos
relacionados com as temáticas seleccionadas (Tabela 1).

Tabela 1 – Atividades incluídas nas fichas de trabalho ( ft) utilizadas na intervenção


e realizadas em grupo, antes, durante e após a saída de campo.

Atividades
ft nº1 Quais as características das rochas sedimentares?
– Realização de trabalho laboratorial.
– Discussão acerca das propriedades das rochas sedimentares.
– Realização de tabelas referentes às propriedades das rochas sedimentares e
sua identificação.
ft nº2 Como elaborar um mapa de conceitos sobre as rochas sedimentares?
– Discussão acerca da classificação das rochas sedimentares, bem como das suas
propriedades.
– Elaboração de um mapa de conceitos: “Rochas Sedimentares”.
Antes da saída ft nº3 Quais os principais recursos geológicos explorados na região onde vives?
de campo – Pesquisa bibliográfica utilizando o DAT e a Internet (página da Cerâmica da
(Sala de aula / Carriça).
Laboratório) – Elaboração de um mapa de conceitos: “Extração de recursos minerais”.
– Discussão sobre os recursos geológicos minerais explorados na região de
Arganil.
Tabela 1 – Continuação
ft nº4 A Qual o comportamento da argila quando exposta a diferentes
condições de temperatura e humidade?
– Realização de trabalho laboratorial.
– Discussão acerca da formação de fendas de dissecação. 99
B Qual a relação entre a disposição das partículas numa argila e a sua
deposição?
– Realização de trabalho laboratorial.
– Discussão acerca da velocidade de deposição das argilas.
– Discussão acerca da relação entre a deposição das argilas e os diferentes
ambientes de deposição.
C Como se manifesta a plasticidade de uma argila?
– Realização de trabalho laboratorial.
– Discussão acerca da relação entre a plasticidade das argilas e a sua
utilização na indústria cerâmica.
D Estará a permeabilidade relacionada com a granulometria das
partículas?
– Realização de trabalho laboratorial.
– Discussão acerca da permeabilidade de diferentes tipos de rochas
sedimentares detríticas desagregadas.
ft nº5 Como elaborar um questionário a administrar ao responsável da Cerâmica
sobre a Pedreira das Fontanheiras e sobre a fábrica da Carriça?
– Discussão acerca das questões a efetuar ao responsável da Cerâmica.
– Formulação de duas questões para cada uma das situações.
No campo ft nº6 Paragem 1 – Barreiro das Fontanheiras
– Orientação da carta topográfica com auxílio da bússola e determinação
da direção do Aeródromo e da vila de Côja.
– Representação esquemática e caracterização do barreiro.
– Recolha, identificação e caracterização de uma amostra de argila.
– Discussão acerca da existência de líquenes, existentes junto à zona de
exploração.
Paragem 2 – Parque de argilas
GUIA DE CAMPO

– Identificação dos tipos de argilas presentes no parque de


matérias-primas.
– Discussão acerca da necessidade de constituir lotes compostos.
Paragem 3 – Fábrica da Cerâmica da Carriça
– Realização das entrevistas.
– Observação e registo fotográfico de aspetos considerados relevantes para
atividades futuras no âmbito da intervenção.
Paragem 4 – Zona Industrial de Côja
– Orientação da carta com auxílio da bússola.
– Identificação das formações presentes e reconhecimentos das respectivas
superfícies de descontinuidade.
– Discussão acerca do sistema deposicional a que se podem associar os
materiais que constituem a Formação de Côja.
Depois da saída ft nº7 Como elaborar um poster?
de campo – Análise e síntese das informações recolhidas nas atividades anteriores.
(Sala de aula / – Concepção e elaboração do poster.
Laboratório) – Apresentação do poster à comunidade.

Foram igualmente elaboradas Fichas de Trabalho (ft), a realizar antes, durante e após
a saída de campo, com uma estrutura análoga: um texto a enquadrar a problemática,
formulação de uma questão/problema, e um conjunto de questões orientadoras de ativida-
des necessárias à formulação de hipóteses com vista à resolução do problema (Tabela 1).
A elaboração das respostas às questões incluídas nas ft pressupunha a análise da-
queles textos, a pesquisa de informações contidas no DAT e na Internet, a realização
100
de atividades práticas, laboratoriais e de campo e a discussão das respostas apresentadas,
quer intragrupo quer em plenário.
Para a realização das atividades no campo foram definidas 4 paragens: 1ª paragem
– Barreiro das Fontanheiras; 2ª paragem – Parque de argilas; 3ª paragem – Fábrica da
Cerâmica da Carriça; 4ª paragem – Zona Industrial de Côja (DIAS, 2011). De acordo
com REBELO et al. (2011), quando a saída é programada para uma manhã, o número
de paragens não deve ser superior a 4 e, em nenhum dos casos, o tempo previsto para a
realização das atividades, em cada paragem, deve ser superior a 45 minutos; a sequên-
cia das paragens deve ter em conta as características dos espaços a visitar, os objetivos
da saída e o que se pretende estudar. A Fig. 1, que representa as paragens incluídas
na saída de campo, reflete a sequência daquelas, que exprime, por um lado, processos
e procedimentos de extração e transformação da argila de Côja – de exploração da
matéria‑prima (P1), de armazenamento (P 2) e de transformação (P3) –, e por outro,
as condições em que aquela unidade aflora, em local onde não é objeto de interesse
económico, e que permite compreender as relações estratigráficas com as unidades
encaixantes (P4).

P1 P2 P3 P4

Fig. 1 – Sequência das paragens efetuadas na saída de campo (retirado de DIAS, 2011).

3 – Resultados

A totalidade dos alunos considerou vantajosa a realização deste tipo de ativida-


des em alternativa às aulas tradicionais, apontando razões como: “São mais atrativas.”,
“Aprende‑se melhor sobre as várias matérias.”; “Sentimo‑nos mais motivados.”; “Adquirimos
melhor os conhecimentos.”; “A relação entre a teoria e a prática ajuda a compreender os
conceitos estudados.”.
Além disso, a maioria dos alunos (57%) considerou a saída de campo como a ati-
vidade mais interessante de todas as que foram realizadas, antes e depois daquela, no
âmbito da intervenção (Fig. 2), apresentando como principais razões para a sua escolha:
“Porque foi uma atividade diferente onde contactámos com os conceitos que tinhamos que
aprender.”; “Pudemos ver todas as informações fornecidas nas atividades realizadas ante‑
riormente.”; “Percebi como são fabricadas as telhas da nossa casa.”; “Houve interação entre
a matéria, o seu estudo e o meio em que vivemos.”; “É mais interessante trabalhar fora da
sala de aula.”.
101

Fig. 2 – Resultados da análise das respostas dos alunos referentes à atividade considerada
mais interessante no âmbito da intervenção (retirado de DIAS, 2011).

Do conjunto das atividades desenvolvidas antes da saída de campo, a realização das


atividades laboratoriais foi aquela que os alunos afirmaram ter gostado mais (Fig. 3).

Atividades desenvolvidas antes da saída de campo

Pesquisa de informação nos documentos e na internet

Realização das atividades laboratoriais

Elaboração das respostas

Discussão das respostas em plenário

Fig. 3 – Resultados da análise das respostas às questões relativas às opiniões dos alunos sobre as
atividades realizadas antes da saída de campo, no âmbito da intervenção (retirado de DIAS, 2011).

Relativamente às diferentes tarefas por eles realizadas durante a saída de campo,


verifica‑se que a grande maioria dos alunos afirma ter apreciado utilizar os materiais
que os geólogos normalmente utilizam no campo (como a bússola e a lupa), observar e
representar parâmetros geológicos, identificar rochas e suas propriedades – como, por
exemplo, determinar a granulometria dos sedimentos –, e discutir as atividades no
próprio grupo. A tarefa menos apreciada foi a elaboração das respostas a incluir no Guia
de Campo (Fig. 4).
Atividades desenvolvidas durante a saída de campo

Realização das atividades de campo

102 Realização da entrevista

Elaboração das respostas

Discussão das respostas em plenário

Fig. 4 – Resultados da análise das respostas às questões relativas às opiniões dos alunos sobre as atividades
realizadas durante a saída de campo, no âmbito da intervenção (retirado de DIAS, 2011).

Em relação às atividades que se seguiram à saída de campo, a maioria dos inquiridos


afirmou ter gostado de realizar as atividades relacionadas com o trabalho final, que
consistia na elaboração de um poster (Fig. 5).

Atividades desenvolvidas depois da saída de campo

Recolha e organização das informações


para a elaboração do poster
Elaboração do poster

Execução do poster

Apresentação do poster

Fig. 5 – Resultados da análise das respostas às questões relativas às opiniões dos alunos sobre as atividades
realizadas após a saída de campo, no âmbito da intervenção (retirado de DIAS, 2011).

Salienta‑se que, da conceção do poster até à sua apresentação à comunidade escolar,


há um conjunto de tarefas que têm que ser pensadas e desenvolvidas, as quais foram
categorizadas de forma diferente, sendo que a recolha e organização das informações foi
a atividade que obteve menos opiniões “gostei muito”.

4 – Considerações finais

Os resultados obtidos com este estudo mostram que as atividades centradas em pro-
blemáticas atuais e em contextos do quotidiano dos alunos, que os ajudam a estabelecer
relações entre os assuntos abordados na aula e no decorrer da saída de campo, parecem ser
as que mais lhes agradaram. Tal parece confirmar que, sendo a Geologia uma disciplina
inerentemente “outdoor”, sempre que possível, deverá contemplar a realização de atividades
de campo, de modo a tornar mais fácil e mais objetivo o ensino/aprendizagem na ótica
do ensino CTS (VELHO & MOTA, 2010). Também a forma entusiasmada como as
atividades propostas foram desenvolvidas e a atitude empenhada na sua realização, por
parte de todos os grupos, parece confirmar a importância das atividades “outdoor” como
103
potenciadoras de uma educação adequada às atuais orientações curriculares. As atividades
“outdoor” constituem uma forma enriquecedora de promover aprendizagens significa-
tivas e relevantes em ambiente não formal e formal, para além de auxiliarem o aluno
na construção de conhecimento científico (SALVADOR & VASCONCELOS, 2003).
Neste caso, as atividades parecem ter sido estimulantes e motivadoras de aprendizagens
nos alunos, e ter contribuído para uma melhoria na construção de conhecimento cientí-
fico do âmbito das Geociências e no desenvolvimento de atitudes e valores fundamentais
de forma a prepará‑los para desempenharem um papel ativo e construtivo na sociedade.
A investigação cujos resultados agora se apresentam reporta‑se a um estudo de caso e
tais resultados não podem generalizar‑se a outros alunos, turmas ou escolas. Contudo, as
estratégias utilizadas na intervenção subjacente à presente investigação podem e devem ser
usadas noutros contextos educativos, nomeadamente naqueles que vigoram em outros
Estados‑membros da CPLP, em que a exploração dos recursos geológicos configura uma
atividade económica importante. Enquanto estratégias promotoras de cidadania ativa
e participativa, tais estratégias revelam‑se cruciais na promoção de Educação para o Desen-
volvimento Sustentável (EDS), independentemente da organização curricular de cada país,
até porque a EDS “is not a particular programme or project, but is rather an umbrella for
many forms of education that already exist, and new ones that remain to be created. ESD
promotes efforts to rethink educational programmes and systems (both methods and
contents) that currently support unsustainable societies” (UNESCO, 2012).

Referências Bibliográficas

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tualização. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 290 p.
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Universidade de Coimbra, 126 p. (não publicado).
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VILASECA, A. & BACH, J. (1993) – Podemos evaluar el trabajo de campo? Enseñanza de las Ciencias de la
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10
ATIVIDADES PRÁTICAS PARA O ENSINO DA ESTABILIDADE
DE TALUDES COM BASE EM CASOS REAIS

TEACHING SLOPE STABILITY THROUGH PRACTICAL


ACTIVITIES BASED ON CASE STUDIES

A. Rola1, M. Quinta‑Ferreira 2 & C. Gomes1

Resumo – Neste estudo foram planeados, elaborados e validados materiais didá-


ticos para o ensino CTS‑A, a partir de um caso descrito na literatura – o deslizamento na
Av. Elísio de Moura, ocorrido em Coimbra, no dia 27 de dezembro de 2000. A temática
enquadra‑se no programa de Biologia e Geologia do 11º ano, no tema Riscos Naturais e
Problemas de Ocupação Antrópica (zonas de vertente). Os materiais didáticos foram im-
plementados a 21 alunos, 9 raparigas e 12 rapazes, com idades entre os 16 e os 18 anos, do
11º ano de Biologia e Geologia, de uma escola do concelho de Viseu, que preencheram um
questionário, na aula seguinte à da aplicação dos materiais. Este questionário era composto
por 8 questões de resposta fechada, numa escala de 1 a 5, e por uma questão de resposta
aberta, onde se pedia a apresentação de sugestões, críticas ou opiniões. Foi também reali-
zada uma entrevista semiestruturada a 3 professores. Os alunos consideraram as atividades
práticas pouco complexas e importantes para a compreensão da problemática dos riscos
naturais associados às zonas de vertentes. Estes resultados estão em concordância com a
perceção manifestada pelos professores.

Palavras‑chave – Educação CTS‑A; Geociências; Materiais didáticos; Zonas de vertente

Abstract – In this study we have planned, prepared and validated teaching materi‑
als for STS‑E, based on a case study described in the literature – the Elísio de Moura
Avenue earth flow, occurred in Coimbra, on December 27, 2000. This subject belongs to

1
CGUC, Departamento de Ciências da Terra, Universidade de Coimbra, 3000‑272 Coimbra, Portugal;
[email protected]; [email protected]
2
Departamento de Ciências da Terra, Centro de Geociências, Universidade de Coimbra, 3000‑272
Coimbra, Portugal; [email protected]
the theme Natural Hazards and Problems of Anthropogenic Occupation (slope areas), in the
11th grade of the Biology and Geology programme. These materials were evaluated by 21 students,
9 girls and 12 boys, aged between 16 and 18, attending 11th grade Biology and Geology
classes, in a school in the municipality of Viseu. They completed a questionnaire in class, after
106
the implementation of the didactic materials. This questionnaire had 8 closed‑ended ques‑
tions with a scale of 1 to 5 and an open‑ended question requiring suggestions, comments or
opinions. We also carried out a structured interview with 3 teachers. The students considered
the practical activities important for the understanding of natural hazards associated with
slope zones. The teachers expressed a similar opinion.

Keywords – Geosciences; Slope zone; STS‑E Education; Teaching materials

1 – Introdução

Nos últimos anos tem‑se acentuado a importância de um ensino das ciências voltado
para a compreensão das relações entre a ciência, a tecnologia, a sociedade e o ambiente,
perspetiva CTS‑A. A integração desta perspetiva depende não só da organização dos
programas, mas também da construção de materiais didáticos que enfatizem aquelas re-
lações, a partir de problemas pertinentes para a sociedade. Como escreveu CANAVAR-
RO (1999, p. 134) “…a abordagem STS [Science, Tecnology and Society] procura criar
um contexto real e com significado para que a aprendizagem possa ocorrer, almeja que
os alunos aprendam ciência num contexto de experiências reais, ligadas ao mundo desses
alunos. A criação do contexto real e com significado permitirá aos alunos aplicar o que
aprendem, agir sobre o mundo e sobre as suas aprendizagens”. No entanto, a perspetiva
CTS‑A no ensino português está ainda muito dependente dos recursos didáticos ofereci-
dos pelos manuais escolares (MARTINS, 2002).
Neste estudo foram planeados, elaborados e validados materiais didáticos para o en-
sino CTS‑A, a partir de um caso real descrito na literatura – o deslizamento na Av.
Elísio de Moura, em Coimbra. Este tema está enquadrado na temática dos Riscos Natu-
rais e Problemas de Ocupação Antrópica (zonas de vertente), da disciplina de Biologia e
Geologia do 11º ano (AMADOR et al., 2002).

2 – Enquadramento Do Caso

A morfologia inicial da vertente foi alterada, no início da década de 80, quando os


materiais escavados nas fundações dos prédios em construção na Av. Elísio de Moura
foram depositados no topo da vertente (Fig. 1). Na construção deste aterro não foram
tomadas as precauções devidas, como a decapagem do coberto vegetal, a compactação
mecânica dos materiais e a drenagem das águas pluviais e de infiltração. Passados vá-
rios anos, o aterro começou a dar sinais de instabilização e, em 1998, após um estudo
geotécnico solicitado pelos moradores das vivendas da rua António Jardim, foi efetua-
da a estabilização dos logradouros e dos acessos às vivendas (Fig. 2). Foram colocadas
33 estacas moldadas, com 80 cm de diâmetro, espaçadas de 1,5 m, ligadas por uma viga
com 16 ancoragens de 600 kN, inclinadas a 45º e a 3 m de distância umas das outras.
Os logradouros foram impermeabilizados e as águas superficiais coletadas e canaliza-
das. A 27 de dezembro de 2000, após várias semanas de precipitação elevada, ocorreu o
107
deslizamento de terras que destruiu 27 garagens, 31 viaturas, 3 pilares e dois andares de
um edifício da Avenida Elísio de Moura. A estabilização, efetuada em 1998, impediu
a destruição das vivendas da Rua António Jardim (LOURENÇO & LEMOS, 2001;
QUINTA‑FERREIRA et al., 2002).

Fig. 1 – Localização do local do deslizamento, Avenida Elísio de Moura,


Coimbra, Portugal (Google Maps).

Fig. 2 – Perfil do terreno após a estabilização dos logradouros e dos acessos às vivendas.
Na figura observa‑se ainda o local onde ocorreu a instabilização que provocou o
deslizamento de 27 de dezembro de 2000 (adaptado de LOURENÇO
& LEMOS, 2001; QUINTA‑FERREIRA et al., 2002).
3 – Metodologia

3.1 – Construção dos materiais didáticos

108 Com base em dados obtidos em artigos científicos sobre o deslizamento (LOUREN-
ÇO & LEMOS, 2001; QUINTA‑FERREIRA et al., 2002; LEMOS & QUINTA‑FER-
REIRA, 2004; QUINTA‑FERREIRA & PEREIRA, 2005; QUINTA‑FERREIRA, 2007)
foi elaborada uma ficha de trabalho intitulada “Estudo de caso: deslizamento na avenida
Elísio de Moura, em Coimbra”, com atividades práticas de papel e lápis, em duas versões,
uma para o aluno e a outra para o professor. Na Fig. 3 são apresentadas duas atividades da
versão do aluno. Com estas atividades pretendia‑se que os alunos atingissem os seguin-
tes objetivos: a) realizar um estudo de caso sobre um acontecimento real; b) compreender
que os movimentos em massa resultam da convergência de fatores naturais, potenciados
pela ação antrópica; c) reconhecer a importância da Geologia na implementação de me-
didas de prevenção/remediação, na identificação de potenciais riscos e no ordenamento
do território; d) assumir novas atitudes face à Geologia. Foram também elaboradas duas
animações, uma sobre os efeitos do deslizamento, outra com a evolução do perfil do
terreno onde ocorreu a instabilidade, desde o início da década de 80, do século xx, até o
momento em que ocorreu o deslizamento, de modo a possibilitar uma melhor compre-
ensão dos processos geológicos em estudo. A versão do professor continha os objetivos da
atividade, uma proposta de correção, um glossário de termos científicos e técnicos e duas
listas de referências (bibliografia consultada e proposta de consulta).

3.2 – Amostra e instrumentos

Os materiais didáticos foram validados com 21 alunos, 9 raparigas e 12 rapazes, com


idades entre os 16 e os 18 anos, do 11º ano de Biologia e Geologia, de uma escola do con-
celho de Viseu, que preencheram o Questionário para Avaliação de Materiais Didáticos
(para o Tema Ocupação Antrópica e Problemas de Ordenamento – zonas de verten-
te) [QAMD], na aula seguinte à da aplicação dos materiais. O QAMD era composto
por questões de resposta fechada, numa escala de 1 a 5, e por uma questão de resposta
aberta, onde se pedia a apresentação de sugestões, críticas ou opiniões. Foi ainda realiza-
da uma entrevista semiestruturada a 3 professores de Biologia e Geologia que estavam a
lecionar o 11º ano.

4 – Análise dos resultados

Para analisar os dados foram efetuados cálculos de estatística descritiva e análise das
respostas dos alunos à questão aberta, bem como das respostas dos professores. Para estas
últimas foi efetuada uma análise de conteúdo (BARDIN, 2008). As categorias definidas
são independentes, exclusivas e exaustivas. A tabela 1 apresenta os valores da média e
do desvio‑padrão obtidos para cada questão do QAMD apresentado aos alunos. Relati-
vamente à questão aberta, apenas 5 alunos apresentaram opiniões, críticas ou sugestões
(tabela 2). A tabela 3 apresenta as respostas dos professores à entrevista semiestruturada.
109

Fig. 3 – Exemplo de duas atividades para o tema ocupação antrópica


e problemas de ordenamento (zonas de vertente) – versão do aluno.
Tabela 1 – Avaliação dos materiais didáticos pelos alunos.
Valor da média e do desvio padrão (DP) para cada uma das questões do QAMD.

Questões Média ± DP
110 1. Complexidade da ficha de trabalho 2,62±0,84
2. Complexidade das figuras 2,19±0,96
3. Complexidade dos textos 2,57±0,66
4. Complexidade das questões 2,48±0,66
5. Importância do vídeo sobre o deslizamento para a compreensão do tema 4,24±0,75
6. Importância da animação para a compreensão do tema 4,38±0,65
7. Importância do estudo de caso para a compreensão do tema 4,19±0,79
8. Contributo para a compreensão da importância da Geologia na Sociedade 4,24±0,61

Tabela 2 – Unidades de registo obtidas a partir da análise das respostas à questão aberta
(sugestões, críticas ou opiniões).

Apreciações e Sugestões dos Alunos


Apreciações
“O vídeo foi bastante importante para melhor perceber o caso em estudo (…)”
“(…) o trabalho apresentado serviu para percebermos melhor o estudo das vertentes(…)”
“O vídeo foi bastante elucidativo e importante para a compreensão do tema.”
“(…) havia dois textos a dizer a mesma coisa, se bem que ajuda a entender melhor a situação.”

Sugestões
“(…) acho que deveriam ter sido colocadas mais imagens do local antes do incidente e do local
atualmente.”
“Os textos deveriam ser menos extensos.”

Tabela 3 – Unidades de registo obtidas a partir da análise de algumas das respostas dos professores.

Apreciações e Sugestões dos Professores


Apreciações
“Gostei muito dos materiais produzidos.”
“Este tipo de materiais é bastante útil, já que o programa sugere a abordagem de um estudo de caso.”
“O estudo destes problemas possibilita a integração das aprendizagens em contexto de sala de aula.
“Promove a discussão da problemática CTS‑A”.
“Sensibiliza para os riscos geológicos”.

Sugestões
“Incluir na ficha do aluno o glossário e os objetivos da atividade.”
“Nos materiais audiovisuais poderiam ser apresentadas figuras/imagens relativas ao local, anteriores
aos deslizamentos.”
“Incluir outros exemplos de deslizamentos na cidade de Coimbra e arredores.”

Relativamente à complexidade das atividades práticas, estas foram consideradas pouco


complexas (questões 1 a 4). As figuras (M=2,19; DP=0,96) e as questões (M=2,48;
DP=0,66) foram os aspetos das atividades considerados como os menos complexos.
A ficha de trabalho, na totalidade (M=2,62; DP=0,84), e os textos (M=2,57; DP=0,66)
foram os aspetos considerados mais complexos. Estes resultados estão em sincronia com
as apreciações e sugestões manifestadas por dois alunos (tabela 2).
O estudo de caso apresenta três textos, adaptados da bibliografia, que descrevem a
111
geologia do local, as alterações ao perfil do terreno, os fatores condicionantes e os fato-
res instabilizadores do deslizamento. Contudo, a linguagem científica poderá ter sido
um obstáculo à interpretação dos textos. Esta dificuldade de utilização da linguagem
científica, identificada também num outro estudo com alunos portugueses do 10º ano
(ROLA et al., 2012), poderá ser superada com a introdução do glossário na versão
do aluno.
No que respeita à animação e ao vídeo, os alunos consideram‑nos importantes para
uma melhor compreensão do tema, talvez porque constituem representações pictóricas
relevantes para o entendimento da dimensão do deslizamento (M=4,38; DP=0,65 e
M=4,24; DP=0,75, respetivamente). Os alunos consideraram ainda que “(…) o traba-
lho apresentado [estudo de caso] serviu para percebermos melhor o estudo das vertentes
(…)” (tabela 2), integrado no tema Riscos Naturais e Problemas de Ocupação Antrópica
(M=4,19; DP=0,79) e facilitou a compreensão do papel da Geologia no ordenamento do
território e na avaliação do risco geológico (M=4,24; DP=0,61). Estes resultados estão
em concordância com a perceção manifestada pelos professores (tabela 3).

5 – Considerações finais

A recetividade aos materiais foi boa. A análise do QAMD revelou que os alunos
consideraram as atividades práticas importantes para a compreensão da problemática
das zonas de vertente, no contexto dos riscos naturais e dos problemas da ocupação
antrópica das zonas de risco. Consideraram ainda que a ficha de trabalho é pouco
complexa. Sobressai, no entanto, alguma complexidade dos textos utilizados, provavel-
mente relacionada com a compreensão da linguagem científica. Para minimizar esta
situação, será introduzido, na versão do aluno, um glossário de termos científicos e
técnicos. Também as animações serão aperfeiçoadas com mais imagens do local afetado
pelo deslizamento.
O estudo de situações‑problema concretas possibilita integração das aprendizagens
construídas em sala de aula, promove momentos de discussão das relações entre a Geo-
logia, a geotecnia, a sociedade e o ambiente e sensibiliza para os riscos geológicos e para
o ordenamento do território. Em conclusão, os materiais apresentados neste trabalho
constituem uma proposta válida para o ensino da estabilidade de taludes no tema Riscos
Naturais e Problemas de Ocupação Antrópica (zonas de vertente). Como limitação deste
estudo, existe o facto de apenas cinco alunos terem respondido à questão aberta. Estes
e outros materiais, em construção, serão implementados a uma amostra mais alargada.
A entrevista também será efetuada a um número maior de professores.

Agradecimentos – Aos professores e alunos que participaram no processo de vali-


dação dos materiais didáticos. O CGUC e o Centro de Geociências são financiados por
Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Referências Bibliográficas

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Componente de Geologia. 11.º Ano. Curso Científico‑Humanístico de Ciências e Tecnologias. Ministério
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BARDIN, L. (2008) – Análise de conteúdo. Lisboa, Edições 70.
CANAVARRO, J. M. (1999) – Ciência e Sociedade. Quarteto Editora, Coimbra.
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2012.10.29).
11
AS PEDREIRAS COMO RECURSOS EDUCATIVOS
– A PEDREIRA BRITALDOS (PENELA, PORTUGAL)

QUARRIES AS EDUCATIONAL RESOURCES


– THE BRITALTOS QUARRY (PENELA, PORTUGAL)

F. Filipe1 & M. H. Henriques2

Resumo – Neste trabalho apresentam‑se a fundamentação teórica e a metodologia ado-


tada na conceção e planificação de uma intervenção educativa concebida para alunos do
10º ano da disciplina de Biologia e Geologia, do ensino secundário português, centrada
na unidade didática “A Terra, um planeta muito especial”.
Enquadrada numa investigação em educação científica – que pretendeu dar resposta
à seguinte questão: “Como estimular aprendizagens significativas e relevantes acerca de
exploração sustentável de recursos geológicos, nomeadamente de calcário?” –, a intervenção
foi implementada no ano letivo de 2010/2011, com alunos da turma A do 10º ano da
Escola Secundária de Figueiró dos Vinhos, e envolveu trabalho prático de campo, em
pequenos grupos, no âmbito de uma visita de estudo a uma pedreira de calcário desativada,
localizada no concelho de Penela (Portugal central) – a Pedreira Britaldos.
Os resultados da investigação enquadradora desta intervenção permitem reforçar a
ideia de que as pedreiras desativadas podem constituir recursos educativos de grande
valor na promoção de educação para desenvolvimento sustentável, mobilizando conhe-
cimentos inerentes às geociências. Assim, as estratégias seguidas e os recursos construídos
para a intervenção realizada poderão inspirar outras intervenções noutras turmas e
escolas, situadas nas proximidades de pedreiras, realidade cada vez mais presente no
quotidiano dos alunos, e relativamente à qual se considera necessária a adoção de atitudes
e comportamentos individuais e coletivos consentâneos com uma gestão sustentável dos
recursos geológicos.

1
Escola Secundária de Figueiró dos Vinhos, Rua Madre de Deus, 3260‑426 Figueiró dos Vinhos e Centro
de Geociências da Universidade de Coimbra, 3000‑272 Coimbra, Portugal; [email protected]
2
Dep. Ciências da Terra e Centro de Geociências, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de
Coimbra, 3000‑272 Coimbra, Portugal; [email protected]
Palavras‑chave – Educação para Desenvolvimentos Sustentável; Gestão Sustentável de
Recursos Geológicos; Ensino de Geologia; Estratégias e Recursos Educativos; Pedreiras

Abstract – In this work, we present the theoretical framework and the methodology used
114
for the conception and planning of an educational project designed for students in the discipline
of Biology and Geology in the 10th year of secondary education in Portugal, focussed upon the
teaching unit – ‘Earth, a very special planet’.
The research was framed within a science education project which endeavours to answer
the following question – How to stimulate meaningful and relevant learning about sustainable
exploitation of geological resources, in particular, limestones?
The project was carried out during the academic year 2010/2011, involving students of
the 10th year at the secondary school of Figueiro dos Vinhos, and using practical fieldwork, in
small groups, during a field trip to an abandoned limestone quarry – the Britaltos Quarry
which is situated in the district of Penela (central Portugal).
Research results of this intervention reinforce the view that quarries can represent educatio‑
nal resources of great value in promoting education for sustainable development, generating
relevant knowledge on Geosciences. Thus, the strategies and resources developed for this specific
project should inspire other initiatives for other classes and schools located near to quarries,
a reality more and more present in daily life of students, and for which it is considered
necessary to adopt individual and collective attitudes and behaviors consistent with sustainable
management of the geological resources.

Keywords – Education for Sustainable Development; Sustainable Management of Geo‑


logical Resources; Education in Geology; Educational Strategies and Resources; Quarries

1 – Introdução

De algumas décadas a esta parte, tem‑se registado uma crescente preocupação


no que respeita às consequências decorrentes da interferência nefasta das atividades
humanas na perturbação dos equilíbrios naturais da Terra, manifestada através da
promoção de iniciativas que visam colocar tais preocupações nas agendas políticas
a nível global. Nesse contexto, as Nações Unidas promovem a Década da Educação
para o Desenvolvimento Sustentável (2005‑2014), que visa a incorporação de valores
de sustentabilidade em todos os sistemas educativos, no pressuposto de que a atual
situação de emergência planetária requer mudanças de comportamentos, que só uma
educação com perspetivas de desenvolvimento sustentável é capaz de estimular.
Educar para promover desenvolvimento sustentável implica uma “articulação de
políticas e reorientação da educação para estimular exercícios informados, fundamenta-
dos, coerentes e responsáveis de cidadania” (PEDROSA & LEITE, 2006, p. 473). Deste
modo, a educação para a sustentabilidade deve ser encarada como um novo paradig-
ma educativo, que aponta para a educação permanente, orientada para uma cidadania
responsável, assente em competências criativas de resolução de problemas, em literacia
científico‑tecnológica e social e num forte compromisso de envolvimento em ações
responsáveis que ajudem a compatibilizar a preservação do ambiente com um presente e
um futuro economicamente prósperos para todos (FREITAS, 2000), o que implica que
os currículos de ciências não podem continuar a apresentar‑se como meras sequências de
factos a reter, corpos de conhecimentos objetivos, descontextualizados e independentes
de valores (PEDROSA & HENRIQUES, 2003).
Atendendo à influência crescente das Ciências e da Tecnologia na configuração das
115
condições de vida da humanidade, a educação em ciências representa, hoje, um papel
fundamental para a promoção, quer de uma melhor qualidade de vida (MARTINS &
VEIGA, 1999), quer de boas práticas ambientais (TORO, 2011). Para PÓVOAS et al.,
(1995), a Geologia pode contribuir para uma melhor compreensão do lugar do Homem
na natureza e representa um domínio do conhecimento com um importante papel na
consciencialização das pessoas para a mitigação de problemas ambientais com relevân-
cia social, como aqueles que se prendem com a utilização e gestão de recursos minerais,
hídricos, edáficos e energéticos, o ordenamento do território, o armazenamento de re-
síduos, a sismicidade, o vulcanismo, as inundações e a contaminação ambiental, para
além de introduzir e desenvolver no aluno um pensamento mais sintético e articulado
do meio que o rodeia (COMPIANI, 2011).
Neste contexto, e no âmbito da necessidade de promover educação para desen-
volvimento sustentável mobilizando conhecimento inerente às geociências, optou‑se,
no presente estudo, por apresentar os fundamentos teóricos e a metodologia adotada
numa investigação em educação científica que envolveu a conceção, a planificação,
a implementação e a avaliação de uma intervenção educativa destinada a alunos do
10º ano de escolaridade, em que se articularam propósitos subjacentes ao Ano Interna-
cional do Planeta Terra, à Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável e
às Orientações Curriculares daquele nível de escolaridade, tendo em conta a necessidade
de uma intervenção precoce na população escolar portuguesa, uma vez que a com-
preensão de conceitos, explicações científicas importantes e atividades que implicam
uma atitude crítica e uma abordagem reflexiva das ciências, foram competências não
evidenciadas nos alunos segundo os dados obtidos no relatório PISA (2006).
As Orientações Curriculares destacam a necessidade de se potenciarem atividades de
indagação e pequenas investigações, utilizando, preferencialmente, estratégias que incluam
trabalho prático de campo e trabalho cooperativo, que favoreçam a explicitação das
conceções prévias dos alunos, a formulação e confrontação de hipóteses, a eventual pla-
nificação e realização de atividades laboratoriais e respetivo registo de dados, atribuindo
uma especial ênfase à introdução de novos conceitos e à sua integração e estruturação
nas representações mentais dos alunos (DEB, 2000).
É ainda o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (2001, p.21) que preconiza a ideia que
“Numa sociedade em que a Ciência e a Tecnologia se vêm tornando preponderantes, parti-
cularmente no domínio das Ciências Experimentais, coloca‑se mais que nunca o problema
de como selecionar conhecimentos de acordo com a sua efectiva utilidade no futuro”.
Neste contexto, no presente trabalho descrevem‑se os fundamentos teóricos e a
metodologia adotada numa investigação em educação científica que envolveu a conce-
ção, planificação, implementação e avaliação de uma intervenção educativa no âmbito
da disciplina de Biologia e Geologia, do 10º ano de escolaridade, centrada no subtema
3 – A Terra, um planeta único a proteger – do Tema II – A Terra, um planeta muito
especial –, e que pretendeu dar reposta à seguinte questão “Como estimular aprendizagens
significativas e relevantes acerca de exploração sustentável de recursos geológicos, nomeadamente
de calcário?” (FILIPE, 2011).
Pretendeu‑se, com a investigação realizada, alcançar os seguintes objetivos:
• Diagnosticar perceções dos alunos acerca de paisagens antropizadas;
• Diagnosticar perceções de locais na região que refletem impactos ambientais;
116
• Diagnosticar conhecimentos dos alunos acerca de recursos geológicos e suas
ocorrências na região em que vivem;
• Diagnosticar conhecimentos acerca dos contextos legais que regulam a in-
dústria extrativa, em particular as pedreiras;
• Desenvolver, nos alunos, diversas competências e capacidades através da
realização das atividades propostas;
• Estimular os alunos a procurar informação pertinente para a conceção de
propostas de recuperação da Pedreira Britaltos e a discuti‑las entre si;
• Contribuir para que os alunos compreendam a urgência da elaboração de
propostas fundamentadas de recuperação de pedreiras – no caso, da Pedreira
Britaltos – e a discuti‑las entre si, promovendo uma mudança de atitudes no seu
dia‑a‑dia, no sentido de uma melhor participação enquanto cidadãos responsáveis
e intervenientes;
• Desenvolver o pensamento crítico e reflexivo acerca do trabalho desenvolvido.

2 – Conceção e planificação da intervenção

A intervenção foi concebida tendo em vista a realização de atividades den-


tro e fora de escola envolvendo trabalho prático laboratorial e de campo, em
pequenos grupos, no âmbito de uma visita de estudo a uma pedreira desativa-
da – no caso, recorreu‑se à Pedreira Britaltos, localizada no concelho de Penela
(Portugal central).
Na conceção da intervenção, procurou‑se incorporar algumas abordagens de
problemáticas aplicáveis à vida atual e futura dos alunos, enquadradas por contex-
tos relevantes e adequados ao seu desenvolvimento cognitivo e maturidade social
(MEMBIELA, 2001). Deste modo, selecionaram‑se diversas atividades que permiti-
ram aos alunos analisar documentos, elaborar sínteses, responder a questões, resolver
exercícios, discutir pontos de vista, realizar trabalho laboratorial e de campo, emitir
opiniões e propostas tornando exequível a implementação da intervenção, a qual
decorreu em três fases: 1ª fase – escola (sala de aula e laboratório), 2ª fase – saída de
campo, 3ª fase – escola (sala de aula). Todas estas tarefas foram realizadas em pequeno
grupo, à exceção dos questionários, que foram administrados individualmente.
Organizaram‑se informações sobre o local a visitar – Pedreira Britaltos – e prepara-
ram‑se diferentes instrumentos de avaliação e recursos a implementar nas diferentes fases
da intervenção: questionário de diagnóstico, recursos a utilizar na saída de campo –
imagens alusivas à pedreira, dossiês, fichas de trabalho, documentos de apoio ao trabalho
(DAT) – e questionário de avaliação.
Tabela 1 – Planificação das atividades desenvolvidas na 1ª fase (Escola – sala de aula /laboratório).

Atividades da 1ª Fase Recursos Duração

117
individual
Trabalho

– Apresentação da intervenção
45
– Administração do questionário de Questionário de Diagnóstico
minutos
diagnóstico

– Realização das atividades propostas


na Ficha de Trabalho nº 1 Ficha de Trabalho nº 1
45
Local – sala de aula e/ou laboratório

– Identificação macroscópica de Material de laboratório, amostras


minutos
rochas com base nas suas propriedades de rochas
Estratégia / metodologia – Trabalho cooperativo

químicas e físicas

– Realização das atividades propostas Ficha de Trabalho nº 2


na Ficha de Trabalho nº 2 DAT I – Organizando as 45
– O que são e para que servem os ideias: Recursos naturais e suas minutos
recursos minerais? utilizações

– Realização das atividades propostas Ficha de Trabalho nº 3


na Ficha de Trabalho nº 3 DAT II – De que modo pode o 90
– Quais são e como se exploram os Homem interferir nos subsistemas minutos
recursos geológicos em Portugal? de uma forma sustentada?

– Realização das atividades propostas


Ficha de Trabalho nº 4
na Ficha de Trabalho nº 4 90
DAT III – Como me oriento no
– Como me oriento no espaço? minutos
campo?
Preparação para a aula de campo

– Apresentação em PowerPoint® – 45
Documento em PowerPoint® minutos
Preparação para a aula de campo

2.1 – Atividades anteriores à saída de campo

Apesar de se poder afirmar que, no âmbito de uma intervenção contemplando uma


saída de campo, a viagem, propriamente dita, é a fase mais “nobre” do trabalho de
campo (ORION, 1993), a consecução dos objetivos definidos para aquele dependem, em
larga medida, dos conhecimentos que os alunos já possuem, da sua familiaridade com
a área estudada e até das estratégias utilizadas nas aulas de exterior que os alunos já
anteriormente experimentaram.
Assim, a intervenção iniciou‑se com a administração de um questionário de diag-
nóstico (QD), no qual foram diagnosticadas as diferentes conceções e ideias dos alunos
acerca de conhecimento substantivo do âmbito da Geologia, considerado pertinente para
a implementação da intervenção e acerca de competências, relacionados com o tema em
estudo, consideradas necessárias para a realização das tarefas previstas. Da análise dos
conteúdos das respostas ao QD identificaram‑se várias dificuldades cognitivas e proce-
dimentais nos alunos inquiridos, que orientaram a conceção das atividades, bem como a
elaboração dos recursos – Fichas de trabalho; três dossiês, um para cada pequeno grupo
(Pg), nos quais constavam documentos de apoio ao trabalho, assim como bibliografia
adicional – que constam da Tabela 1.
O conjunto de atividades desenvolvidas na unidade pré‑viagem permitiu, na ótica da
investigadora/professora e primeira autora deste estudo, para além da construção de um
quadro concetual adequado nos alunos, treinar destrezas que lhes foram úteis no cam-
po durante o desenvolvimento das atividades propostas na Ficha de Trabalho nº5. Isto
118
porque, a par do manuseamento de materiais facilitadores de aprendizagem de conceitos
e de ideias, os alunos experimentaram uma série de procedimentos capazes de exercitar
competências necessárias à realização das tarefas previstas para a 2ª fase (saída de campo),
ou seja, necessárias à observação, à identificação e à interpretação dos processos, fenó-
menos e estruturas geológicas, indo ao encontro da promoção, nos alunos, de atitudes
adequadas do ponto de vista cognitivo, geográfico e psicológico (ORION, 1993).
Para reduzir o “espaço‑novidade” (ORION, 1993), toda a informação relativa à
saída de campo deve ser disponibilizada na aula imediatamente anterior à saída. Para
tal, no âmbito da intervenção, foi exibida aos alunos uma apresentação em PowerPoint®,
onde eram referidos os objetivos da saída e enumerado o material que era necessário
levar para o campo, e onde eram descritos aspetos relevantes do local selecionado, tais
como localização geográfica e caracterização geológica da região, bem como as atividades
a desenvolver.

2.2 – Atividades durante a saída de campo

A professora deslocou‑se previamente ao local a visitar, de modo a definir as paragens


e tarefas a conceber e planificar para a saída de campo, e que constam da Ficha de Tra-
balho nº 5 – Aula de Campo. A sequência das paragens previstas para esta intervenção
obedeceu ao esquema presente na Fig. 1. Em cada paragem, todos os alunos realizaram
uma atividade específica, em consonância com os objetivos (conceptuais, procedimentais
e atitudinais) que se pretendiam atingir (REBELO et al., 2011).

P1 P2 P3 P4

Fig. 1 – Organização das paragens (adaptado de Rebelo et al., 2011).

A sequência apresentada pode e deve ser ajustada aos objetivos previamente defini-
dos, devendo sempre atender a que os alunos tenham um papel ativo na realização das
tarefas das diferentes paragens, propondo‑lhes atividades que envolvam, por exemplo:
a utilização de mapas, que lhes permitam orientarem‑se reconhecendo as suas desloca-
ções no espaço geográfico, localizarem factos relacionados com o espaço físico envol-
vente e descreverem adequadamente determinada localização (GARCIA DE LA TOR-
RE, 1994); a reprodução, sob a forma de esquema ou fotografia, do que observam,
indo ao encontro do que é defendido por COMPIANI (2011), acerca da importância
dos registos, esquemas ou desenhos na promoção da linguagem visual e da pertinência
da sua incorporação no trabalho de campo, uma vez que aqueles permitem aos alunos
adquirir uma perceção global do que vêm, bem como das relações de causalidade entre
a realidade e os processos que a modelaram.
Na Tabela 2 apresentam‑se as diferentes atividades planificadas, bem como os re-
cursos específicos que foram utilizados no decorrer da aula de campo, e que envolveu
trabalho cooperativo em Pg.
119

Tabela 2 – Planificação das atividades desenvolvidas na 2ª fase (Aula de Campo).

Atividades da 2ª Fase Recursos Duração

– Realização das atividades propostas na Ficha de Trabalho nº 5


Ficha de Trabalho nº 5 para a P1: Bússola de geólogo
– Orientação na carta topográfica. Cartas geológicas / Cartas
– Descrição geral da zona (flora, relevo, topográficas
uso do solo, presença de cursos de água). Lápis, borracha
Estratégia / metodologia – Trabalho cooperativo

– Realização das atividades propostas na


Ficha de Trabalho nº 5 para a P2:
Local – Saída de campo

Ficha de Trabalho nº 5
– Identificação de rochas através das suas
Lápis, borracha, Escala de Mohs
propriedades.
Esguicho de água, ácido clorídrico
– Determinação das coordenadas
(10%), cartas geológicas, martelo de
geológicas dos estratos. 180
geólogo.
– Determinação da idade do minutos
afloramento.

– Realização das atividades propostas na


Ficha de Trabalho nº 5
Ficha de Trabalho nº 5 para a P3:
Máquina fotográfica
– Representação esquemática do espaço
Lápis, borracha
envolvente.

– Realização das atividades propostas na


Ficha de Trabalho nº 5 para a P4: Ficha de Trabalho nº5
– Mobilização de conhecimento acerca Lápis, borracha
de regulamentação relativa à indústria DAT V – Quem protege a pedreira?
extrativa.

2.3 – Atividades posteriores à saída de campo

Nesta última fase da intervenção foram planificadas atividades que contribuíssem


para mobilizar os conhecimentos prévios dos alunos, confrontando‑os com as ob-
servações e com os dados recolhidos no campo, no sentido de, a partir da experiência
concreta, estimular a (re)construção das aprendizagens, a (re)formulação dos saberes
geológicos e dos procedimentos, bem como a mudança de atitudes. Para esse efeito,
realizaram‑se atividades que incluíram a conceção e elaboração de posters com propos-
tas de requalificação da Pedreira Britaltos, com o objetivo de desencadear nos alunos
a reflexão sobre a forma desajustada com que o Homem frequentemente intervém nos
ecossistemas naturais e alertá‑los para a obrigatoriedade da requalificação ambiental,
no sentido de contribuir para o desenvolvimento nos alunos, de atitudes de respeito
e proteção do ambiente. Por fim, procedeu‑se à avaliação da intervenção, através da
administração de um questionário de avaliação.
Na Tabela 3 apresentam‑se os recursos construídos e as estratégias adotadas para as
diferentes atividades desenvolvidas em sala de aula, após a realização da aula de campo.

120 Tabela 3 – Planificação das atividades desenvolvidas na 3ª fase (Escola – sala de aula).

Atividades da 3ª Fase Recursos Duração


Estratégia/metodologia
Trabalho cooperativo

Computador,
– Conceção e elaboração de DAT V – É possível recuperar
propostas para requalificação da áreas degradadas? – Exemplos de 135
Pedreira Britaltos sob a forma de Requalificação Ambiental; minutos
Local – sala de aula

Posters DAT VI – Conceção e elaboração


de posters científicos
Estratégia/metodologia
Trabalho individual

– Administração do Questionário 45
Questionário de Avaliação
de Avaliação minutos

3 – Considerações finais

A presente intervenção foi implementada no ano letivo de 2010/2011, com alunos


da turma A do 10º ano da Escola Secundária de Figueiró dos Vinhos, tendo sido objeto
de avaliação relativamente a diferentes dimensões, no contexto de uma investigação em
educação científica (FILIPE, 2011). A avaliação da motivação e das aprendizagens re-
alizadas pelos alunos, bem como o impacto das estratégias e os recursos preparados e
utilizados no estudo da temática abordada foi uma das dimensões avaliadas.
A metodologia adotada para a avaliação da intervenção requereu a recolha e análise
de dados obtidos a partir de diferentes instrumentos de avaliação – observação direta e
diário do professor; questionário de diagnóstico; questionário de avaliação e documentos
produzidos pelos alunos sob a forma de poster – que originaram um vasto conjunto de
dados, qualitativos e quantitativos. Estes últimos foram, primeiramente, tratados sob a forma
de estatística elementar, recorrendo ao programa Excel ® e, posteriormente, analisados
e interpretados.
Os resultados do estudo mostram que as estratégias adotadas no âmbito da intervenção
parecem ter contribuído para a construção de conhecimento substantivo inerente às
geociências nos alunos nela envolvidos, considerado como fundamental para a promoção
de mudanças urgentes de atitudes e comportamentos individuais e coletivos acerca da
temática abordada na intervenção, e consentâneas com a formação de cidadãos críticos
e intervenientes capazes de, no momento certo, saberem agir responsável e ativamente
na sociedade. Além disso, esses resultados permitem reforçar a ideia de que as pedreiras,
nomeadamente as que se encontram desativadas e abandonadas, uma realidade cada vez
mais presente no quotidiano de todos os cidadãos, alunos incluídos, podem constituir
recursos educativos de grande valor na promoção de educação para desenvolvimento sus-
tentável, mobilizando conhecimentos inerentes às geociências. Assim, a intervenção, cuja
121
conceção e planificação se apresenta neste trabalho, bem como os recursos que para ela
foram elaborados, poderá ser inspiradora de conceções e planificações de intervenções
análogas, a implementar em outras turmas de outras escolas, situadas nas proximidades
de pedreiras, em qualquer dos Estados‑membros da CPLP, indo ao encontro de compro-
missos por eles assumidos, no sentido de “incentivar a cooperação bilateral e multilateral
para a protecção e preservação do meio ambiente nos Países Membros, com vista à
promoção do desenvolvimento sustentável” (DCCPLP, 1996).

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122 REBELO, D., MARQUES, L. & COSTA N. (2011) – Actividades en ambientes esteriores al sala de aula en la
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Dinamarca y España. Enseñanza de las Ciencias de la Tierra, 19, p. 39‑47.
12
PERCEÇÕES E IDEIAS DE ALUNOS DO ENSINO SECUNDÁRIO
ACERCA DE GEOPARQUES NO ÂMBITO DE UMA INTERVENÇÃO
EDUCATIVA CENTRADA NO GEOPARQUE AROUCA (PORTUGAL)

PERCEPTIONS AND IDEAS OF HIGH SCHOOL STUDENTS ABOUT


GEOPARKS WITHIN AN EDUCATIONAL INTERVENTION
BASED ON THE AROUCA GEOPARK (PORTUGAL)

C. Tomaz1, M. H. Henriques2 & A. A. Sá 3

Resumo – O presente trabalho refere‑se às perceções e ideias manifestadas por alunos


acerca de geoparques, no quadro de uma investigação em educação científica centrada
numa intervenção que envolveu alunos de duas turmas do 11º ano de escolaridade da
Escola Secundária de Ponte de Sor (Portugal). A intervenção desenvolveu‑se no âmbito
do “Tema IV – Geologia, problemas e materiais do quotidiano”, e recorreu a estratégias
de trabalho prático de campo em pequenos grupos.
Admitindo o pressuposto de que os geoparques podem constituir recursos educativos
de grande relevância na promoção de educação para desenvolvimento sustentável, mobi-
lizando conhecimentos inerentes às Ciências da Terra e, em particular, à Geoconservação,
as atividades desenvolvidas com os alunos realizaram‑se em sala de aula e no campo,
estas últimas no quadro de uma saída de campo ao Geoparque Arouca (Portugal), in-
tegrado nas Redes Europeias e Global de Geoparques, apoiadas pela UNESCO. Nesse
contexto, procurou‑se explorar, com os alunos, elementos da geodiversidade encontrados
em 5 dos seus geossítios: Centro de Interpretação Geológica de Canelas, Miradouro da
Frecha da Mizarela, Contacto Geológico da Mizarela, Campo de Dobras da Castanheira
e Pedras Parideiras – Castanheira.

1
Escola Secundária de Ponte de Sor, Rua General Humberto Delgado, 7400‑259 Ponte de Sor, Portugal;
[email protected]
2
Departamento de Ciências da Terra e Centro de Geociências; Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade de Coimbra, Largo Marquês de Pombal, 3000‑272 Coimbra, Portugal; [email protected]
3
Departamento de Geologia da Universidade de Trás‑os‑Montes e Alto Douro, Apartado 1013, 5001‑801
Vila Real, Portugal; [email protected]
Os resultados obtidos na presente investigação evidenciam que a realização de inter-
venções educativas, envolvendo estratégias de trabalho cooperativo e de trabalho prático,
recorrendo a saídas de campo ao Geoparque Arouca, podem contribuir para promover
aprendizagens significativas e relevantes acerca de Geoconservação, bem como estimular
124
curiosidade e interesse por aprender mais relativamente às Ciências da Terra.

Palavras‑chave – Educação para Desenvolvimento Sustentável; Ciências da Terra;


Geoconservação; Geoparque Arouca; Portugal

Abstract – This paper refers to the perceptions and ideas expressed by students about
geoparks within the framework of a research in science education centered in an intervention
that involved students from two classes of 11th grade of the High School of Ponte de Sor
(Portugal). The intervention was developed under the “Theme IV – Geology, current problems
and materials”, and resorted to strategies of fieldwork in small groups.
Accepting the assumption that geoparks can be educational resources of great importance
in promoting education for sustainable development, mobilizing knowledge inherent to the
Earth Sciences, and to Geoconservation in particular, the activities with students were held
in the classroom and in the field, the latter within a field trip to the Arouca Geopark (Portugal),
integrated into European and Global Network of Geoparks assisted by UNESCO. In this
context, we sought to explore with students, geodiversity elements found in five of its geosites:
Centro de Interpretação Geológica de Canelas, Miradouro da Frecha da Mizarela, Contacto
Geológico da Mizarela, Campo de Dobras da Castanheira e Pedras Parideiras – Castanheira.
The results of this research show that educational interventions involving both collaborative
work and practical work, using the Arouca Geopark as a resource for the implementation of
field work, can contribute to promote significant and relevant learning on Geonconservation,
as well as to stimulate curiosity and interest for learning more about Earth Sciences.

Keywords – Education for Sustainable Development; Earth Sciences; Geoconservation;


Arouca Geopark; Portugal

1 – Introdução

O ensino das Geociências apresenta particular potencial para ser conduzido em


ambientes muito diversos tais como a sala de aula, o laboratório, o ar livre (campo,
museu, unidade industrial) e o mundo virtual dos computadores (ORION & AULT,
2007), admitindo‑se que as atividades de campo são fundamentais para a promoção
das Geociências e do papel dos geocientistas na sociedade, podendo contribuir para a
formação de cidadãos empenhados com a sustentabilidade do planeta e dos seus recursos
(BRILHA, 2009; EDER & PATZAK, 2004; HENRIQUES, 2010b), nomeadamente
através da Geoconservação, sendo que a defesa do património geológico é crucial para a
salvaguarda do futuro da formação de novos geocientistas e da consequente sobrevivência
das geociências (VAN LOON, 2008).
Existem evidências de que o trabalho de campo bem preparado constitui uma opor-
tunidade de desenvolvimento de competências que acrescentam valor às experiências
diárias na sala de aula. Esta estratégia potencia resultados ao nível das aprendizagens, do
desenvolvimento da memória de longo prazo, das atitudes, das relações interpessoais e
sociais, e na adoção de atitudes mais positivas em relação às Ciências (RICKSON et al.,
2004). O trabalho de campo contribui, igualmente, para a compreensão de conceitos e
para estimular a adoção de atitudes mais favoráveis em relação ao ambiente (BOGNER
125
& WESEMAN, 2004; MANZANAL et al., 1999).
O trabalho de campo é, ainda, consensualmente, considerado como um dos meios
mais efetivos na aprendizagem de Geociências (ORION, 1993; VAN LOON, 2008;
STOKES & BOYLE, 2009), uma vez que os fenómenos geológicos resultam de uma
grande variedade de processos, que ocorrem a escalas espaciais e temporais muito amplas,
cuja compreensão se torna mais difícil se se recorrer apenas aos manuais.
Os geoparques representam uma das estratégias implementadas em vários países do
mundo como instrumento público de conservação do património geológico e de desen-
volvimento económico sustentável. Além disso, a adequada utilização dos geoparques,
nomeadamente dos seus geossítios, como recursos educativos para ilustrar aspetos geoló-
gicos abordados nos curricula, contando, para tal, com escolas e professores motivados,
torna‑os locais privilegiados, e de importância excepcional, para a promoção da educação
em Ciências da Terra com propósitos de desenvolvimento sustentável (BRILHA, 2009;
EDER & MULDER, 2008; HENRIQUES et al., 2011).
No entanto, a promoção da educação, nomeadamente de educação científica mobili-
zando conhecimento em Ciências da Terra, com objetivos de promoção de sustentabilidade,
implica ruturas com os sistemas educativos tradicionais (UNESCO, 2005b), havendo
premência em desenvolver intervenções educativas inovadoras, que não descurem conhe-
cimento que concerne à Geoconservação (HENRIQUES, 2010a). Os geoparques, onde
se preservam os elementos da geodiversidade julgados como significativos e merecedores
de conservação devido ao seu valor patrimonial, permitem a implementação de novas
estratégias na promoção do ensino e divulgação das Ciências da Terra, levando o cida-
dão comum a compreender a geodiversidade da Terra (BRILHA, 2009; HENRIQUES,
2010a), bem como o seu património geológico, enquanto objeto de preservação, não
como um mero fator abiótico, mas como parte integrante de uma entidade ambiental,
capaz de influenciar os seres vivos (VAN LOON, 2008).
De entre elas, destacam‑se as intervenções educativas que contemplam trabalho prático
de campo, estratégia vista como facilitadora de aprendizagens no âmbito das Ciências
da Terra (ORION, 2003), uma vez que “Without extensive field activities, the earth
sciences – and thus also the earth scientists – have no future” (VAN LOON, 2008,
p. 248). Mas, independentemente do percurso académico futuro dos alunos, e que não
envolve necessariamente a formação de profissionais das Geociências, pretende‑se que
os sistemas educativos em que estão inseridos promovam a formação de cidadãos aptos
a enfrentarem os problemas ambientais atuais – nomeadamente os relacionados com a
depleção de recursos geológicos –, e que sejam capazes de fundamentarem as suas toma-
das de decisão quotidianas, designadamente no que respeita à necessidade de preservar
os elementos da geodiversidade com valor patrimonial – por exemplo, através da “pro-
posição e classificação de Monumentos Naturais, ou de implementação de geoparques”
(HENRIQUES, 2010a, p. 465).
No presente trabalho apresentam‑se resultados de uma investigação em educação
científica, que procurou identificar perceções e ideias de alunos do Ensino Secundário
Português acerca de geoparques enquanto recursos educativos fundamentais de promoção
de educação para desenvolvimento sustentável, mobilizando conhecimento inerente às
Ciências da Terra, nomeadamente à Geoconservação (HENRIQUES et al., 2011).

126
2 – Metodologia

Tendo em conta o programa da Disciplina de Biologia e Geologia do 11º ano de es-


colaridade, a investigação a que se refere o presente trabalho foi orientada e desenvolvida
para dar resposta ao seguinte problema: “Como estimular os alunos a aprenderem Ciências
da Terra, e a adotarem comportamentos e atitudes de valorização do património geológico da
Terra, através da visita ao Geoparque Arouca?” (TOMAZ, 2011; TOMAZ et al., 2011).
Assentou numa intervenção educativa inspirada no modelo trifásico, de raiz constru-
tivista, desenvolvido por Nir Orion, conjuntamente com um grupo de investigadores do
Instituto Weizeman de Israel, dedicados ao estudo da Didática das Geociências (ORION,
1989, 1993; ORION & HOFSTEIN, 1994), e incluiu a realização de diversas atividades
em sala de aula e no campo, recorrendo ao trabalho prático em pequenos grupos, segundo os
pressupostos de VIGOTSKY (2009). A intervenção desenvolveu‑se em torno do “Tema
IV – Geologia, problemas e materiais do quotidiano” (AMADOR et al., 2003).
Assumindo‑se que os geoparques representam recursos educativos em Ciências da
Terra fundamentais na promoção de desenvolvimento sustentável, a intervenção con-
templou uma saída de campo ao Geoparque Arouca, membro das Redes Europeia e
Global de Geoparques sob os auspícios da UNESCO (TOMAZ, 2011). Pretendeu‑se
contribuir para que os alunos envolvidos construíssem conhecimento e desenvolvessem
competências acerca de Geoconservação, fundamentais para a adoção de comportamentos
e atitudes de valorização do património geológico da Terra, através da realização de
um conjunto de atividades práticas de campo em que se exploraram elementos da geo-
diversidade encontrados em 5 dos seus geossítios, alguns de importância nacional e/ou
internacional (BRILHA, 2009):

– Centro de Interpretação Geológica de Canelas, local possuidor de “elevado interesse


internacional” (SÁ et al., 2009, p. 95);
– Miradouro da Frecha da Mizarela – “geossítio de elevada relevância à escala nacional”
(op. cit., p. 58);
– Contacto Geológico da Mizarela;
– Campo de Dobras da Castanheira;
– Pedras Parideiras – Castanheira – “geossítio de importância internacional” (op.
cit., p. 60).

A investigação realizada pretendeu avaliar, entre outras dimensões, perceções e ideias


dos alunos acerca de geoparques, nomeadamente quais os objetivos inerentes à sua criação
e existência, quais os geoparques que existem em Portugal, bem como até que ponto a
visita ao Geoparque Arouca, no quadro da intervenção educativa em que aquela esteve
inserida, despertou, nos alunos, curiosidade e interesse em visitar outros geoparques e/ou
novamente o Geoparque Arouca, e que tipo de atividades gostariam de neles realizar. Para
tal, foram concebidos, elaborados e validados dois instrumentos de avaliação – Questionário
de Diagnóstico (QD) e Questionário de Avaliação (QA), administrados antes e depois da
intervenção, respetivamente. A investigação representa um estudo de caso, com uma natu-
reza essencialmente qualitativa, onde foram integrados elementos de natureza quantitativa,
sob a forma de estatística descritiva (COHEN, 2010).
127
3 – Resultados

Relativamente aos geoparques existentes em Portugal, a análise da tabela 1, permite


verificar que a maioria dos alunos identificaram, no QD, o Geoparque Arouca como um
dos geoparques portugueses. Refira‑se que o professor‑investigador, por razões relaciona-
das com o funcionamento da Escola, antes da administração do QD, teve necessidade
de reunir com os Encarregados de Educação dos alunos para informá‑los de todos os
aspetos logísticos e administrativos inerentes ao envolvimento dos alunos nas diferentes
atividades contempladas na intervenção, nomeadamente de que aquela incluia uma visita
de estudo ao Geoparque Arouca, designação que terá ficado, desde aí, imediatamente
perpetuada na memória de todos. Até porque, ao analisar as restantes respostas, cons-
tata‑se que, antes da intervenção, os alunos manifestaram ideias inadequadas acerca de
geoparques. O Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios de Ourém/Torres
Novas, vulgarmente conhecido por Pedreira do Galinha, foi assinalada por 4 alunos,
como sendo um geoparque, tendo eles afirmado conhecer o local, que associam à geolo-
gia, nomeadamente aos dinossauros. A opção “Geoparque de Canelas” foi referida por 2
alunos que, assim, estabeleceram relações inadequadas entre o Geoparque Arouca e um
dos seus geossítios – o Centro de Interpretação Geológica de Canelas. No entanto, no QA,
verifica‑se a maioria dos alunos assinalou, adequadamente, quer o Geoparque Arouca,
quer o Geoparque Naturtejo, como geoparques portugueses, o que revela a pertinência
da intervenção implementada, no que se refere ao reconhecimento e identificação, por
parte dos alunos, dos geoparques portugueses inseridos nas Redes Europeia e Global de
Geoparques sob os auspícios da UNESCO.

Tabela 1 – Respostas dos alunos acerca dos geoparques existentes em Portugal (TOMAZ, 2011).

Geoparque Geoparque Pedreira do Serra da Geoparque Cabo Geoparque Não sabe/


Gerês
Arouca Naturtejo Galinha Arrábida de Canelas Mondego Açores não responde
QD 33 0 9 4 2 2 1 0 23
QA 35 33 0 0 0 0 0 1 5

Relativamente aos objetivos inerentes à criação e existência de geoparques, verifica‑se que,


tanto no QD como no QA, os alunos reconhecem o valor daqueles na conservação do
património geológico, bem como na promoção de educação em Geociências (Tabela 2). No
QA, verificou‑se um enriquecimento significativo nas ideias dos alunos acerca dos objetivos
associados aos geoparques, registando‑se um acréscimo no número de alunos que lhes re-
conhecem objetivos como a promoção turismo da natureza e do desenvolvimento regional
sustentável (SÁ et al., 2006), o que permite relevar a pertinência da intervenção realizada en-
quanto iniciativa estimuladora da compreensão e consciência dos alunos, enquanto cidadãos,
acerca de sustentabilidade (UNESCO, 2005a) e, consequentemente, a sua relevância para a
promoção de Educação para Desenvolvimento Sustentável (PEDROSA, 2010).
Tabela 2 – Respostas dos alunos acerca dos objetivos de um geoparque (TOMAZ, 2011).

Contribuir
Promover o Contribuir para
Proporcionar para a Estimular a Incentivar Estimular a
desenvolvimento conservar as
128 turismo da conservação educação em a prática leitura de revistas
regional espécies de aves
natureza do património geociências desportiva sobre turismo
sustentável em risco
geológico
QD 10 34 25 15 0 4 0
QA 24 36 29 25 2 0 0

Quando questionados, no QA, sobre se tinham a intenção de voltar a visitar o Geo-


parque Arouca, 31 alunos responderam afirmativamente e 6 alunos mostraram não estar
interessados em fazê‑lo. As mesmas opiniões foram recolhidas em relação à intenção de
visitar outro geoparque (tabela 4).

Tabela 3 – Respostas dos alunos relativamente à intenção em voltar a visitar um geoparque (TOMAZ, 2011).

Intenção de visitar um geoparque


Geoparque Arouca Outro geoparque
Sim 31 31
Não 6 6

Dos alunos que demonstraram interesse em visitar outro geoparque, que não o Geo-
parque Arouca (tabela 4), 25 alunos indicaram o Geoparque Naturtejo, o que se justifica
por este geoparque ter sido referido inúmeras vezes durante a realização das atividades in-
tegradas na saída de campo. Entre os restantes alunos que mostraram intenção de visitar
outros geoparques, 2 alunos referiram apenas que pretendiam fazê‑lo fora de Portugal.
Outro aluno indicou que gostaria de visitar um geoparque que proporcionasse a obser-
vação de fósseis e atividades de lazer, e outro aluno referiu apenas o interesse em visitar
um geoparque que proporcione a participação em atividades culturais. De acordo com
estes resultados, a intervenção parece ter contribuído para despertar nos alunos curiosi-
dade e interesse por visitar outros geoparques, designadamente o Geoparque Naturtejo,
o que releva o interesse da existência de um conjunto de geoparques, cada um com os
seus valores patrimoniais específicos que, trabalhando em rede, promovem a divulgação
uns dos outros, num espírito de complementaridade entre os diversos membros da Rede
Europeia de Geoparques (MC KEEVER & ZOUROS, 2005).
Da análise da tabela 5 conclui‑se que 17 alunos mostraram interesse em visitar no-
vamente o Geoparque Arouca com o intuito de participar em atividades educativas no
âmbito da disciplina de Geologia, indo ao encontro de ideias defendidas, por exemplo,
por ORION & HOFSTEIN (1994) e ORION (2003), de que as saídas de campo são
atividades de elevado valor educacional e de potencial cognitivo. Verifica‑se, ainda, a
existência de um crescente interesse, manifestado por alguns alunos, em realizar ativi-
dades de lazer em zonas naturais, reforçando o valor dos geoparques como territórios
de excelência para a prática do geoturismo (ROCHA et al., 2010), que integram recursos
naturais diversos (paisagem, relevo, afloramentos, fósseis, rochas e minerais), onde se
enfatizam processos que criaram e criam geodiversidade e se promove a valorização e con-
servação ambiental e cultural, trazendo benefícios para aqueles territórios (DOWLING &
NEWSOME, 2006; DECLARAÇÃO DE AROUCA, 2011).
129

Tabela 4 – Geoparques que os alunos manifestaram interesse em visitar (TOMAZ, 2011).

N.º de alunos
Geoparque Naturtejo 25
“Geoparque fora de Portugal” 2
“Um Geoparque que proporcione a observação de fósseis e atividades de lazer” 1
“Um Geoparque que proporcione atividades culturais” 1
Geoparque Açores (“apesar de ainda não ter sido considerado um geoparque”) 1
Não responde 1

Tabela 5 – Atividades que os alunos afirmaram gostar de desenvolver


em futuras visitas ao Geoparque Arouca (TOMAZ, 2011).

Atividade N.º de alunos


Visitas museus 14
Canoagem 13
Rafting 13
Rapel 15
Percursos pedestres 19
Passeios de BTT 19
Realização de atividades educativas no âmbito da disciplina de Geologia 17
Acampar 14
Recolha de fósseis para a coleção pessoal 1

4 – Considerações finais

Os resultados obtidos na presente investigação põem em evidência que a realização de


intervenções educativas, envolvendo estratégias de trabalho cooperativo e de trabalho prático,
recorrendo a saídas de campo a geoparques, se concebidas, planificadas e implementadas à
luz do modelo organizativo de ORION (1993), pode contribuir para “Aproximar as Ciências
da Terra dos Cidadãos” e, simultaneamente, promover as aprendizagens significativas e rele-
vantes relativamente àquele domínio do conhecimento científico, encorajando, como refere
EDER & MULDER (2008, p. 2), a promoção da “consciência sobre a estrutura, evolução,
beleza e diversidade do Sistema Terra e das suas culturas inscritas nas paisagens”.
A utilização do Geoparque Arouca como recurso educativo na intervenção subjacente à
presente intervenção parece ter contribuído para que os alunos envolvidos construíssem
conhecimento e desenvolvessem competências acerca de Geoconservação, fundamentais
para a adoção de comportamentos e atitudes de valorização do património geológico da
Terra. Na verdade, após a intervenção, os alunos manifestaram perceções e ideias ade-
quadas acerca de geoparques, nomeadamente quais os objetivos inerentes à sua criação
e existência, e quais os geoparques estabelecidos em Portugal. Além disso, a visita ao
Geoparque Arouca, no quadro da intervenção educativa em que aquela esteve inserida,
130
despertou, nos alunos, curiosidade e interesse em visitar outros geoparques e/ou nova-
mente o Geoparque Arouca, tendo a maioria afirmado desejar realizar atividades de lazer
e educativas no âmbito da disciplina de Geologia.
Estes resultados põem em manifesto o valor dos geoparques como recursos educati-
vos fundamentais em intervenções educativas centradas na Geoconservação, capazes de
despertar curiosidade e interesse nos alunos por aprender Ciências da Terra, sendo disso
prova o facto de 14 dos 37 alunos que constituíam a amostra, se terem matriculado, no
ano letivo de 2011/2012, na disciplina de Geologia do 12º ano de escolaridade, suscitan-
do, pela primeira vez, a criação de uma turma desta disciplina na Escola Secundária de
Ponte de Sor (TOMAZ, 2011).

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(Página deixada propositadamente em branco)
13
BOGICCA: JOGO PARA ENSINO
DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DO SOLO

BOGICCA: GAME FOR TEACHING


THE PROCESS OF SOIL FORMATION

F. C. Reverte1, M. G. M. Garcia 2 & J. B. Sígolo3

Resumo – A utilização de jogos como recurso didático tem sido um importante fa-
cilitador no processo de ensino/aprendizagem. Além de auxiliar no desenvolvimento de
habilidades cognitivas, promove também a melhoria das qualidades físicas, emocionais e
sociais dos educandos. Com base nessa metodologia, que alia recursos lúdicos ao ensino,
apresentamos Bogicca, um jogo de regras cujo objetivo é ampliar os conhecimentos dos
participantes acerca dos Processos de Formação dos Solos. O jogo tem por finalidade
complementar o ensino de Geociências no tocante à formação de solos, além de apre-
sentar tópicos importantes de educação ambiental. Ademais, Bogicca incentiva, de um
modo dinâmico e educativo, a preservação da natureza através do desenvolvimento da
responsabilidade ambiental dos jogadores. Neste artigo, descreveremos o modo de apli-
cação de tal recurso, assim como os resultados obtidos, a alunos com idade entre sete e
nove anos da ONG ACORDE, em Embu das Artes – SP.

Palavras‑chave – Jogos; Formação do Solo; Geociências; Educação Ambiental

Abstract – The use of games as a teaching resource has been an important facilitator
in the teaching / learning process. Besides assisting the development of cognitive skills it
also promotes the physical, emotional and social improvement on the students. Based on this
methodology, which combines entertainment resources to educational methods, we present
Bogicca, a game of rules which aim is to expand the knowledge of participants about soil
formation. The game is intended to complement the teaching of geosciences in terms of soil
formation, in addition to presenting important topics in environmental education. Furthermore,

1
Universidade de São Paulo – Instituto de Geociências, Brasil; [email protected]
2
Universidade de São Paulo – Instituto de Geociências; Brasil; [email protected]
3
Universidade de São Paulo – Instituto de Geociências; Brasil; [email protected]
Bogicca encourages a dynamic and educational way to promote nature’s preservation through
the development of environmental responsibility of the players. In this article, we will de‑
scribe the application of this resource, as well as the achieved results, to students with age
between seven and nine years of the ONG ACORDE, in Embu das Artes – SP.
134
Keywords – Games; Soil formation; Geosciences; Environmental Education

1 – Introdução

A ausência de conhecimento mais aprofundado sobre o planeta faz com que, muitas
vezes, a população explore de forma inadequada os recursos que a Terra oferece.
Diante dessa situação, faz‑se necessário o emprego de ações voltadas à divulgação e
ao ensino das Ciências da Terra junto às comunidades visando uma ocupação sustentável
do ambiente em que se vive.
“O aprendizado das Geociências envolve contato com inúmeros desenhos explicati-
vos, gráficos, tabelas, mapas, perfis geológicos e diagramas” (LOPES & CARNEIRO,
2009). Nessa ciência, o uso de ilustrações, imagens, vídeos e jogos, como suplemento
ao ensino, é importante e necessário, uma vez que muitos conceitos são de difícil
entendimento e assimilação.
Os recursos naturais são fundamentais à manutenção da vida na Terra. O solo é um
desses recursos, primordial à concepção de conceitos como Hidrosfera, Geosfera e suas
interligações nos ciclos naturais com a Atmosfera e Biosfera.
Um dos principais problemas identificados no estudo dos solos está no entendimento
de sua formação. Poucas pessoas entendem que o solo se origina por meio da alteração das
rochas e não apenas pelo intemperismo de um depósito sedimentar, como geralmente é
pensado. A compreensão dos processos de formação do solo, que ocorre em escala de tempo
geológico de milhões e milhares de anos, enfatiza a possibilidade do uso e manejo correto
não somente desse recurso, mas de todos os recursos naturais disponíveis no planeta.
Desta forma, a aplicação de jogos educacionais, como o Bogicca aqui apresentado,
é uma tentativa de suprir essa lacuna no aprendizado das Geociências. Ao abordar um
tema complexo, como a formação dos solos, que envolve uma abordagem sistêmica do
funcionamento do planeta (Sistema Terra), é possível trabalhar temáticas interdisciplina-
res, ancorada pelos princípios da Educação Ambiental, ao alertar para a importância da
preservação desse recurso natural e para a forma como vem sendo usado pela sociedade.
O objetivo do presente trabalho é o de apresentar a concepção do jogo Bogicca e os
resultados obtidos no seu uso como um recurso didático à aprendizagem de um tema
geocientífico. Bogicca foi aplicado a um grupo de crianças, e elaborado para difundir os
conhecimentos a respeito de solos, além de enfatizar a importância de sua preservação,
ao colocá‑lo como um recurso natural.

2 – Concepção do jogo

“O significado educativo de jogos, brinquedos e brincadeiras tem sido pesquisado nas


mais variadas áreas do conhecimento, com influências da Psicologia, Ciências Biológicas,
Sociologia, Linguística e Pedagogia” (LOPES & CARNEIRO, 2009).
O jogo Bogicca é fruto de projeto da disciplina de Recursos Didáticos em Geoci-
ências – 04400318 – oferecida pelo Instituto de Geociências da USP, ministrada pelos
professores Paulo César Bogianni e Gaston Enrich e da disciplina de Metodologia de
Ensino em Geociências e Educação Ambiental I, oferecida pela Faculdade de Educação,
135
lecionada pela professora Ermelinda Moutinho Pataca. Tais disciplinas são obrigatórias
ao curso de Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental (LiGEA) – do Ins-
tituto de Geociências – da Universidade de São Paulo (USP). O desenvolvimento do
projeto iniciou‑se no primeiro semestre do ano de 2010, durante o estágio supervisio-
nado obrigatório às duas disciplinas, cuja realização ocorreu entre os meses de março e
agosto do mesmo ano em uma ONG chamada Acorde.
Durante a realização do projeto na Acorde, localizada na cidade de Embu das Artes,
Estado de São Paulo, foi possível desenvolver temas associados às Geociências, Desen-
volvimento Sustentável e Educação Ambiental. A instituição está inserida na APA Embu
Verde, criada pela Lei Complementar n° 108 em 11/12/2008, cuja área total é de 17 mil
m2. Esse fato fez com que vários temas ambientais fossem abordados com as crianças da
referida instituição durante o desenvolvimento do projeto, o que resultou de nossa parte,
na elaboração do jogo, atividade lúdica a ser utilizada como recurso didático.
Tal jogo, que recebeu o nome Bogicca, que é a minhoca‑mascote utilizada como peça
de evolução no tabuleiro, tem por base a formação de solos e a demonstração de que estes
dependem do tipo de substrato rochoso, clima, relevo, organismo e sua evolução ao longo
do tempo, como processos fundamentais às suas formações.
Desta forma, Bogicca baseia‑se na elaboração, em conjunto com as crianças, de
conhecimentos das Geociências, mais especificamente a formação dos solos. Segun-
do a definição da UNIVERSIDADE FEDER AL DO PAR ANÁ (2012), no Projeto
Solo na Escola, a formação do solo é uma ação conjunta de cinco fatores: Material
de origem (pode ser rochas, restos vegetais, animais); Clima (chuva, temperatura – ener-
gia do sol –, ação dos ventos); Relevo (montanhoso, plano, ondulado); Organismos
(insetos, bactérias, organismos, plantas); e Tempo (centenas, milhares de anos). No
tabuleiro do jogo, alguns destes elementos são apresentados no decorrer das trilhas,
sendo que cada uma delas se inicia por um tipo de rocha (ígnea, metamórfica e sedi-
mentar), representando o fator “Material de Origem”. O objetivo do jogo é entender
e concluir os processos que resultam na formação do solo.

3 – Dinâmica do jogo

“(...) o aprender, o trabalhar, o brincar, fazem parte do mesmo fenômeno de relação


do ser humano com seu espaço vital” (VIEIRA, 2004).
Bogicca é indicado para crianças a partir dos sete anos de idade, que saibam ao menos
ler. O vencedor será o primeiro jogador que chegar à casa da minhoca‑mascote “Bogicca”,
que é o próprio solo formado, representada pelo triângulo central do tabuleiro (Fig. 1).
O projeto tinha por objetivo a aplicação de um jogo didático para o ensino de Geociên-
cias apoiado no tema geológico sobre a Formação dos Solos. Tal jogo foi desenvolvido a partir
do convívio com um dos grupos de vinte e três crianças da Acorde, que tinham entre sete e
nove anos, e, partindo da observação das dificuldades encontradas nas crianças acerca da for-
mação do solo, foram desenvolvidas as cartas e as regras, responsáveis pela dinâmica do jogo.
136

Fig. 1 – Tabuleiro do jogo Bogicca.

Tais cartas foram elaboradas com o propósito de responder às dúvidas surgidas a par-
tir da curiosidade das crianças na busca da aprendizagem do assunto, e, também, para
orientar e incentivar a preservação da natureza de um modo sustentável, uma vez que se
as crianças se encontravam numa Área de Proteção Ambiental (APA).
Neste jogo temos duas modalidades de cartas, chamadas de “Você está Atolado”
e “Sorte ou Revés” (Fig. 2).

Fig. 2 – Imagem da frente das cartas.

A primeira modalidade descrita representa as cartas que contêm as perguntas e res-


postas sobre o tema central do jogo (Fig. 3).
A segunda diz respeito às cartas de “Sorte ou Revés”, devendo o jogador ler e cum-
prir o indicado por ela (Fig. 4). Além disso, nesta modalidade, há cartas que apresentam
fatores que podem prejudicar o solo, outros que ensinam a protegê‑lo, além de dicas de
preservação e desenvolvimento sustentável, bem como conceitos relacionados aos temas
descritos, que juntos dão a dinâmica ao jogo.
137

Fig. 3 – Exemplos das cartas “Você está Atolado”.

Fig. 4 – Exemplos das cartas “Sorte ou Revés”.

Foram produzidos dez jogos, sendo que oito deles foram doados à instituição Acorde.

4 – Resultados obtidos

Conforme descrito, durante a realização do projeto, vários temas ambientais foram


trabalhados com os alunos, tais como o ensino dos tipos de rochas, o uso de minerais, o
uso e ocupação do solo, entre outros, com o intuito de oferecer uma base metodológica
para a aplicação do jogo.
Por saberem que o ensino de tais conceitos objetivava, ao término do projeto, a aplicação
de um jogo didático, as crianças participaram de todas as atividades propostas.
Segundo VYGOTSKY (2003), o lúdico influencia enormemente o desenvolvimento
da criança. É através do jogo que a criança aprende a agir, sua curiosidade é estimulada,
adquire iniciativa e autoconfiança, proporciona o desenvolvimento da linguagem, do
pensamento e da concentração.
O grupo de vinte e três crianças foi dividido em sete trios e uma dupla, pois cada
jogo contempla no máximo três e no mínimo dois jogadores por partida. Assim, os oito
jogos doados à instituição foram utilizados simultaneamente.
Foi observado que as crianças tinham domínio dos conceitos apresentados nas cartas,
pois responderam corretamente, no decorrer do jogo, às questões contidas nelas. Um
acontecimento bastante relevante observado nas intervenções foi o interesse e o prazer
demonstrados pelos alunos durante o jogo.
Desta forma, a aplicação do jogo Bogicca resultou na compreensão dos Processos
de Formação dos Solos e dos conceitos das Geociências abordados nas cartas do jogo,
tornando positivos os resultados de sua aplicação. Além disso, o jogo trouxe estímulo
às crianças da Acorde, constatado pela disciplina das mesmas ao jogarem e interação com
os colegas e professores.
138
5 – Considerações finais

Na fase inicial do estágio, o contato com as crianças era limitado à observação, a fim
de conhecer seus comportamentos e rotinas.
Embora a Acorde esteja localizada numa Área de Proteção Ambiental – APA, repleta
de recursos naturais, perfis de solo e com ampla vegetação, era perceptível que as crian-
ças desta instituição não tinham nenhum conhecimento acerca da origem dos solos e das
relações com a vegetação, com as nascentes, com as rochas que compunham o relevo,
tampouco sobre desenvolvimento sustentável, conceito necessário às crianças para que
elas pudessem conviver de forma harmoniosa com a natureza.
Aproveitando as atividades práticas de plantio e colheita realizadas em hortas pelos
alunos, o tema Solos foi escolhido para a confecção do jogo e para as atividades de ensino.
Os jogos propiciam o desenvolvimento de potencialidades e facilitam a aprendizagem dos
alunos, transformando‑os em cidadãos aptos a uma maior e melhor interação na sociedade.
Visto que o brincar é essencial na vida da criança, a aprendizagem e a ludicidade
não podem ser vistas como ações com objetivos distintos, mas um meio facilitador da
aprendizagem tanto para a criança, quanto para o professor, conforme pôde ser observado
durante a aplicação do jogo Bogicca, cuja interação entre os alunos e professores geraram
questionamentos que favoreceram à aprendizagem.
Sabendo da importância dos jogos no desenvolvimento educacional da criança, no
que se refere à aquisição de valores que formam o caráter, a melhora no convívio social
e o auxílio pedagógico no processo de aprendizagem, o jogo Bogicca mostrou ser um
Recurso Didático favorável à Educação Ambiental, e pode ser utilizado como um dos
métodos comprovados na transmissão de conceitos geocientíficos, haja vista que a pe-
dologia pertence às geociências e colabora para o desenvolvimento da visão sistêmica do
planeta Terra, contribuindo para a constituição de uma percepção holística dentro de
um novo paradigma para a educação ambiental que não é somente biológica, mas deve
conter elementos geológicos e pedológicos (geocientíficos).
Diante do exposto, pode‑se inferir que o conteúdo mencionado foi transmitido fa-
cilmente às crianças e os resultados, portanto, foram positivos, pois foi comprovado que
o uso do jogo Bogicca como método de ensino foi eficiente ao grupo, além de propiciar
lazer e entretenimento àqueles que participaram do jogo.
A ideia é divulgá‑lo com um dos métodos comprovados na transmissão de conceitos
das Geociências como um todo, para que se faça o uso dos recursos naturais com respeito
ao próximo e ao meio ambiente, concicliando crescimento econômico e preservação da
natureza, ou seja, contribuindo com o desenvolvimento sustentável.

Agradecimentos – Às seguintes instituições e pessoas que ajudaram, apoiaram, incen-


tivaram ou fizeram‑se presentes durante a elaboração do jogo e deste trabalho, meus sinceros
agradecimentos: Instituto de Geociências – USP, Prof. ª Dra. Denise de La Corte Bacci,
Prof. Dr. Paulo César Boggiani, Elen Faht, Sr. Manoel de Jesus, Alan Uchoa Pellejero,
ONG Acorde (em especial, à coordenadora Sra. Marta Junqueira) e a todas as crianças
atendidas pelo projeto.
139
Referências Bibliográficas

LOPES, O. R. & CARNEIRO, C. D. R. (2009) – O jogo “Ciclo das Rochas” para ensino de Geociências. Rev.
Bras. Geociências, 39, p.30‑41.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (2012) – Projeto Solo na Escola. http://www.escola.agrarias.ufpr.
br/formacao.html (acessado em 2012.01.08).
VIEIRA, A. J. H. (2004) – Humberto Maturana e o espaço relacional da construção do conhecimento. Brasília:
Universidade Católica – UCB, 2004.
VYGOTSKY, L. (2003) – A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes.
(Página deixada propositadamente em branco)
14
O ENSINO DE GEOGR AFIA
E A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS
DO ESPAÇO GEOGR ÁFICO DE INDEPENDÊNCIA
(CEAR Á, BR ASIL)

THE TEACHING OF GEOGRAPHY


AND THE CONSTRUCTION OF KNOWLEDGE
OF THE GEOGRAPHICAL SPACE OF INDEPENDENCE
(CEARÁ, BRASIL)

R. C. Gomes1, I. Pedroza 2 & M. C. Sales3

Resumo – Este trabalho visa apresentar uma proposta de ação educativa em Geografia
que foi realizada na primeira etapa do curso intitulado “Compreensão do espaço geográfico e
seus recursos voltados para a Arqueologia”, destinado a 20 (vinte) cursistas, provenientes
do ensino fundamental e médio de escolas públicas do município de Independência – Ceará,
Brasil. O curso está sendo desenvolvido utilizando uma abordagem transdisciplinar so-
bre as relações do Homem com o espaço geográfico, tendo um enfoque geoarqueológico.
Desse modo, estão sendo tratados conceitos que visam aproximar a comunidade para a
difusão e preservação do patrimônio natural e arqueológico do município, especialmente
representado pelos registros rupestres.

Palavras‑chave – Ensino de Geografia; Geoarqueologia; Preservação

Abstract – This article aims to present a proposal for educational activities in Geography
which was held in the first stage of the course entitled “Understanding the geographic space and its
resources focused on Archaeology” to the 20 (twenty) course participants, of the secondary and high
school from public schools of the Municipality of Independência – Ceará, Brazil. The course is be‑
ing developed using an interdisciplinary approach on the relations between man and geographical
space, with a geoarchaeological focus. Thus, concepts are being discussed with the aim to bring the

1
Licenciado em Geografia – Universidade Federal do Ceará – UFC, Brasil; [email protected]
2
Mestre em Arqueologia – Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Brasil; [email protected]
3
Licenciada em Pedagogia e Matemática – Fundação Senhor Pires – FSP, Brasil; [email protected]
community together for the dissemination and preservation of natural and archaeological heritage
of the municipality, especially represented by the record of rock art.

Keywords – Teaching Geography; Geoarchaeological; Conservation


142

1 – Introdução

Este trabalho é resultado do subprojeto “Mapeamento arqueológico como instrumento


de inclusão ambiental, social e cultural no semiárido”, do Projeto Mata Branca, promovido
pela Fundação Senhor Pires, sediada no município de Independência – Ceará, Brasil.
Um dos objetivos desse subprojeto é a oferta de um curso denominado “Compreensão
do espaço geográfico e seus recursos voltados para a Arqueologia” para 20 (vinte) estudantes
do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino do município de Independência
(CE). O curso contribui para a execução dos demais objetivos do subprojeto menciona-
do, pois dota os estudantes envolvidos de conhecimentos geoarqueológicos nos âmbitos
global e local, promovendo uma melhor compreensão de seu meio e dos aspectos arqueológi-
cos materializados no espaço geográfico independenciense e estimulando a participação
discente como “Guardiões da arte na pedra”.
Nessa perspectiva, o ensino de Geografia tem muito a contribuir, uma vez que este
campo do conhecimento estuda o espaço geográfico e, portanto, possui informações rele-
vantes sobre os recursos naturais e a dinâmica sócio‑histórica. A Arqueologia, como ciência
que estuda as culturas pretéritas por meio de seus vestígios materiais, necessita diretamente
de conhecimentos geográficos, uma vez que as sociedades “primitivas” construíam espaços
geográficos mediante sua cultura e técnica.
Vale acrescentar que a construção de conhecimentos relacionados ao espaço geográfico
repercute na mudança da visão de mundo dos estudantes participantes, pois eles passam
a vislumbrar os aspectos biofísicos e culturais (arqueológicos) do espaço geográfico inde-
pendenciense de uma forma distinta da qual viam anteriormente. Isso acontece, porque
os alunos tendem a valorizar mais esses espaços e atribuir novos valores simbólicos aos
seus legados materiais e imateriais, sejam estes naturais, sejam artificiais, o que torna
suas ações mais conscientes e inteligíveis, portanto menos alienadas, além de fortalecer
suas identidades e o sentimento de pertencimento ao local em que vivem.
Logo, o objetivo deste trabalho é discutir práticas de ensino de Geografia, nota-
damente de minerais, rochas, intemperismo e erosão, que foram realizadas durante a
primeira etapa do curso intitulado “Compreensão do espaço geográfico e seus recursos
voltados para a Arqueologia”, contribuindo para a construção de conhecimentos sobre
o espaço geográfico independenciense, notadamente de seus aspectos geoarqueológicos.

2 – O Ensino de Geografia: o espaço geográfico e seus recursos geoarqueológicos

Toda ciência possui um objeto de estudo e seus métodos próprios de análise. A Geogra-
fia não foge a essa regra. SANTOS (1997) traz ao rol de discussões sua visão sobre o objeto
de estudo da Geografia. Nessa perspectiva, afirma que o geógrafo estuda tanto os objetos
fixos como os fluxos, ou seja, tudo aquilo que existe na superfície terrestre, seja de origem
natural, seja de origem social. Todavia, no âmbito geográfico, esses objetos são apreendidos
como sistemas, e não como partes isoladas, pois o espaço é formado por um conjunto indi-
visível, solidário e antagônico de sistemas de objetos e ações. Dessa forma, em decorrência
de tal fato, é que a Geografia tem como objeto de estudo o espaço geográfico.
143
Para fins deste trabalho, o espaço geográfico é entendido como “um conjunto de
objetos e de relações que se realizam sobre estes objetos, não entre estes especificamente,
mas para as quais eles servem de intermediários, ou seja, o espaço é resultado da ação
dos homens sobre o próprio espaço, intermediados pelos objetos naturais e artificiais”
(SANTOS, 1988, p. 25).
A compreensão do espaço em questão requer o entendimento de seus aspectos formado-
res e de sua dinâmica ao longo do tempo, por isso a compreensão dos aspectos e processos
geoarqueológicos (minerais, rochas, clima, relevo, fauna, flora, solos, intemperismo, erosão,
cultura, líticos, pinturas rupestres, organização social de agrupamentos humanos e outros)
são relevantes na apreensão do espaço geográfico, nesse caso específico, o do município
de Independência (CE). Nessa perspectiva, o ensino de Geografia emerge como um meio
que possibilita a construção de conhecimentos do espaço geográfico e de seus recursos
geoarqueológicos.
Afinal, o ensino de Geografia é responsável pela construção de diversos conteúdos
relacionados aos aspectos biofísicos e sociais que se materializam e dinamizam no espaço.
Para tanto, CAVALCANTI (2002), ao tratar do objetivo do ensino de Geografia, diz
que este consiste em desenvolver nos cidadãos uma consciência da espacialidade das coisas
e dos fenômenos que eles vivenciam, direta ou indiretamente, sendo parte da história
social, ou seja, o objetivo desse ensino é o espaço geográfico, entendido como um espaço
social, concreto e dinâmico.
Assim, é necessário entender que o ensino de Geografia é primordial para a cons-
trução da cidadania dos discentes, para fortalecer suas identidades e sentimentos de
pertencimento ao espaço em que vivem. Os conhecimentos geográficos oferecem sub-
sídios fundamentais para que seus aprendizes sejam capazes de vislumbrar e atuar em
sua realidade de forma crítica e transformadora, em prol de seu desenvolvimento, pois se
ensina Geografia para que os discentes possam construir e promover o desenvolvimento
de conhecimentos do espaço e do tempo, fazer uma leitura lógica do mundo e dos in-
tercâmbios que o sustentam, de forma a apropriarem‑se de conhecimentos específicos e
usá‑los como técnicas para seu desenvolvimento pessoal e de suas relações com os outros
(ANTUNES, 2010). Além disso, a aprendizagem de novos conhecimentos pelo discente
repercute em sua transformação, na forma de vislumbrar sua realidade e de se portar
diante das situações cotidianas.
Diante do exposto, o subprojeto “Mapeamento arqueológico como instrumento de
inclusão ambiental, social e cultural no semiárido”, do Projeto Mata Branca, desponta
como importante fomentador de estudos e mapeamentos do potencial arqueológico do
município de Independência (CE). A realização desses anseios visa à proteção dos sítios
arqueológicos e/ou históricos, ao enriquecimento cultural da história do município e ao
início sutil da estruturação da cidade para o desenvolvimento de projetos que viabilizem
o turismo ecológico e científico. Assim, para a concretização de tais objetivos surge a ne-
cessidade de promover um curso de geoarqueologia para 20 (vinte) jovens estudantes do
ensino fundamental e médio de instituições públicas do município em questão, com faixa
etária entre 14 (catorze) e 17 (dezessete) anos e de ambos os sexos, para acompanharem
parte das pesquisas e serem futuros “guardiões da arte na pedra” de todo o patrimônio
geoarqueólogico independenciense. Então, a partir do treinamento e da realização dos
outros objetivos, os guardiões teriam a missão de socializar para a comunidade local,
Região dos Inhamuns e Sertões de Crateús, a importância dos sítios arqueológicos no
144
contexto ambiental, social e cultural no semiárido do Brasil (FUNDAÇÃO SENHOR
PIRES, 2010).
Dessa maneira, o ensino de Geografia desponta na realização do curso “Compreensão
do espaço geográfico e seus recursos voltados para a Arqueologia”, que tem como foco
a construção de conhecimentos relacionados ao espaço geográfico e seus recursos geoar-
queológicos, pois sabe‑se que nenhuma sociedade existiu sem se interrelacionar com o
ambiente ou construir espaços geográficos. As ocupações “primitivas” do município de
Independência (CE) estão em consonância com essa racionalidade, pois deixaram seus
vestígios materiais: tecnológicos e culturais. Logo, o entendimento arqueológico do
contexto discutido requer a compreensão do espaço geográfico independenciense e seus
recursos, todavia sempre realizando colocações de que o espaço geográfico é dinâmico
em função da sociedade e dos recursos tecnológicos e culturais que o criaram.

3 – Procedimentos técnico‑metodológicos

Inicialmente, para a realização das práticas foi realizado um trabalho de pesquisa


sobre as temáticas a serem apresentadas. Para isso, foram consultadas as obras que vêm
sendo citadas ao longo deste trabalho, além de outros títulos relacionados ao assunto.
A partir desse levantamento, foi confeccionado o material didático‑pedagógico, que
incluiu: apresentações em powerpoint, slides multicolores com imagens relacionadas às
temáticas, videodocumentários e amostras de minerais e rochas, além da confeção de
material impresso com 10 (dez) páginas.
O segundo procedimento abrangeu a apresentação do ministrante e dos cursistas.
No primeiro encontro, aconteceram diálogos de motivação dos envolvidos, tendo o intuito
de ressaltar a importância dos conteúdos do curso para o desenvolvimento moral e cogni-
tivo dos discentes. Além disso, foi destacada a relevância do tema para a (res)significação
simbólica e (re)valorização do espaço geográfico em que os discentes vivem. Convém
mencionar que isso também contribuiu para o fortalecimento das identidades e senti-
mentos de pertencimento que os aprendizes tinham pelo município de Independência (CE).
Para a concretização desses procedimentos, foram utilizadas algumas recomendações
técnico‑procedimentais didáticas propostas por ANTUNES (2010), CAVALCANTI
(2002) e LIBÂNEO (1994).
Após realizadas as ações mencionadas, ficou compreendido que os conteúdos deveriam
ser trabalhados em uma carga horária de 60 (sessenta) horas/aula, ao contrário das 20 (vinte)
horas/aula inicialmente propostas pelo projeto. Tal mudança deveu‑se à conclusão de que
executar o curso sem sanar alguns déficits de conhecimentos dos cursistas poderia acarretar o
fracasso da atividade. Além disso, a quantidade de conteúdos conceitual‑factuais exigiu que a
abordagem pedagógica fosse efetivada da forma mais participativa e didática possível, o que
exigiu uma carga horária maior. Por isso, o curso foi subdividido em três etapas de carga ho-
rária de 20 (vinte) horas cada, totalizando 60 (sessenta) horas. No que se refere às orientações
didático‑pedagógicas utilizadas para a ministração do curso, foram usadas as propostas, com
algumas adaptações, das seguintes obras: ANTUNES (2010), BZUNECK (2010), FREIRE
(1996) e LIBÂNEO (1994).
Os conteúdos do curso foram relacionados, prioritariamente, à Geoarqueologia. Para isso,
foram usadas para a fundamentação teórica as informações de RUBIN & SILVA (2008) e
145
GASPAR (2006). Nessa dimensão, entende‑se que parte dos resquícios culturais mate-
rializados no espaço geográfico são produtos de interrelações entre sociedade “primitiva”
e ambiente. Assim, a compreensão de ambos deve ser integrada, visto que um repercute
ou modifica o outro. Vale destacar que a sociedade “primitiva” era notadamente influen-
ciada e, algumas vezes, determinada pelo ambiente em função de sua cultura e seus
recursos tecnológicos. Portanto, a abordagem do curso foi transdisciplinar, pois fo-
ram trabalhados conteúdos geológicos, climatológicos, fitológicos, geomorfológicos, pe-
dológicos, geográficos, arqueológicos, entre outros.
O curso foi ministrado com aulas expositivas e práticas. Para tanto, foram utilizados:
quadro negro, aparelho multimídia (videodocumentários, videoaulas e apresentações com
powerpoint), recursos didáticos (amostras de minerais, rochas, solos e outros), apostila e
aulas práticas na cidade de Independência (CE). “Com a utilização de recursos didáti-
co‑pedagógicos, pensa‑se em preencher as lacunas que o ensino tradicional geralmente dei-
xa, e com isso, além de expor o conteúdo de uma forma diferenciada, fazer dos alunos par-
ticipantes do processo de aprendizagem” (CASTOLDI & POLINARSKI, 2009, p. 685).
Além disso, está previsto que o curso terá 10 (dez) horas/aula, do total de 60 (sessenta)
horas/aula, destinadas às atividades complementares, que consistem em exibição de DVDs
com filmes e documentários e CDs com videoaulas e programas educativos de computador
para serem explorados pelos cursistas em casa ou em sua escola, visando contribuir com a
difusão de mais informações e com o desenvolvimento dos discentes envolvidos na pesqui-
sa para solucionar suas dúvidas sem, necessariamente, precisar do professor.
Esses foram os principais procedimentos para a realização das práticas de ensino de
Geografia durante a primeira etapa do curso, que compreendeu uma breve discussão
conceitual de objetos de estudos da Arqueologia e da Geografia, para posteriormente
abordar o que são minerais, rochas, intemperismo e erosão de forma correlacionada com
a Arqueologia e com o contexto local.

4 – O desenvolvimento do curso “Compreensão do espaço e seus recursos voltados para


a arqueologia”

A primeira atividade do curso consistiu na apresentação dos participantes (alunos


e ministrante). Em seguida, foi discutida a temática a ser trabalhada. A partir de então,
foi destacada a relevância dos conhecimentos que os cursistas iriam adquirir ao longo
do curso para suas vidas, especialmente no âmbito intelectual e profissional. Tal iniciativa
teve a finalidade de introduzir os conteúdos que viriam a posteriori e motivar os discentes
participantes. Afinal, uma atividade ou conteúdo visto como sem importância para o
aprendiz não desperta motivações para ser executado ou aprendido, e sim provoca tédio
ou indiferença do discente (BZUNECK, 2010).
Posteriormente, foram definidos e discutidos os objetos de estudo da Geografia e da
Arqueologia, bem como foi detalhado o conceito de espaço geográfico e seus recursos,
principalmente os arqueológicos. Para dar ênfase ao que foi trabalhado, foram exibidos
dois documentários. O primeiro, produzido pelo History Channel e intitulado “Como
nasceu o nosso planeta”, o qual mostrou como surgiram os recursos naturais: minerais,
rochas, água, relevos e outros; o segundo, de autoria da Fundação Museu do Homem
Americano (FUMDHAM), é um documentário sobre o Parque Nacional da Serra da
146
Capivara (PI) e aborda seus recursos biofísicos e arqueológicos, tendo algumas seme-
lhanças geoambientais com a realidade independenciense.
Os vídeos contribuíram para expor situações concretas e dinâmicas acerca do conteúdo
que havia sido previamente discutido, ainda de forma genérica, e ajudaram a diminuir
a falta de alguns conhecimentos dos cursistas. Este recurso foi utilizado para maximizar
os conhecimentos dos discentes e também porque, segundo BARBOSA (2008), ele tem a
vantagem de retratar uma realidade de forma lúdica e em movimento, logo despertando
a atenção dos estudantes e tornando a aula menos entediante.
Depois das exibições dos vídeos, o passo seguinte foi a realização de uma breve
discussão sobre o que os alunos haviam compreendido dos documentários. Esse procedi-
mento é uma recomendação proposta por BARBOSA (2008) e, no contexto em questão,
auxiliou alguns discentes a perceber como os assuntos vistos podem ser entendidos
de diferentes formas. Ademais, isso também ajuda a enaltecer detalhes que para alguns
alunos são tidos como sem importância. Esse tipo de atividade contribui para uma maior
eficiência na captação e seleção de informações recebidas, visto que, após as discussões
de cunho explicativo, os alunos perceberam que alguns detalhes eram cruciais para que
pudessem entender algumas sutilezas de suas vidas.
Com isso, os cursistas mostraram desconhecer e diferenciar alguns conceitos de
minerais, rochas e outros. Em virtude disso, iniciou‑se a primeira temática do curso – os
minerais: o que são, quais suas características e a função para os “Homens primitivos”.
Vale destacar que todos os conteúdos trabalhados eram direta ou indiretamente relacionados
à Arqueologia e ao contexto local dos estudantes. Por isso, durante as atividades pedagó-
gicas, aconteceram exposições e manuseio de diversos tipos de minerais. Dentre eles, os
que eram utilizados para confecção de instrumentos líticos ou como matéria‑prima para
tintura das pinturas rupestres (quartzo, jaspes, hematita e outros). O detalhamento teóri-
co acerca das características morfológicas dos minerais deu grande fundamentação para o
entendimento de por que alguns minerais eram mais utilizados pelos homens “primitivos”
para confecção de instrumentos líticos e pinturas nas rochas, por exemplo.
A partir disso, começaram as aulas práticas de mineralogia com a observação de
rochas de calçamento das ruas adjacentes da Fundação Senhor Pires e da Praça Matriz
da cidade de Independência (CE) e foram identificadas algumas formas de lascamento de
minerais e rochas utilizadas por alguns agrupamentos “primitivos” presentes no contexto
nordestino. Essa técnica de ensino foi importante para “quebrar” a monotonia das aulas
tradicionais que os alunos estavam habituados a vivenciar. Para além disso, o manuseio e
a visualização desses materiais de forma concreta e inserida em seu contexto de vida
mostraram ser importantes recursos didáticos para tornar as atividades do curso me-
nos maçantes e mais significativas, vindo, portanto, a contribuir para o fomento da
aprendizagem dos discentes envolvidos.
O segundo tema abordado tratava das rochas: o que são, tipos e função para o “Homem
primitivo”. Para a explicação desse conteúdo foram postas várias amostras petrográficas
(ígneas, metamórficas e sedimentares) sobre uma mesa e, posteriormente, foi exibida uma
apresentação de powerpoint (slides) que tratava de definições, curtos textos informativos e
de curiosidades e fotos acerca da temática em discussão. Durante a explicação conceitual,
os cursistas compreenderam como surgem as rochas e seu ciclo dinâmico na natureza,
em seguida aprenderam alguns dos diversos tipos de rochas que compõem a litosfera
– as crostas continental e oceânica. Convém citar que todas as informações presentes
147
nas apresentações powerpoint estavam inseridas no material didático impresso (apostila)
distribuído para os alunos.
Uma vez explicados os aspectos conceituais e funcionais das rochas para a sociedade
atual e para as comunidades pretéritas, os discentes tiveram contato com amostras de ro-
chas e, depois, assistiram a uma videoaula sobre rochas, para potencializar e dinamizar seu
aprendizado. Em seguida, os cursistas viram e manusearam algumas amostras e fotos de
rochas presentes em Independência (CE), em especial as presentes nos sítios rupestres, isto
é, onde há pinturas. Com isso, entenderam os litotipos predominantes no município em
questão e compreenderam por que, por exemplo, a área não possui cavernas, e sim grandes
maciços cristalinos ou matacões, que foram pintados por antigos homens que habitavam a
região, aparentemente antes mesmo da colonização portuguesa na área. Além disso, conhe-
ceram, por meio de fotos, alguns produtos esculpidos em rochas por “homens primitivos”,
como “pilão”, “macerador de alimentos”, “cortadores”, “machadinhas” e outros.
A terceira temática do curso foi o intemperismo, um processo de suma relevância para
compreender a formação de sedimentos e destruição das rochas. O intemperismo, con-
forme SUGUIO (2003), é o processo que causa a fragmentação e/ou decomposição das
rochas em parcelas menores. Este processo pode se dar de três formas distintas, em razão
de seus agentes, podendo ser: fisíco, químico ou biológico. No âmbito do curso, tais
distinções foram explicadas com auxílio de fotografias que mostravam as feições morfo-
lógicas causadas por esses tipos distintos de intemperismo, ou seja, as fotos mostravam a
ação mecânica das raízes das árvores sobre as diaclases das rochas, vindo a fragmentá‑las.
Foram mostradas ilustrações de rochas carsticas com feições morfológicas “dissolvidas”
pela ação química da água e também a fragmentação das rochas efetuadas por suas
dilatações térmicas causadas pelo aquecimento diurno e esfriamento noturno.
Tais processos são de crucial importância, pois são por meio deles, especificamente do
intemperismo físico e químico, que surgem os campos de matacões, onde há pinturas ru-
pestres. Vale acrescentar que os referidos processos também contribuem para a destruição
do patrimônio arqueológico, em especial das pinturas rupestres, que, muitas vezes, são re-
siduais de um contexto maior apagado ao longo do tempo (GASPAR, 2006). Então, esses
processos também são relevantes por contribuir para fragmentar ou decompor minerais e
rochas usados pelo “Homem primitivo” para confecção de seus instrumentos tecnológicos.
Devido à dificuldade em achar material de apoio didático para este tema, foram
utilizados desenhos feitos pelo ministrante no quadro‑negro, e foi possível mostrar
algumas expressões desse processo materializadas em amostras de rochas vislumbra-
das e manuseadas pelos discentes. Todos esses artifícios auxiliaram na construção de
conhecimentos elementares nos cursistas, para o entendimento da dinâmica natural
ocorrente em seu meio ou espaço geográfico. Essa constatação foi percebida quando os
alunos foram questionados sobre a ocorrência desse processo em algum lugar de sua
vivência. Nesse momento, eles souberam responder com propriedade e citaram exem-
plos relacionados às suas vivências. Vale destacar que a prática de questionamentos e a
solicitação para que os alunos aplicassem o que acabavam de aprender à sua realidade
foi algo feito desde o princípio do curso, com objetivo de tornar o discente ativo na sua
aprendizagem e também facilitar o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa,
ou seja, que tenha sentido e aplicabilidade em sua realidade concreta.
Uma vez compreendido o processo intempérico, o último assunto se relacionou ao
processo erosivo – processo natural muito importante na modelação do relevo e na
148
manutenção do balanço de sedimentos nos ecossistemas. Ele foi lecionado sob o ponto
de vista pedológico. Por isso, é definido como o processo de desprendimento e trans-
porte do material particulado do solo por meio da ação da água ou do vento, sendo a
principal causa da degradação dos solos e de prejuízos sociais e ambientais (AMORIM
et al., 2001). No cenário independenciense, segundo GOMES & OLIVEIRA (2011),
a erosão apresenta‑se de diversas formas e ocorre, sobretudo, devido à superexploração
dos recursos naturais e às alterações do espaço geográfico pelas atividades sociais de variadas
intensionalidades e funcionalidades.
Em decorrência desse panorama, a temática foi ensinada a partir da apresentação de slides
e da utilização de fotografias do âmbito local. Tal processo foi associado à questão ar-
queológica no que tange à alteração, mobilização e soterramento dos vestigios arqueológicos
presentes nos mais diversos espaços geográficos mundiais e local. A temática não foi de difícil
compreensão, pois os cursistas já conheciam alguns de seus efeitos devido às suas vivências.
Para finalizar, foi mostrado o trabalho de GOMES & OLIVEIRA (2011), que apresenta
e discute a erosão na escala municipal de Independência (CE). Assim, foram levantadas dú-
vidas e questionamentos quanto ao impacto da erosão causada pelo mau uso e ocupação dos
solos sobre o patrimônio cultural do município em questão, sendo respondido que a erosão,
além de poder destruí‑los, pode comprometer o funcionamento dos agrossistemas da área em
discussão acarretando o aumento da pobreza e outros infortúnios no município.

5 – Conclusões

Com a realização da primeira etapa do curso, percebeu‑se que o uso de recursos


didáticos é essencial para a construção de conhecimentos geoarqueológicos nos discentes.
Além do mais, tais conhecimentos e recursos possibilitam uma melhor compreensão
do espaço geográfico dos cursistas. Tal constatação foi percebida por meio de diálogos,
questionamentos e explicações dos participantes do curso, que mostraram que o conteúdo
tinha sido aprendido de forma significativa e, em alguns casos, muito exitosa.
Dessa forma, a ação faz‑se relevante, pois possibilita a difusão e a construção de conhe-
cimentos relacionados aos aspectos formadores do espaço geográfico independenciense, bem
como sua utilização por grupos sociais pretéritos e atuais. Além disso, serviu como subsídio
para a formação de cidadãos críticos e envolvidos no estudo do meio, potencializando o valor
do espaço geográfico, dos recursos naturais e culturais (o patrimônio arqueológico) presentes
no município de Independência (CE).

Referências Bibliográficas

AMORIM, R. S. S., SILVA, D. da, PRUSKI, F. F. & MATOS, A. T. de (2001) – Influência da declividade
do solo e da energia cinética de chuvas simuladas no processo de erosão entre sulcos. Revista Brasileira de
Engenharia Agrícola e Ambiental. Campina Grande‑PB, 5, p.124‑130.
ANTUNES, C. (2010) – Geografia e didática. Petrópoles‑RJ: Vozes.
BARBOSA, J. L. (2008) – Geografia e cinema: em busca de aproximações e do inesperado. In: Carlos, A. F.
A. (eds.). A Geografia na sala de aula. São Paulo‑SP: Contexto, p. 109‑125.
BZUNECK, J. A. (2010) – Como motivar os alunos: sugestões práticas. In: Boruchvitch, E., Bzuneck, J. A. & 149
Guimarães, S. E. R. (Orgs.). Motivação para aprender. Petrópoles‑RJ: Vozes.
CASTOLDI, R. & POLINARSKI, C. A. (2009) – A Utilização de Recursos Didático‑Pedagógicos na Motivação
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CAVALCANTI, L. de S. (2002) – Geografia e práticas de ensino. Goiânia‑ GO: Alternativa.
FREIRE, P. (1996) – Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra.
FUNDAÇÃO SENHOR PIRES‑FSP (2010) – Mapeamento arqueológico como instrumento de inclusão
ambiental, social e cultural no semiárido. Indepedência‑CE: Fundação Senhor Pires.
GASPAR, M. (2006) – A arte rupestre no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
GOMES, R. C. & OLIVEIRA, V. P. V. (2011) – A Erosão Hídrica nos Solos do Município de Independência
– CE. In: Seabra, G. & Mendonça. I. (Org.). Educação ambiental: Responsabilidade para a Conservação
da Sociobiodiversidade. 1 ed. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 3, p. 970‑978.
LIBÂNEO, J. C. (1994) – Didática. São Paulo: Cortez.
RUBIN, J. C. R. de & SILVA, R. T. da (org.) (2008) – Geoarqueologia: teoria e prática. Goiânia‑ GO. UCG
(eds.).
SANTOS, M. (1988) – Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teórico e metodológicos da Geografia.
São Paulo: Hucitec.
SANTOS, M. (1997) – A natureza do espaço: técnica e tempo/razão e emoção. São Paulo, Hucitec.
SUGUIO, K. (2003) – Geologia Sedimentar. São Paulo: Edgard Blücher, 1.
(Página deixada propositadamente em branco)
SECÇÃO 3
A TERRA EM CONTEXTOS NÃO ESCOLARES:
LÁ FORA TAMBÉM SE APRENDE

“Para mim ainda há esperança. Por muitas vezes eu fotografei histórias que mos-
travam a degradação do planeta. Então tive uma ideia de sair fotografando fábricas
que estavam poluindo e percorrer diversos depósitos de lixo. Mas depois eu pensei
que a única maneira de nos dar algum incentivo, de trazer esperança, seria mostrando
imagens de um planeta primitivo – ver a pureza. Aí sim, nós poderíamos compreender
o que precisamos preservar.”

Sebastião Salgado, sobre o Projeto Gênesis, financiado pela Unesco, em que o


fotógrafo mostra paisagens naturais que ainda não sofreram interferência
humana, e o modo de vida de tribos, que ainda mantêm tradições ancestrais
(Página deixada propositadamente em branco)
15
INTERPRETAR AS
GEOPAISAGENS AÇORIANAS

INTERPRETING THE
AZOREAN GEOLANDSCAPES

E. A. Lima1,3 & P. Garcia 2,3

Resumo – No âmbito dos Programas Educativos do Geoparque Açores, programou‑se


um conjunto de atividades ajustadas aos currículos escolares e destinadas ao público es-
tudantil dos diferentes níveis de ensino, desde o básico ao secundário. Estas atividades,
a implementar nas nove ilhas açorianas, potenciam a abordagem da geoeducação numa
perspetiva interdisciplinar.

Palavras‑chave – Geoparque Açores; Programas educativos; Geopaisagens

Abstract – Within the Educational Programs of the Azores Geopark, it was programmed a
set of activities adjusted to the schools curricula and designed for the different students, from
primary to the secondary education. These activities, which will be implemented in all the
islands, improve the approach of geo‑education in an interdisciplinary perspective.

Keywords – Azores Geopark; Educational Programs; Geolandscapes

1
Universidade dos Açores, Departamento de Geociências, Rua da Mãe de Deus, apartado 1422, 9501‑801
Ponta Delgada – Açores, Portugal; [email protected]
2
Secretaria Regional do Ambiente e do Mar, Parque Natural de Ilha de São Miguel, Av. Antero de Quental
– Edifício dos CTT – 9ºC, 2º andar, 9500‑160 Ponta Delgada – Portugal; [email protected]
3
Associação Geoparque Açores, Centro Empresas da Horta, Rua do Pasteleiro s/n – Angústias, 9900‑069
Horta – Açores, Portugal
1 – Geoparque Açores (projeto)

O arquipélago dos Açores apresenta uma rica e vasta geodiversidade e um importante


património geológico, composto por diversos locais de interesse científico, pedagógico
154
e turístico.
Dado o caráter arquipelágico da Região, o Geoparque Açores (NUNES et al., 2011),
assenta numa rede de geossítios, dispersos pelas nove ilhas e zona marinha envolvente
(Fig. 1), i) que garante a representatividade da geodiversidade que caracteriza o terri-
tório açoriano, ii) que traduz a sua história geológica e eruptiva, iii) com estratégias de
conservação e promoção comuns e iii) baseada numa estrutura de gestão descentrali-
zada e com apoio em todas as ilhas.
Sendo um dos principais objetivos de qualquer geoparque a promoção de uma educação
e sensibilização ambientais, abordadas de forma transdisciplinar ou holística, estão em
desenvolvimento diversos conteúdos para levar avante este desígnio no Geoparque Açores.

2 – Geopaisagens dos Açores

O arquipélago dos Açores, posicionado em pleno Atlântico Norte (Fig. 2) e na jun-


ção tripla das placas litosféricas Euroasiática, Norte Americana e Africana (ou Núbia)
(Fig. 3), é caracterizado por 16 grandes edifícios vulcânicos (e.g., vulcões poligenéti-
cos), na sua maioria siliciosos e truncados por uma caldeira no topo, 9 dos quais têm
vulcanismo holocénico e estão ativos. Adicionalmente, a paisagem vulcânica açoriana
é constituída por cerca de 1750 vulcões monogenéticos (que incluem cones de escórias e
de spatter, domos, anéis de tufos, cones surtseianos e fissuras eruptivas), quer dispersos
pelos flancos e caldeiras daqueles vulcões poligenéticos, quer integrando as 11 zonas de
vulcanismo fissural basáltico (e.g., cordilheiras ou plataformas vulcânicas) existentes nos
Açores (NUNES & LIMA, 2008).

Fig. 1 – Geossítios do Geoparque Açores (117 geossítios terrestres e 4 geossítios marinhos).


155

Fig. 2 – Enquadramento geográfico do arquipélago dos Açores.

Fig. 3 – Enquadramento geodinâmico do arquipélago dos Açores (NUNES et al., 2008).

A paisagem do arquipélago dos Açores, apesar da reduzida dimensão do território insular


(cerca de 2323 km2), apresenta um vasto conjunto de formas, rochas e estruturas ímpares,
que derivam, entre outros fatores, da natureza dos magmas, do tipo de erupção que as origi-
nou, da sua dinâmica e da posterior atuação dos agentes externos da hidrosfera, atmosfera e
biosfera. A geodiversidade presente nos Açores retrata, ainda, elementos intimamente ligados
às dinâmicas do planeta Terra e, em especial, ao vulcanismo e à geotectónica desta região
do Globo, constituindo um laboratório natural de geodiversidade vulcânica.
A expressão desta diversidade traduz‑se em grandiosas morfologias e estruturas, como
caldeiras, campos lávicos, cordilheiras vulcânicas, lagoas, disjunções prismáticas, etc..

3 – Atividades educativas

Desde o final da década de 1990 existem, na Região Autónoma dos Açores, diversas
Ecotecas e Ecoescolas que levam a cabo diversas atividades de educação e sensibilização
ambientais. Os programas educativos do Geoparque Açores pretendem dar continuidade
ao trabalho desenvolvido, até então, na área da educação e sensibilização ambientais,
focando, principalmente, temas como geodiversidade, património geológico e demais
temas relacionados com as geociências, sociedade, ambiente e sustentabilidade.
No âmbito dos Programas Educativos do Geoparque Açores, programou‑se um con-
156
junto de atividades ajustadas aos currículos escolares e destinadas ao público estudantil
dos diferentes níveis de ensino, desde o básico ao secundário.
As atividades educativas pretendem ser veículos de promoção do estudo das ciências
da Terra e do ambiente e estimular o espírito crítico e científico da população estudantil.
As atividades desenvolvidas complementam ações levadas a cabo em vários outros
domínios da natureza e do ambiente e direcionam‑se para as temáticas da geodiversi-
dade, património geológico e geoconservação.
Estas atividades, a implementar nas nove ilhas açorianas, são realizadas em estreita
colaboração com os Parques Naturais de Ilha da Secretaria Regional do Ambiente e do
Mar, parceiros do projeto para a educação e sensibilização ambiental e potenciam a abor-
dagem da geoeducação numa perspetiva interdisciplinar.
Os programas educativos desenvolvidos incluem:
• a disponibilização de conteúdos online (apresentações powerpoint e respetivos
guiões para professor), na página de internet (www.azoresgeopark.com), sob os
temas “Vulcões dos Açores” e “Geopaisagens dos Açores”, diferenciados por nível
escolar (GARCIA & LIMA, 2012a‑h) (Fig. 4);
• programas para visitas de estudo aos “Geossítios da Minha Ilha” e propostas de
atividades;
• desenvolvimento do tema “Geologia na Nossa Vila/Cidade”, para exploração da
geologia urbana, potenciando a caracterização das pedras de cantaria utilizadas no
património edificado, a calçada portuguesa, etc.;
• realização de ações de reciclagem e ações de formação sobre interpretação geo-
ambiental para técnicos dos Parques Naturais de Ilha e da AZORINA S. A., guias,
técnicos de animação turística, professores e outros profissionais com interesses
nos setores (Figs. 5‑9).

Fig. 4 – Diapositivo de apresentação powerpoint do 1º Ciclo do Ensino Básico © Geoparque Açores.


157

Fig. 5 – Sessão de ação de formação para Vigilantes da Natureza © Paulo Garcia.

Fig. 6 – Visita de alunos do ensino pré‑escolar à Gruta do Carvão (ilha de São Miguel) © Paulo Garcia.

Fig. 7 – Visita de estudo de alunos do ensino secundário à Caldeira Velha (ilha de São Miguel) © Eva Lima.
A integração destas atividades no Plano Regional de Sensibilização e Educação Am-
biental dos Açores e nas atividades da Rede Regional de Ecotecas, Centros de Interpretação
Ambiental, Centros de Ciência e estruturas similares, garantirá: i) a abrangência das
temáticas das ações educativas, ii) a sua eficácia e, iii) a plena disseminação junto dos
158
públicos‑alvo das diferentes ilhas dos Açores.

Fig. 8 – Visita de estudo de alunos do ensino secundário ao Barreiro da Malbusca


(ilha de Santa Maria) © Sara Medeiros.

Fig. 9 – Sessão sobre Património Natural para alunos do 1º ciclo do ensino básico,
no auditório da Câmara Municipal das Lajes do Pico (ilha do Pico) © Carla Silva.

4 – Considerações finais

Através dos programas educativos do Geoparque Açores pretende‑se divulgar o patri-


mónio geológico e natural do Arquipélago dos Açores por todas as escolas açorianas, ou
qualquer outra que visite a Região, promovendo a interpretação das suas geopaisagens e
fenómenos geológicos associados, assim como a valorização do seu reconhecido património
geológico.
Estão em desenvolvimento outros conteúdos para complementar os existentes, visando
159
contemplar mais temáticas transversais às geociências, sociedade, ambiente e demais
componentes do património natural.

Referências Bibliográficas

GARCIA, P. & LIMA, E. A. (2012a) – Os Vulcões dos Açores. Apresentação Powerpoint – 1º Ciclo do Ensino
Básico. In: Geoparque Açores (eds.)
GARCIA, P. & LIMA, E. A. (2012b) – Os Vulcões dos Açores. Apresentação Powerpoint – 2º Ciclo do Ensino
Básico. In: Geoparque Açores (eds.)
GARCIA, P. & LIMA, E. A. (2012c) – Geopaisagens dos Açores. Apresentação Powerpoint – 3º Ciclo do
Ensino Básico. In: Geoparque Açores (eds.)
GARCIA, P. & LIMA, E. A. (2012d) – Geopaisagens dos Açores. Apresentação Powerpoint – Ensino Secundário.
In: Geoparque Açores (eds.)
GARCIA, P. & LIMA, E. A. (2012e) – Os Vulcões dos Açores. Guião do Professor – 1º Ciclo do Ensino
Básico. Geoparque Açores (eds.), 12 p.
GARCIA, P. & LIMA, E. A. (2012f ) – Os Vulcões dos Açores. Guião do Professor – 2º Ciclo do Ensino
Básico. In: Geoparque Açores (eds.), 16 p.
GARCIA, P. & LIMA, E. A. (2012g) – Geopaisagens dos Açores. Guião do Professor – 3º Ciclo do Ensino
Básico. Geoparque Açores (eds.): 15 p.
GARCIA, P. & LIMA, E. A. (2012h) – Geopaisagens dos Açores. Guião do Professor – Ensino Secundário.
In: Geoparque Açores (eds.), 16 p.
NUNES, J. C. & LIMA, E. A. (2008) – Paisagens Vulcânicas dos Açores: Valor Intrínseco Enquanto Recurso
Natural e Património Geológico. Livro de Resumos – IV Congresso Nacional de Geomorfologia, Braga,
outubro, p. 31.
NUNES, J. C., LIMA, E. A. & MEDEIROS, S. (2008) – Carta de Geossítios da Ilha de Santa Maria. Escala
1/50.000. In: Departamento de Geociências (eds.). Universidade dos Açores.
NUNES, J. C., LIMA, E. A., PONTE, D., COSTA, M. P. & CASTRO, R. (2011) – Azores Geopark Project
Application. In: Azores Geopark (eds.), 50 p.
(Página deixada propositadamente em branco)
16
FÓSSEIS E A EXPANSÃO URBANA NA CIDADE DE MAFRA
(SANTA CATARINA – BRASIL)

FOSSIL AND URBAN EXPANSION IN THE CITY OF MAFRA


(SANTA CATARINA – BRAZIL)

L. C. Weinschütz1 & M. Mets2

Resumo – A ocorrência de fósseis na cidade de Mafra é conhecida desde 1930, com a


publicação dos primeiros trabalhos a respeito, mas no ano de 1997 a cidade de Mafra ficou
conhecida no cenário da paleontologia brasileira, em virtude do conflito ocorrido quando
da descoberta de uma camada fossilifera durante a terraplanagem para a instalação de uma
grande indústria. Foi então que a Municipalidade, juntamente com a Universidade local,
discutiu e definiu as medidas necessárias para a proteção e preservação deste patrimônio
sem prejudicar o desenvolvimento urbano, sendo também criado o Centro Paleontológico
da Universidade do Contestado e o Museu da Terra e da Vida, democratizando assim o co-
nhecimento ciêntífico, inserindo a comunidade e seus gestores no contexto da importância
de preservação deste patrimônio natural.

Palavras‑chave – Preservação; Fósseis; Desenvolvimento; Mafra; Brasil

Abstract – The occurrence of fossils in the town of Mafra is known since 1930, with
the publication of the first studies, but in the year 1997 the town of Mafra became known
in the scenario of the Brazilian paleontology by the conflict occurred with the discovery of
an important fossil bed during the excavation works for the installation of a big industry.
It was then that the town hall together with the local university discussed and defined the
necessary measures for the protection and preservation of this inheritance without damaging
the urbane development. Soon after that, the Paleontological Center of the University of
the Contestado and the Museum of Earth and Life were created, thus democratizing the
scientific knowledge, inserting the community and its leaders in the context of the impor‑
tance of preservation of this natural inheritance.

1
Coordenador do CENPÁLEO/Universidade do Contestado, Brasil; [email protected]
2
Diretora de Execução do Plano Diretor de Mafra, Prefeitura Municipal de Mafra, Brasil;
[email protected]
Keywords – Preservation; Fossils; Development; Mafra; Brazil

1 – Introdução
162
A cidade de Mafra está situada no Norte do estado de Santa Catarina (SC), na divisa com
o estado do Paraná, e inserida na borda leste de afloramento da Bacia Sedimentar do Paraná.
A Bacia Sedimentar do Paraná (ou Bacia do Paraná) ocupa uma grande área do
centro‑leste da América do Sul. Sua ocorrência no Brasil abrange desde o estado do
Mato Grosso até o estado do Rio Grande do Sul, mas também se distribui no nordeste
da Argentina, leste do Paraguai e no norte do Uruguai. Tem forma ovalada, com o eixo
maior quase norte‑sul, e possui uma área de cerca de 1,5 milhão de km², e espessura má-
xima superior a 7000 m na sua porção central (Fig. 1). As rochas que compõem a Bacia
do Paraná têm origem sedimentar e ígnea, e datam de um intervalo de tempo entre 460
e 65 milhões de anos atrás.

Fig. 1 – Posicionamento da Bacia Sedimentar do Paraná na América do Sul,


e no detalhe (seta) a localização da cidade de Mafra, SC.

Apresenta‑se dividida em seis supersequências, sendo que na região de Mafra afloram


rochas pertencentes à supersequência denominada Gondwana I, que teve sua deposição
do Carbonífero superior ao Triássico inferior (315 m.a. a 245 m.a.). É a maior unidade
da Bacia do Paraná, e uma das mais expressivas unidades geológicas a mostrar uma se-
quência quase completa do período Permiano em todo o planeta (MILANI et al., 2007).
Sua porção basal marca uma grande mudança no hemisfério sul, com a ocorrên-
cia da grande glaciação gondwânica, cujo pico ocorreu no Carbonífero inferior, e fez
com que ocorresse o recuo dos oceanos pelo grande congelamento de águas nos polos e
montanhas. Nesta fase ocorreu a formação de extensos depósitos de rochas sedimentares
com características glaciais. Estes depósitos são constituídos principalmente por arenitos,
diamictitos, conglomerados, varvitos e rochas argilosas, que estão agrupados em uma
unidade denominada Grupo Itararé.
Embora este período glacial tivesse uma longa duração, por várias vezes ocorria
certo aquecimento (períodos interglaciais que são reconhecidos no registro geológico
do Grupo Itararé). Estes períodos de aquecimento causavam o aumento do nível dos ocea-
nos (por derretimento do gelo) e consequentemente a invasão de águas dos oceanos
163
para o interior da bacia, formando mares interiores onde a vida então se transformava
e diversificava como observado nos folhelhos fossilíferos deste período encontrados na
cidade de Mafra, SC, ricos em fósseis de peixes, esponjas, braquiópodes, conodontes,
crustáceos e insetos (Fig. 2).
Este folhelho fossilífero, conhecido como folhelho Lontras, aflora em aproximada-
mente 25% do quadro urbano, abrangendo os bairros Faxinal, Vila Nova, Restinga e
parte do Centro.

Fig. 2 – Fósseis com ocorrência em Mafra, SC: Peixe paleoniscídeo, escala 5cm (A);
Esponja, escala 2cm (B); Holometábolo basal, escala 1cm (C); Conodontes, escala 2mm (D).

2 – Dos acontecimentos

Fósseis na cidade de Mafra são conhecidos desde 1930, como os trabalhos de EUZÉBIO
DE OLIVEIRA. Desde então, diversos outros trabalhos foram publicados, mas foi no ano
de 1997 que os fósseis da cidade de Mafra tiveram repercursão nacional, com o episódio en-
volvendo a implantação de uma indústria no bairro Faxinal e a ocorrência de fósseis durante
a fase de corte do terreno e a comunidade científica preocupada com a salvatagem e preser-
vação destes fósseis, pois muitas peças estavam sendo destruídas ou retiradas do local por
curiosos para servirem como souvenir.
Após várias reuniões envolvendo representantes da Prefeitura local, DNPM, SBP e
diversas Universidades interessadas, definiu‑se pela retirada do material denonado do
local e sua deposição na Universidade local (Universidade do Contestado, UnC), que
se comprometeu em construir um abrigo provisório para o material e contratar um
paleontólogo que iniciaria a implantação de um centro de pesquisa.
A municipalidade se comprometeu em adquirir um terreno próximo do fato ocorrido,
transformando este em área de interesse do patrimônio natural, que foi então desapropriado
e posteriormente doado à UnC exclusivamente para fins científicos.
Na sequência dos fatos, em 1998 foi criado um pequeno museu denominado Museu
164
da Terra e da Vida, caracterizado por ser a parte expositiva do CENPÁLEO, que tem a
finalidade de levar para a comunidade o conhecimento sobre história natural.
Todos estes acontecimentos apontaram para necessidade de medidas de controle da ex-
pansão urbana sobre as áreas de ocorrência do folhelho fossilífero, fato que ocorreu nos anos
seguintes, com a revisão do Plano Diredor da Cidade de Mafra.
O Plano Diretor original de Mafra data de 1988, e nele não havia citações referentes
ao Patrimônio Natural, sendo que no ano de 2006 iniciou‑se sua primeira revisão, e com
ela a oportunidade de inserir medidas de controle nas áreas urbanas de ocorrência do
folhelho fossilífero.

3 – Metodologia

Como o folhelho fossilífero ocorre em área restrita no quadro urbano municipal,


havia a necessidade de mapear a sua ocorrência, o que foi realizado por WEINSCHÜTZ
(2002), em seu trabalho de mestrado.
Na etapa de revisão do plano diretor, em reunião entre representantes da municipa-
lidade e técnicos da área das ciências naturais, foram estabelecidas as regras, bem como
foi redigido o texto referente ao artigo específico na Lei de uso e ocupação de solo do
Município sobre as áreas de ocorrência do folhelho fossilífero, que cita o seguinte;
“Zonas Especiais de Interesse do Patrimônio Natural (ZE‑IPN) – são áreas contidas
dentro do quadro urbano envolvendo outras macrozonas, onde existe a possibilidade da
ocorrência de Fósseis, sendo necessária avaliação prévia para uso dada por instituição de
ensino superior ou órgão de pesquisa ligado às ciências naturais” (KALOW et al., 2006).
Trata‑se de um zoneamento com sobreposição a outros, e que tem o intuito de infor-
mar a comunidade científica sobre obras a serem realizadas na área de afloramento do
folhelho fossilífero, possibilitando o acompanhamento dos serviços e, caso seja necessário,
o resgate de peças com o devido controle estratigráfico e tafonômico. Vale ressaltar que a
legislação não proíbe o uso das áreas em questão, apenas regulariza a necessidade de um
acompanhamento técnico durante a execução de obras de engenharia.
O trâmite na Prefeitura começa com a solicitação de autorização do interessado para
a realização do empreendimento e, sendo o caso, dentre outros documentos é solicitado
que este requeira o acompanhamento de um técnico da área das ciências naturais durante
as obras de fundação, o que é feito mediante pagamento de taxa específica, que reverte
em parte para a instituição de pesquisa.

4 – Aspectos atuais

Desde os acontecimentos de 1997, com a problemática da ocorrência dos fósseis durante


as obras de instalação de uma indústria, muito se evoluiu com relação a esse patrimônio
natural. Dentre os principais benefícios para Mafra e região podemos citar:
4.1 – Criação do Centro Paleontológico da Universidade do Contestado – CENPÁLEO

Foi criado no final do ano de 1997 com objetivo de desenvolver pesquisas nas áreas
da Geologia e Paleontologia, com ênfase nas ocorrências permo‑carboníferas do planalto
norte do Estado de Santa Catarina. 165
A equipe do CENPÁLEO, embora pequena, já desenvolveu dezenas de trabalhos
científicos, duas teses de mestrado e duas teses de doutorado, além de eventos científicos
regionais, como encontros relacionados à paleontologia e cursos de capacitação de professores
na área da história natural.

4.2 – Criação do Museu da Terra e da Vida

Inaugurado em 1998, em uma pequena sala com 120 m², hoje conta com aproxima-
damente 600 m² de exposição, e atende em torno de 1000 visitantes por mês, oriundos
principalmente de cidades do entorno de Mafra.
Os visitantes são representados principalmente por estudantes do ensino básico e
fundamental, onde professores utilizam o museu como ferramenta didática no ensino da
história da Terra. Instituições de ensino superior (universitário) também utilizam regu-
larmente o museu, principalmente os cursos de Geologia, Biologia e Geografia.
A exposição conta com aproximadamente 700 peças em exposição, divididas em sala do
Universo, Sala da Terra, Sala da Vida Antiga, Grandes Répteis do Brasil e Sala da Vida Atu-
al, e a reserva técnica conta aproximadamente 9.500 peças tombadas (Fig. 3), representadas
principalmente por fósseis de idade permo‑carboníferos da Bacia Sedimentar do Paraná.

Fig. 3 – Vista interna do Museu da Terra e da Vida: sala da Vida Antiga (A);
sala dos Grandes Répteis do Brasil (B).

4.3 – Criação da Área de Pesquisa de Campo – CAMPÁLEO

Em 1998 a Municipalidade decretou uma área urbana próxima ao local do episódio


deflagrador dos acontecimentos, como área de interesse científico. No ano de 2003 esta
área com 38.000 m² foi desapropriada e transferida para a universidade local, exclusiva-
mente para fins de pesquisa.
Hoje, a área encontra‑se totalmente cercada, com placas informativas, cobertura fixa
no local de excavação, que é realizada de forma sistemática, bem como vem recebendo visitas
agendadas de grupos de estudantes para trabalhos de campo.
5 – Considerações finais

O caso ocorrido em Mafra configura um bom exemplo de como a sociedade cientí-


fica, a municipalidade e a comunidade podem transformar o que parecia ser um proble-
166 ma, numa oportunidade de desenvolvimento cultural da região.
Hoje, o município de Mafra é modelo no cenário nacional com relação a interação do
desenvolvimento urbano e patrimônio natural. As simples medidas adotadas na forma de
Lei pela revisão do Plano Diretor facilitaram o acesso dos cientistas nos locais com obras
possiveís de ocorrência de fósseis. O conhecimento adquirido com as pesquisas científicas
retornam para sociedade na forma de exposições no Museu da Terra e da Vida, publicações
em revistas e cursos de capacitação de professores da rede de ensino público da região.

Agradecimentos – Os autores agradecem a municipalidade de Mafra pelo empenho


em resolver as questões, incluindo a sociedade e comunidade científica no processo, e a
Fundação Victor Dequech pelo apoio financeiro ao CENPÁLEO nos últimos anos.

Referências Bibliográficas

KALOW, D., WEINSCHÜTZ, L. C., DUTRA, J. J., METS, M., SCHLTZ, S. L. & MORITZ, E. D. (2006)
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WEINSCHÜTZ, L. C. (2002) – Análise Faciológica e Estratigráfica do Grupo Itararé (Permocarbonífero)
Região de Rio Negro‑Mafra, Borda Leste da Bacia do Paraná. Tese de Mestrado, Departamento de
Geociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 57 p.
17
A EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES E A PERCEPÇÃO DO TEMPO
GEOLÓGICO: OFICINA E EXPOSIÇÃO NUM PROJETO DE
COOPERAÇÃO ENTRE O BRASIL E CABO VERDE

THE EVOLUTION OF THE SPECIES AND THE PERCEPTION OF


GEOLOGICAL TIME: WORKSHOP AND EXHIBITION IN THE
COOPERATION PROJECT BETWEEN BRAZIL AND CAPE VERDE

K. L. Mansur1

Resumo – No Brasil, desde 2008, foi desenvolvido o projeto Caminhos de Darwin que
estabeleceu uma rede de comunicação entre 12 localidades do Estado do Rio de Janeiro visi-
tadas pelo naturalista em 1832. Em 2009 foi comemorado o Ano Darwin, relativo aos 200
anos de nascimento do naturalista. Diversos países por onde ele passou em sua viagem a
bordo do HMS Beagle realizaram atividades. Antes de chegar ao Brasil, Darwin passou por
Cabo Verde. Neste contexto, autoridades brasileiras e cabo‑verdianas organizaram ações para
compartilhamento da metodologia utilizada no Brasil para mobilização de escolas e comuni-
dades. Foram desenvolvidas duas oficinas, sendo uma com professores e outra com crianças e
adolescentes no Centro Cultural Brasil – Cabo Verde, na cidade de Praia. Para este segundo
grupo, foi desenvolvida uma atividade sobre o tempo geológico e a evolução das espécies
baseada na proporção entre cores de uma fita, onde o vermelho representa o Pré‑Cambriano,
azul o Paleozoico, verde o Mesozoico e amarelo o Cenozoico. As cores e tempo decorrido fo-
ram correlacionados a gravuras de paleoambientes. A passagem de Darwin pelo arquipélago
foi destacada e discutida a importância do seu trabalho para o entendimento da evolução da
vida na Terra. Ao final de quatro dias foi montada uma exposição com desenhos para cada
período de tempo, além de esculturas em massa de modelar, réplicas de fósseis com massa de
farinha de trigo e água, instalações com rochas e conchas, cartazes, apresentação em meio
eletrônico e dobraduras em papel, com criatividade e qualidade artística e científica.

Palavras‑chave – Charles Darwin; Percepção do Tempo Geológico; Brasil; Cabo Verde

1
Departamento Geologia, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil;
[email protected]
Abstract – In 2009, several countries visited by Charles Darwin in the voyage of HMS
Beagle celebrated the anniversary of 200 years of his birth, named “The Darwin Year”. Since
2008 the Caminhos de Darwin project has been developed in Brazil. Under this frame a
network between 12 places of the State of Rio de Janeiro visited by Darwin in 1832 has been
168
established. Before his voyage to Brazil, Darwin was in Cape Verde. In this context, authori‑
ties from Brazil and Cape Verde organized activities to share the methodology used in Brazil
to mobilization of schools and communities. Two workshops were developed for teachers and
young people. In this last case, the activities took place at the Centro Cultural Brasil – Cabo
Verde. The geological time and the evolution of the species were chosen as themes. Ribbons of
different colors and lengths were used in order to consider the proportion in time, as follows:
(a) the red ribbon represents the Precambrian, the biggest time; (b) blue to Paleozoic age;
(c) green to Mesozoic; and (d) yellow to Cenozoic. The colors and time were correlated to
paleoenvironments pictures. The stay of Darwin in the archipelago was highlighted to the
children and teens and it was discussed his importance to the understanding the evolution of
the life on the Earth. The young people organized an exhibition with drawings, sculptures,
installation with rocks and shells, banners, presentation in digital media, origami, and
others. The produced material shows creativity and artistic, as well as scientific quality.

Keywords – Charles Darwin; Perception of the Geological Time; Brazil; Cape Verde

1 – Introdução

Charles Darwin, em sua viagem pelo mundo a bordo do navio HMS Beagle, esteve no
Brasil em 1832, quando ficou no Rio de Janeiro de 4 de abril a 5 de julho. Em 1836, no
retorno à Inglaterra, passou por Salvador e Recife. Na primeira passagem, o jovem Darwin
acabava de completar 23 anos. Esta foi sua segunda parada em terra firme, após o Beagle
zarpar da Inglaterra em 27 de dezembro de 1831. O seu primeiro desembarque foi no arqui-
pélago de Cabo Verde, entre 16 de janeiro e 8 de fevereiro. Segundo seu descendente Richard
Darwin Keynes no prefácio do livro Charles Darwin’s Notebooks from the Voyage of the Beagle
(CHANCELLOR & VAN WYHE, 2009), Darwin se transformou de estagiário em geólo-
go logo nas primeiras semanas e meses da viagem.
Em seu diário, relatos emocionados comprovam o encantamento ao se deparar com
a floresta tropical: “O dia passou deliciosamente. Delícia, no entanto, é um termo fraco
para exprimir os sentimentos de um naturalista que, pela primeira vez, se viu perambu-
lando por uma floresta brasileira”, conforme tradução do texto que abre a descrição da
sua chegada em Salvador (DARWIN, 1839).
Apesar de bem documentada, a vinda de Darwin ao Brasil e, em particular ao Estado
do Rio de Janeiro e seu interior, nunca foi muito difundida no país. Ao chegar ao Rio de
Janeiro, fez uma viagem de 16 dias a cavalo, entre 8 e 24 de abril, quando descreveu cidades
e comentou sobre seus habitantes, observou a paisagem, descreveu o ambiente e as relações
sociais, em particular a escravidão, e coletou materiais biológicos e geológicos.
Munidos dessas e outras informações, pesquisadores, profissionais da área de popula-
rização da ciência, jornalistas e representantes municipais discutiram sobre esse itinerário.
Em cada local se deu uma movimentação em torno do assunto, pois não só as comunidades
tiveram acesso pela primeira vez ao diário em português, como também muitas histórias vêm
sendo recuperadas por moradores, professores e alunos, que sentem orgulho em fazer parte
do roteiro que marca a passagem de um dos cientistas mais importantes da história.
Assim surgiu o projeto “Caminhos de Darwin” – um roteiro turístico‑científico
cujo principal objetivo é proporcionar um resgate da importância do Brasil na história
169
da ciência relacionada a Charles Darwin. A partir da identificação dos locais por onde
Darwin passou (SIMÕES et al., 2011), foi possível, então, em 2008, organizar uma
expedição para instalação de marcos comemorativos (Fig. 1a) e implantação de proje-
tos educacionais (MOREIRA et al., 2009). Foram desenvolvidas ações e atividades que
promoveram o resgate dessa história junto às populações locais, tais como: palestras;
realização de caminhadas por trilhas; coletas de amostras de rochas e minerais descritos
por Darwin; apresentação de peças de teatro; sessão de kit de vídeos sobre evolução para
cada município; doação de material de divulgação, revistas, livros e DVDs. Uma ativi-
dade que vem sendo mantida é a Semana Intermunicipal Darwin (Fig. 1b), que acontece
todo mês de novembro desde a expedição de 2008. Acredita‑se que os “Caminhos de
Darwin” podem representar um estímulo às economias locais.
Trata‑se de um itinerário sob a perspectiva da história da ciência, que integra o Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI, a Casa da Ciência da UFRJ, o Departamento
de Geologia da UFRJ, os Caminhos Geológicos/DRM‑RJ, instituições de ensino e pesquisa,
empresas, ONGs, redes de ensino e representantes de governos municipais. O projeto tem
proporcionado um novo olhar de moradores e visitantes para essas cidades e essa experiência
tem estimulado outros estados brasileiros, além de países como Uruguai e Cabo Verde.

Fig. 1 – (a) Randal Keynes, tataraneto de Darwin, ao lado de uma professora e seu aluno em Niterói,
durante a inauguração de um dos marcos comemorativos da passagem de Darwin no Estado do Rio
de Janeiro (nov. 2008) – Foto: Casa da Ciência. (b) Teatro sobre a expedição de Darwin ao interior
do Estado do Rio de Janeiro, durante a Semana Intermunicipal Darwin (nov. 2009).

Em 2009, os governos do Brasil e de Cabo Verde, por meio do MCTI e do Ministério


das Relações Exteriores/Embaixada do Brasil em Cabo Verde e da Comissão do Ano Inter-
nacional de Darwin de Cabo Verde e Universidade de Cabo Verde – UNI‑CV solicitaram à
coordenação do projeto Caminhos de Darwin que compartilhasse a experiência brasileira,
na forma de discussão da metodologia utilizada. Em setembro foi organizada a visita técnica.
Foi realizada reunião com a Comissão do Ano Internacional Darwin, que então
programava as comemorações no país, como exposição, inauguração de painel e de
avenida com o nome de Darwin na capital Praia. Também, mesmo em período de
férias, professores do ensino médio participaram de três dias de oficinas que envol-
veram palestras, leituras conjuntas do diário de Darwin e trabalho de campo em
locais descritos pelo naturalista.
170
Aproveitando esta visita técnica, o Centro Cultural Brasil – Cabo Verde – CCB‑CV
solicitou a realização de atividades com as crianças e adolescentes cabo‑verdianos que
participavam da colônia de férias em suas instalações (http://www.ccb.cv/article/196 e
http://www.youtube.com/watch?v=TMZSNAeI11o). Foi elaborada, então, uma oficina
que trata da evolução da vida na Terra e do tempo geológico. Este trabalho tem como
objetivo descrever a metodologia desenvolvida e os resultados alcançados.

2 – Metodologia

2.1 – Motivação

Charles Darwin possui um grande apelo para projetos de divulgação científica.


Colocando‑o no contexto de sua época, é possível uma ampla gama de abordagens
históricas, como o momento vivido pela Inglaterra no período vitoriano, o avanço tec-
nológico e científico do século 19, as viagens dos naturalistas, a vinda da Família Real
portuguesa para o Brasil, entre muitos outros. Permite, também, uma análise ambiental
conjugada com a histórica, dados os relatos dos naturalistas, principalmente nos países
tropicais e no Brasil em particular. “Darwin se insere muito bem em todas estas pers-
pectivas relacionadas à natureza e à evolução do pensamento naquela época, quando o
conhecimento sobre o homem, o nosso planeta e as ciências (geologia, biologia, química,
física, por exemplo) experimentaram um grande avanço. A Teoria da Evolução das
Espécies [...] permitiu que o homem pudesse lançar, cientificamente, um olhar sobre
sua origem e a da vida na Terra” (MANSUR, 2009, p. 6).
O desafio, então, foi encontrar uma forma de abordagem que permitisse trabalhar tanto
com crianças quanto com adolescentes. A solução veio a partir da leitura da 6ª edição da
“Origem das Espécies pela Seleção Natural”, quando Darwin cita James Croll (1821‑1890),
autor de importantes trabalhos, como o que atribui mudanças climáticas a fatores astronô-
micos (FLEMING, 2006). Darwin escreveu: “Mr. Croll gives the following illustration: Take a
narrow strip of paper, 83 feet 4 inches in length, and stretch it along the wall of a large hall; then
mark off at one end the tenth of an inch. This tenth of an inch will represent one hundred years,
and the entire strip a million years. But let it be borne in mind, in relation to the subject of this
work, what a hundred years implies, represented as it is by a measure utterly insignificant in a hall
of the above dimensions” (DARWIN, 1872, p. 269).

2.2 – A atividade com as crianças no CCB‑CV: O Tempo da Terra e a Evolução da Vida

Foram realizadas atividades durante quatro dias em meio período, seguindo a meto-
dologia descrita a seguir (MANSUR, 2010):
i. Objetivo geral: trabalhar a história da evolução da vida no planeta Terra, conside-
rando o tempo geológico.
ii. Objetivos específicos: introduzir o tema da passagem de Charles Darwin por
Cabo Verde para crianças e jovens, considerando‑se que o entendimento da evo-
171
lução das espécies se faz também pela observação da variação da vida ao longo do
tempo geológico, por meio do estudo dos fósseis. Ao final do trabalho, produzir
uma exposição sobre a evolução.
iii. Público‑alvo: jovens de 5 a14 anos que participavam da colônia de férias no
CCB‑CV.
iv. Materiais:
a) fitas: vermelha (4,025 m), azul (0,291 m), verde (0,186 m) e amarela (0,065 m),
unidas na seguinte ordem: vermelho, azul, verde e amarelo;
b) figuras: reproduções de ambientes e formas de vida do Pré‑Cambriano, Paleozoico,
Mesozoico e Cenozoico. Para as crianças não foram usados estes nomes, e sim
como tempo Vermelho, Azul, Verde e Amarelo, respectivamente.
c) materiais: papel, lápis e lápis de cor ou outros materiais para fazer esculturas ou
relevos, tintas, etc. Pode‑se usar brinquedos, colagens de figuras, materiais recicláveis,
sementes, folhas, rochas, conchas, massa de modelar, argila, etc.
v. A divisão do tempo:
a) Tempo Vermelho: o Pré‑Cambriano – O mais antigo: compreende cerca de 87%
da história da Terra. Vai desde a origem do nosso planeta junto com o sistema
solar há 4,567 bilhões de anos até 542 milhões de anos. Somente uma pequena
quantidade das rochas deste tempo possui fósseis. A paisagem: vulcões, meteoros,
crateras de impacto, a colisão do meteoro que gerou a Lua, a origem da vida primitiva
no mar (as bactérias e algas), formação dos mares pela condensação e chuvas a partir
do vapor d´água das erupções vulcânicas, formação da atmosfera e da camada de
ozônio (para proteger a vida que se iniciava), aparecimento dos primeiros organismos
mais complexos (multicelulares).
b) Tempo Azul: o Paleozoico – Vida antiga: de 542 até 251 milhões de anos. A pai‑
sagem: a vida se espalha nos oceanos, vai se tornando mais complexa, aparecem os
vertebrados, peixes, as plantas surgem nas bordas dos continentes e depois a vida
invade as terras emersas. Florestas de coníferas se formam. Aparecem répteis carní-
voros e herbívoros, além de insetos. Ao final do Paleozoico, ocorre um dos maiores
episódios de extinção da Terra, onde 95% das espécies marinhas e 70% das terrestres
são extintas (o motivo: impacto de meteoro, glaciação, vulcanismo em larga escala,
um fato isoladamente ou motivos combinados?). A vida na Terra se reorganiza.
c) Tempo Verde: o Mesozoico – Vida média: de 251 até 65 milhões de anos. A paisa‑
gem: durante o Mesozoico a vida, tanto marinha quanto continental, se moderniza.
Domínio total dos répteis. Nos continentes surgem e predominam as plantas com
flores. Os primeiros mamíferos surgem: eram pequenos e tinham hábito noturno
para escaparem dos principais predadores, os dinossauros. Estes reinam absolutos.
São extintos ao final deste tempo pela colisão de um meteoro. Aves dividem os céus
com répteis voadores.
d) Tempo Amarelo: o Cenozoico – Vida atual: de 65 milhões de anos até o presente.
Paisagem: domínio dos mamíferos: baleias, golfinhos, megafauna (tatu e preguiça
gigante, mamute, mastodonte, tigre de dentes de sabre, etc.), cavalos, felinos e
morcegos (mamíferos voadores). Surge o homem. Ocorrem glaciações cíclicas.
O homem altera a natureza e cria estruturas que alteram a paisagem: ação geológica
do homem?
vi. Atividade:
172
a) Esticar a fita no chão ou prender na parede, informando aos jovens que a vida na
Terra se divide em quatro partes: o tempo Vermelho, o Azul, o Verde e o Amarelo.
Informar que o tamanho da fita é proporcional ao período decorrido em cada um
dos tempos, reforçando o fato do vermelho ser o maior deles e que o tempo ama-
relo, dos mamíferos, onde o homem se insere, é o menor (Fig. 2a).
b) Foi feita uma descrição sobre a vida em cada um dos tempos, como apresentado
no item “v. A divisão do tempo”. Grupos de gravuras com reconstituição paleo-
ambiental de cada tempo, identificados com adesivos na cor característica, foram
apresentados aos jovens (Fig. 2a). Estas gravuras foram plastificadas para resisti-
rem ao manuseio.
c) Foram impressas setas com as idades dos limites dos tempos representados pelas
cores e outra sem data, que representa a continuidade do tempo. Com isto, foi pos-
sível realizar discussão sobre a preservação ambiental, levando a indagações como:
que planeta será o nosso se continuamos a destruir a natureza? Isto estimulou uma
conversa sobre os motivos das mudanças na vida da Terra, isto é, as extinções cau-
sadas pelos fenômenos naturais.
d) Inicialmente os jovens foram divididos em quatro grupos e cada um deles deveria
dizer o que achou de seu tempo, mas este método não funcionou bem, porque a
maioria queria ficar com os desenhos do tempo verde, dos dinossauros. Na ativida-
de realizada, a melhor abordagem foi a de apresentar cada tempo separadamente e
pedir para as crianças desenharem com base nas gravuras. Depois, passava‑se para
o tempo seguinte. Cada desenho feito era identificado com um adesivo na cor do
tempo correspondente (Fig. 2b).
e) Enquanto os desenhos eram feitos, foi inserida a informação de que Darwin,
autor da mais importante teoria sobre a origem da vida ainda no Século xix,
havia passado por Cabo Verde há 177 anos e que ele viajava em um barco (Fig.
2c). Alguns quiseram assistir vídeos sobre Darwin, o que foi providenciado,
utilizando‑se o material selecionado e cedido pelo projeto “Ver Ciência” (http://
verciencia.com.br/).
f) A maior parte dos participantes do primeiro dia da oficina quis repeti‑la nos dias
seguintes e novos jovens foram se incorporando. Alguns levaram materiais de suas
casas para usá‑los nos trabalhos que fizeram no dia anterior ou, mesmo, para pro-
dução de novos.
g) Os desenhos foram separados por cor e tema e no último dia foram colados em
cartolinas decoradas por eles mesmos para compor a exposição (Fig. 2d e Fig. 2e).
h) Também foram produzidas réplicas de folhas com massa de farinha de trigo,
animais com massa de modelar e outros trabalhos em relevo e desenho (Fig. 2f).
i) Ao final, por sugestão da Diretora do CCB‑CV, os participantes escreveram cartas
para crianças brasileiras, descrevendo como é Cabo Verde e o que aprenderam
na atividade. Estas cartas foram encaminhadas a escolas de um município que
participa do projeto.
j) Todo o material produzido foi fotografado.
173

Fig. 2 – (a) Fita com as frações coloridas na proporção do tempo e gravuras com paleoambientes marcadas
com adesivo colorido. (b) Dinossauros e répteis voadores do tempo verde. (c) Navio Beagle.
(d) e (e) Desenhos na exposição; e (f) Dinossauro e seus ovos em massa de modelar.

3 – Resultados

Foram produzidos 100 itens para a exposição, sendo 8 na forma de esculturas, dobra-
duras, moldes de folhas, apresentação em meio digital com pesquisa sobre tempo geológico
ou instalação com conchas‑rochas‑desenhos. As demais 92 peças são desenhos que podem
ser subdivididas em: 21 sobre o tempo vermelho, 12 do tempo azul, 24 do tempo verde e
21 do amarelo. Sobre Darwin e/ou o Beagle foram feitos 11 desenhos e 3 versaram sobre o
tempo como um todo (Fig. 3).
Toda a produção foi exposta na recepção do CCB‑CV (Fig. 2d e 2e) na forma de car-
tazes para os desenhos ou em bancadas para as esculturas / instalações / réplicas.
Um menino (7 anos) perguntou se Darwin disse que os homens descendem de macacos.
Um dos alunos, com 8 anos, comparou Darwin com Amílcar Cabral, um herói nacional.
174

Fig. 3 – Gráfico com a distribuição dos itens produzidos para a exposição. Os termos “amarelo”,
“verde”, “azul” e “vermelho” correspondem aos desenhos produzidos para cada intervalo
de tempo. “4 tempos” significa desenho representando todas as faixas.

Uma aluna produziu uma instalação com conchas e rochas de grande beleza, criati-
vidade e originalidade. Nele estão reproduzidos os 4 tempos estudados e um quinto, o
futuro, com uma figura de sereia, porque elas “ainda não existem” (Fig. 4a).
Slogans também foram produzidos, como “Vejo a evolução na palma da mão”, com
um cartoon da evolução da vida dentro do desenho de uma mão (Fig. 4b).
Uma aluna de 12 anos produziu uma apresentação em meio digital sobre a origem
da vida na Terra. O material tem como base o conteúdo discutido na oficina, com a
incorporação de figuras, dados e informações obtidas em pesquisa feita na internet.

Fig. 4 – (a) Instalação com conchas, rochas e desenhos indicando os 4 tempos: vermelho: bactérias
e vulcões; azul: peixes e vida marinha; verde: dinossauros; amarelo: humanos; e sem cor: sereias.
(b) Desenho “Vejo a evolução na palma da mão” representando os 4 tempos.

4 – Conclusões e desdobramentos

Foi produzido material de excelente qualidade artística e muita criatividade. Obvia-


mente, o entendimento do tema varia com a idade (Fig. 5a), mas foi possível evidenciar
para o grupo que a Terra passou por tempos distintos com predomínio de algumas
formas de vida que foram evoluindo e, mesmo, se extinguindo. As crianças menores não
alcançam a plenitude do tema, mas entenderam que a vida era diferente no início da his-
tória da Terra. Isto ficou claro a partir da análise dos diversos trabalhos realizados, que
permitiram concluir que os jovens entenderam que a diversidade da vida foi construída
desde o tempo vermelho com suas bactérias até o homem, no tempo amarelo.
A atividade com as crianças foi coberta por dois canais de televisão, o que ajudou a
repercutir a passagem de Darwin por Cabo Verde. Assim como no Brasil, no arquipélago
175
não era corrente o conhecimento sobre este episódio da história da ciência.
Ainda, foi possível montar a exposição com os desenhos das crianças no CCB‑CV,
estreitando os laços entre o Brasil e Cabo Verde no processo de divulgação científica.
Como desdobramento, esta oficina já foi replicada algumas outras vezes no Brasil,
tendo sido, inclusive, realizada em atividades ao ar livre, sem a confecção de desenhos e
somente com a manipulação das figuras e da fita colorida (Fig. 5b). Outra adaptação ao
método original foi o uso de cordões e pregadores de roupa para montagem de exposições,
sem a necessidade de paredes e cartolinas para colagem.

Fig. 5 – (a) Desenho sobre “famílias de dinossauros”. (b) Oficina realizada em uma salina
do Estado do Rio de Janeiro (participação do Professor Ismar Carvalho da UFRJ).

Agradecimentos – Somos especialmente gratos às crianças e adolescentes de Cabo


Verde que participaram das oficinas. Agradecemos à Embaixada do Brasil em Cabo Verde,
em particular à Embaixadora Maria Dulce Barros, pela gentil e carinhosa acolhida; à
equipe do CCB‑CV, em especial à Diretora Marilene Pereira, pela organização e apoio
nas atividades; à Comissão Nacional do Ano Darwin em Cabo Verde, representada pela
professora Ana Hopffer Almada, pela organização das atividades com os professores
locais; e ao MCTI, nas figuras dos professores Ildeu de Castro Moreira e Hélio Barros.

Referências Bibliográficas

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Janeiro: Implantação de um projeto de popularização da história da ciência. In: Scientiarum Historia IV,
2011, Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, CD‑ROM. 7 p.
18
DIVULGAÇÃO DOS FÓSSEIS DA BACIA DO ARARIPE
(NORDESTE DO BRASIL)

DISSEMINATION OF THE FOSSILS FROM THE


ARARIPE BASIN (NORTHEASTERN BRAZIL)

L. L. M. Nogueira1, A. M. F. Sales2
M. H. Hessel3 & J. A. Nogueira Neto4

Resumo – A Bacia do Araripe, nordeste do Brasil, guarda um dos mais ricos sítios
paleontológicos de idade cretácica do mundo, com abundantes fósseis muito bem pre-
servados. A unidade com maior quantidade e diversidade de macrofósseis é a Formação
Santana, cujos peixes preservados em calcário laminado ou concreções carbonáticas são
conhecidos pela população local desde seu nascimento. Nos anos ‘80 foram criados um
museu de Paleontologia em Santana do Cariri e uma sala de exposição de fósseis no Crato,
e, no início deste século, mais dois locais em Jardim. Cinco eventos paleontológicos
regionais ou nacionais foram realizados desde a década de noventa. Depois de 1999 sur-
giram três livros infantojuvenis de autoria de cearenses sobre os fósseis do Araripe. No
presente século, a Universidade Federal do Ceará se instalou no Cariri, oferecendo um
curso de especialização com uma linha direcionada para a Divulgação da Paleontologia,
e tendo já formado dez especialistas, professores de escolas secundárias locais. Em 2006,
o Geopark Araripe foi certificado pela UNESCO, sendo gerenciado pela Universidade
Regional do Cariri e oferecendo atividades para adolescentes, como os projetos Geokids e
‘Geopark nas escolas’. Desde 2010, o Departamento Nacional da Produção Mineral dis-
tribui kits de fósseis para as escolas. Estas atividades, quase todas iniciativas deste século
e ainda tímidas diante do potencial geopaleontológico da Bacia do Araripe, mostram o
início de um movimento em prol da divulgação científica infantojuvenil. É preciso, no
entanto, formar recursos humanos locais e especializados para haver efetiva valorização
das riquezas fossilíferas da região pelos seus residentes de todas as idades.

1
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil; Bolsista da CAPES; [email protected]
2
Universidade Regional do Cariri, Crato, Brasil; [email protected]
3
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil; Bolsista da FUNCAP; [email protected]
4
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil; [email protected]
Palavras‑chave – Bacia do Araripe; Brasil; Divulgação paleontológica; Infantojuvenil

Abstract – The Araripe Basin, northeastern Brazil, holds one of the richest Cretaceous pa‑
leontological sites in the world, with abundant fossils excellently preserved. The unit with greater
178
quantity and diversity of macrofossils is the Santana Formation, whose preserved fishes in
carbonate concretions or laminated limestone is known by the local population since its birth. In
the eighties, a paleontological museum in Santana do Cariri and a fossil showroom in Crato were
created, and, at the beginning of this century, two more places appeared in Jardim. Five regional
or national paleontological events were carried out since the 1990s. After 1999, arose three chil‑
dren books by Brazilian authors on the Araripe fossils. In this century, the Universidade Federal
do Ceará settled in Cariri region, is offering a specialization course with a line directed towards
the dissemination of Paleontology, and has already formed ten experts, teachers from local schools.
In 2006, the Geopark Araripe was certified by UNESCO, being managed by Universidade
Regional do Cariri, and providing activities for adolescents, as the projects ‘Geopark in the schools’
and ’Geokids’. Since 2010, the Departamento Nacional da Produção Mineral distributes
fossil kits for the local schools. These activities, almost all initiatives of this century and even shy in
front of the paleontological potential of the Araripe Basin, show the beginning of a movement in
favors of children’s scientific dissemination. We must, however, train specialized human resources
to promote effective valorization of the fossils from Araripe by its residents of all ages.

Keywords – Araripe Basin; Brazil; Paleontological dissemination; Children

1 – Introdução

Roteiro de fé e caldeirão de manifestações culturais, a região do Araripe, no nor-


deste brasileiro, no limite dos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí (Fig. 1), é tam-
bém um dos principais polos paleontológicos do Brasil. Nesta região, está situada uma
bacia sedimentar homônima, a Bacia do Araripe, onde, na Formação Santana, ocorre
um dos mais ricos e importantes sítios paleontológicos do Cretáceo do mundo, com
excelente preservação e abundância de peixes, artrópodos e restos vegetais, além de
répteis, anfíbios, moluscos e equinóides. Como estes fósseis são muito comuns, a po-
pulação local cresce brincando com eles, sem saber que são registros geohistóricos.
Através do Serviço Geológico Brasileiro (CPRM) e do Departamento Nacional da
Produção Mineral (DNPM), o governo federal criou em 1997 a Comissão Brasileira de
Sítios Geológicos e Paleobiológicos, que tem como objetivo maior a proteção de sítios
culturais e naturais da nação. Esta comissão reconheceu duas sub‑unidades da For-
mação Santana aflorantes no sul do Ceará como patrimônio paleontológico do país: o
Membro Crato (VIANA & NEUMANN, 2002) e o Membro Romualdo (KELLNER,
2002). Porém, apenas proteger da degradação antrópica monumentos naturais e úni-
cos não é suficiente para que se obtenha sua verdadeira valorização. Um patrimônio
paleontológico só será devidamente avaliado mediante o equilíbrio de ações voltadas à
investigação científica e à divulgação do conhecimento para o público acadêmico e em
geral, inclusive crianças e jovens.
No Brasil, os temas paleontológicos costumam ser pouco divulgados, com exceção da-
queles voltados a histórias de dinossauros. Mas outros organismos, mesmo excepcionais no
registro da vida pretérita na superfície terrestre, são quase desconhecidos, tanto por adultos
como por crianças e adolescentes. E no sul do Ceará, onde os fósseis participam do coti-
diano da população, não é diferente, ainda que recentes iniciativas estejam fomentando
sua maior divulgação e valorização, como aqui será discutido.
179

2 – Os fósseis da Bacia do Araripe e sua divulgação

De todas as unidades estratigráficas encontradas na Bacia do Araripe, aquela com


maior quantidade e diversidade de macrofósseis é a Formação Santana (Fig. 1), cujos
espécimes de peixes em placas de calcário laminado (Membro Crato) ou em concre-
ções carbonáticas (Membro Romualdo) são conhecidos por grande parte da população
residente nesta região, mesmo sem saber o que significam estas ‘pedras de peixes’. Os
fósseis da Formação Santana destacam‑se igualmente por apresentar formas preserva-
das em três dimensões, como ossos pneumáticos de pterossauros e peixes com conteú-
do estomacal, e delicadas morfologias, como asas, cerdas e ornamentações de libélulas,
baratas, vespas e besouros (MAISEY, 1994; MARTILL et al., 2007). Tecidos moles
de diversos organismos também ocorrem, tanto de pterossauros, como de tiranossau-
rídeos, tartarugas e anuros. Na paleoflora, encontram‑se as primeiras fanerógamas da
América do Sul e exemplares inteiros que mostram suas raízes, ramos, folhas e flores
(MOHR et al., 2008).

Fig. 1 – Localização da Bacia do Araripe e suas diversas unidades estratigráficas


(modificado de BRUNO & HESSEL, 2006).

Os fósseis da Bacia do Araripe são conhecidos internacionalmente há duas centenas


de anos, inicialmente estudados e descritos por cientistas estrangeiros, pois até meados
do século 20 não existiam paleontólogos brasileiros (BRUNO et al., 2011). Não é de
se estranhar, portanto, que os fósseis coletados no Brasil tenham sido levados para o
exterior, sem qualquer preocupação de devolução para o seu país de origem. Na década
de 1950‑60 começaram a surgir trabalhos sobre os peixes, tartarugas e pterossauros
180
do Membro Romualdo de autoria de cientistas brasileiros, sinalizando para a grande
diversidade biológica da Formação Santana. A partir da década de 1990, as publicações
sobre a paleontologia da Bacia do Araripe tornaram‑se muito numerosas, redigidas tanto
por cientistas nacionais como estrangeiros. Nesta época, começam os movimentos de
proteção aos fósseis do Ceará, que eram vendidos em grande quantidade nas praças dos
grandes centros urbanos do sudeste brasileiro.
Na década de 1960, o padre Neri Feitosa, vigário de Jamacaru, uma vila quase es-
quecida do município de Missão Velha, iniciou uma coleção de fósseis do Araripe, com
a laboriosa colaboração de seus paroquianos. Em 1971, ao atingir um acervo de mais de
6 000 exemplares e sem recursos para expandi‑lo e receber visitantes, o referido pároco
postulou o desenvolvimento de um parque ao ar livre em seu município, onde as pes-
soas pudessem observar os peixes nas concreções, os ossos de pterossauros e os troncos
petrificados nas rochas onde ocorriam. Era a visionária semente para a criação de um
geoparque na região do Araripe visando à preservação e divulgação de seus preciosos
fósseis. Padre Neri Feitosa tentou obter ajuda junto às autoridades governamentais para
materializar sua idéia, mas sua iniciativa não prosperou e o museu foi fechado em 1973
(MONTEIRO et al., 2009).
Em meados da década de 1980, surgiram na região do Araripe, o ‘Museu de Paleon-
tologia da URCA em Santana do Cariri’ (em 1985) e uma sala de exposição de fósseis
no Escritório Regional do Crato da Superintendência do DNPM, no Crato (em 1986).
Também na cidade de Jardim, mais ao sul, existem dois pequenos espaços de exposição,
criados no início do presente século: os autodenominados ‘Museu de Ciências Naturais e
de História Barra do Jardim’ (em 2001) e o ‘Museu Histórico Municipal Joaquim Pereira
Neves’ (em 2003). O museu de Santana do Cariri atualmente recebe cerca de 20 mil
visitantes por ano, na maioria estudantes e grupos familiares locais. Estes quatro espaços
museológicos são iniciativas locais importantes na difusão do conhecimento sobre os
fósseis da região, sendo pontos de visitação turística. Entretanto, precisam oferecer mais
do que simples exposições para serem atuantes e incentivarem a preservação do patrimônio
paleontológico do Cariri.
Outra atividade relacionada à divulgação científica, os eventos paleontológicos,
surgiu no Araripe na década de 1990. Eles buscaram chamar atenção do poder governa-
mental e acadêmico para a riqueza fossilífera da bacia e de sua depredação pelo comércio
ilegal, pois, no Brasil, esta atividade é proibida por lei desde 1942 (Decreto‑Lei nº 4146).
Assim, em 1990 e 1997 realizaram‑se no Crato, Ceará, dois ‘Simpósios sobre a Bacia
do Araripe e Bacias Interiores do Nordeste’ e, em 1999, o ‘Congresso Brasileiro de
Paleontologia’, todos por iniciativa da Universidade Regional do Cariri (URCA) e do
Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM).
No presente século, em 2005, realizou‑se o ‘1º Simpósio Internacional sobre Patri-
mônio Paleontológico e Ecoturismo do Araripe’, promovido pelo Governo do Estado do
Ceará com o apoio da URCA e de outras instituições regionais, apresentando aos parti-
cipantes diversos modelos e exemplos de divulgação científica. Em 2009, realizou‑se no
Crato 10ª Reunião Anual Regional da Sociedade Brasileira de Paleontologia da região
nordeste (PALEO‑NE 2009) por iniciativa da UFC e da Fundação Paleontológica Phoenix,
com o apoio da URCA e DNPM. O evento contou com representantes de doze univer-
sidades de todos os estados nordestinos e de quatro órgãos do governo estadual, com
grande número de professores municipais, alunos de graduação e pós‑graduação. Ainda
181
que todos estes eventos tenham contado com a participação de dezenas de paleontólogos
nacionais e estudantes universitários, não tiveram grande impacto, nem em relação à
divulgação da paleontologia para a população em geral, nem à repressão à venda dos
fósseis coletados pelos ‘peixeiros’ da região.
Em 2005, foi encaminhada à UNESCO a proposta de candidatura do Geopark
Araripe à Rede Global de Geoparques, considerando que a Bacia do Araripe está inse-
rida numa região de relevante registro geopaleontológico que deve ser preservado como
patrimônio mundial. No ano seguinte, durante a 2nd UNESCO Conference on Geoparks re-
alizada em Belfast, o Geopark Araripe foi certificado e integrado a esta rede (CARDOSO et
al., 2008). A criação deste geoparque foi uma iniciativa da URCA através da Secretaria
de Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Governo do Estado do Ceará, com o apoio
das várias instituições regionais e prefeituras municipais onde estão importantes geossítios.
Este esforço visava desenvolver programas de educação e de valorização da geologia e pa-
leontologia da Bacia do Araripe, assim como o turismo científico, diversificando ações que
envolvessem a população e os fósseis. Com a implantação do Geopark Araripe, as discus-
sões e os trabalhos relacionados à compreensão dos conceitos de preservação, conservação
e patrimônio aumentaram bastante, permitindo um maior entendimento da paleontolo-
gia local. O Museu de Paleontologia em Santana do Cariri, como pertencente à URCA,
passou a ser um dos centros das ações do Geopark Araripe, com diversas atividades
voltadas às comunidades vizinhas, como oficinas de réplicas de fósseis, de artesanato
paleontológico de palha, cipó, tecido e de criação de biojóias, assim como encenações
teatralizadas. Também foram desenvolvidos cursos básicos de guias turísticos para jovens
que vivem no entorno dos geossítios (SALES et al., 2004).
Com a instalação de um campus avançado da Universidade Federal do Ceará (UFC)
no Cariri (região do Araripe antigamente habitada pelos índios Kariris), foi oferecido
em 2010 um Curso de Especialização em Paleontologia e Geologia Histórica, com a
colaboração da URCA. Além de linhas voltadas para a pesquisa de organismos fósseis,
foi desenvolvida a área de Divulgação e História da Paleontologia, que formou, em
2011, dez especialistas locais, muitos deles professores de escolas secundárias. Alguns
dos trabalhos finais foram relacionados a produção de jogos e cartilhas de divulgação
infantojuvenis. Em 2012, nova turma está sendo oferecida pela UFC para 20 licenciados
e bacharéis em Geografia, História e Biologia residentes na região.

3 – Divulgação infantojuvenil dos fósseis do Araripe

A divulgação dos fósseis da Bacia do Araripe entre o público infantojuvenil é muito


importante para a valorização do seu patrimônio paleontológico, considerando que este
segmento da sociedade representa o futuro da nação. Assim, o escritório regional do
DNMP, que visa, além de outras atribuições, a difusão do conhecimento geocientífico
e a conscientização da importância de proteção dos depósitos fossilíferos da região do
Araripe, desde o final de 2010, distribui gratuitamente um kit de fósseis para as escolas
que demonstrarem interesse em possuí‑lo, com o intuito de divulgar este patrimônio
cretáceo em salas de aula e feiras de ciências. Aliás, este último tipo de atividade escolar,
coordenada por ex‑alunos do Curso de Especialização da UFC, tem sido muito bem re-
cebida pelos jovens que participam, em suas escolas, de oficinas e mostras de trabalhos e
182
experimentos. Em 2012, o Banco do Nordeste do Brasil, através de seu Centro Cultural,
aprovou três atividades infantis a serem apresentadas no Ceará e Paraíba relacionadas aos
fósseis da Bacia do Araripe, todas propostas e coordenadas por ex‑alunas especialistas
da UFC.
O Geopark Araripe tem igualmente oferecido atividades que envolvem crianças e
adolescentes. Em 2006, desenvolveu no Museu de Paleontologia da URCA o projeto
‘Geokids’, com treinamento de alunos do ensino fundamental para se tornarem guias‑
-mirins, e em sua sede no Crato, o programa ‘Geopark nas escolas’, visando difundir o
conhecimento geopaleontológico e biótico da região, para embasar o turismo científico.
Desde sua criação, o Geopark Araripe tem sido presente em feiras de turismo nacionais
e regionais, como a maior feira anual de agropecuária do sul do Ceará, a Expocrato, le-
vando jogos e brincadeiras paleontológicas para o grande público, dedicados mormente
às crianças. O Geopark Araripe também tem convidado especialistas da Universidade de
São Paulo para ensinar a adolescentes da região de Santana do Cariri e Nova Olinda
a efetuar réplicas em gesso de fósseis da Bacia do Araripe, o que sempre gera muito
entusiasmo entre os participantes.
Outro veículo de divulgação paleontológica para jovens no Cariri tem sido livros e
cartilhas paradidáticas de autoria de cearenses natos. O mais antigo é ‘Viagem ao Cretáceo’
de autoria de Francisco CUNHA e Willian BRITO (1999), com ilustrações de Luís
Karimai. Escrito para adolescentes, narra a história de um casal de crianças viajando
pelo túnel de tempo, visitando samambaias, peixes, pterossauros e dinossauros do Cre-
táceo do Araripe. Cinco anos depois surgiu o livro infantil de Socorro ACIOLI (2006),
intitulado ‘Peixinho de Pedra’ e ilustrado por Ronaldo Almeida, que ganhou em 2007
o selo de altamente recomendável da Fundação Nacional de Literatuta Infantojuvenil.
Explicando o significado e o valor dos peixes fósseis do Araripe, foi reeditado em 2008
e 2011. Posteriormente, veio a lume a cartilha ‘Descobrindo os tesouros do Cariri’, de
Lana Luiza MAIA e Alexandre SALES (2010), com ilustrações de Diana Patrícia Medina
Pereira. Esta obra sumaria a história geológica e antropológica da região do Araripe,
enfatizando a formação dos fósseis. Há outros livros paradidáticos sobre fósseis brasileiros
surgidos neste século e destinados ao público infantojuvenil, que naturalmente men-
cionam fósseis da Bacia do Araripe. É o caso do ‘Manual da Pré‑História do Horácio’
(SOUSA, 2003), dos ‘Dinossauros do Brasil’ (MASSARANI, 2011) e ‘Dinos do Brasil’
(ANELLI, 2011). Estes são livros muito ilustrados, com excelente design gráfico, vendidos
em geral nos grandes centros urbanos.
Estas atividades, quase todas iniciativas deste século e ainda tímidas diante do
potencial geopaleontológico da Bacia do Araripe, mostram o início de um movimento
em prol da divulgação científica infantojuvenil na região. MARQUES (1999), BIZZO
(2008) e SALES et al. (2009) identificaram o interesse e a curiosidade das crianças e
jovens estudantes que convivem com fósseis em seu cotidiano no Cariri, demonstrando
que é necessário oferecer mais oportunidades de aprendizado da Paleontologia a este
público. Vídeos, jogos, livros infantis, oficinas e visitas guiadas aos afloramentos po-
dem ser melhor explorados em benefício do desenvolvimento juvenil e da paleontologia
local e brasileira. Mas para que estas atividades venham a ser mais numerosas, efetivas
e eficientes, é preciso formar recursos humanos comprometidos com a valorização da
paleontologia do Araripe e com conhecimento das técnicas de comunicação e da peda-
gogia infantojuvenil. Estes profissionais, sim, poderão oferecer atividades interessantes,
183
lúdicas e cientificamente corretas que conduzam a um futuro promissor no desenvolvi-
mento autossustentável do tão carente sertão nordestino brasileiro.

4 – Conclusões
Através da síntese das principais atividades de divulgação dos fósseis da Bacia do
Araripe ocorrentes no sul do Estado do Ceará, nordeste do Brasil, especialmente as vol-
tadas para o público infantojuvenil, é possível listar as seguintes principais conclusões:

a) No Ceará, a Paleontologia, embora motivo de interesse, é pouco disseminada,


ainda que nos últimos 20 anos esta ciência venha sendo mais visível para o grande
público com a realização de eventos, presença em feiras regionais e publicações
infantojuvenis.
b) A Paleontologia nas escolas do Cariri deveria tornar‑se um tema habitual na for-
mação científica e cultural dos alunos, pois, além do saciar seu interesse e curiosi-
dade pelos fósseis, pode auxiliar na valorização das riquezas fossilíferas da região e
na diminuição de comércio ilícito de fósseis.
c) Na atualidade três instituições estão diretamente envolvidas em atividades de
divulgação da paleontologia da Bacia do Araripe: A Universidade Regional do
Cariri, que gerencia o programa Geopark Araripe, o Departamento Nacional
da Produção Mineral, que distribui material escolar de apoio às aulas de ciências,
e a Universidade Federal do Ceará, que tem formado professores especialistas.
d) A formação de pessoas capacitadas para a divulgação do conhecimento paleon-
tológico da sua região é fundamental e base de todo um movimento a favor da
preservação da história geológica local, favorecendo a diminuição de desigualdades
culturais, a elevação da autoestima e, principalmente, a criação de um público
consciente e orgulhoso dos valores de sua terra.

Agradecimento – Nossa gratidão à professora Eva Caldas e a toda a equipe, do Insti-


tuto de Paleontologia e Geologia da Universidade Federal do Ceará, pelas sugestões que
resultaram em melhorias no texto.

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Brasília, p. 113‑120.
19
A MUSEOGRAFIA COMO FERRAMENTA PARA A
DIVULGAÇÃO DAS GEOCIÊNCIAS: A EXPERIÊNCIA
DO MUSEU DA GEODIVERSIDADE (MGEO – IGEO/UFRJ)

MUSEOGRAPHY AS A TOOL FOR DIFFUSION OF EARTH


SCIENCES: THE EXPERIENCE OF MUSEU DA GEODIVERSIDADE
(MUSEUM OF GEODIVERSITY) (MGEO – IGEO/UFRJ)

A. R. S. F. Castro1, P. D. Greco2, K. Mansur3,


E. M. R. Pereira4, M. C. Diogo5 & I. S. Carvalho6

Resumo – O Museu da Geodiversidade (MGeo) foi criado em 2007 e, desde então,


procura possibilitar não só o acesso a museus e à memória, mas ao uso da universidade
como um local de partilha de conhecimento. O museu vem atuando diretamente na
divulgação das Geociências, utilizando, dentre outros mecanismos, as exposições museo-
lógicas. Neste trabalho apresenta‑se a Exposição Memórias da Terra do Museu da Geo-
diversidade (IGEO–UFRJ), refletindo sobre a necessidade dos museus contemporâneos
expandirem seu território, musealizando áreas externas, indo ao encontro do público e
utilizando a museografia como ferramenta para a divulgação das Ciências da Terra. Hoje,
os museus têm que competir com uma cultura de massa muito bem equipada com as
maiores tecnologias do entretenimento, intensificando as dificuldades de atrair um pú-
blico cada vez mais diversificado. O MGeo aceitou esse desafio e desenvolveu, com uma
equipe multidisciplinar empenhada na divulgação geocientífica, a Exposição Memórias
da Terra, inaugurada em 14 de setembro de 2011. A proposta museográfica buscou des-
mitificar o conteúdo científico e apresentar a importância das Geociências através de um

1
Museu da Geodiversidade (MGeo), Instituto de Geociências (IGEO), Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Av. Athos da Silveira Ramos, 274, CCMN, Cidade Universitária – 21941‑916 – Rio de
Janeiro, Brasil; [email protected]
2
MGeo, IGEO, UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil; [email protected]
3
MGeo, IGEO, UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil; [email protected]
4
MGeo, IGEO, UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil; [email protected]
5
MGeo, IGEO, UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil; [email protected]
6
MGeo, IGEO, UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil; [email protected]
viés estético e interativo e de uma linguagem acessível. Desta forma, o MGeo procura
fazer seu papel na preservação e divulgação do Patrimônio Geológico, fazendo uma
interceção entre ciência, educação e lazer.
186
Palavras‑chave – Museu da Geodiversidade; Exposição Memórias da Terra; Divulgação
Científica; Patrimônio Geológico; Geoconservação; Geodiversidade

Abstract – The Museu da Geodiversidade (Museum of Geodiversity – MGeo) was established


in 2007 and, since then, seeks not only allow access to museums and memory, but the use of the
university as a place to share knowledge. The museum has been working directly on diffusion
of Geosciences, using, among other mechanisms, the museum’s exhibitions. This paper presents the
exhibition Memórias da Terra (Memories of the Earth) staged at the MGeo (IGEO‑UFRJ), re‑
flecting on the need of contemporary museums to expand their territory, by promoting musealisa‑
tion of external areas to meet the public and to use the museography as a tool for the dissemination
of Earth Sciences. Today, museums have to compete with a mass culture very well equipped with
major entertainment technologies, what increase the difficulties on attracting an increasingly
diverse public. But, the MGeo accepted this challenge and developed, with a multidisci‑
plinary team engaged in disseminating geosciences, the Exhibition Memórias da Terra (Memories
of the Earth), opened on September 14, 2011. The museographic proposal sought demystifies the
scientific content and present the importance of geosciences through an aesthetic and interactive
bias and accessible language. Thus, the MGeo seeks to make its role in the preservation and dissemi‑
nation of the Geological Heritage, making an intersection between science, education and leisure.

Keywords – Museum of Geodiversity; Memories of the Earth Exhibition; Scientific


Diffusion; Geological Heritage; Geoconservation; Geodiversity

1 – Introdução

Os museus são fontes perenes de atualização ao longo do tempo e configuram‑se


como excelentes ferramentas para o embasamento das informações a serem transferidas
em todas as áreas do conhecimento. O papel do museu continua ser o de acondicionar,
conservar, documentar, pesquisar e divulgar seus acervos e o conhecimento que deles
provêm. Contudo, na sociedade contemporânea, em especial nos países menos desenvolvi-
dos, o caráter social do museu é muito mais acentuado, aumentando a sua responsabilidade
para com o público.
Nos museus científicos, as ciências e as tecnologias são apresentadas, refletidas e des-
mitificadas, tornando a informação acessível à sociedade. Todo museu atua também como
um instrumento formativo no processo educacional, sem ter a pretensão de substituir o
ensino formal, mas sim de complementá‑lo e aprofundá‑lo, cada qual de acordo com as
suas temáticas e características.
As instituições de ensino podem e devem utilizar os museus como seus aliados no
processo de aprendizagem, pois, no âmbito do processo educativo, ampliam as possi-
bilidades de comunicação, quer pelo uso dos acervos, quer pelo estímulo à criatividade
e ao desenvolvimento do senso crítico aos conceitos ministrados e à sedimentação do
conhecimento, através das exposições.
Os museus atuais têm que competir com uma cultura de massa muito bem equipada
com as maiores tecnologias do entretenimento, como se pode observar nos mais modernos
parques, cinemas, casas de jogos eletrônicos, entre outros. Contudo, o trabalho realizado
nestas instituições não é o mesmo, nem pode se confundir com o dessas indústrias, já que
187
os museus trabalham, sobretudo, com a educação, no intuito de promover e ajudar o
desenvolvimento cultural e social dos cidadãos (STUDART, 2004).
O grande desafio do Museu está em conjugar educação e lazer (STUDART, 2004).
Para isso, ferramentas como os projetos educacionais, associados à museografia criativa,
são de vital importância, assim como clareza sobre os objetivos do museu. O incentivo
e capacitação de todos os funcionários também são fundamentais, pois é essencial que
todos saibam do papel de inclusão social e de educação do museu.
Por isso, este trabalho tem por objetivo apresentar e discutir a museografia da exposição
Memórias da Terra do Museu da Geodiversidade (Instituto de Geociências, Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ), inaugurada em setembro de 2011 e refletir sobre a
necessidade dos museus contemporâneos em expandir seu território, musealizando áreas
externas, indo ao encontro do público e divulgando as Geociências.

2 – A Musealização do entorno do Museu da Geodiversidade

O Museu da Geodiversidade (MGeo) foi criado em 2007 pelo Instituto de Geoci-


ências – IGEO e localiza‑se na Ilha do Fundão, Cidade Universitária da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. O museu abriga a terceira maior coleção de fósseis do
país, catalogada pelo sistema Paleo, do Serviço Geológico do Brasil, de acervos disponí-
veis na Internet. Compreende aproximadamente 20.000 minerais, rochas, solos e fósseis,
além de fotografias, instrumentos de uso em geociências, mapas, documentos e livros
raros (CASTRO et al., 2011).
Deste acervo fazem parte materiais de extrema raridade como meteoritos, holótipos
de fósseis brasileiros (tipos de referência científica), minerais e rochas raras coletados ao
longo de mais de 50 anos (CASTRO et al., 2011). O MGeo busca uma representação das
geociências que permita o entendimento do porquê, onde e como se observam os fenôme-
nos que retratam a história geológica da Terra. Em outras palavras, busca se aproximar da
sociedade relacionando a geodiversidade com o homem.
Desde que abriu suas portas, o MGeo logo mostrou seu enorme potencial trans-
formador, o que levou seus fundadores a empenhar‑se na sua consolidação enquanto
instituição museológica. A primeira conquista nesse sentido foi a reunião de uma equi-
pe interdisciplinar voltada para o seu gerenciamento, que conta principalmente com
museólogos, educadores, paleontólogos e geólogos. O passo seguinte foi a sua contex-
tualização e integração ao Plano Diretor UFRJ 2020, que objetiva tornar o espaço da
Cidade Universitária de fato num complexo para uso não só da comunidade acadêmica,
mas da sociedade como um todo.
Tomando partido nesse plano, o MGeo passou não só a tratar da compreensão do
passado geológico da Terra e da valorização do patrimônio geológico que nos foi legado,
mas também do passado geológico e histórico da formação da Ilha do Fundão, através
de uma parceria com o projeto “Caminhos Geológicos”, que mapeia e sinaliza com
painéis interpretativos os pontos de interesse geológico do estado do Rio de Janeiro.
Outra forma de valorização do espaço público em que está inserido foi a aprovação
do projeto “O Jardim do Tempo Profundo”, que busca musealizar a parte externa do
museu para projeção de mais um espaço dedicado à compreensão da importância das
Geociências para uma transformação socioambiental, assim como a revitalização de uma
188
área pouco aproveitada pela comunidade. O Espaço Terra, nova área de informação em
geociências, deverá se inaugurado em março de 2012, junto com a TV Terra, programa
exclusivo de notícias da Terra e dos projetos do IGEO.
A última ação nesse sentido foi o planejamento de um espaço multiuso denominado
“Núcleo GeoEducAtivo”, que se adapta a diferentes atividades educativas e plurais, variando
entre exposições, cursos para professores, cineclubes, oficinas, etc. Por essa flexibilidade,
o espaço serve ao atendimento do público tanto interno quanto externo.
Em suma, o Museu da Geodiversidade, por meio de ações que não perderam de vista o
seu contexto espacial, a UFRJ, vem possibilitando parte da revitalização do espaço físico da
Cidade Universitária, permitindo assim não só o direito a museus e à memória, mas ao uso
da universidade como um local de partilha de conhecimento, para projeção de um futuro
mais consciente.

3 – Museografia e a Geodiversidade

Entre a geodiversidade e as exposições existe uma relação desde o tempo dos famosos
Gabinetes de Curiosidades dos séculos xv e xvi, que costumavam expor uma diversidade
de objetos exóticos encontrados no mundo. Neste período, as exposições estavam ligadas
diretamente ao status social, assim como as bibliotecas pessoais e, portanto, o acesso a este
acervo era restrito a uma parcela ínfima da população (MELO et al., 2005).
Posteriormente, com a consolidação das ciências, estas coleções passaram a ter uma fun-
ção também científica, representando recortes do mundo em um espaço confinado, e, desde
então, as exposições começaram a ganhar um papel mais educativo. Atualmente, as exposi-
ções museológicas têm a função de divulgar a produção científica, tornando o conhecimento
acessível à sociedade, física (através da acessibilidade do espaço) e intelectualmente (utilizando
uma linguagem adequada) (MELO et al., 2005).
Fazer exposições é algo extremamente complexo, pois as mesmas possuem um compro-
misso com a academia científica e com a população. Por isso, as exposições realizadas pelo
MGeo têm os seus objetivos claramente delineados, destacando o que ela pretende pas-
sar e a quem ela se destina. Esses objetivos são os pontos que norteiam toda a exposição.
Nunca é demais lembrar que a exposição é um instrumento de comunicação poderoso,
capaz de realizar a ponte entre as ciências e o público‑leigo, devendo estar condizente
com a sua instituição e com seu objetivo.
As exposições do MGeo objetivam mostrar a importância da diversidade geológica ao
longo do tempo e, principalmente, a sua relevância no cotidiano das pessoas. Procura ensinar
em um contexto geral, pois não se limita ao público universitário, mas se volta para fora dos
limites da Cidade Universitária, onde existe um grupo extremamente amplo e diversificado.
Hoje, dentro da política museográfica do MGeo, busca‑se através da relação entre
o objeto contextualizado e a linguagem adequada desmitificar as Geociências. Visando
uma melhor assimilação pelo público, procura‑se evitar exposições que são apenas vi-
trines de fósseis descontextualizadas, ou então exposições grandiosas, com tecnologia
de última geração, mas que se perdem em seu objetivo ou até mesmo não possuem um.
A utilização dos aparatos tecnológicos apenas com o intuito de atrair o público acaba
por restringir os resultados educacionais da exposição. Por isso, a cada nova exposição
procura‑se ter em mente o compromisso selado com a sociedade, onde os atrativos são
189
utilizados para seduzir, mas como isca, de modo a envolver e cativar o público, possibi-
litando o contato com o objeto (seja ele rocha, mineral, fóssil ou outro) e uma melhor
compreensão de todo o contexto expositivo e das Geociências.

4 – Desenvolvimento da Exposição Memórias da Terra

Após um intenso período de obras, iniciou‑se em maio de 2011 as discussões a respeito


da concepção de uma nova exposição, que visava apresentar a evolução da Terra ao longo
do tempo geológico. Sem dúvida, ter uma equipe interdisciplinar composta por Geólogos,
Paleontólogos; Geógrafos, Museólogos e Educadores possibilitou uma rica discussão sobre
qual recorte realizar e qual a melhor forma de apresentar aquilo que parecia mais premente
para a sociedade no âmbito do conhecimento geocientífico.
Nestas discussões verificou‑se que era essencial privilegiar a comunicação com o pú-
blico, pois este poderia vir a ser consideravelmente heterogêneo. O público esperado era o
composto por alunos e professores das redes pública e privada de educação, mas também
os estudantes e pesquisadores da própria UFRJ e de outras instituições de ensino superior.
No entanto, também era desejo da equipe atrair a comunidade da Cidade Universitária
como um todo para a sua nova exposição, além da população do estado do Rio de Janeiro
na qual ele está sediado. Desta forma, para facilitar esta comunicação, optou‑se por contar
a história do Planeta Terra sob o viés estético e interativo e pautando sua museografia em
três grandes pilares: conhecimento, beleza e tecnologia.
Algumas ferramentas tecnológicas de interatividade foram utilizadas buscando atrair
a atenção do público, mas estas foram selecionadas com muito rigor. O objetivo era ino-
var, mas sem prejudicar o conteúdo expositivo e sem exagerar no uso destes equipamentos
que são onerosos e exigem manutenção periódica. Infelizmente, no Brasil, é mais simples
conseguir recursos para montar exposições, mas não para mantê‑las. É importante pensar
nisso durante o planejamento da exposição, pois o não funcionamento destes itens pode
causar um incômodo hiato no conteúdo expositivo.
Outro ponto que merece destaque é a confecção dos textos. Os textos são essenciais para
se compreender cada módulo. Foi um grande desafio apresentar o conteúdo científico numa
linguagem acessível, buscando o equilíbrio entre simplificar demais e perder o conteúdo ou
tornar o texto longo e, por isso, cansativo.

4.1 – Caminhando pelo circuito expositivo

A exposição foi desenvolvida numa área de cerca de 600m², subdividida em 12 módulos.


Todos eles possuem cores marcantes que foram selecionadas em aproximação ao período cor-
respondente na Carta Estratigráfica Internacional, quando possível.
Logo na abertura o visitante é surpreendido e convidado a adentrar a exposição por
meio de um importante personagem histórico brasileiro do século xx: Monteiro Lobato.
A intenção foi a de apresentá‑lo não só como um renomado autor da literatura infanto-
‑juvenil brasileira, mas também enquanto uma figura emblemática para a história da
descoberta do petróleo em território nacional.
Para materializar essa ideia, foi produzido um software que simula o movimento facial
190
de uma pintura de Monteiro Lobato, ao mesmo tempo em que se ouvem as seguintes
palavras: “Olá! Meu nome é Monteiro Lobato e os senhores conhecem‑me, provavelmente,
apenas como o autor do Sítio do Picapau Amarelo. Porém poucos sabem que escrevi também,
em 1937, o livro “O Poço do Visconde”, em que afirmo ser possível explorar petróleo no
Brasil. Na época, fui desacreditado, mas hoje estou feliz por estar aqui, no Museu da
Geodiversidade, onde compreendemos como nossas riquezas naturais são importantes para o
desenvolvimento econômico e social do Brasil. Se, assim como eu, os senhores almejam descobrir
mais sobre as Geociências, convido a todos a mergulhar nesta exposição, chamada “Memórias
da Terra”, que conta a história não da terra‑mundo, mas sim da terra‑terra, da terra‑chão”.
No primeiro módulo, intitulado “Terra: um planeta em formação”, o visitante encontra
uma representação da Terra primitiva, ou seja, de um planeta muito quente, vulcânico, que
lentamente se resfriou e formou a crosta terrestre. Esse objeto cenográfico simula a existência
de crateras, vulcões e fissuras em sua superfície, de onde extravasa fumaça que remete
ao calor original do planeta. Soma‑se a esse, a exposição de meteoritos e texto e vídeo
explicando como o nosso Planeta se formou.
Anexo a este módulo, o visitante poderá vivenciar um terremoto. Esta solução, conhecida
como “chão interativo”, é uma instalação imersiva que se utiliza de projeção interativa e
ambiência sonora para criar nos visitantes a sensação de se estar em um ambiente vulcânico
em que a crosta se abre, surgindo um rio de magma. Não há textos, nem objetos. É um
momento de experimentação.
Saindo de um ambiente escuro, há o contraste de cores e luz. Este é o momento
onde os “Minerais, os frutos da Terra” são apresentados. Este módulo foi concebido
para impressionar pela beleza e diversidade dos minerais e, ao mesmo tempo, apre-
sentar a importância de seus usos no nosso dia a dia (Fig. 1A). Destaca‑se também
a presença de uma “parede” de minerais e rochas fatiados que permitem a passagem
de luz e de um geodo de ametista com mais de 3 metros, que impressiona pelas di-
mensões, beleza e por estar acessível não apenas ao olhar, mas também ao tato. Essa
e outras amostras presentes na exposição podem ser tocadas e contempladas bem de
perto, aguçando a curiosidade e ampliando a experiência em busca do aprendizado.
Chega o momento de abordar a origem da vida. No módulo “Mares do Passado” o
visitante tem contato com a grande diversidade de mares e organismos aquáticos que
já existiram no planeta. Não há organização temporal dos fósseis, apenas a ambiental,
ilustrando a diversidade de organismos que viveram nos mares. Esse ambiente da ex-
posição prima pela mudança de luz e cor, proposta como uma metáfora para o desen-
volvimento dos oceanos, que evoluíram com a oxidação do ferro dissolvido nas águas.
São expostos um grande estromatólito de composição fosfática e idade neoproterozoica
(Fig. 1B) e uma formação ferrífera bandada com 2,5 Ga.
É oportuno salientar que além dos fósseis mencionados, duas outras amostras são
expostas. O visitante poderá conhecer, ver e tocar marcas de ondas preservadas em
um quartzito de 1,5 bilhão de anos e estruturas biogênicas formadas por organismos
há 400 milhões de anos, o icnito Astrophycus isp. A contextualização do conteúdo deste
módulo é realizada através de dois vídeos e texto explicativos.
191

Fig. 1 – (a) Exposição de diversos tipos de minerais no módulo “Minerais: os frutos da Terra”
e (b) “Módulo Mares do Passado”, onde se expõe um estromatólito fosfático contextualiza com
o ambiente de sua formação e destaca‑se a sua importância para a formação da atmosfera terrestre.

“E a Vida Conquista os Continentes...” é um módulo que trata do surgimento dos pri-


meiros vegetais nos continentes. Nele, os visitantes também se deparam com os primeiros
fósseis de vertebrados, como o Prionosuchus, um animal que aparentemente se assemelha
a um jacaré, mas que é, na verdade, um anfíbio. Os visitantes também são levados a com-
preender a importância dos fósseis como evidências da deriva continental, em particular da
quebra do paleocontinente Gonduana, pela exposição de fósseis encontrados no Brasil e no
continente africano – o réptil Mesossauro e o vegetal Glossopteris.
Os visitantes também podem refletir sobre a grande extinção em massa ocorrida há
245 milhões de anos (final do período Permiano). Este episódio é abordado de forma que
se possa perceber que a extinção para alguns representa a oportunidade para outros. Em meio
à representação de grandes florestas de coníferas, os visitantes podem perceber répteis ainda
pequenos, tímidos, mas prontos para futuramente dominar o mundo como dinossauros.
O módulo seguinte intenciona surpreender o visitante com grandes dinossauros brasilei-
ros e mostrar que, num intervalo de tempo de 170 milhões anos, eles foram os protagonistas
do nosso planeta (Fig. 2A). No entanto, aproveita‑se esse momento para mostrar também a
importância de outros organismos que, num primeiro momento, não chamam tanta atenção
do público, como crocodilos terrestres, pterossauros e vegetais.
Mas nem só de reconstituições foi composto esse espaço. Existiu a preocupação em apre-
sentar fósseis autênticos de pterossauros, tartarugas, peixes e insetos. Encerrando esse módulo
está um espaço 3D, uma sala para projeção de filmes e documentários a respeito do Cretáceo.
Dentro do circuito existe um Paleojardim a céu aberto (Fig. 2B). Este é um ambiente
de integração entre Homem e natureza, entre tempo geológico e tempo antropológico,
passado e presente, descoberta e conhecimento. É um local de interação, onde os visitan-
tes sentem‑se parte do jardim, podendo caminhar sobre fósseis e descobrir sua presença
em capitéis de calcário pertencentes a uma igreja jesuítica que começou a ser construída
no antigo Morro do Castelo7. Este módulo conta também com um gigantesco painel

7
O Morro do Castelo foi um dos pontos de fundação da cidade do Rio de Janeiro no século xvi e abrigou mar-
cos históricos de grande importância, como fortalezas coloniais e os edifícios dos jesuítas. Apesar disso, foi demolido
numa reforma urbanística em 1921, para um melhor arejamento do Centro (NONATO & SANTOS, 2000).
que ilustra a evolução das dos vegetais ao longo do tempo e também de uma amostra
de rocha especial, que contém partes originadas tanto na formação, quanto na quebra
no Gonduana, mostrando a datação relativa de rochas.
192

Fig. 2 – (a) Reconstituição do carnívoro Abelissauro, junto a troncos fósseis. Ao fundo, ilustração de um
paleoambiente cretácico (autoria de Karen Carr), no módulo “Mares do Passado” e (b) o “PaleoJardim”, com
destaque para os fósseis de moluscos em primeiro plano e um dos capitéis em calcário Lioz da “antiga igreja dos
jesuítas” demolida no início do século xx, junto com o desmonte do Morro do Castelo (Centro do Rio de Janeiro).

Chega a “Era dos Mamíferos”. Nesse módulo o visitante conhece o mamífero Carodnia
vieirai, encontrado na Bacia de São José de Itaboraí, localizada no estado do Rio de Ja-
neiro, onde também era extraído o calcário, matéria‑prima para a fabricação do cimento
utilizado na construção de edificações como o Estádio do Maracanã e a Ponte Rio‑Niterói.
Nesse momento, mais uma vez a integração entre Homem e geologia é enfatizada, bem
como o início de uma nova era de “dominação”, agora por parte dos mamíferos.
Contíguo a este espaço encontra‑se “O Monstro da Amazônia”, onde o visitante pode
se surpreender ao conhecer o Purusaurus brasiliensis, o maior jacaré que já existiu, com 15
metros de comprimento. Ele tinha uma mandíbula do tamanho de um homem de 1,75 m
de altura e pesava cerca de 7 toneladas e tornou‑se o maior predador continental de todos
os tempos. Sua presença demonstra como as descobertas paleontológicas brasileiras são
importantes para o conhecimento da evolução da vida no planeta.
Surge na exposição o momento dos Primeiros Americanos, quando o visitante se
depara com a sua história. Ele tem a oportunidade de observar artefatos arqueológicos,
pinturas rupestres, reconstituições de crânios de diferentes hominídeos, uma escultura
virtual da primeira americana (Luzia) descoberta e uma reconstituição de um dos primeiros
macacos americanos.
“Tecnógeno, uma realidade” é o módulo da exposição onde são tratadas temáticas
de interesse contemporâneo, como mudanças climáticas e utilização de recursos natu-
rais, com destaque para o petróleo. Numa cascata de água sobre uma placa de vidro,
imagens da relação entre o Homem, o tempo e o espaço provocam reflexões. Como
uma alegoria da história humana, o totem “Camadas do Tempo” foi produzido para
apresentar a sucessão dos principais episódios tecnológicos humanos, demonstrando
como a produção do Homem perpassa uma história de criação, construção e destruição,
através da arte, do trabalho e da guerra.
Um painel representando microfósseis associado à imagem de uma plataforma de
petróleo e a documentários sobre a importância desse recurso natural para a nossa vida
cotidiana leva à reflexão sobre a utilização de nossas riquezas minerais.
Para finalizar, televisores apresentam imagens de paisagens, de pessoas (visitantes e fun-
193
cionários do IGEO), de animais e de vegetais, demonstrando como todos fazem parte desse
complexo sistema Terra, o qual precisa ser preservado, como enfatiza o texto de encerramen-
to do circuito adaptado da Declaração Internacional dos Direitos à Memória da Terra: “Da
mesma forma como uma velha árvore registra no tronco a memória de seu crescimento e de sua
vida, assim também a Terra guarda a memória do seu passado. Uma memória gravada em níveis
profundos e superficiais. Nas rochas, nos fósseis e nas paisagens, a Terra preserva uma memória
que pode ser lida e decifrada. É chegado o tempo de aprender a proteger o passado da Terra e,
por meio dessa proteção, aprender a conhecê‑lo. Esta memória antecede a memória humana.
É um novo patrimônio, um livro escrito muito antes de nosso aparecimento sobre o Planeta.
O Homem e a Terra compartilham uma mesma herança. Todos devem compreender que a menor
depredação do patrimônio geológico é uma mutilação que conduz a sua destruição, a uma perda
irremediável. Todas as formas do desenvolvimento devem respeitar e levar em conta seu valor e sua
singularidade” (FRANÇA, 1991).

5 – Considerações finais

Através da união entre ciência, educação e lazer o MGeo procura preservar o patrimônio
geológico através da conservação de suas coleções científicas e demonstrar a importância das
Geociências para as atividades econômicas e melhoria das condições de vida da população.
Para isso, atua de forma intensa na revitalização do espaço da Cidade Universitária, indo
ao encontro do público e procurando chamar sua atenção para o quanto as Geociências
estão presentes na vida cotidiana. Elabora exposições criativas, didáticas, atraentes e intera-
tivas para motivar a visitação e prender a atenção do público, numa incansável busca pela
população das Ciências da Terra.

Referências Bibliográficas

MELO, D. J., SOUZA, A. R. de & PINTO, F. M. (2005) – Paleontologia e Museologia: uma reflexão para
as exposições brasileiras. In: PALEO MG, Belo Horizonte. Paleontologia em destaque. Porto Alegre:
Sociedade Brasileira de Paleontologia, v. 20, p. 6‑7.
CASTRO, A. R. S. F., GRECO, P. D., ROMEIRO, E. M., DIOGO, M. C. & CARVALHO, I. S. (2011)
– O Museu da Geodiversidade (MGEO – IGEO/UFRJ) nos desafios da sociedade contemporânea. In:
Paleontologia: Cenários de vida. Rio de Janeiro: Interciência, III, p. 817‑29.
STUDART, D. C. (2004) – Educação em Museus: Produto ou Processo? (Dossiê CECA‑Brasil). Musas Revista
Brasileira de Museus e Museologia, Rio de Janeiro, 1, p. 34‑40.
FR ANÇA (1991) – Declaração Internacional dos Direitos à Memória da Terra. Carta de Digne. Tradução
de Professor Miguel M. Ramalho. Disponível em: http://sigep.cprm.gov.br/apresentacao.htm. Acesso
em janeiro de 2012.
NONATO, J. A. & SANTOS, N. M. (2000) – Era uma vez o Morro do Castelo. IPHAN. Rio de Janeiro,
2ª edição, 368 p.
(Página deixada propositadamente em branco)
20
MUSEU DE MINERAIS E ROCHAS E ACERVO
PALEONTOLÓGICO: JOGOS DIDÁTICOS COMO
MEDIADORES DO CONHECIMENTO EM GEOCIÊNCIAS

MUSEUM OF MINERALS AND ROCKS AND PALEONTOLOGICAL


COLLECTION: EDUCATIONAL GAMES AS MEDIATING TOOLS
OF KNOWLEDGE IN GEOSCIENCES

S. de B. Barreto1, M. de A. Lima 2, E. S. Ribeiro, E. R. Sales,


A. M. de L. Correia, E. V. Oliveira, S. M. B. Bittar & T. R. da Silva

Resumo – Este trabalho revela uma ação do Museu de Minerais e Rochas (MMR)
em busca de promover a interatividade com uma prática educativa apoiada em uma
aprendizagem lúdica. Neste sentido, descreve a criação de ferramentas mediadoras, os
Jogos Didáticos – quebra‑cabeças, jogos de memória e dominó ‑, que visam dar “vida”
ao inanimado Reino Mineral e proporcionar maior interação entre o acervo de mine-
rais, rochas e fósseis e o cotidiano dos estudantes e professores de ensino fundamental e
médio, principalmente. Os temas foram selecionados com base nos conteúdos de geoci-
ências presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais, versando sobre: Mineral, Ciclo
das Rochas, Rochas, Fósseis, Bosque Fóssil, Dinossauros, Gemas, Minerais Industriais,
Minerais Radioativos, Rochas Ornamentais, Escala de Dureza. A prática do momento de
concentração e consolidação do conhecimento visitado – momento NiFe – com o recurso
dos mediadores “Jogos Didáticos” vem aprimorar a contribuição social do Museu no ensino
de geociências e na preservação do meio ambiente natural e cultural.

Palavras‑chave – Jogos didáticos; Minerais; Rochas; Fósseis; Museu de Minerais e


Rochas; Brasil

1
Museu de Minerais e Rochas – MMR, Departamento de Geologia, Universidade Federal de Pernambuco. Av. Acd.
Hélio Ramos. S/N. Cidade Universitária. CEP 50740‑530, Recife, PE, Brasil; [email protected]; [email protected]
2
Museu de Minerais e Rochas – MMR; [email protected]
Abstract – This work presents an initiative of the Museum which seeks to promote in‑
teractivity through an educational practice based on playful learning experience. It describes
the mediating tools – educational games – puzzles, dominoes and memory games – designed
with the objective of “giving life” to the inanimate Mineral Kingdom and promoting a
196
greater interaction between the collections of minerals, rocks and fossils and the daily life of
the students and teachers from basic education level. The themes were selected based on the
national Curriculum Guidelines: minerals, cycle of rocks, rocks, fossils, fossil forest, dino‑
saurs, industrial minerals, radioactive minerals, ornamental rocks, hardness scale. The NiFe
moment – a moment of concentration and consolidation of the Museum experience which
uses educational games – improves the social contribution of the Museum for the teaching of
geosciences and for the preservation of the natural and cultural environment.

Keywords – Didactic games; Minerals; Rocks; Fossils; Rocks and Minerals Museum; Brazil

1 – Introdução

Este trabalho objetiva discutir as experiências educativas realizadas no Museu de Mi-


nerais e Rochas da Universidade Federal de Pernambuco, localizada na Região Nordeste
do Brasil.
O Museu de Minerais e Rochas, visando cumprir os princípios fundamentais do Es-
tatuto de Museus (Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009), vem atuando no sentido de
valorizar a dignidade humana; promover a cidadania; cumprir sua função social; valorizar
e preservar o patrimônio cultural e ambiental; propiciar universalidade do acesso; respeitar e
valorizar a diversidade cultural; e promover o intercâmbio institucional (BRASIL, 2009).
Para tanto, têm sido realizadas diversas atividades no sentido de aprimorar a con-
tribuição social do Museu no ensino de geociências e na preservação do meio ambiente
natural e cultural. Uma das principais atividades que vêm sendo realizadas é a criação
de ferramentas mediadoras, que visam dar “vida” ao inanimado Reino Mineral e pro-
porcionar maior interação entre o acervo de minerais, rochas e fósseis e o cotidiano
dos estudantes e professores de ensino fundamental e médio, principalmente.
Inicialmente será caracterizado o Museu, apresentando seu acervo, elementos exposi-
tivos e suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, a fim de contextualizar o leitor no
atual estágio da sua prática museal.
A seguir, serão apresentados os Jogos Didáticos, que tratam dos conteúdos pedagógi-
cos presentes no acervo exposto, relacionando‑os aos Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Fundamental e Médio no Brasil.
Por fim, discutir‑se‑á o potencial educativo do Museu enquanto agente difusor do
ensino de geociências, na medida em que o Museu tem experimentado novas ferramentas
de mediação em busca de uma maior interatividade com o público escolar.

2 – O Museu de Minerais e Rochas

No final da década de 50 do século xx foram criados o Instituto de Geologia e a


Escola de Geologia do Recife e, com eles, foram fundados museus com o objetivo de dar
suporte às atividades didáticas das áreas de conhecimento de mineralogia e de petrologia,
desenvolvidas por estas instituições, na formação de geólogos, engenheiros de minas e
historiadores naturais.
O museu do Instituto de Geologia foi fundado por dois de seus docentes, Prof. Silvio
197
da Cunha Santos e Prof. Cláudio de Castro, e o museu da Escola de Geologia do Recife
pelos Professores Bhaskara Rao e Mª do Socorro Adsumilli.
Esses dois acervos foram reunidos no final da década de 60, mais precisamente em
1968, surgindo desse ato o Museu de Minerais e Rochas.
Apenas em 1970 o Instituto de Geologia foi transferido para a Cidade Universitária,
o mesmo acontecendo com a Escola de Geologia que, unidos ao Instituto de Ciências da
Terra (criado poucos anos antes, em 1965), formaram o Instituto de Geociências, e neste,
o Departamento de Paleontologia e Geologia (mais tarde Departamento de Geologia) da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Destaca‑se, como experiência negativa, o período de 1996 a 2003, em que o museu
se manteve fechado por falta de apoio institucional e recursos para a manutenção do
espaço. A partir de 2004 foi iniciada a reestruturação do mesmo.
Reaberto em 2007, situado no atual Centro de Tecnologia e Geociências da UFPE,
fazendo parte do Departamento de Geologia, é o Museu de Minerais e Rochas dos poucos
museus de ciências na área de conhecimento das Geociências na região Nordeste do Brasil.
Seu acervo é um registro histórico do desenvolvimento da mineração no Nordeste,
revelando parte da história das minas de scheelita, com amostras representativas da época
áurea desta exploração na região do Seridó (Rio Grande do Norte), além de possuir co-
leções de referência contendo minerais representativos das diversas classes mineralógicas
procedentes de diferentes partes do mundo, abrangendo um total de quase 5.000 exem-
plares entre minerais e rochas, além de alguns equipamentos científicos utilizados para
avaliação e estudo destes materiais.
O acervo foi formado a partir da aquisição e doações de coleções de importân-
cia científica e didática inquestionável, como Coleção Hélio Grimberg, Coleção Fritz
Krantz, Coleção Ward’s, Coleção Cláudio Castro e Coleção Silvio Santos, além de
amostras específicas por sua beleza e raridade.
O acervo deste museu tem sido renovado, ao longo dos anos, através de coletas
realizadas por alunos dos cursos de graduação de Geologia e Engenharia de Minas,
bem como por pesquisadores, docentes e colaboradores.
Atualmente, o Museu encontra‑se aberto ao público, recebendo visitas orientadas de
alunos do ensino fundamental e médio e de diversos cursos de graduação, bem como
público espontâneo. São realizadas, continuamente, atividades de pesquisa na área afim
do Museu e em temas de museologia. E, continuamente, o Museu realiza atividades de
extensão – mini‑cursos, palestras, participação em feiras – a fim de aproximar o público
das temáticas abordadas no Museu.

3 – Jogos didáticos para o ensino de Geociências

O Museu de Minerais e Rochas, ao longo dos últimos 5 anos, acumulou uma larga
experiência no atendimento do público escolar. Percebeu‑se que as demandas dos profes-
sores costumam recair sobre determinados temas, abordados em diferentes disciplinas.
Esta situação se deve ao fato de que os conteúdos de geociências presentes nos Pa-
râmetros Curriculares Nacionais3 não se encontram adscritos a uma matéria específica,
conforme explica TOLEDO:
Apesar do perfeito entendimento quanto à importância do educando compreender o
198
funcionamento do meio natural para tornar‑se um cidadão capaz de avaliar e julgar as ações
de interferência, ocupação e uso do ambiente e de seus materiais e agir com consciência e res‑
ponsabilidade nesta questão, os PCNEM não reconhecem o papel do aprendizado integrado
em Geociências no conhecimento da natureza. De fato, as Geociências são omitidas como
ampla Ciência da Natureza, o que é uma pena, pois seu objeto de estudo (o planeta, seus
materiais e seus fenômenos) é a sede dos fenômenos físicos, químicos e biológicos estudados
no currículo escolar, podendo ser considerado que o próprio desenvolvimento da Física e
da Química ocorreu com base na necessidade de compreensão dos fenômenos da natureza.
(TOLEDO, 2005, p. 34).
Assim, para a construção dos Jogos Didáticos foram selecionados conteúdos do en-
sino de geociências que não são exclusivos de uma disciplina específica, mas que corro-
boram com a formação do discente através da abordagem de temas que procuram ser,
ao mesmo tempo, teóricos e técnicos, em seus conteúdos sobre a Geologia, e práticos e
aplicados, quando tratam das aplicações cotidianas das geociências.
De acordo com as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais e com práticas
de ensino formal que já vêm sendo experimentadas em outros tipos de instituições de
ensino, busca‑se contribuir com a formação de atitudes e habilidades adequadas ao estudo
e à compreensão da Terra (Orion et al., 1996 ). Através do raciocínio e de procedimentos
(métodos e técnicas) específicos da Geologia é feita a caracterização (descrição, identificação,
função e relações) dos materiais, das formas de energia e das suas interações no espaço e no
tempo, definindo‑se um conjunto de parâmetros interrelacionados, que serve como padrão
de referência do meio físico. Construído pelo estudante, este padrão leva à compreensão
do ambiente físico local e de suas relações com o contexto sócio‑cultural, estendendo‑a para
contextos cada vez mais amplos, até chegar à concepção da Terra como um sistema evolutivo
complexo, que favoreceu o surgimento e evolução dos organismos, bem como da humanidade,
os quais, por sua vez modificam a superfície terrestre. (GUIMARÃES, 2004, p. 87).
Assim, os temas abordados nos Jogos Didáticos foram eleitos a partir dos referenciais
propostos pelos PCNs, da revisão de bibliografia sobre o ensino de geociências na educação
formal e das próprias experiências acumuladas no Museu de Minerais e Rochas com as
demandas trazidos pelos professores.
Neste processo foram elaborados 15 jogos didáticos temáticos: 6 jogos de memória,
1 dominó e 8 quebra‑cabeças. Os temas abordados foram: Mineral, Ciclo das Rochas,
Rochas, Fósseis, Bosque Fóssil, Dinossauros, Gemas, Minerais Industriais, Minerais
Radioativos, Rochas Ornamentais, Escala de Dureza. Cada jogo é acompanhado de
uma ficha “Como Jogar”, que contém as regras do jogo, o conceito referente ao jogo,
tema, idade, participantes, número de peças, objetivo e dicas para jogar (Fig. 1).

3
Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram instituídos em 1997 como consequência da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional – N° 9.394 (BRASIL, 1996) – e constituem um referencial de qualidade para
a educação no Ensino Fundamental e Médio em todo o Brasil: Sua função é orientar e garantir a coerência dos
investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação
de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com
a produção pedagógica atual (BRASIL, 1997, p. 13).
199

Fig. 1 – Imagens da tampa da embalagem de alguns jogos temáticos


executados pelo Museu de Minerais e Rochas e ficha “Como Jogar”.

4 – Caraterização dos jogos

Os temas iniciais foram aqueles relacionados aos conceitos básicos do Reino Mineral:
Minerais, Rochas, Ciclo das Rochas e Fósseis. Com estes temas buscou‑se a conceituação
básica dos materiais constituintes do nosso planeta.
O conceito clássico de Mineral – Mineral é um sólido homogêneo, natural, com uma
composição química definida (porém, geralmente não fixa) e um arranjo atômico altamente
ordenado, resultante de processos inorgânicos (KLIEN & HULBURT, 1999) – foi trabalhado
sobre a forma de dois jogos, um quebra‑cabeça e um jogo da memória.
No quebra‑cabeça “Mineral”, o texto formal do conceito foi impresso e acompanhado
de imagens dos minerais em ambiente natural, que remetem ao imaginário infantil de
mina versus preciosidade.
No jogo da memória “Minerais do Acervo” cada dupla de peças apresenta a imagem
de uma amostra mineral, acompanhada da sua denominação. Foram escolhidos minerais
que são representativos do acervo do Museu de Minerais e Rochas, bem como imagens
de duas jazidas localizadas na Região Nordeste, que foram fontes de amostras efetiva-
mente existentes no Museu (Fig. 2).

Fig. 2 – Jogo de memória “Minerais do Acervo” composto por 40 peças em MDF de


7 cm x 7 cm x 0,3 cm, com imagens de amostras do acervo do MMR, acompanhadas
de suas denominações. No verso da tampa da embalagem tem‑se a ficha “Como Jogar”.
Para introduzir o leitor na dinâmica da Terra, quanto aos diferentes ambientes geoló-
gicos de ocorrência das rochas e suas transformações, foi criado o quebra‑cabeça “Ciclo
das Rochas”, no qual se trabalha o conceito e a imagem do ciclo (imagem disponibili-
zada no MINERALOGICAL SOCIETY OF AMERICA, 2011). Ainda sobre rochas,
200
desenvolveu‑se um jogo de memória “Rochas”, com imagens de rochas de áreas aflorantes,
situadas na região Nordeste do Brasil, visitadas em excursões didáticas do curso de
Geologia e Engenharia de Minas e áreas de pesquisas. Estas imagens são acompanhadas
de seus respectivos nomes e localização geográfica (estado, cidade).
Outro material lítico que tem encantado os visitantes são peças da coleção pale-
ontológica do Departamento de Geologia, sob a guarda dos professores Dra. Alcina
Magnólia França Barreto e Dr. Édison Vicente Oliveira. As peças em exposição fazem parte
do acervo paleontológico que compreende mais de 10.000 espécimes de macrofósseis,
microfósseis e icnofósseis, coletados nas bacias sedimentares do Nordeste do Brasil, em
rochas das eras Paleozoica, Mesozoica e Cenozoica. Uma parte desse acervo, coletado
no Estado de Pernambuco, compõe a exposição Paleo Pernambuco e o Bosque Fóssil da
Era Mesozoica. Esta exposição permanente revela fósseis de animais e plantas, seres que
viveram em antigos ecossistemas do estado. O material se destaca pela diversidade de
vertebrados (peixes, répteis e mamíferos), invertebrados (moluscos bivalves, gastrópodes
e cefalópodes, equinodermatas, artrópodes e braquiópodes), plantas e icnofósseis, muitos
em excelente estado de preservação, pela idade (fósseis do Devoniano ao Pleistoceno) e
importância paleoambiental. O Bosque Fóssil, da Era Mesozoica, foi coletado pelo então
professor Dr. Geraldo Muniz, paleontólogo, sendo constituído por 102 segmentos de
troncos fossilizados, alguns com até mais de 2,5 metros, relacionados taxonomicamente
às gimnospermas no grupo de coníferas. Compõe uma das maiores exposições do gênero
da América Latina e são procedentes de Icó, Município de Petrolândia – Pernambuco,
Formação Sergi, Bacia Sedimentar de Jatobá.
Deste modo, foi criado um quebra‑cabeça sobre o “Bosque Fóssil”, com as imagens
de dois segmentos de troncos fósseis, expostos na área do bosque, acompanhadas das
informações básicas que contextualizam este acervo. Outro quebra‑cabeça, intitulado
“Dinossauros”, mostra a imagem de uma das pegadas de dinossauros (icnofósseis) encon-
tradas no município de Souza, estado da Paraíba, nordeste do Brasil. A imagem desta
pegada é acompanhada com informações sobre a classificação do dinossauro, idade, for-
mação geológica, localização geográfica, etc. Salienta‑se que esta peça pertence ao acervo
em exposição observado pelos visitantes.
Além destes jogos, ainda tocando aspectos da paleontologia, desenvolveu‑se o jogo de
memória “Fósseis”, constituído por imagens de peças do acervo principalmente da mostra
Paleo Pernambuco, onde cada dupla imagem é acompanhada do seu nome científico
e informações sobre a formação sedimentar e/ou bacia de origem. Estas ferramentas
mediadoras contribuem para a fixação dos conhecimentos paleontológicos e para despertar
a importância da preservação ambiental.
Outro universo de conteúdo muito solicitado e de impacto junto aos estudantes trata‑se
da Mineralogia Aplicada. Nesta área temática foram desenvolvidos jogos sobre: Gemas,
Minerais Industriais, Minerais Radioativos e Rochas Ornamentais. Estes jogos são bastante
eficientes, tendo em vista que permitem trazer para o cotidiano dos estudantes os minerais
e as rochas, relacionando‑os a produtos industriais que são total e/ou parcialmente consti-
tuídos por estes materiais. O conceito de minerais industriais (DNPM, 2011) está presente
em texto associado à imagem de uma casa, onde são destacados objetos e vinculados às maté-
rias‑primas minerais constituintes. Outra ferramenta mediadora para ajudar na construção
deste conceito de minerais industriais, é o jogo da memória “Minerais Industriais”, no qual
se tem um par com a imagem do mineral/rocha acompanhada de sua denominação,
201
e outro par com a imagem do produto relacionado ao nome do mineral/rocha (Fig. 3).
Ainda no contexto da mineralogia aplicada foi elaborado o jogo de memória “Rochas
Ornamentais”, com imagens de rochas exploradas para uso ornamental na Região Nordeste
brasileira, acompanhadas de seu nome comercial e localização geográfica.
Utilizando‑se de elementos lúdicos, envolvendo o visitante na idéia de tesouros versus
preciosidade, o conceito de gemas (IBGM, 2005) é colocado em texto interligado a ima-
gem de um baú repleto de gemas lapidadas, constituindo o jogo quebra‑cabeça “Gemas”.
E, refletindo a diversidade de gemas encontradas nas províncias gemológicas brasileiras,
também foi criado o jogo de memória “Gemas”, onde imagens de gemas lapidadas são
acompanhadas de suas denominações.
Com o intuito de abordar e exemplificar o tema radioatividade e salientar algumas
fontes minerais, produziu‑se o jogo de memória “Minerais Radioativos”, com o conceito
em texto vinculado a uma imagem de uma cidade com uma usina nuclear inserida no
contexto urbano. Com este elemento mediador, os monitores explicam aos visitantes a
radioatividade: seus benefícios e perigos, lendas e mitos.

Fig. 3 – Detalhe das peças em MDF do jogo de memória “Minerais Industriais” onde
tem‑se um par de peças com a imagem do mineral, acompanhadas de sua denominação,
e outro par de peças com a imagem de um produto industrial e o nome do
mineral/rocha que participa de seu processo produtivo.

Como ação pedagógica, no final da visitação, adequando‑se à demanda solicitada,


o museu realiza pequena oficina prática de observação de algumas propriedades físicas
dos minerais, como por exemplo, clivagem, hábito, cor de traço, brilho, dureza e mag-
netismo. Para apoiar estas atividades pedagógicas foram criados dois jogos sobre a dureza
dos minerais: o quebra‑cabeça “Dureza”, com o conceito de dureza e a escala de Mohs
(KLEIN & HURLBUT, 1999) impressos de modo ilustrativo (Fig. 4a), e o jogo dominó
“Escala de Mohs”, no qual as peças interrelacionam minerais com seu o valor de dureza
segundo esta escala (Fig. 4b).
202

A B
Fig. 4 – (a) Jogo de quebra‑cabeça “Dureza”, com dimensão de 40 cm x 40 cm em MDF, apresentando o
conceito de dureza e a escala de Mohs. (b) Jogo dominó “Escala de Mohs”, composto por 55 peças em MDF
de 8 cm x 4 cm x 0,3 cm de dimensão. Cada peça tem a imagem do mineral com o valor de sua dureza.

Todos estes jogos didáticos são ferramentas mediadoras do conhecimento comparti-


lhado dentro do museu e são utilizadas ao final das visitações durante o momento NiFe,
assim denominado em remetendo‑se a composição básica do núcleo da Terra, sendo este o
espaço de nucleação e consolidação dos conteúdos visitados.
As imagens utilizadas como ilustrações dos jogos foram obtidas nas referências presentes
na bibliografia e retrabalhadas de acordo com a temática do jogo criado.

5 – Considerações finais

A criação de ferramentas mediadoras do conhecimento com conteúdo em geociências é


ação a ser incentivada nas instituições museológicas e de ensino, tendo em vista a carência
de elementos acessíveis ao público em geral. A experiência lúdica é certamente eficaz na
fixação de conhecimentos, tendo em vista a leveza da linguagem e da relação de aprendiza-
gem estabelecida, que perpassa diversas disciplinas e vivências do cotidiano do aluno.
O espaço criado dentro do MMR para a prática desta aprendizagem com o suporte
dos jogos didáticos trouxe ao Museu a possibilidade de ampliar sua ação de difusor de
conhecimento. Ao mesmo tempo que há a possibilidade dos jogos criados servirem como
protótipos para a produção e posterior adoção destas ferramentas no ensino fundamental
em escolas públicas, servindo como suporte pedagógico para os professores destas insti-
tuições. É, portanto, uma contribuição importante do MMR na formação de cidadãos
com melhor entendimento do planeta Terra.

Agradecimentos – PROEXT/UFPE – Pró‑reitoria de Extensão da Universidade Federal


de Pernambuco pela aprovação do projeto de extensão intitulado “Museu de Minerais e
Rochas e Acervo Paleontológico: Jogos Didáticos como Mediadores do Conhecimento em
Geociências” submetido ao edital BEX 2009.

Referências Bibliográficas

BRASIL (1996) – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
BR ASIL (1997) – Parâmetros Curriculares Nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais.
Secretaria de Educação Fundamental‑ Brasília: MEC/SEF, 1997.
BRASIL (2009) – Estatuto de Museus – Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009.
DNPM (2011) – http://www.dnpm.gov.br/assets/galeriadocumento/planoplurianual/pluger51.html (consultado 203
em 2011.05.14).
GUIMARÃES, E. M. (2004) – A contribuição da Geologia na Construção de um Padrão de Referência do
Mundo Físico na Educação Básica. Revista Brasileira de Geociências, 34, p. 87 – 94.
IBGM (2005) – Manual Técnico de Gemas / IBGM, DNPM. – 3. ed. rev. e atual./Consultoria,supervisão e
revisão edição, Jane Leão N. da Gama. ‑‑ Brasília. 156 p.: il.; 29 cm. Anexos ISBN: 85‑99027‑01‑8.
KLEIN, C. & HURLBUT, C. S. Jr. (1999) – Manual of Mineralogy (after James D. Dana). John Wiley & Sons.
599 p.
MINERALOGICAL SOCIETY OF AMERICA (2011) – http://www.mineralogy4kids.org/rockcycle/rockcycle.
html (consultado em 2011.05.16).
TOLEDO, M. C. M. de (2005) – Geociências no Ensino Médio Brasileiro – Análise dos Parâmetros Curricu-
lares Nacionais. Revista do Instituto de Geociências – USP, Geol. USP Publ. Espec., São Paulo, v. 3, p. 31‑44.

Bibliografia

DECICLOPEDIA – http://desciclopedia.ws/wiki/Imagem:Dinossauro.jpg. (consultado em 2011.05.13).


DISNEY‑CLIPART.COM – http://disney‑clipart.com/snow‑white/grumpy.php. (consultado em 2011.05.13).
DISNEY‑CLIPART.COM – http://disney‑clipart.com/snow‑white/Dwarfs‑Happy‑Dopey‑Diamond.php (consul-
tado em 2011.05.13).
FANPOP – http://www.fanpop.com/spots/disney/images/6583577/title/peter‑pan‑wallpaper‑wallpaper. Imagem
Peter Pan (consultado em 2011.05.14).
GLITTER GRAPHICS – http://www.glittergraphicsnow.com/pt/sininho‑7.html (consultado em 2011.05.13).
MINERALOGICAL SOCIETY OF AMERICA – http://www.mineralogy4kids.org/rockcycle/rockcycle.html
(consultado em 2011.05.16).
RADIO HAMBURG – http://www.radiohamburg.de/Fotos‑Videos/Archiv/Kino‑TV/2009/ Film‑des‑Jahres‑Ice‑
‑Age‑3‑Die‑Dinosaurier‑sind‑los/bild‑11 (consultado em 2011. 05.14).
THE VILLAS AT SEVEN DWARFS LANE – http://www.villasat7dwarfslane.com/. Imagem Mestre e Dunga
(consultado em 2011.05.13).
(Página deixada propositadamente em branco)
21
LUND: UMA PROPOSTA DE BASE DE DADOS DE COLEÇÕES
PALEONTOLÓGICAS BRASILEIRAS

LUND: A PROPOSAL FOR A DATABASE OF BRAZILIAN


PALEONTOLOGICAL COLLECTIONS

R. P. Ghilardi1, M. G. Soler2 & M. C. Langer3

Resumo – O sistema LUND é um software de consulta livre desenvolvido com


objetivo de catalogar fósseis depositados em coleções científicas brasileiras e disponibilizar
estes dados diretamente na Internet. Considerando‑se que seja uma base de dados direcio-
nada à coleções científicas dos mais diversos tipos de fósseis, LUND tem como entidade
unificadora o espécime, identificado pelo número de tombo dentro da instituição. As ferra-
mentas disponíveis no sistema agregam informações extraídas do fóssil em campo ou no
trabalho de preparação e descrição desse. Entre estas ferramentas destacam‑se as árvores de
relacionamento, presentes em “Grupo Taxonômico”, “Tempo Geológico”, “Estratigrafia” e
“Localidades”, permitindo aos usuários sistematizarem seus dados em níveis hierárquicos
que refletem a natureza dos mesmos, possibilitando agilidade e evitando a duplicação
de informação no sistema. O detalhamento do material a ser tombado é uma inovação
do sistema LUND; por se tratar de um banco de dados especificamente paleontológico,
foi possível refinar a informação a ser inserida no sistema, possibilitando a inclusão de
aspectos tafonômicos/paleoecológicos/paleoambientais e estado de preservação do mate-
rial. O sistema de consultas possibilita consultas simples e diretas de espécimes por meio
de campos específicos, a saber: número de tombo, instituição de tombo, grupo taxonômi-
co, estratigrafia, tempo geológico, localidade e Referências Bibliográficas; como também
buscas combinadas entre os campos supracitados. Por fim, relatórios no formato PDF são
emitidos de acordo com a consulta, possibilitando além do registro virtual, a impressão de
um livro tombo físico da coleção paleontológica. A plataforma localizada no sítio http://
www.lund.fc.unesp.br/lund/ é pioneira na divulgação e catalogação de dados paleontológicos
em países de língua lusófona.

1
DCB/FC/UNESP – Bauru, SP – Brasil; [email protected]
2
Museu Biológico do Instituto Butantan, São Paulo, SP – Brasil; [email protected]
3
FFCLRP/USP – Ribeirão Preto, SP – Brasil; [email protected]
Palavras‑chave – Banco de Dados; Coleções Paleontológicas; Curadoria; Ferra-
mentas Internet

Abstract – LUND is a free software developed with the aim of cataloging fossils deposited
206
in Brazilian scientific collections, available as a database directly on the Internet. LUND has
the specimen as its unifying entity, which is identified by its collection number (ID). The tools
available in the system aggregate field data, as well as information extracted from the prepara‑
tion and description of the material. These include relationship trees available at “Taxonomic
Group”, “Geological Time”, “Stratigraphy” and “Localities”, which allow users to systematize
their hierarchical data at levels that comprehensively reflect their nature, also providing agility
and avoiding duplication of information in the system. Because LUND is a specifically paleon‑
tological database, it is possible to refine the information to be entered into the system, allowing
the inclusion of taphonomic/ecological/environmental aspects and the state of preservation of
the material. The query system allows simple and direct search for specimens using the specific
fields, namely: ID, institution, taxonomic group, stratigraphy, geologic time, location and refe‑
rences, as well as combined searches using those fields. Finally, PDF format reports of all of the
information deposited in the system are issued as required. Therefore, in addition to the virtual
record, it is possible to generate a physical book of the collection. The platform is located at the
site http://www.lund.fc.unesp.br/lund/ and is pioneering in the dissemination and cataloging of
paleontological data in Lusophone‑speaking countries.

Keywords – Database; Paleontological collections; Internet tools

1 – Introdução

Bancos de dados informatizados provêm ferramentas essenciais para a investigação


de problemas em larga escala temporal e espacial. No âmbito paleontológico, grandes
bancos de dados são empregados por pesquisadores para responder questões sobre a
diversificação da vida, extinções em massa, recuperação após eventos de extinção, ra-
diação, reconstituições de nichos ecológicos, paleobiogeografia e a “árvore da vida”
(veja, por exemplo, CRAMPTON et al., 2003; CLAPHAN et al., 2005; PLOTNICK
& WAGNER, 2006; WOOD et al., 2007; ALROY, 2008; MELOTT, 2008; ALROY,
2010; MARX & UHEN, 2010). O conjunto destes dados também pode ser utilizado
em outros estudos, não necessariamente sobre a fauna pretérita, mas que utilizam este
referencial para identificar táxons ao longo do tempo geológico ou a origem dos mesmos,
como, por exemplo, em WOOD et al. (2007) e QUENDAL & MARSHALL (2010).
Tais potencialidades permitem constatar que os bancos de dados podem ser a chave
para resolver problemas e controvérsias acerca da história da vida na Terra (SCHIER‑
MEIER, 2003). Por exemplo, as curvas da diversidade global refletem mais do que
o número de táxons que existiram ao longo do tempo; estas também espelham variações
na natureza do registro fóssil e relatam o caminho deste registro. Estes efeitos amostrais
são melhor qualificados por conjuntos e análises de um grande número de inventários de
localidades bióticas específicas.
Neste âmbito, há dois significativos problemas enfrentados pelo pesquisador em
Paleontologia no Brasil: (1) a falta de centralização de dados referentes aos espécimes
fósseis, depositados em coleções científicas e (2) a falta de um índice (catálogo) unificado
em que se possa ter uma visão generalizada das pesquisas já realizadas com o material
brasileiro. Apesar de outras áreas da ciência já centralizarem suas informações em bancos
de dados virtuais (veja o sítio: http://splink.cria.org.br; como exemplo de centralização
207
de dados neontológicos de diferentes instituições do estado de São Paulo e o exemplo do
Museu Emílio Goeldi, em que suas diversas coleções são disponíveis em um mesmo
sítio: http://marte.museu‑goeldi.br/zoologia/novocatalogo/index.php), a Paleontologia
ainda carece de um sistema unificador, capaz de atender às necessidades inerentes ao
novo contexto de ciência mundial.
Não é incomum os fósseis descritos em trabalhos científicos não serem encon-
trados nas coleções dadas como depositárias. O problema é ainda maior quando as
coleções perdem seus livros tombo devido à imperícia na curadoria dos espécimes e
dos dados referentes a estes. Assim, o registro bibliográfico torna‑se crucial para o
conhecimento paleontológico, configurando‑se, nestes casos, como único registro do
organismo extinto.
Ademais é notória a falta de integração entre as diferentes coleções paleontológicas
brasileiras. Este fato deve‑se, basicamente, a algumas condições recorrentes, a saber: a –
as coleções científicas não são específicas, ou seja, estas não compreendem unicamente
a linha de pesquisa de cada laboratório, o que ocasiona que exemplares de diferentes
grupos sejam catalogados com dados imprecisos (e.g., o fóssil de um vegetal na coleção
de um laboratório de paleovertebrados); b – falta de padronização do meio e dos dados
catalogados entre os diferentes laboratórios de Paleontologia (diferentes informações
armazenadas em diferentes meios); c – falta de informações fidedignas (informação pri-
mária), pois foram perdidos os dados originais da coleta de cada fóssil; e d – falta de
dados muitas vezes importantes/característicos para cada tipo de fóssil e/ou estudo a
ser realizado (e.g., posicionamento de um paleoinvertebrado numa camada sedimentar).
Dessa maneira, é notória a necessidade de padronização na coleta e armazenamento
de dados paleontológicos, além da centralização dos mesmos.
Ademais, a necessidade de se elaborar um banco de dados paleontológico único
decorre de outros fatores como conhecer o perfil das coleções individualmente e em
conjunto, propiciar a troca eficiente de informações sobre espécimes, orientar novas
coletas e exploração de sítios paleontológicos, apontar perspectivas de estudos den-
tro do potencial de cada instituição, proporcionar rapidez e dinamismo na troca de
informações entre as instituições, garantir a segurança dos dados e possibilitar análises
mais completas de paleodiversidade.

2 – Lund

O sistema LUND é um software de consulta livre desenvolvido com objetivo de


catalogar fósseis depositados em coleções científicas, disponibilizando estes dados
diretamente na Internet. Seu nome é homenagem ao naturalista dinamarquês Peter
Wilhelm Lund (Y1801 – U1880), considerado o “pai” da Paleontologia brasileira
(SCHOLLHAMMER, 2002).
O LUND apresenta os campos de preenchimento esquematizados a partir da seguinte
estrutura (modelo lógico simplificado, Fig. 1):
208

Fig. 1 – Modelo Lógico de representação e relacionamento de planilhas do


Sistema LUND de catalogação de fósseis.

Sendo uma base de dados informatizada, LUND tem como entidade unificadora o
espécime, ou seja, todas as ferramentas disponíveis no sistema estão direta ou indiretamente
relacionadas ao mesmo, que é identificado pelo seu número e instituição de tombo.
Ademais, o sistema LUND trata os dados de forma a não alterar a informação pri-
mária, objetivando mantê‑la tal como foi originalmente descrita e sistematizada pela
instituição, ou atualizá‑la, quando necessário para sua melhor compreensão e/ou para
possibilitar abordagens mais atuais. O sistema também dispõe de uma forma de acesso
amigável, com facilidade de inclusão e resgate de dados, pois é de suma importância tornar
a informação mais acessível, para obter maior envolvimento de outros pesquisadores com
o sistema aqui exposto.
A interface com o usuário, em que é efetivado o acesso e gerenciamento dos dados,
é realizada via internet, sendo o LUND um sistema totalmente on‑line, dispensando
download ou plataformas específicas para sua utilização. A disposição das ferramentas
foi realizada de modo a refletir de modo mais claro e simples a base de dados desenvolvida
e seu modelo de relacionamento.
Uma inovação é o detalhamento dos materiais tombados nas coleções científicas.
Por se tratar de um software específico para coleções paleontológicas, é possível inserir
informações detalhadas sobre tipos específicos de fósseis, tais como: paleovertebrados,
paleoinvertebrados, paleobotânica, microfósseis e icnofósseis. Além de informações
sobre o material e seu estado de preservação, dados tafonômicos também podem ser
incluídos, o que possibilita estudos mais acurados em relação a paleoecologia e paleo-
ambientes dos espécimes.
As ferramentas GRUPO TAXONÔMICO, TEMPO, ESTRATIGRAFIA e LOCALI-
DADES foram construídas em forma de árvores hierárquicas, o que condiz conceitualmente
com tais informações, também permitindo aos usuários catalogar os dados pertinentes ao
espécime, sejam estes precisos ou não. Tal esquema também evita duplicação de dados
e facilita a consulta dos espécimes. Uma vez construídas as hierarquias, cabe ao usuário
navegar pela árvore e escolher o nível hierárquico que corresponde a informação do referido
espécime (Fig. 2).
O resgate dos dados no sistema LUND pode se realizado a partir de consultas
209
a campos específicos de interesse, como: número de tombo, instituição, grupo taxo-
nômico, estratigrafia, tempo geológico, localidade e Referências Bibliográficas. Estas
pesquisas simples trazem todos os espécimes cadastrados no banco que contenham as
informações selecionadas. É possível, ainda, refinar as buscas em pesquisas combinadas
entre os campos supracitados

Fig. 2 – Tela da Ferramenta GRUPO TAXONÔMICO,


em que se pode observar a árvore hierárquica proposta.

Por fim, o sistema LUND armazena os dados em um servidor único e um sistema


de backup é realizado mensalmente. É importante ressaltar que, mesmo compartilhando
um mesmo servidor, as instituições não perdem a autoria ou o controle dos seus dados,
uma vez que a edição e atualizações destes são permitidas somente aos curadores cadas-
trados das respectivas coleções.

3 – Softwares relacionados

Apesar da escassez de ferramentas de curadoria e análise em paleontologia, algumas


opções podem ser encontradas no mercado.
No Brasil, várias instituições possuem catálogos particulares de seus fósseis na rede
mundial, como o Paleomundo (http://www.ige.unicamp.br/paleomundo/principal.html),
da Unicamp, e a Fundação Phoenix (http://www.phoenix.org.br/col.htm). Contudo, são
apenas catálogos virtuais, sem possibilidade de intercomunicação de dados com outras ins-
210
tituições. A base de dados Paleo da CPRM (http://www.cprm.gov.br/bases/novapale/pale.
php) é de difícil interface, com problemas no sistema de busca de seus exemplares e dispõe
de dados apenas relacionados a fósseis coletados em projetos executados pela CPRM, das
coleções do DNPM/Museu de Ciências da Terra, e da UFRJ/Museu Nacional e Instituto
de Geociências. Mesmo assim, ainda é a única iniciativa brasileira de integração de dados
paleontológicos entre instituições.
Em âmbito internacional, o Specify (http://specifysoftware.org/), por exemplo, já foi
testado por anos e é a base de dados mais conhecida na atualidade para catalogação
de dados biológicos, especialmente zoológicos, mas não é um sistema exclusivamente
paleontológico. Sendo composto por muitas planilhas, dada a diversidade de dados que
o Specify pode receber, é preciso inicialmente construir um banco adequado a cada ins-
tituição, para depois utilizá‑lo, em um processo não intuitivo. O Specify disponibiliza os
dados para consulta na internet, mas é preciso instalar o programa em um computador
ou configurar uma rede de trabalho para a inclusão de dados de uma coleção. Assim, o
Specify não atende completamente a demanda da curadoria de dados paleontológicos,
uma vez que não foi desenvolvido exclusivamente para este fim, bem como não integra
dados de instituições, uma vez que é desenhado um novo banco para cada instituição.
O Paleotax (http://www.paleotax.de/) é um software para gerenciamento de dados
paleontológicos, não necessariamente restritos a coleções científicas. Seu escopo são tra-
balhos taxonômicos, exigindo a instalação em desktop para o uso. O objetivo principal
não é a catalogação on‑line e a unificação de dados entre coleções e sim um programa
para registro, análise e exibição de dados paleontológicos (LÖSER, 2004).
Já o Paleobiology Database (http://paleodb.org/cgi‑bin/bridge.pl) é uma importante
iniciativa de unificação de dados num escopo internacional. Contudo, não tem como
filosofia a curadoria das coleções científicas, e sim a disponibilização de dados e fornecer
ferramentas para análises estatísticas de diversidade.
Dentro dessa filosofia, o software LUND (http://www.lund.fc.unesp.br/lund/) é
o único que abarca o gerenciamento de coleções, catalogação on‑line e unificação de
dados paleontológicos, tornando‑se um software indispensável a instituições científicas
que visam ter um suporte para realizar inventários de espécimes fósseis presentes em suas
coleções científicas, assim como uma ferramenta de unificação dos dados de diversas
instituições. Ademais, visa contribuir como mais uma opção, de autoria brasileira, e de-
senvolvida por pesquisadores de áreas afins àquelas que o referido sistema atua, ou seja,
estudiosos cientes das reais dificuldades enfrentadas pelas instituições científicas e outros
pesquisadores desta área.

4 – Considerações finais

Fica evidente a importância da implementação da base de dados LUND nos diferen-


tes estados e regiões do Brasil para a possibilidade futura de integração de dados entre as
diferentes unidades de pesquisa existentes. A integração das bases de dados brasileiras, a
princípio, com as bases de dados de outros países lusófonos facilitaria ainda mais o reco-
nhecimento das respetivas paleodiversidades e a integração de pesquisa entre esses países.
O LUND, é necessário explicitar, não visa o controle de dados por instituições ou mesmo
indivíduos. O sistema almeja apenas a disponibilização de dados já tombados em coleções
211
científicas e que, por definição, ao menos no Brasil, são públicos.
É interessante notar também que o sistema LUND foi desenvolvido de forma que
os dados estejam disponíveis on‑line ao serem enviados ao servidor. Assim, o uso deste
software por instituições que compartilhem um único servidor resulta em iniciativas
regionais de centralização de informação paleontológica, o que é o passo inicial para
outros estudos, como trabalhos sobre paleobiodiversidade e de levantamento paleobio-
geográfico de grupos fósseis específicos, uma vez que há campos de preenchimento
que possibilitam tais análises.
Assim, a informatização das coleções científicas paleontológicas é um importante
passo no desenvolvimento da Paleontologia brasileira, tanto no meio acadêmico, que terá
um completa visão das pesquisas e fósseis nacionais, bem como para o público em geral, que
poderá acessar livremente informações atualizadas sobre o conhecimento paleontológico,
que até então mantinha‑se restrito a bibliotecas e universidades.

Agradecimentos – Os autores gostariam de agradecer as instituições de pesquisa


brasileiras UNESP. USP, UNICAMP, UFSCar, UNIFESP, UNIP, UnG e IG que se
disponibilizaram a participar do projeto desde seu início. Lund foi financiado pela
FAPESP (Proc. 2009/54788‑2)

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22
A IMPORTÂNCIA DIDÁTICA DAS GEOCOLEÇÕES VIRTUAIS
NO ENSINO/DIVULGAÇÃO DA GEOLOGIA: CASO DA COLEÇÃO
NACIONAL DE MINERALOGIA DO MUSEU GEOLÓGICO

DIDACTIC IMPORTANCE OF VIRTUAL GEOCOLLECTIONS


IN TEACHING/DISSEMINATION OF GEOLOGY:
THE NATIONAL MINERALOGY COLLECTION
OF THE PORTUGUESE GEOLOGICAL MUSEUM

P. A. Marta1, J. A. Simão1, N. Leal1 & J. M. Sequeira 2

Resumo – Os museus são instituições educacionais que possuem coleções com alto
valor científico, pedagógico e patrimonial. Não obstante a importância do seu acervo para
o ensino e/ou divulgação das ciências da Terra, em muitos casos, por falta de espaço,
pessoal efetivo ou dificuldades financeiras, as coleções ou parte delas estão inacessíveis
ao público. O Museu Geológico possui uma sala de mineralogia com uma exposição
de exemplares de ocorrência portuguesa e estrangeira com formas cristalográficas de
grande beleza. No entanto, o acervo de minerais ocorrentes em Portugal, construído a
partir de ofertas e da colheita de centenas de amostras encontra‑se, em grande parte,
arquivado devido às limitações do espaço físico disponível, à natureza da coleção e à
conceptualização museográfica. Contudo, esta geocoleção de âmbito nacional constitui
um importante recurso didático para professores e alunos do ensino básico e secundário
e para o público em geral, pelo que se considera importante estar acessível. Este patrimó-
nio museológico poderá, no entanto, vir a ser divulgado através da comunicação digital.
Esta forma de divulgação possibilita, a um público geograficamente disperso, o acesso às
peças do museu que não se encontram nas galerias do seu espaço físico permitindo, ao
mesmo tempo, disponibilizar informação mais detalhada sobre cada uma.
Neste contexto, a criação de uma geocoleção virtual do acervo de minerais nacionais do
Museu Geológico, através de uma base de dados a disponibilizar numa plataforma interativa,
permitirá o acesso à informação fidedigna e detalhada de cada amostra, de modo a ser
utilizada como fonte de investigação e estudo.

1
Departamento de Ciências da Terra, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de
Lisboa, 2829‑516 Caparica, Portugal; [email protected]; [email protected]; [email protected]
2
Museu Geológico – LNEG, Lisboa, Portugal; [email protected]
Palavras‑chave – Coleção Nacional de Mineralogia; Museu Geológico; Geocoleção
virtual; Ensino e divulgação da Geologia

Abstract – Museums are educational institutions possessing collections of high scientific, edu‑
214
cational and patrimonial value. Despite the importance of the collections for teaching and/or
dissemination of Earth Sciences, the lack of room space and permanent staff as well as budget‑
ary constraints turn them sometimes inaccessible to the public. The Portuguese Geological
Museum possesses a mineralogy room with a permanent exhibition of specimens occurring in
Portugal and abroad as well as specimens with crystallographic forms of great beauty. Neverthe‑
less, the heap of minerals occurring in Portugal, built up from gifts and field collection of hundreds
of samples, is mainly stored due to room limitations, to the specificity of the mineral collection
and to museographic conceptualization. As this national geocollection is a major teaching resource
for teacher’s primary and high school students as well as for general public, it is useful to give it an
open access. Actually, this patrimony should be shown by digital means. This way of dissemination
will allow that a geographically dispersed audience gets access to some specimens not exhibited at
the museum galleries and at the same time, more information on which specimen can be provided.
Regarding this, giving rise to a virtual geo‑collection, using the Geological Museum national
mineralogy collection, to be released on an interactive platform, will allow access to a reliable and
detail information on which specimen so as to be used for study and research purposes.

Keywords – Portuguese mineralogy collection; Geological Museum; Virtual Geocollection;


Teaching and dissemination of Geology

1 – Os Museus na sua vertente educativa

Na Grécia Antiga, o termo “museu” era utilizado relativamente ao Templo das


Musas (Museion), templo este dedicado às nove musas, filhas de Zeus e de Mnemosine,
a deusa da memória. Cabe lembrar que, durante a Idade Média, reunir obras de arte
era uma forma de demonstrar prestígio, e a partir do Renascimento, a palavra “museu”
passou a ser utilizada para definir coleções de objetos de valor histórico e artístico. Com
a expansão ultramarina dos séculos xv ao xvii, o conhecimento de novos continentes
estimulou a criação de coleções de objetos artísticos ou curiosidades naturais, servindo
de base para os famosos “Gabinetes de Curiosidades”.
Segundo MCMANUS (1992, in MARANDINO, 2009), nesta primeira geração de
museus, os objetos e as coleções eram apresentados de uma forma não organizada e sem
critérios científicos definidos. Os museus constituídos na Europa do século xviii surgi-
ram a partir destes acervos provenientes de coleções particulares ou reais, estando, no
entanto, acessíveis a uma população muito restrita (FALCÃO, 2009). Nestes museus,
entre os quais se incluem os que dariam origem aos museus de história natural, as cole-
ções eram organizadas e utilizadas para estudo e investigação, apesar de seu objetivo não
ser ainda o de educar o público em geral. Os museus de segunda geração, que surgiram
nos séculos xix e xx, passaram a estar focados na ciência e na indústria, mas não faziam
apelo à participação do público através da interatividade ou da comunicação. A terceira
geração de museus, característicos da segunda metade do século xx, teve como tema
unificador os fenómenos e conceitos científicos (MCMANUS, 1992 in MARANDINO,
2009). A partir de 1980, a conceção educativa das exposições dos museus de ciência
baseou‑se nas teorias construtivistas, que enfatizam o papel ativo do indivíduo na constru-
ção de seu próprio conhecimento, sendo a aprendizagem um processo dinâmico que requer
uma interação constante entre o indivíduo e o ambiente circundante (MARANDINO,
215
2009). Surgiram, assim, os primeiros museus de ciências, como instituições de comu-
nicação, educação e difusão cultural voltadas para um público amplo e diversificado
(JACOBUCCI, 2008).
Atualmente, de acordo com os estatutos do Conselho Internacional de Museus,
adotados em 2007, um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, ao
serviço da sociedade e seu desenvolvimento, aberta ao público, e que adquire, conserva,
investiga, comunica e expõe o património tangível e intangível da humanidade com fins
educativos, de estudo ou de simples disfrute (ICOM, s.d.).
Segundo CHAGAS (1993), os antigos museus não apresentavam uma atmosfera
propícia para atrair os jovens. Presentemente, esses museus vão‑se reestruturando, quer
criando novos espaços, quer funcionando como agentes difusores da cultura ao grande
público, desenvolvendo uma modalidade não‑formal de ensinar ciência que decorre
paralelamente ao ensino formal a cargo das escolas.
Os museus e centros de Ciência tornam‑se, em conjunto com as escolas, parceiros
na educação geológica. Disponibilizam recursos educativos diversificados, com uma
linguagem científica acessível, funcionando como um importante complemento prático
para escolas mal equipadas e com carência de materiais estimulantes para aprendizagem
da geologia (CARVALHO & COKE, 2010).

2 – O Museu Geológico

Em 1849, por iniciativa da Academia Real de Ciências, ao analisar uma proposta


apresentada pelo engenheiro de minas francês Charles Bonnet, que se propunha realizar
estudos geológicos do território nacional, foi criada a Comissão Geológica e Mineraló-
gica, que mais tarde passou para a tutela do Ministério das Obras Públicas Comércio
e Indústria (MOPCI) e veio a ser extinta cerca de dez anos depois. Em 1857, foi criada
a Comissão Geológica do Reino, uma secção da Direcção‑Geral dos Trabalhos Geodé-
sicos, Corográficos, Hidrográficos e Geológicos do Reino, organismo na dependência
do MOPCI, presidida pelo general Filipe Folque e dirigida pelo capitão de artilharia
Carlos Ribeiro e por Francisco António Pereira da Costa, lente de Mineralogia e Geologia,
na Escola Politécnica, e como adjunto o alferes de infantaria Nery Delgado, que tinha
como principal missão efetuar o reconhecimento e elaborar cartografia geológica sistemática
do país (LEITÃO, 2004).
Durante algum tempo, a Comissão Geológica não ocupou um espaço próprio, tendo
a sua sede sido improvisada na residência de Pereira da Costa. Após diligências de Carlos
Ribeiro, passou a ocupar o 2º Piso do antigo Convento de Jesus, da Ordem Terceira, no
Bairro Alto, em Lisboa (LEITÃO, 2004), edifício no qual também se localiza a Acade-
mia das Ciências de Lisboa. Beneficiando em grande parte das coleções recolhidas no
âmbito do trabalho de Carlos Ribeiro entre 1849 e 1858 (LEITÃO, 2004), o Museu
Geológico ocupa este espaço praticamente em continuidade desde 1859, apenas com
breve interregno entre dezembro de 1868 e dezembro de 1869. No âmbito de profundas
reestruturações no seio do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria (MOPCI),
entidade tutelar da Comissão Geológica, em fevereiro de 1868, ocorreu a dissolução
da Comissão Geológica, e subsequente extinção do Museu Geológico em dezembro
de 1868, com transferência das suas coleções para o Museu Nacional (atual Museu de
216
História Natural). Fruto de nova conjuntura política, em dezembro de 1869 é organi-
zada a Secção dos Trabalhos Geológicos, dirigida por Carlos Ribeiro e Nery Delgado,
incorporada na Direção Geral dos Trabalhos Geodesicos, Topographicos e Hydrogra-
phicos e Geologicos do Reino (DGTGTHGR), organismo este tutelado pelo MOPCI.
Para além dos trabalhos relacionados com o estudo sistemático da geologia do território
nacional, a Secção dos Trabalhos Geológicos é incumbida da conservação das coleções da
extinta Comissão Geológica, que deveriam ser novamente transferidas para o Convento
de Jesus, o que não aconteceu integralmente (LEITÃO, 2004).
A partir de 1869, embora mudando várias vezes de nome e de organismo tutelar,
os serviços geológicos nacionais desenvolveram, praticamente em continuidade até à
atualidade, intensa atividade científica no âmbito do estudo sistemático da Geologia
de Portugal nas suas mais diversas vertentes, em que se destaca a cartografia geológica,
tendo esta atividade contribuído de forma significativa para a constituição das várias
coleções atualmente conservadas no Museu Geológico.
Contrariamente a outros museus ligados à História Natural da segunda metade do
século xix que, dedicando‑se à investigação, também mostravam preocupações educativas,
o Museu Geológico colocou a vertente da investigação muito acima de qualquer outra
(BRANDÃO, 2010).
Segundo Nery Delgado (1909, in BR ANDÃO, 2010), “(…) enquanto as coleções
daquele estabelecimento [o Museu Nacional de Lisboa na Escola Politécnica], eram de
ensino e exposição, as do serviço geológico eram de investigação”. Com uma disposição
muito semelhante à atual, conforme se pode verificar na gravura do final do século xix
(Fig. 1), divulgada na revista Occidente, nº 100 de 1881, a sua abertura ao público, com
caráter permanente, só se verificou no início da segunda década do século xx, sendo
visitado essencialmente por estudiosos e profissionais, aspeto este que apenas foi alterado
recentemente (BRANDÃO, 2010).

Fig. 1 – Galeria da Seção Geológica (Segundo uma fotografia de M. D. dos Santos) in O Occidente (1881)
Apesar de manter muitas das características dos museus de outrora, como, por exemplo,
o mobiliário expositivo, típico da museologia do século xix, de que já restam poucos na
Europa, o museu geológico tem procurado atualizar o material exposto e melhorar os
seus aspetos pedagógicos, visando atingir o interesse dos alunos das escolas e do público
217
não especialista (MUSEU GEOLÓGICO, 2005).
A sala de mineralogia foi remodelada, tendo‑lhe sido dadas novas características de
iluminação e envolvência, onde contrastam expositores de design atual com o restante
mobiliário de época (Fig. 2).

Fig. 2 – Planta do Museu Geológico (A)3 e Sala de Mineralogia (B)

3 – As Geocolecções e a educação geológica online

Embora a área emersa do território nacional seja relativamente reduzida, é grande


a sua diversidade geológica e seu registo geológico bastante completo (RAMALHO,
2004), sendo essa diversidade representada, nos museus, através das suas coleções geológicas.
Segundo BRILHA (2005), essas coleções, guardadas em museus, não são consideradas
património geológico, uma vez que as amostras já não se encontram no seu contexto
natural. No entanto, não deixam de constituir um património, que pode ser designado por
património geomuseológico. Para outros autores, como GRAY (2004 in NASCIMENTO
et al., 2008), os minerais, as rochas e fósseis presentes em afloramentos ou em coleções
em museus fazem parte do património geológico. Na verdade, uma coleção de minerais,

3 
Adaptada de: http://e‑geo.ineti.pt/MuseuGeologico/roteiro/index.html
protegida num museu, independentemente de ser considerada património geomuseoló-
gico ou geológico é, sem dúvida, uma amostra da geodiversidade do local onde foram
recolhidas, com valor educativo e científico.
Nem todas as geocoleções existentes nos museus estão acessíveis ao público. Grande
218
parte das coleções encontra‑se em reserva, espaço normalmente não acessível ao público.
Neste contexto, muitos museus têm recorrido à tecnologia digital para a preservação
das suas coleções em suportes virtuais, permitindo o seu acesso através da internet,
CD‑Rom’s e outros meios eletrónicos (MARANDINO, 2009).
No sentido de aumentar o interesse pelas geociências, pode recorrer‑se a meios não
formais de ensino, que sejam familiares e aliciantes para os jovens, como a internet e os
jogos de computador (PEIXOTO & MARTINS, 2010). Segundo JACOBUCCI (2008),
as inovações digitais salientam os conteúdos científicos e mobilizam o imaginário dos
visitantes. Embora exista grande diversidade de informação na Web, o fato é que se sente
cada vez mais necessidade de obter informações fidedignas e, neste contexto, os museus
são instituições à altura desse desiderato (WALSH 1997, in HAMMERAAS, 2006).
De acordo com BRILHA et al. (1999), a comunidade científica atual não pode deixar
de levar em conta a implementação das Tecnologias de Informação e Comunicação e
alterar radicalmente o modo como a ciência pode ser apresentada aos cidadãos. Segundo
estes autores, a divulgação da Geologia, lato sensu, através de meios digitais, apresenta
um conjunto de vantagens, das quais se destaca: a) divulgação alargada a um público
geograficamente disperso; b) atualização dos conteúdos e respetiva disponibilização
em tempo real; c) custos de produção e de divulgação muito reduzidos relativamente
aos meios clássicos; d) possibilidade de integrar conteúdos multimédia que facilitem a
visualização e a compreensão de determinados aspetos e conceitos geológicos.
Esta forma de divulgação possibilita o acesso a peças do museu que não se encontram
nas galerias do seu espaço físico, permitindo, ao mesmo tempo, disponibilizar informação
mais detalhada sobre cada constituinte da coleção (PERLIN 1998, in HAMMERAAS,
2006). Assim, enquanto no espaço museológico, as informações tendem a ser concisas,
numa exposição virtual é possível aprofundar as temáticas e, ao mesmo tempo, estabelecer
ligações com outras áreas do museu ou mesmo com outras instituições.
BERTOLETTI‑DE‑MARCHI & COSTA (2003) consideram os museus um espa-
ço educativo não formal que complementa a aprendizagem, através da contribuição de
novas fontes eletrónicas dos seus acervos. As coleções podem constituir uma biblioteca
virtual e ser utilizadas como fonte de investigação e estudo. Neste contexto, é necessário
operar uma mudança de paradigma nos museus e centros de investigação, no sentido de
uma melhor articulação entre o valor dos objetos e a sua divulgação através de dispositivos
interativos, multimédia e multissensoriais nas exposições (DELICADO, 2006).
O museu virtual é essencialmente um museu sem fronteiras, capaz de criar um diálogo
virtual com o visitante, dando‑lhe uma visão dinâmica e multidisciplinar e um contacto
interativo com a coleção e com o espaço expositivo (MUCHACHO, 2005).

3.1 – A Coleção Nacional de Mineralogia do Museu Geológico

O fascínio pelos minerais tem sido demonstrado pelo Homem desde os tempos mais
remotos. Algumas das suas propriedades como dureza, brilho e cor permitiram a sua
utilização como utensílios e adornos. Outros, pela sua raridade, eram considerados valiosos,
chegando em certos casos a constituir‑se verdadeiros tesouros, inicialmente na posse de
famílias poderosas, monarcas e mais tarde na de Estados. Esse fascínio levou à descrição
das características dos minerais, o que conduziu a tentativas mais ou menos bem‑sucedidas
219
de explicar o seu modo de formação e de jazida (GOMES, 2010).
Atualmente, a familiaridade com os minerais provém muito da comunicação social,
que dá a conhecer marcas de diversos produtos com nomes de minerais e campanhas pu-
blicitárias que utilizam os minerais como referência de beleza e perfeição; do comércio,
como as feiras e lojas de minerais, e, não menos importante, das exposições museológicas.
Também na escola, através do ensino da geologia, em particular no que diz respeito à
necessidade crescente de bens minerais pela sociedade, se estimula o conhecimento e
curiosidade dos alunos.
O Museu Geológico possui uma coleção de minerais ocorrentes em Portugal, consti-
tuído a partir de ofertas e da colheita de centenas de amostras, distribuída por três salas,
duas salas de reserva (Fig. 3) e a sala de exposição.
A maior parte do acervo de minerais encontra‑se nas salas de reserva, devido a limitações
do espaço físico disponível, à natureza da coleção e à conceptualização museográfica,
encontrando‑se, portanto, inacessível ao público em geral.
Contudo, esta geocoleção de âmbito nacional constitui um importante recurso didá-
tico para professores e alunos do ensino básico e secundário e para o público em geral,
pelo que se considera importante estar acessível. Este património museológico poderá,
no entanto, vir a ser divulgado através da comunicação digital.

Fig. 3 – Salas de Reserva.

4 – Considerações finais

Do fascínio pelos minerais, adquirido, muitas vezes, pelo deslumbramento da beleza


das suas formas cristalinas, cores e brilhos, nasce a determinação de querer saber mais,
designadamente, como se chamam, onde existem, qual a composição, qual a utilização,
como se formaram.
A utilização de geocoleções virtuais pelos museus possibilita uma maior divulgação dos
seus acervos e reforça a sua componente educativa. A utilização destes recursos virtuais, no
processo de ensino‑aprendizagem, permite uma motivação acrescida para a investigação
e proporciona a construção do conhecimento científico.
Neste contexto, a criação de uma geocoleção virtual do acervo de amostras de mine-
rais ocorrentes em território nacional, pertencentes ao Museu Geológico, permitirá dis-
ponibilizar, a um público alargado, informação fidedigna e detalhada de cada exemplar,
através do registo iconográfico em fotografia, de uma breve descrição das características
220
químicas e físicas, do sistema cristalográfico, dos locais de ocorrência, das suas principais
aplicações e o do seu enquadramento no contexto da Geologia de Portugal, de modo a
ser utilizado como fonte de investigação e estudo.

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(Página deixada propositadamente em branco)
23
NOTA PRELIMINAR SOBRE O DESENVOLVIMENTO DE
UMA BASE DE DADOS A DISPONIBILIZAR ONLINE PARA
O ENSINO E DIVULGAÇÃO DA GEOLOGIA: A COLEÇÃO
NACIONAL DE MINERALOGIA DO MUSEU GEOLÓGICO

PRELIMINARY NOTE ON THE DEVELOPMENT OF A


ONLINE DATABASE FOR TEACHING AND DISSEMINATION
OF GEOLOGY: THE MINERAL COLLECTION OF THE
PORTUGUESE GEOLOGICAL MUSEUM

P. A. Marta1, J. M. Sequeira 2, J. A. Simão1 & N. Leal1

Resumo – Os museus de Ciência são geralmente encarados como espaços de difusão


do conhecimento científico. No entanto, são igualmente espaços de criação de conheci-
mento científico (investigação) e de formação de cientistas (ensino) (DELICADO, 2008).
No que concerne à difusão do conhecimento científico, a internet permite uma atualização
fácil e contínua da informação e uma aproximação entre o utilizador e a instituição, basea-
da na transposição das barreiras físicas, geográficas e temporais (PINHO, 2007). Por outro
lado, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) aplicadas aos museus facilitam
o trabalho de inventariação, catalogação e gestão das coleções, bem como a difusão e par-
tilha desse mesmo trabalho. Neste contexto, considera‑se que as TIC são uma ferramenta
útil e dinâmica para a criação e difusão de conteúdos pedagógicos relacionados com a
coleção de minerais nacionais do Museu Geológico de Lisboa, cuja maior parte se encontra
em reserva, inacessível ao público em geral. Sendo o acervo constituído por centenas de
amostras, a criação de uma base de dados relacional afigura‑se a melhor forma de compilar,
organizar e aceder à informação gerada pela caracterização dos minerais. Assim, a partir da
construção de tabelas, estruturação de um esquema de relações entre estas, consultas, for-
mulários e algumas instruções elementares em Visual Basic, a base de dados em Microsoft
Access permitirá o acesso múltiplo à informação de cada mineral. Desta forma, alunos,
professores e público em geral poderão aceder aos dados através de uma plataforma
interativa, aumentando o alcance do ensino e da divulgação da Geologia.

1
Departamento de Ciências da Terra, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa,
2829‑516 Caparica, Portugal; [email protected]; [email protected]; [email protected]
2
Museu Geológico – LNEG, Lisboa, Portugal; [email protected]
Palavras‑chave – Base de Dados; Internet; TIC; Coleção Nacional de Mineralogia;
Museu Geológico; Ensino e Divulgação da Geologia

Abstract – Science museums are usually seen as spaces for the dissemination of scientific
224
knowledge. Nevertheless, they are also spaces for creating new knowledge and training scientists
(DELICADO, 2008). Regarding the dissemination of the scientific knowledge, internet is a new
way for easy and continuous update of the information, approaching the user and the museum,
overcoming the physical, geographic and temporal barriers (PINHO, 2007). Moreover, Informa‑
tion and Communication Technologies (ICT) make the work of inventorying, cataloguing, collec‑
tion management and dissemination quite easy. Regarding this, ICT are useful and dynamic tools
for the generation and circulation of teaching resources on the national mineralogy collection of
the Geological Museum most of which are stored and inaccessible to the general public. Being the
minerals heap composed by hundreds of samples, the development of a relational database seems
to be the best way of compiling, organizing and reaching the information produced by the minerals
characterization. So, using the basic features of Microsoft Access database along with some
elementary scripts in Visual Basic it will be possible to access the multiple information generated
for each mineral. By this means, students, teachers and general public can access all the data using
an interactive platform which enhances the Geology teaching and dissemination opportunities.

Keywords – Database; Internet; National Mineralogy Collection; ICT; Geological Museum;


Teaching and Dissemination of Geology

1 – As TIC aplicadas aos museus

A implantação e o desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação


(TIC) no nosso dia a dia criaram uma nova sociedade, a chamada Sociedade da Informação
ou do Conhecimento.
Segundo a Missão para a Sociedade da Informação (MSI, 1997), na sociedade mo-
derna o conhecimento é um bem de valor inestimável, pelo que é necessário promover
a criação de mecanismos que contribuam para a sua consolidação e difusão. Por outro
lado, o acesso à informação disponível irá constituir uma necessidade básica para os
cidadãos e compete às diversas entidades garantir que esse processo se efetue de forma
rápida e eficaz e numa base equitativa.
Atualmente, a maioria das instituições públicas contribui para a Sociedade da Infor-
mação quando disponibiliza online conteúdos relevantes para toda a sociedade, sendo
a sua missão servir os cidadãos com um serviço de qualidade (BARBOSA, 2006). Os
museus nacionais e estrangeiros não são exceção, uma vez que têm vindo a utilizar sítios
da internet para difundir os seus serviços, e o seu património museológico a um público
alargado e disperso. Esta forma de divulgação, assente na utilização de bases de dados, pos-
sibilita o acesso a informação mais detalhada sobre cada exemplar da coleção, permitindo,
ao mesmo tempo, disponibilizar peças que não se encontram expostas no seu espaço físico.
Assim, esta forma de comunicação permite uma maior abertura à sociedade, facilitando o
acesso ao conhecimento científico. Para além da vantagem na utilização das TIC na comu-
nicação e difusão do museu, estas, em particular as bases de dados, também possuem um
papel facilitador do trabalho de inventariação, catalogação e gestão de coleções.
2 – Recursos museológicos online: interação museu‑escola

Desde que a Internet foi concebida, em 1979, o número de utilizadores de computa-


dores ligados à rede aumentou significativamente. Atualmente, grande parte dos cidadãos
já está bem familiarizada com a Internet e com as novas tecnologias. A maioria das escolas 225
e bibliotecas [Americanas e Europeias] está ligada à Internet, permitindo que um maior
número de pessoas possa aceder à informação disponibilizada (HAMMERAAS, 2006).
Em Portugal, os Ministérios da Ciência e da Tecnologia e da Educação assumi-
ram uma atitude de aposta nas TIC para o desenvolvimento da sociedade portuguesa
(BRILHA et al., 1999). Aos estudantes foi facilitada a compra de computadores portáteis
e acesso à internet, a custos inferiores aos do mercado, e grande parte das escolas foi
equipada com computadores e rede de acesso à internet. Desta forma, alunos e professores
dispõem de novas ferramentas de apoio ao processo ensino‑aprendizagem.
Embora a infraestrutura cresça de dia para dia em todo o país, abrangendo já áreas
significativas, ainda escasseia a publicação de conteúdos multimédia de qualidade e em
língua portuguesa (BRILHA et al., 1999).
A mudança de política nos museus, inicialmente centrados na aquisição, conservação
e exposição do objeto, passando a centrar‑se nos indivíduos que deles podem desfrutar
(GONÇALVES et al., 2002), tornou‑os num espaço educativo informal que com-
plementa a aprendizagem, tanto de estudantes como do público em geral. O museu,
ao apostar na conceção e disponibilização de conteúdos (com reconhecida qualidade
científica) interativos online, valida a sua importância didática, possibilitando que os
utilizadores possam ser protagonistas do processo de aprendizagem (PINHO, 2007).

3 – Criação de uma Base de Dados sobre os Minerais Nacionais do Museu Geológico a


disponibilizar online

A inexistência, praticamente generalizada, nas escolas, de coleções didáticas de materiais


geológicos representativos da geodiversidade do território nacional, e em particular de
coleções de mineralogia de minerais portugueses, constitui uma importante lacuna que
condiciona a lecionação prática desses conteúdos.
Quando devidamente preparadas, as visitas aos museus constituem um importante
complemento prático das aulas, uma vez que estes possuem coleções com alto valor
científico, pedagógico e patrimonial. No entanto, a implementação desta estratégia,
nem sempre é possível. Este condicionalismo prende‑se, por um lado, com questões de
ordem logística, tais como disponibilidade de horários, localização geográfica quer das
escolas quer dos museus, disponibilidade de transporte, entre outros. Por outro lado,
nem sempre a informação sobre os museus e as suas coleções é a mais adequada.
Um dos modos de facilitar a divulgação e a acessibilidade da informação é através
de visitas virtuais, disponibilizadas na internet (LOURENÇO et al., 2010). Assim, este
meio poderá ser um complemento importante na implementação e consolidação das
experiências de educar para e pelo património (PINHO, 2007), embora se considere que
não substituirá a experiência enriquecedora da visita a um museu.
Não obstante a importância da visita presencial aos museus, as exposições de minerais
têm geralmente uma forte natureza ilustrativa, dada a beleza dos exemplares expostos, mas
em contrapartida têm pouca informação pedagógica.
Visando criar uma ferramenta útil, para utilização no ensino da mineralogia, está em
curso o desenvolvimento de uma base de dados envolvendo a coleção de minerais nacio-
nais do Museu Geológico3 do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (MG), cujo
acesso se pretende disponibilizar via Internet. Esta ferramenta permitirá dar a conhe-
226
cer alguns dos minerais portugueses mais representativos, e, contrastando com algumas
bases de dados já existentes, de caráter generalista, incorporará informação detalhada,
designadamente, sobre condições de génese da jazida, sua contextualização na geologia
de Portugal e interesse económico, contribuindo assim para o aumento do alcance do
ensino e divulgação da geologia, em particular da mineralogia.
Uma base de dados é uma compilação de dados, relativos a um determinado assunto
ou objeto, organizados para um determinado fim (VIESCAS, 2003). A organização estru-
turada destes dados torna possível (de forma seletiva) a consulta, alteração e atualização
dos mesmos. Este termo não se esgota no domínio da informática, sendo, por exemplo,
também válido para os sistemas manuais de arquivo.
Os sistemas de gestão de bases de dados (SGBD) são programas que permitem arma-
zenar, gerir e disponibilizar toda a informação recolhida.
Atualmente, os sistemas de gestão de bases de dados armazenam e permitem a gestão
da informação usando um modelo baseado na teoria dos conjuntos, designado por
modelo relacional de base de dados. Numa base de dados relacional, a gestão dos dados
é feita em tabelas onde se armazenam os dados relacionados apenas com um tema ou
atributo (VIESCAS, 2003). Os dados são armazenados em múltiplas tabelas relacionadas,
introduzidos diretamente na tabela ou através de uma interface gráfica (formulário de
introdução de dados). Terminada a introdução dos dados, na fase seguinte, são construídas
“queries” que permitem fazer consultas complexas à base de dados e o cruzamento da
informação, e os resultados são disponibilizados por via de uma nova tabela ou interface
gráfica (formulário de visualização da dados).
De entre os diversos Sistemas de Gestão de Base de Dados (SGBD) que permitem
armazenar, gerir e disponibilizar toda a informação recolhida, adotou‑se o Microsoft
Access para organizar a base de dados dos minerais nacionais do Museu Geológico. Esta
escolha baseou‑se nas seguintes premissas: implementação e manutenção significativamente
menos dispendiosas que outras soluções comerciais; possibilidade de implementação de
bases de dados relativamente complexas e integração com outros produtos Microsoft
Office, sem conhecimentos especializados de programação; possibilidade de migração
para sistemas mais complexos, comerciais (SQL Server, Oracle) ou de utilização livre
(MySQL) e a possibilidade de migração para a WEB.
Sendo constituído por centenas de amostras, o acervo do Museu Geológico requer a
utilização de uma base de dados relacional, que é a melhor forma de compilar, organizar
e aceder à informação gerada pela caracterização dos minerais.
A base de dados construída é composta por um conjunto de tabelas e associações
entre estas, em que cada tabela constitui uma entidade onde são armazenados os dados
respeitantes a um determinado conjunto de características. Foi construída uma tabela
principal (Min_Amostras) respeitante ao mineral, e tabelas relacionadas respeitantes a

3
  A caraterização do Museu Geológico de Lisboa, quer em termos históricos, quer em termos da sua coleção
de minerais, encontra‑se no artigo intitulado “A importância didática das geocoleções virtuais no ensino/divulgação
da geologia: caso da coleção nacional de mineralogia do museu geológico”, também apresentado neste congresso.
caraterísticas do mineral: Min_Class, para a classificação sistemática; Min_Cris, para
a cristalografia e composição química e Min_Pfis, para as propriedades físicas. Estas
últimas ligam‑se com a tabela principal pelo atributo comum (AM_ID), gerado auto-
maticamente no preenchimento da tabela principal e propagado automaticamente para
227
as tabelas relacionadas. Como auxiliares, foram criadas as tabelas: Tb_Brilho, Tb_Clas-
ses, Tb_Cor, Tb_Diafanidade, Tb_Fratura, Tb_Hábito, Tb_Sistema e Tb_Subclasse,
pré‑preenchidas com valores padrão (Fig. 1).
Neste contexto, a partir da construção de tabelas, da estruturação de um esquema de
relações entre elas (Fig. 2), de consultas, de formulários e algumas instruções elementares
em Visual Basic (Fig. 3), a base de dados permitirá, através de uma plataforma interativa,
o acesso múltiplo à informação de cada mineral, nomeadamente a sua classificação,
características físicas, químicas e cristalográficas, génese, história/curiosidades, interesse/
utilidade, entre outras.

Fig. 1 – Tabela principal (Min_Amostras) e tabelas relacionadas.

Fig. 2 – Exemplo de esquema de relações entre tabelas.


Terminado o processo de preenchimento da base de dados (Fig. 4), criam‑se dois
cenários relacionados com a utilização final. Um apenas permitirá a utilização local da
base de dados, enquanto o outro implica o alojamento da base de dados num servidor
de Internet compatível. Em ambos os casos, será criada uma interface dinâmica para o
228
utilizador, que permita a visualização de conteúdos e o cruzamento da informação. Tal
permitirá aos alunos, professores e público geral investigar e por descoberta, conhecer,
de modo virtual, amostras da geodiversidade nacional, e a respetiva informação a elas
associadas, de acordo com as suas necessidades ou interesse.

Fig. 3 – Aspeto geral do editor de Visual Basic do MSAcess.

Fig. 4 – Formulário para introdução de dados.

4 – Considerações finais

Os museus, para além do serviço que prestam à sociedade pela disponibilização das
suas coleções ao público, podem também criar conteúdos de qualidade científica intera-
tivos online, permitindo aumentar a sua importância didática e facilitando o acesso ao
conhecimento científico.
A utilização das TIC não se esgota na comunicação, difusão e dinamização de um
museu, revelando‑se de grande importância nos trabalhos de inventariação, catalogação
e gestão das coleções, tornando‑os mais simples e menos morosos.
Não perdendo de vista que esta metodologia de divulgação das coleções de um museu
não deve substituir por completo a visita presencial às suas salas, entende‑se que as visitas vir-
tuais podem ser um complemento importante na acessibilidade à informação não disponível.
A elaboração da base de dados da coleção de minerais nacionais do Museu Geológico
do Laboratório Nacional de Energia e Geologia está em curso e a sua disponibilização fu-
tura via internet será uma ferramenta de grande utilidade no ensino da mineralogia. Esta
ferramenta permitirá dar a conhecer, através de uma plataforma interativa, alguns dos mais
229
representativos minerais portugueses a alunos, professores e público em geral, contribuindo
para o desenvolvimento do ensino e divulgação das ciências geológicas.

Referências Bibliográficas

BARBOSA, S. (2006) Serviços Educativos Online nos Museus: Análise das Actividades – Dissertação de Mestrado
em Educação – Área Tecnologia Educativa. Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho.
BRILHA, J., DIAS, G., MENDES, A., HENRIQUES, R., AZEVEDO, I. & PEREIR A, R. (1999) – A
internet e a divulgação do património geológico. Resumos do I Seminário sobre o Património Geológico
Português, Lisboa.
DELICADO, A. (2008) – Produção e reprodução da ciência nos museus portugueses. Análise Social, XIII,
p. 55‑77.
GONÇALVES, R., FROIS, J., & MARQUES, E. (2002) – Primeiro olhar – Programa integrado de artes
visuais. Lisboa: Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 203 p.
HAMMERAAS, G. (2006) – What Constitutes a Good Museum Web Exhibition? The User Perspective.
MSc Cultural Heritage Studies, Glasgow Caledonian University, 72 p.
LOURENÇO, J., SOUSA, L., GOMES, S., OLIVEIRA, A. & MOURA, J. (2010) – Publicação de um roteiro
geológico em plataforma WebSIG. VIII Congresso Nacional de Geologia, e‑Terra – Revista Electrónica de
Ciências da Terra Geosciences On‑line Journal, 22, 4 p.
MSI – Missão para a Sociedade da Informação (1997) – Livro Verde para a Sociedade da Informação em
Portugal. Lisboa: Missão para a Sociedade da Informação /Ministério da Ciência e da Tecnologia.
PINHO, J. (2007) – Museus e internet. Recursos online nos sítios web dos museus nacionais portugueses.
Revista TEXTOS de la CiberSociedad, 8. Temática Variada.
VIESCAS, J.L. (2003) – Microsoft Office Access 2003 Inside Out, Microsoft Press.
(Página deixada propositadamente em branco)
24
A COLEÇÃO KRANTZ DE BRAQUIÓPODES DEVÓNICOS
DO MUSEU DA CIÊNCIA DA UNIVERSIDADE
DE COIMBRA (PORTUGAL)

THE DEVONIAN BRACHIOPOD COLLECTION BY KRANTZ


STORED AT THE SCIENCE MUSEUMOF THE UNIVERSITY
OF COIMBRA (PORTUGAL)

M. Schemm‑Gregory1 & M. H. Henriques1

Resumo – Neste trabalho descreve‑se o conteúdo em braquiópodes devónicos da Cole-


ção Krantz depositada no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (Portugal).
Apresentam‑se as designações taxonómicas atuais dos espécimes, e descrevem‑se as localidades
de proveniência daquele material, informação que não constava dos arquivos do Museu.
Os braquiópodes são oriundos de localidades clássicas do Devónico alemão, o que
torna esta coleção particularmente útil em estudos, especialmente de índole estratigrá-
fica, relativos a unidades do Devónico de Portugal, bem como no estabelecimento de
correlações, quer à escala regional, quer a escalas mais amplas.

Palavras‑chave – Braquiópodes; Coleção Krantz; Museu da Ciência; Universidade


de Coimbra (Portugal); Devónico; Alemanha

Abstract – This work describes the content of the Devonian brachiopods collection by
Krantz stored in the Science Museum of the University of Coimbra. The actual taxonomic
names and the collection localities are presented, thus fulfilling a lack of information within
the Museum archives.
The brachiopods were collected at classical Devonian outcrops in Germany resulting in
that this collection is of high importance for the study of Portuguese Devonian strata, especially
for stratigraphy and regional and large scale correlation.

Keywords – Brachiopods; Krantz Collection; Science Museum; University of Coimbra


(Portugal); Devonian; Germany

1
Centro de Geociências da Universidade de Coimbra, Largo Marquês de Pombal, 3000‑272 Coimbra,
Portugal; Mena.Schemm‑[email protected]; [email protected]; [email protected]
1 – Introdução

As coleções paleontológicas antigas, depositadas em instituições de pesquisa e/ou


universidades têm um enorme valor para a realização de estudos atuais. Contudo, as
232 condições em que tais acervos se encontram, nem sempre permitem uma utilização
plena das potencialidades que oferecem, sendo frequente a ausência de informações
detalhadas acerca da proveniência exata dos espécimes, para além de muitos daqueles
carecerem de revisão taxonómica. BRANDÃO (2010), referindo‑se à coleção paleontológica
depositada no Museu Geológico de Lisboa, defendeu a importância das coleções antigas,
apesar de nelas reconhecer alguns problemas, tais como os que se relacionam com a
classificação dos espécimes, por estarem incompletas ou em falta, ou os que decorrem de
mudanças de instalações e/ou de curadores.
As coleções científicas da Universidade de Coimbra são as mais antigas e significativas
de Portugal, tendo o seu núcleo forte tido origem na Reforma Pombalina da Universidade
no ano de 1772, sob iniciativa do Marquês de Pombal, que promoveu a institucionalização
de novas faculdades e a reformulação das antigas, no sentido de uma maior aproximação
ao ensino que então se praticava na Europa Central (PINTO & MARQUES, 1999).
AMORIM DA COSTA (2008) descreveu a história da Faculdade de Filosofia Natu-
ral, criada depois da Reforma Pombalina, bem como o programa de graduação em geo-
logia em vigor na Universidade de Coimbra naquela época. Mandavam os Estatutos que
as Faculdades recém criadas fizessem observações sobre os três Reinos da Natureza, bem
como demonstrações experimentais, o que levou à criação do Museu de História Natu-
ral, âmbito em que emerge a Secção de Mineralogia e Geologia do Museu de História
Natural (1885), mais tarde separadas em Secção de Mineralogia e Secção de Geologia
(1912‑1919), e novamente reunificadas em 1922, quando foi formalmente instituído o
Museu Mineralógico e Geológico como Estabelecimento Anexo da Faculdade de Ciências
e Tecnologia da Universidade de Coimbra (PORTUGAL FERREIRA, 1990, 1998). Em
1991, é recriado o Museu de História Natural, que integrava o Museu Mineralógico e
Geológico (PINTO & MARQUES, 1999), atualmente parte integrante do Museu da
Ciência da Universidade de Coimbra.
As coleções de geologia do Museu da Ciência, que se foram constituindo ao logo de
toda a história da instituição, totalizam, hoje, algumas dezenas de milhar de espécimes
e de modelos, repartidos entre amostras e lâminas delgadas de rochas, minerais, fósseis,
modelos cristalográficos e modelos estratigráficos e tectónicos (CALLAPEZ et al., 2011).
Esse acervo inclui uma coleção de braquiópodes devónicos, cuja proveniência e posição
estratigráfica eram, até agora, desconhecidas, e cujos espécimes apresentam designações
taxonómicas completamente desatualizadas. Aqueles braquiópodes integram um conjunto
mais amplo de fósseis, genericamente designado por Coleção Krantz, provavelmente
adquirida na segunda metade do século xix, a pedido dos docentes da época e com fins
didáticos (GOMES, 1999).

2 – A Coleção Krantz de braquiópodes devónicos

A Coleção Krantz do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra inclui uma


coleção de braquiópodes dos afloramentos clássicos do Devónico alemão, e foi comprada
ao Dr. Fritz Krantz, Rheinisches Mineralien‑Kontor, a empresa mais antiga do mundo
em matéria de comercialização de minerais, de fósseis e de instrumentos necessários para
as atividades dos geólogos, quer para trabalho do campo, quer para trabalho laboratorial.
A Krantz é uma empresa familiar, que já vai na quinta geração, fundada por Auguste
233
Krantz no ano de 1833 em Freiberg, Saxónia, Alemanha. Em 1837, Auguste Krantz
transferiu a empresa para Berlim, e em 1850 para Bona, onde existe ainda hoje. Quando
Auguste Krantz morreu em 1872, o “Rheinisches Mineralien‑Kontor” já era conhecido
em todo o mundo. O seu sobrinho, Dr. Fritz Krantz, que entretanto tomou conta do
negócio, estabeleceu contactos com todo o globo, que acabaram por se perder durante as
duas guerras mundiais. O Dr. Fritz Krantz, após o fim da II Guerra Mundial, procurou
retomar os contactos internacionais que tinha estabelecido, e a sua filha, Renate Krantz,
no ano de 1974, alargou as ofertas da loja aos equipamentos, acessórios e expositores de
geologia. Hoje, a sua irmã, Ursula Müller‑Krantz, dirige a empresa juntamente com dois
dos seus quatro filhos (KRANTZ, 2011).
Os braquiópodes da Coleção Krantz depositados no Museu da Ciência da Uni-
versidade de Coimbra distribuem‑se por 59 caixas, cada uma com 1 até 5 espécimes,
provenientes de afloramentos do Devónico da Alemanha, e inclui representantes de
fósseis‑índice, os táxones mais importantes reconhecidos nos afloramentos clássicos no
Rheinisches Schiefergebirge e na Montanha Harz (Fig. 1, tabela 1). Neste momento,
está em curso um projeto, financiado pela FCT, que visa classificar os braquiópodes
desta coleção segundo a taxonomia atual, bem como conceber e elaborar um catálogo
contendo todas as informações necessárias para a tornar útil em estudos paleontológicos
e estratigráficos atuais.

Fig. 1 – Mapas geológicos simplificados do Devónico da Alemanha com indicação das


principais localidades (A), na Rheinisches Schiefergebirge (B) e na Montanha Harz (C).
[1: Siegerland: Fischbach. 2: Middle Rhine Area: Ahler Hütte, Kondelwald, Laubach,
Miellen, Niederlahnstein, Rhens, Urbar, Vallendar. 3: Eifel region: Büdesheim,
Daleiden, Daun, Gerolstein, Pelm, Stadtfeld. 4: Montanha Harz: Bad Grund.]
Tabela 1 – Inventário dos espécimes devónicos da Alemanha incluídos na Colecção Krantz do Museu da
Ciência da Universidade de Coimbra. As localidades de proveniência do material estão indicadas na Fig. 1.

Nº de Unidades Nº de
234 Nome antigo Nome atual Localidade
inventário Estratigráficas espécimes
Chonetes Loreleiella
MIN 1403 Laubach (1) Emsiano Superior 1
dilatata dilatata
MIN Spirifer Subcuspidella
Daleiden (3) Emsiano Superior 2
1404.1‑2 subcuspidatus subcuspidata
MIN
Kayseria lens Nucleospira lens Pelm (3) Eifeliano 3
1406.1‑3
Spirifer
MIN 1408 Arduspirifer extensus Miellen (2) Emsiano Superior 1
arduennensis
MIN Rhynchonella Oligoptycherhynchus
Daleiden (3) Siegeniano 3
1410.1‑3 daleidensis daleidensis
Oligoptycherhynchus
daleidensis, Schizophoria
MIN Rhynchonella
(Pachyschizophoria) Rhens (2) Siegeniano 2
1411.1‑2 daleidensis
vulvaria, Chonetes
sarcinulatus
Chonetes Chonetes
MIN 1412 Laubach (2) Emsiano Superior 1
sarcinulatus sarcinulatus
Uncinulus pila,
Schizophoria
MIN Rhynchonella
(Pachyschizophoria) Rhens (2) Emsiano Superior 2
1414.1‑2 pila
vulvaria, Subcuspidella
subcuspidata
MIN Spirifer Subcuspidella
Rhens (2) Emsiano Superior 2
1415.1‑2 subcuspidatus subcuspidata
MIN Spirifer Arduspirifer arduennensis
Rhens (2) Emsiano Superior 2
1416.1‑2 arduennensis treverorum
MIN Rhynchonella Ahler Hütte
Uncinulus pila Siegeniano 2
1417.1‑2 daleidensis (2)
Spirifer Brachyspirifer Kondelwald
MIN 1418 Emsiano Superior 1
auriculatus carinatus rhenanus (2)
Orthisina Xystostrophia
MIN 1419 Gerolstein (3) Eifeliano 1
umbraculum umbraculum
Megantheris archiaci,
MIN Megantheris
Tropidoleptus rhenanus, Stadtfeld (3) Emsiano Inferior 2
1420.1‑2 archiaci
Chonetes sarcinulatus.
MIN
Spirifer urii Crurithyris urei Büdesheim (3) Fameniano 4
1421.1‑4

Arduspirifer
Chonetes
MIN 1425 antecendens n. ssp. C, Stadtfeld (3) Emsiano Inferior 1
sarcinulatus
Chonetes sarcinulatus

MIN Spirifer 2
Cyrtospirifer verneuili Büdesheim (3) Frasniano
1429.1‑2 verneuili
Tabela 1 – Continuação
MIN Spirifer Arduspirifer arduennenis
Daleiden (3) Emsiano Superior 3
1434.1‑3 arduennensis arduennensis
MIN Camarophoria Leiorhynchus
Büdesheim (3) Eifeliano 5
235
1435.1‑4 subreniformis subreniformis
Loreleiella dilatata,
Orthis Schizophoria
MIN 1437 Urbar (2) Eifeliano 1
striatula (Pachyschizophoria)
vulvaria

Strophomena Leptostrophia Niederlahns-


MIN 1438 Siegeniano 1
explanata explanata tein (2)

Strophomena Tropidoleptus rhenanus,


MIN 1439 Vallendar (2) Emsiano Inferior 1
laticosta Chonetes sarcinulatus

Platyorthis circularis,
Brachyspirifer sp.,
Tropidoleptus rhenanus,
MIN Orthis
Subcuspidella sp., Stadtfeld (3) Siegeniano 3
1440.1‑3 circularis
Chonetes sarcinulatus,
Arduspirifer antecedens
n. ssp. C

Orthis vulvaria, Schizophoria


MIN
Chonetes (Pachyschizophoria) Rhens (2) Emsiano Superior 3
1441.1‑2
plebejus vulvaria
MIN Oleurorhynchia
Ryocarhynchus sp. Gerolstein (3) Eifeliano 3
1444.1‑4 aliformis
MIN 1445 Spirifer elegans Alatiformia alatiformis Ahler Hütte (2) Eifeliano 1
Spirifer
MIN 1446 Arduspirifer extensus Ahler Hütte (2) Emsiano Superior 1
arduennensis
MIN
Athyris undata Athyris undata Stadtfeld (3) Emsiano Inferior 3
1447.1‑3

Chonetes crassa, Plebejochonetes plebejus, Ahler Hütte


MIN 1448 Emsiano Superior 1
Spirifer elegans Alatiformia alatiformis (2)

MIN Rhynchonella Oligoptycherhynchus


Stadtfeld (3) Emsiano Inferior 5
1449.1‑5 daleidensis daleidensis
Cyrtina hetero‑
Cyrtina heteroclita,
MIN 1450 clita, Chonetes Ahler Hütte (2) Emsiano Superior 1
Loreleyella dilatata
dilatata
Rhynchonella
MIN 1452 Rhynchonellida indet Rhens (2) Emsiano Superior 2
sp.
MIN Rhynchonella Fitzroyella
Bad Grund (4) Eifeliano 3
1453.1‑3 ibergensis ibergensis
MIN Rhynchonella
Pynax pugnus Bad Grund (4) Eifeliano 3
1456.1‑3 pugnus
MIN Spirifer
Spirifer unguiculus Bad Grund (4) Eifeliano 3
1457.1‑3 unguiculus
Tabela 1 – Continuação
MIN
Ahyris undata Athyris undata Daleiden (3) Siegeniano 4
1458.1‑4

236 MIN Terebratula


Terebratula elongata Bad Grund (4) Eifeliano 4
1459.1‑4 elongata
MIN
Merista plebeja Merista plebeja Bad Grund (4) Eifeliano 2
1460.1‑2
Rhensselaeria Crassirensselaeria Fischbacher
MIN 1462 Siegeniano 1
crassicosta crassicosta Berg (1)

3 – O Devónico da Alemanha

O Devónico da Alemanha foi recentemente objeto de análise por parte da Sub‑Comissão


Alemã de Estratigrafia, que procedeu à compilação de um vasto conjunto de trabalhos
publicados acerca daquele registo estratigráfico em território alemão (DEUTSCHE STRA-
TIGR APHISCHE KOMMISSION, 2008). Os afloramentos devónicos localizam‑se
no Rheinisches Schiefergebirge, na Montanha Harz e na Thüringisches Schiefergebirge
(Fig. 1), três localidades que representam importantes testemunhos da Orogenia Varisca,
que ocorreu durante o Devónico e o Carbonífero.
O Rheinisches Schiefergebirge integra maioritariamente unidades datadas do Devóni-
co Inferior (60 %), representadas através de fácies neríticas, onde é possível encontrar uma
“fauna rhenica” (“Rheinish fauna”), constituída por braquiópodes, trilobites, crinóides,
corais e, ocasionalmente, peixes. Os conodontes e os tentaculites são raros. A Montanha
Harz integra unidades hercínicas, contendo “fauna hercínica” (tentaculites, conodontes,
graptolites), e raros braquiópodes e trilobites. Estas características faciológicas distintas
dificultam o estabelecimento de correlações entre as unidades que integram as duas mon-
tanhas. A Thüringisches Schiefergebirge é constituída por um número reduzido de estratos
de idade devónica, aqui representado por fácies pelágicas, com elevado conteúdo em
braquiópodes. Nas faunas de braquiópodes do Devónico Inferior é possível reconhecer um
certo endemismo, que se perde a partir do Emsiano Superior, até atingirem um grande
cosmopolitismo no final do Devónico Superior.
No Devónico Inferior da Montanha Harz podem ser reconhecidas as unidades es-
tratigráficas estabelecidas pela IUGS, baseadas no registo de conodontes (Lochkoviano,
Praguiano e Emsiano), enquanto na Rheinisches Schiefergebirge se utiliza a subdivisão
clássica alemã (Gedinniano, Siegeniano, Emsiano), baseada no registo de braquiópodes.
Contudo, o Emsiano, no sentido clássico alemão, tem uma aceção diferente da do Emsiano
tal como foi definido pela IUGS (tabela 2).
Os braquiópodes mostram uma evolução rápida durante o Devónico Inferior e são
excelentes fósseis‑índice para este intervalo de tempo, permitindo definir andares e su-
bandares nas unidades representadas por fácies neríticas. Decorrente da Orogenia Varisca,
as unidades estratigráficas que constituem as duas montanhas apresentam‑se bastante
deformadas, com tectonismo muito complexo, ou estão metamorfizadas. Por isso, a
biostratigrafia baseada no registo de braquiópodes é a ferramenta mais adequada para
a sua interpretação estratigráfica.
Tabela 2 – Unidades cronostratigráficas do Devónico da Alemanha.

Âmbito Regional Âmbito Internacional


(Rheinisches Schiefergebirge) (IUGS) (Montanha Harz)
237
Fameniano Fameniano
Devónico Superior
Frasniano Frasniano

Givetiano Givetiano
Devónico Médio
Eifeliano Eifeliano

Emsiano
Emsiano

Devónico Inferior Siegeniano


Praguiano

Gedinniano Lochkoviano

4 – Conclusões

A Coleção Krantz de braquiópodes devónicos no Museu da Ciência da Universidade de


Coimbra foi revista de acordo com a taxonomia atual. Os espécimes são oriundos dos aflo-
ramentos clássicos do Devónico alemão, sendo a maioria deles provenientes do Rheinisches
Schiefergebirge, contexto geológico que se descreve no presente trabalho. Esta coleção apre-
senta um elevado valor para estudos estratigráficos e paleoecológicos do Devónico de Portu-
gal, bem como para o estabelecimento de correlações com unidades estratigráficas da mesma
idade, aflorantes em outros locais do mundo.

Agradecimentos – Este trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tec-
nologia (FCT), no âmbito da bolsa SFRH/BPD/71647/2010 (“Devonian Brachiopods
from Portugal: The importance of classical collections for modern paleontology”), e re-
presenta um contributo para o Projeto IGCP 596 ‑“Climate Change and biodiversity
Patterns in the Mid‑Paleozoic”.

Referências Bibliográficas

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238
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about_us/54.html. (Consultado em 2011.12.08).
SECÇÃO 4
PATRIMÓNIO GEOLÓGICO:
HERANÇA PARA O FUTURO

“O passado da Terra não é menos importante que o passado dos seres humanos.
Chegou o tempo de aprendermos a protegê‑lo e protegendo‑o aprenderemos a conhecer o
passado da Terra, esse livro escrito antes do nosso advento e que é o património geológico.”

“Declaração Internacional dos Direitos à Memória da Terra”; Digne, 1991


(Página deixada propositadamente em branco)
25
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE
O PATRIMÓNIO NATURAL E CULTURAL DO TERRITÓRIO
“MONTEMURO E GRALHEIRA” (PORTUGAL)

PRELIMINARY CONSIDERATIONS ON THE


CULTURAL AND NATURAL HERITAGE OF THE TERRITORY
“MONTEMURO AND GRALHEIRA” (PORTUGAL)

D. Rocha1, A. A. Sá2 & J. Brilha3

Resumo – Este trabalho apresenta os resultados iniciais relativos à identificação do


património geológico, e restantes valências patrimoniais, da região denominada território
“Montemuro e Gralheira”. Os dados obtidos permitem reconhecer o elevado potencial
geoturístico deste território, o que possibilitará a implementação de uma estratégia de
desenvolvimento integrado que o coloque em valor.

Palavras‑chave – Património natural; Património cultural; Estratégia de desenvolvi-


mento; Território “Montemuro e Gralheira”

Abstract – This work presents preliminary data concerning the identification of the
geological heritage and other heritage values of the “Montemuro and Gralheira” territory.
The obtained data show the high geotourism potential of this territory, which may support
an integrated development strategy to enhance its value.

1
AGA – Associação Geoparque Arouca, Arouca; Centro de Geociências da Universidade de Coimbra,
Portugal; [email protected]
2
Departamento de Geologia da Universidade de Trás‑os‑Montes e Alto Douro, Vila Real e Centro de
Geociências da Universidade de Coimbra, Portugal; [email protected]
3
Centro de Ciências da Terra da Universidade do Minho, Braga e Centro de Geologia da Universidade do
Porto, Portugal; [email protected]
Keywords – Natural heritage; Cultural heritage; Development strategy; “Montemuro
and Gralheira” territory

1 – Introdução
242
Entende‑se por território “Montemuro e Gralheira” a área que integra os sete con-
celhos de Castelo de Paiva, Cinfães, Castro Daire, Arouca, Vale de Cambra, S. Pedro
do Sul e Sever do Vouga, constituído por 105 freguesias e cobrindo uma superfície total
de cerca de 1690 km 2, com 126.929 residentes (Censos 2011: Tabela 1). Este território
está delimitado pelos rios Douro e Vouga e encaixado entre as serras de Montemuro e
o maciço da Gralheira, que inclui as serras de Arestal, Freita e Arada.
A área em estudo neste trabalho encontra‑se cartografada em 21 folhas da Carta
Militar de Portugal à escala 1:25.000, elaborada pelos Serviços Cartográficos do Exército,
conforme indicado na Fig. 1.

Fig. 1 – Enquadramento geográfico do território “Montemuro e Gralheira”, com referência às folhas


da Carta Militar de Portugal à escala 1:25 000. A, Arouca; CD, Castro Daire; CP, Castelo
de Paiva; C, Cinfães; SPS, São Pedro do Sul; SV, Sever do Vouga; VC, Vale de Cambra.

Os sete concelhos referidos distribuem‑se por duas NUT II – Região Norte e Região
Centro – e quatro NUT III. Assim, na Região Norte, os concelhos de Arouca e Vale de
Cambra pertencem à NUT de Entre Douro e Vouga, e os concelhos de Castelo de Paiva
e Cinfães à NUT do Tâmega. Na Região Centro os concelhos de Castro Daire e S. Pedro
do Sul pertencem à NUT de Dão Lafões, e o concelho de Sever do Vouga à NUT do
Baixo Vouga (Tabela 1).
No que diz respeito ao enquadramento distrital, quatro concelhos pertencem ao
distrito de Aveiro (Arouca, Castelo de Paiva, Sever do Vouga e Vale de Cambra) e três
ao distrito de Viseu (Castro Daire, Cinfães e São Pedro do Sul: Tabela 1).
Este território, definido como “zona de montanha” (Portaria nº 377/88, de 11 de
junho) e sofrendo problemas de interioridade e baixa densidade populacional, tem bene-
ficiado, por via dos fundos europeus para o desenvolvimento rural, da implementação
de estratégias de desenvolvimento local assentes na metodologia LEADER, desde o ano
de 1991 (DUARTE, 2008). As sucessivas estratégias aplicadas, coincidentes com os di-
ferentes períodos de programação financeira dos Quadros Comunitários de Apoio, tem
proporcionado um conjunto de intervenientes público‑privados em torno da valorização
dos recursos endógenos, e criou uma identidade territorial bem definida.
Tabela 1 – Áreas administrativas do território “Montemuro e Gralheira”.

Área total População


Concelhos NUT II NUT III Distrito Nº freg
(km2) (Censos 2011)
Entre Douro 243
Arouca Região Norte Aveiro 20 329,1 22 359
e Vouga
Castelo
Região Norte Tâmega Aveiro 9 115,0 16 733
de Paiva
Castro
Região Centro Dão Lafões Viseu 22 379,1 15 339
Daire
Cinfães Região Norte Tâmega Viseu 17 241,7 20 427
São Pedro
Região Centro Dão Lafões Viseu 19 348,7 16 851
do Sul
Sever do
Região Centro Baixo Vouga Aveiro 9 129,6 12 356
Vouga
Vale de Entre Douro
Região Norte Aveiro 9 146,5 22 864
Cambra e Vouga
Totais 105 1 689,70 126 929

Atualmente, encontra‑se a ser desenvolvido um PROVERE, programa criado no


âmbito do QREN 2007‑2013, destinado a estimular projetos, assentes numa Estra-
tégia de Eficiência Colectiva e Plano de Ação (EECPA), concebido por um consórcio
formado por entidades públicas e privadas, representativas desta região, e que se destina
à Valorização Económica de Recursos Endógenos. A EECPA encontra‑se sustentada
por um conjunto de projetos de investimento, público e privado, ligados à atividade
turística, nomeadamente ao Turismo de Natureza e Cultural, e a outras áreas (ecológica,
científica e tecnológica), espoletados pelo aproveitamento e valorização dos recursos
endógenos, que contribuam decisivamente para o desenvolvimento económico, social,
cultural e ambiental do território Montemuro e Gralheira. O alargamento e melhoria
da oferta de alojamento, a restauração, os transportes, a animação turística, a criação
e melhoria de estruturas e infraestruturas públicas de apoio à realização de eventos,
atividades de lazer e desportos radicais, são alguns exemplos de iniciativas que se
encontram contempladas.
O levantamento rigoroso do património natural e cultural desta região, com ênfase
para o património geológico, incrementará o conhecimento que se tem da região, podendo
a intervenção/valorização do mesmo ser colocada na agenda do próximo quadro comuni-
tário de apoio 2014‑2020, reforçando uma estratégia de desenvolvimento geoturístico que,
na nossa ótica, será uma mais‑valia para a região.
Refira‑se que se entende por geoturismo o turismo que sustenta e incrementa a iden-
tidade de um território, considerando a sua geologia, ambiente, cultura, valores estéticos,
património e o bem‑estar dos seus residentes, sendo o turismo geológico uma das suas
diversas componentes (DECLARAÇÃO DE AROUCA, 2011).
De referir ainda que, no território em estudo, o concelho de Arouca dispõe de um
inventário do património geológico realizado em 2008 (ROCHA, 2008; ROCHA et al.,
2008) e que a área administrativa deste concelho se encontra classificada como Geoparque
pelas Redes Europeia e Global de Geoparques, sob os auspícios da UNESCO, desde o
ano de 2009 (SÁ et al., 2005; ROCHA et al., 2010).
2 – Geodiversidade e Património Geológico do Território “Montemuro e Gralheira”: e
dados prévios

A geodiversidade do território “Montemuro e Gralheira” é dominada por rochas do


244 Super‑Grupo Dúrico Beirão, uma espessa sequência de xistos e grauvaques de idade
Neoproterozóico – Câmbrico médio, e por granitóides variscos, com destaque para o
granito de Montemuro, que ocupa a quase totalidade do concelho de Cinfães, o granito
de Castro Daire, o granito da Serra da Freita e, ainda, outros corpos menores como os
de Alvarenga, Arouca, Regoufe e Castanheira. Este último corresponde a um geossítio
de relevância internacional do Geoparque Arouca, largamente conhecido pela designa-
ção de “Pedras Parideiras”. Os mapas geológicos que abrangem o território em estudo
correspondem às folhas 13‑B Castelo de Paiva (MEDEIROS et al., 1964), 13‑D Oliveira
de Azeméis (PEREIR A et al., 1980), 14‑A Lamego (TEIXEIR A et al., 1969) e 14‑C
Castro Daire (SCHERMERHORN, 1980) e 16‑B (não publicada) da Carta Geológica
de Portugal na escala 1:50 000.
Sobre os materiais do Super‑Grupo Dúrico Beirão assentam, em discordância, e numa
posição relativamente central à área em estudo, três formações ordovícicas, formalmente
definidas na região de Valongo por ROMANO & DIGENS (1974). A formação mais antiga
– Formação de Santa Justa (Arenigiano, Ordovício Inferior) – corresponde a uma unidade
quartzítica, com espessuras compreendidas entre 35 m e 60 m, que se estende numa banda
praticamente contínua de relevos abruptos, desde Pedorido (Castelo de Paiva), atravessando
toda a região nordeste do concelho de Arouca até aos montes de S. Macário e de Re-
dondo, no concelho de S. Pedro do Sul. Alguns destes materiais afloram ainda no monte
de S. Gens (Castelo de Paiva), nos montes de S. Salvador e S. Lourenço (Castro Daire)
e a oeste de Vale de Cambra e norte de Sever do Vouga. Nestas rochas encontram‑se
inúmeras marcas fósseis (icnofósseis), resultantes da atividade dos seres vivos de então,
merecendo destaque as pistas de Cruziana, realizadas por trilobites ou por artrópodes tri-
lobitomorfos. Suprajacente a estes materiais encontram‑se as rochas da Formação Valongo
(Oretaniano‑Dobrotiviano, Ordovícico Médio), correspondendo a uma sucessão bastante
homogénea e fossilífera de siltitos e xistos ardosíferos, que se prolongam desde o noroeste
do concelho de Castelo de Paiva até ao Monte de S. Macário (S. Pedro do Sul) e montes
de S. Lourenço e Codiçal (Castro Daire). O exemplo mais conhecido desta realidade é a
louseira de Canelas (Arouca), popularmente conhecida como “Pedreira do Valério”, famosa
pelos transformados de ardósia para a construção civil e pelos extraordinários fósseis que
ali são recuperados durante os trabalhos de extração e transformação das rochas. Uma
descontinuidade estratigráfica separa esta sequência dos materiais suprajacentes, pertencentes
à Formação Sobrido (Hirnantiano, Ordovícico Superior), constituída por uma proemi-
nente unidade quartzítica basal, à qual se sobrepõem greso‑xistos diamictíticos marcados
pela ocorrência de dropstones e lonestones de origem glaciomarinha, evidência da glaciação
fini‑Ordovícica. A esta unidade sobrepõem‑se os xistos negros carbonosos do Llandovery
(Silúrico inferior), com abundante fauna de graptólitos. Um forte controlo tectónico co-
loca as litologias do Silúrico inferior em contacto com o Carbónico continental terminal
(Gzheliano, Pennsylvaniano), caracterizados pela ocorrência de arenitos, xistos com fósseis
de vegetais e um espesso conglomerado. Em alternância com os xistos aparecem estreitas
camadas de carvão, que foi explorado nomeadamente em Germude, Ervedal, Choupelo,
Fojo e Pejão, no concelho de Castelo de Paiva.
À instalação de magmas que originaram os corpos granitóides de todo o território
em estudo no final do Paleozóico, encontram‑se associadas a generalidade das minera-
lizações que foram intensamente exploradas, como o antimónio, o ouro, o estanho, o
volfrâmio ou o chumbo, maioritariamente associadas a filões de quartzo. Estes locais
245
foram propícios à abertura de minas, cujos vestígios remontam ao tempo da invasão da
Península Ibérica pelos Romanos, que buscaram principalmente ouro, conforme testemu-
nham as minas de Montalto (Castelo de Paiva) e Gralheira d`Água (Arouca). A “febre do
volfrâmio” deu origem a numerosas explorações mineiras no território agora em estudo,
das quais se destacam as de Fragas da Venda (Cinfães), Regoufe, Rio de Frades e Pena
Amarela (Arouca), Moimenta (Castro Daire) e Chãs (S. Pedro do Sul). Na área de trabalho
merecem ainda menção especial as minas de chumbo de Braçal (Sever do Vouga), cujo
auge da atividade extrativa ocorreu nas décadas de 1940‑50 (Fig. 2 A).

Fig. 2 – Locais de interesse geológico do território “Montemuro e Gralheira”: A. Minas do Braçal, Sever
do Vouga; B. Cascata da Cabreia, Sever do Vouga; C‑D. Portas de Montemuro, Cinfães; E. Balneário Rainha
D. Amélia, Termas de S. Pedro do Sul, S. Pedro do Sul; F. Balneário das Termas do Carvalhal, Castro Daire.

Há cerca de 60‑50 Ma, um novo processo formador de montanhas – Orogenia


Alpina – foi responsável pela ocorrência de um importante conjunto de fraturas que,
reativando outras pré‑existentes, foram responsáveis pelo incremento de uma erosão
diferenciada. Esta, associada à diferente dureza das rochas, é responsável pela geo-
morfologia da região, onde pontuam cristas, escarpas, planaltos e vales encaixados,
criando paisagens e panorâmicas inesquecíveis que ocorrem em todo o território, de que
é exemplo ilustrativo a panorâmica das “Portas de Montemuro” (Fig. 2 C‑D). Algumas
destas falhas são hoje ainda ativas, sendo a mais conhecida a denominada “falha Penaco-
va‑Régua‑Verín” que, neste território, tem associadas num complexo sistema de falhas, as
246
termas de S. Pedro do Sul (Fig. 2 E), cujas águas quentes são justificadas pela facilidade
com que a água aquecida a grande profundidade chega à superfície, e as termas de Carvalhal,
no concelho de Castro Daire (Fig. 2 F).
Esta diversidade geológica e as múltiplas singularidades com ela relacionada em todo o
território justificam, do ponto de vista geológico‑científico, a possibilidade do alargamento
do território classificado Geoparque Arouca para todo o território “Montemuro e Gralheira”.
O inventário do património geológico, que agora se inicia, assentará numa metodolo-
gia de inventariação, que incluirá: i) pesquisa bibliográfica; ii) definição de categorias
temáticas; iii) trabalho de campo; iv) preenchimento das fichas de inventariação individuais;
v) avaliação da relevância e vulnerabilidade dos geossítios e vi) reuniões com agentes locais.

3 – Restante Património Natural

O território “Montemuro e Gralheira” abrange quatro Sítios do Plano Sectorial da


Rede Natura 2000: Serra de Montemuro, Rio Paiva, Serras da Freita e Arada e Rio Vouga
(ICNF, s/d).
Os Sítios Serra de Montemuro e Freita e Arada possuem algumas características si-
milares, por corresponderem a áreas de média montanha, separadas fisicamente apenas
pelo vale do Paiva. Contudo, enquanto o primeiro (com distribuição territorial de 3%
em Arouca, 31% em Castro Daire e 35% em Cinfães) integra apenas na região bioge-
ográfica mediterrânica, o Sítio Freita e Arada (com distribuição territorial de 39% em
Arouca, 0,6% em Castro Daire, 50% em S. Pedro do Sul e 11% em Vale de Cambra)
localiza‑se na zona de transição entre as regiões biogeográficos atlântico e mediterrâneo,
sendo por isso repositório de diversas espécies raras em posição finícola. A influência
atlântica garante elevados índices de pluviosidade no Sítio Freita e Arada, importante
para as ocorrências de comunidades turfosas permanentes e charnecas húmidas de Erica
tetralix e Ulex minor. Bosques de amieiros (Alnus glutinosa), carvalhais de carvalho‑roble
(Quercus robur) e/ou carvalho‑negral (Quercus pyrenaica), azevinhais (Ilex aquifolium),
urzais‑tojais e vegetação casmofítica são, também, importantes comunidades vegetais
aqui presentes. Merece, ainda, particular destaque os endemismos ibéricos Narcissus
cyclamineus e Woodwardia radicans. No Sítio Serra de Montemuro ressalta o excelente
estado de conservação de importantes manchas de carvalhal (Quercus pyrenaica), bem
como áreas significativas de matos e duas interessantes turfeiras (ICNF, s/d). Em con-
junto, os Sítios Serra de Montemuro e Freita e Arada constituem a área mais importante
a sul do Rio Douro, para a conservação da subpopulação do lobo ibérico (Canis lupus),
abrangendo entre 30 a 50% do número de efetivos que ocorre a sul do Douro. Outras
espécies em comum são o lagarto‑de‑água (Lacerta schreiberi) e a salamandra‑lusitânica
(Chioglossa lusitanica), ambas endemismos ibéricos e, ainda, a toupeira‑de‑água (Galemys
pyrenaicus), integrada nas linhas de água.
Por sua vez, os Sítios Rio Paiva e Rio Vouga enquadram‑se na região biogeográfica
mediterrânea; contudo, enquanto a área em estudo integra o troço médio e final do
rio Paiva (23% em Arouca, 5% em Castelo de Paiva, 31% em Castro Daire, 4% em
Cinfães e 7% em S. Pedro do Sul), no caso do rio Vouga integra apenas parte do troço
médio correspondente a 25% do concelho de Sever do Vouga. O troço médio do Rio
Paiva tem características de vale encaixado, cujas encostas são revestidas por manchas
247
plantadas de pinheiro e eucalipto, por matos e ainda por carvalhais e sobreirais. A área
plantada de eucaliptos é agudizada no troço final contudo, e evidencia elevada cobertura
e boa densidade vegetal, denunciando já um carácter atlântico. De uma forma geral, o
Sítio Rio Paiva apresenta uma vegetação ripícola relativamente bem conservada, com
bosques de amieiros (Alnux glutinosa) formando galeria, frequentemente bordejada de
carvalhais (Quercus robur) fragmentários. Assinala‑se, ainda, a ocorrência do endemismo
lusitano Anarrhinum longipedicellatum. O Rio Paiva é considerado um dos melhores da
Europa em termos de qualidade de água, assumindo uma importância primordial na
conservação da fauna aquática e ribeirinha, sendo a destacar a toupeira‑de‑água (Galemys
pyrenaicus), a lontra (Lutra lutra) e o largarto‑de‑água (Lacerta schreiberi). É da mesma
forma importante para algumas espécies piscícolas endémicas, e para uma das raras
populações de mexilhão‑de‑rio (Margaritifera margaritifera), que tinha sido considerada
extinta. Constitui, ainda, uma importante zona de passagem para o lobo ibérico (Canis
lupus) entre as Serras de Montemuro, Freita/Arada e Lapa/Leomil. No Sítio Rio Vouga,
integrado no território “Montemuro e Gralheira”, destacam‑se a ocorrência de núcleos
de floresta sub‑higrófila de Fraxinus angustifolia, Quercus robur e Ulmus minor, própria
de depressões ligeiras, planas e extensas, em aluviões raramente inundados. Trata‑se de
um rio importante para a conservação de espécies piscícolas migradoras, como o sável
(Alosa alosa) e a savelha (Alosa fallax). É um dos poucos locais de ocorrência confirmada
da lampreia‑de‑riacho (Lampetra planeri), sendo importante, também, para a lontra (Lutra
lutra) e para a salamandra‑lusitânica (Chioglossa lusitânica).

4 – O Património Cultural

O património cultural do território “Montemuro e Gralheira” apresenta‑se como


fazendo parte da paisagem rural, podendo destacar‑se do ponto de vista do património
material o património arqueológico (castros, antas, gravuras, marcos miliários, entre
outros), religioso (igrejas, capelas, santuários, ermidas, cruzeiros, entre outros), civil/
popular (pontes, moinhos, azenhas, casas e aldeias típicas, arcadas, minas, coretos,
edifícios relevantes, estátuas, fontes, pelourinhos, entre outros) e património militar
(castelos e torres).
No que diz respeito ao património classificado, e tendo por base os imóveis classificados
pelo IGESPAR IP (www.igespar.pt), existem 60 imóveis classificados (10 Monumentos
Nacionais, 40 Imóveis de Interesse Público, 1 Monumento de Interesse Público e 9 Imó-
veis de Interesse Municipal). Os concelhos que concentram maior número de imóveis
classificados são os de Castro Daire (13), Arouca (11) e Castelo e Paiva e S. Pedro do Sul
(ambos com 10).
No território em estudo impera um valioso património imaterial dotado de fortes
tradições, muitas das quais associadas à vida da lavoura, como cânticos, danças, usos e
costumes. Registam‑se, ainda, com regularidade, a ocorrência de eventos culturais e des-
portivos, alguns deles com visibilidade extra concelhia e mesmo nacional, como é o caso
da Feira Medieval de Mões (Castro Daire), da Recriação Histórica no Mosteiro de Arouca,
Festival Internacional de Águas Bravas e da Feira das Colheitas (Arouca), da Bienal Arte e
Factos e o Ficavouga (Sever do Vouga), da Feira do Vinho Verde, Gastronomia e Artesa-
nato em Sobrado (Castelo de Paiva), do Festival da Água (S. Pedro do Sul), da Romaria de
248
Nossa Senhora da Serra em S. Pedro de Castelões (Vale de Cambra), da Feira de Artesanato
de Cinfães (Cinfães), entre outros.

5 – Considerações finais

O território “Montemuro e Gralheira” apresenta uma grande riqueza de recursos


endógenos a diversas escalas e de diversas tipologias. Com a exceção do concelho
de Arouca, não é conhecido nenhum inventário do património geológico do restante
território. O levantamento do património geológico e do restante património natural e
cultural permitirá, em conjunto com as entidades locais e regionais, a implementação
de uma estratégia geoturística de região, que julgamos dará uma relevância nacional e
internacional a toda esta região.
As sucessivas estratégias de desenvolvimento territorial aqui implementadas têm permi-
tido a animação, valorização e promoção destes recursos. Um reforço do posicionamento
estratégico deste território, assente na contínua valorização das suas potencialidades, na
capacitação e envolvimento dos seus capitais humanos, na organização e qualificação da
oferta turística, no incremento da notoriedade nacional e internacional, poderá ser um
contributo decisivo para o processo de desenvolvimento sustentável desta região.

Agradecimentos – À Dr. Carminda Gonçalves e Dr. João Carlos Pinho da ADRIMAG


pela disponibilização de bibliografia da região em estudo. Ao Dr. António Carlos da AGA,
pela leitura atenta deste documento e sugestões apresentadas.

Referências Bibliográficas

DECLARAÇÃO DE AROUCA (2011) – International Congress Arouca 2012. Geotourism in Action. http://
www.geoparquearouca.com/geotourism2011/index.php?p=congress&l=en (consultado em 2012.01.30).
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PEREIRA, E., GONÇALVES, L. S. & MOREIRA, A. (1980) – Carta e notícia explicativa da folha 13 – D
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ROCHA, D. M. T. (2008) – Inventariação, Caracterização e Avaliação do Património Geológico do concelho
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SÁ, A. A., VALÉRIO, M., BRILHA, J., CACHÃO, M., COUTO, H., MEDINA, J., GUTIÉRREZ‑MARCO, J. 249
C., RÁBANO, I. &, M. (2005) – A Geodiversidade da região de Arouca: o “minério” do século XXI? Jornadas
da Terra 2005 – “Ordenamento do Território, Turismo e Desenvolvimento Sustentável”, Arouca, 6 p.
(Página deixada propositadamente em branco)
26
O PATRIMÓNIO NATURAL DO ARCO
(NAMIBE, ANGOLA) – ENQUADRAMENTO
GEOLÓGICO E EVOLUÇÃO GEOMORFOLÓGICA

THE NATURAL HERITAGE OF THE ARCO REGION


(NAMIBE, ANGOLA) – GEOLOGICAL FRAMEWORK
AND GEOMORPHOLOGICAL EVOLUTION

M. A. Máquina1, A. O. Tavares2 & M. H. Henriques3

Resumo – A região do Arco, localizada na Província do Namibe (sudoeste de Angola),


corresponde a um território integrado no deserto do Namibe, drenado pelo rio Curoca,
que configura uma zona húmida de grande beleza cénica e com grande interesse turístico,
cuja gestão sustentável importa promover.
Neste trabalho apresentam‑se o enquadramento geológico e a evolução geomorfológica
do Arco, que estão na origem das formas peculiares que caraterizam aquele território, e
discute‑se o papel do rio Curoca na modelação da paisagem que, funcionando em regime
torrencial num ambiente semidesértico, origina um sistema fluvial e lacustre, marcado por
formas fluviais de deposição, de erosão e de instabilidade das vertentes.
Para tal, recorreu‑se à interpretação de dados cartográficos que se reportam a 1960,
1987 e 2007, os quais evidenciam a evolução da drenagem e dos depósitos e barras
fluviais, dos sistemas lacustres, das arribas de erosão e das badlands. Identificam‑se,
igualmente, outras formas de relevo associadas à erosão e apresentam‑se representações
dos processos de deposição e organização dos corpos sedimentares.
Procurou‑se, com o presente estudo, contribuir para a fundamentação de futuras
medidas de salvaguarda da geodiversidade do Arco, enquanto território com valor
patrimonial de elevado conteúdo cénico, numa perspetiva de promoção de desenvolvi-
mento sustentável.

1
Escola Superior Politécnica do Namibe, Universidade Mandume ya Ndemofayo, Namibe, Angola;
[email protected]
2
Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de Ciências e Tecnologia e Centro de Estudos Sociais
da Universidade de Coimbra, Largo Marquês de Pombal, 3000‑272, Coimbra, Portugal; [email protected]
3
Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de Ciências e Tecnologia e Centro de Geociências da
Universidade de Coimbra, Largo Marquês de Pombal, 3000‑272, Coimbra, [email protected]
Palavras‑chave – Arco; Angola; Património Natural; Geologia; Geomorfologia

Abstract – The Arco region, located in the Province of Namibe (southwest Angola),
corresponds to an integrated area in the Namib Desert, drained by the Curoca River.
252
Configuring a wetland area of great scenic beauty and great tourist interest, its sustainable
management is important to be promoted.
This paper presents the geological setting and geomorphological evolution of the Arco,
which are the source of the peculiar forms that characterize this territory, and the role of the
Curoca River in shaping the landscape. The Curoca River, which runs under a torrential
regime in a semi‑desert environment, leads to a fluvial and lacustrine system, marked by
fluvial deposition and erosion forms and instability mass movements.
To this end, we used the interpretation of cartographic data related to 1960, 1987 and 2007,
which shows the evolution of drainage and fluvial deposits and bars, lake systems, erosion
of the cliffs and badlands. Other landforms associated with erosion were also identified, and
representations of the deposition processes and organization of sedimentary bodies are presented.
The present study is a contribution to support future measures geoconservation of the Arco,
as a region with heritage value of high scenic content, with a view to promoting sustainable
development.

Keywords – Arco; Angola; Natural Heritage; Geology; Geomorphology

1 – Introdução

A região designada por Arco situa‑se na margem norte do rio Curoca, a cerca de 73 km
a sul da capital da província do Namibe, e 24 km a nordeste da cidade do Tômbwa, no
sudoeste de Angola. Apresenta‑se entalhada num substrato litológico definindo planaltos
extensos, enquadrados na orla sedimentar litoral (FEIO, 1981), os quais se prolongam
no sentido leste e nordeste, indo ao encontro da grande escarpa da Chela, estrutura que
integra a cadeia marginal de montanhas do país.
Este planalto estrutural em pediplanícies faz parte do deserto do Namibe, e é recortado
por talvegues de rios como o Curoca. Este, que drena em direção ao oceano Atlântico, do
qual dista cerca de 5 km, forma uma extensa bacia aluvionar, enquadrada pelos relevos
mais antigos (AMARAL, 1973).
Entre os vários aspetos que caraterizam o território do Arco, designadamente os bióticos
e os abióticos, destaca‑se a integração singular de elementos florísticos autóctones e alóctones,
bem como da população ali residente (os kimbares do Curoca), numa paisagem exibindo uma
geomorfologia típica das regiões áridas. Detentora de valores naturais que apresentam grande
interesse turístico, potenciador de desequilíbrios que importa minimizar, a gestão sustentável
daquele território requer a tomada de decisões políticas, que garantam a sua preservação. Para
tal, urge identificar e avaliar os valores, quer de biodiversidade, quer de geodiversidade, que
integram o Património Natural do Arco, necessários para fundamentar futuras decisões
relativamente à sua adequada gestão, centrando‑se o presente trabalho, na caraterização do
enquadramento geológico e na evolução geomorfológica daquela zona húmida, situada em
ambiente semidesértico, na qual são reconhecíveis formas singulares de interação entre o
território e os seus ocupantes (MÁQUINA, 2010; TAVARES et al., 2012).
2 – Enquadramento Geológico

A região do Arco localiza‑se, de acordo com a Carta 1/1000000 da geologia de An-


gola (LNICT, 1980), a ocidente do Complexo xisto‑quartzítico (Pq) e dos terrenos mais
aplanados Gnaisso‑migmatítico – granítico (Pgg) precâmbricos. Estes complexos apare- 253
cem cruzados por estruturas filoneanas de Doleritos e gabros doleríticos (PBd).
Estas unidades são consideradas por CARVALHO & ALVES (1993) como pertencentes
ao Supergrupo de Damara, constituído por gnaisses, anfibolitos, grauvaques, quartzitos,
xistos, mármores, dolomitos, riolitos e conglomerados, bem como pelas unidades pré Super-
grupo de Damara, as quais são constituídas por rochas graníticas, geralmente porfiróides de
grão grosseiro, granitos leucocratas, geralmente equigranulares a finos, assim como gnaisses.
A área em estudo situa‑se na confluência dos rios Coroca e do Carvalhão, e é enquadrada
por depósitos cenozóicos descritos por SOARES DE CARVALHO (1961), que assentam
diretamente sobre as rochas do Complexo Antigo (Fig. 1).

Fig. 1 – As unidades estratigráficas mesocenozóicas do Namibe


(adaptado de SOARES DE CARVALHO, 1961).

Estes depósitos, datados do Miocénico, incluem o Conglomerado da Catrona, de ori-


gem continental, a que se sobrepõem camadas de arenitos, margas com gesso e calcários
fosfatados com fósseis de moluscos e dentes de peixe, datados do Burdigaliano superior,
e que constituem a margem direita do rio Curoca, bem como das lagoas do Arco.
Por sua vez, a margem esquerda do rio Curoca é ocupada por depósitos eólicos, que
deverão cobrir formas e depósitos resultantes das transgressões e regressões quaternárias.
Nestes, diferenciam‑se uma cobertura eólica póstirreniana, que inclui pequenas dunas
pulverulentas, de pequena altura, correspondentes ao início da regressão que se seguiu ao
máximo da transgressão flandriana, e as dunas atuais (op.cit.).
254
3 – Evolução Geomorfológica

Do ponto de vista geomorfológico, na província do Namibe diferenciam‑se três setores: a


norte do rio Bero, entre os rios Bero e Curoca, e a sul do rio Curoca (VICTOR et al., 2007).
As formas de relevo que se observam no Arco podem considerar‑se formas climá-
ticas (COQUE, 1977), que reúnem aspetos específicos de dinâmica fluvial e morfo-
logias de erosão e acumulação eólica, o que se traduz na preponderância dos aflora-
mentos rochosos na paisagem, os quais são marcados pelo ritmo e intensidade dos
domínios térmicos e hídricos do clima.
Dadas as condições semiáridas, em que a vegetação é escassa, as ações morfogenéti-
cas de meteorização, de escoamento fluvial e eólica exercem‑se sobre os materiais coeren-
tes e friáveis, originando mesetas e cornijas resistentes, associadas a estruturas sedimen-
tares resistentes horizontalizadas, ou a vertentes íngremes, sob a forma de alcantilados e
canhões, muitas vezes evidenciando quedas e desprendimentos de blocos de volumetria
muito variada (Fig. 2). Outras formas de erosão diferencial, em que os materiais mais
brandos são mais facilmente erodidos, permitem o aparecimento de formas característi-
cas em arco (Fig. 3), com aberturas que superam a dezena de metros, ou de zonas com
uma intensa rede de pequenos sulcos, designadas por badlands.
Associado ao regime torrencial dos processos fluviais, com transporte de gran-
des volumes de materiais, são observáveis depósitos aluviais e correntes anastomosadas
(SCHUMM, 2005), com o aparecimento de lagoas isoladas, assim como vertentes exi-
bindo uma evolução retrogressiva.
Na faixa desértica a sul, estão representadas vastas dunas de areia nas suas variadas
formas – parabólicas e barcanes –, algumas das quais chegam mesmo a atingir os três
metros de altura nos períodos de fortes ventos. Os materiais existentes nesta faixa, as-
sim como as formas, ilustram um longo processo erosivo associado ao rio Curoca, em
especial na margem esquerda, bem como à ação eólica e às variações das temperaturas
entre o dia e a noite.
A evolução das formas fluviais e de vertente na região do Arco, que aqui se apresenta,
decorre da interpretação de dados processados a partir de três fontes cartográficas (Carta
de Angola, Folha 374 ‑Fazendas S. João do Sul, 1960, 1/100000; Carta Militar D‑33‑31,
1987, 1/200000; Imagem GoogleMap, 2007), utilizando as capacidades dos sistemas de
informação geográfica e do software ArcGis 9.2 da ESRIR, e reportam‑se a três momen-
tos de análise: 1960, 1987 e 2007 (Figs. 4, 5 e 6).
Entre 1960 e 2007 é possível observar o progressivo acarreio fluvial com a formação
de barras laterais, provocando simultaneamente a menor continuidade e representação dos
sistemas lacustres. A morfologia fluvial evolui para um sistema entrançado, associado ao
aparecimento de várias barras longitudinais, com um grau de ramificação superior, o que
indicia a perda de capacidade de escoamento e de alimentação fluvial. Quanto às formas
erosivas das vertentes, é possível verificar a expressão de dois níveis de definição das arribas,
na dependência da estrutura horizontal, e associada ao desmantelamento regressivo. Esta
evolução da erosão é concentrada nas margens do rio Curoca, e com alguma estabilização
no limite mais externo, o que parece ser determinado pela estrutura e exposição dos depó-
sitos sedimentares mais brandos. A análise da evolução do limite das arribas mostra uma
evolução retrorregressiva, com episódios intermédios de ajustamento, função da resistência
255
dos diferentes estratos horizontalizados (Fig. 7).

Fig. 2 e 3 – Aspetos parciais da geomorfologia da região do Arco.

Fig. 4 – Sistemas fluvial e lacustre Fig. 5 – Sistemas fluvial e lacustre


e formas erosivas em 1960. e formas erosivas em 1987.
A par desta evolução são visíveis testemunhos de desprendimentos de blocos por erosão
basal (hídrica e eólica), e que originam testemunhos de relevo nas margens das áreas lacustres.
Comparando as representações de 1960 e de 1987, é possível verificar o aparecimento
do padrão de drenagem das badlands, sempre associado às características gipsíferas do
256
substrato, com estrutura genericamente horizontal.
Na Fig. 8 é possível verificar a evolução comparativa das barras longitudinais, e depó-
sitos fluviais, mostrando a progressiva sinuosidade e entrançamento no canal principal, a
par da progressiva perda da continuidade e representação espacial dos sistemas húmidos
do leito maior do rio Curoca, na dependência de menor alimentação do caudal líquido
e/ou perda de efetividade no transporte sólido (Fig. 9).

Fig. 6 – Sistemas fluvial e lacustre Fig. 7 – Evolução das arribas de


e formas erosivas em 2007. erosão entre 1960 e 2007.

Fig. 8 – Evolução das barras e dos depósitos Fig. 9 – Evolução do sistema lacustre
fluviais entre 1960 e 2007. entre 1960 e 2007.
4 – Conclusões

A região do Arco constitui um território que representa, de forma particularmente


expressiva, a evolução e dinâmica de um sistema fluvial em interação com um sistema 257
semidesértico, com características de ambiente húmido, e onde se reconhecem valores
bióticos e abióticos relevantes.
Os aspetos abióticos singulares do Arco estão relacionados com os processos e formas
resultantes da dinâmica fluvial torrencial e eólica e do desmantelamento das unidades
sedimentares, que denotam elevada dinâmica e originam objetos geológicos com valor
patrimonial com elevado conteúdo cénico (PENA DOS REIS & HENRIQUES, 2009),
bastante apelativas para a atividade turística, e que urge conservar.
Para tal, requer‑se a adoção de estratégias e ações, de naturezas política, científica
e técnica, que garantam a salvaguarda dos valores da geodiversidade ali reconhecidos,
numa perspetiva de promoção de desenvolvimento sustentável do território. Procurou‑se,
com o presente estudo, fundamentar futuras medidas de salvaguarda da geodiversidade
do património geológico do Arco, dando assim consistência à legislação angolana relativa
ao Património Natural (Lei nº 14/05 de 7 de Outubro).

Referências Bibliográficas

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FEIO, M. (1981) – O relevo do Sudoeste de Angola: estudo geomorfologia. Junta das Investigações Científicas
do Ultramar, Lisboa, 326 p.
LNICT (1980) – Geologia de Angola, Carta na Escala 1/1000000, coordenada por Heitor de Carvalho, Lab.
Nacional de Investigação Científica Tropical, Folha nº 3.
MÁQUINA, M. (2010) – Arco (Namibe, Angola): potencialidades e fragilidades do território. Tese de
Mestrado FCTUC, Coimbra, 69 p.
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system of the geological heritage. Geoheritage, 1, p. 1‑10.
SCHUMM, S. (2005) – River variability and complexity. Cambridge University Press, Cambridge, 220 p.
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para o conhecimento dos problemas da orla sedimentar de Moçâmedes. Memórias da Junta de Investig. do
Ultramar, nº26, 2ª Série, 217 p.
VICTOR, J., PINTO, C., VERÍSSIMO, L., ALMEIDA, L. & CALEJO, M. J. (2007) – Plano de Desen-
volvimento Integrado da Província do Namibe. Coord. Álvaro Neto. Governo Provincial do Namibe,
100 p.
TAVARES, A. O., MÁQUINA, M. A. & HENRIQUES, M. H. (2012) – The impact of tourism in a fragile
wetland ecosystem in Angola: the Arco (Namibe) case study. WIT Transactions on Ecology and The
Environment, Pineda & Brebbia (eds). WIT Press, Southampton, 161, p. 205‑217.
(Página deixada propositadamente em branco)
27
VALORIZAÇÃO PATRIMONIAL DAS MINAS DE REGOUFE
E RIO DE FRADES (GEOPARQUE AROUCA, PORTUGAL)

VALUATION OF THE MINING HERITAGE OF REGOUFE AND


RIO DE FRADES MINES (AROUCA GEOPARK, PORTUGAL)

V. F. Correia1, A. Sá1,2,3 & P. J. C. Favas2,3

Resumo – Com o objetivo de compreender e realçar a importância patrimonial


das minas de Regoufe e Rio de Frades (Geoparque Arouca) e justificar o interesse geo-
turístico de uma eventual intervenção de salvaguarda do património ainda existente,
foi elaborada uma abordagem aos aspetos históricos e socioeconómicos associados a
estas áreas mineiras. Neste sentido, foi realizada uma revisão dos trabalhos prévios,
recolheu‑se informação contida nos arquivos da Direção Regional de Economia do
Norte, foi efetuado um conjunto de entrevistas a algumas pessoas com um passado
profissional ligado às minas e realizou‑se um pequeno levantamento e consulta de docu-
mentos junto de alguns cidadãos, que encontraram e guardaram material abandonado
relacionado com a história destas minas. Este estudo demonstrou a importância e
vantagens da eventual recuperação de uma parte destas infraestruturas mineiras aban-
donadas, com valioso património intangível associado, visando a sua utilização para a
implementação e afirmação de um geoturismo de qualidade e referência, contribuindo,
desta forma, para o desenvolvimento sustentável do território do Geoparque Arouca.

Palavras‑chave – Património geomineiro; Desenvolvimento sustentável; Geoturismo;


Minas de Regoufe; Minas de Rio de Frades; Geoparque Arouca

1
Geoparque Arouca, Arouca, Portugal; [email protected]
2
Dep. de Geologia, Universidade de Trás‑os‑Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal; [email protected];
[email protected]
3
Centro de Geociências, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
Abstract – In order to understand and highlight the importance of the mining
heritage of Regoufe and Rio de Frades mines (Arouca Geopark, Portugal) and justify the
geotouristic interest for a possible intervention to safeguard the remaining heritage, an
approach to the historical and socioeconomic aspects related to these mines was carried
260
out. In this sense, a review of previous work has been made, and information has been
collected from the files of the Direcção Regional de Economia do Norte. Is was also made
a small set of interviews with people who somehow have a past occupation linked to the
history of these mines, and a collection of old documents retrieved by locals who found and
kept this abandoned material. This characterization shows the importance and benefits
of possible recovery of part of these infrastructures, and of its preservation as a whole,
including the associated highly‑valuable intangible heritage. This reality allows the imple‑
mentation and affirmation of a reference geotourism, thus contributing to the sustainable
development of the Arouca Geopark territory.

Keywords – Mining heritage; Sustainable development; Geotourism; Regoufe mine;


Rio de Frades mine; Arouca Geopark

1 – Introdução e objetivos

O aprofundar do conhecimento do património geológico associado à conservação,


divulgação e valorização de antigas instalações mineiras tem vindo a ganhar um inte-
resse crescente em todos os países desenvolvidos, como parte do património científico
e cultural que os caracteriza. Desde abril de 2009 que o território do Geoparque
Arouca, presentemente coincidente com as fronteiras do concelho de Arouca, foi reco-
nhecido pela UNESCO como membro das Redes Europeia e Global de Geoparques.
Sendo um território onde são desenvolvidas e implementadas iniciativas que fomen-
tam a proteção, o estudo, a divulgação e a promoção do seu património geológico, o
património mineiro possui crescente importância nesta recente realidade. Assim, assumem
particular interesse as componentes histórica e social associadas a estas explorações
mineiras, bem como a sua utilização com fins didáticos e turísticos, dentro da nova
realidade do Geoparque Arouca.
Com este trabalho pretende‑se fazer ressaltar o impacto social que estas minas
tiveram num passado não muito longínquo, com o intuito de sugerir a recupera-
ção deste património mineiro, para que a memória desta história perdure e possa
trazer de novo mais‑valias económicas e sociais para a região.

2 – Enquadramento histórico e social das minas

Uma verdadeira “febre do ouro negro” abateu‑se sobre estas terras, em particu-
lar no período coincidente com a 2ª Guerra Mundial, durante o qual os inimigos
beligerantes ingleses e alemães exploraram o volfrâmio, substância mineral essen-
cial para o fabrico de armas e munições, com que se gladiavam nos campos de
batalha na Europa.
Em 1928, o cidadão inglês Charles Sidney Vesey Brown adquiriu a concessão de
“Poça da Cadela” (que, mais tarde, fará parte do Complexo mineiro de Regoufe) (Fig.
1), que foi administrada por Agostinho Gaspar Gralheiro até 1940 (VILAR, 1998).
Foi somente em 1941, já durante a Segunda Guerra Mundial, que foi constituída a
261
Companhia Portuguesa de Minas, sendo a empresa mais importante na exploração
histórica desta mina, a qual, como funcionava sob administração e capitais ingleses,
ficou conhecida por “Companhia Inglesa”. Os trabalhos continuaram até à década de
1970, embora com uma atividade e intensidade mais reduzidas (VILAR, 1998; SILVA
& RIBEIRO, 2006), tendo sido encerrada ao abrigo do Decreto‑Lei nº 88/90, de 16
de Março (MOURA, 2005).
Relativamente ao Couto Mineiro de Rio de Frades (Fig. 1), as primeiras explora-
ções foram demarcadas em 1914 (VILAR, 1998). Em 1923 foi fundada a Companhia
Mineira do Norte de Portugal que, por funcionar com capitais alemães, era denomi-
nada “Companhia Alemã”. Em 1941 ocorreu o período de maior atividade e exporta-
ção do tungsténio para a Alemanha. A laboração foi mantida, com menor atividade,
até à década de 1960 (SILVA & RIBEIRO, 2006).
Desta forma, ironicamente, entre 1939 e 1944, Arouca foi um dos raros territórios
em todo o mundo onde, no mais diminuto espaço, por causa da guerra e em busca de
um dos materiais que a alimentava, “alemães e ingleses coabitavam lado a lado e sem
dispararem um único tiro” (VILAR, 1998).

Fig. 1 – No esquema A, à esquerda, observa‑se uma representação cartográfica do Complexo mineiro de


Regoufe (“Poça da Cadela”) onde constam: 1) aldeia de Regoufe; 2) residências e escritórios; 3) edifício
da “venda”; 4) “club”; 5) lavaria; 6) instalações técnicas; (posto de transformação, oficinas, casa de ponto,
etc.); 7) escritórios e oficinas; 8) residência; 9) cavalariça; 10) habitações dos mineiros. No esquema B, está
um excerto cartográfico do couto mineiro de Rio de Frades onde se observa: 1) aldeia de Rio de Frades; 2)
escritórios; 3) hospital; 4) capela de Santa Bárbara; 5) “casas da companhia” e residências do pessoal técnico;
6) posto de transformação elétrica; 7) instalações elétricas/oficinas; 8) lavaria; 9) tanques da lavaria; 10)
armazém; 11) “Bairro da Capela”; 12) “Bairro de Cima” (adaptado de SILVA & RIBEIRO, 2006).
3 – Metodologia

Para um melhor conhecimento da dimensão histórica que as minas de Regoufe e Rio


de Frades tiveram no passado, assim como conhecer mais detalhadamente o seu quotidia-
262 no, quer a nível técnico quer social, além da consulta de trabalhos de referência como os de
VILAR (1998), SILVA & RIBEIRO (2006) ou SILVA (2009), pretende‑se neste trabalho
complementar este conhecimento com:

(a) documentos encontrados durante a pesquisa efetuada nos arquivos da secção de


minas da Direção Regional da Economia do Norte (DRE do Norte).
(b) realização de entrevistas a pessoas que trabalharam ou possuem algum tipo de
ligação com a história destas minas.
(c) análise dos documentos recuperados em abandono nas minas de Regoufe, recolhidos
por cidadãos de Arouca que, gentilmente, nos facultaram a sua consulta.

4 – Valorização do Património Geomineiro

As minas de Regoufe e de Rio de Frades, apesar do visível estado de degradação


em que se encontram as suas infraestruturas (Fig. 2), têm associada uma importância
patrimonial relevante para a história mineira portuguesa do Séc. xx. Por isso, urge
apostar em atividades específicas de difusão cultural de cariz geológico e mineiro para
a sociedade, tais como a realização de cursos, exposições, publicações de divulgação e
científicas e inventários, com a colaboração de entidades públicas e privadas, essencial-
mente de âmbito local. Neste sentido, a conservação e recuperação destas minas poderão
contribuir para o desenvolvimento das populações locais, em particular, e do território
do Geoparque, em geral. Para tal, à imagem de outras realidades análogas conhecidas
em Portugal e Espanha (ex: Museu do Ferro de Moncorvo, Museu Mineiro do Lousal,
Parque Mineiro da Cova dos Mouros, Parque Geológico‑minero de Las Médulas, Parque
Minero de Río Tinto, entre muitos outros), ou no resto da Europa, onde se contabilizam
entre 700 e 1000 minas‑museu ou museus mineiros (PUCHE RIART, 2006), urge
pensar numa intervenção e adequação destes espaços para a receção de visitantes, com
múltiplos interesses, e para a preservação in situ de um património em acelerado processo
de degradação e perda.
A aquisição pela Câmara Municipal de Arouca, em 2008, do couto mineiro de
Rio de Frades, assume‑se como um primeiro e importante passo para que, num futuro
próximo, possam ser criadas condições para que aqui seja criado, por exemplo, um
Centro Interpretativo, eventualmente integrado com as minas de Regoufe e da Pena
Amarela. Uma primeira iniciativa neste sentido está patente na criação e manutenção
dos Percursos Pedestres “PR8 – Rota do Ouro Negro” e “PR13 – Na senda do Paivô”,
atualmente dos mais procurados pelos pedestrianistas, entre os 13 percursos pedes-
tres de pequena rota (PR), existentes no concelho de Arouca. Destaque relevante deve
também ser dado à exposição temporária “Memórias Contadas, Histórias Preservadas:
o Volfrâmio”, inaugurada a 11 de fevereiro de 2012 no Museu Municipal de Arouca,
e devidamente enquadrada nesta problemática.
Contudo, qualquer iniciativa ou plano de proteção e preservação destas minas terá de
contemplar uma intervenção em quatro etapas distintas, à imagem daquela sugerida nos
trabalhos de MATA LLEONART et al. (2003) ou CARVAJAL GÓMEZ et al. (2006).
Assim, numa primeira fase, deveria ser efetuado o diagnóstico e inventário do estado
263
atual do património cultural, geológico e ambiental, realidade considerada durante a re-
colha dos dados aqui apresentados e largamente complementada pelos trabalhos prévios
de VILAR (1998), SILVA & RIBEIRO (2006), ROCHA (2008) e SILVA (2009).
Numa segunda fase, seria necessário determinar os trabalhos a realizar e o projeto
arquitetónico da restauração, após o estabelecimento prévio dos devidos acordos legais
com eventuais proprietários.
A terceira fase corresponderia à restauração de parte das ruínas e consolidação das res-
tantes. Para tal, terá de ser pensado, entre outros, o melhoramento dos caminhos de acesso
e a limpeza da zona envolvente, destacando‑se a necessidade de remoção dos depósitos de
sulfuretos, altamente contaminantes, como aqueles que se encontram a céu aberto na mina
de Rio de Frades.
Uma quarta fase implicaria a criação e colocação em funcionamento de um pequeno
Centro de Interpretação e respetivo conjunto de infraestruturas de apoio. Neste sentido, o
trabalho de ORCHE GARCÍA (2004) é um bom exemplo de compilação do conjunto de
infraestruturas de apoio que devem existir num parque mineiro, das quais de destacam:

– Museu ou Centro Interpretativo (história das minas; efeitos no desenvolvimento


da população local; impactos ambientais; explicações e exposições ao nível técnico
do processo de mineração, etc.);
– Oficinas de aprendizagem (contacto com minerais e utensílios usados nas várias
etapas da exploração mineira);
– Loja com objetos relacionados com as minas e a história mineira da região;
– Café e Restaurante, servindo pratos típicos relacionados com a história mineira;
– Alojamento para visitantes, preferencialmente oferecido em antigas casas mineiras
tradicionais.

Algumas infraestruturas de apoio aqui sugeridas podem, com mais ou menos di-
ficuldades, ser implementadas nas minas de Rio de Frades e Regoufe, reconvertendo
parte das ruínas remanescentes. Além disso, também deve ser recuperada e aprovei-
tada a área envolvente, de forma controlada, marcada por uma paisagem de beleza
singular, o que permitirá a realização de atividades lúdicas e desportivas, como por
exemplo percursos pedestres guiados ao interior das galerias, atividades e desportos
radicais e zonas de repouso e lazer.
O património mineiro é gerador de turismo cultural podendo contribuir, por um
lado, para o desenvolvimento local, e por outro, para a elevação do nível cultural dos
visitantes. Além do turismo cultural, a recuperação destas explorações abandonadas
pode também proporcionar mais um foco de atração para os adeptos do turismo
rural (ROMERO & ROMERO, 2003), como por exemplo o ecoturismo, o turismo
de ação e aventura, o agroturismo e turismo gastronómico, procurando sempre um
turismo de excelência, sustentável e mantendo a identidade do local.
Quando falamos de património importa referir que não só assumem importância as
infraestruturas, mas também o espólio documental depositado em organismos oficiais ou
na posse de alguns cidadãos. Interessa também dar a conhecer o elevado valor do património
intangível, sensu MARTINI & ZOUROS (2001), JORNET I RAVENTÓS (2006) ou
264
ECKHARDT (2010), associado à exploração destas minas, onde se guarda a memória
doutros tempos, criada sobre “estórias” e histórias, muitas delas constantes apenas na
recordação de antigos mineiros ou que se preserva por tradição oral, mas que corre sérios
riscos de se perder em poucas gerações. Tal como refere ÁLVARÉZ ARECES (2006), a in-
terrelação do património mineiro com um passado que dificilmente voltará, confere desde
logo às antigas áreas mineiras um valor emocional, além do valor cultural associado a todos
os edifícios, maquinaria, objetos e quaisquer outros vestígios dos quotidianos vividos.
Durante a realização deste trabalho, foi possível verificar que diverso material docu-
mental está à guarda de alguns cidadãos, que o resgataram diligentemente de situações
claras de abandono, evitando, assim, a perda de importante memória histórica e guar-
dando‑o como propriedade sua. Refira‑se, no entanto, que nem sempre tivemos sucesso
nas tentativas de consulta documental encetadas junto destes “proprietários” que, por
terem noção que têm à sua guarda “algo importante”, deturpam o seu valor e deixam
transparecer uma confusão entre o seu real valor intangível e o seu pretenso “valor mo-
netário”. Na Fig. 3 apresentam‑se exemplos de alguns destes documentos recuperados.
Entre o conjunto das pequenas entrevistas realizadas, merece destaque a de um familiar
de antigos mineiros, que relatou as dificuldades passadas pelos trabalhadores mineiros na
época, principalmente a “doença do pó” (silicose) e a elevada mortalidade.

B C

Fig. 2 – Nas fotos A e B podemos observar o confronto entre a realidade do estado dos escritórios
e oficinas da mina de Regoufe, no ano de 1943 (fonte: Arquivo de Minas da DRE do Norte) e na
atualidade, sendo notório o estado atual de avançada degradação destas infraestruturas. A foto C,
à direita, é uma fotografia com vista panorâmica das ruínas do couto mineiro de Rio de Frades
do estado atual das instalações técnicas, lavaria, tanques de decantação e oficinas.
265

Fig. 3 – Exemplo de dois documentos recuperados da mina de Regoufe. A. folha mensal de ordenados
de 1966; B. cartão de mineiro de 1950. Além da importância histórica, estes documentos são
também importantes para o estudo sociológico desta época, onde se consegue perceber, por
exemplo, os salários das diferentes profissões de mineiro em meados da década de 1960.

5 – Considerações finais

Uma parte significativa do património associado às minas de Regoufe e Rio de Frades


é já irrecuperável. Contudo, o remanescente constitui o vestígio mineiro mais importante
do território do Geoparque Arouca, assumindo‑se, desde logo, como a memória do maior
desenvolvimento socioeconómico desta região durante grande parte do Séc. xx. Assim, a
preservação e manutenção do património restante nestas antigas instalações mineiras assu-
me importância relevante, pois permite aprofundar o conhecimento da importante história
que lhe está associada. Neste sentido, os benefícios culturais e sociais que resultariam da sua
reabilitação são importantes pois, além de assegurarem a sua conservação, constituiriam
mais um atrativo para o geoturismo, realidade atualmente em franco desenvolvimento.
De acordo com o enquadramento e análise relativos à problemática do património
geomineiro efetuados neste trabalho, as características geológicas, os aspetos antropoló-
gicos, sociológicos e históricos e os elementos de arqueologia mineira associados às minas
de Regoufe e de Rio de Frades constituem um património tangível e intangível de valor
inestimável, que representa uma clara mais‑valia dentro da política e dos objetivos de
desenvolvimento territorial sustentável, neste momento em fase de implementação, no
Geoparque Arouca.

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28
O PATRIMÓNIO GEOLÓGICO‑MINEIRO DA REGIÃO
DE BARRANCOS (SUL DE PORTUGAL)

THE GEOLOGICAL AND MINING HERITAGE


OF THE BARRANCOS REGION (SOUTH PORTUGAL)

J. M. Piçarra1

Resumo – A região de Barrancos apresenta um património geológico‑mineiro que


tem sido objeto de estudo desde o final do século dezanove. São vários os locais de ele-
vado interesse geológico, particularmente de natureza paleontológica, relacionados com
os materiais do Paleozóico. A sua divulgação, proteção e conservação tem sido feita por
entidades públicas e privadas.

Palavras‑chave – Barrancos; Património Geológico‑Mineiro; Paleozóico; Paleontologia

Abstract – Since the late 19th century that the Barrancos region presents a geological and
mining heritage that has been under study. There are several places of high geological interest,
particularly of paleontological nature, related to the materials of the Paleozoic. Its disclosure,
protection and conservation have been made by public and private entities.

Keywords – Barrancos; Geological and Mining Heritage; Paleozoic; Paleontology

1 – Introdução

A região de Barrancos, situada em pleno interior do Baixo Alentejo (sul de Portugal),


apresenta características únicas, no que respeita ao património cultural e natural. Na
cultura sobressai o “barranquenho”, dialeto raiano do português, muito influenciado
pela língua castelhana, fruto de muitos anos de ligação com a vizinha Espanha, de
que herdou a tão conhecida e polémica prática dos “toros de muerte”. Sobre os aspetos
naturais, incluindo os geológicos, é conhecida, por exemplo, por apresentar condições

1
Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), Ap. 104, 7801‑902 Beja, Portugal; [email protected]
ambientais ótimas para a criação do “porco alentejano”, de elevado valor gastronómico.
Quem não saboreou já o bom presunto “pata negra”!
Mas é o Património Geológico‑Mineiro que vamos passar a desenvolver a seguir,
através da descrição dos seus principais valores, localizados na Fig. 1, não sem que antes
268
se apresente uma resenha histórica sobre o conhecimento da Geologia desta região.

2 – História da Geologia de Barrancos

A importância geológico‑mineira da região de Barrancos é manifestada desde os


finais do século xix (1877), através do começo da exploração de inúmeras ocorrências
de minerais de cobre e da extração do “xisto de Barrancos”, na Pedreira do Mestre
André. Algumas das explorações mineiras revelaram elevado interesse socioeconómico
a nível do emprego da população residente, já que se tratava de uma região que so-
fria dos efeitos da sua interioridade, ainda bem evidentes no presente. É Nery Delgado
quem inicia os estudos geológicos nesta região, em 1878, e apresenta os resultados nas
suas publicações, “Systéme Silurique du Portugal” (1908) e “Terrains Paléozoiques du
Portugal, étude sur les fossiles des Schistes à Nereites de San Domingos et des Schistes
à Nereites et à Graptolites de Barrancos” (1910). Estas obras revelaram‑se de capital
importância no conhecimento geológico do País, tendo também assumido grande relevo
a nível internacional, em particular os seus estudos paleontológicos, incluindo os das
pistas orgânicas fósseis, de que foi um dos pioneiros a nível mundial.
A atividade geológica seguinte nesta região foi depois espaçada no tempo e mar-
cada apenas por raros trabalhos de ordem paleontológica ou de análise à obra de
Delgado (PRUVOST, 1915‑16; COSTA, 1931; MELLADO & THADEU, 1947;
TEIXEIRA, 1951). Só a partir da década de sessenta do século passado, com a pre-
paração de cartas geológicas regionais na escala 1: 50 000, é que se intensificaram os
trabalhos geológicos e paleontológicos (ROMARIZ, 1961, 1962; PERDIGÃO, 1967,
1972‑1973), vindo a culminar com a publicação da Carta Geológica de Barrancos, na
escala 1:50 000 (PERDIGÃO et al., 1982). Também naquela década foi intensa a ex-
ploração mineira de cobre na mina de Aparis (GASPAR, 1969 e referências anteriores)
que terminou em 1974.
Nos últimos dezassete anos, vários estudos revelaram resultados importantes nos
domínios da bioestratigrafia dos graptólitos (PIÇARRA et al., 1995, 1998; GUTI-
ÉRREZ‑MARCO et al., 1996; PIÇARRA, 1997, 2000; ROBARDET et al., 1998;
PIÇARRA et al., 2011), dos crinóides (LE MENN et al., 2002), das esponjas (RIGBY
et al., 1997), dos acritarcas e esporos (CUNHA & VANGUESTAINE, 1988; PEREIRA
et al., 1998, 1999; PIÇARRA et al., 2011) e da estratigrafia regional (OLIVEIRA et al.,
1991; OLIVEIRA, coord, 1992; PIÇARRA, 2000; ARAÚJO et al., 2006, PIÇARRA
et al., 2007).
O ano de 1998 marca o início de uma maior divulgação pública e de proteção do
património geológico de Barrancos, além do reconhecimento internacional de parte
dele. Nesta data, realiza‑se na região uma das jornadas do “Field Meeting” da Subcomissão
Internacional de Estratigrafia do Silúrico e tem lugar a classificação de um dos seus
geosítios (ponto 2a da Fig. 1, Fig. 2) como “sítio natural, de valor cultural e científico,
de interesse municipal”, deliberação tomada pela Assembleia Municipal de Barrancos.
A divulgação do património geológico‑mineiro de Barrancos continuou a ser feita em
fóruns nacionais e internacionais, por meio de artigos científicos (PIÇARRA, 1999, 2005,
2009; R ÁBANO et al., 2008, Piçarra et al., 2009) e livros (PIÇARR A et al., 2001,
PIÇARRA et al., 2008a, 2008b). O Parque de Natureza de Noudar, projeto recente na área
269
do turismo de natureza, situado a noroeste da Barrancos, divulga também informação
geológica da região no seu Centro de Interpretação Ambiental ou pela internet (http://
www.parquenoudar.com), além de ter implementado “percursos geológicos” pedestres que
podem ser orientados com o recurso a sistemas de interpretação autónoma, tipo PDA.

Fig. 1 – Geologia simplificada da região de Barrancos, com localização dos principais “geosítios” (pontos
1 a 5). a – Fm. de Terena, b – Fm. Monte das Russianas, c – Fm. dos Xistos Raiados, d – Fm. dos Xistos
com Nódulos, e – Fm. de Colorada, f – Fm. dos Xistos com Phyllodocites, g – Fm. de Barrancos, h – Fm.
de Ossa, i – Fm. de Fatuquedo, j – Complexo Ígneo de Barrancos, k – Paleozóico indiferenciado.

3 – Principais Valores Geológicos

• Sequência estratigráfica do Paleozóico (do ponto 1 da Fig. 1 até Barrancos, pela EN 258)

Esta sequência constitui a melhor e mais conhecida exposição de litologias do inter-


valo ?Câmbrico Médio‑Superior a Devónico Inferior, do sul do país. Entre os km 84 e
104 da EN 258, observam‑se as Formações de Ossa, com os vulcanitos básicos basais,
Barrancos, Xistos com Phyllodocites, Colorada, Xistos com Nódulos, Xistos Raiados e
Terena. Ocorre ainda o Complexo Ígneo de Barrancos do Carbónico Superior a “cortar”
litologias da Formação dos Xistos Raiados. Do conjunto de informação geológica for-
270
necido por estas formações, destacam‑se os fósseis de graptólitos e os palinomorfos do
Devónico Inferior identificados na Formação de Terena, em virtude da sua contribuição
para uma nova visão sobre a evolução sedimentar da bacia de Terena.

• O Silúrico de Barrancos (ponto 2a e 2b da Fig. 1, Fig. 2)

Barrancos é a região do país em que o Silúrico está melhor conhecido, em termos lito
e bioestratigráficos. Compreende o topo da Formação de Colorada, a Formação dos Xistos
com Nódulos e os níveis basais da Formação dos Xistos Raiados. As secções da trincheira
ao km 102.15 da EN 258 (ponto 2a da Fig. 1, Fig. 2) e do vale da ribeira de Murtega, esta
a sudoeste do Monte da Coitadinha (ponto 2b da Fig. 1), são as mais importantes para
caracterizar aquele período. A primeira das secções mostra uma sequência litológica
variada e bastante rica em fósseis de graptólitos (Fig. 2).

Fig. 2 – Secção do Silúrico da trincheira do km 102.15 da EN 258 (à esquerda) e respetivo log


estratigráfico esquemático, com indicação das biozonas de graptólitos determinadas (à direita).
Legenda do log – 1 – xistos cinzentos com finas intercalações quartzíticas, 2 – xistos negros,
3 – “nível amarelo” (? vulcânico), 4 – liditos e xistos negros, 5 – quartzitos.

Os resultados mais relevantes que dela se extraíram, são:


– Caracterização litológica das séries do Llandovery (excepto o andar Rhuddaniano),
Wenlock, Ludlow e Prídolí.
– Identificação de 13 biozonas de graptólitos, de um total de 17 reconhecidas na região
de Barrancos.
– Reconhecimento do “Evento Lundgreni” de extinção de graptólitos, da parte alta do
Wenlock, ocorrido em outros pontos do mundo. 271
– Identificação da nova espécie de esponja Protospongia iberica, da classe Hexactinellida.

Esta secção tem proteção municipal, segundo o edital nº 14/98 de 6 de Julho de 1998.
Na secção do vale da ribeira de Murtega (ponto 2b da Fig. 1) identificou‑se uma as-
sociação de graptólitos da Biozona de Parakidograptus acuminatus do Rhudaniano, o que
constitui a primeira prova real, e única até ao momento, da existência da base do Silúrico
em Portugal. Neste local, observa‑se a passagem gradual entre as formações de Colorada
e dos Xistos com Nódulos.

• Os Xistos com Phyllodocites e a pedreira do Mestre André (ponto 3 da Fig. 1, Fig.3)

Os Xistos com Phyllodocites têm a particularidade de serem ricos em icnofósseis,


tendo‑se determinado 13 icnogéneros e as novas icnoespécies, Phyllodocites saportai sp. n.,
Lophoctenium geinitzi sp. n., Myrianites bocagei sp. n., Myrianites lorioli sp. n. e Myrianites
andrei sp. n. Também se identificaram duas espécies de graptólitos do “Arenigiano alto”,
únicos exemplares reconhecidos, até ao momento, em toda a Zona de Ossa Morena
portuguesa, além de associações de acritarcas, muito bem preservadas.
Um dos mais emblemáticos locais de exposição destes xistos é a pedreira do Mestre
André. Esta pedreira é a maior, e atualmente a única em laboração, de entre aquelas que,
na vertente ocidental da serra Colorada, a NE de Barrancos, tiveram em exploração desde
os finais do século xix. O seu valor social e histórico é relevante.

Fig. 3 – “Xistos com Phyllodocites” na pedreira do Mestre André.


• Mineralizações da região de Barrancos. A Mina de Aparis (ponto 4 da Fig 1, Fig. 4)

Na região de Barrancos há inúmeras ocorrências cupríferas, das quais só uma


parte muito diminuta foi objeto de exploração subterrânea. As pesquisas mineiras
272
tiveram o seu maior desenvolvimento nos finais do século xix e os princípios do xx.
Foram concedidos então vinte alvarás de concessão. A pouca mineralização existente
na maioria das ocorrências e o processo de extração artesanal, muito moroso, jus-
tificam o baixo volume de 10.930 toneladas, extraído entre 1885 e 1932. A mina
de Aparis (Fig. 4) constituíu a mais importante exploração mineira desta região,
com atividade mais relevante entre 1889‑1932 e no princípio da década de 70. Os
trabalhos efetuados incidiram em vários filões cupríferos que “cortam” a Formação
de Terena, tendo sido feita lavra subterrânea que atingiu 150 m de profundidade.
Atualmente as suas instalações, nas quais se encontram arquivadas cerca de 180 km
de testemunhos, estão a ser utilizadas como caroteca do Laboratório Nacional
de Energia e Geologia (LNEG) e local de observação de sondagens por parte de
investigadores e de empresas mineiras.
A mina de Aparis tem um grande valor simbólico para o concelho de Barrancos
e limítrofes, em virtude de ter sido o mais importante pólo de emprego da região.

• O Devónico inferior das Mercês (ponto 5 da Fig. 1)

Os xistos e grauvaques do topo da Formação dos Xistos Raiados e da base da Formação


de Terena, situados a oeste do Monte das Mercês, apresentam associações de graptólitos das
Biozonas de Monograptus uniformis, na primeira unidade, e de Monograptus hercynicus, na
segunda, ambas do Lochkoviano. Estas faunas e os materiais onde se encontram, constituem
os primeiros testemunhos da base do Devónico, em Portugal.
Esta sucessão, além do seu valor paleontológico, é também peça importante no que
respeita ao conhecimento da evolução tectono‑sedimentar da região de Barrancos, nos
tempos devónicos.

Fig. 4 – Mina de Aparis. Bairro mineiro com edifício escolar no centro.


4 – Conclusão

A maioria dos valores geológicos antes referidos continuará no futuro, como foi no
passado, a ser objeto de investigação geológica por parte da comunidade científica. Porém, 273
constituindo testemunhos irrepetíveis e alguns insubstituíveis, é da nossa responsabi-
lidade a sua classificação, preservação e divulgação à comunidade, desde que apresentem
comprovado valor científico, pedagógico e cultural. Neste processo, a Câmara Municipal
de Barrancos tem dado todo apoio quando solicitada, mostrando‑se também disponível
para participar na criação de um Núcleo de Geologia do Museu Municipal.
As atividades na área da geologia divulgadas e postas à disposição do público pelo
Parque de Natureza de Noudar, são também um sinal de que o setor privado também
está cooperante e reconhece o valor deste património.

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(Página deixada propositadamente em branco)
29
PATRIMÓNIO GEOLÓGICO DA TUNDAVALA (HUÍLA, ANGOLA)
– UMA AVALIAÇÃO QUALITATIVA INTEGRADA

GEOLOGICAL HERITAGE OF TUNDAVALA (HUÍLA, ANGOLA)


– AN INTEGRATED EVALUATION

M. H. Henriques1, A. O. Tavares2 & A. L. M. Bala 3

Resumo – Neste trabalho apresentam‑se os resultados obtidos no âmbito da ava-


liação qualitativa do património geológico da Tundavala (Huíla, Angola), necessária
para fundamentar cientificamente uma proposta de classificação daquele território,
que permita garantir a preservação da sua integridade física, bem como a promoção
de atividades geoturísticas.
Para a avaliação do património geológico da Tundavala procedeu‑se à recolha e
processamento de um conjunto de dados relativos aos diferentes conteúdos com valor
patrimonial ali reconhecidos, que se analisaram, de forma integrada, com dados rela-
tivos aos significados atribuídos à Tundavala pelas comunidades científicas (grau de
relevância) e à perceção pública de tais significados (perceção abstrata), variável que
reflete a amplitude da fruição social do território.
Os resultados obtidos permitem reconhecer na Tundavala, enquanto objeto geológico
com valor patrimonial, mais do que um tipo de conteúdo – documental, simbólico e
cénico –, o que lhe confere um grau de relevância com expressão regional, e reforça o seu
valor enquanto elemento integrante do património geológico da Terra.

Palavras‑chave – Tundavala; Angola; Património Geológico; Avaliação

Abstract – This paper presents the results obtained in the qualitative assessment of
the geological heritage of Tundavala (Huila, Angola), necessary to support a classification

1
Departamento de Ciências da Terra e Centro de Geociências da Universidade de Coimbra, Largo
Marquês de Pombal, 3000‑272 Coimbra, Portugal; [email protected]
2
Faculdade de Ciências e Tecnologia e Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra,
Largo Marquês de Pombal, 3000‑272, Coimbra, Portugal; [email protected]
3
Escola Secundária do II Ciclo de Quilengues, Huíla, Angola; [email protected]
proposal of that territory, to guarantee the preservation of its integrity, as well as the pro‑
motion of geotourism activities.
For the evaluation of the geological heritage of Tundavala a set of several data regarding
different contents displaying heritage value has been collected and processed. These were ana‑
278
lyzed in an integrated way, with data on the meanings attributed to Tundavala by the scien‑
tific communities (degree of relevance) and on the public perception of such meanings (abstract
perceptiveness), a factor that reflects the range of social fruition of the area.
The results obtained allow us to recognize in Tundavala, as an object displaying heritage
value, more than one type of content – documental, symbolic and scenic – which gives it a
degree of relevance with regional expression, and enhances its value as an element integrating
the geological heritage of the Earth.

Keywords – Tundavala; Angola; Geological Heritage; Evaluation

1 – Introdução

A Serra de Chela, situada nas proximidades do Lubango (Província da Huíla, Angola),


apresenta, no seu topo, o designado planalto da Humpata, a que corresponde uma estru-
tura em mesa, cujos contornos ocidentais são escarpas de grande altura (Fig. 1). A enorme
escarpa da Tundavala representa um de vários acidentes análogos, observáveis nos bordos
do planalto da Humpata (e.g., Bimbe, Leba), e que definem limites de uma bacia sedi-
mentar intracratónica, de idade Paleo‑Meso‑Proterozoica, análoga a outras, situadas no
Cratão do Congo (África).

Fig. 1 – Localização da escarpa da Tundavala e imagem de satélite GOOGLETM (2007).

Do ponto de vista geomorfológico trata‑se de vertentes retilíneas, com pendores mui-


to elevados e genericamente superiores a 65º, com variações de cota superiores a 1000 m,
e marcadas por uma superfície culminante, genericamente horizontal (Fig. 2).
As formas patentes estão marcadas pela estrutura aproximadamente horizontal das
rochas quartzosas e vulcanoclásticas precâmbricas, e que determinam o aparecimento de
cornijas de relevo monoclinal associadas aos termos líticos mais resistentes, as quais são
compartimentadas por formas encaixadas de erosão remontante ao longo dos principais
eixos de fraturação (NW‑SE, N‑S e ENE‑WSW).
Num dos pontos do bordo do Planalto da Humpata, localiza‑se o Miradouro e
279
a Fenda da Tundavala (13º 22’ S; 14º 49’ E), a cerca de 20 km da cidade do Lubango.
Esta “espectacular cornija da Tundavala, oferece uma vista deslumbrante do planalto da
Huíla e Namibe ao fundo” (SDCI, 2004, p. 39), sendo frequentemente descrita como
local para visitação, no sul de Angola, dado o seu potencial turístico (Fig. 2). Este local
é referenciado pela Estratégia Nacional de Biodiversidade e Plano de Acção (2007‑2012)
(NBSAP, 2006) como constituindo uma das áreas de proteção a implementar, nomeada-
mente atendendo aos valores paisagísticos que encerra.
É consensual entre vários autores que as paisagens, quando detentoras de elevado con-
teúdo cénico (PENA DOS REIS & HENRIQUES, 2009) ou valor estético (BRILHA,
2005), representam elementos do património geológico que podem proporcionar uma ele-
vada fruição social, atraindo visitantes e, consequentemente, contribuindo para a expansão
do turismo da natureza, em particular para o geoturismo.

Fig. 2 – A escarpa da Tundavala vista a partir da Bibala.

A escarpa e a fenda da Tundavala, pelos valores paisagísticos singulares que encerram, e


que são objeto de caracterização no presente trabalho, constituem exemplo de um território
que representa património geológico, capaz de assegurar uma dupla função: fundamentar a
investigação científica e promover a educação no âmbito das Ciências da Terra, nomeada-
mente em geoconservação (HENRIQUES et al., 2011), bem como fomentar o geoturismo,
enquanto atividade promotora de crescimento económico e melhoria da qualidade de vida
dos cidadãos, numa perspetiva de desenvolvimento sustentável.
Mas tal requer a implementação de medidas que garantam a sua integridade física, no-
meadamente jurídicas, e que passam pela atribuição de um estatuto de proteção legal, o que,
até ao momento, ainda não aconteceu. Pretende‑se, com o presente trabalho, contribuir para
fundamentar cientificamente uma proposta de classificação da Tundavala, baseada no siste-
ma de classificação estabelecido por PENA DOS REIS & HENRIQUES (2009), em que os
diferentes conteúdos com valor patrimonial ali reconhecidos (documental, simbólico, cénico)
são avaliados qualitativamente e de forma integrada, tendo em conta o significado atribuído
280
à Tundavala pelas comunidades científicas (grau de relevância) e à perceção pública de tais
significados, variável que reflete o usufruto social do território (perceção abstrata).
Para a avaliação do património geológico da Tundavala procedeu‑se à caracterização
do território, quer do ponto de vista biofísico e paisagístico – incluindo aspetos etnográficos
da população que o ocupa ‑, quer relativamente a dimensões que remetem para a perce-
ção social e a qualificação ambiental do território – através da análise de dados obtidos
a partir da aplicação de três instrumentos concebidos especialmente para o efeito: um
questionário administrado a visitantes habituais da Tundavala e duas grelhas de análise
de conteúdo de documentos (Fig. 3). Estes permitiram inventariar elementos culturais
imateriais que se referem à Tundavala (nomeadamente tradições e expressões orais, tais
como contos tradicionais, fábulas, provérbios, rimas, canções, rezas, cânticos, lengalengas),
conteúdos de publicações de carácter documental e turístico, e conteúdos de páginas web
relacionadas com a Tundavala (BALA, 2011).

Fig. 3 – Metodologia utilizada para a caracterização do património geológico da Tundavala, necessária


para fundamentar uma proposta de classificação daquele território, bem como para o estabelecimento
de uma estratégia para a sua conservação e valorização (BALA, 2011).

2 – Identificação e avaliação dos conteúdos patrimoniais da Tundavala

A Tundavala, enquanto objeto geológico com valor patrimonial, representa um regis-


to singular de episódios remotos da história da Terra, datados do Arcaico, materializados
na expressão do registo estratigráfico do Grupo Chela.
Este representa a sucessão localizada mais a oeste do Cratão do Congo, e compreende
cinco formações – Tundavala (constituída por conglomerados na base, a que se sobrepõem
arenitos com intercalações piroclásticas), Humpata (rochas vulcano‑clásticas, resultantes
de vulcanismo explosivo, com intercalações de arenitos), Bruco (conglomerados vulcano-
génicos na base, a que se sobrepõem arenitos e siltitos intercalados com níveis vulcânicos e
conglomeráticos), Cangalongue (alternâncias de argilitos, calcários e arcosarenitos) e Leba
281
(chertes, argilitos e dolomias estromatolíticas) (PEREIRA & DE WAELE, 2008). Tal cir-
cunstância, que decorre do facto de a Tundavala exibir, de forma particularmente repre-
sentativa, o registo estratigráfico do Grupo Chela, sendo a localidade‑tipo de uma das suas
formações (Formação Tundavala), confere‑lhe conteúdo documental, com uma relevância
regional (PENA DOS REIS & HENRIQUES, 2009).
Cada um dos povos que habita a região da Tundavala interpreta culturalmente a
paisagem de forma diferente. Para os Ovahumbe (povos indígenas de Quilengues), que
residem a N‑NE da região, a Tundavala representa um lugar relacionado com a fertilida-
de – traduzido na expressão: “kukambetaili okamono lucito kalumoneka olukavamjawa
kokatala kombeki alucapupulwa kocela” (“Não batas na minha criança, pois para obter
fertilidade é preciso ir na abertura da montanha sagrada da Chela e depois fazer consulta
no hospital da Katala” – ou com a impossibilidade de se poder avançar para além do
precipício – que se reconhece na expressão “Onculo yo uye konjenjelela” (“O lugar onde
se encontra o fim do mundo∕abismo”) (BALA, 2011). Para além destas interpretações, à
Tundavala estão associadas outras representações, atribuídas pelas comunidades locais,
tais como contos, cânticos, provérbios, crenças e memórias, que remetem para elemen-
tos simbólicos, que destacam elementos cénicos, que refletem conflitos ou que focam a
água enquanto fonte de recursos e de vida. No seu conjunto, os dados obtidos permi-
tem reconhecer na Tundavala, conteúdo patrimonial de natureza simbólica, enquanto
conteúdo de âmbito local num lugar altamente socializado e frequentado devido a outras
motivações, que não as que resultam do seu significado geológico (PENA DOS REIS
& HENRIQUES, 2009).

Fig. 4 – O Miradouro da escarpa e fenda da Tundavala.

Relativamente à perceção social da Tundavala, verificou‑se que, para os visitantes


locais, a Tundavala encerra representações simbólicas fortemente enraizadas na respetiva
cultura, associadas a contos, cânticos, provérbios, e até memórias mais recentes de con-
flitos. Já para os conhecedores/visitantes de origens mais distantes, a Tundavala assume
outros significados, relacionados com a atividade turística, sendo a imponente fenda/
escarpa da Tundavala – amplamente representada em fotografias de publicações –, o ele-
282
mento central de ambas as interpretações. Os termos “turismo”, “turístico”, “paisagem”
e “monumento” surgem, com algum significado, em páginas web, referidos em roteiros,
maioritariamente publicados por organizações privadas, onde abundam fotografias da
escarpa da Tundavala (Fig. 4).
Estes resultados permitem atribuir à Tundavala conteúdo cénico, que decorre da
compreensão pública do seu valor estético, e ao qual é igualmente reconhecido potencial
turístico (BALA, 2011).

3 – Conclusões

Os resultados obtidos com o presente trabalho permitem atribuir à Tundavala valor


patrimonial enquanto objeto geológico, no qual se reconhece mais do que um tipo de
conteúdo – documental, simbólico e cénico –, o que lhe confere um grau de relevân-
cia com expressão regional, e reforça o seu valor patrimonial (PENA DOS REIS &
HENRIQUES, 2009; Fig. 5).
Este valor patrimonial acrescido justifica a necessidade de conceber e implemen-
tar medidas que visem a sua geoconservação, nomeadamente as de natureza política –
que requerem a criação e aplicação de instrumentos jurídicos de proteção e valorização
do património geológico –, e as que estimulem o envolvimento ativo dos cidadãos
nessas ações, quer a nível individual, quer a nível coletivo, através da implementação de
ações, de carácter público ou privado, que potenciem o desenvolvimento do geoturismo
(BALA, 2011).

Fig. 5 – Tipos de conteúdos com valor patrimonial reconhecidos na Tundavala, baseados no Grau
de Relevância e na Perceção Abstrata, definidos em PENA DOS REIS & HENRIQUES (2005).
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(Página deixada propositadamente em branco)
30
GEOTURISMO E TURISMO DE AVENTURA
NO VALE DO PATI – PARQUE NACIONAL DA
CHAPADA DIAMANTINA (BAHIA, BRASIL)

GEOTOURISM AND ADVENTURE TOURISM IN


THE PATI VALLEY – CHAPADA DIAMANTINA
NATIONAL PARK (BAHIA, BRAZIL)

J. R. de Almeida1, K. Suguio2 & V. Galvão3

Resumo – O Parque Nacional da Chapada Diamantina está localizado em uma área


de 152.000 hectares na região centro‑oeste do estado da Bahia e envolve municípios
importantes para o desenvolvimento turístico do Estado. Citado como o “Grand Canyon”
brasileiro por sua geodiversidade e cenários exuberantes, esta Unidade de Conservação
possui um potencial turístico com características diversificadas. O Vale do Pati está
situado na área central do parque e é considerado uma das principais áreas de trekking do
Brasil. Anualmente, recebe ecoturistas aventureiros de diversas partes do mundo. Além
da “adrenalina” contida na prática do turismo de aventura, alguns turistas realizam o
reconhecimento, através da apreciação da beleza cênica e paisagística de um número
variado de atrativos naturais, tais como: cachoeiras, cânions, morros, corredeiras, gru-
tas, cavernas e outros atrativos contidos no patrimônio abiótico regional. Algumas dessas
atrações são catalogadas pelo Serviço Geológico do Brasil como sítios geológicos, portanto
fazem parte de roteiros específicos do geoturismo. Para realização das atividades de geo-
turismo e turismo de aventura é necessário que os praticantes repousem e se alimentem
nas casas de nativos, pertencentes às comunidades de garimpeiros manuais e agricultores
de base familiar, sendo assim fortalecida a existência do turismo de base comunitária.
Neste trabalho é realizada uma análise do potencial turístico do Vale do Pati, apontando
a existência de três segmentos como o turismo de aventura, o geoturismo e o turismo de
base comunitária, focado no desenvolvimento de comunidades, que de certa forma, estão
encontrando nessas atividades uma alternativa socioeconômica para sua subsistência.

1
Grupo de Pesquisas Ambientais da Universidade de Guarulhos, Brasil; [email protected]
2
Instituto de Geologia da Universidade de São Paulo, Brasil
3
Instituto de Geociênias da Universidade Estadual Paulista, Brasil; [email protected]
Palavras‑chave – Parque Nacional da Chapada Diamantina (Brasil); Geoturismo; Tu-
rismo de Aventura; Turismo de Base Comunitária

Abstract – The Chapada Diamantina National Park extends through an area of about
286
152,000 hectares in the Bahia State, western central region in the northeastern Brazil, and
is very important for the touristic activities development of some regional municipalities. This
protected area is frequently referred as the “Brazilian Grand Canyon”, due to its magnifi‑
cent geodiversity, that is characterized by plentiful scenarios. The Pati Valley, located in the
central portion of this national park, is considered frequently as one of the most important
trekking areas in Brazil and receives yearly many domestic and foreign adventure tourists.
They are attracted by several fascinating natural allurements represented by beautiful rapids
and waterfalls, besides labyrinthic hollows and caves that setup the regional abiotic heritage.
Some of these patrimonies have been chosen as geological sites and then integrate specific
geotourism routes. The Pati Valley cross‑route represent one of the ecotouristic worldwide
trekkings, nevertheless almost unknown, besides the development of geotourism and adven‑
ture touristic activities. The participants must be lodged and nourished in local inhabitant
homes, that belong to the artisanal diamond miners and family based farmers, thus streng‑
thening the community based tourism. This paper deals with the relationship between the
Pati Valley touristic potentialities revealed by three segmented activities, which are adven‑
ture, geoscientific and community based tourism, which supply the local inhabitants with a
convenient socio‑economical subsistence resource.

Keywords – Chapada Diamantina National Park (Brazil ); Geotourism; Adventure


Tourism; Community‑Based Tourism

1 – Caracterização Geoambiental e Histórica da área de estudo

Segundo PEREIRA (2010), a Chapada Diamantina é constituída por um conjunto


de relevos serranos e planaltos, situados na porção central do Estado da Bahia, que faz
parte da extremidade setentrional de uma cadeia montanhosa que se estende desde o
Sul de Minas Gerais até ao Norte da Bahia, nacionalmente conhecida como Serra do
Espinhaço (Fig. 1).
Segundo ALMEIDA (1977), o conjunto de relevos que compõem a região se enquadra
no contexto geológico do Cráton do São Francisco, formado essencialmente por rochas
sedimentares, com metamorfismo de baixo grau com idade proterozóica. Os registros geo-
lógicos, fossilíferos e isotópicos destas rochas indicam uma evolução complexa, ocorrida
durante um intervalo de tempo superior a 1,7 bilhão de anos, que compreende eventos
de diversas naturezas, como vulcanismo, formação de bacias sedimentares e deformações
tectônicas, dentre outros (MISI & SILVA, 1996).
Conforme INDA et al. (1984), as rochas que constituem a Serra do Espinhaço, em
Minas Gerais e Bahia, e a Chapada Diamantina, neste último Estado, são agrupadas
no Supergrupo Espinhaço, o qual é constituído por sequências de rochas clásticas, prin-
cipalmente quartzíticas. Na Chapada Diamantina afloram rochas que fazem parte das
coberturas mesoproterozóicas e neoproterozóicas do Brasil. Estas rochas, essencialmente
terrígenas, foram depositadas ao longo de um intervalo do tempo geológico, de pelo
menos 700 milhões de anos (PEDREIRA, 1997). Devido ao seu baixo grau metamórfico
preservam, de forma excepcional, as estruturas sedimentares, que tornam possível deduzir,
com um certo grau de precisão, os processos e os ambientes de deposição originais.
287

Fig.1 – Localização da Serra do Espinhaço no território brasileiro, destacando a região da


Chapada Diamantina, situada na extremidade Norte deste sistema orográfico.
Modificado de Mapa Geodiversidade do Brasil (CPRM, 2006).

As altitudes variam entre 320 m, ao longo da calha do rio Paraguaçu na bacia


Una‑Utinga, até máximo de 1620 m, na Serra do Sincorá. A Chapada Diamantina
abriga as nascentes que formam as principais bacias hidrográficas do Estado da Bahia
(PEREIRA, 2010). De acordo com NOLASCO (2002), as características originais e os
regimes hidrológicos das drenagens locais foram bastante alterados em função das ativi-
dades de garimpo, iniciadas em torno de 1840, quando a ação antrópica foi relevante na
alteração das paisagens, até a sua configuração atual.
A região teve dois ciclos de mineração, representados no inicio pelo do ouro, e
posteriormente pelo do diamante, que impulsionou a mineração, com mobilização de um
número superior de pessoas, sendo assim fator fundamental no povoamento na região
(TEIXEIRA et al., 2005). A cidade de Lençóis não está entre as primeiras povoações forma-
das pelo garimpo de diamante, contudo, foi a mais representativa de todas, transformando‑se
rapidamente em uma espécie de “Capital das Lavras Diamantinas”. A comercialização
de diamantes para exportação e o surgimento do diamante “carbonado”(um tipo de
diamante mais impuro, usado na indústria), fizeram da cidade de Lençóis um centro
econômico e político importante (GUANAES, 2006).
As primeiras descrições da paisagem da Chapada Diamantina remontam ao século xix e
correspondem aos relatos dos naturalistas alemães Spix & Martius, que percorreram o Brasil
entre 1817 e 1820 (SPIX & MARTIUS, 1828). Estes viajantes foram os primeiros a divulgar
o potencial mineiro da região. A expedição de Spix & Martius passou por sérias dificuldades
ao atravessar a região, e até foram abandonados pelo guia. Face às adversidades enfrentadas,
foram obrigados a deixar pelo caminho parte do material geológico coletado na região.
A Chapada Diamantina ocupa uma área de 64.303 km², cerca de 10% da área
territorial do Estado da Bahia. Segundo BRITO (2005), com a decadência da atividade
mineira, o prefeito da cidade de Lençóis, Olímpio Barbosa Filho, viu no turismo uma
alternativa econômica para o município e criou então o Conselho Municipal de Turismo
288
em 1961; posteriormente inscreveu o município no programa de cooperação do governo
americano dos Corpos da Paz (Peace Corps) e foi criada uma forte mobilização social,
que culminou com o tombamento da cidade de Lençóis pelo Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional – SPHAN (atual IPHAN), no ano de 1973, em função
do patrimônio arquitetônico ali existente.
Na década de 80 do século xx, com o crescimento dos movimentos ambientalistas,
surgiu na região o movimento SOS Chapada, que desenvolveu trabalhos voltados à
diminuição dos problemas ambientais locais. Na mesma sequência, chegou também à
cidade de Lençóis um membro dos Corpos da Paz, especialista em fitofisiologia e fami-
liarizado em políticas dos parques nacionais americanos, que se encantou com as belezas
naturais locais e passou a fomentar a criação de um parque na região (BRITO, 2005).
Em consequência, foi criado em 1985 o Parque Nacional da Chapada Diamantina,
cujos limites estão intimamente vinculados com os limites geográficos da feição geo-
morfológica da Serra do Sincorá. A criação do Parque Nacional impulsionou o turismo
nas proximidades da cidade de Lençóis, que passou a contar com série de investimentos
governamentais em infra‑estrutura básica e desenvolvimento institucional, voltadas
tanto para a melhoria das condições de vida das populações beneficiadas, quanto para a
atração de investimentos ligados ao turismo no setor privado (PEREIRA, 2010).
O turismo se tornou uma nova alternativa econômica e a região passou a receber mo-
radores advindos de outras partes do país e mesmo do exterior, atraídos tanto por um estilo
de vida mais bucólico em contato com a natureza, como também pelas perspectivas que
se abriram com a atividade turística. Apesar disso, a população nativa da região, fixada em
áreas rurais, conserva um hábito de vida historicamente ligado às atividades extrativistas,
mas ficaram impedidos destas práticas habituais e, na sua maioria, não se adaptaram a outras
atividades, pois com a criação do Parque Nacional veio uma série de restrições impostas,
tais como, a caça, ao garimpo, ao plantio de roças. Em casos mais extremos, os nativos
foram obrigados a deixar suas terras, uma vez que este tipo de Unidade de Conservação
(Proteção Integral) não permite a existência de moradores dentro da área do Parque.
Esta situação ilustra a carência da região e a necessidade de um programa de plane-
jamento e/ou política de envolvimento da população local em atividades de conservação
e, ao mesmo tempo, com oferta de uma alternativa econômica de subsistência para os
habitantes, que se vêm impedidos de exercer as suas atividades habituais. Esse impasse
dificulta a consagração do Parque, como uma área protegida e devidamente implementada,
pois passados 25 anos de sua criação, o mesmo ainda não resolveu este problema.

2 – Objetivo e método

Apesar do potencial geocientífico do Parque Nacional da Chapada Diamantina,


existem poucos trabalhos de cunho acadêmico, enfocando seus aspectos, principalmen-
te de caráter socioambiental ou geoturístico. Partindo deste princípio, este trabalho em
questão tem o objetivo de demonstrar, de maneira interdisciplinar, a relação entre os
fatores distintos, que estão totalmente direcionados à geoconservação e à sustentabili-
dade econômica das comunidades residentes no Parque, bem como a existência de dois
segmentos: o geoturismo e o turismo de aventura, que estão diretamente envolvidos com
o desenvolvimento sustentável do turismo de base comunitária, uma atividade que, de
289
maneira informal, vem servindo como uma alternativa socioeconômica para as populações
remanescentes no interior do Parque.
Para realizar esta análise foi necessário uma pesquisa bibliográfica geológica e ambien-
tal para caracterização dos atrativos, bem como para conceituação das vertentes ligadas
ao geoturismo, turismo de aventura, turismo sustentável e turismo de base comunitária.
Posteriormente, foi necessário trabalho de campo para confirmar a existência e prática de
atividades diretamente relacionadas.

3 – Turismo de Aventura no Vale do Pati

O Vale do Pati está localizado na parte central do Parque, exibe grande variedade de
relevo e, devido à sua posição geográfica, é considerado como um dos refúgios paisagísticos
mais belos do Brasil. Além disso, possui uma riquíssima flora, peculiar, representada
por jardins naturais da vegetação rupestre, pelos campos gerais e pelas florestas estacio-
nais de altitude (GUANAES, 2006). Segundo o mesmo autor, em decorrência da sua
exuberante beleza, é um lugar visitado por aqueles que gostam de fazer caminhadas em
ambientes naturais.
Segundo ALMEIDA (2005), as caminhadas (trekking) e as travessias por campos
naturais constituem modalidades do turismo de aventura, e geralmente este tipo de seg-
mento leva à prática dessas atividades em destinações exóticas; algumas delas, na verdade,
podem ser relacionadas a outros segmentos, tais como; o ecoturismo ou geoturismo.
O que diferencia o turismo de aventura de outros segmentos é a situação de risco implícita
na atividade; uma caminhada por lugares selvagens e íngremes pode proporcionar um
contato bastante estreito e ser uma forma instigante de conviver com a natureza, mas ao
mesmo tempo pode se transformar em uma perigosa experiência (ALMEIDA, 2005).
Entre os locais de prática para o turismo de aventura, pode‑se dizer que a travessia do
Vale do Pati é comparável à trilha Inca de Machu Picchu, no Peru, e à trilha dos peregri-
nos, em Santiago de Compostela na Espanha. Apresenta um alto nível de dificuldade e é
uma das trilhas mais conhecidas no circuito de trekking nacional, exigindo preparo físico
e resistência dos praticantes. O caminho serpenteia pela Serra do Sincorá, por altitudes
que oscilam entre 400 e 1400 m. O deslocamento se dá por uma trilha que liga o povoado
de Guiné ao município de Andaraí em um trajeto de aproximadamente 70 km de ex-
tensão, que exige entre 4 a 6 dias de caminhada e observação de atrativos geoturísticos,
tais como: vales escarpados, cachoeiras, morros, córregos e rios de águas cristalinas, cujo
percurso é de maior beleza cênica na área do Parque.

4 – Desenvolvimento do Geoturismo

Com o crescimento demográfico explosivo do planeta, diminui o número de recur-


sos e amplia‑se a área de ocupação antrópica. Em consequência a este processo, as áreas
naturais são cada vez menores e o ser humano passa a ocupar terrenos mais suscetíveis
(PEREIRA, 2010). A publicação da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial,
Cultural e Natural (UNESCO, 1972), aprovada em Paris, em 1972, representou um
pacto global importante, focado na conservação da natureza e, a partir desta convenção,
290
surgiu um conjunto de iniciativas voltadas à geoconservação.
As Ciências da Terra, principalmente a geologia, sempre tiveram uma preocupação
menor com as temáticas de conservação da natureza. Por muitos anos, o trabalho dos
geólogos esteve mais direcionado à exploração de recursos naturais e subsidiou a consoli-
dação desta sociedade, tal como ela é hoje. Entretanto, com a crise mundial da mineração
no final dos anos 80, e com o crescimento das demandas ambientais, as Ciências da Terra
começaram a buscar o seu espaço e a sua importância nas práticas conservacionistas
(PEREIRA, 2010).
Segundo HOSE (2000), o geoturismo surgiu como um novo segmento de turismo
de natureza, baseado na preocupação dos geólogos em valorizar e conservar o patrimônio
associado ao meio abiótico. O objetivo deste segmento consiste na utilização de feições
geológicas como atração turística, que assegure a conservação e a sustentabilidade do
local visitado.
A EMBRATUR (Instituto Brasileiro de Turismo) define geoturismo como um seg-
mento da atividade turística, que tem o patrimônio geológico como principal atrativo,
na busca da proteção por meio da conservação de seus recursos e da sensibilização do
turista, utilizando, para isto, a interpretação deste patrimônio e tornando‑o acessível ao
público leigo, além de promover a sua divulgação e o desenvolvimento das Ciências da
Terra (RUCHYS, 2007).
Pode‑se considerar que o geoturismo representa uma vertente investigativa do tu-
rismo, diferenciando‑se do turismo convencional. Segundo GALVÃO & STEVAUX
(2010), as práticas turísticas convencionais podem degradar os ecossistemas, causando
danos, irreversíveis, se não existir um correto manejo das atividades. Deste modo, o
geoturismo deve ser praticado por pessoas que buscam principalmente os conteúdos
científicos (CAVALCANTI, 2006). Contudo, existem autores que conceituam esta seg-
mentação como o deslocamento, dentro do padrão turístico, cuja motivação encontra‑se no
interesse de realização de estudos e pesquisas científicas (ALMEIDA & SUGUIO, 2011).
O geoturismo no Vale do Pati é realizado de maneira “informal”, misturando‑se ao
turismo de aventura, onde alguns grupos formados por pesquisadores, docentes, estu-
dantes e público em geral praticam a atividade enfrentando um alto grau de dificuldade,
principalmente no deslocamento, sempre monitorados por um guia local, e buscam a
apreciação dos mais inóspitos atrativos, acessados sobre barreiras, que ultrapassam o
nível aceitável no turismo convencional.

5 – Turismo Sustentável de Base Comunitária

Alguns pesquisadores apontam as populações humanas como destruidoras da na-


tureza, pois fazem uso predatório dos recursos naturais. Contudo, existem outros que
defendem a ideia de uma cultura “nativa”, tradicionalmente harmoniosa e em equilíbrio
com o meio natural. Neste contexto, surgem as chamadas “populações tradicionais”,
responsáveis pelo desenvolvimento de técnicas atreladas à disponibilidade dos recursos
naturais e a uma economia de pequena produção mercantil. Segundo DIEGUES (1996;
1999), estes povos são definidos desta forma:

“Sociedades tradicionais são grupos humanos culturalmente diferenciados que histo‑


291
ricamente reproduzem seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base em
modos de cooperação social e formas específicas de relações com a natureza. Caracterizados
tradicionalmente pelo manejo sustentado do meio ambiente” (DIEGUES 1999, p. 20).

Os habitantes do Parque Nacional da Chapada Diamantina não são enquadrados na


categoria de populações tradicionais, principalmente por seu caráter nômade, pois difi-
cilmente esses habitantes se mantêm há mais de duas gerações no mesmo local. Outro
fator de rejeição é a contingência da atividade econômica predominante. A forte presença
do garimpo na região transformou a lavoura em uma atividade secundária e temporária,
as roças eram uma espécie de apêndice do garimpo, e eram cultivadas sempre em função
destes e o acompanhava em seus deslocamentos, dando origem às roças itinerantes, ainda
encontradas no Vale do Pati (GUANAES, 2006).
Nesse sentido, os habitantes do Vale do Pati estão “deslocados” dos grupos étnicos
normalmente inseridos em espaços naturais protegidos. Contudo, eles não estariam
menos aptos a serem contemplados do que as populações consideradas “tradicionais”,
portadoras de direitos reconhecidos e específicos sobre a terra. Esses “garimpeiros” vêm
realizando trabalhos alternativos, dentro da área do Parque, que contribuem para o
desenvolvimento dos dois segmentos turísticos abordados no trabalho: o geoturismo e
o turismo de aventura.
Essas atividades, que estão interligadas e diretamente relacionadas à travessia do Vale,
são realizadas com sucesso devido ao apoio técnico e logístico dessas populações, que
alocam suas moradias, como locais de hospedagens e áreas de camping, nos quais os
turistas, inclusive, utilizam de suas acomodações e cozinha para realizarem suas refeições,
e assim, constituindo outra forma de desenvolvimento turístico, o de base comunitária.
Ficar hospedado e fazer as refeições nas casas dos moradores locais representa a única
forma de alimentação e descanso para os aventureiros e pesquisadores que realizam a
travessia. Na região vivem famílias, descendentes de antigos garimpeiros, que plantam
roças e criam pequenos animais como galinhas e cabras. Nesses locais não existe ener-
gia elétrica e as acomodações são rústicas, contudo bastante eficazes e suficientes para
uma noite de repouso. Calcula‑se que o Parque tenha aproximadamente 700 pessoas,
distribuídas em 160 famílias morando em seu interior (FUNCH, 1997). O turismo de-
senvolvido na Chapada Diamantina cresce proporcionalmente com a ideia de paisagem
como um valor intrínseco, pois segundo ALMEIDA & SUGUIO (2010), o conceito de
turismo sustentável tem como um dos princípios fundamentais a busca de equilíbrio
entre o homem e natureza.

6 – Conclusões

As formas de relevo da Chapada Diamantina são responsáveis pelos belos aspectos


paisagísticos que atraem a atividade geoturística, que são condicionadas tanto pelas
rochas como pelas estruturas geológicas superimpostas. Desta forma, a travessia do Vale
do Pati se enquadra na forma do turismo paisagístico, com atrativos tais como: cachoeiras,
corredeiras, mananciais hídricos, cavernas, grutas, cânions, balneários, entre outros. Este
tipo de turismo contemplativo é concebido através do turismo de aventura e do geoturis-
mo, sempre acompanhados pelos guias regionais e pelos habitantes locais. Apesar desses
292
agentes possuírem um grande conhecimento da região, bem como as normas e procedi-
mentos de segurança, ainda deixam a desejar quanto a interpretação da geodiversidade;
desta forma, o geoturismo é realizado por grupos que geralmente estão acompanhados
por especialistas, tais como docentes ligados a área das Ciências da Terra.
Mesmo não estando enquadrados como populações tradicionais, os habitantes rema-
nescentes atuam como agentes turísticos, sem incentivo de empresas ou do poder público
e, desta forma, buscam no geoturismo e no turismo de aventura uma alternativa socio-
econômica para sua subsistência, demonstrando assim a existência do turismo de base
comunitária.
Esses segmentos do fenômeno turístico estão diretamente ligados e correlacionados
em um ambiente com atrativos tipicamente focados na geodiversidade e na preservação
do patrimônio abiótico. Desta maneira, pode‑se dizer que não somente no Vale do Pati,
mas sim em todo o Parque Nacional da Chapada Diamantina, existe a necessidade da
elaboração de uma política voltada à preservação, considerando seus segmentos e agentes,
pois não se pode negligenciar a existência desses fatores que são de suma importância,
tanto para o desenvolvimento e subsistência da comunidade local, como também para
preservação do patrimônio geológico.
Baseado neste cenário, o trabalho em questão demonstrou como é realizada a ativi-
dade turística na Chapada Diamantina, principalmente no atrativo focado “Travessia do
Vale do Pati”, bem como apontou a existência de pelo menos três segmentos turísticos
diretamente relacionados ao desenvolvimento sustentável regional, que sirva de alternativa
socioeconômica para as populações remanescentes no interior do Parque.

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(Página deixada propositadamente em branco)
31
TRILHAS GEOTURÍSTICAS E SUA IMPORTÂNCIA NA
CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO GEOLÓGICO:
PARQUE METROPOLITANO ARMANDO DE HOLANDA
CAVALCANTI – CABO DE SANTO AGOSTINHO/PE (BRASIL)

GEOTOURISTIC TRAILS AND ITS IMPORTANCE


IN THE GEOLOGICAL HERITAGE CONSERVATION:
METROPOLITAN PARK ARMANDO DE HOLANDA
CAVALCANTI – CABO DE SANTO AGOSTINHO/PE (BRAZIL)

T. O. Guimarães1, G. Mariano1 & G. Seabra 2

Resumo – A preocupação em conservar o patrimônio geológico encontra‑se em as-


censão, sendo cada vez mais elevado o número de atividades envolvendo essa temática,
e é nesse contexto que surge o Geoturismo, atividade turística de base geológica e geo-
morfológica. A divulgação e conscientização da importância de monumentos geológicos
contribui de forma significativa no processo de geoconservação. Dessa forma, a elaboração
de trilhas geoturísticas com placas indicativas e interpretativas ilustrando a importância
das feições geológicas, representa um grande avanço na divulgação do patrimônio geológico,
além de inspirar a sua conservação. O presente trabalho tem como objetivo descrever
e georreferenciar algumas trilhas, que compõem o roteiro turístico do Parque Metro-
politano Armando de Holanda Cavalcanti, localizado no município do Cabo de Santo
Agostinho, litoral Sul de Pernambuco no nordeste brasileiro. Nessa área aflora o Granito
do Cabo, com aproximadamente 102 Ma. Trata‑se de um dos marcadores dos estágios
tardios da separação da América do Sul e África (quebra de Gondwana), e consequente
formação do Oceano Atlântico. A região comporta grande interesse histórico e cultural,
representados por construções e ruínas que datam desde o século xvi. Ainda são encontrados
na área artefatos que contam um pouco da história local, e alguns desses objetos fazem parte
de acervo do Museu da Marinha Brasileira que se encontra aberto a sociedade civil.

1
Programa de Pós Graduação em Geociências, Dep. de Geologia e Centro de Tecnologia e Geociências da
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil; [email protected]; [email protected]
2
Departamento de Geografia da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil; [email protected]
A importância para a história geológica local e global torna a área muito interessante do
ponto de vista do turismo científico/educacional, e também do Geoturismo, já que este
está intimamente relacionado à Geoconservação e a Geodiversidade.
296
Palavras‑chave – Trilhas geoturísticas; Geodiversidade; Geoconservação

Abstract – The concern to preserve the geological heritage is on the rise, and the
number of activities involving this issue is increasing. Geotourism as a tourism‑based
on geological and geomorphological features appears in this context. The dissemination
and awareness of the importance of the geological monuments contributes significantly to
the process of geoconservation. Thus, the definition of trails with interpretive panels il‑
lustrating the importance of the geological features, represent a major breakthrough with
regard to the dissemination of the geological heritage and inspires its conservation. This
paper aims to describe and to georeference some trails that make up the sightseeing tour
of the Metropolitan Park Armando de Holanda Cavalcanti, located in the municipality
of Cabo de Santo Agostinho, southern coast of Pernambuco in northeastern Brazil. In this
area, the Cabo granite, with of 102 Ma. age, outcrops in an area of 4km2. It is a marker
of late stages of the separation of South America and Africa (Gondwana break‑up), and sub‑
sequent formation of the Atlantic Ocean. The region holds great historical and cultural
interest, represented by buildings and ruins dating from the sixteenth century. Artifacts
that tell about the local history are still found (e.g., old coins, cannon ball), some of them
being included in the collection of the Museum of the Brazilian Navy open to visitors.
The importance to local and global geological history make the area very interesting from
the standpoint of scientific/education tourism, and also the Geotourism, closely related to
Geoconservation and Geodiversity.

Keywords – Geotouristic trails; Geodiversity; Geoconservation

1 – Introdução

O parque metropolitano Armando de Holanda Cavalcanti (PMAHC) encontra‑se


no município do Cabo de Santo Agostinho, no litoral sul Pernambucano, e corresponde
a uma das unidades administrativas da mesorregião metropolitana da cidade do Recife,
capital do Estado de Pernambuco (Fig. 1).
O presente artigo tem como objetivo mapear as trilhas já utilizadas por turistas
e estudantes da rede pública e privada, ressaltando a importância da geologia como
ferramenta na divulgação, informação e conservação do patrimônio geológico.
Para a realização deste trabalho foram feitos levantamento bibliográficos e carto-
gráficos bem como excursões a campo, visando descrever, mapear e georreferenciar as
trilhas e seus pontos de interesse. Foram utilizados GPS, câmera fotográfica e bússola
nos trabalhos de campo. As amostras coletadas estão sendo estudadas com auxílio de lupa
binocular e as seções delgadas ao microscópio petrográfico. Desta forma, será possível
detalhar a mineralogia das rochas coletadas e determinar sua nomenclatura.
A região possui grande importância desde os aspectos sócio‑econômicos aos físicos
e ambientais e se destaca pelos geológicos, geomorfológicos bem como pela sua riqueza
histórica e arquitetônica. Diante desses valores, viu‑se a necessidade de um trabalho de
divulgação e conservação desse patrimônio, que envolve interesses didáticos – científicos,
turísticos, históricos, bem como contemplativos.
297
2 – Caracterização Física

O clima da região é do tipo litorâneo úmido com chuvas de inverno (As´) e forte
influência de massas tropicais úmidas. A temperatura média anual é de 25,5 ºC, com
média anual máxima de 29,10 ºC e média anual mínima de 21,9 ºC. A média mensal da
umidade do ar (valores da cidade do Recife) oscila entre 74 e 86 %, com média anual de
80% (MOREIRA et al., 2003).
Com relação à hidrografia, a área está inserida na bacia hidrográfica GL2, que repre-
senta um grupo de bacias hidrográficas de pequenos rios litorâneos do estado. É formada
por rios perenes que desembocam no Oceano Atlântico.
Geologicamente, a área esta inserida na Bacia Pernambuco, na suíte magmática
Ipojuca e marca um dos estágios da quebra de Gondwana e consequente formação do
Oceano Atlântico e das bacias sedimentares costeiras. Nelas são encontradas rochas de
origem plutônica e vulcânica (NASCIMENTO, 2003).

Fig. 1 – Mapa de localização (Fonte: Nascimento, 2005).

Estudos a identificam como sendo o último elo entre a América do Sul e o continente
Africano. As rochas encontradas na região comprovam atividades vulcânicas, inclusive
explosivas, bem como toda uma movimentação da Terra em períodos geológicos distintos
(LEON et al., 1986).
De acordo com a nomenclatura internacional para rochas ígneas plutônicas, o Gra-
nito do Cabo, trata‑se de um álcali‑feldspato‑granito de 102 milhões de anos, apresenta
uma exposição de aproximadamente 4 km², possui textura equigranular, com granulação
grossa a média e coloração creme. Mineralogicamente, é composto por uma grande
quantidade de quartzo (aproximadamente 40%) e feldspato potássico, ausência quase
total de plagioclásio e presença de anfibólio (LEON et al., 1986).
Também foram identificados diques de riolito e basalto (Fig. 2), que intrudem o
granito ao longo de fraturas e falhas com direção preferencial noroeste.
O município do Cabo de Santo Agostinho apresenta, de modo geral, dois conjuntos
distintos de relevo: um relevo ondulado, composto por morros e colinas, ocupando mais
298
de 80% da área total do município; e o relevo semi‑plano, onde predominam as áreas
mais baixas, localizadas na porção leste do município, englobando a área de planície
flúvio‑costeira, os tabuleiros e os terraços (ASSIS, 1999).

A B

Fig. 2 – A. Dique de riolito com espessura aproximada de 1,20 m intrudindo o granito


do Cabo através de fratura com direção noroeste; B. Dique de riolito visto do alto.

A área que compreende o PMAHC encontra‑se a sul do município, e apresenta


geomorfologia bastante ondulada, controlada pelo granito do Cabo3. A área de praia,
caracterizada por areia quartzosa de granulação média, é restrita, em função do grande
acúmulo e blocos rochosos dispostos na costa. A distribuição dos blocos abaulados e
da área aflorante do granito são elementos morfológicos que contribuem na formação
de uma paisagem exuberante e única na região.
O clima tem bastante influência nessas áreas e no resultado de seu modelado; junto
com o processo de meteorização provocam o processo de desagregação mecânica e/ou a
decomposição química das rochas existentes na crosta terrestre. O produto oriundo desses
processos é o regolito, em cuja parte superior estabelece‑se o solo (LINS & JATOBÁ, 2008).
Sobre o granito repousa um manto de intemperismo em algumas áreas resultado
da alteração do próprio granito, configurando sedimentos eluviais, alterado do próprio
material rochoso. Em outras áreas, onde a declividade é mais acentuada é visível o
transporte de sedimentos para os níveis mais baixos, chamados de depósitos coluviais.
As águas provenientes das chuvas representam poderoso agente erosivo, contribuindo
significativamente na remoção do regolito e consequentes modificações nas encostas e
na paisagem natural. Esses processos normalmente tem início a partir de escoamentos
superficiais, em forma de lençol, filetes ou ravinas.
Em função do volume, do período, da composição mineralógica da encosta e depen-
dendo intensidade desses processos, podem evoluir para voçorocas, ou seja, a forma mais
acentuada da erosão por escoamento superficial (LINS & JATOBÁ, 2008).

3 
Denominação do granito na literatura.
É possível observar nas encostas dos morros na área do PMAHC processos erosivos
em larga escala, desenvolvendo grandes sulcos formados ao longo das vertentes (Fig. 3).
A evolução deste processo erosivo pode resultar em consideráveis impactos ambientais,
podendo gerar movimentos de massa, causando dificuldades de acesso à área e compro-
299
metendo a estabilidade de algumas ruínas.
Em função destas feições geológicas e geomorfológicas, a área representa um laboratório
a céu aberto, possibilitando estudos de intensidade de erosão ao longo do tempo, erosão
vs remoção da cobertura vegetal, atividades antrópicas vs processos erosivos, além da
beleza paisagística.

Fig. 3 – Voçorocas ao longo das encostas, com profundidade aproximada de 3 metros.

Os recifes de arenito, que fazem parte da morfologia local, representam o comparti-


mento de relevo ligado à ação marinha ou à atuação conjunta deste sistema com o fluvial. No
município do Cabo de Santo Agostinho, essas feições ocorrem próximas a praia e afloram
sempre nos períodos de maré baixa, estendem‑se de forma linear, desde a praia de Cupe
(litoral Norte) até o promontório do Cabo de Santo Agostinho, desenvolvendo‑se sob a
forma de bancos de arenito com cimento calcífero rico em magnésio (ASSIS, 1999).
A beleza do litoral cabense está diretamente associada à geodiversidade, resultante
dos agentes endógenos e exógenos ao longo dos anos. O município tem o turismo como
uma de suas fontes de arrecadação, atividade que está relacionada às belas praias da
região, entre elas Calhetas, Cabo, Paraíso e Suape.

3 – Patrimônio Histórico e Cultural

O PMAHC foi criado em 1979 e tomado como patrimônio histórico no ano de 1993;
na antiga Vila de Nazaré estão edificadas construções de grande valor histórico e cultural,
monumentos que contam um pouco da história brasileira. Entre eles, um dos mais impor-
tantes é a igreja de Nazaré. Não há certeza sobre sua data de construção, no entanto a mesma
já existia ao final do século xvi. Pela sua localização privilegiada, no ponto mais alto do
granito do cabo, foi referencia para os navegadores da época (NASCIMENTO, 2005).
Outras edificações tão importantes no sentido histórico e arquitetônico podem ser
destacadas, entre elas o forte castelo do mar, edificado pelos militares portugueses
em meados de 1631, com o objetivo de proteger a então Vila de Nazaré. Há ainda ruínas
do quartel velho, do convento carmelita datado do final do séc. xvii‑início do séc. xviii,
bem como da casa do faroleiro, construção da segunda metade do séc. xix, que servia de
moradia para o faroleiro e como depósito de equipamentos do farol que ali existiu (Fig. 4).
300

A B

C D

Fig. 4 – A. Igreja de Nazaré; B. Ruínas da casa do faroleiro;


C. Ruinas do quartel velho; D. Ruínas do forte castelo do mar.

Há ainda outros monumentos de grande importância histórica, como as baterias de


São Jorge, baterias de Francisco Xavier, a capela velha, entre outros. Há íntima relação entre
o patrimônio histórico e geológico, uma vez que todas as edificações foram construídas a
partir das rochas ali existentes, como blocos de granitos e arenitos extraídos dos recifes.

4 – Trilhas Geoturísticas

O parque tem vários pontos que podem ser incluídos nos roteiros das trilhas; os
mesmos foram analisados e caracterizados de acordo com sua relevância, seja ela geológica,
geomorfológica, histórica ou didático/científica. Todas as trilhas têm como ponto de
partida a área central da Vila de Nazaré, próximo à igreja homônima, mais precisamente
no Núcleo de administração do Parque – NAD.
A fundamentação dos roteiros geoturísticos direcionados as trilhas que serão trabalha-
das no parque, tem como base a metodologia de estratégias de conservação propostas
por BRILHA (2005), onde se faz necessário à realização de algumas tarefas tais como:
inventário, quantificação, classificação, conservação, valorização, divulgação e monitorização
da geodiversidade local.
Neste trabalho será apresentada a primeira trilha mapeada, denominada trilha da Casa
do Faroleiro. A caracterização desta trilha foi realizada utilizando o método de Indicadores
de Atratividades de Pontos Interpretativos (MAGRO & FREIXÊDAS, 1998), associado
ao método proposto Manual de Ecoturismo de Base Comunitária (ANDRADE, 2003).
4.1 – Trilha da Casa do Faroleiro

A trilha possui aproximadamente 2 km, possui algumas declividades pouco acentuadas,


apresentando grau de dificuldade mediano e com 4 pontos de parada (Fig. 5).
301

Fig. 5 – Croqui esquemático apresentando a trilha da Casa do Faroleiro e pontos de relevância.

Ponto 1 – Esse ponto marca primeira parada da trilha, em cota topográfica de apro-
ximadamente 70 m. Permite a observação de gretas de dissecação, voçorocas e o
manto de intemperismo proveniente da alteração do granito; o mesmo encontra‑se
bastante oxidado formando uma crosta laterítica.
Ponto 2 – A segunda parada da trilha é nas ruínas da casa do faroleiro. Observa‑se que
a mesma foi edificada com material da própria região, e é possível ver os blocos de
granito e arenitos de praia, material encontrado nas redondezas. Sobre o granito se
pode observar um sistema de fraturas subverticais, indicando forte movimentação
pretérita nessa região.
Ponto 3 – Apresenta grande interesse didático/científico. É possível observar o
manto de laterização proveniente da alteração do granito, bem como algumas
fraturas (Fig. 6).
302

Fig. 6 – Manto de laterização sobre o granito.

O visitante ainda pode observar muitos blocos rochosos; os mesmos apresentam pro-
cessos erosivos de esfoliação esferoidal. A beleza cênica pode ser contemplada desse ponto
da trilha de onde se tem uma vista belíssima (Fig. 7).

Fig. 7 – Uma das belas paisagens contempladas na região.

Ponto 4 – Bica da Ferrugem é assim localmente chamada, devido à grande presença de


óxido de ferro em suas águas. Nesse ponto, o visitante pode parar um pouco, des-
cansar sob a sombra de algumas árvores frutíferas, refrescar‑se nas águas correntes
e observar algumas feições geológicas e geomorfológicas.

Há uma inúmera quantidade de blocos rochosos, dispostos de forma aleatória, muitas


vezes uns sobre os outros. Em alguns deles, pode se observar algumas fraturas ocasionadas
por intemperismo químico e físico.
É possível ver algumas raízes entre as fraturas e ocorrência de líquenes e musgos sobre
alguns matacões4, demonstrando a importância do meio abiótico sobre o biótico, ou seja, a
geodiversidade como substrato a vida no planeta (Fig. 8).

4 
Blocos de granito que se desprenderam em algum momento geológico da rocha mãe.
Saindo da Bica da Ferrugem em direção ao ponto de partida da trilha pode se observar,
em algumas encostas desnudas, o plantio de algumas mudas, iniciativa tomada pela
gestão do PMAHC a fim de reflorestar essas áreas e minimizar os processos erosivos, que
se tornam mais atuantes onde a vegetação foi suprimida (Fig. 9).
303

A B

C D

Fig. 8 – A. Trecho da trilha chegando à Bica da Ferrugem; B. Bica da Ferrugem; C. Blocos


fraturados em função do intemperismo; D. Ocorrência de líquenes e musgos sobre o granito.

Fig. 9 – Encostas onde estão sendo introduzidas mudas de plantas nativas,


a fim de minimizar os processos erosivos.

5 – Conclusões

O parque possui algumas trilhas já utilizadas por turistas e visitantes, feitas pelo
exército brasileiro, no entanto essas trilhas foram desenvolvidas objetivando a prática da
corrida de orientação e não há descrição das mesmas do ponto de vista geológico‑geomor-
fológico. Há algumas indicações de monumentos e ruínas.
A trilha da Casa do Faroleiro é a primeira parte de um projeto de pesquisa que levantará
as características geológico‑geomorfológicas, histórica e didático‑científica, mapeará e
304
georreferenciará todas as trilhas existentes no parque, visando divulgar e conservar o
patrimônio geológico.

Agradecimentos – Ao programa de pós‑graduação em Geociências da Universidade


Federal de Pernambuco, ao CNPq pela bolsa de mestrado, ao exército brasileiro e ao
Núcleo de Administrativo do Parque Metropolitano Armando de Holanda Cavalcanti
(NAD).

Referências Bibliográficas

ANDRADE, W. J. (2003) – Manual de Ecoturismo de Base Comunitária: ferramentas para um planejamento.


Responsável/Organização: Sylvia Mitraud – Brasília – WWF Brasil – 470p.
ASSIS, H. M. B. (1999) – Cartografia geomorfológica do munícipio do Cabo de Santo Agostinho/PE. Projeto de Sistemas
de Informações para Gestão Territorial da Região Metropolitana do Recife (SINGRE). Série cartas temáticas, 4.
BRILHA, J. (2005) – Patrimônio Geoecológico e Geoconservação: A conservação da natureza na sua vertente
geológica. Palimage Editores, Braga.
LEON, L., SIAL, A. N., NEKVASIL, H. & BORBA, G. S. (1986) – Origin of granite at Cabo de Santo Agosti-
nho, Northeast Brazil. Contrib Mineral Petrol., 92, p. 341‑350
LINS, R. C. & JATOBÁ, L. (2008) – Introdução a Geomorfologia. 5ª Edição, revista e ampliada – Ed.
Bagaço – Recife.
MAGRO, T. C. & FREIXÊDAS, V. M. (1998) – Trilhas: como Facilitar a Seleção de Pontos Interpretativos.
Circular técnica IPEF, 186.
MOREIRA, F. M., SANTOS, A. S., MELO C. R., IVETE S. A. & ARAÚJO L. M. N. (2003) – Hidrogeo-
logia. In: Pedro Augusto dos Santos Pfaltzgraff (coord.). Sistema de informações geoambientais da Região
Metropolitana do Recife. Recife: CPRM., 119 p.
NASCIMENTO, M. A. L. (2003) – Geologia, Geocronologia, Geoquímica e Petrogênese das rochas ígneas
cretácicas da província magmática do cabo e suas relações com as unidades sedimentares da bacia de Per-
nambuco (NE Brasil). Tese de doutorado apresentada em 22 de dezembro de 2003, para obtenção do título
de doutor em Geodinâmica pelo programa de Pós‑Graduação em Geodinâmica e Geofísica da Universida-
de Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
NASCIMENTO, M. A. L. (2005) – Potencialidades geoturísticas na região do granito do Cabo de Santo Agostinho
(NE do Brasil): meio de promover a preservação do patrimônio geológico. Revista Estudos Geológicos, 15, p. 3‑14.
32
GEOROTEIROS:
UM CAMINHO PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL

GEOROUTES:
A PATH FOR RURAL DEVELOPMENT

C. Viveiros1,3, E. A. Lima 2,3 & J. C. Nunes2,3

Resumo – As ilhas dos Açores exibem formas, relevos e estruturas variadas que
constituem exuberantes paisagens naturais importantes para o desenvolvimento do geo-
turismo. Neste contexto, uma atividade geoturística que resulta de parceira entre a
Associação Geoparque Açores e a ARDE (Associação Regional para o Desenvolvimento)
é a implementação de um conjunto de georoteiros na Ilha de Santa Maria e na zona
ocidental da Ilha de São Miguel (território de atuação da ARDE). Estes roteiros visam
desenvolver o meio rural.

Palavras‑chave – Geoturismo; Georoteiros; Desenvolvimento rural

Abstract – The Azorean islands exhibit a wide range of forms, reliefs and structures
that create a lush natural landscape important for the development of the geotourism. In
this context, one of the geoturistic activities that are being developed by the partnership
Azores Geopark Association and ARDE (Regional Association for Development) are the geo‑
routes on the Santa Maria Island and on the Western part of São Miguel Island (ARDE
operational territory). These georoutes contribute to the development of the rural area.

Keywords – Geotourism; Georoutes; Rural development

1
ARDE (Associação Regional para o Desenvolvimento), Rua Manuel Inácio Correia, 73, 1º Esquerdo,
9500‑087 Ponta Delgada – Açores, Portugal; [email protected]
2
Universidade dos Açores, Departamento de Geociências, Rua da Mãe de Deus, apartado 1422, 9501‑801
Ponta Delgada – Açores, Portugal; [email protected]
3
Associação Geoparque Açores, Centro Empresas da Horta, Rua do Pasteleiro s/n – Angústias, 9900‑069
Horta – Açores, Portugal
1 – O Valor Geoturístico da Ilha de Santa Maria e da zona ocidental da Ilha de São Miguel

O arquipélago dos Açores, situado no Atlântico Norte e posicionado na junção tripla


das placas litosféricas Euroasiática, Norte Americana e Africana (ou Núbia), é formado
306 por 9 ilhas que se dividem em três grupos distintos: o Grupo Ocidental (Flores e Corvo),
o Grupo Central (Terceira, Graciosa, Pico, Faial e São Jorge) e o Grupo Oriental (Santa
Maria e São Miguel).
As ilhas de Santa Maria e São Miguel, do Grupo Oriental, apresentam uma vasta ri-
queza geológica (FRANÇA et al., 2003). A primeira constitui a ilha mais antiga dos Açores
(com cerca de 10 Ma) e, por isso, apresenta algumas características que as demais não pos-
suem, como rochas sedimentares com a presença frequente de conteúdo fossilífero importante
intercaladas nas rochas vulcânicas. De igual forma, a sua idade está bem representada nos
barreiros que existem em vários locais da ilha e que resultam da alteração de antigas escoadas
lávicas basálticas, originando superfícies de terreno árido, argiloso e de cor vermelha. Além
da sua antiguidade, esta ilha apresenta outra característica evidente, a sua geomorfologia
contrastante entre a zona ocidental, aplanada, e a zona oriental, muito acidentada.
No que diz respeito à segunda ilha, São Miguel, a maior do arquipélago, é composta
por quatro vulcões centrais siliciosos com caldeira e dois complexos vulcânicos basálticos
fissurais, sendo a zona mais ocidental da ilha formada pelo maciço vulcânico das Sete
Cidades. Este maciço vulcânico corresponde a um estratovulcão com caldeira, a qual é
ocupada por duas lagoas principais coalescentes (Lagoa Azul e Lagoa Verde, eleitas em
2010 como uma das 7 Maravilhas Naturais de Portugal na categoria Zonas Aquáticas
Não Marinhas), cones vulcânicos secundários de pedra pomes, anéis de tufos e domos.
Nos flancos deste vulcão, para além de diversos cones de escórias e domos traquíticos,
originaram‑se outras formas relevantes, como os cones de tufos dos Ilhéus dos Mosteiros,
e as fajãs lávicas dos Mosteiros e da Ponta da Ferraria.
Apesar das áreas de intervenção do presente trabalho (a ilha de Santa Maria e a zona
ocidental da ilha de São Miguel) serem essencialmente rurais, onde o turismo ainda não
está muito desenvolvido, apresentam um rico património geológico com diversos geossítios
de grande valor científico, educativo e turístico (tabelas 1 e 2).

2 – O Homem Açoriano e os Vulcões

Desde os primórdios do povoamento das ilhas (no século xv) que o povo açoriano
tem uma forte ligação com os vulcões, assistindo a vários episódios de atividade vulcânica e
sismos. Estes episódios, bem documentados nos acervos históricos disponíveis, mostram o
medo com que as pessoas viviam quando ocorriam estes fenómenos naturais catastróficos.
Um dos exemplos de atividade vulcânica histórica ocorreu em 1811 na parte ociden-
tal da Ilha de São Miguel, no mar ao largo da atual Ponta da Ferraria, originando uma
ilha efémera: a Ilha Sabrina. Hoje em dia, o que nos resta deste episódio vulcânico é um
baixio submarino, apenas acessível por mergulhadores e apaixonados pela pesca. Não
obstante, este episódio marcou, e marca, profundamente as populações das zonas vizinhas
à Ponta da Ferraria, como o atestam as toponímias Miradouro Ilha Sabrina e Rua Ilha
Sabrina existentes na zona da Ferraria, freguesia dos Ginetes.
Por outro lado, será fruto dessas catástrofes naturais, o aparecimento de manifestações
de fé e devoção, como é o caso das procissões e romarias (e.g., Romeiros de São Miguel), a
devoção ao Senhor Santo Cristo dos Milagres e as Festas do Divino Espírito Santo, estas
últimas em todas as ilhas (Fig. 1).
Para além desse património imaterial acima referido, os açorianos souberam, desde cedo,
tirar o melhor partido dos recursos que os vulcões ofereciam. Uns desses exemplos são as
307
diferentes rochas que ornamentam igrejas, fortificações militares, solares e outros edifícios
nobres (Figs. 2 e 3), as paisagens vinícolas e vitivinícolas, campos com rendilhado de muros
de pedra e o aproveitamento das águas termais para fins medicinais, para além de, mais
recentemente, o aproveitamento do calor geotérmico para produção de energia.

Tabela 1 – Geossítios prioritários (a verde) e outros geossítios (a laranja)


da Ilha de Santa Maria – Geoparque Açores.

Geossítios prioritários
Barreiro da Faneca SMA1
Pedreira do Campo SMA2
Poço da Pedreira SMA 3
Ponta do Castelo SMA 4
Ribeira do Maloás SMA 5
Geossítios
Baía da Cré SMA 6
Baía de São Lourenço SMA 7
Baía do Raposo SMA 8
Baía do Tagarete e Ponta do Norte SMA 9
Baía dos Cabrestantes SMA 10
Barreiro da Malbusca SMA 11
Cascata do Aveiro SMA 12
Figueiral SMA 13
Porto de Vila do Porto SMA 14
Praia Formosa e Prainha SMA 15

Tabela 2 – Geossítios prioritários (a verde) e outros geossítios (a laranja)


da zona ocidental da Ilha de São Miguel – Geoparque Açores.

Geossítios prioritários
Caldeira do vulcão das Sete Cidades SMG 2
Ponta da Ferraria e Pico das Camarinhas SMG 8
Serra Devassa SMG 9
Geossítios
Fajã lávica e ilhéus dos Mosteiros SMG 14
Rocha da Relva SMG 21
308

Fig. 1 – Manifestação religiosa: procissão do Senhor Santo


Cristo dos Milagres,Ilha de São Miguel (Eva Lima).

Fig. 2 – Património edificado: antigo aqueduto na


Serra Devassa, Ilha de São Miguel (Eva Lima).

Fig. 3 – Património edificado: igreja de Nossa Senhora da Purificação


em Santo Espírito,Ilha de Santa Maria (Eva Lima).

3 – Geoturismo e Desenvolvimento Rural

O arquipélago dos Açores, dada a sua natureza vulcânica e a ação dos agentes ex-
ternos da biosfera, hidrosfera e atmosfera, exibe formas, relevos e estruturas variadas
que constituem exuberantes paisagens naturais, que tanto fascinam as populações locais
como os visitantes. Essas paisagens naturais constituem o ponto de partida para o de-
senvolvimento do geoturismo, isto é, um tipo de turismo assente num desenvolvimento
sustentável (a nível económico, social e ambiental), e que tem por objetivos, a promoção
309
da geodiversidade e do património geológico e a valorização dos aspetos culturais e
ambientais (LIMA et al., 2009).
Uma atividade geoturística que resulta de parceira entre a Associação Geoparque Açores
e a ARDE é o desenvolvimento de um conjunto de georoteiros na Ilha de Santa Maria e
na zona ocidental da Ilha de São Miguel, território de atuação da ARDE (MELO et al.,
2010). Estes roteiros visam: i) dar a conhecer aos habitantes locais e turistas a geodiversidade
existente nestas áreas; ii) proporcionar uma melhor compreensão acerca das geociências;
iii) fomentar diversas atividades de lazer e de interpretação (percursos pedestres, geocaching,
passeios de bicicleta, canoagem, escalada, visitas de estudo a centros de interpretação e
museus, entre outras); iv) combater a sazonalidade do turismo (promovendo a visita a
grutas, museus e centros de interpretação aquando de condições atmosféricas adversas, típicas
da época baixa) e v) criar sinergias com empresas de animação turística, restaurantes e
empreendimentos de turismo rural, que, em conjunto, contribuem para o desenvolvimento
do meio rural (Figs. 4 e 5).

Fig. 4 – Percurso pedestre nas cumeeiras das Sete Cidades,


Ilha de São Miguel (Eva Lima).

Fig. 5 – Ribeira do Maloás, Ilha de Santa Maria (Eva Lima).


Os georoteiros criados estão programados para diversas durações temporais, conforme
a disponibilidade do turista (meio dia, um dia ou dois dias) e sugerem: i) rotas a seguir
por diversos geossítios e geopaisagens (com a respetiva explicação e interpretação); ii)
atividades a realizar (canoagem, passeios pedestres, passeios de bicicleta, montanhismo,
310
escalada, desfrutar de banhos termais, entre outras); iii) refeições em restaurantes ou
piqueniques temáticos e iv) visita a algumas infraestruturas culturais. Os georoteiros
poderão ser efetuados autonomamente pelos turistas ou na companhia de um guia.
Com a implementação desses georoteiros pretende‑se que haja um maior número de
visitantes e uma maior permanência nesses meios rurais, maior consumo em restaurantes
e empreendimentos de turismo rural e, ainda, a valorização do património natural e
cultural destes locais. Todos estes fatores irão contribuir para, direta ou indiretamente: i)
uma melhoria de infraestruturas e de serviços; ii) a criação e/ou o aumento de postos de
trabalho; iii) a possibilidade de implementar estratégias para a recuperação e preservação
do ambiente e do património cultural, e iv) o reforço da identidade cultural e o estímulo
à manutenção de atividades económicas tradicionais destas regiões (e.g., agricultura e
artesanato). Todos estes inputs servirão para o desenvolvimento de um produto turístico
que corresponda aos requisitos de um público cada vez mais exigente.

4 – Considerações finais

A forte interligação existente nos Açores entre os vulcões e a sociedade faz com que a
criação dos georoteiros seja essencial para se perceber melhor esta relação entre o Homem
Açoriano e as geociências, em particular a Vulcanologia.
Com esta atividade geoturística pretende‑se promover e valorizar a geodiversidade
existente nos Açores, divulgar as geociências, homenagear o Homem Açoriano, promover
a cultura açoriana, preservar o meio ambiente, melhorar o bem estar das populações e
oferecer um produto turístico único, genuíno, diferenciador e de qualidade, que corres-
ponda às exigências dos geoturistas.

Referências Bibliográficas

FRANÇA, Z., CRUZ, J. V., NUNES J. C., & FORJAZ, V. H. (2003) – Geologia dos Açores: uma perspectiva
actual. Açoreana, 10, p. 11‑140.
LIMA, E. A., NUNES, J. C., COSTA, M. P. & PORTEIRO, A. (2009) – O geoturismo como instrumento de
valorização do “Geoparque Açores” In: Neto de Carvalho, C., Rodrigues, J. & Jacinto, A. (eds.) – Geoturismo
& Desenvolvimento Local/ Geotourism & Local Development. Câmara Municipal de Idanha‑a‑Nova/
Geoparque Naturtejo,Lda, Cap.2, p. 149‑160.
MELO, J., GARCIA P., BRAGA, T. & GOMES, C. (2010) – Roteiros pedestres Santa Maria. In: Amigos
dos Açores (eds.), 54 p.
33
PATRIMÔNIO PALEONTOLÓGICO E GEOCONSERVAÇÃO DA
FORMAÇÃO SANTANA (CRETÁCEO INFERIOR DA BACIA DO
ARARIPE, PERNAMBUCO E PIAUÍ – NORDESTE DO BRASIL)

GEOCONSERVATION AND PALAEONTOLOGICAL HERITAGE


OF SANTANA FORMATION (LOWER CRETACEOUS, ARARIPE
BASIN, PERNAMBUCO E PIAUÍ – NORTHEASTERN BRAZIL)

A. M. F. Barreto1, J. B. R. Brilha 2,
A. M. F. Sales3 & J. A. C. de Almeida4

Resumo – A Formação Santana aflora nos flancos da Chapada do Araripe em três


estados do nordeste brasileiro, no sul do Ceará, oeste de Pernambuco e leste do Piauí. Os
seus fósseis, preservados em concreções, são dos mais importantes do Cretáceo Inferior
do Gondwana. O presente trabalho tem como objetivo apresentar inventário e ações para
a preservação e salvaguarda desse patrimônio nos estados de Pernambuco e Piauí, onde a
formação tem uma espessa camada de gipsita, cuja exploração representa cerca de 85% da
produção brasileira de gesso, subjacente aos estratos com as concreções fossilíferas. Foram
estudados 21 afloramentos fossilíferos, tendo sido 5 selecionados pela relevância científica
e didática. Também foram visitadas 21 empresas de mineração de gipsita para avaliar o
potencial fossilífero e interesse dos empresários em colaborar na preservação desse patrimô-
nio. Quanto as ações de valorização, está sendo elaborado um texto de divulgação para o
público em geral e livro paradidático, simultaneamente com o estabelecimento de um con-
vênio entre a Universidade Federal de Pernambuco e faculdades locais. Propõe‑se, ainda,
o envolvimento da comunidade na doação de fósseis para a criação de museus locais, bem
como a participação do poder público, faculdades, empresários e comércio, no gerencia-
mento e proteção do patrimônio paleontológico.

1
Dep. de Geologia Centro de Tecnologia e Geociências da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil;
[email protected]
2
Centro de Ciências da Terra da Universidade do Minho e Centro de Geologia da Universidade do Porto,
Portugal; [email protected]
3
Dep. Ciências Biológicas da Universidade Regional do Cariri, Ceará, Brasil; [email protected]
4
Dep. Geociências da Universidade Federal da Paraíba, Brasil; [email protected]
Palavras‑chave – Patrimônio fossilífero; Inventário; Ações de proteção; Araripe;
Formação Santana (Brasil)

Abstract – The Santana Formation outcrops on the flanks of the Chapada do Araripe
312
in three states of northeastern Brazil, southern Ceará, west Pernambuco and east Piauí.
Their fossils, preserved in concretions, are the most important of the Lower Cretaceous
of Gondwana. This paper aims to present the inventory and actions for the preservation
and safeguarding of such heritage in the states of Pernambuco and Piauí, where Santana
Formation has a thick layer of gypsum, representing about 85% of the Brazilian production
of gypsum, underlying strata with fossiliferous concretions. Among the 21 studied fossil
outcrops, 5 geosites were selected due to its high scientific and educational importance.
Twenty‑one gypsum mining companies were also visited to assess their potential palaeon‑
tological value and possible involvement of owners in the preservation of this heritage.
Concerning valuation actions, a leaflet alerting for the need to conserve fossils was prepared
for dissemination to the general public, together with a didactical book for schools. The
establishment of a partnership between the Federal University of Pernambuco and local
colleges is also expected to occur. We intend to promote the involvement of the community
donating fossils for the creation of local museums, together with the participation of local
administration, colleges, and businesses, fostering the protection of the palaeontological
heritage.

Keywords – Palaentological heritage; Inventory; Protection actions; Araripe; Santana


Formation (Brazil)

1 – Introdução

A Formação Santana aflora nos flancos da Chapada do Araripe em três estados


do nordeste brasileiro: sul do Ceará, oeste de Pernambuco e leste do Piauí (Fig. 1).
Esta formação apresenta um heterogêneo conjunto de espetaculares rochas fossilíferas
(Lagerstatten) do Cretáceo Inferior (BRITO, 1984; MAISEY, 1991; MARTIL, 2007).
Os seus fósseis preservados em concreções, conhecidos internacionalmente, são dos
mais importantes do Mesozóico do Gondwana e têm contribuído consideravelmente
para o conhecimento e compreensão da paleobiota desse antigo continente (MAISEY,
1991; KELLNER, 2002). No início das pesquisas, as concreções da Formação Santana
ficaram famosas pelos seus fósseis de peixes (ictiólitos, Fig. 2). Mais recentemente, esta
formação é também famosa pela diversidade de dinossauros e pterossauros, quelônia,
entre outros répteis, apresentando excelente estado de preservação, sendo comum serem
observáveis em vários exemplares, esqueletos articulados, tecido muscular, conteúdo
estomacal e tridimensionalidade.
Geologicamente, a Formação Santana representa a evolução tectono‑sedimentar da
bacia do Araripe, durante a fase pós‑rift, associada à formação do Oceano Atlântico.
Segundo ASSINE (2007), compreende da base ao topo o Membro Crato (formado
por calcários lacustres, ricamente fossilíferos de especial interesse para compreensão
da evolução de angiospermas e insetos), Camadas Ipubí (caracterizadas pela ocorrência de
gipsita e anidrita, formada durante a fase transicional evaporítica) e o Membro Romualdo
(composto por calcários, arenitos e argilitos, com concreções calcáreas fossilíferas, for-
mados em ambientes lagunar e marinho, no topo). A parte oeste da bacia, nos estados
de Pernambuco e Piauí, apresenta a maior espessura das Camadas Ipubí e ausência de
afloramentos do Membro Crato, ficando os fósseis restritos aos preservados nas concreções
313
fossilíferas do Membro Romualdo, sensu ASSINE (2007).

Fig. 1 – Localização da área de estudo (adaptado de MARTILL, 2007).

Fig. 2 – Ictiólito, concreção com o peixe fóssil Vintifer comptoni. Coletado em Araripina (PE).
A consagração da importância internacional da Formação Santana devido à ocorrência
de elementos da geodiversidade com elevado valor científico sendo, por isso, considerados
como localidades essenciais para demonstração dos aspectos e estágios chave na evolução
geológica da região, culminou com a criação, no Estado do Ceará, do Geopark Araripe,
314
de valor reconhecido pela UNESCO em 2006. Porém, os outros dois estados que possuem
afloramentos da Formação Santana, necessitam também de estratégias de geoconservação.
As principais ameaças aos fósseis do Araripe são a destruição por desconhecimento do
seu valor e a coleta para guarda em coleções privadas ou para a venda ilegal. A Constituição
Brasileira de 1988 definiu os sítios de valor paleontológico como “Bens da União” e
“Patrimônio Cultural Brasileiro”. A coleta (extração, resgate ou salvamento), transporte
e armazenamento desses fósseis, no território brasileiro, dependem de autorização prévia
e são fiscalizadas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral−DNPM. Sem esta
autorização, o coletor estará a praticar um crime contra o Patrimônio Cultural. Também
não são permitidas a compra e venda, ou qualquer outra atividade comercial (troca,
permuta, escambo) de fósseis oriundos do território brasileiro.
O trabalho apresenta os principais geossítios da porção oeste da bacia, nos estados de
Pernambuco e Piauí, seus valores e propostas de ações que visam a diminuição da perda
deste patrimônio paleontológico e cultural.

2 – Localidades fossilíferas e fósseis da Formação Santana em Pernambuco e Piauí

Nos estados de Pernambuco e Piauí os principais trabalhos relacionados à diversidade


paleobiológica de fósseis devem‑se a BEURLEN (1962, 1963 1964, 1966), seguidos por
MABESOONE & TINOCO (1973), OLIVEIRA et al. (1979) e SANTOS (1982), que
se dedicaram ao estudo de invertebrados marinhos (equinóides irregulares e moluscos
Pteriidae, Isognomonidae, Scalidae, Naticidae). A fauna de peixes foi descrita por SILVA
SANTOS & VALENÇA (1968), SILVA SANTOS (1971), PRICE (1959) e NAISH et
al. (2004), e FILGUEIRAS et al. (2010) publicaram sobre répteis (crocodilo, dinossauro
e quelônia). Os fósseis de restos vegetais (troncos e folhas de Gimnospermas) foram
estudados por DUARTE (1985). Finalmente, os aspectos tafonômicos das concentrações
de conchas e carapaças de invertebrados marinhos foram abordados por SIMÕES et al.
(1995), SALES et al. (1999, 2001) e SALES (2005).
A partir de consulta bibliográfica, investigação na coleção científica do Laboratório
de Paleontologia da Universidade Federal de Pernambuco (PALEOLAB‑DGEO/UFPE)
e pesquisas de campo foram levantadas 21 localidades fossilíferas, onde 42 espécies fósseis
entre vertebrados, invertebrados e plantas ficam registradas nos dois estados. Algumas
localidades já são consagradas na literatura nacional e internacional (Rancharia e Lagoa
de Dentro, PE, Ladeira do Berlenga, PI). Novas localidades também foram levantadas
(Caroá, Hotel Casa de Pedra e Morada Nova). Em Pernambuco, nos municípios de
Araripina, Ipubi e Exú foram identificados, até o momento, 17 sítios fossilíferos: Lagoa
de Dentro, Rancharia, Capim, Enoque, Morada Nova, Antônio Simão, Escorrego, Torre
Grande, Isaques, Canastra, Caroá, Hotel Casa de Pedra, Serra da Pitombeira (Araripina);
Viração, Saudade, José Gomes (Exú), Casa de Pedra (Ipubí). Nos municípios de Fron-
teiras e Marcolândia, Piauí identificou‑se 4 sítios: Ladeira do Berlenga, Pau dos Ferros,
Caboclo (Fronteiras) e Caldeirão Grande (Marcolândia). Todos esses geossítios foram
selecionados tendo em conta o fato de apresentarem elevado valor científico, no que
diz respeito ao conteúdo fossilífero da parte superior da Formação Santana (Membro
Romualdo). Na seleção dos locais, foram tidos em conta critérios como representati-
vidade, raridade, integridade, diversidade. Seguidamente, descrevem‑se sumariamente
315
cinco geossítios considerados como de maior relevância científica, tendo em conta as
ingressões marinhas, mais bem representadas nesta porção oeste da bacia (PE, PI) e os
aspectos de paleobidiversidade.

Geossítio Canastra (PE)


Caracterizado pela ocorrência de Equinóides irregulares (Faujasia araripensis Beurlen,
1963 e Pigurus (Equinopygurus) tinocoi Beurlen, 1963) em bancos calcários. Tem importância
estratigráfica e paleontológica por representar níveis que evidenciam inquestionavelmente
a transgressão marinha na parte superior da Formação Santana, mostrando possível proxi-
midade da conexão de uma laguna com o mar albiano nessa porção sudoeste da bacia.
As carapaças encontram‑se predominantemente inteiras, com características de jazigos
autóctones e paraautóctones preservadas por recristalização e preservação de partes duras.
O geossítio dista cerca de 2 km da cidade de Araripina e tem extensão inferior a 10
hectares, situando‑se na média encosta da Chapada do Araripe. Ictiólitos com Vinctifer e
Tharrias são também observados na porção basal do geossítio.

Geossítio Saúnas (PE)


Melhor exemplo de fauna de invertebrados marinhos com gastrópodes e bivalves,
estes últimos, ainda indeterminados. Os gastrópodes são predominantes e sua diversi-
dade abrange seis famílias: Cerithiidae (Cerithium sp., Hemicerithium sp.), Aporrhaidae
(Aporrhais sp.), Epitoniidae (Epitonium sp., Lunatia sp., Ampulina sp.), Neritidae (Neri‑
toma sp.), Naticidae (Natica sp., Polinices sp.), Scalidae (Scala sp., Turiscala sp.). Também
tem importância estratigráfica e paleontológica por representar influência marinha na
parte superior da Formação Santana. Os fósseis de bivalves e gastrópodes encontram‑se
na forma de preservação parcial, moldes e recristalização. A identificação taxonômica,
no momento, é conhecida ao nível de gênero ou de família, carecendo de mais estudos
sistemáticos. O geossítio situa‑se na média encosta e está relacionado com relevos ruini-
foirmes (pináculos) da Chapada do Araripe. Tem uma extensão entre 1 e 10 hectares e
dista cerca de 3 km de Araripina.

Geossítio Torre Grande (PE)


Geossítio que se destaca pela presença de gastrópodes marinhos Naticidae com maiores
tamanhos (chegando a 10cm) e Epitoniidae e equinóides (Faujasia). O afloramento necessita
de mais estudos paleontológicos e estratigráficos. A preservação dos fósseis se deu por
recristalização, moldes e preservação de partes duras. O geossítio localiza‑se também na
média encosta da Chapada, onde são observadas na paisagem grandes mesetas (torres) de
arenito, e tem uma extensão entre 10 e 100 hectares. Ictiólitos são ainda observados na
porção basal da seção do geossítio.

Geossítio Lagoa de Dentro (PE)


Geossítio que se destaca pela excelente preservação de diversificada fauna de peixes em
Ictiólitos, com predominância de Vinctifer comptoni (Fig. 2), Rhacolepis bucalis, Tharrias,
Calamopleurus cylindricus, Brannerion cladocyclus, Enneles audax, Neoproscinetes, Paraelops,
Araripelepdotes e Rhinobatos beurlerni (Peixe cartilginoso, Raia). Alguns fósseis de peixes
apresentam grande dimensão, como um crânio de Cladocyclus com cerca de 15 cm.
Há relatos de moradores de que há ocorrências de caranguejos, tartarugas e crocodilos.
316
Porém não sabem informar onde estão os exemplares, tendo sido possivelmente coleciona-
dos por particulares ou comercializados. O geossítio encontra‑se na média a baixa encosta
da Chapada e tem extensão entre 10 e 100 hectares, a cerca de 10 km de Araripina.

Geossítio Ladeira do Berlenga (PI)


Este geossítio apresenta excelente preservação de fauna de peixes (Vinctifer comptoni,
Tharrias, Rhacolepis bucalis, Cladocyclus) e répteis (corcodilo Araripesuchus gomesi, primeiro
registro para a formação) em concreções. Invertebrados marinhos (gastrópodes Cerithi-
dae, Cerithium, e bivalves Plicatulidae, Plicatula) são observados em camada de calcário
no topo do geossítio que se localiza na média encosta da Chapada, com uma extensão
entre 10 e 100 hectares, a cerca de 30 km de Fronteiras (PI) e 30 km de Araripina (PE).
Este geossítio é o que apresenta maior paleodiversidade de vertebrados.

3 – Mineração de Gipsita

A região conta com 39 áreas de extração a céu aberto de gipsita (Camadas Ipubí) que
produzem 600 mil toneladas de gesso por ano, responsável por mais de 85% da produção
brasileira. O chamado “pólo gesseiro do Araripe” gera cerca de 13.000 empregos diretos na
região e mais de 60.000 indiretos (SINDUGESSO, 2012). Para a extração da gipsita, que
tem em média 20 metros de espessura, é necessário o desmonte de cerca de 10 a 25 me-
tros de calcários e concreções fossilíferas do Membro Romualdo, ficando assim expostos,
rochas e fósseis, pela extração da gipsita, favorecendo a descoberta de novos achados, ao
mesmo tempo em que os torna vulneráveis (Fig. 3).
Com o intuito de identificar o potencial fossilífero das mineradoras da região e o
interesse das empresas em apoiar a preservação deste patrimônio natural foi realizada
uma pesquisa em 21 empresas de mineração dos municípios de Araripina (10), Ipubí (7)
e Trindade (4), que representa mais de 50% das empresas em funcionamento.
Em todas as pedreiras encontram‑se níveis com concreções fossilíferas, que ficam
expostas durante o processo de decapeamento (retirada do ‘estéril’ para a extração do
minério). Enquanto as empresas maiores realizam o decapeamento todos os meses do
ano, empresas menores apenas o fazem durante quatro a seis meses por ano.
A análise dos inquéritos feitos às empresas de mineração revela que quase todas
(95%) reconhecem o valor do patrimônio que existe nas rochas com que trabalham, e
sabem que existem leis para sua proteção. Porém, referem que não têm condições para
fazer um monitoramento e resgate dos fósseis sem interferir na produção. A escavação
mecanizada não permite a separação e coleta de fósseis devido ao seu pequeno tamanho
e quantidade relativamente grande de concreções. Acresce‑se o fato de que nem todas
as concreções são fossilíferas, muito embora a maioria seja, para além de ser necessário
quebrar a rocha para verificar da ocorrência de um fóssil no seu interior.
A maioria das empresas de mineração consultadas (85%) afirmou que, caso houvesse um
museu na cidade, doaria fósseis eventualmente recuperados das frentes de lavra, desde que o
nome do doador (ou nome da empresa de mineração) ficasse registrado junto ao fóssil.
Membro Romualdo (rejeito) 317

Níveis com concreções

Membro Romualdo

Camadas Ipubí (gipsita)

Fig. 3 – Frente de uma lavra de gipsita expondo níveis com


concreções nas rochas acima da gipsita e o rejeito.

Ainda 90% das mineradoras estão de acordo que, caso haja algum incentivo do poder
público (redução de impostos, premiação por boas práticas de preservação do patrimônio
natural, etc.) e colaboração de técnicos, poderiam contribuir para o resgate, pelo menos, de
parte do patrimônio. Duas mineradoras disseram que se fosse possível vender os fósseis, eles
investiriam no seu resgate.
Quanto ao destino dos fósseis eventualmente encontrados durante a atividade mi-
neira, metade das empresas reconheceu que os doava para terceiros (escolas, faculdades,
amigos que têm coleção em casa ou parentes) e cerca de 50% referiu que iam para o rejeito.
Cinco pessoas comentaram que, no passado, carregavam caminhões com concreções com
destino para São Paulo.
Com esta pesquisa junto às empresas mineradoras, fica claro que qualquer estratégia
de geoconservação tem obrigatoriamente de integrar ações junto das mesmas. Lembra‑se
aqui que, segundo SINDUGESSO (2012), a exploração de gipsita deverá se estender por
mais 600 anos.

4 – Ações ligadas à valorização e divulgação do patrimônio

Após o reconhecimento do valor científico deste patrimônio paleontológico, iniciou‑se a


tomada de ações para informar e sensibilizar a comunidade e o poder público local (prefeitu-
ras municipais). Está sendo elaborado um folheto de divulgação dirigido ao público em geral
e um livro paradidático para professores das escolas de ensino fundamental e médio, assim
como está em preparação um curso de capacitação para estes professores. O texto de divulga-
ção conta com o apoio do órgão público responsável pela proteção do patrimônio fossilífero
brasileiro – Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) – e da Pró‑Reitoria
318
de Extensão da Universidade Federal de Pernambuco (PROEXT‑UFPE). Pretende‑se, igual-
mente, incentivar a comunidade para a doação de fósseis já adquiridos com vista à criação de
museus locais. Está se firmando um convênio entre a Universidade Federal de Pernambuco
e faculdades locais (Araripina) para a capacitação de professores e colaboração na orientação
dos trabalhos sobre o patrimônio paleontológico do Araripe.
Entende‑se que os museus paleontológicos devem ser criados nas próprias cidades que
têm seu patrimônio, com o envolvimento e participação da comunidade, para educação,
conscientização e lazer da sociedade. Permanecendo na região, devidamente catalogados,
em especial com as informações relativas a local de coleta, coletor ou doador, e expostos
em museus, o patrimônio fossilífero pode se transformar em orgulho da população local
e fonte de atração de turistas e, consequentemente, com potencial de desenvolver econo-
micamente a região.

5 – Considerações finais

Após a tomada de conhecimento da existência do patrimônio, a criação de museus


locais deve ser um excelente ponto de partida para atenuar as principais ameaças que
os fósseis do Araripe estão sujeitos, fora da área de abrangência do Geopark Araripe,
que atua somente no território do Estado do Ceará. O atual quadro de desconhe-
cimento do seu valor pela maioria da população, a existência de coleções privadas e
a venda ilegal de fósseis, pode ser alterado, passando a gerar, além de um motivo de
orgulho, possivelmente, mais uma fonte de renda para a população local, ao mesmo
tempo em que contribuirá com a pesquisa, na descoberta de novas espécies fósseis e
com a sua permanência na própria região.
Para que haja sucesso no empreendimento, os órgãos governamentais federais (DNPM) e lo-
cais (prefeituras), pesquisadores (as universidades), os empresários, o comércio e a população em
geral precisam trabalhar em conjunto, no sentido de proteger e gerenciar o patrimônio local.

Agradecimentos – Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico


e Tecnológico do Brasil/CNPq, pelo suporte financeiro através dos processos 407148/2010‑3 e
201716/2010‑0, ao Departamento Nacional de Produção Mineral‑DNPM e ao Sindicato da In-
dústria do Gesso de Pernambuco/SINDUGESSO, pelo apoio no desenvolvimento da pesquisa.

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34
EFEITOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA MINERAÇÃO
EM SÃO JOSÉ DE ITABORAÍ – ITABORAÍ
(ESTADO DO RIO DE JANEIRO, BRASIL)

POSITIVE AND NEGATIVE EFFECTS OF MINERAL


EXPLOTATION IN SÃO JOSÉ DE ITABORAÍ – ITABORAÍ
(RIO DE JANEIRO STATE, BRAZIL)

W. F. S. Santos1 & I. S. Carvalho1

Resumo – De 1933 a 1984, a Companhia Nacional de Cimento Portland Mauá ex-


plorou economicamente as rochas calcárias da bacia sedimentar de São José de Itaboraí,
acarretando efeitos positivos e negativos na localidade. Assim, buscou‑se analisar, por
meio de entrevistas, a percepção da população local dos efeitos da mineração, para que
se possa interpretar a influência desta atividade na região. Os entrevistados comentaram que
durante o funcionamento da mineradora, existiam empregos, infraestrutura e um comércio
bastante ativo em São José de Itaboraí. Na época o local era mais povoado, com diferentes
atrativos e entretenimentos. Por outro lado, com o término da mineração em 1984, a locali-
dade entrou em decadência socioeconômica. Além disso, com o fim desta atividade, um lago
foi formado na cava deixada pela empresa mineradora, que atualmente serve de abastecimen-
to de água para a população. Em relação aos aspectos científicos, a mineração contribuiu para
a descoberta de fósseis de invertebrados e vertebrados nas rochas calcárias, com destaque para
os mamíferos do Paleoceno tardio (57 Ma). Devido ao esforço da comunidade científica, foi
criado em 1995 o Parque Paleontológico de São José de Itaboraí, com o intuito de preservar
os testemunhos da geologia e os fósseis remanescentes nestas rochas. Atualmente, o parque
passa por um processo de revitalização, podendo gerar um novo impulso social e econômico
em São José de Itaboraí, através da intensificação do geoturismo. No entanto, verificou‑se
que a questão histórico‑cultural da região, voltada para a mineração, é mais bem apreendida
do que os aspectos geológicos e paleontológicos.

Palavras‑chave – Mineração; Impactos ambientais; Desenvolvimento socioeconômico

1
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, Instituto de
Geociências, Departamento de Geologia. Av. Athos da Silveira Ramos, 274. Bloco F. 21941‑916, Cidade
Universitária, Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; [email protected]; [email protected]
Abstract – From 1933 to 1984, the Companhia Nacional de Cimento Portland Mauá
exploited economically limestone rocks of São José de Itaboraí sedimentary basin, resulting
in positive and negative effects for the locality. This study analyze, through interviews, the
public understanding of the mineral exploitation effects, so that we can assess the influence
322
of this activity in the region. During the mining operation, there were jobs, infrastructure
and an active trade in São José de Itaboraí. The place was more populated, with different
attractions and entertainments. However, the participants mentioned that with the company
shut down in 1984, the town fell into socioeconomic decay. Besides, with the end of this
activity, a lake was formed in the excavated left by the mining company, which currently
serves as water supply for the population. Regarding the scientific aspects, the mineral ex‑
ploitation contributed to the discovery of vertebrates and invertebrates fossils in calcareous
rocks, specially the late Paleocene mammals of about 57 Ma. Due to the efforts of the
scientific community the Parque Paleontológico de São José de Itaboraí was created in
1995, with the aim of preserve the testimonies of geology and fossil remains in these rocks.
Currently, the park is going through a revitalization process, which can generate a new
social and economic impulse in São José de Itaboraí, through the geotourism. However, it
was found that the historical‑cultural question of the region is better understood than the
geological and paleontological aspects.

Keywords – Mineral exploitation; Environmental impacts; Socioeconomic development

1 – Introdução

São José de Itaboraí é um bairro rural do 6° Distrito do município de Itaboraí,


que possui uma população de aproximadamente 2.500 habitantes. No local existia
uma pequena bacia sedimentar, descoberta em 1928 pelo engenheiro Carlos Euler,
que verificou a presença de calcário na Fazenda São José, de propriedade de Ernesto
Coube (Fig. 1). Estudos de campo e análises químicas evidenciaram o potencial do
calcário para a fabricação de cimento do tipo Portland. Contudo, durante os estudos
na bacia, os professores Rui Lima e Silva e Othon H. Leonardos da Universidade do
Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, encontraram dezenas de fósseis
de gastrópodes continentais, despertando o interesse científico na região. Assim sendo,
de 1933 a 1984, a Companhia Nacional de Cimento Portland Mauá explorou a bacia
sedimentar (Fig. 2A), e o cimento produzido propiciou a construção de dois grandes
empreendimentos brasileiros, como o estádio de futebol Mário Filho (Maracanã) (Fig.
2B) e a ponte expressa Presidente Costa e Silva, que liga o Rio de Janeiro à cidade de
Niterói (Fig. 2C). Em relação aos estudos científicos, a atividade mineradora contri-
buiu com a descoberta de diversos fósseis, como os gastrópodes, mamíferos, anfíbios,
répteis, aves, alguns vegetais, palinomorfos e ostracodes (BERGQVIST et al., 2006).
No local existem também vestígios, principalmente artefatos líticos, do homem pré‑históri-
co datados de 8.100 ± 75 AP (BELTR ÃO, 2000).
Com o aprofundamento das escavações, tornou‑se necessária a drenagem da água que
passou a se acumular no fundo da bacia. No entanto, no ano de 1984, a atividade extrativa
foi paralisada, pois não era mais economicamente rentável para a Companhia Nacional de
Cimento Portland Mauá e a drenagem foi interrompida. Isso acarretou, com o passar do
tempo, na formação de um lago na depressão de cerca de 70 m, deixada pela extração de
calcário, que hoje impossibilita novas coletas e estudos geológicos, pois os afloramentos que
restaram encontram‑se inundados ou cobertos pela vegetação e rejeitos (Fig. 3A). Por outro
lado, a degradação ambiental gerada pela empresa mineradora, teve um lado positivo, pois
o lago que se formou na cava pela água subterrânea e da chuva é atualmente utilizado para 323
abastecer as comunidades do entorno, sendo gerenciado pela COOPERÁGUA (cooperativa
local sem fins lucrativos), por concessão da prefeitura de Itaboraí (BERGQVIST et al., 2006).

Fig. 1 – Localização da Bacia de São José de Itaboraí. Imagem obtida do satélite Landsat (2007).

Fig. 2 – A mineração em São José de Itaboraí. A. Máquina utilizada na exploração do calcário


da Bacia de São José de Itaboraí (BERGQVIST et al., 2006); B. O “Maracanã” foi construído
com cimento proveniente da Bacia de São José de Itaboraí; C. A “Ponte Rio‑Niterói”
também foi construída com cimento da Bacia de São José de Itaboraí.
Em relação aos aspectos sociais e econômicos de São José de Itaboraí, com o fim da
mineração, o lugar entrou em decadência ficando praticamente abandonado. Contudo,
devido ao esforço de muitos pesquisadores, na área onde se encontra a bacia sedimentar
foi criado em 12 de dezembro de 1995 o Parque Paleontológico de São José de Itaboraí,
324 tornando‑se área de preservação permanente (APP) do município de Itaboraí. O intui-
to é de preservar os testemunhos da geologia e os fósseis remanescentes nestas rochas,
bem como possibilitar o acesso destes acervos aos visitantes. Atualmente, a instituição
passa por um processo de revitalização, o que inclui a reforma do Centro de Referência
Ambiental, Paleontológico e Arqueológico da área, com investimentos da Petrobras e do
Instituto Virtual de Paleontologia (Fig. 3B). Esta atitude poderá gerar um novo impulso
socioeconômico em São José de Itaboraí, através da intensificação da atividade geoturística
(SANTOS, 2010).
SANTOS & CARVALHO (2011) realizaram entrevistas com a população de São
José de Itaboraí buscando entender a percepção que possuem do parque paleontológico.
Verificaram que os entrevistados conhecem o parque paleontológico, a maioria já o visitou,
entretanto, não se sentem convidados a participar dos projetos da instituição. Acreditam
que o local está abandonado, pois é carente em atrativos e infraestrutura de atendimento
aos visitantes. Devido à demora na efetivação das propostas de revitalização, os habitantes
locais encontram‑se desconfiados dos interesses dos responsáveis pelo parque. Além disso,
comentaram que a população não se interessa pela temática e a maioria não participa
da preservação local. Isso nos mostra a necessidade de conscientização local em relação
ao patrimônio. Assim, chegou‑se a conclusão que as estratégias de geoconservação do
patrimônio geológico de São José de Itaboraí (conservação, valorização e divulgação) não
estão sendo eficientes para a sensibilização dos moradores locais e proteção do geossítio.

Fig. 3 – Parque Paleontológico de São José de Itaboraí. A. Bacia de São José de Itaboraí com o Morro
da Dinamite ao fundo, local onde foram encontrados vestígios arqueológicos. Com o fim da extração
de calcário formou‑se um lago na área (junho, 2011). B. Sede do Centro de Referência Ambiental,
Paleontológico e Arqueológico do Parque Paleontológico de São José de Itaboraí, que expõe
rochas, fósseis, artefatos líticos e réplicas de animais pré‑históricos (junho, 2011).

Nesse contexto, buscou‑se analisar a percepção da população de São José de Itaboraí


dos efeitos positivos e negativos da mineração, para que se possa interpretar a influência
social e econômica desta atividade na localidade e, assim, verificar a possibilidade de
interligar os aspectos histórico‑culturais aos científicos do lugar, e utilizá‑los para o geo-
turismo e criação de identidade da população com os projetos do parque paleontológico.
O estudo possui utilização em projetos de planejamento e ordenamento do território de
São José de Itaboraí.

325
2 – Metodologia

Entre os dias 19 e 27 de janeiro de 2009 foram realizadas 100 entrevistas com abor-
dagens diretas e de maneira aleatória com os moradores de São José de Itaboraí, além de
pessoas que possuíam vínculos empregatícios, familiares ou afetivos com o bairro. Foi
elaborado um questionário com perguntas pré‑estabelecidas e temas voltados aos aspectos
positivos e negativos da mineração na localidade, buscando uma análise quantitativa e
qualitativa dos dados. As entrevistas davam‑se pela visita às casas, comércios e abordagens
a transeuntes, geralmente na região central do lugar.
Inicialmente, os entrevistados foram questionados se recordavam da antiga atividade
econômica existente em São José de Itaboraí antes da criação do parque paleontológico,
calcada na mineração realizada pela Companhia Nacional de Cimento Portland Mauá.
Posteriormente, foram indagados se a mineração acarretou efeitos positivos ou negativos
na localidade. Por fim, perguntaram‑se quais efeitos foram gerados na região com a
atividade mineradora (Tabela 1).

Tabela 1 – Roteiro de entrevistas que busca o entendimento da população de São José de Itaboraí acerca
do passado econômico local e sobre os efeitos positivos e negativos da atividade mineradora no lugar.

EFEITOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA MINERAÇÃO

1 Qual atividade econômica existia em São José de Itaboraí antes da criação do parque paleontológico?

2 Esta prática ocasionou efeitos positivos ou negativos para a localidade? Quais são estes efeitos?

3 – Perfil dos entrevistados

Dentre os 100 entrevistados 50% eram do sexo masculino e 50% do sexo feminino.
A faixa etária destes indivíduos variou de 15 a acima de 70 anos, possibilitando a opinião
de pessoas com diferentes estilos de vida e percepções sobre o espaço geográfico de São
José de Itaboraí. Analisou‑se que o nível de escolaridade dos participantes é baixo e a
população local possui um reduzido poder econômico. Verificou‑se que 85% dos entre-
vistados residem em São José de Itaboraí e o restante em São Gonçalo, Cabuçu (bairro
vizinho), centro de Itaboraí, Niterói e Maricá.

4 – Antiga atividade econômica de São José de Itaboraí

Procurou‑se avaliar se os entrevistados sabiam sobre a antiga atividade econômica


existente em São José de Itaboraí antes da criação do parque paleontológico. A intenção
era que os participantes da pesquisa recordassem da mineração, já que esta atividade
perdurou durante cerca de 50 anos na região. Porém, algumas outras atividades econô-
micas foram lembradas. Assim, 80% dos entrevistados recordaram da mineração como a
antiga atividade econômica existente em São José de Itaboraí, antes da criação do parque
326
paleontológico, e 15% não souberam responder a esta indagação (Fig. 4).

Fig. 4 – Resultado da pesquisa que analisa se a população de São José de Itaboraí lembra da
antiga atividade econômica existente na localidade antes da criação do parque
paleontológico. Universo de 100 entrevistados (19/01/09 a 27/01/09).

Prosseguindo na análise da Fig. 4, repara‑se que 2% dos participantes lembraram da


fábrica de sapatos que existia no interior do parque, antes da criação da instituição e que
atualmente não mais existe. Um total de 1% dos entrevistados disse que a antiga ativida-
de econômica de São José de Itaboraí era uma escola agrícola, que realmente funcionou
no interior do parque, mas, de acordo com SOUZA (2009), foi transferida para um
CIEP (Centro Integrado de Escolas Públicas) fora de São José de Itaboraí. Apenas 1%
dos entrevistados relembrou do “pesque e pague” existente no interior do parque, como
uma antiga atividade econômica do local. Com a formação da lagoa após o fim da mine-
ração, foi inserido um cardume de peixes no local, que se proliferou e, a lagoa passou a
ser utilizada como “pesque e pague”. Entretanto, com a diminuição da lâmina d’água e,
devido aos acidentes com afogamentos que ocorreram na localidade, esta atividade não
está sendo mais realizada.
Durante muitos anos o município de Itaboraí foi conhecido como a cidade da laranja,
em decorrência das diversas fazendas de plantações de laranja que havia na região, e 1%
dos entrevistados lembraram desta atividade econômica, como existente em São José de
Itaboraí, antes da criação do parque paleontológico (Fig. 4). Os entrevistados relembraram,
também, que esta atividade não mais existe, em grande escala, devido a uma praga que
decaiu sobre as plantações.

5 – Efeitos positivos e negativos da mineração

Analisando a Fig. 5, verifica‑se que, 60% dos 80 entrevistados creem que a minera-
ção só acarretou efeitos positivos, enquanto apenas 3,75% entendem que esta atividade
acarretou efeitos somente negativos. No entanto, percebe‑se uma boa porcentagem dos par-
ticipantes da pesquisa (26,25%) acreditando que a mineração trouxe efeitos, tanto positivos,
quanto negativos para o lugar. Dez porcento não souberam responder a esta questão.
327

Fig. 5 – Resultado do estudo que averigua junto à população de São José de Itaboraí os efeitos
da atividade mineradora na localidade. Universo de 80 entrevistados (19/01/09 a 27/01/09).

5.1 – Efeitos positivos da mineração

A Fig. 6 apresenta 143 citações de efeitos positivos da mineração em São José de


Itaboraí abordadas por 69 entrevistados. Um total de 41,9% das 143 citações referiu‑se
a existência de mais empregos e melhor distribuição da renda na localidade durante o fun-
cionamento da mineração. Os participantes da pesquisa comentaram que os funcionários
da companhia mineradora recebiam bons salários e prêmios por bom desempenho no
trabalho e muitos se aposentaram pela empresa.
Um total de 25,9% das 143 citações referiu‑se à existência de uma boa infraestrutura
em São José de Itaboraí durante o período de funcionamento da atividade mineradora
(1933 a 1984) (Fig. 6). Os entrevistados comentaram que existiam moradias de qualidade
para os funcionários da empresa mineradora, além de escolas, clube com quadra poliespor-
tiva, áreas de lazer, posto de saúde 24 horas, com enfermaria e quantidade significativa de
médicos e dentistas, campo de futebol (que existe até hoje), iluminação pública adequada,
transporte público eficiente e estradas não asfaltadas, mas em ótimas condições.
Um fato curioso é que 8,4% das 143 citações dos 69 entrevistados consideraram “a
lagoa” como um efeito positivo da atividade mineradora. A população possui identidade
com a lagoa, já que atualmente abastece São José de Itaboraí e comunidades do entorno.
Um total de 7,7% das 143 citações indicou que São José de Itaboraí possuía um comércio
bastante ativo durante a fase da mineração. A percepção de que o bairro era mais povoado
na época da mineração é uma opinião compartilhada em 7% das 143 citações (Fig. 6).
Avançando na interpretação da Fig. 6, verifica‑se que 6,3% das 143 citações abordaram
a presença de diferentes atrativos/entretenimentos em São José de Itaboraí, como por exem-
plo, teatro, shows, festas e cinema no período de funcionamento da Companhia Nacional
de Cimento Portland Mauá. O tópico “outros” obteve 2,8% das 143 citações, e abrange
as citações que não se encaixaram nos tópicos anteriores, como por exemplo, a existência
de cursos de capacitação de funcionários para exercer cargos na empresa mineradora, bem
como a presença de igrejas católicas e de uma estação de trem no tempo da mineração.
328

Fig. 6 – Relação de opiniões da população de São José de Itaboraí sobre os efeitos positivos da
mineração na localidade. Universo de 143 citações de 69 entrevistados (19/01/09 a 27/01/09).

5.2 – Efeitos negativos da mineração

A Fig. 7 apresenta 42 citações de efeitos negativos da mineração feitas por 24 entre-


vistados. Um total de 69% das 42 citações destaca os efeitos ligados ao fim da atividade
mineradora. De maneira geral, os entrevistados acreditam que com o fim da mineração,
São José de Itaboraí ficou abandonado e praticamente “faliu”, tornando‑se decadente, o
que gerou desemprego e migração de muitos moradores para outras regiões. As casas que
foram construídas para servirem de residência aos funcionários da empresa mineradora
foram demolidas, a infraestrutura foi retirada, a ferrovia que era responsável pelo trans-
porte do calcário minerado para a fábrica de cimento em Guaxindiba (São Gonçalo) foi
desativada (ramal da Estrada de Ferro Leopoldina) e o comércio diminuiu vertiginosa-
mente. Os participantes comentaram que faltou apoio político com o fim da mineração,
acarretando ausência de expectativas de crescimento social e econômico para o lugar.
Um total de 26,2% das 42 citações foi relacionado aos efeitos ambientais ocorridos
em São José de Itaborai durante o funcionamento da mineração (Fig. 7). Entre eles,
tem‑se a descaracterização da paisagem e poluição sonora causada pela utilização de
bombas para a mineração do calcário, que gerava também rachaduras nas casas devido
às explosões, além de poluição do ar (moagem do calcário). Outros aspectos negativos
foram o desmatamento, o esgotamento dos recursos minerais; este último, de certa
forma, revolta a população, pois comentaram que a mineradora utilizou as riquezas
naturais e, com o fim dos recursos minerais, abandonou a região, levando consigo todas
as melhorias e não realizando nenhum projeto de reabilitação da área. Os entrevistados
lembraram também da formação da cratera e afloramento do lençol freático que gerou a
lagoa, como efeitos negativos da mineração, mostrando que nem todos possuem a per-
cepção da lagoa como um aspecto positivo. Para finalizar, 4,8% das 42 citações focaram
na morte de funcionários da empresa mineradora durante a jornada de trabalho como
efeitos negativos da mineração.

329

Fig. 7 – Relação de opiniões da população de São José de Itaboraí sobre os efeitos negativos da
mineração na localidade. Universo de 42 citações de 24 entrevistados (19/01/09 a 27/01/09).

6 – Conclusões

Nesse contexto, percebe‑se que a Companhia Nacional de Cimento Portland Mauá


realizava, durante o seu funcionamento (1933 a 1984), o papel do Estado em São José
de Itaboraí, pois financiava a infraestrutura e os entretenimentos, além de gerar emprego
para os moradores locais. Assim, o passado histórico da localidade calcado na mineração
ainda é muito forte no imaginário popular, e possui um apelo muito maior do que os
aspectos paleontológicos. Nesse sentido, pode‑se concluir que a revitalização do Parque
Paleontológico de São José de Itaboraí só acarretará um novo impulso social e econômico
no lugar, por meio do geoturismo, se as questões histórico‑culturais locais forem mais bem
exploradas, no intuito de fazer com que a população crie identidade com o projeto.

Agradecimentos – À população de São José de Itaboraí pela receptividade e contribui-


ções que possibilitaram a realização da pesquisa. À Lucas Balsini Garcindo e Rafael Matos
Lindoso pela ajuda na elaboração das ilustrações. Apoio do CNPq, CAPES e FAPERJ.

Referências Bibliográficas

BELTR ÃO, M. C. M. C. (2000) – Ensaio de Arqueogeologia. Rio de Janeiro: Zit Gráfica e Editora Ltda.
168 p.
BERGQVIST, L. P., MOREIR A, A. L. & PINTO, D. R. (2006) – Bacia de São José de Itaboraí 75 anos de
História e Ciência. Rio de Janeiro, Serviço Geológico do Brasil – CPRM. 81 p.
SANTOS, W. F. S. (2010) – Diagnóstico para o uso geoturístico do patrimônio geológico de São José de
Itaboraí – Itaboraí (Estado do Rio de Janeiro): subsídio às estratégias de geoconservação. Programa de
Pós‑Graduação em Geologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Dissertação de Mestrado, 252 p.
SANTOS, W. F. S. & CARVALHO, I. S. (2011) – Propostas Para a Preservação do Parque Paleontológico de
São José de Itaboraí (Brasil) a Partir da Percepção Populacional. Anuário do Instituto de Geociências, 34,
p. 24‑37.
SOUZA, A. R. (2009) – Geoconservação e Musealização: a aproximação entre duas visões de mundo. Os múl-
330 tiplos olhares para um patrimônio. Programa de Pós‑graduação em Museologia e Patrimônio, UNIRIO/
MAST, Dissertação de Mestrado, 155 p.
35
PARQUE PALEONTOLÓGICO DE SÃO JOSÉ DE ITABORAÍ (BRASIL):
PROPOSTAS PARA A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO
A PARTIR DAS OPINIÕES DA POPULAÇÃO DE CABUÇU

SÃO JOSÉ DE ITABORAÍ PALEONTOLOGICAL PARK (BRAZIL):


PROPOSALS FOR THE HERITAGE PRESERVATION
BASED ON THE OPINIONS OF CABUÇU POPULATION

W. F. S. Santos1 & I. S. Carvalho1

Resumo – Para que ocorra o desenvolvimento do geoturismo torna‑se essencial o


envolvimento das comunidades locais na gestão do espaço delimitado. Nesse contexto
realizaram‑se entrevistas com a população do bairro Cabuçu, localizado no município
de Itaboraí (Estado do Rio de Janeiro, Brasil), buscando a percepção que possuem do
Parque Paleontológico de São José de Itaboraí. De maneira geral, os entrevistados co-
mentaram que conhecem o parque, a maioria já o visitou, mas estão descrentes do proje-
to de revitalização da instituição devido à demora na sua concretização. Consideram que
o local está abandonado, sendo carente em atrativos e infraestrutura de atendimento aos
visitantes. Confiam que o parque é importante por tratar‑se de um atrativo turístico que
pode gerar emprego, renda e infraestrutura para a região e, também, para a pesquisa e
difusão do conhecimento científico. Comentaram que a população de Cabuçu não par-
ticipa da preservação do parque paleontológico por falta de convites e por não saberem
a importância do patrimônio. Podem contribuir com a preservação da área por meio da
divulgação e respeito às normas da instituição e acreditam que, para melhorar e divulgar
o parque paleontológico, torna‑se necessário o avanço da infraestrutura do local. Este
estudo possui utilização em estratégias de geoconservação e musealização do patrimônio
geológico, em medidas para atender ao geoturismo e populações locais e em programas
de educação popular.

Palavras‑chave – Parque Paleontológico de São José de Itaboraí; Patrimônio geológico;


Estratégias de geoconservação; Geoturismo

1
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, Instituto de
Geociências, Departamento de Geologia. Av. Athos da Silveira Ramos, 274. Bloco F. 21941‑916, Cidade
Universitária, Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; [email protected]; [email protected]
Abstract – For the development of geotourism is essential to involve local communities in
managing the geotouristic space. In this context were held interviews with the population of
the Cabuçu district, located in Itaboraí (Rio de Janeiro State, Brazil), seeking the perception
they have of São José de Itaboraí Paleontological Park. In general, the participants commen‑
332
ted that they know the park; most have already visited, but are skeptical about the project
to revitalize the institution due to delays in its implementation. They believe that the site is
abandoned and is lacking in attractions and infrastructure services to visitors. The popula‑
tion trusts that the park is important because it is a tourist attraction that can generate em‑
ployment, income and infrastructure for the region and also for research and dissemination
of scientific knowledge. They commented that the Cabuçu population is not involved in the
preservation of the paleontological park for lack of invitations and not knowing the impor‑
tance of heritage. They consider that their contribution to the preservation of the area could
be carried out through the promotion and respect for the norms of the institution and believe
that to improve and disseminate the paleontological park it is necessary the advancement of
the local infrastructure. This study can be used in the implementation of musealization and
geoconservation strategies of the geological heritage, in the adoption of measures to attend
geotourism and local populations and in the development of popular education programs.

Keywords – São José de Itaboraí Paleontological Park; Geological heritage; Geoconservation


strategies; Geotourism

1 – Introdução

Cabuçu é a sede do 6° distrito do município de Itaboraí (Estado do Rio de Janeiro,


Brasil) e possui uma população de aproximadamente 7500 habitantes. Vizinho a esta
localidade encontra‑se o bairro de São José de Itaboraí, onde ocorre uma pequena bacia
sedimentar de 1400 m de comprimento por 500 m de largura, preenchida por rochas
calcárias ricas em fósseis de invertebrados e vertebrados, com destaque para os mamífe-
ros do Paleoceno tardio, com aproximadamente 57 Ma (Fig. 1). No lugar existem tam-
bém artefatos líticos do homem pré‑histórico datados de 8100 ± 75 AP (BELTR ÃO,
2000). De 1933 a 1984 estas rochas foram exploradas economicamente pela Companhia
Nacional de Cimento Portland Mauá, sendo responsável pela descoberta dos fósseis, ur-
banização e geração de empregos na área. No entanto, com o fim da mineração a região
entrou em um processo de decadência socioeconômica e um lago se formou na depressão
deixada com o fim da mineração, que dificulta os estudos científicos, mas abastece de
água os moradores da região (fig. 2A) (BERGQVIST et al., 2006; SANTOS, 2010).
Com o objetivo de conservar o patrimônio geológico da região foi criado em 1995
o Parque Paleontológico de São José de Itaboraí nas antigas instalações da companhia
mineradora (Fig. 2B). Atualmente, a instituição passa por um processo de revitalização,
com apoio do Instituto Virtual de Paleontologia e da Petrobras, e está prevista a reforma
do Centro de Referência Ambiental, Paleontológico e Arqueológico da área (centro
cultural), com a construção de laboratórios de informática, salas de vídeo, laboratório
de preparação de fósseis e um museu paleontológico (VELLOSO & ALMEIDA, 2006).
Estas modificações poderão acarretar um novo impulso socioeconômico na região, através
da intensificação do geoturismo.
333

Fig. 1 – Localização da Bacia de São José de Itaboraí e de Cabuçu, bairro do 6° distrito de Itaboraí
(Estado do Rio de Janeiro, Brasil). Imagem obtida do satélite Landsat (2007) e Google Earth (2010).

Fig. 2 – Parque Paleontológico de São José de Itaboraí. A. Bacia de São José de Itaboraí, com o Morro da
Dinamite ao fundo, local onde foram encontrados vestígios do homem pré‑histórico. Note o lago formado com
o fim da mineração (junho, 2011). B. Entrada do Parque Paleontológico de São José de Itaboraí (junho, 2011).

Nesse contexto, buscou‑se analisar a percepção que a população de Cabuçu possui


em relação ao Parque Paleontológico de São José de Itaboraí, já que é um bairro vizinho
a São José e também poderá ser influenciado social e economicamente pela atividade
geoturística. A pesquisa possui utilização em estratégias de geoconservação e musealização
do patrimônio geológico, em programas de educação popular e em medidas para atender
ao geoturismo e populações locais.

2 – Metodologia

Foram realizadas 100 entrevistas, de maneira direta e aleatoriamente, com a população


de Cabuçu, além de pessoas que possuíam vínculos empregatícios, familiares ou afetivos
com o bairro, entre os dias 12 e 26 de agosto de 2009. Elaborou‑se um questionário com
perguntas pré‑estabelecidas referente a aspectos ligados à preservação do Parque Paleonto-
lógico de São José de Itaboraí, buscando uma análise quantitativa e qualitativa dos dados
(tabela 1). As entrevistas davam‑se pela visita a domicílios e estabelecimentos comerciais,
além de abordagens a transeuntes, no centro da localidade.
334
Tabela 1 – Roteiro de entrevistas que busca a percepção da população
de Cabuçu acerca do Parque Paleontológico de São José de Itaboraí.

Percepção dos entrevistados acerca do Parque Paleontológico de São José de Itaboraí

1 Você já ouviu falar do Parque Paleontológico de São José de Itaboraí? Sim ( ) Não ( )

2 Você já visitou o Parque Paleontológico de São José de Itaboraí? Sim ( ) Não ( )

3 Você sabe da futura revitalização do Parque Paleontológico de São José de Itaboraí, o que inclui a criação
de um centro cultural (espaço museográfico)? Sim ( ) Nao ( )

4 Na sua opinião, qual a maior importância do parque paleontológico?

5 A população de Cabuçu tem participado da preservação do parque? Sim ( ) Não ( )

6 Como você pode contribuir para a preservação do parque paleontológico?

7 O que precisa melhorar no interior do parque paleontológico para atender aos visitantes e para que a
instituição seja mais divulgada? Questão exclusiva para quem já visitou o parque.

3 – Perfil dos entrevistados

Dentre os 100 entrevistados, 49% eram do sexo masculino enquanto 51% do sexo
feminino. A faixa etária variou de 15 a acima de 70 anos, sendo que 52% possuem de 15
a 30 anos, 31% de 31 a 45 anos e 17% de 46 a acima de 70 anos. O nível de escolaridade
dos participantes é baixo, já que 30% não concluíram o ensino fundamental e 10%
ultrapassaram esta fase. Sobre o ensino médio, temos 22% que não o terminaram e 32%
que chegaram a sua conclusão. Apenas 2% dos entrevistados possuem ensino superior
completo, 3% não o completaram e 1% tem alguma Pós‑Graduação.
A maioria dos entrevistados recebe entre meio e dois salários mínimos (54%) e são
pouquíssimos os que ganham acima de três salários mínimos (18%), o que caracteriza
um baixo poder econômico da localidade. Um total de 26% são desempregados, estudantes
e donas de casa que não recebem salário e 2% não informaram o salário. Verificou‑se
que 74% dos entrevistados residem em Cabuçu e o restante em São Gonçalo, São José de
Itaboraí, Curuzu (bairro próximo), centro de Itaboraí e Niterói.

4 – Percepção sobre o Parque Paleontológico

Verificou‑se que 93% dos entrevistados já ouviram falar do Parque Paleontológico


de São José de Itaboraí, mas 7% nunca ouviram falar da instituição. Dos que conhecem
o parque, 68% já o visitaram. Isso demonstra que a maioria dos participantes da pesquisa
tem consciência da existência deste atrativo na região. Mesmo não sendo questionados,
alguns entrevistados manifestaram a impressão que tiveram do parque paleontológico du-
rante a visita. De maneira geral, explanaram que foram ao parque somente para conhecer
a lagoa como lazer e não os fósseis, e que o local possui aparência de abandono, pois é
carente em atrativos e infraestrutura. Além disso, acreditam que o parque serve apenas de
335
“lavagem de dinheiro”, já que o projeto existe há muito tempo e foram poucas as melhorias
na área. Assim, não tiveram uma boa impressão do patrimônio durante a visita, o que faz
com que a instituição tenha pouca aceitação na região.
Em relação à revitalização do parque paleontológico, 66% dos participantes em
Cabuçu já ouviram falar do projeto, enquanto 27% não possuem noção deste tema. Vale
relembrar que 7% nunca ouviram falar da instituição. De modo geral, os entrevistados
reclamaram da demora na concretização do projeto de revitalização e da falta de escla-
recimento do que realmente será feito na área e de transparência nos investimentos, já
que apenas um banheiro público e um deck (rampa de visualização da bacia sedimentar)
foram construídos, e foi realizada uma delimitação da área. Comentaram que, primei-
ramente, teria que ser realizada a melhoria do acesso ao parque, para posteriormente se
pensar em revitalização, pois as estradas estão precárias e de difícil acesso. Assim, os
entrevistados estão desacreditados da revitalização do parque paleontológico, demons-
trando a necessidade de se agilizar o projeto, para que a população de Cabuçu possa criar
identidade com o patrimônio geológico.

4.1 – Importância do Parque Paleontológico de São José de Itaboraí

Pela análise da Fig. 3 verifica‑se que 22% dos entrevistados em Cabuçu acreditam
que o parque paleontológico é importante por tratar‑se de um atrativo turístico que pode
gerar emprego, renda e infraestrutura para a região. São José de Itaboraí e, consequen-
temente, os bairros do entorno (Cabuçu e Curuzu), possuíam a sua economia voltada
para a mineração, mas com o fim desta atividade em 1984, entraram num processo de
decadência social e econômica. Então, esta porcentagem de entrevistados vê no parque
paleontológico uma forma de crescimento socioeconômico por meio do geoturismo.
Entretanto, 22% dos participantes acreditam que a maior importância do parque paleon-
tológico é para a pesquisa e difusão do conhecimento científico.
Prosseguindo na interpretação da Fig. 3, percebe‑se que 15% dos entrevistados creem
que o parque é importante por valorizar e divulgar a cultura e história da região. Assim,
para esta parcela da população de Cabuçu, valorizando e divulgando a história geoló-
gica, paleontológica e arqueológica da região, a cultura e história dos moradores locais
também serão difundidas. Dessa forma, poder‑se‑á ter uma inter‑relação dos aspectos
científicos aos históricos‑culturais de Itaboraí, calcados na mineração destinada ao de-
senvolvimento socioeconômico da região por meio do geoturismo.
A Fig. 3 mostra igualmente que somente 5% dos entrevistados acham que a maior im-
portância do parque paleontológico seja a de preservação ambiental. Contudo, a pesquisa
e difusão do conhecimento científico, a valorização e divulgação cultural e histórica da
região e o aumento do emprego, renda e infraestrutura por meio do geoturismo só serão
conseguidos no momento em que o patrimônio geológico estiver preservado. Segundo
BRILHA (2005), o geoturismo só se justifica por meio de estratégias de geoconservação
que garantam a sustentabilidade dos geossítios.
336

Fig. 3 – Relação de opiniões da população de Cabuçu acerca da maior importância


do parque paleontológico. Universo de 100 entrevistados (12/08/09 a 26/08/09).

Uma questão curiosa é a presença de 5% dos participantes que creem que a maior
importância do parque é “a lagoa” existente em seu interior, que serve de abastecimento
de água das comunidades do entorno e que, durante muito tempo, funcionou como
área de lazer para as comunidades locais (Fig. 2A). Esse resultado mostra que “a lagoa”
possui um grande significado para as populações locais, transcendendo até mesmo as
questões científicas da região. Um total de 4% dos entrevistados em Cabuçu crê que o
parque paleontológico não possui importância alguma devido à precariedade em que se
encontra, 20% não souberam responder a questão e 7% nunca ouviram falar do parque
paleontológico.

4.2 – Contribuições da população para a preservação do Parque Paleontológico

Segundo MANSUR (2009), somente o envolvimento das comunidades locais na


gestão do espaço delimitado poderá promover a sustentabilidade financeira e ambiental
requerida. Nesse contexto, 20% dos entrevistados acreditam que a população de Cabuçu
participa da preservação do parque paleontológico. Contudo, de maneira geral, deixa-
ram claro que uma minoria participa devido à falta de conhecimento que possuem em
relação ao patrimônio. Já 54% afirmaram que os moradores locais não participam da
preservação do patrimônio, principalmente, por não conhecerem o parque, pela ausên-
cia de convites e de divulgação da instituição, pela ausência de educação e cultura de
preservação e, também, porque a população não se interessa pela temática do parque,
demonstrando a necessidade de conscientização dos moradores. Um total de 19% dos
participantes de Cabuçu não soube responder à questão.
A seguir, buscou‑se uma reflexão dos participantes sobre as possíveis ajudas que
possam estar oferecendo, no sentido da manutenção do parque paleontológico e proteção
do geossítio, já que a maior parte refere que a população de Cabuçu não participa na
preservação do patrimônio. Assim, a Fig. 4 mostra que 17% dos entrevistados acredi-
tam que podem contribuir para a preservação do parque paleontológico por meio da
divulgação local. Para esta parcela, com a divulgação da instituição, mais visitantes
de diversas partes do Brasil e do mundo terão curiosidade em conhecer os aspectos
geológicos, paleontológicos, arqueológicos e histórico‑culturais da região, o que poderá
atrair investimentos públicos e privados, contribuindo para a melhoria e divulgação do
parque paleontológico, bem como, para a geração de empregos, renda e urbanização das
comunidades locais.
337

Fig. 4 – Relação das possíveis contribuições dos entrevistados em Cabuçu para a preservação
do parque paleontológico. Universo de 100 entrevistados (12/08/09 a 26/08/09).

Prosseguindo na interpretação da Fig. 4, percebe‑se que 16% dos participantes creem


que podem estar contribuindo com a preservação do parque através do respeito às normas
da instituição. Dessa forma, não desmatar a área, não jogar lixo no local e não destruir
as instalações durante a visita foram algumas medidas indicadas pelos entrevistados em
Cabuçu. Já 12% acham que realizando trabalhos voluntários no parque paleontológico
podem estar contribuindo com a preservação local. Assim, plantar uma árvore no interior
do parque, realizar mutirões para recolher o lixo e para capinar o local, além de evitar
queimadas, seriam maneiras de contribuir com a preservação do parque paleontológico.
O tema conscientização de adultos e crianças sobre a importância do parque obteve
10% das opiniões dos entrevistados sobre modos de contribuir com a preservação do
patrimônio (Fig. 4). Dessa maneira, trabalhar os conceitos geológicos, paleontológicos,
arqueológicos e de preservação do patrimônio junto aos estudantes da região, sejam estes
adultos ou crianças, ajudaria na criação de identidade com as pesquisas científicas, e os
próprios alunos estariam repassando o conhecimento para os familiares e amigos. Uma
grande parcela dos entrevistados (29%) comentou que, por não terem tempo, morarem
distantes do parque e desconhecerem a temática da instituição, não podem contribuir
com a preservação local. Um total de 9% não soube responder a questão.

4.3 – Propostas para a melhoria e divulgação do Parque Paleontológico

A Fig. 5 representa as diferentes opiniões dos entrevistados em Cabuçu sobre as


necessidades para divulgar e melhorar o interior do Parque Paleontológico de São José
de Itaboraí. Assim, ocorreram 235 citações de 68 entrevistados que já visitaram o par-
que paleontológico. Com 15,8% das 235 citações, a infraestrutura do parque foi a mais
abordada entre os participantes e, dentro deste tópico, comentaram diferentes melhorias
que possam ocorrer no local para atender aos visitantes. Os entrevistados abordaram a
necessidade de construção no interior do parque de áreas de lazer, restaurantes ou lan-
chonetes, lojas de souvenir (artesanatos), placas de sinalização, cabine de segurança, sala
de pesquisa e estudo (biblioteca), bebedouros, lugares para sentar, recepção, alojamento
338
para pesquisadores, além da instalação de uma coleta seletiva de lixo. Reclamaram da
iluminação inadequada do local.

Fig. 5 – Relação de opiniões dos entrevistados em Cabuçu a respeito das medidas necessárias
para divulgar e melhorar o interior do Parque Paleontológico de São José de Itaboraí.
Universo de 235 citações de 68 entrevistados (12/08/09 a 26/08/09).

Prosseguindo a análise da Fig. 5, verifica‑se que 11,9% das 235 citações de 68 entrevistados
consideram imprescindíveis para a melhoria do parque a realização de um reflorestamento.
O tópico melhorar vias de acesso/trilhas recebeu 10,6% das indicações (Fig. 6A). A divulgação
visual também abrangeu 10,6% das citações relacionadas à necessidade de construção de
mais placas informativas (painéis interpretativos), da elaboração de panfletos mostrando
a questão científica e histórico‑cultural da região para serem entregues nas ruas, de inter-
pretações por meio de cartazes, outdoors (propaganda ao ar livre) e a sugestão de construção
de placas informativas em outros bairros, e não somente no interior do parque. A ausência
de entretenimentos/atrativos/atividades no parque obteve 9,8% das indicações. Neste tópico,
os entrevistados comentaram da carência de atrativos como réplicas e fotos dos fósseis, de
exposições e eventos no parque, da necessidade de realização de atividades como excursões
escolares e da falta de atividades voltadas para o ciclismo e caminhadas, além de atrativos
como maquetes explicativas e brinquedos paleontológicos.
O tema contratar funcionários (Fig. 5) abrangeu 9,4% das 235 citações de 68 entrevis-
tados direcionadas a contratar empregados para exercerem serviços gerais no parque, como
por exemplo, limpeza e manutenção e para serem guias turísticos. Os meios de divulgação
oral (palestras, reuniões e convites) e capacitação dos moradores (cursos profissionalizantes)
compreenderam 8,1% das opiniões. Entre os meios de divulgação oral destacaram‑se a neces-
sidade de realização de palestras sobre a importância dos fósseis nas escolas e no interior do
parque, de reuniões com as populações locais para mostrar o que será feito na área, além da
necessidade de convites para participar dos eventos do parque. Entre os meios de capacitação
dos moradores destacam‑se a necessidade de cursos profissionalizantes no interior do parque.
A precariedade das instalações do parque e a urgência de reformas é uma opinião comparti-
lhada em 5,1% das sugestões. Um percentual de 4,3% das 235 citações está de acordo com a 339
necessidade de melhoria na entrada do parque paleontológico (Fig. 2B).
Na Fig. 5 vê‑se que 3,8% das 235 indicações de 68 entrevistados estão voltadas para
a urgência de uma maior divulgação do parque nos meios de comunicação, como por
exemplo, em jornais, na televisão e nas rádios. Também com 3,8% das citações se encon-
tra o tópico melhorias em geral, como por exemplo, a necessidade de ampliar o parque
paleontológico, de retirar o gado do local e para urgência de reassentar os moradores do
parque para outras áreas (Fig. 6B). E, para finalizar, o tópico “outros” obteve 6,8% das
indicações e abrangeu as citações dos entrevistados que não se encaixaram nos assun-
tos abordados anteriormente. Dessa forma, os participantes abordaram a necessidade de
conservar as estradas que levam ao parque, de um projeto mais organizado, de maiores
investimentos da prefeitura de Itaboraí, de uma maior divulgação através de visitas diretas
às casas do bairro Cabuçu, de cobrar taxa para entrar no parque, já que a entrada é de
graça, de obras de melhorias do entorno imediato ao parque, de divulgação por meio
de carros de som e de divulgação nas ruas (boca‑a‑boca).

Fig. 6 – Parque Paleontológico de São José de Itaboraí. A. Via de acesso à Bacia de São José de Itaboraí.
Note que a via está sendo reformada para melhor atender aos visitantes. A vegetação também
vem sendo aparada (março, 2011). B. Ocupação irregular em antigas instalações da
Companhia Nacional de Cimento Portland Mauá (março, 2011).

5 – Conclusões

Verificou‑se que as estratégias de geoconservação do Parque Paleontológico de São


José de Itaboraí (conservação, valorização e divulgação) não estão sendo eficientes para
a proteção do geossítio e sensibilização das populações locais. Os afloramentos estão
inundados ou cobertos pela vegetação e rejeitos da mineração, dificultando a visualização
das feições geológicas e a coleta de novos materiais científicos. A maioria dos entre-
vistados já visitou o parque paleontológico e estão cientes da revitalização da área, no
entanto, devido à demora na concretização do projeto, pela ausência de infraestruturas e
entretenimentos para atender aos visitantes, e pelo pouco entendimento em relação aos
aspectos científicos da região, a população de Cabuçu está distante do parque, descon-
fiada da intenção dos pesquisadores responsáveis pela instituição e, por esse motivo, não
possuem identidade com o patrimônio geológico. Os próprios moradores reconhecem
340
que as medidas necessárias para a intensificação do geoturismo, satisfação dos visitantes
e conscientização das populações locais estão baseadas, principalmente, na realização de
benfeitorias no interior do parque e na elaboração de medidas de valorização e divulgação
do patrimônio.
Nesse contexto, pode‑se concluir que o parque paleontológico carece de investi-
mentos públicos e privados para a criação de atrativos e infraestruturas em seu interior.
Faltam convites por parte dos pesquisadores aos moradores locais, com o objetivo de
participarem de reuniões, cursos de capacitação e palestras sobre a importância do
patrimônio geológico, na medida em que o sucesso do projeto demanda a mobilização
das comunidades na preservação e gestão do patrimônio. Além disso, é imprescindível a
elaboração de painéis interpretativos, panfletos, cartazes e outdoors destinados à divulgação
científica. Torna‑se importante também dar mais ênfase aos aspectos histórico‑culturais
calcados na mineração, haja vista que esta atividade teve contribuições positivas na questão
socioeconômica do 6° distrito de Itaboraí e para a descoberta dos fósseis.

Agradecimentos – Aos moradores de Cabuçu, pela ótima receptividade e excelentes


participações nos questionários, propiciando a realização do estudo. Ao geógrafo Marcelo
Bueno de Abreu pela ajuda na elaboração dos mapas. Apoio do CNPq, CAPES e FAPERJ.

Referências Bibliográficas

BELTRÃO, M. C. M. C. (2000) – Ensaio de Arqueogeologia. Rio de Janeiro: Zit Gráfica e Editora Ltda. 168 p.
BRILHA, J. B. (2005) – Património Geológico e Geoconservação: a conservação da natureza na sua vertente
geológica. Coimbra, Viseu Palimage, 190 p.
BERGQVIST, L. P., MOREIRA, A. L. & PINTO, D. R. (2006) – Bacia de São José de Itaboraí 75 anos de
História e Ciência. Rio de Janeiro, Serviço Geológico do Brasil – CPRM. 81 p.
MANSUR, K. L. (2009) – Projetos Educacionais para a Popularização das Geociências e para a Geoconservação.
Revista do Instituto de Geociências – USP, 5, p. 63‑74.
SANTOS, W. F. S. (2010) – Diagnóstico para o uso geoturístico do patrimônio geológico de São José de
Itaboraí – Itaboraí (Estado do Rio de Janeiro): subsídio às estratégias de geoconservação. Programa de
Pós‑Graduação em Geologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Dissertação de Mestrado, 252 p.
VELLOSO, R. & ALMEIDA, M. C. S. (2006) – Plano de Diretrizes do Parque Municipal Paleontológico de
São José de Itaboraí. UERJ, Departamento de Geologia, 43 p.
36
POTENCIAIS EFEITOS SOCIOECONÔMICOS DO GEOTURISMO
NA REGIÃO DO PARQUE PALEONTOLÓGICO DE SÃO JOSÉ DE
ITABORAÍ: A PERSPECTIVA DOS PROFESSORES LOCAIS

EVENTUAL GEOTOURISM SOCIOECONOMIC EFFECTS IN THE


SÃO JOSÉ DE ITABORAÍ PALEONTOLOGICAL PARK REGION
ACCORDING TO THE UNDERSTANDING OF LOCAL TEACHERS

W. F. S. Santos1 & I. S. Carvalho1

Resumo – O geoturismo caracteriza‑se por utilizar os aspectos geológicos de uma


área no intuito de promover uma interpretação ambiental e cultural, com benefício
socioeconômico para as comunidades locais. Todavia, qualquer atividade que usufrua
do ambiente necessita ser bem planejada para que não ocorram degradações no espaço
físico receptor. Assim, realizaram‑se entrevistas com os professores das escolas públicas
vizinhas ao Parque Paleontológico de São José de Itaboraí buscando a concepção que
possuem dos possíveis efeitos socioeconômicos que o geoturismo poderá vir a promover
na região. De maneira geral, os professores acreditam na intensificação do geoturismo
com a revitalização do parque paleontológico e confiam no aumento de empregos na
região, principalmente no comércio de alimentos e em funções no interior do parque
(guias turísticos, limpeza, segurança). Comentaram que a pavimentação das estradas,
os transportes públicos e o saneamento básico necessitam de melhorias para atender aos
visitantes e às populações locais e disseram também que o lixo e a violência são as principais
ameaças para a região. O estudo tem utilidade no planejamento territorial e em medidas para
atender aos geoturistas.

Palavras‑chave – Geoturismo; Impactos ambientais; Desenvolvimento socioeconômico

Abstract – The geotourism is characterized by using geological aspects of an area in order


to promote environmental and cultural interpretation, with socioeconomic benefits to local

1
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, Instituto de
Geociências, Departamento de Geologia. Av. Athos da Silveira Ramos, 274. Bloco F. 21941‑916, Cidade
Universitária, Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, Brasil; [email protected]; [email protected]
communities. However, any activity which benefits the environment needs to be well planned
to prevent any deterioration in the physical environment. Thus, we conducted interviews with tea‑
chers from neighboring public schools of the São José de Itaboraí Paleontological Park seeking their
understanding of the possible socioeconomic effects of geotourism in the region. In general, teachers
342
believe in the intensification of geotourism with the revitalization of the paleontological park and
rely on job growth in the region, especially in the food trade and functions inside the park (tourist
guides, cleaning, security). They commented that the paving of roads, public transport and basic
sanitation need to be improved to meet visitors and local people and also said that the garbage and
violence are the main threats to the region. The study can be used in territorial planning in the
region and on measures to meet geotourists.

Keywords – Geotourism; Environmental impacts; Socioeconomic development

1 – Introdução

São José de Itaboraí, Cabuçu e Curuzu são bairros rurais do 6° distrito do município
de Itaboraí (Estado do Rio de Janeiro, Brasil) que englobam uma população de aproxima-
damente 10000 habitantes. Especificamente em São José de Itaboraí ocorre uma pequena
bacia sedimentar (Fig. 1) preenchida por rochas calcárias ricas em fósseis de invertebrados
e vertebrados, com destaque para os mamíferos do Paleoceno tardio (57 Ma). Na área foram
encontrados também artefatos líticos da ocupação humana pré‑histórica datados de 8.100
± 75 AP (BELTR ÃO, 2000). De 1933 a 1984 estas rochas foram exploradas economi-
camente pela Companhia Nacional de Cimento Portland Mauá trazendo empregos,
infraestrutura e entretenimento para a área. Contudo, a região entrou em um processo de
decadência socioeconômica com o fim da atividade mineradora. Além disso, um lago foi
formado na cava deixada pela mineração, o que dificulta os estudos científicos, mas serve
hoje em dia para abastecer de água os bairros do entorno (Fig. 2A) (BERGQVIST et al.,
2006; SANTOS, 2010).

Fig. 1 – Mapa de localização da Bacia de São José de Itaboraí – Itaboraí


(Estado do Rio de Janeiro, Brasil). Imagem obtida do satélite Landsat (2007).
Devido a esforços de pesquisadores do Rio de Janeiro foi criado, em 1995, o Parque
Paleontológico de São José de Itaboraí, com o intuito de proteger os fósseis remanescentes
nas rochas da bacia sedimentar, bem como possibilitar o acesso aos mesmos pelos visi-
tantes. Atualmente, o local está em processo de revitalização, com apoio da Petrobras
343
e Instituto Virtual de Paleontologia. Está prevista a ampliação do Centro de Referência
Ambiental, Paleontológico e Arqueológico, com a construção de salas informatizadas,
laboratórios de preparação de fósseis e um museu paleontológico, com o envolvimento
da comunidade na questão ambiental (Fig. 2B). Esta iniciativa poderá gerar um novo
impulso socioeconômico na região por meio da intensificação do geoturismo (VELLOSO
& ALMEIDA, 2006).
Assim, buscou‑se a concepção dos professores da rede escolar pública do entorno
do Parque Paleontológico de São José de Itaboraí, que são os responsáveis pela trans-
missão de conhecimento para os estudantes da região, dos possíveis efeitos socioeconô-
micos do geoturismo frente à revitalização da instituição. O estudo pode ser usado em
estratégias para atender ao geoturismo e no planejamento e ordenamento do território.

Fig. 2 – Parque Paleontológico de São José de Itaboraí. A. Lago formado na cava deixada pela mineração, com
o Morro da Dinamite ao fundo, local onde foram encontrados vestígios do homem pré‑histórico (março, 2011).
B. Visão interna da sede do Centro de Referência Ambiental, Paleontológico e Arqueológico que expõe rochas,
fósseis, artefatos líticos e réplicas de seres antigos. Repare a réplica de uma preguiça gigante (março, 2011).

2 – Metodologia

Entre os dias 30 de outubro e 12 de novembro de 2009 realizaram‑se 100 entrevistas


com os professores da rede pública do entorno do Parque Paleontológico de São José de
Itaboraí. Elaborou‑se um questionário com questões pré‑estabelecidas que tratavam
dos aspectos socioeconômicos da região relacionados ao geoturismo (tabela 1). Foram
visitadas cinco escolas municipais, um colégio estadual, uma escola estadual e uma
creche municipal. Os educadores foram entrevistados nas escolas em que lecionavam,
geralmente no intervalo das aulas. Todas as escolas localizam‑se no município de Ita-
boraí e distam no máximo 12 km da entrada do parque paleontológico, estando den-
tro de um mesmo contexto regional.
Tabela 1 – Roteiro de entrevistas com os professores da rede escolar pública, buscando a
percepção das modificações socioeconômicas que poderão ocorrer na região, por meio
da revitalização do parque paleontológico e intensificação do geoturismo.

344
ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DO GEOTURISMO

1 Você acredita que a revitalização do parque paleontológico pode intensificar o fluxo de geoturistas para co-
nhecer o patrimônio geológico de São José de Itaboraí? Sim ( ) Não ( ). Se não, explique sua opinião. Para
quem responder não a entrevista está encerrada.

2 Você acha que a intensificação do geoturismo acarretará uma ampliação no número de empregos e
renda nos bairros do entorno do parque (São José de Itaboraí, Cabuçu e Curuzu, por exemplo)? Sim ( )
Não ( ). Se sim, quais são os tipos empregos que poderão aumentar?

3 Você acha que com a revitalização do parque paleontológico melhorias em infraestrutura serão geradas
na região? Sim ( ) Não ( ).

4 O que precisa melhorar em infraestrutura da região, para atender ao aumento do geoturismo e, conse-
quentemente, melhorar a qualidade de vida das populações locais?

5 Você acha que a intensificação do geoturismo acarretará algum tipo de degradação no espaço físico da
região? Sim ( ) Não ( ). Se não, explique sua opinião. Se sim, quais são os tipos de degradações que
poderão ocorrer?

3 – Perfil dos professores

Dentre os 100 professores entrevistados 11% eram do sexo masculino e 89% do sexo
feminino. A faixa etária desses indivíduos variou de 21 a 60 anos. Um total de 71% dos
professores residem no município de Itaboraí, enquanto os outros 29% habitam em outras
localidades, com destaque para São Gonçalo (23%), município vizinho a Itaboraí.

4 – A revitalização do Parque Paleontológico e o Geoturismo

O geoturismo utiliza os aspectos geológicos de uma região promovendo uma interpre-


tação ambiental e cultural da área, com benefício para as comunidades locais (BRILHA,
2005). No entanto, é importante comentar, que a atividade geoturística não se restringe
somente a visitas a vulcões, serras, grandes paredões rochosos ou formações geológicas exóti-
cas. Refere‑se a qualquer visita turística a um lugar com o objetivo de apreciar, entender ou se
inteirar com a paisagem. Nessa mesma paisagem é possível encontrar feições socioculturais,
como modos de vida, costumes, valores e gastronomia, somada às feições econômicas que
possa refletir, como a agricultura e a pecuária por exemplo. Assim, torna‑se necessário a
utilização dos componentes físicos, sociais e econômicos de uma paisagem para o geoturismo
(MANOSSO, 2006).
Nesse contexto, 95% dos professores acreditam no aumento do fluxo de geoturistas por
meio da concretização do projeto de revitalização do Parque Paleontológico de São José de
Itaboraí, apenas 5% referem que o fluxo de geoturistas não aumentaria com a revitalização
da instituição. De maneira geral, os professores comentaram que apenas revitalizar o
parque não aumentaria o número de geoturistas, sendo necessária uma maior divulgação
da instituição e melhorias na infraestrutura na região, principalmente as estradas.
4.1 – Eventuais efeitos econômicos do Geoturismo

Um benefício especialmente importante da atividade turística cuidadosamente pla-


nejada, ordenada e gerenciada é a geração de emprego e renda para as populações locais
(OMT, 2003). Assim, 94,7% dos 95 professores creem que o número de empregos e a 345
renda podem aumentar com a revitalização do parque, pois atrairá mais interessados
em conhecer o patrimônio geológico de São José de Itaboraí, intensificando as relações
econômicas da região como um todo. Um total de 3,2% dos educadores não acredita no
aumento de empregos e 2,1% não souberam responder à questão.
Pela análise da Fig. 3 verifica‑se que 40,6% das 234 citações de 88 professores
se direcionam ao aumento dos empregos no comércio da região, por meio da revita-
lização do parque paleontológico e consequente intensificação do geoturismo, com
destaque para o comércio de alimentos (13,7%). Os educadores comentaram que os
geoturistas, além de conhecerem o parque, terão que se alimentar e terão curiosidade
em degustar os pratos típicos da região. Assim, estabelecimentos podem vir a ser criados,
como por exemplo, restaurantes “a la carte” e “self service”, lanchonetes, pizzarias, quios-
ques, mercados, bares e pensões, contribuindo para o aumento no número de empregos
na área alimentícia.
Prosseguindo na interpretação da Fig. 3, verifica‑se que 19,7% das 234 opiniões de 88
professores calcaram‑se na ampliação do número de empregos para a realização de fun-
ções diversas no interior do parque paleontológico, como por exemplo, limpeza da área
(serventes, jardinagem), segurança (vigias), recepcionista, assistente administrativo, auxiliar
de escritório, pesquisadores estagiários, além de empregos na área de divulgação do
parque (distribuição de folders e panfletos). Um total de 9,4% das indicações baseou‑se
no aumento do número de empregos para o cargo de guia turístico. Os educadores abor-
daram a necessidade da elaboração de cursos de capacitação para as comunidades locais,
com o objetivo de fazer com que pessoas de fora da área, com maior nível de conheci-
mento, não ocupem as vagas que serão abertas. Alguns estudantes do ensino médio da
região já estão sendo preparados pelo projeto jovens talentos para serem guias turísticos
do parque paleontológico (RODRIGUES et al., 2006).

Fig. 3 – Relação de opiniões dos professores da rede pública sobre os tipos de empregos que poderão
aumentar na região do entorno do parque com a intensificação da atividade geoturística.
Universo de 234 citações de 88 entrevistados (30/10/09 a 12/11/09).
Da análise da Fig. 3 verifica‑se também que 8,1% das 234 citações de 88 professores
referem‑se ao aumento do número de empregos, com a intensificação do geoturismo, nas
empresas de transporte, em funções de motoristas, trocadores, secretariado e serviços gerais,
por exemplo. O tema hospedagem recebeu 7,3% das indicações, como possíveis locais que
346
possam empregar funcionários da região. Entretanto, não existe nenhum hotel ou pousada
no entorno do parque. Os entrevistados acreditam que, com o aumento do geoturismo, em-
presários deste ramo se interessarão em investir na área. O aumento do número de empregos
em lojas de souvenir e na fabricação de artesanatos, para atender ao geoturismo, obteve 6% das
citações. Os educadores comentaram que os visitantes sempre querem levar para casa
uma lembrança da área visitada, como camisas com representações dos seres pré‑históricos,
réplicas de fósseis e artesanatos com motivos paleontológicos.
Apenas 2,1% das 234 indicações de 88 entrevistados (Fig. 3) referiram‑se ao aumen-
to do número de empregos no ramo da construção civil. Os educadores disseram que
para as obras de revitalização do parque paleontológico, será necessária a contratação de
funcionários, principalmente pedreiros, para a reforma das instalações. Além disso, as
lojas de material de construção, que fornecerem os produtos necessários para a realização
do empreendimento, também serão beneficiadas. O tópico “outros” foi mencionado por
6,8% das opiniões dos professores que não se encaixaram nos assuntos já abordados.
Os educadores comentaram do aumento do número de empregos como professores, em
serviços gerais fora do parque, na área de informática, como lixeiros (gari), em possíveis
hospitais ou postos de saúde que forem construídos na região, em serviços gerais nas
escolas, nas farmácias, em lojas de roupas num futuro shopping que possa ser criado, na
parte rural e nos sítios voltados para a recreação do público externo.

4.2 – Constrangimentos sociais no desenvolvimento do Geoturismo

O turismo é caracterizado por gerar rendimentos de impostos locais, que podem ser uti-
lizados para a melhoria e estímulo a criação de novas instalações, serviços e infraestrutura
na comunidade receptora (OMT, 2003). Nesse contexto, apurou‑se que 94,7% dos profes-
sores acreditam que com a revitalização do parque paleontológico e aumento do geoturismo
melhorias em infraestrutura serão geradas na região, 3,2% não creem e 2,1% não souberam
responder a esta questão. Verifica‑se que a maioria dos educadores confia na melhoria da in-
fraestrutura. Contudo, isso reflete também a precariedade deste setor na região.
Pela análise da Fig. 4 verifica‑se que 24,1% das 324 citações de 94 professores sobre o
que precisa melhorar na região em infraestrutura se referem à necessidade de pavimentação
das estradas que dão acesso ao parque paleontológico. As ruas são de terra, esburacadas e,
em épocas de chuva, tornam‑se intransitáveis. Todavia, não são apenas as estradas que estão
precárias, já que os transportes foram considerados em 17,3% das opiniões dos educadores,
como serviços que precisam de melhorias. Apenas uma linha de ônibus circula nas comuni-
dades (viação Rio Ita), sendo que estes estão em péssimas condições (desconfortáveis e sujos)
e são poucos os horários dispostos. O saneamento básico, que consiste no tratamento de
esgotos e na distribuição de água, abrangeu 15,4% das citações. Não existe água encanada na
região e a distribuição é feita com a água da lagoa, cujo tratamento é desconhecido. Muitos
recorrem a poços artesianos e a caminhões PIPA. O comércio não faz parte do tema infraes-
trutura, entretanto 7,1% das citações se referiram à necessidade de melhoria deste setor.
347

Fig. 4 – Relação de opiniões dos professores da rede pública em relação ao que precisa melhorar
em termos de infraestrutura da região do entorno do parque para atender ao geoturismo.
Universo de 324 citações de 94 entrevistados (30/10/09 a 12/11/09).

A iluminação pública abrangeu 6,8% das 324 indicações de 94 entrevistados (Fig.


4). Os educadores reclamaram que as ruas são muito escuras à noite devido à precarie-
dade na iluminação. A parte gastronômica (restaurantes) abrangeu 4,3% das opiniões.
Os professores comentaram que a pouca quantidade de lugares para alimentação na
região consiste num empecilho para o estabelecimento do geoturismo. A saúde obteve
4% das citações. São José de Itaboraí e Cabuçu possuem postos de saúde, porém não
funcionam 24 horas, sendo carentes de médicos e enfermeiros. A região não possui
hospitais públicos nem privados. As telecomunicações obtiveram 3,7% das sugestões.
Os professores comentaram que na região só funcionam os celulares de uma única
operadora, a internet banda larga ainda não é compatível com os telefones fixos e
os telefones públicos encontram‑se danificados por atos de vandalismo. Um total
de 3,4% das citações referiu‑se a necessidade de hospedagens na região, que não têm
hotéis e nem pousadas.
A educação obteve 3,1% das 324 indicações dos 94 professores (Fig. 4). Os participan-
tes reclamaram da falta de instituições públicas de ensino médio na região. A segurança
teve 2,8% das citações. Os educadores comentaram da urgência na construção de um
posto policial em São José de Itaboraí, pois só existe batalhão de polícia em Cabuçu.
A necessidade de áreas de lazer compreendeu 1,9% das sugestões. O lazer mais tradicional
dos bairros é a “pelada de futebol” aos domingos entre times da região. A lagoa de São
José de Itaboraí serviu, durante muito tempo, como área de lazer para contemplação,
piqueniques e pescaria, porém, devido a alguns acidentes, iniciou‑se um maior controle
de entrada no lugar. A necessidade de melhores moradias auferiu 1,5% das citações.
O tópico “outros” abarcou 4,6% das citações que não se encaixaram nos tópicos anteriores,
como por exemplo, a necessidade de sinalização das estradas, de guias turísticos, de atra-
tivos/entretenimentos, de coleta seletiva de lixo nas ruas, da construção de um posto de
gasolina, de bibliotecas públicas e da utilização de energias alternativas (sol, por exemplo).
Apenas um professor não soube responder a esta questão.
4.3 – Eventuais consequências socioambientais do Geoturismo

Para que uma atividade turística se desenvolva de maneira sustentável é importante


que não ocorram impactos no espaço físico das comunidades receptoras (SOUZA, 2000;
348 OMT, 2003). Nesse sentido, 46,3% dos 95 professores que creem no aumento do geoturis-
mo em decorrência da revitalização do parque paleontológico confiam no surgimento de
impactos na região, 47,4% acham que não e 6,3% não souberam responder à questão. De
maneira geral, os professores que não acreditam nos impactos do geoturismo, consideraram
que esta atividade contribuiria para o crescimento socioeconômico da localidade e que os
geoturistas não causam degradações, já que possuem consciência ambiental.
A Fig. 5 mostra que 29,5% das 68 citações de 44 professores mencionaram a existência
de violência e assaltos como possíveis degradações no espaço físico pela intensificação do
geoturismo, pois possuem a percepção que muitas pessoas de fora se deslocarão para a
região com o aumento desta atividade, podendo intensificar a criminalidade e, também,
o processo de favelização. Um total de 29,4% das indicações referiu‑se ao aumento do
lixo com a intensificação do geoturismo. O lixo deixado pelos turistas faz com que as
áreas percam seus atrativos (OMT, 2003).

Fig. 5 – Relação de opiniões dos professores da rede pública acerca dos tipos de degradações que poderão
ocorrer na região do entorno do Parque Paleontológico de São José de Itaboraí pela intensificação
do geoturismo. Universo de 68 citações de 44 entrevistados (30/10/09 a 12/11/09).

A Fig. 5 ilustra que 8,8% das 68 sugestões de 44 professores relacionaram‑se a possí-


vel destruição do patrimônio por atos de vandalismo, enquanto 7,4% das indicações dos
professores referiram‑se à retirada de materiais (fósseis e rochas) do patrimônio para fins
não científicos como uma possível degradação ambiental. Os parques naturais e sítios
arqueológicos e históricos podem ser deteriorados se não houver um controle do número
de visitantes, por atos de vandalismo, pichações e remoção ilegal de itens do patrimô-
nio (OMT, 2003; BRILHA, 2005). A destruição da fauna e flora abrangeu 8,8% das
citações dos professores, que creem que o grande trânsito de visitantes possa afetar os
animais e a vegetação da região. Muitos quererão levar mudas de árvores consigo, e isso
pode gerar impactos.
A utilização de veículos e a construção de instalações turísticas podem provocar a
349
poluição sonora e do ar. O descarte e tratamento precários do esgoto e resíduos sólidos
podem acarretar poluição das águas e solos (OMT, 2003). Nesse sentido, 5,9% das 68
indicações de 44 professores (Fig. 5) referiram‑se à possibilidade da poluição do ar com a
intensificação do geoturismo, por meio do maior número de veículos e pelas construções
para a revitalização do parque paleontológico. Já 4,4% das citações são de professores
preocupados que, com o aumento do geoturismo, numa região em que não existe trata-
mento adequado do esgoto, ocorra poluição das águas e solos. Apenas 2,9% das citações
basearam‑se na poluição sonora (ruídos) que poderá ocorrer com a intensificação do número
de pessoas e automóveis. Um total de 2,9% citações se referiu ao aumento do consumo de
drogas ilícitas com a intensificação do geoturismo.

5 – Conclusões

Pode‑se concluir que existe uma ampla área de ação no que diz respeito à melhoria
dos aspectos socioeconômicos da região para atender ao geoturismo e aprimorar a quali-
dade de vida das populações locais. Apenas a revitalização do parque paleontológico não
será capaz de intensificar o número de visitantes, tornando‑se necessária a elaboração
de projetos que incentivem a aplicação de capital privado integrado a investimentos
públicos, para benefícios na região. Só assim a proposta do parque paleontológico poderá
ter sucesso. Torna‑se necessário, também, a elaboração de um plano diretor para que
se tenha noção das áreas em que o geoturismo irá atuar e dos empreendimentos para
atender a esta prática, o que contribuirá para a mitigação dos impactos de uma possível
intensificação desta atividade.

Agradecimentos – Aos professores da rede pública da região pelas contribuições po-


sitivas que possibilitaram a realização do estudo. Ao geógrafo Marcelo Bueno de Abreu
pela ajuda na elaboração do mapa de localização da Bacia de São José de Itaboraí. Apoio
do CNPq, CAPES e FAPERJ.

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37
O PATRIMÓNIO GEOLÓGICO DO CABO MONDEGO (PORTUGAL)
– AVALIAÇÃO DA VULNERABILIDADE DOS GEOSSÍTIOS

THE GEOLOGICAL HERITAGE OF CAPE MONDEGO (PORTUGAL)


– GEOSITE VULNERABILITY ASSESSMENT

J. Rocha1, M. H. Henriques2 & J. Brilha 3

Resumo – O Cabo Mondego (costa ocidental Portuguesa) é conhecido internacio-


nalmente pela importância estratigráfica dos seus afloramentos, nomeadamente pelo
estabelecimento de um estratotipo de limite – o Global Boundary Stratotype Section and
Point (GSSP) para a base do Bajociano, – e de um estratotipo auxiliar – o Auxiliary
Section and Point (ASSP) para a base do Batoniano.
Com base na excecional qualidade do registo geológico, bem como na sua impor-
tância científica e no seu valor didático, os afloramentos do Cabo Mondego foram
classificados como Monumento Natural em 2007, integrando a Rede Nacional de Áreas
Protegidas. A criação de uma área protegida de cariz geológico deve ser acompanhada
de estratégias de geoconservação que visem a divulgação dos seus elementos geológicos,
bem como de medidas focadas na sua conservação e preservação.
Mas, apesar de ter sido classificado como Monumento Natural e de ter sido incluído
no inventário nacional de património geológico, os afloramentos do Cabo Mondego não
tinham sido, até agora, objeto de uma avaliação da vulnerabilidade dos geossítios que
neles se incluem. A avaliação da vulnerabilidade dos geossítios permite definir a prioridade
na aplicação de estratégias de conservação e de valorização.
No presente trabalho apresentam‑se os resultados obtidos de um estudo de avalia-
ção da vulnerabilidade dos geossítios definidos no Cabo Mondego, face às atividades
antrópicas e naturais, com o objetivo de contribuir para a valorização e conservação do
Património Geológico daquele Monumento Natural.

Palavras‑chave – Monumento Natural do Cabo Mondego (Portugal); Património


Geológico; Vulnerabilidade; Geossítios

1
Centro de Geociências da Univ. de Coimbra, Portugal; [email protected]
2
Dep. Ciências da Terra e Centro de Geociências, FCTUC, da Univ. de Coimbra, Portugal; [email protected]
3
Dep. de Ciências da Terra da Univ. do Minho e Centro de Geologia da Univ.do Porto, Portugal;
[email protected]
Abstract – The Cape Mondego (Portuguese west coast) is internationally known for the
stratigraphic relevance of its outcrops, due to the establishment of the Global Boundary Strato‑
type Section and Point (GSSP) for the base of the Bajocian stage and the Auxiliary Section
and Point (ASSP) for the base of the Bathonian stage. Based on the exceptional quality of
352
the geological record, and on its high scientific and educational values, this area was included,
in 2007, in the National Network of Protected Areas, as a Natural Monument. The creation
of a geological based protected area must be associated with geoconservation strategies aiming
the valuation of its geological features as well as its conservation and preservation.
But despite being a Natural Monument and included in the national inventory of geological
heritage, until now the outcrops of Cape Mondego have not been assessed for their vulnerability.
The vulnerability assessment of geosites allows the establishment of priority conservation and
valuing strategies.
In this paper we present the results of the anthropic and natural vulnerability assessment
of geosites in Cape Mondego with the aim of contributing to the conservation and valuation
of the geological heritage of this Natural Monument.

Keywords – Cape Mondego Natural Monument (Portugal ); Geological Heritage;


Vulnerability; Geosites

1 – Introdução

O Cabo Mondego (Figueira da Foz) foi classificado (Decreto Regulamentar n.º 82/2007,
de 3 de outubro) como Monumento Natural, com o objetivo de estabelecer um regime
de proteção para alguns locais de inegável valor científico e de fomentar a divulgação do
seu registo geológico singular com fins de promoção de educação ambiental. No entanto,
esta medida, por si só, não é suficiente para proteger, valorizar e divulgar o património
geológico daquele Monumento Natural.
A definição de estratégias de geoconservação para um território de reconhecido valor
geológico deve considerar um conjunto de etapas integradas. A avaliação da vulnera-
bilidade e da suscetibilidade de perda dos geossítios, face a fatores antrópicos e naturais,
assume particular importância para a definição de eventuais medidas que devem ponderar
a dualidade entre valorização e divulgação vs proteção e conservação. A definição e a
implementação de estratégias de valorização e de divulgação devem ser consagradas
aos geossítios que apresentam uma menor vulnerabilidade de perda ou degradação. Por
sua vez, os locais que apresentam elevada vulnerabilidade devem ser objeto de estratégias
que visem a sua preservação e conservação.
O presente trabalho tem como objetivo a avaliação da vulnerabilidade dos geossítios
do Monumento Natural do Cabo Mondego e a definição de áreas de proteção parcial e
de áreas prioritárias para a geoconservação, expressas numa Planta de Síntese.

2 – Enquadramento Geográfico e Geológico

O Cabo Mondego localiza‑se no bordo ocidental da Serra da Boa Viagem, aproxima-


damente a 6 km a Noroeste da Figueira da Foz (Fig. 1). Neste território, foi classificado,
em 2007, o Monumento Natural do Cabo Mondego, com o objetivo de conservar o
estratotipo de limite do Aalenian‑Bajociano, os icnofósseis e as estruturas sedimentares
ali registadas, promover a investigação científica daquele registo geológico, bem como a
sua divulgação no que concerne a educação ambiental. De acordo com o documento legal
353
inerente à classificação (Decreto Regulamentar n.º 82/2007, de 3 de outubro), a área por
ele protegida apresenta uma extensão de 118 ha.
A Serra da Boa Viagem destaca‑se da topografia, tendencialmente aplanada, mar-
cando a linha do horizonte, quer pelas escarpas e falésias quer pelos valores altimétricos
com uma cota máxima de 258 m (marco geodésico da Miradouro da Bandeira). O Cabo
Mondego, onde aflora um registo estratigráfico de referência no contexto da Bacia Lusi-
tânica, materializa uma série sedimentar marcada pela existência de calcários, calcários
margosos e margas de idade jurássica (MOUTERDE et al., 1978; ROCHA et al., 1981).
O Jurássico Médio está representado pela Formação do Cabo Mondego (AZERÊDO
et al., 2003) e corresponde a uma série contínua de sedimentos marinhos, datados do
Toarciano superior ao Caloviano médio – 185 e 140 M.a. (HENRIQUES, 1998a, b), nos
quais foram reconhecidos importantes registos sedimentares, estratigráficos e paleomag-
néticos (HENRIQUES et al., 1998; HENRIQUES, 2004), bem como paleontológicos
(amonóides, braquiópodes, foraminíferos bentónicos, nanofósseis calcários, radiolários e
icnofósseis) (HENRIQUES, 2008). O elevado significado bioestratigráfico e biocronológico
da sucessão de amonóides ali reconhecida permitiu definir várias Subzonas e Biozonas
referentes a todos os andares do Jurássico Médio marinho.
O Jurássico Superior do Cabo Mondego marca a 2ª fase de rifting da Bacia Lusitânica
(REIS, 2008) e apresenta diversas fácies de ambientes de transição (lagunares, deltaicos,
estuarinos) com abundantes registos de corais, equinodermes, braquiópodes, crinóides e
pegadas de sáurios (HENRIQUES, 1998b).
Durante os séculos xix e xx, diversos investigadores abordaram e debateram a importân-
cia estratigráfica da sucessão de amonites do Cabo Mondego, assim como de outros grupos
fósseis (braquiópodes, foraminíferos bentónicos e nanofósseis calcários) (ROCHA, 2010).
A ocorrência de um registo particularmente rico e diversificado de fósseis de amo-
nites, a ocorrência de nanofósseis calcários, a continuidade do registo estratigráfico e
a inversão da polaridade ao longo do limite Aaleniano‑Bajociano fundamentaram a
proposta para estabelecer o GSSP – Global Stratotype Section and Point do Bajociano
num dos afloramentos Cabo Mondego, mais concretamente no perfil da Murtinheira
(HENRIQUES et al., 2010).
O GSSP foi definido no limite inferior da camada AB11 (PAVIA & ENAY, 1997)
com base na relevância bioestratigráfica do registo de Ammonoidea, mais concretamente
devido à primeira ocorrência de associações de Hyperlioceras – H. mundum e espécies
relacionadas (H. furcatum, Braunsina aspera, B. elegantula) e pelas últimas ocorrências
de Graphoceras e Haplopleuroceras (HENRIQUES, 1998b).
Mais recentemente, diversos trabalhos têm dado a conhecer registos de outros grupos
fósseis no GSSP do Bajociano (nanofósseis calcários, foraminíferos bentónicos e braquiópo-
des), enfatizando a importância do limite Aaleniano‑Bajociano, definido no Cabo Mondego,
para o estabelecimento de correlações estratigráficas globais (HENRIQUES et al., 2010).
A importância científica internacional dos afloramentos Médio Jurássicos do Cabo
Mondego foi reforçada, em 2008, pelo estabelecimento do Auxiliary Stratotype Section
and Point (ASSP) para o limite Bajociano‑Batoniano. A definição do ASSP para a base
do Batoniano forneceu um conjunto de dados adicionais (sucessão de amonites e subdi-
visões biocronostratigráficas) para o GSSP do Batoniano, o qual foi definido em Ravin
du Bès Section, Bas‑Auran – França (FERNÁNDEZ LÓPEZ et al., 2009).
354

Fig. 1 – Localização do Monumento Natural do Cabo Mondego.

3 – Inventariação dos geossítios do Cabo Mondego

Apesar inclusão do Cabo Mondego no inventário nacional do património geológico


(Categoria temática 15 – Registo Jurássico na Bacia Lusitaniana) (BRILHA et al., 2010) e
da sua classificação como Monumento Natural, nunca havia sido elaborado um inventário
sistemático dos geossítios do Cabo Mondego, estudo que se aqui se apresenta, e que teve
como base a potencial utilização para fins didáticos e turísticos (ROCHA, 2010; Fig. 2).
355

Fig. 2 – Localização dos geossítios, com a delimitação do Monumento Natural.

A avaliação do potencial para uso didático (PUD) foi estabelecida com base em crité-
rios como acessibilidade (Ac), associação com outros recursos (Ar), condições de observação
(Obs), conteúdo didático (Did), fragilidade (Fra) e representatividade (Rpr), e de acordo com
ponderações propostas por BRAGA (2002).
A avaliação do potencial para uso turístico (PUT) consagrou um conjunto de 5 critérios
dos quais 4 são similares aos usados na avaliação de PUD. Assim, foram considerados
os critérios acessibilidade (Ac), associação com outros recursos (Ar), conteúdo didático
(Did), espetacularidade (Esp) e fragilidade (Fra), com as ponderações propostas por
BRAGA, op. cit.).

4 – Avaliação da vulnerabilidade dos geossítios

A avaliação da vulnerabilidade decorrente quer de atividade antrópica, quer de pro-


cessos naturais, é de suma importância para a correta definição de eventuais medidas que
visem a preservação e a conservação dos geossítios. Esta avaliação deve ser parte integrante
do processo de inventariação dos geossítios e permite definir, posteriormente, níveis de
proteção e sustentar a integração em estratégias e políticas de gestão e de conservação. Os
diversos locais avaliados são classificados segundo uma escala de vulnerabilidade, a partir
da qual se estabelece a prioridade na implementação de estratégias de conservação e as
potenciais medidas de gestão, sendo que os geossítios classificados com a vulnerabilidade
baixa devem ser os prioritários para a definição e implementação de estratégias de valori-
zação e de divulgação. Os geossítios caracterizados com vulnerabilidade elevada devem ser
356
objeto de estratégias que visem a sua preservação e conservação.
A escala de vulnerabilidade utilizada no presente estudo contemplou 5 níveis: muito
baixa (1); baixa (2); média (3); elevada (4); muito elevada (5). A última categoria (5)
é atribuída a um geossítio que apresente risco de perda ou destruição total eminente
(CARCAVILLA et al., 2007).
A classificação da vulnerabilidade permitiu inferir sobre o risco de destruição e de
perda dos geossítios e, consequentemente, definir a necessidade de implementar medidas
de conservação sobre os locais mais vulneráveis. Estas medidas traduziram‑se na atribuição
de regimes de proteção, com o objetivo de delimitar zonas prioritárias de Conservação da
Natureza, com ênfase na componente geológica.
O risco de perda ou de destruição será dado em função do somatório das características
intrínsecas e dos fatores externos aos geossítios, designadamente a atividade humana e
a abrasão marinha, por serem potenciadores de destruição acelerada, de acordo com a
utilização de um conjunto de critérios. Estes consideram a acessibilidade, a recolha de
amostras, o interesse para a indústria e a abrasão marinha.
A facilidade de acesso a um local pode potenciar as ações negativas, representando,
como tal, um fator de maior ameaça à sua integridade. A acessibilidade (Ac) foi diferen-
ciada em 4 níveis, de acordo com os pesos propostos por CARCAVILLA et al. (2003):
muito fácil – com acesso direto de uma estrada (4); fácil – deslocação a pé a menos de 10
minutos (3); média – deslocação a pé entre 10 a 15 minutos (2); difícil – deslocação em
terrenos sinuosos e desagregados (declives, afloramentos) (1).
A possibilidade de recolher amostras (Am) é um aspeto determinante na análise da vul-
nerabilidade de um geossítio, uma vez que tal atividade pode potenciar a maior afluência de
visitantes, com a consequente alienação e delapidação dos afloramentos. A recolha de amos-
tras foi definida numa escala, na qual o peso mais elevado (5) foi atribuído para os locais
onde a recolha coloque em causa a integridade e existência do afloramento. Nos locais onde
a recolha seja fácil, colocando em risco a manutenção do afloramento, foi atribuído o nível 3
e, por sua vez, aos locais com médio interesse para a recolha de amostras, foi atribuído o peso
2. O peso mais baixo (1) foi definido para locais sem interesse para a recolha de amostras.
O interesse potencial para a indústria (Ind) representa um perigo para a manutenção
da geodiversidade e da integridade do registo geológico. A ponderação atribuída a este
critério foi a mais reduzida, apesar de existir no Cabo Mondego uma área de extração
contígua ao limite do Monumento Natural. Assim, foram definidos 3 níveis: sem interesse
(0), com interesse residual (1) e com interesse (2).
O critério abrasão marinha (Abr) não é aplicável a todos os geossítios, pelo que assume,
na fórmula da vulnerabilidade, uma ponderação residual, uma vez que apenas 33% dos
geossítios estão sob o efeito da dinâmica das marés. Este critério é classificado numa
escala de 4 entradas, em que o peso mais elevado (5) é relativo ao único local (GSSP
do Bajociano) que se apresenta sob a influência direta e contínua dos efeitos das marés,
seguido dos locais que sofrem a influência direta da praia‑mar (4). Os locais sob a influência
pontual ou indireta das marés têm um peso de 3, e os locais que não registam os efeitos
das marés têm um peso de 2.
O cálculo da vulnerabilidade é igual à soma do valor da atividade antrópica (AA)
multiplicada por 2 e de metade do valor correspondente à abrasão marinha (Abr), de
acordo com a fórmula:
Abr 357
Vul = (AA * 2) +
2
Por sua vez, a atividade antrópica (AA) é obtida com base nos valores de acessibilidade,
da possibilidade de recolha de amostras e do interesse para a indústria, segundo a equação:


De acordo com as classes de vulnerabilidade resultantes da avaliação, definiram‑se os
regimes e os níveis potenciais de proteção, com o objetivo de delimitar zonas prioritárias de
Conservação da Natureza, expressas através de áreas de proteção parcial e áreas de inter-
venção específica para a conservação, manutenção e recuperação da geodiversidade (Fig. 3).

Fig. 3 – Classes de vulnerabilidade dos geossítios, sobre o modelo digital de terreno.


As áreas de proteção parcial consagram usos compatíveis com os objetivos de
conservação, pelo que a atividade humana é limitada a usos esporádicos de monitorização
ou salvaguarda e à investigação científica. As áreas de intervenção específica para a
conservação, manutenção e recuperação da geodiversidade focam setores com interesse
358
que, devido a pressões antrópicas a que foram sujeitas, necessitam de medidas de proteção
e de recuperação.
Para os locais com vulnerabilidades elevada e muito elevada consideraram‑se restrições
de acesso a um elevado número de visitantes, quando não acompanhados por técnicos
habilitados. Os locais com vulnerabilidade média devem ser alvo de medidas preventivas,
que visem uma utilização sustentável e a não destruição dos elementos geológicos.
Nas áreas de proteção parcial foram integrados os geossítios nº 2, 7 e 8. O Vale da
Anta (nº 2), apesar da vulnerabilidade média, foi inserido neste regime de proteção, uma
vez que consta nos trajetos das provas de enduro que se realizam com alguma periodi-
cidade, apesar da sua realização de ser interdita no Monumento Natural (Artigo 6.º,
D.R. n.º 82/2007). Estes eventos representam fatores indutores de stress acelerado sobre
o geossítio, com consequências na preservação da sua integridade. Os geossítios definidos
pelas Pegadas de dinossauros, marcas de ondulação e fendas de retração (nºs 7 e 8),
com elevadas vulnerabilidade e importância, também foram consagrados neste regime
de proteção.
Nas áreas de intervenção específica para a conservação, manutenção e recuperação
da geodiversidade foram integrados os geossítios cuja vulnerabilidade foi definida como
elevada e muito elevada: GSSP do Bajociano (1), ASSP do Batoniano (3), Registo estrati-
gráfico e paleontológico do Caloviano (5) e Depósitos de sin rifte (6).
A representação cartográfica dos geossítios foi definida com base no melhor ponto
para a sua visualização, sem que estejam confinados espacialmente a esse mesmo ponto.
Assim, foram definidas áreas de influência, quer para a implementação de estratégias de
conservação prioritárias, quer para as áreas de proteção parcial. Para tal, delimitou‑se a
área circundante aos geossítios (Fig. 4), na qual é possível observar as suas características
e singularidades geológicas, tendo como referência o ponto cartográfico.
No regime de áreas de proteção parcial, a menor área de influência foi definida no
geossítio nº 7 e, por sua vez, a maior (11323 m 2) foi definida no setor do Vale da Anta,
sua pela expressão geomorfológica. Relativamente ao regime de proteção das áreas específi-
cas para a geoconservação, o geossítio nº 6 (731 m2) apresenta a menor área de influência e
o ASSP do Batoniano detém a maior (4160 m2).

5 – Considerações finais

Defende‑se que as atividades humanas devem desenvolver‑se integrando preocupa-


ções de sustentabilidade, isto é, que assumam a necessidade de preservar a natureza,
em todas as suas vertentes, nomeadamente no que respeita ao legado geológico da
Terra, cuja conservação, proteção e valorização são, de acordo com a Declaração Inter-
nacional dos Direitos à Memória da Terra (R AMALHO, 1991), da responsabilidade
do Homem.
A realização deste trabalho, que se refere à avaliação da vulnerabilidade dos geossítios
do Monumento Natural do Cabo Mondego, que se expressa numa Planta de Síntese,
tem por objetivo identificar quais os locais que devem ser primeiramente considerados
para a implementação de medidas de conservação, de divulgação e de gestão, que visem
a promoção de educação ambiental e a utilização sustentável deste território.
Espera‑se que o trabalho agora produzido contribua para a valorização do Monumento
359
Natural do Cabo Mondego e do seu património geológico, e que incremente a perceção
pública acerca da importância da geoconservação na implementação de políticas de
conservação da natureza e do ordenamento do território.

Fig. 4 – Planta de Síntese de parte dos geossítios sobre o modelo digital de terreno.

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(Página deixada propositadamente em branco)
38
O ORDENAMENTO JURÍDICO NA TUTELA DO PATRIMÔNIO
NATURAL E O PAPEL DAS GEOTECNOLOGIAS
COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE

THE LEGAL SYSTEM IN THE NATURAL HERITAGE


PROTECTION AND THE ROLE OF GEOTECHNOLOGY
AS CONTROL INSTRUMENT

A. S. Uller1, W. Uller2 & J. M. Grott3

Resumo – Este trabalho tece considerações sobre “o ordenamento jurídico na tutela do


patrimônio natural e o papel das geotecnologias como instrumento de controle científico e
pericial”, estabelecendo como objetivo principal: destacar o papel do ordenamento jurídico,
em especial, do Direito Ambiental, na tutela do Patrimônio Natural, utilizando‑se para isso das
geotecnologias. No transcorrer dos escritos é apresentado primeiramente um histórico sobre
a área do Direito Ambiental no ordenamento jurídico brasileiro e mundial, citando suas
múltiplas conectividades dentro da área jurídica e com outros campos do saber. Num segundo
momento, é feita a definição de patrimônio e suas classificações, finalizando o trabalho com
o conceito de geotecnologias e uma apresentação sobre a importância deste instrumento para
o direito com alguns exemplos de aplicabilidade. Para tanto, utiliza‑se o método de pesquisa
qualitativa, tendo como procedimento básico o levantamento bibliográfico: livros científi-
cos de conhecimento sobre a área especializada; e dispositivos do ordenamento jurídico: leis,
doutrinas e jurisprudência. A conclusão sintetiza a idéia sobre o direito ambiental no âmbito
transdisciplinar, bem como a necessidade de preservação do patrimônio natural, utilizando
para isso do uso de geotecnologias junto à área jurídica, como exigência normativa para
administrações públicas e privadas, e controle pericial, pela excelente propriedade de
fidedignidade e facilidade de acompanhamento permanente em tempo real.

1
Autora do Artigo e Pesquisa. Acadêmica do 10º Período de Direito – Centro de Ensino Superior dos
Campos Gerais – Faculdades Integradas CESCAGE. Docente e Pesquisadora de Geografia UEPG. Doutora
em Geografia (área de Cartografia) pela USP, Brasil; [email protected]
2
Professor de Metodologia de Pesquisa em Direito. Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais
– Faculdades Integradas CESCAGE. Doutorando em Educação pela USP, Brasil. [email protected]
3
Professor de Direito Ambiental. CESCAGE e UEPG, Brasil.
Palavras‑chave – Direito Ambiental; Patrimônio Natural; Proteção; Geotecnologias

Abstract – This work weaves considerations concerning “the legal system in the protection
of natural heritage and the role of Geotechnology as scientific and expert control instrument”,
364
and its main goal is to highlight the role of the legal system, in particular, the environmental
law, as guardianship of the Natural Heritage, using geotechnology. In the course of this work,
the historical background about the area of environmental law in the Brazilian legal system
and worldwide is firstly presented, referring its multiple connectivity within the legal area
and with other fields of knowledge. In a second moment, heritage and their classifications
are defined, finishing the job with the concept of geotechnology and a presentation about the
importance of this instrument to the right, as well as some examples of its applicability. The
method of qualitative research has been used, based on bibliographic data: scientific books on
the specialized knowledge area, and legal planning devices: laws, doctrine and jurisprudence.
The conclusion summarizes the idea about the transdisciplinarity of the environmental law,
as well as the need to conserve the natural heritage, using geotechnologies in the aim of the
legal area, as regulatory requirement for public and private administrations, and expert
control, due to its excellent reliability and easy and real‑time continuous monitoring.

Keywords – Environmental Law; Natural Heritage; Protection; Geotecnologies

1 – Introdução

O direito (ciência jurídica), além de organizar a vida em sociedade e proteger o bem


comum, é uma construção social, que caminha de acordo com o seu desenvolvimento
e valores. Em sua evolução traz a tona questões em conjunto com outras áreas do saber.
O interesse econômico tem‑se sobressaído aos interesses sociais, ainda que referentes à
preservação do próprio ambiente natural e suas reservas, que são fontes para este mesmo
desenvolvimento. Isso tem causado sérios danos ao equilíbrio ambiental, colocando em
risco a existência dos patrimônios e da sustentabilidade do planeta.
A pesquisa descrita neste artigo traz como objetivo geral destacar o papel do ordenamento
jurídico, em especial, do Direito Ambiental, na tutela do Patrimônio Natural, utilizando‑se
das geotecnologias, como instrumento de fiscalização e controle das áreas a serem preservadas.
O encaminhamento metodológico foi levantamento bibliográfico, na área jurídica e na
área técnica ambiental e geoinformacional. A ênfase é qualitativa, discorrendo sobre as
doutrinas e desencadeamento de dispositivos legais, aferidas no próprio desenvolvimento
socioeconômico brasileiro, enquanto país capitalista emergente.
Na conclusão, a abordagem retoma o assunto de modo reflexivo, fechando a temática
jurídica transdisciplinar, com especial ênfase no Direito Ambiental e uso das geotecnologias.

2 – O Direito Ambiental na interface com demais áreas jurídicas

O Direito Ambiental aborda as interações do homem na natureza e as consequências


dessa interação, principalmente quando negativas, ocasionando problemas diversos ao
meio ambiente. Este estabelece relações transdisciplinares com outros campos do saber
jurídico, com o Direito Civil, Direito Administrativo, Direito Penal, Direito Constitucional
e Direito Internacional. Do mesmo modo, necessita das demais ciências, antropologia,
biologia, geografia e os diversos ramos das ciências sociais, para a compreensão da estru-
tura ambiental e dos sujeitos e ações que estão embutidos no processo de degradação do
365
meio ambiente.
Para os autores PLILIPPI Jr. & ALVES (2004, p. 3):

“Deve ser ressaltado que as questões ambientais têm que ser tratadas segundo a
lógica da transversalidade, isto é, englobam uma abordagem que contemple diferentes
campos de ação, pública e privada. Assim, é que os temas de Direito Ambiental são
acompanhados de informações técnicas e de abordagens distintas, uma vez que a
visão e o tratamento exclusivamente jurídico das questões não seriam suficientes para
o entendimento e o equacionamento das mesmas: o desafio da sustentabilidade está
inserido nos contextos sociais, econômico, político, cultural e ambiental, por isso a
assunção do caráter multidisciplinar dos trabalhos”.

Tanto o amplo conhecimento do ordenamento jurídico, como os artefatos das enge-


nharias e informatização corroboram para os estudos e análises das condições ambientais,
por isso é muito comum o trabalho paralelo de perícias técnicas especializadas para
subsidiar esse banco de dados a serem discutidos e defendidos pelas instâncias jurídicas.

2.1 – Histórico do Direito Ambiental

O Direito tem seus marcos em datas anteriores à Era Cristã, vide o Código de Hamurabi
(aproximadamente 1815 a.C.). Muitos foram os personagens que marcaram o desenvol-
vimento do Direito, bem como as transformações gigantescas ocorridas na sociedade que
emergia com a industrialização, e revoluções políticas que afetavam a área do Direito.
Nos séculos xix e xx, as mudanças ocorridas foram exigindo reformulações do orde-
namento jurídico, vislumbrando principalmente resolver conflitos entre as relações sociais.
Tais preocupações centradas no homem, ou em sua vida em sociedade, foi o foco central
até meados da década de 60; já no período pós Guerra, passou‑se a se preocupar com a
durabilidade dos recursos naturais, reconhecendo os problemas de escassez. Com isso,
ampliou‑se o custo de bens naturais como matérias‑primas, energia e até mesmo a água.
Esta problemática alcançou a área de Direito, ditando‑lhe novos rumos, que se estrutu-
raram principalmente com a Conferência de Estocolmo, em 1972, onde foi discutida a
urgência em direcionar o foco das preocupações para o aspecto ambiental.
Na Conferência ocorrida no Rio de Janeiro (Eco‑92), tentou‑se traçar um equilíbrio
entre os interesses do homem e os da natureza, propondo‑se um desenvolvimento sus-
tentável, capaz de conciliar o avanço do desenvolvimento global, com as necessidades de
preservação ambiental, dos recursos naturais e das espécies do planeta.
Sintetizando tal historicidade, ao Estado coube primeiramente a tutela dos Direitos
de Primeira Geração, “direitos fundamentais” ou “direitos personalíssimos”. Na sequência,
o mesmo passou a cuidar das obrigações com as demais pessoas, como Direito de Segunda
Geração (direito de propriedade, direito do trabalho, obrigações de fazer/não fazer/dar,
etc.). Com a luta enfática pela democracia e igualdade entre os povos, atingiu‑se as
demandas pelos interesses coletivos ou os chamados Direitos de Terceira Geração, onde
se incluiu o meio ambiente. Hoje, o objeto de preocupação do Direito já avançou para
as dimensões de quarta geração, que abrange questões mais complexas, entre elas a
bioética. Não existe nenhuma hierarquia entre estas gerações de Direito, porém o Direito
366
Ambiental, é considerado “difuso”, pois ao mesmo tempo em que é um direito coletivo,
não se identifica o grupo que faz parte desta coletividade, ou seja, o bem é classificado
como “bem público” (de todos).

2.2 – O Direito Ambiental no exterior e no Brasil

O passo inicial de preocupação deu‑se a partir da década de 70, com a Conferência


das Nações Unidas, ocorrida em Estocolmo, no ano de 1972, presidida pela ONU e com
a participação de 113 países. Ademais, mesmo com a atenção dada constitucionalmente
pelas nações, passados 20 anos desta Conferência, considerando que o desenvolvimento
global não apresentava condições de ser absolutamente freado, discutem‑se em Conferência
Mundial da ONU, no Rio de Janeiro, nova estratégia paradigmática, o “desenvolvimento
sustentável”, onde se determina que o avanço das cidades e da economia como um todo
deve buscar a permanência dos bens mundialmente reconhecidos e indispensáveis às
futuras gerações.
O assunto das graves ameaças causadas pela emissão de poluentes, principalmente
na atmosfera, causando o efeito estufa, além de severas mudanças climáticas, fez surgir
um acordo entre as nações, denominado Protocolo de Quioto, assinado em 1997 e
ratificado em 1999, visando o controle obrigatório sobre a emissão de CFCs (cloro-
fluorcarbonetos) emitidos pelas nações, estabelecendo cotas, principalmente para as
fortemente industrializadas.
Em um primeiro momento de êxito do Brasil, compete dizer que a PNMA – Política
Nacional do Meio Ambiente (instaurada na década de 80 e regulamentada na década
de 90) estabeleceu novas diretrizes de conduta, criando a Lei 6.938 em 31 de agosto de
1981. Em nossa Constituição Federal, datada de 5 de outubro de 1988 (BRASIL, 1988),
artigo 225, se legitima que “Todos tem o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida...”.
A Lei 6.938, regulamentada pelo decreto 99.274 (de 6 de junho de 1990), instituiu
o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), constituído por órgãos e entidades
da União, dos Estados, do Distrito Federal, e dos municípios, bem como pelas funda-
ções instituídas pelo poder público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade
ambiental. Tais entidades recebem as seguintes denominações:

• SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente);


• CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente);
• MMA (Ministério do Meio Ambiente);
• IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis);
• ÓRGÃOS E ENTIDADES ESTADUAIS E MUNICIPAIS.

Tais organismos, sejam na esfera federal, estadual ou municipal, têm tomado frente às
questões de proteção ambiental, criando normas e vários tipos de instrumentos mitigatórios:
• Estudo de Impacto Ambiental (EIA)
• Relatório de Impacto Ambiental (RIMA)
• Plano de Controle Ambiental (PCA)
• Relatório de Controle Ambiental (RCA)
367
• Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD)
• Relatório Ambiental Preliminar (RAP)
• Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS)

Além disso, o ordenamento jurídico abre espaço, com a Lei da Ação Civil Pública
(Lei 7.347, de 24/7/85), favorecendo que a tutela sobre os valores ambientais seja de
responsabilidades de todo e qualquer cidadão, e que este denuncie qualquer tipo de dano
causado ao meio ambiente e seus patrimônios.

3 – O Patrimônio Natural como objeto de preocupação na área do Direito Ambiental

Até se chegar à configuração dos Estados Modernos, o termo “patrimônio” referia‑se


aos bens dos grupos familiares, uma vez que era de onde se obtinha a subsistência das
famílias. Quando a sociedade se organiza, este conceito evolui e as práticas se modifi-
cam, pois tal interesse deixa de ser algo particular, indo para a esfera coletiva, e o Estado
passa a ser o guardião dos direitos dos interesses públicos, ou seja, de todos os cidadãos.
O meio ambiente é uma das esferas de maior importância protetiva no Brasil, tendo
sua legitimação assegurada pela Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981, em especial no artigo
2º, I, que estabelece como princípio dessa política que o meio ambiente é patrimônio
público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo, e
complementa‑se na Constituição Federal de 1988 (BRASIL 1988), no capítulo do artigo
225, a proteção ao meio ambiente enquanto bem comum do povo. Sendo um direito
imaterial, intangível e inquantificável ou imensurável, não se tem como valorar financei-
ramente. No que tange especificamente à entidade patrimônio, a Constituição Federal
do Brasil, de 1988, recepciona sua existência no artigo 216, onde se tem disposto que:

“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,


tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais incluem:(...)
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueoló-
gico, paleontológico, ecológico e científico”.

Observa‑se que a referida carta magna, salienta a necessidade de proteção aos patri-
mônios como bem de comum de todos, e não faz grandes distinções entre as espécies,
tratando todos sobre o gênero “cultural”.

3.1 – As espécies de Patrimônio e o dever de tutela sobre os Patrimônios Ambientais

Na distinção entre os diversos tipos de patrimônio podem ser agrupados três espécies
(ULLER et al., 2001; SILVA, 2003):
• Patrimônio Natural ou Paisagístico: Que compõem os elementos da primeira natureza;
• Patrimônio Histórico ou o Saber Fazer: Referentes ao saber fazer dos povos;
• Patrimônio Artístico ou os Objetos: Artefatos que o homem criou em seu saber‑fazer.
368
Sobre o Patrimônio Natural em específico têm‑se outras definições sobre a delimita-
ção de espaços territoriais especialmente protegidos, classificados por níveis de dimensão
zoneamento (micro, médio e macro) e área de zoneamento (urbano ou rural). Na divisão
entre os espaços urbanos e rurais, tem para o primeiro as diretrizes dos planos diretores,
atrelados ao Estatuto das Cidades, e para o segundo que também são lidos como pro-
dutivos ou de reservas naturais (novamente redistribuído de acordo com a prerrogativa:
áreas públicas ou áreas privadas), normativas decretadas especificamente (GUERRA &
CUNHA, 2006).
O direcionamento dado por este artigo refere‑se à áreas zoneadas em nível macro, que
recebem atenção especial enquanto biomas do ecossistema brasileiro: Floresta Amazônica,
Mata Atlântica, Serra do Mar, Pantanal Mato‑Grossense e Zona Costeira. Os macro‑
-zoneamentos apontados nos Biomas citados, além de serem constantemente alvo de ameaças
predatórias, possuem uma particular condição de necessidade de monitoramento estratégico.
Nas políticas públicas, o dever de tutela do meio ambiente aparece primordialmente
enquanto dever do Estado. Porém, vê‑se no ordenamento jurídico, que esta é uma função
tanto pública, quanto privada, daí a presença de normativas limitadoras no direito de
propriedade, trazendo a presença da função social, tanto para as áreas urbanas, quanto
rurais, em prol da prevenção de degradações ambientais, ou correções alternativas e
mitigatórias (ARAUJO et al., 2007).
Para saber a quem cabe proteger o patrimônio num aspecto formal, demanda tomar
conhecimento do âmbito em que o patrimônio foi tombado: poder local (municipal),
estadual ou federal. O meio ambiente tem um caráter sobretudo global, e embora tra-
temos de situações muitas vezes isoladas, compreendemos a repercussão de seus efeitos
na esfera macro. Assim, a proteção jurídica também se estende até alcançar tratados
internacionais, como o de Quioto. Organismos como a ONU, a UNESCO, e mesmo os
não‑governamentais, como o GREENPEACE, que atuam permanentemente no estudo
e interferências internacionais para salvaguardar patrimônios da humanidade e evitar
problemas de ordem diversas.
Verifica‑se que algumas vezes emerge um conflito existente entre a norma federal,
estadual e municipal e as vezes isto é interligado:
Na esfera administrativa (competência do setor Executivo), tem‑se o papel de fis-
calização, ou também chamado “dever de polícia”, onde são verificados os trâmites das
documentações necessárias para determinadas ações frente ao meio ambiente, ou, em
situações de infrações, se encaminha para o setor judiciário para imputar penalidades.
Na esfera legislativa, cabe aos representantes sociais criar as leis, dando provimento à
necessidade de proteção, com aplicação de deveres aos segmentos da sociedade, sob pena
de sanções diversas, que variam de multas, a penas privativas de liberdade se descumpri-
das. Contudo, tais inconformidades com os preceitos da lei são de competência da esfera
jurídica, a quem cabem julgar e sentenciar toda e qualquer irregularidade. Para isso, são
intimados peritos, que trazer elementos fidedignos de caráter probatório às ações impetradas.
Uma última esfera refere‑se à participação popular no processo de fiscalização e exigência
do dever protetivo junto aos patrimônios, através do instituto da “Ação Civil Pública”. Para
tanto, mister se faz solicitar a interferência do Ministério Público Federal ou Estadual, pois
conforme dita o art. 127 de nossa Constituição Federal/88, este órgão é considerado “insti-
tuição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo‑lhe a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
369

4 – A contribuição das geotecnologias na área jurídica

Segundo MATIAS (2010; p. 86), geotecnologia é:

“Termo que vem sendo empregado por diversos autores para denominar o conjunto
de tecnologias computacionais e os conhecimentos científicos que lhes são necessários
para realizar a aquisição, o armazenamento e o tratamento de dados e a produção de
informações de forma georreferenciada, congrega, portanto, a Cartografia Digital, o
Sensoriamento Remoto, o Sistema de Posicionamento Global (GPS) e os Sistemas de
Informações Geográficas (SIG)” (grifo nosso).

Embora possa ser destacado o uso de fotografias aéreas desde o século xix, ligando‑se
aos primeiros registros da superfície por meio de dirigíveis, a atual aerofotogrametria,
bem como o sensoriamento remoto e o geoprocessamento se desenvolveu após a Segunda
Guerra Mundial, com o lançamento do satélite Sputnik. Foi mais precisamente na década
de noventa, que os institutos de pesquisas como no Brasil o INPE (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais), veio a progredir em seus estudos, fazendo uso intensivo dos meios
computacionais para trabalhar com as imagens de satélites junto aos bancos de dados do
geoprocessamento, dando maior fidedignidade aos produtos cartográficos.
Os softwares mais utilizados em geoprocessamento voltado ao campo ambiental são
(SILVA & ZAIDAN, 2010): o SAGA (Sistema de Análise Geo‑Ambiental), o Auto Cad
(DWG) e o ArqView, entre outros. Quanto aos satélites, o GOES e o NOAA são bastante
aplicáveis às questões ambientais. Os satélites da série GOES estão a uma altitude aproxima-
da de 36.000 km da superfície da Terra e favorecem bastante por fornecerem imagens a cada
30 minutos. Os Satélites NOAA‑12,14 a 17, da série TIROS‑N, estão a uma altitude aproxi-
mada de 850 km, fazendo a cobertura terrestre, sendo que seus sensores AVHRR‑NOAA são
bastante rápidos, praticamente em tempo real, além de ser de uso irrestrito e de custo zero.
Suas imagens chegam a cobrir uma área equivalente a 2.500 km por 4.000 km.
O Brasil recebe imagens do satélite americano LANDSAT desde 1973, através de
uma antena de recepção atrelada ao INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) em
Cuiabá‑MT. Hoje, inúmeros satélites ocupam espaço na órbita terrestre, onde também se
destacam o SPOT (francês), o IKONOS e o QuikBird (americanos), o Eros (Israelense)
e o CBERS (China Brazil Earth Resources Satellite, lançado em 14 de outubro de 1999).
FLORENZANO (2002; p. 55) explica que:

“As imagens de satélites, ao recobrirem sucessivas vezes a superfície terrestre, possibi-


litam o estudo e o monitoramento de fenômenos naturais dinâmicos do meio ambiente
como aqueles da atmosfera, do vulcanismo, da erosão do solo, da inundação, etc., aqueles
antrópicos como o desmatamento, por exemplo. Esses fenômenos deixam marcas na
paisagem que são registradas em imagens de sensores remotos (...)”.
Tais instrumentos são essenciais principalmente na atuação frente às áreas de altíssimo
impacto, que demandam de vigilância máxima e controles permanentes. As áreas com maior
rigor de controle, podem ser assim denominadas, conforme (COSTA & SILVA, 2010):
370
• Áreas de Recuperação Natural da Cobertura Vegetal
• Áreas de Proteção de Encosta
• Áreas de Moderada Vigilância no Controle dos Desmatamentos e Incêndios
• Áreas de Controle da Expansão Urbana
• Áreas com Necessidade de Proteção
• Áreas Ecoturísticas com ou sem Restrições

Com o apoio das geotecnologias atreladas a demanda da sociedade em desenvolver


atividades de planejamento e gestão, bem como de fiscalização e aplicação de sanções
frente às irregularidades, expandiu‑se o uso de mapas em diferentes segmentos da vida
pública, entre eles o direito, pois este material serve de instrumento para a visualização
espacial de uma infinidade de interesses, podendo ser elaborados em diferentes escalas,
e gerar condição de visibilidade de modo local, regional, estadual, nacional ou ainda
mundial.
Em situação de ação civil pública, MILARÉ (2011) enfatiza a importância da do-
cumentação emitida por um parecer técnico especializado, quando relembra a solução
apresentada pela Lei 8.455/1992, atribuindo nova redação ao art. 427 do CPC: “o juiz
poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresenta-
rem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que consi-
derar suficientes”. Este complementa que: “a prova técnica produzida no inquérito civil,
desde que elaborada por órgão ou entidade pública, equivale à produção antecipada de
prova, dispensando‑se a perícia de juízo, salvo em caso de impugnação fundamentada
da parte contrária” (op. cit., p. 1371‑1372).

4.1 – As áreas do Direito que podem fazer uso de geotecnologias

No campo do direito civil (VENOSA, 2009), é possível utilizar geotecnologias para


mapear áreas de ocupação irregular e desenvolver políticas de legalização de proprieda-
des que possam servir‑se da “usucapião”, através de ações civis públicas individuais ou
mesmo coletivas; em direito tributário pode‑se fazer o controle da dimensão das pro-
priedades, para atribuir de forma correta a aplicação das taxas de impostos; em direito
urbanístico pode ser empregado tanto no plano diretor, como na gestão municipal; em
direito penal é possível realizar mapas de zoneamentos do crime, dirigindo interferência
de controle policial para estas áreas específicas.
Em direito ambiental, a aplicabilidade é bastante vasta: no reconhecimento das áreas
com necessidade de proteção, na visualização permanente das situações de preservação
e portanto em seu controle, na identificação de áreas degradadas por desmatamento,
inundação, incêndio, desertificação, e até mesmo na detecção de contaminação de solo
e/ou água, pois o satélite pode captar a interferência de resíduos, mesmo em áreas sub-
marinas, sendo que para cada atividade, existem hoje, satélites específicos de atuação; em
direito administrativo a função de controlar os despachos de licenciamentos ambientais
solicitados, pode ser realizada com base na visualização da área demandada. O Decreto‑lei
no 99.274/91 deixa claro no artigo 1o:

Art. 1º Na execução da Política Nacional do Meio Ambiente cumpre ao Poder


371
Público, nos seus diferentes níveis de governo: (...)
IV – incentivar o estudo e a pesquisa de tecnologias para o uso racional e a proteção
dos recursos ambientais, utilizando nesse sentido os planos e programas regionais ou
setoriais de desenvolvimento industrial e agrícola;

Saliente‑se que, indiferentemente de um desastre ambiental ser ocorrido por queimada,


desmatamento, poluição ou inundação, estes são captados pelos sensores dos satélites,
sejam também em áreas florestais, áreas de solo exposto, ou mesmo em áreas pluviais ou
oceânicas. Hoje, os equipamentos tecnológicos estão cada vez mais sofisticados, primando
pela eficiência em resolução espectral (que permite a visualização), ainda que passando
por eventuais obstáculos, como nuvens, chuvas e fumaças. Além da visualização de imagens
isoladas, é possível realizar com a coleção delas, um acompanhamento da evolução de
determinados estados de conservação ou degradação de uma área especialmente protegida.

5 – Considerações finais

A comunidade científica não tem como deixar de reconhecer o avanço do Direito Am-
biental, bem como a preciosa contribuição de outras áreas afins que subsidiam o trabalho
jurídico, principalmente no âmbito das fiscalizações e controle das gestões de áreas que
requerem especial proteção. É necessário prosseguir com as discussões e avanços científicos
tecnológicos em prol de um aperfeiçoamento e ampliação nas ações de proteção de recursos
e reservas naturais, adequando as atividades produtivas a um desenvolvimento sustentável
para todas as nações, garantindo um ambiente saudável às gerações futuras.
Os resultados até hoje obtidos devem traduzir‑se em políticas públicas eficientes, que
garantam o equilíbrio ambiental, sem que detenha a possibilidade de desenvolvimento
econômico. As políticas de sustentabilidade devem integrar, portanto, uma organização
territorial de modo inteligente, atendendo à nova realidade cultural, social e econômica, atre-
lada as recomendações de cuidados necessários e justos à preservação das riquezas naturais.
É preciso acompanhar o ritmo da modernidade, aprimorando a tecnologia a favor do próprio
homem e do meio ambiente. Para tanto, o campo jurídico deve conciliar o debate sobre as
revisões dos dispositivos jurídicos e adotar medidas eficazes para torná‑los aplicáveis.
Vários estudiosos estão certos de que é preciso ampliar a consciência crítica ambiental
nos operadores do Direito. O meio ambiente está a mercê do homem, assim como o próprio
homem necessita das condições favoráveis do meio ambiente. As geotecnologias são um
avanço da capacidade intelectual do homem em dominar a máquina; que a preservação
do ambiente venha de encontro com esta capacidade intelectual humana, fazendo o homem
pensar que somos seres indissociáveis à questão terrena.
O ordenamento jurídico, assim como o Estado tem o seu papel na Tutela do Meio
Ambiente e dos Patrimônios Naturais, porém, cabe a nós, membros da sociedade acompa-
nhar estes trabalhos e cobrar pela execução plena dos preceitos constitucionais, enquanto
direitos de todos os cidadãos.
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SECÇÃO 5
GEOCIÊNCIAS:
O QUE NOS DIZ A HISTÓRIA E O QUE FICA PARA A HISTÓRIA

“É possível crer que todo este passado seja apenas o início dum início, e que tudo
aquilo que é e foi mais não é do que o primeiro reflexo da alvorada.”

H. G. Wells, “The Discovery of the Future”, 1962


(Página deixada propositadamente em branco)
39
EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOLÓGICO
NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO (BRASIL)

GEOLOGICAL EVOLUTION OF KNOWLEDGE


IN THE CITY OF RIO DE JANEIRO (BRAZIL)

R. Porto Jr.1 & B. P. Duarte2

Resumo – A cidade do Rio de Janeiro sempre se mostrou como a principal referência


para os principais acontecimentos da história brasileira do ponto de vista social, político,
cultural e científico. Neste trabalho, busca‑se a recuperação e caracterização da evolução
do conhecimento conceitual e prático da geologia dessa região, que serve como um bom
olhar para a evolução do conhecimento geológico no Brasil como um todo.

Palavras‑chave – História da Geologia; Rio de Janeiro; História das Geociências;


História da Geologia

Abstract – The City of Rio de Janeiro has always been the main reference for the main
events of Brazilian history from the standpoint of social, political, cultural and scientific.
In this work, we seek to recover and characterize the evolution of conceptual and practical
knowledge of the geology of this region, which serves as a good look at the evolution of geological
knowledge in Brazil as a whole.

Keywords – Geological History; Rio de Janeiro; Geoscience History; History of Geology

1 – Introdução

Este trabalho se insere em uma linha de pesquisa denominada “Análise da evolução


do conhecimento geológico na cidade do Rio de Janeiro”, coordenada pelo autor, e que tem

1
GEP, JV‑PEQ, Departamento de Geociências, Instituto de Agronomia da Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro, Km 7, BR‑465, Seropédica, 23890‑000, Brasil; [email protected]
2
JV‑PEQ, DGRG, Faculdade de Geologia, UERJ, R. São Francisco Xavier 524, Bloco A, 4º Andar.
Maracanã – Rio de Janeiro. RJ. 20550‑900, Brasil; [email protected]
como objetivos básicos recuperar, catalogar e analisar os dados que permitam compreender
a evolução do conhecimento geológico da cidade do Rio de Janeiro.

376
2 – Conhecimento geológico na cidade do Rio de Janeiro: pré século xx

O conhecimento geológico referente à geologia da cidade do Rio de Janeiro e seus


arredores teve início, com caráter apenas descritivo, logo após à chegada de D. João VI
ao Brasil no ano de 1808, e da “abertura dos portos às nações amigas”. A princípio, a geologia
era descrita de forma subjetiva, estando inclusa em relatos de viajantes que, na época,
podiam ser, tanto estudiosos (botânicos, naturalistas, geógrafos, por exemplo) como
simples negociantes ou aventureiros que observavam o exotismo, as belezas e as riquezas
do território que, por séculos, estivera protegido pela coroa portuguesa. Anteriormente,
relatos de 1531 descrevem a região da cidade do Rio de Janeiro e seus arredores como
“ formada por montanhas e serras muito altas que circundam um rio”, sendo o rio em questão,
em verdade, a Baía da Guanabara. Os trabalhos iniciais relacionados propriamente à
geologia da cidade do Rio de Janeiro foram realizados por europeus participantes de
missões científicas à América do Sul, e mantiveram‑se com caráter puramente descritivo
até o início do século xix. Dentre tantos viajantes, merecem destaque as contribuições
de Mawe, Luccok, Spix, Martius, Darwin, Gardner e Burton.
John Luccok, que permaneceu no Brasil de 1808 a 1818, publicou em 1820, em
Londres, informações referentes à geografia do Rio de Janeiro. No ano seguinte, estas
mesmas notas foram apresentadas em alemão, na cidade de Weimar. Em 1829, as primei-
ras rochas da cidade já haviam sido descritas por Caldcleugh, que notou “a presença de
granitos e gnaisses nas partes mais elevadas da cidade”. Em 1830, Augustin F. César P. de
Saint‑Hilaire narrou suas viagens ao interior do Brasil, relacionando aspectos da geografia
do Rio de Janeiro a fenômenos geológicos.
Os estudos geológicos mais específicos para a cidade começam a ser realizados pelo
Barão de Von Eschewege, que, em 1831, publicou seus primeiros estudos referentes a
uma seção geológica que ia da baía da Guanabara até a cidade mineira de Uberaba, no
interior do Brasil. Aime Pissis, em 1842, publicou nos Anais das Ciências Geológicas de
Paris uma “Notice géognostique sur la Province de Rio de Janeiro”. Outro nome importante
deste período é o do notável naturalista Jean Rodolphe Agassiz. Ele concluiu, ainda na
Europa, um trabalho sobre peixes brasileiros, iniciado por Spix, que morrera antes da
conclusão do mesmo. Agassiz foi chamado à cidade do Rio de Janeiro pelo Imperador
D. Pedro II, que se interessava pelas geociências; imaginava que os matacões (grandes
blocos) encontrados espalhados por várias regiões da cidade teriam alguma ligação, em
termos de processo de formação, com os blocos erráticos gerados por geleiras continentais,
estudados por Agassiz nas geleiras dos Alpes em 1840. Os blocos graníticos e tonalíticos,
encontrados por toda a cidade, principalmente no local batizado como Furnas da Tijuca,
foram classificados por Agassiz, como formados por um “ drift glacial”. Essa interpretação
foi publicada em 1865, em New Haven (EUA), como uma nota intitulada “On drift in
Brazil, and on decomposed rocks under the drift”. Entretanto, a mesma foi contestada pelo
geólogo Charles Frederick Hartt, até então discípulo de Agassiz.
Por volta de 1851, Frederico Leopoldo César Burlamaque publicou notas sobre minerais
ocorrentes em rochas coletadas na cidade do Rio de Janeiro. Uma referência importante,
relacionada ao ano de 1859, foi a publicação de Candido Baptista de Oliveira sobre as
condições geológicas do porto do Rio de Janeiro. Vale a pena registrar, também, a discor-
dância de idéias entre Ladislau Souza Mello e Netto e o Barão de Capanema quando o
primeiro publicou, em 1868, o resultado do exame das rochas da encosta do Corcovado no
377
Diário Oficial. O Barão de Capanema foi, inclusive, o primeiro brasileiro a apresentar
pesquisa geológica de realce, contestando inclusive as idéias de Agassiz, nos jornais da
época. Em 1875, H. A. Brouwer publicou, em Amsterdã, dados sobre as rochas alcalinas
da serra do Gericinó. No ano de 1890, o tinguaíto da serra do Tinguá é descrito em
alemão e português pelo famoso petrógrafo Eugen Hussak. Em Viena, já em 1892, E. O.
Hovey fez referências aos diabásios da cidade do Rio de Janeiro.
Um notável cientista, que dedicou quase toda a sua vida de pesquisador ao Brasil, foi
Orville Adalbert Derby. Ele publicou na revista “Science”, em 1886, uma breve nota refe-
rente a geologia da cidade do Rio de Janeiro. Em 1897, o mesmo autor publicou um mapa
que abrangeu parte das então capitanias de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, pelo
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, do qual foi fundador e diretor. Em 1895
foi publicada por Rossiter Worthington Raymond, em Nova York, uma nota referente à
estrutura do augen‑gnaisse do Rio de Janeiro. Em 1896 foi a vez de James Furman Kemp
descrever o ganisse da Pedreira da Glória.

3 – Conhecimento geológico na cidade do Rio de Janeiro: século xx

Já no início do século xx, Nerval de Gouveia, em 1907, publica no “Almanaque


Brasileiro” um roteiro para uma “excursão através de algumas quebradas da cinta gnáissica
da cidade do Rio de Janeiro”. As primeiras décadas do século xx foram marcadas por
grandes contribuições à geologia da cidade do Rio de Janeiro. Um dos criadores da
escala granulométrica Udden‑Wentworth, Jonh August Udden, publica em 1914 uma
série de análises mecânicas de sedimentos, onde inclui uma amostra de silte do fundo
da Baía de Guanabara. Os sucessores de Laboriau, que defendeu uma origem única para
“os ortognaisses das cercanias da cidade do Rio de Janeiro”, Ruy Maurício de Lima e Silva
e Everardo Backheuser muito se dedicaram na obtenção de conhecimentos sobre a geo-
logia da cidade. Lima e Silva publica, em 1920, idéias sobre a faixa gnáissica do Distrito
Federal (nome como era designada a cidade do Rio de Janeiro à época). Já BACKHEUSER
dedicou‑se a publicações puramente didáticas sobre a geologia do antigo Distrito Fede-
ral, apresentando em 1925, o primeiro mapa da geologia, referente a área em questão.
Entre suas contribuições, está a análise da disjunção esferoidal, em “cascas de cebola”,
das rochas gnáissicas da cidade, a explicação para as lajes deslocadas que constituem a
Gruta da Imprensa (publicadas na Revista Brasileira de Engenharia), os estudos sobre os
granitos dos subúrbios do Rio de Janeiro e discussão a respeito da formação, não só da
restinga da Marambaia, como também de todo o litoral carioca. As considerações acima
sobre a geologia da cidade do Rio de Janeiro são encontradas em publicações datadas de
1946, que também trazem considerações geográfico‑geológicas sobre a lagoa Rodrigo de
Freitas, localizada na zona sul da cidade. No ano seguinte, Backheuser, fez referências à
geologia da cidade nos Anais do X Congresso Brasileiro de Geografia.
Outro nome de grande importância nesta busca pelo entendimento geológico da re-
gião é Alberto Betim Paes Leme, pesquisador do Museu Nacional, que publicou, ainda
em 1910, estudos geológicos de parte do Distrito Federal e, em 1912, dos gnaisses da
cidade, onde discute a origem das rochas e apresenta soluções absolutamente brilhantes e
inovadoras para o estágio de conhecimento geológico do período (PAES LEME, 1912).
Paes Leme, que era um defensor da teoria da migração continental do meteorologista
378
Wegener, propõe na Academia Brasileira de Ciências, em 1930, a hipótese de uma remode-
lação terciária para a tectônica da Serra do Mar, algo notável do ponto de vista conceitual
para o período. Em 1943, apresenta uma nota explicando a formação geológica do antigo
Distrito Federal.
Em 1933 iniciam‑se as contribuições de Octavio Barbosa que publica, nos anais da
Escola de Minas de Ouro Preto em 1935, uma nota sobre as rochas da cidade do Rio
de Janeiro. Nesses mesmos anais também está um trabalho realizado em co‑autoria com
Djalma Guimarães e Henrique Capper Alves de Souza, em que descrevem a petrografia
das rochas do Distrito Federal e seus arredores. No ano de 1938, Barbosa apresenta
uma contribuição ao estudo da gênese dos gnaisses da cidade na Academia Brasileira
de Ciências. Fernando Nascimento Silva, professor de geologia nos primeiros anos da
década de 40, publicou, em 1937 e 1940, um levantamento do subsolo da cidade e con-
siderações geológicas sobre a construção do futuro metrô. No ramo da geofísica, Décio
Savério Oddone publicou, em 1939, dados sobre a resistividade do subsolo da Estação
Ferroviária de Realengo, subúrbio da cidade.
Um nome importante e indispensável no contexto das contribuições à geologia
da cidade é o de Alberto Ribeiro Lamego que, por vários anos, desempenhou o cargo
de diretor do Serviço Geológico do Brasil. Lamego começou a contribuir para o conheci-
mento da geologia da cidade em 1936, publicando uma nota geológica sobre a Baixada de
Santa Cruz. Apresentou a Teoria do Protognaisse, até hoje discutida, em 1937. Em 1938,
estudou as escarpas da cidade do Rio de Janeiro. Devido a sua cultura humanística e seu
aguçado senso geográfico, histórico e social, Lamego apresentou uma série de estudos
sobre a relação do Homem com o seu ambiente, caracterizando os primeiros estudos de
fundo ecológico para a região. Nestes estudos, os aspectos geológicos estão sempre na
linha de frente da compreensão dos processos geomorfológicos, de ocupação de áreas e
econômicos. Entre esses estudos estão, “O Homem e o Brejo” de 1944, “O Homem e a
Restinga” e “O Homem e a Guanabara”, ambos publicados em 1948, e “O Homem e a
Serra”, publicado em 1963. A contribuição de Lamego atingiu o ápice com a apresenta-
ção em 1948 (LAMEGO, 1948) do primeiro trabalho de cartografia de maior detalhe
da cidade e suas adjacências: a Folha da Guanabara (em escala 1:100.000) no qual são
discutidos dados cartográficos, estratigráficos e estruturais que se mantêm atuais até os
dias de hoje.
Ainda na década de 1940 foram publicados outros trabalhos significativos sobre a
geologia da cidade do Rio de Janeiro. Em 1945, Walter da Silva Curvelo estudou os
xenólitos do Morro de Bonsucesso, enquanto, no mesmo ano, Affonso Várzea publicou,
em três volumes, a geografia do Distrito Federal; referindo‑se, também, à sua geologia.
Nas décadas de 1950 a 1970 a produção de conhecimento referente a geologia da
cidade do Rio de Janeiro sofreu um brusco declínio. O declínio ocorreu, em nosso
entendimento, devido a alguns fatores, entre eles:

1. O deslocamento da produção científica, antes gerada por pessoas que eram geó-
logos “por afinidade”, para os cursos de formação de geólogos, recém criados nas
Universidades, que ao menos a princípio, não estavam preparadas (as Universidades)
para assumir esse tipo de atividade, estando voltadas prioritariamente para a
formação de geólogos e não para a pesquisa geológica;
2. A mudança da capital do país da cidade do Rio de Janeiro para Brasília (início da 379
década de 60), fazendo surgir um crescente apelo pelo conhecimento geológico
referente às outras regiões;
3. O embate político da época, que começou com a campanha “O Petróleo é Nosso”
em meados da década de 50 resultando na criação da Petrobrás e na desistência,
por parte dos geólogos lotados na cidade, do contínuo aperfeiçoamento no conhe-
cimento da geologia da cidade do Rio de Janeiro, em favor das questões nacionais,
não necessariamente geológicas e não necessariamente científicas.

O destaque absoluto, para essa época, é o mapa geológico na escala 1:50.000 produzido
por R. Helmbold, Otto Leonardos Jr. e Joel G. Valença, em 1965, e para as folhas Baía
da Guanabara, Santa Cruz e Vila Militar (HELMBOLD et al., 1965), que recobrem
a totalidade da área do então Estado da Guanabara, antigo Distrito Federal, e que cor-
responde aos limites territoriais da cidade do Rio de Janeiro. Este mapa mostra‑se, ainda
hoje, atualizado em seus aspectos litológicos, estruturais e mineralógicos, demonstrando
de maneira cabal, a sua importância. Nele, foi elaborada a caracterização das unidades
mapeáveis baseadas nas denominações petrográfico‑mineralógicas das rochas, e não com
a nomenclatura até então utilizada freqüentemente, em que as texturas e estruturas
davam nome às rochas. O trabalho é um marco na geologia da cidade e, pode‑se dizer,
na geologia do Brasil, pelo seu caráter descritivo, detalhista e inovador, em termos de
produção. Contra ele pesa o fato de não tenha sido publicado o texto explicativo, estando
as informações, relacionadas às Unidades definidas, espalhadas por uns poucos e curtos
trabalhos e em textos inéditos. O mapa de 1965, assim como alguns roteiros, foram
publicados em congresso promovido pela Sociedade Brasileira de Geologia, em comemo-
ração ao quarto centenário da cidade do Rio de Janeiro. Os roteiros, publicados como
“avulsos” da DGM são: “Roteiro Geológico e Paleontológico no Contorno da Baía de Guanabara
e na Bacia Calcária de Itaboraí”, elaborado por Friedrich Wilhelm Sommer et al., “Roteiro
Geológico ao Maciço Gericinó” de Evaldo Osório Ferreira et al. e “Roteiro Geológico na
Serra da Carioca e Adjacências”, escrito por Andrade Ramos e Rita Alves Barbosa.
Outra contribuição importante foi dada por Leonardos Jr.. Em 1973 ele apresentou,
em Tese de Doutoramento, um modelo evolutivo para o conjunto de rochas ganássicas e
graníticas, utilizando‑se de dados estruturais, petrográficos e geoquímicos (LEONARDOS
Jr., 1973).
A partir de 1980, a produção de dados geológicos sabre a cidade do Rio de Janeiro
ficou, basicamente, sob a responsabilidade das universidades instaladas no, agora, mu-
nicípio do Rio de Janeiro e seus arredores: UFRJ, UFRuralRJ e UERJ. Neste momento,
houve uma retomada na busca do conhecimento da geologia da cidade, cabendo a estes
centros de pesquisa o papel de formadores da massa crítica e da retomada da produção
científica. O grande destaque, em termos de produção, é a geração de mapas de detalhe,
em escalas 1:5.000, realizados inicialmente nos domínios do Maciço da Tijuca (início da
década de 80) e, posteriormente, levado para o Maciço da Pedra Branca (final da década
de 1980 e 1990).
No Maciço da Tijuca, os trabalhos foram estimulados e coordenados, na sua fase
inicial, pelo geólogo Fernando Roberto Mendes Pires do IG/UFRJ, que desenvolveu ex-
tensivos mapeamentos junto a alunos da graduação e pós‑graduação, com a colaboração
posterior de Monica Heilbron da UERJ. Alguns trabalhos importantes foram produzi-
380
dos, neste momento, e são exemplos: PIRES et. al. (1982) que trata da granitogênese na
cidade e define uma estratigrafia para os litotipos identificados; CADDAH & SANTOS
(1986), que aplicam a técnica de mapeamento detalhado na Serra da Misericórdia e
caracterizam o padrão estrutural para as intrusões graníticas; SILVA & SILVA (1987)
que caracterizam, através de mapeamento, a ortoderivação do gnaisse facoidal em estudo
na Serra da Carioca; e PIRES & HEILBRON (1989) que rediscutem a estratigrafia dos
gnaisses ocorrentes no Maciço da Tijuca. Em paralelo, iniciou‑se a busca do enten-
dimento para as rochas do Maciço da Pedra Branca, outra grande área de ocorrência
de rochas gnáissicas e graníticas, nos limites da cidade (PENHA & WIEDEMANN, 1984).
Em 1988, o uso de mapeamento detalhado é aplicado pela primeira vez, nesta região, em
trabalhos coordenados por Rubem Porto Jr. da UFRuralRJ. A primeira importante con-
tribuição é o estudo apresentado para as rochas da região do Morro do Sandá, a partir
do qual é caracterizada e formalizada a existência do Granito Pedra Branca (PORTO
Jr. & VALENTE, 1988). Desta época datam ainda os trabalhos pioneiros de Ariadne
Fonseca que, entre 1984 e 1986, trouxe as primeiras determinações isotópicas (Rb‑Sr e
traços de fissão em apatitas) realizadas em rochas da cidade do Rio de Janeiro. Mesmo
com a produção de dados inéditos por parte das universidades, a integração dos mesmos,
que poderia colocar o nível de conhecimento da região em um patamar de importância
similar àquele apresentado no início do século xx, infelizmente não ocorreu. A década
de 1990 vai ser caracterizada por uma mudança de abordagem. A primazia dada à espe-
cialização dos dados, passa a ser a principal característica dos trabalhos apresentados.
A pesquisa de campo passou a ser, gradualmente, substituída por trabalhos e dados de
laboratório, seja por conveniência ou por dificuldades relacionadas à urbanização e a
ocupação desordenada da cidade, e à violência a ela associada. Neste momento, dá‑se início
a uma abordagem de problemas específicos (estudo dos diques basálticos, por exemplo) e
a produção de dados geoquímicos; neste caso, principalmente para as rochas do Maciço
da Pedra Branca, como resultado do desenvolvimento de duas teses de doutorado na
região (JUNHO, 1991 e PORTO Jr., 1994).
Entretanto, outro fator toma relevância neste momento: a produção científica geológica
começou a ser vista como um elemento importante no cotidiano da cidade, como no
estudo de escorregamentos, deslizamentos e definição de áreas de risco. Vários trabalhos,
com esta abordagem, são apresentados a partir da década de 1990, com este propósito,
com contribuições importantes de Cláudio Amaral, através da Fundação GeoRio, con-
ferindo, assim, a possibilidade, mesmo que tímida, do geólogo participar de forma mais
objetiva no dia a dia da cidade, demonstrando à sociedade a importância do seu trabalho.

4 – Conhecimento geológico na cidade do Rio de Janeiro: século xxi

Já no início do século xxi, a cidade do Rio de Janeiro se mantêm como alvo de


pesquisas geológicas concentradas nas universidades, que passaram a trabalhar de forma
algo mais integrada, com o objetivo de melhor aproveitar os dados obtidos para a geração
de modelos de evolução. A melhoria nas condições de produção de dados geoquímicos,
isotópicos e geocronológicos permitiu que fosse estabelecido um novo patamar para a
produção científica. O ano de 2000 mostrou‑se importante para a geologia da região
pela realização do Congresso Geológico Internacional na cidade do Rio de Janeiro. Várias
381
contribuições, tendo a cidade como foco, foram apresentadas, mas devemos destacar a
apresentação de dois mapas para a região, um produzido por compilação dos dados ge-
rados pelas universidades, ao longo dos 20 anos anteriores, em trabalho coordenado por
Monica Heilbron; e outro pela CPRM, órgão estatal, que apresentou as primeiras idades
U/Pb para as rochas da região (gnaisse facoidal, tratado neste trabalho como corpos
individualizados). Estes mapas foram apresentados em versões digitais, o que também
caracterizou um ineditismo.
Mais a frente, importante contribuição surge em 2003, quando Monica Heilbron
apresenta o resultado das primeiras idades obtidas pela técnica de datação radiométrica
U‑Pb em zircão, para um “set” de amostras relativas ao Maciço da Pedra Branca. A exis-
tência dessas idades, juntamente com dados isotópicos inéditos, permitiu que, em 2004,
Rubem Porto Jr. reinterpretasse vários aspectos da geologia da região, com base em
pesquisa de aplicação de modelos matemáticos aos problemas geológicos, a partir da
realização de modelamento geoquímico quantitativo, produzindo um modelo petrológico
evolutivo com total correlação aos modelos tectono‑metamórficos então disponíveis, em
estudos coordenados por Monica Heilbron (PORTO Jr., 2004). O salto na qualidade, que
neste momento se espera, é a concretização e disponibilização, de forma integrada, deste
atual produto, que certamente se insere dentre as mais importantes realizações para o
entendimento da geologia da cidade do Rio de Janeiro e de seus arredores. A ampla ocu-
pação dos terrenos, dentro dos limites da cidade do Rio de Janeiro, dificulta, cada vez
mais, a obtenção de dados de campo. Entretanto, a cidade possui duas grandes áreas de
proteção ambiental, que representam cerca de 20% de seu território e que correspondem
ao Parque Nacional da Tijuca e ao Parque Estadual da Pedra Branca. A existência destas
áreas, algumas ainda intocadas, dentro da malha urbana, permite que a busca do enten-
dimento da geologia da cidade do Rio possa prosseguir, e que trabalhos de detalhamento
ainda necessários, possam ser realizados. Certamente, outra frente de trabalho, que se
impõe, é aquela em que a geologia passa a ser vista como elemento essencial no contexto
da urbanização da cidade, levando a produção de dados específicos neste campo para
um patamar de fronteira do conhecimento na área de definições de áreas de risco bem
como de contenção de taludes e na compreensão de movimentos de massa.

Agradecimentos – Aos geólogos da cidade do Rio de Janeiro, em especial àqueles que


se propuseram a mostrá‑la para um jovem aluno de geologia nos idos de 1980: Prof. Joel
Gomes Valença (“ in memorium” ), Prof. Fernando Roberto Mendes Pires; Prof. Hélio
Monteiro Penha (“ in memoriun”).

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40
UM PASSADO QUE CONDENA (?):
ALGUNS ASPECTOS GEO‑HISTÓRICOS LIGADOS
AOS DESASTRES NATURAIS NO BRASIL

A PAST THAT CONDEMNS (?):


SOME ASPECTS OF GEO‑HISTORICAL LINKED
TO NATURAL DISASTERS IN BRAZIL

F. J. Corrêa‑Martins1

Resumo – Em razão da repercussão dos desastres naturais ocorridos em 2011, o


governo federal decidiu criar o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres
Naturais (CEMADEN), com o objetivo de desenvolver, testar e implementar um sistema
de previsão de ocorrência de desastres naturais em áreas suscetíveis de todo o Brasil,
argumentando que os referidos desastres têm ocorrido em função das mudanças climáticas
pelas quais o planeta estaria passando. Sem tomar partido sobre a existência ou não dessas
alterações, nosso objetivo é mostrar, através dos desastres naturais ocorridos em Blumenau
(Estado de Santa Catarina), Rio de Janeiro (Estado do Rio de Janeiro) e Santana do
Mundaú (Estado de Alagoas), que eles têm acontecido no país desde há muito tempo,
sendo fruto de condicionantes geológicas, geomorfológicas e históricas, entre outras, o
que implica no reconhecimento da responsabilidade, de longa data, das esferas públicas
na questão, sem excluir a parcela tocante à sociedade brasileira nessas questões.

Palavras‑chave – Desastres naturais; Geologia; Blumenau; Rio de Janeiro; Santana


do Mundaú; Políticas públicas

Abstract – Due to the impact of natural disasters in 2011, the federal government decided
to create the National Center for Monitoring and Alert Disaster (CEMADEN ), meant to
develop, test and implement a system to predict the occurrence of natural disasters in suscep‑
tible areas throughout Brazil, arguing that these disasters have occurred because of climate
change in the planet. Without taking sides on the existence or not of climate change, our goal

1
  Departamento de Geociências, Instituto de Agronomia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
Brasil; [email protected]
is to show, through natural disasters that occurred in Blumenau (Santa Catarina State), Rio
de Janeiro (Rio de Janeiro State) and the Mundaú Santana (Alagoas State), that they have
been occurring in the country since a long time ago. The natural disasters are the result
of geological, geomorphological and historical conditions, among others, which implies the
384
recognition the long time responsibility of the public authorities, without excluding the share
of the Brazilian society in the matter.

Keywords – Natural Disasters; Geology; Blumenau; Rio de Janeiro; Santana do Mundaú;


Public policies

1 – Introdução

Criado pelo governo federal em 1º de julho de 2011, através do Decreto Nº 7.513,


mas operacional apenas a partir de 2 de dezembro do mesmo ano, o Centro Nacional
de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), sediado em Cachoeira
Paulista (Estado de São Paulo), junto ao INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais),
surgiu como uma resposta às mais de 1.500 mortes e desaparecimentos ocorridos no
Brasil naquele ano, resultantes de acidentes naturais como deslizamentos de terra e
enchentes. Assim, o centro planeja, basicamente, integrar as informações obtidas através
de radares e redes meteorológicas, com um levantamento geotécnico do país, especial-
mente das áreas de risco, permitindo apoiar as ações da defesa civil em âmbito nacional,
estadual e municipal.
Segundo declarações do Sr. Aloizio Mercadante, então Ministro da Ciência, Tecno-
logia e Inovação, ao qual o centro está subordinado, existem alguns problemas a serem
superados, pois “Estamos tentando construir essa tecnologia”, sendo que, na sua opinião, o
principal desafio “está no levantamento geotécnico das áreas de risco dos Municípios. [dado
que] Nós não temos esse levantamento no Brasil ”. E acrescentou que “O Brasil precisa
entender que o clima mudou. Nós vamos ter inundações, deslizamentos e mortes. E quanto
mais cedo nós nos prevenirmos, quanto mais importância nós dermos a esse desafio, melhores
as chances que nós teremos de mudar essa situação” (BRASIL, 2011).
De acordo com o CEMADEN, no princípio do ano de 2012, 56 municípios locali-
zados nas regiões Sul e Sudeste, e “que possuem levantamento geotécnico de áreas de risco de
deslizamentos em encostas e de enxurradas”, estão sendo monitorados em caráter de emer-
gência, o que ocorrerá com 34 cidades localizadas na parte oriental da Região Nordeste,
a partir de março (BRASIL, 2012).
Embora seja louvável qualquer atitude que vise evitar tragédias e perdas, por outro
lado não podem passar despercebidas certas afirmações que, em nossa opinião, embutem
uma visão por demais simplista dos fatos, ainda mais quando partem de um membro da
Alta Administração, pois que, de fato, refletem uma visão, sobretudo, do Estado.
Das cidades já monitoradas pelo CEMADEN, nada menos que 50 se localizam na
margem atlântica ou estão próximas dela que, somadas às 34 urbes nordestinas, que
também estão perto do litoral apontariam, preliminarmente, que a faixa ao longo da
costa brasileira é uma região que apresenta considerável potencial para desastres naturais.
Dado que aquele órgão não forneceu nenhuma informação para explicar as razões
pelas quais tal região merece tanta atenção por parte do governo federal, consideramos
relevante apresentar alguns dos aspectos que condicionaram essas escolhas, inicialmente
descrevendo‑se, de modo sucinto, a geologia dessa vasta região, para então nos determos
sobre três cidades, localizadas nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, e que foram afetadas
por enchentes ou deslizamentos antes de 2011, sobre as quais obtivemos alguns dados
385
geo‑históricos, que nos permitiram verificar se os chamados desastres naturais são ocor-
rências ligadas a tempos recentes ou não, após o que se elaboram algumas conclusões.

2 – Aspectos geológicos

Ao observarmos um mapa geológico do Brasil, notamos a existência de duas gran-


des divisões, o embasamento proterozoico e as coberturas fanerozoicas. E, formando
o embasamento, verificamos a existência de crátons e orógenos ou províncias. No
que é hoje a costa brasileira, além das coberturas sedimentares de idades variadas,
predominam, de sul para o norte, em uma faixa média de 100 km de largura e por
volta de 5.000 km de extensão, a Província Mantiqueira, o Cráton de São Francisco e
a Província Borborema.
As relações espaciais entre essas rochas pré‑cambrianas remontam ao momento da
colisão entre a “América do Sul” e a “África” que formou o Gondwana e que, no Brasil,
resultou no evento Brasiliano, no final do Neoproterozoico (ALKMIM, 2004). De forma
diacrônica, o então Cráton de São Francisco‑Congo foi envolvido em uma série de
colisões, enquanto bacias, arcos magmáticos e intra‑oceânicos foram comprimidos
sobre rochas mais antigas, transformando‑se em alguns dos orógenos que constituem a
Província Mantiqueira (HEILBRON et al., 2004). Já a Província Borborema vem sendo
entendida, atualmente, como uma complexa faixa colisional, produto da movimentação
convergente de placas, envolvendo possíveis processos de amalgamação e acreção de
micro placas e terrenos, consolidados ao final do evento Brasiliano (SCHOBBENHAUS
et al., 1984). Cabe salientar que, em relação aos processos colisionais acima referidos,
ocorreram diversos eventos de intrusões graníticas, notadamente nas províncias citadas.
Do ponto de vista estrutural, é notável na Província Mantiqueira uma direção geral
NE‑SW, sendo observadas falhas de cavalgamento, zonas de cisalhamento oblíquas
transpressivas e imbricação de escamas crustais com vergência para oeste, entre outras
feições. Em relação à Província Borborema, ela possui extensas zonas de falha (NE‑SW)
que cortam os as áreas orogénicas (cinturões móveis) e/ou rotacionam totalmente suas
estruturas paralelizando‑as à zona de cisalhamento principal, tendo um caráter transcor-
rente (E‑W) em geral.
A abertura do Atlântico Sul (Evento Sul‑Atlantiano) (SCHOBBENHAUS et al.,
1984), no Cretáceo Inferior, separando a “América do Sul” da “África”, foi um dos eventos
que marcou o fim da Pangea. A ruptura do supercontinente, com o surgimento do futuro
oceano, ocorreu de forma descontínua, começando no hemisfério norte e, depois, no he-
misfério sul, se iniciou ao longo da Província Mantiqueira, daí resultando uma evolução
diferenciada entre a costa leste e norte do Brasil.
Em um contexto de tectônica distensiva, as antigas linhas de descontinuidade foram
reativadas, tal como a zona de cisalhamento do Paraíba do Sul, que gerou uma série de
semi‑grabens (SAADI et al., 2005), que acabaram por delinear algumas bacias, como a
de Taubaté.
3 – Blumenau, Estado de Santa Catarina

A cidade de Blumenau, na Região Sul, se localiza na margem direita do rio Itajaí‑Açú,


a cerca de 50 km do litoral catarinense. Inserida na política de imigração europeia do
386 governo imperial, ela foi estabelecida por colonos alemães, de forma particular, em 1850
e, em 1860, foi vendida para a coroa. Inicialmente ali se desenvolveram atividades
ligadas à agricultura, com a consequente derrubada de porções da mata atlântica para
realizarem o plantio. No século xx, voltou‑se para a indústria têxtil, ainda hoje sua
principal atividade econômica. O município foi estabelecido em uma região de grande
variedade de relevo, que integra a face oriental da Serra do Mar, coberta pela mata
atlântica, com morros íngremes, ribeirões e vales encaixados, que se abrem quando se
aproximam da calha do Rio Itajaí‑açú, o principal curso d’água, e que apresenta terraços
e possui cerca de 100 m de largura onde corta o trecho mais urbanizado, alargando‑se
para leste em direção ao município de Gaspar, a cerca de 10 km, onde atinge 180 m de
largura, na medida em que se aproxima de sua foz. Na área urbana, a altitude é de
21 m, mas existem vários morros no município com altitude superior a 400 m, sendo
o ponto culminante o morro Loewsky, com 980 m, na divisa com Guabiruba e Botuverá
(BRASIL, 2010a).
Essa paisagem repousa sobre porções do Complexo Granulítico de Santa Catarina, com-
posto por Gnaisses TTG (Tonalito‑Thondjemito‑Granodiorito) arqueanos, granulitizados no
Paleoproterozoico, do Grupo Brusque, constituído de associação metavulcano‑sedimentar,
onde rochas de caráter máfico, quartzitos e metaturbiditos estão presentes, metamorfismo
este de idade Neoproterozoica, e de conglomerados, arenitos e turbiditos da Bacia de
Itajaí, de caráter tardio pós‑tectônica de antepaís, cuja idade ainda é motivo de discussão,
situando‑se entre o final do Neoproterozoico e o fim do Cambriano (HEILBRON et al.,
2004). O intemperismo nesse conjunto de rochas gera tanto mantos de alteração como
solos profundos, além dos sedimentos que formam os terraços e várzeas encontrados
nos cursos d’água. Além da presença de intrusões de granitóides, ao sul ocorre a zona
de cisalhamento transcorrente Itajaí‑Perimbó, de direção NE‑SW, bem como apresenta
fraturas na direção NE‑SW, NO‑SE e E‑W.
A primeira grande enchente que Blumenau sofreu remonta a 1852. Portanto, pratica-
mente desde sua fundação, a cidade foi atingida por esses eventos. No período de 1850
a 2008, tomando‑se por base o nível da água do rio na cota de 8,5 m, foram registradas
69 inundações. Os dados mostram que, além de poderem ocorrer até quatro eventos no
mesmo ano, como aconteceu em 1957 e 1983, a média das cheias na primeira década do
século xxi atingiu 11,27 m, inferior à do século xix, que foi de 12,83 m e onde o pico
atingiu 17,10 m em 1880 (AUMOND et al., 2009).
As grandes enchentes de 1983 e 1984 acabaram por iniciar uma série de eventos,
cujas consequências não foram previstas. Buscando atenuar os efeitos das subidas do
Rio Itajaí‑Açú em Blumenau, realizou‑se em 1986 a retificação e alargamento do canal
do rio, na divisa dos municípios de Blumenau/Gaspar. Como resultado, a dinâmica
geomorfológica fluvial foi alterada, com a criação de bancos de areia e o desencadeamento
dos processos de escorregamento na margem esquerda. As condições hidrodinâmicas
também foram modificadas, pois o alargamento do canal resultou no aumento da veloci-
dade de escoamento a montante da obra, que reduziu os níveis máximos mas aumentou
a ação erosiva nas margens; a jusante, por sua vez, verificou‑se o aumento dos níveis
máximos, assim como o aumento da capacidade erosiva pelo escorregamento das margens
devido às acentuadas variações do nível de água (SANTOS & PINHEIRO, 2002).
Outra consequência das cheias de 1983‑1984 foi a ocupação desordenada das en-
costas por parte da população em geral. Tanto setores de alto poder aquisitivo como
387
das camadas mais populares, para escapar dos efeitos das enchentes, buscaram sair das
partes mais baixas da cidade, sobre terraços fluviais, procurando ocupar os morros mais
próximos ao centro da cidade, desmatando e abrindo ruas, sem que qualquer estudo pré-
vio ou planejamento existisse. Em alguns morros, as edificações alcançaram, inclusive, o
topo da elevação. Por outro lado, a desaceleração econômica dos anos 1980‑1990 acabou
por desencadear um processo de favelização, em que áreas de mananciais ou próximas
aos ribeirões foram ocupadas.
Segundo VIEIR A & FURTADO (2004), entre 1997 e 2001, a Defesa Civil de
Blumenau registrou 149 deslizamentos, ou seja, em pouco mais de 10 anos, os efeitos
da “corrida para os morros” já estavam se manifestando. Isto motivou, em 2006, a
reformulação do Plano Diretor estabelecido em 1977, o que não impediu a série de
deslizamentos ocorridos em 22 e 23 de novembro de 2008, devido às fortes chuvas e a
enchente do Rio Itajaí‑Açú, que resultaram na morte de 24 pessoas e a destruição de
milhares de edificações, entre outros danos. A prefeitura estabeleceu leis mais exigentes
prevendo, entre outras medidas, a manutenção de, pelo menos, 20% da permeabilidade
do solo, a captação da água das chuvas, a ampliação de zonas de preservação ambiental
e a exigência de pareceres para novas construções (BRASIL, 2010b). Isto resultou em
um crescimento da cidade para o norte, sobre a região rural, o que aponta para outros
problemas em um futuro próximo.

4 – Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro

Fundada no século xvi, no processo de colonização portuguesa, a cidade do Rio


de Janeiro, na Região Sudeste, se localiza na margem ocidental da Baía da Guanabara.
Em 1763 tornou‑se a capital do Vice‑Reino do Brasil, passando a ser sede da monar-
quia lusitana de 1808 a 1821, transformando‑se em capital do império brasileiro, de
1822 a 1889. Com a proclamação da república naquele ano, converteu‑se na capital
federal, até 1960, quando a sede administrativa do país foi transferida para Brasília,
no interior do território da federação. Foi um importante porto colonial e, na medida
em que se transformou em sede administrativa, com o crescimento populacional e a
necessidade de novos espaços para edificações, vieram a alterar a ocupação do espaço
urbano, empurrando para cada vez mais longe as áreas de cultivo, que hoje se situam
nos limites do município.
Seu relevo é bastante acentuado, com serras e morros isolados, com vertentes por vezes
íngremes e rochosas, por vezes sem cobertura de vegetação, como o “Pão de Açúcar”,
que constituem a extremidade leste do sistema orográfico designado de Serra do Mar,
que se estende desde o sul até o nordeste do país, junto à costa brasileira (DANTAS,
2001). Entre algumas daquelas elevações e também no seu sopé ocorrem vales e vários
cursos d’água. Ao longo de sua história procedeu‑se ao desmonte de morros, cujo exemplo
mais emblemático foi o morro do Castelo, destruído em 1921, e local da segunda fundação
da cidade em 1567.
Seu litoral sofreu muitas modificações, tendo alguns rios e córregos seus cursos reti-
ficados ou foram canalizados, algumas praias de areias quartzosas, áreas de manguezais
foram aterrados e lagoas foram aterrados, assim como algumas praias também avança-
ram sobre o mar artificialmente. Além das partes mais baixas, vários morros e porções
388
importantes de encostas, foram ocupados por habitações. A variação altimétrica se refle-
te na diversidade de alturas encontradas na cidade, pois que na Praça XV, marco zero da
cidade, e que era praia no século xvi, hoje se aponta a cota de 2 m, enquanto as elevações
alcançam de dezenas a centenas de metros, com destaque para o pico da Pedra Branca,
ponto culminante do município, com 1.024 m.
A ação intempérica gerou depósitos de tálus e colúvios, sendo que a espessura do
solo pode variar de 0 a 20 m, na medida em que se distancia das porções mais altas e se
aproxima das regiões de cotas mais baixas. A vegetação existente à época da fundação
da cidade era constituída pela mata atlântica, a qual foi derrubada em vários pontos,
para a construção de edifícios ou atividades agrícolas. Atualmente, as áreas de vegetação
restringem‑se aos parques estaduais ou regiões de grande declividade, sendo que algumas
foram objeto de reflorestamento, onde se destaca o Parque Nacional da Tijuca, cujas
árvores substituíram os decadentes pés de café ali plantados no princípio do século xix.
O espaço geográfico acima descrito assenta essencialmente sobre um conjunto geo-
lógico cuja composição e evolução são importantes de serem ressaltadas. As rochas mais
antigas que estão presentes são os paragnaisses do Complexo Paraíba do Sul, de idade
meso‑neoproterozoica. Eles afloram entre os granitóides do Complexo Rio Negro, os
ortognaisses da Suíte Rio de Janeiro, cujos principais representantes são o Pão de Açúcar,
o Corcovado, e o Cosme Velho, identificado pela presença dos facóides de feldspato
potássico, além de outros granitóides, de composição tonalítica e gabróica, conjunto esse
de idade neoproterozoica a cambriana (SILVA & RAMOS, 2002). Todas essas rochas
foram afetadas pelo evento Brasiliano, caracterizado nessa área por deformação compres-
sional, cisalhamento transcorrente, metamorfismo de alto grau, fusão parcial de rochas
crustais e granitogênese, o que acabou por alinhar a maior parte dessas litologias na
direção WSW‑ENE, durante o processo de formação do Gondwana (HEILBRON et al.,
2004; MANSUR et al., 2008).
O Evento Sul‑Atlantiano marcou a abertura do Atlântico e a distensão ocorrida pro-
porcionou as condições para o surgimento do Gráben da Guanabara, junto à Serra do
Mar, durante o Terciário. Nesse período alguns blocos ascenderam, como os maciços da
Tijuca e Pedra Branca, também em atitude paralela à linha de escarpa da serra citada. As
variações eustáticas vieram a proporcionar as condições no Holoceno, para a implantação
da atual baía (AMADOR, 1997).
A partir da ocupação do Morro do Castelo, a povoação se irradiou por algumas das
encostas do morro, em direção à baixada. Sabemos que a linha de costa era sensivelmente
diferente, pois há registro de uma baleia morta encalhada na porta do que é hoje a igreja
do Carmo no final do século xvi (SALVADOR, 1889). Isso nos permite afirmar que
a atual Praça XV é um exemplo do resultado da ação antrópica, sem qualquer tipo de
controle que, ao aterrar espaços e desmatar encostas, alterou a dinâmica sedimentar da
baía da Guanabara.
Em relação às precipitações e consequentes enchentes, os registros remontam a 1711,
1778‑1782 e 1897. Algumas ocorrências têm diferenciais como a de 1756, em que existiu
a necessidade de usar barcos para se movimentar dentro da parte baixa da cidade. Mas
foi em 1811, entre 10 e 17 de fevereiro, com chuvas ininterruptas, que a cidade enfrentou
os piores desastres, com desabamentos parciais dos morros de Santo Antonio e do Castelo,
onde se estima que tenha ocorrido um grande número de vítimas, e novamente se recorreu
às canoas para os deslocamentos. Houve outros períodos de chuvas com deslizamento e
389
desabamentos de edificações em 1860, 1862 e 1896 (FAZENDA, 1923).
No período entre 1966 e 2009, de acordo com BRASIL (2009) e ROSA FILHO &
CORTEZ (2010), ocorreram 12 escorregamentos com mortes, sendo o mais mortífero
o que ocorreu em fevereiro de 1967, com 100 óbitos. Ressalte‑se que foi por causa dos
deslizamentos de 1966 que, em maio daquele ano, foi criado o Instituto de Geotécnica
do Município do Rio de Janeiro, hoje Fundação GEO‑RIO (a partir de 1992), com
diversas atribuições, onde se destacava a elaboração de planos emergenciais e de longo
prazo para a proteção das encostas (BR ASIL, 2009). E, entre 5 e 8 de fevereiro de
2010, fortes precipitações ocorreram na capital carioca, novamente ocasionando des-
lizamentos em diversos morros, entre os quais dos Prazeres, dos Macacos, do Turano,
das Oliveiras, do Borel, entre outros, com 48 óbitos, além da destruição de centenas
de propriedades.
A região ocupada pelo município do Rio de Janeiro apresenta um controle geoló-
gico‑estrutural que condiciona os escorregamentos (PORTO Jr. & DUARTE, 1999),
situação essa agravada em vários locais pela ocupação das encostas, levada a cabo pela
camada da população de menor poder aquisitivo, com a qual a administração não se
preocupou, na medida em que ela não votava, para além de ser economicamente des-
favorecida. As obras de abertura da Avenida Central, hoje Rio Branco, no começo do
século xx, e da Avenida Presidente Vargas, entre 1941‑1945, são exemplos da pouca atenção
dos administradores com aquela população ao desalojá‑los, e não prevendo sua realocação.
Com o passar do tempo, a população dos morros aumentou ainda mais, agravando
problemas, tal como o do lixo, um material com capacidade para reter líquidos e au-
mentar a carga sobre a superfície, jogado entre os barracos, e incorporando‑se ao solo, já
normalmente pouco estável. Além disso, grupos de moradores, refratários à remoção, na
medida em que as áreas passíveis de ocupação ficam distantes de seus empregos, ocupações
e lazer, acabaram por se aliar a políticos preocupados apenas na manutenção de seu poder,
que viram nessa aliança com os morros e regiões desfavorecidas pelo poder público,
novas zonas de apoio eleitoral. Assim, aspectos geológicos, geotécnicos e políticos con-
trolam a questão das encostas na “cidade maravilhosa”.

5 – Santana do Mundaú, Estado de Alagoas

Santana do Mundaú, em Alagoas, na Região Nordeste, está localizada nas margens


do rio do mesmo nome, e cuja origem remonta ao fim do século xviii. É uma típica
cidade de pequena dimensão do nordeste brasileiro, cujo território municipal se situa na
região dos tabuleiros costeiros, com uma altitude variando entre 50 a 100 metros, dentro
da Zona da Mata, onde continua a feição geomorfológica, chamada de “mar de morros”
existente na Serra do Mar. A pecuária e a agricultura, em pequena escala, além do comércio
e serviços, são as principais atividades econômicas desenvolvidas por uma população de
11.534 habitantes, de acordo com o Censo de 2000, sendo que pouco mais da me-
tade dela se concentra na área urbana. O município se estabeleceu na porção oriental
da Província Borborema, sobre rochas do Complexo Intrusivo Itaporanga, calcialcalino,
que engloba granitos e granodioritos porfiríticos, associados a dioritos, metamorfizados,
de idade Neoproterozoica que, em função da ação do intemperismo e da existência de
fraturamentos nas direções NW‑SE e NE‑SW, além da direção E‑W, acabaram por con-
390
trolar a drenagem, gerando um manto de alteração, com predomínio do quartzo. O Rio
Mundaú, no trecho que corta a área do município, apresenta um grau de entalhamento
variável, ora com vales estreitos e encostas abruptas, ora abertos com encostas suaves e
fundos com amplos terraços fluviais (CPRM, 2005).
Foi o Rio Mundaú, cuja bacia abrange 15 municípios em Pernambuco e 15 em
Alagoas, e onde os habitantes desse último estado “estão acostumados a erguer os mó‑
veis nas épocas mais chuvosas”, que aqueles sofreram, entre 18 e 19 de junho de 2010,
as consequências de uma enchente que, para os moradores, superava as anteriores, de
1914, 1941, 1969, 1988, 1989 e 2000. Registrando pelo menos 29 mortes, essa cheia
fora menos letal que a de 2000 (36 mortos), e sem comparação com a de 1969, com
mil mortos (FRAGOSO JÚNIOR et al., 2010). Ocorre que o grau de destruição desse
evento superou todos os outros na medida em que, associada a uma pluviosidade elevada
e concentrada, ocorrera o rompimento de barragens, e a força das águas, arrancando as
camadas superficiais do solo, gerou uma torrente de lama fluída que muitos compararam
a um tsunami, ao se espraiar e destruir tudo o que havia nos vales e várzeas.
Segundo Valmir Alburquerque Pedrosa, professor de mestrado em Recursos Hídricos
da Universidade Federal de Alagoas (UFA), mesmo conhecendo a série histórica de even-
tos, os governos federal, estadual ou municipal não haviam realizado nenhuma ação até
2010, relativamente às inundações mencionadas (MAGGI, 2010).

6 – Considerações finais

Ao longo do trabalho, ficou demonstrado que, em função da evolução geológica, a


zona costeira brasileira apresenta uma série de condicionantes geológico‑estruturais que
propiciam condições de instabilidade geotécnica de variadas ordens, refletindo‑se na
ocorrência, há centenas de anos, de desastres naturais de diversas amplitudes ao longo
dessa região.
Tal quadro foi agravado porque, desde o século xvi, a faixa litorânea do Brasil tem
concentrado núcleos populacionais que, quinhentos anos depois, permanece como a
área mais densamente habitada do país. Esses aspectos históricos, além de uma crescente
pressão demográfica aliada à falta de planejamento urbano e ao descaso das autoridades,
entre outros fatores, resultou ali se agruparem os desastres naturais com maior número
de óbitos, tais como os ocorridos nos estados de Santa Catarina (Vale do Rio Itajaí,
2008, 106 mortos), de São Paulo (Caraguatatuba, 1967, 120 mortos), do Rio de Janeiro
(Serra das Araras, 1967, 1.700 mortos; Região Serrana, 2011, 905 mortos), da Bahia
(Salvador, 1995, 58 mortos) e de Pernambuco (Recife, 1996, 66 mortos).
É evidente que não se pode negar a importância da influência climática, mas essa
componente é mais uma a se somar a um quadro problemático, cujo enfrentamento
tem sido preterido tanto por órgãos administrativos como pela sociedade. A história tem
demonstrado que soluções a reboque dos fatos normalmente não apresentam bons resultados.
Talvez seja o momento de mudarmos de atitude, antes que seja tarde demais.
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41
O PAPEL DAS GEOCIÊNCIAS NO CONTEXTO
“PÓS‑MODERNO” DE REVALORIZAÇÃO DA CULTURA

THE ROLE OF GEOSCIENSES IN “POST‑MODERN”


CONTEXT OF REVALORIZATION OF THE CULTURE

J. A. S. Deus1, L. D. Barbosa 2 & M. A. S. Tubaldini3

Resumo – Há um processo perceptível, hoje em curso, em que se observa que as questões


culturais vão assumindo significativo papel na dinâmica política em escala mundial
e nos debates científicos mais inovadores, travados nas últimas décadas. Aspectos geoló-
gicos também estão envolvidos nesses processos. E são fundamentalmente essas questões
que nossa investigação se propõe a abordar. Os procedimentos metodológicos aí adotados
incluíram: pesquisa bibliográfica, reconhecimentos de campo, entrevistas com represen-
tantes dos segmentos sociais locais; sistematização/contextualização dos dados; análise e
reflexão críticas sobre as informações obtidas. Nas regiões de antiga mineração do Brasil,
como Minas Gerais e Goiás, podemos perceber de fato, grande influência de conceitos,
temas e práticas associados à Geologia, incidentes nos processos históricos e relacionadas
ao patrimônio cultural local. Novos vínculos entre as problemáticas concernentes aos
monumentos e trilhas geológicas e o ecoturismo estão também sendo aí estabelecidos
hoje em dia. Por outro lado, interações entre os campos de conhecimento geológico
e arquitetônico vão sendo reestabelecidas em sítios históricos como Ouro Preto e outras
cidades situadas no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais, no Brasil. Todas essas questões
demandam do educador um esforço no sentido de tentar acoplar o ensino das Ciências da
Terra às proposições/ações direcionadas ao Desenvolvimento Sustentável.

1
Rua Mangabeira 268/401 – Santo Antônio‑ 30.350.170 Belo Horizonte (MG) – Brasil;
[email protected]
2
Rua Araguari, 373 – São José‑35.700.238 Sete Lagoas (MG) – Brasil; [email protected]
3
Rua Tavares Bastos, 590/1501 – Coração de Jesus – 30.380.040 Belo Horizonte (MG) – Brasil;
[email protected]; [email protected]
Palavras‑Chave – Geociências e Cultura; Geologia e Patrimônio Histórico; Geologia
e Turismo Sustentável; Monumentos Geológicos

Abstract – There is a remarkable process in progress, in which cultural questions are


394
showing a significant revival in worldwide political dynamics and recently developed inno‑
vative scientific approaches. Geological aspects are also involved in such processes. These are
the essential questions at issue in our research. The methodological tools adopted in this study
included: bibliographical research; fieldworks and interviews in loco; data systematization;
critical analysis and reflection on the obtained information. In Brazilian classical mining
areas, as Minas Gerais and Goiás states, for example, we can see, actually, a huge influ‑
ence of geological concepts, themes and practices in regional historical processes and cultural
heritage issues. New links between geological monuments and trails and ecotourism, are also
being increasingly built nowadays. On the other hand, interactions between Geology and
Architecture rebirth and are reestablished in historical sites as, for example, Ouro Preto and
other peculiar ancient towns situated at the Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais/Brazil.
It’s worthy to recognize, by the way, that Geosciences teaching practices must be closely
linked with sustainable development models and concepts issues.

Keywords – Geosciences and Culture; Geology and Cultural Heritage; Geology and
Sustainable Tourism; Geological Monuments

1 – Introdução

Atualmente é evidente o papel cada vez mais influente, universalmente assumido


por processos como o consumo de natureza cultural, a reafirmação das diferenças étni-
cas e a retomada da questão dos valores (DEUS, 2005, 2010). Nos processos políticos
em curso, observamos, assim, sociedades onde os problemas de identidade são mais
envolventes do que nunca (CLAVAL, 1999). Em decorrência dessas novas dinâmicas
da realidade contemporânea, dedica‑se uma atenção nova à irredutibilidade do fato cul-
tural (BONNEMAISON, 2002). E, consequentemente, a questão da identidade vem
sendo extensamente discutida na teoria social (HALL, 2001). As transformações po-
líticas atualmente em andamento justificam, aliás, como destacou o Comitê Editorial
do periódico Géographie et Cultures, em 1992, a atenção renovada que os pesquisadores
das Geociências têm atribuído às dimensões cultural e social, inclusive reconhecendo
que as realidades culturais na organização do espaço foram certamente subestimadas
no passado (DEUS et al., 2011). São essas questões que o trabalho que empreendemos
coloca em foco, explorando as interações de tais dimensões da realidade com o conhe-
cimento geológico e utilizando como procedimentos metodológicos: pesquisa biblio-
gráfica na literatura científica disponível, inventário toponímico, reconhecimentos de
campo com a realização de entrevistas de avaliação da percepção dos segmentos sociais
locais sobre os conceitos e temas investigados (em cidades históricas das regiões de
antiga mineração do Brasil – a saber: Ouro Preto, Mariana, Sabará, São João d’El Rey,
Diamantina e Minas Novas/estado de Minas Gerais); sistematização/contextualização
dos dados primários e secundários; análise e reflexão críticas acerca das informações
obtidas.
2 – Desenvolvimento do trabalho

Hoje, é claro para todos, que o maior produto da sociedade é a Cultura e, aliás, é ela
que fornece as lentes através das quais são lidos e interpretados o papel e a importância
do ambiente natural como elemento de realização social (BECKER & GOMES, 1993). 395
Falar em Cultura quer dizer, antes de tudo, estar consciente da manifestação de uma di-
mensão complexa, na qual se misturam múltiplas determinações, e onde nossas próprias
concepções devem ser relativizadas reflexivamente, tendo em vista o contexto dentro do
qual foram geradas. Quase continuamente, tem‑se colidido com as questões culturais
ao se descrever o corpo social e sua configuração espacial: tais questões condicionam
a percepção que os indivíduos têm do mundo físico e humano, alimentam os valores
que modelam a personalidade e presidem às escolhas; elas dão significado à situação de
cada um no corpo social e definem as forças que conferem a cada grupo, seu dinamismo
(CLAVAL, 1973).
Uma das questões que, a propósito, permeiam o debate intelectual contemporâneo
das dimensões ambiental e sociocultural, corresponde à discussão sobre a topofilia,
ou seja, os elos afetivos estabelecidos entre o indivíduo e o lugar, ou ambiente físico
(TUAN, 1980). Os sentimentos topofílicos remeteriam diretamemente à experiência da
percepção do espaço e à valorização dos lugares (DEUS, 2008). Uma vertente inovadora
de investigações vinculadas à percepção ambiental diz respeito, em particular, às pesqui-
sas sobre os inter‑relacionamentos entre Toponímia e Topofilia. Em contextos territoriais
determinados – vale ressaltar –, a Geologia inclusive emerge como elemento relevante e
sugestivo de análise para o(s) inventário(s) toponímico(s), uma vez que atividades como
a mineração e a garimpagem influíram decisivamente nos processos socioeconômicos e
histórico‑culturais em certas regiões do mundo, como as regiões de antiga mineração na
América do Norte (Califórnia, Alaska) e na América do Sul (Minas Gerais e Goiás, no
Brasil, por exemplo) – (DEUS et al., 1998; CHAVES, 1992). Essas atividades exerceram
considerável influência no aparecimento de topônimos que, se por um lado, revelam
uma concepção “economicista” e “mercantilista” da sociedade que os gestou, por outro
lado, evidenciam também as relações topofílicas estabelecidas entre as comunidades
humanas e o meio físico. Poderíamos discriminar, nesse sentido, vários registros toponí-
micos proximamente relacionados com a saga dos bandeirantes e do Ciclo do Ouro, no
Brasil Colônia, a exemplo de: Minas Gerais, Minas Novas, Ouro Preto, Ouro Branco,
Ouro Fino, Esmeraldas, Pedra Azul, Cachoeira da Prata, Lagoa da Prata, Serra Doura-
da, Serra das Safiras, Serra dos Cristais, Ribeirão dos Cristais, etc. Estes topônimos
incidem em regiões (províncias minerais) como: a Zona Metalúrgica de Minas Gerais
(sobretudo, o Quadrilátero Ferrífero), o Vale do Jequitinhonha, o estado de Goiás, etc.
Foi precisamente nesses contextos regionais, que ao final do século xvii, o Brasil ex-
perimentou um surto econômico sustentado pela expansão da economia aurífera cuja
opulência e grandiosidade mobilizaram, ao longo do século seguinte, massa humana
próxima de meio milhão de indivíduos que extraiu de depósitos aluvionares, toneladas
do metal, de acordo com estimativas de estudiosos do tema (CASTRO & DEUS, 2011;
TEIXEIRA, 1998). Esses eventos foram, de fato, largamente documentados na literatura
científica (BRITO, 2009; COSTA, 2004; COSTA et al., 2002; ESCHWEGE, 1996,
2002; FREITAS, 2001). O mesmo tipo de conexão entre atividade mineral, toponímia e
topofilia se observa também – vale assinalar – em áreas de “fronteira” recentemente
exploradas pela mineração (na Amazônia), a exemplo de: Eldorado dos Carajás, no
sudeste do Pará; e Ouro Preto do Oeste, Ouro Fino, Rio do Ouro, Córrego do Bamburro,
Rio do Ouro Preto, etc., em Rondônia4. Sugestivamente, também localizamos nas re-
giões de antiga mineração e nas regiões “de fronteira”, registros toponímicos que vão
396
revelar a existência aí, das “paisagens do medo” – categoria conceitual magistralmente
discutida pelo geógrafo Y. F. TUAN (2005) –, e de lugares desvalorizados (que causam
aversão às pessoas), a exemplo de: Serra Pelada (no Pará); Rio das Mortes, Capão da
Traição e Ponte Queimada em Minas Gerais –, locais onde ocorreram conflitos relacio-
nados com a “corrida do ouro” na Minas setecentista, como a “Guerra dos Emboabas”
(embates entre “reinóis”5 e colonos nascidos em território brasileiro)6.
Noutra vertente de investigação, abordagens da percepção ambiental sobre as unidades
de conservação têm, por outro lado, definido os parques naturais como lugares valo-
rizados – como observa AMORIM FILHO (1999), em sua discussão sobre os parques
nacionais e estaduais de Minas Gerais. A instituição de áreas protegidas, voltadas para
a conservação da biodiversidade, acaba propiciando também – é relevante assinalar –, a
preservação de expressivos marcos fisiográficos e monumentos geológicos (SIQUEIRA,
2001), – sítios que foram, a propósito, declarados em 1972 como patrimônio da huma-
nidade, na conferência geral da UNESCO (FUNARI & PELEGRINI, 2006). E nesse
contexto, fica evidenciado inclusive o estreito inter‑relacionamento estabelecido entre a
valorização do meio natural e as atividades de ecoturismo e turismo cultural (FUNARI
& PELEGRINI, 2006; MINISTÉRIO DO TURISMO, 2006) –, que também pro-
piciam, por sua vez, debates sobre o papel do turismo sustentável, do planejamento e
da gestão (CORRÊA et al., 2009; FONTELES, 2004, SEABRA, 2003). Até porque,
parte‑se do postulado de que os modelos de desenvolvimento sustentável devam vin-
cular intimamente crescimento econômico e proteção ambiental. Esse relacionamento

4
Nos diferentes estados brasileiros, poderíamos apontar outros exemplos de topônimos que revelam re-
lações topofílicas com o meio (nesse caso sem um vínculo histórico‑cultural com a mineração), como: São Gabriel
da Cachoeira (no estado do Amazonas); Boa Vista (Roraima); Alvorada do Oeste e Vale do Paraíso (Rondônia);
Redenção, Monte Alegre e Belo Monte (Pará); Pastos Bons (Maranhão); Areia Branca, Currais Novos e Baía
Formosa (Rio Grande do Norte); Águas Belas (Pernambuco); União dos Palmares (Alagoas); Porto Seguro, Santo
Amaro da Purificação, Santa Maria da Vitória e Arraial da Ajuda (Bahia); Resplendor, Belo Horizonte, Belo Vale,
Campo Belo, Rio Doce, Lagoa Santa, Lagoa Formosa, Montes Claros, Águas Formosas, Pouso Alegre, Amparo da
Serra e São Sebastião do Paraíso (Minas Gerais); Prosperidade e Vitória (Espírito Santo); Barra Mansa e Rio Bonito
(Rio de Janeiro); Rio Claro e Ilha Bela (São Paulo); São João do Triunfo e União da Vitória (Paraná); Porto Alegre
(Rio Grande do Sul); Rio Manso, Serra Formosa e Vila Bela da Santíssima Trindade (Mato Grosso), etc. Aliás, regis-
tros toponímicos com esse viés poderiam ser encontrados também em outros países e regiões do mundo, a exemplo
de: Costa Rica; Costa do Ouro; Costa do Marfim; Porto Rico; Terra Santa; Terra Nova (Canadá); Côte d’Azur
(França); Sierra Nevada; Rio das Pérolas (China); Cabo da Boa Esperança (África do Sul); Hollywood, Springfield,
Long Beach, Palm Beach, Sun Valley, Pearl Harbor (localidades dos Estados Unidos da América); Newcastle (Reino
Unido); Diamond Harbor (Índia); Buenos Aires, Bahia Blanca, Rio de la Plata, Paso de los Libres (Argentina);
Ciudad Real (Espanha); Porto Santo (Ilha da Madeira‑ Portugal); Porto Novo (Benin), etc.
5
Pessoas de naturalidade portuguesa, oriundas, no Brasil Colonial, do reino de Portugal.
6
Nos diversos estados do Brasil poderíamos indicar outros lugares que presumivelmente despertaram sentimen-
tos topofóficos nas pessoas: Serra da Desordem (Maranhão); Serra das Confusões (Piauí); Baía da Traição (Paraíba);
Coqueiro Seco (Alagoas); Mangue Seco (Sergipe); Cruz das Almas (Bahia); Dores do Indaiá (Minas Gerais); Lagoa
Feia (Rio de Janeiro); Caverna do Diabo (São Paulo); Rio das Mortes e Rio do Sangue (Mato Grosso); etc. O mesmo
poderia ser afirmado em relação a outros topônimos em diferentes regiões do mundo: Mar Morto; Vale da Morte,
Rio das Serpentes, Salt Lake City, Wounded Knee (EUA); Ilha do Diabo (Guiana Francesa); Costa dos Escravos e
Costa dos Esqueletos (África); Rio Turbio (Argentina); Broken Hill (Austrália), etc.
recíproco vai se expressar, a propósito, por meio de formas adequadas de ordenamento
territorial (VEIGA, 2006). Diversas unidades de conservação brasileiras preservam no-
táveis elementos constituintes da geologia e geomorfologia do país como dunas, canyons,
escarpas, picos, maciços, chapadas, divisores de água, mananciais, cachoeiras, cavernas,
397
recifes de coral, restingas, sistemas deltaicos, complexos estuarino‑lagunares, formas de
relevo ruiniforme, etc. (BITAR, 2004) – em parques nacionais7, parques estaduais8, áreas
de proteção ambiental9 e estações ecológicas10 distribuídas pelo país. Aliás, o primeiro
parque nacional a ser criado no Brasil, através de decreto assinado em 14/07/1937, teve
o objetivo de preservar notável monumento geológico de nefelina‑sienitos: o Maciço do
Itatiaia (unidade fisiográfica integrante da Serra da Mantiqueira, que se ergue na região
da tríplice divisa de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais).
No caso das áreas cársticas, localizadas em várias dessas unidades de conservação,
vale assinalar que, para que as populações direta ou indiretamente envolvidas (morado-
res, empresários, turistas, etc.) possam se conscientizar a respeito da relevância de sua
preservação, é imprescindível que se consolide um conhecimento das características
geológico‑geomorfológicas que deram origem aos sítios espeleológicos, arqueológicos
e paleontológicos aí localizados, de grande valor cultural (espeleotemas, jazigos fossilífe-
ros, pinturas rupestres, objetos líticos, peças cerâmicas...), e que, por vezes, constituem
também sítios paisagísticos de extraordinária beleza cênica (DEUS et al., 1997). No
Carste do Alto São Francisco (oeste de Minas Gerais), por exemplo, “além da impor-
tância das grutas e cavernas no estudo da pré‑história do homem” destaca‑se, a “beleza
monumental” das formações geológicas locais, como registram SOARES & BARROS
(2009, p. 30).
Podemos observar que o turismo no subcontinente sul‑americano constitui atividade
com potencialidades enormes (MORETTI, 2005), não apenas em termos de possibili-
dade de incremento de renda (fator que poderia ser otimizado através do gerenciamento
eficaz da atividade), como também como um instrumento útil e viável de valorização da
Cultura e da Natureza. Embora o autor também registre que o êxito, em termos econô-
micos, propiciado pelo empreendimento turístico, não garanta necessariamente avanços
e conquistas materiais concretas na esfera do mundo do trabalho e que a atividade pode
também gerar, se não for concretizada de forma consciente e criteriosa, significativos
impactos socioambientais, que precisam ser levados em consideração e adequadamente
avaliados (SANTOS, 1997). Em Minas Gerais, a valorização de roteiros como a “Estrada

7
Como: os Lençóis Maranhenses – a 350 km a leste de São Luís; Serra da Capivara e Sete Cidades – a
primeira, a 538 km ao sul de Teresina, e as segundas, a 180 km desta capital estadual, no quadrante nordeste
do Piauí; Ubajara – no Ceará; Abrolhos e Chapada Diamantina – essa última, no centro geográfico do estado
da Bahia; Cavernas do Peruaçu e Serra do Cipó – as primeiras, a 650 km de Belo Horizonte, no extremo norte
de Minas Gerais, no vale do São Francisco, e a segunda, a 175 km da capital mineira; Chapada dos Guimarães
(Mato Grosso); Chapada dos Veadeiros (a 240 km ao norte de Brasília, no estado de Goiás); Iguaçu (Paraná);
Aparados da Serra e Serra Geral – nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
8
Como: Ibitipoca (Minas Gerais) e Vila Velha (Paraná).
9
Como o Delta do Parnaíba/Piauí; a Chapada do Araripe – situada nos estados do Piauí, Ceará e
Pernambuco; a Costa dos Corais – localizada em Pernambuco e Alagoas, a APA Carste de Lagoa Santa/
Minas Gerais, as Ilhas de Várzeas do Rio Paraná – localizadas no Mato Grosso do Sul e Paraná; os Meandros
do Araguaia – localizados em Mato Grosso, Tocantins e Goiás.
10
Situadas em regiões geograficamente tão distanciadas entre si como a Amazônia – por exemplo: Anavilhanas;
e o extremo‑sul do Brasil, como o Banhado do Taim, no Rio Grande do Sul.
Real” e os “circuitos” das Pedras Preciosas e das Grutas (esse último localizado ao norte
de Belo Horizonte, na porção sudeste da bacia do Bambuí, compreendendo cavernas
amplamente visitadas pela população metropolitana e turistas de outros estados e países –
como as grutas do Maquiné, em Cordisburgo; Lapinha, em Lagoa Santa; e Rei do Mato,
398
em Sete Lagoas – numa região que é caracterizada pelo espeleólogo Augusto Auler como
“o berço da pré‑história brasileira” – PROUS et al., 2003, p. 5), coloca em pauta as con-
vergências (e contradições) hoje existentes entre temas geológicos, ambientais, históricos
e turísticos (AZEVEDO & KOHLER, 2003; CHENEY, 2004; COSTA, 2005; PILÓ,
1999). O “Circuito das Grutas” foi implementado, na região da melhor ocorrência cárs-
tica no Brasil (CHRISTOFOLETTI, 2002), mas aí, por uma questão de logística in-
dustrial, paradoxalmente se implantou também importante pólo guseiro, aparentemente
em contraposição com a vocação ecoturística do lugar. Outra discussão pertinente nessa
perspectiva, diz respeito à situação das minas do Camaquã, a 70 km de Caçapava do
Sul, onde as reservas de minério de cobre, que se exauriram desde o final do século xx,
poderão ser reinseridas no circuito econômico e cultural regional através de sua trans-
formação em atrativo turístico, com a possível implementação de projeto de resgate da
memória do lugar (RUIVO, 2004), como típico sítio de antiga mineração no estado
do Rio Grande do Sul. Experiência anterior e bem sucedida de abertura de um trecho
(de 315 m) de mina subterrânea à visitação turística consolidou‑se anteriormente no su-
deste brasileiro, na Mina da Passagem, situada entre as cidades de Ouro Preto e Mariana
(no estado de Minas Gerais).
Outra interface da Geologia e Cultura que hoje se inaugura, noutro tipo de cenário –
no contexto urbano –, relaciona‑se com a emergência de novas instituições direcionadas
à preservação de “paisagens culturais” imbricadas com a preservação do patrimônio
artístico e arquitetônico das cidades históricas – e que, vale ressaltar, pode, inclusive
ser gerenciado com a utilização dos recursos do geoprocessamento (MOURA, 2008).
É o caso da “Escola Nacional de Artes e Ofícios Tradicionais da Batalha” (Portugal),
fundada em 1992; e da “Oficina de Cantaria” da Universidade Federal de Ouro Preto
(criada por iniciativa do Departamento de Mineração da Escola de Minas da UFOP).
Esta última veio propiciar que a pedra entalhada voltasse a conquistar seu espaço na or-
namentação de ambientes contemporâneos11. Essa experiência se insere no contexto das
intervenções hoje definidas como topo‑reabilitação (AMORIM FILHO, 1999) e susten-
tabilidade urbanas (MATTOS, 2004) – e que sinalizariam na escala urbano‑regional,
no sentido da preservação do patrimônio histórico e paisagístico das cidades barrocas
do hinterland brasileiro, em Minas Gerais e Goiás12 (CASTRO & DEUS, 2011). Na
questão das pedras de cantaria observa‑se que a preservação de uma técnica tradicional
(trabalho refinado, presente em toda a sucessão de estilos da arquitetura ocidental e que
se tornou independente de modelos europeus), mostra‑se apropriada, e até mesmo impres-
cindível, para a efetivação dos trabalhos de restauração dos monumentos arquitetônicos

11
No Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais, essa pedra de cantaria é sobretudo identificada com o
quartzito Itacolomy – litologia amplamente empregada na antiga Vila Rica, na edificação das partes nobres de
construções como igrejas, residências, pontes e chafarizes ‑, e hoje ainda explotada em três jazidas locais: Bico
de Pedra, Estrada Real e Pico do Itacolomy.
12
Ouro Preto, Mariana, Sabará, Caeté, Congonhas do Campo, São João d’El Rey, Tiradentes, Diamantina,
Minas Novas, Goiás Velho.
degradados ao longo de um processo secular de desgaste (VILLELA, 2003). A partir de
1755 – vale ressaltar ‑, passou a ser empregado na escultura arquitetônica do Barroco mi-
neiro, o esteatito (“pedra‑sabão”) – pedra talcosa (e xistosa) cuja maleabilidade permitiu
sua utilização nas ornamentações (PEREIRA et al., 2007). O artesanato em pedra‑sabão,
399
aliás, sobrevive hoje em rincões do Quadrilátero como os distritos de Mata dos Palmitos
e Santa Rita de Ouro Preto. A geologia (e a engenharia de materiais) tem muito a con-
tribuir ainda, noutras vertentes de pesquisa sobre o patrimônio cultural. PHILIPP &
BENEDETTI (2007, p. 659), que executaram uma análise/avaliação da deterioração do
revestimento de mármore da cúpula da catedral metropolitana de Porto Alegre, no Rio
Grande do Sul, destacam, “a importância da análise geológica dos materiais durante
as fases de elaboração, execução e manutenção de obras públicas como monumentos,
construções e passeios públicos”, incluindo‑se aí “a necessidade de análise dos ensaios
tecnológicos dos materiais rochosos a serem utilizados” nestas obras.

3 – Considerações finais

São múltiplas e singulares, como se pode perceber, as interfaces entre Geologia e Cultura
que se apresentam na “pós‑modernidade”, para a análise e reflexão críticas no complexo
e multifacetado cenário da globalização, e em que os profissionais em Geociências têm
todas as condições de se inserir, contribuindo com eficácia e originalidade para a reela-
boração de ideias sobre esses pertinentes conceitos e temas, hoje crescentemente em foco
(CORDANI & TAIOLI, 2003). No contexto particular das cidades históricas mineiras,
seminalmente ligadas à dinâmica das regiões de antiga mineração e hoje muito valorizadas
como atrativos turísticos, ressalte‑se que, como sinalizam LACERDA et al. (2011, p. 17) “as
dimensões natural e cultural, tangível e intangível, do patrimônio barroco, [que] devem ser
incorporadas a projetos na área de educação patrimonial, cultura e lazer, direcionados à
comunidade local e aos turistas, com o objetivo de promover a aproximação/interação da
população junto aos bens culturais, interferindo assim, em sua preservação e valorização”.
Vale ressaltar o papel estratégico também desempenhado pelo ensino formal das
Ciências da Terra, no 3º. Grau, na perspectiva de seu acoplamento com proposições/
ações direcionadas para o Desenvolvimento Sustentável. É o que temos concretizado, em
sala de aula e trabalhos de campo, em nossa prática de ensino de disciplinas nas áreas de
Geologia Geral/Ambiental e Geografia Cultural/Etnogeografia para alunos de graduação13
e pós‑graduação de Geografia, Turismo, Engenharia Civil e Engenharia de Minas, nos
últimos anos, na universidade pública brasileira (no IGC/UFMG – Belo Horizonte/
MG), e em que, sistematicamente, temas da educação ambiental e patrimonial são colocados
em evidência.

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42
HISTÓRIA DA CIÊNCIA GEOGRÁFICA:
UMA VERSÃO DESCRITIVA
E UM ESTUDO DE CASO BRASILEIRO

HISTORY OF GEOGRAPHICAL SCIENCE:


A DESCRIPTIVE VERSION
AND A BRAZILIAN CASE STUDY

D. F. C. Reis Júnior1 & M. D. Araujo Neto2

Resumo – Embora ainda não se disponha, em língua portuguesa, de obras volumosas


que tratem da história da Geografia pelo viés panorâmico‑descritivo, da literatura cor-
rente (estrangeira, sobretudo) deduz‑se, com relativo consenso, certa trajetória evolutiva:
do empirismo oitocentista ao abstracionismo contemporâneo. Desta mesma trajetória, é
possível deduzir também, para a microescala dos estudos de caso nacionais, determinadas
inflexões e mudanças de paradigma. Este texto divulga, junto à comunidade lusófona
de geocientistas, um pouco da evolução do pensamento geográfico – e explorando,
particularmente, ao final, o caso contemporâneo brasileiro: uma transformação havida
na importância das pesquisas geográficas no país. Os autores sustentam que se teria perdido
o status pragmático‑científico da disciplina, em prol de uma militância político‑ideológica.
Noutras palavras, no Brasil, a Geografia teria se transformado de geociência em geodiscurso.

Palavras‑chave – História da geografia; Tradição clássica; Revolução teorética; Discurso


radical; Caso brasileiro

Abstract – Although there are no voluminous books in Portuguese language concerning


the history of Geography from the panoramic and descriptive bias, from the current literature
(especially foreign) it can be drawn, with relative consensus, a certain evolutionary trajec‑
tory: from the nineteenth century empiricism to the contemporary abstractionism. And from

1
Departamento de Geografia, Universidade de Brasília (Campus Darcy Ribeiro, ICC Norte, subsolo, mó-
dulo 23, 70910‑900, Brasília/DF, Brasil; [email protected]
2
Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília (Campus Darcy Ribeiro, ICC Norte, mezani-
no, sala B1‑606, 70910‑900, Brasília/DF, Brasil; [email protected]
this same trajectory it can be deduced, to the micro‑scale of the national case studies, certain
inflections and paradigm shifts. This paper divulges to the Lusophone community of geoscien‑
tists some of the evolution of geographical thought – and particularly exploring, at the end,
the contemporary Brazilian case: a shift occurred in the importance of geographical research
404
in that country. The authors argue that the pragmatic‑scientific status of the discipline would
have been lost in favor of a political‑ideological militancy. In other words, in Brazil, Geography
would have turned from geoscience to geodiscourse.

Keywords – History of geography; Classical tradition; Theoretical revolution; Radical


discourse; Brazilian case

1 – Introdução

Com os elementos que compõem esta comunicação pretendemos divulgar alguns


aspectos da história da Ciência Geográfica (e especialmente a brasileira) junto aos pro-
fissionais das geociências.
Para isso, apresentamos aqui dois cortes temáticos. Primeiramente, um esboço si-
nóptico da história da Geografia, à base de historiografias já publicadas. Está será, pois,
uma seção mais geral, jogando o papel funcional de noticiar esta evolução e, com isso,
melhor difundir a real identidade de nosso campo científico. (Trata‑se até mesmo de
corrigir a histórica inabilidade do geógrafo em dar publicidade ao seu secular métier,
pois que, no senso‑comum, vigora ainda a idéia de que a Geografia lidaria essencial-
mente com a descrição geral/nominal de paisagens físicas ou humanas – uma ciência à
qual cabe preencher, com o singular e o pitoresco, almanaques e anuários). No segundo
corte, exporemos as considerações concernentes a uma pesquisa em particular que vimos
desenvolvendo nos últimos tempos, e que diz respeito, enquanto estudo de caso, à alte-
ração histórica havida nas atividades intelectuais e aplicadas do geógrafo brasileiro. Esta
última seção consistirá, portanto, num enfoque temático, pelo qual daremos relevo à
determinada circunstância (ou recorte têmporo‑espacial) daquela evolução.
A referida pesquisa – em execução a quatro mãos, no Departamento de Geografia,
do Instituto de Ciências Humanas, da Universidade de Brasília – objetiva diagnosticar as
causas do descrédito que o geógrafo brasileiro tem experimentado junto às instâncias de
decisão. O fato, que decorre, entre outros motivos, de uma atual imperícia teórico‑metodo-
lógica e, concomitantemente, uma baixíssima desenvoltura em táticas autopromocionais,
catalisa o espírito de tribo; isto é, engendra a condição atual de uma espantosa pulveriza-
ção do campo em subsetores especializados – cada um deles com respectivas linguagens
e visões de mundo. Com isso, ironicamente, à medida que se foi definindo uma imagem
externalizada de colapso (quer dizer, a Geografia, aos olhos dos não‑geógrafos e grande
público, tida por uma disciplina inofensiva; coadjuvante, quando muito, nos grandes feitos
científicos), também se definiu um imaginário interiorizado de altivez (ou seja, agora aos
olhos dos próprios tribalistas, excedendo‑se no ufanismo, uma disciplina autossuficiente,
ou, por excelência, “a” encarregada de uma messiânica missão sócio‑espacial).
Os autores sustentam ainda que o estado de coisas tem rebatimentos sérios em escalas
institucionais; por exemplo na que se relaciona com a formação acadêmica (via conteúdos e
currículos) do profissional geógrafo.
2 – Geografia: nascimento e evolução de uma Geociência

Como referido há pouco, apresentaremos neste primeiro corte temático uma versão
descritiva para a história da Geografia, baseada em literatura estrangeira (CAPEL, 1981;
DENEUX, 2006; CLAVAL, 2008). Esta versão deriva de uma pesquisa iniciada, há 405
dois anos, junto ao Departamento de Geografia da Universidade de Brasília, e pode
ser considerada consensual. Será genérica e concisa o suficiente para tal.
É possível considerar o caso geográfico como um dos mais remotos saberes. Mesmo
antes da Antigüidade clássica, esteve presente no atendimento aos imperativos da so-
brevivência humana, tais como a necessidade de se localizar e de identificar os recursos
disponíveis/úteis à habitação, à alimentação e ao crescimento. Mas nos ateremos aqui
à era mais próxima, respectiva a uma já identificação disciplinar e sua conseqüente
sistematização científica.
Quando da institucionalização da Geografia como disciplina universitária (segunda-
‑metade do século dezenove, na Alemanha e França) criou‑se para ela um âmbito de
explanações que a aproximavam grandemente das ciências naturais. O corriqueiro recurso
aos expedientes metodológicos da Geologia e da Botânica atestava isso. Relatos esmiu-
çados, ilustrados por croquis, e ensaios taxonômicos. Ocorre que o âmbito, apesar de
inicialmente bastante bem demarcado (quadros fisiográficos, distribuições diferenciais e
usos), seria lido sob mais de um aspecto, conforme circunstância conjuntural daqueles
que dele se serviriam: num extremo, um âmbito meramente informacional; noutro, um
âmbito teleologicamente aplicativo.
O período que podemos chamar “clássico” (L’Âge d’Or) da Geografia tem seu flo-
rescimento em princípios do século vinte, com uma culminância entre os anos trinta
e quarenta. Sua fase de amadurecimento – quando, então, já se tira partido dos produ-
tos que iniciativas pioneiras haviam semeado (Sociedades de Geografia, revistas, atlas,
cartas‑murais) – caracteriza‑se por uma, provavelmente não‑deliberada, cristalização de
certos saberes, os quais, decerto, pareceriam ser emblemática e precisamente geográficos:
a prática inventariante, o discurso literário, o raciocínio indutivista e o foco regional
(CLAVAL, 1998). Ao longo do período, a Geografia jogará o papel de “informar” – por
exemplo, a respeito das regiões e seus recursos. Esteve, assim, previsivelmente, muito
associada às esferas da tomada de decisão; e, não raras vezes, orientando tecnicamente
ingerências imperialistas e neocoloniais.
Conclamada a diagnosticar estados e propor readequações, a partir dos anos cin-
qüenta a Geografia sofre aquela que foi, provavelmente, sua mais intensa linguistic turn.
Vivia‑se o fenômeno espacial da urbanização que, dentre outras demandas, pedia às
ciências sociais uma maior desenvoltura teórico‑metodológica. A virada lingüística em
Geografia significou, desde então, o recurso aos mais variados expedientes de sistemati-
zação: do discurso nomotético (bem representado por uma militância extraordinária em
prol dos protótipos teóricos ou modelos) à semiologia matemática (mormente identifica-
da no emprego de técnicas quantitativas). Era a New Geography – ou, dita por muitos,
Theoretical Geography. Visivelmente, o galicismo cedia lugar ao anglicismo. Mas aos
estertores da década dos sessenta, vozes discordantes começariam a ser ouvidas: algu-
mas, em uníssono, reivindicando teoria, por assim dizer, “mais crítica” (apontando as
contradições ou seqüelas de uma apropriação do espaço tipicamente capitalista); outras,
mais heterogêneas e heterodoxas, reclamando uma Geografia transcendente aos dados
meramente materiais; isto é, uma Geografia nem tão concentrada em descrever um quadro
natural (geografismo ecológico do período clássico), nem tão empenhada em otimizar
um uso econômico (geografismo teorético dos 50’s em diante) e nem tão obcecada
em denunciar as mazelas de um ditame político (geografismo neomarxista dos 70’s em
406
diante). Esta outra nova Geografia, chamada, conforme assimilações locais, “humanís-
tica”, “comportamental” ou “da percepção”, rompe (em graus variáveis – a depender da
irreverência do ativista) com a perspectiva materialista, há muitas décadas vigorando no
pensamento geográfico. Depois do inventário de recursos naturais (tradição classicista),
do planejamento locacional da produção (revolução teorética) e da denúncia das seqüelas
do sistema (discurso crítico), advinha a interpretação de imaginários sobre os lugares.
E surgia uma espécie de geógrafo psicanalista. Géographe humaniste nos países francófilos;
behavioral geographer, nos anglófilos3.
Diante do fato de que, com os sucessivos adventos paradigmáticos, visões de Geografia
multiplicaram‑se, aconteceu do espectro de temas com que o geógrafo lida restar per-
turbadoramente vasto. Inventário de recursos naturais; análise e exploração dos mesmos;
meio ambiente versus ação antrópica; ocupação do território; processos de urbanização
(redes, circuitos); ordenamento territorial (políticas, instrumentos); mobilidade (migra-
ções); arranjos institucionais; formação de nacionalidades; pertencimento territorial;
elos de afetividade com lugares; territorialidade das práticas (étnicas, de gênero, etc.);...
É que daqueles vários paradigmas recém‑mencionados, o que resultou foi o alarga-
mento de perspectivas postas na alça de mira do geógrafo: do material‑objetivo (que já
induzia o profissional à comunhão teórico‑metodológica com geólogos, biólogos, físicos
e economistas) ao imaterial‑subjetivo (levando‑o a compartir da liturgia discursiva de
antropólogos e psicólogos).
O fazer geográfico, ao longo da história, dirigiu atenção a dinâmicas e fenômenos
respectivos a cada contexto: conhecimentos cosmográficos e mapeamento vegetacional,
quando das Grandes Navegações; localização de recursos e mercados e instalação
de sistemas de transporte, quando do advento das civilizações industriais e impérios
neocoloniais; modelagem de fluxos (de informação, capital, trabalho), quando da inten-
sificação da internacionalização da economia. Entretanto, apesar de ter desempenhado
funções‑chave em vários momentos da história, hoje não dá ares de conseguir transcender
a condição de disciplina “menor”, ou pouco expressiva, se comparada a outros domínios
e saberes práticos (ARAUJO NETO & REIS JUNIOR, 2011).

3
No Brasil a repercussão do geografismo ecológico deu‑se espontaneamente, a contar das primeiras décadas
do século vinte, devido à influência das literaturas francesa e alemã (embora esta mais indiretamente). Mas com a
assimilação do geografismo teorético – que no Brasil se deu com o lapso temporal de uma década (só o identifica-
mos nitidamente por volta de 1968) –, aquelas descrições do quadro natural sobreviveriam apenas no recinto da
Geografia Física. Ou seja, foram os geógrafos humanos os que se enveredaram deliberadamente em estudos com
as novas metodologias. E no Brasil, a aplicação de técnicas quantitativas para entender a hierarquia econômica de
centros urbanos foi algo bastante praticado entre 1968 e 1978. Mas essa repercussão da New Geography no país não
perdurou mais de um decênio. O fato de que se vivia, à época, sob um regime militar, criou a impressão de que a
geografia do planejamento estava a serviço do ideário ditatorial de então. Sendo assim, ao longo dos anos setenta
uma geografia do discurso social crítico foi encontrando condições favoráveis a uma mobilização gradativa de pro-
fissionais. Por essa razão, quando alguns geógrafos brasileiros tomam conhecimento da escola humanística (graças a
traduções editadas na década dos 80’s), já não havia margem muito aberta à propagação de novas abordagens.
O geografismo neomarxista já se difundira e estabelecera definitivamente no país. Daí serem raros, hoje, os
geógrafos que se dedicam a estudos de comportamento espacial à luz de teoria psicológica.
3 – Geografia Brasileira: enfermidade e morte de uma Geociência

A fim de melhor apresentar aquilo que no próximo corte temático nos referiremos
como sendo a eclosão de uma patologia, caracterizaremos agora, em mais detalhes, alguns
episódios da história da Geografia. 407
O período de quase um século, que se estenderá entre os anos setenta do século de-
zenove e os cinqüenta, do vinte, caracterizou‑se não somente pela instituição do marco
acadêmico da Geografia (em universidades alemãs e francesas), mas muito pela auto‑
-designação de disciplina a lidar com os arranjos combinatórios da natureza. No entan-
to, apesar de que quase sempre os estudos requeressem de seus autores uma formação
bastante versátil (enciclopédica até), eles ou eram explicitamente físicos – dando maior
ênfase aos elementos vegetacionais, pedológicos, hidrológicos, etc. (e, portanto, asse-
melhando o trabalho do geógrafo ao de um “geólogo‑botânico”) –, ou eram sobretudo
humanos – neste caso, privilegiando o fator sócio‑cultural (e, assim, de certa manei-
ra, aproximando o levantamento geográfico das etnografias antropológicas clássicas)
(DENEUX, 2006). Como se pode perceber, a formação universitária de um geógrafo
pressupunha instruí‑lo em saberes multidisciplinares. Ilustra isso uma notável obra
escrita por AROLDO DE AZEVEDO (1910‑1974), célebre autor de livros didáticos,
dos anos quarenta aos sessenta. Em “Monografias regionais” (1943), ele descreve com
minúcia todos os dados que um estudante deveria levantar numa expedição a campo:
dos mais ínfimos caracteres do solo aos mais particulares detalhes da rotina agrícola.
E a crítica, advinda em meados do século vinte, a este modelo de Geografia no final
das contas pouco funcional, residia, naturalmente, no fato de que, malgrado alguns
dos estudos deterem de fato uma identidade dúplice (quer dizer, reunindo tanto o fato
zonal, de ordem naturalista, quanto o fato regional, de cunho antrópico), jamais se
conseguiu falar, em termos competentemente epistemológicos, da amálgama entre os
fatos. Ou seja, quando muito, fenômenos de natureza e de sociedade eram sim con-
templados, mas nunca explanados, pela via de modelos teóricos, na sua (tão aventada)
mútua condição de reciprocidade.
O que a New Geography pretendeu subverter foi exatamente essa pecha de campo
científico desprovido de parâmetros nomotéticos; isto é, um campo disciplinar que, a
rigor, nem mereceria o adjetivo de científico. Por conseqüência dos novos reclamos e da
imensa oferta de expedientes teórico‑metodológicos, adentra o discurso geográfico um
relativamente transgressor arsenal de técnicas analíticas e de modelos conceituais: cálculos
matemáticos, tratamentos estatísticos, terminologias fisicalistas, biologistas e economé-
tricas. No Brasil, em dois epicentros: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no
Rio de Janeiro, e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, no interior do
estado de São Paulo (MONTEIRO, 1980). Esta incorporação, mais que mero câmbio
lingüístico, teve o efeito inconteste no plano da ação do geógrafo: doravante, ele, desde
que empenhado em instruir‑se nas ferramentas alienígenas, adquiriria a competência ne-
cessária a fornecer subsídios técnico‑científicos às esferas do planejamento e da tomada
de decisão.
Todavia, há idiossincrasias nítidas quando se averigua a forma como as matrizes do
pensamento científico ancoram num ou noutro país. E o caso brasileiro foi emblemá-
tico em pelo menos um aspecto. Porque é certo que a Geografia num plano geral, a
bem dizer, trifurcou a partir dos anos sessenta; noutras palavras, a contar da onda de
repreensões aos métodos clássicos, advieram leituras distintas sobre o objeto de estudo
do geógrafo: uma neopositivista, uma neomarxista e outra fenomenológica (CHRISTO-
FOLETTI, 1982; REIS JÚNIOR, 2008a). Ainda assim, a relativa preponderância de
um matiz, por razões que, bem sabemos, a sociologia do conhecimento nos esclarece,
408
tende a ser função de circunstâncias micro‑escalares: instituições promotoras, indivíduos
vanguardistas, etc. (REIS JÚNIOR, 2008b). Logo, foi possível se dar que, no Brasil, o
fato da vertente teorético‑quantitativista ter emergido justo num contexto de regime po-
lítico militar, engendrou‑se uma ambiência intelectual naturalmente propensa a delatar
este modelo de geografia como sendo servil ao poder executivo; vindo, pois, a defender a
causa de uma ciência comprometida com teorias (o que definia seu combate ao classicis-
mo positivista), só que teorias sociológicas críticas (o que definia, ademais, seu também
combate à proposta neopositivista da New Geography, que entendeu se tratar de reacio-
nária, ou uma pseudo‑renovação – conforme insinuaram autores estrangeiros, militantes
do neomarxismo).
A emergência da chamada Geografia Radical brasileira data do fim da década de
setenta (GONÇALVES, 1978; SANTOS, 1978), enquanto o discurso sistematicamen-
te crítico, dela derivado, ganha força e progressivas publicidade e notoriedade ao longo
dos anos oitenta do século vinte (SANTOS, 1982; MORAES & COSTA, 1984), com
rejuvenescimentos no século presente (MOREIRA, 2006; MOREIRA, 2009). E o efeito
colateral que mais se fez sentir na identidade do campo disciplinar foi, sem dúvida, a
gradativa transfiguração curricular dos cursos universitários. Em não poucos casos,
Departamentos de Geografia, que antes integravam Institutos de Geociências (num
âmbito, portanto, de convivência com ciências experimentais e exatas), passaram a ser
abrigados em Institutos de Ciências Humanas ou Faculdades de Filosofia e Letras.
Se a disciplina ainda guardaria, na retina do olhar “de fora”, essa embaraçosa iden-
tidade dúplice (análise de formas naturais versus denúncia de processos políticos), na
visão do “lado de dentro”, foi‑se consolidando uma visão de geografia do discurso
ideológico.

3.1 – Seqüelas e outros diagnósticos

O advento da Geografia moderna, espanada de todo tradicionalismo que lhe rendia


pouca operacionalidade, coincide com um ensejo favorável à assimilação de ferramentas
teóricas e técnicas bastante promissoras. Provavelmente, as teorias sistêmicas e o instru-
mental ligado à representação abstrata da informação espacial – entendam‑se, modelos
sobre conjuntos coerentes e revolução informática – são os mais auspiciosos produtos
ofertados à época.
Sustentamos que, por decorrência do que chamamos “vozes discordantes”, e sua con-
seqüente repreensão àquilo que entenderam ser um status quo positivista (dos inventários
pueris, das quantificações alienadas), a Geografia, resultando pulverizada, não pôde con-
tar com contingente suficientemente coeso, comprometido a operar segundo linguagens
e ferramentas mais promissoras (CHRISTOFOLETTI, 1992). E no lugar da comunhão
de uma mesma sistemática linguagem, emergiram nominalismos e designações termi-
nológicas insípidas; maníacas na (re)produção de frases‑feitas, na medida em que não
trazem consigo inovações teórico‑metodológicas cujo emprego aumente de fato a eficácia
do conhecimento geográfico, orientando‑o, teleologicamente, na resolução de problemas
práticos4.
Entendemos que esta condição é suficientemente respondida pela ineficiência com
que, no transcorrer de uma dinâmica de múltiplas nascentes paradigmáticas, o geógra-
409
fo lidou com o potencial energético que sua disciplina acumulara até (pelo menos) o
primeiro terço do século vinte. Porque eram já muitos os fenômenos e processos pelos
quais o olhar geográfico poderia ser atraído. Mas como coligá‑los, fazendo‑os gravitar
em torno de um mesmo método e linguagem? O próprio hábito descritivo‑inventariante,
caracterizador da época clássica, rendera, evidentemente, um monumental arquivo de
estudos do tipo monográfico (CAMARGO, 2009). Milhares de regiões, espalhadas
pelos quatro‑cantos do mundo – e bastaria mesmo só o emaranhado mosaico cultural/
natural do território brasileiro –, encontraram ocasião de figurar centrais nalguma Tese
ou levantamento. Trabalhos estes, invariavelmente exaustivos: sua identidade biofísica
(da florística à geomorfológica) e as marcas humanas (do histórico da ocupação à atual
especialidade econômica regional) (PENHA, 1993).
Com o advento do matiz epistemológico chamado “teorético‑quantitativista” engen-
drara‑se uma oportunidade para fazer daquele extraordinário acervo algo mais operacional;
isto é, algo de expeditamente legível. A proposta de uma sistematização via tratamento
estatístico, e referendada pelo emprego de modelos teóricos norteadores, tinha sido de
fato pensada a fim de que o trabalho geográfico – agora estribado sobre instrumentos
técnico‑científicos consagrados por disciplinas prósperas – ganhasse praticidade, mais
que exuberância. Noutras palavras, convertendo a (reconhecida) versatilidade em (efeti-
va) presteza. Mas ao contrário, por exemplo, do caso anglo‑saxão, no Brasil não houve
aferro perdurado aos procedimentos lógico‑abstratos. Daí podermos diagnosticar que
a Geografia, neste país, padeceria de um mal endêmico: a deliberada auto‑privação de
ferramentas lingüísticas e operacionais que, no mínimo, ajudariam um pouco o profis-
sional a proceder nas análises que levam (pensando bastante otimistamente, é claro) à
explicação sistêmica dos arranjos paisagísticos5.
Entendemos que muito da prostração em que a Geografia se encontra hoje se deveria, en-
tão, a um não obstinado investimento em modelos conceituais e em técnicas de tratamento

4
Nos referimos aqui ao fato de que, refutando a presunção de neutralidade dos positivistas, os críticos
voluntariamente inauguraram um estilo de texto mais adjetivado. Apareceu, portanto, um gênero de assertivas
construídas à base de juízos de valor – o que, num certo sentido, estabeleceu que o geógrafo podia fazer julga-
mentos morais. “Subordinação do espaço aos interesses do capital”; “apropriação perversa do território”; “ins-
trumento de dominação burguesa”; etc. Todas expressões comuns a um mesmo dialeto: o da delação. Decerto,
os críticos pensavam estar, finalmente, dando relevância social ao seu trabalho; mas, restringindo‑se a um in-
sistente discurso combativo, não acharam vez de também propor. Assim, sem oferecerem alternativas ao “mal”
capitalista, as vozes discordantes restaram estritamente denunciadoras, e pouco ou quase nada propositivas.
5
Sustentamos essa afirmação categórica baseados precisamente no descrédito que, por mais de uma vez
na história, os métodos formais tiveram junto ao círculo geográfico brasileiro. E em dois contextos exemplar-
mente. Primeiro, durante as iniciais seis décadas do século vinte, quando da prática de uma geografia empírica
herdeira dos preceitos franceses (dentre os quais, a preferência pelo procedimento indutivo e a desconfiança dos
raciocínios muito sistemáticos e dedutivos) – o que impediu que nossos geógrafos clássicos tivessem se aproxi-
mado, por exemplo, dos progressos científicos que já se sentiam em Ecologia (incorporação da termodinâmica,
cibernética, teoria dos jogos). Segundo, quando do próprio advento da New Geography, posto que raríssimos
pesquisadores arriscaram esforço intelectual mais penoso, como o de ensaiar explicações a partir de modelos
naturalistas relativamente complexos mas sugestivos (princípio da incerteza, teoria do caos, geometria fractal).
de dados que unificassem o argumento dos praticantes desta disciplina (padronizando,
por extensão, métodos de validação consistentes).
Em termos de formação universitária, o que se verificou foi uma sensível marginali-
zação do espectro naturalista da disciplina, em prol do tratamento de matérias de cunho
410
social e político. Na verdade, a relevância destes aspectos para o pleno entendimento da
organização humana das paisagens nunca foi omitido; o abuso em questão traduz‑se,
isto sim, pelo profundo esvaziamento do raciocínio lógico‑sistemático – desde há muito
uma marca‑registrada da investigação formal dos fenômenos. Se o geógrafo reconheceu
sua inoperância em explanar conjuntamente os fatos físico e humano, isto é um fato
realmente relevante na história da ciência geográfica; contudo, optar (nas vezes de “solu-
ção ao problema”) pela mutilação consciente do domínio científico (não obstante o quão
bizarro possa parecer), isto acabou figurando uma tática filosoficamente aviltante. Daí
que, em muitas situações, os graduandos em Geografia sentem como se as matérias
consagradas aos processos naturais edificantes da paisagem – mineralogia, pedologia,
geologia, zoologia, botânica, hidrologia, climatologia – fossem meros caprichos de currícu-
lo. E de fato, no Brasil esses domínios, que por décadas puseram o geógrafo a freqüentar
o círculo das ciências duras, parecem hoje constar dos currículos como (quando muito)
matérias ou temáticas de função não mais que subsidiária. Resulta disso que o geógrafo
é, atualmente, bem menos versado do que já foi (no período clássico) em conteúdos
basilares – quer dizer, instruído acerca dos princípios de ciências naturais – e deficita-
riamente versado (já que desperdiçou a proposta teorético‑quantitativista) em conteúdos
operacionais – isto é, familiarizado com instrumental técnico de ciências físicas e exatas
(CHRISTOFOLETTI, 1990).
Essa menor versatilidade, resultante de uma formação universitária deficiente, vendo
sob outro aspecto, explica‑se, por efeito decorrente, de currículos que acabam priorizando
matérias de geografia social. A perspectiva da deliberação humana é forçosa, mas é óbvio
que, ao se primar por um aspecto, termina‑se por esvaziar o outro; e, assim, conteúdos
originários das ciências exatas, apesar de que possam seguir constando dos planos de
cursos (dando, então, um ar de razoável equilíbrio), não favorecem uma visão integradora
dos conteúdos – competência na qual o geógrafo, apesar de tudo, ainda se fia.
O final da década dos setenta define o ingrediente contextual que condicionará, em
grande medida, os simultâneos sepultamento e decreto de atribuições da Geografia: a esta
ciência, definitivamente, não caberia mais a tarefa de subvencionar tecnicamente os empre-
endimentos econômicos de ocupação e uso da terra; o que as populações dela esperariam é
sua astuta vigilância, na denúncia de episódios de apropriação socialmente sórdidos. Diante
do recrudescimento do matiz ideológico, o geógrafo naturalmente perderia alcance de ação
profissional – por exemplo, perdendo espaço para praticantes de ciências que, naquela con-
juntura, desenvolveriam para si um horizonte de atuação técnica absolutamente tempestivo:
se a época denotava inquietações ambientalistas (dados os já visíveis impactos do imperativo
capitalista sobre a natureza), foi previsível o surgimento de um geólogo ambientalista, de um
ecólogo perito, de um biólogo socialmente sensível, de um economista capacitado à valoração
do patrimônio ambiental, de um sociólogo instruído em processos naturais (CHRISTOFO-
LETTI, 1984). Todos eles articulados com a esfera da ciência aplicada (ou, noutras palavras,
de bom grado aliadas a um poder político ciente de que o amparo em saberes exímios é o que
garante estratégias sustentáveis). E todos eles desenvolvendo estudos para os quais, não fosse
o sucesso acadêmico da Geografia Radical, o geógrafo poderia/deveria estar contribuindo.
Vige no subcampo da geografia social um “princípio hedonístico”, segundo o qual
os autores, pensando produzir teorias legítimas, não fazem senão exercitar um prazer
individual à base de elucubrações maneiristas, mas cujo teor transmite‑se com facilidade
(LAMEGO & REIS JÚNIOR, 2009). E este discurso crítico pode, eventualmente, encon-
411
trar ressonância junto ao público frequentador dos bancos universitários – por exemplo, se
o estudante estiver à procura de uma causa pela qual pareça nobre lutar. E no Brasil a
convergência de um fator vem justamente a ser determinante: não raras vezes este público
enquadra‑se num perfil econômico desprivilegiado. Sendo assim, a retórica autodenominada
“combativa” arregimenta, sem esforço, seus soldados (REIS JÚNIOR, 2010).

4 – Considerações finais

A evolução do pensar e do fazer geográficos, numa amostra de modestos cem anos


(1890‑1990), demonstra um processo de eclosões sucessivas de vieses interpretativos –
assentados, decerto, em respectivos preceitos ou matizes filosóficos. A depender do modo
peculiar com que, em cada país, tais eclosões se deram (se numa lógica substitutiva ou de
coexistência), certos vieses podem assumir status circunstancial de primazia.
Atualmente, verifica‑se que a geografia brasileira compreende um principal e expres-
sivo grupo de praticantes/representantes defendendo, convictos, uma respectiva visão de
ciência. Empregando aqui terminologia alusiva à que Michael E. HURST, mordaz algoz
da New Geography, utilizou em 1973, diríamos que o grupo forma o “Alto Clero”
(College of Cardinals) da disciplina no país. Representa o establishment acadêmico, a
intelligentsia vigorante. Restam, entretanto, contingentes modestos que até exercitam,
mas bastante timidamente, uma geografia mais aplicada. Como se depreende, este
costuma ser o caso de profissionais que, em suas pós‑graduações, aproximam‑se de pro-
gramas de pesquisa onde a análise ambiental encontra‑se devidamente municiada pelos
ideários do planejamento e da gestão (e, é claro, nem um pouco refratária às ferramentas
matemático‑computacionais).
Mas os poucos sinais de sobrevivência do caráter geocientífico da disciplina não
comprometem o, aparentemente já arraigado, “estilo de fazer geografia” brasileiro. Nos
bancos universitários continuam a ser mais lidos e difundidos discursos sociológicos ao
estilo “crítico” – isto é, forma‑se um geógrafo que tende a ser sobretudo um sistemático
censor; quase nunca um sagaz consultor. Alguns destes textos chegam até mesmo a ser
redigidos em linguagem deliberadamente hermética, para gozo de um autor mais vaidoso
que escrupuloso.
Assim, confundindo sensibilidade social (que todo cientista, inclusive o mais prático,
deve possuir) com o super‑heroísmo do politicamente correto, proscreveram‑se os saberes
utilitários. E a Geografia, de clássica geociência, tornou‑se um geodiscurso.

Referências Bibliográficas

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ANEXOS
(Página deixada propositadamente em branco)
REVISÃO CIENTÍFICA

Coordenação

Rui Pena dos Reis – Portugal


Mário Quinta Ferreira – Portugal
Maria Teresa Barata – Portugal

Membros

Adriane Machado – Brasil Francisco Idalécio de Freitas – Brasil


Adriano Viana – Brasil Francisco Jose Correa Martins – Brasil
Alberto Caselli – Argentina Francisco S. Bernardes Ladeira – Brasil
Alethea Ernandes Martins Sallun – Brasil Francisco Vieira – Moçambique
Amadeu dos Muchangos – Moçambique Fredy Leon – Argentina
Ana Aguiar Castilho – Portugal Gabriel Luis Miguel – Angola
Ana Isabel Andrade – Portugal George Nash – Inglaterra
Ana Maria Muratori – Brasil Gilmar Bueno – Brasil
Ana Rodrigo Sanz – Espanha Giorgio Basilici – Brasil
André Buta Neto – Angola Graciela Sarmento – Espanha
Angel Corrochano Sanchez – Espanha Guy Martini – França
António Filipe Lobo de Pina – Cabo Verde Hélio Casimiro Guterres – Timor Leste
António Almeida Saraiva – Portugal Howard R. Feldman – EUA
Artur Sá – Portugal Isabel Margarida Antunes – Portugal
Bernard Legall – França Ismar Souza Carvalho – Brasil
Carlos Augusto Sommer – Brasil João Cabral – Portugal
Celeste Gomes – Portugal João Pratas – Portugal
Christian Seyve – Angola José António Lopes Velho – Portugal
Duncan Alistair Lockhart – Portugal José Brilha – Portugal
Edison Archela – Brasil José Luiz de Morais – Brasil
Eduardo Ivo Alves – Portugal José Manuel Azevedo – Portugal
Eduardo Morais – Angola Juan Gutiérrez‑Marco – Espanha
Elisa Preto Gomes – Portugal Jussara Alves Pinheiro Sommer – Brasil
Elonio Muiuane – Moçambique Kátia Mansur – Brasil
Elsa Gomes – Portugal Keynesménio Neto – R. São Tomé e Príncipe
Evandro F. de Lima – Brasil Lopo Vasconcelos – Moçambique
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Fernando Carlos Lopes – Portugal Luis Carcavilla – Espanha
Fernando Pita – Portugal Luis Gonzalez Vallejo – Espanha
Fernando Rull – Espanha Luis Oosterbeek – Portugal
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Luís Sousa – Portugal Pierluigi Rosina – Portugal
Luiz Eduardo Travassos – Brasil Ramon Salas – Espanha
Margarida Ventura – Angola Ramon Vegas – Espanha
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Maria Dolores Pereira – Espanha Ricardo Scholz – Brasil
416
Maria Helena Henriques – Portugal Rosemeri Melo e Souza – Brasil
María Luisa Canales – Espanha Rubem Porto Jr. – Brasil
Maria Manuela da V. G. Silva – Portugal Rudy Ferreira – Brasil
Mena Schemm‑Gregory – Alemanha Santiago Alija – Espanha
Monica Heilbron – Brasil Sónia Victória – Cabo Verde
Mussa Achino – Moçambique Tatiana Tavares Silva – Angola
Narendra Srivastava – Brasil Teresa Monteiro Seixas – Portugal
Nei Ahrens Haag – Brasil Tibor Stigter – Holanda
Nuno Pimentel – Portugal Tomás Campos – Brasil
Paolo Mozzi – Itália Valéria G. Silvestre Rodrigues – Brasil
Paulo Cesar Rocha – Brasil Vera Alfama – Cabo Verde
Pedro Santarém Andrade – Portugal

Instituições

Agência Nacional do Petróleo, Associação dos Geólogos em Angola, Consejo Superior de Investigaciones Cien-
tíficas, Galpenergia, Geoparque Araripe, Geoparque Maestrazgo, Institut Universitaire Européen de la Mer,
Instituto Geológico, Instituto Geológico y Minero de España, Instituto Politécnico de Castelo Branco, Insti-
tuto Politécnico de Tomar, Laboratório Nacional de Geologia, Ministério das Obras Públicas e dos Recursos
Naturais, Ministério do Ensino Superior e da Ciência e Tecnologia, Museum of Natural History New York,
Partex, Petrobras, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Réserve Géologique de Haute‑Provence,
TOTAL EP, Universidad de Alcalá de Henares, Universidade Agostinho Neto, Universidade Complutense de
Madrid, Universidade de Aveiro, Universidade de Barcelona, Universidade de Bristol, Universidade de Buenos
Aires, Universidade de Cabo Verde, Universidade de Coimbra, Universidade de Lisboa, Universidade de Pá-
dua, Universidade de Salamanca, Universidade de São Paulo, Universidade de Trás‑os‑Montes e Alto Douro,
Universidade de Valladolid, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade do Minho, Universidade
do Porto, Universidade Eduardo Mondlane, Universidade Estadual de Campinas, Universidade Estadual
de Londrina, Universidade Estadual Paulista, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal de
Ouro Preto, Universidade Federal de Sergipe, Universidade Federal do Acre, Universidade Federal do Paraná,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Fe-
deral Rural do Rio de Janeiro, Universidade Luterana do Brasil, Universidade Privada de Angola e Universidade
Técnica de Lisboa.
PATROCÍNIOS E APOIOS
(Página deixada propositadamente em branco)
419
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420
421
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Apoios Institucionais

FCTUC DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA TERRA


FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
(Página deixada propositadamente em branco)
(Página deixada propositadamente em branco)
Série Documentos A presente obra reúne um conjunto de contribuições apresentadas no I Congresso

9 789892 605241
Imprensa da Universidade de Coimbra Internacional de Geociências na CPLP, que decorreu de 14 a 16 de maio de 2012 no
Coimbra University Press Auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra. São aqui apresentados trabalhos
2012 desenvolvidos por várias equipas afiliadas a distintas instituições da CPLP,
que representam abordagens educativas inovadoras, perspetivadas quer para
contextos escolares, quer para cenários exteriores à sala de aula, e utilizando desde os
recursos mais convencionais, como os manuais escolares, até às narrativas ficcionadas,
sem descurar o potencial educativo que encerram muitos dos locais situados em vários
países lusófonos, e que detêm enorme valor patrimonial.

PARA APRENDER COM A TERRA


ARA APRENDER
COM A TERRA
MEMÓRIAS E NOTÍCIAS
DE GEOCIÊNCIAS
NO ESPAÇO LUSÓFONO

Henriques, M. H., Andrade, A. I.,


Quinta-Ferreira, M., Lopes, F. C.,
Barata, M. T., Pena dos Reis, R.
& Machado, A.
Coordenação

Fotografia da Capa
Ribeira do Maloás, Ilha de Santa Maria, Portugal

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA


2012

verificar medidas da capa/lombada. Lombada: 18mm

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