Revista Gregoriana 20
Revista Gregoriana 20
Revista Gregoriana 20
MAY
THEOLOGICAl seminary
Revista gregoriana.
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in 2016
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GRGGORIANA
MARCO ABRIL
19 5 7 20 ANO IV
INSTITUTO PIO X
DO RIO DE JANEIRO
INFORMAÇÕES
sôbre a
REVISTA GREGORIANA do INSTITUTO FIO X
do RIO DE JANEIRO
(Reg. n.° 864)
DIREÇÃO :
IRMÃS DOMINICANAS
COLABORADORES:
Os Monges de Solesmes França. —
Os Monges do Mosteiro S. Bento do R. de Janeiro.
Os Padres Dominicanos.
Auguste Le Guennant —
Diretor do Instituto Gregoriano
de Paris.
Revmo. Pe. Jean Bihan —
Vice-Diretor do Instituto Gre-
goriano de Paris.
Henri Potiron —
Professor do Instituto Gregoriano de Paris.
Revmo. Pe. José M. de A. Penalva, C. M. F.
Dr. Andrade Muricy —
da Academia Brasileira de Música.
Dr. Amoroso Lima —
da Academia Brasileira de Letras.
Revmo. Irmão Atico Rubini Marista. —
Irmãs Dominicanas
— Tudo que se refere à REDAÇAO ou à ADMINISTRAÇÃO (as-
mudanças de enderêço, reclamações
sinaturas, etc....) deve ser
*•— * endereçado à Diretoria do INSTITUTO PIO X DO RIO DE
JANEIRO, Rua Real Grandeza, 108 — Centro Social Feminino — «
Botafogo, RIO DE JANEIRO.
jF — ASSINATURA ANUAL (Janeiro a Janeiro). — Por enquanto,
tiragem bimestral. — Para o Brasil: CrS 70 00 — Para o Es-
— Número avulso: CrS 15 00 — Número, .
trangeiro: Cr§ 80 00
— Mudança de enderêço: CrS 2 00
, . . .
atrazado: CrS 20 00 , . , .
Rio de Janeiro.
if — A REVISTA GREGORIANA é enviada, por direito, aos Sócios
do INSTITUTO PIO X DO RIO DE JANEIRO.
•k — Roga-se que tôda a correspondência com o INSTITUTO PIO X,
seja sempre acompanhada de “um sêlo para a resposta”.
— Os pagamentos são feitos por Vale Postal ou cheque, em nome da
•fa
Diretora do INSTITUTO PIO X —Rua Real Grandeza, 108 —
Botafogo — Rio de Janeiro.
•i:
— Inscrevam-se como Sócios do INSTITUTO PIO X DO RIO DE
JANEIRO; serão sempre avisados sôbre tôdas as suas atividades
(aulas de liturgia, conferências, Missas Cantadas, etc.) e do mo-
vimento gregoriano em geral; darão um grande auxílio à irra-
diação da Obra Gregoriana no Brasil. Esperamos de sua caridade
a inscrição como:
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6 —
DOM MOCQUEREAU
monge
de SOLESMES
7
. .
A U G U S T E L E GUENNANT
sabia, bem que o sentia, também estava preparado. Deus que o havia predes-
tinado a importantes encargos, tinha-o, ao mesmo tempo, cumulado da pleni-
tude dos dias necessários à sua realização. Nos últimos tempos, porém,
o trabalho era duro para Dom Mocquereau, e êle vivia angustiado de não
poder terminar sua obra. Por fim tendo a alegria de ser a tarefa reali-
zada. o servo fiel que foi tôda a vida, via sem apreensão, aproximar-se a
hora de voltar à casa do Pai... Com efeito, a 30 de dezembro, ao receber
um telegrama particularmente afetuoso que espontâneamente lhe enviara
Pio XI .por ocasião de suas bodas de ouro sacerdotais, Dom Mocquereau
com alma transbordante de emoção, cantara seu Nunc dimittis. Seu ser,
unido a Deus, esperava o apêlo do Mestre, na plena lucidez de uma inte-
ligência que até o fim permanecera magnífica e na completa submissão
de uma vontade acostumada, desde muito, à aceitação meritória do sacri-
fício supremo . .
Dois dias depois, a 20 de janeiro, por uma tirste e fria manhã de in-
verno, ao toque de finados, seu corpo foi levado da safa do capítulo, onde
o haviam depositado, à igreja abacial; depois, finda a missa, ao pequeno
cemitério ao lado. Lá, o caixão foi coberto e lentamente descido na campa
aberta... Momentos comovedores que vivemos com o coração apertado, mas
penetrado daquela paz profunda que a admirável e consoladora liturgia dos
defuntos derrama a flux nas almas cristãs. Durante todo o ofício, o órgão
calou-se, de acõrdo com as rubricas. Sozinha, a pura melodia gregoriana,
perfeitamente ritmada, expressiva e leve, alternava com a voz do Abade que
celebrava a missa. Nas mãos dos monges cintilavam círios de cera pura,
símbolos vivos da imortalidade...
Meus Deus que fizemos, em nossa secular incompreensão, desta missa
!
8 —
I) O M MOCQUEREAU
Tivesse permanecido no mundo, André Mocquereau, adepto fervoroso da
música de Câmara, poderia ter aspirado a tornar-se um dos mais destaca-
dos intérpretes do gênero. Deus tinha outros planos. Esta formação ini-
cial, sem nexo aparente com seu destino verdadeiro, iniciava-o, pelo con-
trário, profundamente, nas subtilezas do ritmo, nas mi! e uma miâncias da
articulação melódica que os golpes de arco sublinham... Como os não terá
lembrado no decorrer de sua carreira monástica!
É aqui, e não alhures, que se deve procurar) a razão da escolha de certas
interpretações quironómicas dadas pelo Nombre Musical" :subtís, talvez, à
primeira vista, mas quão precisas, vivas, expressivas Porque, artista que
!
Eis, pois, que se está fechando o ciclo dos longos e difíceis estudos que
culminaram com a restauração integral das melodias gregorianas, tesouro
inestimável —e tão desconhecido —
da liturgia católica. Não quero dizer
que a questão esteja esgotada. Ninguém pretende tal. Mas, se ainda exis-
9
A U G U S T E LE GUENNANT
tem, aqui e acolá, assuntos para aprofundar (como a questão da modali-
dade), detalhes a precisar, conclusões a verificar, o conjunto da obra, tal
como ela se apresenta atualmente, é de uma solidez extrema e leva a marca
de um acabamento verdadeiro. Certamente, Dom Mocquereau, na sua pro-
fundo humildade, nunca teria pensado em dizer como o poeta: "Exegi mo-
numentum aere perennius". Mas nós podemos proclamá-lo de sua obra
e lhe exaltar o merecimento principal: embora, para sermos justos, devamos
acrescentar que ela é, de um lado. o coroamento dos trabalhos conjugados
de Dom Guéranger, de Dom Pothier e de Dom Mocquereau. O primeiro
foi o genial inspirador de uma gigantesca empresa; os dois outros foram
os pacientes construtores. Cada um dêles teve, providencialmente, sua ta-
refa bem definida. Está-se longe de supor, geralmente, tanto a complexi-
dade como os esforços realizados sem trégua para .primeiro, desintrincar
e depois, reatar os fies de uma tradição perdida, numa forma de arte que
degenerou. A Paléographie musiçale", as revistas especiais deixaram en-
•
— 10 —
DOM MOCQUEREAU
goriano tradicicnal. Neste sentido, esforços meritórios se tentam em vá-
rias dioceses. Narealidade, os resultados serão parciais, por causa dos li-
mites forçosamente restritos dentro dos quais haviam sido feitas as pesqui-
zas. A reconstituição melódica integral exigia um trabalho de conjunto
de maior envergadura; exigia não só o confronto de maior número de fon-
tes, como também um trabalho crítico feito sôbre os respectivos dadcs.
Foi em Solesmes. sob o impulso de Dom Guéranger e sob sua orientação,
que esta tarefa foi concluída, tanto quanto era possível fazê-lo na época.
Foram encarregados disto, primeiro Dom Jausions, depois Dom Pothier.
Foi assim que em 1880 apareceu, assinada por Dom Pothier, a obra intitu-
lada “les Mélodies grégoriennes d’après !a tradition", cuja importância não
pode ser menosprezada. "Êste livro, no qual a solução de quase tôdas as
questões relativas ao canto estava, senão definitivamente dada, pelo” menos
entrevista, foi a base de todos os trabalhos que, em seguida, foram feitos
para o esclarecimento destas questões (Dom Gatard, op. cit. p. 109). Pouco
depois (1883), apareceu o "Liber Gradualis”, que os monges de Soles-
mes adotaram para os seus oficies, e cujo trabalho preparatório, no tes-
temunho de Amédée Gastoué, estava pronto desde 1868, dois anos antes
da merte de Dom Jausions.
A publicação do "Liber Gradualis", cujas "Melodias gregorianas
/Segundo a tradição” apresentavam a justificação crítica, suscitoú
polêmicas violentas. Duraram anos, enquanto vigorou o privilégio trin-
tenário concedido em 1873, ao editor Pustet, de Ratisbona, relativamente
à reedição dos livros de côro tendo por base a ‘medicénne". (Êste privilégio
expirou em 1903 e não foi renovado). Dom Pothier, entretanto, tinha
reunido também os elementos do Antifonário gregoriano, que saiu das edi-
toras de São Pedro de Solesmes em 1891.
Do ponto de vista artístico, os livres publicados por Solesmes ti-
nham, sôbre os ditos "oficiais”, uma superioridade incontestável. As opo-
sições que encontraram tinham, na aparência, jeito de discussões de or-
dem científica; u.a realidade, tinham sua origem na ância de salvaguar-
dar interêsses materiais que a difusão daquêles ameaçava.
Foi preciso, entretanto, defendê-los. Foi ali que começou a ação pú-
blica de Dom Mocquereau. Sucedendo a Dom Pothier (que se mudara
de Solesmes para Ligugé), Dom Mocquereau não se arreceiou da luta. En-
trou nela resolutamente e empreendeu demonstrar, com fatos, o bem-
fundado da versão melódica reconstituída por seu predecessor. Res, non
verba. Aqui transparece claramente uma das tendências principais, e per-
manentes, do caráter de Dom Mocquereau, fazer, antes de tudo, obra obje-
tiva . "Procurar o pensamento de nossos pais, escreveu êle, apagar-nos
diante da interpretação autêntica dêles, submeter humildemente nosso jul-
gamento artístico ao dêles, é o que requerem, a um tempo, o amor que deve-
mos ter pela tradição inteira, tanto melódica quanto rítmica, e o respeito
de uma forma de arte perfeita no seu gênero” (Citado por Dom Gajard,
"Revue Grégorienne”, 1930, n.° 1, p. 6). Como o próprio Dom Pothier nada
havia escrito ou publicado que não estivesse conforme com a tradição re-
velada pela paciente decifração dos manuscritos, Dom Mocquereau acha-
va-se, frente a seus adversários, com a partida ganha. A publicação de
"le. Peléographie musicale", na qual, por meio da reprodução fototípica
de manuscritos antigos, as fontes mesmas do trabalho de Dom Pothier
achavam-se postas diante dos olhos dos contraditores, foi, desde o início,
um golpe de mestre. Dom Mocquereau aumentou-lhe o quadro, e nela
expôs algumas das teses que. mais tarde, teriam seu desenvolvimento defi-
nitivo no "Le Nombre musical grégorien".
11 —
AUGUSTE LE GUENNANT
Alguns acharão estranho ao saberem que a sensibilidade de Dom Mo-
cquereau, de início, adaptou-se malao canto d ocôro de Solesmes. Dom
Gajard dizia-o ainda recentemente. (Revue Grégorinene, 1927, Novembro-
Dezembro, pp. 203 e seg.). Dados, porém, os antecedentes de Dom Mo.
cquereau, de que falei, nada mais natural. O canto gregoriano tem sua
sintaxe particular. Suas leis de composição, forçosamente complexas, devido
aos diversos acréscimos de que é formado, ferem muitas vêzes, no pri-
meiro contato, o sentimento interior cujas reações são o resultado de nossa
educação musical, quase que unicamente fundada sóbre os clássicos. O es-
panto, a repulsão mesmo, que Dom Mocquereau experimentou, são
fàcilmente explicáveis. As tendências estéticas de sua inteligência não con-
seguiam, naturalmente, fazer entrar nos moldes que lhe eram familiares,
uma matéria musical de leveza e liberdade infinitas. Por outro lado, seus
estudos anteriores não lhe forneciam os meios de analisar uma arte pura-
mente linear, onde tantos problemas, sobretudo o do acento do latim, são
levantados a cada instante, seja pela melodia, seja pelo texto. E se con-
siderarmos bem o lugar que ocupa o ofício cantado na vida de um monge
beneditino, compreenderemos fàcilmente a gravidade do conflito interior
surgido, imediatamente a uma língua musical cuja estética continuava,
para éle, letra morta.
12 —
DOM MOCQUEREAU
sempre que surgisse uma dúvida, são disso prova indiscutível (1); e desde
1904, era tal o valor dos resultados obtidos nesse sentido, que Pio X dêles
fêz a base dos trabalhes da Comissão encarregada de preparar a edição
cficial vaticana com que êle queria dotar a Igreja (2)
13
AUGUSTE LE GUENNANT
cia permite-lhe, alcançando os cumes, elevar-se do particular ao geral.
e
Ora, em Dem Mocquereau, êste entusiasmo do coração achava-se fecun-
dado pelo amor divino, com o qual se identificava. Será possível imagi-
nar esteio mais poderoso e eficaz para o espírito? O monge, o sábio e o
artista sempre foram e mDom Mocquereau uma só pessoa. Só por abstra-
ção poderíamos dissociar-liie as diversas atividades. Monge, vrreu, no
convento, uma vida interior e só trabalhou para a Igreja; sábio, nada quis
afirmar que nâo tivesse antes verificado em experiências de laboratório,
se assim posso dizer; artista, não teve outro cuidado senão o do ritmo exato
e da expressão justa, numa arte em que a fantasia poderia provocar os
maiores estragos.
— 14
DOM M O C Q U K E A U
por outra, míseros músicos. Isto foi dito e, mesmo, escrito. Mas os re-
sultados obtidos levantam-se em falso contra tais insinuações. Apelo para
o testemunho que todos quantos ouviram o Côro de Solesmes. Quanto a
mim, que aderí plenamente ao método de Solesmes e nele permaneço, porque
nada acho que contradiga as leis gerais da música tais como me foram
ensinadas pelos mestres que venero profundamente, não cessarei de dizer
que há lá, contra o que fósse antimusical, algo de absolutamente belo:
uma interpretação transcendente, pura, livre de todo compromisso com o
efeito pelo efeito, e confinando com os mais altos e mais luminosos ápices
da arte. É nestas regiões esplêndidas que em Solesmes, se opera a fusão
entre a oração e a música, para só formarem, indissoluvelmente, uma só e
mesma coisa, imaterial e perdida em Deus. O canto gregoriano, tal como
o entendeu Dom Mocquereau e tal como êle lhe definniu a técnica, é, no
ponto extremo da vida contemplativa, a meditação que se abre em canto, a
cracão feita música. Não nos contentemos em admirar o artista que soube
realizar tal ideal. Lembremo-nos ainda que êste ideal germinou na alma
fervorosa de um monge piedoso, que foi, além disso, poeta; e, pois que foi
um monge de "nossa terra", constatemos com altivez que a França, uma
vez mais em sua história, bem serviu a causa de Deus.
15
Tranquillus Deus tranquillat omnia,
Et quietem aspicere quiescere est.
(S Bernardo)
— 16 —
ESTEVÃO BETTENCOURT, O. S. B.
exprime tudo que se possa conceber de mais elevado na vida cristã e, por
isto, também na vida do monge.
É o que o presente artigo se propõe ilustrar. Note-se, porém, que a paz,
princilialmente a paz de ânimo ou interior, já era ideal dos filósofos pa-
gãos que procuravam perfeição moral. Por isto, havemos de voltar nossa
atenção primeiramente para o que ensinaram sóbre o tema alguns mestres
anteriores a Cristo (S 1); depois, estudaremos a doutrina da tradição cristã
e monástica, a qual retomou proposições dos sábios antigos, dando-lhes sen-
tido bem mais profundo. (§ 2).
S 1 A “ TRANQUILIDADE" DO SÁBIO
Entre os gregos pagãos estava muito em voga o conceito da “apátheia”.
Esta singificava o estado de lama que não se deixa perturbar nem pelos
afetes nem por vicissitude alguma. A apatia assim entendida fazia parte
do ideal helénico da autarquia, (“autárkeia’), ou seja, do conceito de
emancipação relativa a que todo homem deve aspirar frente aos bens dêste
mundo.
Principalmente os filósofos estoicos (a partir do séc. 3.° a.C.) insistiam
em que o homem perfeito se mantém calmo nas adversidades, sem se
deixar afstar pelos altos e baixos da vida cotidiana: o sábio é indiferente
tanto aos elogios quanto às injúrias, tanto à fartura quanto à penúria
porque a sua atenção se volta unicamente para os bens invisíveis ou da
alma, isto é, para a prática da virtude e a fuga do vício. Tendo conse-
guido essa equanimidade, o homem está de posse da sua verdadeira bem-
aventurança. É o que professa Séneca (t 65 d.C.), por exemplo, no seu
livro ‘
De beata vita":
"Que nos impede de chamar feliz a vida em que a alma está livre,
erecta, impávida e estável, emancipada do mêdo e da cobiça?” (2).
Epicteto (f 138 d.C.) propôs a via para se chegar a tal estado de alma:
"Começa pelas coisas pequenas. Derramaram o teu óleo? Roubaram
o teu vinho, Dize: é a êste preço que se compra a apatia, a êste preço a im-
perturbabilidade (ataraxia)" (Manual 12,2).
Tão nobre ideal, o sábio o devia procurar alcançar pelos próprios es-
forços, haurindo do seu íntimo as energias necessárias para tal; o conceito
de Deus não entrava explicitamente em suas cogitações, pois a Divindade,
para o estoico, se identificava com a razão ou o “iogos" humano (panteís-
mo!). Assim o ideal estoico pouco ou nada tinha de autênticamente reli-
gioso; significava, antes do mais, o engrandecimento do indivíduo; êste
ficava sendo o centro de suas tendências e preocupações.
As concepções dos estoicos foram exageradas e deturpadas pela Escola
Cínica. Os cínicos queriam levar a sua apatia ao ponto de se burlar das
instituições básicas da vida social, tachando-as de mera convenção: nas
praças das grandes cidades, pelas estradas, diante do grande público, exal-
tavam por suas alocuções populares e exibiam por sua conduta prática o
ideal da vid,a despojada de tudo que parace necessário ao comum dos
(2) -Qnid enim prohibet nos beatam vitam dicere liberum animum
et erectum et interritum ac stabilem, extra metum, extra cupidjtatem po-
situm?” (c. 4).
17
PAZ, U M IDEAL I) E VIDA
homens; destarte chegavam a elevar a falta de brio ou de pudor à qua-
lidade de virtude (3).
Em Alexandria, no séc. 1 ,° da nossa era, viveu o judeu Filo (+ 44),
que procurou associar entre si o patrimônio religioso dos israelitas e a fi-
losofia grega. Sem adotar o panteísmo dos estoicos. Filo recomendava a
apatia, desejando que seus discípulos aprendessem a se manter superio-
res aos afetos volúveis da natureza e se deixassem em tudo guiar pelo
espirito, Fazia notar, porém, que tal perfeição só se obtém por dom de
Deus; é Este quem extingue nos seus fiéis a volúpia proporcionada pelas
criaturas, outorgando-lhes a contemplação e o amor do Criador. Destarte
Filo se distanciava dos que apregoavam a auto-suficiência ou auto-satisfa-
ção do homem perfeito; sabia que êste é servo de Deus. dependente do seu
Senhor (4). As idéias de Filo propostas justamente nos tempos em que
o Evangelho começava a se difundir pelo mundo, tiveram vasta repercus-
são n<a ascética cristã.
A partir do séc. 3.° d.C., os neo-ylatonicos desenvolveram os princípios
lançados pelos estoicos, dando-lhes significado mais religioso e profundo.
Para Plotino (t 270), Deus é o Uno por excelência ou por definição. Os
demais sêres são por si mesmos múltiplos, pois possuem atributos variados
e finitos. Disto se segue que o ideal do homem é passar da multiplici-
dade de tendências, que lhe é congênita, para a unidade, que o Exemplar
Divino lhe sugere. Assim a apatia ou tranqüilidade de ânimo equivale a
imitar a Deus:
“Não se engana quem ensina que agir segundo a mente (em oposição
aos sentidos do corpo) e viver sem paixão nenhuma é... o mesmo que
imitar a Deus" (Eneade I 2,3).
O ideal neoplatônico implica o desapêgo de tudo: o sábio não somente
procura purificar-se do que possa ser moralmente vicioso, mas também tende
a esquecer os objetos e pessoas do mundo sensível que o possam deter na
ascensão aos valores invisíveis.
“Quanto mais a alma se esforça em demanda do inteligível, tanto
mais esquece as coisas dêste mundo... E’ bom... subtrair-se às preocupa-
ções que afetam os homens; em vista disto, torna-se necessário evitar a
recordação dessas preocupações; neste sentido pode-se dizer com razão que
a alma boa é dada ao esquecimento. Ela foge para longe dessas coisas
múltiplas; reduz o múltiplo à unidade... Não leva consigo a massa das
recordações da terra" (Eneade IV3.32).
Aquêles que não realizam tal separação não podem contemplar a Deus,
o Invisível, pois têm os olhos da mente obscurecidos. Assemelham-se aos
homens que, por ocasião das festas religiosas, satisfazem sua gulodice com
igaiarias de que se deveriam abster; assim fazendo, está claro que nada per-
cebem de religioso ou divino nas grandes solenidades, não conseguem contem-
plar a Deus mesmo em suas manifestações mais relevantes; em conse-
qüência, chegam a crer que Deus nem existe... Enganam-se lamentavel-
mente, e enganam-se por estar dependentes de suas concupiscências (cf
Eneade V 5.11).
Com êstes dizeres, Plotino se associava à tradição dos que concebem
a vida perfeita como sendo a vida una. Todavia —
ainda se deve notar
— 18 —
I) ESTEVÃO BETTENCOURT, O S B
Logo nos primeiros documentos ascéticos dos cristãos faz-se ouvir uma
concepção de vida que de perto toca a ideologia estoica.
É São Paulo quem nos diz que a sua existência tem duas faces: uma
exterior, aparente a todos os homens; outra, interior, visível aos olhos
’
(6) Com efeito, os estoicos pagãos verificavam que o ideal por êles
concebido era ilusório, pois que na prática se mostrava difícil demais para as
forças humanas:
êles mesmos que até o presente dia jamais se encontrou
"Confessam
o sábio estoico" (Sexto Empírico, séc. 3.° d. C.).
"Sábios, não os houve, e não os há em absoluto".
"Houve um ou dois sábios apenas" (Diógenes de Babilónia).
Cf. A J. Festugière, LTdéal religieux des grecs et l'Evangile. Paris
1932, 69.
19 —
PAZ, U M IDEAL D E VIDA
vida sobrenatural divina, é que o cristão aspira a imitar o Deus Imó-
vel, Eterno.
Após a era dos Apóstolos foi Clemente de Alexandria (fantes de 215),
mestre da Escola Catequética desta cidade, um dos mais ardorosos pro-
pugnadores da serenidade interior do cristão. Deu, porém, a êste ideal
uma modalidade muito cara ao judeu Filo e ã subseqiiente tradição ale.
xandrina. Com efeito. Clemente associa estreitamente apatia e "gnose"
ou conhecimento de Deus e das realidades invisíveis (conhecimento que é
prcduto da graça). É esta plenitude de riquezas espirituais que, con-
forme Clemente, explica a emancipação do cristão frente aos bens ma-
teriais; o homem que tende à perfeição dispensa os prazeres dos sentidos
porque se vai familiarizando com as realidades sobrenaturais; uma vez
alcançados os mais altos degraus da vida espiritual, êle possui a alegria
consumada, pois já convive, pelo espírito, com o córo dos santos, embora
ainda detido na terra pelos laços do corpo (Strom. 7.12,80). Êsse gnós- '
cetas anteriores e tornou-o ainda mais explícito, incisivo: para êle. a vida
espiritual tem por fim a contemplação; esta, porém, não se alcança sem
tranqüilidade interior; entre contemplação e domínio sóbre os afetos exis-
tem relações análogas às que se verificam entre o banquete e a respectiva
veste nupcial.
— 20
D ESTEVÃO BETTENCOURT, O S B
— 21 —
PAZ, U M IDEAL D E VIDA
“PAX”, os filhos do Patriarca não fizeram senão reafirmar o ideal dos
primeiros ascetas: criar harmonia dentro e fora do monge, a fim de que
possa chegar à contemplação, imitando a vida dos anjos (que contem-
plam sem ser perturbados pela carne), antecipando na terra a bem-aven-
turança celeste (14). Os monges sabem —
e por sua conduta devem re-
cordar isto ao mundo —
que, enquanto o espírito não se emancipa das im-
pressões volúveis que lhe suscitam as coisas sensíveis, não há progresso
na vida de oração; tôda atividade extrínseca que o cristão realiza, há de
ser insipirada por paz interior, a fim de poder ser a continuação da ati-
vidade divina. Por isto é que os monges tanto estimam a noite, tempo
de silêncio rigoroso nos mosteiros. A noite é o princípio “feminino, ma-
terno" que fecunda e gera o dia do monge. Sim; durante a noite o ho-
mem de Deus procura emergir acima da terra para junto do Senhor, a fim
de se restaurar e poder no dia seguinte voltar ao contato com as cria-
turas sem se deixar absorver por elas. mas, ao contrário, dando-lhes aquilo
de que careçam.
São João Clím,aco (+649) parece ser um dos intérpretes mais fiéis da
aspiração monástica à paz interior; com ênfase notável propunha êle a
excelência do estado de alma que firmou em Deus:
“Julgo que a apatia não é senão o céu no interior da mente, a qual,
por conseguinte, considera irrisór-as as armadilhas do demónio. Real-
mente impassível e reconhecido como tal é aquêle que tornou sua carne
incorrupta e elevou seu espírito acima das coisas criadas, aquêle que sub-
meteu ao espírito tôdas as percepções dos sentidos, aquêle que colocou sua
alma perante a face do Senhor e a faz tender a Êle de maneira contínua,
ultrapassando as forças da natureza. Alguns afirmaram que a apatia é a
ressurreição da alma anterior à do corpo; outros afirmam que é o perfeito
conhecimento de Deus, semelhante ao que possuem os anjos. Ela é a
perfeição sem limites dos perfeitos, segundo me disse alguém que a ex-
perimentara; ela tanto santifica o espírito, tanto o afasta das coisas ma-
teriais que faz que a maior parte desta vida mortal seja passada como que
no céu, em contemplação..." (15).
# * *
22
D ESTEVÃO BETTENCOURT, O S B
Dado que, segundo alguns Padres, os termos -apatia, apático" não tra-
duzem fielmente a ideologia cristã, parece mais oportuno dizer, também
com fundamento na tradição cristã, que o justo é -vir unus, varão uno",
homem em que a multiplicidade inata de tendências e afetos, longe de moti-
var dispersão, conflui para um só têrmo: Deus, o Imóvel, o Etelmo.
O monge, por sua designação mesma, é êsse -vir unus" =
monos, pala-
(
vra donde vem monachus, monge); é o varão que professa fazer de tôda a
sua vida a procura da unidade; o monge dá tudo que êle é e possui Àquêle
que é Uno; não reparte nem divide, e assim assemelha-se ao Uno.
(19) Dídimo de Alexandria, De Spiritu Sancto 11, ed Migne 39. 1042;
cf. De Trinitate 3,1, ibd 777.
O "OPUS DEI" CANTADO:
Oração e Música
2.' Parte: Edificação da Vida Cristã
— 24
D. JOÃO EVANGELISTA ENOUT O S.B.
— 25
o ‘OPUS D E I CANTADO:
A obrigação de tender à perfeição, característica do estado religioso,
vem de encontro à necessidade dessa procura de perfeição que o Opus Dei
exige para si ccmo imperativo de sua própria natureza de ser louvor ex-
terno: Um “opus" que será bom ou mau, digno ou não, conforme as suas
próprias leis forem observadas, o seu próprio bem fôr atingido, ou, ao menos
procurado com todos os meios.
O Opus bem realizado louva bem a Deus e edifica as almas que ouvem
e participam dêsse louvor. Seria ocioso mostrar como a música e o canto
feitos num verdadeiro espírito servem para edificar as almas.
litúrgico,
É conhecido através das -Confissões" como os cantos da Igreja
<cap. 33)
de Milão, onde era bispo Santo Ambrósio, conseguiram tocar o fundo da
alma do pecador e hereje Agostinho, que derramava as abundantes lágri-
mas de recem convertido à Igreja que faria dêle depois o santo e incompa-
rável doutor.
S. Bento, em sua função de legislador da vida monástica, por duas vêzes
em sua Regra insiste em que o canto e a leitura sejam desempenhados
no Mosteiro, tendo-se em vista a edificação dos que ouvem. Com êsses dois
simplíssimos textos que citamos no início dêste artigo, o Patriarca dos Mon-
ges do Ocidente estava realmente colocando os fundamentos para a realiza-
ção perfeita dos Coros monásticos que viriam representar um papel impor-
tantíssimo na vida de louvor da Igreja nos séculos seguintes. Preocupan-
do-se com a edificação dos ouvintes, faz S. Bento com que aquêles que são
encarregados de cantar, no Mosteiro, -com humildade, gravidade e tremor"
(c. 47), comecem, antes de tudo por edificar-se a si mesmos numa cuida-
— 26 —
D. JOÃO EVANGELISTA ENOUT O S B
das virtudes infusas, das virtudes teologais e morais, dos dons do Espírito
Santo, que o cristão exercita em sua vida de batizado. Se o exercício da
arte espiritual o leva a ser arauto, voz da Igreja em seu louvor, o cristão
será naturalmente levado a empunhar com o mesmo espírito sobrenatural
cs instrumentos próprios dessa nova arte de adoração e de edificação dos
fiéis.
A síntese hierárquica de todos êsses elementos pode ser concebida da
seguinte maneira: a técnica serve à música; a técnica possuída é domina-
da, espiritualizada pela arte, pelo estilo que é visão intelectual do -Opus
"
— 27
o OPUS D E I CANTADO:
Acentua pois, antes de tudo, o valor eminente da presença de Deus e de
ssus anjos naquele lugar em que se realiza o “Opus divino.
"
O monge é
o homem que crê profundamente nessa presença de Deus diante dêsse
•serviço" que êle, pobre mortal, é chamado a desempenhar em nome da
humanidade, em nome da Igreja. Crendo e compreendendo essa misterio-
sa verdade, o monge é possuído de um santo temor, de um respeito especial
e por isso empregará todos os seus recursos para -salmodiar sàbiamente"
diante de Deus e dos anjos. As palavras que estão sendo pronunciadas
por êle são palavras de Deus, seu louvor por isso não poderá ser apenas
um louvor cercado de veneração, apenas externa; sua mente deverá estar
intimamente ligada à sabedoria da palavra inspirada que Deus colocou em
sua bôca, por isso: ‘
A mente concorde com a voz ".E' com a voz en-
tretanto que se está realizando o "Opus" externo de louvor: o Opus Dei.
No cap. seguinte, 20° da Santa Regra, fala S. Bento, da oração, como
se diz, mental, tanto feita individualmente quanto em comunidade. As
poucas palavras do legislador exprimem de modo admirável, pela sua sim-
plicidade e clareza o caráter íntimo, interior e por isso profundamente es-
pontâneo e livre dêsse tipo de oração, que é assim totalmente diverso da
realização de um Opus" de um -Officium" externo de louvor. Intitula-
se o cap. 20: Da reverência na Oração" e lê-se:
28 —
D. JOAO EVANGELISTA ENOUT O S.B.
barulhento, incômodo, são coisas diversas. E' difícil assistir a uma drama-
turgia ignorando seu significado, procurando fazer outra coisa durante a
mesma quando está prevista a nossa participação em sua realização; ouvin-
do, respondendo, aprovando, cantando, calando, adorando. Confundir os
meios, o espírito de ambos, é confundir desastrosamente a natureza de um
e outro. Sofrerá então mais profundamente o Opus Dei porque é obra co-
mum. depende de muitos, e de um por um, vulnerável, enquanto obra externa
que tem o seu bem próprio, e extremamente sensível a qualquer diminuição
de ardor, de desânimo, de arrefecimento na procura da perfeição, na pro-
cura daquêle zêlo que é absorvente, daquéle zêlo devorador pela casa de Deus:
••Zelus domus tuae comedit me". Nós fômos postos um pouco abaixo dos
anjos e não nos é fácil viver a vida de louvor dos anjos. Não é pouco, po-
rém, antecipar na terra a vida de louvor eterno.
— 29
o U
OPUS D E I CANTADO:
Esse problema de grande importância para os antigos monges e para
foi
os primeiros Padres emvista das dificuldades de uma equilibrada e reta in-
terpretação do mesmo. Certas correntes de monges ( osmessalianos ou eu-
quitas por exemplo) cairam em vários exageres ou soluções esquisitas para
essa questão da oração contínua.
Clemente Alexandrino estuda a figura do perfeito gnóstico que é o ho-
mem que chega ao conhecimento mais alto de Deus e assim a solução de
Clemente para o problema da oração contínua é que ela é própria do gnós-
tico. A oração contínua é uma perpétua união da inteligência com Deus,
que entretanto envolve a vida do gnóstico inteiramente em tôdas as suas
energias e atividades. E’ uma oração existencial
•• "
(Békés: ‘De Continua
Oratione — Ciem. Alex. Doctrina", Romae, 1942 p. 94) uma transformação
total do homem em servidor de Deus, pela adoração, ação de graças, a prática
dos mandamentos, as obras de caridade etc. Êste verdadeiro “estado de
Oração pressupõe a purificação da alma e da inteligência pela prática das
'
— 30 —
D. JOÃO EVANGELISTA ENOUT O S.B.
— 31 —
Hino de São Bento
PAUL CLAUDEL
+ PAX -b
Bento, quando sai da infância, escuta essa palavra calma
Que nos dirige o Cristo:
“Ganhar o mundo para o homem, se êle perde a alma,
De que serve isto?”
Ah! se suas paixões, ao acaso, como cabras que pastam
Por aqui, por ali,
Senhoras do seu dono, o seu pastor arrastam,
Escravo atrás de si !
Seguro dos seus pés, seguro do caminho, seguro do que vem adiante,
Seguro da sólida cruz,
Seguro de tôda a Igreja que caminha conosco triunfante,
Seguro do Pai que nos conduz !
— 32 —
Quando é tão fácil nada ter ?
Por que discutir e falar tanto, quando é tão fácil calar ?
Esta noite vamos todos morrer.
Come o teu Deus e cala-te Caminha, trabalha, obedece
! !
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— 33
I.o CONGRESSO INTERNACIONAL DE PASTORAL LITURGICA
— 34 —
D. JEAN-CLAIRE, m b
CELEBRAÇÃO E CONCELEBRAÇÃO
Já tivemos conhecimento, em seguida ao discurso pontifício de 2 de
novembro de 1954, de que certos Congressos de liturgia, nacionais e inter-
nacionais, tinham tido ocasião para a celebração de missas “Comunitárias’:
Lm só padre celebra a missa e os demais (totalmente ou em grande núme-
ro) assistem a esta missa única e nela comungam das mãos do celebrante. (2)
Assim em Lugano (Congresso internacional) em 1953, assim em Munich (Con-
gresso nacional) em 1955, mas não nos Congressos anuais do C. P. L. de
Versalhes, onde um esforço sério de organização permitiu a todos os sa-
cerdotes celebrar missa diariamente. E Pio XII tinha então indicado as
condições indispensáveis para que esta prática Comunitária pudesse ser
autorizada pelo Ordinário local: seria necessário, além de uma causa justa
e razoável, ser evitado todo perigo de escândalo para os fiéis e, principal-
mente, não proviesse êste modo de agir de um êrro doutrinal com refe-
rência ao valor das missas privadas e da natureza do sacerdócio. Certos
indícios fazem supor (3) que em Assis contava-se fazer da missa pontifical
— 35 —
CONGRESSO DA PASTORAL LITÚRGICA
1.
comigo . . .
Em
duas palavras, colocou Sua Santidade as coisas nos devidos luga-
res,restabelecendo o essencial da Missa: Actio Christi e, daí decorrente, ação
de tôda a Igreja que lhe está unida. A missa é o exercício do Sacerdócio do
Cristo pelo ministério do padre celebrante, personam Christi gerens. Daí
— 36 —
D JEAN-CLAIRE, m . b
decorre o valor de tudo o -mais e caso cessasse qualquer liame direto exter-
no entre o padre e os fiéis, a Actio Christi conserva seu total valor latrêu-
tico, sendo, como é realmente, uma Ação de todo o Corpo místico, e seus
benefícios atingem, apezar disto, os fiéis legitimamente ausentes, aliás repre-
sentados sempre, de maneira visível, pelo indispensável acólito... Mesmo
quando a Consagração se realiza —
fala o Papa com tóda a precisão — 1
— 37 —
CONGRESSO DA PASTORAL LITÚRGICA
A língua litürgica
— 38 —
D. JEAN-CLA1KE, m . b
fêz uma declaração pacificadora, precisando bem qual podia e devia ser
g sentido dos aplausos manifestados pelos auditores e concitando-os a uma
sábia moderação.
As conclusões do Santo Padre não deram margem a qualquer am-
biguidade. Existe da parte da Igreja, declarou êle, em face à liturgia atual
uma preocupação de progresso mas também de conservação e defesa. E pas-
sou a desenvolver êstes dois aspectos:
PROGRESSO: A Igreja retorna ao passado sem copiá-lo servilmente e
cria qualquer coisa de novo nas próprias cerimônias, no uso da língua vul-
gar, no canto popular e na construção das igrejas.
— 39 —
CONGRESSO DA PASTORAL LITÚRGICA
A OBRA LITÜRGICA DO PONTIFICADO DE PIO XII
— 40
D. JEAN-CLAIRE, m . b
Igreja conserva ainda, sem exceção, o latim para tudo o que se relaciona
com a forma dos sacramentos pronunciada pelo padre. O Cardeal passou
em seguida em revista os diversos rituais nacionais permitidos pela Santa
Sé, analisando e comparando suas respectivas composições, formulando, de
passagem, votos —
e a hipótese nadá tem de quimérica —
para que nunca
possa um fiel ser constrangido, na ocasião de receber os sacramentos, a ou-
vir ou empregar uma língua nacional que lhe causasse aversão. Sublinhou,
com inteira razão a absoluta necessidade de se manter, em todos os livros
litúrgicos, o texto latino em face à tradução.
— 41
CONGRESSO DA PASTORAL LITÚRGICA
vessado fase crítica e hipercrítica, parecia encaminhar-se agora para um
stato quo... De qualquer forma, a redução de Matinas deveria proporcio-
nar aos sacerdotes tempo para uma meditação intimamente ligada aos textos
litúrgicos lidos no breviário, particularmente com as homílias patrísticas da-
das em mais amplas e completas períccpes;
para
instrução dos fiéis, convidados a frequentar as Vésperas Pa-
roquiais,poderia ser o capítulo desta Hora substituído por uma leitura
mais extensa da Escritura, se conveniente, em língua vulgar, o que nos
parece perfeitamente normal.
volta à versão antiga e autêntica dos Hinos, já que os revisores de Ur-
bano VIII só nêles introduziram preciosismo e obscuridade;
repór o Pater, a oração cristã por excelência, no próprio centro de cada
Hora, como no Breviário monástico;
enfim, -num século marial como é felizmente o nosso" disse o Cardeal,
pareceria indicado conservar no Breviário a antífona marial do tempo, ao
menos duas vêzes ao dia; à tarde, como atualmente, em Completas, e pela
manhã, talvez no fim de Laudes.
Após êste conjunto de conferências que constituem magnífica homena-
gem à obra litúrgica de Pio XII, devemos citar algumas intervenções que,
embora não lhes negando mérito, pareceram-nos entretanto, em certas pas-
sagens pelo menos, afastar-se algum tanto da orientação geral que o Cardeal
Prefeito entendera dar ao Congresso em seu discurso inaugural.
Assim o R. P. Jungmann, certamente de erudição substancial e muito
bem informada mas de certo modo tendenciosa, quando, em defesa de sua
tese, (de título aliás ambíguo: Pastoral, chave da história litúrgica), de-
clarou que, na idade de ouro da Igreja, só a liturgia supria a tudo, e que
a catequese acrescentada depois aos próprios textos litúrgicos, era então prà-
ticamente desconhecida ou pelo menos muito limitada, pois, então, só o
Bispo falava. Tivemos prazer em ouvir o R. P. Roquet, diretor do C.P.L.,
emitir opinião diversa (numa comunicação pequena e deliciosa, perfeita no
bom e no conteúdo, sôbre A Pregação e a Liturgia), citando a obra imensa
de Santo Agostinho, príncipe da pastoral litúrgica. Certamente inclue-
se bem naliturgia a homilia pregada pelo Bispo mas é cousa inteiramente
diferente de uma simples leitura determinada, de antemão, pelos textos li-
túrgicos. Não podemos igualmente aceitar, sem fortes reservas, o supreen-
dente paralelo estabelecido pelo P. Jungmann entre Pio XI, que teria tido
razão, segundo êle, de abandonar (?) o poder temporal da Santa Sé, nocivo
aos interesses espirituais da Igreja, e seu sucessor Pio XII, que salva os
mesmos interesses abandonando progressivamente o latim, verdadeiro -mu-
ro de brumas" que depara os fiéis da liturgia.
A conferência de Monsenhor Stohr, bispo de Mogúncia, sôbre a Encíclica
Musicae Sacrae, encarava perspectivas numerosas requerendo, a nosso vêr,
uma síntese que procurasse solucionar as aparentes contradições. Talvez
seja melhor esperar ter o texto em mãos para apreciá-lo detalhadamente.
alemã) seja a fórmula ideal para o futuro; nem mesmo para o presente é a
fórmula desejada por inúmeros pastores que consideram, com razões mui-
to diminutas as vantagens da tradução do ordinário. Aliás, em tôdas as
tentativas (ilegítimas) de missas solenes com cantos francêses, de que ti-
vemos conhecimento, é bem o Próprio, evidentemente, variável todos os do-
mingos, que foi traduzido, enquanto era, quase sempre, conservado o ordi-
nário em latim.
— 42 —
D. JEAN-CLAIRE, m . b
CONCLUSÃO
— 43 —
CONGRESSO DA PASTORAL LITÚRGICA
‘
Igreja escuta sua época, disse êle, e os fiéis devem escutar a Igreja".
A
A bem para escutar sua época no que concerne aos problemas litúrgi-
dizer,
cos, não faltam ao Pastor supremo e àqueles que lhe estão associados no
encargo de velar pela liturgia católica, fontes de informações, mesmo sem
contar com os Congressos internacionais de liturgia. Se, entretanto, con-
descende a Igreja docente dêstes Congressos, pôr-se à escuta da Igreja dis-
cente, pensamos não ser vã arqueologia inspirar-se então na fórmula litúr-
gica do Pontifical (6) que fixa a cada um, em tal encontro, seus deveres
e seus direitos:... pro Deo et propter Deum exeat et dicat veruntamen me-
mor sit conditionis Suae. Tudo se iará então em ordem, contribuindo para a
obra única que deve realizar tôda a Igreja: a glória de Deus pela santifi-
cação das almas.
— 44 —
ESCLARECIMENTOS PEDIDOS
0 EPISEMA E 0 ALONGAMENTO
l.° Princípio.
Em si, o episema é antes de tudo um sinal de expres-
são; não é,em si, um sinal de alongamento.
O alongamento (alargamento) que se usa na execução da nota ou dos
grupos episemáticos é apenas um meio, como outro qualquer, para signi-
ficar esta expressão.
Não podemosdeixar de reconhecer que seja um meio de feliz escolha,
pois, na verdade, a expressão se traduz sempre por certo alargamento do
tempo. O alongamento, em si, puro e simples, não é o fim imediato do epise-
ma: é uma consequência necessária, que completamente anulada, ssria las-
timável, pois se suprimiria, ipso facto, a expressão, efeito, próprio do epi-
sema.
— 45
ESCLARECIMENTOS PEDIDOS
Pràticamente, é vantajoso cantar, lavando em conta, como objetivo, o
lado positivo do seguinte princípio, que é o primeiro:
2.° Princípio.
Quando o episema serve para determinar uma cadên-
cia, é puramente um alongamento.
Neste caso, pelo contrário, ao episema não se pode atribuir valor algum
expi^ssivo: indica apenas alongamento (alargamento).
a) Cadência de uma só nota. Sabemos que existe em gregoriano, um
sistema de pontuação musical que corresponde à hierarquia rítmica das fra-
ses, dos membros de frases, dos incisos, das palavras melódicas.
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Psaume 150.
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— 46 —
ESCLARECIMENTOS PEDIDOS
de não alongá-lo tanto quanto o ponto-mora. As distinção entre os dois —
o episema horizontal e o ponto-mora não é, aliás, tão rigorosa que —
não se possa empregar indiferentemente um pelo outro. Assim é que o
ponto-mora substitui regularmente o episema horizontal cada vez que a
nota da cadência deva ser seguida imediatamente pelo ictus; e, visto como
de outro lado, êstes dois sinais sempre são a tradução do mesmo episema
des manuscritos, não se seja escrupuloso demais neste assunto. Cf. o
exemplo dado adiante em c) virga pontuada do 2.° Alleluia. —
b) Cadência de duas notas. Igualmente, quando o episema horizontal
afeta as duas notas de um podatus ou de uma clivis de cadência, não se
tema estender o alongamento à segunda nota do grupo, mesmo que nela
recaia o ictus rítmico. Com efeito, é muito fácil escorregar nesta segunda
nota quando se quer observar estritamente o ritmo; é melhor arriscar-se
a transformar o ritm odo que dar impressão de precipitação. Cf. Credo
VI, que apresenta muitas vêzes êste caso. A Ant. do Magnificat Stans —
autem Jesus (clivis da palavra Jesus que deve ser dobrada nas duas notas).
— O Ofertório do I Domingo da Quaresma, palavra ejus. O ex. abaixo, —
à sílaba cti da palavra electi: podatus episemático nas duas notas diante de
uma barra;
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E glo-ri-ó- sus * Aposto-ló-rum chórus, te Pro-
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— 47 —
ESCLARECIMENTOS P E I) I I) O S
Note-se bem: em todos êstes exs. trata-se da posição dos cumes melódicos
nas fórmulas da cadência. O episema colocado nesta nota culminante do
grupo serve como que de ferrolho de segurança para cada um dos pontos
rítmicos importantes, impedindo, assim, o canto de escorregar depressa de-
mais, e para como que escandir o ralentado final, dando-lhe sólidos pontos
de apôio.
3.° Princípio.
A influência do episema não ê, cm geral, estritamente
limitada às notas que afeta.
— 48 —
ESCLARECIMENTOS PEDIDOS
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Conferir o ex. acima que indica o primeiro manuscrito de Canto Gre-
goriano encontrado no século IX, de St. Gall, n.° 359.
Vê-se claramente que o efeito do episema se estende ao neuma todo in-
terno e parece mesmo até, seguindo-se a notação material, que não há pre-
ferência alguma por uma ou outra das notas do grupo.
— 49 —
ESCLARECIMENTOS PEDIDOS
Todavia, como veremos adiante quando tratarmos do episema e do ritmo,
é mesmoa nota íctica que leva o pêso principal do alongamento, sendo
que as outras notas participam, mais ou menos, dêste alongamento.
f
k .
a \ t
Sr-r
(Continua)
50 —
VIDA DO INSTITUTO PIO X
1 . Reabrem-se as aulas dia 15 de março, às 8h30; sábado, 16, às 14h., o l.°
51
0 Movimento Litúrgico
« Sinal providencial dos tempos presentes,
passagem do Espirito Santo na Igreja»
E, precisamente ,
corrigindo abusos, apontando desvios, pro-
fligando erros, o Papa prova quanto está convencido da provi-
dencialidade do Movimento e da intervenção directa de Deus em
o suscitar.
fC
P€iica^ir2¥€
c
1CSP0ÍTIDEECÍ110S”
losóficos e religiosos.
e pseudônimo.
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
Caixa Postal 2666
Rio de Janeiro
Instituto Pio X do Rio de Janeiro
A REDAÇÃO
— 54 —
SEMANA SANTA
DISCO Long-play
(RCA VICTOR)
Côro do
Insiiiuie Pie l r
Emprêsa Editora
Carioca Ltda.
— 55 —
. ; : .
Quando o plano
po Místico marca profundamente a concep- dela se afasta é
ção cristã de São Paulo. O que o Apóstolo ex- para
plana não tanto a vida mortal de Cristo, mas
é
dar lugar aos
1.
o desdobramento dessa vida e de seus mistérios livros que não são
através dos séculos; Paulo dá a ver que Aquele usados na liturgia
que, tomando a natureza de Adão, se deixou quotidiana; êstes li-
vros vão sublinha-
conter pelo espaço e o tempo, agora abraça to- dos;
dos os espaços e tempos, pois é o Senhor e Ca-
beça. Imprimatur : 2 assegurar a
.
— 56 —
— &
Refrigeradores,
j
(Ctímax)
para o conforto no lar!
silencioso
DISTRIBUIDORES EXCLUSIVOS:
Poro o Estado de Sõo Poulo e o Sul-. Para o norte.
C^snanf
cowfdcio •
&.cf.c/
iNDÚsrniA
J. Isnard
COMÍdC/O • INOÚSMIA
s a
Av. Sõo Joõo. 1140 • Tel. 35-4151 • Sõo Povlo Puo Buenos Aires, 113 • Rio de Janeiro
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EATUS VIR
ENEDICTUS
plus appetiit mala mundi perpetí
qu am Idudes;
PRO DEO