As Virtudes Cardeais em Tomás de Aquino - Pronto

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA


CURSO DE GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

FABIANA DE MELLO PEREIRA

AS VIRTUDES CARDEAIS EM TOMÁS DE AQUINO

NITERÓI
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

FABIANA DE MELLO PEREIRA

AS VIRTUDES CARDEAIS EM TOMÁS DE AQUINO

Monografia apresentada ao Curso de Filosofia da


Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial
para a obtenção do título de Licenciado e Bacharel em
Filosofia.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Sergio Faitanin

NITERÓI
2016
P436 Pereira, Fabiana de Mello.
As Virtudes Cardeais em Tomás de Aquino / Fabiana de Mello
Pereira. – 2016.
37 f.
Orientador: Paulo Faitanin.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Filosofia) –
Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e
Filosofia, Departamento de Filosofia, 2016.
Bibliografia: f. 36-37.

1. Virtude. 2. Tomás, de Aquino, Santo, 1225?-1274. 3.Prudência.


4. Justiça (Filosofia). 5. Fortaleza (CE). 6. Temperança (Virtude).
I. Faitanin, Paulo. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de
Ciências Humanas e Filosofia. III. Título.
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

FABIANA DE MELLO PEREIRA

AS VIRTUDES CARDEAIS EM TOMÁS DE AQUINO

Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado ao Instituto de Ciências


Humanas em Filosofia da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial
para a obtenção do título de Bacharel e Licenciatura em Filosofia, aprovado em

_____ de ____________________ de 20_____.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Sergio Faitanin (orientador)
UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

________________________________________________________
Prof. Dr. Bernardo Veiga
UCP - UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PETRÓPLIS

________________________________________________________
Prof. Me. Antonio Serra
UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
AGRADECIMENTO

Dizer obrigada, às vezes, não é suficiente para agradecer toda ajuda que
recebi durante a minha vida, especialmente, nos momentos mais difíceis.
Primeiramente, quero agradecer a Deus pelo dom da minha vida e por me conceder
a graça de chegar até aqui, nos meus estudos. Posteriormente, a minha gratidão e o
meu carinho aos meus pais, por sempre me ajudar, orientar e estender às mãos
para me oferecer amparo. Aos meus irmãos por serem presença de amor e alegria,
mesmo quando me convidavam para fazer algo, ao invés de me deixar estudar. O
meu agradecimento a todos da minha família por me incentivarem a nunca desistir
de estudar e aos amigos e colegas por cada apoio.
O meu carinho e gratidão para com todos que caminharam comigo, durante
esses anos na UFF, aos amigos que construí ao longo dessa jornada, aos
funcionários da UFF, seguranças e outros que tantas vezes me saudava com tanta
alegria e gentileza. A minha gratidão aos professores e por todo conhecimento
adquirido, em particular, a minha gratidão ao professor Paulo Faitanin que nesses
últimos meses não mediu esforços para me ajudar, utilizando toda paciência, zelo e
dedicação comigo. Principalmente, o meu respeito e reconhecimento aos
professores Serra, Danilo e Luís Felipe que me ensinaram que mais do que
conhecimento, a Filosofia se faz com a forma de viver.
A minha gratidão a Deus por ter me permitido conviver muitos anos com a
minha tia Maria Auxiliadora, dedico a você esse momento da minha vida, tenho a
certeza verdadeira que intercede por mim, no céu.
Estou agradecida a vocês e não sabendo, neste instante, como retribuir tanto
carinho, entrego-os nas mãos de Deus, que é claro, encontrará uma maneira para
fazê-lo em meu lugar. Que Deus abençoe imensamente cada um de vocês!
EPÍGRAFE

“Dê-me, Senhor, agudeza para entender, capacidade para reter, método e


faculdade para aprender, sutileza para interpretar, graça e abundância para falar.
Dê-me, Senhor, acerto ao começar, direção ao progredir e perfeição ao concluir.”
Tomás de Aquino

“Para todo esforço existe uma recompensa”


Pr 14, 23
RESUMO

Segundo Tomás de Aquino, as virtudes humanas são adquiridas por hábitos


bons realizados constantemente. A virtude serve para distinguir um comportamento
humano e consequentemente as suas experiências no modo de agir. A virtude é o
aperfeiçoamento das atitudes humanas para o agir correto, segundo a regra da reta
razão. Elas são classificadas como humanas adquiridas ou infusas. Será humana se
proceder de uma atividade humana por meio de atos bons. Será infusa se proceder
de um dom de Deus, pois a graça de Deus ultrapassa todos os limites humanas.
As virtudes cardeais são aquelas que abrem a porta para todas as outras
virtudes, elas são denominadas principais por serem as geradoras das outras
virtudes. São classificadas cardeais a prudência, a justiça, a fortaleza e a
temperança. A primeira é a reta razão do agir, isto é, dispõe a razão e o
discernimento para a escolha do bem e como melhor realizá-lo. A segunda
denomina toda retidão que ajusta os atos humanos, desta maneira, estabelece
harmonia e promove a igualdade em prol das pessoas e do bem comum. A terceira
é toda constância da alma que assegura ao homem praticante do bem contra o
ataque de qualquer mal. Por último, a temperança, é a virtude que modera a
fascinação pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos bens criados.

Palavras-chave: virtudes, Tomás de Aquino, prudência, justiça, fortaleza,


temperança.
ABSTRACT

According to Thomas Aquinas, the human virtues are acquired by good habits
carried out constantly. The virtue serves to distinguish a human behavior and
consequently their experiences on how to act. The virtue is the improvement of the
human attitudes to the act right, according to the rule of right reason. They are
classified as human acquired or infused. Will be human carry a human activity
through good actions. Will be infused if it proceed from a gift of God, because the
grace of God surpasses all human limits.
The cardinal virtues are those that open the door to all other virtues, they are
called main for they be the generating of the other virtues. Are classified cardinals
prudence, justice, temperance and fortitude. The first is the right reason to act, that
is, disposes the reason and discernment to choose good and how best to accomplish
it. The second refers to all righteousness that adjusts the human acts, in this way,
establishes harmony and promotes equality for the benefit of the people and the
common good. The third is the virtue that moderates the fascination for the pleasures
and seeks a balance in the use of created goods. Last, the fortress, is every
constancy of the soul that assures the practicing man of the good against the attack
of any evil.

Key words: virtues, Thomas Aquinas, prudence, justice, fortitude, temperance.


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .........................................................................................10
2. AS VIRTUDES EM TOMÁS DE AQUINO ................................................12
3. AS VIRTUDES CARDEAIS ......................................................................21
3.1. A virtude da Prudência ..........................................................................22
3.2. A virtude da Justiça ...............................................................................24
3.3. A virtude da Fortaleza ...........................................................................26
3.4. A virtude da Temperança ......................................................................29
4. CONCLUSÃO ...........................................................................................34
5. BIBLIOGRAFIA .........................................................................................36
10

1. INTRODUÇÃO

Esta Monografia tem como proposta principal apresentar e analisar o tema


“As virtudes cardeais” em Tomás de Aquino. Em razão do relacionamento pessoal e
social entre os seres humanos, o tema da virtude cardeal, em Tomás de Aquino,
possibilita uma via de convivência e indica o modo como trilhar este caminho
mostrando quais são os valores atribuídos a um ser humano que busca ter uma vida
com conduta ética e feliz.
A ética Tomista está fundamentada, por um lado, no aristotelismo, por outro
lado, no pensamento cristão. A ética de Tomás é uma ética da ordem e da perfeição,
perfeição essa que tem como máxima o bem, para ele a felicidade só vem procedida
mediante a ação virtuosa. O objeto de estudo dessa Monografia serão as virtudes,
mas, sobretudo, as virtudes cardeais. As virtudes cardeais são aquelas sobre as
quais se fundamenta a vida humana, por isso também denominamos de virtudes
principais.
No primeiro capítulo da Monografia será apresentada a definição de virtudes,
que segundo Tomás de Aquino são hábitos bons, uma vez que é através dos
hábitos que as virtudes são originadas. O exercício dos hábitos constantes conduz o
homem à prática do bem, evitando o mal e tornando melhor quem o possui. A
virtude ajuda a orientar a conduta dos atos humanos, afastando-a do caminho dos
vícios, tornando muito valorosa a vida de quem a exerce. Conforme Tomás de
Aquino, as virtudes podem ser classificadas como humanas adquiridas ou infusas.
As virtudes humanas são resultado da atividade humana por meio de atos bons, elas
podem ser intelectuais e morais. São intelectuais quando visam a perfeição do
homem no conhecimento da verdade e morais quando visam o homem no
aperfeiçoamento da prática do bem moral. As virtudes infusas são dons da graça de
Deus e revela ao homem o conhecimento de Deus.
No segundo capítulo, serão expostas as virtudes cardeais, uma vez que é a
partir dessas que se agrupam todas as outras virtudes. Serão consideradas,
distinguidas e caracterizadas as quatro virtudes cardeais: prudência, justiça,
fortaleza e temperança.
Para Tomás de Aquino a prudência se aplica ao conjunto da vida humana
inteira, por esse motivo ela é a primeira entre todas as virtudes cardeais. A
prudência é o fundamento das virtudes, por isso é considerada a mãe das virtudes.
11

Ela é citada como a primeira entre as virtudes, porque ao realizar o bem é preciso o
conhecimento da verdade. Como o prudente tem o conhecimento da realidade, esse
conhecimento sabe distinguir o que se pode ou não fazer, por isso, toda a virtude
depende da prudência. Para a concepção Tomista, a prudência é, portanto, a raiz de
todas as virtudes morais, dando complemento para as outras virtudes alcançarem a
sua essência.
De acordo com Tomás de Aquino, dentre as virtudes principais a justiça é a
única virtude que diz respeito ao outro, as outras virtudes moldam o homem
somente para si, por provocar honestidade nas ações em prol do próximo. A justiça
tem como objeto o direito ou o justo, na visão Tomista é a justiça que corrige as
ações humanas, tornando-as boas, é por meio da justiça que os homens podem ser
chamados bons. Em relação à outra pessoa, a justiça pode ser de dois modos: de
forma singular com o outro ou em comunidade. A noção de justiça é aplicada da
mesma forma, em relação ao outro e em relação à comunidade, pois a finalidade da
virtude, em ligação a qualquer forma é sempre orientada ao bem comum.
A virtude da fortaleza também é conhecida como coragem, essa virtude para
Tomás é a mais louvável. A coragem é uma virtude muito admirada, ao contrário do
seu oposto, a covardia, que é muito desprezada, essa virtude cardeal é considerada
a virtude dos heróis. Para Tomás a fortaleza da alma pode ser comparada à força
corporal, pois a força corporal faz com que o homem refreie e combata os
obstáculos físicos que aparecem. Na alma a virtude da fortaleza ajuda a controlar as
fraquezas da carne, suportando as aflições corajosamente.
Segundo Tomás de Aquino, a virtude da temperança está relacionada aos
prazeres nos sentidos, principalmente os referentes ao tato, por se encontrar os
prazeres mais fortes. É função da virtude da temperança manter em ordem tais
prazeres. Essa virtude aperfeiçoa o homem para agir conforme a razão. Esse
filósofo diz que cabe à temperança controlar os desejos mais incontroláveis e fortes
do ser humano, que são os designados aos prazeres corporais. Todavia, pela
natureza espiritual existe no homem uma vontade natural para o conhecimento, por
isso a temperança é o equilíbrio dos desejos.
Por último, será apresentada na Monografia a conclusão geral, que será feita
mediante todo conteúdo apresentado. Ainda que a virtude seja uma disposição
habitual e baseada em fazer o bem, se fazem necessárias disposições da
inteligência e da vontade que regulam nossos atos.
12

2. AS VIRTUDES EM TOMÁS DE AQUINO.

A palavra virtude é derivada do latim virtus que emana de vir (varão), possui o
seu sentido original na palavra grega virilidade, intitulada como excelência ou
perfeição moral, é a tradução da palavra areté (força, poder de uma coisa ou
também excelência). As palavras virtus e areté, relacionadas ao homem, significam
a excelência humana. É virtuoso aquele homem que leva uma vida sem qualquer
reprovação, evitando sempre o mal, praticando a bondade, a amabilidade e
procurando sempre usar as suas capacidades para fazer o bem de forma constante
e alegre. De acordo com Tomás de Aquino, a virtude torna bom o homem que a
possui e torna boa a sua ação, pois a virtude é uma disposição do perfeito para o
ótimo. A virtude, segundo o seu nome, indica a complementação da potência, por
isso, denominamos como força. Ela constitui a perfeição do poder operativo (relativo
à operação a qual serve para qualificar alguma coisa que está pronta para funcionar
e está em condições para realizar operações), desse modo, a virtude é o último na
realidade da potência (a potência indica o que é determinável ou determinado pelo
ato).
Segundo Tomás de Aquino, as virtudes são hábitos bons e os exercícios dos
hábitos constantes e bons conduzem o homem a praticar o bem e a evitar o mal, por
isso, afirma que os atos virtuosos tornam melhor quem o possui, uma vez que é
através dos hábitos bons que as virtudes são geradas. As virtudes são hábitos, pois
o hábito é a capacidade de agir com facilidade de um mesmo modo, ainda que
variem as ocasiões. Existem dois tipos de hábitos: o hábito bom e o hábito mal. Será
virtude se o ato for bom, será vício se o hábito for mal. Em conformidade com os
hábitos bons e males Tomás de Aquino afirma:

E diz que os hábitos se dizem segundo o que nós temos relativo


às paixões bem ou mal. Com efeito, o hábito é certa disposição que
determina a potência em relação a algo. De fato, se esta
determinação for segundo o que é conveniente à natureza da coisa,
será um hábito bom, que dispõe a fazer algo bem, de outra maneira
será um hábito mal, e se fará mal segundo ele mesmo1.

1AQUINO, Tomás de. Comentário à Ética a Nicômaco de Aristóteles I- III O bem e as virtudes. p.
207-208.
13

A palavra hábito é derivada do latim habere (ter) e pode ocorrer de dois


modos: o primeiro é ao se dizer que o homem, ou qualquer ser, tem alguma coisa; e
o segundo modo é a afeição do ser em si mesmo ou em relação a alguém. Ao
referimos a palavra ter (habere), no sentido que alguma coisa tem, em relação a si
mesmo ou a outra coisa uma certa feição, e o modo de ter-se a si mesmo
fundamentar-se em uma qualidade, o hábito será uma qualidade. Por esse motivo, o
hábito é uma disposição pelo qual o ser é bem ou mal disposto, o hábito bom é uma
virtude e o hábito mal é um vício. Para essa compreensão do hábito, Tomás de
Aquino compartilha a mesma definição de Aristóteles:

Por isso, o Filósofo define o hábito como uma disposição que nos torna
bem ou mal dispostos; e diz mais que pelos hábitos é que nos havemos
bem ou mal, relativamente às paixões. Assim, pois, o modo conveniente à
natureza de uma coisa é por essência bom; e mau por essência o que não
lhe convém. E como a natureza é primeiramente considerada, nas coisas, o
hábito é tido como a primeira espécie de qualidade2.

Os hábitos bons são denominados por atos que geram uma qualidade na
potência, pois o ato é antecedente ao hábito. Existem dois tipos de atos: o ato de
homem e o ato humano. O ato exercido sem intenção e escolha é denominado ato
de homem, ou seja, o piscar dos olhos. O ato humano é aquele o qual o homem
exerce com intenção e livre escolha, ou seja, o piscar dos olhos para dizer algo a
alguém. O homem ao exercer qualquer ato que nasça da vontade livre, atua em prol
de um fim último: o bem e a felicidade. A felicidade humana não pode ser
encontrada nos bens criados, isto é, nos objetos, mas sim, em Deus. Por mais que o
homem busque nesta vida a felicidade, somente a felicidade perfeita ou a bem-
aventurança é possível na vida eterna. A felicidade que nos conduz ao
conhecimento de Deus não é alcançada nesta vida, pois nessa vida a felicidade é
imperfeita. A felicidade nesta vida depende do uso e da posse de alguns bens
exteriores, nesse caso nos referimos às virtudes, as quais servem para aperfeiçoar a
natureza humana.

2 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Edições Loyola, 2005, [I-II, q. 49, a 2]. Daqui em
diante está obra será citada deste modo.
14

As virtudes são classificadas em intelectuais, morais e teologais, e são


adquiridas por dois modos: pela repetição dos atos ou infundidas por Deus no
homem, por meio da graça divina, a respeito disso, Tomás afirma:

De fato, é evidente que aquelas virtudes que são próprias do homem,


enquanto é partícipe desta cidade, não podem ser adquiridas por ele,
mediante as suas capacidades naturais. Por isso não são causadas por
nossos atos, mas são infundidas em nós, por um dom divino. No entanto, as
virtudes que são próprias do homem enquanto é homem, ou enquanto é
partícipe da cidade terrena, não excedem à faculdade da natureza humana.
Por isso, o homem pode adquiri-las por suas capacidades naturais, a partir
dos próprios atos, o que é evidente desta maneira3.

Segundo Tomás de Aquino, a virtude infusa por Deus é um bem máximo em


absoluto, uma vez que o homem se ordena para o Bem Absoluto que é Deus. Já a
virtude adquirida é um bem máximo dos bens humanos, mas não é um bem máximo
em absoluto. O homem é moldado pela virtude, por meio do ato, o qual conduz para
a felicidade, que é proporcional à natureza, sendo obtida por ela ou sendo concedida
pela graça divina. Ofertada pela graça divina, a virtude, apesar de ultrapassar todo
princípio natural, não a contraria, e esse princípio sobrenatural é denominado
‘virtude teologal’. Conforme Tomás de Aquino, no livro A caridade, a Correção
Fraterna e a Esperança, a fé, a caridade e a esperança são qualificadas como
virtudes teologais, e essas virtudes possuem Deus como o objeto, só por ser
infundidas por Ele. Elas são denominadas divinas por tornar o homem virtuoso, por
meio delas, e direcionar o homem para Deus. Uma determinada pessoa quando
acredita que algo que muito deseja vai acontecer, tem a expectativa e acredita
possivelmente na realização de algo que anseia. Ao ter essa atitude diante de algo,
essa pessoa está praticando a virtude da esperança, pois está na espera de algo.
Os hábitos que pertencem à razão dizem respeito somente à parte intelectiva.
E a esses hábitos denominamos ‘virtudes intelectuais’. A virtude intelectual melhora
a faculdade da reta ação, e se relaciona com a verdade, por sua vez, a verdade é a
objeto reto do intelecto. A virtude intelectual visa o porquê da felicidade humana, e é
obtida meritoriamente pelo princípio da beatitude ou é adquirida pela contemplação
da verdade. Por meio da virtude especulativa (as virtudes intelectuais são divididas

3 AQUINO, Tomás de. As Virtudes Morais. p. 105.


15

em especulativas e práticas: a virtude intelectual especulativa inclina o intelecto para


a verdade universal; a virtude intelectual prática inclina o intelecto para o reto juízo
acerca da ação particular), o aperfeiçoa para a consideração da verdade. A
integridade da virtude intelectual consiste na verdade, pois o bem do intelecto é a
verdade, e o mal do intelecto é a falsidade. O intelecto, a ciência, a arte, a prudência
e a sapiência são virtudes intelectuais e aperfeiçoam o homem para o conhecimento
da verdade. A respeito da virtude intelectual Tomás de Aquino indica:

[...] a virtude intelectual é gerada e aumentada. Em maior medida,


segundo o ensinamento. A razão disso é que a virtude intelectual se
ordena ao conhecimento, que, de fato, adquirimos pelo ensinamento
do que por descobrimento. Com efeito, há muitos que podem
conhecer a verdade aprendendo-a de outros, do que por descoberta
própria. [...] E, isso, porque todo nosso conhecimento tem sua origem
no sentido e, ao sentir algo, muitas vezes, se produz a experiência.
Por isso, segue-se que a virtude intelectual requer experiência por um
longo tempo4.

Para a compreensão do que são as virtudes morais consideramos o que


venha a ser costume. Atribuímos à palavra costume duas significações: a primeira
diz respeito ao modo/rito e a outra significação expressa certa inclinação natural, ou
quase natural, para fazer algo, por isso atribuímos os costumes aos seres humanos.
A palavra ‘moral’ tem origem na palavra latina mos, moris, no sentido de inclinação
natural, ou quase natural, para fazer algo, desse modo se achega a outra
significação, no sentido de costume (consuetudo). A inclinação para o ato cabe à
virtude apetitiva, a qual move todas as potências para o ato, por isso são
consideradas virtudes morais as pertencentes à potência apetitiva. Os atos virtuosos
podem ser efetuados por escolha, no entanto, somente a virtude habitada na parte
apetitiva procede por escolha reta, pois eleger é ato da virtude apetitiva, logo as
virtudes morais são hábitos da parte apetitiva, sobre as virtudes morais encontramos
as seguintes citações de Tomás de Aquino:

A virtude moral depende dos costumes, ou melhor, dos hábitos. A


virtude moral pertence à parte apetitiva [da alma] e, por isso, implica

4AQUINO, Tomás de. Comentário à Ética a Nicômaco de Aristóteles I- III O bem e as virtudes. p.
177.
16

em uma inclinação rumando para alguma coisa desejável. Esta


inclinação ou é direcionada pela natureza – para o que é conveniente
para si – ou é o costume transformado em natureza.
Por isso o adjetivo <<moral>> - da expressão <<virtude moral>> -
supõe a palavra <<costume>>, sendo quase sinônimos. A palavra
ethos do Grego, escrita com um e breve, significa hábito ou virtude
moral. Por outro lado, a palavra grega ythos, escrita com y longo,
significa costume.
Entre nós, [que utilizamos da língua latina], a palavra <<moral>>
algumas vezes significa costume, e outras vezes se refere ao
elemento do vício e da virtude, aproximando-se da definição de
hábito5.

A virtude humana é um hábito a qual faz com que o homem tenha ações
retas, cujas ações humanas possuem dois princípios: o intelecto e a vontade, que é
um apetite da razão. Por esses dois princípios motores no homem toda a virtude
humana é perfeita, se lhes seguem no bem e na verdade da natureza. A virtude será
intelectual se possuir procedência do intelecto e será moral se possuir procedência
da parte apetitiva, em razão disso, toda virtude humana será intelectual ou moral.
Em referência à virtude intelectual e à virtude moral, Tomás de Aquino destaca:

[...] como o racional se dá de dois modos, a saber, por essência e


por participação, em consequência, a virtude se dá de dois modos.
Dos quais há certa virtude que está no racional, por si mesma, que se
chama intelectual e outra, que está no racional por participação, isto
é, na parte apetitiva da alma, e essa se chama virtude moral. E, por
isso, diz que certas virtudes dizemos ser intelectuais, outras, porém,
morais6.

A inclinação da virtude moral é voluntária, para ser perfeita ela necessita que
a razão também o seja por meio da virtude intelectual. Qualificamos onze virtudes
morais relativas às paixões, são elas: a fortaleza, a temperança, a liberalidade, a

5 AQUINO, Tomás de. Onze lições sobre a virtude: Comentário ao Segundo Livro da Ética de
Aristóteles. p. 21-22.
6 AQUINO, Tomás de. Comentário à ética a Nicômaco de Aristóteles I- III O bem e as virtudes. p. 169-

170.
17

magnificência, a magnanimidade, a filotimia7, a mansidão, a amizade, a verdade, a


eutrapelia8 e a justiça, em relação a essas virtudes morais Tomás disserta:

Por onde, a liberalidade versa sobre o bem do dinheiro,


absolutamente considerado, enquanto objeto da concupiscência, do
deleite ou do amor. E quando esse bem é acompanhado de
dificuldade, enquanto objeto da esperança, constitui o objeto da
magnificência. Por outro lado, o bem sobre qual versa a honra,
considerado absolutamente, enquanto objeto do amor, é uma virtude
chamada filotimia, isto é, amor a honra. Considerado porém como
difícil, enquanto objeto da esperança, constitui a magnanimidade. [...]
nas causas sérias, comportamos-nos para com os outros de dois
modos. Ou tornando-nos agradáveis por palavras e obras, o que
pertence à virtude por Aristóteles denominada amizade, e que
também pode ser chamar afabilidade. Ou manifestando-nos por ditos
e fatos, o que pertence à outra virtude chamada verdade. Ora, a
manifestação tem mais de racional que a deleitação, e as coisas
sérias, que as jocosas. E por isso é outra a virtude relativa aos
deleites das diversões e a que o Filósofo chama de eutrapelia 9.

As virtudes que resultam na retidão do apetite são consideradas principais,


dentre as virtudes morais existem as chamadas principais, a elas denominamos
virtudes cardeais. Há quatro virtudes cardeais, são elas: a prudência, a justiça, a
fortaleza e a temperança, no entanto, a prudência é uma exceção, pois essa virtude
também se refere a uma das virtudes intelectuais. A respeito das virtudes cardeais
elas serão consideradas no segundo capítulo.
A virtude, como foi dito, é o ato bom que torna melhor o homem que a possui
e torna melhor a sua ação perante os seus problemas e desordens das emoções,
desejos e inclinações, por isso a virtude habilita o homem a ser melhor no que ele é
e no que ele faz. O inverso da virtude, isto é, o vício, é a privação ou a ausência
desta força habitual perante seus problemas e desordens das emoções, desejos e
inclinações. O vício, pois, é gerado pelo ato mau repetitivo que afasta da natureza
do homem os bens que o torna melhor. As virtudes regulam as paixões da alma no
sujeito, para Tomás de Aquino as paixões da alma são moções geradas na alma

7 Amor a honra.
8 Modo de brincar sem ofender.
9 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. I-II, q. 60, a. 5.
18

quando ela sofre uma inclinação da potência do seu apetite sensitivo para algum
objeto, seja para desejar o objeto como um bem ou querer a sua posse. As paixões,
as emoções ou sentimentos são divididos em dois grupos: o concupiscível e o
irascível. O concupiscível busca o bem e evita o mal. O Irascível busca o bem difícil
de conseguir e evita o mal difícil de evitar. A paixão será concupiscível (amor/ódio,
desejo/aversão, alegria/tristeza), quando fruto de um movimento gerado na alma em
que os sentidos internos e externos se inclinam em busca de um bem sensível
prazeroso ou a privação de possuir um mal sensível doloroso. A paixão será
irascível, (esperança/desespero, audácia/temor e ira) quando resultado de um
movimento gerado na alma em que os sentidos buscam um bem sensível prazeroso
que é difícil de possuir ou se distancia de um mal sensível difícil de evitar. Não são
boas e nem más as paixões em si mesmas, por isso precisam ser
ordenadas/orientadas pelas virtudes, para não prejudicarem o comportamento
humano. As virtudes são as paixões equilibradas e a sua ordenação. A paixão nasce
do bem em oposição ao mal. Acerca desse tema Tomás de Aquino faz a seguinte
colocação:

No entanto, o apetite sensitivo se divide em duas potências: a


saber, a concupiscível, que é inteiramente relativa ao bem sensível,
que é deleitável segundo o sentido, e ao mal sensível, o seu
contrário; e a irascível, que é relativa ao bem sob a razão de certa
dificuldade, como se diz que a vitória é certo bem, ainda que não seja
com o deleite do sentido. Portanto, desta forma, aquelas paixões
relativas ao bem ou ao mal em geral, estão no concupiscível. De fato
são três que se referem ao bem: a saber, o amor, que implica certa
conaturalidade do apetite até o bem amado, o desejo, que implica o
movimento do apetite até o bem amado e o deleite, que implica a
quietude do apetite no bem amado, às quais, três coisas se opõem
em ordem ao mal, a saber: o ódio ao amor; a aversão ou fuga ao
desejo; e a tristeza ao deleite. Contudo, essas paixões, que são
relativas ao bem ou ao mal, sob a razão de algo árduo, pertence ao
irascível, como o temor e a audácia com relação ao mal, a esperança
e o desespero em relação ao bem e a quinta é a ira, que é uma
paixão composta, por isso não tem contrário10.

10 AQUINO, Tomás de. Comentário à Ética a Nicômaco de Aristóteles I- III O bem e as virtudes. p.
205-206.
19

Quando as paixões são reguladas e orientadas pela razão com a prática do


hábito, esse hábito será bom, pois efetua o meio-termo entre os extremos das
paixões, esse meio-termo evita o excesso e a escassez do bem que pode ocorrer no
homem. A prática do meio-termo gera no homem uma força habitual a qual conduz o
homem na ação a buscar o bem prazeroso para o corpo e para alma. Como
indicamos acima, são quatro as principais virtudes que regulam as paixões: a
prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança. A prudência é por essência a
virtude racional que modera as paixões; a justiça que é racional por participação,
regula e dispõe a ordenar a vontade; a fortaleza que regula o apetite sensitivo
irascível e a temperança que é a que regula o apetite sensitivo concupiscível.
Quando a razão não regula e nem orienta as paixões ocasiona um hábito
denominado mal, pois não opera como um meio-termo bom entre os extremos de
uma paixão. Esse hábito mau não conduz a razão a alcançar o bem, levando a
paixão à desordem, o que, como dissemos, nomeamos vício. Para Tomás de
Aquino, a virtude é sempre a disposição do perfeito para o ótimo, contudo, em
oposição à virtude encontramos três coisas: o pecado, a malícia e o vício. O pecado
se contrapõe ao bem estabelecido pela virtude, a malícia se contrapõe àquilo a qual
se ordena a virtude e o vício se contrapõe à disposição habitual da virtude ao bem. A
respeito desse tema encontramos a seguinte colocação de Tomás:

Por onde, segundo estas considerações, à virtude se contrapõe tríplice


oposição. ― Uma é a do pecado, oposto àquilo a que a virtude ordena,
pois, propriamente, ele implica um ato desordenado, assim como o ato da
virtude é ordenado e devido. ― Em seguida, a malícia se opõe à virtude,
que por essência, implica uma certa bondade. ― Ao passo que o vício se
opõe à essência direta da virtude; pois, o vício de qualquer coisa consiste
em ela não ter a disposição que lhe convém à natureza. Donde o dizer
Agostinho: Chama vício ao que vires faltar à perfeição da natureza 11.

O vício é a privação da perfeição da natureza em oposição ao bem, logo


qualquer ação repetida de modo habitual que contrapõe ao que convém a natureza,
é um mal hábito, diante disso Tomás de Aquino afirma o seguinte:

11 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. I-II, q. 71, a. 1.


20

[...] o vício é contrário à virtude. Ora, a virtude de um ser consiste em ter


a boa disposição conveniente à sua natureza, como já ficou dito. Por onde e
necessariamente, há vício sempre que um ser qualquer tem disposição
contrária ao que lhe convém à natureza12.

Por esse motivo, Tomás de Aquino destacou a soberba, a avareza, a inveja, a


preguiça, a ira, a gula e a luxúria como os principais vícios. No livro As Paixões da
Alma, Tomás de Aquino considera que a soberba é o apetite desregrado da própria
superioridade, ela é o princípio de todos os vícios; a avareza é o apetite
desordenado das riquezas, dos bens temporais; a inveja é o apetite desregrado dos
bens dos outros, em que o invejoso considera que o bem do outro é um mal para si;
a preguiça é o apetite desregrado que produz uma tristeza profunda ao ponto de
resultar no espírito humano uma depressão que tira toda a vontade e ânimo para
fazer as coisas; a ira é um apetite desregrado a qual acende o desejo de vingança; a
gula é o apetite desregrado do desejo e prazer dos alimentos; a luxúria é o apetite
desregrado do desejo e prazeres sexuais. Uma pessoa que bebe e come em
excesso, sem ao menos ter a necessidade de tais alimentos ou bebidas, ela comete,
nesse caso, a gula. Ao ser praticado o ato vicioso exclui automaticamente o ato da
virtude, contudo, as virtudes adquiridas não são perdidas por apenas um ato vicioso.
A virtude reveste o homem com uma força de difícil remoção, por isso a
virtude é essencial para tornar o homem bom e tornar as suas ações boas. Cada
virtude aperfeiçoa o homem de forma diferente. As virtudes morais são responsáveis
por aperfeiçoar o ser humano no agir retamente em vista do bem. As virtudes
intelectuais são responsáveis por aperfeiçoar o ser humano no conhecimento da
verdade, conduzindo-o para o discernimento das verdades e a buscá-las como um
bem. As virtudes teologais são responsáveis por levar o ser humano a agir em prol
do seu fim sobrenatural, essas virtudes são dons da graça de Deus.
Se o homem tem uma regra boa de vida, a virtude o ajuda a eliminar o caminho
dos vícios, tornando valorosa a vida de quem a exerce na prática do bem e dos atos
virtuosos. É com base nos hábitos que agimos conforme a razão. Somente pelo
treinamento e aperfeiçoamento das ações humanas as virtudes tornam-se uma boa
conduta. Para ter uma vida de felicidade e virtuosa é necessário as posses das
virtudes, por meio dos atos bons ou por meio da graça constante de Deus.

12 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. I-II, q. 71, a. 2.


21

3. A VIRTUDE CARDEAL.

A palavra cardeal é derivada do latim cardo, que apresenta o significado


gonzo ou dobradiça de uma porta ou janela. Para Tomás de Aquino, as virtudes
cardeais são aquelas nas quais se fundam e residem a vida moral, são classificadas
virtudes cardeais: a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança. Essas virtudes
carregam consigo todas as outras, isto é, as virtudes cardeais é a porta para se
chegar às outras virtudes. Por isso, as virtudes cardeais são consideradas principais,
pois as outras estão extremamente ligadas a elas. Em relação às virtudes cardeais
Tomás de Aquino disserta:

E então se chamam principais como quase gerais, em relação a


todas as virtudes. De modo que toda virtude que faz o bem, levando
em conta a consideração da razão, chama-se prudência; toda a que,
nos seus atos, observa o bem no atinente ao devido e ao reto,
chama-se justiça; toda a que coíbe as paixões e as reprime chama-se
temperança; toda a que dá a firmeza de ânimo contra quaisquer
paixões se chama fortaleza.[...] Mas se chamam principais, em
relação às outras, pela principalidade da matéria. Assim, chama-se
prudência a que é preceptiva; justiça, a que versa sobre os atos
devidos entre iguais; temperança, a que reprime o desejo dos deleites
do tato; fortaleza, a que nos fortifica contra os perigos da morte13.

A prudência é a integridade dos discernimentos de alguns atos ou matérias; a


justiça é a integridade da alma que ajusta os atos humanos; a temperança é a
medida certa da alma das paixões ou obras para não ir além dos limites e a fortaleza
é a disposição da alma que fortifica, segundo a razão, contra os impulsos da paixão
ou a dificuldade do agir.
Uma virtude cardeal pode possuir três partes: integrantes, subjetivas e
potenciais. As partes integrantes de qualquer virtude são as condições necessárias
para a sua existência. As partes subjetivas de uma virtude são as suas espécies, e
as partes potenciais de uma virtude principal são as virtudes secundárias, isto é, são
virtudes que exercem um papel semelhante ao que a virtude principal desempenha.

13 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. II-II, q. 61, a. 3.


22

3.1. A VIRTUDE DA PRUDÊNCIA.

De acordo com Tomás de Aquino, a prudência é a aplicação da razão reta


nas obras. Essa virtude cardeal se refere à razão, e nela está o seu centro, pois ela
governa e rege. O meio dessa virtude é a característica do conselho racional. É
denominado de prudente absoluto o homem que raciocina certo em relação ao bem
viver. Para Tomás de Aquino, o conselho tem relação com o que fazemos em
intenção a algum fim. A prudência tem a sua sede nos sentidos internos e é
aperfeiçoada pela memória e pela experiência, de modo a julgar as experiências
particulares. Ela é responsável por constituir o meio-termo das paixões e dos atos,
por isso o seu ato principal é a racionalidade aplicada nos atos. Segundo Tomás de
Aquino, existe três atos principais da razão: o aconselhar, o julgamento das coisas
descobertas e o mandar/ordenar. Em relação a esses três atos principais da razão,
esse filósofo destaca:

Ora, três são os atos principais da razão. O primeiro é aconselhar,


próprio da invenção, pois aconselhar é indagar, como já estabelecemos. O
segundo ato é julgar as coisas descobertas; e a isso se limita a razão
especulativa. Mas, a razão prática, que ordena para a obra, vai além e tem
como terceiro ato mandar, ato consistente na aplicação à obra do que foi
aconselhado e julgado. E sendo este ato mais próximo ao fim da razão
prática, daí resulta ser ele o ato dessa razão e, por consequência, da
prudência14.

Para esse pensador o ato de mandar se estende aos bens a qual buscamos e
os males que evitamos, para se defender das ciladas. Faz parte da prudência julgar
e ordenar os meios em contribuição ao que é certo, dessa maneira, atribuímos à
prudência o bem particular de cada indivíduo e o bem comum de todos. A virtude da
prudência possui partes subjetivas, a elas qualificamos a política, a econômica e a
militar. Por meio da prudência geral o homem se dirige para o seu bem próprio, e por
meio da prudência política o homem se dirige ao bem comum. A econômica, que é
baseada no bem comum da casa e/ou da família, e a militar que rebate os ataques
do inimigo.

14 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. II-II, q. 47, a. 8.


23

As partes de uma virtude são aquelas as quais aperfeiçoam o ato, a


prudência possui oito partes, nas partes integrantes encontramos: a memória, o
intelecto, a docilidade, a solércia15, a razão, a providência, a circunspecção e a
cautela. Tomás de Aquino afirma que a prudência possui três disciplinas:

[...] então, partes da prudência são: a dialética, a retórica, a física,


conforme os três modos do proceder da ciência. Dois quais um procede por
demonstração, para produzir a ciência, o que constitui a física,
compreendendo ela todas as ciências demonstrativas. O outro modo
procede por certas conjecturas para levar à suspeita ou a persuadir, de
certa maneira, o que é próprio da retórica16.

A prudência engloba essas três disciplinas, através de princípios necessários,


por meio de razões prováveis e ainda por certas hipóteses. É considerada parte da
prudência a eubulia, a sínese, e a gnome. A eubulia tem como objeto o aconselhar
bem, a sínese julga o que se faz em prol das regras comuns e a gnome refere-se a
tudo o que fazemos, de acordo com as regras comuns e implica certo entendimento
de juízo. É chamado de bom o ‘eu’ da eubulia, e conselho a ‘bulia’, isto é, bom
aconselhar, ela é capaz de julgar de forma correta, tal como a virtude da sínese.
Infusa ou adquirida a prudência dirige a razão do homem, naquilo que a razão
é capaz de compreender, por esse motivo a prudência é capaz do bom conselho,
para si mesmo ou para outro. O conselho tem relação com a bem aventurança da
misericórdia, visto que ele tem a capacidade de dirigir os atos da virtude. Tomás de
Aquino declara que existem vícios contrários à prudência ou nascidos da falta dela.
Ocorre imprudência quando não se possui a prudência que deveria possuir.

15 Eustoquia ou solércia é a habilidade para fazer ou tratar alguma coisa. A solércia avalia os meios,
segundo os próprios meios.
16 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. II-II, q. 48, Art. Único.
24

3.2. A VIRTUDE DA JUSTIÇA.

As virtudes aperfeiçoam o ser humano para si mesmo, no entanto, a virtude


da justiça ordena os atos humanos que são relativos ao outro, porque a justiça não
só implica a relação com o agente, mas também a relação com o outro. Sendo
assim, Tomás de Aquino considera a justiça como uma virtude cardeal, que possui
como objeto o direito a dar a cada um aquilo que lhe pertence. Tomás de Aquino
destaca que ninguém é considerado justo por conhecer a integridade, mas sim, é
considerado justo o homem que age retamente. Cabe a essa virtude a correção dos
atos que dizem respeito à complementação exterior. A justiça, enquanto virtude
cardeal, está relacionada à outras virtudes secundárias, como a misericórdia e a
liberalidade. Em relação à injustiça, Tomás de Aquino diz:

Como a igualdade nas coisas exteriores é o objeto da justiça,


assim o objeto da injustiça é a desigualdade, no sentido de atribuir a
alguém mais ou menos do que convém. A esse objeto se refere o
habitus da injustiça, mediante seu ato próprio, que se chama
“injustificação”.[...] Portanto, praticar a injustiça, por intenção e livre
escolha, é próprio do injusto, no sentido em que se diz que injusto é o
que tem o hábito da injustiça17.

Assim, esse filósofo indica que existem duas espécies de justiça: a distributiva
e a comutativa. Elas se distinguem pelo fato de que a justiça comutativa é
responsável por regular os atos particulares de duas pessoas e a justiça distributiva
é responsável por distribuir os bens comuns proporcionalmente. Tomás de Aquino
faz a seguinte citação a respeito da justiça comutativa e distributiva:

[...] a justiça particular se ordena a uma pessoa privada, que


está para a comunidade como a parte, para o todo. Ora, uma parte
comporta uma dupla relação. – Uma, de parte a parte, à qual
corresponde a relação de uma pessoa privada a outra. E, esta
relação é dirigida pela justiça comutativa, que visa o intercâmbio
mútuo entre duas pessoas. A outra relação é de todas as partes, a
ela se assemelha a relação entre o que é comum e cada uma das
pessoas. A essa segunda relação se refere a justiça distributiva, que

17 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. II-II, q. 59, a.2.


25

reparte o que é comum de maneira proporcional. Por onde, duas são


as espécies de justiça: a distributiva e a comutativa 18.

Ao se estabelecer alguém na posse de alguma coisa se faz a restituição, a


isso cabe a justiça comutativa um ato de compensação de alguma coisa. A
restituição, por supor uma igualdade, entrega novamente aquilo que foi injustamente
tirado, ela serve para reparar um dano sofrido injustamente, por isso todo aquele
que se apropria de algo injustamente é obrigado a restituir. Dos vícios contra a
justiça temos o furto e a rapina (dentre as quais se inclui o vício da corrupção), que é
o apoderar-se e tomar posse as escondidas do bem alheio.
Contribuir com um mal, seja aconselhando, ajudando ou consentindo, é ilegal,
uma vez que, quem aconselha, coopera ou ajuda, de uma certa maneira, pratica
também a injustiça. Além das injustiças praticadas por ações, existem as injustiças
cometidas por palavras, isto é, injúrias verbais proferidas fora do juízo. Essas injúrias
são consideradas contumélias, uma vez que contém a desonra de alguém por meio
das palavras em público. O contumelioso profere sempre a ofensa pela boca, pois é
pela boca que o homem expressa o que lhe passa no espírito. Esse vício tem origem
na ira, porque um homem irado tem a facilidade na hora de se vingar de proferir algo
contra alguém. No entanto, se as injúrias forem ditas em segredo será praticada a
difamação, que é proferir uma palavra às ocultas levando ao outro a formar uma
opinião má daquele a qual se fala, a intenção do difamador é sempre fazer com que
creiam no que ele diz. Sobre a difamação Tomás fala:

Ora, a difamação é, por definição, ordenada a denegrir a


reputação de outrem. É deveras um difamador aquele que se põe a
falar na ausência de outrem para denegrir-lhe a reputação. Ora, previr
a outrem de sua reputação é muito grave, porque a reputação é o
mais precioso entre os bens temporais [...] 19.

De acordo com Tomás de Aquino, a difamação é mais grave do que o furto,


pois o dano causado no outro consiste na natureza da falta cometida. São bens do
homem: o bem da alma, o bem do corpo e os bens exteriores. O bem da alma é o
mais excelente e não deve ser tomado por ninguém, o bem do corpo e os bens

18 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. II-II, q. 61, a. 1.


19 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. II-II, q. 73, a. 2.
26

exteriores não devem ser tirados à força, por sua vez, o bem do corpo é mais
excelente do que os bens exteriores, vejamos essa citação sobre este assunto:

Por conseguinte, de todos os pecados contra o próximo, o mais


grave é o homicídio, pois suprime uma vida efetivamente existente.
Em seguida, o adultério, pois viola a ordem da geração humana, que
introduz à vida. Por fim, vêm os bens exteriores, entre os quais a
reputação tem preeminência sobre as riquezas, pois tem maior
afinidade com os bens espirituais20.

A difamação e a murmuração possui a mesma matéria, pois nos dois casos


se fala mal do outro, no entanto, além de falar mal do outro o murmurador também
visa dividir os amigos colocando um contra o outro.
As partes integrantes da justiça se referem ao fazer o bem e evitar o mal. A
justiça tem como parte principal o ato completivo e possui como parte secundária o
afastar-se do mal. Toda virtude anexa a uma principal deve ter algo em comum com
ela, assim assinalamos como partes da justiça: a religião, a piedade, a veneração, a
veracidade, a gratidão, a punição, a liberalidade, a afeição e a amizade.

3.3. VIRTUDE DA FORTALEZA.

A virtude da fortaleza da alma é denominada força por ser uma semelhança


com a força física do corpo, essa virtude implica uma firmeza de alma para suportar
e afastar terríveis dificuldades e perigos graves. Ela tem como propriedade resistir
firmemente a todos os ataques e possui a responsabilidade de vencer o
impedimento que desorienta a vontade de seguir a razão. A fortaleza diz respeito,
em especial, ao medo das coisas difíceis que reprime a vontade da razão. Não é
suficiente resistir apenas aos ataques das dificuldades, reprimindo o medo, mas
também passar ao ataque, quando for necessário para eliminar as dificuldades, a
isso cabe a paixão da audácia. Nesse contexto, a fortaleza se refere ao medo e a
audácia, na proporção que coíbe o temor e modera a coragem. É papel da fortaleza
dar firmeza ao espírito humano contra os perigos de morte, em respeito a isso
Tomás fala:

20 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. II-II, q. 73, a. 3.


27

Cabe pois à fortaleza mostrar aquela firmeza de alma diante dos


perigos de morte que podem provir não apenas de uma guerra
comum, mas até mesmo de conflitos individuais que se podem
qualificar de guerra num sentido mais amplo. E, nesse sentido, se
pode dizer que a fortaleza se refere propriamente aos perigos de
morte que se enfrentam na guerra.
Mas o homem forte se comporta bem diante dos perigos mortais
de qualquer espécie, principalmente porque a virtude pode expor a
muitos perigos, por exemplo, quando alguém, apesar do medo de
contágio mortal, não se recusa a prestar assistência a um amigo
doente [...] 21.

De acordo com Tomás de Aquino, o ato principal da fortaleza é resistir


firmemente diante dos perigos, resistir diz respeito a uma paixão do corpo,
entretanto, também implica a um ato da alma apegada ao bem, que leva ao homem
não ceder à paixão, por mais que ela seja forte, dessa maneira, essa virtude diz
respeito mais a alma do que ao corpo.
O fim da fortaleza é o bem ao qual o homem forte adere de maneira
inabalável, a sua essência é a firmeza em si mesma, pois impede de ceder aos
adversários e o ato principal dessa virtude é resistir. Essa virtude cardeal tem como
objeto o temor e a audácia, por isso o ato da fortaleza consiste em resistir ao medo e
atacar segundo a razão. Conforme Tomás de Aquino, se atribuí à fortaleza partes
integrantes e potenciais, em relação a isso, esse filósofo expressa:

Mas podem ser atribuídas a ela partes integrantes e


potenciais. Integrantes, porque são partes que concorrem para a
execução do ato da fortaleza. Potenciais, porque assim como a
fortaleza observa algumas situações bem difíceis, a saber, o perigo
da morte, assim também outras virtudes as observam a respeito de
situações menos difíceis. Essas virtudes se anexam à fortaleza como
secundária ao principal22.

É duplo o ato dessa virtude: atacar e resistir, para o ataque é necessária duas
coisas: que o espírito esteja preparado ou pronto para atacar e que durante a
execução não se desista de uma ação que se iniciou com confiança. Essas duas

21 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. II-II, q.123, a. 5.


22 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. II-II, q. 128, artigo único.
28

ações aplicadas à matéria da fortaleza são partes integrantes dela, sem as quais
essa virtude não existe.
Tomás de Aquino fala sobre as partes da fortaleza, e a ela atribuí a
magnanimidade, a magnificência, a paciência e a perseverança. A magnanimidade
significa uma alma que tende a grandeza, uma pessoa é denominada magnânima
por causas das coisas que são grandes em absoluto, nesse sentido a
magnanimidade tem como objeto as honras, entre os bens humanos exteriores a
honra ocupa o primeiro lugar. O desejo de possuir honra pode se opor à fortaleza,
de modo que, a honra se torne um vício de ambição, pois a ambição comporta um
apetite de honra desordenado.
Para esse filósofo o homem que deseja a glória por excesso pratica a
vanglória. Esse vício torna o homem presunçoso e confiante demais em si mesmo,
deixando de lado todos os bens interiores. A vanglória nasce da soberba, visto que,
a soberba implica um desordenamento na excelência, sendo a mãe de todos os
vícios. O fim da vanglória é a manifestação da própria excelência.
Para Tomás de Aquino a paciência no homem faz suportar os males com
ânimo, essa virtude é a raiz e guardiã de todas as virtudes, pois afasta a tudo que
opõe as virtudes. É paciente aquele que se comporta corretamente, e atura o que o
aflige de modo a não cair na tristeza. A virtude da perseverança é o ato de
perseverar nas ações difíceis por um tempo muito prolongado, cabe a perseverança
persistir até o fim. Sobre a perseverança, esse pensador exprimiu:

Resistir firmemente à dificuldade que provém da longa


duração da obra boa, faz o mérito da perseverança. E isto não é tão
difícil como enfrentar perigos mortais. É a razão pela qual a
perseverança se anexa à fortaleza como uma virtude secundária a
uma principal23.

A fortaleza implica uma firmeza na alma para resistir ao mal, em especial, aos
males difíceis. A virtude da fortaleza aperfeiçoa a alma para resistir a todos os
perigos mortais.

23 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. II-II, q. 137, a. 2.


29

3.4. A VIRTUDE DA TEMPERANÇA.

Segundo Tomás de Aquino, a virtude da temperança é um ordem ou


moderação introduzida pela razão, ela orienta e modera os prazeres máximos da
carne e afasta do homem tudo que o atrai irracionalmente. É atribuída à temperança
a tranquilidade do espírito, essa virtude se ocupa em regular as paixões tendentes
ao desejo e ao prazer. A temperança tem como matéria os prazeres da comida,
bebida e os prazeres sexuais, esses prazeres resultam do sentido do tato, para
Tomás de Aquino “a temperança versa sobre os prazeres mais intensos, que estão,
precipuamente, relacionados à conservação da vida humana, na espécie ou no
individuo”24. A temperança tem como fim a felicidade, a sua principal característica é
moderar e controlar os desejos e os prazeres do homem na sua individualidade.
A intemperança é um vício que se opõe a temperança. A intemperança tem
por objeto os prazeres do excesso à mesa e do sexo, cujo desejo excessivo não é
tão necessário à sobrevivência. O homem intemperante é atraído por seus prazeres
particulares e somente exercitando a temperança o homem pode vencer seus
prazeres.
De acordo com Tomás de Aquino, a vergonha e a honestidade são partes
integrantes da temperança. A vergonha se opõe à perfeição, porque é o temor de
algo vergonhoso, isto é, um ato desonesto. A vergonha refere-se à temperança
quando o ser humano deixa de agir viciosamente e pratica coisas desonestas, já a
honestidade é um estado de honra, é chamado de honesto aquele que é digno de
honra. Em referência à honestidade Tomás de Aquino disserta:

“A honestidade é uma beleza espiritual”. Ora, opõe o que é


feio. [...] Segue-se daí que a própria denominação de temperança
designa de forma eminente, o bem próprio da razão, cujo papel é
moderar e temperar os maus instintos. Assim, pois, a honestidade,
enquanto atribuída à temperança por uma razão especial, é
considerada parte integrante dela [...] 25.

As partes subjetivas da temperança são relacionadas aos prazeres da comida


e aos prazeres sexuais. É próprio da temperança frear os prazeres que seduzem

24 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. II-II, q.141, a. 5.


25 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. II-II, q. 145, a. 4.
30

demais o espírito. Em relação à gula, esse filósofo disserta que ela consiste num
desejo desordenado da comida e da bebida, o vício da gula se encontra no desejo
que a razão não controla. Comete esse vício aqueles que excedem à medida da
comida, e são consideradas filhas da gula os vícios que tem como resultado esses
prazeres. Encontramos essa seguinte citação de Tomás de Aquino a respeito da
gula:
A gula consiste, propriamente, no prazer imoderado no comer
e no beber. Portanto, hão de ser considerados filhas dela os vícios
resultantes desse prazer descontrolado. Ora, esses vícios podem ser
entendidos da parte da alma e do corpo26.

Tomás de Aquino também considera a virtude da sobriedade e do vício


oposto a ela: a embriaguez. A palavra sobriedade vem de medida, é chamado sóbrio
quem respeita a medida, essa virtude tem como objeto a bebida, que pode perturbar
a mente, como no caso das bebidas embriagadoras. Tudo que é relacionado à
temperança é necessário para a vida presente, no entanto, o seu excesso é
prejudicial. A embriaguez pode ser vista sobre a degradação de um homem que
bebeu muito, até chegar ao ponto de ele não ser seu próprio senhor, ela é vista
como consequência de um desejo e desordem de bebida alcoólica.
Tomás de Aquino também disserta sobre as virtudes da castidade e da
virgindade, e do vício oposto a ela: a luxúria. O termo castidade é derivado do fato
da razão tornar casta/ordenada a concupiscência, a qual precisa ser
orientada/corrigida, quando desorientada. A castidade tem a sua sede na alma, no
entanto, a sua matéria é o corpo, ela tem como função fazer com que se use
moderadamente os membros do corpo, de acordo com o juízo da razão, essa virtude
se preocupa com os prazeres sexuais.
A virgindade é derivada da palavra ‘verdor’, essa virtude é a ausência da
corrupção, por isso a integridade do membro corporal tem relação acidental com a
virgindade. Essa excelência pode ser conservada na carne, isto é, corporal ou pode
ser espiritual, porque é conservada pela piedade e pela continência, o elemento
material da virgindade é a integridade física, excluindo a experiência do prazer
desonesto.

26 AQUINO, Tomás. Suma Teológica. II-II, q.148, a. 6.


31

Em oposição à virtude da castidade temos a luxúria. O luxurioso é alguém


que se entrega aos prazeres sexuais, esse vício tem como umas das espécies a
fornicação, o incesto, o adultério e o estupro. A luxúria consiste no gozo do prazer
sexual em desacordo com a reta razão.
Nas partes potenciais da temperança temos a continência, a clemência e a
modéstia. A continência é a abstenção de todo prazer sexual, mas também pode ser
a resistência que opomos as más paixões. É continente aquele que segue
constantemente a reta razão. A palavra continência implica certa moderação que
alguém se contém para não se deixar levar pelas paixões, a continência versa sobre
os prazeres do tato, no sentido de resistir-lhes. Essa virtude tem a sua sede na
potência da alma e o seu ato é sempre a escolha, isto é, a vontade, a continência
tem como primeiro motor a razão. A causa da incontinência, que é oposto à
continência, é a alma que não resiste às paixões que não são ordenadas pela razão,
no incontinente a concupiscência da carne é superada pela do espírito, por não
resistir com firmeza a tais paixões que excedem ao bom meio-termo, salutar à vida
humana.
De acordo com Tomás de Aquino existem vícios que se opõem a clemência e
à mansidão. A clemência modera o castigo exterior e a mansidão tem por função
própria diminuir a paixão da ira. Dos vícios opostos à mansidão e à clemência têm a
ira que se opõe à mansidão e a crueldade que se opõe à clemência. Da ira nascem
muitos vícios, a ela atribuímos: a indignação, a arrogância, a blasfêmia, a injúria e a
rixa.
A modéstia está anexada à temperança como sua virtude principal. Para
Tomás de Aquino, a modéstia possui espécies, são elas: a humildade que se opõe à
soberba, a estudiosidade que se opõe à curiosidade e a modéstia nas palavras,
gestos e na apresentação exterior. A humildade tempera e refreia a alma, para não
aspirar imoderadamente as coisas elevadas, e ela implica um rebaixamento de si
mesmo. É função da humildade refrear para que o homem não se eleve às coisas
superiores a nós, e é próprio dela conhecer as próprias deficiências. É humilde
aquele que dentro das suas possibilidades aspira as pequenas coisas, pois a
humildade elimina a soberba. Da disposição interior do homem procedem alguns
sinais exteriores de palavras, atos e gestos que revelam o que está oculto no íntimo
do homem, por isso, segundo Tomás de Aquino existe graus de humildade:
32

Por isso, nos alegados graus de humildade figura em que


pertence à raiz dela, a saber, o décimo segundo: “temer a Deus e ter
presente tudo o que ele nos ordenou”.
Mas nesses graus há também algo que pertence ao apetite,
como o não buscar, desordenadamente, a própria superioridade, o
que se dá de três modos. Primeiro, não seguindo a própria vontade
(11º); depois, regulando-a pelo juízo do superior (10º) e, em terceiro
lugar, não desistindo em face de situações duras e difíceis (9º).
Aparecem também graus relativos a estima em que alguém
deve ter ao reconhecer os próprios defeitos. E isso de três modos:
primeiro, reconhecendo e confessando os próprios defeitos (8º). –
Depois, em vista desses defeitos, julgando-se indigno de coisas
maiores (7º). – Em terceiro lugar, considerando os outros, sob esse
aspecto, superior a si (6º).
Finalmente, nessa enumeração há também graus relativos à
manifestação externa. Um deles, quanto às ações, de modo que, em
suas obras, não se afaste do caminho comum (5º). Outros dois
referem-se às palavras, quer dizer, que não se fale fora do tempo
(4º), nem se exceda no falar (2º). – Por fim, há os graus ligados aos
gestos exteriores, como, por exemplo, reprimir o olhar sobranceiro
(1º) e coibir as risadas e outras manifestações impróprias de alegria
(3º) 27.

A soberba é o vício contrário à virtude da humildade, esse vício vem de


alguém pretender por vontade própria ser superior ao que realmente é. É um desejo
desordenado da própria excelência e tem como objeto próprio levar alguém a
superestimar a si mesmo. A soberba é a rainha dos vícios, visto que dela nascem
muitos vícios.
Em relação ao conhecimento, temos a virtude da estusiosidade que se refere
ao conhecimento. Assim como o homem deseja os prazeres da mesa e do sexo,
pela natureza corporal, deseja o conhecimento pela natureza espiritual. A
estudiosidade apresenta o desejo e o empenho por obter o conhecimento, no
entanto, o conhecimento pode ser mau, na medida em que alguém se orgulha dele.
Na aparência exterior, melhor dizendo, no modo de se vestir, caminhar e
coisas semelhantes à postura, pode acontecer descontrole por parte do sujeito ou do
usuário de alguns bens que adornam o corpo humano, chegando ao ponto de ser

27 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. II-II, q. 161, a. 6.


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exagerado. Existem três virtudes relacionadas a apresentação externa: a humildade,


que exclui a busca da glória, o contentar-se com o suficiente, que exclui a busca da
afetação e a simplicidade, que exclui a preocupação exagerada com as roupas e se
contenta com o que temos. Dentre os vícios contrários conta-se também a
ostentação, que é mostrar/ostentar o que excede à beleza espiritual e corpórea do
próprio ser humano. Tomás de Aquino diz que pode ocorrer deficiência, na
aparência externa, quando o homem não possui cuidados ao se vestir corretamente
e quando se vangloria na falta de cuidado com a aparência. Existe vaidade no brilho
e no luxo ao se vestir, mas também na apresentação negligente e degradante na
aparência.
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4. CONCLUSÃO

A prática da ética das virtudes, no processo da formação humana, vem sendo


substituída por uma ética relativista ou legalista, perdendo ao longo dos anos sua
força e função na sociedade, por isso é um tema que acerca dele, atualmente, faz
surgir vários questionamentos. Desta forma, o tema As virtudes cardeais em Tomás
de Aquino, pretendeu trazer à discussão acadêmica, por meio deste trabalho, os
estudos sobre as ações humanas e seus atos virtuosos, examinando os valores que
adotamos sobre as mais diferentes situações e circunstâncias em que nossa vida
submerge. A opção por esse tema nasceu de uma constatação: tão evocada
ultimamente, mas terminalmente não praticada. Há, pois, salvo melhor juízo, na
prática, a falta do exercício dessas qualidades, chamadas virtudes, no cotidiano. O
estudo desse tema contribui tanto para a formação do conhecimento tanto para a
formação humana, pois aponta as linhas gerais do pensamento Tomista na sua
visão ética sobre as virtudes. Tomás de Aquino nos oferecerá uma interpretação do
que sejam as virtudes, sobretudo, as cardeais, e de como podem ser adquiridas e
praticada para a convivência conosco mesmos e com os outros.
Podemos alcançar as virtudes por meio dos costumes dos hábitos. Para a
ação desse hábito, se faz necessário o homem ter uma boa vontade no agir
corretamente. Entretanto, para o agir correto o homem necessita usar do seu livre
arbítrio, porque a prática de uma ação determina toda a vontade humana, é pela boa
vontade que o homem age bem.
Por meio das virtudes, em especial, as virtudes cardeais, isto é, a prudência,
a justiça, a fortaleza e a temperança, o homem é aperfeiçoado na sua plenitude, pois
elas tornam o homem mais justo. Uma vez que a prudência é a reta razão destinada
ao agir, assim, quando uma pessoa ao ver uma realidade, toma a decisão correta no
agir, essa pessoa pode ser denominada prudente, pois vendo o real tem a coragem
de transformar a realidade, tomando a decisão certa na sua ação. A justiça se
direciona à justiça geral, visto que é por meio dela que o homem se submete às leis,
as quais orientam ao bem comum. O papel da justiça é ordenar todas as virtudes ao
bem comum, a sua finalidade é o bem comum da coletividade, isto é, ela ordena os
homens na sociedade, fazendo com que o convívio desta pessoa com as outras seja
boas. A fortaleza mantém firme a vontade do homem para que ele não retroceda
diante de um medo, de um mal físico ou perigo mortal, como as doenças, tragédias,
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assaltos e vários outros. E a temperança é responsável por controlar os prazeres


mais difíceis de serem disciplinados pelo tato, ou seja, ela é responsável por
controlar os desejos mais incontroláveis e fortes do ser humano, que são os
designados aos prazeres corporais.
A ação da virtude provoca a perfeição no ser humano, uma vez que a virtude
é uma qualidade totalmente boa, porque a sua finalidade é o bem. As virtudes são o
percurso a qual um homem, ao buscar uma vida de excelência deve seguir. Essa
investigação de Tomás de Aquino, sobre as virtudes, vem demonstrar que as
virtudes são algo que buscamos para vivemos retamente. A conduta eticamente
orientada pode ser guiada na vida pela busca da virtude, que tem como o fim a
felicidade do homem.
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