Proflexão Sylvia F. Crocker
Proflexão Sylvia F. Crocker
Proflexão Sylvia F. Crocker
PROFLEXO
SYLVIA FLEMING CROCKER
GESTALT JOURNAL, VOL IV, N2 FALL 1984
Indivduos fazerem a si mesmo o que querem fazer a outros ou o que querem que
outros lhes faam (retroflexo) algo bastante familiar a qualquer terapeuta
gestltico1. Tambm vemos muitos casos em que pessoas alienam alguns aspectos
ou partes de suas prprias personalidades projetando-as em outra pessoa. Em
termos de fluxo de energia, podemos dizer que no caso de retroflexores, a energia
que normalmente fluiria para fora, em direo ao mundo, volta-se para dentro, na
direo das prprias pessoas. Na projeo as pessoas alienam a energia que
normalmente estaria internamente disponvel para seus prprios propsitos,
colocando-a de forma fantasiosa em outra pessoa.
Mas o que se passa quando algum faz a outra pessoa o que ele ou ela quer que a
outra pessoa lhe faa? Aqui h um fluxo de energia para fora, mas o objetivo bsico
elicitar uma resposta mais ou menos previsvel do outro 2. Em outras palavras, o
objetivo do que a pessoa faz conseguir que o outro ou imite seu ato, ou responda
de alguma outra forma desejada. J que este comportamento com sua caracterstica
constante falta de awareness, tem algo em comum tanto com a projeo como com
a retroflexo, escolhi cham-lo de proflexo.
1 Quero agradecer Miriam Polster e minha colega Betty King pelos comentrios
sobre este artigo e por fazerem sugestes que me foram muito teis ao
reescrev-lo.
2 Proflexo tem somente uma similaridade superficial com a Regra de Ouro do
Cristianismo. Enquanto que a Regra de Ouro supostamente um guia interno para um
altrusmo pr-existente, a proflexo meramente manipulativa.
de
modelar e
de
aprender atravs da
modelagem de
tipo de disposio de nimo ou sentimento, por exemplo, ela pode querer sentir-se
aceita amada, elogiada, culpada, til, apreciada, etc.
Proflexores usam o que sabem sobre comportamentos instigadores para conseguir
seus objetivos. Tal pessoa pode, por exemplo, dizer a algum: eu te amo ou o que
eu gosto na nossa relao ...no tanto porque o que ela diz verdade (apesar de
poder muito bem ser) e no tanto porque ela quer tornar seu contato com o outro
mais pessoal (o que ela provavelmente quer), mas porque quer elicitar declaraes
tipo eu tambm te amo ou voc tambm est linda ou bem, o que eu gosto sobre
isto ....
As manifestaes da proflexo vo bastante alm da esperana de um simples
espelhar de comportamento. A proflexo toma fundamentalmente duas formas: ativa
e passiva. Nos dois casos o proflexor entra voluntariamente numa atitude servil em
relao a quem ele ou ela est tentando manipular.
Proflexores ativos fazem uma investigao apurada dos gostos e necessidades do
ser amado, e ento lhes provm. Esperam que, em troca, o outro faa uma
investigao anloga de seus gostos e necessidades e ajam analogamente,
provendo-lhes satisfao. bastante provvel que existam grandes diferenas entre
eles nestes aspectos, mas o que o proflexor procura manifestaes de cuidado e
ateno similares s que ele ou ela manifesta.
Proflexo passiva, que provavelmente mais tpica em mulheres que em homens 4,
envolve um tipo de submisso do proflexor ao outro significante. Uma esposa
submissa, por exemplo, pode manter uma posio bastante constante de lealdade
sofrida, aceitando qualquer tipo de comportamento grosseiro e abusivo por parte de
seu marido. Ela pode tentar corresponder s suas (em geral estereotipadas)
expectativas, esperando que, a longo prazo, seu amor e ateno sejam apreciados.
O que torna sua proflexo passiva, que ela tenta obter o que quer, no atravs de
alguma
forma
de
solicitao
ou
afirmao,
mas
servindo
seu
marido,
CONSIDERAES TERICAS
Nesta parte quero explorar com detalhe a relao entre a proflexo e as outras
formas de resistncia a contato ou distrbios de fronteira confluncia, projeo,
retroflexo e deflexo. Proporei a seguir uma perspectiva unificadora dos seis.
Proflexo tem algumas semelhanas com confluncia. De certa forma a proflexo
visa um tipo de confluncia em que cada um se engaja em cuidar do outro sem que
isto tenha que ser pedido. No entanto, dado s reais diferenas entre pessoas, esta
forma de mutualidade no explicitada , na maioria dos casos, uma esperana
utpica, j que raramente acontece. E nos raros casos em que acontece, s
acontece aps um longo perodo de convvio e comunicaes explicitadas. A
proflexo tem uma outra semelhana com a confluncia nos casos em que o
proflexor se dispe a aceitar apenas alguns tipos de ateno do outro, a saber
somente o tipo de espelhamento do que ele mesmo faz. Aqui, a atitude se ela (ou
ele) me amasse, faria isto desta forma; esta a forma que eu faria. Esta forma de
proflexo ilustra a cegueira do proflexor em relao maneira individual do outro
fazer as coisas, e sua indisponibilidade de aceitar o outro tal qual ele ou ela . No
destruio e da degradao da sua pessoa, e por isso visto como uma forte
ameaa. Nas suas formas menos extremas, a projeo envolve a crena de que
de padres
10
11
12
13
experincias num todo cada vez maior com o passar do tempo. Desta forma
fazemos com que o mundo que cada um de ns experincia, seja mais previsvel,
controlvel e significativo.
Sobre a fronteira do eu, Miriam e Erving Polster dizem: A fronteira do eu de uma
pessoa a fronteira daquilo que para ela contato permissvel. Ela composta de
toda uma gama de fronteiras de contato e define aquelas aes, ideias, pessoas,
valores, ambientes, imagens, memrias, etc., aos quais ela est propensa e
comparativamente leve para se ligar plenamente, tanto com o mundo fora de si
mesma, quanto com as reverberaes dentro de sim mesma que a ligao possa
despertar. Ela inclui tambm o senso de quais so os riscos que a pessoa est
inclinada a assumir (10), (pg 108 da verso brasileira).
A fronteira do eu pode ser construda em termos do corpo, valores, familiaridade,
expresso e exposio do individuo (11). Estas so maneiras de observar o fato de
que indivduos diferem em sua disposio e/ou habilidades presentes para viver
certas experincias, para estar aware e/ou se envolver com outros. Em algumas
pessoas isto pode implicar em falta de contato com partes de seus corpos e mesmo
certo tipos de percepes, por exemplo, alguns no querem ver ou ouvir certas
coisas, enquanto que outras veem e ouvem coisas que no esto enraizadas em
fatos objetivos. Indivduos tambm diferem em suas disposies e/ou habilidades de
se comportar de modos contrrios a seus valores ou mesmo a reconhecer, nos
outros tais comportamento. Algumas pessoas se recusam a experienciar
comportamentos ou vivncias que no lhes so familiares, enquanto outros
saboreiam aventuras com deleite. Tambm h variaes quanto medida em que
pessoas ousam se expressar ou se expor arriscadamente. Em indivduos saudveis
existe provavelmente uma tendncia conservativa que impede com que os
indivduos tomem riscos de graus variados de perigo. Disfunes de contato so
resultado desta tendncia. Terapeutas lidam com pessoas cuja recusa ou distores
de contato interferem com suas capacidades de satisfazer seus desejos e
necessidade normais.
O que uma pessoa far ou no, ou pensa ser possvel ou impossvel, funo de
como ela organiza e interpreta sua experincia; em outras palavras, funo do seu
modelo de mundo, tanto do seu mundo interno como do mundo externo (12). Como
14
ordenado, e ao segundo de
15
16
previsvel
controlado
onde
se
sente
relativamente
seguro
comparativamente em paz. Somente (talvez) para ele, este mundo, para o qual se
retirou, faa sentido; e se fala de forma confusa, seu mundo tem uma linguagem que
(talvez) somente para ele tenha sentido. Ele ficar neste mundo privado at que sua
f no mundo compartilhado ou mais exatamente, que sua f em compartilhar um
mundo possa ser de algum modo restaurada. Como estabelecer com o psictico
contatos restabelecedores de f o objetivo principal dos terapeutas que lidam com
tais pessoas. Como estabelecer contatos geradores de crescimento com pessoas
neurticas um dos objetivos bsicos da maioria dos gestalt-terapeutas 7.
Encontramos uma ou mais das variedades de distrbios de contato-fronteira que
discutimos previamente em indivduos neurticos. Cada uma destas disfunes
envolve falta de awareness, e cada uma permite que o neurtico fique menos
abalado e/ou menos ameaado pelas pessoas ao seu redor e pelos eventos tanto
internos como os externos a si. A maneira pela qual neurticos evitam um contato
vvido com seu meio e os objetos e as pessoas que nele se encontram (incluindo
seus prprios aspectos) so, de fato, maneiras pelas quais reduzem seus universos
pessoais a um tamanho e a um carter com que cada um est disposto a lidar.
7 Gestalt -terapeutas so fiis na maioria das vezes Teoria Paradoxal da Mudana (19),
que afirma que o primeiro passo para as transformaes humanas a aceitao do que
(20). Enquanto esta teoria bem testada no trabalho com pessoas neurticas, a
abordagem teraputica por ela indicada bem menos usada no trabalho com indivduos
psicticos. Existem, no entanto, algumas evidncias fascinantes de que quando alguns
indivduos psicticos foram acompanhados onde estavam (o que indica aceitao),
fizeram mudanas surpreendentes. (21)
17
catstrofe
de
serem
inteiramente
rejeitados
se
fizerem
18
19
20
etc. Ao contrrio dos introjetores, vrias pessoas deflexivas organizam seu prprio
conjunto de regras para viver; porm, tal como os introjetores, tais pessoas vivem
dirigidas para um conjunto de regras que excluem detalhes muito concretos da vida,
especialmente os que revelam dimenses genuinamente pessoais. Suas regras lhes
do controle, ou, pelo menos, uma forma de escapar do que imprevisvel e
incontrolvel a presena total de uma outra pessoa.
Atravs da excluso de certos elementos em si mesmos e/ou em seus meios
ambientes, e pela incluso de outros, os indivduos neurticos conseguem evitar
contatos vvidos com seus ambientes e com as pessoas que neste se encontram
(incluindo a si prprios). Todas estas formas so maneiras pelas quais reduzem ou
recortam seus mundos a tamanhos e carteres com os quais esto dispostos e
sentem-se competentes para lidar.
Apesar de que as diferenas em grau so marcantes, existem semelhanas
inegveis entre neurticos, psicticos e pessoas com leses cerebrais: ao reduzir e
entorpecer seus mundos, seus modelos internos de como o mundo e de que poder
tem para nele atuar, se tornam empobrecidos (22), e eles mesmo tornam-se seres
humanos diminutos e inspidos. Proponho denominar esta condio comum de
parvanimidade (parvus = pobre, pequeno; animus = alma, esprito).
Parvanimidade tem conotaes opostas as de magnanimidade. Enquanto que a
ltima significa grandeza de esprito e expansividade e at alegria parvanimidade
implica em pequenez de esprito, empobrecimento, implosividade, amortecimento.
Uma pessoa saudvel tanto magnnima quanto autntica: tem uma grande
capacidade de compartilhar, de dar, e isto est enraizado no fato de que esta pessoa
tem auto-conhecimento e auto-suporte.
O modelo de mundo de uma pessoa saudvel frouxamente organizado e amplo
em extenso, e como resultado, capaz de acomodar rapidamente novos elementos
no decorrer da vida. O modelo de mundo de uma pessoa parvnima tende a ser
mais rigidamente organizado e bem mais estreito em sua extenso, e, portanto a
pessoa tende a estar fechada ou cega a novas experincias, a valores divergentes,
a novas revelaes pessoais, etc. Uma pessoa saudvel realista sobre seu prprio
poder de ao, assim como sobre que ajuda pode obter de outras pessoas. Em
contraste, algumas pessoas parvnimas tem uma viso reduzida de seu poder de
21
dar forma a suas prprias vida; enquanto que outras tm uma viso no realista de
si mesmas como tendo que conseguir tudo por si prprias, isto que ningum s
ajudar. Nos dois casos a pessoa parvnima em geral se v, como vtima.
A vida do indivduo parvnimo caracteriza-se por privao e empobrecimento: em
uma variedade de aspectos falta-lhes uma boa qualidade de vida - que seu direito
natural. Parvanimidade tem muito em comum com o que Kierkegaard chamou de
enfermidade para a morte -- uma doena do self da qual pessoas raramente
morrem, mas que as fazem miserveis, j que cada um dos que dela sofrem, de
certa forma falham em tornar-se a pessoa completa que ele ou ela real e
fundamentalmente tem (ou teve) a capacidade de ser (23).
CONSIDERAES PRTICAS
Retornando agora proflexo, vejamos o que podemos fazer para ajudar as
pessoas a desfazer suas proflexes. Como de se esperar o lugar onde comear
awareness. Quando um cliente descreve uma situao como a que tenho descrito, e
relata sentir-se tanto esgotado por todo o esforo que investiu na relao, como
ressentido com a outra pessoa por sua falha em responder apropriadamente,
necessrio iniciar solicitando a essa pessoa que se d conta de o que exatamente
quer do outro, e como tem tentando consegui-lo. Que tipos de aes manifestas do
outro satisfariam os desejos do proflexor? Num primeiro momento a pessoa pode ter
dificuldades em discernir e afirmar claramente o que quer e que aes seriam
satisfatrias, mas com a forma comum de trabalho gestltico, tais dificuldade podem
ser ultrapassadas.
O segundo passo para desfazer a proflexo implica em trabalhar com a provvel no
disposio do proflexor de pedir o quer do outro. Aqui temos geralmente que lidar
com medos e ressentimentos. frequente o caso em que pessoas ressentem ter
que pedir o que querem dos outros, e expressam tal sentimento dizendo coisas
como se ele me amasse ele saberia. Estas so as pessoas que usualmente
desejam ser to analisadas pela outra pessoa como a outra pessoa foi por eles
analisada.
22
23
Suponhamos agora, por exemplo, que uma mulher que tenha estado profletindo se
d conta finalmente do que tem estado fazendo para conseguir o que quer do outro.
Suponhamos tambm que ela esteja disposta a expressar seu descontentamento
com a relao e pedir certo tipo de comportamento do outro. O que podemos fazer
para preparar o cliente para a possibilidade de que o outro em questo se recuse a
fazer qualquer mudana de comportamento e assuma a atitude de: assim ou
nada? A primeira coisa talvez, seja convidar a mulher a imaginar como seria
continuar na relao exatamente do mesmo jeito. Neste ponto, ela provavelmente
no desejar continuar. Neste caso temos que ajud-la a assimilar um aspecto duro
da vida: que realmente existem tragdias, e que acontece na vida que pessoas
realmente no se encontram. Uma das falcias mais difceis de ajudar as pessoas a
se libertar, a crena de que com um pouco mais, ou mesmo com muito do mesmo
tipo de esforo, o passado pode ser salvo e redimido: que a relao pode vir a
funcionar. s vezes isto verdade. Porm, mais frequentemente, a verdade que
os esforos e sofrimentos do passado no podem ser redimidos, ou, se podem,
somente
atravs
de
uma
estratgia
distinta.
No
entanto,
vezes
as
24
Notas
1- Lewis C.S.: The Screwtape Letters. New York: The Macmillan Co. 1943.
2- Perls F. S., Hefferline, R. & Goodman, P.: Gestalt Therapy. New York: Dell
Publishing Co. 1951.
3- Polster. E. & Polster. M.: Gestalt Therapy Integrated. New York: Vintage Books,
1974.
4- Buber M.: Dialogue Between Man and Man. Traduzido por Ronald Gregor Smith.
New York: The Macmillan Co., 1965. I and Thou. Traduzido por Walter Kaufmann.
New York: Charles Scribners Sons, 1970.
5- Perls F. S.: The Gestalt Approach and Eye Witness to Gestalt Therapy; New York:
Bantam Books, 1976. P. 41.
6- Plato: The Sophist in The Dialogues of Plato. Vol. II. Traduzido por Benjamin
Jowett. New York: Random House. 1892. Perls Hefferline, and Goodman. Op. Cit.
Vol II. Ch. 1.
7- Kant, I: Critique of Pure Reason. Traduzido por Norman Kemp Smith. London:
Macmillan and Co, Ltd. 1958. Ver especialmente Transcendental Deduction (8).
8- Husserl, E.: Cartesian Meditations. Traduzido por Dorion Cairns. The Hague:
Martinus Nijhoff, 1973. Sartre, J. P.: The trancendence of the Ego. Traduzido por
Forest Williams e Robert Kirkpatrick. New York: The Noonday Press, 1957. Being
And Nothingness. Traduzido por Hazel Barnes. New York: The Philosophical Library.
1956. Ver especialmente parte 45.
9- Perls, Hefferline & Goodman, op. Cit., vol. II. Ch. 10.
10- Polster & Polster, op. Cit. P. 108
11- Ibid., p. 115.
12- Bandler, R., e Grinder, J.: The Structure of Magic, Vol. I. Palo Alto: Science and
Behavior Books. Inc. 1975.
13- Goldstein, K.: Human Nature. New York: Schocken Books, 1963. The Organism.
New York: American Book Company, 1939.
14Goldstein, K. The Organism, op. Cit., p. 36
15- Ibid., pp. 36-37.
16- Ibid., p. 37.
17- Ibid., p. 46.
18- Bateson, G.: Toward a Theory of Schizophrenia em Steps to an Ecology of Mind.
New York: Ballatine Books. 1972.
19- Beisser. A.: The Paradoxiacal Theory of Change em Fagan, J. E Sheperd, E. L.
(Eds): Gestalt Therapy Now. Palo Alto: Science and Behavior Books. 1970.
20- Polster, E., e Polster, M.: Therapy Without Resistance: Gestalt Therapy em
Burton, Arthur (Ed): What Makes Behavior Change Possible? New York/Mazel.
1976.
21- Ver por exemplo, Bandler. R. & Grinder, J. : Patterns of The Hipnotic Techniques
of Milton H. Erickson. M. D., Vol. I. Cupertino, Ca.: Meta Publications, 1975, pp.
139-142; Bandler. R. E Grinder. J. : Frogs into Princes. John C. Stevens (Ed).
Moab, Ut.: RealPeople Press. 1979, p. 76; e Bateson, G. Op. Cit. P. 226.
22- Bandler & Grinder, op. Cit.
23- Kierkegaard, S: The Sickness Unto Death. Traduzido por Walter Lowrie:
Princeton University Press, 1968.
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