Proflexão Sylvia F. Crocker

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PROFLEXO
SYLVIA FLEMING CROCKER
GESTALT JOURNAL, VOL IV, N2 FALL 1984

Traduo : Selma Ciornai

Indivduos fazerem a si mesmo o que querem fazer a outros ou o que querem que
outros lhes faam (retroflexo) algo bastante familiar a qualquer terapeuta
gestltico1. Tambm vemos muitos casos em que pessoas alienam alguns aspectos
ou partes de suas prprias personalidades projetando-as em outra pessoa. Em
termos de fluxo de energia, podemos dizer que no caso de retroflexores, a energia
que normalmente fluiria para fora, em direo ao mundo, volta-se para dentro, na
direo das prprias pessoas. Na projeo as pessoas alienam a energia que
normalmente estaria internamente disponvel para seus prprios propsitos,
colocando-a de forma fantasiosa em outra pessoa.
Mas o que se passa quando algum faz a outra pessoa o que ele ou ela quer que a
outra pessoa lhe faa? Aqui h um fluxo de energia para fora, mas o objetivo bsico
elicitar uma resposta mais ou menos previsvel do outro 2. Em outras palavras, o
objetivo do que a pessoa faz conseguir que o outro ou imite seu ato, ou responda
de alguma outra forma desejada. J que este comportamento com sua caracterstica
constante falta de awareness, tem algo em comum tanto com a projeo como com
a retroflexo, escolhi cham-lo de proflexo.

1 Quero agradecer Miriam Polster e minha colega Betty King pelos comentrios
sobre este artigo e por fazerem sugestes que me foram muito teis ao
reescrev-lo.
2 Proflexo tem somente uma similaridade superficial com a Regra de Ouro do
Cristianismo. Enquanto que a Regra de Ouro supostamente um guia interno para um
altrusmo pr-existente, a proflexo meramente manipulativa.

DESCRIO FENOMENOLGIA DA PROFLEXO


Em todos os outros distrbios de fronteira 3 com que estamos familiarizados
confluncia, deflexo, retroflexo, projeo e introjeo h uma verso saudvel e
uma no saudvel. Isto tambm se d com a proflexo. Como uma funo saudvel
da personalidade, chamada modelao. Modelao obviamente necessria
vida, para a existncia individual e social. De outra forma, ningum saberia como ser
um pai, um agente moral, um cidado. Se, de fato, esta capacidade humana
desaparecesse subitamente, todas as aptides especialmente as manuais, morais
e sociais das quais a civilizao, depende, se extinguiriam em uma gerao!
Acredito que existem duas formas de disfuno que esto associadas capacidade
humana normal

de

modelar e

de

aprender atravs da

modelagem de

comportamento. Uma delas a to conhecida introjeo, onde o que aprende


engole sem crtica certas atitudes e tipos de comportamento atravs da confluncia
com os pais, irmos e amigo. Proflexo por outro lado, a disfuno pelo lado do
modelador.
Em toda disfuno psicolgica existe alguma forma de cegueira que resulta em um
contato empobrecido entre a pessoa e seu ambiente e/ou com pessoas importantes
em sua vida, ou entre ela e outras partes de sua personalidade. Esta cegueira
envolve uma falta de awareness de si e uma awareness distorcida dos outros. Por
exemplo, uma mulher que proflexa, cr erroneamente que outra pessoa que tem a
chave da sua felicidade. Isto mostra que ela est sem contato com as fontes de
auto-suporte que tem em si e com as opes ambientais que lhe so disponveis.
Ela tenta manipular o outro para que este lhe d o que ela quer, usualmente algum
3 H um problema em cham-los de distrbios de fronteira j que isto parece ter
conotaes pejorativas. No entanto, se a norma no polo de contato (em oposio a
retraimento) da auto-regulao organsmica awareness ininterrupta de pessoas ou objetos
significantes no campo ambiental, ento qualquer awareness ilusria ou diminuta um tipo
de distrbio. Um fato a ser notado que algumas dessas iluses no so contrrias a
comportamento saudvel, mas sim so usualmente necessrias a ele. Por exemplo, a
capacidade de projetar necessria empatia e para predies prticas do comportamento
alheio. A capacidade de confluncia necessria para que haja sentimentos sociais e
familiares. Deflexes permitem que nos afastemos temporariamente de assuntos difceis
demais de lidar no momento. E assim por diante. Estas capacidades normais tornam-se
disfunes quando levam a habitos ou padres de contato empobrecidos com pessoas e
objetos do campo.

tipo de disposio de nimo ou sentimento, por exemplo, ela pode querer sentir-se
aceita amada, elogiada, culpada, til, apreciada, etc.
Proflexores usam o que sabem sobre comportamentos instigadores para conseguir
seus objetivos. Tal pessoa pode, por exemplo, dizer a algum: eu te amo ou o que
eu gosto na nossa relao ...no tanto porque o que ela diz verdade (apesar de
poder muito bem ser) e no tanto porque ela quer tornar seu contato com o outro
mais pessoal (o que ela provavelmente quer), mas porque quer elicitar declaraes
tipo eu tambm te amo ou voc tambm est linda ou bem, o que eu gosto sobre
isto ....
As manifestaes da proflexo vo bastante alm da esperana de um simples
espelhar de comportamento. A proflexo toma fundamentalmente duas formas: ativa
e passiva. Nos dois casos o proflexor entra voluntariamente numa atitude servil em
relao a quem ele ou ela est tentando manipular.
Proflexores ativos fazem uma investigao apurada dos gostos e necessidades do
ser amado, e ento lhes provm. Esperam que, em troca, o outro faa uma
investigao anloga de seus gostos e necessidades e ajam analogamente,
provendo-lhes satisfao. bastante provvel que existam grandes diferenas entre
eles nestes aspectos, mas o que o proflexor procura manifestaes de cuidado e
ateno similares s que ele ou ela manifesta.
Proflexo passiva, que provavelmente mais tpica em mulheres que em homens 4,
envolve um tipo de submisso do proflexor ao outro significante. Uma esposa
submissa, por exemplo, pode manter uma posio bastante constante de lealdade
sofrida, aceitando qualquer tipo de comportamento grosseiro e abusivo por parte de
seu marido. Ela pode tentar corresponder s suas (em geral estereotipadas)
expectativas, esperando que, a longo prazo, seu amor e ateno sejam apreciados.
O que torna sua proflexo passiva, que ela tenta obter o que quer, no atravs de
alguma

forma

de

solicitao

ou

afirmao,

mas

servindo

seu

marido,

frequentemente apostando na possibilidade de que, finalmente, ele se sinta grato,


devedor ou culpado -- a ela obter o que quer.
4 A maioria dos proflexores que conheci tem sido mulheres. Se isto geralmente
o caso, explicaria porque os tericos gestaltistas, que em sua maioria tm sido
homens, no reconheceram e no escreveram sobre a proflexo.

Estas duas formas de proflexo envolvem expectativas no declaradas. O proflexor


ativo tem expectativas sobre o outro e trabalha duro para manipular o outro a
realiz-las. O proflexor passivo tambm tem expectativas, mas ao invs de
manipular o outro, ela ou ele se submete as expectativas do outro. A pressuposio
inconsciente neste caso , se eu fizer isto para voc, voc acabar tendo que fazer
isto para mim.
Ocasionalmente proflexores tm sorte e o outro responde como desejam. Neste
caso a relao tende a ser estril e estereotipada. No to dolorosa quanto
morta, inerte. No entanto, proflexo se torna um problema doloroso quando o outro
no coopera: se, em outras palavras, ou o outro falha totalmente em responder, ou a
resposta no condiz com as expectativa do proflexor, sendo ou menor do que a que
foi esperada/desejada, ou simplesmente diferente. Isto gera ressentimento, s vezes
somente no proflexor s vezes em ambos. O outro pode sentir-se manipulado ou
pode ressentir o fato de que nunca parece satisfazer as demandas e expectativas da
pessoa que proflexa. Outra possibilidade, que o outro a quem o proflexor passivo
se submeteu, possa sentir desprezo por ele ou ela. As pessoas que de fato
respondem com ateno e carinho ao proflexor, mas o fazem de sua prpria
maneira, reclamam que este no parece ver o que fazem como atos de ateno e
amor. O ressentimento que estas pessoas sentem e que s vezes margeia o
desespero, advm do fato de que pessoas que proflexam no parecem estar
dispostas a aceitar os outros como so. Isto devido cegueira que, como j
apontei, caracteriza a proflexo: o outro basicamente um tipo de tela para as
projees e/ou os desejos e esperanas do proflexor. Proflexores, tanto ativos como
passivos, por terem uma auto-awareness bastante falha, no veem seus
comportamento em relao aos outros como manipulatrios; portanto, podem vir a
experienciar um amargo ressentimento em relao ao outro. Quando isto acontece,
a experincia de ressentimento vem, em geral, acompanhada de pensamentos
como depois de tudo que eu fiz para ela!: ou cachorro ingrato!
O que faz a proflexo difcil de lidar para aqueles que so suas vtimas, que as
pessoas que proflexam o fazem em nome da afeio, do dever, do amor, etc. Eles
realmente acreditam que seus motivos so puros e acima de qualquer suspeita. Se
a outra pessoa conseguir escapar ao sentimento de culpa por ter falhado em
responder apropriadamente ao comportamento do proflexor, qualquer tentativa sua

de o confrontar, ter que enfrentar a dificuldade de no sentir-se ingrato e rude face


(provvel) alegao do proflexor de assim agir por amor e dedicao. Estas
pessoas entendero logo o que C.S. Lewis quis dizer quando afirmou: h pessoas
sobre as quais pode-se dizer que vivem para os outros* Voc pode distinguir os
outros pelas suas expresses perseguidas! (1).
Frequentemente, no entanto, o outro do proflexor absorve as atenes e
submisses do proflexor e finalmente se torna, na viso deste ltimo, um explorador.
O outro geralmente negar que tenha algum dia pedido ao proflexor que fizesse o
que fez -- o que for que o proflexor tenha feito, foi por sua prpria iniciativa: isto
problema seu!.
E assim estes dois se trancam numa relao de servo-escravo, com o proflexor
tentando se manter na relao tempo bastante para faz-la valer a pena, e o outro
recebendo todos os benefcios e se recusando a ser manipulado a fazer coisas que
ele ou ela, por uma razo ou outra no querem fazer.

CONSIDERAES TERICAS
Nesta parte quero explorar com detalhe a relao entre a proflexo e as outras
formas de resistncia a contato ou distrbios de fronteira confluncia, projeo,
retroflexo e deflexo. Proporei a seguir uma perspectiva unificadora dos seis.
Proflexo tem algumas semelhanas com confluncia. De certa forma a proflexo
visa um tipo de confluncia em que cada um se engaja em cuidar do outro sem que
isto tenha que ser pedido. No entanto, dado s reais diferenas entre pessoas, esta
forma de mutualidade no explicitada , na maioria dos casos, uma esperana
utpica, j que raramente acontece. E nos raros casos em que acontece, s
acontece aps um longo perodo de convvio e comunicaes explicitadas. A
proflexo tem uma outra semelhana com a confluncia nos casos em que o
proflexor se dispe a aceitar apenas alguns tipos de ateno do outro, a saber
somente o tipo de espelhamento do que ele mesmo faz. Aqui, a atitude se ela (ou
ele) me amasse, faria isto desta forma; esta a forma que eu faria. Esta forma de
proflexo ilustra a cegueira do proflexor em relao maneira individual do outro
fazer as coisas, e sua indisponibilidade de aceitar o outro tal qual ele ou ela . No

entanto, as expectativas do proflexor podem advir justamente das diferenas entre


ele e o outro. Um homem pode presentear uma mulher no porque ele deseja que
ela faa o mesmo, mas porque ele quer que ela o convide para jantar, transar, etc.
Existem tambm importantes contrastes entre confluncia e proflexo. Enquanto na
confluncia existe uma perda de awareness das diferenas entre pessoas, na
proflexo existe uma awareness ansiosa e/ou dolorosa da resistncia do outro
semelhana. O proflexor deseja e espera um grau de identidade que no pode obter.
A confluncia caracterizada por uma (falsa) awareness de igualdade, enquanto
que a proflexo caracterizada por uma infeliz awareness da diferena. Alm disso,
a pessoa confluente provavelmente no est descontente, apesar de que,
frequentemente, a pessoa com quem ela conflui se sente insatisfeita com a relao.
J o proflexor est insatisfeito com a relao, seu outro significante pode ou no
estar insatisfeito, dependendo se o proflexor ativo ou passivo. Se o proflexor
ativo, a outra pessoa pode se ressentir de estar sento manipulada. Se passivo, o
outro pode simplesmente deleitar-se com toda a ateno que recebe.
Tanto na confluncia como na proflexo, se o outro realmente se importa com a
pessoa que est resistindo ao bom contato, este outro pode sentir dor ou/e
ressentimento frente ao fato de que o proflexor no o aceita em seus prprios
termos. Tanto a confluncia como a proflexo esto baseadas numa falcia comum:
a base da minha felicidade est na outra pessoa. Tanto a pessoa confluente,
atravs da identificao com o outro e o proflexor atravs das tentativas de
elicitar certos tipos de comportamento do outro procuram suporte no outro.
Nenhum parece compreender que boas relaes envolvem pessoas que conhecem,
respeitam e dependem em boa parte de si mesmas, e que entram em relao com
outros porque querem, e no porque se sentem compelidos ou presos nelas. A
pessoa saudvel, ao contrrio da pessoa confluente ou proflexora, assume
responsabilidade por sua prpria felicidade.
Muitos projetores tem esta mesma crena falaciosa sobre o papel e o poder de outra
pessoa em relao a seu prprio bem estar. O projetor paranoico acredita que o
outro uma fonte de perigo,

que o outro, de algum modo, tem a chave da

destruio e da degradao da sua pessoa, e por isso visto como uma forte
ameaa. Nas suas formas menos extremas, a projeo envolve a crena de que

algum (o outro) tem caractersticas que, se negativas, o projetor necessita


combater no outro, ao invs de em si, , ou, se positivas, o projeto se v
desesperanosamente desprovido delas. Neste caso o projetor pode acreditar que
s poder ter acesso a estas caractersticas e/ou poderes positivos, se puder
manipular o outro para que os use a seu servio. Assim, uma mulher pode, por
exemplo, tramar para conseguir que a outra pessoa enfrente uma situao por ela.
Na medida em que o projeto trama para conseguir que o outro se comportar de uma
determinada forma (ao invs de pedir para que ele ou ela assim o faa), o projetor
tambm se torna um proflexor. Na medida em que tanto o proflexor como a pessoa
confluente acredita que o outro tem o poder de faz-lo feliz, so, sob este aspecto,
projetores.
Em outras palavras, estas pessoas alienam de si um poder bsico que de fato cada
um tem, mas no est aware de ter. Isto leva a uma evitao da responsabilidade
por suas prprias vidas.
Proflexo de certa forma o reverso da retroflexo na medida em que o proflexor
faz algo a outro, ao invs de, como na retroflexo, fazer algo a ou para si mesmo,
apesar de que ambos esto fazendo algo para si mesmos ao se cegarem e se
aleijarem como organismo. Alm disto, esta ao do proflexor serve como substituto
para o fazer algo a ou para si prprio, que na realidade ele pode fazer por si, e que ,
do ponto de vista de seu prprio bem-estar ele necessita fazer. Isto o reverso do
comportamento do retroflexor, que, em vez de pedir ao outro que faa algo a ou para
si, o faz a ou para si mesmo. Nem o proflexor nem o retroflexor permitem o acesso
do outro ao que ele ou ela realmente se prope ao fazer o que faz, ou a pedir
abertamente o que quer. Na verdade, nenhum dos dois est inteiramente aware do
que quer ou do que est fazendo para obter o que quer. O retroflexor faz a si mesmo
porque lhe desesperante fazer com que o outro faa por ele; se ele est aware do
que quer, pode no saber como conseguir que o outro aja de forma satisfatria, ou
pode temer pedir. J o proflexor no capitula no tentar fazer com que o outro faa
algo a ou para ele, e quando se depara com a resistncia, sua resposta redobrar
suas manipulaes. Porm, como o retroflexor, tem medo de especificar a si mesmo
o que quer, ou de ser direto com o outro tanto sobre o que quer do outro como
quanto a poder pedir o que quer .

Dinamicamente a proflexo diferente da introjeo apesar de ser possvel que


certas noes introjetadas sobre felicidade e relaes pessoais ideais tenham um
papel causal no processo de uma pessoa tornar-se um proflexor. Na nossa cultura, a
viso tradicional do papel submisso da mulher contribui para a crena de vrias
mulheres de que seu bem-estar est ligado s atitudes e comportamentos de seus
maridos; ideias religiosas sobre o egosmo (perverso) de sentir qualquer desejo, e
mais ainda, de pedir o que se quer, contribuem para a formao

de padres

proflexivos de comportamento. Noes sentimentais sobre a felicidade do


casamento estabelecem expectativas de que o outro simplesmente saber de
alguma forma como fazer seu parceiro feliz, e quando isto no acontece
automaticamente, a pessoa desapontada pode recorrer manipulao para fazer
com que isto acontea.
Deflexo5 uma forma de evitar um verdadeiro encontro pessoal com a outra
pessoa. O oposto da deflexo uma ligao pessoal genuna entre pessoas, onde
se lida com o assunto em questo atravs da expresso direta dos sentimentos e
desejos pessoais.
A vontade de ser e agir me compromete pessoalmente auto-revelao para com
os outros que encontro em minha vida. Como a maioria dos proflexores evitam
revelaes diretas ao outro do que querem, e ao invs de pedir, recorrem
manipulao, pode-se dizer que a deflexo caracteriza frequentemente seus
comportamentos. No entanto, quando proflexores abandonam os meios indiretos
que usam para conseguir o que querem, podem recorrer a acusaes
confrontativas.
A proflexo no confrontativa e a deflexo comum desviam-se das ligaes ntimas
onde a auto-revelao possa ocorrer ou qualquer calor possa a ser gerado. Porm
5 Em minha opinio, a deflexo no recebeu suficiente ateno dos terapeutas e tericos
gestlticos. Isto se d talvez, porque no faz parte do corpo terico original apresentado
em Gestalt Therapy (2) foi uma contribuio posterior feita por Erving e Miriam Polster
(3) teoria bsica. um comportamento disfuncional bastante difundido que eu, como
intelectual e esposa de intelectual tenho me engajado, testemunhado, e sido vitimizada
por vrias vezes. Acredito ser esta uma disfuno alejadora que impossibilita relaes
satisfatrias, e no s, entre acadmicos, como tambm entre todas as pessoas pegas
pelas exigncias da nossa cultura tecnologicamente sofisticada e massiva. O abstrato e o
impessoal tornam-se segundo natureza para todos ns, e diariamente recebem seus
honorrios.

10

as duas diferem na medida em que a deflexo usualmente envolve mudana de


assunto ou retraimento para um nvel mais abstrato e menos afetivo, enquanto que a
proflexo no confrontativa leva a estados de retraimento silente, mau humor, amuo,
etc, como substituto para encontros onde a pessoa realmente se revela. Mas existe
uma forma de deflexo que altamente afetiva e quase pessoal: quando o deflexor
criticado por algum motivo pelo seu outro significante, vira a mesa e critica por sua
vez o outro. Aqui, o deflexor (como o projetor) critica o outro por uma falha idntica
ou por alguma outra razo real ou alegrica. Isto permite ao deflexor retirar o foco
das reas em que sente vulnervel, transpondo-o para outras reas onde cr poder
escapar de sentir-se culpado, ferido, etc. Como vimos h uma forma de
confrontao similar na proflexo. Quando o proflexor chega ao ponto onde no d
mais para aguentar a dor e a frustrao no lidar com o outro, pode lanar mo de
confrontos acusatrios: o outro acusado de ser responsvel pela infelicidade do
proflexor. Este tipo de proflexo obviamente bastante parecida com o mudar de
assunto deflexivo. Tanto o deflexor quanto o proflexor do evidncias nestes casos
de desprazer pessoal, e at raiva: mas raramente permitem que sua dor e/ou
frustrao apaream. Portanto seus comportamentos nestes casos so apenas
quase pessoais. O que dizem ao outro dissimulado em mensagens sobre o outro
(voc deveria..., voc no..., voc est errado...). Desta forma ambos se
escondem atrs de um escudo de acusaes contra o outro, evitando revelar-se de
forma realmente pessoal e vulnervel. E, em vez de permitir que o outro realmente
se revele frente ao assunto em questo, o proflexor e o deflexor insistem para que o
outro tome uma posio defensiva, respondendo s suas acusaes, ao invs de
expressar seus sentimentos, desejos e intenes. Contraste esta forma de ser com
o modus operandi da pessoa saudvel, que, quando ferida por algum ou quando
algo que algum faz lhe desagrada, d a esta pessoa um relato de seus sentimentos
e processos internos. Estes so dados diretamente como mensagens sobre si (eu
no gosto disso..., quando voc faz isso eu me sinto..., o que eu quero que voc
faa ...). Esta forma de comunicao tanto auto-reveladora quanto convida
auto-revelao. Mesmo na dor ou na raiva, esta forma de comunicao abre as
pessoas envolvidas para um encontro EU-TU, em contraste com acusaes que
visam a coisificar o outro, e comumente resultam em coisificao recproca.
Tendem portanto a uma forma despersonalizada, Eu-Isso, de relacionamento (4).

11

O seguinte trecho de Perls em A Abordagem Gestltica pode servir para focalizar o


que venho dizendo. Ele descreve aqui os quatro tipos originais de distrbios de
contato em termos de pronomes que tipicamente empregam:
Como a introjeo se apresenta pelo uso de pronome eu quando o
significado real eles; como a projeo se apresenta pelo uso dos
pronomes isto, ele, ela ou eles, quando o verdadeiro significado
eu; como a confluncia se apresenta pelo uso de pronome ns
quando o significado verdadeiro est em questo; assim, a retroflexo
se apresenta pelo uso do reflexivo eu mesmo. (pg. 54 da verso
brasileira).
A isto adicionaramos que a deflexo se apresenta pelo uso de isto, vocs, uma
pessoa de qualquer modo, no eu e no ns quando o verdadeiro
siginificado eu ou ns. Como na projeo (apesar disto no ter sido
mencionado por Perls no trecho acima citado), a proflexo se apresenta no uso de
voc apesar de nunca eles - quando o que a pessoa quer dizer eu.
II
Como indicaes prticas de disfunes de contato ou disfunes de fronteira, estas
categorias so obviamente bastante teis para o/a terapeuta que tenta ajudar o
cliente a lidar com a dor e a ansiedade. Mas do ponto de vista de teoria cientfica
so muito fragmentadas, falta-lhes um princpio unificador. Para encontrar este
princpio, temos que tentar compreender o que determina os vrios estados de
fronteira de contato, e particularmente o que as vrias disfunes de contato tm em
comum.
A psicoterapia tem como interesse algumas caractersticas das interaes e
ajustamentos do organismo humano aos outros (no sentido mais amplo). O uso do
termo fronteira advm da fundamental distino lgica e antolgica entre algo e
outro (6). Algo pode interagir, somente se existe um outro com que(m) pode fazlo. A diferena (alteridade) entre eles baseada em distines discernveis; isto
pode ser postulado em termos de definio de finitude: cada um finito (tem limites)
sobre e em oposio ao outro, e portanto nenhum o outro. Neste sentido, cada um
limitado ou tem uma fronteira que o distingue do outro. Quando duas ou mais
coisas interagem, as fronteiras so onde a ao se d. A interao requer

12

necessariamente suas alteridades, j que coisas idnticas simplesmente ficam onde


esto.
Esta distino se mantm entre quaisquer coisas que so discernivelmente distintas
uma da outra. Porm, dado que nosso interesse aqui o organismo humano,
queremos entender como seres humanos individuais interagem com objetos e
pessoa em seus ambientes e com seus prprios aspectos discernveis. Portanto
necessitamos comear olhando para os processos de awareness do indivduo e
para os vrios atos internos atravs dos quais ele ou ela se dirige aos outros. Gestalt
terapeutas colocam este dirigir-se como awareness em termos de contato: olhamos
como um dado ser humano faz ou se recusa a fazer contato, ou, como distorce seu
contato com outros.
Alm disto, como seres humanos so pessoas, a fronteira com a qual estamos
lidando a fronteira do eu. Kant, e aps ele os fenomenlogos, mostram que h trs
traos caractersticos do Eu (7). Primeiramente o fato da awareness: eu estou
aware. Segundo, eu que estou aware, nunca apareo como objeto na minha prpria
awareness, mas tenho um senso subjetivo de mim: minhas percepes so todas
acompanhadas pela sensao de que so minhas6. Terceiro, eu organizo
espontaneamente minha experincia de tais formas que a faam fazer sentido. A
terapia gestltica emprega a primeira destas noes ao focalizar na pessoa como
aware, com vrios graus de vivacidade e preciso, e como adaptando-se ao mundo
de sua experincia de formas tais que possa satisfazer seus desejos e necessidades
com excelncia. Emprega a segunda destas noes na medida em que evita definir
o self de maneira tradicional, optando, ao invs, por lidar com o self funcionalmente
e fenomenologicamente (9). Em relao ao terceiro trao caracterstico do eu isto
, que organiza espontaneamente sua experincia, a terapia gestltica v a
percepo humana como experinciando figuras (todos) em seus respectivos
campos (os dois juntos formam um todo maior). Em minha opinio, no foi dada
suficiente ateno ao fato de que seres humanos organizam as unidades de suas
6 Husserl e Sartre (8) deram muita nfase ao fato que nunca sou um objeto de
awareness. A ontologia Sartreana baseada nisto, e sua psicologia brota diretamente da
viso contgua de que a natureza do eu a de agir espontaneamente e portanto, a de
no ter uma natureza. Segue-se a isto que somente a falta de coragem que impede
qualquer pessoa de mudar, mesmo que isto no seja nada mais do que recusar (dizendo
no) de continuar a se comportar da mesma forma.

13

experincias num todo cada vez maior com o passar do tempo. Desta forma
fazemos com que o mundo que cada um de ns experincia, seja mais previsvel,
controlvel e significativo.
Sobre a fronteira do eu, Miriam e Erving Polster dizem: A fronteira do eu de uma
pessoa a fronteira daquilo que para ela contato permissvel. Ela composta de
toda uma gama de fronteiras de contato e define aquelas aes, ideias, pessoas,
valores, ambientes, imagens, memrias, etc., aos quais ela est propensa e
comparativamente leve para se ligar plenamente, tanto com o mundo fora de si
mesma, quanto com as reverberaes dentro de sim mesma que a ligao possa
despertar. Ela inclui tambm o senso de quais so os riscos que a pessoa est
inclinada a assumir (10), (pg 108 da verso brasileira).
A fronteira do eu pode ser construda em termos do corpo, valores, familiaridade,
expresso e exposio do individuo (11). Estas so maneiras de observar o fato de
que indivduos diferem em sua disposio e/ou habilidades presentes para viver
certas experincias, para estar aware e/ou se envolver com outros. Em algumas
pessoas isto pode implicar em falta de contato com partes de seus corpos e mesmo
certo tipos de percepes, por exemplo, alguns no querem ver ou ouvir certas
coisas, enquanto que outras veem e ouvem coisas que no esto enraizadas em
fatos objetivos. Indivduos tambm diferem em suas disposies e/ou habilidades de
se comportar de modos contrrios a seus valores ou mesmo a reconhecer, nos
outros tais comportamento. Algumas pessoas se recusam a experienciar
comportamentos ou vivncias que no lhes so familiares, enquanto outros
saboreiam aventuras com deleite. Tambm h variaes quanto medida em que
pessoas ousam se expressar ou se expor arriscadamente. Em indivduos saudveis
existe provavelmente uma tendncia conservativa que impede com que os
indivduos tomem riscos de graus variados de perigo. Disfunes de contato so
resultado desta tendncia. Terapeutas lidam com pessoas cuja recusa ou distores
de contato interferem com suas capacidades de satisfazer seus desejos e
necessidade normais.
O que uma pessoa far ou no, ou pensa ser possvel ou impossvel, funo de
como ela organiza e interpreta sua experincia; em outras palavras, funo do seu
modelo de mundo, tanto do seu mundo interno como do mundo externo (12). Como

14

somos por natureza indivduos histricos (fazedores de estrias), nossa experincia


passada no uma coleo aleatria, mas um sistema de experincias, variando de
pessoa para pessoa, tanto em contedo como quanto largura ou estreiteza de sua
extenso, e quanto rigidez ou soltura de sua organizao. Quando seres humanos
diminuem ou bloqueiam sua awareness e habitualmente se retraem de contato
vivificado consigo e com objetos e outras pessoas em seu campo ambiental, assim o
fazem, inicialmente, por uma boa razo. Frente s circunstncias txicas ou
inspitas em que se encontram, a evitao de contato o que de melhor podem
fazer por si mesmos ao tentar responder s suas necessidade e manter algum tipo
de equilbrio pessoal.
Isto me leva a propor que examinemos o impacto da experincia ameaadora sobre
a viso do mundo da pessoa, afim de podermos comear a ver a unidade dos seis
distrbios de contato com os quais temos lidado.
O psiclogo Kurt Goldenstein, (que inicialmente teve grande influncia no
pensamento de Laura e Fritz Perls), desenvolveu alguns insights sobre a natureza e
o comportamento humano ao observar como soldados com leses cerebrais se
ajustaram suas deficincias fisiolgicas, que considero teis para nosso propsito
(13). De acordo com Goldenstein, toda pessoa tem a importante tarefa de chegar a
termos com seu mundo, e de faz-lo de tal forma que suas possibilidades mais
favorecidas passam a ser nele atualizadas. Uma pessoa normal flexvel em sua
capacidade de ajustar a si mesma ou seu meio, a fim de responder aos seus
desejos e necessidades. Diz Goldenstein:
O comportamento total pode ser dividido em suas classes bsicas,
objetivamente distinguveis: a uma dessas classes pertencem as
atuaes eficazes, outra, as atuaes deficientes. Ao primeiro tipo de
comportamento chamaremos de

ordenado, e ao segundo de

desordenado ou catastrfico (14).


Estudiosos da literatura terica da Gestalt-terapia reconhecero como autoregulao organmica, o que Goldenstein chama de comportamento ordenado.
Sobre comportamento ordenado ele diz:

15

Em uma situao ordenada, as respostas parecem ser constantes,


corretas e adequadas ao organismo a que pertencem em termos de
sua espcie, sua individualidade e das respectivas circunstncias. O
indivduo as experincia com uma sensao de funcionamento
tranquilo, fludo, de bem-estar, ajustamento ao mundo e satisfao, isto
, o curso de comportamento tem uma ordem definida, um padro total
em que todos os fatores organsmicos, desde o mental e o somtico,
aos processos fisio-qumicos, participam de forma apropriada da
atividade em questo. E isto de fato o critrio de normalidade das
condies do organismo (15).
Este tipo de comportamento contrasta com:
Por outro lado, as reaes catastrficas so no somente
inadequadas, mas tambm desordenadas, inconstantes, inconsistentes
e embebidas em um estado de choque fsico e mental. Nestas
situaes, o indivduo se sente preso, abalado e vacilante. Experincia
um choque afetando no s sua pessoa, mas tambm o mundo que o
circunda. Est na condio que usualmente chamamos de ansiedade
(16).
Goldenstein achou que a pessoa com leso cerebral perdeu a maior parte de sua
capacidade de ajustamento flexvel. Esta pessoa estreita radicalmente seu mundo
para que este possa vir a ter propores com as quais possa lidar. Seu maior medo
o caos, que sentido como ameaa catastrfica sua existncia. Assim, reduz
seu mundo, mas o faz espontaneamente e no deliberadamente, j que no tem
conscincia de sua desvantagem. Isto levou Goldenstein a afirma que uma lei
particularmente importante do comportamento que tem validade generalizada, a de
que organismos deficientes atingem comportamentos ordenados, somente com a
reduo de seu ambiente proporcionalmente ao seu defeito (17).
Podemos ver analogias entre os ajustamentos espontneos feitos por organismo
humanos com leses cerebrais, e os ajustamentos feitos por psicticos e vrios tipos
de pessoas neurticas. Referindo-se s suposies de Goldenstein sobre a
sabedoria do organismo humano em adaptar seu comportamento da melhor forma
que lhe possvel ao meio ambiente, Miria Polster me escreveu em uma carta: em
minhas palestras, tenho frequentemente feito uma ligao entre as pessoas com
leses cerebrais, que se comportam de certo modo em decorrncia de injrias

16

fsicas, e pessoas fisicamente intactas que respondem de modo similar em


decorrncia de injrias psicolgicas. Todos os tres tipos de pessoas disfuncionais
parecem reduzir o mundo pblico e compartilhado em que se encontram: cada uma
se retrai de certa forma para um mundo privado. Todos os tres o fazem para evitar o
que lhes seriam formas no manejveis de caos: um estado de coisas que possa
lev-los a graus intolerveis de ansiedade e mesmo (a partir de seus ngulos de
viso) catstrofe.
O psictico em decorrncia da violncia fsica ou psicolgica, de constantes
mensagens duplas nas situaes familiares ou qualquer razo abriu no, na
realidade, do mundo pblico e compartilhado (18). Ele se retirou para um mundo
mais

previsvel

controlado

onde

se

sente

relativamente

seguro

comparativamente em paz. Somente (talvez) para ele, este mundo, para o qual se
retirou, faa sentido; e se fala de forma confusa, seu mundo tem uma linguagem que
(talvez) somente para ele tenha sentido. Ele ficar neste mundo privado at que sua
f no mundo compartilhado ou mais exatamente, que sua f em compartilhar um
mundo possa ser de algum modo restaurada. Como estabelecer com o psictico
contatos restabelecedores de f o objetivo principal dos terapeutas que lidam com
tais pessoas. Como estabelecer contatos geradores de crescimento com pessoas
neurticas um dos objetivos bsicos da maioria dos gestalt-terapeutas 7.
Encontramos uma ou mais das variedades de distrbios de contato-fronteira que
discutimos previamente em indivduos neurticos. Cada uma destas disfunes
envolve falta de awareness, e cada uma permite que o neurtico fique menos
abalado e/ou menos ameaado pelas pessoas ao seu redor e pelos eventos tanto
internos como os externos a si. A maneira pela qual neurticos evitam um contato
vvido com seu meio e os objetos e as pessoas que nele se encontram (incluindo
seus prprios aspectos) so, de fato, maneiras pelas quais reduzem seus universos
pessoais a um tamanho e a um carter com que cada um est disposto a lidar.
7 Gestalt -terapeutas so fiis na maioria das vezes Teoria Paradoxal da Mudana (19),
que afirma que o primeiro passo para as transformaes humanas a aceitao do que
(20). Enquanto esta teoria bem testada no trabalho com pessoas neurticas, a
abordagem teraputica por ela indicada bem menos usada no trabalho com indivduos
psicticos. Existem, no entanto, algumas evidncias fascinantes de que quando alguns
indivduos psicticos foram acompanhados onde estavam (o que indica aceitao),
fizeram mudanas surpreendentes. (21)

17

As pessoas que projetam excluem de sua awareness certas caractersticas e


impulsos prprios que, caso se permitissem contatar, os levariam a sentimentos de
culpa ou aes sentidas como foradas. Ao projetar, colocam tais caractersticas e
impulsos fora de si, em outra pessoa, onde possam combat-los de formas menos
ameaadoras e ansiosas. Se algum desse modo (e eu no) ento eu posso at
me sentir virtuoso ao pensar nesta pessoa e ao tomar medidas para enfrentar o que
ele ou ela (de acordo com minha imaginao) possa fazer. Tenho muito mais
controle assim do que me visse desta maneira. Ao reduzir assim seu mundo
interno, o projetor escolhe estar acima de outra pessoa, em vez de sofrer estar
abaixo em alguma dimenso de sua personalidade, em relao a algum outro, ou
em relao a seus valores pessoais e/ou culturais. No ousa dar-se conta de como
realmente , j que esta awareness, ao surgir, traria sensaes de culpa e
impotncia. Mas esta opo projetiva enviesa o mundo externo e diminui o interno.
Retrofletores, ao fazerem por e para si mesmo o que gostariam de fazer aos outros,
ou que fosse feito a eles por outros, evitam, pelo menos, dois tipos de ansiedade:
por um lado, ao no pedir ao outro o que querem, evitam a recusa, e de forma mais
extrema,

catstrofe

de

serem

inteiramente

rejeitados

se

fizerem

exigncias/pedidos ao outro. Por outro lado, ao no pedir ao outro o que querem,


retrofletores evitam o vexame social que, acreditam, certamente adviria das aes
sexuais, violentas (fsicas ou verbais) ou simplesmente embaraosas que fantasiam.
Portanto, de certa forma os retrofletores apagam o outro, e reduzem sua esfera de
ao a si prprios. Distorcem tanto sua prpria auto-awareness com a awareness do
outro: do outro no sentido em que os retrofletores provavelmente no se deixam darse conta inteiramente do que querem do outro; de si mesmos no sentido de que o
que fazem por ou a si mesmo no satisfatrio e no entanto continuam tentando
satisfazer a si mesmos. Neste ltimo caso o significado fundamental do que fazem
exatamente relacional; isto , seria satisfatrio realmente somente se feito a ou pelo
outro. Assim, por exemplo, um homem que retroflete sua raiva, repete
indefinidamente sua expresso codificada de si mesmo; em vez de express-la
apropriadamente em relao ao outro; e repete indefinidamente, no podendo dar a
ela um fim, justamente porque sua expresso em cdigo ao invs de ser em uma
realidade apropriada. Desta e de outras formas anlogas, retrofletores permanecem
cegamente aderidos tanto ao outro como dentro de si mesmos. As excluses do

18

mundo interno do retrofletor e de sua viso de mundo externo so bvias, como o


enviesamento que precipitam.
Proflexores so como os retrofletores em sua no disposio de arriscar recusa ou
rejeio ao pedir o que querem ou expressar como se sentem. Em vez disso,
recorrem, como vimos, manipulao. Pedir o que querem e/ou afirmar o que
gostam ou no, pode e realmente pode levar a uma cena e uma cena pode
resultar em sentirem-se impotentemente atados ao status quo, ou resultar num fim
da relao que tanto valorizam. Como vimos, o proflexor acredita, sem questionar,
que o outro significante tem a chave de sua felicidade. Ora, na medida em que uma
pessoa acredita que sua felicidade funo do que outra pessoa faz ou pensa, pode
evitar o esforo e o possvel sofrimento que vem do assumir responsabilidade por
sua prpria felicidade. Se, e quando, o proflexor v que ningum tem o poder, no
mencionando sequer o desejo, de faz-la feliz, depara-se com a seguinte questo:
o que posso fazer sobre isto agora?. E a resposta a esta questo desconfortvel:
no muito, somente um passo. Se posso culpar algum de minha infelicidade,
posso lidar com ela globalmente: tudo por sua culpa. E portanto posso escapar
do descontentamento comigo mesmo que, sem um bode expiatrio, se torna
virtualmente inescapvel- e fadado a surgir se assumo responsabilidade pessoal por
minha infelicidade. Em outras palavras, para estas pessoas melhor (mais
confortvel) permanecer focado no outro, com um tipo de tnel de viso, do que se
permitir ver-se como possuidores de poder de escolha, e com isso, da capacidade
de tornarem-se felizes. Aqui a reduo basicamente do mundo interno da pessoa.
Introjetores colocam sua f em mensagens (alegadamente) testadas e
verdadeiras de pais, colegas, sociedade. Creem (com uma awareness muito
reduzida) que se seguirem as regras do jogo (contidas nestas mensagens) sero
felizes, ou que pelo menos no sero infelizes. O problema que os introjetores tem
de deixar de lado as regras e padres estereotipados de comportamentos que se
assim o fizerem o mundo lhes aparecer de forma muito mais complexa, em seus
inmeros detalhes, e pior, lhes ser muito fcil cometer enganos. Obviamente,
introjetores tem uma awareness muito obscurecida disto. A introjeo permite uma
evitao de riscos muito maior de que um comportamento com awareness clara e
vivaz que tambm implica em maior possibilidade de fracasso e sentimento de
culpa. Os introjetores optam por um mundo mais simples, e o conseguem atravs do

19

bloqueio de awareness e da habitual categorizao do mundo real que de fato,


altamente complexo e desarrumado. Aqui a reduo basicamente do mundo
externo, mas se um introjetor comea a abandonar introjetos, descobrir
simultaneamente em si, o poder de criar regras e o de improvisar sem elas. Este
poder, muito mais do que estragado ou bloqueado, no foi ainda realmente
descoberto.
A pessoa confluente espalha o risco. Se eu me identifico com outra pessoa, eu no
s distribuo parte da responsabilidade de escolher o que fazer e como ser, como
tambm descarrego parte da responsabilidade pelos eventuais fracassos. A
confluncia tem tambm um outro benefcio: se eu insisto nesta identificaes com
o outro e exijo que ele ou ela tambm se identifique comigo, eu no s simplifico o
meu mundo (como faz o introjetor), mas melhor que tudo, eu tambm reduzo a
quantidade de ligaes genuinamente pessoais com as quais tenho que lidar. Tanto
a confluncia como a introjeo ajudam a pessoa neurtica a reduzir as dimenses
inesperadas e errticas da vida e a arrumar o mundo de forma a torn-lo mais
previsvel e manejvel. Isto contrasta com a atitude de pessoas inteiras e saudveis:
como uma destas pessoas, quando me envolvo com um outro Tu, me comprometo
a um tipo de dana da vida, na qual da vida, na qual cada pessoa alternadamente
segue e dirige, e algumas vezes, atravs de awareness mutuamente vvidas,
compreensivas e solidrias, ningum dirige simplesmente danamos. Dirigir o
outro ou ser dirigido produz ansiedade: quando dirijo carrego a responsabilidade;
quando sigo o outro no sei onde estou indo. E se ningum dirige no posso estar
certa do que acontecer a seguir. Quando h conduo espontnea, recproca e
alternada, no posso prever quando exatamente perderei ou assumirei controle. Isto
se d por um acordo no verbalizado, uma troca rtmica. A pessoa confluente quer
controlar, ou ser controlada, dependendo de seu estilo relacional. Pessoas
confluentes no querem danar!
Deflexores tambm no querem danar, mas tm uma estratgia distinta para evitar
isto. Simplesmente recusam-se a se envolver com outros de forma inteira e pessoal.
Temos visto que um envolvimento pessoal torna-se uma possibilidade iminente: os
deflexores ou mudam de assunto, ou o levam ao nvel de abstraes e ideais
impessoais. Ou, se a confrontao no pode ser evitada, reduzem o outro
coisificando-o, virando a mesa com acusaes sobre seu comportamento, motivos,

20

etc. Ao contrrio dos introjetores, vrias pessoas deflexivas organizam seu prprio
conjunto de regras para viver; porm, tal como os introjetores, tais pessoas vivem
dirigidas para um conjunto de regras que excluem detalhes muito concretos da vida,
especialmente os que revelam dimenses genuinamente pessoais. Suas regras lhes
do controle, ou, pelo menos, uma forma de escapar do que imprevisvel e
incontrolvel a presena total de uma outra pessoa.
Atravs da excluso de certos elementos em si mesmos e/ou em seus meios
ambientes, e pela incluso de outros, os indivduos neurticos conseguem evitar
contatos vvidos com seus ambientes e com as pessoas que neste se encontram
(incluindo a si prprios). Todas estas formas so maneiras pelas quais reduzem ou
recortam seus mundos a tamanhos e carteres com os quais esto dispostos e
sentem-se competentes para lidar.
Apesar de que as diferenas em grau so marcantes, existem semelhanas
inegveis entre neurticos, psicticos e pessoas com leses cerebrais: ao reduzir e
entorpecer seus mundos, seus modelos internos de como o mundo e de que poder
tem para nele atuar, se tornam empobrecidos (22), e eles mesmo tornam-se seres
humanos diminutos e inspidos. Proponho denominar esta condio comum de
parvanimidade (parvus = pobre, pequeno; animus = alma, esprito).
Parvanimidade tem conotaes opostas as de magnanimidade. Enquanto que a
ltima significa grandeza de esprito e expansividade e at alegria parvanimidade
implica em pequenez de esprito, empobrecimento, implosividade, amortecimento.
Uma pessoa saudvel tanto magnnima quanto autntica: tem uma grande
capacidade de compartilhar, de dar, e isto est enraizado no fato de que esta pessoa
tem auto-conhecimento e auto-suporte.
O modelo de mundo de uma pessoa saudvel frouxamente organizado e amplo
em extenso, e como resultado, capaz de acomodar rapidamente novos elementos
no decorrer da vida. O modelo de mundo de uma pessoa parvnima tende a ser
mais rigidamente organizado e bem mais estreito em sua extenso, e, portanto a
pessoa tende a estar fechada ou cega a novas experincias, a valores divergentes,
a novas revelaes pessoais, etc. Uma pessoa saudvel realista sobre seu prprio
poder de ao, assim como sobre que ajuda pode obter de outras pessoas. Em
contraste, algumas pessoas parvnimas tem uma viso reduzida de seu poder de

21

dar forma a suas prprias vida; enquanto que outras tm uma viso no realista de
si mesmas como tendo que conseguir tudo por si prprias, isto que ningum s
ajudar. Nos dois casos a pessoa parvnima em geral se v, como vtima.
A vida do indivduo parvnimo caracteriza-se por privao e empobrecimento: em
uma variedade de aspectos falta-lhes uma boa qualidade de vida - que seu direito
natural. Parvanimidade tem muito em comum com o que Kierkegaard chamou de
enfermidade para a morte -- uma doena do self da qual pessoas raramente
morrem, mas que as fazem miserveis, j que cada um dos que dela sofrem, de
certa forma falham em tornar-se a pessoa completa que ele ou ela real e
fundamentalmente tem (ou teve) a capacidade de ser (23).

CONSIDERAES PRTICAS
Retornando agora proflexo, vejamos o que podemos fazer para ajudar as
pessoas a desfazer suas proflexes. Como de se esperar o lugar onde comear
awareness. Quando um cliente descreve uma situao como a que tenho descrito, e
relata sentir-se tanto esgotado por todo o esforo que investiu na relao, como
ressentido com a outra pessoa por sua falha em responder apropriadamente,
necessrio iniciar solicitando a essa pessoa que se d conta de o que exatamente
quer do outro, e como tem tentando consegui-lo. Que tipos de aes manifestas do
outro satisfariam os desejos do proflexor? Num primeiro momento a pessoa pode ter
dificuldades em discernir e afirmar claramente o que quer e que aes seriam
satisfatrias, mas com a forma comum de trabalho gestltico, tais dificuldade podem
ser ultrapassadas.
O segundo passo para desfazer a proflexo implica em trabalhar com a provvel no
disposio do proflexor de pedir o quer do outro. Aqui temos geralmente que lidar
com medos e ressentimentos. frequente o caso em que pessoas ressentem ter
que pedir o que querem dos outros, e expressam tal sentimento dizendo coisas
como se ele me amasse ele saberia. Estas so as pessoas que usualmente
desejam ser to analisadas pela outra pessoa como a outra pessoa foi por eles
analisada.

22

Aqui os proflexores precisam ser ajudados a ir alm do desejo deste tipo de


confluncia com o outro, precisam ser ajudados a comear a apreciar as diferenas
de estilo entre pessoas. Necessitam de ajuda para perceber que as pessoas diferem
radicalmente em suas habilidades e interesses em observar detalhadamente os
outros, e em suas habilidades em conseguir descobrir seus desejos e necessidades.
Alm disso, devem chegar a dar-se conta de quo difcil saber o que a outra
pessoa quer sem que isso lhes seja dito. Sem dvida, muitas das opinies dos
proflexores sobre os desejos do outro tm sido projees, o proflexor necessita
portanto, adquirir o habito de verificar suas crenas nestes aspectos. Para tornar
mais palpvel a dificuldade de saber o que o outro deseja sem que este o diga, eu
frequentemente ilustro o problemas com um jogo bem simples. Digo aos clientes
que quero que ele ou ela me toque em um lugar do meu corpo, mas que no lhe
direi onde tero que achar sozinhos por tentativas e erros. No que a pessoa tenta
me tocar no lugar certo e falha, eu respondo: No a, mas se voc me amasse,
saberia onde . O medo que o proflexor frequentemente tem de pedir o que quer do
outro provm geralmente de uma convico vaga: se eu pedir o que quero, o outro
pode recusar, e a toda esperana estar perdida. E esta recusa temida provocaria
ou o impensvel (terminar a relao) ou o intolervel (ficar desesperanosamente
preso na situao). Portanto, proflexores se encontram em um impasse: quando
chegam a uma terapia, j passaram por bastantes misrias, e no entanto, ainda
acreditam que mais seguro continuar tentando manipular o outro para conseguir o
querem do que serem abertos e diretos sobre os assuntos em questo. J que pedir
por demais amedrontador, e continuar, por demais exaustivo, sentem-se
empacados e miserveis. No entanto atravs do uso da fantasia, o terapeuta
gestltico pode ajudar a que o proflexor ultrapasse o medo de pedir, fazendo-o
experimentar isto de vrias formas. Ao apresentar tanto a si mesmo como ao outro,
e ao se experienciar em vrios cenrios, o proflexor gradualmente se tornar capaz
de lidar com este impasse.
possvel que quando a pessoa proflexora trabalhou suficientemente a ponto de se
dispor a pedir abertamente o que quer do outro, poder dizer ao outro que se sente
insatisfeita com a relao tal qual , e ter a coragem de dizer que tipo de
comportamento deseja dele ou dela.

23

Suponhamos agora, por exemplo, que uma mulher que tenha estado profletindo se
d conta finalmente do que tem estado fazendo para conseguir o que quer do outro.
Suponhamos tambm que ela esteja disposta a expressar seu descontentamento
com a relao e pedir certo tipo de comportamento do outro. O que podemos fazer
para preparar o cliente para a possibilidade de que o outro em questo se recuse a
fazer qualquer mudana de comportamento e assuma a atitude de: assim ou
nada? A primeira coisa talvez, seja convidar a mulher a imaginar como seria
continuar na relao exatamente do mesmo jeito. Neste ponto, ela provavelmente
no desejar continuar. Neste caso temos que ajud-la a assimilar um aspecto duro
da vida: que realmente existem tragdias, e que acontece na vida que pessoas
realmente no se encontram. Uma das falcias mais difceis de ajudar as pessoas a
se libertar, a crena de que com um pouco mais, ou mesmo com muito do mesmo
tipo de esforo, o passado pode ser salvo e redimido: que a relao pode vir a
funcionar. s vezes isto verdade. Porm, mais frequentemente, a verdade que
os esforos e sofrimentos do passado no podem ser redimidos, ou, se podem,
somente

atravs

de

uma

estratgia

distinta.

No

entanto,

vezes

as

incompatibilidades entre as pessoas so to fundamentais, que o ato de maior


redeno para uma pessoa realmente abandonar a coisa toda. Neste caso, nosso
trabalho como terapeuta ajudar a pessoa a se despedir.
Finalmente o terapeuta pode novamente usar a capacidade do cliente de fantasiar
para ajud-lo a imaginar, de forma bem especfica, as vrias possibilidade entre as
quais poder escolher um novo caminho. No que a pessoa objetivamente escolhe
uma ou mais destas alternativas para experimentar, comear a experienciar seu
prprio poder de escolha, base de sua liberdade pessoal. Acredito que a terapia
deva visar esta experincia. E esta crena baseada em outra ainda mais
fundamental: que o contato vvido entre uma pessoa e seu poder de escolha
quando acompanhada do por aguada auto-avareness, o requisito bsico para que
a pessoa possa estabelecer bons contatos com qualquer outra coisa ou qualquer
outra pessoa.
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24

Notas
1- Lewis C.S.: The Screwtape Letters. New York: The Macmillan Co. 1943.
2- Perls F. S., Hefferline, R. & Goodman, P.: Gestalt Therapy. New York: Dell
Publishing Co. 1951.
3- Polster. E. & Polster. M.: Gestalt Therapy Integrated. New York: Vintage Books,
1974.
4- Buber M.: Dialogue Between Man and Man. Traduzido por Ronald Gregor Smith.
New York: The Macmillan Co., 1965. I and Thou. Traduzido por Walter Kaufmann.
New York: Charles Scribners Sons, 1970.
5- Perls F. S.: The Gestalt Approach and Eye Witness to Gestalt Therapy; New York:
Bantam Books, 1976. P. 41.
6- Plato: The Sophist in The Dialogues of Plato. Vol. II. Traduzido por Benjamin
Jowett. New York: Random House. 1892. Perls Hefferline, and Goodman. Op. Cit.
Vol II. Ch. 1.
7- Kant, I: Critique of Pure Reason. Traduzido por Norman Kemp Smith. London:
Macmillan and Co, Ltd. 1958. Ver especialmente Transcendental Deduction (8).
8- Husserl, E.: Cartesian Meditations. Traduzido por Dorion Cairns. The Hague:
Martinus Nijhoff, 1973. Sartre, J. P.: The trancendence of the Ego. Traduzido por
Forest Williams e Robert Kirkpatrick. New York: The Noonday Press, 1957. Being
And Nothingness. Traduzido por Hazel Barnes. New York: The Philosophical Library.
1956. Ver especialmente parte 45.
9- Perls, Hefferline & Goodman, op. Cit., vol. II. Ch. 10.
10- Polster & Polster, op. Cit. P. 108
11- Ibid., p. 115.
12- Bandler, R., e Grinder, J.: The Structure of Magic, Vol. I. Palo Alto: Science and
Behavior Books. Inc. 1975.
13- Goldstein, K.: Human Nature. New York: Schocken Books, 1963. The Organism.
New York: American Book Company, 1939.
14Goldstein, K. The Organism, op. Cit., p. 36
15- Ibid., pp. 36-37.
16- Ibid., p. 37.
17- Ibid., p. 46.
18- Bateson, G.: Toward a Theory of Schizophrenia em Steps to an Ecology of Mind.
New York: Ballatine Books. 1972.
19- Beisser. A.: The Paradoxiacal Theory of Change em Fagan, J. E Sheperd, E. L.
(Eds): Gestalt Therapy Now. Palo Alto: Science and Behavior Books. 1970.
20- Polster, E., e Polster, M.: Therapy Without Resistance: Gestalt Therapy em
Burton, Arthur (Ed): What Makes Behavior Change Possible? New York/Mazel.
1976.
21- Ver por exemplo, Bandler. R. & Grinder, J. : Patterns of The Hipnotic Techniques
of Milton H. Erickson. M. D., Vol. I. Cupertino, Ca.: Meta Publications, 1975, pp.
139-142; Bandler. R. E Grinder. J. : Frogs into Princes. John C. Stevens (Ed).
Moab, Ut.: RealPeople Press. 1979, p. 76; e Bateson, G. Op. Cit. P. 226.
22- Bandler & Grinder, op. Cit.
23- Kierkegaard, S: The Sickness Unto Death. Traduzido por Walter Lowrie:
Princeton University Press, 1968.
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