Uniao Mistica
Uniao Mistica
Uniao Mistica
Belo Horizonte
2007
Bernardo Guadalupe dos Santos Lins Brandão
Belo Horizonte
Universidade Federal de Minas Gerais
2006
AGRADECIMENTOS
Estudar os textos de Plotino não é tarefa fácil: é que se trata de um autor que
escreveu de um modo difícil sobre coisas difíceis. Além disso, sendo ele um profundo
conhecedor da tradição filosófica grega, dialoga com ela o tempo todo, fazendo uso,
Assim, esta dissertação não teria sido possível sem o apoio de tantas pessoas, cujo
auxiliou de tantas maneiras, mas em especial, na sua rigorosa correção do português e das
traduções dos textos das Enéadas, e à minha mãe, Magda Guadalupe. A eles dedico
minha dissertação.
Fica aqui também manifesto meu apreço pelo apoio de meu irmão Fernando e sua
namorada Roberta - que gentilmente me hospedaram em Londres, onde fui buscar parte
irmão Pedro, meu avô Ciro, minha avó Aparecida e minha tia Augusta, etc.
Agradeço ao meu orientador Fernando Rey Puente, por seus conselhos certeiros e
paciência com meus métodos de pesquisa, aos meus professores no mestrado - Miriam
Campolina, André Berten, Virgínia de Araújo e José Raimundo Maia Neto –, à Andréa e
Teodoro Reno e Tereza Virgínia Barbosa - que, tendo me orientado nos meus estudos
sobre Fílon de Alexandria e o Pseudo-Dionísio Areopagita, colocaram-me no rumo do
neoplatonismo.
Marcos, Chico, Edgar, Gabriela, Carol, Luíza, Bruno, Laura, Periquito e tantos outros que
Por fim, gostaria de lembrar algumas instituições que foram fundamentais nessa
pela bolsa que me permitiu a dedicação à pesquisa; ao Instituto Santo Inácio, pela
coisas daqui, vida sem prazer com as coisas daqui, fuga do só em direção ao Só.
Plotino, Enéada VI 9
Plotino, Enéada V, 8
RESUMO
Plotino não foi apenas um místico, mas também um filósofo platônico: ele não
apenas tentou expressar suas experiências místicas nos seus textos, mas também
formulou uma doutrina filosófica da união mística. Essa dissertação é uma tentativa de
expor a teoria plotiniana da união mística e os relatos dessa experiência. Como nos textos
de Plotino não existe apenas um tipo de experiência mística, mas dois (a experiência da
união mística da alma com o Intelecto e da alma com o Um), essa pesquisa se concentra
experiência dessa união; a teoria da união mística da alma com o Um; a experiência dessa
união.
ABSTRACT
Plotinus was not only a mystic, but also a platonic philosopher: he not only tried
to express his mystical experiences in his texts, but he also formulated a philosophic of
the mystic union. This dissertation is an attempt to expose the plotinian theory of the
mystical union and the accounts of the experience. As in the texts of Plotinus there is not
only a kind of mystical experience, but two (the experience of the mystic union of the
soul and the Intellect and of the soul with the One), this research focuses in four main
areas: the theory of the mystical union of the soul with the Intellect; the experience of this
union; the theory of the mystical union of the soul with the One; the experience of this
union.
SUMÁRIO
Introdução
1. Apresentação....................................................................................................................9
2.1. A Experiência..........................................................................................................33
Capítulo 2 : A Alma e o Um
1.1. O Um e o Intelecto..................................................................................................54
1.4. Identidade................................................................................................................72
2.1. A Experiência..........................................................................................................79
2.2. O Amor...................................................................................................................81
2.3. As Etapas da Experiência........................................................................................84
Conclusão..........................................................................................................................99
Bibliografia.....................................................................................................................101
1. APRESENTAÇÃO
Alguns textos nos mostram que, por mais pessoal que seja sua síntese, Plotino
Enéada IV, 8, que tenta conciliar textos dos Diálogos que dizem coisas contraditórias a
respeito da relação da alma com o corpo. Outro exemplo é VI, 7, que, como mostrou
Hadot, explora seis “questões platônicas”, ou seja, seis temas filosóficos correntes cuja
histórica dos tempos atuais. Para determinar o pensamento exato daquele que considerava
seu mestre, Plotino buscava a verdade. É que, se Platão era um filósofo inspirado e se,
assim, alcançou a verdade, nada mais prudente que descobrir a verdade para entender
Platão. É por isso que filosofia e comentário são, nas Enéadas, a mesma atividade:
De fato, a verdade é buscada com afinco nas Enéadas. Fala-se muito do caráter
quase orácular do texto plotiniano, no qual muito é afirmado e muito pouco demonstrado.
Essa impressão, correta em alguns momentos, não transmite uma visão adequada da
totalidade dos tratados de Plotino. É que ele também escreveu passagens extremamente
diversas escolas filosóficas da época. Diálogo esse, aliás, fundamental para compreender
sua filosofia: ele se faz estóico contra os epicuristas, cético contra os estóicos, aristotélico
contra os céticos e pitagórico contra Aristóteles, sem nunca deixar, entretanto, de ser
platônico.
ao conjunto. Especialmente quando notamos que, nas Enéadas, ela também é tratada
como se possuísse uma profunda unidade com a dialética e o comentário, como se fosse
capaz de conciliar atividades hoje pensadas como contraditórias. Para uma maior
compreensão são necessárias duas coisas. Em primeiro lugar, abandonar nossas idéias a
próprio caminho da mística1. E essa, por sua vez, não é mais que a realização em um grau
1
I, 3, 1.
Meditemos um momento sobre sua conotação atual. Como notou Vaz, esse foi um
dos termos, ao lado de outros, como ética, que sofreram uma incontrolável deterioração
semântica nos tempos modernos, o que seria uma das manifestações mais características
Decaído de sua nobre significação original, acabou por designar uma espécie de fanatismo, com
forte conteúdo passional e larga dose de irracionalidade. Assim o vemos nas expressões como
elas não estivesse subjacente uma inversão profunda da ordem que deve reinar em nossa atividade
psíquica e espiritual.2
Enéadas, que apresentam não uma experiência irracional, mas supra-racional e supra-
sensível, que, portanto, não recorre à imaginação: considerando essa acepção moderna do
Mas, como mostrou Brisson5, tampouco é possível falar de mística a partir do seu
significado antigo, aquele que era corrente nos tempos do próprio Plotino. O termo grego
2
VAZ, Experiência mística e filosofia na tradição ocidental, p. 9.
3
BRUCKER, Historia philosophiae. Lipsiae, 1766, t. I, p. 230, apud ARNOU, Le Désir de Dieu, p. 272.
4
JEVONS, Was Plotinus Influenced by Opium?
5
BRISSON, Peut-on parler d’union mystique chez Plotin? Valho-me aqui da tradução de Lorraine de
Oliveira, ainda inédita.
mistérios de Elêusis. A partir daí, “passou a designar também certos tipos de
interpretação alegórica de mitos e ritos que tem como modelo a prática dos mistérios”.6 É
com esse sentido que a palavra aparece , uma única, em sua forma adverbializada, nas
Enéadas, em III, 6, 19-26, ligada a um antigo mito de Hermes, ali interpretado como uma
termo tomar aquela acepção que, surgindo com o pseudo-Dionísio Areopagita, foi fixada
na Idade Média e consagrada pelos místicos cristãos posteriores. Esse significado foi
admiravelmente definido por Vaz, que, entretanto, considera-o como o sentido original:
Com efeito, o sentido original, e que vigorou por longo tempo, do termo mística e de seus
derivados diz respeito a uma forma superior de experiência, de natureza religiosa, ou religioso-
filosófica (Plotino), que se desenrola normalmente num plano transracional – não aquém, mas
além da razão -, mas, por outro lado, mobiliza as mais poderosas energias psíquicas do indivíduo.
Orientadas pela intencionalidade própria dessa original experiência que aponta para uma realidade
transcendente, essas energias elevam o ser humano às mais altas formas de conhecimento e de
Por meio dessa definição, podemos ter uma idéia adequada do que seja a
experiência mística de Plotino, bem como a razão de ser da sua estreita relação com a
filosofia. Mas uma última coisa deve ser notada: não existe apenas um tipo de experiência
mística nas Enéadas. No sistema plotiniano, acima da razão discursiva, existem ainda
6
op. cit., p. 7 na tradução em português.
7
VAZ, op. cit., p. 9-10.
dois níveis de realidade: o do Intelecto divino e o do princípio de todas as coisas,
chamado de Bem ou Um. Como tentarei mostrar nessa dissertação, esses dois planos
relacionada ao Um. Antes, no entanto, de passar a esse tema, é necessário uma visão
geral da doutrina dos níveis de realidade das Enéadas. É que, apesar de não ter
apresentado sua filosofia de uma forma sistemática em nenhum de seus escritos, Plotino
explicação das Enéadas para a possibilidade da união da alma com o Intelecto. A partir
daí, no capítulo 3, estudarei a experiência mística que essa teoria pretende explicar. Não
que foi estudado, tentarei apresentar uma visão de conjunto dos graus de conhecimento
em Plotino. Por fim, apresentarei, como apêndice, a tradução da Enéada VI, 9, um dos
8
BUSSANICH, Mystical Elements in the Thought of Plotinus, sugere não dois, mas três modos de
experiência mística: não apenas a mística da união com o Intelecto e a mística da união com o Um, mas
também a mística da união com a Alma universal. Apesar de engenhosa, no entanto, essa hipótese não
possui confirmação nos textos das Enéadas.
2. BREVE SÍNTESE DA FILOSOFIA DE PLOTINO
Na Enéada IV, 39, Plotino apresenta uma imagem que representa a essência de
torno dele, está um círculo de luz, gerado a partir de seu esplendor. Por sua vez, ao redor
do centro e do círculo, existindo a partir deles, encontra-se outro círculo de luz: “luz da
luz”, escreve o filósofo. Por fim, circundando todos eles por fora, existe não um novo
círculo de luz, mas algo parecido com uma roda, por não possuir luz própria.
coisas, não é nenhuma delas, mas anterior. Assim, não possui forma, quantidade ou
qualidade, não está em nenhum lugar, em nenhum tempo, não se move, mas tampouco
está em repouso10. Está além de qualquer predicado, até mesmo do ser e do Intelecto.
Desse modo, não é possível conhecê-lo, nem falar a seu respeito como falamos
das outras coisas.11 Quando o fazemos, estamos, na verdade, referindo-nos a nós mesmos.
Assim, por exemplo, quando o chamamos de causa, estamos dizendo que nossa
existência é derivada dele.12 É dessa maneira que podemos falar que é infinito, já que não
é limitado por nada, que é auto-suficiente, pois não depende de nada, e que é
absolutamente simples, pois não é tocado pela alteridade que caracteriza todas as coisas.
Assim, nenhum nome lhe convém.13 Plotino, no entanto, o chama por vários nomes:
Bem, pois é para onde todos os seres tende; Pai, pois é o criador de tudo; Um, por ser
9
IV, 3, 17. Imagens semelhantes aparecem em outros textos, como, por exemplo, em IV, 4, 16 e VI, 8, 18.
10
VI, 9, 3, 40-45.
11
V, 4, 1, 10-11.
12
VI, 9, 3, 50-55.
13
VI, 9, 4, 33.
Se o Um é simples e auto-suficiente, pergunta-se Plotino14, como dele brotou a
multiplicidade que encontramos nos seres? A imagem do centro e dos círculos esclarece a
questão: o primeiro círculo de luz surge a partir do esplendor do centro: “sendo perfeito
por nada procurar, nada ter e de nada necessitar, é como se tivesse transbordado e, de sua
do centro, é o Intelecto.
aquilo que existe no mundo sensível, objeto de sensação e sujeito ao devir, não é mais
que uma imagem apagada daqueles, que são as formas inteligíveis, cuja natureza é
O segundo círculo é a Alma. Assim como o Intelecto procede do Um, ela procede
do Intelecto. É por isso que Plotino, na imagem do centro e dos círculos, diz que é luz da
luz: é uma luz que procede da luz do Intelecto. A Alma é uma imagem do Intelecto,
mente: ela é uma imagem do pensamento do Intelecto, a atividade e vida que dela emana
para estabelecer uma outra realidade.16 Além disso, do mesmo modo que o Intelecto se
torna o que é ao se voltar para o Um e ao contemplá-lo, a Alma, por sua vez, também se
volta para a Inteligência e, assim, faz perfeito o seu pensamento e recebe uma vida mais
plena.17
14
V, 1, 6.
15
V, 2, 8-9.
16
V, 1, 3.
17
V, 1, 3 e VI, 7, 31, 4.
Existem, ao mesmo tempo, muitas e uma só Alma. Em primeiro lugar, existe a
hipóstase Alma. Depois, como diversas espécies que provêm de um gênero, estão as
almas individuais e a Alma do mundo. Algumas são melhores e outras piores, umas mais
intelectivas e outras menos dotadas de intelecção em ato18, mas todas, por participarem
A mais importante das almas que procedem da hipóstase é a Alma do mundo. Ela
criou o mundo sensível e governa a sua totalidade. Tendo a função de a auxiliar, as almas
grande monarca.
último grau da realidade. É como se esta fosse a última fase do processo de geração das
diversas realidades, na qual a força produtora já está a tal ponto enfraquecida que não
pode dar origem a mais nada. Por ser o último nível, é também onde está a máxima
privação do Bem. Por isso, pode ser considerado seu pólo oposto. Por esse ângulo, é o
mal: não enquanto força que se opõe ao Bem, mas como sua máxima privação. No
entanto, esse é apenas um ponto de vista possível. Na Enéada IV, 8, por exemplo, Plotino
nota que é impossível que a matéria não participe do Bem na medida de suas
capacidades.19
Mas não é só de matéria que o mundo sensível é composto. Uma vez que a
que se reflitam nela as formas inteligíveis. Isso é feito pela Alma que, contemplando a
18
IV, 8, 3, 10-15.
19
IV, 8, 6, 16-25.
Inteligência, modela a matéria a partir do que viu. Mas esse reflexo será necessariamente
imperfeito: não é possível que os reflexos das formas estabeleçam uma verdadeira
unidade com a matéria sensível. É por isso que, para Plotino, este mundo é uma imagem
luz, mas como uma roda, por sua opacidade e sua incapacidade de gerar uma nova
depreender da imagem do centro e dos círculos, cada nível é mais uno e real que o
posterior e interior a ele. Como se a realidade fosse um caminho entre a unidade mais
A ALMA E O INTELECTO
imagem do Intelecto, assim como a palavra proferida é imagem da palavra interior. Dessa
maneira, por um lado, ela é uma realidade semelhante ao Intelecto e, por outro, inferior e
alma pensa uma coisa após a outra: num momento é Sócrates, noutro é um cavalo, etc.21
Sendo uma entidade distinta e inferior, que pensa discursivamente, como a alma
pode se unir tão estreitamente ao Intelecto, de modo a ser possível que chegue até mesmo
a se tornar um intelecto?22
2: cada ser está em identidade com seu antecessor enquanto mantém contato.24 Ou seja, o
efeito não está separado da causa. Assim, a alma do vegetal morto volta para o lugar de
onde veio, ou melhor, está sempre em seu princípio. Do mesmo modo, as fases superiores
20
V, 1, 3. Isso não significa que seja o único tipo de intelecção que ela pode ter. Como veremos, quando a
alma se volta para o Intelecto, ela pensa como um intelecto.
21
V, 1, 4, 16-23.
22
VI, 7, 35, 3-7; VI, 9, 3, 22-24. Quando intelecto e alma estão em minúsculas, trata-se dos intelectos e
almas particulares. Quando estão em maiúsculas, das hipóstases Alma e Intelecto, bem como da Alma do
mundo. Deve-se notar, no entanto, que, como as almas e a Alma do mundo participam da hipóstase Alma, e
como os intelectos participam do Intelecto, na maior parte das vezes, o que se diz de um pode, de algum
modo, dizer-se também do outro.
23
O’DALY, Plotinus’s Philosophy of the Self, p. 54.
24
V, 2, 2, 3-4.
da alma estão umas nas outras até que o nível do Intelecto seja alcançado. Assim, a alma
está presente no Intelecto de um modo virtual. Quando essa presença é atualizada, diz-se
O’Daly também apresenta uma passagem de III, 425, em que Plotino declara que a
alma é como um universo inteligível, ligada por suas partes superiores ao inteligível.
respeito da união da alma com o Intelecto, e como o tratado III, 4 é o décimo quinto na
cronologia de Porfírio, O’Daly encontra aqui uma boa evidência de que, desde o início de
sua atividade literária, Plotino possuía uma concepção clara do “eu” original do homem,
residente no Intelecto.
Conscience dans Les États Mystiques Selon Plotin26, ele diz que, segundo uma tradição
platônica, à qual Plotino se liga, a alma possui diferentes partes que tendem a ser como
que almas superpostas e constituem, por seu agrupamento, a realidade humana. A parte
alma vegetativa, que é o crescimento. A central é a parte racional, que realiza seu
discurso interior ou exterior no tempo. Por fim, distanciando-se dessa tradição platônica,
Plotino afirmaria que existe uma parte superior da alma, que exerce a atividade do
pensamento puro, típico do Intelecto.27 Essa seria a parte da alma mencionada em IV, 828,
25
III, 4, 3, 22. O’Daly também menciona III, 4, 6, 21-28, mas não vi em que essa passagem pode
acrescentar algo ao argumento.
26
HADOT, Les Niveaux de Conscience dans Les États Mystiques Selon Plotin, p. 246-247.
27
Para um resumo das críticas neoplatônicas a essa doutrina de Plotino, ver STEEL, The Changing Self, a
study on the soul in later neoplatonism: Iamblichus, Damascius and Priscianus.
28
IV, 8, 8, 1-4.
Para Hadot, isso acontece porque, na filosofia de Plotino, a alma seria
Intelecto. Essa afirmação, diz ele, estaria ligada à questão da existência das formas dos
indivíduos. Para ilustrar sua interpretação, Hadot cita o seguinte trecho da Enéada VI, 4:
E nós, o que somos nós? Somos aquele ou somos o que se associou e existe no tempo? Na
verdade, antes de acontecer o nascimento, estávamos lá [no inteligível], sendo outros homens e,
alguns, também deuses: almas puras e intelectos unidos à totalidade da essência, partes do
inteligível, sem separação, sem divisão, mas sendo do todo (e nem mesmo agora estamos
separados). Mas agora, daquele homem se aproximou outro homem, querendo ser. E nos
encontrando, pois não estávamos separados do todo, ele se revestiu de nós e acrescentou a si
29
mesmo aquele homem, o que cada um de nós era então.
Segundo Hadot, essa passagem indicaria que a alma era antes um pensamento
puro, ou seja, um intelecto particular dentro do Intelecto universal, que fazia parte do
Plotinienne, Hadot desenvolve sua interpretação. Ele nota que, na filosofia de Plotino,
29
VI, 4, 14, 16-25. ¸HmeiÍj de/ ®ti¿nej de\ h(meiÍj; åAra e)keiÍno hÄ to\ pela/zon kaiì to\
gino/menon e)n xro/n%; äH kaiì pro\ tou= tau/thn th\n ge/nesin gene/sqai hÅmen e)keiÍ
aÃnqrwpoi aÃlloi oÃntej kai¿ tinej kaiì qeoi¿, yuxaiì kaqaraiì kaiì nou=j sunhmme/noj tv=
a(pa/sv ou)si¿#, me/rh oÃntej tou= nohtou= ou)k a)fwrisme/na ou)d' a)potetmhme/na, a)ll'
oÃntej tou= oÀlou: ou)de\ ga\r ou)de\ nu=n a)potetmh/meqa. ¹Alla\ ga\r nu=n e)kei¿n% t%½
a)nqrw¯p% proselh/luqen aÃnqrwpoj aÃlloj eiånai qe/lwn: kaiì eu(rwÜn h(ma=j ®hÅmen ga\r
tou= panto\j ou)k eÃcw ®perie/qhken e(auto\n h(miÍn kaiì prose/qhken e(auto\n e)kei¿n% t%½
a)nqrw¯p% t%½ oÁj hÅn eÀkastoj h(mw½n to/te.
cada forma no interior do Intelecto é uma essência viva e pensante, um intelecto
particular que pensa todos os outras e que os contém potencialmente. Como o Intelecto é
a totalidade das formas, cada uma delas é, por sua vez, Intelecto total, de um modo
potencial.30 Além disso, ainda que existam muitas almas – a Alma do mundo, as almas
dos astros, as almas humanas -, de um certo modo, todas elas são uma só alma,
A partir daí, mudando sua posição original, que indicava a forma do indivíduo
como a parte superior da alma que estava no Intelecto, Hadot afirma que essa é a essência
única da alma, comum a todas as almas, que é uma forma inteligível. Como as formas são
ligadas a ele.
pode se tornar Intelecto porque, por sua parte superior, ela já é um intelecto. Assim, tudo
o que se deve fazer é tomar consciência dessa situação, aquietando as partes inferiores e
Essa interpretação foi contestada por Blumenthal, ao afirmar ser possível que
Plotino tenha passado a acreditar, no fim de sua carreira, que a parte mais elevada da
alma exista apenas no nível da hipóstase Alma.33 Isso porque, para ele, é provável, ao
menos na época dos últimos tratados, que Plotino não aceitasse a existência das formas
30
A esse respeito, ver, por exemplo, V, 9, 8, 1-6.
31
IV, 8, 3, 10-15.
32
Deve-se notar que, segundo Hadot, essa tomada de consciência da vida da alma superior não se faz pela
consciência ordinária do homem, mas por uma supraconsciência. A esse respeito, ver HADOT, Niveaux de
Conscience, p. 252-256.
33
BLUMENTHAL, On Soul and Intellect, p. 96.
dos indivíduos. Se fosse esse o caso, a parte da alma individual que não desceu não
controversa entre os estudiosos, o que reflete a ambigüidade dos próprios textos das
Enéadas a esse respeito.35 Não creio, no entanto, que ela seja relevante para a
determinação de onde a parte superior da alma está. Pois se, como defendem Hadot e
O’Daly, está no Intelecto, ela pode ser tanto a forma do indivíduo quanto comum a todas
formas, quanto à Alma e às almas. Afinal, elas também são entidades imateriais e,
portanto, inteligíveis. Em IV, 8, 736, Plotino diz que existem duas classes de natureza: a
fronteira do inteligível, mas ainda assim pertence à porção divina, ou seja, a imaterial. E
no tratado formado pelas Enéadas VI, 4 e 5, o termo nohto&n é usado para se referir tanto
que a alma esteja no Intelecto37 e que seja uma forma inteligível. Por conseqüência, a
34
BLUMENTHAL, Nous and Soul in Plotinus: some problems of demarcation. Não considerarei aqui a
discussão que ele faz de uma passagem de V, 3, nem outra sobre I, 1, pois não são conclusivas e, dessa
forma, não favorecem nem desfavorecem o argumento.
35
Sobre a discussão, ver BLUMENTHAL, Plotinus’ Psychology: His Doctrine of the Embodied Soul, p.
112-133; RIST, Forms of Individuals in Plotinus e Ideas of Individuals in Plotinus: a reply to Dr.
Blumenthal; LLOYD, Plotinus, p. 72-78.
36
Na verdade, Blumenthal cita a passagem imediatamente anterior, IV, 8, 6, 23-28. Mas é em IV, 8, 7 que a
divisão das espécies de natureza em inteligível e sensível está mais claramente exposta.
37
Em várias passagens das Enéadas, é dito que a Alma e as almas estão no Intelecto, assim como o mundo
sensível está na Alma e o Intelecto está no Um. Trata-se aqui de uma metáfora espacial indicando uma
relação de dependência. Nesse sentido, é possível falar que toda a alma, incluindo sua parte superior, está
interpretação desses estudiosos passa a carecer de argumentos. É certo que eles têm o
qual cada ser está em identidade com seu sucessor enquanto mantém contato, bem como
entanto, isso não é suficiente para dar sustentação às suas teses. De fato, através de uma
análise um pouco mais cuidadosa, é possível perceber não apenas que a interpretação em
questão não possui fundamento sólido nos textos das Enéadas, mas também que
almas puras e intelectos. Ora, isso significa que estávamos no inteligível – não
necessariamente no Intelecto - e que nossas almas estavam ligadas a intelectos, não que
partes dessas almas eram intelectos. Não há, assim, nenhum fundamento para dizer que
Além disso, o outro homem, o que nasceu no tempo e que se ajuntou ao que
éramos antes, não é uma alma inferior, mas o “composto animal”, formado pelo corpo e
por uma imagem da alma, “uma espécie de luz emitida”38 por ela, que informa e dá vida a
esse corpo39. Quando nasce esse composto, a alma dirige algumas de suas potências para
ele e, dessa forma, liga-se ao mundo sensível, chegando a se esquecer do inteligível. Essa
no Intelecto. Mas isso não significa, como quer Hadot, que a parte superior da alma está no interior
Intelecto, como uma forma inteligível.
38
I, 1, 7, 1-5.
39
Sobre a ligação da imagem da alma com o corpo e a conseqüente formação do composto animal, bem
como sobre a sua relação com a alma, ver I, 1, 6-8. Sobre o desenvolvimento da doutrina da imagem da
alma nos textos de Plotino, ver IGAL, Aristóteles y la evolución de la antropolgía de Plotino.
é a “perda das asas”40 da alma e sua descida ao corpo41, que não deve ser compreendida
É evidente que o que aqueles [os antigos] chamavam de vir deve significar que a natureza do
corpo está ali e participa da vida e da alma. De modo algum o vir deve ser entendido localmente,
mas como um modo desta comunhão, seja qual for. Assim, descer é vir a estar em um corpo
(como dizemos que a alma está em um corpo), ou seja, dar a ele algo de si, não ser dele. 42
Assim, em IV, 8, 8, ao falar de uma parte da alma que está sempre no inteligível,
Plotino não quer dizer que sua parte superior está no Intelecto, nem que a parte inferior
que falam de partes da alma. É certo que uma tradição filosófica que remonta à República
e passa pelo Didascálico de Alcínoo afirma que a alma possui partes. É igualmente certo
que Plotino é herdeiro dessa tradição – é por isso que, em vários momentos em que não
tem necessidade de ser preciso, ele fala de partes da alma. Mas, como nota Blumenthal43,
parece que o modelo de alma utilizado nas investigações psicológicas mais profundas das
Enéadas não é o da tripartição platônica, mas o aristotélico, da alma una que possui
40
IV, 8, 4, 23. Expressão retirada do Fedro 246c-d e 248c.
41
VI, 4, 16, 3-4.
42
VI, 4, 16, 10-15. dh=lon oÀti oÁ le/gousin e)keiÍnoi "hÀkein" lekte/on eiånai th\n sw¯matoj
fu/sin e)keiÍ gene/sqai kaiì metalabeiÍn zwh=j kaiì yuxh=j, kaiì oÀlwj ou) topikw½j to\
hÀkein, a)ll' oÀstij tro/poj th=j toiau/thj koinwni¿aj. àWste to\ me\n katelqeiÍn to\ e)n
sw¯mati gene/sqai, wÐj famen yuxh\n e)n sw¯mati gene/sqai, to\ tou/t% dou=nai¿ ti par'
au)th=j, ou)k e)kei¿nou gene/sqai.
43
BLUMENTHAL, H. On Soul and Intellect e, de um modo mais detalhado, em Plotinus’ Psychology.
várias faculdades. Aliás, esse modelo é expressamente afirmado em mais de uma
passagem:
Além disso, a alma é múltipla e também uma, mesmo não sendo composta de partes. Pois várias
O’Daly e Hadot de que a parte superior da alma está no Intelecto não apenas se mostra
- Não dizemos que é da alma, mas dizemos que é nosso intelecto. Sendo diferente da parte
discursiva e estando situado acima desta, contudo é nosso, mesmo se não oa contarmos entre as
partes da alma. Ou melhor, é nosso e não é nosso. Por isso nos valemos dele e não nos valemos,
mas da razão discursiva valemo-nos sempre. É nosso quando o usamos e, quando não o usamos,
46
não é nosso.
44
VI, 9, 1, 39-40. eÃpeita de\ pollh\ h( yuxh\ kaiì h( mi¿a kaÄn ei¹ mh\ e)k merw½n: pleiÍstai
ga\r duna/meij e)n au)tv=.
45
II, 9, 2, 6. fu/sewj ga\r ouÃshj mia=j e)n duna/mesi plei¿osin...
46
V, 3, 3, 21-29 (tomei a liberdade de sublinhar as partes mais importantes da passagem para a presente
discussão). Ti¿ ouÅn kwlu/ei e)n yuxv= nou=n kaqaro\n eiånai; Ou)de/n, fh/somen: a)ll' eÃti
deiÍ le/gein yuxh=j tou=to; ¹All' ou) yuxh=j me\n fh/somen, h(me/teron de\ nou=n
fh/somen, aÃllon me\n oÃnta tou= dianooume/nou kaiì e)pa/nw bebhko/ta, oÀmwj de\
h(me/teron, kaiì ei¹ mh\ sunariqmoiÍmen toiÍj me/resi th=j yuxh=j. äH h(me/teron kaiì ou)x
h(me/teron: dio\ kaiì prosxrw¯meqa au)t%½ kaiì ou) prosxrw¯meqa ® dianoi¿# de a)ei¿ ®kaiì
h(me/teron me\n xrwme/nwn, ou) prosxrwme/nwn de\ ou)x h(me/teron.
Ou seja, a alma não tem um intelecto entre suas partes. Mas ele está acima dela e
pode entrar em contato com ela em alguns momentos. Nesses momentos, podemos dizer
que é nosso. Mas, se não existe um intelecto na alma, como se dá o contato entre os dois?
Com efeito, quando está naquele lugar [o inteligível], a alma alcança necessariamente a união com
o Intelecto, já que para ele se voltou. Pois, para ele tendo-se voltado, não há nada entre eles. E,
tendo ido para o Intelecto, harmoniza-se com ele; e, tendo-se harmonizado, une-se com ele, sem
47
deixar de ser alma, mas sendo ambas as coisas, um e dois.
memória da vida terrena na alma que, com a morte, separou-se do corpo. Assim, a união
de que se fala aqui parece ser a união que ocorre nessa situação. No entanto, em I, 2,
Plotino diz ser possível sair do mundo sensível ainda em vida, através da virtude48, e, por
Intelecto. Ainda, na Enéada I, 749, ele afirma que a vida no corpo, por atrapalhar os atos
próprios da alma – ou seja, a intelecção -, é um mal que pode terminar com a separação
do corpo, realizada após a morte, mas também declara que, pela virtude, ainda em vida, a
alma realizar essa separação. Assim, apesar de o contexto de IV, 4 ser o da alma separada
do corpo após a morte, como essa separação é possível ainda em vida, o texto também
47
IV, 4, 2, 25-29. e)peiì kaiì oÀtan e)n e)kei¿n% vÅ t%½ to/p%, ei¹j eÀnwsin e)lqeiÍn t%½ n%½
a)na/gkh, eiãper e)pestra/fh: strafeiÍsa ga\r ou)de\n metacu\ eÃxei, eiãj te nou=n e)lqou=sa
hÀrmostai, kaiì a(rmosqeiÍsa hÀnwtai ou)k a)pollume/nh, a)ll' eÀn e)stin aÃmfw kaiì du/o.
48
I, 2, 1, 3.
49
I, 7, 3.
vale também para a compreensão de como a alma de um homem vivo pode se ligar ao
Intelecto.
O que Plotino diz é que, quando a alma está no inteligível, ela está voltada para o
Intelecto e harmonizada com ele. É como se a alma possuísse uma parte, ou, mais
precisamente, alguma potência voltada para o sensível e outra para o inteligível. Quando
a potência que está voltada para o sensível está inativa, a alma pode voltar-se toda para o
Da nossa alma, uma parte está sempre voltada para coisas de lá [o mundo inteligível], outra para
as coisas daqui [o mundo sensível] e outra no meio delas. Já que a natureza da alma é uma e nela
há muitas potências, às vezes toda ela é transportada ao mais nobre de si mesma e do ser. Outras
Esse texto declara que, quando a alma está no inteligível e voltada para o
Intelecto, não há nada entre eles e ambos se unem, sendo, ao mesmo tempo, dois e um.
Ora, dizer isso é equivalente a dizer, como em VI, 9, 3, que a alma tornou-se Intelecto.
50
II, 9, 2, 4-9. Yuxh=j de\ h(mw½n to\ me\n a)eiì pro\j e)kei¿noij, to\ de\ pro\j tau=ta eÃxein, to\
d' e)n me/s% tou/twn: fu/sewj ga\r ouÃshj mia=j e)n duna/mesi plei¿osin o(te\ me\n th\n
pa=san sumfe/resqai t%½ a)ri¿st% au)th=j kaiì tou= oÃntoj, o(te\ de\ to\ xeiÍron au)th=j
kaqelkusqe\n sunefelku/sasqai to\ me/son. Essa doutrina é desenvolvida por Plotino de uma
forma interessante: segundo ele, não temos consciência de tudo o que acontece em nossa alma. Como
escreve Dodds, em Traditon and personal Achievemente in the philosophy of Plotinus, p. 5: “Plotino
reconhece (antecipando Leibniz) que existem sensações que não alcançam a consciência, a menos que
direcionemos a atenção especialmente para elas (IV, 4, 8; V, 1, 12), e, também (antecipando Freud), que
existem desejos que permanecem na parte apetitiva e são desconhecidos por nós (IV, 8, 8, 9)”. Para Dodds,
essa atividade de exploração dos meandros da alma é o centro do plotinismo, onde estão suas descobertas
mais originais. Plotino, diz ele, foi aparentemente o primeiro a fazer a distinção vital entre a personalidade
total (yuxh&) e o eu-consciência (h9mei=j). Não que exista aqui um conceito de inconsciente, semelhante ao de
Freud. Para Plotino, a alma possui várias potências que estão ativas mesmo quando não temos consciência
dessa atividade. Ora, tais potências podem ser irracionais, quando integram as partes inferiores da alma,
mas podem ser supra-racionais, no caso da parte ligada ao inteligível.
Mas por que não existe nada entre a alma no inteligível e o Intelecto? Como é
possível que, neste caso, eles se unam? Em V, 151, Plotino afirma que não existe nada
entre a alma e o Intelecto, exceto a alteridade. Ora, se a alma, quando está no inteligível,
não tem nada que a separe do Intelecto, neste caso, também não possui alteridade que a
distinga. Embora Blumenthal, com relação a V, 1, acredite que Plotino não ofereça
nenhuma sugestão do que essa alteridade poderia ser52, ela se torna clara a partir das
corpo, as quais a fazem viver a vida do composto, e seria semelhante a ele por sua
A alma possui uma parte voltada para o Intelecto, como que interior, e outra fora do Intelecto,
voltada para exterior. Por uma de suas partes é semelhante ao princípio de onde vem, enquanto
que, pela outra, ainda que sendo dessemelhante, é também ali semelhante54.
para o exterior é a que se liga ao mundo sensível. Pela primeira, ela é semelhante ao
Intelecto; pela outra, dessemelhante, ainda que também semelhante como uma imagem
51
V, 1, 3, 21-22.
52
BLUMENTHAL, H. Nous and Soul in Plotinus: some problems of demarcation, p. 207.
53
A Alma do mundo e algumas almas particulares, como as dos astros, apesar de governarem os corpos,
não estão associadas a eles, mantendo-se impassíveis. Não é esse o caso da alma humana, que se associou e
é afetada de tal modo pelos corpos que se pode dizer que uma parte dela desceu até ele e recebeu a
alteridade vinda do mundo sensível.
54
V, 3, 7, 26-28. h( de\ yuxh\ to\ me\n oÀson pro\j nou=n au)th=j oiâon eiãsw, to\ d' eÃcw nou=
pro\j to\ eÃcw. Kata\ qa/tera me\n ga\r w¨moi¿wtai oÀqen hÀkei, kata\ qa/tera de\ kai¿toi
a)nomoiwqeiÍsa oÀmwj w¨moi¿wtai kaiì e)ntau=qa.
Seguindo esse raciocínio, é fácil concluir que, quando as potências da alma que a
ligam ao sensível estão inativas, não há mais nada que a torne diferente de uma
inteligência. É por isso que, em mais de uma ocasião55, Plotino emprega a imagem do
ouro impuro, misturado com outros elementos, que, ao ser purificado, se torna belo:
também a alma ligada ao mundo sensível, purificada dessa ligação, volta-se toda para o
Pois bem, conforme a Enéada VI, 9, os seres imateriais não estão separados
espacialmente, mas se distinguem pela diferença. Quando essa diferença é suprimida, não
há mais nada que os separe. Assim, ocorrendo isso, eles se unem.56 Plotino alude a essa
doutrina para explicar a união da alma com o Um, mas ela pode também ser aplicada à
intelecto, ou seja, sua ligação com o sensível, não havendo mais como distingui-los, as
sejam ainda almas, por terem a capacidade de voltar a ligar-se ao sensível. Ora, como
estão intimamente unidos a ele. Logo, quando a alma se torna semelhante a um intelecto,
Assim, a alma que quer se unir ao Intelecto deve desligar as suas potências
Aquele que vai conhecer o Intelecto, segundo parece, deve olhar a alma e sua parte mais divina. E
talvez conseguirá isso desta forma: se suprimir primeiro o corpo do homem, ou seja, de si mesmo,
em seguida a alma que molda o corpo e, sobretudo, a sensação, os desejos, iras e as demais
55
I, 6, 50-54; IV, 7, 10, 47-55 e V, 8, 3, 11-15.
56
VI, 9, 8, 29-33.
futilidades desse tipo, dada sua tendência tão pronunciada ao mortal. A parte restante é esta: a que
Como se vê, a alma que molda o corpo não é outra senão a imagem da alma que,
junto com o corpo, forma o composto. É ela que transmite os desejos corporais, as
no Intelecto.
O que Plotino parece entender por “suprimir”, nessa passagem, é algo semelhante
ao que ele compreende por “separação do corpo” em V, 1: não uma separação local, mas
Para isso, em primeiro lugar, a razão não deve se apegar às paixões que surgem
nas partes inferiores da alma, nem consentir nelas.59 Dessa forma, não ganham
intensidade e, na medida do possível, a alma pode manter-se impassível. É por isso que
Plotino diz que a alma deve buscar as sensações prazerosas, medicações e descansos
apenas para não se perturbar, bem como deve evitar a dor, suportando-a com mansidão e
não se deixando afetar por ela quando não for possível evitá-la. Ainda, deve também
eliminar a ira e o temor ao máximo, não deixando que se espalhem, nem consentindo
57
V, 3, 9, 1-7. Yuxh\n ouÅn, w¨j eÃoike, kaiì to\ yuxh=j qeio/taton katideiÍn deiÍ to\n
me/llonta nou=n eiãsesqai oÀ ti e)sti¿. Ge/noito d' aÄn tou=to iãswj kaiì tau/tv, ei¹
a)fe/loij prw½ton to\ sw½ma a)po\ tou= a)nqrw¯pou kaiì dhlono/ti sautou=, eiåta kaiì th\n
pla/ttousan tou=to yuxh\n kaiì th\n aiãsqhsin de\ euÅ ma/la, e)piqumi¿aj de\ kaiì qumou\j
kaiì ta\j aÃllaj ta\j toiau/taj fluari¿aj, w¨j pro\j to\ qnhto\n neuou/saj kaiì pa/nu. To\
dh\ loipo\n au)th=j tou=to/ e)stin, oÁ ei¹ko/na eÃfamen nou= s%¯zousa/n ti fw½j e)kei¿nou.
58
V, 1, 10, 24-27.
59
Para toda essa passagem, a respeito de como a purificação deve ser realizada, ver I, 2, 5.
neles. Também, não buscará a comida e a bebida visando ao prazer, assim como os
deleites venéreos.60
Depois, a alma aspirará a purificar também a sua parte irracional, de modo que
não receba nenhum impacto exterior, isto é, das realidades sensíveis, ou, ao menos,
buscará uma maneira de esses impactos sejam escassos. Por fim, como o vizinho de um
sábio que não se atreve a cometer atos reprováveis perto dele, tais impactos se
apenas o que é moralmente errado que deve ser suprimido. Mesmo alguns atos que não
sejam condenáveis devem ser evitados por conduzirem a uma ligação maior da alma com
suas potências ligadas ao composto por alguns momentos – pois, em vida, isso só pode
ocorrer em momentos definidos, e não de forma permanente, já que o corpo tem suas
necessidades básicas que não podem e nem devem, como, aliás, sinaliza o próprio
Intelecto.63 Quando isso ocorre, Plotino pode dizer que, por sua semelhança, a alma se
tornou Intelecto64 e que, por sua quietude, ela está confiada e subordinada ao Intelecto.65
60
Para JEVONS, Was Plotinus Influenced by Opium, algumas passagens da Vida de Porfírio sugerem que
Plotino era um usuário de ópio. A mais importante delas, fundamental para o seu argumento, é um trecho
do capítulo 8 (20-26), onde Porfírio fala que Plotino dormia e comia pouco. Ora, a leitura do trecho de I, 2,
5, aqui em discussão, mostra que tal atitude não é conseqüência de alguma substância química, mas uma
opção ascética, aliás, bastante semelhante à de seguidores de outras tradições espirituais.
61
I, 2, 6, 2-3. h( spoudh\ ou)k eÃcw a(marti¿aj eiånai, a)lla\ qeo\n eiånai.
62
Em I, 9, Plotino se posiciona contra a separação voluntária total da alma e do corpo, realizada com o
suicídio. E, como vimos, ele diz em I, 2 que a alma que vai purificar-se do sensível evita os prazeres e
dores, mas, no entanto, deve procurar os descansos, medicações e sensações prazerosas que evitem
perturbações maiores.
63
V, 3, 6, 14-15.
64
VI, 7, 35, 3-7.
65
VI, 9, 3, 22-24.
2. A EXPERIÊNCIA MÍSTICA INTELECTUAL
Intelecto não chegaram a um acordo a respeito de sua natureza. Segundo Dodds, “para
É um erro bastante freqüente, entre os intérpretes de Plotino, pensar que só existem estados
místicos plotinianos no contato unitivo com o Um. É preferível dizer que a experiência mística
consiste, para alma, em pensar segundo o modo de pensamento próprio ao Pensamento puro67.
Lloyd, por sua vez, afirmando que as descrições plotinianas do Intelecto podem
ser, grosso modo, reduzidas às linhas aristotélicas a respeito do Intelecto divino, nota que
consciência, mas não como a contemplação de uma realidade superior. Para ele, trata-se
Acima de tudo, o encontro com o nous não é primariamente o fato de conhecer algo, ou ter uma
intuição disso, ou tocá-lo mentalmente; é a experiência de encontrar o que nós poderíamos chamar
de uma dimensão nova e abrangente dentro de nós, que Plotino chama de ver o mundo espiritual,
66
DODDS, Pagan and Christian in an Age of Anxiety, p. 84, n. 1.
67
Ou seja, ao Intelecto. HADOT, P. Les Niveaux de Conscience dans le États Mystiques selon Plotin, p.
245.
68
LLOYD, Plotinus, p. 218.
69
RIST, Back to the Mysticism of Plotinus: some more specifics, p. 195.
Outros autores, como Wallis70 e Merlan71 realizaram algumas comparações da
usuários de drogas e epiléticos. Essas comparações, no entanto, por mais frutíferas que
sejam, carecem de uma determinação rigorosa do que dizem Enéadas sobre tal
experiência.
2. 1. A Experiência
suas descrições são apenas baseadas na teoria da união da alma com o Intelecto ou
também nas recordações pessoais de Plotino? Em outras palavras: trata-se de algo que foi
vivido pelo filósofo ou apenas conseqüência de suas doutrinas? Afinal, como notaram
Lloyd e Merlan, algumas das passagens das Enéadas que poderiam ser usadas para
70
WALLIS, Nous as Experience. Utilizando os estudos de Von Fritz, que entendem o conceito de nou=j
(intelecto) em Homero como “uma espécie de sexto sentido que penetra mais profundamente na natureza
dos objetos percebidos que os outros sentidos”, ele compara a experiência de Plotino com a da descoberta
matemática e científica, bem como da inspiração artística. Também analisa suas semelhanças com a
experiência intelectual descrita na Carta VII de Platão. Ao mesmo tempo, notando que, na experiência de
Plotino, existe uma certa contemplação da totalidade, Wallis também a compara com a inspiração literária
de Fílon, a contemplação estética de Schopenhauer, alguns relatos budistas e descrições de experiências de
usuários de mescalina e outros alucinógenos.
71
MERLAN, Monopsychism, Mysticism, Metaconsciousness. Merlan acredita ter encontrado paralelos da
mística intelectual de Plotino em uma tradição que, passando pela filosofia islâmica com Averróes, Ibn
Bagga, al-Farabi e Avicena, bem como por comentadores antigos, como Alexandre e o pseudo-Alexandre
de Afrodísia, parece remontar ao próprio Aristóteles. Ainda, a partir da sentença de Averróis, ideo prothetia
venit in dispositione simili epilepsie71, Merlan também a compara com textos de Dostoievski e Gérard de
Nerval, que falam de uma compreensão súbita de todas as coisas e um enorme bem estar. Os paralelos com
a tradição neoaristotélica me parecem muito interessantes. No caso dos comentadores antigos, somos até
mesmo tentados a pensar em inspirações e fontes do próprio Plotino. Já não creio, no entanto, que a relação
com as descrições de Dostoievski e Gérard de Nerval seja tão adequada. Os dois autores, quando falam de
suas experiências, discorrem sobre o trabalho da imaginação, que, como vimos, não existe na experiência
de Plotino, que é de natureza intelectual.
determinar a sua natureza parecem ser baseadas em textos de Aristóteles e seus
comentadores.
Creio, no entanto, ser seguro dizer que estamos aqui diante de uma experiência
pessoal. Isso por dois motivos. Em primeiro lugar, existem alguns textos plotinianos que
exortam o leitor à purificação e que tratam do que acontece a partir daí, ou seja, da
tratado escrito por Plotino, segundo a cronologia de Porfírio. Nessa passagem, Plotino diz
que a natureza divina da alma será percebida por aqueles que a examinarem em seu
estado de pureza, ou seja, livre da ligação com o sensível. Quando isso acontece, alcança-
Em segundo lugar, uma das passagens mais pessoais das Eneádas diz justamente
respeito a essa experiência: trata-se de IV, 8, 1. Nesse texto, Plotino fala, em primeira
pessoa, dos momentos em que sai de seu corpo e desperta para o mundo inteligível,
Muitas vezes, acordando do meu corpo para mim mesmo, vindo a estar, por um lado, fora das
outras coisas e, por outro, dentro de mim mesmo, vejo uma admirável beleza. Neste momento,
acredito ainda mais pertencer à parte superior [dos seres]. Atualizo uma vida superior, vindo tanto
a ser uma mesma coisa com o divino, quanto a me estabelecer nele, chegando àquela atividade e
estabelecendo a mim mesmo acima de todo outro inteligível. Depois desse repouso no divino,
descendo do intelecto ao raciocínio, fico perplexo a respeito de como alguma vez e agora mesmo
72
IV, 7, 10.
desci, bem como a respeito de como a minha alma veio a estar dentro de um corpo, apesar de ser
Por muito tempo, esse texto foi compreendido como uma descrição da
contemplação do Deus supremo: foi utilizado por Santo Ambrósio74, ao tratar do êxtase
de São Paulo da Segunda Epístola aos Coríntios, bem como pelo autor da Teologia de
Aristóteles, de onde será também conhecida por místicos árabes e aproveitada nos
seu relato da experiência mística de seu mestre com o “Deus primeiro e transcendente”76,
suas palavras e expressões, como polla&kij, u(pe&r pa=n to_ nohto_n i(drume&noj e
e)ne&rgeia.
O peso da tradição fez com que Rist, em seu Plotinus78, bem como outros autores
73
IV, 8, 1, 1-11. Polla/kij e)geiro/menoj ei¹j e)mauto\n e)k tou= sw¯matoj kaiì gino/menoj
tw½n me\n aÃllwn eÃcw, e)mautou= de\ eiãsw, qaumasto\n h(li¿kon o(rw½n ka/lloj, kaiì th=j
krei¿ttonoj moi¿raj pisteu/saj to/te ma/lista eiånai, zwh/n te a)ri¿sthn e)nergh/saj kaiì
t%½ qei¿% ei¹j tau)to\n gegenhme/noj kaiì e)n au)t%½ i¸druqeiìj ei¹j e)ne/rgeian e)lqwÜn
e)kei¿nhn u(pe\r pa=n to\ aÃllo nohto\n e)mauto\n i¸dru/saj, meta\ tau/thn th\n e)n t%½ qei¿%
sta/sin ei¹j logismo\n e)k nou= kataba\j a)porw½, pw½j pote kaiì nu=n katabai¿nw, kaiì
oÀpwj pote/ moi eÃndon h( yuxh\ gege/nhtai tou= sw¯matoj tou=to ouÅsa, oiâon e)fa/nh
kaq' e(auth/n, kai¿per ouÅsa e)n sw¯mati.
74
De Isaac et anima, IV, 11 apud HADOT, Annuaire 1970-1971, p. 288.
75
Ibid., p. 288-289. Hadot cita como sua fonte para suas afirmações sobre a relação de IV, 8, 1 com a
mística árabe o livro de H. Corbin, Histoire de la philosophie islamique. Paris, 1964, p. 36.
76
Vida de Plotino, 23, 9. Hadot, op. cit., p. 289, diz que é possível que esse Deus seja o Intelecto. Mas
Porfírio é claro aqui: trata-se do Deus primeiro, que está estabelecido acima do Intelecto e de todo o
inteligível. Ou seja, o Um.
77
23, 7-18.
78
RIST, J. Plotinus: road to reality. CAMBRIDGE, 1967. Uso a edição italiana: RIST, Plotino, la via
verso la realità, p. 93 e 256-257.
79
O’DALY, Plotinus’ Philosophy of the Self, p. 83 e The Presence of the One in Plotinus, p. 159. Note-se
que O’Daly remete ao livro de Rist a justificativa da sua interpretação de IV, 8, 1 como se referindo ao Um.
80
No apêndice de seu comentário a VI, 9, Plotinus on the Good or the One (Enneads VI, 9).
Um. No entanto, alguns outros estudiosos, em especial Hadot81 e O’Meara82
intelectual. Segundo Hadot, a expressão u(pe\r pa=n to\ aÃllo nohto\n e)mauto\n i¸dru/saj -
estabelecendo a mim mesmo acima de todo outro inteligível -, parece indicar, â primeira
vista, que a alma está acima do Intelecto, ou seja, junto ao Um. No entanto, o termo aÃllo
é importante aqui. Ele mostra que a alma está acima de quase todo o inteligível, mas não
do Intelecto.83
IV, 8 investiga como foi possível à alma sair do inteligível e cair no sensível. Assim, o
contrário, está escrito que a alma desce do intelecto, ou seja, da experiência intuitiva que
discursivo.85 Por fim, Plotino fala de uma grande beleza. Ora, o Intelecto é identificado
A partir desses indícios, creio ser seguro dizer que IV, 8, 1 descreve a experiência
apenas escrevendo que havia ignorado, no seu Plotinus, a força do aÃllo no u(pe\r pa=n
81
HADOT, op. cit., p. 288-289 e L’Union de l’Ame avec l’Intellect, p. 14-15.
82
O’MEARA, A Propos d’une Témoignage sur l’Expérience Mystique de Plotin.
83
HADOT, L’Union, p. 15.
84
HADOT, Annuaire, p. 289.
85
O’MEARA, op. cit.
to\ aÃllo nohto\n e)mauto\n i¸dru/saj, mas também utilizando essa passagem nas suas
Por fim, não me parece que aqui exista um real peso da tradição aqui. Afinal, em
nenhum momento Porfírio e Ambrósio disseram que IV, 8, 1 se referia à união com o
Deus supremo. Apenas utilizaram o texto como um modelo para suas próprias descrições
aparente divergência encontrada nos textos das Enéadas que tratam do tema: parecem
forma inteligível:
- Uma contemplação e uma impressão (túpos) do que é visto, estampada e atuando, tal como a
86
RIST, Back to the Mysticism of Plotinus, p. 193-194.
87
I, 2, 4, 18-20. Ti¿ ouÅn tou=to; Qe/a kaiì tu/poj tou= o)fqe/ntoj e)nteqeiìj kaiì e)nergw½n, w¨j
h( oÃyij periì to\ o(rw¯menon.
Verá, pois, uma inteligência, vendo não algo sensível, nem alguma destas coisas mortais, mas
intuindo o eterno com o eterno – todas as coisas no inteligível -, tornando-se também um mundo
inteligível e luminoso, iluminado pela verdade que procede do Bem, aquele que irradia a verdade a
todos os inteligíveis.88
Por isso, também Zeus, ainda que seja o mais velho de todos os deuses, os quais guia, avança
as almas que podem ver essas coisas. E este (o mundo inteligível) aparece para eles de um certo
lugar invisível e, elevando-se sobre eles, ilumina do alto todas as coisas, enche de esplendor e
maravilha os que estão em baixo, os quais se viram para vê-lo, não podendo, tal como ao sol. Na
verdade, alguns deles suportam a luz e vêem. Outros, tanto mais se perturbam quanto mais
89
separados estão dele .
Essa passagem e a que a segue têm por base o Fedro 246e-24c, texto platônico
88
IV, 7, 10, 32-37. ãOyetai ga\r nou=n o(rw½nta ou)k ai¹sqhto/n ti ou)de\ tw½n qnhtw½n
tou/twn, a)lla\ a)idi¿% to\ a)i¿dion katanoou=nta, pa/nta ta\ e)n t%½ noht%½, ko/smon kaiì
au)to\n nohto\n kaiì fwteino\n gegenhme/non, a)lhqei¿# katalampo/menon tv= para\ tou=
a)gaqou=, oÁ pa=sin e)pila/mpei toiÍj nohtoiÍj a)lh/qeian.
89
V, 8, 10, 1-10. Dia\ tou=to kaiì <o( Zeu\j> kai¿per wÔn presbu/tatoj tw½n aÃllwn qew½n,
wÒn au)to\j h(geiÍtai, <prw½toj poreu/etai> e)piì th\n tou/tou qe/an, oi¸ de\ <eÀpontai qeoiì>
aÃlloi <kaiì dai¿monej> kaiì yuxai¿, aiá tau=ta o(ra=n <du/nantai>. ¸O de\ e)kfai¿netai
au)toiÍj eÃk tinoj a)ora/tou to/pou kaiì a)natei¿laj u(you= e)p' au)tw½n kate/lamye me\n
pa/nta kaiì eÃplhsen au)gh=j kaiì e)ce/plhce me\n tou\j ka/tw, kaiì e)stra/fhsan i¹deiÍn ou)
dedunhme/noi oiâa hÀlion. Oi¸ me\n aÃr' au)tou= a)ne/xontai¿ te kaiì ble/pousin, oi¸ de\
tara/ttontai, oÀs% aÄn a)festh/kwsin au)tou.
filosofia plotiniana o ser é o Intelecto, Plotino compreendeu o texto como uma descrição
Assim, Zeus é aqui a hipóstase Alma90, que, de fato, é quem primeiro recebe a luz do
Intelecto, já que é o ente mais próximo dele. Em seguida, recebem-na também as almas
superiores e as almas dos homens que foram purificadas. As que ainda estão apegadas ao
Os que o podem ver o vêem, olhando para ele e para o que é dele. No entanto, não é a mesma
contemplação que recebe cada um. Alguém, olhando fixo, vê resplandecendo a fonte e a natureza
do justo; outro é preenchido com a contemplação da temperança, não tal como a entre os homens,
continuação, no entanto, mostra como essa experiência pode ser conciliada com aquela
Zeus, então, vendo essas coisas, e também algum de nós que é seu companheiro de amor, no final,
vê permanecer em tudo a beleza total e participa da beleza de lá. Pois reluz em todas as coisas e
preenche os que estão ali, de modo que também esses se tornam belos, assim como, muitas vezes,
os homens que sobem em lugares elevados, tendo a terra de lá uma cor amarela, enchem-se
90
A Alma do mundo, por sua vez, que não é mencionada aqui, aparece em V, 8, 13, 15 como sendo
Afrodite.
91
V, 8, 10, 10-16. ¸Orw½ntej de\ oi¸ dunhqe/ntej i¹deiÍn ei¹j au)to\n me\n pa/ntej ble/pousi
kaiì ei¹j to\ au)tou. ou) tau)to\n de\ eÀkastoj a)eiì qe/ama komi¿zetai, a)ll' o( me\n a)tene\j
i¹dwÜn e)kla/mpousan eiåde th\n tou= dikai¿ou phgh\n kaiì fu/sin, aÃlloj de\ th=j
swfrosu/nhj e)plh/sqh tou= qea/matoj, ou)x oiàan aÃnqrwpoi par' au)toiÍj, oÀtan eÃxwsi:
mimeiÍtai ga\r auÀth a)mvge/pv e)kei¿nhn.
daquela cor, assemelhando-se à terra pela qual caminham. Mas a cor que floresce lá é a beleza, ou
melhor, tudo é cor e beleza em profundidade, pois o belo, como que aflorando, não é outra coisa.92
parece, a totalidade citada em IV, 7. Ela reluz em todas as formas e na própria alma, que
se torna semelhante à beleza e, portanto, torna-se bela. Ela não é algo superficial ou
exterior, mas uma beleza profunda, não acrescentada, que existe pela semelhança da
cada forma particular contém em potência o Intelecto universal. Assim, quando a alma se
liga a uma forma pela contemplação, ela está ligada à totalidade das formas, ao menos
potencialmente. Ora, essa relação potencial pode se tornar atual e, assim, a alma pode
Existe ainda uma outra etapa: o retorno à diánoia. O homem encarnado não pode
estar sempre imerso na contemplação do inteligível. Por mais que consiga se separar do
corpo, essa separação nunca será completa em vida e, portanto, mais cedo ou mais tarde
ele terá que interromper a prática filosófica para se alimentar, cuidar de sua saúde, etc. O
92
V, 8, 10, 24-33. Tau=ta ouÅn o(rw½n o( Zeu/j, kaiì eiã tij h(mw½n au)t%½ sunerasth/j, to\
teleutaiÍon o(r#= me/non e)piì pa=sin oÀlon to\ ka/lloj, kaiì ka/llouj metasxwÜn tou=
e)keiÍ: a)posti¿lbei ga\r pa/nta kaiì plhroiÍ tou\j e)keiÍ genome/nouj, w¨j kalou\j kaiì
au)tou\j gene/sqai, o(poiÍoi polla/kij aÃnqrwpoi ei¹j u(yhlou\j a)nabai¿nontej to/pouj to\
canqo\n xrw½ma e)xou/shj th=j gh=j th=j e)keiÍ e)plh/sqhsan e)kei¿nhj th=j xro/aj
o(moiwqe/ntej tv= e)f' hÂj e)bebh/kesan. ¹EkeiÍ de\ xro/a h( e)panqou=sa ka/lloj e)sti¿,
ma=llon de\ pa=n xro/a kaiì ka/lloj e)k ba/qouj: ou) ga\r aÃllo to\ kalo\n w¨j e)panqou=n.
retorno à diánoia é mencionado no já citado trecho de IV, 8, 1: “depois desse repouso no
E, se algum de nós, ainda que seja capaz de ver a si mesmo quando é possuído pelo deus, trouxer à
seguida, mesmo tendo deixado a imagem, ainda que bela, para voltar à unidade consigo mesmo, e
não tendo se separado mais, é um e, ao mesmo tempo, todas as coisas, junto àquele Deus que está
presente em silêncio e está com ele o quanto pode e quer. Se alguém se converte à dualidade,
permanecendo puro, estará imediatamente com aquele, de modo a novamente estar presente junto
Como notou Hadot, essa passagem parece indicar a existência de alguma espécie
unidade com o Intelecto. Ou seja, o retorno à diánoia pode também ser um episódio
passageiro da experiência.
93
V, 8, 11, 1-9. Ei¹ de/ tij h(mw½n a)dunatw½n e(auto\n o(ra=n, u(p' e)kei¿nou tou= qeou= e)pa\n
katalhfqeiìj ei¹j to\ i¹deiÍn profe/rv to\ qe/ama, e(auto\n profe/rei kaiì ei¹ko/na au)tou=
kallwpisqeiÍsan ble/pei, a)feiìj de\ th\n ei¹ko/na kai¿per kalh\n ouÅsan ei¹j eÁn au(t%½
e)lqwÜn kaiì mhke/ti sxi¿saj eÁn o(mou= pa/nta e)stiì met' e)kei¿nou tou= qeou= a)yofhtiì
paro/ntoj, kaiì eÃsti met' au)tou= oÀson du/natai kaiì qe/lei, ei¹ d' e)pistrafei¿h ei¹j du/o,
kaqaro\j me/nwn e)fech=j e)stin au)t%½, wÐste au)t%½ pareiÍnai e)kei¿nwj pa/lin, ei¹ pa/lin
e)p' au)to\n stre/foi.
94
HADOT, P. Les Niveaux de Conscience, p. 256-264.
2.3. Características da Experiência
na minha opinião, é que essa experiência, no seu ápice, é uma contemplação da totalidade
do mundo inteligível. Vimos que IV, 7 fala de uma intuição de todas as coisas no
inteligível. Por sua vez, vimos que em V, 8, 1095, Plotino diz que, após a contemplação de
uma forma inteligível específica, vemos a beleza total. Não é claro, entretanto, o que é
cada uma delas, ou vê todas elas indistintamente? A possibilidade de que a alma veja
distintamente cada uma das formas causa um certo estranhamento. Seria como se aquele
que chegou a essa contemplação tivesse o conhecimento total, soubesse de tudo. Uma
É como que o fluir de uma só fonte, não como de um certo sopro único, ou de um único calor, mas
como se uma certa qualidade tivesse em si e conservasse todas as qualidades: doçura com
fragrância, sabor de vinho, ao mesmo tempo que as potências de todos os sabores, visão das cores
e tudo quanto é conhecido pelo tato, também quanto ouvem os ouvidos, todas as melodias e todo
ritmo.96
95
p. 8-9.
96
VI, 7, 12, 23-30. ãEsti d' au)tw½n h( oiâon r(oh\ e)k mia=j phgh=j, ou)x oiâon e(no/j tinoj
pneu/matoj hÄ qermo/thtoj mia=j, a)lla\ oiâon eiã tij hÅn poio/thj mi¿a pa/saj e)n au)tv=
eÃxousa kaiì s%¯zousa ta\j poio/thtaj, gluku/thtoj meta\ eu)wdi¿aj, kaiì o(mou= oi¹nw¯dhj
poio/thj kaiì xulw½n a(pa/ntwn duna/meij kaiì xrwma/twn oÃyeij kaiì oÀsa a(faiì
ginw¯skousin: eÃstwsan de\ kaiì oÀsa a)koaiì a)kou/ousi, pa/nta me/lh kaiì r(uqmo\j pa=j.
Esse texto não diz respeito à experiência da alma, mas à própria vida interior do
Intelecto. Segundo Wallis, a vivacidade da descrição sugere uma base empírica.97 Não
acredito que toda passagem vívida das Enéadas seja fruto de uma experiência mística,
mas, como a alma experimenta a vida interior do Intelecto quando unida a ele, creio que o
trecho pode ser útil. No Intelecto, diz Plotino, é como se todas as qualidades estivessem
reunidas em uma só. Não estão separadas, portanto. E assim, provavelmente não são
experimentadas como separadas. Essa totalidade parece ser a beleza total, mencionada
das coisas sensíveis, ou seja, uma percepção exterior, na qual a alma não entra em contato
direto com o objeto, mas apenas com uma imagem sua.98 Na experiência do Intelecto, a
Se a purificação nos faz estar em conhecimento das coisas melhores, também as ciências que estão
no interior da alma se revelam, as que são verdadeiramente ciências. Pois não é correndo para fora
que a alma observa a temperança e a justiça, mas ela as vê por si mesma, na intuição de si mesma
potências dirigidas para o exterior. Dessa forma, ela vê os objetos em si mesma, com a
97
WALLIS, Nous as Experience, p. 123.
98
Sobre o conhecimento sensível ver I, 1, 7, 10-17. Sobre a diánoia, V, 3, 2, 7-14.
99
IV, 7, 10, 41-46. Ei¹ d' h( ka/qarsij poieiÍ e)n gnw¯sei tw½n a)ri¿stwn eiånai, kaiì ai¸
e)pisth=mai eÃndon ouÅsai a)nafai¿nontai, aiá dh\ kaiì oÃntwj e)pisth=mai¿ ei¹sin. Ou) ga\r
dh\ eÃcw pou dramou=sa h( yuxh\ <swfrosu/nhn kaqor#=> kaiì <dikaiosu/nhn>, a)ll'
au)th\ par' au)tv= e)n tv= katanoh/sei e(auth=j kaiì tou= oÁ pro/teron hÅn...
mesma intuição com que se percebe. Plotino nos fornece mais elementos para a
Mas aqueles que não vêem o todo consideram somente a impressão exterior. Já aos que estão
totalmente como que embriagados e saturados de néctar, pois a beleza penetrou toda a sua alma,
não lhes pertence apenas se tornar contempladores, pois não existe mais, por um lado, aquele que
contempla, exterior e, por outro, o contemplado, também exterior. Mas, aquele que vê com vista
aguda tem em si mesmo o que é visto. E, tendo-o, na maioria das vezes desconhece que tem e olha
como se fosse algo exterior, porque o vê como algo que é visto e porque quer ver. Tudo o que
alguém olha como objeto de contemplação, olha como algo exterior. Mas é necessário transferir já
a visão para si mesmo e ver como uma unidade, e ver como a si mesmo.100
Para Plotino, a interioridade dessa visão é tal que nem ao menos faz sentido falar
de um objeto enquanto algo exterior. O objeto contemplado não é visto como algo
Mas, como é possível conhecer algo em uma visão interior como a si mesmo? A
das formas inteligíveis, o Intelecto total, como a nós mesmos, porque nos tornamos
semelhantes a ele e a ele nos unimos. Como diz Plotino em IV, 7, intuindo o eterno com
100
V, 8, 10, 33-45. Alla\ toiÍj mh\ oÀlon o(rw½sin h( prosbolh\ mo/nh e)nomi¿sqh, toiÍj de\
dia\ panto\j oiâon oi¹nwqeiÍsi kaiì plhrwqeiÍsi tou= ne/ktaroj, aÀte di' oÀlhj th=j yuxh=j
tou= ka/llouj e)lqo/ntoj, ou) qeataiÍj mo/non u(pa/rxei gene/sqai. Ou) ga\r eÃti to\ me\n
eÃcw, to\ d' auÅ to\ qew¯menon eÃcw, a)ll' eÃxei to\ o)ce/wj o(rw½n e)n au)t%½ to\ o(rw¯menon,
kaiì eÃxwn ta\ polla\ a)gnoeiÍ oÀti eÃxei kaiì w¨j eÃcw oÄn ble/pei, oÀti w¨j o(rw¯menon
ble/pei kaiì oÀti qe/lei ble/pein. Pa=n de\ oÀ tij w¨j qeato\n ble/pei eÃcw ble/pei.
¹Alla\ xrh\ ei¹j au(to\n hÃdh metafe/rein kaiì ble/pein w¨j eÁn kaiì ble/pein w¨j au(to/n.
A terceira característica da mística plotiniana, facilmente deduzida do fato de
que, durante essa experiência, tem-se uma intuição direta do inteligível, é que ela se faz
que, desperta, receba as coisas que este vê, com ele é necessário contemplar o Um, não
acrescentando nenhuma sensação, nem recebendo nele nada que venha da sensação... 101
... Então, quando aquele que se prepara para a contemplação dele imagina grandeza, figura ou
volume a respeito desta natureza, o Intelecto não se tornou o condutor da sua contemplação, pois
não é natural ao Intelecto ver tais coisas, mas se trata de uma atividade da sensação e da opinião
superior, própria dos seres superiores. Já em V, 8, 11, ele escreve que aquele que se uniu
se, no entanto, que o superlativo makaristo\n deve ser lido um intensivo, não como uma
expressão de algo em seu grau máximo: é que, apesar de todo seu valor, a experiência do
Intelecto não é a maior beatitude possível de ser alcançada, pois, depois dela, ainda é
101
VI, 9, 3, 22-25. Nou=n toi¿nun xrh\ geno/menon kaiì th\n yuxh\n th\n au(tou= n%½
pisteu/santa kaiì u(fidru/santa, iàn' aÁ o(r#= e)keiÍnoj e)grhgoruiÍa de/xoito, tou/t%
qea=sqai to\ eÁn ou) prostiqe/nta aiãsqhsin ou)demi¿an ou)de/ ti par' au)th=j ei¹j e)keiÍnon
dexo/menon.
102
VI, 9, 3, 27-32. àOtan toi¿nun o( e)piì th\n qe/an tou= toiou/tou e)stalme/noj hÄ me/geqoj
hÄ sxh=ma hÄ oÃgkon periì tau/thn th\n fu/sin fantasqv=, ou) nou=j tou/t% h(gemwÜn
gi¿netai th=j qe/aj, oÀti mh\ nou=j ta\ toiau=ta pe/fuken o(ra=n, a)ll' eÃstin ai¹sqh/sewj kaiì
do/chj e(pome/nhj ai¹sqh/sei h( e)ne/rgeia.
A quinta característica é a posse inequívoca da verdade. No início de V, 5,
conhecimento de uma imagem que provém do objeto, no qual o próprio objeto não é
captado pela sensação. Por isso, não é um conhecimento seguro da realidade e, assim,
necessita ser complementado pelo raciocínio que o julga.103 Não é o que acontece no
Intelecto, pois ele não conhece as formas inteligíveis por meio de imagens, mas
imediatamente, pois elas estão em seu interior e constituem o seu próprio pensamento.
Ora, quando a alma se une ao Intelecto, ela possui esse mesmo conhecimento interior e já
não necessita de imagens para conhecer, não estando, desse modo, sujeita ao erro.
impressionaria Plotino: em mais de um momento104 ele compara aqueles que se fiam nos
Em último lugar, deve ser notado o inequívoco caráter místico dessa experiência.
agradável. Para expressar sua natureza, em V, 8, Plotino utiliza uma imagem comumente
empregada em uma tradição baseada nas religiões de mistérios e que vai de Platão à
divina.
103
V, 5, 1, 15.
104
III, 6, 6, 65-77 e V, 5, 11, 20. Digno de nota é também IV, 8, 1, em que a experiência do Intelecto é
comparada a um despertar.
Mas é necessário já transferir a visão para si mesmo, ver como uma unidade, e ver como a si
mesmo. Como alguém que, possuído por algum deus, inspirado por Febo ou por alguma Musa, em
Já aos que estão totalmente como que embriagados e saturados de néctar, já que a beleza veio a
toda a alma, não lhes pertence apenas se tornarem contempladores, pois não existe mais, por um
lado, aquele que contempla, exterior, e por outro, o contemplado, também exterior.106
embriaguez é uma metáfora típica na literatura mística: devemos nos lembrar que Plotino
é um escritor anterior a boa parte dessa tradição. Com efeito, a referência à embriaguez
de néctar é retirada do Banquete 203b, em que se fala de Poros, que bêbado, dorme no
jardim. O que importa, no presente contexto, é que a mesma imagem é utilizada em VI, 7,
105
V, 8, 32-42. ¹Alla\ xrh\ ei¹j au(to\n hÃdh metafe/rein kaiì ble/pein w¨j eÁn kaiì ble/pein
w¨j au(to/n, wÐsper eiã tij u(po\ qeou= katasxeqeiìj foibo/lhptoj hÄ u(po/ tinoj Mou/shj
e)n au(t%½ aÄn poioiÍto tou= qeou= th\n qe/an, ei¹ du/namin eÃxoi e)n au(t%½ qeo\n ble/pein.
106
V, 8, 10, 31-36. toiÍj de\ dia\ panto\j oiâon oi¹nwqeiÍsi kaiì plhrwqeiÍsi tou= ne/ktaroj,
aÀte di' oÀlhj th=j yuxh=j tou= ka/llouj e)lqo/ntoj, ou) qeataiÍj mo/non u(pa/rxei
gene/sqai. Ou) ga\r eÃti to\ me\n eÃcw, to\ d' auÅ to\ qew¯menon eÃcw, a)ll' eÃxei to\ o)ce/wj
o(rw½n e)n au)t%½ to\ o(rw¯menon
2.4. A Mística Intelectual e a Consciência de Si
”segundo o Intelecto, transformando-se nele, e não mais pensa como homem, mas
totalmente voltada para o inteligível e, assim, não pensa em mais nada: não tem
consciência de estar em um corpo, de ser alguém que está contemplando, nem tem
espaço, durante essa atividade, para suas recordações, quaisquer que sejam. É o que se
-Assim, não se recorda de nenhuma das coisas daqui, como, por exemplo, que filosofou e também
- Mas se não é possível, quando alguém aplica a intelecção a algo, fazer ou inteligir outra coisa,
mas apenas contemplar aquilo – e na intelecção não está incluído o “eu realizei a intelecção”,
sendo que só posteriormente, isso já tendo mudado, se fosse o caso, alguém poderia dizê-lo – não
seria possível, estando puramente no inteligível, ter lembrança de coisas que lhe, a alguém
107
V, 3, 4, 9-11. to\n ginw¯skonta e(auto\n kata\ to\n nou=n e)keiÍnon gino/menon: ka)kei¿n%
e(auto\n noeiÍn auÅ ou)x w¨j aÃnqrwpon eÃti, a)lla\ pantelw½j aÃllon geno/menon
108
IV, 4, 1, 4-11. Tw½n ouÅn e)ntau=qa ou)de/n, oiâon oÀti e)filoso/fhse, kaiì dh\ kaiì oÀti
e)ntau=qa ouÅsa e)qea=to ta\ e)keiÍ; ¹All' ei¹ mh\ eÃstin, oÀte tij e)piba/llei tiniì tv= noh/sei,
aÃllo ti poieiÍn hÄ noeiÍn ka)keiÍno qewreiÍn ® kaiì e)n tv= noh/sei ou)k eÃstin
e)mperiexo/menon to\ "e)nenoh/kein", a)ll' uÀsteron aÃn tij tou=t', ei¹ eÃtuxen, eiãpoi, tou=to
É também o que ele reafirma a respeito da experiência do Intelecto que pode ser
realizada em vida109:
Além disso, deve ser lembrado que, quando também aqui alguém contempla e, especialmente,
quando o faz claramente, não volta a intelecção para si mesmo. Tem-se, por um lado, a si mesmo,
mas, por outro, sua atividade se dirige àquilo. E se transforma naquilo, oferecendo a si mesmo
Como nota Plotino em um outro momento, algo parecido também ocorre nas
situações cotidianas que exigem concentração. Quando nos concentramos em uma leitura,
por exemplo, não estamos conscientes de que estamos lendo, mas apenas lemos,
prestando atenção no que está escrito. A reflexão, quando ocorre em tais momentos,
desvirtua a ação. Quando alguém que lê pensa que está lendo, não está mais concentrado
reflexiva está ainda mais distante, pois aquele que contempla é apenas em potência aquilo
que comumente é, já que se tornou semelhante ao Intelecto e não pensa mais como um
homem.
de\ hÃdh metaba/llontoj® ou)k aÄn eiãh e)n t%½ noht%½ kaqarw½j oÃnta mnh/mhn eÃxein tw½n
tv=de/ pote au)t%½ tini gegenhme/nwn.
109
Trata-se, na verdade, da mesma experiência. Afinal, a alma pode se separar do corpo tanto pela morte,
quanto, em alguns momentos da vida, por causa de sua purificação. Aliás, não me ocorre nenhuma
passagem das Enéadas, nem algum motivo para pensar que a experiência do Intelecto realizada ainda em
vida seja substancialmente diferente da que pode ocorrer após a morte.
110
IV, 4, 2, 3-8. Pro\j dh\ tau=ta/ tij a)namnhsqh/tw, w¨j oÀtan kaiì e)ntau=qa qewrv= kaiì
ma/lista e)nargw½j, ou)k e)pistre/fei pro\j e(auto\n to/te tv= noh/sei, a)ll' eÃxei me\n
e(auto/n, h( de\ e)ne/rgeia pro\j e)keiÍno, ka)keiÍno gi¿netai oiâon uÀlhn e(auto\n parasxw¯n,
ei¹dopoiou/menoj de\ kata\ to\ o(rw¯menon kaiì duna/mei wÔn to/te au)to/j.
111
I, 4, 10, 20-35.
Um outro aspecto é que, se, por um lado , um certo tipo de autoconsciência não
existe durante a experiência do Intelecto, pode-se, no entanto, dizer que estamos, nesse
ocasião existe unidade suficiente entre sujeito e objeto para a percepção da totalidade de
si mesmo.
apreender a figura e as demais características do nosso corpo. Isso, no entanto, não será
um verdadeiro pensamento de si mesmo, pois vemos uma parte de nós mesmos com
diánoia é superior, já que mais elevado e mais próximo do mundo inteligível, mas é no
intelecto particular que contém em potência todas as outras formas. O Intelecto total, por
sua vez, é a união de todas elas. Assim, no mundo inteligível, a contemplação realizada
pelo Intelecto, aquilo que constitui seu pensamento, não é diferente daquilo que é
mesmo, porque sua intelecção não será outra coisa que si mesmo: não haverá uma
dualidade entre aquele que contempla e aquilo que é contemplado, deixando de lado
112
V, 3, 1.
113
V, 3, 4, 1-14.
114
Citação de ARISTÓTELES, Metafísica 1072b21-22. V, 3, 5, 23, to\n nou=n tau)to\n eiånai t%½
noht%½.
aquele que contempla no ato do conhecimento, mas existirá uma unidade interna quer
Intelecto. Nesse caso, no entanto, não se pensará como uma alma encarnada, mas,
115
V, 3, 5, 44 – 6, 1.
116
V, 3, 4, 29-33.
CAPÍTULO 2
A ALMA E O UM
Na Enéada VI, 9, após mostrar que o fundamento último da realidade não pode
ser nem a Alma, nem o Intelecto, e que, por isso, está além de toda forma e toda
atribuição, Plotino diz que não se pode conhecê-lo nem pela ciência, nem pela intelecção,
como no caso dos outros inteligíveis, mas através de uma presença superior à ciência,
metáfora Da visão. Mas trata-se de uma outra forma de ver: êxtase e simplificação e um
ainda mais unido ao seu objeto que na experiência mística intelectual: uma verdadeira
união da alma com o princípio supremo da realidade. Por isso, em várias passagens,
vários termos: sunafh& (VI, , 9, 27), prosa&ptesqai (VI, 7, 40), qi&gein (VI, 9, 4, 27),
etc.118
117
VI, 9, 11, 23. eÃkstasij kaiì aÀplwsij kaiì e)pi¿dosij au)tou= kaiì eÃfesij pro\j a(fh\n kaiì
sta/sij kaiì perino/hsij pro\j e)farmogh/n.
118
Sobre os termos usados nas Enéadas a respeito da união com o Um, ver ARNOU, Le Désir de Dieu, p.
235-241.
Vários desses termos se tornaram parte integrante do vocabulário da tradição
mística ocidental, bem como de algumas tradições mais orientais, como da Igreja
transmitir uma idéia adequada, na medida em que isso é possível, da união com o Um.
Afinal, todo aquele que conhece minimamente a literatura mística está familiarizado com
parece traduzir um certo pressentimento mais ou menos irracional de que o divino está
próximo.
As coisas, no entanto, não são tão simples. Estando nas origens do vocabulário da
tradição mística, os termos das Enéadas não pressupõem essa tradição. Na verdade,
como informa Dodds119, “tem uma vasta gama de aplicações na literatura grega”: sua
função primordial é significar uma mudança abrupta no estado mental. Assim, é usada
O termo parece ter sido utilizado para descrever um estado místico, pela primeira
vez, por Fílon de Alexandria. Em Quis rerum divinarum heres sit, 249, ele escreve:
Êxtase significa ou o furor delirante que provoca a loucura – sob o efeito da senilidade, da
melancolia ou por uma outra razão análoga – ou a estupefação que experimentamos diante de
119
DODDS, Pagan and Christian, p. 70-72.
inteligência – se verdadeiramente é de sua natureza permanecer em repouso – ou, o mais nobre de
tudo, a possessão e delírio de origem divina – pelos quais a raça profética é tomada.120
Ainda assim, como notaram estudiosos como Dodds121 e Rist122, não parece que
Fílon esteja falando da mesma experiência que Plotino. Afinal, o êxtase profético é algo
mística, não me parece muito adequada para expressar a contemplação plotiniana do Um,
que não está apenas além da sensação, mas também do conhecimento intelectual.123
Como veremos, elas têm muito a dizer, tanto a respeito da teoria mística de Plotino,
quanto da própria experiência, por mais inefável e transcendente que ela seja.124
1. 1. O Um e o Intelecto
Como vimos, Plotino diz que, para se chegar à união com o Um, a alma deve
antes se tornar Intelecto e se subordinar ao Intelecto. Ou seja, ela deve se unir à totalidade
120
Apud BRANDÃO, B. A Teologia Mística do Pseudo-Dionísio Areopagita, nota 45.
121
op. cit., p. 73.
122
RIST, J. Eros and Psyche.
123
Causa-me assim estranhamento que um estudioso tão cuidadoso como Hadot afirme, em seu comentário
a VI, 7, p. 59-60, que uma das características da experiência mística de Plotino seja um sentimento de
presença.
124
Afinal, se, diante da mística, fosse possível apenas procurar a experiência ou se calar, os místicos não
teriam escrito tanto: o abismo quase infinito entre a diánoia e a parousía não exclui o papel, mesmo que
humilde, do discurso.
do mundo inteligível e contemplá-lo. Mas isso não é o bastante. Na Enéada VI, 9, ele
assevera que o Um é contemplado com o Intelecto puro e com o que existe de primeiro
no Intelecto.125 Esse texto pode ser aproximado de V, 5, 8, no qual está escrito que o
Intelecto vê o Um com aquilo de si mesmo que não é Intelecto. A mesma idéia também
aparece em III, 8:
- De fato, é necessário que o Intelecto como que se retire para trás e, abandonando a si mesmo,
como que se entregue à sua parte anterior, tendo duas frentes, e, com relação a essas coisas, se
Mas o que é essa parte superior do Intelecto com a qual é possível ver o Um? E
ainda, qual a relação da contemplação do primeiro princípio, realizada pela alma, com a
Assim, pois, o Intelecto tem uma potência para o inteligir, com a qual vê as coisas que estão nele,
e uma outra, uma outra, com a qual vê as coisas que estão além dele, em uma certa apreensão e
contato, pela qual, primeiro, somente vê e, em seguida, vendo, tem Intelecto e é um. Aquela é a
contemplação do Intelecto sensato, mas a outra é o Intelecto que ama, quando se torna insensato,
embriagado de néctar: amando então, tendo-se simplificado, chega ao bem estar na saciedade. E,
para ele, embriagar-se daquela embriaguez é melhor que estar na gravidade mais venerável.
125
VI, 9, 3.
126
III, 8, 9, 30-33. Ti¿ ouÅn e)stin oÁ komiou/meqa nou=n parasthsa/menoi; äH deiÍ to\n nou=n
oiâon ei¹j tou)pi¿sw a)naxwreiÍn kaiì oiâon e(auto\n a)fe/nta toiÍj ei¹j oÃpisqen au)tou=
a)mfi¿stomon oÃnta, ka)keiÍna, ei¹ e)qe/loi e)keiÍno o(ra=n, mh\ pa/nta nou=n eiånai.
- Não. O discurso que ensina os coloca no devir, mas o Intelecto tem sempre o inteligir e sempre o
não inteligir, mas o ver aquele de outro modo. Pois, vendo aquele, tem descendência e toma
consciência de que eles surgiram e que estão nele. E, quando os vê, diz-se que intelige. Mas,
Existem, desse modo, duas potências no Intelecto: uma com a qual ele vê as
formas inteligíveis em seu interior - a sua própria intelecção -, e uma outra com a qual
contempla o Um. Plotino chama esta última potência de Intelecto amante, caracterizando-
contrário da alma encarnada, sujeita ao devir, mas capaz contemplar o Um, essa visão
não se alterna com outros tipos de experiência no Intelecto: ele possui os dois tipos de
utilizando uma descrição temporal para dar a entender realidades metafísicas, Plotino
essa visão pura, essa potência pela qual o Intelecto ainda não intelige, mas está na
iminência de o fazer.
127
VI, 7, 35. Kaiì to\n nou=n toi¿nun th\n me\n eÃxein du/namin ei¹j to\ noeiÍn, v ta\ e)n au)t%½
ble/pei, th\n de/, v ta\ e)pe/keina au)tou= e)pibolv= tini kaiì paradoxv=, kaq' hÁn kaiì
pro/teron e(w¯ra mo/non kaiì o(rw½n uÀsteron kaiì nou=n eÃsxe kaiì eÀn e)sti. Kaiì eÃstin
e)kei¿nh me\n h( qe/a nou= eÃmfronoj, auÀth de\ nou=j e)rw½n, oÀtan aÃfrwn ge/nhtai
<mequsqeiìj tou= ne/ktaroj>: to/te e)rw½n gi¿netai a(plwqeiìj ei¹j eu)pa/qeian t%½ ko/r%:
kaiì eÃstin au)t%½ mequ/ein be/ltion hÄ semnote/r% eiånai toiau/thj me/qhj. Para\ me/roj
de\ o( nou=j e)keiÍnoj aÃlla, ta\ de\ aÃllote aÃlla o(r#=; äH ouÃ: o( de\ lo/goj dida/skwn
gino/mena poieiÍ, to\ de\ eÃxei to\ noeiÍn a)ei¿, eÃxei de\ kaiì to\ mh\ noeiÍn, a)lla\ aÃllwj
e)keiÍnon ble/pein. Kaiì ga\r o(rw½n e)keiÍnon eÃsxe gennh/mata kaiì sunv/sqeto kaiì
tou/twn genome/nwn kaiì e)no/ntwn: kaiì tau=ta me\n o(rw½n le/getai noeiÍn, e)keiÍno de\ vÂ
duna/mei eÃmelle noeiÍn.
Nesse contexto, é útil considerar brevemente a gênese do Intelecto. Eis o que Plotino
diz a respeito em V, 2:
Pois, sendo perfeito (o Um) por nada procurar, nem ter, nem necessitar, é como se tivesse
transbordado e de sua superabundância fez um outro: este, surgindo, voltou-se para aquele, foi
preenchido e, olhando para ele, tornou-se este Intelecto. E, por um lado, o seu deter-se junto
àquele fez o ente. Por outro lado, a contemplação daquele fez o Intelecto.128
algo diverso se voltou para a sua origem e, contemplando-a, tornou-se Intelecto. Existem
aqui três etapas: o transbordar do Um que produz algo diverso dele, o voltar-se ao Um
desse algo que foi produzido e a contemplação. Na primeira etapa, o que foi produzido é
Quando a alteridade se detém e se volta para o Um, ela é determinada e, então, aparece o
esperar que todos os textos que falem da gênese do Intelecto apresentem esse mesmo
interdependentes, Plotino afirma que, ao inteligir, o Intelecto faz subsistir o Ente e que
128
V, 2, 1, 7-9. oÄn ga\r te/leion t%½ mhde\n zhteiÍn mhde\ eÃxein mhde\ deiÍsqai oiâon
u(pererru/h kaiì to\ u(perplh=rej au)tou= pepoi¿hken aÃllo: to\ de\ geno/menon ei¹j au)to\
e)pestra/fh kaiì e)plhrw¯qh kaiì e)ge/neto pro\j au)to\ blepon kaiì nou=j ouÂtoj. Kaiì h(
me\n pro\j e)keiÍno sta/sij au)tou= to\ oÄn e)poi¿hsen, h( de\ pro\j au)to\ qe/a to\n nou=n.
129
II, 4, 5, 25-39.
este, ao ser inteligido, dá ao Intelecto o inteligir. Com isso, o filósofo dá a impressão de
importante aqui é notar que a potência com a qual a segunda hipóstase contempla o Um
em V, 2 de Ente. Plotino fala mais desse estado e de sua relação com o surgimento das
- Então, quando olhou o Bem, inteligiu aquele “um” como muitas coisas e, ainda que fosse um,
inteligiu-o como muitas coisas, dividindo-o por não poder inteligir o todo junto?
- Mas é que, olhando aquele, não era ainda Intelecto, mas via de um modo não intelectivo. Na
verdade, deve ser dito que nem ao menos viu o Um jamais, mas vivia junto dele, estava suspenso
nele e se voltava para ele. Então, esse movimento, plenificado por mover-se ali, ao redor do Um,
plenificou-o e, assim, não mais era apenas movimento, mas movimento saturado e pleno. Em
seguida, tornou-se todas as coisas e soube disso através da consciência de si. Então, já era
Intelecto, plenificado por ter o que devia ver e vendo essas coisas com a luz que vem daquele que
130
V, 1, 4, 26-29.
131
VI, 7, 16, 11-23. åAra, oÀte e(w¯ra pro\j to\ a)gaqo/n, e)no/ei w¨j polla\ to\ eÁn e)keiÍno kaiì
eÁn oÄn au)to\j e)no/ei au)to\n polla/, meri¿zwn au)to\n par' au)t%½ t%½ noeiÍn mh\ oÀlon o(mou=
du/nasqai; ¹All' ouÃpw nou=j hÅn e)keiÍno ble/pwn, a)ll' eÃblepen a)noh/twj. äH fate/on
w¨j ou)de\ e(w¯ra pw¯pote, a)ll' eÃzh me\n pro\j au)to\ kaiì a)nh/rthto au)tou= kaiì
e)pe/strapto pro\j au)to/, h( dh\ ki¿nhsij auÀth plhrwqeiÍsa t%½ e)keiÍ kineiÍsqai kaiì periì
e)keiÍno e)plh/rwsen au)to\ kaiì ou)ke/ti ki¿nhsij hÅn mo/non, a)lla\ ki¿nhsij diakorh\j kaiì
plh/rhj: e(ch=j de\ pa/nta e)ge/neto kaiì eÃgnw tou=to e)n sunaisqh/sei au)tou= kaiì nou=j
hÃdh hÅn, plhrwqeiìj me/n, iàn' eÃxv, oÁ oÃyetai, ble/pwn de\ au)ta\ meta\ fwto\j para\ tou=
do/ntoj e)keiÍna kaiì tou=to komizo/menoj.
Nessa passagem, é a própria contemplação do Um que, ao plenificar e saturar o
Intelecto com sua potência, dá origem às formas inteligíveis. Outros textos determinam
“somente desejo e visão sem impressão”132; já em V, 6, Plotino diz que o desejo de ver já
inteligíveis133.
Interpretando VI, 7, 16, Reale diz que o Intelecto não pensa o Um, mas a si
consequências, seria possível concluir que não existe propriamente uma contemplação da
realidade suprema, mas apenas de sua potência no interior do Intelecto135. Não me parece,
entretanto, ser esse o caso. Na passagem em questão, afirma-se existir uma visão não
intelectiva do Um. Se em seguida Plotino se corrige e diz que o Intelecto nunca o viu, é
porque a metáfora da visão não é adequada para expressar essa relação. Como tivemos a
ocasião de notar, de fato, ela é constantemente corrigida. Assim, Plotino fala que o
Intelecto não via propriamente o Um, mas estava junto dele, voltava-se para ele e estava
à metáfora do toque: “está fora dele (do Um), como em um círculo, tocando-o e suspenso
132
V, 3, 11, 11. pro\ de\ tou/tou eÃfesij mo/non kaiì a)tu/pwtoj oÃyij. Impressão aqui entendida
como túpos.
133
V, 6, 5, 5-10.
134
REALE, G. História da Filosofia Antiga, IV, p. 461.
135
Reale, no entanto, tendo usado a passagem apenas para tratar da gênese das formas no interior do
Intelecto, não escreveu sobre as conseqüências de tal interpretação para a teoria da experiência mística.
nele, tudo o que é razão e Intelecto”136. Ora, o verbo e)fa&ptesqai e seus derivados são
afirmando existir três modos de vida do Intelecto: a nascente, ou seja, aquele que ainda
não possui as formas; a atualizada, que intelige as formas; e a hiperôntica, que ama e
contempla o Um. Segundo ele, nas passagens a respeito do Intelecto nascente, Plotino
Um. Além disso, para ele, a união da alma com o primeiro princípio não é facilmente
Mas sua interpretação não me parece ser satisfatória. Isso porque existem algumas
delas é a própria VI, 7, 35, em dois momentos. Em primeiro lugar, quando Plotino diz
que o Intelecto possui uma potência de ver o que está além – ou seja, de contemplar o
seguida, vendo, tem Intelecto e é um”. Em segundo lugar, logo no fim da passagem que
fala das duas potências está escrito: “mas quando vê aquele, faz isso com a potência na
qual está na iminência de inteligir”. Ora, enquanto o primeiro trecho trata da visão pura
136
VI, 8, 18, 4-5. to\ d' eÃcw au)tou=, oiâon ku/kl% e)fapto/menon au)tou= kaiì e)chrthme/non
pa=n oÁ lo/goj kaiì nou=j.
137
ARNOU, Le Désir de Dieu, p. 237-238.
138
Entree les Hadot em L’Union de l’Ame avec L’Intellect; O’Daly em The Presence of the One in Plotinus
e Trouillard, em La Purification Plotinienne, cap. 6.
139
BUSSANICH, J. The One and Its Relation to Intellect in Plotinus, p. 231-236.
iminência da intelecção. Em ambos os textos, o nascimento do Intelecto é ligado à
contemplação do Um.
Entretanto, também fala, em III, 8, que o Intelecto está sempre a desejar o Um, mas que
está também sempre alcançando o que deseja140, sugerindo que o repouso pode ser
conciliado com o movimento do desejo. Além disso, as passagens que Bussanich cita não
tratam do repouso do Intelecto, mas do repouso da alma, dando a entender que a alma
deve interromper suas atividades relacionadas com o mundo sensível e a intelecção para
experimentar o Um. Por sua vez, também não me parece extraordinário que Plotino, em
muitas passagens, não declare que o Intelecto nascente seja também amante. Na verdade,
são pouquíssimas as passagens que dizem respeito ao amor do Intelecto pelo Um. Bem
Mas, qual a relação da alma com a experiência mística do Intelecto? É que, unindo-
se ao Intelecto, ela participa de sua vida interior. Assim, em primeiro lugar, tem a
Pode acontecer, entretanto, que ela também participe da potência “insensata”. Quando
isso acontece, ela tem a mesma experiência do Um que o Intelecto possui. É o que
E a alma está, como que confundida e desfigurada, permanecendo o intelecto que está nela, ou
melhor, o seu intelecto vê primeiro, a contemplação também vai até ela e os dois se tornam um. O
Bem, por sua vez, estendido sobre eles e harmonizado com a constituição de ambos, correndo e
140
III, 8, 11, 24.
unindo os dois, está sobre eles, dando-lhes uma sensação e contemplação bem-aventurada,
levantando-os de tal modo que não estão em um lugar, nem em outras coisas, nas quais, por
natureza uma coisa está em outra, pois ele próprio não está em algum lugar. O lugar inteligível
A alma, que durante a mística intelectual está confundida com o Intelecto e como
que desfigurada, já que, situada totalmente no inteligível, não realiza suas funções de
relação com o mundo sensível, pode ter a experiência do Um. E isso acontece da seguinte
por sua vez, também pode ter essa experiência quando é semelhante a um intelecto e,
perspectiva: como coincidência de centros e semelhança. Juntamente com VI, 7, 35, este
é um dos textos mais importantes das Enéadas sobre a teoria da união mística com o Um
mais importantes das Enéadas. No entanto, é uma passagem difícil, na qual estão
141
VI, 7, 35. . ¸H de\ yuxh\ oiâon sugxe/asa kaiì a)fani¿sasa me/nonta to\n e)n au)tv= nou=n,
ma=llon de\ o( nou=j au)th=j o(r#= prw½toj, eÃrxetai de\ h( qe/a kaiì ei¹j au)th\n kaiì ta\ du/o
eÁn gi¿netai. ¹Ektaqe\n de\ to\ a)gaqo\n e)p' au)toiÍj kaiì sunarmosqe\n tv= a)mfote/rwn
susta/sei e)pidramo\n kaiì e(nw½san ta\ du/o eÃpestin au)toiÍj <makari¿an> didou\j
aiãsqhsin kaiì <qe/an>, tosou=ton aÃraj, wÐste mh/te e)n to/p% eiånai, mh/te eÃn t% aÃll%,
e)n oiâj pe/fuken aÃllo e)n aÃll% eiånai: ou)de\ ga\r au)to/j pou: o( de\ <nohto\j to/poj> e)n
au)t%½, au)to\j de\ ou)k e)n aÃll%.
subentendidos uma série de pontos fundamentais. Por isso, deve ser analisada mais
Se então a alma conhece a si mesma em outro momento e sabe que seu movimento não é uma reta
- a não ser quando se rompe -, mas que seu movimento segundo a natureza é tal como o
movimento em círculo ao redor de algo que não é exterior, mas ao redor de um centro: o centro a
partir do qual existe o círculo - a alma se moverá ao redor dele, a partir do qual existe, e, com ele,
se suspenderá, levando-se a si mesma a este mesmo centro, que era necessário a todas as almas,
mas ao qual só as dos deuses se dirigem sempre: por dirigirem-se a ele é que são deuses, pois é
Deus o que se junta àquele – e o que se afastam para longe é o homem comum e a fera.142
mesma e descobre que seu movimento não é uma reta? Na passagem imediatamente
anterior143, Plotino diz que o Um não está fora de ninguém, mas presente a todos, mesmo
que não o saibam; isso porque aqueles que não sabem da presença do Um fogem dele e
de si mesmos, assim como uma criança que, tomada pela loucura, não reconhece seu pai.
Levando em conta esse texto, é fácil perceber que o outro momento em que a alma se
142
VI, 9, 8, 1-10. Eiã tij ouÅn yuxh\ oiåden e(auth\n to\n aÃllon xro/non, kaiì oiåden oÀti h(
ki¿nhsij au)th=j ou)k eu)qeiÍa, a)ll' hÄ oÀtan kla/sin la/bv, h( de\ kata\ fu/sin ki¿nhsij oiàa
h( e)n ku/kl% peri¿ ti ou)k eÃcw, a)lla\ periì ke/ntron, to\ de\ ke/ntron a)f' ou o( ku/kloj,
kinh/setai periì tou=to, a)f' ou e)sti, kaiì tou/tou a)narth/setai sumfe/rousa e(auth\n
pro\j to\ au)to/, pro\j oÁ e)xrh=n me\n pa/saj, fe/rontai de\ ai¸ qew½n a)ei¿: pro\j oÁ
fero/menai qeoi¿ ei¹si. Qeo\j ga\r to\ e)kei¿n% sunhmme/non, to\ de\ po/rrw a)fista/menon
aÃnqrwpoj o( polu\j kaiì qhri¿on.
143
VI, 9, 7, 27-34.
144
Essa interpretação, seguida por Hadot e Meijer em seus comentários, não é, no entanto, unânime. Como
nota Meijer, p. 229, Bréhier não traduziu a expressão to\n aÃllon xro/non;, MacKenna a traduziu por
“its history”; Cilento por “in qualche alteria stagione di vita”; etc. Não vejo, no entanto, nenhum bom
argumento para que o texto anterior não seja considerado como a chave para essa questão.
Em seguida, é importante esclarecer a natureza do movimento da alma. Está
escrito em II, 2 que a Alma possui um movimento não espacial, voltado a si mesmo,
circular145.
alma? Não existem outras passagens de VI, 9 a esse respeito e o próprio Plotino não
parece estar preocupado em esclarecer essa questão. Isso, assim creio, porque ele
esperava que seus leitores estivessem familiarizados com o texto de Timeu 43, no qual
Platão escreve que o movimento da alma é rompido pela força das sensações146. A
questão é iluminada também por II, 2, 14-19, onde Plotino declara que o corpo tem a
mesma e de seu princípio – e então está apta a se conhecer -, ela possui um movimento
reflexivo como que circular. No entanto, quando se submete aos apegos corporais e,
assim, foge de si mesma, voltando-se para o exterior, esse movimento se rompe e ela é
O texto continua, falando agora do centro da alma, a partir do qual ela existe.
Com esse centro, a alma pode se ligar e se suspender ao centro necessário a todas as
almas, ao qual, entretanto, somente os deuses se dirigem sempre. Mas, que centros são
esses? E ainda, o centro da alma é a mesma coisa que o centro de todas as coisas?
145
II, 2, 1. Ver também a nota 8 de Igal, em sua tradução, p. 366.
146
MEIJER, op. cit., p. 229, n. 661.
Assim, aquilo que é como que o centro da alma é o que buscamos? Na verdade, é necessário
considerar outro, para o qual todas as coisas que são como centros coincidem. É por analogia que
falamos de centro do círculo147. Pois a alma não é um círculo como a figura, mas nela e ao redor dela
existe a natureza original, a partir da qual ela existe. Além disso, as almas estão todas separadas.148
negativa: o centro de todas as coisas não é o centro da alma. Mas, de algum modo, eles
coincidem. De que maneira? Eis um ponto chave para a compreensão da teoria da união
Plotino também nos lembra que a idéia do centro de um círculo é usada aqui como
uma analogia. Afinal, a alma é uma realidade imaterial, não uma figura. E, por isso, o que
seria como que o seu centro, a partir do qual ela existe, está nela, ou seja, em seu interior,
conveniente. Além do mais, a imagem do centro é apenas uma analogia porque as almas
movimento circular – o que não é o caso do homem apegado ao sensível, cuja situação é
147
Como Meijer, p. 232-233 e contra Harder e Schwyzer, considero que, das três primeiras frases desta
passagem, apenas a primeira é uma interrogação. Ambas as posturas, no entanto, podem ser conciliadas
com a interpretação do texto que aqui apresento.
148
VI, 8, 10-16. To\ ouÅn th=j yuxh=j oiâon ke/ntron tou=to/ e)sti to\ zhtou/menon; äH aÃllo
ti deiÍ nomi¿sai, ei¹j oÁ pa/nta oiâon ke/ntra sumpi¿ptei. Kaiì oÀti a)nalogi¿# to\ ke/ntron
tou=de tou= ku/klou. Ou)de\ ga\r ouÀtw ku/kloj h( yuxh\ w¨j to\ sxh=ma, a)ll' oÀti e)n au)tv=
kaiì periì au)th\n h( a)rxai¿a fu/sij, kaiì oÀti a)po\ toiou/tou, kaiì eÃti ma=llon kaiì oÀti
xwrisqeiÍsai oÀlai.
149
Para Hadot, na sua tradução comentada de VI, 9, o periì não deve ser lido aqui como “ao redor”, mas
como “a respeito de”, pois não faz sentido que a natureza original esteja ao redor da alma. Não concordo
com essa posição. Creio que o que Plotino quer dizer aqui é precisamente isto: que a natureza primordial da
alma pode ser chamada de centro apenas por analogia, pois ela está não apenas dentro da alma, mas em
toda a alma, ou seja, ao redor dela. Meijer, p. 236, também não vê nenhum problema em ser possível dizer
que o centro da alma esteja ao redor dela.
150
MEIJER, p. 235.
Devemos agora nos perguntar: o que é essa natureza original da alma, que é como
que seu centro, a partir da qual ela existe? Investigando a questão, Meijer propõe três
possibilidades:
3. O Um.
Meijer diz que, no fim, opta pela opção três, talvez em conjunção com a dois.
Entretanto, parece-me que Plotino quer dizer aqui que essa natureza original é o centro da
alma. Se esse é o caso, como o centro da alma não é o centro de todas as coisas, ele não
A opção dois me parece mais plausível, não apenas por causa do paralelo com o
Timeu, mas também pela confirmação de outros textos platônicos, bem como de outras
passagens das Enéadas. Como mostra Armstrong em sua tradução do texto151, a idéia de
uma natureza original da alma aparece também no Banquete 192 e 9, na República 611d
alma, assim me parece, não é outra que a sua parte que pode se unir ao Intelecto. As
Em III, 8, Plotino diz que as partes inferiores participam das superiores, pois
procedem delas, e que existe uma atividade que se propaga por todas elas. É por isso que
se pode dizer que sua natureza primeira está dentro e ao seu redor da alma: está dentro
151
P. 330, apud HADOT, na sua tradução comentada, p. 100, n. 155.
152
Deve-se incluir também II, 3, 15, 17 junto com os outros textos.
153
II, 2, 3.
porque é de onde as outras partes surgem; e ao redor porque a atividade que existe em
Mas agora, já que uma parte de nós é dominada pelo corpo, como se alguém tivesse os pés na água,
mas com o resto do corpo a sobrepassasse, elevando-se com a parte não submersa do corpo, assim
coincidimos o centro de nós mesmos com o que se poderia chamar de centro de todas as coisas,
assim como os centros dos grandes círculos coincidem com o da esfera que os rodeia, repousando.154
É com a parte que não se liga ao sensível que podemos coincidir o centro da alma
com o centro de todas as coisas, isto é, com o Um. Plotino compara essa coincidência de
Se então fossem corporais, não círculos espirituais, seus centros coincidiriam localmente e, onde
quer que estivesse localizado o centro, ao redor dele estariam. Mas, já que estas são almas
inteligíveis e aquele está além do Intelecto, por potências diferentes, da maneira que é natural ao
que intelige coincidir com o que é inteligido, deve-se pensar que surge o contado, e que é ainda
maior, já que o que intelige está presente pela semelhança e identidad,e e coincide por ser parente,
nada os separando. Pois nos corpos, os corpos impedem a comunhão de uns com os outros, mas os
incorpóreos não são separados pelos corpos. Nem há um lugar que os separe uns dos outros, mas a
alteridade e a diferença. Assim, quando a alteridade não está presente, as coisas que não são outras
154
VI, 9, 8, 16-22. Nu=n de/, e)peiì me/roj h(mw½n kate/xetai u(po\ tou= sw¯matoj, oiâon eiã tij
tou\j po/daj eÃxoi e)n uÀdati, t%½ d' aÃll% sw¯mati u(pere/xoi, t%½ dh\ mh\ baptisqe/nti t%½
sw¯mati u(pera/rantej, tou/t% suna/ptomen kata\ to\ e(autw½n ke/ntron t%½ oiâon pa/ntwn
ke/ntr%, kaqa/per tw½n megi¿stwn ku/klwn ta\ ke/ntra t%½ th=j sfai¿raj th=j
periexou/shj ke/ntr%, a)napauo/menoi.
estão presentes. E aquele, não tendo alteridade, sempre está presente, enquanto nós, quando não a
temos. E aquele não aspira a nós, de modo a estar a nossa volta, mas nós aspiramos a ele, de modo
seres imateriais. É o que ocorre no presente caso: como os centros aqui em questão não
são centros de figuras, mas da alma e de todas as coisas, eles não podem coincidir
localmente. Como se dá, então, a coincidência? Pela semelhança, pela identidade e pelo
Pois aquele (O Um) não está ausente de nada, estanod junto de todas as coisas, de modo a, estando
presente, não estar presente a não ser aos que podem e estão preparados para o receber, de modo a
155
VI, 9, 8, 22-36. Ei¹ me\n ouÅn swmatikoiì hÅsan, ou) yuxikoiì ku/kloi, topikw½j aÄn t%½
ke/ntr% sunh=pton kai¿ pou keime/nou tou= ke/ntrou periì au)to\ aÄn hÅsan: e)peiì de\
au)tai¿ te ai¸ yuxaiì nohtai¿, u(pe\r nou=n te e)keiÍno, duna/mesin aÃllaij, v pe/fuke to\
noou=n pro\j to\ katanoou/menon suna/ptein, oi¹hte/on th\n sunafh\n gi¿nesqai kaiì
pleo/nwj to\ noou=n pareiÍnai o(moio/thti kaiì tau)to/thti kaiì suna/ptein t%½ suggeneiÍ
ou)deno\j diei¿rgontoj. Sw¯masi me\n ga\r sw¯mata kwlu/etai koinwneiÍn a)llh/loij, ta\
de\ a)sw¯mata sw¯masin ou) diei¿rgetai: ou)d' a)fe/sthke toi¿nun a)llh/lwn to/p%,
e(tero/thti de\ kaiì diafor#=: oÀtan ouÅn h( e(tero/thj mh\ parv=, a)llh/loij ta\ mh\ eÀtera
pa/restin. ¹EkeiÍno me\n ouÅn mh\ eÃxon e(tero/thta a)eiì pa/restin, h(meiÍj d' oÀtan mh\
eÃxwmen: ka)keiÍno me\n h(mw½n ou)k e)fi¿etai, wÐste periì h(ma=j eiånai, h(meiÍj de\ e)kei¿nou,
wÐste h(meiÍj periì e)keiÍno.
se harmonizar e, de alguma maneira, a estar em contato e tocá-lo pela semelhança e pela potência
que há neles, parente do que vem dele; quando assim for, como era quando veio a partir dele, já
Nesse texto, Plotino diz que podemos alcançar a união com o Um por uma
potência que é parente do que vem dele (do que vem dele, é importante notar, e não
propriamente dele) e que ela existe desde os princípios da geração das coisas – o que é
entendido pelo trecho “como era quando veio a partir dele”. A partir disso, é possível
supor que essa potência é o Intelecto amante. Afinal, é através dele que a alma se liga ao
princípio supremo.
uns com os outros por sua própria natureza corpórea. Esse não é o caso dos seres
imateriais, distintos uns dos outros pela alteridade. Quando dois seres imateriais não são
espaço que os separem. Como unidade absoluta, o Um não possui nenhuma alteridade.
Assim, para que seja possível a união com ele, é necessário suprimir toda a alteridade
existente na alma.
alma deve suprimir a alteridade decorrente de sua ligação com o sensível, ou seja,
desapegar-se do corpo e, em seguida, da imagem da alma que se liga ao corpo, bem como
das sensações, desejos, iras e demais paixões. Isso se faz através da purificação,
156
VI, 9, 4. ou) ga\r dh\ aÃpestin ou)deno\j e)keiÍno kaiì pa/ntwn de/, wÐste parwÜn mh\
pareiÍnai a)ll' hÄ toiÍj de/xesqai duname/noij kaiì pareskeuasme/noij, wÐste e)narmo/sai
kaiì oiâon e)fa/yasqai kaiì qi¿gein o(moio/thti kaiì tv= e)n au)t%½ duna/mei suggeneiÍ t%½
a)p' au)tou=: oÀtan ouÀtwj eÃxv, w¨j eiåxen, oÀte hÅlqen a)p' au)tou=, hÃdh du/natai i¹deiÍn w¨j
pe/fuken e)keiÍnoj qeato\j eiånai
157
V, 3, 9, 1-7.
permitindo, ao menos por alguns momentos nesta vida, que toda a atividade da alma
no entanto, não é o bastante para a união com o Um. Por menos alteridade que exista no
Intelecto e por mais unidade que exista entre o pensamento e o que é pensado em seu
interior, ele ainda possui alteridade. Afinal, se não existisse alteridade, as formas não
poderiam se distinguir umas das outras. Mesmo que no Intelecto o conhecimento seja
interior e, portanto, uno, ainda assim, de algum modo, persiste a dualidade entre sujeito e
objeto. Para que exista conhecimento, é necessária uma relação entre aquele que pensa e
aquilo que é pensado, mesmo quando o objeto é o próprio sujeito. No pensamento, diz
Assim, para que a alma possa se tornar semelhante ao Um, ela deve não apenas
suprimir a ligação ao sensível, mas também a própria alteridade inteligível. Em suma, ela
Já que também a alma, quando recebe dele um amor intenso, depõe toda a forma que tinha, depõe
também qualquer forma de ordem inteligível que estava nela. Pois não é possível, tendo e fazendo
alguma outra coisa, nem ver nem se adequar a ele: não se deve ter em mãos nem algo mau, nem
também algo bom, nem outra coisa, para que receba só o Só.159
suprime tudo160. Quando se suprime tudo, não existe mais alteridade, apenas identidade.
158
V, 3, 10, 25.
159
VI, 7, 34, 2-7.
160
V, 3, 17, 37-38.
A alma se torna, assim, semelhante ao Um. Sem a presença da alteridade, não existindo
como ela não contempla o Intelecto como um objeto exterior, mas como algo que ela se
tornou, a alma pode ver o Um porque ela mesma se tornou una e pura identidade.
Para ser mais claro: em vários momentos161, Plotino afirma que o Um não pensa.
Não porque seja irracional e esteja abaixo do pensamento, mas porque sua consciência,
sendo pura identidade e não possuindo nenhuma alteridade, está acima do pensamento. É
algo como um movimento simples e idêntico, como um contato que não tem nada de
intelectivo163.
autoconsciência do Um, segundo Plotino, não é um pensamento de si, mas algo como um
um toque, e)pafh&. Ora, essa palavra também aparece em VI, 7, 36 e em VI, 9, 7 para falar
da experiência mística da alma164. Já em VI, 7, 39, 1-2, Plotino usa e)pibolh&, que
significa apreensão ou intuição. O mesmo termo aparece em VI, 7, 35, 21-22, ligado ao
Intelecto amante: ele vê o que está alem de si por uma certa apreensão e contato, e)pibolh=
161
V, 3, 10; V, 6; VI, 7, 37-42; VI, 9, 6.
162
VI, 7, 39, 1-2. 6.7. ' a(plh= tij e)pibolh\ au)t%½ pro\j au)to\n.
163
VI, 7, 39, 18-19. eiãper to\ de\ a(plou=n kaiì to\ au)to\ pa=n oiâon ki¿nhma, ei¹ toiou=ton
eiãh oiâon e)pafh/, ou)de\n noero\n eÃxei.
164
VI, 7, 36, 4: ãEsti me\n ga\r h( tou= a)gaqou= eiãte gnw½sij eiãte e)pafh\ me/giston: “pois o
conhecimento ou toque do Bem é o maior”.
VI, 9, 7, 25: tou= qei¿ou e)pafv= ei¹j no/mwn plhrou/menoj qe/sin - (a respeito de Minos, que,
para Plotino, teve a experiência do Bem): “plenificando o estabelecimento das leis pelo toque do divino”.
É certo que esses termos aparecem em outros contextos nas Enéadas: e)pibolh&,
mesmo modo, fala-se de e)pafh& até mesmo com relação à aplicação de feitiços, em IV,
4, 40, 11. Assim, se apenas uma das palavras fosse comum a ambos os casos, não se
poderia constatar uma conexão terminológica firme. Mas a força do argumento está na
Um e a mística da alma se torna ainda mais evidente em VI, 7, 40, onde Plotino diz: “que
não é necessário intelecção no que diz respeito a ele (o Um), saberiam os que a ele se
uma ausência total de alteridade e por uma identidade pura que é como que o
“pensamento” do Um.167
1.4. Identidade
suprimindo toda alteridade, e experimenta sua própria vida interior, que é como que uma
165
O termo era originariamente empregado pelos epicuristas, obviamente em um sentido não místico. A
esse respeito, ver O’Daly em Plotinus’ Philosophy of the Self, p. 93-94. Sobre o emprego de e)pibolh& em
Plotino, ver O’Daly, The Presence of the One, p. 168, n. 42.
166
VI, 7, 40, 1. Kaiì oÀti me\n mh\ deiÍ no/hsin periì au)to\n eiånai, ei¹deiÍen aÄn oi¸
prosaya/menoi tou= toiou/tou.
167
Essa conclusão causa tanto estranhamento que até mesmo O’Daly, um dos únicos comentadores a
enunciá-la, o fez em uma frase interrogativa. Ver O’DALY, G. Plotinus’ Philosophy of the Self, p. 94.
intuição e um toque. Nessa contemplação, não existe um objeto, seja exterior, como no
E este é um discurso audacioso. Então, o que vê nem vê, nem distingue, nem imagina dois, mas,
como se viesse a ser outro, e não ele mesmo, nem de si mesmo, pertence àquele lugar, e, vindo a ser
Mas, até onde vai essa identidade? A alma se torna tão semelhante ao Um, a ponto
formulação clássica no Plotinus de Rist170, que lhe aplicou categorias retiradas do livro de
mística que isola a alma individual da natureza, mediante a ascese; o misticismo monista,
misticismo teísta, no qual a alma se une a um deus transcendente, que não pode, no
também transcendente ao mundo. Além disso, existem passagens nas quais Plotino
168
VI, 9, 10, 10-17. tolmhro\j me\n o( lo/goj. To/te me\n ouÅn ouÃte o(r#= ou)de\ diakri¿nei o(
o(rw½n ou)de\ fanta/zetai du/o, a)ll' oiâon aÃlloj geno/menoj kaiì ou)k au)to\j ou)d' au(tou=
sunteleiÍ e)keiÍ, ka)kei¿nou geno/menoj eÀn e)stin wÐsper ke/ntr% ke/ntron suna/yaj.
169
Ver, por exemplo, ARNOU, R. Le Désir de Dieu, p. 250-251; RIST, J. Plotino, p. 278-300 & Back to
the Mysticism of Plotinus, p. 184-190; MAMO, P. Is Plotiniam Mysticism Monistic; BUSSANICH, J. The
One and Its Relations to the Intellect, p. 180-193; MEIJER, P. Plotinus on the Good or the One, p. 307-
310.
170
RIST, Plotino, p. 278-330.
afirma claramente que o Um não é todas as coisas171. No restante do texto, ele se dedica a
plotiniano172.
Não entrarei no mérito da discussão, pois vejo nela um erro de base: não creio que
imanente e transcendente.174
É por isso que encontramos passagens das Enéadas que poderiam corrobar a
contemplação do Intelecto amante - que é semelhante ao Um, mas não idêntico a ele -, ao
lado de textos como VI, 9, 3, 10-13 e VI, 9, 10, 10-17, que afirmam não ser possível
acima do mundo das formas, toda atribuição e categoria é apenas metafórica. Não há
Uma vez cientes das dificuldades e dos perigos de se dizer que o misticismo
plotiniano seja monista ou teísta, podemos investigar o que as Enéadas têm a dizer sobre
171
Rist cita V, 5, 12, 47. Mas é Arnou que apresentou a refutação definitiva e exaustiva da interpretação
panteísta de Plotino. A esse respeito, ver Le Désir de Dieu, p. 157-191.
172
Rist, por sua vez, respondeu ao texto de Mamo em Back to the Mysticism of Plotinus.
173
Aliás, suspeito dessas categorias também com relação ao misticismo hindu, que os intérpretes
plotinianos não hesitam em classificar de monista. A esse respeito, ver GUÉNON, R. Introduction
Générale à l’Étude dês Doctrines Hindoues. Paris: Editions Guy Trédaniel, p. 1997.
174
Ver Arnou, op. cit. A imanência e transcendência do Um é bem expressa no início de V, 2: “O Um é
todas as coisas e nenhuma delas”: to\ eÁn pa/nta kaiì ou)de\ eÀn.
Várias passagens mostram que se trata de uma união real: além de VI, 9, 3, 10-13,
onde é dito que o inteligido não é outro, e de VI, 9, 10, 14-17, onde Plotino afirma não
ser possível distinguir a alma e o Um nessa ocasião, outros textos também ilustram esse
Certamente, já que não eram dois, mas eram um o que vê junto do que era visto - de modo que não
Pois não há nada entre eles e não são mais dois, mas ambos são um. Nem seria possível distingui-
Além disso, se a alma é capaz de suprimir toda sua alteridade e se, quando faz isso,
ela atinge uma supraconsciência que é como a supraconsciência do Um, parece que a
alma atinge a unidade com ele. Pois, se não fosse o caso, ela então seria diferente do Um
de algum modo: mas como é possível ser diferente quando não existe alteridade?
Por outro lado, refletindo um pouco sobre a natureza dessa identidade, fica evidente
o seu limite. Pois a alma suprime a alteridade aquietando as suas potências. Quando ela é
una, nada se move nela, nem as paixões, nem os discursos, nem as intelecções177. É nessa
175
VI, 9, 11, 4-6. ¹Epeiì toi¿nun du/o ou)k hÅn, a)ll' eÁn hÅn au)to\j o( i¹dwÜn pro\j to\
e(wrame/non, w¨j aÄn mh\ e(wrame/non, a)ll' h(nwme/non.
176
VI, 7, 34, 12-14. kaiì metacu\ ga\r ou)de\n ou)d' eÃti du/o, a)ll' eÁn aÃmfw: ou) ga\r aÄn
diakri¿naij eÃti, eÀwj pa/resti.
177
VI, 9, 11, 15.
178
Não se deve pensar, a partir daí, que na filosofia de Plotino, que a alma seja mais que o Um nesse
aspecto. Afinal, a capacidade de cair na multiplicidade é a capacidade de entrar em uma esfera inferior da
existência e, portanto, não há nisso nenhuma vantagem.
menos enquanto a alma está encarnada.179 Assim, durante a experiência mística, a alma
possui identidade com o Um e ambos são um só. Mas a alma é, potencialmente, ainda
uma alma.
Com Armstrong e contra Meijer, creio que a expressão e3n a1mfw, “ambos são um”
de VI, 7, 34, 14, ecoa o e3n e)stin a1mfw kai_ du&o, “ambos são um e dois”, de IV, 4, 2, 29,
aplicada à mística intelectual. Pois, como vimos nessa passagem 180, no que diz respeito à
ligação da alma com o Intelecto durante essa experiência, Plotino também fala de união,
também diz que ambos são uma só coisa. Além disso, declara que não existe nada entre
eles. Mas afirma também que, apesar disso, a alma não deixa de ser alma e que, ainda
que, nesse momento, os dois sejam uma só coisa, são ainda dois. Não existe uma
passagem das Enéadas que diga explicitamente as mesmas coisas sobre a união da alma
com o Um, o que daria uma resposta definitiva à presente questão, mas não é
inverossímil, a partir do que foi visto aqui, que se trate de um caso análogo.
179
VI, 9, 10.
180
p. 9.
2. A EXPERIÊNCIA MÍSTICA DO UM
ocuparam do tema dedicaram os seus esforços muito mais a determinar a teoria da união
Isso, assim me parece, por dois motivos. Em primeiro lugar, pela dificuldade
incapaz de ser expressa em palavras. Além disso, ao contrário de outros textos místicos,
Teresa, as passagens das Enéadas que falam da união com o Um são mais voltadas para
Em segundo lugar, pela já discutida apropriação dos termos das Enéadas pela
tradição mística. Influenciados por essa tradição, alguns comentadores pensaram que
mística de Plotino. No entanto, esse não é o caso. Muitos dos termos e fórmulas
Um bom exemplo disso é a ilustre passagem de VI, 9, 11, que, para muitos, é a
181
Como exceção a essa tendência, ressalto HADOT, Traité 38, p. 58-66, e SORAJBI, Time, Creation and
Continumm, no capítulo XI, Mystical Experience in Plotinus and Augustine, p. 157-163.
182
Trata-se de um resumo ,feito no século V d.C,. pelo monge Buddhaghosa da parte de um texto clássico
budista, o Abhidhamma referente à meditação.
E isso talvez era não uma contemplação, mas outra forma de ver, êxtase e simplificação e um dom
problemas grandes de interpretação. Pois como a experiência pode ser, ao mesmo tempo,
eÃkstasij e sta/sij? E como seria tanto uma contemplação quieta do Um, mas ao
As coisas ficam mais simples tendo em vista a teoria da união com o Um: a
experiência mística é eÃkstasij porque é uma saída do estado normal, na qual a alma não
vive mais sua vida ligada ao sensível e ao pensamento discursivo, nem mesmo a vida
noética do Intelecto, mas a vida do próprio fundamento de todas as coisas. Também, por
isso, é e)pi¿dosij au)tou=, dom de si. Por sua vez, é também sta/sij, repouso, porque,
sendo o abandono de toda a alteridade, é o mais completo repouso. E, por isso, também é
Dessa forma, esse não é um texto muito útil para uma fenomenologia da união
com o Um. Mas, se nem textos consagrados como esse são de grande auxílio, será
183
VI, 9, 11. To\ de\ iãswj hÅn ou) qe/ama, a)lla\ aÃlloj tro/poj tou= i¹deiÍn, eÃkstasij kaiì
aÀplwsij kaiì e)pi¿dosij au)tou= kaiì eÃfesij pro\j a(fh\n kaiì sta/sij kaiì perino/hsij
pro\j e)farmogh/n.
184
III, 8, 11.
Creio que a resposta é positiva. Em muitas passagens encontramos informações
bastante úteis para essa pesquisa. Obviamente, uma idéia exata de uma experiência
sempre só é possível para os que a viveram, ainda mais quando se trata de mística. No
2.1. A Experiência
analisado acima, na verdade se referem à teoria da união, é ainda certo dizer que Plotino a
experimentou? Devemos nos lembrar também de que IV, 8, 1, um dos raríssimos textos
das Enéadas em que Plotino fala na primeira pessoa, trata certamente da mística
intelectual.
Apesar disso, penso ser ainda muito claro que a mística do Um não é apenas uma
teoria ou uma possibilidade, mas algo que foi efetivamente vivido. Em primeiro lugar,
E, dessarte, por meio dessa luz demoníaca que sobe com o pensamento até Deus, o qual está no
além, seguindo o caminho apontado por Platão, no Simpósio, ele contemplou a Deus que não tem
forma nem essência, porquanto está acima da Inteligência e do inteligível. Desse Deus, eu,
Porfírio, o confesso, me aproximei e com ele uma só vez me uni. E agora tenho sessenta e oito
anos. A Plotino apareceu a visão do fim próximo. Esse fim e esse escopo era para ele a união
185
23, 7-18.
íntima com Deus que está acima de todas as coisas. Enquanto eu estive com ele, ele atingiu esse
clara de que Plotino viveu a união íntima com o Deus supremo através de um ato
inefável, ou seja, na experiência mística, e não apenas potencialmente – o que seria uma
mera constatação teórica. O outro ponto a ser notado é que ele o fez utilizando uma
receita platônica187 e parece ter ensinado o seu discípulo, Porfírio, a fazer o mesmo e a
obter, ao menos uma vez, o resultado desejado. Ou seja, a união com o Um não seria
própria a de Plotino, mas algo que pode ser aprendido e ensinado. Por fim, apesar de ser
extremamente desejada e como que o ápice da vida filosófica, essa união é algo
ele era seu discípulo. O próprio Porfírio, até o momento em que tinha escrito a Vida de
Plotino, apesar de ter conseguido ter a experiência, só a havia vivido uma única vez.
Plotino. Em primeiro lugar, em algumas passagens, com o VI, 9, 4 e VI, 7, 36, ele diz que
o seu discurso apenas mostra o caminho da união, ou então instrui sobre o primeiro
princípio, mas esse o caminho deve ser trilhado por cada um e o mais importante nele são
as purificações, virtudes, ascensões ao inteligível, etc. Ora, não seria verossímil que ele
falasse de um caminho a ser seguido e de práticas a serem realizadas se não fosse certo de
que elas conduziriam ao fim desejado, ou seja, provavelmente Plotino não estaria certo
186
Uso aqui a tradução de Ullman, em seu livro Plotino: um estudo das Enéadas, p. 277.
187
O que lança um desafio à interpretação corrente de Platão: como um texto pode indicar o caminho da
experiência mística a mais de uma pessoa sem a mínima relação com essa experiência?
Além disso, em outras passagens, constatando a impossibilidade de se expressar
em profundidade a realidade da união com o Um, Plotino diz que aqueles que a
2.2. O Amor
amor da alma pelo Um. A natureza do amor, enquanto deus, dáimon e afecção da alma
foi tratado com exaustão na Enéada III, 5. É um assunto complexo, com várias
ramificações. Assim, não será estudado em profundidade aqui. O que importa notar, neste
E não nos admiremos se aquele que fornece tão espantosos desejos está afastado de toda forma,
até da inteligível, já que também a alma, quando recebe dele um amor intenso, depõe toda a forma
que tinha, bem como qualquer forma de ordem inteligível esteja nela.189
188
Arnou (Lê Désir, p. 274-276) levantou essas passagens: VI, 9, 9, 39; I, 6, 7, 2; VI, 7, 40, 1; VI, 8, 19, 6
189
VI, 7, 34. Kaiì ou)ke/ti qauma/somen to\ tou\j deinou\j po/qouj pare/xon ei¹ pa/nth
a)ph/llaktai kaiì morfh=j nohth=j: e)peiì kaiì yuxh/, oÀtan au)tou= eÃrwta su/ntonon
la/bv, a)poti¿qetai pa=san hÁn eÃxei morfh/n, kaiì hÀtij aÄn kaiì nohtou= vÅ e)n au)tv=.
E também mostra que o bem está ali, o amor inato da alma, conforme o qual também Eros é
associado às Almas nas pinturas e nos mitos. Pois, já que é diferente de Deus e existe a partir
Afrodite vulgar. Como nota Hadot191, enquanto em III, 5 a Afrodite celeste é identificada
com a hipóstase Alma e a Afrodite vulgar com a Alma do mundo, nessa passagem de VI,
9, a celeste é a alma que ama o seu pai, ou seja, o Um, enquanto a vulgar é aquela que foi
E estando lá, tem o Eros celeste. Aqui, no entanto, surge o vulgar. Pois também lá está a Afrodite
celeste, mas aqui, vem a ser a vulgar, como que prostituída. E toda alma é Afrodite. E isto é
indicado também nas histórias do nascimento de Afrodite, em que Eros surgiu com ela. Ama então
a alma que tem o estado segundo a natureza, querendo ser unida a Deus, como o belo amor de uma
virgem por seu belo pai. E quando, vindo ao devir, como que é enganada pelas promessas dos
pretendentes, mudando para um outro amor mortal, é ultrajada pela privação do pai. Mas, odiando
novamente os ultrajes daqui, purificando-se das coisas daqui, novamente se preparando para ir em
190
VI, 9, 9, 24-27. DhloiÍ de\ oÀti to\ a)gaqo\n e)keiÍ kaiì o( eÃrwj o( th=j yuxh=j o( su/mfutoj,
kaqo\ kaiì sune/zeuktai ãErwj taiÍj YuxaiÍj kaiì e)n grafaiÍj kaiì e)n mu/qoij. ¹Epeiì
ga\r eÀteron qeou= e)kei¿nou, e)c e)kei¿nou de/, e)r#= au)tou= e)c a)na/gkhj.
191
HADOT, Traité 9, p. 195.
192
VI, 9, 28-40. Kaiì ouÅsa e)keiÍ to\n ou)ra/nion ãErwta eÃxei, e)ntau=qa de\ pa/ndhmoj
gi¿gnetai: kaiì ga/r e)stin e)keiÍ ¹Afrodi¿th ou)rani¿a, e)ntau=qa de\ gi¿gnetai pa/ndhmoj
oiâon e(tairisqeiÍsa. Kaiì eÃsti pa=sa yuxh\ ¹Afrodi¿th: kaiì tou=to ai¹ni¿ttetai kaiì ta\
th=j ¹Afrodi¿thj gene/qlia kaiì o( ãErwj o( met' au)th=j geno/menoj. ¹Er#= ouÅn kata\
fu/sin eÃxousa yuxh\ qeou= e(nwqh=nai qe/lousa, wÐsper parqe/noj kalou= patro\j kalo\n
eÃrwta. àOtan de\ ei¹j ge/nesin e)lqou=sa oiâon mnhstei¿aij a)pathqv=, aÃllon
a)llacame/nh qnhto\n eÃrwta e)rhmi¿# patro\j u(bri¿zetai: mish/sasa de\ pa/lin ta\j
e)ntau=qa uÀbreij a(gneu/sasa tw½n tv=de pro\j to\n pate/ra auÅqij stellome/nh <eu)paqeiÍ>.
Finalizando seu discurso sobre o amor na Enéada VI, 9, Plotino pede ao leitor que
assim, odeie os ultrajes daqui e se purifique. O amor ao Um, segundo ele, é melhor que o
dirigido ao mundo sensível porque não se volta para as coisas passageiras e pode alcançar
uma maior plenitude: se amamos o Um, podemos nos unir realmente a ele e não apenas o
E aqueles para os quais essa afecção é desconhecida reflitam nos amores daqui e, sendo capazes
de encontrar o que mais amam, reflitam que essas coisas amadas, mortais, prejudiciais e amores de
ídolos também mudam, porque não eram o verdadeiro amado, nem o nosso bem, nem o que
buscamos. Mas lá está o verdadeiro amado, junto do qual é possível estar, participando dele,
Por fim, devemos nos lembrar de que o amor é importante na união mística não
apenas como força propulsora no caminho a ser seguido: a alma só pode experimentar o
Intelecto amante que ela pode chegar a viver a vida do próprio Um.
193
Em VI, 7, 34, Plotino diz que o desejo de união carnal dos amantes daqui pode ser uma imagem do
desejo pela união real com o Um.
194
VI, 9, 9. Kaiì oiâj me\n aÃgnwsto/n e)sti to\ pa/qhma tou=to, e)nteu=qen e)nqumei¿sqw a)po\
tw½n e)ntau=qa e)rw¯twn, oiâo/n e)sti tuxeiÍn wÒn tij ma/lista e)r#=, kaiì oÀti tau=ta me\n ta\
e)rw¯mena qnhta\ kaiì blabera\ kaiì ei¹dw¯lwn eÃrwtej kaiì metapi¿ptei, oÀti ou)k hÅn to\
oÃntwj e)rw¯menon ou)de\ to\ a)gaqo\n h(mw½n ou)d' oÁ zhtou=men. ¹EkeiÍ de\ to\ a)lhqino\n
e)rw¯menon, %Ò eÃsti kaiì suneiÍnai metalabo/nta au)tou= kaiì oÃntwj eÃxonta, ou)
periptusso/menon sarciìn eÃcwqen.
2.3. As Etapas da Experiência
configura uma unidade profunda com sua investigação psicológica: a teoria não pode ser
isso, a teoria de que a alma só pode se unir ao Um se estiver unida ao Intelecto possui
também termina nela. Ao tratar desse assunto, na Enéada VI, 9, Plotino usa a metáfora do
santuário:
Nem só as coisas belas, mas também o belo já sobrepujando, tendo já se elevado acima também do
coro das virtudes, é como alguém que penetrou no interior do santuário, deixando para trás as
estátuas do templo, as quais, saindo novamente do santuário, são as primeiras que vê depois da
contemplação no interior. E a convivência de lá não é com uma estátua ou imagem, mas com ele:
contemplação das formas inteligíveis é como que uma visão de estátuas e imagens.
195
VI, 9, 11. Ou)de\ tw½n kalw½n, a)lla\ kaiì to\ kalo\n hÃdh u(perqe/wn, u(perba\j hÃdh kaiì
to\n tw½n a)retw½n xoro/n, wÐsper tij ei¹j to\ eiãsw tou= a)du/tou ei¹sdu\j ei¹j tou)pi¿sw
katalipwÜn ta\ e)n t%½ ne%½ a)ga/lmata, aÁ e)celqo/nti tou= a)du/tou pa/lin gi¿netai prw½ta
meta\ to\ eÃndon qe/ama kaiì th\n e)keiÍ sunousi¿an pro\j ou)k aÃgalma ou)de\ ei¹ko/na,
a)lla\ au)to/: aÁ dh\ gi¿gnetai deu/tera qea/mata
Quando cessa a experiência mística do Um, a alma volta novamente às formas. Coisa
Entretanto, tornando-se intelecto, ela própria contempla como que “intelectificada” e situada no
mundo inteligível. Mas vindo a estar nele e tendo o inteligível ao redor dele, intelige. E depois que
vê aquele Deus, já abandona todas as coisas. É como se alguém, entrando em uma casa ricamente
variada e contemplando cada uma das variedades assim tão belas do seu interior, se admirasse,
antes de ver o dono da casa. Vendo-o e se admirando de que ele não é da mesma natureza das
imagens, mas digno da verdadeira contemplação, abandona aquelas coisas e só vê aquele no resto
do tempo. E, em seguida, vendo e não tirando os olhos, não mais teria uma visão com a
continuidade da contemplação, mas a sua visão se misturaria com o contemplado, de modo que,
nele, o visto antes já se tornou visão, esquecendo-se de todas as outras coisas contempladas. E
talvez a imagem conservasse a analogia se não fosse um homem o que se apresenta ao que
contempla as coisas da casa, mas algum deus e, assim, não se manifestasse com uma visão, mas
Nessa passagem, torna-se ainda mais claro que existe uma grande diferença
homem, ou mais ainda, um deus, e a dos objetos de uma casa, ainda que belos. Ou, para
ser mais preciso: é a diferença entre uma visão unitiva e uma verdadeira união.
196
VI, 7, 5-19. kai¿toi nou=j geno/menoj auÀth qewreiÍ oiâon nowqeiÍsa kaiì <e)n t%½ to/p%
t%½ noht%½> genome/nh: a)lla\ genome/nh me\n e)n au)t%½ kaiì periì au)to\n eÃxousa to\
nohto\n noeiÍ, e)ph\n d' e)keiÍnon iãdv to\n qeo/n, pa/nta hÃdh a)fi¿hsin, oiâon eiã tij
ei¹selqwÜn ei¹j oiåkon poiki¿lon kaiì ouÀtw kalo\n qewroiÍ eÃndon eÀkasta tw½n
poikilma/twn kaiì qauma/zoi, priìn i¹deiÍn to\n tou= oiãkou despo/thn, i¹dwÜn d' e)keiÍnon
kaiì a)gasqeiìj ou) kata\ th\n tw½n a)galma/twn fu/sin oÃnta, a)ll' aÃcion th=j oÃntwj
qe/aj, a)feiìj e)keiÍna tou=ton mo/non tou= loipou= ble/poi, eiåta ble/pwn kaiì mh\ a)fairw½n
to\ oÃmma mhke/ti oÀrama ble/poi t%½ sunexeiÍ th=j qe/aj, a)lla\ th\n oÃyin au)tou=
sugkera/saito t%½ qea/mati, wÐste e)n au)t%½ hÃdh to\ o(rato\n pro/teron oÃyin gegone/nai,
tw½n d' aÃllwn pa/ntwn e)pila/qoito qeama/twn. Kaiì ta/xa aÄn s%¯zoi to\ a)na/logon h(
ei¹kw¯n, ei¹ mh\ aÃnqrwpoj eiãh o( e)pista\j t%½ ta\ tou= oiãkou qewme/n%, a)lla/ tij qeo/j,
kaiì ouÂtoj ou) kat' oÃyin fanei¿j, a)lla\ th\n yuxh\n e)mplh/saj tou= qewme/nou.
Essa diferença é explicada através da metáfora da luz. Em V, 5197, Plotino diz que,
na visão sensível, existe, por um lado, o objeto que é visto e, por outro, a luz que faz ver
esse objeto. Quando vemos alguma coisa, a luz está lá o tempo todo, iluminando-o e
tornando possível a visão. Por isso, é causa da visão. Mas, já que estamos concentrados
no objeto, não percebemos sua presença. No entanto, quando não há objeto a ser visto,
quando há visão sem objeto, o olho pode perceber a luz. Coisa análoga ocorre no
Intelecto: a origem de sua intelecção é o seu retorno e a sua contemplação do seu gerador.
Pois, como vimos, as formas inteligíveis são resultados desse processo. Assim, o Um
pode ser comparado à luz que torna possível a visão. Por sua vez, a visão sensível pode
ser usada como uma imagem da dupla atividade do Intelecto: ele pode ver os objetos
iluminados pela luz, e esse é o Intelecto sensato, ou pode ter uma visão sem objeto da
própria alma: sua meta verdadeira é tocar e contemplar essa mesma luz pela qual ela
vê.198
forma súbita e inesperada. É o que Plotino indica em VI, 7, 36, pela metáfora da onda,
E ali, quando alguém abandona toda a aprendizagem - tendo sido conduzido até esse ponto pela
instrução - fixado no belo, até ali intelige, enquanto está lá. Mas, transportado como que pela a
onda do próprio Intelecto e, sendo levantado para o alto por ela, como que inchada, de súbito vê de
197
V, 5.
198
V, 3, 17, 34-37.
199
HADOT, Traité 38, p. 177.
modo penetrante, não vendo como. Mas a contemplação, enchendo de luz os olhos, não faz outro
também é utilizado por vários outros autores para indicar uma experiência extraordinária
3, 17, 29 e V, 5, 7, 32.
Na seqüência deste último texto, o caráter inesperado da visão do Um, que surge
sobre a experiência mística do Intelecto, é expresso através de uma imagem da Ilíada VII,
422, a do sol que aparece sobre o oceano. Nessa passagem, Plotino diz que não se deve
andar em busca da experiência do Um, mas aguardar serenamente até que ela aconteça,
assim como os olhos aguardam a saída do sol, que, aparecendo sobre o horizonte do
Para resumir, eis então como se dá a união mística com o Um: em primeiro lugar,
a alma experimenta a união com o Intelecto. Durante essa união, subitamente e de modo
inesperado, ela é levada à contemplação do Um. Quando essa experiência termina, ela
volta à contemplação do Intelecto. E daí, como Plotino escreveu em IV, 8, 1, ela desce do
200
VI, 7, 36, 15-20.. ãEnqa dh\ e)a/saj tij pa=n ma/qhma, kaiì me/xri tou paidagwghqeiìj
kaiì e)n kal%½ i¸druqei¿j, e)n %Ò me/n e)sti, me/xri tou/tou noeiÍ, e)cenexqeiìj de\ t%½ au)tou=
tou= nou= oiâon ku/mati kaiì u(you= u(p' au)tou= oiâon oi¹dh/santoj a)rqeiìj ei¹seiÍden
e)cai¿fnhj ou)k i¹dwÜn oÀpwj, a)ll' h( qe/a plh/sasa fwto\j ta\ oÃmmata ou) di' au)tou=
pepoi¿hken aÃllo o(ra=n, a)ll' au)to\ to\ fw½j to\ oÀrama hÅn.
201
Por exemplo Banquete 210, que descreve a visão da beleza; Atos 9, 3 e 22, 6, na descrição da conversão
de São Paulo; e a terceira epístola do Pseudo-Dionísio Areopagita. Para outros casos, especialmente na
literatura cristã antiga, ver GOLITZIN, A. Suddenly", Christ: The Place of Negative Theology in the
Mystagogy of Dionysius Areopagites. Na internet: http://www.marquette.edu/maqom/Suddenly .
202
V, 5, 8, 1-7.
2.4. Características da Experiência
Em VI, 9, 1,1 Plotino diz que contemplar o Um é como vir a estar arrebatado ou
suprimida, aquele que a experimenta não se reconhece mais como homem, ainda mais no
Mas como que arrebatado ou possuído tranqüilamente na solidão e vindo a estar em uma condição
inabalável, não se apartando com nenhuma parte de sua essência, nem se virando sobre si mesmo,
emoção intensa. Pelo contrário, é um repouso e uma permanência total. O Bem, afirma
alteridade impede que exista qualquer movimento na alma. Não haverá, portanto,
noético:
Era, pois, ele mesmo um, não havendo nele diferença nenhuma com relação a si mesmo, nem com
relação a si mesmo, nem segundo outras coisas – pois nada se movia junto dele, nem a cólera, nem
203
VI, 9, 11. . ¹All' wÐsper a(rpasqeiìj hÄ e)nqousia/saj h(suxv= e)n e)rh/m% kaiì
katasta/sei gege/nhtai a)tremeiÍ, tv= au(tou= ou)si¿# ou)damv= a)pokli¿nwn ou)de\ periì
au(to\n strefo/menoj, e(stwÜj pa/nth kaiì oiâon sta/sij geno/menoj.
204
V, 5, 12, 34.
desejo de outra coisa estava presente nele que se elevava. E nem discurso, nem alguma intelecção.
Essa é uma característica fundamental da união com o Um, porque exclui quase
todas as outras: não há muito o que atribuir a uma experiência na qual não existe nenhum
evento em que a única coisa que a alma conhece é a unidade absoluta. Assim, nesse
momento, a alma não tem consciência de nada que possua alteridade. Por isso, de um
modo ainda mais intenso que no já mencionado caso de uma leitura atenta ou da mística
E nem sente o corpo, no qual está, nem diz que é alguma outra coisa: nem homem, nem animal,
nem ente, nem o todo – pois a contemplação dessas coisas seria de algum modo inconstante – e
nem tem tempo livre para se voltar para elas, nem quer. Mas, tendo buscado aquele, quando ele
está presente, vai ao seu encontro e o vê no lugar de si mesma. E quem é ela que o vê, nem isso
possibilidade do erro, já que o objeto não é exterior ao sujeito, muito menos o será netse
caso. Afinal, nem ao menos se pode dizer que existe um objeto por oposição ao sujeito, já
205
VI, 9, 11. åHn de\ eÁn kaiì au)to\j diafora\n e)n au(t%½ ou)demi¿an pro\j e(auto\n eÃxwn ouÃte
kata\ aÃlla ® ou) ga/r ti e)kineiÍto par' au)t%½, ou) qumo/j, ou)k e)piqumi¿a aÃllou parh=n
au)t%½ a)nabebhko/ti ® a)ll' ou)de\ lo/goj ou)de/ tij no/hsij ou)d' oÀlwj au)to/j, ei¹ deiÍ kaiì
tou=to le/gein.
206
VI, 7, 34. kaiì ouÃte sw¯matoj eÃti ai¹sqa/netai, oÀti e)stiìn e)n au)t%½, ouÃte e(auth\n
aÃllo ti le/gei, ou)k aÃnqrwpon, ou) z%½on, ou)k oÃn, ou)de\ pa=n ® a)nw¯maloj ga\r h(
tou/twn pwj qe/a ® kaiì ou)de\ sxolh\n aÃgei pro\j au)ta\ ouÃte qe/lei, a)lla\ kaiì au)to\
zhth/sasa e)kei¿n% paro/nti a)pant#= ka)keiÍno a)nt' au)th=j ble/pei: ti¿j de\ ouÅsa ble/pei,
ou)de\ tou=to sxola/zei o(ra=n.
que não existe alteridade. E, além disso, como fundamento de todas as coisas, o Um é a
própria verdade: “pois não há erro lá. Com efeito, onde se encontraria algo mais
quem se dirige o verdadeiro amor da alma, que a união com ele é o que existe de maior
valor:
Ali, certamente, não o trocaria nem por todas as coisas, nem se lhe oferecessem todo o céu, pois já
não existe nada mais precioso e melhor que o bem. Com efeito, nem poderia correr mais para
cima, as outras coisas todas estando abaixo, ainda que estejam no alto. Assim então, pode julgar
belamente e conhecer que este é o que desejava e afirmar que não há nada mais excelente que
ele.208
Por isso, a união mística constitui um grande bem-estar, aliás, o maior bem-estar
possível à alma:
Assim, o que diz “é aquele”, fala isso mais tarde. E se calando e passando bem, não mente que
passa bem: não diz deleitando-se com o corpo, mas porque se tornou o que era antes, quando era
feliz. E todas as outras coisas, com as quais antes se deleitava, dignidades, poderes, riquezas,
belezas ou ciências, delas fala com desdém. Não falaria assim se não tivesse encontrado coisas
207
VI, 7, 34. Ou) ga/r e)stin a)pa/th e)keiÍ: hÄ pou= aÄn tou= a)lhqou=j a)lhqe/steron tu/xoi;
208
VI, 7, 34. . ãEnqa dh\ ou)de\n pa/ntwn a)ntiì tou/tou a)lla/caito, ou)d' eiã tij au)tv=
pa/nta to\n ou)rano\n e)pitre/poi, w¨j ou)k oÃntoj aÃllou eÃti a)mei¿nonoj ou)de\ ma=llon
a)gaqou=: ouÃte ga\r a)nwte/rw tre/xei ta/ te aÃlla pa/nta katiou/shj, kaÄn vÅ aÃnw. àWste
to/te eÃxei kaiì to\ kri¿nein kalw½j kaiì gignw¯skein, oÀti tou=to/ e)stin ou e)fi¿eto, kaiì
ti¿qesqai, oÀti mhde/n e)sti kreiÍtton au)tou=.
209
VI, 7, 34. áO ouÅn le/gei, e)keiÍno/ e)sti, kaiì uÀsteron le/gei, kaiì siwpw½sa de\ le/gei
kaiì eu)paqou=sa ou) yeu/detai, oÀti eu)paqeiÍ: ou)de\ gargalizome/nou le/gei tou= sw¯matoj,
Analisando as passagens das Enéadas que falam do amor, do desejo e do bem
ligados à contemplação do Um, Sorajbi210 acredita estar diante de uma dificuldade, pois,
eu)paqe&ia, bem estar? De acordo com ele, essa aporia poderia indicar que “a união
Ao contrário de Sorajbi, Meijer diz que a eu)pa&qeia pode ser compreendida como
um estado contrário ao comandado pelas pa&qh, paixões, e, portanto, pode indicar uma
Intelecto, ainda manteriam a aporia. Como, para Meijer, é certo que existe identidade
entre a alma e o Um durante a união, segundo ele, a teoria mística de Plotino seria
inconsistente.
mística, estaríamos em face de uma grande contradição. Pois, como vimos, não há
nenhum movimento na alma durante a união, nem nas paixões, nem nas sensações, nem
adequadamente a passagem de VI, 7, transcrita acima. Ali, Plotino diz que esse bem estar
a)lla\ tou=to genome/nh, oÁ pa/lai, oÀte eu)tu/xei. ¹Alla\ kaiì ta\ aÃlla pa/nta, oiâj priìn
hÀdeto, a)rxaiÍj hÄ duna/mesin hÄ plou/toij hÄ ka/llesin hÄ e)pisth/maij, tau=ta
u(peridou=sa le/gei ou)k aÄn ei¹pou=sa mh\ krei¿ttosi suntuxou=sa tou/twn.
210
SORAJBI, R. Time Creation and Continuum, p. 159-160; MEIJER, P. Plotinus on the Good or the One,
p. 317-318.
211
Op. cit., p. 160.
Além disso, devemos levar em conta o papel da memória nas descrições das
Enéadas. Grande parte do que se escreve não é sobre a experiência em si, mas sobre a
memória dela e os juízos de valor que surgem daí. É o que se diz no início do trecho aqui
mesmo é afirmado em V, 3, 17, 27: durante o contato místico, não é possível dizer
nenhuma palavra, apenas mais tarde, quando o místico reflete sobre sua experiência.
Plotino também fala da memória da união em VI, 9, 11, onde declara que, quando o
místico lembra da experiência, possui uma imagem dela. Mas como possuir uma imagem
de uma experiência que está acima de qualquer imagem? Apenas se essa imagem e,
portanto, a memória desse acontecimento fossem algo bem impreciso, como que um
sentimentos. É lembrando a experiência que é possível dizer que ela foi boa. No
momento em que ela é vivida, não existe esse tipo de reflexão; não existe, aliás, nenhum
tipo de reflexão.
Nem teme, nem sente algo, enquanto está com aquele. E nem vê de modo algum. E se as coisas ao
seu redor perecessem, também desejaria muito isso, para que junto dele estivesse só: a tanto chega
o bem-estar.212
212
VI, 7, 34. ou)de\ fobeiÍtai, mh/ ti pa/qv, met' e)kei¿nou ouÅsa ou)d' oÀlwj i¹dou=sa: ei¹ de\
kaiì ta\ aÃlla ta\ periì au)th\n fqei¿roito, euÅ ma/la kaiì bou/letai, iàna pro\j tou/t% vÅ
mo/non: ei¹j to/son hÀkei eu)paqei¿aj.
2.5. Sumários da União
Como disse na primeira nota deste capítulo, ainda que grande parte dos estudiosos
partir do que foi visto, analisarei os sumários que esses pesquisadores fazem da
Comecemos por Hadot. Na introdução ao seu comentário de VI, 7213, ele afirma
que, com a leitura dos capítulos 34 e 36 desse tratado, é possível perceber seis
alma. A experiência é como um tipo de graça que não se pode provocar nem conservar
estados, no qual o filósofo vive sua vida intelectual, e uns raros momentos de êxtase.
Hadot compara a mística plotiniana com a de São Bernardo, em que, segundo ele,
breves de êxtase. E a contrasta com a mística de São João da Cruz, em que também a
a todas as almas, mas essa presença só pode ser provada por algumas almas privilegiadas.
213
p. 58-66;
Esse é também um sentimento de reconhecimento: a alma reconhece com certeza que
está em presença daquele que buscava e o faz por causa do bem-estar em que se encontra.
3. Essa presença é como uma visão, uma aparição interior. Mas é uma visão sem
afirmado por Santo Agostinho, São João da Cruz e São Francisco de Sales.
rara. Tenho dúvidas, no entanto, se a experiência de São João da Cruz, usada como termo
Deus, do místico carmelita, como o êxtase plotiniano, no qual a consciência está toda
voltada para essa contemplação? Até quando uma experiência místic,a como a de Plotino,
poderia ser prolongada? Além disso, deve-se notar que, se encontramos afirmações
encarnada, o mesmo não se pode falar da experiência do Intelecto: será ela mais
foram apresentadas por Hadot. Aliás, elas parecem entrar em contradição com a quinta.
Como a alma pode esquecer de todas as coisas e ainda assim reconhecer o Um, ter uma
grande alegria e sentir a sua presença? Esse tipo de descrição pressupõe o uso ativo dos
plotiniana. Portanto, deve ser evitada em um estudo rigoroso sobre o tema. Como vimos,
a alma não sente, nem pensa em nada durante a união, mas apenas vive a unidade pura do
Um. Assim, não faz sentido falar de sentimento de presença, apenas de presença. E é
de imagens.
conhecimento.
7. Não existe conexão especial com a morte: ela pode ser experimentada várias
extremamente quieto e ouvir apenas a voz superior, com a exclusão das outras.
formas. Na diánoia, ou seja, no pensamento temporal, uma idéia segue a outra. Com
movimento: experimenta-se o fundamento eterno de todas as coisas, tanto das que não
Podemos apenas acrescentar que, na união com o Um, até mesmo o mundo inteligível é
transcendido. É por isso que, como Sorajbi nota em sua sexta propriedade, a mística do
Um, a alma não é distinta do que contempla. Além disso, não existe consciência de um
eu, já que não existe pensamento reflexivo. A quinta característica, o caráter repentino e
súbito da experiência, também foi enunciada por Hadot. Está em estreita relação com a
sétima, a oitava e a nona: é certo que a união acontece subitamente, mas ela pode ser
Façamos agora o nosso sumário, resumindo esta seção: a união mística com o Um
não é apenas uma teoria, mas um evento que foi realmente vivido por Plotino. Ela
Após a união, o místico volta à experiência do Intelecto. E, durante seu estado mental
cotidiano, dianoético, ele pode refletir sobre esse acontecimento, através da imagem
gravada na ficou na memória. Essa reflexão mostra que a experiência foi sumamente
no entanto, a alma não pensa em nada disso. Aliás, não pensa em nada. Sua contemplação
não tem objeto, pois toda dualidade foi superada. A única coisa que existe é uma intuição
fundamento: a alma não vê o Um como um objeto, o que é impossível, mas se torna uma
só coisa com ele. Nessa experiência, a alma está completamente quieta e em repouso.
Nada se move nela, nem seus desejos, nem suas sensações, nem seu pensamento. Ela não
reflete sobre nada, nem tem consciência de nada. Tudo o que existe é uma
seu sistema filosófico, é composta por níveis diversos, distintos pelo grau de unidade que
possuem. E, quanto maior essa unidade, mais elevada a realidade: cada ser possui mais o
um na medida em que existe mais e verdadeiramente.214 Além disso, mais importante que
o ser, identificado por Plotino com o Intelecto, é o Um, acima da forma e do ser. Por isso,
Plotino, “as coisas contempladas tornando-se cada vez mais íntimas e unificadas com os
conhece. Por fim, no Um existe uma tal unidade que não se pode nem ao menos falar de
pensamento, mas apenas de uma supraconsciência que é como que uma possessão
214
VI, 9, 1.
215
III, 8, 8, 1-3. Th=j de\ qewri¿aj a)nabainou/shj e)k th=j fu/sewj e)piì yuxh\n kaiì a)po\
tau/thj ei¹j nou=n kaiì a)eiì oi¹keiote/rwn tw½n qewriw½n gignome/nwn kaiì e(noume/nwn
toiÍj qewrou=si.
216
III, 8, 6.
de unidade corresponde a um nível superior de realidade, que, por sua vez, pressupõe
Mas isso não é tudo. Como cada nível de realidade não está completamente
poder dizer dizer que o mundo está na Alma, a Alma, no Intelecto, e este, no Um217, é
possível aos níveis inferiores experimentarem a vida interior dos superiores. Assim, o
Intelecto, por sua parte mais elevada, o Intelecto amante, é capaz de experimentar a
Intelecto, quando se une a ele e, nessa união, é também capaz de contemplar o Um.
experiências místicas não são, portanto, algo irracional, nem estranho à atividade
intelectual. Pelo contrário, são formas mais elevadas de contemplação. Desse modo, são
aventurados: “distanciamento das outras coisas daqui, vida sem prazer com as coisas
217
V, 5, 10.
VI, 9, 11. a)pallagh\ tw½n aÃllwn tw½n tv=de, bi¿oj a)nh/donoj tw½n tv=de, fugh\ mo/nou
218
pro\j mo/non.
BIBLIOGRAFIA
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STEEL, C. The Changing Self, a study on the soul in later neoplatonism: Iamblichus,
SORAJBI, R. Time, Creation and Continuum: theories in antiguity and the early middle
1955.
Loyola, 2000.
I.
Pa/nta ta\ oÃnta t%½ e(ni¿ e)stin Todos os seres são seres pelo um220,
oÃnta, oÀsa te prw¯twj e)stiìn oÃnta, tanto aqueles que são primariamente seres,
kaiì oÀsa o(pwsou=n le/getai e)n toiÍj quanto aqueles que, de algum modo, diz-se
Ti¿ ga\r aÄn kaiì eiãh, ei¹ mh\ eÁn O que existiria, se não fosse um? Pois,
eiãh; ¹Epei¿per a)faireqe/nta tou= eÁn oÁ sendo retirados do um que deles se diz,
le/getai ou)k eÃstin e)keiÍna. OuÃte ga\r aqueles seres não existem mais. Nem um
strato\j eÃstin, ei¹ mh\ eÁn eÃstai, ouÃte exército existe, se não for um, nem um coro
219
Provavelmente o título deste tratado não foi escolhido por Plotino, mas por seu discípulo Porfírio,
responsável pela edição das Enéadas que conhecemos. É que, na Antiguidade, como nota HADOT, Traité
9, p. 15 , muitas vezes os autores não davam nome às suas obras enquanto ainda não haviam sido
publicadas e permaneciam nos círculos de discípulos.
220
O termo aqui significa a unidade interna das coisas. Note-se que Plotino usa aqui o mesmo termo com o
qual designa o princípio absoluto. Essa ambigüidade é intencional: ao se investigar a unidade das coisas,
será possível chegar, de um certo modo imperfeito, já que baseado no discurso, ao Um. Tentei, na medida
do possível, preservar essa ambigüidade do texto.
221
Uma hipótese, mencionada por Quiles, é a de que, nessa passagem, Plotino tenha em mente a divisão
aristotélica entre substância e acidentes. Neste caso, seria mais adequado traduzir e)n toiÍj ouÅsin eiånai
por “existirem nos seres” e não “entre os seres”, como optei. Assim, os que são primariamente seres seriam
as substâncias, materiais ou imateriais, enquanto “aqueles de que é dito de algum modo existirem nos
seres” seriam as qualidades, quantidades, etc. Por outro lado, como observou Hadot, é interessante o
paralelo entre essa passagem e o capítulo II do livro I da Introdução à Aritmética de Nicômaco de Gerasa.
Nesse texto, o matemático distingue entre os seres reais, que são imutáveis e imateriais, daqueles que são
sujeitos à criação, destruição e mutação. Enquanto, diz ele, os primeiros podem ser propriamente chamados
de seres, os segundos o podem apenas por homonímia. Essa distinção parece se encaixar bem no
platonismo de Plotino e no contexto da presente discussão que, iniciando com a consideração dos seres
materiais, ascende até o inteligível. Ambas as interpretações me parecem válidas.
xoro\j ouÃte a)ge/lh mh\ eÁn oÃnta. ou um rebanho, não sendo um.
¹All' ou)de\ oi¹ki¿a hÄ nau=j to\ eÁn E nem existe uma casa ou um navio se
ou)k eÃxonta, e)pei¿per h( oi¹ki¿a eÁn kaiì não têm o um, já que a casa é “um”222 e
h( nau=j, oÁ ei¹ a)poba/loi, ouÃt' aÄn h( também o navio. Se lançarem para longe o
oi¹ki¿a eÃti oi¹ki¿a ouÃte h( nau=j. um, nem a casa seria ainda casa, nem o
mh\ to\ eÁn au)toiÍj parei¿h, ou)k aÄn eiãh: Efetivamente, as grandezas contínuas,
tmhqe/nta gou=n, kaqo/son to\ eÁn se o um não lhes estivesse presente, não
Kaiì dh\ kaiì ta\ tw½n futw½n kaiì na medida em que perdem o um, mudam o
feu/goi to\ eÁn ei¹j plh=qoj Além disso, tanto os corpos das plantas,
qrupto/mena, th\n ou)si¿an au)tw½n, hÁn quanto dos animais, cada qual sendo “um”,
aÃlla de\ geno/mena kaiì e)keiÍna, multidão, perdem a essência que tinham,
oÀsa eÀn e)sti. não mais sendo o que eram, mas vindo a
Kaiì h( u(gi¿eia de/, oÀtan ei¹j eÁn ser também aquelas coisas que são “um”.
222
Preferi não mudar o gênero de “um” quando Plotino também não o faz, de modo a explicitar a já
mencionada ambigüidade. Nesses casos, coloco a palavra entre aspas.
223
Que alma é essa? Pode-se pensar que, como Plotino fala da alma que conduz tudo ao um fabricando,
plasmando, formando e organizando, ele parece se referir à Alma do mundo. No entanto, deve-se notar que,
em muitos dos casos em que trata da alma, Plotino não traça distinções precisas entre a alma individual, a
Alma do mundo e a hipóstase Alma – especialmente entre estas duas últimas. É que, na sua filosofia, todas
as elas, em última análise, são a hipóstase Alma, pois participam dela.
224
Isto é, a forma do homem.
225
O que é o “um” que está no homem, o e)n au)t%½ eÀn? É o que a frase seguinte, como nota MEIJER,
Plotinus on the Good or the One, p. 80, que está ligada à anterior pela conjunção ga&r, esclarece: cada
coisa possui um certo grau de unidade. Assim, o “um” que está no homem é provavelmente o grau de
unidade do homem.
suntaxqv= to\ sw½ma, kaiì ka/lloj, E existe a saúde, quando o corpo é
oÀtan h( tou= e(no\j ta\ mo/ria kata/sxv coordenado em um, e beleza, quando a
fu/sij: kaiì a)reth\ de\ yuxh=j, oÀtan ei¹j natureza do um domina as partes. E virtude
eÁn kaiì ei¹j mi¿an o(mologi¿an e(nwqv=. da alma, quando ela é unificada no um e
pa/nta ei¹j eÁn aÃgei dhmiourgou=sa kaiì Mas então, já que a Alma223 conduz
deiÍ le/gein, w¨j auÀth to\ eÁn xorhgeiÍ ela, é necessário dizer que fornece o um e
toiÍj sw¯masin ou)k eÃstin au)th\ oÁ fornecendo outras coisas aos corpos, não é
di¿dwsin, oiâon morfh\ kaiì eiådoj, a)ll' ela aquilo que dá - por exemplo, a figura e
eÀtera au)th=j, ouÀtw xrh/, ei¹ kaiì eÁn a forma -, mas algo diferente, desse modo,
au)th\n dido/nai kaiì pro\j to\ eÁn considerar que o dá como sendo diferente
ble/pousan eÁn eÀkaston poieiÍn, dela e que faz cada qual “um” olhando para
tou= a)nqrw¯pou to\ e)n au)t%½ eÀn. Tw½n homem o um que está nele225. Com efeito,
ga\r eÁn legome/nwn ouÀtwj eÀkasto/n das coisas das quais é dito “um”, cada qual
e)stin eÀn, w¨j eÃxei kaiì oÀ e)stin, wÐste é “um” enquanto também possui aquilo que
ta\ me\n hÂtton oÃnta hÂtton eÃxein to\ é. De modo que as coisas que são menos
eÀn, ta\ de\ ma=llon ma=llon. possuem menos o um e as coisas que são
tou= e(no\j ma=llon eÃxei kata\ lo/gon Então, mesmo sendo a Alma diferente do
tou= ma=llon kaiì oÃntwj eiånai to\ um, possui mais o um na proporção em que
Ou) mh\n au)to\ to\ eÀn: yuxh\ ga\r No entanto, não é o próprio um. Pois a
mi¿a kaiì sumbebhko/j pwj to\ eÀn, kaiì Alma é uma e o um lhe é atribuído de
du/o tau=ta yuxh\ kaiì eÀn, wÐsper algum modo. E são duas coisas, a Alma e o
sw½ma kaiì eÀn. Kaiì to\ me\n diesthko/j, um, assim como o corpo e o um. O que é
wÐsper xoro/j, porrwta/tw tou= eÀn, to\ descontínuo, como um coro, está mais
de\ sunexe\j e)ggute/rw: yuxh\ de\ eÃti longe do um e o contínuo, mais perto. E a
ma=llon koinwnou=sa kaiì au)th/. alma ainda mais, mas também ela
ou)d' aÄn yuxh\ eiãh, tau/tv ei¹j tau)to/n Mas se, porque sem ser “um” a Alma
tij aÃgei yuxh\n kaiì to\ eÀn, prw½ton não poderia ser, por isso alguém reduzisse
me\n kaiì ta\ aÃlla <aÀ> e)stin eÀkasta a Alma e o um ao mesmo, em primeiro
meta\ tou= eÁn eiånai¿ e)stin: a)ll' oÀmwj lugar, também cada uma das outras coisas
eÀteron au)tw½n to\ eÀn ® ou) ga\r que existem, existem juntamente com o
tau)to\n sw½ma kaiì eÀn, a)lla\ to\ sw½ma “ser um”. No entanto, o um é diferente
eÃpeita de\ pollh\ h( yuxh\ kaiì h( coisa, mas o corpo participa do um.
mi¿a kaÄn ei¹ mh\ e)k merw½n: pleiÍstai Além disso, a Alma é múltipla, mesmo
ga\r duna/meij e)n au)tv=, logi¿zesqai, sendo uma e mesmo não sendo composta
o)re/gesqai, a)ntilamba/nesqai, aÁ t%½ de partes. Pois várias são suas potências:
¹Epa/gei me\n dh\ yuxh\ to\ eÁn eÁn ouÅsa um, como que por uma atadura, são
kaiì au)th\ aÃll%: pa/sxei de\ tou=to reunidas. Certamente a Alma, sendo “um”,
kaiì au)th\ u(p' aÃllou. leva também ela o um à outra coisa. Mas o
II.
åAr' ouÅn e(ka/st% me\n tw½n kata\ Mas então, se, para cada um dos seres
me/roj eÁn ou) tau)to\n h( ou)si¿a au)tou= particulares, a sua essência e o um não são
kaiì to\ eÀn, oÀl% de\ t%½ oÃnti kaiì tv= a mesma coisa, para o ser e a essência
ou)si¿# tau)to\n h( ou)si¿a kaiì to\ oÄn kaiì universais226, será a mesma coisa a
to\ eÀn; àWste to\n e)ceuro/nta to\ oÄn essência, o ser e o um? De modo que, quem
e)ceurhke/nai kaiì to\ eÀn, kaiì au)th\n encontra o ser, terá encontrado também o
th\n ou)si¿an au)to\ eiånai to\ eÀn: um e que a própria essência seja o próprio
oiâon, ei¹ nou=j h( ou)si¿a, nou=n kaiì to\ um? Assim, se a essência é o Intelecto, o o
eÁn eiånai prw¯twj oÃnta oÄn kaiì um também seria o Intelecto, sendo
aÃlloij tou= eiånai ouÀtwj kaiì kata\ comunicando aos outros o ser, assim, na
tosou=ton kaiì tou= e(no/j. Ti¿ ga\r aÃn mesma medida, também comunicaria o um.
tij kaiì par' au)ta\ eiånai au)to\ fh/sai; O que, pois, alguém diria ser o um, além
226
Ou seja: será o Intelecto responsável pela unidade de todas as coisas? O Intelecto é o ser e a essência
universais, porque contém em si todos os seres e essências inteligíveis
äH ga\r tau)to\n t%½ oÃnti ® disso?
e(ka/stou, wÐsper ei¹ du/o tina\ eÃlegej, ou é como que um certo número de cada
ouÀtwj e)piì mo/nou tino\j to\ eÀn. Ei¹ coisa do individual: como se alguém
me\n ouÅn o( a)riqmo\j tw½n oÃntwn, dissesse “duas coisas” do mesmo modo que
dh=lon oÀti kaiì to\ eÀn: kaiì zhthte/on sobre o “um” de alguma única coisa.
Ei¹ de\ yuxh=j e)ne/rghma to\ evidente que também o um. E deve-se
e)n toiÍj pra/gmasi to\ eÀn. ¹All' Mas, se o número é uma atividade da
eÃlegen o( lo/goj, ei¹ a)poleiÍ eÀkaston Alma que percorre sucessivamente pelo
to\ eÀn, mhd' eÃsesqai to\ para/pan. contar, o um nada seria nas coisas. Mas, diz
¸Ora=n ouÅn deiÍ, ei¹ tau)to\n to\ eÁn o raciocínio, se cada coisa perde o um,
eÀkaston kaiì to\ oÃn, kaiì to\ oÀlwj oÄn absolutamente não mais existirá.
kaiì to\ eÀn. ¹All' ei¹ to\ oÄn to\ Deve-se ver então se o um individual e
e(ka/stou plh=qo/j e)sti, to\ de\ eÁn o ser são a mesma coisa e também o ser
a)du/naton plh=qoj eiånai, eÀteron aÄn universal e o um. Mas, se o ser individual é
eiãh e(ka/teron. ãAnqrwpoj gou=n kaiì uma multidão e o um não pode ser uma
z%½on kaiì logiko\n kaiì polla\ me/rh multidão, então cada qual seria uma coisa
kaiì sundeiÍtai e(niì ta\ polla\ tau=ta: diferente. Por exemplo, um homem é
227
Plotino aqui argumenta contra a tese aristotélica, presente na Metafísica G, 1003b, de que o um e o ser
são a mesma coisa.
228
Apesar de ainda manter a ambigüidade, Plotino parece se referir agora mais especificamente ao Um, o
princípio que dá o “um”, a unidade interna das coisas.
aÃllo aÃra aÃnqrwpoj kaiì eÀn, ei¹ to\ animal racional e tem muitas partes e todas
me\n meristo/n, to\ de\ a)mere/j. estas são ligadas pelo um. Logo, o homem
Kaiì dh\ kaiì to\ oÀlon oÄn pa/nta e o um são diversos, se este é divisível e
ma=llon aÄn eiãh kaiì eÀteron tou= e(no/j, E, certamente, também o ser universal,
metalh/yei de\ eÃxon kaiì meqe/cei to\ possuindo todos os seres em si mesmo,
eÀn. ãExei de\ kaiì zwh\n [kaiì nou=n] to\ muito mais diferente seria do um, tomando-
oÃn: ou) ga\r dh\ nekro/n: polla\ aÃra lhe parte e participando dele. Pois o ser
Ei¹ de\ nou=j tou=to eiãh, kaiì ouÀtw não é morto. Logo, o ser é múltiplo.
ma=llon, ei¹ ta\ eiãdh perie/xoi: ou)de\ necessário que seja múltiplo. E ainda mais
ga\r h( i¹de/a eÀn, a)ll' a)riqmo\j ma=llon se contém as formas. Pois, nem a idéia é
kaiì e(ka/sth kaiì h( su/mpasa, kaiì “um”, mas, pelo contrário, um número,
ouÀtwj eÀn, wÐsper aÄn eiãh o( ko/smoj tanto a individual quanto a universal. E,
o( de\ nou=j kaiì ta\ eiãdh kaiì to\ oÄn ou) Resumindo: por um lado, o Um228 é o
pollw½n kaiì su/nqeton kaiì uÀsteron: formas e o ser não são primeiros. Com
e)c wÒn ga\r eÀkasto/n e)sti, pro/tera efeito, cada um deles é uma forma
àOti de\ ou)x oiâo/n te to\n nou=n posterior. Pois, aquilo de onde cada coisa
to\ prw½ton eiånai kaiì e)k tw½nde provém é anterior a cada coisa.
dh=lon eÃstai: to\n nou=n a)na/gkh e)n Que não é possível o Intelecto ser o
t%½ noeiÍn eiånai kaiì to/n ge aÃriston primeiro, é evidente também a partir disto:
kaiì to\n ou) pro\j to\ eÃcw ble/ponta é necessário que o Intelecto consista no
noeiÍn to\ pro\ au)tou=: ei¹j au)to\n ga\r inteligir e que, sendo o melhor e olhando
e)pistre/fwn ei¹j a)rxh\n e)pistre/fei. não para o que está fora, venha a inteligir o
Kaiì ei¹ me\n au)to\j to\ noou=n kaiì anterior a ele. Pois, voltando-se para si
ou)x a(plou=j ou)de\ to\ eÀn: ei¹ de\ pro\j Mas, se ele próprio é o que intelige e o
eÀteron ble/pei, pa/ntwj pro\j to\ inteligido, será duplo e não simples, nem
kreiÍtton kaiì pro\ au)tou=. Ei¹ de\ kaiì um. E, se olha para outro, será
pro\j au)to\n kaiì pro\j to\ kreiÍtton, absolutamente para o melhor e anterior a
kaiì ouÀtwj deu/teron. Kaiì xrh\ to\n ele e, se tanto para si mesmo, quanto para o
nou=n toiou=ton ti¿qesqai, oiâon melhor, também assim será segundo. Deve-
pareiÍnai me\n t%½ a)gaq%½ kaiì t%½ se supor o Intelecto tal que, por um lado,
prw¯t% kaiì ble/pein ei¹j e)keiÍnon, esteja presente ao Bem e ao primeiro olhe
suneiÍnai de\ kaiì e(aut%½ noeiÍn te kaiì na direção deste e, por outro lado, esteja
e(auto\n kaiì noeiÍn e(auto\n oÃnta ta\ consigo mesmo, pense a si mesmo e pense
Pollou= aÃra deiÍ to\ eÁn eiånai Portanto, deve estar longe de ser o Um,
poiki¿lon oÃnta. Ou) toi¿nun ou)de\ to\ sendo tão variado. Portanto, o Um não será
eÁn ta\ pa/nta eÃstai, ouÀtw ga\r ou)ke/ti nem todas as coisas (pois assim, não mais
eÁn eiãh: ou)de\ nou=j, kaiì ga\r aÄn ouÀtwj seria um); nem Intelecto (pois assim, seria
eiãh ta\ pa/nta tou= nou= ta\ pa/nta todas as coisas, já que o Intelecto é todas as
oÃntoj: ou)de\ to\ oÃn: to\ ga\r oÄn ta\ coisas), nem o ser (pois o ser é todas as
pa/nta. coisas).
III.
Ti¿ aÄn ouÅn eiãh to\ eÁn kaiì ti¿na O que então seria o Um e que natureza
fu/sin eÃxon; äH ou)de\n qaumasto\n mh\ teria? Na verdade, não é nada admirável
r(#/dion ei¹peiÍn eiånai, oÀpou mhde\ to\ oÄn que não seja fácil dizer, já que também não
r(#/dion mhde\ to\ eiådoj: a)ll' eÃstin é fácil dizer o que é o ser e a forma - e
t%½ mh\ o(ri¿zesqai kaiì oiâon tupou=sqai direção ao informe, por não lhe ser possível
u(po\ poiki¿lou tou= tupou=ntoj conceber algo no que não é delimitado, nem
e)colisqa/nei kaiì fobeiÍtai, mh\ ou)de\n ser como que moldada por um molde
eÃxv. Dio\ ka/mnei e)n toiÍj toiou/toij variado229, desvia-se e teme não possuir
kaiì a)sme/nh katabai¿nei polla/kij nada. Por isso se cansa entre essas coisas230
a)popi¿ptousa a)po\ pa/ntwn, me/xrij aÄn e desce de bom grado, muitas vezes caindo
ei¹j ai¹sqhto\n hÀkv e)n stere%½ wÐsper longe de tudo, até chegar ao sensível, como
229
A alma está acostumada a perceber os objetos sensíveis, recebendo-os como moldes que, graças à sua
variedade, lhe permitem fazer distinções. HADOT, 1994, p. 79.
230
e)n toiÍj toiou/toij. A alma, ao avançar em direção ao informe, chega ao mundo inteligível. Quando
vai contemplar o Um, não concebendo nada, cansa-se de estar entre os seres inteligíveis e desce ao mundo
sensível.
a)napauome/nh: oiâon kaiì h( oÃyij se repousasse no sólido. Tal como a visão
ka/mnousa e)n toiÍj mikroiÍj toiÍj que, cansada das coisas pequenas, de bom
Kaq' e(auth\n de\ h( yuxh\ oÀtan Mas, quando a alma quer ver por si
i¹deiÍn e)qe/lv, mo/non o(rw½sa t%½ mesma, vendo apenas por estar com ele e
suneiÍnai kaiì eÁn ouÅsa t%½ eÁn eiånai sendo “um” por ser “um” com ele, não
au)t%½ ou)k oiãetai¿ pw eÃxein oÁ zhteiÍ, julga possuir de algum modo aquilo que
oÀti tou= nooume/nou mh\ eÀtero/n e)stin. busca, pois não é algo diferente do pensado.
àOmwj dh\ xrh\ ouÀtwj poieiÍn to\n Contudo, é necessário que assim faça quem
to\ prw½ton, ouÃte po/rrw deiÍ gene/sqai alguém ficar longe das coisas que estão ao
tw½n periì ta\ prw½ta ei¹j ta\ eÃsxata redor das primeiras, caindo nas últimas de
tw½n pa/ntwn peso/nta, a)ll' i¸e/menon todas, mas, dirigindo-se para as primeiras,
a)po\ tw½n ai¹sqhtw½n e)sxa/twn oÃntwn, sensíveis, que são as últimas, e ficar
eiånai aÀte pro\j to\ a)gaqo\n speu/donta para vir a estar voltado para o bem,
gene/sqai, e)pi¿ te th\n e)n e(aut%½ a)rxh\n ascender ao princípio que está em si mesmo
231
Isto é, que a idéia do repouso.
gene/sqai a)rxh=j kaiì e(no\j qeath\n ser contemplador do princípio e do Um.
kaiì th\n yuxh\n th\n au(tou= n%½ alma ao Intelecto, para que, desperta,
pisteu/santa kaiì u(fidru/santa, iàn' aÁ receba as coisas que este vê, é necessário
tou/t% qea=sqai to\ eÁn ou) prostiqe/nta acrescentando nenhuma sensação, nem
au)th=j ei¹j e)keiÍnon dexo/menon, a)lla\ venha. Pelo contrário, com o Intelecto puro
kaqar%½ t%½ n%½ to\ kaqarw¯taton e com o que existe de primeiro no Intelecto,
qea=sqai kaiì tou= nou= t%½ prw¯t%. deve-se contemplar o que é mais puro.
fu/sin fantasqv=, ou) nou=j tou/t% respeito de tal natureza, o Intelecto não se
h(gemwÜn gi¿netai th=j qe/aj, oÀti mh\ torna o condutor da sua contemplação, pois
nou=j ta\ toiau=ta pe/fuken o(ra=n, a)ll' não é natural ao Intelecto ver essas coisas,
¹Alla\ deiÍ labeiÍn para\ tou= nou= No entanto, deve-se receber do Intelecto
th\n e)paggeli¿an wÒn du/natai. Du/natai o anúncio das coisas que pode fazer. O
de\ o(ra=n o( nou=j hÄ ta\ pro\ au)tou= hÄ ta\ Intelecto pode ver as coisas antes dele ou as
au)tou= [hÄ ta\ par' au)tou=]. Kaqara\ de\ coisas dele. As coisas que estão nele são
kaiì ta\ e)n au)t%½, eÃti de\ kaqarw¯tera puras, mas ainda mais puras e simples são
kaiì a(plou/stera ta\ pro\ au)tou=, as coisas antes dele, ou melhor, aquilo que
nou=: tiì ga\r tw½n oÃntwn e)stiìn o( nou=j: anterior ao Intelecto – pois o Intelecto é um
e)keiÍno de\ ouà ti, a)lla\ pro\ e(ka/stou, dos seres, enquanto o Um não é algo, mas é
ou)de\ oÃn: kaiì ga\r to\ oÄn oiâon morfh\n anterior a cada coisa, e nem é ser. Do
th\n tou= oÃntoj eÃxei, aÃmorfon de\ mesmo modo, o ser possui algum tipo de
Gennhtikh\ ga\r h( tou= e(no\j fu/sij forma (nem mesmo uma forma inteligível).
au)tw½n. OuÃte ouÅn ti ouÃte poio\n de todas as coisas, não é nenhuma delas.
ouÃte poso\n ouÃte nou=n ouÃte yuxh/n: Assim, nem é algo, nem possui qualidade,
ou)de\ kinou/menon ou)d' auÅ e(stw¯j, ou)k ou quantidade, ou intelecto, ou alma. Nem é
e)n to/p%, ou)k e)n xro/n%, <a)ll' au)to\ movido, nem também está em repouso, nem
kaq' au(to\ monoeide/j>, ma=llon de\ está em algum lugar, nem em algum tempo,
a)nei¿deon pro\ eiãdouj oÄn panto/j, pro\ mas ele, por si mesmo uniforme, ou melhor,
kinh/sewj, pro\ sta/sewj: tau=ta ga\r informe, por ser anterior a toda forma, está
periì to\ oÃn, aÁ polla\ au)to\ poieiÍ. antes do movimento e antes do repouso.
Dia\ ti¿ ouÅn, ei¹ mh\ kinou/menon, Com efeito, essas coisas existem ao redor
ou)x e(stw¯j; àOti periì me\n to\ oÄn do ser, as quais o fazem muitas coisas.
tou/twn qa/teron hÄ a)mfo/tera a)na/gkh, Mas, por que então, se não é movido,
to/ te e(stwÜj sta/sei e(stwÜj kaiì ou) não está em repouso? Pois, no que diz
tau)to\n tv= sta/sei: wÐste sumbh/setai respeito ao ser, é necessário uma ou ambas
au)t%½ kaiì ou)ke/ti a(plou=n meneiÍ. as coisas. E o que está em repouso, está em
¹Epeiì kaiì to\ aiãtion le/gein ou) repouso pelo repouso, não sendo a mesma
kathgoreiÍn e)sti sumbebhko/j ti coisa que o repouso231. Assim, isso lhe será
au)t%½, a)ll' h(miÍn, oÀti eÃxome/n ti par' atribuído e ele não mais permanecerá
mhde\ to\ "e)kei¿nou" mhde\ oÃntwj le/gein Uma vez que, mesmo quando dizemos
a)kribw½j le/gonta, a)ll' h(ma=j oiâon que é causa, não atribuímos algum
eÃcwqen periqe/ontaj ta\ au(tw½n predicado a ele, mas a nós, pois temos algo
e(rmhneu/ein e)qe/lein pa/qh o(te\ me\n que vem dele, Aquele mesmo existindo em
e)ggu/j, o(te\ de\ a)popi¿ptontaj taiÍj si mesmo, assim, quem fala com precisão, é
IV.
oÀti mhde\ kat' e)pisth/mhn h( su/nesij perceção daquele não se faz pela ciência,
e)kei¿nou mhde\ kata\ no/hsin, wÐsper ta\ nem pela intelecção, como com relação aos
aÃlla nohta/, a)lla\ kata\ parousi¿an outros inteligíveis, mas segundo uma
Pa/sxei de\ h( yuxh\ tou= eÁn eiånai A alma experimenta a distância de não
th\n a)po/stasin kaiì ou) pa/nth e)stiìn ser “um” e não é totalmente “um” quando
eÀn, oÀtan e)pisth/mhn tou lamba/nv: recebe a ciência de algo. É que a ciência é
lo/goj. Pare/rxetai ouÅn to\ eÁn ei¹j alma passa ao lado do um, caindo no
eÁn eiånai, a)ll' a)posth=nai deiÍ kaiì sair do ser “um”. É necessário distanciar-se
panto\j aÃllou kaiì kalou= qea/matoj. ciência e de toda outra contemplação, ainda
e)kei¿nou kaiì par' e)kei¿nou, wÐsper Pois todo o belo é posterior àquele e
pa=n fw½j meqhmerino\n par' h(li¿ou. vem dele, como toda luz do dia vem do sol.
Dio\ <ou)de\ r(hto\n> ou)de\ grapto/n, Por isso, <Platão> diz que ele nem pode ser
fhsin, a)lla\ le/gomen kaiì gra/fomen dito, nem escrito, mas dizemos e
pe/mpontej ei¹j au)to\ kaiì escrevemos para enviar até ele e, a partir
a)negei¿rontej e)k tw½n lo/gwn e)piì th\n das palavras, despertar para a
th=j o(dou= kaiì th=j porei¿aj h( di¿dacij, contemplar algo. Pois o ensinamento vai até
h( de\ qe/a au)tou= eÃrgon hÃdh tou= i¹deiÍn a estrada e a jornada, mas a contemplação
Ei¹ de\ mh\ hÅlqe/ tij e)piì to\ qe/ama, Mas se alguém não se dirige para a
mhde\ su/nesin eÃsxen h( yuxh\ th=j contemplação, nem sua alma tomou
e)keiÍ a)glai¿+aj mhde\ eÃpaqe mhde\ eÃsxen consciência do esplendor que existe lá, nem
e)n e(aut%½ oiâon e)rwtiko\n pa/qhma e)k experimentou, nem teve em si mesmo algo
tou= i¹deiÍn e)rastou= e)n %Ò e)r#= como uma afecção amorosa do ver do
a)lhqino\n kaiì pa=san th\n yuxh\n recebendo uma luz verdadeira e iluminando
perifwti¿saj dia\ to\ e)ggute/rw toda a alma por estar mais perto -; se, ainda
gegone/nai, a)nabebhke/nai de\ eÃti estando pesado por trás para subir, o que é
tv= qe/#, kaiì ou) mo/noj a)nabebhkw¯j, só, mas tem o que o separa dele, não ainda
a)ll' eÃxwn to\ dieiÍrgon a)p' au)tou=, hÄ tendo sido reunido em um – pois Aquele
mh/pw ei¹j eÁn sunaxqei¿j ® ou) ga\r dh\ não está ausente de nada, mas também está
de/, wÐste parwÜn mh\ pareiÍnai a)ll' hÄ estando presente, não estar presente a não
toiÍj de/xesqai duname/noij kaiì ser aos que podem e estão preparados para
kaiì oiâon e)fa/yasqai kaiì qi¿gein alguma maneira, a estar em contato e tocá-
o(moio/thti kaiì tv= e)n au)t%½ duna/mei lo pela semelhança e pela potência neles
suggeneiÍ t%½ a)p' au)tou=: oÀtan ouÀtwj que é parente do que vem dele; quando
eÃxv, w¨j eiåxen, oÀte hÅlqen a)p' au)tou=, assim fôr, como era quando veio a partir
hÃdh du/natai i¹deiÍn w¨j pe/fuken dele, já poderá ver, de modo que aquele
e)keiÍnoj qeato\j eiånai ® ei¹ ouÅn mh/pw possa ser naturalmente contemplado -, se
e)stiìn e)keiÍ, a)lla\ dia\ tau=ta/ e)stin então ainda não está lá, mas, por causa
eÃcw, hÄ di' eÃndeian tou= disso, está fora, ou então pela insuficiência
periì au)tou= parexome/nou, di' e)keiÍna fé a respeito dele - se por causa disso, que
me\n au)to\n e)n ai¹ti¿# tiqe/sqw, kaiì este seja acusado e que tente afastar-se de
peira/sqw a)posta\j pa/ntwn mo/noj tudo e ser só. Mas, se não acredita por ter
eiånai, aÁ de\ e)n toiÍj lo/goij a)pisteiÍ deficiência nos discursos, reflita o seguinte.
V.
àOstij oiãetai ta\ oÃnta tu/xv kaiì Quem acha que os seres são
swmatikaiÍj sune/xesqai ai¹ti¿aij, que são reunidos por causas corporais, este
ouÂtoj po/rrw a)pelh/latai kaiì qeou= está bem afastado tanto de Deu,s quanto da
kaiì e)nnoi¿aj e(no/j, kaiì o( lo/goj ou) noção do Um. O discurso não é para eles,
pro\j tou/touj, a)lla\ pro\j tou\j mas para os que supõem uma outra natureza
aÃllhn fu/sin para\ ta\ sw¯mata além dos corpos e ascendem até a Alma.
yuxh=j katanenohke/nai ta/ te aÃlla Alma quanto outras coisas, sobretudo que
kaiì w¨j para\ nou= e)sti kaiì lo/gou ela existe a partir do Intelecto e que,
iãsxei: meta\ de\ tau=ta nou=n labeiÍn retém a virtude. Depois disso, deve admitir
eÀteron tou= logizome/nou kaiì que existe um outro intelecto além do que
logismou\j hÃdh oiâon e)n diasta/sei que os raciocínios já estão como que em
lo/gouj e)n yuxv= ta\j toiau/taj e)n são discursos na alma, manifestadas, neste
faner%½ hÃdh gegonui¿aj t%½ e)n tv= caso, porque o Intelecto vem a ser causa das
Kaiì nou=n i¹do/nta oiâon ai¹sqhto\n algo sensível para ser perceptível232 - o
tv= yuxv= kaiì pate/ra au)th=j oÃnta é pai, sendo o mundo inteligível -, deve-se
eÃxonta e)n au)t%½ kaiì pa/nta oÃnta, coisas em si mesmo e sendo todas as coisas,
diake/kritai w¨j oi¸ lo/goi oi¸ hÃdh kaq' já pensados um a um, nem nem se confunde
eÁn noou/menoi, ouÃte sugke/xutai ta\ e)n com o que está nele – cada qual avança
au)t%½: pro/eisi ga\r eÀkaston xwri¿j: separadamente, tal como também nas
232
Segundo HADOT, Traité 9, p. 164, para nos ajudar a conceber o Intelecto, Plotino nos propõe imaginá-
lo como se fosse algo sensível. É isso que faz a imagem que ele apresenta a seguir.
oiâon kaiì e)n taiÍj e)pisth/maij pa/ntwn ciências: todas estão no indivisível e,
e)n a)mereiÍ oÃntwn oÀmwj e)stiìn contudo, cada qual é separada das outras.
Tou=to ouÅn to\ o(mou= plh=qoj, o( mundo inteligível - é o que está junto do
ko/smoj o( nohto/j, eÃsti me\n oÁ pro\j primeiro. E o discurso diz que é necessário
t%½ prw¯t%, kai¿ fhsin au)to\ o( lo/goj que isso seja, se alguém diz que a Alma
e)c a)na/gkhj eiånai, eiãper tij kaiì existe e que o Intelecto existe mais
yuxh=j: ou) me/ntoi prw½ton, oÀti eÁn entretanto, o primeiro, porque não é um,
mhde\ a(plou=n: a(plou=n de\ to\ eÁn kaiì h( nem simples. Simples é o Um e o princípio
To\ dh\ pro\ tou= e)n toiÍj ouÅsi Certamente, existe o anterior ao que é
timiwta/tou, eiãper deiÍ ti pro\ nou= mais venerável entre os seres, já que deve
eiånai eÁn me\n eiånai boulome/nou, ou)k existir algo que é anterior ao Intelecto. Este,
oÃntoj de\ eÀn, e(noeidou=j de/, oÀti au)t%½ por sua vez, quer ser um, mas não o é, pois,
su/nestin e(aut%½ oÃntwj ou) diarth/saj mesmo, o Intelecto não se dispersa, mas
e(auto\n t%½ plhsi¿on meta\ to\ eÁn está consigo mesmo verdadeiramente, não
eiånai, a)posth=nai de/ pwj tou= e(no\j separando a si mesmo por estar próximo,
tolmh/saj ® to\ dh\ pro\ tou/tou qau=ma junto do Um – mesmo sendo uniforme, o
tou= eÀn, oÁ mh\ oÃn e)stin, iàna mh\ kaiì Intelecto, de certo modo, ousou se separar
e)ntau=qa kat' aÃllou to\ eÀn, %Ò oÃnoma do Um. A coisa espantosa anterior a ele,
me\n kata\ a)lh/qeian ou)de\n prosh=kon, que é o Um, que não é um ser (para que
eiãper de\ deiÍ o)noma/sai, koinw½j aÄn aqui também o Um não seja tomado
gignwsko/menon de\ ma=llon t%½ a)p' convenientemente Um, mas não como uma
au)tou= gennh/mati, tv= ou)si¿# ® kaiì outra coisa e em seguida um. Ele é difícil
aÃgei ei¹j ou)si¿an nou=j ® kaiì au)tou= h( ser conhecido por causa disso: sobretudo, é
fu/sij toiau/th, w¨j phgh\n tw½n conhecido pelo que é gerado a partir dele, a
gennw½san ta\ oÃnta me/nousan e)n E a natureza dele é tal que é a fonte das
e(autv= kaiì ou)k e)lattoume/nhn ou)de\ coisas mais nobres e o poder gerador dos
e)n toiÍj ginome/noij u(p' au)th=j ouÅsan. seres, permanecendo em si mesma, não
aÃgontej kaiì th\n yuxh\n e(nou=n sinalizarmos uns aos outros esta natureza,
qe/lontej, ou)x ouÀtwj eÁn le/gontej conduzindo pelo nome a uma noção
kaiì a)mere/j, w¨j shmeiÍon hÄ mona/da indivisível e querendo unificar a alma. Não
le/gontej: to\ ga\r ouÀtwj eÁn posou= dizemos “um” e “sem partes” assim como
a)rxai¿, oÁ ou)k aÄn u(pe/sth mh\ dizemos “ponto” e “mônada”. Pois então o
ou)si¿aj: ouÃkoun deiÍ e)ntau=qa ba/llein O que não existiria se não preexistisse a
th\n dia/noian: a)lla\ tau=ta o(moi¿wj essência e o que está além da essência.
ai¹eiì e)kei¿noij e)n a)nalogi¿aij t%½ Assim, não devemos lançar nosso
a(pl%½ kaiì tv= fugv= tou= plh/qouj kaiì raciocínio por aí. Mas estas coisas (o ponto
da divisão.
VI.
Pw½j ouÅn le/gomen eÀn, kaiì pw½j tv= Como então dizemos Um e como isso
tiqe/menon eÁn hÄ w¨j mona\j kaiì ser mais um do que a unidade e o ponto são
shmeiÍon e(ni¿zetai. ¹Entau=qa me\n ga\r unificados. Pois, no caso deles, abstraindo a
a)riqmou= plh=qoj katalh/gei ei¹j to\ alma termina no que é menor e se apoia em
smikro/taton kaiì e)perei¿detai¿ tini algo certamente indivisível, mas que existia
a)mereiÍ me/n, a)lla\ oÁ hÅn e)n merist%½ no divisível e que existe em outro. E o Um
kaiì oÀ e)stin e)n aÃll%: to\ de\ <ouÃte e)n não existe nem em outro, nem no divisível,
aÃll%> ouÃte e)n merist%½ ouÃte ouÀtwj nem é sem partes como a menor coisa. Pois
a)mere/j, w¨j to\ mikro/taton: me/giston é a maior de todas as coisas, não pela
ga\r a(pa/ntwn ou) mege/qei, a)lla\ grandeza, mas pela sua potência, de modo
duna/mei, wÐste kaiì to\ a)me/geqej que também sem grandeza na potência.
duna/mei: e)peiì kaiì ta\ met' au)to\ oÃnta Pois, também os seres que vêm depois
taiÍj duna/mesin a)me/rista kaiì a)merh=, dele233 são indivisíveis e sem partes nas
Lhpte/on de\ kaiì aÃpeiron au)to\n E deve ser concebido também como
ou) t%½ a)diecith/t% hÄ tou= mege/qouj hÄ sem limites, não porque sua grandeza ou
tou= a)riqmou=, a)lla\ t%½ a)perilh/pt% seu número não podem ser pecorridos, mas
th=j duna/mewj. àOtan ga\r aÄn au)to\n por não ser possível conceber seu poder.
noh/svj oiâon hÄ nou=n hÄ qeo/n, ple/on Pois, quando o inteliges tal como um
e)sti¿: kaiì auÅ oÀtan au)to\n e(ni¿svj tv= intelecto ou um deus, ele é mais. E ainda,
oÀson aÄn au)to\n e)fanta/sqhj ei¹j to\ também então ele é mais do que quanto
e(nikw¯teron th=j sh=j noh/sewj eiånai: poderias imagniar, por ser mais “um” que a
e)f' e(autou= ga/r e)stin ou)deno\j au)t%½ intelecção. É que em si mesmo, ele não tem
T%½ au)ta/rkei d' aÃn tij kaiì to\ Alguém também poderia considerar o
eÁn au)tou= e)nqumhqei¿h. DeiÍ me\n ga\r seu “um” pela autosuficiência. Pois é
eiånai: pa=n de\ polu\ kaiì mh\ eÁn e)ndee/j menos necessitado. Tudo o que é muito e
® mh\ eÁn e)k pollw½n geno/menon. não “um” é necessitado, não se tornando
DeiÍtai ouÅn au)tou= h( ou)si¿a eÁn eiånai. “um” a partir de muitas coisas. Então, sua
To\ de\ ou) deiÍtai e(autou=: au)to\ ga/r essência necessita de ser “um”. Mas o Um
233
As formas inteligíveis.
234
Afinal, o volume é uma característica dos seres sensíveis, não dos inteligíveis.
e)sti. Kaiì mh\n polla\ oÄn tosou/twn não necessita de si mesmo, pois já o
deiÍtai, oÀsa eÃsti, kaiì eÀkaston tw½n é.Certamente, o que é muitas coisas
e)n au)t%½ meta\ tw½n aÃllwn oÄn kaiì necessita das coisas que é. E cada coisa que
ou)k e)f' e(autou=, e)ndee\j tw½n aÃllwn está nele, existindo com outras e não por si
u(pa/rxon, kaiì kaq' eÁn kaiì kata\ to\ mesma, por ter necessidade das outras
au)tarke/staton eiånai, to\ eÁn eiånai deiÍ Já que, então, é necessário existir algo
toiou=ton oÄn mo/non, oiâon mh/te pro\j que seja o mais autosuficiente, é necessário
au(to\ mh/te pro\j aÃllo e)ndee\j eiånai. que isso seja o Um, que é só, de tal modo
Ou) ga/r ti zhteiÍ, iàna vÅ, ou)d' iàna euÅ que não é necessitado nem de si mesmo,
vÅ, ou)de\ iàna e)keiÍ i¸druqv=. ToiÍj me\n nem de outro. Pois não busca algo para que
ga\r aÃlloij aiãtion oÄn ou) par' aÃllwn exista, nem para que exista bem, nem para
eÃxei oÀ e)sti, to/ te euÅ ti¿ aÄn eiãh au)t%½ que se apóie lá. Sendo causa dos outros,
eÃcw au)tou=; àWste ou) kata\ não é a partir dos outros que tem o que é.
sumbebhko\j au)t%½ to\ euÅ: au)to\ ga/r O “bem”, o que seria para ele fora dele? De
e)sti. To/poj te ou)deiìj au)t%½: ou) ga\r fato, o “bem” não vem a ele como um
deiÍtai i¸dru/sewj wÐsper au(to\ fe/rein atributo: é ele mesmo. E não existe lugar
ou) duna/menon, to/ te i¸druqhso/menon nenhum para ele, pois ele não necessita de
mh/pw i¸druqv=. àIdrutai de\ kaiì ta\ mesmo, algo inanimado que há de ser
aÃlla dia\ tou=ton, di' oÁn u(pe/sth aÀma apoiado, um volume que cai, se não tiver
kaiì eÃsxen ei¹j oÁn e)ta/xqh to/pon: apoio. Ao contrário, são as outras coisas
e)ndee\j de\ kaiì to\ to/pon zhtou=n. que se apóiam no lugar e existem nele, ao
¹Arxh\ de\ ou)k e)ndee\j tw½n met' mesmo tempo que também têm o lugar no
au)to/: h( d' a(pa/ntwn a)rxh\ a)nendee\j qual estão ordenadas – e o que busca um
a)rxh=j e)ndee/j: ei¹ de\ to\ eÁn e)ndee/j O princípio não tem necessidade das
tou, zhteiÍ dhlono/ti to\ mh\ eiånai eÀn: coisas que vêm depois. Assim, o princípio
wÐste e)ndee\j eÃstai tou= fqerou=ntoj: de todas as coisas não tem necessidade de
pa=n de\ oÁ aÄn le/ghtai e)ndee/j, tou= euÅ absolutamente nada. Pois, o que é
ou)de\ bou/lhsij toi¿nun ou)deno/j: a)ll' algo, busca evidentemente não ser um. De
eÃstin u(pera/gaqon kaiì au)to\ ou)x modo que estará necessitado do que o
e(aut%½, toiÍj de\ aÃlloij a)gaqo/n, eiã ti corrompe. Tudo o que é chamado de
Ou)de\ no/hsij, iàna mh\ e(tero/thj: ou)de\ que o conserva. Assim, para o Um, nada é
ki¿nhsij: pro\ ga\r kinh/sewj kaiì pro\ bom; nem tem ele, portanto, vontade de
noh/sewj. Ti¿ ga\r kaiì noh/sei; e(auto/n; nada: ele está além do bem e não é bem
Pro\ noh/sewj toi¿nun a)gnow½n eÃstai, para si mesmo, mas para os outros, se algo
e(auto\n o( au)ta/rkhj e(aut%½. Ou) E nele não existe intelecção, para que
toi¿nun, oÀti mh\ ginw¯skei mhde\ noeiÍ não exista alteridade. Nem movimento, pois
oÁ a)gnoeiÍ, eÁn de\ oÄn suno\n au(t%½ ou) que se conhecesse a si mesmo, aquele que é
¹Epeiì ou)de\ to\ suneiÍnai deiÍ verdade que por não conhecer nem inteligir
prosa/ptein, iàna thrv=j to\ eÀn, a)lla\ a si mesmo, vem a ignorância até ele. Pois a
kaiì to\ noeiÍn kaiì to\ sunie/nai ignorância surge quando existe o outro e
a)faireiÍn kaiì e(autou= no/hsin kaiì tw½n quando um ignora o outro. Mas o que é
aÃllwn: ou) ga\r kata\ to\n noou=nta único nem conhece, nem tem algo que
deiÍ ta/ttein au)to/n, a)lla\ ma=llon desconheça. E, sendo um, estando consigo
kata\ th\n no/hsin. No/hsij de\ ou) noeiÍ, mesmo, não necessita de intelecção de si.
a)ll' ai¹ti¿a tou= noeiÍn aÃll%: to\ de\ E nem ao menos o “estar consigo” deve
aiãtion ou) tau)to\n t%½ ai¹tiat%½. To\ de\ ser ligado a ele, para que guardes o “um”.
Ou) toi¿nun ou)de\ a)gaqo\n lekte/on devem ser retirados, assim como a
ta)gaqo\n u(pe\r ta\ aÃlla a)gaqa/. não se deve ordená-lo segundo quem
VII.
Ei¹ d' oÀti mhde\n tou/twn e)sti¿n, E se, porque ele não é nenhuma dessas
a)oristeiÍj tv= gnw¯mv, sth=son sauto\n coisas, fica indefinido para o pensamento,
ei¹j tau=ta, kaiì a)po\ tou/twn qew½: qew½ põe-te voltado para elas e a partir delas
de\ mh\ eÃcw r(i¿ptwn th\n dia/noian. contempla235, mas contempla sem lançar o
au)tou= ta\ aÃlla, a)ll' eÃsti t%½ Pois o Um não permanece em algum
duname/n% qi¿gein e)keiÍ paro/n, t%½ d' lugar, desertando dele as outras coisas, mas
a)dunatou=nti ou) pa/restin. está presente lá, para o que o pode tocar e,
àWsper de\ e)piì tw½n aÃllwn ou)k para o que não pode, não está presente.
eÃsti ti noeiÍn aÃllo noou=nta kaiì Mas, assim como no que diz respeito às
pro\j aÃll% oÃnta, a)lla\ deiÍ mhde\n outras coisas, não se pode inteligir alguma
prosa/ptein t%½ nooume/n%, iàn' vÅ au)to\ inteligindo outra e estando junto de outra,
to\ noou/menon, ouÀtw deiÍ kaiì e)ntau=qa mas é necessário não ligar nada ao
ei¹de/nai, w¨j ou)k eÃstin aÃllou eÃxonta inteligido, para que ele seja o próprio
e)n tv= yuxv= tu/pon e)keiÍno noh=sai inteligido, aqui também é necessário saber
e)nergou=ntoj tou= tu/pou, ou)d' auÅ que não é possível, quem tem, na alma, o
kaiì katexome/nhn tupwqh=nai t%½ tou= molde. Do mesmo modo, não é possível, se
235
Não é possível chegar à contemplação do Um sem avançar gradualmente do sensível ao inteligível,
através das purificações e da prática dialética.
e)nanti¿ou tu/p%, a)ll' wÐsper periì th=j a alma é possuída e dominada por outras
uÀlhj le/getai, w¨j aÃra aÃpoion eiånai coisas, ser moldada com o molde contrário.
deiÍ pa/ntwn, ei¹ me/llei de/xesqai tou\j Mas, assim como é dito da matéria, que é
pa/ntwn tu/pouj, ouÀtw kaiì polu\ necessário que seja informe se vai receber
gi¿nesqai, ei¹ me/llei mhde\n e)mpo/dion também, e muito mais, a alma deve tornar-
kaiì eÃllamyin au)tv= th=j fu/sewj th=j empecilho posto à sua plenificação e
Ei¹ de\ tou=to, pa/ntwn tw½n eÃcw Isso feito, retirada de todas as coisas
a)feme/nhn deiÍ e)pistrafh=nai pro\j to\ exteriores, ela deve voltar-se totalmente
eiãsw pa/nth, mh\ pro/j ti tw½n eÃcw para o interior, não se inclinando para
pa/nta kaiì pro\ tou= me\n tv= diaqe/sei, ignorando tudo, tanto antes pela disposição,
to/te de\ kaiì toiÍj eiãdesin, quanto então, também pelas formas, ignora
a)gnoh/santa de\ kaiì au(to\n e)n tv= qe/# também a si, para vir a estar na
du/naito, kaiì aÃll% th\n e)keiÍ também ao outro a convivência dali. Tal
236
Expressão homérica.
e)fhmi¿sqh eiånai, hÂj memnhme/noj lembrando-se, estabeleceu imagens dessa
eiãdwla au)th=j tou\j no/mouj e)ti¿qei tv= convivência - as leis -, plenificando esse
tou= qei¿ou e)pafv= ei¹j no/mwn estabelecimento das leis com o toque
a)eiì e)qe/lei me/nein aÃnw, oÀper kaiì t%½ políticos, sempre quis permanecer no alto, o
polu\ i¹do/nti ge/noito aÄn pa/qhma. que também é o desejo daquele que viu
a)lla\ pa=si su/nestin ou)k ei¹do/si. “Não está fora de ninguém”, diz Platão,
Feu/gousi ga\r au)toiì au)tou= eÃcw, mas está presente em todos, sem o saberem.
ma=llon de\ au(tw½n eÃcw. Ou) du/nantai Pois fogem para fora dele, ou melhor, para
ouÅn e(leiÍn oÁn pefeu/gasin, ou)d' fora de si mesmos. Não podem, assim,
au(tou\j a)polwleko/tej aÃllon zhteiÍn, retirar aquele do qual fugiram, e nem, eles
ou)de/ ge paiÍj au(tou= eÃcw e)n mani¿# mesmos tendo sido perdidos, buscar outro.
gegenhme/noj ei¹dh/sei to\n pate/ra: o( Pois nem uma criança, estando fora de si
de\ maqwÜn e(auto\n ei¹dh/sei kaiì o(po/qen. mesma, na loucura, saberá quem é o pai.
VIII.
Eiã tij ouÅn yuxh\ oiåden e(auth\n Se, então, uma alma conhece a si mesma
to\n aÃllon xro/non, kaiì oiåden oÀti h( em outro momento237, sabe que seu
ki¿nhsij au)th=j ou)k eu)qeiÍa, a)ll' hÄ movimento238 não é uma reta (a não ser
oÀtan kla/sin la/bv, h( de\ kata\ fu/sin quando se rompe239), mas que seu
ki¿nhsij oiàa h( e)n ku/kl% peri¿ ti ou)k movimento segundo a natureza é tal como o
eÃcw, a)lla\ periì ke/ntron, to\ de\ movimento de um círculo ao redor de algo
ke/ntron a)f' ou o( ku/kloj, kinh/setai que não é exterior, mas ao redor de um
periì tou=to, a)f' ou e)sti, kaiì tou/tou centro: o centro a partir do qual existe o
pro\j to\ au)to/, pro\j oÁ e)xrh=n me\n partir do qual existe, e se suspenderá a ele,
pa/saj, fe/rontai de\ ai¸ qew½n a)ei¿: levando-se a si mesma a este mesmo centro
pro\j oÁ fero/menai qeoi¿ ei¹si. Qeo\j que era necessário a todas as almas, mas ao
ga\r to\ e)kei¿n% sunhmme/non, to\ de\ qual só as dos deuses se dirigem sempre:
To\ ouÅn th=j yuxh=j oiâon para longe é o homem comum e a fera.
ke/ntron tou=to/ e)sti to\ zhtou/menon; Assim, aquilo que é como que o centro
oiâon ke/ntra sumpi¿ptei. Kaiì oÀti necessário considerar outro, para o qual
a)nalogi¿# to\ ke/ntron tou=de tou= todas as coisas que são como centros
ku/klou. Ou)de\ ga\r ouÀtw ku/kloj h( coincidem. É por analogia que falamos de
237
Isso é, quando não foge de si mesma.
238
Em II, 2, 1, Plotino diz que Alma possui um movimento não espacial, voltado a si mesmo,
autoconsciente, autointelectivo e vital, que, metaforicamente, pode ser considerado circular
239
Sobre isso, ver Timeu 43, no qual Platão diz que o movimento da alma é rompido pela força das
sensações, e II, 2, 14-19, onde Plotino considera que o corpo possui movimento retilíneo.
yuxh\ w¨j to\ sxh=ma, a)ll' oÀti e)n au)tv= centro do círculo. Pois a alma não é
kaiì periì au)th\n h( a)rxai¿a fu/sij, nenhum círculo como a figura, mas nela e
kaiì oÀti a)po\ toiou/tou, kaiì eÃti ao redor dela existe a natureza original, a
ma=llon kaiì oÀti xwrisqeiÍsai oÀlai. partir da qual ela existe240. Além disso, elas
kate/xetai u(po\ tou= sw¯matoj, oiâon eiã Mas agora, já que uma parte de nós é
tij tou\j po/daj eÃxoi e)n uÀdati, t%½ d' dominada pelo corpo, como se alguém
aÃll% sw¯mati u(pere/xoi, t%½ dh\ mh\ tivesse os pés na água, mas com o resto do
tou/t% suna/ptomen kata\ to\ e(autw½n parte não submersa do corpo, assim,
ke/ntron t%½ oiâon pa/ntwn ke/ntr%, coincidimos, de acordo com o centro de nós
kaqa/per tw½n megi¿stwn ku/klwn ta\ mesmos com o que se poderia chamar de
ke/ntra t%½ th=j sfai¿raj th=j centro de todas as coisas, assim como os
Ei¹ me\n ouÅn swmatikoiì hÅsan, ou) o da esfera que os rodeia, repousando.
yuxikoiì ku/kloi, topikw½j aÄn t%½ Se então fossem corporais, não círculos
tou= ke/ntrou periì au)to\ aÄn hÅsan: localmente e, onde quer que estivesse
e)peiì de\ au)tai¿ te ai¸ yuxaiì nohtai¿, localizado o centro, ao seu redor estariam.
u(pe\r nou=n te e)keiÍno, duna/mesin Mas, já que elas são almas inteligíveis e
aÃllaij, v pe/fuke to\ noou=n pro\j to\ aquele está além do Intelecto, por potências
240
Ou seja, o centro da alma é sua natureza originária, que é sua parte voltada para o inteligível.
241
Separadas do sensível, ou seja, imateriais. Por isso não podem ter um centro no mesmo centido que o
tem um círculo.
katanoou/menon suna/ptein, oi¹hte/on diferentes, da maneira que é natural ao que
th\n sunafh\n gi¿nesqai kaiì pleo/nwj intelige coincidir com o que é inteligido,
to\ noou=n pareiÍnai o(moio/thti kaiì deve-se pensar que surge o contado. E que é
tau)to/thti kaiì suna/ptein t%½ ainda maior, já que o que intelige está
Sw¯masi me\n ga\r sw¯mata coincide por ser parente, nada os separando.
kwlu/etai koinwneiÍn a)llh/loij, ta\ de\ Pois, nos corpos, os corpos impedem a
a)sw¯mata sw¯masin ou) diei¿rgetai: ou)d' comunhão de uns com os outros, mas os
e(tero/thti de\ kaiì diafor#=: oÀtan ouÅn corpos. Nem há um lugar que os separa uns
h( e(tero/thj mh\ parv=, a)llh/loij ta\ dos outros, mas a alteridade e a diferença.
mh\ eÀtera pa/restin. ¹EkeiÍno me\n ouÅn Assim, quando a alteridade não está
mh\ eÃxon e(tero/thta a)eiì pa/restin, presente, as coisas que não são outras estão
h(meiÍj d' oÀtan mh\ eÃxwmen: ka)keiÍno presentes. E aquele, não tendo alteridade,
me\n h(mw½n ou)k e)fi¿etai, wÐste periì sempre está presente. Nós, quando não a
h(ma=j eiånai, h(meiÍj de\ e)kei¿nou, wÐste temos. E aquele não aspira a nós, de modo a
Kaiì a)eiì me\n periì au)to/, ou)k a)eiì ele, de modo a estarmos em sua volta.
de\ ei¹j au)to\ ble/pomen, a)ll' oiâon E se, por um lado, sempre estamos à sua
xoro\j e)c#/dwn kai¿per eÃxwn periì to\n volta, por outro, nem sempre o vemos. Mas
korufaiÍon trapei¿h aÄn ei¹j to\ eÃcw tal como um coro desafinado, ainda que
th=j qe/aj, oÀtan de\ e)pistre/yv, #Ãdei te estando ao redor de um corifeu, dirige sua
kalw½j kaiì oÃntwj periì au)to\n eÃxei, visão para o exterior, quando retorna, canta
ouÀtw kaiì h(meiÍj a)eiì me\n periì au)to/n, belamente e verdadeiramente está ao redor
kaiì oÀtan mh/, lu/sij h(miÍn pantelh\j dele. Assim, também nós estamos sempre
eÃstai kaiì ou)ke/ti e)so/meqa: ou)k a)eiì ao redor dele. Quando não, seria a nossa
de\ ei¹j au)to/n, a)ll' oÀtan ei¹j au)to\n dissolução completa e não mais
iãdwmen, to/te h(miÍn <te/loj kaiì existiriamos. E nem sempre nos voltamos a
a)na/paula> kaiì to\ mh\ a)p#/dein ele, mas quando olhamos para ele, então é
pelo deus.
IX.
¹En de\ tau/tv tv= xorei¿# kaqor#= Nessa dança, observa a fonte da vida, a
phgh\n me\n zwh=j, phgh\n de\ nou=, a)rxh\n fonte do Intelecto, o princípio do ser, a
oÃntoj, a)gaqou= ai¹ti¿an, r(i¿zan yuxh=j: causa do bem, a raiz da alma: não que
e)keiÍnon e)lattou/ntwn: ou) ga\r oÃgkoj: o tenham diminuído, pois não há volume.
hÄ fqarta\ aÄn hÅn ta\ gennw¯mena. Nu=n d' Se assim fosse, as coisas que surgiram
au)ta/, a)ll' oÀlh me/nousa. Dio\ ka)keiÍna igualmente permanece, sem dividir-se
me/nei: oiâon ei¹ me/nontoj h(li¿ou kaiì to\ nelas, mas permanecendo todo ele. Por
fw½j me/noi. Ou) ga\r a)potetmh/meqa ou)de\ isso, também elas permanecem, do
xwri¿j e)smen, ei¹ kaiì parempesou=sa h( mesmo modo que, se o sol permanece,
sw¯matoj fu/sij pro\j au(th\n h(ma=j também a luz permaneceria. Pois não
eiàlkusen, a)ll' e)mpne/omen kaiì somos cortados nem estamos fora, mesmo
e)kei¿nou, a)ll' a)eiì xorhgou=ntoj eÀwj aÄn arrastou-nos para ela. Respiramos e
Ma=llon me/ntoi e)sme\n neu/santej e em seguida retira, mas ele sempre provê
pro\j au)to\ kaiì to\ euÅ e)ntau=qa, to\ tudo enquanto for aquilo que é.
<de\> po/rrw eiånai mo/non kaiì hÂtton Portanto, somos mais inclinando-nos
eiånai. ¹Entau=qa kaiì a)napau/etai yuxh\ para ele. Lá está o “bem estar” e, longe
kaiì kakw½n eÃcw ei¹j to\n tw½n kakw½n dele, apenas o existir e existir menos. Lá
kaqaro\n to/pon a)nadramou=sa: kaiì noeiÍ também a alma descansa e está fora dos
e)ntau=qa, kaiì a)paqh\j e)ntau=qa. Kaiì to\ males, correndo de volta para o lugar puro
a)lhqw½j zh=n e)ntau=qa: to\ ga\r nu=n kaiì de males. E lá intelige e é impassível. E a
to\ aÃneu qeou= iãxnoj zwh=j e)kei¿nhn vida verdadeira é lá. Pois a de agora, fora
mimou/menon, to\ de\ e)keiÍ zh=n e)ne/rgeia de Deus, é um vestígio de vida que imita
me\n nou=: e)ne/rgeia de\ kaiì genn#= qeou\j aquela, mas o viver lá é a atividade do
e)n h(su/x% tv= pro\j e)keiÍno e)pafv=, Intelecto. E essa atividade também gera
genn#= de\ ka/lloj, genn#= dikaiosu/nhn, deuses no contato quieto com aquele.
a)reth\n genn#=. Tau=ta ga\r ku/ei yuxh\ Também gera beleza, gera justiça, gera
plhrwqeiÍsa qeou=, kaiì tou=to au)tv= virtude. Pois a alma concebe essas coisas
a)rxh\ kaiì te/loj: a)rxh\ me/n, oÀti sendo preenchida de Deus, e isto para ela
e)keiÍqen, te/loj de/, oÀti to\ a)gaqo\n e)keiÍ. é o princípio e o fim. O princípio, porque
Kaiì e)keiÍ genome/nh gi¿gnetai au)th\ kaiì vem dali; o fim, porque o bem está ali. E
oÀper hÅn: to\ ga\r e)ntau=qa kaiì e)n estando lá, ela vem a ser precisamente o
tou/toij eÃkptwsij kaiì fugh\ kaiì que era. Pois o viver aqui e nas coisas que
DhloiÍ de\ oÀti to\ a)gaqo\n e)keiÍ kaiì perda das asas.
o( eÃrwj o( th=j yuxh=j o( su/mfutoj, kaqo\ E também mostra que o bem está lá o
kaiì sune/zeuktai ãErwj taiÍj YuxaiÍj amor inato da alma, conforme o qual
kaiì e)n grafaiÍj kaiì e)n mu/qoij. ¹Epeiì também Eros é associado às Almas nas
ga\r eÀteron qeou= e)kei¿nou, e)c e)kei¿nou pinturas e nos mitos. Pois, já que é
de/, e)r#= au)tou= e)c a)na/gkhj. Kaiì ouÅsa diferente de Deus e existe a partir
e)ntau=qa de\ pa/ndhmoj gi¿gnetai: kaiì estando ali, tem o Eros celeste. Aqui, no
ga/r e)stin e)keiÍ ¹Afrodi¿th ou)rani¿a, entanto, surge o vulgar. Pois também lá
e)ntau=qa de\ gi¿gnetai pa/ndhmoj oiâon está a Afrodite celeste, mas aqui, se torna
e(tairisqeiÍsa. Kaiì eÃsti pa=sa yuxh\ vulgar, como que prostituída. E toda alma
¹Afrodi¿th: kaiì tou=to ai¹ni¿ttetai kaiì é Afrodite. Isto é indicado também nas
ãErwj o( met' au)th=j geno/menoj. ¹Er#= Eros que surgiu com ela. Ama então a
ouÅn kata\ fu/sin eÃxousa yuxh\ qeou= alma que está de acordo com a natureza,
kalou= patro\j kalo\n eÃrwta. àOtan de\ virgem que tem um belo amor por seu
ei¹j ge/nesin e)lqou=sa oiâon mnhstei¿aij belo pai. E quando, vindo ao devir, é
mish/sasa de\ pa/lin ta\j e)ntau=qa uÀbreij ausência do pai, é ultrajada. Mas, odiando
a(gneu/sasa tw½n tv=de pro\j to\n pate/ra novamente os ultrajes daqui, purificando-
Kaiì oiâj me\n aÃgnwsto/n e)sti to\ preparando para ir para o pai, passa bem.
a)po\ tw½n e)ntau=qa e)rw¯twn, oiâo/n e)sti desconhecida, reflitam nos amores daqui
tuxeiÍn wÒn tij ma/lista e)r#=, kaiì oÀti e, sendo capaz de encontrar o que mais
tau=ta me\n ta\ e)rw¯mena qnhta\ kaiì amam, reflitam que essas coisas amadas
metapi¿ptei, oÀti ou)k hÅn to\ oÃntwj ídolos e que mudam, pois não eram o
e)rw¯menon ou)de\ to\ a)gaqo\n h(mw½n ou)d' oÁ verdadeiro amado, nem o nosso bem, nem
¹EkeiÍ de\ to\ a)lhqino\n e)rw¯menon, Mas lá está o verdadeiro amado, com o
au)tou= kaiì oÃntwj eÃxonta, ou) dele, realmente tendo-o e não apenas
< àOstij de\ eiåden, oiåden oÁ le/gw>, w¨j Aquele que viu sabe o que digo: como
h( yuxh\ zwh\n aÃllhn iãsxei to/te kaiì a então alma possui outra vida se
metasxou=sa au)tou=, wÐste gnw½nai de modo a saber, nesse estado, que está
a)lhqinh=j zwh=j, kaiì deiÍ ou)deno\j eÃti. e que nada mais é necessário. E que, pelo
Tou)nanti¿on de\ a)poqe/sqai ta\ aÃlla deiÍ, contrário, é necessário apartar das outras
kaiì e)n mo/n% sth=nai tou/t%, kaiì tou=to coisas e estar com ele somente e vir a ser
gene/sqai mo/non periko/yanta ta\ somente ele, cortando todo o restante que
loipa\ oÀsa perikei¿meqa: wÐste e)celqeiÍn jaz ao redor. De modo que, para
speu/dein e)nteu=qen kaiì a)ganakteiÍn e)piì esforçarmos a sair daqui também nos
qa/tera dedeme/nouj, iàna t%½ oÀl% au)tw½n indignamos em estarmos atados às outras
¸Ora=n dh\ eÃstin e)ntau=qa tenhamos nenhuma parte com a qual não
ka)keiÍnon kaiì e(auto\n w¨j o(ra=n qe/mij: sejamos tocados por Deus.
plh/rh nohtou=, ma=llon de\ fw½j au)to\ aqui, e a si mesmo, na medida em que ver
a)nafqe/nta me\n to/te, ei¹ de\ pa/lin luz pura, sem peso, ligeira, tornando-se
que se apagando.
X.
Pw½j ouÅn ou) me/nei e)keiÍ; äH oÀti Por que então ele não permanece lá? Na
mh/pw e)celh/luqen oÀloj. ãEstai de\ verdade, porque não saiu todo daqui. Mas
oÀte kaiì to\ sunexe\j eÃstai th=j qe/aj existirá um tempo quando também haverá a
e)no/xlhsin tou= sw¯matoj. ãEsti de\ to\ mais será perturbado por nenhuma
e(wrako\j ou) to\ e)noxlou/menon, a)lla\ perturbação do corpo. Pois a parte que viu
to\ aÃllo, oÀte to\ e(wrako\j a)rgeiÍ th\n não é a que é perturbada, mas a outra.
qe/an ou)k a)rgou=n th\n e)pisth/mhn th\n Assim, quando o que viu está inativo para a
e)n a)podei¿cesi kaiì pi¿stesi kaiì t%½ contemplação, não estão inativos a ciência
th=j yuxh=j dialogism%½: to\ de\ i¹deiÍn das demonstrações, provas e o diálogo da
kaiì to\ e(wrako/j e)stin ou)ke/ti lo/goj, alma. Mas o ato de ver e aquele que viu não
a)lla\ meiÍzon lo/gou kaiì pro\ lo/gou são mais discursos, mas maiores que o
kaiì e)piì t%½ lo/g%, wÐsper kaiì to\ discurso, anteriores ao discurso e acima do
¸Eauto\n me\n ouÅn i¹dwÜn to/te, oÀte Assim, vendo a si mesmo então, quando
o(r#=, toiou=ton oÃyetai, ma=llon de\ olha, verá a si mesmo desse modo, ou
au(t%½ toiou/t% sune/stai kaiì toiou=ton melhor, estará consigo mesmo e sentirá a si
de\ ou)de\ "oÃyetai" lekte/on, "to\ de\ “verá” deve ser dito, nem “o que foi visto”,
o)fqe/n", eiãper deiÍ du/o tau=ta le/gein, já que é necessário dizer que essas coisas
to/ te o(rw½n kaiì o(rw¯menon, a)lla\ mh\ sejam duas, a que vê e a que é vista, e não
eÁn aÃmfw: tolmhro\j me\n o( lo/goj. que ambas são um. Esse é sim um discurso
To/te me\n ouÅn ouÃte o(r#= ou)de\ temerário. É que, o que vê, nem vê, nem
diakri¿nei o( o(rw½n ou)de\ fanta/zetai dinstingue, nem imagina dois, mas, como se
du/o, a)ll' oiâon aÃlloj geno/menoj kaiì viesse a ser outro, e não ele mesmo, nem de
ou)k au)to\j ou)d' au(tou= sunteleiÍ e)keiÍ, si mesmo, pertence àquele lugar. E, vindo a
ka)kei¿nou geno/menoj eÀn e)stin wÐsper ser daquele, é um, como um centro que
Kaiì ga\r e)ntau=qa sunelqo/nta eÀn Pois aqui, reunindo-se, são um e, quando
e)sti, to/ te du/o, oÀtan xwri¿j. OuÀtw separados, dois. Assim, nós agora dizemos
kaiì h(meiÍj nu=n le/gomen eÀteron. Dio\ “outro”. Por isso, a contemplação é também
kaiì du/sfraston to\ qe/ama: pw½j ga\r difícil de explicar. Pois, como alguém o
aÄn a)paggei¿leie/ tij w¨j eÀteron ou)k anunciaria como outro não vendo ali que
i¹dwÜn e)keiÍ oÀte e)qea=to eÀteron, a)lla\ contemplou outro, mas “um”, junto de si
XI.
Tou=to dh\ e)qe/lon dhlou=n to\ tw½n Isso queria mostrar a ordem dos
musthri¿wn tw½nde e)pi¿tagma, to\ mh\ mistérios daqui: não expor aos não
e)kfe/rein ei¹j mh\ memuhme/nouj, w¨j iniciados. Como aquele não pode ser
dhlou=n pro\j aÃllon to\ qeiÍon, oÀt% divino a quem não teve o êxito de ver por si
mh\ kaiì au)t%½ i¹deiÍn eu)tu/xhtai. ¹Epeiì mesmo. Pois, certamente, já que não eram
toi¿nun du/o ou)k hÅn, a)ll' eÁn hÅn au)to\j dois, mas o vidente era uma só coisa com o
o( i¹dwÜn pro\j to\ e(wrame/non, w¨j aÄn visto - de modo que não era visto, mas
mh\ e(wrame/non, a)ll' h(nwme/non, oÁj unido -, se ele se lembrasse do que
e)ge/neto oÀte e)kei¿n% e)mi¿gnuto ei¹ aconteceu quando se misturava àquele, teria
åHn de\ eÁn kaiì au)to\j diafora\n nele nenhuma diferença com relação a si
e)n au(t%½ ou)demi¿an pro\j e(auto\n eÃxwn mesmo, nem segundo outras coisas – pois
ouÃte kata\ aÃlla ® ou) ga/r ti nada se movia a partir dele, nem a cólera,
e)kineiÍto par' au)t%½, ou) qumo/j, ou)k nem desejo de outra coisa estava presente
e)piqumi¿a aÃllou parh=n au)t%½ nele que se elevava - e nem discurso, nem
a)nabebhko/ti ® a)ll' ou)de\ lo/goj ou)de/ alguma intelecção. Para resumir, nem tinha
tij no/hsij ou)d' oÀlwj au)to/j, ei¹ deiÍ a si mesmo, se é necessário também isso
kaiì tou=to le/gein. ¹All' wÐsper dizer. Mas, como que arrebatado ou
a)tremeiÍ, tv= au(tou= ou)si¿# ou)damv= apartando com nenhuma parte de sua
strefo/menoj, e(stwÜj pa/nth kaiì oiâon estava todo em repouso, como se viesse a
Ou)de\ tw½n kalw½n, a)lla\ kaiì to\ Não apenas as coisas belas, mas também
kaiì to\n tw½n a)retw½n xoro/n, wÐsper passado por cima do coro das virtudes é
tij ei¹j to\ eiãsw tou= a)du/tou ei¹sdu\j como alguém que penetrou no interior do
ei¹j tou)pi¿sw katalipwÜn ta\ e)n t%½ santuário, deixando para trás as estátuas do
ne%½ a)ga/lmata, aÁ e)celqo/nti tou= templo, as quais, saindo novamente do
a)du/tou pa/lin gi¿netai prw½ta meta\ to\ santuário são as primeiras que vê depois da
ou)k aÃgalma ou)de\ ei¹ko/na, a)lla\ au)to/: estátua ou imagem, mas com ele. Estas vêm
aÁ dh\ gi¿gnetai deu/tera qea/mata. To\ a ser uma contemplação secundária. E isso
de\ iãswj hÅn ou) qe/ama, a)lla\ aÃlloj talvez seria não contemplação, mas uma
tro/poj tou= i¹deiÍn, eÃkstasij kaiì outra forma de ver, êxtase, simplificação e
Ei¹ d' aÃllwj ble/poi, ou)de\n au)t%½ Se fosse ver de outro modo, nada estaria
pa/resti. Tau=ta me\n ouÅn mimh/mata: presente para ele. Essas coisas então são
kaiì toiÍj ouÅn sofoiÍj tw½n profhtw½n imagens e sinalizam aos sábios entre os
ai¹ni¿ttetai, oÀpwj qeo\j e)keiÍnoj profetas de que modo aquele deus é visto. E
o(ra=tai: sofo\j de\ i¸ereu\j to\ aiãnigma o sacerdote sábio que compreende o enigma
sunieiìj a)lhqinh\n aÄn poioiÍto e)keiÍ poderia, indo ao santuário, realizar a visão
geno/menoj tou= a)du/tou th\n qe/an. Kaiì verdadeira. Isso mesmo que isso não
mh\ geno/menoj de\ to\ aÃduton tou=to aconteça e que não considere este santuário
phgh\n kaiì a)rxh/n, ei¹dh/sei w¨j a)rxv= princípio242, saberá que pelo princípio vê o
242
O santuário aqui simboliza o mundo inteligível. Plotino quer dizer que, mesmo que alguém não consiga
contemplar o Intelecto – que é necessário para alcançar a contemplação do Um -, será possível
a)rxh\n o(r#= kaiì suggi¿netai kaiì t%½ princípio e que também o semelhante vem a
Ou)de\n paralipwÜn tw½n qei¿wn oÀsa Não negligenciando nenhuma das coisas
du/natai yuxh\ eÃxein kaiì pro\ th=j divinas que a alma pode ter também antes
qe/aj, to\ loipo\n e)k th=j qe/aj a)paiteiÍ: da contemplação, ele pedirá o restante a
to\ de\ loipo\n t%½ u(perba/nti pa/nta to\ partir da contempação. E esse resto, ao que
hÀcei h( yuxh=j fu/sij, a)lla\ ka/tw me\n Pois, certamente, a natureza da alma não
ba=sa ei¹j kako\n hÀcei, kaiì ouÀtwj ei¹j chegará ao não-ser absoluto, mas,
mh\ oÃn, ou)k ei¹j to\ pantele\j mh\ oÃn. descendo, chegará ao mal e, assim, ao não
Th\n e)nanti¿an de\ dramou=sa hÀcei ou)k ser - mas não ao não-ser total. Correndo na
ei¹j aÃllo, a)ll' ei¹j au(th/n, kaiì ouÀtwj direção contrária, chegará não a um outro,
ou)k e)n aÃll% ouÅsa <ou)k> e)n ou)deni¿ mas a si mesma. Assim, não estando em um
e)stin, a)ll' e)n au(tv=: to\ de\ e)n au(tv= outro, não está em nada a não ser em si
mo/nv kaiì ou)k e)n t%½ oÃnti e)n e)kei¿n%: mesma: e somente em si mesma e não em
gi¿netai ga\r kaiì au)to/j tij ou)k outro ser é estar naquele. E a própria pessoa
ou)si¿a, a)ll' <e)pe/keina ou)si¿aj> vem a ser não alguma essência, mas, neste
tau/tv, v prosomileiÍ. Eiã tij ouÅn ponto, está além da essência, à qual está
tou=to au(to\n geno/menon iãdoi, eÃxei associada. Se, então, alguém vê, tornando-
o(moi¿wma e)kei¿nou au(to/n, kaiì ei¹ a)f' se ele próprio isso, tem em si mesmo a
compreender que é pelo semelhante que se conhece o semelhante. Assim, de algum modo, entenderá a
natureza da experiência mística, mesmo não tendo a experimentado (não é precisamente esse o caso da
grande maioria dos intérpretes de Plotino?)
au(tou= metabai¿noi w¨j ei¹kwÜn pro\j semelhança com aquele. E, se saísse de si
a)rxe/tupon, <te/loj> aÄn eÃxoi <th=j mesmo, como uma imagem em direção ao
e)gei¿raj a)reth\n th\n e)n au(t%½ kaiì novamente se elevando à virtude que está
di' a)reth=j e)piì nou=n i¹wÜn kaiì sofi¿an aliviado do peso pela virtude, indo para o
qei¿wn kaiì eu)daimo/nwn bi¿oj, Esta é a vida dos deuses e dos homens
bi¿oj a)nh/donoj tw½n tv=de, fugh\ mo/nou das outras coisas daqui, vida sem prazer
ao Só.