Sombra Junguiana e Maçonaria

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A “Sombra” Junguiana e a

Loja Maçônica
Tradução Idalina Lopes

Por Jean-Luc Maxence

A Sombra… Esse conceito que designa a face sombria e oculta da personalidade,


a parte inferior, a qual envolve, de certa forma, em seu manto inquietante e
obscuro a totalidade de todos os materiais psíquicos do reino do inconsciente,
está presente, de maneira aberta ou em filigrana, em toda a obra de Jung.

A Sombra é o inconsciente que trabalha em cada um de nós, o inconsciente


pessoal, certo, mas também o inconsciente coletivo. E é realmente isso, esse
mundo quase ignorado que pode emergir de maneira inesperada e às vezes
inquietante em uma reunião maçônica na Loja.

Com ou sem egrégora.

O. G. Jung escreve nitidamente: “Os conteúdos do inconsciente pessoal são


aquisições da vida individual, enquanto aqueles do inconsciente coletivo são
arquétipos que têm uma existência permanente e a priori”. Assim, a Sombra
é um “problema moral”. Ela coloca em jogo a globalidade da personalidade
do Eu. “Ninguém pode perceber a Sombra sem um emprego considerável
de firmeza moral”, acrescenta o Mestre.

Eis realmente o ato “que consiste em reconhecer a existência real dos aspectos
obscuros da personalidade”, o ato que permanece “o fundamento indispensável
de todo modo de conhecimento de si, e, consequentemente, confronta-se, via
de regra, a uma resistência considerável”.

Tanto na Psicoterapia como na Loja Maçônica, quando os “Irmãos” “trabalham”


aceitando a dialética do Eu e do inconsciente, trata-se realmente de concretizar
uma das mais célebres máximas inscritas no frontão do Templo de Delfos, a
saber, gnôthi sauton, isto é, “conhece-te a ti mesmo”. Esse “trabalho” pode levar,
com a ajuda de Sócrates ou não, longos anos, exigentes e apaixonantes como
toda exploração de si mesmo e de suas relações com o outro e o Outro.

Consequentemente, Charles Baudouin (1893-1963), antigo diretor do Instituto


de Psicoterapia de Gênova, tem razão ao ressaltar que a expressão “sombra”,
com ou sem maiúscula, não é somente uma espécie de linguagem
figurada,porém, muito mais do que isso: ela designa “uma dessas
personificações espontâneas cujo segredo o mundo onírico tem”.

Com efeito, o alter ego ou o duplo muitas vezes encontra seu estranho lugar na
Literatura. Um dos exemplos mais marcantes é provavelmente esse magnífico
poema de Alfred Musset, La nuit de décembre, que retoma, como uma espécie
de leitmotiv obsedante, o símbolo desse “estranho vestido de negro / Que se
assemelha a mim como um irmão”… Esse conviva vem misteriosamente se
colocar ao lado do homem ao longo de seu processo de crescimento…

Quando Musset é aluno, seu duplo é uma pobre criança “vestida de negro”, ele
se torna “um jovem rapaz” quando o poeta completa seus 15 anos, depois,
“estranho” “na idade em que se crê no amor”, depois, “conviva” “na idade em
que se é libertino”, depois, “órfão” à noite… “Anjo ou demônio”, quem é no fundo
“essa sombra amiga”? Não é ela realmente “a face humana e suas mentiras?”.
Quem é, portanto, essa sombra do romântico Musset que lhe sorri sem
compartilhar sua alegria e o lamenta sem consolá-lo? “Seria um sonho vão?
Seria minha própria imagem / que percebo nesse espelho?” e um pouco mais
adiante: “Quem é, portanto, tu, espectro de minha juventude / Peregrino que
nada cansou?”, pergunta o poeta. De fato, Musset, mais visionário do que
parece, evoca a Sombra de Jung antes do nascimento deste último! E a Sombra
muitas vezes toma o aspecto de um personagem velado, obscuro, da cor do
cinza, do vago, do indistinto. Pode ser stricto sensu a sombra que a silhueta do
homem forma sob o Sol. Mas, na realidade, raramente é tão simples. A Sombra é
mais do que um visitante solitário. É uma onipresença plena de ambiguidade e
nem sempre reconhecida, ou declarada. E a confrontação com a sombra, em
Psicanálise, é um difícil e às vezes trágico duelo entre o analisado e o lado
sombrio de si mesmo.

Mas a sombra não é realmente o mal, quando se acredita, por exemplo, em


Charles Baudouin, grande admirador, leitor e comentarista de Jung, é muito mais
o recalcado. Sim, a sombra pode apresentar uma variante positiva e uma outra
negativa. Aliás, Jung a estigmatiza quando escreve: “Se as tendências
recalcadas da sombra só fossem más, não existiria nenhum problema.

Ora, a sombra é, em regra geral, somente alguma coisa inferior, primitiva,


inadaptada e infeliz, mas não absolutamente má. Ela contém mesmo algumas
qualidades infantis ou primitivas que poderiam em certa medida reavivar e
embelezar a existência humana”.28 Com efeito, a Sombra é o duplo e este, em
muitas das culturas antigas, está presente em inúmeras representações de
animais e todos têm, justamente, uma dupla polaridade simbólica, benéfica e
maléfica. Assim, o leão simboliza ao mesmo tempo a força, real, positiva em si, e
com um apetite voraz que pode ser destruidor e devastador. Seriam necessárias
também páginas e páginas para apreender o “duplo jogo” das representações da
serpente, do dragão, do urso, entre outros! O mito é bem universal e designa sob
todas as latitudes dois irmãos gêmeos interiores, indissociáveis, formando um
todo sob pena de se desagregar até a loucura. Assim, a Sombra é naturalmente
o que se opõe à luz, mas ela deve ser também compreendida como o reflexo, o
jogo de sombras fugidio das coisas humanas efêmeras, irreais e em permanente
transformação. Podemos pensar então na alegoria da caverna evocada,
evidentemente, por Platão, quando os seres humanos são concebidos de modo
filosófico, como se evoluíssem em uma caverna de penumbra e de silhuetas
projetadas nas paredes, mas também na imagem do salmo 17 (“à sombra das
asas de Deus”) que será a divisa do pai espiritual dos rosa-cruzes, Johann
Valentin Andrea (1586- 1654), isto é, sub umbra alarum tuarum Jehova.

Podemos também evocar, se se é católico, a Anunciação feita a Maria quando o


anjo responde à Santa Virgem: “A potência do Altíssimo te cobrirá com sua
sombra” (São Lucas, 1n35).

Jean-Chevalier e Alain Gheerbrant nos relembram que, na África, entre os


inúmeros povos, a sombra é frequentemente compreendida como a segunda
natureza dos seres e das coisas e se encontra, em geral, ligada à morte. Em um
grande número de línguas indígenas da América do Sul, a mesma palavra
significa sombra, alma, imagem. Além do mais, entre os índios do norte do
Canadá, por ocasião da passagem da morte, “a sombra e a alma, distintas uma
da outra, separam-se do cadáver”.

Mais amplamente, na simbólica tradicional, o homem que vendeu sua alma ao


Diabo (“àquele que separa”) perde sua sombra, aquele que não sabe mais ver
sua sombra está destinado à destruição, bem como aquele que passa por cima!
Em outros termos, ele confunde a presa com a sombra e não sabe mais em qual
sombra confiar…, mas tudo é sempre ambivalente, mesmo a sombra de acordo
com inúmeras tradições. E parece que, na China, se distanciar de sua sombra
significa que, a partir disso, se está transparente a toda luz (o que é um mérito
supremo), e, para alguns gnósticos, que a alma humana não tem mais a sombra
de uma sombra quando se realizou totalmente sob o poder da luz sobrenatural!
Em resumo, sempre se trata de analisar a sombra, sem ocultá-la, para dali extrair
uma certa compreensão esclarecedora.

Pode-se então adivinhar, e a observação supera em muito um simples desejo


comparativo, tanto na psicologia das profundezas quanto na Loja, quando o
Aprendiz quer talhar sua própria pedra bruta para talvez torná-la, um dia, cúbica,
e, portanto, passível de melhor se ajustar, de se apoiar, no Templo da
humanidade inteira, devolver a Sombra à nossa consciência torna-se o objetivo
tanto da análise quanto do trabalho maçônico. A relação entre a dimensão
simbólica e a análise especulativa é decididamente sempre viva e primordial. O
símbolo, evidentemente, “revela”, de maneira pedagógica, didática, melhor do
que qualquer outra representação passível de sugerir e de mostrar. Todo símbolo
é dinâmico e permite passar de um sentido a um outro sentido, sob o impulso de
uma espécie de ricochete do raciocínio e da imaginação. A postura iniciática
maçônica e a psicologia das profundezas travam um mesmo combate e ambas
raciocinam por analogia. Por meio principalmente de sua anamnese familiar, C. G.
Jung sabe disso melhor do que ninguém. Toda a sua obra consiste em sua ampla
expressão. Em suma, a superação da sombra às vezes complacente da
Maçonaria. Fazer “como se” a sombra não existisse, ou ainda desprezar o
fenômeno, o que significa tentar suprimi-la, recalcá-la, ou acreditar que sua
própria identidade e a sombra são um só, significa sempre arriscar “perigosas
dissociações”. Em cada um de nós, sempre existe um reino melancólico e
neurótico, sem dúvida, mas também uma outra fortaleza bem protegida atrás
dos muros de onde a esquizofrenia nos observa…

Para o maçom, evoluir ao trabalhar com as ferramentas simbólicas, ao passar


progressivamente do esquadro ao compasso, sem esquecer a régua, o prumo, o
nível e às vezes até mesmo o machado que fende e a maça que estimula ou
esmaga, sempre significa conciliar-se consigo mesmo, reunir-se, decantar sua
pessoa verdadeira para melhor engajar sua eclosão, de acordo com um método
de progressão particular. Trata-se de se revelar para melhor se identificar com
medida e discernimento. Alguns textos falam até mesmo de “trabalhar sobre si
mesmo para estar na medida para se incorporar ao edifício comum”.

Consequentemente, como na análise, na poltrona, face a face, ou deitado em um


divã, em conversa, “como a sombra está próxima do mundo dos instintos, levá-la
em consideração contínua é indispensável” (sic). Não se pode temporizar ou
tergiversar. Se a cura da alma existe, é frequentemente pela aceitação e pela
apreensão inteligentes da Sombra que a libertação se dá. E, aliás, em La
guérison psychologique que Jung explica: a “Sombra personifica tudo aquilo que
o sujeito se recusa a reconhecer ou admitir e que, no entanto, se impõe sempre a
ele, direta ou indiretamente como, por exemplo, os traços do caráter inferiores
ou outras tendências incompatíveis”.

Aliás, com um humor que revela e faz sentido, C. G. Jung evoca “a cauda do
sáurio” da qual o homem não consegue se livrar para se tornar um ser realmente
civilizado! Em Aion, ele exprime sem ambiguidade: “A sombra é essa
personalidade, oculta, recalcada, com muita frequência inferior e carregada de
culpa, cujas ramificações mais extremas remontam até o reino de nossos
ancestrais animais e engloba assim todo o aspecto histórico do inconsciente…”.

Assim, a confrontação com a Sombra, às vezes frontal, é muitas vezes gradual e


digna de uma peregrinação iniciática sem fim. Ela permanece o ponto comum
forte, denso, incontornável, o Centro essencial do círculo de busca comum em
que gira o compasso simbólico do analisado segundo Jung e do maçom
especulativo. Nesse território pouco conhecido, pode-se encontrar também,
sem dúvida, o alquimista em busca de quintessência ou o gnóstico reencontrado
que sonha com o conhecimento absoluto. Os arqueólogos da alma estariam
todos, mais ou menos, em diálogo imaginário constante com a sombra? Temos o
direito de pensá-lo. E o caminho de Jung e suas marcas sobre essa terra de
inocência e de culpabilidade nos instigam.

Alguns dias antes de sua morte terrestre – no plano espiritual, o “cadáver” se


mexe mais do que nunca! -, o demasiado velho e Venerável “Sábio” Jung (ele
morreu em 6 de junho de 1961, aos 86 anos!) tinha sobre sua mesa de leitura as
obras do filósofo e poeta Teilhard de Chardin e parecia entusiasmado pelas
ideias mãe do autor do Phénomène humain (1955). Assim, poder-se-ia pensar
que, antes de entregar sua alma à Sombra, Jung pensou nesse enigmático
“ponto ômega” de Teilhard para o qual converge a humanidade em movimento e
em busca de Verdade?

Maxence, Jean-luc, in JUNG é a Aurora da Maçonaria O Pensamento Junguiano


na Ordem Maçônica, Madras 2004.

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