Artigo Sobre A Primeira Guerra Mundial
Artigo Sobre A Primeira Guerra Mundial
Artigo Sobre A Primeira Guerra Mundial
Uma forma de responder a essas perguntas é analisar uma situação real de guerra
de grande intensidade e repercussão por meio da aplicação dos três níveis de análise
(estrutura, sociedade e indivíduos), um recurso amplamente consagrado nas Ciências
Sociais em geral e nas RI em particular. No entanto, para elaborar essa investigação
empírica convém fugir ao infindável debate teórico agente-estrutura, uma vez que
acreditamos que os processos que ocorrem no campo internacional resultam
simultaneamente, e em graus variáveis, das ações dos agentes (tanto indivíduos como
estados), das restrições da estrutura (o sistema interestatal), assim como da interação
dinâmica entre agentes e estrutura.
2
Chama-se de “dilema da segurança” a concepção de que, quando um Estado procura incrementar sua
segurança através da reorganização de seus arranjos de defesa ou pelo fortalecimento de suas forças
armadas, pode, ao contrário, acabar por diminuí-la. Isto porque, na ausência de um entendimento
diplomático, poder-se-ia suscitar em seus vizinhos o temor de que esse reforço do poder militar tenha fins
agressivos. Inseguros sobre os propósitos dessas ações, outros Estados tenderiam a responder pelo
incremento de suas próprias capacidades, diminuindo dessa forma a segurança de todos.
3
primária das relações internacionais, ou seja, não deveria ser entendido como uma
consequência do que os homens são ou desejam, nem como ligado a condições internas
aos estados, mas apenas como resultante de características políticas do sistema de
estados. Porém, essa estrutura existe o tempo todo. Portanto, para explicar por que às
vezes as guerras acontecem e às vezes não, precisamos considerar também os demais
níveis de análise. Características de indivíduos (líderes políticos ou estadistas e outras
personalidades) bem como das massas e da estrutura interna dos estados (políticas e
instituições) são algumas das forças que agem dentro do sistema internacional. Waltz
em seu livro acima citado acaba por admitir que todos os níveis de análise podem ser
aplicados para explicar as causas da guerra. De fato, Waltz conclui afirmando “a
terceira imagem [a estrutura do sistema internacional] descreve a estrutura da política
mundial, mas sem a primeira [a natureza humana] e a segunda [a estrutura interna dos
estados] imagens não pode haver conhecimento das forças que determinam a política; a
primeira e a segunda imagens descrevem as forças presentes na política mundial, mas
sem a terceira é impossível avaliar a importância ou prever os resultados dessas
forças.”3
3
WALTZ, K. O Homem, o Estado e a Guerra: uma análise teórica. Tradução Adail Ubirajara Sobral.
São Paulo: Martins. Fontes, 2004, p. 295.
4
Ver, a propósito, WALTZ, K. Teoria das Relações Internacionais. Tradução Maria Luísa Felgueiras
Gayo. Lisboa: Gradiva, 2002.
4
Como uma guerra total, a Primeira Guerra Mundial bateu todos os recordes até
então registrados de perdas humanas, girando as estimativas de mortos em combate em
torno de 8,5 milhões de militares e 21 milhões de feridos, inválidos e desaparecidos,
sem contar os 10 milhões de civis vitimados pelos bombardeios, ataques de artilharia,
afundamento de navios e a proliferação da violência, desnutrição e doenças causadas
pela guerra.5 Os mortos da guerra estavam na faixa de 19-40 anos, ceifando-se com ela
parte significativa da juventude européia e pelo menos 10% de sua mão-de-obra ativa,
resultando no rápido envelhecimento relativo da população, assim como na rápida
expansão da participação feminina no mundo do trabalho.6
5
A “guerra total” é um conflito de largo alcance no qual os beligerantes mobilizam todos os recursos
disponíveis, seja humano, industrial, agrícola, militar, naturais, tecnológicos ou de outra natureza, a fim
de destruir totalmente ou inutilizar a capacidade de resistência de seus inimigos. A prática de guerra total
foi identificada pelo teórico militar Carl von Clausewitz, como um tipo particular de guerra. Em uma
guerra total, há menos (ou nenhuma) distinção entre combatentes e não-combatentes (civis) do que em
outros conflitos à medida que, tanto civis como militares, podem ser considerados partes do esforço
bélico do adversário.
6
Para estimativas dos números de mortos e baixas na Primeira Guerra Mundial, consultar
[http://www.historylearningsite.co.uk/FWWcasualties.htm]. Disponibilidade: 10/06/2009. Para mais
detalhes sobre as perdas humanas na Primeira Guerra Mundial, consultar ARARIPE, Luiz de Alencar.
“Primeira Guerra Mundial” in: MAGNOLI, Demétrio (org.). História das Guerras. São Paulo. Contexto,
2006, pág. 347.
5
militares) oscilam de US$ 180 bilhões a 230 bilhões (a preços de 1914, ou de US$
2,962 trilhões a US$ 3,785 trilhões a preços de 2008), ao passo que o custo indireto
como resultado da destruição da infraestrutura física pública (estradas, cidades, pontes e
instalações) e da riqueza privada (danos a moradias e edificações, plantas industriais,
rebanhos, navios mercantes etc), teriam alcançado a marca de US$ 150 bilhões de 1914
(cerca de US$ 2,468 trilhões de 2008).7
A reflexão em torno das “origens das guerras” caracteriza-se por tentar perceber
até que ponto questões de fundo ou acontecimentos secundários têm estado não apenas
na origem de um conflito militar específico, mas também na generalidade dos grandes
conflitos bélicos. Conforme Fernando Martins (2004), até meados do século XX, o
estudo das origens das guerras ou das suas causas não ia além de iniciativas isoladas,
por um lado, e por outro, não se resumia ao fenômeno das origens, que acabava
engolido pela narração detalhada e explicações daquilo que tinha sido a própria guerra,
7
Estimativas mais detalhadas dos custos diretos e indiretos da Primeira Guerra Mundial podem ser
consultadas em CAMERON, Rondo. A Concise Economic History of the World: from Paleolithic Times
to the Present. Oxford: Oxford University Press, 3rd Edition, 1997, p. 346-349. Para atualização dos
valores monetários a preços de 1914 a preços de 2008 foi utilizado o deflator implícito do PIB dos EUA,
publicado no sítio web [http://www.measuringworth.com/]. Disponibilidade: 20/06/2009.
8
Para mais dados sobre o balanço econômico e financeiro da Primeira Guerra Mundial, ver ARRUDA,
José Jobson. Nova História Moderna e Contemporânea. Bauru: Bandeirantes Gráfica, 2004, p. 331-332.
6
o que significava que, em circunstância alguma, era possível aos estudiosos separar o
que vinha antes e deflagrava a guerra daquilo que sucedia no decurso do próprio
conflito militar.9
11
HERNANDEZ, Jesus. Tudo que você deve saber sobre a Primeira Guerra Mundial. Tradução Flávia
Busato Delgado – São Paulo: Madras, 3ª Edição, 2008, p. 25.
8
Como veremos, não é possível isolar uma causa, mas é viável decompor o
processo histórico em níveis distintos. Em cada um desses níveis, a balança de poder –
seja como um sistema multipolar seja como manifestação da política de Estados
soberanos ou como protagonismo dos líderes individuais – é algo essencial para poder
entender a eclosão da guerra.
12
Para mais detalhes, ver, a propósito, KAREN, Migst. op.cit, p. 77-78.
13
DONNELY, Jack. “Realism” in: BURCHILL, Scott et al. Theories of International Relations.
Hampshire: Palgrave MacMillan, 2005, p. 35
14
NYE, Joseph, Jr. Compreender os Conflito Internacionais: uma introdução à Teoria e à História.
Tradução de Tiago Araújo. Lisboa: Gradiva, 2002.
10
capacidade militar, incluindo um programa de armamento naval poderoso, cujo objetivo era o de
construir a segunda maior marinha de guerra do mundo”.
Uma terceira explicação de natureza interna dos Estados que levaram à Primeira
Guerra Mundial diz respeito ao automatismo das reações em cadeia decorrente do rígido
esquema da estratégia de mobilização militar nas grandes potências. Conforme afirma
Henry Kissinger em seu livro Diplomacy (1994):
“The statesmen of all the major countries had helped to construct the diplomatic doomsday
mechanism that made each succeeding crisis progressively more difficult to solve. Their military
chiefs had vastly compounded the peril by adding strategic plans which compressed the time
available for decision-making. To make matters worse, the military planners had not adequately
11
explained the implications of their handiwork to their political colleagues. Military planning
had, in effect, become autonomous.” 15
“ Os alemães haviam trabalhado meticulosamente durante anos para estabelecer esse mecanismo
[de mobilização geral] que, uma vez em funcionamento, já não se podia detê-lo; um pequeno
deslize na aplicação do plano tornaria essa manobra perfeitamente sincronizada em um caos
completo. Franceses, russos e austríacos também dependiam de planos complexos de
mobilização para garantir a concentração dos soldados e seu posterior envio ao front. Ainda que
hoje em dia não possamos entender que o caminho da guerra não podia ser detido com uma
simples ordem, não se pode excluir esse fator para tentar compreender as circunstâncias que
levaram a Europa à guerra sem que, aparentemente, ninguém pudesse fazer nada para impedi-
lo”.
15
KISSINGER, Henry. Diplomacy. New York: Simon & Schuster, 1994, p. 201-202.
16
As mobilizações institucionalizaram o recrutamento forçado, que fora introduzido durante a Revolução
Francesa, e que havia mudado o caráter da guerra. Além disso, uma série de mudanças tecnológicas e
sociais promoveram a transição para uma forma mais organizada e em grande escala de mobilização de
tropas, a exemplo do telégrafo e do transporte ferroviário, que permitiu rápida concentração de soldados,
armamentos e suprimentos rumo aos teatros de operações. Só a Alemanha mobilizou cerca de 2,2 milhões
de homens em agosto de 1914.
12
17
FRIEDEN, Jeffry. Capitalismo Global: história econômica e política do século XX. Tradução: Vivian
Mannheimer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ED., 2008. p. 145.
18
HOBSBAWN, Eric. A Era dos Impérios, 1875-1914. Tradução Sieni Maria Campos e Yolanda
Steindel de Toledo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. p. 436.
13
19
Para maiores detalhes sobre as intricadas relações conflituosas entre a Áustria-Húngria e a Sérvia cujo
clímax desembocou na Primeira Guerra Mundial, ver FROMKIN, David. op.cit. p. 116-129, e História
em Revista. O Mundo em Armas, 1900-1925. Rio de Janeiro: Abril Livros Time Life, 1992, p. 15-16.
14
“Para o czar, aquela seria uma oportunidade de ouro: a vitória [contra os impérios centrais]
despertaria no povo russo um fervoroso sentimento nacionalista, unindo-o em torno do czarismo
e da defesa da pátria. Mas o tiro saiu pela culatra. Embora seu gigantesco exército fosse
conhecido como “rolo compressor”, ele não estava à altura das tropas bem treinadas e equipadas
20
da Alemanha”.
Outro elemento importante ao nível da política interna dos Estados que contribuiu
para causar a Primeira Guerra Mundial foram as mudanças sócio-políticas que se
processavam no interior da Alemanha. Na opinião do já mencionado historiador alemão
Fritz Fischer, apesar da sociedade alemã, no século XIX, ter avançado muito do ponto
de vista da industrialização, ela não conseguiu fazê-lo politicamente. Para ele, a política
externa alemã de antes de 1914 teria sido em grande parte motivada pelos esforços da
sua pessimista e reacionária elite política e econômica no sentido de desviar a atenção
do povo do “canto de sereia” do partido social-democrata por meio da transformação da
Alemanha na maior potência mundial à custa, sobretudo, da França e da Rússia,
resgatando com essa vitória espetacular o prestígio e a legitimidade perante o seu povo.
20
NUNES, Bianca. “Outubro Vermelho: não fosse a 1a Guerra, o levante comunista de 1917 na Rússia
jamais teria acontecido” in: LIMA, Eduardo (editor). A Primeira Guerra Mundial: 90 anos o conflito que
desenhou o mundo em que vivemos, Revista Superinteressante, Edição Especial. São Paulo: Editora Abril,
Edição 252-A, 2009. p. 43.
15
De acordo Kenneth Waltz (2004: 23), uma outra imagem ou nível de análise das
relações internacionais que explica as causas da guerra reside na natureza e no
comportamento do homem, uma vez que as guerras resultam do egoísmo, de impulsos
agressivos mal canalizados e da estupidez. Assim sendo, procurar-se-á nesta seção
distinguir o papel ou protagonismo de alguns indivíduos em termos de influência que
desempenharam no processo decisório que levou ao desencadeamento da Primeira
Guerra Mundial. Para facilitar a exposição, faremos uma análise dos protagonistas
selecionados segundo suas vinculações aos três países que assumiram uma postura
ofensiva na eclosão do conflito (Alemanha, Áustria-Hungria e Rússia), sem que isso
implique isentar de responsabilidade outros agentes em outros países europeus (França,
Grã-Bretanha etc) que, por ventura, tenham contribuído para que a cadeia de eventos
escalasse em direção à Grande Guerra.
21
Argumento citado por DÖPCKE, Wolfgang. Apogeu e Colapso do Sistema Internacional Europeu
(1817-1918) in: SARAIVA, José Flávio Sombra, op. cit. 167-168.
16
22
Para uma interessante biografia do Imperador austro-húngaro Francisco José, consultar o sítio web
[http://en.wikipedia.org/wiki/Franz_Joseph_I_of_Austria]. Disponibilidade: 21/06/2009.
17
alemão, como de que a Rússia não socorreria o país eslavo, o que constituiu o primeiro
passo para a guerra. Por fim, Berchtold ignorou a resposta da Sérvia e instigou o seu
imperador a declarar guerra à Sérvia em 28/07/1914, o que acabou provocando a
Primeira Guerra Mundial.23
23
Posteriormente, Berchtold, diante de exigências italianas de cessão de parte do território irredento de
Trieste, recomendou declarar guerra contra a Itália (uma decisão apoiada pelo então chefe do estado-
maior austríaco Conrad von Hötzendorf), o que abriu outra e desgastante frente de batalha. Forçado a
demitir-se em janeiro de 1915, Berchtold foi substituído no ministério dos negócios estrangeiros pelo
ainda mais truculento Barão Istvan Burian. Sobre o protagonismo de Berchtold no processo que levou ao
deflagrar da Guerra, vide FROMKIN, David, op. cit. p. 116, 118, 320 e 335.
24
NYE, Joseph, op. cit. p. 89. A propósito, o próprio Sergei Sazonov publicou anos depois um livro se
defendendo das acusações (de ter provocado a Guerra) intitulado: Fateful Years, 1909-1916: The
Reminiscences. New York: F. A. Stokes, 1928.
18
mobilização geral. O czar havia sido aconselhado por alguns a não ordenar a
mobilização das forças russas, mas diante da insistência de seus ministros do exterior e
da guerra, escolheu ignorar esse conselho, pondo o exército russo em “alerta geral” em
25/07/1914. Esse gesto ameaçava as fronteiras alemãs e austríacas e pareceu como uma
declaração de guerra.25
Ao lado do czar, Sergei Sazonov foi o estadista russo que atuou como ministro
dos negócios estrangeiros no período 1910-1916. O grau de seu envolvimento nos
acontecimentos que levaram à eclosão da I Guerra Mundial ainda está aberto ao debate,
com alguns historiadores atribuindo a culpa pela rápida e provocadora mobilização a
Sazonov. No entanto, em 1914, Sazonov era de opinião que, no caso de uma guerra, a
Rússia, como membro da Tríplice Entente, poderia obter ganhos territoriais dos países
vizinhos, a exemplo de terras da Silésia, Galícia e Bucóvina. Em 31/07/1914, o czar foi
aconselhado por Sazonov a ordenar a mobilização do exército russo, apesar dos riscos
de que essa decisão conduziria à guerra contra a Alemanha e a Áustria-Hungria.26
25
Ver, a propósito da biografia do último czar russo, Nicolau II, o sítio web
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicolau_II_da_R%C3%BAssia]. Disponibilidade: 20/06/2009.
26
NYE, Joseph, op. cit. 89. A propósito, o próprio Sazonov publicaria, anos depois, um livro, intitulado
Fateful Years, em que ele se defenderia das acusações e justificaria sua atitude de convencer o czar a
mobilizar o exército russo.
27
Para maiores detalhes, consultar o sítio web [http://en.wikipedia.org/wiki/Vladimir_Sukhomlinov].
Disponibilidade: 20/06/2009.
19
“ Naquele dia [31 de julho de 1914], Guilherme passou, por telegrama, a Francisco José a seguinte
mensagem: nesta dura luta, é da maior importância que a Áustria dirija sua força principal contra a
Rússia e não a divida em razão de uma ofensiva simultânea contra a Sérvia. Nesta luta gigantesca
em que estamos nos envolvendo ombro a ombro, a Sérvia desempenha um papel completamente
secundário”.
envolveria no conflito por não estar preparada para uma guerra continental. Todavia,
como os fatos demonstraram, essa sua premissa estava incorreta, de modo que a
garantia alemã dada à Áustria, que ele defendera com todo o empenho, levou à eclosão
da Primeira Guerra Mundial I. Após a Guerra, Jagow atribuiu ao “maldito sistema de
alianças" a razão mais profunda para provocar a Guerra Mundial. Por fim, o general
Helmut von Moltke (1848-1916), o chefe de estado maior alemão de 1906-1915, foi
uma das pessoas do círculo interno de poder do Reich que mais influência tiveram para
fazer a Alemanha entrar em guerra. Conforme assinala David Fromkin (2009: 319):
“Ao sugerir que um ou mais indivíduos começaram a Primeira Guerra Mundial, quero dizer que
havia homens que queriam iniciar uma guerra, e que agiram deliberadamente de modo a começar
uma guerra, e que tiveram êxito, pelo que fizeram. Assim, o detetive de romance policial pode
apontar seu dedo acusadoramente e dizer: eis o culpado! No caso da Alemanha, apontamos para
Moltke. Ele começou a guerra mundial, e o fez deliberadamente”
De fato, as descobertas de Fromkin revelam que Moltke era quem queria a guerra
contra a Rússia e a França. Ele sempre havia sido impedido de iniciar essa guerra em
crises anteriores porque as circunstâncias nunca foram totalmente adequadas. Tudo
tinha de estar no lugar: a autoridade do kaiser tinha de estar declinante; a participação
austríaca tinha de estar garantida, e a Rússia tinha de aparecer como o agressor.
Repentinamente, perto do fim de julho de 1914, tudo realmente se encaixou. Moltke
agarrou essa chance; ele viu que sua hora tinha chegado, e tratou de aproveitar. Tanto
foi assim, que em carta a um amigo em junho de 1915 (já após ter deixado o cargo) ele
afirmou: “É terrível ser condenado à inatividade nesta guerra. Esta guerra que eu
preparei e iniciei”.28
7. Conclusões
28
FROMKIN, D. O Último Verão Europeu, op.cit. 337.
21
perigosa escalada de crises que levaram à guerra em 1914; ii) ao nível da estrutura
interna das sociedades nacionais, elementos como o nacionalismo crescente, o colapso
dos impérios, o aumento das pressões populares sobre os governos autocráticos,
conflitos de classes em países em industrialização acelerada e aventuras externas para
diluir problemas internos, e iii) personalidades de líderes autocráticos e militaristas
desejosos de arriscar a sobrevivência de seus povos para aumentar seu poder.
Dessa intrincada história, é possível extrair lições para o mundo atual do início
do século XXI. Em que pesem as diferenças impostas pelo avanço tecnológico, em
especial as armas nucleares e de destruição em massa, e pelas transformações da política
e da sociedade, os perigos espreitam por todos os lados. O fato de a comunidade
internacional e a opinião pública mundial como um todo não aprovarem mais ideologias
extremas e negar a inevitabilidade da guerra, a estabilidade não se garante unicamente
pela distribuição equilibrada de poder militar. A complacência em relação à paz é algo
arriscado. É preciso um esforço geral rumo a formas mais racionais de interação e de
distribuição dos frutos do progresso econômico, de maior tolerância para com as
diferenças e de maior consciência sobre os limites físicos do planeta. Que as lições da
Primeira Guerra Mundial sirvam para a humanidade dirimir suas divergências com base
no diálogo e na cooperação e não na busca autista da segurança interna à custa da
insegurança alheia. É um desafio imenso para a sociedade humana, mas que vale a pena
tentar.
22
Resumo
O objetivo do artigo é analisar as múltiplas causas da Primeira Guerra Mundial utilizando os três níveis de
análise ou imagens propostos na concepção inicial de Kenneth Waltz, ou seja: o sistema internacional, o
estado soberano e os indivíduos. Para tal, além de apresentar sucintamente as perdas do conflito, realiza
um exercício acadêmico sobre suas causas, esmiuçando os variados fatores causais segundo suas
vinculações ao sistema, aos atores estatais e aos indivíduos. Conclui que aquele grande conflito mundial
teria resultado da interação complexa de fatores claramente identificados em cada um dos três níveis de
análise e fazendo um alerta para que suas lições sirvam para orientar a humanidade para a paz por meio
do diálogo e da cooperação.
Abstract
This article aims to analyze the multiple causes of the First World War using the three levels of analysis
or images proposed by the earliest conception of Kenneth Waltz, i.e. the international system, the
sovereign state and individuals. To this end, besides briefly presenting the losses of the conflict, it
undertakes an academic exercise on its causes, examining in some detail the various factors according to
their linkages either with the system, the state actors or the individuals. It concludes that the Great World
War resulted from complex interaction of factors identified in each of the three levels of analysis and by
making a warning that its lessons should serve to guide humankind to peace through dialogue and
cooperation.
Keywords: World War; International Security; System, Internal Structure of States; Individuals.
Palavras-chave: Guerra Mundial; Segurança Internacional, Sistema; Estrutura Interna dos Estados;
Indivíduos.