O Calvinismo Na Pratica Miolo

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O calvinismo na prática

Uma introdução à herança reformada e presbiteriana

ORGANIZADO POR PETER A. LILLBACK

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O calvinismo na prática © 2011, Editora Cultura Cristã. Título original em inglês The
Practical Calvinist © 2002, Peter Lillback (org.). Publicação em português autorizada pela
Christian Focus Publication Ltd. Geanies House – Fearn, Tain – Ross-Shire. IV20 TWE
– Scotland UK. Todos os direitos são reservados.
1ª edição – 2011 – 3.000 exemplares
Conselho Editorial
Ageu Cirilo de Magalhães Jr.
Cláudio Marra (Presidente)
Fabiano Almeida de Oliveira
Francisco Solano Portela Neto
Heber Carlos de Campos Jr.
Mauro Fernando Meister
Tarcízio José de Freitas Carvalho Produção Editorial
Valdeci da Silva Santos Tradução
Charles Marcelino
Revisão
Wendell Lessa
Wilton Lima
Claudete Água
Wilson Ferreira de Souza Neto
Editoração
Lidia de Oliveira Dutra
Capa
Magno Paganelli

L728c Lillback, Peter

O calvinismo na prática / Peter Lillback; traduzido por Charles Marcelino.


_São Paulo: Cultura Cristã, 2011

368 p.: 16x23cm

Tradução The practical Calvinist


ISBN 978-85-7622-414-3

1. Estudos Bíblicos 2. História da Igreja 3. Teologia Reformada

CDD 270

EDITORA CULTURA CRISTÃ


Rua Miguel Teles Júnior, 394 – CEP 01540-040 – São Paulo – SP
Caixa Postal 15.136 – CEP 01599-970 – São Paulo – SP
Fones 0800-0141963 / (11) 3207-7099 – Fax (11) 3209-1255
www.editoraculturacrista.com.br – [email protected]

Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas


Editor: Cláudio Antônio Batista Marra

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Sumário

Colaboradores ........................................................................................ 7

I. A HERANÇA REFORMADA: DA IGREJA MEDIEVAL


AO LIBERALISMO PROTESTANTE

A. A igreja medieval .................................................................................... 13


Peter A. Lillback, Anselmo e a lógica da expiação ..................................... 13
B. A igreja e a Reforma............................................................................... 38
1. Os primeiros reformadores ...................................................................... 38
a. João Calvino, Cristo, o !m da lei ........................................................ 40
b. Sinclair B. Ferguson, Manifestado na carne – João Calvino
sobre a realidade da encarnação ......................................................... 56
c. Carl Trueman, Lutero foi evangélico? ................................................ 71
2. Os puritanos............................................................................................. 89
a. Frank A. James III, A in!uência puritana de Peter
Martyr Vermigli .................................................................................. 89
b. Joseph A. Pipa Jr., A pregação puritana ............................................ 102
c. Joel R. Beeke, William Perkins sobre a predestinação,
a pregação e a conversão .................................................................. 121
d. Richard Gamble, A disputa entre o rei e a igreja: a revolução
de 1690 na Escócia presbiteriana ..................................................... 152
C. A igreja na Nova Inglaterra ................................................................. 169
1. Samuel T. Logan Jr., Jonathan Edwards e o reavivamento dos
anos de 1734-1735 em Northampton ................................................... 169
2. John Hanna, O amor como a base da Teologia:
as implicações práticas da doutrina de Jonathan Edwards
da habitação do Espírito ...................................................................... 205
D. O liberalismo protestante e a herança reformada ............................... 217
1. William Edgar, A luz de Schleiermacher na restauração
da França: os precedentes de Samuel Vincent e
Merle d’Aubigné.................................................................................. 217
2. W. Robert Godfrey, A luta pela ortodoxia na igreja
cristã reformada ................................................................................... 235

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6 O CALVINISMO NA PRÁTICA

II. HERMENÊUTICA BÍBLICA REFORMADA E PRESBITERIANA


A. Douglas H. Shantz, O estudo bíblico milenarista de
Heinrich Horch (1652-1729): A análise de um estudo de caso na
hermenêutica reformada moderna ....................................................... 251
B. Vern S. Poythress, Presbiterianismo e dispensacionalismo ................. 275
C. Richard B. Gaf!n Jr., Teologia bíblica e os
Padrões de Westminster ........................................................................ 285

III. MINISTÉRIO NA VIDA DA IGREJA


A. Teologia prática ................................................................................... 305
1. Philip Graham Ryke, Ministério pastoral em
união com Cristo.................................................................................. 305
2. Ronald E. Lutz e John V. Yenchko, O calvinismo na prática
e a igreja local ...................................................................................... 323
3. Dan G. McCartney, A teologia do sofrimento –
O sofrimento em Tiago ........................................................................ 337
B. Cuidado pastoral: O aconselhamento de uma perspectiva
reformada ............................................................................................ 349
1. Jay E. Adams, O aconselhamento bíblico e
calvinismo na prática ........................................................................... 349
2. David Powlison, O calvinismo e o aconselhamento
bíblico contemporâneo ........................................................................ 357

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I
A herança reformada:
da igreja medieval ao
liberalismo protestante

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A. A igreja medieval
ANSELMO E A LÓGICA DA EXPIAÇÃO
PETER A. LILLBACK

A lgumas vezes, as pressuposições dos historiadores são sugeridas pelos


títulos que eles atribuem às épocas históricas. Por exemplo, o período
medieval da história da igreja abarca um longo intervalo de tempo, inician-
do-se por volta de 600 d.C. e terminando logo depois de 1500 d.C. Mas, o
que exatamente torna esse período a “Idade Média”, como sugere o epíteto
“medieval”? Seria em razão de ele estar entre a vasta erudição do período
clássico dos gregos e romanos e o restabelecimento dos estudos clássicos
na Renascença? Ou será que é porque ele está situado entre o grande divi-
sor de águas que foi a teologia patrística e o restabelecimento dos estudos
bíblicos nas línguas originais que marcaram os humanistas do período da
Reforma?
Outras vezes, as pressuposições historiográ"cas são francamente re-
veladas pela escolha de rótulos descritivos. Com isso, alguns nas tradições
reformada e iluminista denominam o período medieval com o termo pejora-
tivo de “Idade das Trevas”. Certamente, com o colapso do Império Romano
no Ocidente e a resultante hegemonia das tribos bárbaras, a ordem social e
os empreendimentos acadêmicos foram profundamente ameaçados. E, então,
o que aconteceu com a luz do evangelho da graça pregado pelos apóstolos
enquanto se desenvolvia o sistema medieval baseado no mérito? O que
aconteceu à verdadeira religião enquanto o culto aos santos se desenvolvia e,
posteriormente, foi misturado a uma adoração sincrética que aparentemente
batizou antigos deuses pagãos atribuindo-lhes nomes cristãos? Porém, mesmo
se reconhecermos que essa designação pejorativa é apropriada a esse período
de declínio espiritual, cultural e intelectual, deve-se lembrar que luzes bri-
lhantes de substancial glória podem iluminar os céus da meia-noite.
De fato, Anselmo, arcebispo de Canterbury (1033-1109) foi uma des-
sas luminárias no tenebroso "rmamento medieval. Sendo o teólogo mais

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14 O CALVINISMO NA PRÁTICA

in!uente entre Agostinho e Tomás de Aquino,1 fato evidenciado por seus


escritos criativos e substanciosos,2 muito da sua perspicácia teológica ainda
reluz nas discussões teológicas e "losó"cas contemporâneas.3 Ainda que
pareça contraditório sugerir que um teólogo medieval tenha produzido um
impacto duradouro tanto na teologia cristã quanto no pensamento "losó"-
co, a obra de Anselmo desmente essa avaliação negativa quase unânime do
período medieval.
Por outro lado, o fato de Anselmo ser apenas uma das muitas luzes que
formam a constelação teológica medieval sugere que deve haver para esse
período uma descrição melhor do que “Idade das Trevas”. Alguns, na tradição
reformada, consideram esse período da História como “Cristandade” – uma
contração de “Idade de Cristo” – um tempo em que a cosmovisão predomi-
nante julgava-se cristã e a"rmava estar sob o governo de Cristo. Além disso,
o Oriente ou a parte grega do Império Romano cristianizado, comumente
chamado de Império Bizantino, nunca passou por um colapso intelectual e
cultural como o que aconteceu no Ocidente. O Império Oriental !oresceu até
1400, quando os turcos otomanos, com suas reluzentes espadas de conquista
brandidas em nome da fé muçulmana, "nalmente o conquistaram.
Além do mais, uma era que durou mil anos pode ser caracterizada por
um simples conceito? Melhor que comprimir esse considerável período da
vida da igreja numa descrição de tamanho único, será seguramente mais
exato reconhecer esse milênio como uma conjunção de períodos menores,
tendo cada de um de seus séculos suas próprias características e preocupações
distintivas. Como quer que se resolva o debate implícito na escolha de um
título histórico, a Idade Média (designação com a qual me contento) não
deve ser considerada exclusivamente como um tempo de trevas intensas e
de sonambulismo teológico.

I. Um panorama da história da igreja medieval


Para iniciar o estudo da importância duradoura da visão de Anselmo da
expiação de Cristo4 devemos localizar esse autor em seu contexto histórico
mais amplo, com um breve esboço do per"l do período medieval. Seguindo
o que já foi feito por outros, pode-se dividir o período medieval em três
eras menores, cada uma re!etindo uma motivação teológica dominante que
expressa sua essência. Primeiro, o Período Beneditino, 600 d.C.-1000 d.C.
(o período do crescimento vertiginoso da vida monástica sob a Ordem dos
Beneditinos). Segundo, o Período da Escolástica, 1000 d.C.-1300 (da síntese
teológica da "loso"a redescoberta de Aristóteles com o pensamento cristão).
E terceiro, o Período Nominalista, 1300 d.C.-1500 (a era da dissolução da

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A IGREJA MEDIEVAL 15

síntese medieval, caracterizada por um ceticismo em relação ao valor da


"loso"a para o desenvolvimento teológico).
O Período Beneditino (600-1000), então, foi um tempo de contínuo
crescimento missionário da igreja. Os resultados eram vistos na Inglater-
ra, na Irlanda, na Alemanha, nos Países Baixos e na Itália. Por outro lado,
houve perdas signi"cativas na África do Norte, no Oriente Próximo e na
Espanha em decorrência da nascente fé islâmica de Maomé. A vida espiri-
tual da igreja era marcada por uma profunda preocupação com a salvação
pessoal, o que estimulou um grande in!uxo às comunidades monásticas,
as quais frequentemente eram regidas pela Norma de São Bento (Lei dos
Beneditinos). Durante esse período se deu o estabelecimento do papado.
Gregório, o Grande, por exemplo, a"rmou que possuía um bispado universal
conferido por Roma. O poder atribuído àquele que se assentava no trono do
papado foi amplamente fortalecido pelo uso de vários documentos atribuídos
ao imperador Constantino, os quais garantiam ao papa grandes poderes e
muitas terras. Embora séculos depois os eruditos demonstrassem que esses
documentos eram espúrios, a autenticidade deles foi imediatamente aceita,
desse modo justi"cando as posses territoriais e o imenso poder do bispo de
Roma. O domínio emergente dos papas na sociedade feudal "nalmente os
levou a embates com os reis, especialmente aqueles que tinham se conver-
tido de suas religiões pagãs ao cristianismo, tal como a dinastia de Carlos
Magno. Dessas disputas surgiu a questão da investidura, com o papa e os
reis reivindicando o direito de preencher as vagas tanto no governo da Igreja
quanto no do Estado.
O Período Beneditino também não foi isento de discussões teológicas
importantes para a história da doutrina cristã. Nas questões debatidas e
desenvolvidas durante esse período se incluem: a controvérsia monotelista
(Cristo tem somente uma vontade, isto é, somente a vontade divina, ou duas
vontades, uma completamente humana e uma completamente divina?), o
iconoclasmo (os ícones podem ou devem ser utilizados no culto cristão?);
o adocionismo espanhol (Como Jesus tornou-se o "lho de Deus?), peni-
tência e indulgências (o homem deve realizar algo para ser absolvido de
seus pecados e, também, provar seu arrependimento com a "nalidade de
obter o perdão de seus pecados? Um pagamento "nanceiro pode substituir
esses atos de arrependimento segundo a conveniência do penitente ou em
benefício da igreja?), o primeiro debate sobre a Eucaristia na Idade Média
(o qual antecipou algumas das principais teorias sobre a Ceia do Senhor que
surgiriam na Reforma. Paschasius Radbert sustentava uma modalidade de
transubstanciação; Rabanus Maurus falava da presença simbólica; Ratramnus
sustentava a presença espiritual), a controvérsia a respeito da predestinação

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16 O CALVINISMO NA PRÁTICA

(a dupla predestinação de Agostinho é um ponto de vista necessário ou mes-


mo legítimo para a igreja? Gottschalk foi preso por defender a doutrina de
Agostinho); a controvérsia sobre a cláusula !lioque (o Espírito Santo procede
do Pai e do Filho, ou apenas do Pai? Esse debate resultou no Grande Cisma
entre a Igreja Católica Romana e as Igrejas Ortodoxas gregas). Portanto, até
mesmo o início do período medieval foi rico em re!exões teológicas.
O Período da Escolástica (1000-1300) presenciou avanços missio-
nários que causaram impacto na Escandinávia, na Rússia, na Boêmia, na
Polônia e na Hungria. A vida espiritual da igreja havia sido negativamente
impactada pelo seu grande crescimento, sucesso "nanceiro e opulência dos
monastérios. Esse é um fato irônico, visto que os monastérios eram constitu-
ídos de pessoas que faziam voto de pobreza. Com isso, a vida monástica foi
amplamente reformada pela in!uência do movimento monástico francês de
Cluny, bem como pelo desenvolvimento de outras novas ordens, incluindo
os dominicanos e os franciscanos. Porém, com o crescimento da igreja veio
o trágico retrocesso do grande cisma que dividiu a igreja Igreja Ortodoxa da
Igreja Católica Romana, em razão das diferenças quanto ao entendimento
trinitariano de !lioque, ou seja, se o Espírito Santo procede do Pai somente
(ortodoxos) ou procede do Filho e do Pai (católicos). Quando Inocente III
entrou no cenário político-eclesiástico, conduziu o papado ao ápice de seu
poderio pela utilização da autoridade sacramental da igreja (particularmente
pelo interdito, uma alegação de ter a autoridade de suspender a e"cácia da
graça do sacramento pela simples declaração papal) e pelas reivindicações
políticas (a possessão de duas espadas, o poder sobre a Igreja bem como sobre
o Estado) para controlar e derrubar os reis. As Cruzadas, várias tentativas de
tirar a Terra Santa do controle muçulmano, foram empreendimentos desse
período, algumas vezes oferecendo indulgências plenárias para recrutar os
soldados necessários para atacar as fortalezas muçulmanas.
Nesse período ocorreram também vários debates teológicos importantes
que foram signi"cativos para a história da doutrina cristã. Neles se incluem:
o segundo debate sobre a Eucaristia (novamente uma antecipação dos debates
da Reforma sobre a Mesa do Senhor), a teologia e a "loso"a de Anselmo (es-
pecialmente seu argumento ontológico para a existência de Deus, e sua teoria
substitutiva da expiação); a teologia de Abelardo (particularmente sua teoria
da expiação pelo exemplo moral); a questão da reordenação dos sacerdotes
e a necessidade da veneração da Virgem Maria. A criação de universidades
em toda a Europa fez nascer formalmente a instrução teológica. Tópicos
dos estudos universitários incluíam a lei canônica (a lei da igreja), a exege-
se quádrupla das Escrituras (signi"cados tipológicos e alegóricos que iam
além dos signi"cados literal e gramatical das Escrituras) e o escolasticismo

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