Sermão Puritano

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Pregação Bíblica
Rev. Fúlvio Anderson Pereira Leite

Sermão Puritano
Modelo de Exposição

Os puritanos usavam o novo método reformado e direto de pregar. Este


novo método reformado era um tipo especial de estrutura, de esboço
de sermão. Quando lemos os sermões dos puritanos ou o sermão de
Jonathan Edwards, “Pecadores nas Mãos de um Deus Irado”,
percebemos sua estrutura.

O sermão começa com uma análise do contexto, seguida de uma breve


explicação exegética e, desta exegese, o pregador extrai as doutrinas
que ele vai pregar.

Logo ele desenvolve estas doutrinas com provas e argumentos.

Finalmente faz a aplicação à congregação, o que chamavam de “usos”.

Para que compreendamos este novo método reformado, vamos


inicialmente entender o estado ou a forma como se pregava na
segunda parte do século XVI. Na época da Reforma havia basicamente
dois tipos de sermão em uso.

Muitos, como Calvino, usavam aquilo que se chama de forma antiga. É


chamada de antiga porque historicamente se liga até aos primeiros
grandes pregadores da história da Igreja como João Crisóstomo. A
forma antiga de pregação não tinha nenhuma estrutura elaborada de
organização. Se lermos os comentários de Calvino perceberemos que
ele simplesmente segue a ordem do texto fazendo a exegese e
trazendo a aplicação.

Outros usavam uma forma semelhante à moderna, o que se vê hoje.


Na verdade, o que chamamos de forma “moderna” vinha desde a Idade
Média. Era um estilo de pregação que se desenvolveu com base na
oratória de Cícero.

Ou seja, introdução, divisão do texto, pregação de pontos em sucessão


e a conclusão. Estavam tão influenciados pela retórica e dialética de
Aristóteles que o sermão em suas mãos se tornou simplesmente uma
dissecação minuciosa, fria e sem vida do texto, além de não ter
aplicação prática à vida. O problema foi que eles, ao invés de
desenvolverem uma filosofia própria de pregação, consideraram a
pregação como uma subdivisão da retórica e dialética clássica. Nos
dias de hoje se faz algo muito parecido. Mas os reformadores insistiram
que a homilética, a arte de pregar, deveria ser uma ciência que tivesse
existência própria. Sem dúvida ajudada pela retórica e dialética, mas
não baseada nestas coisas.

Nos dias modernos, teorias de comunicação têm tomado o lugar da


retórica.

Cada vez mais os seminários estão falando de formas como comunicar


em lugar de como pregar. Aqui existe uma diferença profunda. Hoje
perdemos a ciência, a arte bíblica da homilética. A pregação pública
perdeu a sua dimensão bíblica e o seu poder bíblico.

Cito um exemplo de um pregador britânico. Seu texto era Lucas 23:28


quando há o relato das mulheres chorando quando Jesus levava a
cruz. Ele começa descrevendo os 4 tipos de mulheres que estavam ali
chorando. Após fazer a introdução à sua passagem, divide o texto em 8
partes como segue: Nesta passagem podemos observar tantas
palavras se referindo a tantos lugares. São oito expressões com oito
partes. A primeira expressão: “não chores”; a segunda: “chorai”; a
terceira: “não chore mas chore”; a quarta: “por mim”; a quinta: “por vós
mesmas”; a sexta: “por mim e por vocês mesmas”; a sétima: “não
chorai por mim”; a oitava: “chorai por vocês mesmas”. É patético mas
esta era a divisão do sermão. Isso é apenas uma ilustração de como os
pregadores ingleses daquela época estavam dividindo e fazendo o
esboço de seus sermões.

Naturalmente, além de usar esta forma, este método de esboço, eles


usavam pouca aplicação. E quando faziam uma aplicação, era mais de
uma maneira genérica.
O sermão de pessoas com estas convicções são exemplos de
fantasias poéticas. A eloqüência artificial que eles demonstravam era
conseguida através da rima que faziam nas palavras e frases. Faziam
jogo de palavras; usavam palavras com duplo sentido. Seus sermões
estavam cheios de citações de grego e latim para demonstrar erudição.
O propósito destes pregadores era eletrizar a sua audiência, não com a
verdade da Palavra de Deus, mas com sua eloqüência.

O paralelo moderno deste tipo de sermão é aquela pregação cheia de


piadas e estórias, anedotas, ilustrações humorísticas. Nos Estados
Unidos temos pregadores que a cada ponto do seu sermão contam dez
estórias diferentes. Mas na realidade o que está por trás é esta visão
do sermão: a teoria da comunicação.

Sem dúvida alguma os puritanos estavam completamente insatisfeitos


com a forma e o estilo do sermão dos anglicanos. Por isso citei a
experiência de John Cotton. Os puritanos rejeitaram o estilo anglicano
de pregação e no seu lugar introduziram o novo método reformado com
seu estilo direto de pregar.

Teologia Puritana da Pregação

Os puritanos consideravam a pregação como a função principal do


pastor e fundamentavam esta convicção no fato de a pregação ter sido
o trabalho principal de Cristo e dos apóstolos.

Seguindo a tradição dos apóstolos e João Calvino, os puritanos


acreditavam que quando um homem ordenado (pela Igreja) para
pregar, expunha a Palavra de Deus, Cristo estava falando através dele.

Pela pregação, a Palavra escrita se torna a Palavra viva de Deus. O


puritano William Perkins escreveu: “Porque quando as promessas da
misericórdia de Deus são oferecidas ao Seu povo através da pregação
da Palavra por um ministro ordenado, é como se o próprio Cristo, em
pessoa, estivesse falando através das Suas ordenanças”.

Este é um ensino claramente expresso no NT. Isso precisa ser


redescoberto nos nossos dias. É a base teológica pela qual podemos
entender porque a pregação tem de ser central no culto.
O grande alvo dos puritanos era mudar as pessoas e equipar o povo de
Deus para trabalhar para a glória de Deus. Eles queriam que o povo
percebesse o quanto precisavam de pregação.

Um grande pregador puritano chamado Henry Smith, disse: “Queridos,


se vocês considerarem que não podem ser nutridos para a vida eterna
senão pelo leite da Palavra de Deus, vocês prefeririam que seus corpos
estivessem sem alma do que ter as suas igrejas sem pregadores”.

Com base na compreensão puritana da natureza teológica da pregação


foram desenvolvidas o que podemos classificar como sendo as cinco
marcas do verdadeiro sermão.

1. Se Cristo vai nos falar através do sermão, ele tem de ser bíblico.
A Diretório de Culto de Westminster nos diz: “De forma geral, o tema de
um sermão tem de ser um texto da Escritura expondo alguns princípios
básicos da religião e que são adaptados ou que são úteis a
determinadas ocasiões, ou então o pregador pode pregar
expositivamente através de um capítulo, de uma parte de um livro ou
de um salmo da Escritura”. A primeira coisa que notamos aqui é que
para os puritanos o conteúdo da pregação deveria ser primeiramente a
Palavra de Deus. E mesmo que seja um sermão tópico seu objetivo
deve ser expor o conteúdo da Escritura. Qualquer parte de um sermão
tem de ser baseado na Palavra de Deus. Cada pregador deve
perguntar: Será que posso dizer que meus sermões são bíblicos?
Com relação ao método, os puritanos recomendavam e praticavam, em
termos gerais, a pregação expositiva.

2. A pregação deve atingir a mente. Deve ser lógico.


Os puritanos estavam convencidos que o pregador deve se aproximar
do coração de sua audiência através de suas mentes. Portanto, o
sermão devia ser intensamente lógico, expondo a verdade, linha por
linha, preceito por preceito. Por causa disso os sermões puritanos eram
cheios de argumentos, provas e demonstrações que partiam das
Escrituras. Eles eram “experts” na persuasão e, talvez o maior de todos
eles tenha sido Jonathan Edwards.

3. A pregação deve ser de fácil memorização.


O povo deve ser capaz de lembrar-se do que o pastor pregou. De
acordo com a maneira puritana de pensar, embora o sermão devia
operar quando no próprio ato da pregação, ele deveria continuar a sua
obra de edificação à medida que o povo levava o sermão para casa.
Portanto, os pregadores puritanos encorajavam as pessoas para que
elas meditassem em casa sobre o sermão pregado, sobre o que se
havia dito. Encorajavam as pessoas a tomarem nota e decorarem os
pontos principais do esboço do sermão; que não somente no culto
doméstico, mas também na escola, a congregação deveria repetir o
sermão do domingo. Se o povo fizesse tudo isso precisava de alguma
coisa sólida em que se firmar.

Se o sermão vai ser decorado pela congregação deve ter uma estrutura
clara que facilite esta memorização e a estrutura do sermão puritano
capacitava o povo a memorizar. Isso ainda é verdade hoje. Quando
acabamos de pregar nos dias de hoje, a nossa congregação deveria
ser capaz de ir para casa levando em suas mentes pelo menos o
esboço do que foi dito.

Lembremos: o sermão deve ser bíblico, lógico e fácil de


memorizar.

4. Mas o sermão deve ser claro.


Não deve haver nada no sermão que faça com que as pessoas se
desviem da verdade, que distraia a atenção para outra coisa além da
verdade. O sermão deve ter uma linguagem popular, com um
vocabulário simples e “crucificado”, sem chamar atenção para o ego.
Naturalmente que nem todos irão compreender a verdade, mas de
qualquer forma a verdade deve ser proclamada numa linguagem de
todos.

5. O sermão deve ser transformador.


O grande propósito do sermão puritano era transformar a vida das
pessoas e equipá-las para viver para a glória de Deus. Portanto deveria
ser apresentado com aplicação e ajuda.

Este é um breve sumário da teologia da pregação puritana.

Método Puritano de Pregação.


Este método chegou a ser conhecido como novo método reformado, e
o mentor deste tipo de pregação e que o desenvolveu foi William
Perkins.
Perkins acreditava que o pregador se dirigia primeiro ao intelecto
usando verdades irrefutáveis, princípios irrefutáveis da exegese e, se
houvesse necessidade, estes princípios poderiam ser repetidos através
de demonstração e argumentação.

Uma vez que a pessoa havia aceito a verdade que estava sendo
proclamada, ela estava em condições de aplicar à sua vida e ao seu
pensamento aquilo que o pastor estava falando. Não é somente se
dirigir ao intelecto da congregação, mas persuadir as pessoas
intelectualmente da verdade da Escritura. Sobre este fundamento ele
partia para a aplicação. Isso está bem colocado nas cinco marcas que
apresentamos acima.

O centro da estrutura do sermão é chamado de o “esquema


triplo”, que consistia de (a) doutrina, (b) demonstração e (c) usos.

1. Na doutrina o pastor declarava a verdade doutrinária que se


encontrava na passagem.
2. A demonstração consistia em trazer de outras partes da Escritura
textos que reforçassem aquilo que o pastor havia falado para que
a verdade exposta se tornasse irrefutável.
3. Finalmente, os usos eram as aplicações que se fazia à
congregação à partir da doutrina que tinha acabado de ser
estabelecida.

Algumas vezes poderia haver uma ou mais doutrinas e nesse caso,


cada doutrina seria desenvolvida e consequentemente aplicada. Ele
partia de uma doutrina e continuava na próxima. Mas, em geral havia
no desenvolvimento do sermão apenas uma doutrina.

No fim do século XVI era a única maneira que os puritanos conheciam


de pregar.

Doutrina e demonstração.
No fim do seu livro, Perkins dá a ordem e o sumário de seu método.
1. O pastor tem de ler o texto diretamente das Escrituras Canônicas.

2. Dar o sentido e a compreensão do que está sendo lido pela própria


Escritura e tirar do texto o seu sentido natural, retirando alguns pontos
úteis da doutrina e aplicá-los à vida das pessoas numa forma simples e
direta.

Se você já leu algum sermão puritano, espero que esteja agora em


condições de reconhecer o que ali está presente.

A primeira coisa que o pregador puritano nos dá é o contexto da


passagem.

A segunda coisa é nos dar uma breve exposição exegética do texto


escolhido. Geralmente divide o texto fazendo um esboço exegético e, a
partir daí, ele expõe a doutrina ali contida.

Seguindo este método o puritano mostra de forma clara à sua


congregação, que a doutrina que está pregando vem diretamente de
uma exegese da Escritura. Então, desenvolve a doutrina que extraiu da
Escritura através de demonstrações e argumentos.

Finalmente ele leva tudo isso às consciências dos ouvintes


através de uma aplicação direta.

Portanto, segundo Perkins, a doutrina a ser demonstrada no sermão


deveria partir de uma exegese da Escritura.

Como Calvino e os demais reformadores, eles acreditavam que um


texto tem apenas um único sentido.

Perkins continua procurando mostrar e dar algumas regras de


interpretação úteis ao pregador. Dá os seguintes métodos que acredita
serem necessários para se interpretar a Bíblia corretamente.

1. Ter um conhecimento geral de toda doutrina bíblica. Por isso o


pregador necessita da Confissão de Fé e dos Catecismos. Calvino
enfatizou que, se alguém tem um conhecimento claro da verdade, ele
está habilitado a ser um intérprete fiel da Palavra de Deus. Se ele
conhece o todo pode interpretar parte.

2. Em segundo lugar, Perkins recomendava que se lesse a Escritura


numa sequência especial usando análise gramatical, retórica e lógica
para entender o texto.

3. Fazer uso de comentários escritos por exegetas ortodoxos. Por


isso devemos sempre indicar bons livros.

4. Manter um registro do que está lendo. Os puritanos chamavam a


isto de “livro de registro de leitura” (dos textos). Era um livro que
registrava as passagens lidas, os pontos principais e um esboço do que
pregavam.

5. Não esquecer que toda interpretação bíblica deve ser feita em


oração. Isso, porque o Espírito Santo é o interprete da Palavra de
Deus.

Havendo estabelecido estes princípios de interpretação básicos ele vai


mais adiante e coloca mais três princípios específicos que são
baseados naquele maior de que a Escritura interpreta a Escritura:

1. Analogia da fé. A Bíblia é uma unidade. Uma vez que você conhece
toda doutrina bíblica percebe que não há nenhuma contradição.
Portanto, não se pode interpretar o texto de forma a contradizer o que a
Bíblia diz em outro lugar.

2. O texto deve ser interpretado à luz do seu próprio contexto.

3. Comparar Escritura com Escritura.

Se o texto escolhido para a pregação é longo como em histórias ou


parábolas o pastor deve dar um breve resumo dele. Se, ao contrário, o
texto é curto, o pastor deve fazer uma paráfrase do texto. O propósito é
que, de uma forma ou de outra, se possa olhar e compor o contexto do
texto e demonstrar as doutrinas principais que devem ser extraídas
daquele texto. Fazendo a análise e organização do texto escolhido,
deve-se levar mais em consideração a ordem do assunto do que a
ordem das palavras.

Assim feito, o puritano passavam para a exposição da doutrina. Como


dissemos, a doutrina nada mais é do que a verdade extraída do texto e
exposta de uma forma adaptada à edificação do povo de Deus. O
pregador deveria falar de forma tão clara que aqueles que ouvissem,
com prazer recebessem a Palavra de Deus.

William Perkins sempre falava de “extrair” uma verdade de um texto.


Havia dois métodos de se fazer isto.

1) Anotação e 2) Coleção (ajuntamento).

1) Anotação é usado quando a doutrina está claramente explícita no


texto. O que o pregador faz é simplesmente observar aquilo que o texto
está dizendo de forma clara. Um exemplo é o Sermão do Monte,
quando Cristo diz que aquele que olhar para uma mulher com uma
intenção impura, no seu coração comete adultério com ela. Daí,
Perkins extrai a seguinte verdade: O texto não somente está afirmando
isto, mas dele se deriva a verdade de que o sentido daquele ensino é
proibir toda ocasião para o adultério.

2) Coleção (ajuntamento) é o método usado quando a doutrina está


implícita no texto. Neste caso a verdade tem de ser deduzida por
inferência. Ou seja, a verdade quando não é declarada explicitamente
pode estar obviamente contida na passagem. Como exemplo temos a
passagem de Sofonias 2:2, quando encontramos a expressão
“examinai-vos a vós mesmos”. Baseado nesta expressão Perkins
desenvolve a doutrina da necessidade de arrependimento. Isso, porque
todo arrependimento deve começar com auto-exame e todo auto-
exame deve levar a arrependimento. Uma vez que a doutrina é
derivada do texto ela deve ser demonstrada. No desenvolver da
doutrina a verdade deve ser claramente demonstrada. Uma vez que
isso é feito, os ouvintes estarão prontos para ouvir a aplicação.

Esta é uma idéia do método puritano de preparar um sermão, não


somente por causa do contexto histórico, mas porque nos traz lições
importantes.
O pastor deve ser um exegeta fiel das Escrituras. Deve trabalhar duro
nos seus estudos porque somente através deste trabalho árduo e em
oração, a “Bíblia se abre” para nós. Como intérpretes devemos tratar o
texto de forma fiel. É vergonhoso saber que nós, que temos esta visão
da Bíblia como de fato a Palavra de Deus, somos, algumas vezes,
exegetas tão desleixados.

Além disso devemos construir e estruturar nossos sermões de forma


cuidadosa e não deixar para a última hora. Se o sermão tem de ser
lógico e deve ser memorizado pela congregação, ele precisa ser
elaborado com cuidado.

Este tipo de sermão vai exigir alguma coisa de vocês. Você não vai à
igreja apenas para ser entretido; deve se apropriar da Palavra de Deus
através de sua mente e fazê-la descer ao coração e nele leve esta
Palavra para casa e para que nele surta efeito onde estiver. Para isso
tem de ser um ouvinte atencioso. Não culpe o pastor se não tirou nada
de um sermão preparado zelosamente. É sua responsabilidade tirar
proveito, porque não foi à igreja para se entreter ou se divertir, mas
para ser instruído na Palavra e ter Deus tratando com seu coração.

Lembrem-se das cinco marcas do sermão puritano. Não vamos


desenvolvê-las como os puritanos desenvolveram; algumas vezes a
estrutura do sermão puritano continha muitas palavras e quando havia
a tendência de derivar muitas doutrinas de um único texto, o sermão
perdia sua unidade; ficava uma colcha de retalhos. Mas a lição é que
não devemos seguir os puritanos como robôs, mas “pegar” a visão que
eles tinham.

Lembre-se! O sermão deve ser:

1) Bíblico; 2) Lógico; 3) Fácil de ser memorizado; 4) Direto; 5)


Transformador.

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