Baba Yaga
Baba Yaga
Baba Yaga
C763
Contos de fadas: em suas versões originais, volume 3 / Marina Avila,
(org).; tradução de Felipe Lemos. – São Caetano do Sul: Wish, 2017.
176p. : il. – (Contos de fadas: em suas versões originais; 3)
ISBN: 978-85-67566-05-4 CDU: 82-343
Editora Wish
www.editorawish.com.br
São Caetano do Sul - SP - Brasil
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OS DIREITOS DE TRADUÇÃO
Ilustração
Arthur Rackham
V(Baba
asilissa, a Bela
Yaga)
В АС И Л И С А П Р Е К РАС Н А Я
A lex a nder A fa nasy ev
RÚSSI A, 1855 A 1863
I L U S T R A Ç Ã O : I VA N B I L I B I N
E m u m c e r t o C z a r a d o 1, a l é m d e t r ê s v e z e s
nove reinos, depois de altas cadeias montanhosas, vivia um
mercador. Ele fora casado por doze anos, mas nesse tempo lhe
foi concedida apenas uma criança, uma filha, que desde o berço
foi chamada Vasilissa 2, a Bela. Quando a garotinha tinha oito anos,
sua mãe adoeceu e, após poucos dias, via-se claramente que ela mor-
reria. Então ela chamou sua filhinha para junto de si e, pegando uma
bonequinha de madeira de debaixo do cobertor da cama, colocou-a
em suas mãos, dizendo:
— Minha pequena Vasilissa, minha querida filha, escute o que
eu digo; lembre-se bem de minhas últimas palavras e não falhe em
cumprir os meus desejos. Eu estou morrendo e, com a minha bênção,
deixo a você essa bonequinha. Ela é muito preciosa, pois não há outra
igual no mundo todo. Carregue-a sempre com você, em seu bolso,
1 - N. do T.: Território controlado por um Czar (ou Tzar), nome dado aos governantes russos até a
Revolução de 1917.
2- N. do T.: O nome Vasilissa (também escrito Vasilisa) é a forma feminina de Basil, derivado de
basileus, que significa “rei”. Vasilissa, pois, significa “rainha”, e é um nome comum nos contos-de-
-fada russos. Basil também é o nome em inglês do manjericão, conhecido como O Rei das ervas.
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2 - N. do T.: Pode parecer estranho que o sol e o vento sejam colocados na mesma sentença como
causas de queimadura, mas temos de lembrar que na Rússia, os ventos gélidos podem sim causar quei-
maduras por exposição prolongada, fenômeno chamado de “windburns”.
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1 - N. do T.: O “mundo branco” é uma expressão datada que designa a Europa, durante muito tempo
usada na Rússia como referência ao mundo como um todo. Uma expressão atual seria “minha madras-
ta maldosa deseja livrar-se de mim.”
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e partiu, incumbindo-as todas de fazerem uma prece todos os dias
pelo seu retorno a salvo. Mal ele saiu da vista do vilarejo, porém, e a
madrasta vendeu sua casa, encaixotou todos os seus bens e mudou-se
com elas para outro domicílio, distante da cidade, em uma vizinhança
sombria à beira de uma floresta selvagem. Lá, todos os dias, enquanto
suas filhas trabalhavam dentro de casa, a esposa do mercador mandava
Vasilissa em uma tarefa ou outra floresta adentro, fosse para achar
um galho de um arbusto raro ou para trazer-lhe flores ou frutinhas.
Mas lá nas profundezas da floresta, como a madrasta bem sabia,
existia uma clareira verde2, e nessa clareira havia uma cabaninha mi-
serável construída sobre pés de galinha, onde vivia uma Baba Yaga3,
uma velha bruxa. Ela vivia sozinha e ninguém ousava se aproximar
da cabana, pois ela comia pessoas como se come galinhas. A esposa
do mercador mandava Vasilissa floresta adentro todo dia, esperando
que ela encontrasse a velha bruxa e fosse devorada; porém, a garota
sempre voltava para casa sã e salva, porque sua bonequinha mostrava-
-lhe onde os arbustos, as flores e frutinhas cresciam, e não a deixava
chegar perto da choupana que ficava sobre pés de galinha. E cada vez
a madrasta a odiava mais e mais por não ter sofrido nenhum mal.
Numa noite de outono, a madrasta chamou as três garotas e
deu uma tarefa a cada uma. A uma de suas filhas ela incumbiu tecer
um pedaço de renda; a outra, mandou tricotar um par de calçolas;
e, para Vasilissa, deu uma bacia de linho para ser fiado. Ela ordenou
que cada uma terminasse sua parte, e então apagou todas as fogueiras
da casa, deixando apenas uma única vela acesa no quarto onde as três
trabalhavam e foi dormir.
Elas trabalharam por uma, por duas, por três horas, até que uma
das irmãs mais velhas pegou uma pinça para ajeitar o pavio da vela e,
2 - N. do T.: Literalmente ‘gramado’, ‘relva’; mas há um uso arcaico que significa “clareira”.
3 - N. do T.: Baba Yaga é uma figura sobrenatural e folclórica, presente em diversos contos eslavos,
representada como uma (às vezes com outras irmãs, por isso o uso de “uma” Baba Yaga) bruxa velha e
feroz, que vive em uma casa construída sobre pés de galinha. A palavra “baba” ainda é usada como sinô-
nimo de “avó” ou “velha” em línguas como búlgaro e romeno; no russo, “babushka” (avó) deriva dela.
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a se agitar, e a Baba Yaga veio voando da floresta. Ela estava caval-
gando um grande almofariz de ferro, dirigindo-o com o pilão, e,
enquanto se aproximava, varria o caminho atrás dela com uma vas-
soura de cozinha.
Ela cavalgou até o portão e, parando, disse:
— Casinha, casinha! Mamãe não te pôs assim; vire as costas
para a floresta e fique de frente para mim!1
E a cabaninha virou-se de frente para ela e ficou parada. Então,
farejando em volta, a Baba Yaga gritou:
— Fu! Fu! Eu sinto um cheiro russo! Quem está aí?
Vasilissa, num grande temor, aproximou-se da velha e, curvan-
do-se muito baixo, disse:
— É somente Vasilissa, vovó. As filhas de minha madrasta me
mandaram à senhora para pegar um pouco de fogo emprestado.
— Bem... – disse a velha bruxa. — Eu as conheço. Mas se lhe
der o fogo, você vai ficar comigo um tempo e fazer alguns trabalhos
para pagar por ele. Se não, você será a comida da minha ceia.
Então, ela se voltou ao portão e gritou:
— Olá! Vocês, minhas fechaduras sólidas, destranquem-se!
Você, meu robusto portão, abra!
Instantaneamente, as fechaduras se destrancaram, o portão abriu
sozinho e a Baba Yaga adentrou assoviando. Vasilissa entrou logo atrás
dela e, de imediato, o portão fechou de novo e as fechaduras estalaram
com força ao fechar.
Quando elas entraram na cabana, a velha bruxa atirou-se em
frente ao forno, esticou suas pernas ossudas e disse:
— Ande, pegue e ponha já sobre a mesa tudo o que está nesse
forno! Eu estou com fome!
Vasilissa correu, acendeu uma lasca de madeira em uma das
caveiras na parede, pegou a comida do forno e pôs diante da bruxa.
1 - N. do T.: “Casa pequena, casa pequena, fique no caminho em que vossa mãe vos colocou! Vire
vossas costas para a floresta e vossa face para mim!”; alterado para manter a sonoridade.
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limpe-as, uma a uma. Alguém misturou terra com elas para me tapear
e enfurecer, e eu as quero perfeitamente limpas.
Assim dizendo, ela se virou para a parede e logo começou a roncar.
Quando ela adormeceu, Vasilissa foi a um cantinho, pegou a
bonequinha de seu bolso, colocou diante dela uma parte da comida
que havia sobrado e pediu por seu conselho. E a bonequinha, quando
ganhou vida e comeu um pouquinho de comida e bebericou um go-
linho de bebida, disse:
— Não se preocupe, bela Vasilissa! Reconforte-se. Faça exata-
mente como fez noite passada: ore e vá dormir.
Então, Vasilissa reconfortou-se. Ela rezou e foi dormir, e não
acordou até a manhã seguinte, quando ouviu a velha bruxa assoviando
no quintal. Correu até a janela bem a tempo de vê-la se acomodar
no almofariz; e, enquanto ela o fazia, também o homem trajado em
vermelho, montando o cavalo como sangue, saltou sobre o muro e se
foi, exatamente quando o sol nasceu na floresta selvagem.
Assim como aconteceu na primeira manhã, aconteceu na se-
gunda. Quando Vasilissa olhou, descobriu que a bonequinha tinha
acabado todas as tarefas, exceto a de cozinhar o jantar. O quintal
estava varrido e em ordem, o chão estava tão limpo quanto madeira
nova, e não existia um grão de terra sequer na meia medida de se-
mentes de papoula. Ela descansou e refrescou-se até a tarde, quando
cozinhou o jantar; e, quando a noite chegou ela pôs a mesa e sentou-se
para esperar a velha bruxa chegar.
Logo, o homem de preto, no cavalo como o carvão, galopou por
cima do portão, e a escuridão caiu e os olhos das caveiras começaram
a brilhar como o dia; e então o chão começou a tremer, e as árvores
da floresta começaram a gemer e as folhas secas a farfalhar, e a Baba
Yaga chegou montada em seu almofariz, dirigindo-o com seu pilão e
varrendo o chão atrás de si com a vassoura.
Quando ela entrou, cheirou tudo ao seu redor e andou pela
cabana, batendo com o seu pilão; mas, mesmo examinando e
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vasculhando como pôde, novamente ela não achou motivo para re-
clamar e ficou com mais raiva que nunca. Bateu palmas e gritou:
— Olá! Meus fiéis servos! Amigos de minha alma! Apressem-se
e prensem o óleo das sementes de papoula! – e instantaneamente, os
três pares de mãos apareceram, pegaram a medida de sementes de
papoula e levaram-na embora.
Pouco depois, a velha bruxa sentou-se para jantar e Vasilissa trouxe
tudo que havia cozinhado, o suficiente para alimentar cinco homens
crescidos; colocou diante dela, trouxe cerveja e mel, e ficou esperando
silenciosamente. A Baba Yaga comeu e bebeu tudo, cada pedaço, dei-
xando um pouco menos de um farelo de pão; e disse abruptamente:
— Bem, por que não diz nada, mas fica aí parada como se fosse
estúpida?
— Eu nada falei – Vasilissa respondeu — porque não me atrevi.
Mas se me permitir, vovó, eu desejo fazer algumas perguntas.
— Bem... – disse a velha bruxa. — Só lembre que cada pergunta
não levará a nada bom. Se sabe demais, envelhecerá muito cedo. O
que deseja perguntar?
— Peço que fale dos homens em seus cavalos – disse Vasilissa.
— Quando vim para a sua cabana, um cavaleiro passou por mim.
Ele estava todo vestido de branco e galopava em um cavalo branco
como o leite. Quem era ele?
— Aquele era meu dia branco e brilhante – respondeu a Baba
Yaga com raiva. — Ele é um servo meu, mas não pode machucá-la.
Pergunte-me mais.
— Depois disso... – prosseguiu Vasilissa. — Um segundo cava-
leiro me ultrapassou. Ele estava todo vestido em vermelho e cavalgava
um cavalo vermelho como o sangue. Quem era ele?
— Esse era meu servo, o sol, redondo e vermelho; e ele, também,
não pode feri-la – respondeu a Baba Yaga, rangendo seus dentes. —
Pergunte-me mais.
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— Um terceiro cavaleiro – continuou Vasilissa — veio galo-
pando sobre o portão; ele era negro, suas vestes também eram negras
e seu cavalo negro como o carvão. Quem era ele?
— Esse era meu servo, a noite negra e escura! – respondeu a
velha bruxa, furiosamente. — Mas ele também não pode fazer mal a
você. Pergunte-me mais!
Mas Vasilissa, lembrando que a Baba Yaga havia dito que nem
toda pergunta leva ao bem, ficou em silêncio.
— Pergunte-me mais! – gritou a velha bruxa. — Por que não me
pergunta mais? Pergunte-me dos três pares de mãos que me servem!
Mas Vasilissa viu como a bruxa rosnou para ela e respondeu:
— As três perguntas são o suficiente para mim. Como a senhora
disse, vovó, eu não quero, por saber demais, envelhecer muito cedo.
— É bom para você – disse a Baba Yaga — que não tenha per-
guntado sobre elas, mas só do que viu fora dessa cabana. Se tivesse per-
guntado deles, meus servos, os pares de mãos levariam você também,
como fizeram com o trigo e as sementes de papoula, para se tornar
minha comida. Agora é a minha vez de fazer-lhe uma pergunta. Como
foi capaz, em tão pouco tempo, de executar perfeitamente todas as
tarefas que lhe dei? Diga-me!
Vasilissa estava com tanto medo ao ver como a velha bruxa
rangia os dentes que quase lhe contou sobre sua bonequinha, mas
caiu em si a tempo de responder:
— A benção de minha falecida mãe me ajuda.
Então a Baba Yaga levantou-se, tomada pela fúria.
— Ponha-se para fora da minha casa já! – ela gritou. — Não
quero ninguém que carrega uma bênção cruzando meus domínios!
Suma daqui!
Vasilissa correu para o quintal e, lá atrás, ouviu a velha bruxa
gritando para as fechaduras e para o portão. As fechaduras se
abriram, o portão abriu-se, e ela correu para fora da clareira. A Baba
Yaga pegou da muralha uma das caveiras de olhos brilhantes e ar-
remessou-a em Vasilissa.
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1 - N. do T.: Existem registros na linguagem russa de um sentimento de relação íntima e paternal entre
o Czar e seus súditos; ele era chamado em diversos textos de “o Czar pai”, “o pai soberano”, etc; a língua
russa é ainda cheia de diminutivos, e uma destas formas pode ser traduzida como “paizinho Czar”.
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y
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Agradecemos a leitura
e esperamos que tenha gostado!