Filosofia Analítica Da Linguagem PDF
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Jaqueline Stefani
Doutora em Filosofia pela UNISINOS
Professora do Centro de Filosofia e Educação da Universidade de Caxias do Sul – UCS
[email protected]
Andreia Borba
Mestre em Educação pela Universidade de Caxias do Sul – UCS
[email protected]
Resumo Abstract
A filosofia analítica da linguagem compreende um Analytic philosophy of language comprehends an
período importante dentro da história da filosofia. important period in the history of philosophy. At present
Contemporaneamente, não é mais o Ser grego, nem the relevant theme in the philosophical scene is no longer
o Deus medieval, tampouco o Sujeito da the Greek Being, nor the medieval God, nor the Subject
modernidade, mas sim a Linguagem o tema relevante of modernity, but Language. These are the questions
no cenário filosófico. Algumas questões norteiam este guiding this article: What are the characteristics of
trabalho, tais como: quais as características da analytic philosophy of language? What authors as diverse
filosofia analítica da linguagem? O que autores tão as Frege, Wittgenstein and Austin, among others, have in
distintos como Frege, Wittgenstein, Austin, entre common? And what are the major differences between
outros, têm em comum? E quais as diferenças mais them? What is the role of John Austin in analytic
significativas entre eles? Qual o papel de John Austin philosophy of language? The view that most philosophical
na filosofia analítica da linguagem? A constatação de problems are due to misunderstandings and
que a maioria dos problemas filosóficos se deve a incomprehension generated by the ambiguity of natural
mal-entendidos e incompreensões geradas pela language seems to be a common feature of the authors
ambiguidade da linguagem natural parece ser uma of this period. However, both the form of analysis of
característica comum aos autores desse período. natural language and the proposed solution to this
Todavia, tanto a forma de análise da linguagem problem clearly differ in them. Apparently the analytic
natural quanto a solução apontada para resolver tal tradition of language can be seen in two movements: the
problema diferem claramente nos autores. Ao que first one with authors such as Frege and Wittgenstein
parece, a tradição analítica da linguagem pode ser (Logical-philosophical Treatise) and the second one with
considerada em dois movimentos: o primeiro com Wittgenstein (Philosophical Investigations) and Austin,
autores como Frege e Wittgenstein (Tratado lógico- who occupies a prominent position in the article because
filosófico) e o segundo com Wittgenstein of his contributions to the analysis of the importance of
(Investigações filosóficas) e Austin, o qual recebe um the context, its use, the speakers‟ intention, grammar
lugar de destaque neste texto por suas contribuições and the rules.
na análise da importância do contexto, da forma de
uso, das intenções dos falantes, da gramática e das
regras vigentes.
Introdução
A filosofia analítica da linguagem surgiu de duas formas distintas como forte reação ao
idealismo hegeliano e kantiano: primeiramente, como análise lógica da linguagem, movimento
conhecido como semântica clássica, e, posteriormente, em um sentido distinto, como filosofia da
linguagem ordinária (cf. Marcondes, 1989). A semântica clássica tomou forma com pensadores da
escola analítica de Cambridge, como Frege (Sobre o sentido e a referência, publicado em 1892),
Russell (Teoria das descrições definidas, de 1905, e Da denotação, de 1909), Wittgenstein
(Tratado lógico-filosófico, publicado em 1921), além de Carnap e Schlick. Por sua vez, a chamada
“filosofia da linguagem ordinária” conta, entre outros autores relevantes, com Wittgenstein
(Investigações filosóficas, publicado postumamente em 1953), Austin (Como fazer coisas com
palavras, publicado postumamente em 1962) e John Searle.
Algumas características são comuns às duas vertentes filosóficas. Para ambas, a maioria
dos problemas filosóficos se deve a mal-entendidos, ambiguidades, equivocidades e
incompreensões geradas por um descuido no uso correto da linguagem, seja compreendendo a
palavra “correto” no sentido da eliminação de ambiguidades advindas da linguagem natural, seja
no sentido de seguir as regras de um determinado jogo de linguagem. Uma análise da linguagem
se faz necessária para a própria compreensão do processo do conhecimento, desde sua
possibilidade até sua justificação, especialmente no âmbito da epistemologia e das próprias
ciências. Outra característica comum é a constatação de que muitas proposições clássicas da
história da filosofia são elucidadas através da análise da linguagem, tais como problemas
correntes da metafísica especulativa. De certa forma, pode-se dizer arrazoadamente que a
filosofia analítica da linguagem questionou a permissividade dos discursos, especialmente do
discurso filosófico.
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permitisse pleno domínio do mundo objetivo; foi isso que, inicialmente, Leibniz – o predecessor
da lógica contemporânea – pretendeu efetivar, em sua tentativa de conduzir o pensamento
humano à univocidade conceitual.
Antes de Frege (Sobre o sentido e a referência) era comum que se tratasse do significado
como algo equivalente ao objeto, daí sua marcante contribuição com a distinção entre sentido e
referência. Para abordar o significado de determinada expressão, a noção tradicional de
referência era insuficiente, especialmente se os nomes ou descrições definidas fossem diferentes,
mas tivessem o mesmo objeto por referência – como no caso da atribuição de valor à proposição
“A estrela da manhã é a estrela da tarde”. Segundo Frege, a linguagem expressa um sentido e
tem uma referência. O sinal de identidade significa que a referência que ambas as descrições “A
estrela da manhã” e “estrela da tarde” denotam é a mesma. A identidade é verdadeira, nesse
caso, pois ambos os sinais se referem ao mesmo objeto, ainda que o sentido (seu modo de
apresentação) seja diferente. No caso da identidade “A estrela da manhã é a estrela da manhã”,
tanto o sentido expresso quanto a referência são os mesmos e tem-se, então, um exemplo do
princípio de identidade, em que toda coisa é igual a ela própria, sendo este classificado como um
juízo analítico, uma vez que seu valor de verdade independe da experiência. Já no caso anterior
(“A estrela da manhã é a estrela da tarde”), tem-se que determinado astro que aparece em um
tempo determinado é o mesmo astro que aparece em outro tempo determinado e, nesse caso,
temos um conhecimento sintético a posteriori. Tal proposição traz um conhecimento novo, de
“extensão valiosa” (Frege, 1978, p. 61), pois não é tautológica e tem valor cognitivo diferente do
segundo (“A estrela da manhã é a estrela da manhã”).
A possibilidade de que se entenda o sentido de um nome ou de uma descrição definida,
para Frege, não significa que para eles – sentido de um nome e descrição definida – exista,
necessariamente, uma referência. Há casos em que não há uma referência correspondente ao
sentido, mas, ainda assim, tal sentido pode ser compreendido. Todavia, as sentenças que não
possuem referência não são passíveis de atribuição de valor, ou seja, a verdade ou falsidade
dizem respeito à referência, mas nada impede, em princípio, que tais sentenças tenham sentido.
A verdade e a falsidade dizem respeito à referência porque tal atribuição valorativa depende de
uma correspondência entre o que é expresso pelas frases e os objetos reais ou os estados de
coisas possíveis aos quais as frases se referem.
Em Wittgenstein (Tratado lógico-filosófico), a linguagem é composta de proposições
complexas que se compõem de proposições atômicas. As proposições atômicas, por sua vez, são
compostas de nomes. Por outro lado, o mundo é composto de fatos, os quais são compostos de
estados de coisas possíveis, estados estes compostos de objetos. Ao desmembramento do
primeiro corresponde o desmembramento do segundo. Para que a proposição seja verdadeira,
deve haver uma correspondência entre a proposição e aquilo a que ela se refere. Deve haver,
também, uma isomorfia entre linguagem e mundo, pois a forma lógica possível de uma
proposição é a própria condição de sentido dela. A forma lógica da proposição deve corresponder
à forma lógica do estado de coisas possível.
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A lógica, tal como expressa no Tratado lógico-filosófico, é o próprio espelho cuja imagem é
o mundo; “a imagem concorda com a realidade ou não; é correcta ou incorrecta, verdadeira ou
falsa” (Wittgenstein, 2002, p. 38). O que garante a perfeita adequação entre a proposição
atômica e o estado de coisas possível é a equivalência entre o signo simples e o objeto simples,
que se encontram no nível transcendental; “qualquer linguagem capaz de descrever a realidade
deve ser governada pela sintaxe lógica, que é uma „imagem especular do mundo‟” (Glock, 1998,
p. 55). É no nível transcendental (lógico) que se encontra a adequação, o espelhamento entre
proposição e fato.
No Tratado lógico-filosófico, Wittgenstein estava preocupado com a linguagem como um
instrumento de dizer o que é possível de se dizer; “o método correcto da filosofia seria o seguinte:
só dizer o que pode ser dito” (Wittgenstein, 2002, p. 141). Segundo Wittgenstein, e para isso ele
escreve o Tratado lógico-filosófico, apenas proposições que afiguram a realidade podem ser ditas,
e somente as que afiguram o mundo podem ser verdadeiras. Proposições acerca da relação entre
linguagem e realidade (ou da relação entre proposições e fatos, ou proposições elementares e
estados de coisas possíveis) são contrassensos ou absurdas, pois não têm referência e não
constituem um estado de coisas; considerando que ter um sentido é expressar um estado de
coisas possível, “podemos mostrar a forma lógica que possibilita representarmos a realidade.
Porém ela, por sua vez, não é representável, ela é o pressuposto da linguagem” (Stein, 1994, p.
7). Todas as proposições que falam de metalinguagem, metafísica, epistemologia, etc., não
podem, nesse sentido, ser expressas, coisa que o próprio Wittgenstein faz no Tratado lógico-
filosófico, daí a obra ser considerada por ele metafísica. Nesse sentido, a obra seria uma
propedêutica acerca do que se pode ou não dizer e a última a expressar coisas que, depois dela,
não se poderiam expressar.
As proposições expressas no Tratado lógico-filosófico são absurdos esclarecedores,
absurdos porque falam de coisas das quais não se pode, a rigor, falar (segundo a própria teoria
ali expressa), e esclarecedores da grande distinção operada por Wittgenstein entre dizer e
mostrar; “o que é de todo exprimível, é exprimível claramente; e aquilo de que não se pode falar,
guarda-se em silêncio” (Wittgenstein, 2002, p. 27). Assim, segundo Wittgenstein, há coisas que
simplesmente se mostram, mas não podem ser expressas com sentido e/ou pretensão de
verdade na linguagem. As proposições tractatianas conduzem o leitor a perceber os limites da
linguagem – e o absurdo das próprias proposições nele expressas – e, consequentemente, do
mundo. À filosofia cabe demonstrar que as proposições metafísicas são inautênticas, pois não têm
conteúdo descritivo.
Quando os filósofos usam uma palavra – „saber‟, „ser‟, „objeto‟, „eu‟, „proposição‟,
„nome‟ – e procuram apreender a essência da coisa, deve-se sempre perguntar:
essa palavra é usada de fato desse modo na língua em que ela existe? – Nós
reconduzimos as palavras do seu emprego metafísico para seu emprego cotidiano
(Wittgenstein, 1975, p. 59).
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ou a pessoa que realiza o casamento não tem poder para tal), então o ato em questão não se
realiza com êxito, não é concretizado. Austin nomeou tais casos de atos malogrados. A diferença
entre as regras de tipo A e B reside no fato de que, “no caso de A, trata-se da não existência de
tal procedimento; no caso de B, de sua falsa aplicação” (Oliveira, 1996, p. 155).
Entretanto, se transgredirmos alguma regra do tipo C, como proferir “Meus pêsames” a
alguém em um velório, dito quando não se tem qualquer sentimento de solidariedade com a dor
do interlocutor, ou ainda proferir “Eu o declaro inocente” quando penso que é culpado, ou então
proferir “Prometo que pagarei a dívida amanhã” sem ter a intenção de cumprir a palavra, em
qualquer desses casos o ato é concretizado, ainda que seja um desrespeito ao procedimento.
Austin nomeou tais casos de abusos. Nesses casos, “dizemos então que o ato não é nulo, embora
seja infeliz” (Austin, 1990, p. 47).
Por meio da distinção entre dois tipos de enunciados, os performativos e os constatativos,
Austin percebeu que, nos performativos, o simples ato de enunciar equivale a concluir e assumir
aquilo que foi enunciado. A promessa é um exemplo paradigmático desse tipo de enunciado, pois
dizer “eu prometo” é prometer efetivamente. Esse comprometimento não ocorre, aparentemente,
no enunciado constatativo, pois este somente descreve algo, como a expressão “ele prometeu”.
Todavia, após realizar a distinção entre os proferimentos constatativos e performativos,
Austin percebe que algumas coisas restam duvidosas e obscuras e que, dessa forma, tal distinção
fica carente de fundamento. Muitas vezes a mesma sentença, em contextos distintos, pode ser
um proferimento performativo ou um constatativo e não há critérios de ordem gramatical para
elaborar tais distinções inequivocamente. O fato de que os performativos necessitam, para serem
felizes, que certas declarações que os compõem sejam verdadeiras é outro ponto que obscurece
a distinção: “Se o proferimento „peço desculpas‟ é feliz, então a declaração de que estou pedindo
desculpas é verdadeira” (Austin, 1990, p.57). Outro fato é o de que os proferimentos
constatativos também podem ser felizes ou infelizes e não apenas verdadeiros ou falsos: “As
considerações de felicidade e infelicidade podem infectar as declarações (ou algumas delas) e as
condições de falsidade e verdade podem infectar performativos (ou alguns deles)” (Austin, 1990,
p. 59). Assim, a linha divisória anteriormente estipulada entre constatativos e performativos,
após uma crítica severa de seus critérios internos (proferimento verdadeiro versus proferimento
feliz), perde sua pretensa nitidez e precisão.
Partindo destes problemas, Austin (a partir da VIII Conferência) estabelece uma nova
distinção, remontando ao fundamento da distinção anterior, inscrevendo a linguagem no mesmo
plano da ação e grifando a existência dessa junção em três tipos de atos: o ato locucionário, o
perlocucionário e o ilocucionário. Um proferimento determinado pode ter três dimensões
diferentes de atos de fala. A expressão “aí há um buraco” constitui um ato locucionário, é o ato
de dizer, de predicar; é a expressão fonética de uma frase com determinado sentido e referência;
porém, se ao dizer isso se pretende fazer uma advertência, informar, ordenar, comprometer-se,
etc., então se realiza, também, um ato ilocucionário, que é “a realização de um ato ao dizer algo,
em oposição à realização de um ato de dizer algo [locucionário]” (Austin, 1990, p. 89). O ato
ilocucionário consiste naquilo que o orador faz falando e envolve, portanto, a intenção do falante
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de que algo aconteça. Se, por outro lado, se tem uma intenção que não está expressa na frase e
através dela se pretende causar alguma disposição especial no ouvinte, causar certos efeitos
sobre os seus pensamentos ou sentimentos, convencendo-o ou persuadindo-o de algo, então se
está realizando não só um ato locucionário e um ato ilocucionário, mas, primordialmente, um ato
perlocucionário. Neste caso, para ser considerado um ato perlocucionário é indispensável que o
agente tenha a intenção de realizar tal ação e de obter tais efeitos.
A grande distinção entre um ato ilocucionário e um perlocucionário é que no primeiro os
efeitos são convencionais (por exemplo, quando alguém promete algo, ele fica comprometido a
cumprir a promessa) e no segundo não. É importante destacar que tanto o ato ilocucionário
quanto o perlocucionário podem ocorrer ainda que não seja dita uma única palavra (por exemplo,
apontar um revolver para a cabeça de alguém pode corresponder a uma ameaça). Essa relação
entre locucionário, perlocucionário e ilocucionário nos remete ao fato de os atos de discurso
serem, eles mesmos, ações e os locutores, agentes.
A primeira distinção de Austin entre constatativos e performativos perde força significativa
quando comparada à segunda, pois a distinção entre dizer e fazer resta, ao término do livro,
abolida. Todo proferimento é a realização tanto de uma locução quanto de uma ilocução. Além
disso, a característica de feliz ou infeliz pode ser atribuída não só aos performativos, mas
também aos constatativos, levando-se em conta tanto as regras do tipo A e B quanto as do tipo C.
Através dessa introdução da dimensão da ação na linguagem, pretende-se que, em todo ato de
fala, em toda locução, faz-se presente uma ação, um ato ilocucionário, pois “a ocasião de um
proferimento tem enorme importância, e [...] as palavras utilizadas têm de ser até certo ponto
„explicadas‟ pelo „contexto‟ em que devem estar ou em que foram realmente faladas numa troca
linguística” (Austin, 1990, p. 89).
De todo o modo, há que se deslocar o foco de análise da sentença para o ato de um
proferimento numa situação linguística específica, e, ao fazer isso, percebe-se claramente que
toda declaração é a realização de uma ação. A análise do contexto e das intenções do falante é
imprescindível não só na verificação de um proferimento ter sido feliz ou não, mas também na
verificação da verdade e falsidade atribuídas às sentenças:
[...] “verdadeiro” e “falso”, como “livre” e “não livre”, não designam, de forma
alguma, algo simples. Tais palavras só representam uma dimensão geral de que,
nas circunstâncias dadas, em relação a um determinado tipo de ouvinte para certos
fins e com certas intenções, o que foi dito era adequado ou correto, em oposição a
algo incorreto (Austin, 1990, p. 119).
A não contradição, princípio clássico que, até então, deveria guiar todas as declarações, 1 é,
com Austin, estendido aos performativos no sentido de que “é e não é” (contradição) é
semelhante a “prometo, mas não devo fazer o que prometo” 2:
1
Várias são as passagens na Metafísica
forma especial, uma exaustiva discussão sobre ele. A primeira formulação, encontrada em Γ 3, 1005b 15-
20, é ontológica, pois expressa que ou algum atributo pertence a um determinado sujeito, ou não pertence.
A segunda formulação é encontrada em Γ 3, 1005b 20 e envolve o aspecto da crença ou da concepção do
sujeito. Essa formulação é tida nas análises clássicas como uma formulação psicológica, exatamente por
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Pode ocorrer, nos casos de implicação lógica, que a maneira pela qual uma
sentença implica outra seja semelhante à maneira pela qual “Prometo” implica
logicamente “Devo”. Não é exatamente o mesmo, mas há uma semelhança em
ambos os casos. [...]. Assim como o propósito de uma asserção se frustra devido a
uma contradição interna [...] o propósito de um contrato também se frustra se
disser “Prometo, mas não devo fazer o prometido” [...]. Trata-se de um
procedimento que anula a si próprio (Austin, 1990, p. 56).
Uma consequência da análise de Austin é que a clássica linha divisória entre normativo e
descritivo torna-se tênue demais, pois os critérios de distinção não dão conta de uma
classificação segura. Isso porque: i. declarações podem estar sujeitas à felicidade e infelicidade
tanto quanto os performativos; ii. os performativos dependem, em última instância, da verdade
de declarações para que possam ser consideradas felizes ou infelizes.
Considerações finais
envolver um ato psíquico de convicção, crença ou concepção humana sobre o fato. A terceira formulação é
encontrada em Γ 3, 1005b 25 e remete a um condicional, em que a condição para a impossibilidade da
crença ou concepção é a impossibilidade ontológica. A quarta proposição é encontrada em Γ 4, 1006a 1-5 e
é mais simples e mais clara que as anteriores, expressando a impossibilidade, para uma mesma coisa, ser e
não ser ao mesmo tempo. Tal proposição é encontrada novamente no livro K (5, 1061b 35) da Metafísica. As
duas últimas formulações encontradas na Metafísica sobre o princípio estão no nível da proposição e,
portanto, no âmbito lógico e linguístico, ainda que seja sempre o âmbito ontológico que as sustente. Elas se
encontram em Γ 4, 1008a 30-35 e em Γ 6, 1011b 20 e expressam que é impossível que a afirmação e a
negação sejam verdadeiras ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, pois se a afirmação é verdadeira,
então a negação será falsa e vice-versa. Percebe-se que, de modo geral, o princípio da não contradição
refere-se ao fato de que ou algo é ou não é, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. O princípio não pode
ser demonstrado (a não ser por redução ao absurdo), mas é condição necessária a qualquer um que queira
demonstrar algo, tendo em vista que quem não admitir esse princípio se contradiz e, consequentemente,
nada demonstra. E mais, quem não aceita o princípio da não contradição não só não pode demonstrar coisa
alguma, mas fica impossibilitado de dizer qualquer coisa com sentido.
2
Lukasiewicz (2000) é um dos pensadores que desenvolve uma tese interessante sobre a natureza do
princípio da não contradição: o princípio da não contradição não tem, em última instância, valor lógico nem
ontológico, mas ético. Em uma primeira leitura da obra, parece que o objetivo de Lukasiewicz é criticar o
princípio da não contradição aristotélico. Isso porque, segundo o autor, tal princípio não se justifica nem
lógica e nem ontologicamente, tendo em vista que as contradições são não só possíveis, mas interessantes
tanto na lógica quanto na matemática (por exemplo, o paradoxo da teoria dos conjuntos de Russell).
Todavia, em uma leitura mais atenta, percebe-se que, para Lukasiewicz, há a necessidade de tal princípio,
mas ela é uma necessidade prática e não lógica, e concerne à natureza humana. Segundo Lukasiewicz, a
convivência humana ficaria seriamente comprometida sem o princípio de não contradição, muito mais que a
lógica ou a metafísica: “[o princípio de não contradição] possède une valeur pratique et éthique considérable,
dans la mesure où il constitue l‟unique arme contre l‟erreur et le mensonge” (2000, p. 184). Dessa forma,
não há apenas uma crítica ou uma destruição do princípio aristotélico, mas a recolocação do problema em
outro âmbito, o âmbito ético, que, para o filósofo polonês, seria igual ou superior ao lógico.
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e que fosse, por isso mesmo, o pressuposto necessário, a condição de possibilidade desse sentido
e dessa validade.
Após as análises de Austin e do segundo Wittgenstein, o significado de uma sentença
passa a ser estabelecido – sempre de forma provisória – pelas condições e convenções de uso e
pelas intenções do falante: o que as pessoas – jogando determinado jogo de linguagem – querem
dizer quando dizem o que dizem? A busca pela clarificação da linguagem passa a ter o sentido de
busca pela explicitação de suas regras gramaticais presentes, seja em diferentes jogos de
linguagem, seja em diferentes atos de fala.
A tarefa da filosofia, nesta nova vertente, passa a ser a investigação dos problemas
filosóficos (inclusive éticos) através da análise linguística dos conceitos utilizados em tais áreas e
da forma como ocorrem na linguagem ordinária. Para se determinar o significado e esclarecer os
termos em questão, há que se levar em conta quem fala, a quem se fala, como se fala, quais as
convenções nesse caso de fala, além de o que se fala. Daí a importância do contexto, da forma
de uso, das intenções dos falantes, da gramática e das regras vigentes, e não apenas da
estrutura formal da linguagem.
Referências
Artigos de periódicos:
Livros:
ARISTÓTELES. 1998. Metafísica. Edición trilingüe griego/latín/español por Valentín García Yebra.
3ª reimpresión. Madrid, Gredos.
AUSTIN, J. 1990. Quando dizer é fazer. Trad. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre,
Artes Médicas, 136 p.
FREGE, G. 1978. Lógica e filosofia da linguagem. Seleção, introdução, tradução e notas de Paulo
Alcoforado. São Paulo, Cultrix, Ed. Da Universidade de São Paulo, 157 p.
Capítulos de livros:
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