Bruno Nettl
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O estudo comparativo
da mudança musical:
Estudos de caso de quatro culturas1
Bruno Nettl2
Resumo
O autor examina o status da mudança musical enquanto objeto de
estudo entre estudiosos selecionados e em diferentes momentos da
história da etnomusicologia. Adotando uma perspectiva comparati-
vista, apóia-se em sua experiência direta com quatro culturas musi-
cais distintas, relacionadas à sociedade indígena Blackfoot (Estados
Unidos), à cultura carnática (sul da Índia), à sociedade persa (Irã) e a
instituições acadêmicas de tipo ocidental. Conclui que os etnomusi-
cólogos hoje parecem ter uma posição de consenso sobre as cultu-
ras musicais como processos em constante movimento, ao contrário
do observado em momentos anteriores quando consideravam a
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Conferência de abertura do I Encontro Nacional da Associação Brasileira de
Etnomusicologia, no Recife, em novembro de 2002. Tradução do original em
língua inglesa por Luiz Fernando Nascimento de Lima, com revisão de Samuel
Araújo, ambos do Laboratório de Etnomusicologia da UFRJ. Todas as notas de
rodapé foram acrescentadas ao original pelo revisor.
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Professor Emérito de Musicologia e Antropologia na Universidade do Illinois
em Urbana-Champaign. Fundador e ex-presidente da Society for Ethnomusico-
logy. Endereço institucional: 4076 Music Bldg, mc-056 – 1114 W. Nevada –
Urbana, IL 61801. E-mail: [email protected]
Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 10, vol. 17(1), 2006
Abstract
The author examines the status of musical change as an object of
study among some scholars and at different moments in the history
of ethnomusicology. Adopting a comparative perspective, he argues
upon his own direct experience with four distinct musical cultures,
each of which related to, respectively, the Blackfoot native society
(USA), Carnatic culture (South India), Persian society ( Iran), and
Western-type academic institutions. He concludes that ethnomusi-
cologists today seem to hold a consensual position on musical cul-
tures as processes constantly on the move, contrarily to that ob-
served in previous moments when they considered change as a
rather momentary and exceptional break with stability in musical
systems.
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“Tararabumdieh” é o título, e parte do refrão, de uma canção popular, bastante
difundida na Inglaterra e em outras partes da Europa na última década do século
XIX, acerca da morte de um dos suspeitos dos crimes supostamente perpetradas
por Jack, o Estripador.
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Erich Maria von Hornbostel (1877-1935), pesquisador pioneiro da musicologia
comparada alemã, discípulo do primeiro formulador da disciplina, Guido Adler
(1855-1941). Co-fundador, com Carl Stumpf (1848-1936), do primeiro arquivo
de fonogramas de músicas não-ocidentais, em Berlim.
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Musicólogo comparativista alemão (1901-1983), discípulo de Hornbostel e do
formulador da antropologia cultural, Franz Boas (1858-1942). Radicado, a partir
de 1948, na Universidade de Indiana nos EUA, onde foi orientador acadêmico
de Bruno Nettl, trouxe para aquela instituição os materiais dos arquivos fono-
gráficos de Berlim, ameaçados pela ascensão do nazismo.
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Tradução licenciosa de cultural grey-out, termo empregado em língua inglesa na
década de 1960 pelo etnomusicólogo estadunidense Alan Lomax (1915-2002)
para se referir a um possível desaparecimento das distinções entre culturas
levando a uma absoluta homogeneização cultural a nível global.
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Etnomusicólogo norte-americano (1923-1980), autor do influente livro The
Anthropology of Music (Northwestern University, 1964).
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Os informantes falam
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tórias.
Fiz a pergunta ao meu professor de música persa. Sim, ele disse,
infelizmente estamos tendo que mudar muitas coisas, ou nossa música
não sobreviverá. Mas sempre fizemos isso.
Não sei até que ponto essas afirmações são significativas para carac-
terizar as visões de cada cultura – cultura definida como “aquilo sobre o
que as pessoas de uma sociedade concordam”. Mas, supondo que as afir-
mações citadas são significativas, sugerem que culturas diferentes têm
idéias diferentes sobre o que constitui mudança na música. Meu infor-
mante Blackfoot rapidamente ‘mirou’ na expansão e mudança do reper-
tório. Trata-se de uma descrição razoável do que aconteceu, também sob
a perspectiva de um outsider. Mas sugiro que ele chegou a esta conclusão
também porque, antigamente, a expansão do repertório era a coisa rela-
cionada à música mais importante na vida de uma pessoa. À medida que
certa pessoa ficava mais velha, era iniciada em um grupo próprio às su-
cessivas faixas etárias (e aprendia as músicas deste grupo): uma nova
faixa etária a cada quatro anos, em teoria. Caso se tratasse de um médico
tradicional (medicine man), receberia uma sucessão de visões, sendo que
em cada uma delas aprenderia novas músicas, de maneira que o caminho
de se obter sucesso na vida era expandir seu repertório; e o da tribo tam-
bém se expandia. O elogio da mudança musical na cultura powwow mo-
derna, feito pelo meu informante, me pareceu perfeitamente compatível
com os valores das tradições tribais mais antigas.
O meu colega de Madras via a música mais ou menos como os com-
positores de música ocidental vêem. Se eu tivesse perguntado: “Mas,
quando você diz que não há espaço para inovações, será que pretende
dizer que se deve parar de compor músicas novas? Novos kritis?” – ele
responderia, com certeza, que evidentemente não queria dizer aquilo.
Músicas novas eram compostas o tempo todo, e não havia problema
nisso enquanto seguissem as velhas práticas estabelecidas no século XIX.
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As obras mudam
Será que uma música ou uma peça musical podem mudar? Existe
alguma integridade básica que precise ser mantida para sua identidade?
Novamente, nós, pesquisadores, como outsiders, podemos ter nossa
própria opinião. Pode ser que decidamos que várias melodias de um
repertório tradicional devem, por causa de certas similaridades, ser rela-
cionadas geneticamente: isto é, remetendo a um único antepassado,
podemos declará-las variações de uma mesma obra de criação musical.
Consideramos uma peça de Beethoven e os rascunhos que Beethoven
fez para a mesma como sendo parte da mesma obra musical, embora os
primeiros rascunhos pareçam ter muito pouca relação com a versão final.
E não nos preocupamos em saber se o cantor tradicional ou Beethoven
concordam.
Normalmente, só podemos ter acesso à mudança de uma obra
musical pela sua existência em formas variadas. Mas as sociedades do
mundo podem ter visões diferentes da capacidade que uma obra musical
tem de sofrer mudanças. Perguntei ao meu professor no Irã: O radif
básico pode mudar? É claro que não – ele muda, mas muito pouco, e
ainda assim não é aconselhável. Mas depois ele mudou sua posição. O
radif não pode mudar, mas a música tem que ser como o canto do
rouxinol – o grande símbolo do bom e do belo na cultura persa – e o
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Cômico norte-americano especializado em paródias de canções populares.
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Famoso Lied de Schubert sobre poema de Goethe, composto em 1815.
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Sri Tyagaraja (1767-1847) é considerado um dos três grandes formadores da
tradição musical carnática.
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Repertório, estilo
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Conceitos e funções
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Instrumento aborígine de sopro, feito de um tronco de árvore perfurado por
insetos.
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Bibliografia
BLACKING, John. 1995. Music, Culture, and Experience: Selected Papers of John
Blacking. Reginald Byron (org.) (Chicago Studies in Ethnomusicology)
Chicago: University of Chicago Press.
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