Tradições Clássicas Da Língua Portuguesa PDF
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E STUDOS DE L Í N G UA P O RT U G U E S A
Academ i a Bras i l ei r a
de Letra s
Tr a d i ç õ e s C l á s s i c a s
da L í n g ua Po rt u g u e s a
Ac a d e m i a B r a s i l e i r a d e L et r a s
Tradições Clássicas
da Língua Portuguesa
2.a Edição
C O M I S S Ã O D E L E X I C O G R A F I A DA A B L
Eduardo Portella
Evanildo Bechara
Alfredo Bosi
Preparação
Aline Rodrigues Gomes
Revisão
Vania Maria da Cunha Martins Santos
Denise Teixeira Viana
Paulo Teixeira Pinto Filho
João Luiz Lisboa Pacheco
Sandra Pássaro
Produção editorial
Monique Mendes
Editoração eletrônica
Estúdio Castellani
Projeto gráfico
Victor Burton
Catalogação na fonte:
Biblioteca da Academia Brasileira de Letras
E va ni l d o Becha r a
Ronald de Carvalho, Cláudio de Sousa) sobre a lição dos clássicos, a pureza de sua lingua-
gem, a língua portuguesa nos seus tesouros e no descaso de seu uso; mas nada se adianta
acerca do Autor, da natureza de sua obra e dos seus propósitos.
Correu, como puro boato bibliográfico, que Pedro Adrião, com o pseudônimo de
Lúcio Navarro, escrevera a obra Legítima Interpretação da Bíblia, publicada pela Campanha de
Instrução Religiosa Brasil-Portugal, no Recife, e que teve a 2.a edição em 1960. Indagado
por nós sobre tal atribuição, Padre Arnaldo Cabral rejeitou a hipótese pelo fato de Pedro
Adrião nunca se ter preocupado com temas teológicos. Era, antes de tudo, um professor
de Língua Portuguesa.
A razão da proposta encontraria justificativa, talvez, na declaração feita por D. Antô-
nio de Almeida Morais Júnior, prefaciador do livro de Lúcio Navarro, segundo a qual
seu autor era “um mestre da língua” (pág. 4). Ora, os seminários sempre foram celeiros
de excelentes professores cultores da língua e de excelente magistério. Por outro lado, há
profundas diferenças de estilo entre os dois autores. Às vezes lhes falta a esses profes-
sores o arcabouço teórico para chegar a melhores descrições e explicações, como ocorre
aqui e ali com Pedro Adrião, mas revelam profundo conhecimento dos fatos de língua,
haurido na apurada leitura dos bons escritores.
Na conversa inicial com seus alunos e com os possíveis leitores das Tradições Clássicas, o
padre Pedro Adrião justifica sua posição não só em relação às fontes literárias, mas ainda
sobre seu ponto de vista em relação a alguns empréstimos lexicais e sintáticos, especial-
mente galicismos, que sempre foram os grandes vilões perseguidos pelos vernaculistas da
constante bibliografia do Autor e dos filólogos que lhe servem de guia, Mário Barreto e
Sá Nunes, entre outros. A estima fervorosa dos clássicos algumas vezes o faz trazer para
as páginas deste seu livro construções que se tornaram obsoletas a partir do século XVIII,
como, por exemplo, a combinação da preposição per/por com o pronome objetivo direto
em sintaxes do tipo “pelo fazer mais claro” (Rui Barbosa), em lugar de “para fazê-lo mais
claro”, fato lembrado no §479 das Tradições, ou, ainda, meros usos ortográficos, como
fazem-o, vel-o, por fazem-no, vê-lo, comentados no § 300. Por outro lado, acertou em criticar
a lição dos gramáticos – hoje infelizmente dominante –, pela qual se condena a constru-
ção É tempo dos alunos saírem, em favor de É tempo de os alunos saírem [§691].
Pedro Adrião pertenceu a uma geração de professores muito lidos nos autores clássicos
e modelares, que incutiram nos alunos as opulências e galas da linguagem, e neles, alunos,
incentivavam a permanência dessas riquezas. Tais mestres tinham a consciência de que os
idiomas se alteram no tempo, mas as lições do vernaculismo clássico eram boas demais
para se desprezarem. No capítulo introdutório sobre “O critério de certeza no estudo
da língua portuguesa” levanta três razões básicas (a lógica; a autoridade dos gramáticos e
filólogos; o uso constante dos bons autores, e não os desvios que aqui ou ali neles encon-
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa IX
tramos). Embora nem sempre seus comentários – vistos com a lição de teóricos modernos
– mereçam hoje nossos aplausos, a verdade é que Pedro Adrião soube reuni-los para dar
unidade a uma obra gramatical de bom mérito, útil a todos aqueles que querem escrever
fazendo que seus textos, passando pelo crivo do bom senso, revivam as tradições clássicas
que nos legaram os melhores representantes da literatura brasileira e portuguesa.
Conhecemos no Recife notáveis professores de língua portuguesa que não economi-
zaram elogios à obra de Pedro Adrião, e foi por presente generoso de um deles, Adauto
Pontes, que passamos a conhecer estas Tradições Clássicas. O inicial propósito dos fundado-
res da Academia Brasileira de Letras de salvaguardar essas tradições vernaculares justifica o
desejo de pôr ao alcance do público estudioso uma obra cujo maior empenho, nas palavras
do seu Autor, “será apenas como bem intencionado esforço em prol da divulgação das
riquezas do nosso idioma”. É lê-la e beneficiar-se de suas lições.
PA D R E P E D RO A D R I Ã O
(Professor de Português no Seminário de Olinda, Pernambuco)
Tradições Clássicas
da Língua Portuguesa
IMPRIMI POTEST
RECIFE, I9 – VI – 1943
† Michael, Archiep. Olinden,
et Recifen
Ao queridíssimo
SEMINÁRIO DE OLINDA,
ao qual tudo devo e onde aprendi do meu excelente
mestre de português, o virtuoso e ilustrado sacerdote
CÔNEGO ALFREDO XAVIER PEDROSA,
a amar com ardor a língua pátria, ofereço, dedico e
consagro este modesto trabalho.
O AUTOR
Algumas Palavras ao Leitor
E ncarregado das últimas classes de português no Seminário de Olinda, desde fevereiro de 1940,
tínhamos, de então por diante, que compulsar, frequentemente os autores clássicos da nossa língua,
a fim de nos não afastarmos, no ensino daquela matéria, da moderna orientação que vem tomando a ciência
da linguagem. Víamos, por outro lado, que esse contínuo abeberar-se das genuínas fontes do vernáculo não
era pensão que pudéssemos impor aos nossos alunos, assoberbados com o estudo de muitas outras disciplinas,
acrescendo a inconveniência de que nem sempre os livros que haveriam de manusear seriam bem edificantes
e educativos para seu espírito de adolescentes, ocupados, sobretudo, com a própria formação eclesiástica. Daí
a ideia de enfeixarmos em livro os bons ensinamentos que a lição dos grandes autores, a pouco e pouco, nos
ia deparando.
E assim, foi pensando em nossos alunos que trabalhamos com ardor na composição deste livro. Daí se vê
que não traz ele grande utilidade, nem para os mestres nem para os que são principiantes ainda no estudo
da língua.
Não para os mestres, assaz familiarizados com a literatura clássica, pois em geral apontamos fatos, ti-
ramos deduções, firmamos doutrinas que sobejamente já lhes são conhecidas. Não para os principiantes, pois
o livro supõe um tal qual conhecimento da nomenclatura gramatical, de que não são senhores aqueles que
aprendem ainda as noções mais elementares.
Aos nossos alunos, portanto, e, mediante eles, a quantos, sem serem profundos conhecedores dos segredos
do idioma pátrio, gostariam de ter uma ideia geral das riquezas que se encontram nos bons autores, nosso
modesto trabalho é dedicado.
Tivemos, sobretudo, o fito de vulgarizar e divulgar alguns tesoiros ocultos nas obras dos nossos clássicos,
infelizmente mui pouco lidos e consultados. Quisemos, demais disto, contribuir de alguma maneira, para
desfazer o preconceito de que, na língua vernácula, tudo é incerto e discutido. De tão contínuas e acerbas dis-
8 Padre Pedro Adrião
cussões que tem havido sobre assuntos de gramática, no nosso país e em Portugal, pode nascer, desgraçadamente
tem nascido alguma desconfiança para com o estudo da linguagem portuguesa. E desta desconfiança, mais
desgraçadamente ainda, o propósito em alguns de fazerem mui pequeno cabedal das considerações dos filólogos
e preceitos gramaticais. Propusemo-nos, então, mostrar que se há controvérsias no estudo de português (o que
é comum também a muitos outros ramos do conhecimento humano) não deixa de haver aí muita e muita
coisa indiscutível: pode-se discutir aquilo que vem sendo usado, desde três, quatro ou cinco séculos até o dia
de hoje, pelos escritores mais esmerados e escrupulosos do nosso idioma?
Não negamos a possibilidade de serem encontrados no nosso livro alguns pontos de que outros acharão
razões para discordar; não excluímos a hipótese de termos caído em muitos erros e desacertos, e cordialmente
agradeceremos à crítica serena e desapaixonada dos entendidos, que nos quiser fazer a caridade de os assina-
lar; mas podemos dizer que, tendo sempre em nada nossa opinião pessoal, procuramos colher os ensinamentos
aqui ministrados, no campo do incontroverso ou, pelo menos, do solidamente comprovado.
É por isto que não tocamos em certas questões como a do infinito pessoal e impessoal, aperceber =
perceber, si, consigo como tratamento para 2.a pessoa, todo ele como objeto direto etc. – sobre as quais
não encontramos citações em número suficiente para presentarmos doutrina que se mostrasse arrimada numa
sólida e legítima tradição.
É por isto que, como ao leitor não passará despercebido, somos parco na apresentação dos estrangeiris-
mos viciosos. Foi, até, nosso plano primeiramente, dar uma longa enumeração de tais vícios de linguagem,
corroborando, no que fosse possível, tão úteis e proveitosos ensinamentos que se encontram nos livros: “Es-
trangeirismos”, de Cândido de Figueiredo; “Vícios de Linguagem”, de Sandoval de Figueiredo; e “Dicionário
das Dificuldades”, de Vasco Botelho – para os quais remetemos os leitores desejosos de maiores informações
sobre o assunto.
Entretanto verificamos, para logo, que esta larga enumeração não nos era possível, uma vez que, pelo
título e natureza da obra, havíamos de documentar cada termo condenado com as citações clássicas, mais ou
menos interessantes, que o evitaram, e estas nem sempre nos apareceram bem à mão. Alguns estrangeirismos,
geralmente condenados, tivemos que passá-los para a categoria dos termos já nacionalizados. E enquanto
a alguns que os clássicos têm de feito até hoje evitado, resolvemos silenciar, com temor do futuro. O leitor
estranhará, por exemplo, não encontrar, no meio dos estrangeirismos rejeitados, alguns como detalhe,
massacre, elite etc. Até hoje, ao que nos consta, não têm logrado estes a mesma aceitação dos bons autores
que outros galicismos já lograram, e por um motivo bem óbvio. Em vez daquelas palavras de origem francesa,
temos termos vernáculos muito mais sonoros, mais eufônicos e mais elegantes: em vez de detalhe, por-
menor, minúcia, minudência, miudeza, particularidade; em vez de massacre, morticínio,
carnificina, carniceria, hecatombe, mortandade; em vez de elite, gema, escol, fina flor,
nata, beijinho etc.
A troca dos velhos termos, que já possuíamos, pelos vindos de fora, nenhuma vantagem traz, decerto, no
caso para as belezas do estilo. Mas, por outro lado, são aquelas francesias empregadas com demasiada insis-
tência, e amplamente divulgadas pelo uso; cada dia se vão tornando mais velhas na nossa língua (e há sempre
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 9
certa condescendência com os velhos galicismos) por isto já há teoristas que as aprovam, como p. ex. Afonso
Costa (“Questões Gramaticais”, Rio, 1908, pg. 178), apadrinhava detalhe e massacre. Além de
que, se massacre pode ser bem substituído, o mesmo não se dá com o verbo massacrar, que não tem
correspondentes no nosso idioma, salvo chacinar, que não tem logrado muito uso.
Há, por isto, quem condene massacre e admita massacrar, o que não achamos congruente. E já se
fala muito em tendência das elites, pensamento das elites etc., quando os outros substitutos desta
palavra elite não comportam o plural. No que respeita às flexões, para acentuar ainda mais a dúvida, nem
são muito comuns nem são de todo estranhas à nossa língua; se temos talhe, não nos repugnava o deta-
lhe se possuímos lacre, há lugar também para o massacre; se temos apetite, dinamite e mais tantas
doenças terminadas em ite, podíamos ter também elite. Diante de tais considerações, resolvemos calar, que
era o melhor, pois não havíamos prometido enumerar todos os estrangeirismos viciosos, senão alguns poucos
deles. Na aula, desde que ensinamos a gente da nossa geração, podemos aconselhar aos alunos que prefiram
sempre a tais termos, os outros vernáculos que os substituem, pois, sobre serem mais nossos, são mais belos e
mais sonoros. Mas num livro que pode ser compulsado daqui a muitos anos e que procura registrar velhas,
persistentes e arraigadas tradições, o melhor era não arriscar nenhuma afirmação imprudente, que pudesse
mais tarde tornar-se doutrina antiquada. Sirva isto de amostra para que se veja quanto é delicada, por vezes,
a questão dos estrangeirismos.
Outra estranheza que por certo mostrará o leitor será a de ver que, entre os sincretismos, documentamos
esta ou aquela forma com a só citação de um autor quinhentista ou seiscentista. Daí não infira que julgamos o
simples fato de ser usada uma forma por escritor daqueles tempos, cabal justificativa para ser ela usada nos dias
de hoje. Que assim não pensamos, bem se poderá ver logo na Introdução (n.o 13), onde citamos vários termos
usados por clássicos antigos, os quais são hoje plebeísmos inelegantes, que não podem ter lugar no dialeto literário.
Deu-se apenas o seguinte. Resolvemos, por questão de simetria, só registar sincretismos de que achássemos docu-
mentação para ambas as formas e por isto deixamos de acrescentar muitos outros, com a curiosa circunstância de
que, na maioria dos casos, não encontrávamos citação para a forma mais usual nos nossos dias. Por isto, quando
deparamos, só nos antigos, justificação de formas que sabíamos serem usuais atualmente ou não destoarem do
estilo moderno, não nos quisemos privar da satisfação de consignar o sincretismo.
Não faltará quem nos acuse de tendências arcaizantes e lusitanizantes. Mas estas correm mais por conta
da opulência dos mestres do vernáculo, cuja linguagem tentamos descrever. Estes sabem, como Camilo, p.
ex., trazer à balha oportunamente, com elegante naturalidade, sem exagero, sem preciosismo, todo o material
que possa servir para enriquecer o idioma: o falar antigo e o moderno, o falar erudito e o popular, o falar
brasileiro e o português, e às vezes até, além do falar nacional, o falar provinciano.
Quanto à ortografia, procuramos seguir aquela que está em vigor agora no momento de entrar o livro
para o prelo; por falta, porém, de material tipográfico, usamos o acento grave em substituição ao trema, bem
como nos vemos forçados a omitir alguns acentos no versal e no versalete.
Outras objeções, que poderão surgir no espírito dos mais variados tipos de leitores, não nos é dado ora
prever, para as solucionar dantemão.
10 Padre Pedro Adrião
Queremos, sim, chamar a atenção para um pensamento que lhes pode trazer a leitura de todo o livro: o
quanto está longe do ânimo dos nossos grandes escritores a ideia de desagregação, de separatismo, que se tem
pomposamente batizado com o nome de língua brasileira. Nas mais autorizadas esferas do dialeto literário,
a tendência é para aproveitarem, os autores brasileiros, os tesouros que a língua ostenta em Portugal, bem
como os autores portugueses, aquilo que vem a língua adquirindo no Brasil. Sirva este livro, entre outros
fins colimados, para mostrar um congraçamento entre escritores lusos e nacionais, de que só resulta maior
enriquecimento para a língua tão bela, que é nosso patrimônio comum.
Terminando este antelóquio que já vai bastante longo, aí está, caro leitor, nosso pequeno trabalho, em que
não pretendemos fazer ostentação de sabença ou de erudição. É ele, de sua natureza, tão simples que não há
margem para pretensões de mostrar engenho ou perspicácia. Não nos foi preciso talento para este trabalho tão
banal de respigarmos, aqui e acolá, alguns milhares de citações. Se nosso livro, portanto, não desmerecer de
todo perante o julgar complacente de algum leitor benévolo, será apenas como bem-intencionado esforço em
prol da divulgação das riquezas do nosso idioma.
Sirva ele de incentivo para outros estudiosos que poderão realizar obra melhor, mais substanciosa e mais
duradoura. E, se quiser alguém recompensar as fadigas do nosso empreendimento, não há mister qualificar
de valioso o nosso trabalho, que a tanto não aspiramos; contentamo-nos com o qualificativo de útil, o que
nos compensará amplamente as vigílias empregadas em bem servir a esta língua riquíssima e admirável que
é a nossa língua portuguesa.
Seminário de Olinda, janeiro de 1945
PADRE PEDRO ADRIÃO
Lista dos Autores
e Obras Citadas
SÉCULO XVI
SÉCULO XVII
SÉCULO XVIII
SÉCULO XIX
SÉCULO XX
Não havendo indicação especial nas citações, fica entendido que o algarismo romano
indica o volume, e o arábico, a página. Havendo antes do número alguma indicação em
abreviatura, entende-se:
c. = canto l. = livro
cap. = capítulo n.o = número
col. = coluna pg. = página
e. = estrofe pr. = prefácio
ed. = edição supl. = suplemento
intr. = introdução v. = verso
O traço – indica que se passa, nas citações, para autores de outro século.
Introdução
em terreno bem firme, superior a infinitas questiúnculas sobre o vernáculo que se agitam
por aí afora; ao revés, é por uma desprecaução neste sentido que muita gente boa titu-
beia, se desorienta e contradiz. Mas onde haveremos tão seguro critério?
2 – Examinemos os diversos critérios que se possam adotar no estudo da nossa língua: a ló-
gica, a autoridade dos filólogos e o uso. Ou haveremos de condenar uma expressão qualquer,
porque ela peca contra a lógica, só admitindo o que nos pareça razoável segundo o nosso
discurso, ou porque contra ela milita a autoridade de gramáticos eminentes que se nos apre-
sentam como os grandes entendidos no assunto; ou então porque se insurge contra ela o uso
daqueles que se utilizam da língua portuguesa para veículo de suas ideias.
4 – Muitos outros exemplos poderíamos apontar; são estes, porém, suficientes para que
se veja, à saciedade, como pode estar sujeito a enganos, quem quiser formular regras de
vernaculidade, baseando-se simplesmente nas estreitas exigências da lógica. “É sabido mas
nunca será demasiado o repeti-lo – diz o grande filólogo vienense Meyer – Lubcke na sua
“Introdução ao Estudo da Glotologia Românica” – que a lógica nada tem que ver com a
glotologia; se frequentemente coincidem, também a miúdo seguem caminhos diferentes”.
Que adianta condenarmos uma expressão pelo fato de não se nos afigurar razoável, se
o uso geral da língua, desde os seus inícios até hoje, o uso dos homens cultos emparelha-
do com o da arraia-miúda, o uso dos grandes e pequenos escritores, juntamente com o
dos não escritores, a consagrou? Não é isolar-se um indivíduo no círculo de suas opini-
ões, o pretender que a língua, que é de todos, se ajuste ao modo de ver e de interpretar de
um só? Nos domínios da linguagem, portanto, a lógica das teorias há de ser subordinada
a uma lógica bem mais imperiosa: à lógica dos fatos consumados.
6 – O segundo critério, a que nos poderíamos socorrer, seria a autoridade dos gramá-
ticos e filólogos.
Seria errônea uma expressão que grandes e eminentes vultos da filologia luso-brasilei-
ra condenassem; acertada, aquela em prol da qual militassem respeitáveis autoridades.
Em grande confusão se veria desde logo, quem quisesse seguir só esta norma diretriz
no estudo da nossa língua, pois os gramáticos não raro discutem e não raro ateimam
porfiosamente nas suas discussões.
30 Padre Pedro Adrião
Não há aí negar o valor que têm as opiniões daqueles que, estudando a fundo os
documentos da antiga e moderna linguagem, emitem parecer em que traduzem a im-
pressão que lhes deixaram inteligentes e prolongadas leituras. Mas, como já se tem dito
e redito de sobejo, não é aos gramáticos e filólogos que compete legislar como a língua
deve ser; eles a descrevem simplesmente tal qual ela é. Para a grande maioria daqueles
que se não podem dar ao trabalho de estar manuseando obras e mais obras da literatura,
ou que, antes de poder fazê-lo, já precisariam ter noções bem firmes e assentadas sobre
o vernáculo, pois são obrigados a compor e redigir, oferecem eles, os filólogos, a grande
vantagem de condensar, concatenar e resumir os conhecimentos que lhes advieram de
suas laboriosas investigações, apresentando aos leitores ou discípulos um caminho já
bastante andado. Pode acontecer, porém, que alguns menos escrupulosos, aferrando-se
a regrinhas pessoais, desprezem ou ocultem certos fatos linguísticos ou citações valiosas
que contra elas claramente deponham. Ou, sendo tão vastos e complexos os fatos da lín-
gua, pode suceder que a um filólogo, embora muito lido e versado nos autores, escapem
certas particularidades que outros lhe apontam ou para as quais, leituras posteriores
lhe chamam mais nitidamente a atenção. Daí se tem visto, com grande edificação, que
respeitáveis autoridades filológicas, depois de haverem emitido certas opiniões, por um
nobre sentimento de amor à verdade, chegaram a retratá-las.
Foi o que se deu – para darmos um só exemplo, mas este bem expressivo – com o
extraordinário mestre da língua que já tivemos no Brasil, o Sr. Mário Barreto. Seguindo
ao autorizado gramático Júlio Ribeiro, ele havia condenado a expressão deram onze horas; o
certo havia de ser somente deu onze horas. Este seu testemunho fora aproveitado pelos ilus-
tres filólogos Antenor Nascentes e Carlos Góis para justificarem a condenação da frase
referida. Mas no seu livro “Através do Dicionário e da Gramática”, página 304, Mário
Barreto se penitencia desse erro e cita frases de Frei Luiz de Sousa, Vieira, Garrett,
Castilho, Antônio Ribeiro de Saraiva, Mendes Leal, Rebelo da Silva, Andrade Corvo e
Pinheiro Chagas em abono da construção estigmatizada.
Por aí se vê o perigo de adotar-se uma opinião, simplesmente porque um filólogo
eminente a esposou. Mário seguiu a Júlio Ribeiro, outros já seguiram a Mário e certa-
mente muitos e muitos professores, baseando-se em uns ou em outros, transmitiram o
preconceito aos seus alunos.
Pode, portanto, uma construção ajuntar, contra si, grande quantia de gramáticos e
filólogos, e ser, no entanto, de legítimo cunho vernáculo.
A opinião dos mestres da língua, só por si, não vale como critério de certeza.
A língua já existia antes de doutrinarem eles; falece-lhes autoridade para alterá-la;
incumbe-lhes ensiná-la e descrevê-la tal qual a encontram nos seus estudos e pesquisas
e não como eles quereriam que ela fosse, para atingir a perfeição. Valem muito suas
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 31
7 – Resta-nos por conseguinte adotar, como critério de certeza, o uso. Cada língua
possui o seu patrimônio de vocábulos, locuções, construções sintáticas, modismos e
torneios de expressão que se vão transmitindo, de geração a geração, pela literatura e pela
tradição oral. Aí se nos apresenta ela em plena pujança de seus tesoiros adquiridos pela
origem da língua-mãe, pela influência regular de línguas estranhas, pelos hábitos e praxes
introduzidos no falar quotidiano. É aí que a iremos procurar para lhe conhecermos os
segredos, os recursos e as opulências.
8 – Mas ainda não achamos toda a solução para o problema do critério de certeza,
com o admitirmos o uso por norma diretriz nos estudos linguísticos. No meio do uso,
introduz-se o abuso. Há o uso dos que escrevem a primor e dos que manejam bem de-
sastradamente o idioma.
O uso que vale como lei, em gramática, é o dos escritores que, levados por amor
acendrado ao idioma, o dignificaram nas suas lucubrações, elevando-o a um alto grau
de perfeição; é o uso daqueles que melhor, mais elegantemente e com maior fidelidade
à índole da língua, dela souberam utilizar-se, para exprimir as suas ideias; em suma, é o
uso daqueles que se podem apresentar como modelos seguros à juventude das escolas,
sendo-lhe postos à mão como guias exemplares na exteriorização dos pensamentos e a
que por isto nós chamamos os autores clássicos da língua.
como tais, encontramos, nos antigos, expressões arcaizadas que não nos é dado hoje usar,
modos de falar tidos já agora por deselegantes e, nos antigos e modernos, às vezes, até
erros crassos que todos os filólogos condenam e todos os que se esmeram em falar bem
o nosso idioma cuidadosa e repugnadamente evitam?
para o século XVI; e Fr. Luiz de Sousa, Padre Manuel Bernardes, Padre Antônio Vieira,
D. Francisco Manuel de Melo e Padre Jacinto Freire de Andrade para o século seguinte,
que todos se mostraram opulentos, castiços e escorreitos cultores do idioma, a cujo
brilho e esplendor fizeram servir seus primorosos engenhos.
Do século XVIII começa uma época de declínio. Não ostentam mais os escritores
desse tempo a opulência dos antigos e, pior ainda, a influência francesa torna-se avassa-
ladora e absorvente; chovem os galicismos e vai-se descurando a pureza e correção dos
primórdios. Contudo há vozes que clamam bem alto pela pureza da língua e entre elas
avulta Filinto Elísio, que se esmera por escrever com o primor e a correção dos seiscen-
tistas.
No século XIX, bom número de escritores portugueses e brasileiros, reagindo bri-
lhantemente contra os estrangeirismos, as inovações descabidas, o abastardamento da
língua e o mau gosto reinante, inspiram-se nos bons autores antigos e apresentam, com
as roupagens do estilo moderno, as galas e riquezas da antiga linguagem. Seus nomes são
bem conhecidos: Castilho, Herculano, Latino Coelho, Rebelo, Camilo, Garrett, Macha-
do de Assis, Gonçalves Dias, Lisboa, Francisco de Castro e muitos outros.
No século XX, a reação do século anterior continua; grandes filólogos terçam armas
em prol da correção e magnificência do idioma, e há escritores que seguem galhardamen-
te a esteira dos antigos, não sendo lícito esquecer, entre eles, por exemplo, Rui Barbosa,
Carlos de Laet e D. Silvério Gomes Pimenta.
Não é difícil, portanto, encontrar quais os que melhor souberam manejar o nosso
idioma; a história deste, bem claramente os aponta para que os sigamos e imitemos.
11 – Passamos à segunda objeção que é um pouco mais séria. De fato encontramos, uma
que outra vez, nos clássicos, extravagâncias que não são para imitar.
Filinto Elísio emprega frequentemente CUJO em vez de que relativo, mas isto só se
ouve no frasear do povo inculto: Logo lhe perguntou se tinha ali a carta de Verneuil, CUJA lhe en-
tregou Madama d’Embleville (Filinto O. C. XI-462). Garrett usa CHEFE DE OBRA que é um
galicismo de arrepiar cabelos: Eu hei de perder os meus CHEFES DE OBRA? (Garrett. V. M. T.
I-28). Deste mesmo erro não ficou isento o nosso D. Romualdo de Seixas. Gonçalves
Dias usa a ênclise em verbo de modo finito, depois da negativa: Também me não lembra...
por que razão da morte me queixo, que vejo e NÃO VÊ-ME tão sem compaixão. Tal falha se encontra
também nos escritos de Odorico Mendes e nas primeiras crônicas de Carlos de Laet.
Castilho peca pela repetição do artigo no superlativo relativo: Quer-se tudo em seu lugar e
o bródio, o MAIS BEM SERVIDO (Castilho. Av. 167). Igualmente caiu no emprego desta
construção afrancesada o Sr. Alexandre Herculano: Três anos de ordinário NA época da vida,
A MAIS APTA para os estudos que requerem o uso da memória, se gastam com o desta língua (Hercu-
34 Padre Pedro Adrião
lano C. V. 44). Pode acontecer que, para o futuro, tal emprego se torne por tal forma
generalizado que se chegue a perdoar o galicismo, como já bacorejou ao eminente Silva
Ramos; para isto terá influído bastante o exemplo de tão conspícuos escritores como
foram Herculano e Castilho; entretanto não deixará de ter sido um vício de linguagem
no tempo em que eles escreveram. Machado de Assis baralha dois tratamentos diversos,
o que é considerado por todos grosseira incorreção gramatical: VOCÊS aqui estão comigo,
dou-lhes tudo; além da minha conversação, VIVEIS em paz, ainda os que sois inimigos, lobos e cordei-
ros, gatos e ratos (M. Assis Sem. 141). Rui que tanto fugia aos estrangeirismos emprega
MEETING onde podia empregar comício:... como se fecha de noite, no recinto dos teatros, o registro do gás
para assassinar o povo indefeso e afogar em sangue os MEETINGS abolicionistas (Rui D. e C. 191). O
Sr. Tenório de Albuquerque enumera vários galicismos de Camilo Castelo Branco, entre
os quais se encontram BOUDOIR, DEBUTAR, MADEMOISELLE, PENÍVEL, RENDEZ-VOUS,
SOIRÉE, etc.
Em menor proporção decerto, mas acontece-lhes aos escritores o que se dá com os
jogadores de xadrez, de futebol ou de bilhar: os melhores, os mais destros, os mais per-
feitos caem sempre em alguma falha. O mesmo passa na nossa vida moral: os homens
mais honestos e conceituados estão sujeitos sempre a alguma fraqueza.
Neste mundo, em nada se há de encontrar a perfeição absoluta; é a triste condição
dos humanos. Não há escritor, por mais profundo conhecedor da língua, que não tenha,
uma vez ou outra, seus deslizes. São inadvertências que escapam ao correr da pena e que
uma meticulosa revisão não se encarregou, depois, de corrigir; é o efeito da poderosa
influência da conversação ou dos outros escritores, que nem sempre primam num portu-
guês genuíno; pode ser em alguns casos o desejo de surpreender e recrear o leitor ou de
introduzir, com a ampla autoridade de que goza, alguma novidade na linguagem. Algu-
mas vezes até, o erro não é do autor, mas do tipógrafo, que, inadvertidamente, adulterou
o texto, contribuindo assim para lançar confusão.
Tais falhas escandalizam, decepcionam, é claro, os estudiosos que, desde que tomam
tais e tais autores por mestres do dizer, desejariam ver neles o dom de infalibilidade no
meneio da língua, o que tornaria muito mais fácil o estudo desta, exigindo-se, em tal
hipótese, muito menos leituras e muito menor precaução. Mas que se há de fazer senão
aceitar os fatos tais quais se nos apresentam? Na falta de escritores fecundos e, ao mesmo
tempo, infalíveis, escolhemos, por modelos, aqueles em que o erro é muito mais raro e
que, além disto, mais vastos conhecimentos revelaram dos recursos da língua.
Recolhemos os grandes tesouros que eles nos deparam em seus livros, para pôr em
circulação o ouro que nos oferecem, se bem, quando menos esperamos, surja a moeda
falsa que é preciso desprezar. E havemos de concluir desta falibilidade dos artistas da
palavra, não que seja inútil inspirarmo-nos nestes modelos, senão que o testemunho
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 35
12 – Há muita coisa, porém, que se encontra nos melhores escritores antigos e não é
mais em uso entre os modernos. Deverão tais expressões ser canonizadas como lícitas e
aconselháveis? Até que ponto são os antigos dignos da nossa imitação?
Merecem os velhos autores ser imitados em tudo aquilo que bem se ajusta com as
exigências e com a estilística do frasear moderno.
36 Padre Pe dro Adrião
A moda na linguagem tem muito de semelhante com a moda no vestir; cada época,
na história de um povo, concebe a elegância, seja no vestir, seja no dizer, à sua feição; e o
que é julgado elegante num tempo pode ser considerado ridículo, exótico, estapafúrdio
noutro, o que não impede, entretanto, bastas vezes, a reabilitação inesperada de uma
moda por longo tempo desprezada e esquecida pelo desuso. O escritor não está obriga-
do a empregar só e exclusivamente as expressões que correm no seu tempo; mas o está a
usar da elegância, tal qual a concebe a sua época.
Desde que a expressão antiga é ouvida com prazer e sem escândalo na linguagem mo-
derna, pode ser readmitida no uso, pois pertence ao patrimônio da língua; e os mestres
do bem falar e escrever têm, de feito, ressuscitado inúmeras formas de dizer injustamente
relegadas ao olvido; toam bem no falar de hoje e se apresentam aparentemente como
neologismos, sendo, ao contrário, velhos tesouros ocultos no rico escrínio da nossa lín-
gua e postos novamente em circulação.
Quando a frase ou a palavra antiga reaparece assim nos bons autores de hoje, já é
isto bom sinal de que bem merece o ressurgimento. Mas desde que se pode supor que
nem todo o oiro de bom quilate que se encontra nos quinhentistas e seiscentistas já foi
trazido novamente ao uso corrente, ainda há decerto muita expressão antiga que possa
empregar-se com vantagem nos tempos atuais, mesmo que se não encontre nos escritores
clássicos de épocas mais recentes.
13 – Ao lado destas, porém, há muitas outras que seria escandalosa e ridícula imprudên-
cia querer ressuscitar e introduzir no falar de hoje. É curioso observar como estão neste
caso muitas formas sincréticas, usadas pelos melhores clássicos de antanho, hoje, porém,
tidas como deselegantes, errôneas e absurdas na linguagem literária e no falar das rodas
cultas, mas que se conservaram por tradição oral nos meios populares.
O nosso povo ainda diz como diziam os bons escritores antigos: ADONDE = onde
(Jaboatão N. O. S. B. II-53); AMEDRENTAR (Filinto P. 101); AMENHÃ (Couto S. P.
102); ANRIQUE (Sousa V. do A. I-222); ANTRE ELES (F. Morais P. de I. 43); BER-
TOLAMEU (Jacinto V. D. J. C. 146); CATERINA (Sousa V. do A. I-233); CONCRUSÃO
(F. Morais P. de I. 80); CONTIA = quantia (Sousa A. D. J. II-217); CORENTA (Couto S.
P. 102); DEREITO (Couto S. P. 6); DESPOIS (Bernardes P. E. 234); DEVAÇÃO (B. Brito
M. L. I-55); DIXE – do verbo dizer (D. Góis C. D. E. I-II); EMPARO = amparo (Sousa
V. do A. II-93); ENTONCES (Gil T. 143); FREMOSO (A. Ferreira P. L. 96); FROL = flor
(H. Pinto I. V. C. III-43); FRUITA (Sousa V. do A. I-136); HAI do verbo haver (D. Góis
C. D. E. I-98); INGRÊS (Camões T. 26); LANÇOL (F. M. Melo A. D. 22); MARGULHO
(F. M. Melo A. D. 455); MENHÃ (Sá Miranda O. C. 234); PIADOSO (A. Ferreira P. L.
I-73); PREFEIÇÃO (Severim N. de P. I-57); SALAMÃO (Severim N. de P. I-1); SALUÇO
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 37
14 – E aquilo que os modernos empregam, mas não se encontra nos antigos, porque
veio depois com a incessante evolução da linguagem? Havemos de seguir os modernos
quando empregam maneiras de dizer que os antigos cuidadosamente evitaram? Se é a
tradição constante dos bons escritores, desde os primeiros tempos da língua até hoje,
que forma o indiscutível, segue-se daí que se estabeleça a confusão sobre as formas mo-
dernas em cujo abono tal tradição não pode ainda ser invocada? Quem quer escrever cor-
retamente a língua não pode aceitar, de mão beijada, quantas inovações por aí apareçam
nas gazetas e na literatura, que são às vezes estrangeirismos inúteis e pedantescos, filhos
da ignorância dos recursos do vernáculo e de uma ridícula e desfrutável xenomania.
Mas desde que há entre os escritores modernos, também zelosos defensores da pureza da
linguagem, temos que confiar deles uma orientação segura que nos indique o que se há de
admitir ou evitar. Não podemos aceitar, como prova de vernaculidade, uma ou outra citação
isolada, pois facilmente pode mesmo o bom autor cair em deslize, máxime influenciado pelo
ambiente literário em que vive e contra o qual tem que reagir seriamente para escrever um
português genuíno. Mas desde que vários escritores modernos de reconhecida autoridade
patrocinam certo vocábulo ou maneira de dizer, temos que admiti-los. Ainda não há tradição
bem sólida e firmada no caso; há, porém, o início bem fundamentado de uma tradição futura
que será inevitável. O prestígio destes autores, cada vez maior à proporção que se vão tor-
nando mais antigos, o prestígio destes autores, tidos já hoje e, com maioria de razão, amanhã,
como espelhos de todos na linguagem, levará outros bons autores que neles se irão abeberar,
a escrever da mesma maneira. E a tradição, uma longa e invencível tradição, virá a consagrar
definitivamente tais vocábulos e tais maneiras de dizer.
15 – Resumindo:
Temos que admitir um critério seguro para sabermos o que é legítimo e o que não é,
em português; sem isto cairemos nas maiores incoerências. Este critério não é a lógica,
pois à rigidez de suas normas a língua propriamente não atende; nem a opinião dos gra-
máticos que não engendram leis, apenas apontam, coordenam, discriminam os fatos da
38 Padre Pe dro Adrião
linguagem. Há de ser o uso dos bons autores clássicos: ou dos antigos juntamente com
os modernos, se uma expressão chega a lograr este belo consenso, acompanhando assim
a língua em todo o seu evolver; ou dos antigos somente, se este uso bem se casa com a
elegância do falar de hoje; ou dos modernos somente, mas em número suficiente para
indicar que o fato dará forçosamente em legítima tradição.
E assim encerrando estas considerações, vamos logo satisfazendo à natural pergunta
do leitor: e o que é que se encontra nos clássicos? É o que lhe indicaremos, em traços
gerais, em todo o restante deste modesto e despretensioso trabalho.
16 – O que há notável nos clássicos e os extrema dos mais autores resume-se em três
qualidades:
2.o – GENUINIDADE.
A abundância que ostentam, entretanto, não é anárquica nem viciosa. Dela são exclu-
ídos os estrangeirismos injustificados, as inovações destoantes. Se é necessária a palavra
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 39
estrangeira a fim de exprimir ideia nova, para a qual não dispunha o nosso léxico de
meios de expressão, adotam o neologismo, acomodando-o, quanto possível, à feição e ao
gênio do idioma. Se há, porém, na abundante prata de casa, meios com que expressar a
ideia, refugam o estrangeirismo desnecessário que só serviria de abastardear e corromper
a linguagem corrente. Evitam o intrometido galicismo, as flexões que não são próprias
da nossa língua, as regências não consagradas pela tradição, os modismos e idiotismos
que não são nossos, e só têm valor expressivo no falar de outros países. Quando, porém,
o estrangeirismo já se naturalizou, fez-se de casa, confundiu-se perfeitamente com os
vocábulos do nosso léxico, então não hesitam em consagrá-lo pelo uso e aproveitá-lo
também como material para sua riqueza e opulência.
17 – Entretanto estas três qualidades que acima apontamos não brilham com igual
intensidade em todos os autores clássicos.
40 Padre Pedro Adrião
Camilo e Garrett foram mais notáveis pela opulência e variedade do seu dizer do que
pela genuinidade. Machado de Assis, muito menos opulento do que eles, foi, no entanto,
mais cuidadoso quanto à pureza da linguagem. Rebelo da Silva não teve tanto gosto em
reviver os dizeres antigos como tiveram seus compatrícios e contemporâneos Castilho,
Garrett, Camilo e Herculano, nem como o nosso D. Silvério. Rui notabilizou-se por
uma modalidade de opulência de que muitos outros não cogitaram: a criação de termos
novos, de legítimo cunho vernáculo. Este mesmo Rui, sim, juntamente com Herculano,
porém mui raros com eles (tirante os três grandes expoentes do período áureo, Vieira,
Bernardes e Fr. Luiz de Sousa), mui raros poderão rivalizar no belo equilíbrio das três
qualidades da linguagem clássica – opulência, pureza e variedade – possuídas em elevado
grau, com este cego genial que foi Antônio Feliciano de Castilho, o qual não nos admi-
ra, se por alguém for considerado o mais perfeito, o mais completo, o mais autorizado
clássico moderno da língua portuguesa.
Primeira Parte:
Opulência Léxica
CAPÍTULO I
18 – Estão sujeitas as palavras, nas línguas vivas, a evolução contínua, não só no seu
elemento material ou sônico, mas também na sua significação. A associação de ideias,
o gracejo, a ironia, a influência estrangeira, o gosto das metáforas, os ditos que se vão
introduzindo no seio do povo, a confusão de um termo com outro parecido, se vão
encarregando de gerar semelhantes alterações semânticas. E assim, o sentido das pa-
lavras não raro alarga-se, restringe-se, inclina-se para o lado bom ou para o lado mau,
é encarado sob um ou sob outro aspecto em diversas regiões ou em várias épocas da
história da língua, e às vezes vai sofrendo mudanças sucessivas e paulatinas, até dar em
significação visivelmente diversa. Daí se gera, fartas vezes, certa diferenciação entre o
sentido primitivo da palavra, aquele com que ela se apresenta desde os tempos antigos,
nos mais autorizados documentos da linguagem literária, e o sentido mais usual nos dias
de hoje, aquele em que ela se emprega mais geralmente em nossa época, nos jornais, nos
discursos, nos livros, nas palestras.
Reviver o sentido tradicional, embora o menos comum atualmente, mostrando assim
conhecimento da nossa literatura, comunicar elegantemente, à palavra hoje corrente, um
sabor de novidade com lhe não deixar esquecer a significação antiga, eis o que chamamos
dar a uma palavra a acepção de sabor clássico.
À margem da linguagem falada, tão fácil em alterar o sentido das palavras, sobretudo
em esquecer vocábulos e construções genuinamente nossas, ou pela pobreza de recursos
léxicos de que se usa lançar mão na conversação quotidiana ou às vezes pela preferência
dada a novidades exóticas e a desajustados estrangeirismos, à margem da linguagem
falada e da dos escritores que tímida e pobremente se limitam a segui-la de perto, está
a linguagem dos clássicos, menos esquecediça, mais conservadora, mais atenta em não
permitir que mergulhem no esquecimento os antigos usos da língua ou, em outros ter-
mos, mais amiga da tradição.
Este amor à tradição de maneira alguma envolve desprezo ou desconhecimento do
sentido que têm as palavras na linguagem moderna.
Nem também importa a legitimação de arcaísmos semânticos. Há palavras atualmente
correntes que tiveram outrora um sentido, o qual está hoje completa e irrevogavelmente
44 Padre Pedro Adrião
em desuso. FAZENDA já significou, sentimento, ação, procedimento: fez FAZENDA de bom cavaleiro
(citado por Morais). MESURA já quis dizer generosidade: MESURA seria, senhor, de vos amercear
de mi (Cancioneiro do Vaticano). CATAR: olhar, observar. Quem ao diante não CATA, atrás cai e
malbarata (provérbio antiquíssimo). Certo, não são arcaísmos deste feitio que vamos aqui
recomendar; as acepções de sabor clássico que nós apresentamos são autorizadas pelo
uso de escritores, tanto antigos como modernos.
19 – Não se objete que é lançar a confusão no seio da língua, o empregar uma palavra
em sentido diverso daquele em que geralmente se emprega, fazendo-a tomar assim um
duplo sentido. A grande maioria das palavras da nossa língua têm mais de um sentido:
temos abundância e variedade, mas com “economia de som”. Se a cada ideia nova tivesse
forçosamente que corresponder uma nova palavra, como é útil e conveniente para variar
o fraseado e evitar a monótona repetição dos termos, empregar, no mesmo trabalho,
vários sinônimos quando é mister exprimir várias vezes a mesma ideia, tarefa exaustiva
e quase poderia dizer-se impossível, seria aprender o vocabulário da língua. Um termo
pode ter significados diversos sem daí se gerar confusão, pois o contexto da frase ser-
ve bem para mostrar o sentido em que ele se emprega. Quando se fala no CABO de S.
Agostinho, no CABO que passou a sargento, no CABO da vassoura, no CABO do navio que puxam os
marinheiros, no feito que se consumou ao CABO de muitos dias, todos já entendem em que sentido
a palavra CABO é tomada. Além disto, o significado clássico, longe de ser confuso e enig-
mático, tendo, na maioria dos casos, perfeita analogia com o significado mais em voga,
facilmente se depreende pela simples leitura das palavras que o ostentam, e, quando
assim não fosse, aí estão os dicionários a quem cabe expor discriminadamente as várias
significações do mesmo vocábulo, até mesmo as arcaicas, quanto mais as que vigoram
ainda no uso literário.
Mas não percamos tempo em defesas desnecessárias; os próprios exemplos que vamos
apontar de persistência do sentido antigo ou de emprego de sentido, meramente literá-
rio, enquadrados na tradição pelo uso de alguns séculos, de tão ilustres escritores, falarão
por si mesmos, mostrando a variedade de recursos que eles sabem haurir dos tesouros
da nossa língua.
corteis pelo sono? (Vieira S. V. 156) tanto fêz que ACABOU COM o corregedor que não bulisse nem tocasse no
negócio (Sousa V. do A. II-40) – nada se podia ACABAR COM ÊLE para êste efeito (Jaboatão N. O. S.
B. II-146) – ACABAMOS COM ÊLE... que nos acompanhasse na vingança (Castilho Q. H. P. I-206) –
ACABOU COM ÊLE que a fechasse em uma das arcas (Silvério V. D. V. 26).
22 – ACORDAR-SE = recordar-se.
ACORDA-TE de tua morte e não pecarás (H. Pinto I. V. C. II-89) – agora encomendo eu muito a
V. Mcê., me sofra como seu despertador e que SE ACORDE do prometido a Deus (Chagas C. E. 69) – a
estatura soberba, o saio negro, o morrião, a negra côr das plumas, nenhum SE ACORDA de os jamais ter
visto (Castilho N. do C. 22) de vê-lo SE ACORDAM (Garrett Cam. 103).
24 – APELIDAR = convocar.
APELIDARAM tôda a companhia dos soldados que os judeus levavam para guarda, porque ninguém
se atrevesse a querer defender o Senhor (T. de Jesus T. de J. II-68) –...APELIDANDO em seu favor
46 Padre Pedro Adrião
a terra tôda (B. Brito M. L. I-49) – tomada esta determinação, APELIDA toda sua terra, congrega
a maior massa de gente (Castilho Q. H. P. I-110) a pátria convoca e APELIDA, em seu amparo e
defensão, a todos os seus filhos extremosos (Latino E. C. 132).
quadra, onde a senhora Felícia, a nossa digna hóspeda, nos APOSENTOU, apenas se vêem quatro cadeiras
de couro tauxiado (Herculano C. U. A. 226) uma hora depois estava o rapaz APOSENTADO num
lindo quarto (M. Assis H. S. D. 239) – APOSENTADO o Sr. Bispo, veio ter com êle o subdelegado
do lugar (Silvério V. D. V. 245)... mosteiro de S. Domingos, onde SE APOSENTARAM as primeiras
figuras desta comitiva principesca (Antero L. T. 192).
ASSINANDO-LHE por morada (já na côrte) a casa do Noviciado da Companhia de Jesus (A. Barros
V. A. P. A. V. I-276) e um dia ASSINADO, Herodes, vestido em traje real, se assentou no tribunal
(Pereira B. S. Atos cap. XII v. 21) – a prosperidade ASSINA a cada um o seu quinhão de glória
(Lisboa O. C. I-88) – até a estratégia naval tem que estar em atividade... ASSINANDO aos navios ou
às esquadras, as posições convenientes (Rui C. de I. 260) deixo aos leitores tomar o pêso dêste testemunho
pelo lugar que lhe ASSINA entre os prelados do Universo (Silvério V. D. V. 347).
39 – COPA = taça.
Tem-se usado ultimamente a palavra COPA no sentido de taça para indicar aquelas
que são dadas, em prêmio, como troféus de vitórias esportivas: COPA ROCA, COPA RIO
BRANCO, COPA MUNDIAL.
Queremos crer mesmo que os restauradores do antigo sentido deste termo não se
foram inspirar na leitura dos autores clássicos, mas, sim, no vocabulário de línguas es-
trangeiras, como o inglês (cup) ou francês (coupe), que possuem o termo derivado do
latim cuppa-æ e com esta significação de taça. Mas tenham tido ou não a má intenção
de pôr em voga mais um estrangeirismo, o fato é que contribuíram para ressurgimento
popular de um termo genuinamente português, usado pelos autores antigos e também
por clássicos mais recentes.
Farei como já fêz um inocente, um rústico pastor dentre as manadas, que dágua of’receu em mãos lava-
das a Xerxes; bebeu êle e santamente jurou que não bebera té o presente com tal sabor, por COPAS douro
obradas (Sá Miranda O. C. I-305) tirando-lhe o coração pelas costas e metido nesta COPA o mandou
apresentar a sua filha... a princesa... tomou a COPA nas mãos (F. Morais P. de I. 73) depois de ser
tomada tôda a cidade, com glória de Anfitrião bem ganhada; como em sinal de vitória, esta COPA lhe foi
dada; por ela bebia el-rei, enquanto a vida queria (Camões T. 32) – haverás válido coche, três corcéis,
linda COPA que em sagradas libações dêste amigo te recorde (O. Mendes Od. l. IV.o v. 451) em fundos
vasos dalvacenta argila ferve o cauim; enchem-se as COPAS; o prazer começa, reina o festim (G. Dias
P. II-118) nenhum punhal trago, que não se embainhasse nalgum coração; nem COPA brilhante que não
propinasse veneno terrível aos lábios de um são (Castilho F. 331) seguindo o exemplo do conde de Seia,
os cavaleiros pegaram a um tempo nas taças: À saúde – exclamou D. Henrique – levantando a sua COPA
cheia a trasbordar (Herculano M. de C. I-196) – voltara-se aos tempos de D. Diniz, das grandes e
ricas baixelas, em que as COPAS, os pichéis e as escudelas eram de oiro e prata (Antero L. T. 137).
43 – CUMPRIR = completar.
E por ser já CUMPRIDO o ano do falecimento del-rei D. João, lhe mandou el-rei D. Emânuel... fazer
um solene saimento (D. Góis C. D. E. 31) em cada um dos cinco, cinco pinta, porque assim fica o
número CUMPRIDO (Camões L. c. III.o e. 54) –... não esperando que CUMPRISSE quatro anos
(Sousa A. D. J. I-8) chegando a Belém, SE CUMPRIRAM e encheram os dias do sagrado parto (Vieira
S. V. 114) e passados assim três anos, quando Angelina CUMPRIA os quinze e João de Térmis, os vinte
e um, cortou Deus a vida dêste (Bernardes N. F. II-346) – e fizeram vir os nazarenos que tinham
CUMPRIDO os seus dias (Pereira B. S. I.o Macabeus cap. III.o v. 49) – CUMPRIDOS doze anos,
D. Inigo voltou (Rebelo C. e L. 21) morei lá vinte anos CUMPRIDOS (Garrett F. L. S. 74)
Gonçalo Mendes de Maia, o velho fronteiro de Beja, CUMPRIA os noventa e cinco anos (Herculano L.
N. II-86) êstes honrados embaixadores... três meses CUMPRIDOS estanciariam em Macedônia (Latino
O. da C. 10) – a despeito dos meus oitenta janeiros hoje CUMPRIDOS, ainda me não aborrece o vosso
convívio (E. C. Ribeiro P. L. E. 163).
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 53
44 – CURAR DE = cuidar de, tratar de, procurar, dar atenção a, lembrar-se de, inte-
ressar-se por.
Os nossos pregoeiros não CURAM já DE dar brados (Sá Miranda O. C. 1-297) meus duros pais
não CUREM DE cansar-me (A. Ferreira P. L. II-225) levanta-te, rei, e vai CURAR DE negócios
que Deus quis que CURASSES (Couto S. P. 22) – DESTAS povoações e de outras muitas que lhe atri-
buem com pouca autoridade, não CURO muito (B. Brito M. L. I-42) não CURAMOS DE o guardar
dos ladrões (Bernardes N. F. I-113) – deixou, pois a Lísias... para que tivesse cuidado dos negócios do
reino... e outrossim CURASSE DA educação de seu filho Antíoco (Pereira E. S. I.o Macabeus cap.
III.o v. 32) DE humanos feitos eu já nada CURO (Caldas S. de D. 50) – tiravam aos cidadãos e
mais arraia-miúda tudo aquilo de que precisavam, sem CURAR DE saber quanto custava (Herculano
M. de C. I-225) ninguém CURAVA DE saber dos negócios da casa (Camilo T. I. 133) – o admirável
colorista do estilo... nem sempre CURAVA DA sua pureza (Rui R. n.o 144 pg. 66) melhor é que quebre
a pena e vá CURAR DE outro ofício (M. Barreto N. E. L. P. 17).
49 – DISCURSO = decurso
É razão que no capítulo seguinte trate algumas particularidades do DISCURSO da sua vida (D. Góis
C. D. E. 8) que foi o nascimento de Cristo e sua morte e todo o DISCURSO de sua vida senão uma repro-
vação da falsa sabedoria do mundo? (H. Pinto I. V. C. I-67) – inda hoje a conserva, como diremos no
DISCURSO da história (B. Brito M. L. I-48) veio o DISCURSO do tempo a abrir os olhos aos mouros
(Sousa A. D. J. II-171) do que achava pelo DISCURSO do ano, se vestia e pagava as casas (F. M.
Melo A. D. 92) – a cada passo que damos no DISCURSO da vida, se nos oferece um teatro novo (M.
Aires R. V. H. 97) – apontaremos aqui a seu favor o que no DISCURSO desta obra teremos ocasião
de desenvolver mais largamente (Castilho Q. H. P. I-83) na margem direita do Tejo.... jaz assentada a
fortaleza que... depois, pelo DISCURSO de muitos anos, se chamou de S. Gião (Latino A. e N. 101).
51 – EMBORAS não só significa adeuses, despedidas (Naqueles quatro lenhos que soltam
as velas em frente do Restelo, ante as copiosas lágrimas e os simpáticos EMBORAS de uma numerosa
povoação, naquelas quatro galés... vai a fortuna de Portugal e os destinos da moderna Europa (Latino A.
e N. 78) mas também parabéns, felicitações.
Os príncipes da Ásia com ambiciosas mensagens lhe deram EMBORAS da vitória (Jacinto V. D. J. C.
211) – senhor conde de Ourém, dignai-vos aceitar os sinceros EMBORAS, os parabéns do coração (Gar-
rett Alf. de S. 152) os sonhos das noites me vinham todos povoados de inumeráveis e cordiais abraços,
de EMBORAS, perguntas e respostas de bons amigos (Castilho F. pela A. 138) ninguém lhe apertou
a mão, dando-lhe os EMBORAS de sair vivo dos ferros (Camilo F. D. N. 86) – veio ter com êle certo
sujeito e, entre EMBORAS pela distinção tão merecida quão pouco procurada, perguntou se seu condado era
alguma povoação nesta província (Silvério V. D. V. 317).
55 – FÁBRICA = construção.
Tomando-o pela mão, o leva e guia para o cume dum monte alto e divino, no qual na rica FÁBRICA se
erguia, de cristal tôda e de ouro puro e fino (Camões L. c. IX.o e. 87) – começou a FÁBRICA daquela
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 57
maravilhosa arca (B. Brito M. L. I-6) continuaram os nossos a FÁBRICA da igreja com maiores des-
pesas (Jacinto V. D. J. C. 42) a FÁBRICA do Tabernáculo, não a encomendou Deus a Arão (Vieira
S. XI-40) –... cujas rendas empregam no culto divino, FÁBRICA de templos, socorro de pobres (Pita H.
A. P. 96) que maior prova do que a FÁBRICA de um elevado mausoléu? (M. Aires R. V. H. I) há
por todo o Brasil, em quantidade, madeiras para FÁBRICAS (Durão C. c. VII.o e. 53) – Domingos
Botelho... começou a FÁBRICA de um palacete (Camilo A. de P. 10) as nações na idade primitiva legam
as suas tradições nas FÁBRICAS ainda bárbaras da sua arquitetura (Latino A. e N. 84) –... cedeu todo
produto para a FÁBRICA de sua catedral (Silvério V. D. V. 158) a outros cabe a honra de ter erigido o
belo edifício; Frei Palácios, porém, se não ergueu tamanha FÁBRICA, edificou outros templos (Laet A. I.
ano II.o n.o I.o pg. 8) FABRICAR = construir: FABRICARAM os antigos romanos a estátua da
deusa da agonia com um cadeado e um sêlo na bôca (H. Pinto I. V. C. IV-114) chegamos à porta de
uma grande sala térrea FABRICADA ao modo de igreja (F. M. Pinto Per. II-24) FABRIQUEI uma
estreita celinha (Bernardes N. F. 333) – mandou FABRICAR o novo templo (Pita H. A. P. 320)
de tôdas as pedras que um artífice traz para FABRICAR uma casa... (Sacramento V. H. P. 270) – no
recinto derrocado de uma cidade antiga e suntuosa se FABRICAM e aprimoram os monumentos de uma
nova civilização (Latino O. da C. intr. CIX).
57 – FALECER = faltar.
Já a ela lhe ia FALECENDO a fala (Bernardim M. e M. 33) só me FALECE ser a vós aceito
(Camões L. c. X.o e. 155) onde FALECE a graça, ainda que sobeje a ciência, não são os entendimentos
tão claros, que não vivam às escuras (H. Pinto I. V. C. I-17) – não cuide o inimigo que o intento com
que me ofereci, já me FALECE (R. Lobo C. de P. 41) entrei em lugar da chapa que FALECIA e ficou
tudo feito (F. M. Melo A. D. 83) – cobrem com seu amparo a outros literatos, a quem sobra em luzes
o que lhes FALECE em cabedais (Filinto O. C. IX-384) – o espírito de meu pai desceu do céu e veio
unir-se ao meu, trazer-lhe tôda a fôrça e virtude que FALECIAM numa criança (Garrett Alf. de S.
211) em vossas casas FALECE a prata e o cobre (Castilho F. pela A. 93) estive a ponto de ter que
levar a vossos pés mais uma mentira com os outros pecados que me não FALECEM (Herculano L. e
N. I-249) FALECIAM-LHE fôrças para o trabalho (Camilo R. H. R. 153) – FALECEM-NOS
58 Padre Pedro Adrião
elementos para a constituição de um idioma (Leda Q. L. B. 8) como vê o Sr. G. P., FALECEM regras
absolutas, mas há normas mais ou menos seguras (Cândido F. e E. I-262).
58 – FAZER CABEDAL DE = dar apreço a alguma coisa, tê-la em grande conta, ligar-
lhe importância, levá-la em consideração.
Já nenhum pretendente discreto FAZ GRANDE CABEDAL DÊLES, como de ministros que ouçam
(R. Lobo C. na A. 74) – César, SEM FAZER CABEDAL DE semelhante exigência, o fêz passar a
Catão (Lisboa O. C. I-72) aos outros ninguém procura fazer mal, ou porque êstes se entendiam com
o povo, ou porque o povo FAZIA DÊLES POUCO CABEDAL (Herculano C. V. 98) José Augusto
contou-me um sucesso vulgar de amuos e despeitos; não FIZ CABEDAL DA história (Camilo N. B. J.
M. 82) – os cônegos eleitores FAZIAM TÃO BAIXO CABEDAL DOS bons costumes de um sacerdote
que não reputavam parte, para excluir do primeiro lugar da diocese, a falta dêles no sujeito que haviam
de eleger (Silvério V. D. V. 87) não fiz DAQUELE reparo, ali incidentemente inserido, GRANDE
CABEDAL (Rui R. n.o 42 pg. 25) não fiz grande CABEDAL da terminação “ente” (E. C. Ri-
beiro Tr. 83).
pedindo-te, FENEÇAM meus dias aborridos (Herculano P. 70) – destas palavras FENECIDAS ficam
de ordinário vestígios nos compostos ou derivados (M. Barreto F. L. P. 93).
71 – INFINITOS = inúmeros.
Disso têm resultado INFINITOS males (Couto S. P. 8) olha cá, pelos mares do Oriente, as INFINI-
TAS ilhas espalhadas (Camões L. c. X.o. e. 132) – não é um só, mas INFINITOS os caminhos de ir
buscar a Deus (F. M. Melo A. D. 236) cativou INFINITAS almas (Jacinto V. D. J. C. 5) – por
todo o mato que entre êles há, correm INFINITOS ribeiros de menor fama (Pita H. A. P. 246) gente,
de cuja crueldade se queixavam INFINITAS nações (A. Barros V. A. P. A. V. I-147) – está pronto a
administrar-lhes, ainda à custa de INFINITAS fadigas, os bens espirituais de um preço inestimável (Seixas
C. das O. I-72) êste figurão trazia... sôbre os calções, muito risonhos na costura, cinco, oito, INFINI-
TAS véstias (Rebelo M. D. J. I-131) – o traje é descuidado, a casa, nua... freqùentes, os desaires, as
privações, INFINITAS (Rui C. L. 139) um exemplo dentre outros INFINITOS (M. Barreto N. E.
L. P. 296).
72 – LIÇÃO = leitura.
Homens de engenho que pretendem abalizar-se no estudo das letras e na LIÇÃO das histórias antigas...
(H. Pinto I. V. C. II-83) bem mostra Antíoco, em quanto fala, seu claro engenho ocupado em LIÇÃO
de bons livros (Arrais D. 5) – ocupava-se até pela manhã na LIÇÃO da Sagrada Escritura (Sousa V.
do A. I-75) como os versos não sejam LIÇÃO própria de sisudos, mas de mancebos, damas e ociosos... (F.
M. Melo A. D. 367) o entendimento a deseja, para tirar o tédio da LIÇÃO dos livros (Botelho M.
do P. 57) – caduco, pouco leio; os olhos negam à prolixa LIÇÃO o acume antigo (Filinto P. 131) – a
LIÇÃO dos seus escritos nunca fôra vedada (Lisboa V. P. A. V. 211) costume era do homem... alargar
muitas vêzes seu pensamento imerso na LIÇÃO dos nossos fastos (Castilho Q. H. P. 19) – educaram a
faculdade da palavra na LIÇÃO de escritos estrangeiros (Rui R. n.o 422 pg. 180).
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 63
são também as unhas de todos os validos, MIMOSOS e apaniguados dos grandes (Arte 256) – os MI-
MOSOS da fortuna já requestam meu canto (Filinto O. C. IX-5) – Horácio, Salústio e Tácito eram
os seus autores MIMOSOS (Rebelo C. e L. 12) lisonjeando êsse homem MIMOSO do vulgo, tirariam
juntamente dois resultados (Herculano L. e N. I-63) o castelhano, mais MIMOSO filho da fortuna
(Latino F. de M. 197) – mas o réu era um MIMOSO do Catete (Rui R. de G. 42).
esta que NOMEAVAS tua espôsa (O. Mendes E. l. II.o v. 699) – em suas epístolas... S. Paulo NO-
MEOU a Jesus Cristo cêrca de duzentas vêzes (Laet H. P. 41).
80 – ORELHAS = ouvidos.
Esta fama as ORELHAS penetrando do sábio capitão, com brevidade faz represália nuns (Camões L.
c. IX.o e. 9) vós sabeis que nenhuma cousa mais a vossas ORELHAS brada que meus males (T. de Jesus
T. de J. I-106) só por êste sêgredo podemos subir a ver aqueloutros maiores que viu o glorioso Paulo, que
nem olhos viram, nem ORELHAS ouviram (Couto S. P. 10) – sendo-lhe tratado segundo casamento...
deixou de lhe dar ORELHAS muitos dias (Sousa A. D. J. I-2) – peçamos... que te dê para ouvir, dócil
ORELHA (Durão C. c. II.o e. 29) e logo da França velha reconta o pobre peralta cousas que pescou
de ORELHA (Tolentino Sat. 190) – foram censuradas algumas proposições com nota de serem umas
contra o comum sentido católico, fátuos, temerárias e escandalosas; e outras, ofensivas das ORELHAS dos
pios e fiéis católicos (Lisboa V. P. A. V. 209) – um grito dêsses soa às ORELHAS do criminoso, como
voz de prisão (Rui C. L. 282) uma ORELHA delicada e atenta não deixa de perceber que há aqui a
cadência e número de um verso endecassílabo (M. Barreto N. E. L. P. 172) avisos para quê, se são mais
as ORELHAS tontas que as prudentes? (Antero J. em P. 251) o conjunto não agrada a ORELHAS
finas (Sá Nunes A. L. N. I-99).
83 – PARTES = qualidades.
O julgador... é-lhe necessário ter estas duas PARTES de justiça e misericórdia (F. M. Pinto Per.
I-186) se essas PARTES... deve ter qualquer juiz ou governador de qualquer lugar, quanto mais o príncipe,
que é juiz universal de todos (H. Pinto I. V. C. IV-99) vence teu coração, não o afeies; nem corrompas
muitas boas PARTES que em ti há (Arrais D. 101) – que sirvam as igrejas e as governem, aquêles que
para isso têm talento e experiência... mas que se busquem para elas homens sem nenhuma destas PARTES, é
grande temeridade dos eleitores (Sousa V. do A. I-326) perguntou alguém, algumas vêzes, se seria lícito
deixar usar, a mulher própria, daquelas boas PARTES, de que a dotou a natureza (F. M. Melo C. G. C.
196) na pessoa concorriam tantas PARTES, que para tudo o tinham habilitado (Esperança Exc. 202)
– grande homem! muitas letras e de muito galante prática, e não somenos as outras PARTES de cavaleiro
(Garrett F. L. S. 20) Maomé que tinha algumas PARTES de grande homem... consentiu o uso do xadrez
aos seus árabes (M. Assis Sem. 147)... livro que valeu ao seu autor, assim pelo objeto tratado, quanto por
PARTES pessoais de letras e bravura, a qualificação de Xenofonte brasileiro (F. Castro E. C. 150) ora o
cavaleiro assaz era nomeado por opulência, dotes pessoais e mais PARTES de sua pessoa (Castilho N. do
C. 153) – não era só a distinção de sua presença, a calma de sua voz, a nitidez de sua dicção; o império
sereno das suas respostas, dos seus conselhos, das suas soluções, das suas ordens profissionais; sôbre tôdas essas
PARTES que já o privilegiavam, se revia nêle uma emanação do interior (Rui E. C. IV-II).
84 – PENDER = depender.
Está a divina consolação... em andar sempre por amor unidos a êle e PENDENDO em tudo dêle (T.
de Jesus T. de J. II-10) nascendo morremos, e o fim PENDE do princípio (H. Pinto I. V. C. I-23)
o príncipe prudente, de quem PENDE o bem e descanso de todo o povo, é digno de mor louvor que os outros
homens (J. Barros Pan. 104) – sabendo ser aquêle o último combate, donde PENDE o vencer ou ser
vencido para sempre... apertam quanto podem (Bernardes P. P. P. 137) – de vós PENDE o encurtá-
las (Filinto O. C. XI-492) êste amor, que não PENDE da fortuna, não receia o destino (Bocage P.
VI-49) – a nossa vida PENDE agora do nosso amor (G. Dias P. II-78) a existência de uma, quando
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 67
não de duas criaturas, PENDE muito problemàticamente da aplicação dos meios extremos em obstetrícia (F.
Castro E. C. 60) dos deuses, não de mim PENDIA o desenlace (Latino O. da C. 66) – o Sr. Campos
Sales está sendo, neste momento, a castelã rica, de cujas boas graças PENDE a fortuna dos aduladores (Rui
D. e A. 122) dêsse batismo de luz é que PENDE a vida das instituições republicanas (E. C. Ribeiro
P. L. E. 144).
Vês Europa cristã mais alta e clara que as outras em POLÍCIA e fortaleza (Camões L. c. X.o e.
92) os negros que viviam fora de tôda a POLÍCIA, habitando as cavernas da terra, sem lei, sem justiça, sem
direito humano... levantaram templos a Cristo (J. Barros Pan. 170) todos, no bom ensino e POLÍCIA,
parecem homens de côrte (Lucena A. P. II-139) – vendo a povoação de Setúbal que, como fôra a primeira,
era a mais notável e de mor POLÍCIA que as outras... foi correndo tôda a costa ocidental da Espanha (B.
Brito M. L. I-11) entregou grão parte da nobreza da côrte... que se alojou, separada do campo, em mui
lustrosas tendas que não deviam nada à POLÍCIA da Europa (Jacinto V. D. J. C. 91) – a POLÍCIA
daquela inculta gente é a mesma barbaridade (A. Barros V. A. P. A. V. I-69) – uma só nação, para
cuja grandeza contribuíra aquela com as virtudes ásperas da Germânia, esta com as tradições da cultura e
POLÍCIA romanas (Herculano E. P. 4) – teve, especialmente a seu cargo a POLÍCIA dos índios (Rui
C. de I. 342).
– travaram PRÁTICA os dois e quanto Catarina mais via e ouvia o companheiro, mais se lhe ia afeiçoando
(Vieira S. XI-65) murmuraram três religiosos de um secular não em matéria grave; procurou êle desviar
a PRÁTICA com destreza (Bernardes N. F. III-22) – e lhe divisou, na PRÁTICA que com êle teve,
superiores lumes (Filinto O. C. IX-150) – à proporção que iam entrando, começavam logo a PRATI-
CAR sôbre o grande assunto do dia (Lisboa O. C. I-181) assim PRATICANDO amigos, a aurora nos
vinha achar (G. Dias P. II-81) na sacristia mesmo, quando o vosso pároco se houver acabado de desvestir,
puxai com êle a PRÁTICA a êste propósito (Castilho F. pela A. 191) entreteve-se largo tempo com D.
José de Noronha; versou a PRÁTICA sôbre o aceitar benignamente os acometimentos de Teodora (Camilo
A. de S. 126) – vamos chamar êsses leais companheiros de além-túmulo e com êles renovar a PRÁTICA
interrompida (Rui O. M. 19) estando êste a PRATICAR com outras pessoas na sala, se pôs a esperar
fora da porta (Silvério V. D. V. 239).
89 – QUANTIA = quantidade.
Ofereciam-vos, os tratados de Física, grossa QUANTIA de fatos verídicos e de arriscados razoamentos
(Filinto O. C. IX-452) – com êstes diálogos incorporou boa QUANTIA doutros ainda inéditos
(Castilho C. A. 12) – a QUANTIA dos exemplos mostra a vulgaridade da construção (Leda Q.
L. B. 113) desta classe de palavras... traz boa QUANTIA de exemplos... o ilustre literato e estadista
brasileiro Rui Barbosa (M. Barreto F. L. P. 218) não traslado nesta resposta os exemplos clássicos
que transcrevi naquela revista e grande QUANTIA de outros que tenho colhido (Sá Nunes R. L. P.
set. 1931 pg. 138).
90 – RESPONDER = corresponder.
À pobreza de seu nascimento RESPONDE a de sua vida e de sua morte (H. Pinto I. V. C. IV-206)
um alto espírito achei que bem RESPONDE em tudo ao seu (A. Ferreira P. L. II-4) – não achamos que
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 69
RESPONDESSEM os prêmios a seu merecimento (Jacinto V. D. J. C. 219) a estas doze portas RES-
PONDIAM outros tantos fundamentos (Vieira S. III-35) – só nos infernos há pena que RESPONDA
ao seu delito (Bocage P. VI-164) –... sem que o número dos representantes RESPONDESSE de nenhum
modo ao dos representados (Lisboa O. C. I-II6) a êste momento na evolução da arte grega RESPONDE
a profusão das esculturas (Latino E. C. 113) já é bom que um livro RESPONDA ao título (M. Assis
Sem. 171) –... imposição das penitências, sendo a primeira e principal que RESPONDAM, quanto possa
ser, ao número e pêso das culpas (Silvério V. D. V. 320).
92 – SER = existir.
Se seu pai não casara, o filho não FÔRA (F. M. Melo C. G. C. 169) – em nome de todas as
criaturas que existem e HÃO DE SER, vos rendo as graças (Sacramento V. H. P. 228) – em chegando
a hora que os pudesse tornar em si, já não SERÃO (Castilho Q. H. P. I-112) o alento lhe falece, que
ERA dantes em seus membros (O. Mendes Od. l. XI v. 307).
a fama a contar os SUCESSOS pelas mil bôcas da difamação (Camilo R. H. R. 97) vinte e quatro
horas depois dos SUCESSOS narrados no capítulo anterior, o barbeiro saiu do palácio do govêrno (M.
Assis P. A. 53) – ponto por ponto, em todo o meu ver e prever, me deu a mais estrondosa razão, o curso
dos SUCESSOS (Rui G. G. 151) quando faleceu o Sr. D. Pedro II.o, os republicanos assustados pela
repercussão dolorosíssima que, em todo o país, ia tendo o infausto SUCESSO, apedrejaram o jornal “Brasil”
(Laet A. I. ano II.o n.o 17 supl.).
em muito trabalho (J. Barros Pan. 6) – nasceram Caim e Calmana ambos de um ventre, segundo TEM
Genebrardo (B. Brito M. L. I.3) o imperador Justiniano TEM que os príncipes hão de estar armados
com as armas de guerra (Arte 103) – não há que perguntar-lhes, a um nem a outro, o que êles sentiam a
respeito da morte; pois que ambos TINHAM que não havia de que a temer (Filinto O. C. IX-260) –
por duas excelências, TEMOS que se distingue o nosso autor em meio da multidão dos escritores abalizados
desta idade (Castilho C. A. 16) – para isso costumava revestir-se de murça e roquete, TENDO que o
sagrado e venerável daquelas vestes era parte para minorar o perigo de semelhantes práticas (Silvério V.
D. V. 334) TENHO que só se devem votar a tão embaraçoso mister, os engenhos de eleição (Laudelino
N. e P. II-27).
REVIVESCÊNCIA LÉXICA
104 – Não se limita, a linguagem clássica, a continuar dando a certas palavras o sentido
tradicional e de uso na literatura, embora não seja ele empregado na conversação quoti-
diana. Vai mais além a sua reação conservadora: chega até a reconstituir termos que não
só nas palestras, mas até na linguagem literária já haviam caído em desuso.
Num país como o nosso, de língua tão opulenta, mas também onde é tão grande a
soma de analfabetos e onde há tão pouco entusiasmo pela lição dos clássicos e tamanha
predileção pelas novidades de linguagem e exóticos estrangeirismos, uma reação, discreta
e moderada, é certo, por parte dos bons escritores, tendente a não deixar jazerem para
sempre no desuso termos que já foram bem nossos e bem correntes na nossa língua, se
faz útil, proveitosa, por vezes até necessária.
Não convém, se percam com tanta facilidade os tesouros do nosso idioma.
105 – Certo é, todavia, que nem todos os termos desusados merecem ser reconduzidos
à circulação; há, entre eles, arcaísmos tais, que seria ridículo e absurdo querer encaixá-los
na linguagem de hoje; sumiram-se, uma vez para sempre, no torvelhinho da evolução.
Como por exemplo:
CONCRUDIR = concluir: eu não vejo aqui maneira senão enfim CONCRUDIR (Gil T.
79).
CRARO = claro: os outros erram a barreira em CRARO (H. Pinto I. V. C. III-105).
DE PRÃO = sinceramente: DE PRÃO que vós havedes bem contado o feito de Amádis (A.
Ferreira P. L. I-95).
ENDE = por isso: vós seredes sempre ENDE loado (A. Ferreira P. L. I-95).
GIOLHO = joelho: assentou-se Vasco da Gama em GIOLHOS ante el-rei (J. Barros D. I.a l.
IV.o pg. 50).
GUAI = ai: GUAI de nós, se se descobrissem (Arrais D. 56).
LEIXAR = deixar: quantas donzelas comeu já a terra com a saudade que lhe LEIXARAM cava-
leiros...? (Bernardim M. e M. 17).
NEGO = senão: estas cachopas não vêm à feira NEGO a folgar (Gil T. 205).
76 Padre Pedro Adrião
OGANO = êste ano: já se isto cuidava, Nisa, quando OGANO trocaste a novilha pelo seu almalho
(R. Lobo P. 116).
PERÓ = porém: PERÓ depois que êles quiseram navegar a descoberto... conheceram quantos enganos
recebiam na estimação das singraduras (J. Barros D. I.a l. IV.o pg. 59).
REM = nada, coisa alguma (equivalendo ao francês rien): vós havedes bem contado o feito
de Amádis, sem quedar por contar ende i REM (A. Ferreira P. L. I-95).
SALVANOR = devido respeito: falando com SALVANOR, tu diabo me pareces (Gil T.
185).
SAMICA = talvez: quanto ao que entendo, sois SAMICA anjo de Deus (Gil T. 205).
SEGRE = século: os amadores dêste SEGRE temem tanto ser separados de sua amizade, que nenhu-
ma cousa têm por mais trabalhosa que não trabalhar (H. Pinto I. V. C. III-233).
SEM = geração, estirpe: Bom Vasco de Sobreira e de grão SEM (A. Ferreira P. L. I-95).
ULO = onde o? ULA = onde a?: se com fumos e vaidades (que outra coisa não é tôda a potência
humana) nos havemos de acreditar, os bispos, ULAS partes que deixamos a Deus? ULAS partes que damos
à virtude? (Souza V. do A. I-143).
106 – Tais palavras e inúmeras outras que azularam, muito há, não só da conversação e
meneio vulgar da língua, senão também da linguagem literária, toando, além disto, como
se foram estrangeiras ao ouvido daqueles que hoje falam o português, não merecem
ressuscitadas, por se não ajustarem às condições do falar hodierno.
Mas, juntamente com estas, muitas outras existem, que não merecem propriamente
o nome de arcaicas, senão o de esquecidas e inusitadas somente. São desusadas de fato,
mas não de direito, pois não destoariam da linguagem moderna.
É preciso revivescer-lhes o uso, a bem da nossa literatura, evitando-lhe um esface-
lamento que seria funesto, pois não convém que, com o acelerar da evolução, os do-
cumentos mais antigos se tornem ininteligíveis para os vindoiros. É de mister guardar
sempre razoável ligação com o passado, para que as obras, de que se orgulha a nossa
literatura, não venham a tornar-se estranhas e peregrinas para os próprios leitores
nacionais.
Somos dos primeiros em reconhecer que há de haver, sem dúvida alguma, certa se-
leção e cautela no emprego de vocábulos não correntes no falar de hoje, e que toda a
perícia e tacto do bom escritor se revela no apresentar o antigo com a graça, dignidade e
elegância do moderno, pois dar à frase uma feição exótica, unicamente pelo gosto de os-
tentar a expressão antiga, só poderia chocar as orelhas afeitas aos usos e estilos da lingua-
gem atual, sacrificando a elegância ao sabor de classicismo. Mas também não vamos com
a neomania daqueles que rejeitam toda e qualquer ressurreição de termos, atirando-lhe
indiscriminadamente a pecha de passadismo.
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 77
107 – Mas não será destoar claramente do espírito de seu tempo, empregar alguém pa-
lavras que caíram em desuso? Teria razão de ser tal observação, se as tentativas de chamar
à circulação palavras encostadas, sempre saíssem infrutíferas. Que assim não é, prova-o o
seguinte fato expressivo por demais, para que lhe precisemos acrescentar mais nada.
Rui foi censurado de ter empregado LÍDIMO em vez de legítimo na redação do Códi-
go Civil, por estar a palavra em desuso naquele tempo e considerada antiquada pelos
dicionários de Morais, Constâncio e Vieira e já por Duarte Nunes Leão em 1606.
Defendendo-se disto, cita na sua “Réplica” muitas palavras de pleno uso hoje, que já
naquele tempo eram apontadas como obsoletas por Duarte Nunes na sua “Origem e
Ortografia da Língua Portuguesa”, entre as quais: acoimar, afã, aleive, algo, albergar, algures,
alhures, aquecer, arrefecer, aturar, confortar, haveres, desempachar, doesto, falha, finado, grei, lidar, ufano, sa-
gaz, sanhudo, talante, vindita. E cita também Francisco José Freire, que, nas “Reflexões sobre
a Língua Portuguesa”, em 1765, apresentava, como arcaísmos, entre outros: acatar, acen-
drado, achanar, açodado, adrede, amamentar, andrajo, aviventar, caroável, córrego, denodado, empantufado,
78 Padre Pedro Adrião
guarida, menestréis, palafrém, passamento, pujança, quejando, reptar, retoiçar, roçagante, tosquenejar, trabu-
co, amarelecer, amigar-se, desatinar, esquivar, extremar, hastear, enfermar, aquinhoar, sortear, tartamudear.
Diante disto, nada mais resta que dizer; as palavras em desuso voltam com facilidade
ao uso corrente e passam a ser usadas novamente com tal frequência que, muitas vezes,
ninguém se lembra que já foram antiquadas algum dia.
Passemos a alguns exemplos de revivescência de palavras desusadas, que notamos nos
clássicos.
levei (G. Dias P. II-237) – aqui busca remediar todos os males, quando AL não seja, ao menos mistu-
rando suas lágrimas coas lágrimas dos miseráveis (Silvério V. D. V. 126) quando por AL não valha (e
creio que não vale) valerá pelo menos como voz de rebate ao país (Rui C. de I. 124) de AL não serve
ela, no idioma de Voltaire, senão de anunciar o infinitivo (M. Barreto N. E. L. P. 213) melhor será
falarmos em AL (Antero L. T. 313).
128 – CADIMO = ardiloso, exercitado, destro, perito na sua arte, versuto, atilado.
Enfim é chapado oficial e muito me receio que CADIMO (F. M. Melo C. F. 41) as patentes se
dão aos gramáticos destas conjugações tão peritos ou tão CADIMOS nelas (Vieira S. V-72) – vai,
dum ratoneiro a CADIMO ladrão, grão trato (Filinto O. C. VI-114) – estas mouras da Mourama
nascem já bruxas CADIMAS (G. Dias P. II-227) CADIMO comilão, vezeiro e useiro, induziu-me à
Fenícia (O. Mendes Od. l. XIV.o v. 230) em que razões te fundas, ladrão CADIMO, para contar
com perdões? (Castilho Av. 312) – fôra necessário ser galiciparla resoluto e CADIMO (Rui R. n.o
254 pg. 126).
82 Padre Pedro Adrião
setecentas colunas de mármore lavrado (Lucena A. P. II-25) – jantou com a comunidade e, depois de
graças, assentou-se na CRASTA com o Prior e padres em boa conversação (Sousa V. do A. I-187) – se
quereis ver a casa do capítulo, vamos para a banda da CRASTA (Herculano L. e N. I-251) onde
se erguia outrora a CRASTA de um mosteiro, levanta-se hoje um edifício que é como uma lenda mourisca
(Latino A. e N. 45).
136 – DETENÇOSO = vagaroso, demorado, longo, que se detém, que se faz com
detença.
Todo êste trabalho de empenho sério e DETENÇOSA consulta seria, naquele espaço de tempo, uma
impossibilidade total (Rui R. n.o 2 pg. 4).
muitas lágrimas foram enxutas e muitas chagas, GUARECIDAS (Camilo H. de P. I-52) – um dia,
um dia! ameaçava o rei... certo de que, GUARECIDO tinha de si muito tempo para realizar os seus instintos
de vingança (Antero L. T. 250).
151 – MAL-PECADO = por mal de seus pecados, por desconto dos pecados, infeliz-
mente, por infelicidade.
Gentil infante, engraçado, que vives tão sem cuidado, serás homem, MAL-PECADO, findará teu sonho
então (G. Dias P. II-45).
entender logo na missão de Mato Grosso (Silvério V. D. V. 20) o navio... faz-se na volta da Ilha Grande,
onde POJA em terra tôda a gente de bordo que se recolhe ao lazareto (Rui F. B. 61).
EXPRESSÕES POPULARES
o que será? balbuciava o robusto camponês da Aramanha, A MODO QUE sinto patas de cavalos lá fora
(Rebelo C. dos F. 202) A MODO QUE Homero quis representar um dos achaques da Humanidade
(O. Mendes Od. pg. 117).
192 – MACACOA = doença ou achaque ligeiro que se repete de vez em quando, doen-
ça de pouca monta.
Receitava-lhe e enfermava-o nas suas MACACOAS (Castilho M. U. M. 107) e diziam-lhe que
não era nada, que eram MACACOAS do tempo (M. Assis H. S. D. 53).
povo, quieto mas animado ainda, andava aos MAGOTES por aquelas Cangostas, Banharia e rua dos Cal-
deireiros (Garrett Arc. de S. 141)... perpassar contínuo dos MAGOTES e pinhas de gente que se encon-
travam (Herculano L. e N. I-69) – o povo ajunta-se em MAGOTES (Antero J. em P. 29).
196 – PALEIO = conversação animada e em voz alta, com muitas gargalhadas, pândega,
troça.
Moças repontonas que nos serões das espadeladas, nos arraiais e nas barulhentas feiras de ano, se mostram
ariscas para armar ao PALEIO (Antero R. e V. 125).
F. L. S. 186) queira Deus que me não traga outra repreensão; e se trouxesse? TOMARA você muitas
como a de outro dia (T. Vasconcelos P. A. D. 118) TOMARA que algum engenho agudo me atinasse
uma explicação clara e cabal (Castilho N. do C. 168) – igrejas, que um homem limpo TOMARA
não ter por habitação, serviam de alcáçar a Deus para a celebração de seus tremendos mistérios (Silvério
V. D. V. 89).
SINCRETISMOS
203 – Muito abundantes são, nos autores clássicos, os sincretismos, isto é, mui frequen-
temente uma palavra, sem mudança de significação, aparece com diversidade de formas,
seja por acréscimo, seja por perda, seja por transposição ou ainda por permuta de letras.
Várias foram as causas que os produziram.
Alguns nos vieram do próprio latim: auréola e lauréola, estrito e restrito, lacerar e dilacerar,
mudar e demudar, dêstera e destra, esposar e desposar, tardo e tardio, defensa e defensão, lucubração e
elucubração.
Outros, da sinonímia dos afixos, pois os temos, às vezes, vários com a mesma signifi-
cação: IN e DES: inumano e desumano; URA, OR e DÃO: frescura, frescor e fresquidão; EZA e EZ:
altiveza e altivez; EAR e EJAR: planear e planejar.
Outros vêm da duplicidade de formas: uma popular e outra erudita. Enquanto no
seio do povo as vozes latinas sofreram abrandamentos (de P em B, de C em G, de T em
D, de S em Z, de F em V), quedas de letras, principalmente de vogais entre consoantes e
vice-versa, transposições (p. ex. de PRE em PER, de ÁRIO em ARIO e EIRO), vocalizações
e consonantizações etc., os escritores antigos, inspirando-se nas fontes clássicas latinas,
faziam não raro voltar a palavra a uma semelhança mais perfeita com a língua-mãe.
Assim temos: lagrimoso e lacrimoso, mudável e mutável, liar e ligar, feitiço e fictício, aspeito e aspecto,
jerarquia e hierarquia.
Outros vêm de acréscimos (o A inicial) ou de permutas (B e V, E e A, L e R) que foram
outrora e ainda são hoje comuns no seio do povo: baixar e abaixar, assobio e assovio, ralé e
relé, flecha e frecha. Outros, de uma aceitação simultânea da forma feminina e da masculina:
o chinelo e a chinela.
E assim por diante. De tudo isto nasce uma variedade imensa de formas, com grande
vantagem para o poeta, na metrificação, principalmente quando há desigualdade de síla-
bas e para todos os escritores em geral, dando-lhes ensanchas de repetir a mesma palavra
sob forma nova, quando são obrigados a fazê-lo, ou de escolher a variante que mais
sonora, agradável ou de maior efeito se lhes afigura na frase que desejam escrever.
Dividiremos os sincretismos em:
96 Padre Pedro Adrião
a) A prostético
204 – A existência, na língua, de prefixos expletivos, isto é, que nenhuma ideia acrescen-
tam a certas palavras, dá margem a casos frequentes de prótese ou aumento no começo
da palavra. Destes o mais usual é o prefixo A, cujo emprego é uma das tendências popu-
lares no Brasil e em Portugal.
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 97
207 – AFÃ (Filinto P. 169 – Castilho G. I. I.o v. 152) e AFANO (Silva Ramos P. V. F. 50).
PALADIM (do francês ant. paladin) (Castilho F. pela A. 74 – Sá Nunes A. L. N. I-266)
e PALADINO (Rebelo M. D. J. I-210 – Rui C. L. 286).
UTENSIL (Filinto P. 123 – Castilho C. A. 192) e UTENSÍLIO (Seixas C. das O. II-
120; Castilho C. A. 142; Camilo Q. de A. 76).
SOLIDÃO (G. Dias P. II-218; Castilho F. pela A. 197) e SOIDÃO (G. Dias P. II-69;
Castilho F. pela A. 152; M. Assis A. 42).
SONIDO (Vieira S. XI-117 – Pereira B. S. Isaías cap. V.o v. 30 – O. Mendes E. l. III.o
v. 668) e SOÍDO (G. Dias P. II-16; Herculano B. 123).
SUBVERTER (E. C. Ribeiro P. L. E. 144) e SOVERTER (Sousa A. D. J. I-164 – Gar-
rett P. B. E. 23 – Silvério V. D. V. 211; Laet A. I. ano II.o n.o 17 supl.).
TERRENAL (Latino A. e N. 181) e TERREAL (H. Pinto I. V. C. I-49 – G. Dias P. II-68).
TRÍPLICE (Rui C. de F. 25) e TRIPLE (Filinto P. 143 – Camilo H. de P. II-155).
a) A e com
b) A e em
c) Contra e contro
d) De e des
e) Des e es
f) Des e in
g) Em e re
i) Per e por
a) Ado e oso
223 – ACHACADO (Rebelo C. e L. 271 – Rui R. n.o 317 pg. 151) e ACHACOSO
(T. de Jesus T. de J. 40 – F. M. Melo A. D. 127 – Camilo R. H. R. 33).
ANIMADO (Sotero C. L. P. B. I-33) e ANIMOSO (Bernardes N. F. I-69).
CULPADO (Sacramento V. H. P. 123) e CULPOSO (Rui F. B. 143).
DESASTRADO (Cândido M. S. 219) e DESASTROSO (Latino F. de M. 198).
DESCUIDADO (Castilho M. U. M. 303) e DESCUIDOSO (Laet R. de C. ano VIII.o
n.o 93 pg. 147).
DESPEITADO (Antero L. T. 127) e DESPEITOSO (Filinto O. C. XI-453 – Hercu-
lano M. de C. II-146).
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 109
b) Al e o
c) Ança e dade
d) Ança e edo
f) Ar e ear
g) Ar e iar
230 – MOBILAR (Rebelo M. D. J. I-368; Castilho Sab. I3; Camilo T.I. 174) e MO-
BILIAR (Rui C. de F. 9).
h) Aria e eria
231 – ARTILHARIA (H. Pinto I. V. C. I-65 – Vieira S. VII-50 – Rui C. de I. 242) e
ARTILHERIA (Camões L. c. I.o e. 89 – Vieira S. XI-203; Sousa A. D. J. I-94; Severim
N. de P. I-7 – Pita H. A. P. 3 – Latino F. de M. 68 – Rui C. de I. 253).
CARNIÇARIA (T. de Jesus T. de J. I-36 – Bernardes N. F. III-15 – Castilho F. pela A.
213) e CARNICERIA (Rui C. L. 304).
CAVALARIA (Couto S. P. 107 – Arte 174 – Pita H. A. P. 68 – Garrett F. L. S. 29) e
CAVALERIA (B. Brito M. L. I-81 – Garrett F. L. S. 179 – Silvério V. D. V. 68).
FANCARIA (Rui R. n.o 20 pg. 16) e FANQUERIA (Rui R. n.o 4 pg. 5).
FEITIÇARIA (Paiva C. P. 139; Bernardes N. F. III-149 – Laet H. P. 104) e FEITICE-
RIA (Castilho F. pela A. 161).
GALANTARIA (H. Pinto I. V. C. I-80 – Jacinto V. D. J. C. 271 – Garção O. P. II-92 –
Antero U. O. J. 102) e GALANTERIA (F. M. Melo A. D. 341 – Garrett F. L. S.
205; Rebelo M. D. J. II-91; Herculano L. e N. II-255).
112 Padre Pedro Adrião
i) Dão, or e ura
j) Dela e dura
k) Dor e tivo
l) Ear e ejar
m) Ento e oso
236 – CIUMENTO (Laet V. de P. ano X n.o 7 pg. 386) e CIUMOSO (M. Barreto N.
E. L. P. 345).
FRAUDULENTO (Pereira B. S. 2.o Mac. cap. I.o v. 13) e FRAUDULOSO (Caldas
S. de D. 328).
n) Eza e ez
p) Ícia e ície
6.o – OSCILAÇÕES
a) Entre a e e
b) Entre b e v
c) Entre c e g, qu e gu
d) Entre d e t
e) Entre e e o na desinência
244 – ACEITE (adj.) (Garrett Arc. de S. 227; Camilo H. de P. II-13) e ACEITO (T.
de Jesus T. de J. I-302).
ADERECE (Herculano C. U. A. 86) e ADEREÇO (Filinto O. C. XI-561).
ALARDE (F. M. Melo A. D. 90 – Filinto O. C. X-338) e ALARDO (Camões T. 175;
H. Pinto I. V. C. I-219 – Pita H. A. P. 134 – Castilho C. A. 53; Herculano B. 182;
Latino F. de M. 189).
AMIÚDE (D. Góis C. D. E. I-45 – O. Mendes E. 1. III.o v. 113 – Rui D. e C. 491;
Cândido M. S. 184) e A MIÚDO (Sá Miranda O. C. II-203 – F. M. Melo A. D.
55 – Garção O. P. II-13; Filinto O. C. IX-93 – Rebelo C. e L. 8; Sotero C. L. P. B.
I-121; Castilho F. pela A. 51 – Silvério V. D. V. 318; Sá Nunes L. V. 99).
ANDAIME (Herculano C. V. 205 – Rui C. de F. 228) e ANDAIMO (Castilho N. do
C. 133; Herculano B. 202).
APRESTE (subst.) (Castilho N. do C. 152) e APRESTO (Rui C. de I. 220).
DESBARATE (H. Pinto I. V. C. I-131 – Sousa A. D. J. II-149; F. M. Melo A. D. 446)
e DESBARATO (Couto S. P. 54 – Herculano E. P. 29).
DESGARRE (M. Assis P. A. 239) e DESGARRO (Laet J. do C. ano 58 n.o 82 pg. I.a
col. 4.a).
DESVAIRE (Sá Nunes L. V. prelucidação XII) e DESVAIRO (Laet A. I. ano II.o pg. 6).
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 121
f) Entre hi e j
g) entre CE e X na desinência
h) Entre l e lh
i) Entre l e r
j) Entre n e nh
m) Entre o e u
n) Entre ou e oi
o) Entre s e z
254 — Designamos com S o som sibilante forte desta letra, seja qual for a grafia: S. C.
ou Ç.
CIZÂNIA (Bernardes N. F. I-80) e ZIZÂNIA (H. Pinto I. V. C. II-170 – Pita H. A. P.
10; Sacramento V. H. P. 147 – Seixas C. das O. II-162; Lisboa V. P. A. V. 47).
LUCERNA (H. Pinto I. V. C. II-173) e LUZERNA (Pereira B. S. Marc. cap. IV.o v.
21 –Castilho M. U. M. 105).
MENOSPREÇO (Filinto O. C. IX-252 – Camilo Q. de A. 70 – Silva Ramos P. V. F.
150) e MENOSPREZO (Botelho M. do P. 106).
p) Entre t e tr
PRESEPE (A. Ferreira P. L. I-253 – Bocage Son. 184 – Garrett F. L. S. 137) e PRE-
SÉPIO (Pereira B. S. Isaías cap. I.o v. 3.o).
PRESA (Arte 10 – Rui C. de I. 243) e PREIA (Filinto O. C. X-19; Pereira B. S. Ecle-
siástico cap. XIII v. 23 – Herculano B. 105; G. Dias P. II-56).
PROLIXO (Arrais D. 19) e PROLUXO (Herculano M. de C. II-335).
PROTAGONISTA (Herculano M. de C. II-148 – Silva Ramos P. V. F. 88) e PROTO-
GONISTA (Rebelo M. D. J. I-12; Castilho Tart. intr. X; Herculano M. de C. I-259;
Camilo D. C. F. 83 – Rui F. P. R. 165).
PRURIDO (do latim PRURITUS – US) (M. Assis H. S. D. 95 – M. Barreto N. E. L. P.
22) e PRUÍDO (do latim PRUDIRE) (Seixas C. das O. II-177).
RAMALHETE (Silvério V. D. V. 66) e RAMILHETE (M. Barreto N. E. L. P. 243).
REDEMOINHO (Pereira B. S. Sab. cap. V.o v. 24 – Rui C. L. 298) e REDOMOI-
NHO (M. Assis N. R. 12).
RELAMPAGUEAR (B. Brito M. L. I-71) e RELAMPEJAR (Rebelo C. e L. 184).
RESMONEAR (Castilho Tart. 15; Herculano M. de C. I-280 – Laet H. P. 137) e
RESMONINHAR (Pereira B. S. Isaías cap. XXIX v. 4.o).
REVINDICAR (Herculano C. V. 124; Camilo C. V. H. J. A. 292) e REIVINDICAR
(Rui E. da C. 31).
RIDICULARIZAR (Sotero C. L. P. B. I-57) e RIDICULIZAR (Filinto O. C. IX-
346 – Laet H. P. 130).
ROMARIA (Antero J. em P. 123) e ROMAGEM (H. Pinto I. V. C. III-187 – Antero
J. em P. 54).
RONDA (Rebelo M. D. J. I-252) e ROLDA (Castilho Q. H. P. II-204; Herculano B.
100).
SANGRENTO (Antero S. do A. 146) e SANGUENTO (Bocage Son. 53 – Hercula-
no P. 78; Garrett Cam. 78; Camilo H. G. M. 178).
SANGREIRA (Rui R. de G. 217) e SANGUEIRA (Castilho M. U. M. 165).
SANHUDO (Rui F. B. 67) e SANHOSO (Rui G. G. 140).
SELVÍCOLA (Laet A. I. ano II n.o I.o pg. 6) e SILVÍCOLA (Antero J. em P. 206).
SURPREENDER (Camilo Est. P. 74.) e SURPRENDER (G. Dias P. I-282; Camilo
Est. P. 135) e SORPRENDER (M. Barreto F. L. P. 174).
TARDIO (Tolentino Sat. 231 – Lisboa O. C. I-95) e TARDO (Pita H. A. P. 245; A.
Barros V. A. P. A. V. I-113 – Herculano B. 180; G. Dias P. II-176).
TORRÃO (Castilho C. A. 274 – Antero J. em P. 14) e TERRÃO (Filinto P. 31 – An-
tero J. em P. 23).
TUGÚRIO (Herculano C. U. A. 91) e TEGÚRIO (Rebelo M. D. J. I-192).
UMBIGO (Rebelo C. dos F. 245) e EMBIGO (O. Mendes Od. l. I.o v. 44).
132 Padre Pedro Adrião
USO DE PREFIXOS
a) Prefixo “des”
b) Prefixo “mal”
tam depois êsse açoite... e não sei se saíram menos MALFERIDOS (Rui C. L. 66) tantas vêzes foi visto
aquêle admirável e heróico capuchinho Fr. Fidélis d’Avola percorrendo as linhas de fogo, dando absolvição aos
MALFERIDOS (Laet V. de P. 16-2-1915 pg. 241).
c) Prefixo “re”
d) Prefixo “sem”
263 – Não se deve esquecer também o uso de SEM negativo. SEM-JUSTIÇA = injustiça.
SEM-RAZÃO = injúria, despropósito, injustiça.
Quem faz injúria vil e SEM-RAZÃO com fôrças e poder em que está pôsto, não vence (Camões L.
c. X.o e. 58) nem se espante alguém de ver o Senhor em casa de Anaz a uma só bofetada, estranhar a
quem lha deu, a SEM-RAZÃO com que o injuriara (T. de Jesus T. de J. II-62) não cessava a culpa
da SEM-JUSTIÇA (J. Barros Pan. 20) – uma vez se humilhou muito às SEM-RAZÕES de seus pró-
ximos, a Serva de Deus, Maria de la Antígua (Bernardes N. F. III-175) bem se vê a SEM-RAZÃO
desta idolatria (Arte 10) – eu, o mísero Alfeu, que em meu destino lamento as SEM-RAZÕES da
desventura (Cláudio O. 8) vendo SEM-RAZÕES tamanhas, eu exclamo transportado... (Gonzaga
M. de D. 74) mas da tua SEM-RAZÃO eu vi prova verdadeira (Tolentino Sat. 204) – basta de
SEM-RAZÕES (Castilho Tart. 73) acho eu que vêm a ser quatro as razões... não, senhor, são simples-
mente três, porque a quarta é uma SEM-RAZÃO (Camilo R. H. R. 224) –... pouco se lhe dando das
SEM-RAZÕES com que o castigavam as línguas (Silvério V. D. V. 169) mostrarei sem dificuldade a
SEM-RAZÃO e a SEM-JUSTIÇA da crítica adversa ao meu escrito (Rui R. n.o 120 pg. 57) é tal a
SEM-RAZÃO de algumas críticas, que pendemos a crer que os autores delas não leram o livro de Gonçalves
Viana (M. Barreto F. L. P. 237).
CAPÍTULO VI
I.o – SUBSTANTIVO
a) Palavras Substantivadas
264 – Infinito impessoal substantivado.
Uma fonte de imensa variedade, no léxico português, se encontra no intercâmbio
existente entre as categorias gramaticais. Frequentemente passa uma palavra para outra
categoria, com notável vantagem para a energia e elegância da frase. Muito são, p. ex., do
agrado dos escritores clássicos, os infinitos, passados a substantivos verbais: v. g. O LER,
O MEDITAR, O SOFRER, ao lado de a leitura, a meditação, o sofrimento.
O seu PESCAR não é com rêdes, senão com cabaços, que metem por baixo dágua (D. Góis C. D.
E. 137) o velho pai sisudo que respeita o MURMURAR do povo... tirar Inez ao mundo determina
(Camões L. c. III.o e. 122) – todo o REINAR é saboroso (Sousa A. D. J. II-10) não é a menor
dificuldade da festa, o CELEBRAR-SE hoje (Vieira S. VII-133) – um MURMURAR sonoro apenas se
me escuta (Cláudio O. 87) êle conservará o BENFAZER do homem como a menina do ôlho (Pereira B.
S. Eclesiástico cap. XVII.o v. 18) – esta ânsia quebra seu REPOUSAR (O. Mendes E. l. IV.o
v. 399) ditas estas palavras, abismou-se em tão profundo CISMAR que parecia morta (Rebelo C. e L.
93) que aprazível SONHAR! (Castilho F. 86) quem me responde por êle é o seu DORMIR profundo
(Herculano L. e N. I-75)... embelezados no RUMOREJAR de árvores e fontes (Camilo A. de S.
17) – para alguns escritores vai grande a diferença entre o INSTRUIR e o EDUCAR (E. C. Ribeiro
P. L. E. 87) o TRABALHAR é como o SEMEAR onde tudo vai muito das sazões, dos dias e das horas
(Rui O. M. 50).
humana (T. de Jesus T. de J. I-32) – quisera, se por amor disto não houvesse de cortar por outros
QUERERES (Bernardes N. F II-63) – não olhes para a mulher de muitos QUERERES (Pereira B.
S. Eclesiastes cap. IX.o v. 3) – D. João d’Ornelas, semi-oculto nos grupos de cortesãos, por essas tardes
e serões de TANGERES e momos e FOLGARES, parecia pensativo (Herculano M. de C. II-140)
disso não me queixo eu; sou de poucos COMERES (M. Assis Sem. 30) é viva, bela, engraçada, festejada
nos CANTARES do sertão (G. Dias P. I-133).
(Bernardes N. F. III-34) – alta permissão, cujos PORQUÊS só sabemos venerar, nunca entender
(A. Barros V. A. P. A. V. I-188) sempre à mira de lhe descobrir os SENÕES (Filinto O. C. IX-
409) – tinha um QUÊ nos olhos, de pudor virginal (G. Dias P. II-70) dás-me o SIM? (Rebelo
C. e L. 95) êsse INTEIRAMENTE não cabe ao mundo (Castilho F. pela A. 92) descrevia-lhe o
QUASE NADA que conhecia do mundo (Camilo A. de S. 58) – não compreendemos o PORQUÊ
desta censura (E. C. Ribeiro Tr. pg. X).
271 – LONGES.
Merece especial menção o advérbio LONGE que pode substantivar-se no plural, to-
mando o sentido de paisagens ou regiões longínquas ou então vestígios, traços, laivos, indícios, sinais
longínquos de parecença.
Que LONGES tão formosos, que almenaras mostravas (Sá Miranda O. C. II-23) – aquela noite,
se aperceberam todos, vendo já, no semblante do general, uns LONGES da vitória (Jacinto V. D. J. C.
46) já cá neste destêrro se começam a lograr uns LONGES da celeste pátria (Chagas C. E. 121) – pelos
dilatados LONGES, pelas asperezas do caminho... saía muito caro à coroa (Pita H. A. P. 234) ampara-
se êste alento que a constância, nos LONGES da esperança, vem trazendo (Cláudio O. 144) – uns
LONGES de rosa lhe avivam a côr (Garrrett F. F. C. 167) só desejo que a experiência encontre engano
e ficção, onde divisei uns LONGES de acêrto e realidade (F. Castro P. P. 13) detiveram-se em Espanha,
dois meses, até pressentirem uns LONGES de fastio (Camilo A. de S. 148) –... tereis uns LONGES
de semelhança com o que viu Mariana nesse dia (Silvério V. D. V. 272) publiquei outro volume “Poema
da Miséria” que, pelos seus LONGES de socialismo, pareceu indignar Fernandes Costa (Cândido M.
S. 117).
273 – Há hesitação quanto ao gênero de muitos substantivos que podem ser masculinos
ou femininos, sem alterar-se a forma nem a significação. Damos exemplos de alguns
poucos:
O ANEURISMA (Cândido F. e E. II-86) e A ANEURISMA (Camilo R. H. R.
164).
O CASCAVEL (Castanheda H. do D. I-12) e A CASCAVEL (G. Dias P. II-172).
O CAUDAL (Silvério C. Past. 158) e A CAUDAL (Camilo N. B. J. M. 67).
O CÓLERA (doença) (Camilo H. de P. I-52) e A CÓLERA (Herculano M. de C.
prefácio V; Camilo R. H. R. 214 – Rui F. B. 25).
OS EMBORAS (R. Lobo C. de P. 54v – Garrett Alf. de S. 152; Castilho F. pela A 138)
e AS EMBORAS (Pereira B. S. Atos cap. XXV v. 13).
O ÊXTASIS (Camilo R. H. R. 243) e A ÊXTASIS (Camilo R. H. R. 254).
O FANTASMA (Castilho M. U. M. 105) e A FANTASMA (Castilho M. U. M.
103).
O GUARDA-ROUPA (Jacinto C. V. H. J. A. 48 – Rui C. L. 121) e A GUARDA-
ROUPA (Jacinto V. D. J. C. 96 – Rebelo L. e T. I-134; Castilho M. U. M. 45; Camilo
C. V. H. J. A. 64 – Antero L. T. 26).
O PERSONAGEM (F. M. Melo A. D. 278; Bernardes P. E. 93 – Rebelo C. e L. 63; So-
tero C. L. P. B. I-123; Herculano L. e N. II-294; Latino F. de M. 164; Camilo Q. de
A. 7; F. Castro P. P. 62 – Silvério V. D. V. 269; Laet H. P. 135) e A PERSONAGEM
(F. M. Melo A. D. 215; Bernardes N. F. III-107 – Filinto O. C. IX-323 – Seixas
C. das O. II-212; Castilho F. pela A. 55; Latino F. de M. 118; M. Assis N. R. 67 –
Cândido M. S. 79; Antero U. O. J. 9).
O PREAMAR (Antero L. T. 264) e A PREAMAR (Castanheda H. do D. I-28 – Rui
C. de I. 423).
O SENTINELA (Pereira B. S. Isaías cap. LVI v. 10) e A SENTINELA (A. Barros V. A.
P. A. V. I-208 – Rebelo C. e L. 51; Latino F. de M. 200 – Rui D. e C. 497).
O TEIRÓ (rixa, ódio, contenda) (Herculano M. de C. I-206 – Leda Q. L. B. 6) e A
TEIRÓ (Herculano M. de C. I-294 – Rui R. n.o 285 pg. 141).
O TIGRE (Cláudio O. 156 – G. Dias P. II-172) e A TIGRE (Cláudio O. 22 – Castilho
G. l. II.o v. 175).
O TRAMA (Castilho F. pela A. 146; Herculano B. 162 – Rui C. de I. 333) e A TRA-
MA (Camões T. 191 – Filinto O. C. X-148 – Seixas C. das O. I-85; Herculano E. P.
74 – Rui C. de I. 238; Laudelino N. e P. V-229).
144 Padre Pedro Adrião
275 – ANOS.
Ao lado de no ano de 1430 usa-se PELOS ANOS DE 1430.
PELOS ANOS DE 1430 chegou depois Fr. Rogério (Esperança Exc. 129) PELOS ANOS DE
1583 voltava, de Malaca para Goa, D. João da Gama (S. Maria A. H. I-74)... certos hereges que
se levantaram em Arábia PELOS ANOS DE 245 (Bernardes N. F. I-124) – PELOS ANOS DE
1577... foi ter ao pôrto de Pernambuco (Jaboatão N. O. S. B. II-53) êste religioso veio à capitania de S.
Vicente PELOS ANOS DE 1598 (Gaspar M. H. C. S. V. 142) – a primeira edição destas “Memórias
Póstumas de Braz Cubas” foi feita, aos pedaços, na “Revista Brasileira”, PELOS ANOS DE 1880 (M.
Assis M. P. B. C. 7).
276 – BEXIGAS.
E duas que adoeceram de BEXIGAS... ambas convaleceram por meio do mesmo cordão (Lucena A. P.
I-284) – o que não padeceram em si e obraram em bem do povo, no grande contágio das BEXIGAS do
ano de 1666... (Jaboatão N. O. S. B. II-166) mudaram-no (a não se conhecer) as BEXIGAS de
que enfermou (Filinto O. C. XI-487) – as BEXIGAS tinham sido terríveis (M. Assis M. P. B. C.
137) – entrando as BEXIGAS em Mariana, foram obrigados a sair os estudantes (Silvério V. D. V.
141) tive uma filha com BEXIGAS, apeguei-me àquela Senhora (Antero R. e V. 173).
170) ainda que os homens de rasteiros juízos... julgam as pretensões e conquistas de Alexandre, por ilustres
e soberanas... todavia os que têm altos ESPÍRITOS as têm por pequenas e abatidas (H. Pinto I. V. C.
II-293) – mas os portuguêses... cobraram novos ESPÍRITOS (Souza A. D. J. II-75) assim lhes foi o
capitão criando ESPÍRITOS novos (Jacinto V. D. J. C. 247) – criavam novos ESPÍRITOS, senão para
a defesa dos corpos, para alento das almas (Jaboatão N. O. S. B. II-86) – Fr. Policarpo era homem
de altos ESPÍRITOS (Rebelo D. N. T. G. S. P. 104) o espanhol vivia regaladamente, quanto lho
permitia... a mesa lauta de Caetano Alves que recobrava ESPÍRITOS, consoante se ia conformando com a
esperança (Camilo F. D. N. 185).
279 – FEBRES.
Os doentes de FEBRES e fastio têm por insuave e desgostosa tôdas as cousas que comem (H. Pinto I. V.
C. II-278) quisera antes em minha casa aquêle médico celestial que curou as FEBRES da sogra de São Pe-
dro (Arrais D. 31) – tratai de não ter mais FEBRES que estas do amor de Deus (Chagas C. E. 242)
outro homem da mesma vila adoeceu de umas FEBRES ardentes (Sousa V. do A. II-308) – achava-se
gravemente enfêrmo de FEBRES contínuas o Irmão Corista Fr. João dos Anjos (Jaboatão N. O. S. B.
II-48) a sogra de Simão padecia grandes FEBRES (Pereira B. S. Lucas cap. IV.o v. 38) – acudia
um seu parente que se morria de FEBRES malignas (Garrett Arc. de S. 194) acometiam-no de vez em
quando as FEBRES (Lisboa V. P. A. V. 260) Fernando mentiu ao seu pai: disse que estava enfêrmo de
FEBRES (Camilo A. em P. 60) – diz-se que fôra sepultado aqui, no princípio do século XII, morto de
FEBRES ao passar o Tâmega (Antero J. em P. 246).
280 – NARIZES.
Dêste odor não julgam os NARIZES (Arrais D. 28) – muito mais o ilustrou derramando, pela fé de
Cristo, às mãos dos ímpios, que lho fizeram rebentar pela bôca e NARIZES (Bernardes N. F. II-251)
– eu te porei, pois, uma argola nos teus NARIZES (Pereira B. S. Isaías cap. XXXVIII v. 29) dá-lhe
embora com as portas nos NARIZES; pela janela te entra (Filinto O. C. VI-118) – fungar – fazer
sonido ou ronco sorvendo o ar pelos NARIZES (Dicionário de Morais) o leigo fêz uma cortezia pro-
funda aos degraus, beijou-os com os NARIZES (Rebelo O. V. N. C. 236) o primeiro murro, apanha-o
pelos NARIZES o inofensivo mestre (Castilho M. U. M. 164) o vinho jorrava-lhe pelos NARIZES
(Herculano M. de C. I-198).
281 – PRÓXIMO.
Não será possível fazer-vos a vontade e errar no que devo aos PRÓXIMOS (T. de Jesus T. de J.
I-331) nem se deve cuidar, por o solitário estar separado dos PRÓXIMOS, quanto ao corpo, que o está
quanto à alma (H. Pinto I. V. C. II-10) todos os nove companheiros... votaram de viver em perpétua po-
breza, ocupando-se no bem espiritual dos PRÓXIMOS (Lucena A. P. I-19) – e conserve-se no desprêzo
de si mesmo, na caridade dos PRÓXIMOS e presença de Deus (Chagas C. E. 109) uns têm para si
146 Padre Pedro Adrião
que só é espírito de Cristo muita penitência... outros, muito zêlo dos PRÓXIMOS (Bernardes N. F. II-
310) – a fama voadora dêstes benefícios para com os PRÓXIMOS... já era clarim (Jaboatão N. O. S.
B. II-148) nelas faz grandes progressos, com edificação dos PRÓXIMOS (Sacramento V. H. P. 46).
II.o – ADJETIVO
a) Palavras Adjetivadas
286 – Mais é empregado muitas vezes adjetivamente no sentido de restante, outro, demais.
... Ficando, com isto, as nossas fustas de todo mancas, porque a MAIS esquipação se lançou tôda ao mar
(F. M. Pinto Per. I-18) – se não levou os raios de sua doutrina a MAIS partes do mundo... (Vieira S.
VII-156) só os elevados sôbre a MAIS superfície da terra, podem aquietar-se naquela serenidade (Bernar-
des N. F. III-42) – a glória que nestes escritos falta a êste insigne varão e aos MAIS missionários... estará
148 Padre Pedro Adrião
expressa nos livros de Deus (A. Barros V. A. P. A. V. I-105) a glória da cabeça aos MAIS membros se
estende (Cruz e Silva Hiss. 38) – a MAIS gente tem as suas épocas na vida (Garrett V. M. T. I-72)
as MAIS províncias da Espanha gradualmente foram parecendo... uma terra estrangeira (Herculano B.
53) – podemos ajuizar pelo acabado de suas virtudes em o MAIS tempo da vida (Silvério V. D. V. 14)
a terra seria deserta... e os MAIS planêtas... vagariam, sombras errantes, pelo espaço (Rui C. L. 305).
287 – LONGES.
LONGE aparece como adjetivo, equivalendo a longínquo, remoto e recebe flexão numérica.
Menina e moça, me levaram da casa de meu pai para LONGES TERRAS (Bernardim M. e M. 3)
foi de tão LONGES TERRAS a ver a grandeza de Salomão (Couto S. P. 191) – ver ir a LONGES
TERRAS o seu amante (Filinto O. C. XI-470) – a LONGES COSTAS a borrasca dispersos reme-
tera (O. Mendes E. l. 1.o v. 539) andei LONGES TERRAS (G. Dias P. II-121) êle chamou, de
LONGES TERRAS, oficiais estranhos (Herculano L. e N. I-244) as fugitivas tribos vão buscando
LONGES SERTÕES para chorar seus males (M. Assis A. 40).
casas DAS que tinha (Sousa V. do A. I-149) o muito amor próprio que V. M. tem nesse corpo, lhe faz
esgaravatar MAIS DO necessário (Chagas C. E. 118) – pôsto que D. João achasse MAIS dificuldades
DAS que imaginara no arbítrio... (Pita H. A. P. 249) – não necessitam outra nobreza, MAIS DA que
lhes provém das próprias obras (Sotero C. L. P. B. I-126) não digo MENOS DISTO (Castilho Sab.
52) êste poderoso vassalo da coroa... ganhou, na côrte de D. João I.o, notável importância e valia, MAIOR
porventura DA que tivera como simples abade de Alcobaça (Herculano M. de C. I-114) – ouvia as
opiniões alheias tão desarrimado da sua, que não punha dificuldade em deixá-la, se se lhe apresentavam
razões MAIS sólidas DAS que militavam por seu lado (Silvério V. D. V. 317).
291 – Um dos latinismos introduzidos pela reação erudita é o uso do superlativo ab-
soluto pelo relativo.
Aquela com o cetro de Rômulo acabou de uma vez todos os reis romanos e esta, com o de Rodrigo, cativou
por oitocentos anos, o FLORENTÍSSIMO DOS GODOS (Vieira S. XI-51) Filo, o DISCRETÍSSI-
MO ENTRE OS HEBREUS (Bernardes N. F. II-120) – a última obra de autor célebre que não teve
o dom de lhes agradar é sempre (no dizer dos tais), a PÉSSIMA DE SUAS COMPOSIÇÕES (Filinto O.
C. IX-341) – DOS ENTES O MISÉRRIMO na terra, ao regaço da pátria, em sonho levas (Garrett
Cam. II) houvera eu mesmo pôsto fim, PELO PÉSSIMO DE TODOS OS CRIMES, a um viver cuja
idéia, só por si, era o mais espantoso dos suplícios (Castilho M. U. M. 280) – o que seria, na essência
e na forma, a TRISTÍSSIMA DAS SENTENÇAS... é a “Resposta” indevidamente formulada em seu nome
150 Padre Pedro Adrião
(Rui R. n.o 22 pg. 16) como não executaria a primor, a dansa do seu sonho, ao compasso da FORMO-
SÍSSIMA DAS LÍNGUAS (Silva Ramos P. V. F. 129).
292 – Por uma ênfase bem enérgica, notam-se nos clássicos: 1.o alguns superlativos
precedidos dos advérbios tão e mais: TÃO MÍNIMO, TÃO ÍNFIMO, TÃO PÉSSIMO, MAIS
MÍNIMO, MAIS ÍNFIMO; 2.o o adjetivo único precedido do advérbio tão, apesar de pelo
sentido não admitir grau; bem como, com a terminação de superlativo, certos adjetivos
que também não admitem grau pela sua significação como: infinito, INFINITÍSSIMO; in-
victo, INVICTÍSSIMO.
A divina Escritura tem INFINITÍSSIMOS tesouros (T. de Jesus T. de J. I-302) fazer e efeituar
tudo o que quis, foi de potência incomparável e INVICTÍSSIMA (Arrais D. 40) chamando todos, a uma
vez, por seu INVICTÍSSIMO nome (Lucena A. P. I-212) – S. Vicente, padroeiro de Lisboa, mártir IN-
VICTÍSSIMO, nasceu em Osca, cidade de Aragão (S. Maria A. H. I-138) dêstes foi Moisés ensinado, e
saiu TÃO ÚNICO em todo o gênero de ciências, que aventajava a seus próprios mestres (B. Brito M. L.
I-52) ua TÃO PÉSSIMA criatura, de que serve? (F. M. Melo C. F. 158) – não há parte por MAIS
MÍNIMA que seja... (M. Aires R. V. H. 161) em cada um dos MAIS MÍNIMOS bem-aventurados...
(Sacramento V. H. P. 186) – começaram os gritos da rebelião pela MAIS ÍNFIMA canalha (Garrett
P. B. E. 135) é um documento de perfídia TÃO ÚNICO e singular, que... nenhum dos outros exemplos
de perjúrio e má-fé dos gabinetes lhe é comparável (Garrett P. B. E. 109) que te não enfadem estas parti-
cularidades, grave leitor amigo; aqui as tens ainda MAIS ÍNFIMAS (M. Assis P. R. 152) – representa
o Brasil papel TÃO ÍNFIMO que quase nos lança fora das nações católicas (Silvério C. Past. 166) a
difamação... sendo TÃO MÍNIMA criatura como eu, não vale a pena (Rui R. n.o 73 pg. 37) nada há
MAIS MÍNIMO que o bacilo (Sá Nunes A. L. N. II-202).
294 – NENHUNS.
Nenhum admite plural.
Os seus cabelos soltos expiraram um odor que, a NENHUNS mortais sentidos, nunca chegou (A.
Ferreira P. L. I-184) os que falam geralmente dos reis, não são obrigados a NENHUMAS leis (J.
Barros Pan. 160) – Herculano teve por NENHUMAS suas grandezas, não sendo participante nesta (B.
Brito M. L. I-73) NENHUNS serviços paga sua Majestade hoje, com mais liberal mão, que os do Brasil
(Vieira S. IX-312) – não havia meios conducentes que pudessem fugir à sua perspicácia, como também
NENHUNS omitia Castela (A. Barros V. A. P. A. V. I-23) em um lugar, tantos motivos de vaidade,
e NENHUNS, em outro (M. Aires R. V. H. 92) – se anda nisto mistério... espero que não serão
NENHUNS feitiços (Rebelo C. e L. 195) não somos NENHUNS Esaús da liberdade que vendêssemos
o nosso morgado (Castilho F. pela A. 84) a vida para mim não promete contentamentos NENHUNS
(Camilo A. de S. 206) – nós, porém, não somos NENHUNS fanáticos pelo projeto 15 de junho (Rui
D. e C. 157) quanto a sacrifícios, não fará NENHUNS a seus pais (Cândido M. S. 81).
vez que importa exprimir a relação de pertença ou dependência, desvigora, peia e arrasta
a prosa vernácula, amarrando-a a trambolhos, a mais das vezes, inúteis. Um prosador
hábil no meneio do nosso idioma não diria, por exemplo, como o projeto: É direito do
progenitor sobre a pessoa dos filhos menores dirigir sua educação. A boa forma portu-
guesa, clara, incisiva e tersa é – dirigir-lhes a educação” (Réplica n.o 262).
A palma que LHE nasce junto à COVA (Camões L. c. VIII.o e. 18) primeiramente entende quanto
deve a êste Senhor e quanto êle LHE tem merecido o AMOR (T. de Jesus T. de J. I-5) – atrevo-me
a LHE adivinhar os PENSAMENTOS (F. M. Melo A. D. 138) só o CORAÇÃO LHE estava
rebentando dentro do peito, de dor e contrição de seus pecados (Vieira S. XI-66) – noite e dia nunca as
LÁGRIMAS se LHE enxugavam (Filinto O. C. IX-62) – em mim descansava, que FILHO LHE sou
(G. Dias P. II-123) o CORAÇÃO ME EXULTA alegre, alvoroçado (Castilho F. 42) OS OLHOS
faiscavam-LHE (Herculano M. de C. I-105) mostravam bem claro que o CORAÇÃO se LHES ia
após os viajantes (Silvério V. D. V. 251) os PASSOS não LHE vacilaram; não LHE tremeu a voz; a
CABEÇA esteve-LHE sempre ereta (Rui C. de I. 137) sinto que a VIDA se ME renova, se ME corre
plácida e serena (E. C. Ribeiro P. L. E. 153).
III.o – PRONOME
e LASTIMARAM-A também (Camilo R. H. R. 208) êles não concederam o poder aos bispos, mas
PROCLAMARAM-O e INSERIRAM-O nas leis regulamentares do seu pacto social (Seixas C. das O.
III-28) – três estouros aplicados em nome da ordem pública DEIXAM-O atordoado (Laet J. do C. ano
58 n.o 109 pg. I.a col. 5.a).
que, de si mesmos, estavam dizendo CUJOS eram (Camilo R. H. R. 118) – recorreu à caridade do
povo, CUJO era todo o proveito da emprêsa (Silvério V. D. V. 261) toque a responsabilidade a CUJA é
(Rui R. pg. 214) na Revista da Língua Portuguêsa... onde se estampou o discurso, CUJO é o trecho que
ora se analisa (Sá Nunes L. V. 82).
304 – A QUAL pode substituir o indefinido cada qual: homens, A QUAL mais ladino.
Vão-se logo as três deusas pelas mãos, A QUAL mais alva e loura (A. Ferreira P. L. I-183)... ser
de um juiz levado a outro, e a outro, e todos, A QUAL pior e mais perverso (T. de Jesus T. de J. II-38)
– mais perto um cardeal, uma viúva, uma donzela... se apegam ao cordão, A QUAL primeiro (Filinto
P. 192) –... complicado de regras, A QUAL mais desvairada (Garrett V. M. T. I-178) as leis ainda
multiplicavam as dificuldades, exigindo dêles uma infinidade de condições, A QUAL delas mais rigorosa
(Lisboa O. C. I-27) mil outras hipóteses, A QUAL mais verossímil, desfariam esta bôlha de dificulda-
des do crítico (Castilho Q. H. P. II-175) êle despertava, na própria fantasia, um tropel de vinganças
imaginárias, A QUAL delas mais absurda e inexequível (Herculano B. 194) eu conheço duas dúzias de
infames, A QUAL mais contente e feliz (Camilo F. D. N. 134).
306 – QUALQUER é usado como pronome, no sentido de qualquer pessoa, cada um, cada
qual, alguém.
QUALQUER então consigo cuida e nota na gente e na maneira desusada (Camões L. c. I.o e. 57)
– o primeiro.... a si próprio se entrega... à fortuna, à ocasião, ao juízo de QUALQUER (Latino O. da C.
64) eu costumo olhar sempre, como uma impiedade, destruir a fé de QUALQUER, ainda do mais simples
ou do mais ignorante (Camilo R. do P. 178) a situação moral do desgraçado Asinipes, QUALQUER
a pode avaliar (Herculano M. de C. I-240) QUALQUER os fará mais belos (Garrett F. F. C.
246) não te parece que êsses dias todos somados dão de sobra para QUALQUER se pôr corrente no ler,
escrever e contar? (Castilho C. A. 70) – a todos nesta Câmara tocaria ela: em QUALQUER seria
simplesmente o exercício de um direito constitucional (Rui C. L. 44) QUALQUER acreditaria que a
literatura portuguêsa havia já chegado a esta última fase (Silva Ramos P. V. F. 99).
308 – HOMEM.
HOMEM (sem artigo) é empregado com o valor de pronome indefinido, equiva-
lendo ao on francês. Tal emprego, comuníssimo entre os quinhentistas, tem sido mui
louvavelmente renovado por escritores modernos.
Por mais que HOMEM se mata, de birra não quer falar (Gil T. 195) às vêzes a paixão cega o juízo
para que haja HOMEM, por bem, o mal (Bernardim M. e M. 87) não há, logo, de ser tudo como HO-
MEM quer (Sá Miranda O. C. II-139) mas o alto Deus... ou, para que se emende, às vêzes tarda ou
por segredos que HOMEM não conhece (Camões L. l. III.o e. 69) daqueles autores se há HOMEM de
guardar (H. Pinto I. V. C. II-140) para ouvir palavras tão divinas devera-se HOMEM preparar como
Protógenes (Arrais D. 39) prudência é saber HOMEM as cousas que se devem saber (J. Barros Pan.
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 157
88) – do que HOMEM não presume, poucas vêzes se desvia (R. Lobo P. 132) – nunca HOM’acerta
coo que deve pedir (Filinto O. C. VI-224) – o que HOMEM herda, só o pode chamar seu, quando o
utiliza (Castilho F. 57) o que êle pensa do céu e da terra e o mais que nunca HOMEM se lembrou de
pensar (Camilo F. D. N. 15) – elegeis então a mais eminente das profissões, a que HOMEM se pode
entregar neste mundo (Rui O. M. 70).
IV.o – VERBO
não HAVIA AÍ obrigá-lo a moer outra dose de cegude (Lisboa O. C. I-35) mas que MAL HÁ AÍ na
terra que não venha para bem? (G. Dias P. II-237) amai-vos: onde HÁ AÍ doçura de mel que chegue à
do amor? (Castilho C. A. 48) que consolação HÁ AÍ semelhante à da alma crivada de remorsos, quando
se encosta a outra cujos pensamentos moram aos pés do trono do Senhor? (Herculano M. de C. I-57)
HOUVE AÍ quem dissesse que tudo era divino na natureza (Camilo H. de P. I-43) – quem HAVERÁ
AÍ que possua uma noção exata do tempo? (Silva Ramos P. V. F. 21) HÁ AÍ comparação entre êsse e o
nosso quinhão de prejuízos? (Rui P. F. R. 93).
313 – NÃO HÁ com infinito. Emprego elegante do verbo HAVER se nota em frases
como estas: NÃO HÁ RESISTIR equivalente a não é possível a resistência; NÃO HÁ FUGIR, isto
é, não é possível a fuga.
E em tôda a distância dêste caminho... era tanta a gente de cavalo, que NÃO HAVIA PODER ROM-
PER por parte nenhuma (F. M. Pinto Per. II-18) – por mais leis que se façam contra esta gente... NÃO
HÁ EXECUTÁ-LAS (Severim N. de P. I-55) vós outros afirmais que NÃO HÁ ENTRAR no Céu
sem batismo (Bernardes N. F. I-72) NÃO HÁ FURTAR sem malícia (Arte 139) – por mais que
se lhe pregue, NÃO HÁ TIRAR-LHE da cabeça tais desvarios (Sacramento V. H. P. III) NÃO HÁ
FIAR-SE em ninguém (Filinto O. C. XI-468) – o tratante ameaçou, NÃO HÁ DORMIR (Casti-
lho Tart. 165) desde êsse dia NÃO HOUVE SABER mais nem da mãe, nem da filha (Herculano L.
e N. II-14) NÃO HAVIA ESPERAR que a fôsse colhêr em sítios agrestes e nus (M. Assis M. e L.
145) – NÃO HÁ FUGIR do argumento (Laet H. P. 152) NÃO HAVIA RESISTIR à palavra de
Antônio (Silvério V. D. V. 45) é que ambas... são perfeitamente autorizadas, e NÃO HÁ CONDENAR
qualquer delas (Laudelino N. e P. V-31).
nos é mais importante (M. Aires R. V. H. 100) e nem que pinto fôra, assim PIAVA (Garção O. P.
I-37) se não vivera uma esperança no peito seu, já morto ESTAVA o bom Dirceu (Gonzaga M. de D.
132) – mas se êle vivesse... não EXISTIAS tu agora (Garrett F. L. S. 60) se Rossini ali chegasse de
súbito, ou não a CONHECIA, ou ESGANAVA-SE (Herculano L. e N. II-229) se me dissesses que a
tua inocência baqueara à voragem das paixões, REPELIA-TE (Camilo A. de S. 116) – se a política se
abrisse à nação... essa candidatura ESTAVA perdida (Rui R. de G. 20) se pudéssemos fixar o número
de exceções... FICAVA liquidado o pleito (Cândido P. de L. I-91) se Molière o visse, MANDAVA-O à
posteridade (Silva Ramos P. V. F. 49).
321 – DEVEU.
Não deve haver receio em usar o verbo DEVER no pretérito perfeito.
Aqui se esconde Elmano; alegre estado algum tempo DEVEU à amiga estrêla (Bocage Son. 50)
DEVEU-SE nunca triunfo do amor a um refalsado lance? (Filinto O. C. X-202) – para côrte... foi
escolhida esta nossa boa vila de Almada que o DEVEU à fama de suas águas sadias (Garrett F. L. S. 38)
Augusto, o primeiro dos imperadores, não DEVEU o supremo poder a ato algum positivo de eleição regular
(Lisboa O. C. I-82) coisa de amôres, ou seus, ou alheios, DEVEU por certo de andar por aí (Castilho
F. pela A. 97)... mulher, a cujos cuidados maternos DEVEU Portugal os três mais belos caracteres da sua
história (Herculano M. de C. II-137) – se o buril jamais DEVEU ter emprêgo, em nenhum trabalho
fôra mais merecido (Silvério V. D. V. 216) lucidez solar, meridiana, a que o ilustre filólogo DEVEU o
lograr-lhe digerir e refundir os 1.800 artigos em 4 dias (Rui R. n.o 156 pg. 74).
AFLIGIDO
Depois da grande adversidade e grave enfermidade de que se viu AFLIGIDO (Arrais D. 72) – consi-
derai, almas devotas, qual seria a dor daquela tão amorosa e AFLIGIDA mãe (Vieira. S. V-50) foi gênero
de contrato, comutar-lhe noutras penas, em que só êle fôsse o AFLIGIDO e lastimado (Sousa V. do A.
II-4) – aquilo foi um muito AFLIGIDO transe de minha vida (Camilo N. B. J. M. 102).
GANHADO
O mal GANHADO mal se há de despender (Sá Miranda O. C. II-138)... os lugares, que tinham
GANHADO os reis (D. Góis C. D. E. 29) ou GANHADO, ou bem perdido, faça enfim o que quiser
(Camões T. 239) – tinha GANHADO honra e proveito, seguindo as armadas portuguêsas (Sousa A.
D. J. II-70) entre os nossos, se levantou uma voz, que o baluarte era GANHADO (Jacinto V. D. J.
C. 117) – uma demanda que ela se finava de ver perdida, tão solenemente GANHADA! (Filinto O.
C. X-334) –... cuja proteção tinham GANHADO (Lisboa O. C. I-29) roubando-lhe, inimiga, num
momento, o GANHADO em horas de fadiga (Castilho G. l. I.o v. 256)... depois de ter GANHADO,
para mim e para ela, um bocado de pão negro (Herculano M. de C. I-95) fala-me... da doçura do pão
GANHADO com o nobre trabalho da inteligência (Camilo R. H. R. 227).
GASTADO
Depois de ter GASTADO perto de trezentos cruzados com ela... fêz de mim mangas ao demo (Camões
T. 195) é de tanto merecimento, a vida ocupada e GASTADA na fome e sêde (T. de Jesus T. de J.
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 165
I-202) as letras estavam, pela maior parte, GASTADAS (Lucena A. P. II-50) – todo tempo que
Hércules reinou em Espanha... foram... dezanove anos GASTADOS em doutrinar os naturais da terra (B.
Brito M. L. I-42) as munições, em grande parte GASTADAS, tinham reduzido os nossos a perigoso
estado (Jacinto V. D. J. C. 100) – havia GASTADO tudo quanto tinha (Pereira B. S. Marc. cap.
V.o v. 20) choro os mal GASTADOS anos em que servi tal senhor (Tolentino Sat. 175) – com hon-
ras e prêmios, tão mal GASTADOS em gente infrutífera (Castilho N. do C. 5) se não fôsse a dura e
longa prisão, porventura teria GASTADO os seus dias no meio dos tumultos da guerra (Herculano C.
V. 156) – resgata-se o tempo mal GASTADO, empregando-o utilmente (Rui R. n.o 448 pg. 189)
esta foi novamente anteposta, como um enxêrto, no já GASTADO tronco (M. Barreto N. E. L. P.
303).
PRETENDIDO
Os soberanos da aliança como hão de chamar a êste crime PRETENDIDO? (Garrett P. B. E. 167)...
na noite em que devera efeituar-se, no colégio da cidade, o PRETENDIDO conciliábulo (Lisboa V. P. A.
V. 253) dois dias antes da prisão do duque de Aveiro e de seus PRETENDIDOS cúmplices, foi Malagrida
chamado sùbitamente à capital (Camilo H. G. M. 161).
326 – RESOLUTO.
Também, ao contrário, em vez da forma regular resolvido: resolvido a fazer alguma coisa
pode-se empregar a irregular: RESOLUTO A FAZER ALGUMA COISA.
Estava RESOLUTO em não querer (Sousa A. D. J. II-218) vendo que estava RESOLUTO a
ir neste socorro, lhe deu sete navios (Jacinto V. D. J. C. 125) – recebei-me... como a uma alma que
foi grande pecadora, porém RESOLUTA a fazer, a todo custo, penitência (Sacramento V. H. P. 108)
RESOLUTO a renunciar ao mundo, tomei por única companhia, a do cura (Filinto O. C. XI-610)
RESOLUTA a seguir-te, não duvidava, até o fim do mundo, acompanhar-te (Bocage P. VI-117) –
mergulhou o corpo e o desespêro numa vasta poltrona de marroquim, RESOLUTO a não dizer palavra
(M. Assis P. A. 104) o bom do sapador, cópia do Olindo do Tasso, RESOLUTO a viver e a morrer
com Sofrônia, não se esquece, não se distrai um instante de velar pela segurança daquela a quem votou a sua
existência (Herculano C. U. A. 266) – não basta querer deixar êste ou aquêle pecado, é necessário estar
RESOLUTO a não cometer mais nenhum (Silvério C. Past. 61).
misérrimas do meu cipreste, HEIS de cair como quaisquer outras vistosas e belas (M. Assis M. P. B. C.
219) em dois mosteiros HEIS sido fundador (Castilho Q. H. P. II-47) muito HEMOS de folgar
(Castilho F. 220) – confiamos ainda no êxito da revista pelo concurso efetivo que HEMOS de receber
(Laudelino N. e P. V-263) pobres empregados! preparai já o bule de ouro que HEIS de oferecer a S.
Excia. (Laet J. do C. ano 58 n.o 75 pg. I.a col. 4.a).
V.o – ADVÉRBIO
330 – APENAS não só significa somente, unicamente, mas também com dificuldade, raramente,
dificilmente.
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 167
APENAS se acharão homens que, em gerar, ou em criar o que geram, ponham semelhante cuidado (Ar-
rais D. 41) Francisco Álvares, depois de muito malferido, APENAS se recolheu, num batel, com vida, à
fortaleza de Tornate (Lucena A. P. I-116) – se atentamente se lerem as nossas crônicas, APENAS se
achará templo ou mosteiro, em todo o Portugal, que os reis portuguêses... ou não fundassem, ou não enrique-
cessem (Vieira S. VII-149) não se falava em outra cousa, APENAS havia quem não trouxesse novas
dêste e daquêle (Bernardes N. F. III-70) APENAS se acharia, neste reino, casa e apelido ilustre que não
desse muitos aventureiros para esta infeliz expedição (S. Maria A. H. I-81) – êsses mesmos que, tomados
por si sós, cabiam em um breve espaço, medidos pelas suas vaidades, APENAS cabiam em todo o mundo
(M. Aires R. V. H. 114) et haec dicentes VIX sedaverunt turbas: e dizendo isto, APENAS puderam
apaziguar as gentes (Pereira B. S. Atos cap. XIV v. 17) APENAS precisaremos de dinheiro, a não ser
para algum capricho (Filinto O. C. X-80) – APENAS haverá algum esquadrinhador de antiguidades
que tenha notícia das três malogradas letras (Lisboa O. C. I-93).
332 – MEIO pode flexionar-se tomando gênero e número do adjetivo a que modifica:
MEIA aberta, MEIOS mortos ao lado de meio aberta, meio mortos.
Eis se mostrava ora MEIA, ora tôda DESCOBERTA (A. Ferreira P. L. I-217) esta, MEIA ES-
CONDIDA que responde de longe à China... é Japão (Camões L. c. X.o. e. 131) – estavam já os
portuguêses MEIOS ENTERRADOS (Jacinto V. D. J. C. 121).... será o preço dêstes que chamamos
MEIOS CATIVOS ou MEIOS LIVRES (Vieira S. III-19) – limitemo-nos, neste discurso, em fazer
algumas reflexões MEIAS CONSOLADORAS, MEIAS TRISTES (Filinto O. C. IX-443) – não
imaginem alguma divindade MEIA VELADA (Garrett F. F. C. 119) e MEIA AJOELHADA, o pranto
corria, os soluços estalavam (Rebelo M. D. J. I-120) êstes homens combatiam MEIOS NUS (Hercu-
168 Padre Pedro Adrião
lano E. P. 94) vejo-me MEIA MORTA (Camilo R. H. R. 241) foi à sala de visitas, chegou à janela
MEIA ABERTA (M. Assis H. S. D. 93).
MELHOR:
Nenhuma coisa é MELHOR RECEBIDA na terra que a granjearia custosa (T. de Jesus T. de J.
I-139) nunca outros MELHOR NASCIDOS e entendidos chegaram àquele lugar, porque o não solicitaram
(Couto S. P. 118) – não se tinha visto, até então, na Índia, feito mais bem ordenado, nem MELHOR
OBEDECIDO e executado (Sousa A. D. J. I-254)... dispondo como os poderosos... sejam MELHOR
OUVIDOS (F. M. Melo A. D. 119) as primeiras fôlhas que vão ao prelo, depois de composta a página,
ficam MELHOR ASSINADAS (Bernardes N. F. III-126) – menos freqùentes se dêem os prêmios, e
assim MELHOR DISTRIBUÍDOS (Filinto O. C. IX-388) – Santarém é das terras de Portugal a
MELHOR SITUADA (Garrett V. M. T. II-96) há, porventura, quadro mais realista ou MELHOR
TIRADO do natural? (Latino A. e N. 157) – resolveram passar o Seminário para Angra dos Reis,
cuidando que seriam MELHOR PROVIDOS do necessário e MELHOR ACOMODADOS (Silvério V.
D. V. 41) o govêrno francês, MELHOR ESCLARECIDO, cogita na reabilitação do oficial injustamente
condenado (Rui D. e C. 468).
MAIS BEM:
Não se tinha visto, até então, na Índia, feito MAIS BEM ORDENADO nem melhor obedecido e
executado (Sousa A. D. J. I-254) a rês MAIS BEM MEDRADA a que faz maiores cócegas ao cutelo
do carniceiro (F. M. Melo A. D. 32) – quais fôssem MAIS BEM CHORADOS, não alcançavam
os homens, sendo as lágrimas indistintas (A. Barros V. A. P. A. V. I-104) – todos os espíritos MAIS
BEM NASCIDOS de cada século a têm padecido (Castilho F. pela A. 205) não havia de ser MAIS
BEM SUCEDIDO na petição de herói do que fôra então, na de requerente e de soldado (Latino F. de M.
141) – naturalmente o país MAIS BEM ARMADO para a guerra naval terá caprichado em possuir os
navios mais ligeiros (Rui C. de I. 260) dou êste conselho, declara, por não achar ortografia MAIS BEM
REGULADA, que a que se faz por etimologias e derivações (Laudelino N. e P. VI-271).
tentou ASSAZ (Lisboa V. P. A. V. 7) êste misto de tudo... denuncia ASSAZ a infância da arte dramática
(Sotero C. L. P. B. I-124) doidejaram ASSAZ (Castilho Tart. 73) – o preconceito gramatical tem
restringido ASSAZ o uso de semelhantes construções (M. Barreto F. L. P. 242).
JÁ
Êste... concluía a oração mais maravilhosa que dali JÁ se proferiu (Rui C. de I. 213) sinto ondearem-
me, no cérebro, aquêles versos estonteantes... os mais balanceados e cantantes que JÁ me soaram aos ouvidos
(Silva Ramos P. V. F. 122).
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 171
AINDA
É o mais soez e ranço que AINDA compôs mestre Gil (Garrett F. L. S. 174) é, em verdade, a mais
vasta agremiação de homens que INDA viu o universo (Lisboa O. C. I-54) tudo deixei ir na caudal
da torrente... tudo, menos as cartas do mais infeliz homem que AINDA conheci (Camilo N. B. J. M.
67) – especializarei o Sr. Dr. Heráclito Graça, a quem devo a mais longa e minuciosa análise que INDA
lograram os meus modestos livros (Cândido P. de L. I-7) quero apresentar... três pedacinhos de um dos
críticos mais terríveis que AINDA existiram em nossa terra (Sá Nunes A. L. N. II-48).
NUNCA
Aquela mais perfeita criatura que NUNCA entre nós houve, ah! – grave dor! meteste-a em ua negra se-
pultura (Sá Miranda O. C. II-24) êles e os que viam, a louvavam por uma das melhores que NUNCA
viram (F. Morais P. de I. 31) de doença crua e feia, a mais que eu NUNCA vi, desampararam muitos
a vida (Camões L. c. V.o e. 81) – foi o mais formoso lanço que se fêz NUNCA (Vieira S. VIII-
138) – é o desapontamento mais chapado e solene que NUNCA tive na minha vida (Garrett V. M. T.
I-29) temos, à porta, a comunhão dos meninos e meninas, disse êle, grande festa e o prazo mais dourado que
NUNCA haverão em suas vidas (Castilho C. A. 222) – a mais estrondosa blasfêmia que NUNCA
ressoou num tribunal (Rui R. de G. 231).
JAMAIS
Livres estais do mais violento homem que hei JAMAIS visto (Filinto O. C. IX-99) – a nova época
se abre com os maiores e mais gloriosos nomes que JAMAIS ilustraram as páginas da história (Lisboa O.
C. I-54) remontavam... pelo tão falado rio, uma das mais soberbas teias de sêda e prata que JAMAIS a
natureza desenrolou (Castilho Q. H. P. II-23) –... escandalosa proteção do govêrno mais imoral que
JAMAIS dirigiu os negócios públicos no Brasil (Silvério V. D. V. 213) o almirante de Gueydon, a mais
luminosa inteligência que JAMAIS possuiu a marinha francesa (Rui C. de I. 280).
c) Locuções Adverbiais.
A cada instante eu vinha À BALHA (F. M. Melo A. D. 90) – veio o negócio À BALHA e pôs-
se tudo em pratos limpos (Herculano M. de C. I-285) – aí é que vem À BALHA, em tôda a sua
inocência o “devirginare” (Rui R. n.o 133 pg. 63) não é verdade que eu trouxesse À BAILA o Bluteau
a cada passo (Rui R. n.o 495 pg. 213) trouxeram À BALHA os dicionários (Sá Nunes A. L. N.
I-21).
344 – A BOM RECADO = sob vigilância, sob cautela, sob custódia, bem guardado,
em segurança.
A minha porta, como digo, esteja A BOM RECADO, que me custou muito e bom dinheiro (Sá Mi-
randa O. C. II-207) agora buscai quem solte a vós, que êste outro A BOM RECADO está (F. Morais
P. de I. 40) dei-vos cargo que estivesse tôda a armada A BOM RECADO (Camões T. 101) – Pedro
estava guardado na prisão, A BOM RECADO (Pereira B. S. Atos cap. XII v. 5) – que me deixeis
ir para o meu filhinho, que está seguro e A BOM RECADO (Garrett Arc. de S. 210)... passando a
mão em 33 honradíssimos eleitores que puseram A BOM RECADO, em uma estribaria (Lisboa O. C.
I-123) são, entre as gentes arianas, os helenos, os que têm, A sua guarda e BOM RECADO, os tesouros
da imaginação e da ciência (Latino E. C. 98).
352 – A FESTO na expressão SUBIR A FESTO, isto é, encosta acima, sem ladear, como a tesoura
corta, de baixo para cima, a dobra que se faz no meio da largura do pano.
Para lá chegar sobe-se A FÊSTO por um carreiro de cabras (Antero J. em P. 243).
Marília ria-se A FURTO e disfarçava (Gonzaga M. de D. 95) parti A FURTO, com uma escrava
egípcia (Filinto O. C. IX-139) – o filho de Jaguar sorriu-se A FURTO (G. Dias P. II-156) o
homem... saiu do pouso, A FURTA-PASSO (Rebelo M. D. J. I-31) a mão enxugou, A FURTO, duas
lágrimas (Rebelo M. D. J. II-211) – quando imaginas estar a sós, manobrar A FURTO... colhido
estás (Rui C. L. 176).
356 – À GUISA DE = à maneira, ao modo de. À SUA GUISA = a seu modo. DESTA
GUISA = desta maneira, POR ESTA GUISA = por esta forma.
Além da fama comum, o soube de um rico mercador e bom letrado À SUA GUISA (Orta C. S. D. I.
I-26) – disfarçou-se, o bom rei, Á GUISA DÊLES (Arte 245) – que te enforquem À SUA GUISA e
que me deixem (Garrett Arc. de S. 185) jamais o aconselhei, como vós outros, pendendo, À GUISA DE
balança, para o lado onde a peita era avultada (Latino O. da C. 98) desbravando, POR ESTA GUISA,
o terreno intelectual... faziam campo franco ao exame contraditório de tôdas as idéias morais ou científicas
(Latino O. da C. intr. CXCVII) eu na altura da baforeira, À GUISA DE morcêgo, me implico (O.
Mendes Od. l. XII.o v. 320) – reclamando, À GUISA DE parente, a honra de encarnar-lhe a auto-
ridade (Rui C. de I. 183) pelo falso princípio do livre exame, cada qual, Á SUA GUISA, interpreta as
Escrituras (Laet H. P. 41)... descomedindo-se DESTA GUISA (M. Barreto N. E. L. P. 300).
375 – A PONTO = bem disposto, esperando hora e sinal certo, bem a propósito, em
tempo conveniente, bem aparelhado.
Estava tudo A PONTO para poder caminhar quando quisesse (Sousa V. do A. II-95) tudo estava
tanto A PONTO, quanto longe, os missionários de tal pensamento (A. Barros V. A. P. A. V. I-186) –
obrigado, meu amigo! A PONTO vindes (Garrett Alf. de S. 85) o que em si é limpo, traz a casa bem
ordenada e os negócios A PONTO (Castilho C. A. 52) ninguém acha argumento mais A PONTO para
persuadir um avaro velhaco a abrir a bôlsa (Herculano M. de C. II-24) – muito A PONTO vem,
pois, o aresto americano de 20 do corrente (Rui C. de I. 387) aqui vem A PONTO dizer o conceito que,
sôbre os consultórios gramaticais, formava um autor conhecido e simpático (M. Barreto A. D. G. 8).
178 Padre Pedro Adrião
378 – A REVEZES = cada um por sua vez, ora um, ora outro, alternadamente.
Também as cousas tôdas vão A REVÊZES: muito tempo mandou, agora é mandada (Sá Miranda
O. C. II-202) – seu dessossêgo, seu A REVÊZES cambiar de côres, já pálida, já rosa... davam mostras de
muito (Castilho N. do C. 41) – a água... vai juntar-se, poucos metros adiante, numa larga poça, donde
a tiram, A REVÊZES, os donos das hortas contíguas (Cândido M. S. 20) “grossus”, irmão germano de
«crassus» que com êle se usa, A REVÊZES, nos antigos manuscritos (Rui R. n.o 458 pg. 195).
383 – ASSIM COMO ASSIM = em qualquer hipótese, de qualquer modo, seja como
for, desta ou daquela maneira.
ASSIM COMO ASSIM, havemos de morrer (H. Pinto I. V. C. II-295) – ASSIM COMO AS-
SIM, não haveis de alegrar-vos (Bernardes N. F. I-66) – o dinheiro, ASSIM COMO ASSIM, está
perdido (Rebelo M. D. J. I-64) eu, ASSIM COMO ASSIM, não nasci para sábia (Castilho Sab.
15) – ASSIM COMO ASSIM, pode Misoneísta empregar qualquer das expressões citadas (Sá Nunes
A. L. N. I-209).
393 – A VOZES = em altos gritos, veementemente, com toda a força dos pulmões,
com ardor.
O nosso almocadém A VOZES requeria que não passasse ninguém adiante (Sousa A. D. J. II-48) e
todos A VOZES publicavam suas maldades (Bernardes P. P. P. 127) – A VOZES lhe suplica, recolha o
açoite (Castilho C. A. 83) levantei-me, então, atestando, e bradando, A VOZES, na assembléia popular
“trazes a guerra ao seio da Ática” (Latino O. da C. 49) – o professor defende A VOZES e com calor...
(Sá Nunes A. L. N. I-131).
tenha (Esperança Exc. 37) – hoje se derramam pelo universo inteiro e, DE MARAVILHA encontrareis,
em tôda sua vasta superfície, um ponto ignoto e obscuro que êles não tenham devassado (Lisboa O. C.
I-154) – DE MARAVILHA empregava rigor pela raridade dos casos, em que o havia mister (Silvério
V. D. V. 35).
418 – DE MOTO PRÓPRIO, DE SEU MOTO PRÓPRIO = por sua própria ini-
ciativa, espontaneamente, sem constrangimento, porque quer, por si.
Que me direis ao imperador Diocleciano, que realmente a deixou DE SEU PRÓPRIO MOTO? (H.
Pinto I. V. C. II-30) nunca Deus fizera, DE SEU MOTO PRÓPRIO, a mulher imperfeita, se alguma
grande utilidade se não seguira de tal imperfeição (Arrais D. 43) – as palavras virão, DE SEU PRÓ-
PRIO MOTO, acudir ao discurso (Filinto O. C. IX-299) – para bem verter do francês, mais cabedal
se requer do que para escrever DE PRÓPRIO MOTO (Castilho N. do C. 203) o médico que a visitou,
levou-lho um criado DE SEU MOTO PRÓPRIO (Camilo T. I. 125).
420 – DE PER SI MESMO, DE PER SI SÓ = por si mesmo, por si só, sem ajuda.
A solução, DE PER SI MESMA, se está presentando aos olhos de todos (Garrett P. B. E. 23) veio
a ditosa necessidade do capelão, capelão que é, só DE PER SI, uma palavra que denota ilustríssima prosápia
(Camilo T. I. 40) – as gramáticas, DE PER SI SÓS, são insuficientíssimas para ensinar uma língua
(Cândido P. de L. I-5).
quer que já, DE PRESENTE, lhe comecemos a pagar (Bernardes N. F. II-126) – nos que DE PRE-
SENTE existem, se acham as mesmas prerrogativas (Pita H. A. P. 40) – o prelado... podia tudo NO
PRESENTE (Rebelo M. D. J. I-166)... usando, sem temperança, da fortuna que, AO PRESENTE,
lhe sorri (Latino O. da C. 62) o que sabemos é o que os homens são, AO PRESENTE (Castilho C.
A. 108) – nada mais acrescentaremos, DE PRESENTE (Silvério V. D. V. 210) haveria, DE PRE-
SENTE, escritor que ousasse perpetrar frases destas? (Rui R. n.o 201 pg. 96).
436 – ENTRE MIM = de mim para comigo, cá comigo, com os meus botões. EN-
TRE SI = de si para consigo.
Leu a carta ENTRE SI e entendendo a su(b)stância dela ficou algum tanto mais carregado (F. M.
Pinto Per. II-49) – prometia eu em tanto, ENTRE MIM, fazer uma vida nova (F. M. Melo A. D.
77) – disse ENTRE MIM: está-se ali chorando a perda de uma vida (Camilo N. B. J. M. 156) se êste
me conhece, disse o caixeiro ENTRE SI, balda-se tudo (Camilo F. D. N. 226) o jovem rei aplaude... e
ENTRE SI pensa: um dia ofuscarei tôda essa glória (Garrett Cam. 89) – vem a ser justamente o que,
ENTRE MIM, sempre supus (Rui R. n.o 483 pg. 206).
437 – FIO A FIO = sem interrupção, a eito, sem intermitência, sem descanso, conti-
nuamente.
A questão da instrução vai, FIO A FIO, entretecida com a questão máxima dos nossos dias (Castilho
C. A. 62).
440 – MOLE MOLE = pouco a pouco, devagar, lentamente, gota a gota, aos pou-
quinhos.
Destarte lá iria, MOLE MOLE, calando a instrução naqueles espíritos ainda boçais (Castilho C.
A. 119).
445 – Num Átomo = num abrir e fechar de olhos, rapidamente, sem demora, num
instante.
NUM ÁTOMO, passei da extrema confiança à extrema difidência (Filinto O. C. X-258) –
NUM ÁTOMO, desmontam-se os companheiros (Silvério V. D. V. 258).
458 – SEM TIR-TE NEM GUAR-TE = sem mais nem menos, repentinamente,
quando menos se espera.
Eu não posso deixar a sandice de gente que sem quê nem para quê, nem mais TIR-TE NEM GUAR-
TE... se mate e consuma a fogo e sangue (F. M. Melo A. D. 74) – vir SEM TIR-TE NEM GUAR-TE
(Castilho Sab. 154).
462 – SÓ POR SÓ, SÓS POR SÓS, A SÓ POR SÓ, A SÓS POR SÓS = a sós,
sozinho, sem mais companhia, por si só.
Mostrar quero o valor de minha espada convosco, ou SÓ POR só como valente, ou seja dez por dez,
numa estacada (R. Lobo C. de P. 38 v.) ali, SÓ POR só com seu novo amante, só consigo e com o seu
Deus (tão seu) passou os dias que lhe restaram de vida (Vieira S. XI-67) – evitando com a prudência...
tôdas as ocasiões de nos acharmos SÓS POR SÓS (Filinto O. C. X-113) o marquês jantava SÓ POR
SÓ com Mda. de Séniane (Filinto O. C. X-367) – hei de chamá-lo à parte e ali a SÓS POR SÓS
forçá-lo a que desista (Castilho Tart. 81) pode... confiar-lhes a SÓ POR SÓ máguas, segredos e alegrias
(Castilho C. A. 27) quem conferia e praticava SÓ POR SÓ com o mensageiro do inimigo era também,
por sua natureza, espia e contrário à sua pátria (Latino O. da C. 46) – uma exígua oligarquia de
déspotas constitui, SÓ POR SÓ, o povo soberano (Rui D. e C. 523)... quando nos vemos SÓS POR
SÓS (Silva Ramos P. V. F. 172)... tornando-se a civilização a maior inimiga de si mesma, quando se
desenvolve e cresce SÓ POR SÓ, sem o apoio da moral (E. C. Ribeiro P. L. E. 99) o conhecimento SÓ
POR SÓ das regras e convenções prescritas na gramática, não basta (Laudelino N. e P. VI-57).
VI – PREPOSIÇÃO
DÊLE suavemente consolados (T. de Jesus T. de J. I-77) – não é digno de ser lido DE nenhum sisudo
(F. M. Melo A. D. 418) para lutarem com as feras e serem DELAS despedaçadas (Bernardes N. F.
II-186) – é defendida DE muitas fortalezas (Pita H. A. P. 77) buscada DOS prazeres (Filinto O.
C. IX-57) – ao ocidente de Verágua havia um mar ainda não freqùentado DE europeus (Latino F. de
M. 131) um e outro se deixavam devorar DAS angústias do êrmo ou cortar DO ferro islamita (Camilo
A. de S. 110) – não poucos, levados DO exemplo e movidos DE especial toque do Céu, abraçaram o
mesmo teor de vida (Silvério V. D. V. 54) a epístola é aceita DE protestantes, bem como DE católicos
(Laet H. P. 111).
fôrma (Dicionário de Morais) pressentis que, DERREDOR DE vós, adensaram-se as brumas de uma
vasta noite (F. Castro E. C. 31) – flores que a humanidade reverente espargiu DERREDOR DA gleba que
lhe comprime e envolve os preciosos despojos (E. C. Ribeiro Tr. 536) levando... em tôrno de si, as nações
latino-americanas, como astros gravitantes DERREDOR DE um grande ideal (Rui G. G. 65).
471 – EM ORDEM A = para, afim de. Aparente anglicismo pela semelhança com in
order to.
Prospectiva onomástica de várias diferenças de durações ou medidas do “Quando”, EM ORDEM A
formarmos mais nobre conceito da eternidade (Bernardes N. F. I-334) acabadas vésperas, se vieram
juntos a êle dar-lhe a boa vinda, ajuntando grandes graças e abraços pelo (polo) que já sabiam, que trazia
negociado com S. Santidade, EM ORDEM A se dar brevemente remate ao Concílio (Sousa V. do A.
I-339) – o nosso cuidado todo está em descobrir o expediente e isto EM ORDEM A mostrar que, se
mudamos, é por vício do contrato e não por nosso vício (M. Aires R. V. H. 104) fizeram uma junta
magna para deliberarem o que se devia fazer, EM ORDEM A darem socorro a seus irmãos (Pereira B. S.
I.a Mac. cap. V.o v. 10) – vão também os moleiros das azenhas alteando as suas reprêsas, EM ORDEM
A lhes não minguar a água (Castilho C. A. 231) – o Dr. Carneiro atafulhou 34 páginas de reflexões,
regras e exemplificação clássica EM ORDEM A contrabalançar as teorias e doutrinas do Dr. Rui Barbosa
(Sá Nunes A. L. N. II- 245) são diversas as armas, com que esgrime o sábio autor da Réplica, EM
ORDEM A depreciar o nosso... trabalho (E. C. Ribeiro Tr. XXII).
473 – POR = como. A preposição POR substitui, quase sempre com vantagem, a con-
junção como em frases como estas: enviar POR embaixador, coroar POR rei, vir POR chefe etc.,
em vez de enviar como embaixador, coroar como rei, vir como chefe.
196 Padre Pedro Adrião
A tribulação sofrida com paciência nos faz ter a Deus POR defensor (H. Pinto I. V. C. I-243) elegeram,
POR embaixador, ao cônsul Marco Régulo (Couto S. P. 123) – Ester, coroada POR rainha dos persas e medos
(Vieira S. XI-36) ocasião em que se havia de coroar em côrtes, POR rei dos romanos, Henrique IV.o (Ber-
nardes N. F. III-172) – nomeou, POR bispo dela, a D. Fr. Manuel da Natividade (Pita H. A. P. 44) dos
benefícios que recebera, tirou a conseqùência de que devia adorar, POR Deus, ao seu Augusto (Cláudio O. 108)
tínhamos, POR vizinho, a M. d’Olmancé (Filinto O. C. X-182) – querem-nos dar, POR senhor, a el-rei D.
João de Castela (Garrett Alf. de S. 53) D. João d’Ornelas... enviara o mestre de teologia, POR visitador, aos
mosteiros de Cárquere e Bouro (Herculano M. de C. I-257) designado Fernão de Magalhães, POR capitão-
mor da expedição, entrou a governar a “Trinidad” que ia POR capitânia (Latino F. de M. 153) – no seu
sermão... tido POR modêlo incomparável de eloqùência (Laudelino N. e P. IV-156).
475 – SOB COLOR DE, SOB COR DE, SOCOLOR DE = a pretexto de, sob apa-
rência de.
Êste... SOB CÔR DE amizade, mandou visitar Vasco da Gama (D. Góis C. D. E. 106) ao mundo,
se me crerdes, não lhe creais, porque tem por manha... SOB COLOR DUMA verdade, dizer mil mentiras
(H. Pinto I. V. C. II-57) – SOB COLOR DE amizade, eram dêles acometidos, roubados e mortos
(Sousa A. D. J. I-56) – levaram-lhe uma bôlsa com seis mil dobrões de ouro, SOB CÔR de os distri-
buir com esmolas (Lisboa V. P. A. V. 151) SOCOLOR DE atacar a epidemia, fomos, por tôdas estas
vizinhanças, mais peste do que a própria peste (Castilho F. 83) por lá regularmente se exerce o apostolado
da ignomínia e da desonra, SOB CÔR DE serviços à nação (F. Castro P. P. 15) - SOB COLOR DE
instrução que tanto nos seduz, se trata arrancar-nos a fé e a religião que nos salvam (Silvério C. Past.
98)... não deve obstar a que se admita a nova voz, SOCOLOR DE que esta exprime... ao menos algum
novo matiz em seu significado (M. Barreto F. L. P. 129) houve, é verdade, quem SOB COLOR DE
crítica, estampasse umas parlendas que eu castiguei talvez com demasiada crueldade (Cândido P. de L.
I-7) leis sofismadas mais ou menos capciosamente SOB COLOR DO bem público (Rui C. de I. 157).
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 197
Já que em si tornou, se pôs novamente a cuidar EM O sonho (Bernardim M. e M. 87) não foram
EM ESTA hora, menores os sentimentos interiores (T. de Jesus T. de J. I-33) as fôrças dos príncipes não
estavam nas pedras preciosas e elefantes da Índia, senão EM A temperança da vida (J. Barros Pan. 196)
– EM ÊSTE assalto perdemos sete soldados (Jacinto V. D. J. C. 123) confesso-vos que estranhei, vendo-
me EM AQUELAS alturas (F. M. Melo A. D. 18) – entrou esta capitania, por sucessão feminina, EM
A grande casa dos marqueses de Cascais (Pita H. A. P. 50) êste foi o fim desta contenda travada... EM
O segundo de março de 1653 (A. Barros V. A. P. A. V. I-98) – ao pintor naturalista... se deparam
EM A NATUREZA... os quadrozinhos da vida individual (Latino A. e N. 153) era que EM ÊLES
ambos surgira uma idéia idêntica (Herculano E. P. 110) – o que se observa realmente EM O nosso
cenário... (Laudelino N. e P. IV-149) EM O Novo Testamento continua a doutrina da intercessão dos
santos (Laet H. P. 4).
480 – POR O.
Não é, porém, obrigatória a contração mencionada no número precedente.
POR OS espantar, lhes mandou atirar com dous berços (Castanheda H. do D. I-13) e POR O
não achar, não é bem que seja cálamo aromático (Orta C. S. D. I. I-145)... dando graças a Deus e aos
portuguêses, POR O restituirem à posse do seu reino (Lucena A. P. I-215) – só do irmão era estorvado
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 199
POR O ver do perigo estar tão perto (R. Lobo C. de P. 39v) – Martim Afonso deu-lhe o nome de
“Rio de Janeiro” POR A ter descoberto no primeiro dêste mês (Gaspar M. H. C. S. V. 116) – para
Maria, nada ficava que fazer senão... rezar pelas próprias contas dela que, por serem dela, tanto como POR
AS ter benzido o Capelão da quinta dos Álamos, deviam de ter muito mais virtude (Castilho M. U. M.
247) – afligia-se POR OS não poder consolar, nem valer (Silvério V. D. V. 18) acabaram POR OS
incorporar na substância viva e genuína da nossa linguagem (Rui R. n.o 466 pg. 199).
VII – CONJUNÇÃO
a) A Conjunção “Que”
482 – Largo é o uso da conjunção QUE. Além do seu emprego mais comum como
integrante (sei QUE morrerei), comparativa (és mais sábio QUE Pedro) e consecutiva (foi tal
a dor, QUE ele desmaiou), pode ser copulativa na expressão QUE NÃO equivalente a e não;
alternativa QUE... QUE em lugar de ou... ou; causal em vez de porque, final substituindo para
que; concessiva no sentido de ainda que, mesmo que.
O. C. IX-396) – êle seria hoje exemplo e modêlo, QUE não escândalo à Europa (Garrett P. B. E.
166) devera o amor chorar sôbre o teu seio, QUE não grinaldas fúnebres tecer-te (G. Dias P. II-24)
esta nova crença tinha de destruir, QUE não de modificar tôdas as idéias religiosas (Herculano C. U. A.
79) – expressões são estas reforçadas, mas são-no, convém adverti-lo, no ponto de vista etimológico, QUE
não no ponto de vista semântico (M. Barreto N. E. L. P. 229).
488 – As locuções copulativas não só... mas também, tanto... como podem ser substituídas por
outras equivalentes, o que permite um uso bem variado da expressão: assim... como, assim...
quanto; assim... que; não só... como; não só... porém sim; não só... que também; não só... senão que; não só...
senão também; não só... também.
(Arte 96) – NÃO SÓ no espiritual, SENÃO TAMBÉM no temporal devem as terras do Maranhão à Re-
ligião da Companhia de Jesus, a felicidade de que logram (A. Barros V. A. P. A. V. I-72) – Cristo mesmo
NÃO SÓ curava as almas, SENÃO TAMBÉM os corpos (Castilho F. pela A. 69) NÃO é SÓ lucro o que
se pode haver em moeda, SENÃO TAMBÉM o que traz consideração e louvor (M. Assis P. A. 169).
498 – As conjunções concessivas ainda que, mesmo que, conquanto, embora, se bem que, posto que,
além da forma simples que, da qual já falamos no n.o 487, possuem ainda outras formas
que não são esquecidas por aqueles que estão ao par dos variadíssimos recursos da nossa
língua: apesar de que; dado que; em que; mas que; não obstante que; suposto que.
501 – EM QUE.
EM QUE a fortuna não mande, ponho aqui Bruto, o segundo (Sá Miranda O. C. II-49) se
algum’hora meu cuidado vos der dor, EM QUE pequena, peço-vos... que vos não pese da pena (Camões T.
80) muitas vêzes... ouvi nela falar mas, EM QUE ma mostrem de dia, não sei se a conhecerei (H. Pinto
I. V. C. II-277) – cantamos, EM QUE Bento estava rouco (R. Lobo P. 120) – EM QUE nada lhe
dissesse, muitas coisas lhe pedia (G. Dias P. II-264) – mas, EM QUE se não infrinja a lei gramatical, há
todavia uma divergência na maneira de enunciar a ação do verbo (Rui R. n.o 318 pg. 151) mas, EM
QUE João Ribeiro confirmasse o seu parecer, não creio que seja francesia (Sá Nunes A. L. N. I-159).
505 – As locuções conjuntivas conclusivas de modo que, de maneira que, de sorte que (equiva-
lentes a portanto) podem ser substituídas por: assim que; de feição que; de guisa que; por maneira
que; por modo que; por forma que.
com liberdade de varão apostólico... AGORA praticando e definindo como douto e resoluto mestre (Sousa V.
do A. I-256) AGORA era jantar, AGORA ceia (F. M. Melo A. D. 99) – como que o vemos... vertendo
AGORA os chuveiros precipitados que inundam; AGORA o sereno rocio que resplandece por cima da verdura
(Castilho C. A. 75) AGORA a dança, AGORA alegres vinhos, três dias há que de inimigos povos esquecidos
os trazem (M. Assis A. 191) – sem cessar de dar vozes, AGORA por cartas de adesão e animação aos bispos
perseguidos, AGORA com pastorais a suas ovelhas (Silvério V. D. V. 210).
(Latino E. C. 123) – e esta é EM TANTA MANEIRA ponderável, QUE a crítica positiva... só conse-
guiu até hoje estabelecer um único princípio irrefragável (Silva Ramos P. V. F. 191).
da, mais com zêlo e desejos de os salvar que de os castigar (Lucena A. P. II-114) – antes de poderem
os nossos fazer volta NEM valer-se darmas, foram mortos (Sousa A. D. J. I-153) que excelência pode
haver, NEM imaginar-se que seja maior do que esta? (Vieira S. XI-6) pouco te importa a ti, NEM a
mim, saber de Salomão se se salvou (Bernardes N. F. I-105) – raras vêzes somos generosos só pela
generosidade, NEM valerosos só pelo valor (M. Aires R. V. H. 84) – onde há cárcere, NEM masmorra
que chegue à miséria de querer falar e não ver a quem? (Castilho C. A. 108) como achar, porém, o nosso
Rubião, NEM o cachorro, se ambos haviam partido para Barbacena? (M. Assis Q. B. 405) antes de
haver sofistas, NEM retores, já existem iluminados cidadãos (Latino O. da C. intr. CDII) era pouco
para arrostar em fortificações, NEM meios sólidos de resistência, o valor disciplinado dos soldados do exército
da Gironda (Rebelo C. dos F. 310).
ESTRANGEIRISMOS
521 – A riqueza verbal usada pelos bons escritores não é anárquica, nem desordenada.
Há vocábulos que, usados embora com a maior naturalidade por muita gente, me-
recem a repulsa dos autores corretos, por serem intrusos estrangeirismos, infensos ao
gênio da língua, deturpadores do idioma vernáculo. Por outro lado, nem todas as pala-
vras de origem estrangeira são rejeitadas dos zelosos cultores da nossa língua; desde os
primórdios desta, as outras línguas lhe hão ministrado vocábulos que se integram no
léxico e se naturalizam, passando-nos a enriquecer o vocabulário.
Assim que, a questão dos estrangeirismos é, por vezes, bem árdua e delicada. Há
estrangeirismos viciosos e há estrangeirismos naturalizados, e quando não é evidente a
viciosidade ou a naturalização de um estrangeirismo, há margem para indecisões e con-
trovérsias que nada é melhor que o exemplo dos clássicos, ciosos igualmente da riqueza
e da genuinidade do vocabulário, possuidores num alto grau do faro vernáculo, nada é
mais apto que o seu exemplo (quando pode ele ser invocado) para dirimir e resolver.
Temos, antes de tudo, que distinguir quatro grupos diversos de estrangeirismos.
523 – 2.o grupo. Outros estrangeirismos são necessários, porém não adaptados. Não
têm correspondente no idioma e além disto a sua forma não se presta a uma feição
vernácula:
Bridge, deficit, dumping, flamboyant, footing, fuehrer, habeas corpus, hors-d’æuvre, lock-out, rally-paper,
shakespeariano, smoking, shunt, warrant, etc. Palavras deste gênero são a dor de cabeça, a espi-
nha de garganta dos puristas. Aí é que se mostra a necessidade da intervenção de uma
autoridade na língua. Se tivéssemos (infelizmente não temos) uma autoridade prestigio-
sa e com voz ditatorial de mando, encarregada de velar pela pureza do idioma, como
seria, p. ex., a Academia de Letras, ela, auxiliada pela imprensa e o rádio que tão depressa
põem em uso os vocábulos no seio do povo, poderia impor desde logo a substituição de
certos termos estrangeiros por outros de feição nacional. Contudo haveria de proceder
com muita moderação e cautela, para evitar a fabricação em massa de termos antipáticos
ou pedantescos.
O que é certo é que a tentativa particular de certos filólogos, apresentando neolo-
gismos para substituir os estrangeirismos mais refratários à nacionalização, nem sempre
tem dado grande resultado, como, p. ex., não deu o esforço do ilustre latinista Dr. Do-
mingos de Castro Lopes. Note-se, porém, que a ele coube, quase sempre, a culpa deste
fracasso: em vez de propor termos fáceis e singelos, se saía com vocábulos duros e pesa-
dões que não podiam, de forma alguma, granjear a popularidade. Queria que se dissesse
não reclame, mas PRECONÍCIO; em vez de avalanche, RUNIMOL; em lugar de nuance, AN-
CENÚBIO. Mandava substituir carnet por CORIBEL, repórter por ALVISSAREIRO; abat-jour
por LUCIVELO; claque por VENAPLAUSO. Chamava o golpe de Estado, LEGICÍDIO SOCIAL.
E assim por diante. Por vezes o simples aportuguesamento do estrangeirismo dava uma
palavra de feição mais vernácula do que o termo por ele proposto. Assim, neologismo
por neologismo, era mais simples dizer drenagem do que HAURINXUGO ou HAURICANU-
LAÇÃO; e turista parece mais nosso do que o LUDAMBULO, que ele propunha. Entretanto
alguma coisa pegou. Sua substituição de ouverture por PROTOFONIA foi uma proposta
bem-sucedida. Também propôs ele o termo CARDÁPIO para substituir o menu que a
palavra ementa não substitui perfeitamente, por mais vaga e genérica. E o CARDÁPIO deu
sorte, agradou, vulgou-se amplamente, pelo menos no Brasil. Certo influiu bastante em
ambos os casos, a ausência, em nossa língua, de fonema correspondente ao U francês.
Porém, mesmo sem esta circunstância favorável, CONVESCOTE agradou ao público e à
imprensa, se bem não lograsse eliminar o piquenique.
Felizmente, que com o decorrer dos tempos, vão aparecendo substitutivos para certos
termos estrangeiros. E a imprensa que tanto mal tem feito à língua, nesta matéria de
estrangeirismos, muitas vezes também lhe faz muito bem, quando toma a peito divulgar
palavras de cunho vernáculo em substituição às palavras vindas de fora. Foi o que se
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 215
deu, p. ex., com todos os termos do futebol: GUARDIÃO ou ARQUEIRO, TENTO, META,
ZAGUEIRO, DIANTEIRO, ESCANTEIO, ÁRBITRO, BANDEIRINHA, FINTAR, PELOTAÇO, IM-
PEDIMENTO, etc.
Substituiu-se o termo speaker com o louvável neologismo: LOCUTOR, tirado do latim
LOCUTOR ORIS e mui bem admissível, pois já possuímos interlocutor, alocução, elocução, lo-
cutório. Em vez de chauffeur, os jornais já usam MOTORISTA, AUTOMOBILISTA; em lugar
de boxeur, PUGILISTA.
Logo que se puseram a efeituar as experiências de entenebrar a cidade, para ensaios
de defesa antiaérea, começaram a falar, em vez de black-out, no ESCURECIMENTO, no
APAGA-LUZES.
E a propósito de nacionalização de palavras exóticas, seja-nos lícito fazer uma obser-
vação. Muitas vezes, o povo rude, simples e ingênuo, percebendo mal a palavra estran-
geira e não sabendo reproduzi-la fielmente, se mostra muito mais feliz no seu aportu-
guesamento do que a gente mais culta, que é mais ciosa de se não mostrar imperita no
meneio de uma língua estranha. É assim que o povo fez de sleeper (dormente) CHULIPA;
de shoo-maker (sapateiro) CHUMECO; transformou o latim vade mecum em BADAMECO, o
francês l’aube em LOBA, outra vez o inglês piss-pot em BISPOTE, como também pilot-boat em
PALHABOTE, arrow-root em ARARUTA. É assim que manneken (homenzinho) do germânico
deu MANEQUIM; e agora recentemente no jogo do bilhar snooker deu muito naturalmente
SINUCA. De rosa Paul Neyron, fizeram os jardineiros ROSA PALMEIRÃO.
Eis aí o que reputamos o tipo ideal de derivação estrangeira: há semelhança com o
termo de origem mas não é muita, pois a palavra recebeu, na grafia ou na pronúncia, uns
tons tão fortes de feição vernácula, que já traz bem velada a sua procedência.
524 – 3.o grupo. Outros se adaptam bem ao vernáculo, mas não são necessários. Às
vezes, as palavras estrangeiras que recebem forma vernácula já encontram equivalentes
na nossa língua. A teoria deveria condená-las como peregrinismos desnecessários. Mas
na prática, muitas vezes, o escritor necessita de sinônimos para desmonotonizar o estilo,
e o uso contínuo, geral, insistente destes termos que não destoam, pela forma, das pa-
lavras vernáculas, apesar dos protestos dos puristas, se impõe e as consagra e naturaliza.
A palavra assim se faz de casa, passa a ser empregada até pelos escritores mais ciosos da
genuinidade da linguagem e deixa de ser estrangeirismo vicioso para se tornar legítima
palavra nossa derivada de uma língua estrangeira.
Assim temos VÍVERES, usado desde o século XVII, quando o vernáculo já possuía
vitualhas, mantimentos, comestíveis; ATAQUE, ao lado de insulto; BANAL, sinônimo de vulgar,
trivial, comezinho, corriqueiro; DESCOBERTA, quando já tínhamos descobrimento; EMOÇÃO, equi-
valente a comoção, abalo, etc., etc.
216 Padre Pedro Adrião
É quanto ao uso principalmente dos estrangeirismos deste 3.o grupo que se nota a
divergência entre duas escolas filológicas: o purismo rigoroso e o purismo mitigado.
Quanto aos do I.o, todos estão de acordo: se a palavra estrangeira é necessária e se
adapta bem à natureza da nossa língua, não há rejeitá-la. Quanto aos do 2.o, também:
enquanto não se acha uma palavra nossa que substitua aquela que tem feição claramente
estrangeira, não há outro jeito senão ir lidando assim mesmo com ela, até encontrar-se
uma palavra mais de casa que de plano a substitua, e esta então só não aceitam, quando
aparece, aqueles que nenhuma preocupação alimentam, quanto à pureza do idioma.
Mas quando as palavras estrangeiras que se irmanam bem com a nossas já possuíam
dentro no nosso léxico, outras perfeitamente equivalentes, aí as duas escolas se dividem.
O purismo rigoroso tende sempre a condená-las, alegando com a sua não necessidade;
tende a aceitá-las, o purismo mitigado, alegando o uso que as justifica e a sua forma
que não destoa. Os clássicos, dado o seu amor à abundância e riqueza verbal, sempre
favorecem, uns mais, outros menos, a esta segunda escola que pode lograr também, a
seu favor, um argumento de ordem prática. Mui difícil se tornaria àqueles que procuram
falar e escrever corretamente o idioma, o discernimento do que seria ou não vernáculo,
se tivessem de surpreender-se a cada passo, com a condenação de vocábulos que eles se
acostumaram, desde cedo, a ver usados por todos, não só na conservação vulgar até das
rodas mais cultas, senão também nos livros de insignes escritores, incluindo-se entre
estes, mestres da língua, desde que estes vocábulos morfologicamente se confundem
com os termos mais antigos da língua. As vozes manifestamente estrangeiradas, sim, eles
serão aptos para descobrir-lhes o vício e acharão bem razoável que se condenem elas, e
que se lhes imponham termos portugueses para evitá-las. Mas aquelas tão generalizadas
e tão irmãs das nossas, para evitá-las todas, há mister de conhecimentos mui vastos sobre
a etimologia das palavras, que já não são poucas no nosso idioma. Exigir menos, nesta
questão de purismo, é muitas vezes evitar o desânimo e conseguir muito mais.
O que aí dissemos da naturalização de palavras, vale também para a de certas regên-
cias ou construções.
525 – 4.o grupo. Existem, finalmente, estrangeirismos que, além de desnecessários, con-
servam escandalosamente a feição da língua de origem. Além do purismo rigoroso e
do purismo mitigado, existe, infelizmente, para desdoiro das nossas letras, mais outra
escola: a xenomania linguística, a petulância falastrona que às formas vernáculas prefere
sempre a expressão estrangeira.
Em vez de dizer: vou DAR-LHE UM APERTO DE MÃO, dizem estes estrangeirados: vou
dar-lhe um shake-hands. Um DESEQUILIBRADO é um detraqué; ESCOTEIRO é boy-scout; LER A
MÃO é ler a buena-dicha; CRIADO DE QUARTO é valet de chambre; HABILIDADE é savoir-faire;
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 217
À QUEIMA-ROUPA:
É capaz de disparar À QUEIMA-ROUPA sôbre Asmodeu em pessoa (Rebelo C. dos F. 205).
DESGARRE:
Olhavam para o bispo com certo ar, seguiam aos cônegos com tal DESGARRE... que um amigo das
semelhanças clássicas não duvidaria compará-los aos jovens e altivos concidadãos do filho da Réia-Sílvia
(Garrett Arc. de S. 100) era o próprio Alcebíades... cheio daquela gentileza e DESGARRE com que
usava arengar às grandes assembléias de Atenas (M. Assis P. A. 230).
220 Padre Pedro Adrião
ENTONO:
O que, com seguro e desenganado ENTONO, o ilustre escritor sustenta... (E. C. Ribeiro Tr. 513)
a êstes senhores que com grande ENTONO vos saem a falar de fôrças, de paralelogramos de vibração (Laet
R. de C. ano IV.o n.o 47 pg. 266).
ARAVIA:
A intragável sintaxe, no século XVI, apenas surde na ARAVIA do negro lançado à cena por Gil Vicente
(Leda Q. L. B. 109).
530 – ARTIGO.
A repetição do artigo definido antes do superlativo relativo: o homem, o mais sábio,
é condenável galicismo. Interpondo-se, porém, algum advérbio como: MESMO, AINDA
etc., não há nenhum vício de linguagem.
É êste soberano árbitro dos impérios... quem prepara na sua sabedoria AS CAUSAS, AINDA AS MAIS
REMOTAS dêsses grandes fenômenos políticos (Seixas C. das O. II-29) não basta O DIAGNÓSTICO,
AINDA O MAIS EXATO (F. Castro E. C. 89) o que se notava neste velho singular, era a graça inata
com que realçava tôdas AS AÇÕES, AINDA AS MAIS RIDÍCULAS (Rebelo M. D. J. I-71) – con-
cede também que qualquer confessor aprovado no lugar possa absolver os PECADOS, AINDA OS MAIS
ATROZES (Silvério C. Past. 71) é pois, a vida mesma, A VIDA, AO MESMO TEMPO, A MAIS
INTENSA e a mais variada nas suas formas (Laudelino N. e P. VI-131) nisto erram constantemente
os APRENDIZES, AINDA OS MAIS ESTUDIOSOS e aplicados (Sá Nunes L. V. 44) OS NOSSOS
ESCRITORES, AINDA OS MAIS ANTIGOS fornecem-nos grande quantia de palavras fora da voga (E.
C. Ribeiro Tr. 767).
DADE, A MAIS DETESTÁVEL (Pereira B. S. Sab. cap. XIX v. 13) fêz dela UMA MÚMIA, A
MAIS PRECIOSA que pode haver (Filinto O. C. IX-III) – andas... a levantar êsse fantasma, CUJA
SOMBRA, A MAIS REMOTA bastaria para enodoar a pureza daquela inocente (Garrett F. L. S. 30)
ESTA PROPOSTA, A MAIS IMPORTANTE de tôdas quantas se podem fazer, é a criação dum Ministério
dos Negócios da Agricultura (Castilho F. pela A. 38) aí é que me aperta o sapato – disse do lado, em
tom de oráculo, mestre Esteveanes, SAPATEIRO, O MAIS RICO DE LISBOA (Herculano M. de C.
II-69) – NESSA SESSÃO EXTRAORDINÁRIA, A MAIS MEMORANDA nos anais daquela casa
(Rui D. e C. 196) êsse obstáculo, O MAIS FORMIDÁVEL da natureza moral... é a inércia (Laet J.
do C. ano 58 n.o 40 pg. 1.a col. 4.a).
531 – A TOUT HASARD = dê por onde der, custe o que custar, haja o que houver, a
torto e a direito, POR FÁS E POR NEFAS.
E andam tão longe de deixarem cárrego e ofícios inquietos e perigosos, que antes os buscam, POR FAS E
POR NEFAS (H. Pinto I. V. C. II-58) e acabam com êles que POR FAS E POR NEFAS, por qualquer
via lícita ou ilícita, tratem de haver à mão o que cobiçam (Arrais D. 93).
DE BOM MERCADO:
Vá DE BOM MERCADO o que quiserem (Rui G. C. V. B. 61).
535 – A VOL D’OISEAU = de relance, sucintamente, pela rama, por alto, ao de leve, DE
VOO.
Passou DE VÔO as criaturas e buscou o seu centro (H. Pinto I. V. C. II-160).
222 Padre Pedro Adrião
PELA FLOR:
O ponto respectivo às febres do torrão fluminense, tocado muito PELA FLOR no último discurso, en-
volve o problema mais complexo de quantos se abrangem na patologia das terras tropicais (F. Castro E.
C. 132).
536 – BIZARRO.
O legítimo sentido desta palavra em português é: nobre, generoso, garboso, jactancioso, valente,
distinto. Mas por influência francesa passou a palavra a ser empregada também no sentido
de exótico, extravagante, excêntrico, esquipático, ridículo. O emprego das duas acepções daria mar-
gem a frequentes ambiguidades, que nem sempre o contexto poderia resolver. Quando
falássemos em BIZARRO cavaleiro, BIZARRAS ações – não se saberia se queríamos ressaltar
a coragem e a generosidade – ou algum lado grotesco ou ridículo daquele cavaleiro ou
daquelas ações.
Na luta entre as duas acepções é a vernácula (que de modo algum está arcaizada como
provamos pelos exemplos infra-aduzidos) que deve prevalecer. Deve-se, portanto, pros-
crever este galicismo semântico (bizarro = extravagante) por inconveniente e gerador de
anfibologias; de mais a mais, ele não tem tradição clássica que o possa autorizar, como
lhe falta também apoio dos dicionários. O Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua
Portuguesa, de Hildebrando Lima e Gustavo Barroso (1939), não toma conhecimento
desta acepção afrancesada: “Bizarro – adj. – gentil, garboso; bem apessoado; bem vestido; generoso,
nobre, jactancioso”. Cândido de Figueiredo (Novo Dicionário, 5.a edição, 1939) registra só
para condená-lo: “Bizarro adj.: Gentil; bem apessoado; bem vestido; generoso, nobre, jactancioso – na
acepção de excêntrico, esquisito, novo, é francesismo”. Aulete e Morais não faziam menção
alguma da acepção francesa.
Ao subir do cadafalso, levantara com tanto brio a falda do capucho, que levava por dó de si mesmo, que até
o confessor que o ajudava a bem morrer, reparou na sobeja BIZARRIA e graça daquela ação (F. M. Melo
A. D. 371) saiu pois Catarina, um dia, a espaço e... viu que ia juntamente pelo mesmo caminho o mais
gentil-homem, o mais airoso, o mais BIZARRO mancebo que vira em sua vida (Vieira S. XI-65) foi o
infante D. João BIZARRO príncipe, pela gentil disposição do corpo e por outras muitas singulares prendas
(S. Maria A. H. I-54) – quando aparecia nas praças e entrava nos templos era, pelo asseio e BIZAR-
RIA, o atrativo das atenções de todos (Sacramento V. H. P. 112) tem valor e de muitas contendas saiu
com BIZARRIA (Filinto O. C. X-378) – D. Nuno, moço tão fidalgo e BIZARRO, não vê como a
trata? (Garrett Alf. de S. 20) o seu ginete mandava, com tal arte e BIZARRIA, que ao passar no povo-
ado, donas de muita valia, lindos olhos consertavam, nas grades da gelosia (G. Dias II-314) sentiu desejos
veementes de acudir ao indivíduo que, tão BIZARRO, se defendia contra todos (Rebelo D. N. T. G. S. P.
149) para as famílias dêles, que BIZARRAS cartas de nobreza! (Castilho C. A. 256) não era o mais
imbele: ouvi que a muitos... se avantajava garboso, velocíssimo Antíloco e BIZARRO (O. Mendes Od. l.
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 223
IV.o v. 159) não falarei da crueza com que vimos a Filipe tratar aos outros helenos... nem da lenidade que...
afetou para convosco e de que pudestes colhêr os frutos, graças ao vosso BIZARRO proceder (Latino O. da
C. 78) santa audácia, BIZARRA índole de antigo cavaleiro, que abriga no peito a generosidade (Camilo
Q. de A. 87) – por ocasião da tresloucada revolta da maruja na Ilha das Cobras, BIZARRAMENTE
se mostrou dirigindo a bateria do cais de Pharoux, onde o atingiu e gravemente o maltratou, uma bala dos
contrários (Laet R. de C. ano XV n.o 16 pg. 62) já Rui Barbosa, na Réplica, defendeu, com BI-
ZARRIA, aquelas formas (Sá Nunes A. L. N. I-63) vêm, reconhecidas à vossa gentileza e BIZARRA
fidalguia, testificar-vos, de concêrto, sua indelével gratidão (E. C. Ribeiro P. L. E. 141).
RAMINHO:
Madre Ana de S. Agostinho... deu ao Menino Jesus que se dignou aparecer-lhe naquela amável forma,
um RAMINHO de goivos (Bernardes N. F. II-175) – para me dares um RAMINHO de violetas...
(Camilo A. em P. 204).
REGAÇADA DE FLORES:
Foi uma noite, véspera de S. João, quando tôda a gente festejava o bendito santo, apanhando REGAÇA-
DAS de flores e dançando ao som das cantigas costumadas (Rebelo O. V. N. C. 99).
224 Padre Pedro Adrião
GORRA:
Na cabeça, por GORRA tinham posta, ua mui grande casca de lagosta (Camões L. c. VI.o e. 17).
CASQUETA:
Outros ingleses de CASQUETA, calções e sapatos ferrados, em rancho se partiam afrontando solheiras
(Antero R. e V. 71).
CANAPÉ:
Ela foi sentar-se na cadeira que ficava defronte de mim, perto do CANAPÉ (M. Assis P. R. 79) –
Ignarus, podendo dormir tranqùilamente a sesta no seu CANAPÉ, se pôs a sonhar anglicismos (Cândido
F. e E. I-95).
ASSUADA:
A ASSUADA transformou-se então em revolta (Rebelo O. V. N. C. 8).
INGRESIA:
Parecia tôda a aldeia endemoninhada, tanta e tão confusa e desentoada era a BULHA, matinada e IN-
GRESIA que por aí soava (Herculano M. de C. I-76).
LANÇO DOLHOS:
Demos um LANÇO DOLHOS pela Europa (Garrett P. B. E. 57).
VOLVER DE OLHOS:
A desgraçada não disse uma palavra, não deitou um VOLVER DE OLHOS para o cavaleiro (Garrett
Arc. de S. 199) D. Martim e sua irmã trocaram um VOLVER DE OLHOS (Rebelo O. V. N. C.
133) devo, senhores... um rápido VOLVER DOLHOS para a literatura portuguêsa (Sotero C. L. P. B.
I-77) as raparigas afagavam-no com um sorrir e VOLVER DOLHOS afetuoso que fazia cismar o bom
do pároco (Herculano L. e N. II-289).
VOLTAR DE OLHOS:
Só com um VOLTAR DE OLHOS fêz cair desmaiada a rainha Ester (Bernardes N. F. II-223).
PERALVILHO, FRANÇA:
Um moço PERALVILHO, um FRANÇA como se chamavam os petimetres, não o excedia no apuro
(Rebelo M. D. J. I-70).
PINTALEGRETE:
Enfeitado como uma imagem, rescendente a aromas, como um pivete, dir-se-ia a alma do judeu de Veneza
no estojo dourado de um PINTALEGRETE de quarenta anos (Rebelo C. dos F. 231) a velha palavra
portuguêsa “madre” já começava a ser dulcificada, pelos PINTALEGRETES do tempo de D. João I.o, em
“mãe” (Herculano M. de C. I-184) – as meninas e os PINTALEGRETES não gostam naturalmente
do “cotilhão”, porque é português (Cândido F. e E. III-274).
DESBARATO:
Ameaçavam ao Presidente com... o DESBARATO da riqueza coletiva, pela lesão da vida econômica (F.
Castro E. C. 144) quanto ao DESBARATO que Atenas padeceu... achareis, atenienses, que não sucedeu
por minha culpa (Latino O. da C. 81).
DESABE:
Alguns anos mais dêste DESABE e o egoísmo dos nossos desfrutadores, o indiferentismo dos nossos fata-
listas, o otimismo dos nossos poetas abriram os olhos entre surprêsas (Rui D. e C. 530).
SUBVERSÃO, CATÁSTROFE:
Iremos assistir à SUBVERSÃO da nossa pátria, numa CATÁSTROFE inominável (Rui G. C. V.
B. 18).
DESMANTELAMENTO:
Nunca deixou de freqùentar a mente de uns tantos “patriotas” a quem pouco importaria o DES-
MANTELAMENTO da pátria, contanto que se realizem as suas utopias (Laet A. I. ano II.o n.o
17 supl.).
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 227
ESBOROAMENTO:
A anarquia é, de presente, a grande responsável pelo ESBOROAMENTO financeiro que aumenta de dia
para dia (Rui F. P. R. 145).
DESGRAÇA:
A DESGRAÇA financeira do país é o efialta da sua obsessão sonolenta (Rui F. P. R. 151).
RUÍNA:
Obraram tais desordens que se viu em têrmos aquêle país de uma grande RUÍNA (Pita H. A. P.
310).
DESFALECIMENTO:
Que é o acréscimo de 100 ou 200 contos de réis, para que estejamos com tanto receio, como se disto
dependesse o total DESFALECIMENTO do Brasil? (Seixas C. das O. II-126).
DESMANCHO:
Tanto pôde o DESMANCHO dos costumes (Filinto P. 240) – uso é dos príncipes, escolher, para
privados seus, os com que melhor conformaram na idade e inclinações e, muitas vêzes, nos vícios e DES-
MANCHOS (Castilho Q. H. P. I-41).
DISSOLUÇÃO:
Substituíra, à severidade antiga do paço, todo o brilho de luxo insensato e, o que mais era, a DISSOLU-
ÇÃO DOS COSTUMES que, quase sempre, acompanha êsse luxo (Herculano L. e N. I-189).
DESORDEM:
No cartório do nosso colégio... está o original de uma informação... sôbre as grandes DESORDENS e
corrução dos costumes que àquele tempo havia nos homens da Índia (Lucena A. P. I-55) – estou inteirado
das DESORDENS da vossa vida passada (Sacramento V. H. P. 106).
DEVASSIDADE:
Penduraram, no gancho de andrajosa adela, o cinto e o amicto mascarrados de suas DEVASSIDADES
(Camilo N. B. J. M. 95).
228 Padre Pedro Adrião
POSTRES:
Os POSTRES com que se concluiu: alguma fruta pouca do tempo (Sousa V. do A. I-136) – e se
dava por bem e lautamente jantado quando, de POSTRES, lhe servia certo queijo (Filinto O. C. IX-
262) – para POSTRES, preferia frutas comuns (Silvério V. D. V. 328).
ALUADO:
Pior que cego, ficou ALUADO (M. Assis H. S. D. 235).
MATOIDE:
São, quase sempre, anormais, geralmente MATÓIDES ou semi-doidos (Rui D. e A. 68) amanhã dirá
qualquer MATÓIDE que para isso me compraram os alemães (Laet V. de P. I.o/2/1915 pg. 140).
Por tais crimes e como heresiarca OBDURADO, o condenaram a ser, sem demora, degradado das ordens
(Camilo H. G. M. 177).
OPINIÁTICO:
São os homens tão OPINIÁTICOS e altivos... (H. Pinto I. V. C. I-123). – OPINIÁTICO, egoísta
e algo contemptor dos homens, isso fui (M. Assis M. P. B. C. 47).
OBFIRMADO:
Há condições tão OBFIRMADAS na ingratidão que são piores que o Cérbero trifauce (Bernardes N.
F. II-211).
PRÉSTITO:
O monarca e seu numeroso PRÉSTITO demoraram-se a contemplar os quadros de Bento Coelho (Re-
belo D. N. T. G. S. P. 97) D. Mafalda e o padre mestre vieram ao Pôrto, com grande PRÉSTITO de
parentes e lacaios (Camilo T. I. 249).
ACOMPANHAMENTO:
Caminhando um grande rei, com todo o ACOMPANHAMENTO e fausto da sua côrte, encontrou dous
pobres homens (Bernardes P. E. 92).
COMPANHIA:
Seguem todos o rei... pelos bosques... a real COMPANHIA vai entrando (Garrett Cam. 82).
ESTREMEÇÃO:
O nosso estudante sentiu, por todo o seu corpo, aquêle ESTREMEÇÃO nervoso, que dá a faísca elétrica
da ambição (Garrett Arc. de S. 176).
560 – GAFFE = disparate, deslize, cincada, pexotada, despropósito, rata, tonteria, dis-
late, desconchavo, DESPRIMOR.
Cometi, para com V. Excia., um DESPRIMOR (Latino F. de M. 59) – O Fonseca Pinto sabia o
que escrevia e era incapaz de um DESPRIMOR (Cândido M. S. 183).
563 – GRANDE MUNDO = alta sociedade, aristocracia, escol social, RODA FINA.
Quem gira nesta RODA FINA não se há de ir vestir ao Nunes Algibebe, por dez ou doze pintos (Ca-
milo C. V. H. J. A. 74).
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 231
ALTA-RODA:
Gente de ALTA RODA, personagens do alto comércio, famílias que se prezam, reeditam aquilo a tôda a
hora (Cândido F. e E. I-286).
GRANDE RODA:
O espírito do homem das GRANDES RODAS perde tôda a sua originalidade e fisionomia (Camilo
R. do P. 37).
GAIFONAS:
O gentil escudeiro... depois de fazer suas GAIFONAS, partiu a galope (Herculano M. de C.
I-284).
MOMOS:
De todos os seus MOMOS, êste último é o que mais me faz rir (Herculano M. de C. I-158).
VISAGENS:
Ao pospasto, os dois truões... quiseram, com seus arremedilhos e VISAGENS, vir cortar aquelas, no seu
entender, mal cabidas tristezas (Castilho Q. H. P. II-210).
Também é de uso clássico a palavra ESGARES que, não se sabe ao certo, se vem do
francês égards ou se é simples corruptela do vernáculo escárneo:
Então o corpo todo agita e move, com medonhos ESGARES (Cruz e Silva Hiss. 102) – mas do
inumado consorte, com ESGARES espantosos, pálida, em sonhos, lhe aparece a virgem (O. Mendes E. l.
I.o v. 372) o maninelo entre ESGARES e pulos, vozeava (Rebelo C. e L. 155) era o demônio que trago
em mim e costuma fazer dêsses ESGARES de saltimbanco (M. Assis H. S. D. 144) as comendadeiras
do convento houveram horror e não piedade dos ESGARES frenéticos da morgada (Camilo R. H. R.
165) – todo o riso da linha afeleada se enviesa num ESGAR malévolo (Antero J. em P. 64) o ministro
com... alguns ESGARES de baixa comédia... tem pulverizado o contraditor (Rui F. B. 172).
EMBURILHADA:
Fino devia ser o frade para a pilhar com a bôca na botija, se houvesse alguma EMBURILHADA (Her-
culano M. de C. I-298).
PARA PERPÉTUO:
... A aquisição de cabedal suficiente a manter, PARA PERPÉTUO, alguns missionários regulares ou
seculares (Silvério V. D. V. 261).
INTERMÉDIO:
Queria dizer isto que o INTERMÉDIO cômico tinha acabado e que o verdadeiro drama ia começar
(Rebelo M. D. J. I-384).
ENTREMEIO:
O comerem em público os príncipes era uma espécie, ora de prólogo, ora DENTREMEIO nas festas reais
(Herculano M. de C. II-257).
numa espécie de MANTÉU (M. Assis M. P. B. C. 232) adeus, vizinho Braz, disse a servente, conche-
gando o MANTÉU (Rebelo D. N. T. G. S. P. 40) – as senhoras e as criadas, com seus MANTÉUS
pela cabeça, acocoravam-se nas soleiras das varandas (Antero U. O. J. 38).
MENINO DE MAMA:
Eram trespassados com feridas cruéis os MENINOS DE MAMA, dentro dos braços das mães (J.
Barros Pan. 19).
575 – PARVENU tem o sentido de filho da fortuna, homem que subiu da plebe a uma alta posição,
que enriqueceu da noite para o dia. Camilo apresenta a forma aportuguesada.
PÁRVENA:
O acôrdo, que êles faziam com a sua dignidade beliscada, era imaginarem-se desfrutadores do PÁRVE-
NA (Camilo C. V. H. J. A. 118).
234 Padre Pedro Adrião
APRAZIMENTO:
Não nos temos que ocupar com o APRAZIMENTO de estranhos (Rui G. G. 116) o povo, porém, não
foi ouvido, e, fôsse, negaria o seu APRAZIMENTO semelhante emprêsa (Antero L. T. 33).
BENEPLÁCITO:
Em tais casos, compete ao govêrno ou fazer os necessários protestos ou negar inteiramente o seu BENE-
PLÁCITO (Seixas C. das O. III-95) – nenhum ato seu deixava de ter o BENEPLÁCITO de tão alta
potestade (Rui G. C. V. B. 51).
DESEMPENADO:
Antônio da Cruz... dava-se ares de moço mui DESEMPENADO, debaixo das abas do chapéu novo de
Braga (Rebelo C. dos F. 175).
578 – QUE = quando em correlação com APENAS. Não se deve dizer como disse Fi-
linto Elísio: Apenas se puseram a caminho para Belém, QUE a estréia lhes luziu diante mas QUANDO
A ESTRÊLA etc., ou então suprimindo-se a conjunção: apenas se puseram a caminho para Belém,
A ESTRÊLA lhes luziu diante.
APENAS prosseguiam outra vez a marcha, QUANDO já lhe vinham no alcance oitocentos cavalos (S.
Maria A. H. I-141) Angelina... APENAS tocou na duodécima primavera de seus anos, QUANDO
logo consagrou todos a Deus (Bernardes N. F. II-341) – APENAS foi vista da cidade, QUANDO o
governador... fêz despedir dois lanchões (Pita H. A. P. 268) APENAS o alcançamos, QUANDO logo se
forma em nós um desejo imperceptível de o esquecer (M. Aires R. V. H. 74).
APENAS se divulgou o seu trânsito, CONCORREU logo a venerá-lo tôda Lisboa (S. Maria A.
H. I-156) – APENAS encarou com D. Maria, a ESPERANÇA fugiu (Rebelo O. V. N. C. 214)
APENAS lhe toquei no assunto, ACENDEU o cachimbo (Camilo R. H. R. 224) APENAS publicava
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 235
alguma cousa, CORRIA a minha casa (M. Assis M. P. B. C. 158) APENAS Pelágio transpôs o escuro
portal da gruta, EURICO alevantou-se (Herculano E. P. 265).
ESTADIA:
Não seja de breve dura a ESTADIA entre nós dêsse destro e exímio timoneiro (E. C. Ribeiro P. L.
E. 192).
584 – SE + O, A, Os, As. Os clássicos não escrevem: não se o faz, não se a tem (o que é
francesia injustificável) mas: NÃO SE FAZ ELE, NÃO SE TEM ELA.
Também se deve esperar da dor aquilo para que cada um a tem; de outra maneira não SE DEVIA ELA
TER (Bernardim M. e M. 57) verdade é que há aí verdades que se não hão de dizer; e há aí outras que, caso
236 Padre Pedro Adrião
que é bem que se digam, QUEREM-SE ELAS cozidas (H. Pinto I. V. C. I-102) entre as reais, SE CON-
TOU ELA sempre em tôda parte (Sá Miranda O. C. I-302) – não pela fé como SE ELA SE PUDESSE
ALCANÇAR pelas obras (Pereira B. S. Rom. cap. IX.o v. 32) – com espadas SE FAZ ELA, padre
(Garrett Alf. de S. 21) para êles especialmente e para seu particular benefício, é que ELA SE INVENTOU
(Castilho C. A. 177) – DIZEM-SE ELAS indiferentemente “viable” ou “vital” (Rui R. n.o 247 pg.
123) por demais fôra acumular as citações, tanto e tão explícitas SE DEPARAM ELAS (Laet H. P. 10)
Laudelino excomunga... a locução... e manda que SE ELA SUBSTITUA (Sá Nunes A. L. N. I-225) isto
de correção, às vêzes, é conforme ELA SE ENTENDE (Cândido F. e E. III-57).
SILVO:
Um SILVO de peloiro soou (Garrett Cam. 41) deu um SILVO agudo, a cujo soído Egas pareceu
reconhecê-lo (Herculano B. 123).
SERÃO:
O Imperador quis que houvesse SERÃO para pagar, nos nóveis cavaleiros, o trabalho daquele dia, dançando
cada um com sua dama (F. Morais P. de I. 32) – José Ricaldo começava a cumprir a promessa dada à
formosura estrangeira no famoso SERÃO do palácio dos Marialvas (Rebelo L. e T. II-105) uma flor
desabrochada em seus quinze anos, que o moço viu num dos SERÕES da côrte (M. Assis A. 171).
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 237
SEROADA:
Nas SEROADAS do paço, discutia-se a fidalguia portuguêsa, a bravura dos guerreiros, a gentileza dos
cavaleiros (Antero L. T. 20).
CUVILHEIRA:
D. Leonor entrou seguida das CUVILHEIRAS e donzelas da sua câmara (Herculano L. e N.
I-167).
TRAPAÇA, EMBUSTE:
Tudo o mais que vos ocorre contra esta resolução são TRAPAÇAS e EMBUSTES do demônio (Ber-
nardes P. P. P. 90).
MAROSCA, TRAMPOLINA:
Sr. doutor... os tratantes sabem grandes MAROSCAS! pois não acha V. Sia. que êle se fingiria surdo e
cego para alguma TRAMPOLINA? (Camilo F. D. N. 147).
TRATADA:
Se te fingisses doente? – vinha o médico, a TRATADA era logo descoberta (Castilho Av. 72).
TRAMOIA, MAROTEIRA:
Foram os sofismas, as TRAPAÇAS, as ladras TRAMÓIAS da sua habilidade... fêz a MAROTEIRA e
gabou-se de a fazer (Camilo F. D. N. 99).
VELHACADA:
No cimo da administração, outrora, se achava um homem inteligente, honestíssimo, implacável inimigo de
tôda VELHACADA (Laet A. I. ano II.o n.o 17 pg. 6).
BURLA:
Êsse compromisso era uma BURLA (Rui F. P. R. 167).
238 Padre Pedro Adrião
ALICANTINA:
Sabem ser a República uma ilusão... e os pleitos eleitorais, uma série de ALICANTINAS (Laet V. de
P. I.o/I/1915 pg. 13).
FALCATRUA:
Que ali há FALCATRUA hei grã suspeita (Filinto O. C. VI-148).
EMBAÇADELA:
A paz das cidades só se podia obter à custa de EMBAÇADELAS recíprocas (M. Assis M. P. B. C.
261) – o que neste projeto ressumbra é (perdoem-me a frase) uma formidável EMBAÇADELA armada
ao país (Rui F. P. R. 227).
BATOTA:
Todos, pelo negócio pelo negócio... das BATOTAS nos ministérios, secretarias e corredores parlamentares
(Rui R. de G. III).
dotes, calando os defeitos inerentes à natureza humana que não escapam aos olhos de quem os contempla
ROSTO A ROSTO (Silvério V. D. V. 344) ROSTO A ROSTO com o tribunal aberto, rompeu a fa-
rândula de fraldas (Rui C. L. 201) Cícero... rompeu ROSTO A ROSTO a acusação formidável contra
o monstro que planeara a extinção da cidade (Laudelino N. e P. IV-141).
CARA A CARA:
A dona dum hotel... tem criados que servem e dispensam de tratar CARA A CARA com os hóspedes
(Camilo C. V. H. J. A. 67).
CAMINHEIRO:
Os filhos de Israel e os gafanhotos, antes de haver passarola, já eram os maiores CAMINHEIROS do
mundo (Rebelo O. V. N. C. 161).
GALICISMOS NATURALIZADOS
595 – Damos a seguir uma lista de palavras oriundas do francês, porém, já pelo uso,
incorporadas no nosso léxico, louvando-nos numa enumeração ainda maior e mais com-
pleta, apresentada por Antenor Nascentes no seu “Dicionário Etimológico da Língua
Portuguesa”:
Agiotagem, altruísmo, anisete, apanágio, aprendiz, aproche, arcobotante, arranjar, artesiano, artilharia,
assembleia, avenida, bagagem, baioneta, baixela, barricada, barril, bastilha, batel, bateria, beterraba, bilhar,
bilhete, biltre, bisturi, blusa, bobina, bombom, boné, bossa, botão, breu, brida, broche, brochura, burocracia,
cabaré, cabotino, cabriolé, cadete, cais, calembur, calote, caporal, carburador, carbureto, carrilhão, carruagem,
cartonar, cêntimo, cerne, chalé, chamalote, chaminé, champanhe, chanceler, chantre, chapa, chapéu, charada,
charamela, charrua, chefe, chinó, chique, claraboia, cobarde, colcheia, colete, comandita, comboio, compota,
comuna, concertina, coruchéu, crachá, craião, cré, creme, crepe, cretino, cretone, croché, daguerreótipo, dama,
deão, departamento, derrapar, divisa, ducha, endossar, engrenagem, equipar, ergotismo, escamotear, espoleta,
esquina, estágio, estrangeiro, etapa, evoluir, fabordão, fanfarra, ferrabraz, fiacre, ficha, filé, filete, finança,
forja, formato, forrar, framboesa, franco, franja, fricassê, funicular, furriel, gabinete, galocha, galopar, garage,
geleia, gorja, gravata, greve, gripe, grisalho, guante, guilhotina, hotel, huguenote, ímã, instalar, jacobino, ja-
queta, jardim, jaula, joalheiro, joia, lanceta, leste, loja, lote, luneta, macabro, maçonaria, manivela, manjar,
manobrar, mansarda, marchar, maré, marmita, mascote, massagem, mastim, mecha, menestrel, metralha,
minueto, moda, morena, nordeste, nórdico, oboé, obreia, ogiva, pacotilha, país, paisagem, paisano, paladino,
palitó, paquebote, passamanes, passaporte, patuá, percalina, personagem, petardo, petiz, pinguim, piquete,
piramidona, pistão, placa, placar, plancha, plantão, plataforma, plumitivo, polaina, potro, prancha, prato,
pré, proeza, projetil, purê, quepe, rampa, rapé, restaurante, retreta, retrós, ricochete, rocha, rococó, rolar, ro-
leta, romanesco, romantismo, rosicler, sabre, saia, salada, salão, sargento, silhueta, sinete, tabagismo, talante,
tamborete, tarlatana, terrina, timbre, tocha, trem, trenó, trinchar, trinchete, turbilhão, ultraje, usina, valete,
varicela, vendaval, viável, vinheta, viseira, vitrina.
Além destes termos, que documentar com exemplos clássicos seria quase sempre des-
necessário e ainda por cima demasiadamente enfadonho, pareceu-nos apresentar, acom-
panhadas de trechos que as autorizam, mais algumas palavras ou locuções generalizadas
pelo uso, sobre as quais poderia suscitar-se alguma dúvida. Por aqui veremos que os
clássicos, assim como não são pela total aceitação dos galicismos (o que nos poria numa
242 Padre Pedro Adrião
posição de vil dependência para com a língua francesa, além de que muitos vocábulos
desta não se compadecem de forma alguma com o gênio da nossa) assim também não
opinam pela sua total condenação pois, se temos, no nosso léxico, palavras derivadas do
inglês, do italiano, do espanhol etc., com maioria de razão havemos de tê-las derivadas
do francês, dada a larga influência por este exercida na literatura de todos os povos civili-
zados, máxime na dos latinos. A questão está, muitas vezes, em saber quais os galicismos
que havemos de rejeitar e quais os que havemos de admitir, embora saibamos, de modo
geral, que a necessidade, ou o uso constante de par com a semelhança flexional com as
nossas palavras, sejam fatores que nos possam induzir à sua legítima aceitação.
Sirvam as citações que damos neste capítulo para desfazer alguns escrúpulos que
porventura possamos alimentar, quanto a certos termos ou expressões que nos vieram
por imitação da língua francesa, é verdade, mas que já é tempo de considerarmos como
fazendo parte integrante do vocabulário da nossa língua.
596 – ASSASSINATO.
Francamente não atinamos por que tenha sido tão condenada esta palavra pelos pu-
ristas, os quais acham que só se deva dizer assassínio. Admitir ASSASSINO, ASSASSÍNIO,
ASSASSINAR é admitir o tema; e o sufixo ATO é bem nosso, e não é só na palavra ASSAS-
SINATO que este sufixo indica ação, cena, crime, pois temos também: pugilATO, estelionATO,
plagiATO.
Lá estão as fôrças, os algozes, os ASSASSINATOS (Garrett P. B. E. 158) quanto aos processos que
ocasionara o ASSASSINATO do alcaide-mor, sabemos que duraram, em suas diversas fases, mais de quatro
anos (Lisboa V. P. A. V. 252) uma tentativa de ASSASSINATO assalariada pelo gabinete de Lisboa
veio provar-lhe... (Rebelo História de Portugal t. III pg. 37 apud M. Barreto. De Gramática
e de Linguagem vol. 2.o pg. 138) um degenerado com ausência do senso moral comete um ASSASSI-
NATO (F. Castro E. C. 129) encontra a senha que dera para o ASSASSINATO do Marquês de Terras
Novas (Camilo Marquês de Terras Novas 2.a edição pg. 118) mas então é um ASSASSINATO?
(M. Assis P. A. 114) – compungidos, derramam lágrimas os mesmos que consideram justíssimos os
ASSASSINATOS políticos (Laet A. I. ano II.o n.o I supl.).
597 – ATAQUE no sentido de acesso, insulto (fr. attaque) já está amplamente vulgarizado.
Depois do ATAQUE de apoplexia, lhe era o andar dificultoso (Filinto O. C. XI-455) – padeci,
a falar a verdade, meus ATAQUES, assaz agudos dessa moléstia (Garrett V. M. T. I-72) o marquês
combatia um ATAQUE de tosse que o sufocava (Rebelo D. N. T. G. S. P. 173) um ATAQUE de nervos
que era já o terceiro que o insultava (Camilo A. de S. 52) isto é como os ATAQUES de nervos, que se
pegam às crianças (T. Vasconcelos P. A. D. 104).
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 243
598 – AUDACIOSO.
É verdade que, aos substantivos portugueses terminados em ÁCIA, correspondem
adjetivos em AZ: falácia – FALAZ; contumácia – CONTUMAZ; eficácia – EFICAZ; perspicácia –
PERSPICAZ. Mas ao lado de astucioso = cheio de astúcia, blandicioso = cheio de blandícias;
malicioso = cheio de malícia; tendencioso = que mostra tendência etc., etc., audacioso = cheio
de audácia, que mostra audácia, se é galicismo, o é tão inocente, que não chega a macular
a pureza da língua.
Desfere os vôos AUDACIOSOS para os céus (Rebelo L. e T. I-162)... excedem os poderes da mais
AUDACIOSA fantasia (Latino E. C. 64) o mais AUDACIOSO não ousava fitá-la de rosto (Camilo
A. de P. II) duas senhoras, achando a cortesanice, excessiva e AUDACIOSA, interrogaram os olhos do dono
da casa (M. Assis P. A. 34) – converter AUDACIOSAMENTE o título de um livro espanhol num
substantivo português, não importa, para os lexicógrafos a obrigação de registar o invento (Cândido C.
S. S. 149) semelhante caterva... perseguirá AUDACIOSAMENTE a glória no domínio das letras (Leda
Q. L. B. 99)... encabeçando as AUDACIOSAS delinqùentes no 219 do código criminal (Laet J. do C.
ano 58 n.o 89 pg. I.a col. 6.a).
600 – BANAL é palavra muito antiga; remonta aos tempos do feudalismo e nos veio
do germânico, através do francês. Chamava-se antigamente banal um poço, moinho ou
forno etc., quando o senhor feudal por meio de um banho ou proclamação, autorizava
o povo a servir-se dele, mediante certo tributo. Naturalmente arcaizou-se neste sentido
por não estarem mais em vigor os costumes feudais. Daí passou depois a designar uma
coisa comum, vulgar, trivial, que chega para todos, comezinha, corriqueira. Apesar de poder ser bem
substituída, já não é possível bani-la da nossa língua e bem poucos decerto pensarão em
fazê-lo.
244 Padre Pedro Adrião
Dizer que eram três graças é uma vulgaridade cansada e tão BANAL... (Garrett V. M. T. II-130)
a política nas províncias cifra-se tôda... na BANALIDADE das declamações (Lisboa O. C. I-194) viu
defronte de si uma criada que lhe dizia BANAIS e frias expressões de alívio (Camilo A. de P. 148)
atravessaram-lhe o cérebro algumas memórias BANAIS (M. Assis Q. B. 322) – a expressão “a vida é
um sonho” deixou de ser um lamento BANAL do romantismo suspiroso (Silva Ramos P. V. F. 53) não
poderão pretender que são licenças... ou outro qualquer BANAL argumento (M. Barreto N. E. L. P.
prefácio VI) eis o meu raciocínio, BANAL como eu mesmo (Rui G. C. V. B. 77).
601 – BIFAR vem do biffer francês – apagar o que está escrito, cancelar, riscar e significa tam-
bém em nossa língua tirar, roubar, subtrair.
Uma traça BIFARA o resto da palavra (M. Assis P. R. 122) derriçar pelas orelhas do judeu, BIFAR-
LHE as jóias (Rebelo O. V. N. C. 235) vai-te restituir aos gregos e latinos o que lhes tens BIFADO
(Castilho Sab. 141) – com o mesmo direito com que BIFOU êsse artigo, podia ter BIFADO quantos
outros lhe aprouvessem (Rui R. de G. 221).
603 – BONOMIA (do fr. bonhomie – lhaneza, candura, simplicidade, bondade, singeleza) tem sido
bem aceito em nossa língua.
Sendo assim, que mal há na BONOMIA que Tartufo atribui ao céu? (M. Assis Sem. 90) – da sua
BONOMIA no humorismo... darão testemunho perpètuamente os seus escritos (Rui C. L. 226) êle não
chamava “Cordeiro” mas “Borrego” pela conhecida BONOMIA do poeta da “Doida de Albano” (Cândido
M. S. 181) a incandescência do meu olhar de pecado... é hoje substituída... pela luz plácida da BONOMIA
complacente (Antero U. O. J. 14) à fina malícia do humorista, casava-se a despretensiosa BONOMIA
do salão (Laet J. do C. ano 58 n.o 90 pg. I.a col. 8.a).
604 – CHAMBRE.
É abreviação do francês robe de CHAMBRE.
De CHAMBRE e de chinelas, pela comprida sala passeava... Sua Senhoria (Cruz e Silva Hiss. 22)
não duvidava, com tal elmo, tais braçais e tal couraça dar cabo dum campeão de barrete e CHAMBRE
(Filinto O. C. IX-161) – dê-me o CHAMBRE de cetim-primavera (Rebelo M. D. J. II-33)
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 245
vestia uma espécie de CHAMBRE de sêda azul (T. Vasconcelos P. A. D. 168) apenas lhe toquei no
assunto, acendeu o cachimbo, cobriu as pernas com as abas do CHAMBRE de sêda desbotado (Camilo R.
H. R. 224) quem o visse com os polegares metidos no cordão do CHAMBRE... (M. Assis Q. B. 7) –
ao lado o tear que tece o burel dos seus CHAMBRES e polainas (Antero J. em P. 145) um patife bem
desmoralizado... pelo fato de pendurar o CHAMBRE no cabide... muda de caráter (Laet J. do C. ano
58 n.o 61 pg. I.a col. 4.a).
605 – CHICANA vem do francês (la chicane), mas tem origem remota, pois o francês o
recebeu do grego, e o grego, do persa.
Veríamos extinguir-se e acabar-se êsse maldito espírito de CHICANA que é uma verdadeira peste destrutiva
da paz e tranqùilidade das famílias (Seixas C. das O. III-32) a CHICANA, os doutores e os magistrados
são os que governam (Lisboa O. C. I-161) vá promover já, já, sem sombra de CHICANA o enlace que há
de unir Valério e Mariana (Castilho Tart. 94) mas são capazes de fazer CHICANA os meus inimigos (M.
Assis Q. B. 37) – estira-se no chão, com o cambapé de uma CHICANA ou o pontapé de uma violência,
o direito (Rui R. de G. 114) longa, interminável CHICANA dignou-se de mover-me o Sr. Álvaro Reis
(Laet H. P. 59) se as julgou tais o jornalista, é porque se deixou ilaquear nessa rêde de sutilezas, CHICANAS
e regrinhas, impostas pela tirania dos gramáticos (M. Barreto N. E. L. P. 154).
607 – CONDUTA (la conduite) pode admitir-se, sem crime, para designar o modo de al-
guém dirigir ou conduzir suas próprias ações (ou por outra) conduzir-se a si mesmo. A flexão
portuguesa seria condução; mas condução já tem outro sentido.
Quem tem boas leis, tem má CONDUTA (Durão C. c. III.o e. 61) não imitas a CONDUTA de
um príncipe prudente (Basílio O. P. 228) segura a tua CONDUTA com a recepção dos santos sacramen-
tos (Sacramento V. H. P. 48) – a Lei e a Constituição, eis a norma invariável da minha CONDUTA
(Seixas C. das O. II-11) – tôdas as regras de CONDUTA, todos os preceitos e ensinamentos aí se
acham claros (Laet A. I. ano II.o n.o I.o pg. 5) admitir a CONDUTA como resultado exclusivo dos
móveis conscientes não é certo (Laudelino N. e P. VI-132).
608 – DE RESTO (fr. du reste) tem, a seu favor, ligeira semelhança com o latim de reliquo.
DE RESTO, Henrique Clay... é um dos homens mais eminentes da União (Lisboa O. C. I-137)
DE RESTO, tratavam-se com aparente cordialidade (Herculano L. e N. 252) era prova de uma rara
246 Padre Pedro Adrião
isenção de espírito; DE RESTO o finado era exímio nos retratos (M. Assis H. S. D. 78) DE RESTO,
muito mais modestos que justos juízes dos seus produtos (Camilo apud E. C. Ribeiro Tr. 782) – DE
RESTO Regina tem idéias assentes sôbre pontos de honra, nos quais não transige (Antero Cômicos 4.a
ed. pg. 112).
de embarcar... com destino à Europa, levando em sua companhia a DESOLADA família (Laet A. I. ano
II.o n.o 12)... serras nuas que no verão devem escaldar o corpo e DESOLAR a alma (Antero J. em P.
134) saí DESOLADO (Silva Ramos R. de C. ano I.o n.o I.o).
611 – EMOÇÃO.
O latim possui o verbo emovere que significa agitar, mover, abalar, perturbar, sacudir. Isto daria
naturalmente emotio-nis. Mas tal substantivo não se conhece em latim. O francês emotion nos
deu EMOÇÃO, que a analogia com remoção (latim remotio-nis) comoção (latim commotio-nis)
promoção (latim promotio-nis) etc., faz francamente aceitável. Além disto o uso...
Que se acrescente... a prolixidade das EMOÇÕES finas e rebuscadas (Camilo R. do P. 189) o
mesmo órgão... tem sido prostituído a sons lascivos e incompatíveis com as puras e santas EMOÇÕES de
uma piedosa sensibilidade (Seixas C. das O. I-228) o meu peito de homem não basta a tantas EMO-
ÇÕES (Castilho M. U. M. 20) poeta que fôsse, não poderia... transmitir-lhe a EMOÇÃO da grandeza,
do deslumbramento, da felicidade (M. Assis H. S. D. 192) – vi os senadores deixarem a sua cadeira
tomados de EMOÇÃO inexprimível (Rui D. e C. 196) pensar-se-ia na maneira de injetar-lhes na alma
as grandes EMOÇÕES interiores (Silva Ramos P. V. F. 44) eu devia à minha terra esta romagem de
EMOÇÃO às suas cousas lindas (Antero J. em P. 54) outros escândalos há, mais dignos da grande
EMOÇÃO do nosso crítico (M. Barreto F. L. P. 301).
612 – FUNERAIS.
A mais antiga forma é a do singular FUNERAL:
Viram os nossos... dar sepultura ao corpo com todo o FUNERAL militar e político que ensinou a
vaidade da guerra (Jacinto V. D. J. C. 105) que são as galas e enfeites? FUNERAL do siso e modéstia
(Bernardes P. E. 269) – chorado ocultamente e sem as honras de régio FUNERAL, desconhecida pouca
terra os honrados ossos cobre (Basílio O. P. 118) pedindo-se emprestada a certa confraria a cêra necessária
para o seu FUNERAL (Gaspar M. H. C. S. V. 158) – ressumbra não sei quê tão solene e grave e
augusto de um FUNERAL, entrando a passo lento as portas da igreja (Garrett Cam. 8) nunca houve
FUNERAL tão rico de prantos e louvores (Rebelo C. e L. 6) entre os parentes da casa que assistiram
ao FUNERAL, estava o morgado de Pôrto-Alvo (Camilo R. H. R. 207) – foi necessário vender os
animais do tráfego, a liteira e os livros de seu uso particular, para saldar as despesas do FUNERAL (Sil-
vério V. D. V. 342) escolhido para tributar, no FUNERAL público dos primeiros heróis da luta contra
Esparta (Rui D. e C. 532).
Mas por influência francesa começou de se usar com mais insistência a forma do
plural, a qual aparece nos bons autores:
O grão Pacheco sem FUNERAIS se enterra (Bocage Son. 123) – a nobilíssima ordem do senado
confirmou a eleição e decretou FUNERAIS esplêndidos e honras divinas ao divino Cláudio (Lisboa O.
C. I-94)... FUNERAIS instaurando a Polidoro (O. Mendes E. l. III.o v. 61) as ocupações motivadas
248 Padre Pedro Adrião
pelos FUNERAIS de Pedro II.o justificaram, aos olhos de todos, a reclusão do príncipe (Rebelo M. D.
J. II-177) viera depois dos FUNERAIS (Camilo H. de P. I-22) – são os FUNERAIS de um deus,
orquestrados com labaredas (Antero J. em P. 97).
613 – GAMENHO (fr. gamin), além de ser popular (veja-se o “Vocabulário Pernambu-
cano” de Pereira da Costa), tem a seu favor o haver sido usado por Camões.
Vós sois das GAMENHAS (Camões T. 177) – também gizava para a sobrinha (moçoila assaz
GAMENHA) e para a serva sirigaita, saias (Filinto O. C. VI-290) – e Cláudio, o doce poeta, não o
vemos todo ali... GAMENHO no perigo...? (M. Assis N. R 155).
614 – HORDA nos veio do tártaro ou talvez do turco, por intermédio do francês.
Maiorais de nações, de povos, de tribos, de HORDAS, de famílias (Castilho F. pela A. 233) os
sábios eram as novas HORDAS setentrionais chamadas a desmembrar um novo império (Latino E. C.
25) o solo pátrio estremecia, batido pelo tropel das HORDAS conquistadoras (Camilo F. D. N. 16)
contou-lhe os prodígios de negócio nos Estados-Unidos, as HORDAS de moedas que corriam de um a outro
dos dous oceanos (M. Assis H. S. D. 173) –... chamassem, à luz da fé e da civilização, as HORDAS
selvagens de índios (Silvério V. D. V. 17) uma restauração assente na vitória de uma HORDA de
mentecaptos (Rui D. e C. 472).
615 – ISOLAR.
Sobre este vocábulo diz Gonçalves Viana nas suas “Apostilas”: “Muitos escritores
preferem insular como verbo a ISOLAR – apartar, deixar só, desacompanhado “por ser galicis-
mo”. Galicismo ou não, porque a forma é mais italiana que francesa, pois em toscano é
que se diz ISOLA por ilha, entanto que em francês o nome é ile antigo isle, entendo que já
não é tempo de desterrar palavra tão útil e tão expressiva; insular é igualmente neologis-
mo e em latim seria barbarismo”.
Todos os dias se engrandece e nobilita, adquirindo conhecimentos, talento e amor que não alcançaria, se
vivesse ISOLADO (Camilo R. do P. 196) as grandes massas de árvores eram indígenas, primitivas;
eram as mesmas florestas selvagens, mas desassombradas em grupos ISOLADOS (Garrett H. 75)
além, uma pedra, um fóssil ISOLADO (Latino E. C. 26) o reconhecimento da albumina urinária,
como fato ISOLADO, é completamente estéril de vantagens clínicas (F. Castro E. C. 97) – o projeto
12 de maio ISOLOU absolutamente os escravos de sessenta anos (Rui D. e C. 138) nada mais fêz
do que abundar em dizeres que, tomados ISOLADAMENTE, induziriam à prática epicúrea (Laet H.
P. 42) a gestação precede a existência, em estado ISOLADO, dos dois sêres (M. Barreto N. E. L.
P. 281).
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 249
616 – LEGENDA = lenda é uma acepção discutida, porém não estranha, de todo, aos
autores clássicos:
... Exaltando-lhe também a imaginação infantil com LEGENDAS misteriosas em que a sua razão
descobriu depois absurdas fábulas (Garrett H. 168) a poesia nebulosa do norte teceu as mais românti-
cas LEGENDAS (Latino A. e N. 42) o que tenho visto é virgens mais autênticas que as onze mil da
LEGENDA (Camilo Sangue I.a edição pg. 54) – a LEGENDA de terror incendiário com que os
interessados na escravidão procuravam especializar o abolicionismo radical é a mesma com que, há quatorze
anos, se caluniava o primeiro tentame de emancipação gradual no Brasil (Rui D. e C. 167) parece incrível
que semelhante praga, já quase extinta nos tempos do LEGENDÁRIO chefe Siqueira, ainda hoje dê que fazer
ao Sr. Tito (Laet J. do C. ano 58 n.o 33 pg. I.a col. I.a).
617 – LIBRÉ.
Desde os primórdios do período clássico está naturalizado este galicismo (fr. la livrée).
Assim como a contínua prática sôbre embaraços e vaidades é a LIBRÉ dos negociadores, assim o silêncio
é o trajo dos solitários (H. Pinto I. V. C. II-42) – com custo, riqueza e variedade de LIBRÉS (Sousa
A. D. J. I-194) vê-se falto de vestidos e LIBRÉS para seus criados (Arte 122) – pediu-me com eficácia
que lhe descrevesse... qual LIBRÉ vestia o cocheiro (Filinto O. C. X-312) – trajavam, interesseiros e
covardes, as LIBRÉS do vencedor (Garrett V. M. T. I-62) a pálida LIBRÉ nem todos vestem (G. Dias
P. I-285) o sair para tôda a parte sem a pesada LIBRÉ das galas (Castilho F. pela A. 89)... distintivos
da LIBRÉ dos Ponces de Leão da Espanha (Camilo Q. de A. 182) – corre a Roma e veste a LIBRÉ
do Vaticano (Rui C. L. 171).
618 – MADAMA.
Madame, aportuguesado em MADAMA, tem sido usado por autores respeitáveis.
Eu não trocarei duas pescoçadas da minha... por quantos sonetos estão escritos nos troncos das árvores do
Vale Luso, nem por quantas MADAMAS Lauras vós idolatrais (Camões T. 196) – bofé, MADAMA,
que não é bem difícil isto (Filinto O. C. X-42) em urdir e tramar uma só teia, dez anos consumia a tal
MADAMA (Cruz e Silva Hiss. 61) – isto não é conosco, é lá com as MADAMAS (Castilho C. A.
203) não é necessário ter mudança para poder afligir tristes MADAMAS (Camilo D. da M. 61) – o
ferrageiro Lopes, êsse disse-me que há de ir com a sua MADAMA à feira de Alcântara e disse muito bem; já
assim escrevia o Filinto (Cândido F. e E. I-232).
... Tufão maligno que não soubemos como nos cumpria prevenir em tempo e que MAIS TARDE há de
zombar das nossas capitulações e das nossas fraquezas (F. Castro E. C. 70) todo o organismo aspira e ela-
bora os elementos nutritivos... só MAIS TARDE, quando chega à perfeição, lhe é dado reproduzir-se (Latino
A. e N. 121) dizei a essas criancinhas que já existem e às que vierem MAIS TARDE, o que Deus vos
fêz entrever (Camilo R. do P. 210) falava-me do obséquio a cada passo, dava-me grandes nomes, enfim
acabou; MAIS TARDE relacionamo-nos ìntimamente (M. Assis H. S. D. 79) – a derrama que se fêz
dessas ações foi o lençol de petróleo que, MAIS TARDE, se ateou e propagou a conflagração (Rui F. P. R.
22) só depois, MAIS TARDE, nos apercebemos do que vimos (Antero J. em P. 3) eu aprendi primeiro
com meus pais, e MAIS TARDE no Colégio de Pedro II.o, com o professor de religião (Laet A. I. ano
II.o n.o I.o pg. 5) inflamou os primeiros arroubos de eloqùência com que, MAIS TARDE, assombrava os
ouvintes (E. C. Ribeiro P. L. E. 65).
621 – PETIMETRE.
Temos casquilho, janota, pelintra, peralvilho, frança, papo-seco, pisa-flores, pintalegrete, etc., para
designar o almofadinha, mas PETIMETRE (do fr. petit-maitre) não tem desagradado aos
bons autores.
Êsse barrete, fê-lo Le Roy ou Mlle. Despreaux – acudiu um dêsses velhos PETIMETRES que, mais im-
pudentes que os moços, carecem de graça (Filinto O. C. X-73) – a párvoa chusma dos galãs mais parvos,
dos fofos PETIMETRES já do sexo gentil não quer favores (Garrett F. F. C. 54) um moço peralvilho,
um frança, como se chamavam os PETIMETRES, não o excedia no apuro (Rebelo M. D. J. 70) duas
de minhas filhas tiveram tendência para PETIMETRES que tafulavam miraculosamente (Camilo F. D.
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 251
N. 58) êle andara de pantorilhas em rapaz e parece que foi um dos PETIMETRES da cidade (M. Assis
Q. B. 68) – aquêle barão, ridículo PETIMETRE (M. Barreto N. E. L. P. 343).
como se pode dizer que um crime TEVE autor EM Fulano, TEVE origem NO ciúme, pode-se
também dizer que TEVE lugar NO Recife. E dizer que um fato TEVE lugar no Recife é o mes-
mo que dizer que aí se realizou. O verbo HAVER no exemplo infratranscrito de Fr. Heitor
Pinto vem sempre ao caso, pois sabe-se a perfeita equivalência dos verbos TER e HAVER,
máxime no século em que viveu aquele escritor.
Que males não TERÃO EM MIM LUGAR? (T. de Jesus T. de J. I-312) bem vejo eu, disse o
italiano, que houve muitos homens que desprezaram o mundo e fugiram dêle por não serem dêle vencidos,
mas vós não me podeis negar que fugir-lhe é fraqueza, porque a verdadeira vitória contra o mundo é vencê-lo
sem lhe fugir. Antes, disse o português, é ao contrário. Bem que NAS BATALHAS CORPORAIS HÁ isso
LUGAR, mas nas espirituais diz S. Jerônimo que fugir é vencer (H. Pinto I. V. C. II-15) – pediu, se
decretasse que não TIVESSE mais LUGAR NA CÔRTE ROMANA êste gênero de graça (Sousa V. do
A. I-262) pedem seus feitos, dignos de memória eterna, a relação mui diferente da que aqui TEM LUGAR
NA NOSSA HISTÓRIA (R. Lobo C. de P. 17) o chorar é efeito ou conseqùência do ver... dir-me-eis
por ventura que EM EVA e NO SEU PECADO TEVE LUGAR esta conseqùência, em nós e nos nossos
olhos, não (Vieira S. V-95) – não pode isto TER LUGAR e, menos com solenidade, EM ORATÓRIOS
PARTICULARES (Seixas C. das O. I-57) – TEVE LUGAR a cena NAS ÁGUAS VIRTUOSAS de
Lambari (Silvério V. D. V. 247).
Se TER LUGAR não é construção bárbara, mas existe há muito tempo na língua, no
sentido de ter cabimento etc., se TER LUGAR seguido de complemento locativo coincide
perfeitamente com fazer-se, efetuar-se, realizar-se etc., achamos que houve demasiado rigor
em condenar-se categoricamente o uso de TER LUGAR = realizar-se, mesmo sem este
complemento. Seria apenas um caso de natural generalização de sentido, embora provo-
cada pela influência do francês; por isto nos não admirou, além de vê-lo tão vulgarizado,
encontrar este uso em bons autores.
...Decorrendo os anos sem que TIVESSE LUGAR o casamento, começou a padecer a reputação de minha
mãe (Filinto O. C. X-183) – a negociação de que êle reza, TIVERA LUGAR durante a primeira
embaixada do marquês (Lisboa V. P. A. V. 106) neste dia, o mesmo em que TIVERA LUGAR a
conferência de Sebastião de Magalhães com o seu visitador, o Sr. D. Pedro obrara prodígios (Rebelo M.
D. J. I-233) além de quê, se tal prodígio devia TER LUGAR (Camilo Freira no Subterrâneo 2.a
ed. pg. 153) –... entregando-lhes tôda a direção do Seminário, o que TEVE LUGAR a 2 de fevereiro
de 1853 (Silvério V. D. V. 140) agora TENHA LUGAR e entre como um raio de luz... a genuína
interpretação cristã (Laet H. P. 140).
C. I-179) o TOCANTE era ir ela nos braços das espôsas do Senhor (Camilo R. H. R. 132) bem
diverso... é o testemunho público de solidariedade e de afeto que transluz do TOCANTE discurso (F. Cas-
tro P. P. 6) o adeus do cemitério foi proferido pelo João Braz, um adeus TOCANTE com algum excesso
de estilo para um caso tão urgente (M. Assis H. S. D. 75).
626 – TUALETE.
Achamos melhor aportuguesar a escrita de toilette do que proscrever este termo, que
não é estranho aos bons autores.
Tal era a TUALETE de Isabel (Garrett H. 110) as damas tinham graça palaciana, espírito, donaire,
TUALETES a primor das modas (Camilo N. B. J. M. 16) as melhores TUALETES foram descritas
por ambos, com muita particularidade (M. Assis H. S. D. 103) – se são brasileiras... as elegâncias das
TUALETES em que se moldura a graça das nossas mulheres (Rui C. L. 167) são rentes no palco à hora
das TUALETES (Antero Cômicos 4.a ed. pg. 129).
Vê-se bem que nestas expressões VENHO DE OUVIR MISSA, VENHO DE CAÇAR, VE-
NHO DE GUERREAR e em mil outras análogas, embora o verbo VIR exprima movimento,
acontece que o sentido da frase coincide exatamente com o de acabar de fazer: acabo de
ouvir missa, acabo de caçar, acabo de guerrear. Por isto insensivelmente se poderia ter passado
de uma a outra acepção. O fato, porém, é que só sob a influência francesa, esta trans-
lação se verificou. Rui Barbosa, na sua “Réplica”, aduziu vários textos para provar que
VIR DE FAZER não era galicismo. Mas os exemplos, que apontou, de quinhentistas e
seiscentistas traziam todos o verbo VIR no sentido de movimento; o uso da acepção
de acabar está claro, ali na sua documentação, a partir do século XVIII, quando é já
patente o influxo francês.
Encontramos uma frase em Bernardes, a qual ainda deixa certa dúvida se a intenção
do autor foi empregar VIR = movimento ou VIR = acabar: Agora que uma alma VEM DE
SE CONFESSAR e comungar, necessita de ser mais instruída e doutrinada para se poder conservar na graça
(Bernardes P. P. P. 85).
Seja como for, embora galicismo, VIR DE FAZER = acabar de fazer já está legitimado e
naturalizado por bons escritores que, ou de moto próprio ou levados pela autoridade de
Rui, gostosamente o perfilharam.
Tinha a minha alma dito quanto VEM DE PRONUNCIAR-ME a vossa bôca (Filinto O. C.
X-177) – o dia VEM DE ACABAR (Garrett F. F. C. 214) a moça falava num tom sêco e imperioso
em que mais dominava a impaciência do que a comiseração, a que VINHA DE ALUDIR (M. Assis M. e
L. 69) – quase sempre os desvalia um dos senões que VENHO DE APONTAR (Rui R. n.o 109 pg.
53) a incerteza, como SE VEM DE VER, não fica... (Laudelino N. e P. V-53) Leonor Teles... tinha
dentro de si...as maldades que a existência apega a quem VEM DE tempestuosamente a TRILHAR (Ante-
ro L. T. 356) e a prova insofismável... dá-no-la o próprio Dr. Carneiro na mesma assinalada obra que
VENHO DE CITAR (Sá Nunes A. L. N. I-137).
628 – VÍVERES.
Apesar do clássico VITUALHAS, que não se deve deixar cair em desuso:
Propôs aliviar a fortaleza de tôda gente inútil como escravos, mulheres e meninos que ajudavam a dimi-
nuir a água e consumir as poucas VITUALHAS que havia (Sousa A. D. J. I-115) –... como um pobre
soldado, sem socorro, sem VITUALHAS (Filinto P. 83) – o reverendo abade favoreceu el-rei de Castela,
prestando-lhe abundantes VITUALHAS para o seu exército (Herculano M. de C. I-113) tomando
terra em Tenerife para refrescar e aperceber-se de VITUALHAS (Latino F. de M. 156) além da injúria
que Vítor Hugo irrogava à gramática, aos frades e às VITUALHAS saborosas... (Camilo C. V. H. J. A.
50) VITUALHAS apresta e acondiciona em ânforas o vinho (O. Mendes Od. l. II.o v. 217).
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 255
a palavra VÍVERES generalizou-se, prevalecendo no uso sobre aquela; seu emprego re-
monta ao século XVII.
Não seria fácil render-se uma praça onde havia tão valorosos soldados e tão bem providos de VÍVERES,
como aquêle regalo mostrava (S. Maria A. H. I-31) – com todos os mantimentos e VÍVERES de que
pode carecer a maior povoação (Pita H. A. P. 50) concorreram tantas esmolas, que para muitos meses
sobejaram VÍVERES (A. Barros V. A. P. A. V. I-105) tomaram êstes, como própria cura, de VÍVE-
RES prover a gente armada (Durão C. c. IV.o e. 19) mas não havia VÍVERES na cidade, por ser o
ano sétimo (Pereira B. S. I.o Mac. cap. VI.o v. 53) – não lhes valeu a aberta proteção de Espanha
que lhes dava munições, quartel, VÍVERES, auxiliares (Garrett P. B. E. 159) cortar os VÍVERES
em campanha é tão meritório aos soldados como dar de comer a quem tem fome, na paz de Deus (Rebelo
A. D. J. I-285) os VÍVERES, amigos, transportemos que hei no aposento (O. Mendes Od. l. II.o
v. 313) carecia de VÍVERES e pólvora, mas não poderia remediar esta falta (T. Vasconcelos P. A.
D. 241) – o bloqueio que esterilizara a escravidão como produtora de oiro... acabou inutilizando-a na
qualidade de produtora de VÍVERES (Rui C. de I. 244).
CAPÍTULO X
GALICISMOS APARENTES
629 – Palavras e locuções possuímos na nossa língua que parecem ridículas imitações
do francês, sendo, no entanto, genuinamente portuguesas. Muito contribuem para este
fato a natural semelhança que há entre o português e o francês, como línguas irmãs que
são, e a riqueza do nosso idioma.
Não raro, de duas palavras sinônimas ou de duas formas sincréticas, na língua por-
tuguesa, uma é mais distanciada da palavra francesa e outra, mais aproximada. Assim te-
mos – contágio e contagião (francês contagion), menino e infante (fr. enfant), descontente e malcontente
(fr. malcontent), operário e obreiro (fr. ouvrier), potente e possante (fr. puissant), recusar e refusar (fr.
refuser). E à prima vista parece que a mais aproximada do francês é grosseiro galicismo,
quando ela pode ser, igualmente com a mais distanciada, legítimo vernáculo. Sirvam de
exemplo os casos seguintes.
631 – ARENGA = discurso, alocução. ARENGAR = discursar (de latim bárbaro harenga,
donde vem igualmente o francês la harangue).
E lhe pedimos esmola, começando com algumas lágrimas o intróito da nossa ARENGA (F. M. Pinto
Per. I-1166) como aqui se detivesse um pouco por cuidar com que palavras faria sua ARENGA (F.
258 Padre Pedro Adrião
Morais P. de I. 81) – fêz um dos vereadores sua estudada ARENGA (Jacinto V. D. J. C. 27) pois
esperai que hei de ir trincando-vos a cada passo vossa ARENGA (F. M. Melo A. D. 75) mais AREN-
GAS enfiou a esta (Arte 233) – escusem de quebrar-nos os ouvidos com uma insulsa, dilatada ARENGA
que ouve por uso o povo e não entende (Cruz e Silva Hiss. 65) que tal acha a destampada ARENGA?
(Filinto P. 94) – subiu com Vasco ao primeiro andar, chegou à janela com êle e fazendo daí rostrum ou
tribuna de suas ARENGAS... (Garrett Arc. de S. 172) Sueiro Gundes... de cima fêz sinal de que
desejava ARENGAR ao povo (Rebelo O. V. N. C. 49) D. João d’Ornelas escutou silencioso a longa
ARENGA do venerável prelado (Herculano M. de C. II-347) ARENGAVA nas praças de Atenas
(F. Castro E. C. 140) tudo quanto êste homem ARENGOU me pareceu acertado (Camilo C. V. H.
J. A. 18) era o próprio Alcebíades, cheio daquela elegância e desgarre com que usava ARENGAR às grandes
assembléias de Atenas (M. Assis P. A. 239) – M. de la Chaise, prefeito de Arras, numa ARENGA
endereçada a Napoleão lhe dizia: Deus fêz Bonaparte e descansou (Rui R. de G. 165) depois da missa,
eu subia ao púlpito e atirava uma ARENGA aos colegiais e ao público (Cândido M. S. 58) escrevia-se
em francês traduzido, ARENGAVA-SE da mesma sorte (Leda Q. L. B. 24).
632 – ASSAZ DE. ASSAZ é empregado pronominalmente na locução ASSAZ DE: ASSAZ
DE MAL, ASSAZ DE GUERRAS por muito mal, muitas guerras. Tal uso, que é velho na nossa
língua, não é galicismo, apesar da semelhança com o francês – assez de.
Navegou agôsto, setembro e outubro com muitas tormentas de ventos, chuvas e cerrações, com que se todos
viram em ASSAZ DE perigo (Castanheda H. do D. I-8) ASSAZ DE mal lhe quero (Camões L.
c. II.o e. 40) com ASSAZ DE trabalho e risco de nossas vidas, nos recolhemos ao junco de Mem Taborda
(F. M. Pinto Per. I-129) – ASSAZ DE guerras e inimigos tínhamos na Índia (Jacinto V. D. J. C.
76) – tive ASSAZ DE sentimento (Filinto O. C. X-26) – ASSAZ DE crimes e horrores, de virtudes
e heroicidades matizam a história das nações antigas e modernas (Garrett P. B. E. 108)... ASSAZ DE
propriedade (Castilho F. 13) – os ingleses tiveram ASSAZ DE bom senso sempre, para não cultivar êsse
ideal (Rui F. P. R. 91) há certos elementos... que, por se reproduzirem ASSAZ DE vêzes, a língua os
assimila (M. Barreto F. L. P. 73).
633 – BEM = muito (bene, no sentido de muito, antes de adjetivos e particípios passados,
já era de uso no latim popular).
Foi ter a umas ilhas que estavam BEM junto da costa (Castanheda H. do D. I-26) ah! BEM dura é
(A. Ferreira P. L. I-32) – ficara por visitar na vigairaria de Valença ua igreja BEM pequena (Sousa V.
do A. I-107) BEM ocioso estava êste autor, quando fêz êste exercício (F. M. Melo A. D. 348) – na
terra firme, defronte da Ilha Grande... mora o célebre frade, BEM conhecido dos moradores e navegantes da
costa (Gaspar M. H. C. S. V. 118) o meio BEM seguro de que os respeitem é viverem... unidos entre
si (Filinto O. C. IX-390) – somente algum dos seus conselheiros antigos... não deixaria de interpretar,
como BEM ameaçador para D. João de Ornelas, o pálido sorriso que lhe brincava nos lábios (Rebelo C.
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 259
e L. 251)... minha terra que é BEM grande e BEM formosa e BEM cheia de delícias (Castilho F. pela
A. 227) – BEM mais fácil era arrebatar o ânimo a tropas em marcha (Rui C. L. 254).
634 – CONTAGIÃO (do latim contagio-onis que deu origem ao contagion francês).
É única contra o veneno e preserva da CONTAGIÃO e apegamento de peste (Orta C. S. D. I. I-85)
– seguiu a tantas misérias, a maior de tôdas que foi a CONTAGIÃO do ar (Sousa A. D. J. I-88) –
evita a CONTAGIÃO que às mais vem já vizinha (Castilho G. l. II.o v. 686) outras macas levavam
os mortos de CONTAGIÃO aos valados dos cemitérios (Camilo Coisas espantosas apud Rui R. n.o
454 pg. 192) – entrando com energia heróica ao domínio das CONTAGIÕES assoladoras, deu à ciência
o poder ultra-humano de varrer grandes regiões terrestres das endemias (Rui F. B. 27).
635 – DEFENDER = proibir. DEFESO = proibido são de velho uso na língua e não
constituem erros de galiciparlas.
Mas comer o gentio não pretende, que a seita que seguia lho DEFENDE (Camões L. c. VII.o e.
75) outros entraram acusando-o falsamente, que DEFENDIA pagar tributos a César (T. de Jesus T.
de J. II-49) se Eva não vira árvore DEFESA, pode ser que não pecara (H. Pinto I. V. C. I-30)
DEFENDEU-LHES a circuncisão (J. Barros Pan. 55) não vêem quanto Deus DEFENDE o rei tomar
ofício de prelado (Couto S. P. 116) – não comia peixe contínuo... por lho DEFENDEREM os médicos
(Sousa V. do A. I-78) têm obrigação os meirinhos e alcaides de tomarem as armas DEFESAS (Arte
13) – nem todos os capitães têm o zêlo de Alarico que nos saques se punha à porta dos templos, a DEFEN-
DER que se não cometessem desacatos (Pita H. A. P. 185) o sórdido avarento em vão DEFENDE que
possa o filho entrar no seu tesouro (Gonzaga M. de D. 15) –... uma coisa que tôdas as leis da guerra
proíbem, que nas atuais circunstâncias e em semelhante guerra ainda é mais DEFESA (Garrett V. M. T.
I-188) o filho de Filipe DEFENDERA, por decreto, que algum outro escultor o retratasse (Latino E. C.
123) unir destra com destra me é DEFESO? (O. Mendes E. l. I.o. v. 429) as universidades lhes estão
fechadas, DEFESAS a magistratura e os tribunais (Castilho F. pela A. 75) – o carro do imperador era
multado por atravessar uma rua DEFESA (Rui R. de G. 115) cerremo-nos hoje aqui, para prosseguir
na caça, enquanto o não impede o tempo DEFESO (Cândido C. S. S. 227).
(A. Ferreira P. L. I-187) bem parece que o nobre e grão conceito do lusitano espírito DEMANDE maior
crédito e fé de mais alteza (Camões L. c. VII.o e. 69) – se o ofício DEMANDA tantos requisitos,
quem poderá satisfazê-los? (F. M. Melo A. D. 224) privilégio que tantas virtudes supõe e tantas graças
DEMANDA (Bernardes N. F. I-9) – a mim só, se me deve a glória inteira (fala o soberbo Tejo) eu
o DEMANDO (Cláudio O. 136) perguntai-me as cousas futuras, DEMANDAI-ME que é o que eu
estou para fazer acêrca de meus filhos (Pereira B. S. Isaías cap. XIV v. II) – não mais o ortígio oráculo
DEMANDES (O. Mendes E. l. III.o v. 158) esta delicada combinação... DEMANDA, ela mesma...
o mais subido grau de inteligência e moralidade (Seixas C. das O. II-89) – o nome vernàculamente
não DEMANDA o artigo (Rui R. n.o. 179 pg. 85) quanto, porém, ao DEMANDAREM a esmola,
não o fizeram com a mesma prontidão (Silvério V. D. V. 25) o privado de D. Fernando disse que o rei
DEMANDAVA o que lhes prazia (Antero L. T. 85).
637 – DEMORAR = morar, estar situado, habitar, é vernáculo, apesar de bem parecido
com o francês demeurer.
Acêrca da meia-noite viu uma ilha muito grande que lhe DEMORAVA ao norte (Castanheda H. do
D. I-28) – saíram a uma ilha deserta que DEMORAVA perto (S. Maria A. H. I-74) – só anelava
aos valimentos daquele Rei que DEMORA muito além de todos os sublunares (A. Barros V. A. P. A.
V. I-40) os que DEMORAM da parte do Ocidente temerão o nome do Senhor (Pereira B. S. Isaías
cap. LIX v. 19) lá para os descampados de Oreb, DEMORAVA a sua tribo (Filinto O. C. IX-103)
– por entre algumas choupanas que DEMORAVAM da esquerda, via-se um reluzir vago (Herculano
M. de C. I-273) suponhamos que as suas barcas apenas se aventuram... quando muito, até aos portos
estrangeiros que lhe DEMORAM mais à mão (Latino F. de M. 112) aquela mocidade esperançosa...
não sabia topogràficamente em que parte DEMORAVAM os povos, seus comitentes (Camilo Q. de A.
20) – mais perto da França e de Portugal, DEMORA a Alemanha (Rui R. n.o 39 pg. 24) na gruta
que DEMORA junto ao sopé do monte, mão piedosa modernamente gravou uma inscrição (Laet A. I.
ano II.o n.o I.o. pg. 8).
2.o – Deste emprego para a abreviação FORTUNA é mui pequeno passo. Que seja fácil
esta transição, mostra-se no seguinte trecho de D. fr. Amador de Arrais, escritor, note-se
bem, quinhentista:
Mas vemos aquêle ter mais cópia de amigos, que de tôdas as mais cousas, tem menos falta; e que sempre
a míngua dos amigos acompanha a dos BENS DA FORTUNA e a cópia daqueles, a dêstes. E, se queremos
ver quais são os nossos amigos e quais os da nossa FORTUNA, quando ela se parte de nós, o sentiremos:
porque então os nossos seguem a nós e a ela, os seus; e, caso que o nosso acompanhamento seja melhor, sempre
o seu é maior” (Arrais D. 4).
Alguém poderá observar que não consta aí, à evidência, que o autor haja empregado
FORTUNA em lugar de cabedais e que ele talvez quis dizer que há amigos nossos e amigos
da nossa boa sorte; quando ela se vai, desaparecem eles. Achamos mais razoável que o
autor tenha querido dizer que há amigos nossos e amigos dos nossos cabedais, dos nos-
sos haveres, da nossa riqueza, pois acabara de dizer que “a míngua dos amigos acompanha a dos
262 Padre Pedro Adrião
BENS DA FORTUNA”. Em todo o caso, só o fato de caberem numa só frase duas interpre-
tações FORTUNA = riqueza, FORTUNA = sorte, mostra que, sem ser preciso recorrer à
imitação francesa, a passagem de um para outro sentido bem se podia dar normalmente
em português, como, aliás, já se havia dado realmente no próprio latim, conforme, daqui
a nada, mostraremos. Mas se o leitor quer trechos que mostrem com certeza o emprego
de FORTUNA em vez de riqueza, apresentamos-lhe, à testa de vários outros, três do Padre
Manuel Bernardes que não era nenhum galiciparla e precedeu, não um século mas dois,
ao tempo em que viveu Mário Barreto.
Se não houvera POBREZA, não houvera artes mecânicas, nem agricultura, nem navegação e a comu-
nicação que por elas veio ao mundo, não houvera nenhuma das indústrias e habilidades que inventou o
desejo de ter; nem recorreríamos a Deus em nossos apertos, nem exercitaríamos com o próximo as obras de
misericórdia; ninguém quisera servir a outro, nem trabalhar e suar; entrara o ócio que junto com a FOR-
TUNA é um manancial de vícios (Bernardes P. E. 97) venceu-a generosamente um Feraules, persiano
que, subindo, por favor del-rei Ciro, de FORTUNA baixa a grande opulência, como viu que não podia
dormir descansado como antes, demitiu tudo, ficando só com o que lhe bastava (Bernardes N. F. II-244)
que doçura há maior no coração, que segurança e quietação maior na terra que a da boa consciência? longe
está de temer na FORTUNA danos; na honra, injúria; no corpo, tormentos, a que até com a mesma morte,
em vez de ser oprimida, se levanta (Bernardes N. F. II-302) – a perda da honra aflige mais que a da
FORTUNA (M. Assis R. V. H. 5) saiu de Samardã certo pedreiro, faminto de ouro, em
busca de FORTUNA (Filinto P. 238) – basta uma pequena FORTUNA em propriedade territorial...
para conferir o direito de voto (Lisboa O. C. I-130) não basta a FORTUNA que é sua? junte aos
seus os meus bens, que os leve, que os possua, que seja mui feliz e deixe-me (Castilho Tart. 119) estava
naquele dia capaz de lhes dar de presente metade da sua FORTUNA (Herculano L. e N. II-237)
a FORTUNA adquirida pelo primeiro, à custa dos seus talentos (M. Assis N. R. 69) – nem do que
rouba um cofre ou uma FORTUNA ao que rouba do seu detentor legal, um Estado, vai diferença (Rui R.
de G. 229) Salústio fôra expulso pelo censor Ápio e se achava em precaríssimas condições de FORTUNA
(Laudelino N. e P. II-105) numa terra em que há tão poucas FORTUNAS, apela-se para os cofres
públicos (Laet A. I. ano II n.o 21 pg. 4).
3.o – Não é de admirar que Bernardes tenha usado FORTUNA no sentido de riqueza,
quando o mesmo sentido já competia a esta palavra na língua latina, desde os tempos de
Cícero e Ovídio. O latim não só possui a expressão bona fortunae no sentido de haveres,
mas até a própria palavra FORTUNA com esta significação. Vejamos o Dicionário Latino
Português de Francisco dos Santos Saraiva:
“Fortuna –... 4.o Bens, haveres, posses, riquezas, réditos, rendas, sing. com a mesma significa-
ção – Fortunas adimere alicui (Cícero) esbulhar alguém de seus bens. Imminere omnium fortunis
(Cícero) ameaçar todos os haveres – Fortunis expertes (Salústio) os que não têm nada de
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 263
seu. Per fortunas! (Cícero) pelo que há mais caro! Nec mea concessa est alii fortuna (Ovídio) nem
meus bens foram cedidos a outro. Totam fortunam in nominibus habere (Scaevola) ter todos
os seus haveres em crédito”.
Podemos, pois, concluir que FORTUNA = riqueza nem foi invenção francesa, nem
nunca foi galicismo.
640 – GAIO = alegre, jovial, vivaz (do antigo alemão gâhi = pronto, vivaz que deu gayo
no espanhol, gajo no italiano, gai no francês).
...Entre dois eméritos professores da GAIA ciência (Rebelo C. e L. 133) tudo isto diziam os olhos
GAIOS da menina (M. Assis Q. B. 174) – eu amo tanto a minha língua... que era meu regalo... ir
ouvi-la... à GAIA gente da planície (Antero J. em P. 47).
642 – GRABATO (do grego, através do latim GRABATUS-I, leito, cama – daí procede o
francês le grabat).
O mendigo da aldeia, o velho cego, sôbre o duro GRABATO em choça humilde, achou a paz (Hercu-
lano P. 116) tristinha, muda e só, nas palhas de um GRABATO (Castilho F. 217) gozam disto as
que repousam em tábuas de vis GRABATOS (G. Dias P. I-146) esteve a morte alguns dias vacilante à
cabeceira do GRABATO de Alberto (Camilo T. I. 241) – não nos tomes todo o GRABATO (Rui R.
de G. 49).
as quiseram muitos para o jantar de muitos anos (F. M. Melo A. D. 23) mas, sôbre todos, se assinalou
em honrar e estimar ao Arcebispo, o Cardeal Carlos de Lorena, Arcebispo de Reims, GRANDE SENHOR em
França (Sousa V. do A. I-343) – humilham louvores semelhantes e se parecem com os que aos GRANDES
SENHORES se dão (Filinto O. C. IX-352) – em meio desta profusão de riquezas quase fabulosas, apare-
cia uma simplicidade de GRÃ-SENHOR (Garrett H. 63) era de GRANDE SENHOR não se afligir com
a vista casual e instantânea de um pedaço oculto do seu reino (M. Assis Q. B. 310) – mas os GRANDES
SENHORES da política brasileira não se indignaram (Rui R. de G. 51).
644 – INFANTE = menino (do latim infans-tis, donde se origina o francês enfant).
Aquela que, das fúrias de Atamante fugindo, veio a ter divino estado, consigo traz o filho, belo INFAN-
TE (Camões L. c. VI.o e. 23) – quando na rêde encosta o tenro INFANTE, pinta-o de negro todo e
de vermelho (Durão C. c. II.o e. 63) nascido INFANTE, ao mundo aflito, nosso delito paga em amor
(Cláudio O. 296) quem primeiro pintou o amor em figura de alado INFANTE com facho e setas, muita
invenção mostrou (Filinto O. C. IX-396) – gentil INFANTE engraçado, que vives tão sem cuidado,
serás homem, mal pecado, findará teu sonho então (G. Dias P. II-45) rompem à voz de “morto” os gritos
da família, clamor de INFANTES, uivos de mulheres (Castilho N. do C. 29) a sabedoria abriu a bôca
dos mudos e fêz eloqùentes as línguas dos INFANTES (Herculano M. de C. II-21) – é o INFANTE
Jesus dos presepes (Silva Ramos P. V. F. 30).
de hoje ou amanhã, porque esperamos que ela nos traga LETRAS suas (Rui Mocidade e Exílio Comp.
Editôra Nacional 1934 pg. 289) se Galatéia continuar a distinguir-me com as suas LETRAS,
assine “Galathea” (Cândido F. e E. II-86).
falemos MAIS nisso (Cândido P. de L. I-144) o sr. pastor NÃO tem MAIS coortes, senão guerrilhas
(Laet H. P. 84) chora a Pátria que NÃO ouvirá MAIS a voz eloqùente do repúblico extremado (E. C.
Ribeiro P. L. E. 214).
650 – NÃO... OUTRO... QUE = não outro... senão – é de uso antigo na língua; não
é imitação francesa.
NENHUMA OUTRA cousa se salvou QUE a gente (D. Góis C. D. E. 159) as ninfas do Oceano
tão formosas, Tétis e a ilha angélica pintada OUTRA coisa NÃO é QUE as deleitosas honras (Camões
L. c. IX.o e. 89) – NÃO lhe deram OUTRO dote QUE as qualidades e virtudes de espôsa (Jacinto V.
D. J. C. 4) sua condição NÃO É OUTRA QUE vir e passar (Bernardes N. F. II-122) – a diferença
que há entre êles NÃO tem OUTRO fundamento QUE o que vem da preocupação e do conceito (M. Assis
R. V. H. 141) OUTRO fito NÃO leva QUE o de a fazer venturosa (Filinto O. C. XI-452) – a
intercessão de Maria Santíssima... NÃO tem OUTROS limites QUE os do Universo (Seixas C. das O.
II-5) NÃO julguem os homens por OUTRO critério QUE o dos seus atos (E. Castro P. P. 14) –...
realização de seu alto destino que OUTRA coisa NÃO é QUE o próprio bem (E. C. Ribeiro P. L. E.
153)... o senado... OUTRA coisa NÃO fêz QUE exercer o seu direito fundamental (Rui D. e C. 200)
a sua pena... OUTRA coisa NÃO fêz QUE produzir e alcandorar-se (Laudelino N. e P. IV-230).
651 – OBREIRO (do latim, operarius-ii, segundo todas as normas da etimologia) não
vem do francês ouvrier.
Jesus-Cristo busca OBREIROS (Sá Miranda O. C. II-84) não havendo quem, como êle, desejasse
muitos OBREIROS na Índia, a alguns despediu com grande resolução (Lucena A. P. I-274) eram, entre
mestres e OBREIROS, mais de 156 mil homens (B. Brito M. L. I-101) S. Francisco Xavier, como
fiel OBREIRO da vinha do Senhor, alimpou em grande parte aquela terra... (Jacinto V. D. J. C. 58) –
mandou o seu geral, por visitador das fundações dêste Estado, a animar os outros OBREIROS (Pita H.
A. P. 88) êle estava no salão com alguns OBREIROS (Filinto O. C. X-126) – eu vi morrendo os
OBREIROS cair (G. Dias P. II-8) quereria que os meus OBREIROS cantassem em côro (Castilho F.
pela A. 121) – os suores, porém, dêste infatigável OBREIRO do Senhor não eram improfícuos (Silvério
V. D. V. 220) triunfou a paciência do OBREIRO (Laudelino N. e P. VI-18) estas palavras... fala-
riam de uma vida laboriosa, a outros OBREIROS (Rui C. L. 310).
com que depois vareja mais POSSANTE (F. M. Melo A. D. 180) – rendem-se os mais ao vencedor
POSSANTE (Durão C. c. 1.o e. 91) eu vou subindo a nau POSSANTE (Gonzaga M. de D.
178) – empório antigo, na milícia aspérrimo, POSSANTE e opimo (O. Mendes E. l. I.o v. 23) o
terror do seu nome, ainda maior do que a sua POSSANÇA e malefícios, lhes servia de muralhas e baluartes
(Castilho Q. H. P. II-107) os cavaleiros mais POSSANTES arcavam com pedras enormes (Hercu-
lano B. 16) – aquêles mesmos, cuja POSSANÇA é inegável, professam o desprêzo da retórica (Rui R.
n.o 22 pg. 17).
653 – POSTA = correio, mala do correio (do latim POSITA-ORUM – coisas postas, coloca-
das, que deu no português, italiano e espanhol – POSTA e no francês, poste).
Achando-se a uns espetáculos públicos de grande gôsto, lhe veio uma POSTA que trazia novas de uma
insigne vitória (Bernardes N. F. II-196) – Madama Pichard acorreu logo pela POSTA, tôda sustos
pelo filho (Filinto O. C. XI-432) – o correio da POSTA interna havia trazido alguns papéis (Camilo
C. V. H. J. A. 189) – não será um meio de circulação congênere à via férrea ou à POSTA no transporte
das pessoas, valores e novas (Rui R. n.o 434 pg. 184).
F. 203) QUE DE apelidos ilustríssimos, QUE DE glórias venerandas, QUE DE varões verdadeiramente
beneméritos... (Latino F. de M. 20) – QUE DE contrastes para as obras de Deus...! (Silvério V. D.
V. 152) entre os resgatados, QUE DE cidadãos benfazejos, influentes, venerados, exemplares! (Rui D. e
C. 173).
656 – RECONTAR (de RE e CONTAR) nada tem que ver com o francês raconter.
Vai RECONTANDO o povo que se admira, o caso, cada qual, que mais notou (Camões L. c. V.o e.
91) e no dia seguinte, RECONTANDO esta visão a seus discípulos, chegou o pai de Plato oferecendo-lhe
o filho (Arrais D. 17) – depois de lhe dar os parabéns de sua vinda... lhe RECONTOU o triste estado
daqueles reinos (Sousa A. D. J. II-200) por grande que o perigo fôsse, seria depois maior o gôsto, quando
o RECONTASSEM gloriosos e seguros (Jacinto V. D. J. C. 247) – já RECONTAVAM os mareantes,
como ressuscitados, as mortes em que se tinham visto (A. Barros V. A. P. A. V. I-14) os menores casos
que lhe eu especificava, se lhe estampavam na memória e houve lances em que êle mesmo mos RECONTAVA
(Filinto O. C. X-119) – escusa RECONTÁ-lo (Castilho Tart. 163) as misérias e lástimas que
o rico-homem aí RECONTAVA, eram tais... (Herculano L. e N. II-32) um dia (RECONTA o
Gênesis no capítulo XVI) Sara disse a Abraão... (Latino A. e N. 191) – não devemos omitir aqui um
fato acontecido em casa de Antônio, o qual sua virtuosa mãe lhe costumava RECONTAR (Silvério V. D.
V. 5) não RECONTAREI, pois, senhores, a minha experiência (Rui O. M. 70).
658 – REFUSAR (do latim REFUSARE que deu rehusar no espanhol, rifusare no italiano
e refuser no francês).
E a gente popular, avante, não REFUSAR (Gil T. 56) o Albuquerque irá amansando de Ormuz os
parseus, por seu mal valentes, que REFUSAM o jugo honroso e brando (Camões L. c. X.o e. 40) e vós
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 269
quereis subir às honras e colhêr os frutos e REFUSAIS o trabalho? (Couto S. P. 121) REFUSAM-NO
os poderosos (F. M. Melo C. F. 178) – a formosura é soberba... não só REFUSA, mas despreza (M.
Aires R. V. H. 187) hoje REFUSA êste obséquio render (Cruz e Silva Hiss. 40) – uma vez eleito,
nunca REFUSAVA os cargos (Lisboa V. P. A. V I-34) contava dantemão com a obediência que não
lhe podíamos REFUSAR (Herculano L. e N. II-314) – os jurisconsultos italianos REFUSAM o
vocábulo “viabile” (Rui R. n.o 253) tendo S. Paulo e Barnabé REFUSADO, como sacrílego, o culto que
o povo de Listra lhes queria tributar... (Laet H. P. 71).
663 – SUCESSO no sentido de bom êxito, feliz resultado. Não só no latim successus
tinha este sentido, como também a palavra SUCESSO aparece com esta acepção em es-
critores antigos.
Descansemos um pouco da continuação dêste estilo que, se ao gôsto dos curiosos leitores fôr bem aceito,
sairá brevemente à luz outro volume de diálogos que espera ver o SUCESSO dos primeiros (R. Lobo C.
na A. 77) era capelão da Patrona Frei Bernardo de Ocampo, religioso de S. Domingos, o qual pregou e
persuadiu nela a devoção do Rosário com tal eficácia e SUCESSO, que os capitães, os soldados, os marinhei-
ros e a chusma dos forçados, todos, sem faltar nenhum, ainda quando remavam ao som ou compasso da voga,
cantavam o Rosário da Senhora (Vieira S. XI-114) eu prego a um auditório tão cristão, tão dócil e tão
piedoso que, desconfiando de mim mesmo, do SUCESSO não desconfio (E. Matos E. C. 2) – é de vós
que depende em grande parte o SUCESSO da nossa Missão (Seixas C. das O. I-5) –... sendo, como de
fato é, condição de SUCESSO a pesquisa hematológica noturna (F. Castro E. C. 93).
664 – SUJEITO = assunto não é tradução servil de sujet, mas exprime aquilo que foi
sujeitado ou SUJEITO à consideração de alguém.
Carregou a mão o Arcebispo neste ponto, porque era o SUJEITO geral de todos os pregadores daquele
tempo (Sousa V. do A. II-22) livros que... tratam de matérias políticas e engraçadas, de côrte, de aldeia,
de qualquer SUJEITO aprazível (R. Lobo C. na A. 33) quis minha sorte que, êstes próprios dias, me
faltassem alguns documentos competentes ao SUJEITO da obra (F. M. Melo A. D. 55) – inda eu mais
largo fôra em tão largo SUJEITO, se não crera enojar-te coas mui sobejas provas (Filinto P. 83) – qui-
séramos poder lustrar, com todos os primores das artes e do estilo, obra que assim é rica de seu SUJEITO
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 271
(Castilho Q. H. P. I-9) e que, nesta comuníssima realidade da natureza, houvesse o artista de buscar o
SUJEITO e a inspiração da sua tela (Latino A. e N. 150) o SUJEITO do evangelho do dia não podia
decerto ser mais propício às intenções e interêsses do orador, pois versava sôbre a primitiva conversão da genti-
lidade (Lisboa V. P. A. V. 376) – esta intercalação, espero, merecerá vênia pelo muito que nos economiza
de tempo, livrando-nos de tornar de novo sôbre o mesmo SUJEITO (Silvério V. D. V. 158) recebem,
essas páginas avulsas, uma unidade íntima como outras tantas faces do mesmo SUJEITO, outras tantas
perspectivas da mesma verdade, outros tantos horizontes da mesma situação (Rui C. de I. 122).
665 – SURTIDA (do verbo SURTIR) escaramuça feita pelos cercados que saem a com-
bater os cercadores, sentido que também compete ao francês sortie.
Fizeram os nossos algumas SURTIDAS, porém de pouco efeito (Jacinto V. D. J. C. 105) obrou só
Judite em uma SURTIDA que fêz a pé (Vieira S. XIV-317) – tendo pouca gente para estas SURTI-
DAS, se abstiveram delas (Pita H. A. P. 276) os estrangeiros foram banidos do seu país e também os que
estavam em Jerusalém... na fortaleza, da qual faziam as suas SURTIDAS (Pereira B. S. I.o Mac. cap.
XIV v. 36) – numa dessas SURTIDAS vai o Andeiro (Antero L. T. 211).
666 – TACHA = mancha, culpa, labéu, pecha (do b. – latim taxa, do verbo taxare, esti-
mar, avaliar, censurar, arguir, repreender),
Os prelados não são divinos e têm TACHAS de humanos pecadores (T. de Jesus T. de J. I-159)
eu, como ando remoto da côrte, não é muito usar de palavras toscas; e quanto é nisto, não se me deve pôr
TACHA (H. Pinto I. V. C. I-80) – o vulgo não sabia pôr TACHA nos louvores de D. João de Castro
(Jacinto V. D. J. C. 297) – teve que romper mais duma lança com os campeões de Roma, por ter ousado
pôr TACHA em escritos que, há longas eras, logravam títulos de divinos (Filinto O. C. IX-289) – e
mais a TACHA que tinham era ser fraco e não mais (G. Dias P. II-225) sem me provocar censura, nem
merecer TACHA de menos boa (Castilho F. 10) –... justificando a própria deserção com a TACHA que
aos outros assaca, de que já não há ninguém capaz de luta (Rui R. de G. 140) não sou eu, o último dos
mortais, o que hei de pôr TACHAS a escritores de tamanho porte (M. Barreto N. E. L. P. 334).
667 – TODO O MUNDO, no sentido de toda a gente, parece ser tradução servil do
francês: tout le monde, mas já no latim se empregava, como se vê na Vulgata. Os fariseus
diziam a respeito de Cristo: ecce MUNDUS TOTUS post eum abiit (S. João cap. XII v. 18) eis
que TODO O MUNDO vai após ele.
Vossas mostras são tais que TODO O MUNDO é contente (Gil T. 45) TODO O MUNDO sabia
que eram falsidades (T. de Jesus T. de J. II-50) servindo meu ofício como TODO O MUNDO sabe
agora, já no derradeiro quartel da vida, um mancebo... anda de todo pôsto em me matar (Sá Miranda
O. C. II-130) – para eu me declarar ainda mais e TODO O MUNDO me entender melhor, vinha-me
vontade de armar aqui um Conselho de Estado (Arte 143) foi tal a graça que teve em ganhar vontades, que
272 Padre Pedro Adrião
TODO O MUNDO pretendia servi-lo e contentá-lo (B. Brito M. L. I-84) – TODO O MUNDO
te pragueja (Tolentino Sat. 235) – essa senhora me deu o direito de... declarar a TODO O MUNDO
(Garrett Alf. de S. 99) eu não falo nem dessa singular afabilidade... com que ela acolhia e tratava a
TODO O MUNDO (Seixas C. das O. II-40) S. Excia. tinha asseverado a TODO O MUNDO que
nada pretendia da província (Lisboa O. C. I-165) – acusado, o teu nome? TODO O MUNDO o sabe
(Rui C. L. 247) estado assaz conhecido de TODO O MUNDO, pelo nome picaresco de “macaquinhos
no sótão” (Silva Ramos P. V. F. 43).
669 – CORRELAÇÃO DOS TEMPOS. Em português tanto se diz fui eu que fiz como
sou EU O QUE FIZ. Esta 2.a forma é também genuína; não veio de imitação francesa.
Ela É A QUE TROUXE Deus do céu à terra (H. Pinto I. V. C. I-215) isto é O QUE Satã, logo
no princípio do mundo, TRATOU de lhes persuadir (Arrais D. 15) tu ÉS O QUE MORRESTE (A.
Ferreira P. L. II-290) – EU SOU O QUE GANHEI com braço forte a terra, a quem tu vais trocando
a sorte (R. Lobo C. de P. 4) isto, padres, É O QUE PASSOU por mim (Bernardes P. P. P. 80)
– importa menos saber quem É O QUE VENCEU ou como venceu, do que saber sòmente se venceu (M.
Aires R. V. H. III) esta É A QUE GUIOU por caminhos direitos ao justo (Pereira B. S. Sab. cap.
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 273
X.o v. 10) eu sou o primeiro QUE PECOU, sou o QUE COMETI o primeiro pecado (Sacramento
V. H. P. 237) êste negociante É QUEM ENDEREÇOU meu filho a esta respeitável família (Filinto
O. C. X-12) – deixai-o ir que É a Providência QUEM O ENVIOU (Castilho F. pela A. 172)
ESTAS SÃO as palavras QUE Inácio de Loiola FALOU aos seus irmãos de batalha (Camilo H. de P.
II-137) – a situação pertence aos abolicionistas, porque SÃO ÊLES QUE A CRIARAM (Rui D. e C.
114) É o próprio Dr. Rui Barbosa... QUEM, antes de mim, OFERECEU os mais seguros abonos em favor
do vocábulo (E. C. Ribeiro Tr. 133).
Terceira Parte:
Variedade Sintática
CAPÍTULO XI
SINTAXE DE CONCORDÂNCIA
670 – A toda a opulência de vocabulário de que, dentro dos limites da pureza vernácu-
la, se utilizam os bons autores, vem ajuntar-se ainda no campo da sintaxe uma imensa
variedade de recursos e meios de expressão. As regras normais de concordância têm
que admitir exceções elegantes, autorizadas pelo uso. Além das regências mais genera-
lizadas, surgem outras que, embora um pouco insuetas na conversação, não deixam de
demonstrar a grande capacidade de variar de que dispõe a nossa língua. Quando o leitor
espera a construção mais natural da frase, surde, bastas vezes, o imprevisto da elipse, do
pleonasmo, do anacoluto, do idiotismo. Admitindo sempre o exemplo dos clássicos por
critério seguro na investigação dos fatos do nosso idioma, temos que acompanhá-los
nos domínios já bem explorados da sintaxe, aprendendo deles a nos socorrermos, em
proveito da harmonia, clareza e energia da frase, à ampla liberdade que nos faculta, em
tantos casos, o idioma incomparável que falamos e escrevemos.
Iniciamos o estudo desta parte sintática, dedicando o presente capítulo a algumas
observações sobre concordância.
não faltam exemplos, ainda entre os clássicos modernos, que autorizam tal descon-
cordância.
Se ESTA GENTE que busca outro hemisfério não queres que PADEÇAM vitupério... não ouças mais...
razões (Camões L. c. I.o e. 38) a pior GENTE do mundo é a que, deixada a fé católica, SOLTAM a
rédea aos vícios (T. de Jesus T. de J. II-28) isto dizia era seu favor e da GENTE do seu exército que
então GUARDAVAM a lei inteiramente (J. Barros Pan. 45) – MUITA GENTE desta, sentindo em si
a pena de sua temeridade, se IAM ao lugar onde ficara a Arca (B. Brito M. L. I-8) era GENTE junta
em nome do Senhor; não VOTAVAM por respeitos humanos, nem DEFENDIAM por teima suas opiniões
(Sousa V. do A. I-265) – vai tu, Manuel, pergunta a TÔDA A GENTE SE CONHECEM um padre
rabugento (Garção O. P. I-35) e sùbitamente apareceu, com o anjo, uma MULTIDÃO da milícia celes-
tial que LOUVAVAM a Deus e DIZIAM (Pereira B. S. Luc. cap. II.o v. 13) – se não VIAJAM, se
não SAEM, se não VÊEM mundo, esta GENTE de Lisboa! (Garrett V. M. T. I-43) a MAIOR PAR-
TE nem sequer PODEM pagar a uma mestra de meninas (Castilho C. A. 94) e todavia é o meu enlêvo
ver a MOCIDADE que folga, e ri e tripudia em volta de mim, esquecendo-se de que ESTÃO diante do seu
rei (Herculano M. de C. II-239) – o povo, com entranháveis demonstrações de amor e veneração, por
quase todos os lugares e pousos, CONSOLAVAM-NOS das fatigas (Silvério V. D. V. 138).
MARIA a ver o sepulcro (Pereira B. S. Mat. cap. XXVIII.o v. 1.o) entramos no salão onde JÁ ERA
MADAMA DE MONZEAU E M. D’EMBLEVILLE (Filinto O. C. XI-452) o que queria o Sr.
Coronel que Sua Alteza fizesse em tão grande apêrto? – o que FÊZ D João I.o e D. João IV.o (Rebelo
C. dos F. 196) depois CHEGOU GASTÃO NORONHA, MAFALDA E ELISA (Camilo Est. P.
207) – pelo menos USOU-O CAMÕES E GIL VICENTE (Cândido F. e E. III-III).
684 – É DE VER.
Nós dizemos: não são de admirar tais rasgos de generosidade. Apesar da sua forma ativa, o
verbo tem aí significação passiva. Entretanto as expressões É DE VER, É DE NOTAR, É
PARA ESQUECER etc., por eufonia, se encontram muitas vezes no singular, embora se siga
nome no plural, assumindo assim um sujeito indeterminado e um sentido ativo.
Não É POUCO DE ESTIMAR AS CONVERSAÇÕES virtuosas (F. Morais P. de I. 45) – não
É PARA ESQUECER OS BONS MOTIVOS que a V. Mcê. obrigam a estar nesta côrte (F. M. Melo C.
F. 22) DE VER AS FESTAS com que anima aquêle homem agreste, aos filhos doudos, ternos (Castilho
G. l. II.o v. 644) ERA DE VER OS ASSÍDUOS DESVELOS com que as famílias apor fiavam em
mitigar-lhe as penas (Camilo R. H. R. 210) – MUITO É DE NOTAR êsses apuros de ortodoxia em
um sectário do livre exame (Laet H. P. 16).
Fui cativo de Gaspar de Melo que êsse perro, que aí está atado, matou, agora FAZ DOIS ANOS (F. M.
Pinto Per. I-78) – hoje FAZ 452 ANOS que acabou a vida mortal el-rei D. Afonso Henriques (Vieira S.
XIV-332) – hoje FAZ QUATRO DIAS que estava orando em minha casa (Pereira B. S. Atos cap. X.o
v. 30) – FAZ hoje QUINZE DIAS (Rebelo O. V. N. C. 21) lembrava-se perfeitamente de uma noite –
FAZIA nesta TRÊS ANOS – em que assim a vira abrir (Herculano B. 131) – FAZIA VINTE E UM
ANOS que não se viam (Silvério V. D. V. 247) VAI FAZER QUATRO ANOS que a campanha civilista
me trouxe a estas montanhas (Rui R. de G. 13) vivendo, VAI agora FAZER VINTE E CINCO ANOS,
sob um regime que lhe foi imposto pela fôrça das armas (Laet J. do B. 10-IX-1914).
CAPÍTULO XII
SINTAXE DE REGÊNCIA
tanto me custa A DEIXAR uma idéia por outra (M. Assis Sem. 376) o manhoso camponês soubera
disfarçar o embaraço e as apreensões, mas custara-lhe A CONFORMAR-SE com a presença dos amos na
casa (Rebelo C. e L. 49) custou-me A RECONHECER-LHE as feições (Herculano M. de C.
I-22) custa-me A TER PERSEVERANÇA para seguir a mesma idéia (Latino F. de M. 74) – o uso
profissional, CONVÉM A SABER, a linguagem da lei, da praxe e dos autores (Rui R. n.o 206 p.189)
custa realmente A ENTENDER que a melomania saiba acertar com o jeito de tão desafinadas vinganças
(Rui C. L. 206) custava A CRER, que ouvidos portuguêses se acomodassem àquela singular posposição
do pronome (E. C. Ribeiro Tr. 85).
b) Objeto Preposicionado
DESEJAR DE FAZER
Fernão Veloso DESEJOU DE, em companhia dalguns dêstes negros... IR VER suas habitações (D. Góis
C. D. E. 71) fortíssimos consócios, EU DESEJO, há muito, DE ANDAR terras estranhas (Camões
L. c. VI.o e. 54) natural é ao homem DESEJAR DE SABER, como afirma Aristóteles (Couto S. P.
26) – DESEJAVA DE ENRIQUECER Espanha de moradores e povoações (B. Brito M. L. I-10) – o
meu trágico fim não teria, aos teus olhos, o pavoroso, o sublime, o sangùinolento que eu DESEJO DE LHE
IMPRIMIR (Castilho M. U. M. 21).
DETERMINAR DE FAZER
DETERMINOU DE PROSSEGUIR o descobrimento da costa de Guiné (Castanheda H. do D.
I-2) vendo Egas que ficava fementido... DETERMINOU DE DAR a própria vida (Camões L. c. III
e. 37) os atenienses DETERMINAM DE MORRERES (H. Pinto I. V. C. II-295) – e porque as
minas eram de menos risco... DETERMINOU DE AS IR prosseguindo (Jacinto V. D. J. C. 167) – a
Providência DETERMINAVA DE FAZER, neste particular, um milagre que não cabia na humana previ-
são (Lisboa V. P. A. V. 98) o infante DETERMINOU DE FUNDAR ali uma ermida (Latino A.
e N. 51) vi uma coisa tão interessante, que DETERMINEI logo DE começar por ela esta crônica (M.
Assis Sem. 131).
ESPERAR DE FAZER
ESPERO no Senhor, que te criou, DE TE SER fiel em tudo (Sacramento V. H. P. 21) adoço assim o
tormento que me cerca o coração, ESPERANDO DE CANTAR-TE, sôbre as margens do Jordão (Caldas
S. de D. 196) – alguma cousa chegou a decifrar no confuso objeto dos seus estudos, como no progresso da
sua narração ESPERA DE COMPROVAR (Castilho M. U. M. 19).
JURAR DE FAZER
No sangue português JURAM descridos DE BANHAR os bigodes retorcidos (Camões L. c. X. e.
68) – tinham JURADO em seu Alcorão de MORREREM com êle (Sousa A. D. J. I-230) JURAIS
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 289
vós DE MANTER silêncio? (F. M. Melo A. D. 17) – JURA DE ABRIRES mão do atroz projeto
(Bocage P. VI-300) e ali JURAM... DE O SUSTENTAR (Cruz e Silva Hiss. 35) –JURAS-ME
DE O NÃO DEIXAR? (Garrett V. M. T. II-67) o mais rigoroso de todos os códigos das nações... é
aquêle que o soldado... JURA DE CUMPRIR (Castilho F. pela A. 212) JUREI comigo DE nunca
mais REPETIR o nome de Teodora (Camilo A. de S. 71).
OUSAR DE FAZER
Não OUSO DE RESISTIR a meus apetites (T. de Jesus T. de J. I-145) quem OUSAR DE
REPREENDER algum príncipe por ser dado às letras, é-lhe necessário que repreenda também a êstes todos
(J. Barros Pan. 118) – não há certificar cousa certa, pois a não OUSAM DE AFIRMAR os autores
antigos (B. Brito M. L. I-42) – os principais chefes já não OUSAVAM DE SAIR à rua (Lisboa O.
C. I-48) aquêle, entre alvoroços e receios, não OUSA DE PENSAR se ao pai enfêrmo... ósculo filial lhe
é dado imprimir (Garrett Cam. 13) não OUSAVAM DE ABRIR o coração aos pátrios folguedos de
tal dia (Castilho Q. H. P. II-22) os que a vêem naquela mágoa, nem OUSAM DE A CONSOLAR
(M. Assis A. 61).
PROIBIR DE FAZER
Sua mãe TINHA PROIBIDO às filha DE TROCAREM vistas com as pessoas daquela casa (Camilo
A. de P. 25) – é honradora a companhia, mas infelizmente a consciência PROÍBE-ME DE ACEITÁ-LA
(M. Barreto A. D. G. 305).
PROMETER DE FAZER
Com as mãos sobre o missal, PROMETE DE GUARDAR os privilégios da cidade (Couto S. P. 31)
PROMETENDO, a deusa Caliope, a Ulisses, DE LHE CONCEDER a imortalidade (Vieira S. VII-
77) e o bispo PROMETEU DE O FAZER (Bernardes N. F. II-411) – havia... quem não temia o
fogo do inferno, PROMETENDO DE O APAGAR, e lá fôsse (A. Barros V. A. P. A. V. I-187) eu
PROMETI DE TE SER fiel conselheira (Sacramento V. H. P. 50) PROMETI DE TORNAR, hei de
cumpri-lo (Bocage P. VI-219) PROMETERA-ME Adolfo DE me ESCREVER muito (Filinto O.
C. X-22) – prometendo a Deus e à sua honra DE o não TORNAR a cruzar mais (Garrett V. M. T.
I-171) PROMETES DE não JOGAR mais, Duarte? (Camilo T. I. 71).
RECEAR DE FAZER
RECEANDO Hiarbas DE PERDER todo o reino, se veio meter em suas mãos (B. Brito M. L.
I-22) – quem não tem de que se envergonhe, NÃO RECEIA DE FALAR (Filinto O. C. X- 312)
– não RECEIES DE SER VISTA (G. Dias P. II-81) meu pai... RECEIA DE NÃO ZELAR os teus
interêsses, como queria (Camilo A. de S. 177).
290 Padre Pedro Adrião
TEMER DE FAZER
Só por ela TEMIA DE SER ACOMETIDO (Sousa A. D. J. I-305) – TEMO DE SAIR fora
(Garção O. P. II-6) – a luz receia profanar-se, e TEME o ar DE CORROMPER-SE (Latino A.
e N. III).
694 – Alguns verbos pronominais podem ter ou não ter o pronome. Assim tanto se diz:
ele ajoelhou-se diante do altar como ele AJOELHOU diante do altar; casar-se com alguém como CA-
SAR com alguém; desanimar como DESANIMAR-SE; sobressair-se como SOBRESSAIR; recolher-se a
sua casa como RECOLHER a sua casa. Dentre as duas formas, o leitor nos irá dispensando
de apresentar exemplos daquela que mais comumente está em uso.
ADORMECER-SE = adormecer
Colhe o fruto sem mêdo... seguro SE ADORMECE, com o som que oferece a fonte (R. Lobo P. 46)
– mas o expirante recebeu as injúrias com inalterável peito... e assim SE ADORMECEU na paz do Senhor
(Camilo H. G. M. 5).
AJOELHAR = ajoelhar-se
Entrou na ermida com respeito e AJOELHOU diante de uma devota imagem de Cristo Crucificado
(Sacramento V. H. P. 143) – a comunidade AJOELHOU na capela-mor (Rebelo D. N. T. G. S.
P. 94) AJOELHARAM todos (T. Vasconcelos P. A. D. 257) chegados à santa vivenda, AJOELHA-
RAM diante da estátua da Santa Virgem (Camilo H. G. M. III) muitos corpos que AJOELHAM aos
vossos pés nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua (M. Assis H. S. D. 5).
CASAR = casar-se
Foi conselheiro del-rei... CASOU com D. Helena (Jacinto V. D. J. C. 282) CASAVA cada homem
com muitas mulheres (Paiva C. P. 158) – CASAM, têm filhos; aí temos declarada a guerra (Castilho
C. A. 274) eu CASEI com o homem da minha escolha (Garrett H. 97).
CONSPIRAR-SE = conspirar
CONSPIRARAM-SE contra êle certos homens pestilenciais de Israel (Pereira B. S. I.o Mac. cap.
o
X. v. 61) – tudo SE CONSPIRAVA para o punir e demorar a invasão (Rebelo C. dos F. 27) os gê-
nios, porém, CONSPIRAM-SE diàriamente (Camilo D. da M. 135) – era de esperar que os interêsses
associados a êsse vício SE CONSPIRASSEM contra a vitória do regime (Rui F. P. R. 254).
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 291
DESANIMAR-SE = desanimar
Por uma parte tomem os homens motivos de SE não DESANIMAREM com os perigos da vida (E. M.
Pinto Per. I-7) – DESANIMA-SE a gente de Castela (R. Lobo C. de P. 55 v.) – não temas, nem
SE DESANIME o teu coração (Pereira B. S. Isaías cap. VII.o v. 4) – não SE DESANIMEM com a
frieza de uns, com a dureza de outros (Silvério C. Past. 33).
DESARMAR = desarmar-se
Os santuários do culto, ante o qual DESARMAVAM godos e hunos, são hoje odiosos aos seus sucessores
(Rui G. G. 115).
DESESPERAR-SE = desesperar
Quem SE DESESPERA, não sabe aprender no sofrimento (Antero R. e V. 107).
DIVERSIFICAR = diversificar-se
Em tôdas as terras do sertão o caráter do povo DIVERSIFICA do dos habitantes dos lugares marítimos
(Herculano C. U. A. 133) no livro “Da natureza da criança”, os homens DIVERSIFICAM de nome
e natureza (Latino O. da C. intr. CCCXXV).
ENCARNAR = encarnar-se
Quando nos mostrou Deus mais amor, quando ENCARNOU ou quando nos remiu? (E. Matos
E. C. 63) – a natureza humana... é inferior à natureza angélica, porém... depois que o Verbo divino EN-
CARNOU, ficou mais enobrecida (Sacramento V. H. P. 246) – os deuses, para ENCARNAR, parece
elegerem de preferência as figuras dos animais (Latino O. da C. intr. XV).
ESREAR-SE = estrear
Herman... justificava, ao primeiro volver de olhos, a reputação de melindre e de primor, merecida desde que SE
ESTREARA na carreira pública, exercendo as funções de cônsul em Portugal (Rebelo C. dos F. 103).
ESTREMECER-SE = estremecer
Nunca o dia de juízo lhe lembrava, que não SE ESTREMECESSE (Bernardes P. P. P. 65) – o
criminoso que de longe a considera, SE ESTREMECE (M. Aires R. V. H. 97) – sempre o meu espírito
SE ESTREMECE com o mesmo confrangimento (Camilo N. B. J. M. 169).
ESTRIBAR = estribar-se
A recusa ESTRIBAVA nestas razões dadas por êle ao seu amigo (Camilo A. em P. 141) o universo
inteiro... ESTRIBA sôbre o número (Latino O. da C. intr. CXLVI) – o estado social que não ESTRI-
BA nesta verdade é um estado social de opressão (Rui G. G. 15).
292 Padre Pedro Adrião
RECOLHER = recolher-se
RECOLHAMOS, disse o italiano, pois se nos encobriu de todo a clara luz do sol (H. Pinto I. V. C.
II-83) – voltava o velho de uma aldeia perto... e RECOLHIA agora aos subúrbios de Leiria, sua ordinária
residência (Garrett Arc. de S. 194) tendo RECOLHIDO à sua cela, ninguém mais o vira (Herculano
M. de C. II-296) Duarte Pereira adoeceu e licenciou-se para RECOLHER à casa (Camilo T. I. 25) – o
ministro pode RECOLHER à casa, entre a adulação de uns e a resignação de outros (Rui F. B. 172).
REPERCUTIR-SE = repercutir
Convertendo a lira em alaúde, deu-lhe, portanto, maior bôjo para que os seus sons SE REPERCUTIS-
SEM com mais valentia (Castilho N. do C. 12).
RETIRAR = retirar-se
Álvaro Pereira montava um excelente cavalo e, sendo atacado pelo sargento da cavalaria, RETIROU
para trás de um rochedo enorme (T. Vasconcelos P. A. D. 183) não queria ela RETIRAR, sem ver o
rosto do vate (Camilo R. H. R. 135) – o chefe desta, porém, enfadou-se com a devoção da sua gente...
e RETIROU para o jardim da casa (Silvério V. D. V. 257) Villeneuve, hesitando em acometer Cor-
nwallis, RETIROU para Cadiz (Rui C. de I. 231).
SOBRESSAIR = sobressair-se
A atenção do observador se fixa particularmente sôbre algumas que SOBRESSAEM pela sua configu-
ração, beleza e fragrância (Seixas C. das O. II-100) entre as diversas exclusões, SOBRESSAI a dos
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 293
cobardes (Lisboa O. C. I-21) junto da abadessa uma donzela de trajos brancos SOBRESSAI entre as
monjas (Herculano E. P. 131) – entre os gêneros de pregação cristã... SOBRESSAI a missão (Silvério
C. Past. 33) se alguma das taras dessa nacionalidade, porém, SOBRESSAI às outras, é o duro, pérfido e
cruel egoísmo (Rui C. de I. 162).
SORRIR-SE = sorrir
A fortuna é feita assim: mal a conhece o vilão, cuida que a tem na mão, ela SORRI-SE entre si (Sá
Miranda O. C. I-151) e Vasco da Gama, que o ouviu, olhou para êle, SORRINDO-SE (Castanheda
H. do D. I-57) veio Vênus, SORRINDO-SE consigo (A. Ferreira P. L. I-250) – e ùltimamente
SORRINDO-SE, disse... (Sousa V. do A. I-151) êle, ouvindo os seus louvores, com um modo desdenho-
so, SE SORRIU e não falou (Gonzaga M. de D. 6) não se apontariam as más línguas a SORRIR-SE
(Filinto O. C. X-325) – Tupã SORRI-SE lá dos astros (G. Dias P. II-162) o monarca SORRIU-
SE (Rebelo M. D. J. I-233) o padre SORRIU-SE (Camilo R. H. R. 62) – já os senhores SE estão
a SORRIR (Silva Ramos P. V. F. 21).
d) Verbos Factitivos
como os contratempos DESANIMARAM aquele homem, isto é, fizeram desanimar; o cavaleiro enlou-
queceu como a raiva ENLOUQUECEU o cavaleiro, isto é, fez enlouquecer; Cristo ressuscitou como
Cristo RESSUSCITOU a filha de Jairo, isto é, fez ressuscitar.
O uso destes verbos chamados factitivos é mais frequente entre os clássicos do que
geralmente se imagina.
e) Dupla Regência
698 – Damos a seguir algumas regências verbais que, ou por injustamente condenadas
ou por menos comuns no uso, nos pareceram dignas de registo. Documentar as várias
regências dos verbos que aqui citamos seria, sobre desnecessário, nimiamente longo para
a natureza da obra que publicamos, por isto nos dispensamos de fornecer exemplos das
regências mais em voga, as quais nos limitamos a mencionar após o sinal de igualdade.
ninguém terá compaixão daquele que ACOMPANHA COM o homem iníquo (Pereira B. S. Eclesiástico
cap. XII v. 13) – quem ACOMPANHA COM hereges é herege (Rebelo M. D. J. I-25).
vício então abominável (F. M. Melo A. D. 194) um religioso de certa ordem ASSISTIA EM Sulapur
(Bernardes N. F. III-9) – tenho próprio casal e NÊLE ASSISTO (Gonzaga M. de D. I) en-
quanto ASSISTIU NA Rússia, nenhuma ocasião perdeu, que contribuir pudesse aos progressos da medicina
(Filinto O. C. IX-28) – o costume observado em algumas dioceses... só tenha lugar a respeito daqueles
que ASSISTEM NO campo (Seixas C. das O. I-55) a costureira ASSISTE lá NA vila que é daqui
meia légua (Castilho C. A. 98) cada um dêles tinha seus parciais e clientes nos muitos portuguêses que
ASSISTIAM NA côrte (Herculano C. V. 106) – pedi-lhe, me dê um raio da infinita sabedoria que
ASSISTE EM seu trono eterno (Silvério C. Past. 8) EM Maceió ASSISTE o reverendíssimo Padre Júlio
de Albuquerque (Sá Nunes A. L. N. I-267).
historiador DE narrar o assalto dos mouros (E. C. Ribeiro P. L. E. 113) lembramo-nos todos do modo
como Luiz de Camões COMEÇOU DE cantar os Lusíadas (Laudelino N. e P. IV-15).
pessoa (M. Assis Q. B. 144) – sentiam os mações o pêso de tão grande autoridade, nem desconheciam
quanto lhes convinha DESFAZER NELA (Silvério V. D. V. 210) eu não DESFIZERA NAS qualidades
literárias de tão laureado escritor (Rui R. n.o 144 pg. 65).
Per. 1-9) – dos que ENTRARAM O BALUARTE poucos baixaram vivos (Jacinto V. D. J. C. 117)
de volta com êles ENTRARAM A CIDADE (S. Maria A. H. I-9) – o dito religioso, cometendo a cêrca,
foi o primeiro que A ENTROU (Jaboatão N. O. S. B. II-78) – disse, apontando o féretro que EN-
TRAVA A IGREJA, então o missionário (Garrett Cam. 8) aquêle homem que ENTRA O LIMIAR da
paz e vai lá dentro verter o fel da desordem... tal homem devera ser punido três vêzes (Camilo H. de P.
I-193) se alguém há que tema ENTRÁ-LA comigo, que fique (Castilho Q. H. P. II-133) – teve o
singular dote de ENTRAR O CORAÇÃO de quantos só uma vez o viam e conversavam (Silvério V. D.
V. 41) ENTRA A BARRA e sobe o Tejo, uma frota castelã (Antero L. T. 201) médico, ENTRASTE
O soalheiro opulento? estás alugado (Rui C. L. 35).
282) esta fadiga ESQUECEREI (G. Dias P. II-83) ESQUECEI êsse monarca despíritos (Castilho
F. pela A. 73) assim pudésseis ESQUECER a vossa má-vontade (Herculano M. de C. II-37) aos
meus queridos alunos... peço que ESQUEÇAM o incidente (F. Castro P. P. 41) ninguém lhe pede que A
ESQUEÇA (M. Assis H. 133).
b) – Fitar alguém:
Em má hora A FITEI (Garrett F. F. C. 130) dito isto, FITOU-O (Rebelo M. D. J. I-148) a
compadecida amargura com que EU A FITAVA (Camilo A. de S. 98) Helena ouvira o médico sem olhar
para êle; quando êle acabou, FITOU-O admirada e curiosa (M. Assis H. 134) – FITANDO UM dos
nossos colegas... disse com acentuada ironia (Rui F. P. R. 185) sempre se queima quem se aproxima do
sol; FITÁ-LO só é dado às águias (E. C. Ribeiro Tr. 180).
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 309
740 – HAJA VISTA (transitivo), HAJA VISTA A, HAJA VISTA DE, HAJAM VIS-
TA (seguindo-se nome no plural).
HAJA VISTA A Plutarco e a Xenofonte (Filinto O. C. IX-434) – HAJA VISTA A LENDA que
se formou em tôrno do nome de Malthus (F. Castro E. C. 41) – HAJA VISTA OS TEUS FAVORES
às obras do pôrto da Bahia (Rui C. L. 250) HAJAM VISTA os seguintes exemplos (Cândido C. S. S.
215) HAJA VISTA OS seguintes excertos (Sá Nunes A. L. N. I-195) HAJA VISTA, por exemplo,
AO que se encontra no Manual do Cristão de Goffiné (Sá Nunes A. L. N. I-276) HAJA VISTA DOS
excertos seguintes (Sá Nunes A. L. N. II-107) HAJAM VISTA os lances que seguem (Sá Nunes A.
L. N. II-37) o “coucelo” também se tornou apelido: HAJA VISTA o senhor Manuel Coucelo (Cândido
F. e E. II-130).
VIAM MISTER, nunca mais lhe tiravam o chapéu (F. M. Melo A. D. 319) nem o inimigo aguardou
a que viesse o socorro nem nós O HOUVEMOS MISTER (Vieira S. VII-51) as naus da Índia não
HÃO MISTER PILOTOS (Arte 30) – facultou ir ver seus amigos e prover-se do QUE HAVIA MIS-
TER (Pereira B. S. Atos cap. XVII v. 3) nada curo teus sacrifícios, nem dos teus rebanhos, eu HEI
MISTER AS VÍTIMAS (Caldas S. de D. 232) – e ide descansar que O HAVEIS MISTER (Garrett
F. L. S. 222) tivesse a bondade de mandar-lhe os volumes das leis de Minos e Licurgo, pois OS HAVIA
MISTER (Lisboa O. C. I-19) todavia HÁS MISTER PASSAR avante (O. Mendes E. l. III.o v.
473) – pedia as graças QUE HAVIA MISTER para servi-lo dignamente (Silvério V. D. V. 15).
HÁ MISTER pôrde permeio um espírito importuno e desconsolador (M. Assis M. e L. 175) – não
HÁ MISTER DE maior insistência neste ponto (Laet H. P. 13) em regra hoje a observam, sem que
HOUVESSE MISTER DE se apelar para a existência de uma sintaxe de feitio indígena (Laudelino N.
e P. IV-35).
C. I-94) – LEMBRA-ME QUE... vi já o pobre de meu amo (F. M. Melo A. D. 78) não ME LEMBRA
HAVÊ-LO COMETIDO em tôda a vida (Bernardes N. F. I-10) – não tenho um leve cuidado, nem ME
LEMBRA SE SÃO HORAS de levar à fonte o gado (Gonzaga M. de D. 53) Florisa mandava pôr em ordem
tudo o que LHE LEMBROU PODER LEVAR consigo (Filinto O. C. IX-191) – já te não LEMBRA A
INJÚRIA que sofreste de um vilão? (Garrett Alf. de S. 97) já TE não LEMBRAM, farçola, AS DUAS
VÊZES que lá te derrearam as costas (Castilho F. 67) não ME LEMBRAVAM OS trinta mil CRUZADOS
(Camilo A. de S. 180) – já não LHE LEMBRAVAM AS tremendas OBRIGAÇÕES de sacerdote (Silvério
V. D. V. 163) do meu quinto e último ano da Faculdade, não ME LEMBRAM INCIDENTES mencionáveis
(Cândido M. S. 115) LEMBROU AO crítico REFUGÁ-LA (E. C. Ribeiro Tr. pg. XV).
(Camilo C. V. H. J. A. 109) – na grafia POR que OPTEI estava eu com todos os colaboradores do
projeto (Rui R. n.o 362 pg. 164) P. M. notou que uns escrevem cérebro-espinal e outros cérebro-spinal
e pregunta-me POR qual das fórmulas OPTO (Cândido F. e E. I-234) não OPTAREI POR nenhum
dos partidos militantes (Laet J. do C. ano 58 n.o 54 pg. I.a col. 3.a) devemos OPTAR PELA forma
mais simples, mais racional e mais lógica (M. Barreto F. L. P. 292).
PARAM NO descuido do prêmio (M. Aires R. V. H. 79) – se REPARÁSSEIS atentamente NOS olhos
dos dous monges, os afetos se vos trocariam (Herculano M. de C. I-163) notei que êle REPARAVA
NELA (Camilo T. I. 20) – ninguém REPARA NÊLES (M. Barreto N. E. L. P. 264) Leonardo
esculpia sem REPARAR NA mãe (Antero U. O. J. 135).
incremento (Seixas C. das O. II-70) TORNAM-SE EM peste (Castilho N. do C. 63) bastava ser
Ale um truão professo... para não lhe ser estranhada uma falta... que até para os cristãos... SE TORNARA
EM ação indiferente (Herculano M. de C. I-85).
vida do Soberano (Seixas C. das O. I-85) o seu RESPEITO PELO mestre não deixava explicar em
alta voz (Rebelo C. e L. 218) a sua AMIZADE POR Egas, seu irmão, fôra até ali o seu culto exclusivo
(Rebelo O. V. N. C. 68) e o outro francês, o tenente Lassagne?... tenho POR êle tanta SIMPATIA!
(Rebelo C. dos F. 285) O AMOR cego delrei D. Fernando PELA mulher de João Lourenço da Cunha
(Herculano L. e N. I-63) a sua AFEIÇÃO POR Egas fôra constante e sincera (Herculano B. 112)
não admira, pois, que José Bonifácio conciliasse a austera DEVOÇÃO PELAS ciências com o ameno trato
das musas nacionais (Latino E. C. 87) O CULTO AFETIVO que sempre teve POR êles... torna-se mais
intenso e duradouro (F. Castro P. P. 6) – nós a confiamos ao AMOR de nosso clero PELO Pai comum
dos fiéis (Silvério C. Past. 84) qual deve ser o nosso DESVELO PELA vida, liberdade e prosperidade
dêste Pai, os bens que dêle recebemos... assaz o demonstram (Silvério C. Past. 9) a poesia e o civismo
não recolheram, de tudo aquilo, mais que a ADMIRAÇÃO POR alguns valentes, a PIEDADE PELOS
trucidados (Rui D. e C. 470) meu AMOR PELOS moços divinizava outrora a mocidade (Rui D. e
C. 481) Bulhão Pato tinha POR ÊLE ESTIMA fraternal (Cândido M. S. 36) professamos máxima
VENERAÇÃO PELO santíssimo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo (Laet H. P. 70) é inquestionàvel-
mente mais profunda a minha ESTIMA PELO autor de “Pêcheur d’Islande” (Silva Ramos P. V. F. 91)
a minha ADMIRAÇÃO PELO grande prosador não me cega (M. Barreto N. E. L. P. 179) tenho
instintiva ADMIRAÇÃO PELOS grandes médicos (Laudelino N. e P. IV-194).
lhe saber, deixar-lhe falar, ver-lhes sair, ouvir-lhes contar. Esta segunda construção é apelidada
pelos gramáticos DATIVO COM INFINITO.
Dá Deus muitas vêzes por castigo... DEIXAR-LHES COMETER e levar avante quanto mal querem
(T. de Jesus T. de J. I-311) a mim me lembra... que LHE OUVI eu LOUVAR uma vez aquela sen-
tença de Tales (H. Pinto I. V. C. II-94) a experiência fêz tal mudança em seus pensamentos que LHES
FÊZ MUDAR a opinião (H. Pinto I. V. C. III-37) abateu-o Deus tornando-o mortal... para LHE
FAZER AMAINAR as velas de seu fasto e arrogância (Arrais D. 108) e lembre-vos o que LHE VISTES
FAZER em Quânsi (F. M. Pinto Per. II-8) – se quereis conhecê-los, OUVI-LHES CONTAR uma
história (R. Lobo C. na A. 67) relâmpago de uma luz tão clara foi esta palavra para o santo, que LHE
FÊZ TROCAR a queixa em ação de graças (Bernardes N. F. II- 200) – Herodes... folgou muito,
porque de longo tempo tinha desejo de o ver... e esperava VER-LHE FAZER algum milagre (Pereira B.
S. Lucas cap. XXIII v. 8) – depois que LHE VI FAZER aquela ação (Garrett F. L. S. 51) César,
refusando-a, LHE FÊZ SABER que estava resolvido a gastar quantia maior (Lisboa O. C. I-70) tudo
LHE VÊ SORRIR (Herculano P. 157) não puderam impedir, acompanhasse na oração aquelas que o
trato de poucas horas já LHE FAZIA AMAR como irmãs (Herculano E. P. 131) demos a palavra ao
incorreto cronista das “Lendas” para LHE OUVIRMOS NARRAR... as coisas da expedição (Latino F.
de M. 158) – são exemplos chocantes de como se fabricam coisas... para se ensinarem aos alunos e, o que
ainda é pior, FAZER-LHES PERDER um tempo precioso (M. Barreto F. L. P. 61) o professor verá
se é conveniente apontar ao aluno certas metáforas... bem como FAZER-LHE DIRIGIR a atenção para a
etimologia desta ou daquela palavra (Sá Nunes L. V. 86) e assim foi que LHE OUVI LER extensos e
interessantíssimos estudos (Cândido M. S. 59).
CAPÍTULO XIII
(Arrais D. 79) – pelas ruínas da bataria SE podia SUBIR ao muro (Jacinto V. D. J. C. 94) não SE
COMIA até hora de nona (Bernardes N. F. I-15) no mar SE ADOECE (Arte 140) – por largas e
seguidas ruas, compostas de muitas casarias, SE SOBE ao Monte Carmelo (Pita H. A. P. 36) VIVIA-
SE sem temor de leis divinas e humanas (A. Barros V. A. P. A. V. I-76) FALOU-SE acêrca das paixões
do ânimo (Filinto O. C. IX-153) – logo SE FALA disso (Castilho Tart. 17) depois dos combates é
que SE DORME plàcidamente (Herculano E. P. 256) BAILAVA-SE, CANTAVA-SE, PASSEAVA-SE,
IA-SE ao teatro (M. Assis M. e L. 14) – COMEÇANDO-SE insensato, ACABA-SE atroz (Rui D.
e C. 493) de quando em quando ASSISTE-SE ao recrudescer de violentas campanhas (Laudelino N. e
P. VI-39) para lá chegar, SOBE-SE a fêsto por um carreiro de cabras (Antero J. em P. 243).
781 – É-SE.
Destes casos de SE impessoalizante, não estão isentos os próprios verbos SER e ESTAR.
Ouvi eu sempre dizer que nem poeta, nem casamenteiro SE podia SER (F. M. Melo C. F. 40) – for-
mentando a emulação e o amor de uma disciplina, sem a qual não SE pode SER bom pároco, nem bom confessor
(Seixas C. das O. I-122) com o próprio demo SE deve SER justo (Garrett Arc. de S. 191) Catarina
bem sabe; quando SE É nova, o orgulho imagina que os leões nos obedecem. (Rebelo M. D. J. II-202) só há
tesoiro público onde SE não É obrigado a arrecadar para êle sangue, lágrimas e maldições (Castilho F. pela
A. 27) devia dar-se por completamente feliz, ao menos quanto feliz SE pode SER no destêrro dêste mundo
(Herculano M. de C. I-254) não SE É feliz em parte alguma, quando SE não pode SER entre as relíquias
da infância (Camilo R. H. R. 201) – não SE pode SER mais amável, senhores, do que o almirante Ale-
xandrino (Rui R. de G. 150) condições estas... sem as quais... SE não pode nunca SER um grande escritor
(Silva Ramos P. V. F. 99) não SE pode SER cristão sem se ter coração (Antero S. do A. 187) para as
confundir é necessário SER-SE mais que medianamente estúpido (M. Barreto F. L. P. 267) não SE pode
SER menos sangùinário (Laet J. do C. ano 65 n.o 100 pg. I.a col. 8.a).
782 – ESTÁ-SE.
Assim SE ESTAVA muitos séculos antes (Bernardes N. F. II-295) – enfim não é posição em que SE
ESTEJA (Garrett Arc. de S. 85) é mister dizer a dúvida em que SE ESTAVA a respeito desta questão
fundamental (Camilo R. do P. 146) que SE ESTÁ num banquete, o nidor mostra (O. Mendes Od.
l. XVIII v. 198) no tempo de el-rei D. João IV.o, de saudosa memória, não SE ESTAVA melhor (Rebelo
M. D. J. I-268) aqui, senhor Pancrácio, ESTÁ-SE òtimamente (Castilho Sab. 87) – e todavia até
então SE ESTAVA ainda no período que se encerrou de 1880 a 1881 (Rui F. B. 26).
É justo e conveniente que SE RESPEITE também aos dotes (Paiva C. P. 134) só nesta suposição
SE pode LOUVAR A DEUS (Vieira S. XI-77) – forçoso é que SE AME ou A um SENHOR infi-
nitamente amável... ou A UM MUNDO enganoso (Seixas C. das O. II-108) de tôda a parte SE VÊ
A DEUS (Rebelo M. D. J. I-293) não SE deve AMAR A NINGUÉM como a Deus (M. Assis
Q. B. 266) – na idade de quem escreve estas linhas... já SE não TEME senão A Deus (Rui C. de F.
192) não posso, sem protesto, permitir que SE CALUNIE A QUEM nunca nos ofendeu (Laet V. de P.
I.o/2/1915 pg. 140).
CAPÍTULO XIV
784 – Uma das qualidades com que mais conquista, o escritor, a admiração dos seus
leitores é a harmonia, a boa disposição, a cadência suave, a melodiosa composição da
frase. Autores há, mesmo talentosos e competentes, que possuem um modo de dizer
duro, forçado, áspero, desigual, um frasear mal-arranjado que mortifica, aborrece, cansa
depressa a quem os lê. Outros trazem nos seus escritos uma música doce, suave, caden-
ciosa, harmônica, insinuante, que prende, encanta, cativa, delicia grandemente o leitor.
São estes que gozam de mais popularidade, dado que nem sempre sejam irrepreensíveis
enquanto à vernaculidade da linguagem. Com que delícia não se lê um Frei Luiz de
Sousa, um Garrett, um José de Alencar para não citarmos muitos outros!
Observa o Sr. Laudelino Freire que, na prosa de alguns escritores, se podem contar
muitas vezes as sílabas de verdadeiros versos ritmicamente medidos e cita como expo-
entes neste gênero Latino Coelho e Rui Barbosa. Idêntica descoberta já havia sido feita
pelo Sr. Osório Duque Estrada em escritos de José de Alencar e Coelho Neto; pelo Sr.
Alberto de Oliveira, numa página de Eça de Queiroz; pelo Sr. Mário Barreto, nas obras
de Fr. Luiz de Sousa.
Mas onde iriam os gramáticos buscar regras para esta harmônica disposição das pala-
vras na frase e das frases no período? Claro está que se trata de um dom inato no escritor
que, como artista da palavra, mostra o seu jeito, o seu bom gosto e senso estético, a sua
intuição do belo, a sua habilidade.
Não há regras que ensinem aquilo que não se aprende nas escolas, mas apenas sente-
se, adivinha-se, percebe-se por intuição.
À necessidade de escrever artística e primorosamente, prende-se a de colocar bem
os pronomes oblíquos na frase. São partículas móveis: podem vir imediatamente antes,
imediatamente depois, às vezes no meio do verbo e até um pouco afastados deste com
algum vocábulo de permeio. Não poderia escrever bem, um escritor que colocasse arbi-
trariamente estes pronomes. Ora, foi justamente um tal ou qual desleixo na colocação
dos tais pronomes que se começou a notar entre escritores mesmo de nomeada, do
século XIX. Contra isto levantou-se uma reação de filólogos de fins do século passado,
mostrando que não era assim a torto e a direito que se dispunham as tais partículas;
326 Padre Pedro Adrião
havia regras que respeitar e observar no assunto. Daí nasceu a grande questão da coloca-
ção dos pronomes. Como, porém, surgiu ela justamente no tempo em que já começava
a prevalecer francamente, no estudo da língua, o critério da autoridade clássica – nem
de outro modo podia ser, pois regrinhas lógicas, apriorísticas e individuais se afogariam
bem depressa no turbilhão das discussões gramaticais – procurou-se aprender, nos gran-
des clássicos da língua, o modo mais elegante e harmônico de ajustar os tais pronomes
oblíquos na contextura da frase. Era o critério da experimentação: observaríamos como
escreveram os mestres para, baseados no seu exemplo, estabelecermos normas sobre a
disposição daquelas partículas, de acordo com a tradição e com a mestria com que eles
as colocaram.
Bem quiséramos silenciar sobre esta velha e cansada questão da colocação dos pro-
nomes. Mas é ela tão agitada aqui e acolá, nas aulas, nas obras didáticas, na imprensa,
em toda a parte, que o leitor nos não perdoaria num livro sobre tradições clássicas da
língua portuguesa, o não referirmos o que achamos que, sobre tão discutido assunto,
estabelece a tradição.
Corre-nos, além disto, a obrigação de dar uma penadazinha (juntamente com tan-
tos outros que assaz louvavelmente já o fizeram) contra certas tradições falsas que se
tentaram impingir nesta matéria. Sabe-se que as reações feitas com ardor e entusiasmo
costumam exceder os justos limites. Ótimo seria que, para todos os casos de sinclitismo
pronominal, houvesse regras seguras e infalíveis; não ficaria esta colocação ao sabor dos
gostos e preferências individuais. Mas em muitos casos a regra de fato não existe; a regra
é a eufonia, a elegância, o bom soído. Havemos de aceitar os fatos da linguagem como
eles são na realidade e não como para maior comodidade ou melhor disciplina gramati-
cal desejaríamos que eles se nos apresentassem.
Não entenderam assim, porém, muitos e muitos doutrinadores nesta matéria. Na ân-
sia de mostrar aos maus arranjadores de pronomes que existe regulamentação a respeito,
forjaram regras e negrinhas a valer, regras que de fato nunca existiram, mas que eles, ou
ingênua ou deslealmente, apresentaram aos discípulos como verdadeiras Se o que vale
como documentação é a citação clássica, ao formularem uma regra, tinham o cuidado
de acrescentar-lhe inúmeros trechos de escritores que pareciam aboná-la – e de feito
podiam apresentar milhares – mas tinham o cuidado de ocultar inúmeros outros trechos
que contra ela abertamente militavam e portanto a destruíam.
E – o que é pior ainda – quando se ouviam legítimas contestações, quando se mos-
travam muitas frases de escritores modelares que iam de encontro à regrinha falsificada,
atribuíam tais frases a erro, descuido ou deslize de tais escritores. Estranha pretensão.
Escritores antigos que fizeram sair a lume seus escritos num tempo em que ninguém
se lembrava de discutir colocação de pronomes, que procuravam somente colocá-los
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 327
conforme melhor lhes soava às suas bem-educadas orelhas e era praxe na sua época,
escritores em cuja maneira de dizer vão estes, os doutrinadores, os gramáticos, buscar
orientação para formular suas regras, desde que os trechos citados de autoria deles não
se enquadravam nas regrinhas que os dogmatistas da posição dos pronomes haviam
sonhado, eram condenados e tachados de incorretos. Erraram porque não obedeceram a
um código minucioso de sínclise pronominal que veio a formular-se anos e até séculos
depois.
Não se conclua daí que somos infensos a toda e qualquer norma sobre colocação de
pronomes, nem que pleiteamos a anarquia e a arbitrariedade em tal assunto. Há regras
científicas, de valor absoluto, de que não se pode afastar o escritor sem incorrer no grave
erro de ir de encontro a toda a tradição clássica. Há regras diretivas cuja infração nem
sempre importa um erro, mas que têm a vantagem de orientar o aluno, o redator pouco
experimentado, o escritor incipiente. E há também regras manifestamente, abertamente,
escandalosamente arbitrárias.
Quando se pode e se deve condenar uma colocação de pronomes oblíquos como errô-
nea? 1.o – Quando é manifestamente antieufônica, porque a primeira de todas as regras é
não desagradar ao ouvido. 2.o – Mesmo que a frase não seja deselegante, quando vai ela
de encontro abertamente à tradição constante de cinco séculos da nossa língua, porque é
preciso também respeitar a praxe que vem sendo usada dos bons escritores; ela faz parte
do patrimônio que havemos recebido dos nossos maiores que melhor manejaram nossa
língua até os dias de hoje, e não nos é lícito alterar a língua que receber do berço.
Mas haverá sobre algum ponto uniformidade dos nossos escritores de todos os tem-
pos? Há, sim, e é o que dá lugar a
786 – Note-se bem, que dizemos o período, porque uma oração no meio do período,
mesmo sendo a principal, pode começar com o pronome oblíquo. Sobejam os exemplos
que a isto nos autorizam, contra a opinião de gente de grande autoridade que condenou
este uso.
Concedido que foi pelo cavaleiro, SE LHE ENTREGOU para que dêle fizesse o que a sua vontade fosse
(Bernardim M. e M. 162) trazida a água, A BEBEU tão apressadamente que se lhe entornou quase tôda
(F. M. Pinto Per. I-107) senhora, desque a ventura me quis dar-vos por mulher, ME SINTO emeninecer
(Camões T. 126) – ali.... se passava o tempo, SE GOZAVAM as noites, SE SENTIAM menos as importu-
nas chuvas e ventos de novembro (R. Lobo C. na A. 18) se me murmuram, ME RIO; se me emendam, ME
APROVEITO (F. M. Melo C. F. 11) quando começava a sentir as faltas do correio, ME VIERAM, por
outra via, dobradas novas de V. Mcê. (Chagas C. E. 60) para que esta verdade se faça mais cruel, vos CON-
TAREI um exemplo (Bernardes P. E. 280) deposta tôda a emulação, SE APLICOU a conseguir a vitória
com esquisitíssimo empenho (S. Maria A. H. I-97) – quando a província de Pernambuco estava tiranizada e
possuída dos holandeses, SE CONGREGARAM E UNIRAM quase quarenta negros do gentio de Guiné (Pita
H. A. P. 235) enquanto pasta alegre o manso gado, minha bela Marília, NOS SENTEMOS à sombra dêste
cedro levantado (Gonzaga M. de D. 49) antes que o galo cante, ME NEGARÁS três vêzes (Pereira B. S.
Lucas cap. XXII v. 61) logo que Adão fêz a sua adoração a Deus, reconhecendo-o por seu Criador, LHE
lançou o Senhor a bênção com íntimo afeto de amor (Sacramento V. H. P. 228) já a gratidão fizeste vir
do Olimpo, ME ACENAS que a corteje (Filinto P. 107) – ainda quando os homens te odiassem e anat’ma
contra ti bradasse o mundo, por ti sentira amor, TE AMARA sempre, TE AMARA eternamente (G. Dias
P. I-172) toma, LHE DIZ a mãe, libemos reverentes em honra do Oceano (Castilho G. l. III.o v. 517)
cada dia lhe desfolha um afeto, LHE DISCUTE uma crença, LHE MATA uma esperança, LHE TRAZ um
desengano cruel (Herculano L. e N. II-113) chegando à Espanha Carlos V.o, SE FOI Magalhães à cidade
de Burgos (Latino F. de M. 152) hoje estarás comigo no Paraíso, LHE RESPONDEU o Filho de Maria
(Camilo H. de P. I-77) – para a gente dissoluta como para a honesta se extinguiu o cativeiro, SE ABOLIU
a pena de morte, SE ASSEGUROU a propriedade, SE INSTITUÍRAM os tribunais, SE RESTRINGIU a
prepotência e se consolidou o “habeas-corpus” (Rui C. de F. 243).
787 – 2.o – Não se usa a ênclise com o particípio passado, nem com o futuro e o
condicional. Isto, além de ser inteiramente estranho à praxe dos escritores clássicos, é
manifestarnente antieufônico. Assim é condenável dizer: tinha entregado-me, tendo visto-me,
havendo falado-lhe, direi-te, comunicarás-te, falaria-te.
788 – 3.o – A negativa (NÃO, NEM, NINGUÉM, NADA, NUNCA) e a partícula QUEM
atraem o pronome.
A esta atração não está sujeito o pronome que vem acompanhando o infinito, pois o
infinito sempre pode ter o pronome enclítico.
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 329
NÃO FAZÊ-LO é usar mal do cetro (A. Ferreira P. L. II-239) – a pena de NÃO VER-VOS não
se entende (R. Lobo P. 78) pudera... NÃO DAR-LHE sinal algum (Bernardes P. E. 256) – NÃO
pode DISCERNIR-SE o mais forçoso (Durão C. c. IV.o e. 56) NÃO queiras ELEVAR-TE quando
houveres de fazer a tua obra (Pereira B. S. Eclesiástico cap. X.o V. 29) prometo NEM TOCAR-
LHES (Filinto O. C. VI-217) não sei se é risco maior da pátria nossa, NÃO CURVAR-SE ao pêso
dos teus próvidos conselhos ou perder quem os dá (Bocage P. VI-218) – NÃO posso VENCER-ME
(Rebelo O. V. N. C. 77) NÃO deve EXIGIR-SE o juramento, quando pode temer-se o perjúrio
(Camilo Q. de A. 35) no caso de NÃO ADOTAR-SE a criação de Cabidos... (Seixas C. das O.
III-98) NÃO VÊ-LO, e que sossegue? (Castilho N. do C. 52) a proposta, porém, desdizia tanto
das minhas sensações últimas, que eu cheguei a NÃO ENTENDÊ-LA bem (M. Assis M. P. B. C.
107) seria afronta ao gênio grego, o NÃO CHAMAR-LHES oriundos e nativos do solo fecundíssimo da
Grécia (Latino O. da C. intr. CDII) – a respeito do estado de sítio, numa situação como esta, seria
um crime NÃO CONCEDÊ-LO sendo necessário (Rui G. G. 237) “o tratador” de cavalos pode ser
homem de bem, mas o tratante... NEM VÊ-LO (Cândido F. e E. III-231) apesar, porém, de NÃO
ENTREGAR-LHES logo todo o Seminário (Silvério V. D. V. 139) disto NÃO preciso ESCUSAR-ME
(Laet A. I. ano II.o pg. 5).
789 – O gerúndio está sujeito à atração da partícula NÃO. Dir-se-á NÃO SE VENDO,
NÃO SE ENCONTRANDO em vez de não vendo-se, não encontrando-se. Mas não está sujeito à
atração das outras partículas que apontamos como atrativas.
Viu Alexandre Apeles namorado da sua Campaspe e deu-lhe alegremente não sendo seu soldado
exp’rimentado, NEM VENDO-SE num cêrco duro e urgente (Camões L. c. X.o e. 48) – e tal era a
sofreguidão com que ouviam, que NEM AMEAÇANDO-AS com que iria a outra pousada, quisera desistir
de seu exercício (F. M. Melo C. G. C. 211) mas nem ouvindo todos a todos, NEM OUVINDO-SE
cada um a si, ouviam o que é a glória (Vieira apud E. C. Ribeiro Tr. 485) – torcendo algumas flexí-
veis hastas, aqui para as reunir, além para separá-las, sujeitando-as a diversas configurações, submetendo-as
a pequenos vínculos e NUNCA AMPUTANDO-AS, conseguira tornar praticável e mais pictórica e cômoda
tôda a copa (Castilho M. U. M. 269).
A própria atração de NÃO sobre o gerúndio obriga a uma advertência. Às vezes, esta
negativa vem imediatamente antes do gerúndio, mas atinge a frase inteira que se lhe
segue e não propriamente o gerúndio como palavra isolada. Isto ocasiona uma pausa na
leitura, pois a negação se vai exercer sobre toda a oração e não sobre um membro dela;
esta pausa destrói a atração. O ilustre filólogo Said Ali foi quem mui judiciosamente
chamou, pela primeira vez, a atenção dos estudiosos para este caso.
Tirando do seio as chaves dos já abertos muros e NÃO – LANÇANDO-LHES AOS PÉS mas pen-
dendo-as do alto, mais alto da lança arrimada ao lado de el-rei, disse... (Castilho Q. H. P. II-78) o
grande conquistador quis honrar, como costumava, o gênio dos sábios NÃO – CHAMANDO-OS APENAS
330 Padre Pedro Adrião
790 – Observação de idêntica natureza tem lugar mesmo no caso de verbo em qual-
quer tempo. Algumas vezes, apesar de vir a negativa imediatamente antes de um verbo,
modifica outro verbo subentendido e não aquele que se lhe segue. Neste caso não se dá
atração, desde que se trata de um verbo que a negativa não atinge. Vejamos os seguintes
exemplos:
1. – Dá cá êsse tredo e SE NÃO, MATAR-TE-EMOS (F. M. Pinto Per. II-134) isto é, se
não deres, matar-te-emos. 2. – E SE NÃO, DIGAM-ME (Bernardes P. E. 114) isto é, se não
é assim, se não pensam assim, então digam-me. 3. – E SE NÃO, DÊ-ME V. Santidade licença para
perguntar (Sousa V. do A. I-307) isto é, se não concorda, se não acha que é assim, dê-me V. Santi-
dade etc. 4. – Não tugir, nem mugir; SE NÃO, ASSO-O numa camisa de pez (Rebelo O. V. N. C.
234) isto é, se não me obedecer, asso-o etc.
791 – Prevemos logo uma oposição que se possa fazer a tais regras: a alegação de uma
ou outra frase que se encontre em desacordo com elas, como a de Vieira: ME AVISAM em
muito secreto que a Espanha tem resoluto romper a guerra com a França; – a de Filinto Elísio: tinha
d’Olmancé TRAZIDO-ME já o meu sustento nesse dia – a de Fr. Tomé de Jesus: REFORMAREIS-
ME tudo em mim – ou a de Gonçalves Dias: Também me não lembra... por que razão da morte me
queixo que vejo e NÃO VÊ-ME tão sem compaixão.
Entretanto, a leitura serena e desapaixonada dos clássicos de todas as épocas da nossa
língua levará o leitor à conclusão de que tais exemplos, aliás raríssimos, estão muito e
muito fora do modo comum de falar dos bons autores da língua portuguesa. Encontra-
rá, quando muito, raros exemplos de negativa sem atrair em autores brasileiros do século
XIX, desviados, às vezes, da tradição por algum desleixo que houve entre nós, no tocante
a esta matéria no século passado. Sirva para confirmação do que dizemos o fato que
nunca ninguém enfeixou exemplos de clássicos em número suficiente para nem de longe
abalar o valor destas regras. Que um ou outro exemplo raríssimo não sirva de argumento
para infirmar uma regra, já o dissemos; pois o que vale em filologia é a tradição, e uma
ou outra citação isolada não faz tradição; do contrário cairiam por terra todas as regras
da gramática. Ainda mesmo que se apresentassem contra alguma destas três regras (o
que não acreditamos) um bom número de citações de autores antigos, era preciso ainda
confirmá-las com o uso dos escritores modernos, pois o retraimento destes acarretaria
uma solução de continuidade na tradição.
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 331
REGRAS DIRETIVAS
792 – Além destas regras absolutas, de valor científico, por serem firmadas na tradição
constante da língua, há também regras diretivas que servem de orientar o estudante da
língua na intrincada questão de que tratamos e que, no entanto, não obrigam rigorosa-
mente em todos os casos, pois algumas vezes são infringidas sem prejuízo da estética e
até em certos casos com vantagem da infração sobre a observância.
Ninguém pode negar que, na grande maioria dos casos, nas orações ligadas por partí-
culas subordinativas (adjetivos, pronomes e advérbios relativos, e conjunções subordina-
tivas) a frase se torna mais eufônica, quando se faz proclítico o pronome oblíquo. Assim
é mais agradável ao ouvido: as qualidades que ME faltam do que as qualidades que faltam-me; o lu-
gar onde SE mora do que o lugar onde mora-se; por que ME ufano do meu país do que por que ufano-me
do meu país; quando SE revolta a criatura do que quando revolta-se a criatura.
Infinitos exemplos pudéramos acrescentar, o que achamos desnecessário; tome o lei-
tor, à ventura, um trecho qualquer em língua vernácula, ponha, nas orações subordinadas
que for encontrando, o pronome oblíquo depois do verbo e não antes, verá que sempre
ou quase sempre a frase fica muito mais harmoniosa e agradável com a próclise.
Acostumados a ver assim na imensa maioria dos casos, a próclise dar melhor re-
sultado, os bons escritores antigos foram-se acostumando a antepor o pronome nas
orações subordinadas e, levados pela lei do menor esforço, eles que não escreviam como
escrevemos hoje, com o espírito prevenido de regras e mais regrinhas sobre colocação
de pronomes (questão que naqueles tempos não se discutia ainda), eles, instintivamente,
para não se darem ao trabalho de estar parando, de vez em quando, a fim de consultar
o ouvido, escolhiam a próclise como mais espontânea, mais usada e mais segura. Daí o
notar-se muitas e muitas vezes o pronome proclítico em casos em que o enclítico e o
mesoclítico dariam também um bom resultado. Mas segue-se daí, infalivelmente, que
nas orações subordinadas, nunca o pronome possa aparecer mais bem colocado, como
enclítico do que como proclítico?
Note-se bem que a partícula atrai o pronome, mesmo havendo interposição de umas
poucas palavras. Estas palavras podem variar em formas inúmeras e o próprio verbo
pode ser oxítono, paroxítono ou proparoxítono, de uma, duas, três ou mais sílabas,
dando margem a situações variadíssimas, donde logo se vê ser temerário garantir que em
todo e qualquer caso, necessariamente, impreterivelmente, a posição do pronome antes
do verbo é melhor do que a posição depois, ou pelo menos igual a ela.
Se por acaso, em alguma frase, o escritor verificar que, colocando o pronome depois,
há mais harmonia e elegância, que deverá fazer? Deverá cegamente obedecer à regra que
viu nas gramáticas, ou é melhor atender antes de tudo à estética da frase? Será obrigado
332 Padre Pedro Adrião
a fazer rodeios e circunlóquios, a construir a frase de outra maneira, pelo mero respeito
humano de não ser apontado como néscio infringidor dos preceitos gramaticais?
Achamos que, se os gramáticos formulam regras, é visando sobretudo à estética da
frase, e por isto, se surgir, porventura, um conflito entre esta e a opinião dos gramáticos,
à estética, acima de tudo, é que se deverá atender.
Agora observe o leitor os seguintes exemplos:
Semelha a donzela QUE RI-SE e que chora, a límpida aurora que orvalha dos Céus (G. Dias P.
I-193). Que nos diz daquele QUE RI-SE? Mesmo que se tratasse de prosa e não de poesia,
que se ri ali no caso seria tão agradável e tão eufônico como o QUE RI-SE? Por qual regra
de estética se permite dizer que disse, que visse, que risse e não se permite dizer QUE RI-SE?
Veja o exemplo de Camilo:
O acaso me fêz encontrar um indivíduo vestido de simples operário O QUAL, reconhecendo-me, LAN-
ÇOU-SE-ME ao pescoço (Camilo H. de P. I-41).
Preferiria o leitor obedecer às regras da gramática dizendo reconhecendo-me, se me lançou
ao pescoço? Que acha deste me- se- me?
Observe-se igualmente o seguinte passo de D. Silvério: Montou em um cavalo escuro, até
a igreja mais vizinha que é a da Arquiconfraria de S. Francisco de Assis, ONDE APEOU-SE, fêz oração,
revestiu-se em pluvial (Silvério V. D. V. 68).
Não lhe parece ao leitor mais doce e mais agradável ao ouvido a ênclise do que a
próclise naquela oração: ONDE APEOU-SE? É o caso também do verso do Dr. Antônio
Ferreira: achei ONDE PERDI-ME, meu tesouro (A. Ferreira P. L. 43).
Repare bem na seguinte passagem de Machado de Assis: Uma das tranças – era de manhã,
trazia o cabelo em duas tranças pelas costas abaixo – uma delas servia-lhe de pretexto a alhear-se de quando
em quando, PORQUE PUXAVA-A para a frente e contava-lhe os fios do cabelo (M. Assis P. A. 141).
Porque a puxava, salvo engano nosso, parece-nos de menos efeito e menos elegante. De vez
em quando, estamos topando nos bons autores exemplos de não atração do pronome pelas
subordinadas, não só nestes casos em que a eufonia aconselhava a não fazer atrair, mas
também em muitos outros em que a atração daria igualmente bom ou até melhor resultado.
Isto mostra que os clássicos, embora praticando com muito mais frequência a próclise nes-
tas orações relativas e conjuncionais de subordinação, nunca se sentiram presos a alguma
regra que a isto os obrigasse, sob pena de erro de palmatória. Citaremos muitos exemplos
e mais poderíamos citar, porém temos tomado como norma não fazer neste livro mais de
uma citação de um só autor sobre o mesmo assunto. Fôssemos, p. ex., registar todas as
frases que encontramos em Vieira (apontado como o grande consolidador da disciplina
gramatical) com o PORQUE sem atrair, iríamos decerto muito mais longe.
Pelos exemplos que vamos, daqui a pouco, mencionar, verá o leitor que a atração
das subordinativas, especialmente das mais usuais QUE e PORQUE, não é uma regra de
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 333
absoluto valor científico. Ela é um preceito ótimo para orientar praticamente o escritor,
mas não para o gramático teorizar e dogmatizar sobre o assunto. Deparando em algum
escritor uma frase em que o pronome não é atraído pela subordinativa, o crítico ou o
gramático não poderá, sem mais nem menos, tachá-la de solecismo, pois o autor a pode-
rá apadrinhar com muitos textos clássicos. Para condená-la, é mister verificar se, no caso
em apreço, a não atração veio provocar uma construção, mais ou menos, antieufônica.
A. 92) pesarosos deploram QUE aos poucos VÃO-SE extinguindo as vetustas usanças legadas pelos nossos
maiores (Laet J. do C. ano 58 n.o 5 pg. I.a col. 3.a).
794 – PORQUE
PORQUE VAI-SE-ME às figueiras e come verde e maduro (Gil T. 198) PORQUE o sofrer FAZ-SE
por vontade (Bernardim M. e M. 75) o que ela viu, ela conte, PORQUE eu VOU-ME para o monte
(Camões T. 243) PORQUE O sol MOVE-SE circularmente (H. Pinto I. V. C. II-258) – é muito
arriscado PORQUE êle EMBARCOU-SE em um navio e desembarcou na bôca de uma baleia (Vieira S.
V-183) distinguem-se pelas origens PORQUE o Filho ORIGINA-SE e procede do Pai (Bernardes P. P.
P. 40) é um gênero de morte muito mais penoso que o de fôrca; PORQUE esta ACABA-SE em uma hora e
aquela dura muitos anos (Arte 227) – PORQUE, se quiserem dizer, RESPONDER-LHE-ÃO: eis aqui
o Altar do Senhor que fizeram nossos pais (Pereira B. S. Josué cap. XXII v. 28) – assim devia ser...
PORQUE os cobardes ESCONDEM-SE nas costas dos criados que se deixam matar (Camilo A. de P.
123) não serás tu, minha irmã, não que não deves; PORQUE eu AMEI-TE com um coração que já não
era meu (Garrett V. M. T. II-128) mas nem tal sacrifício e abandono havia, PORQUE CAPITULA-
VA-SE também passagem livre para a Bahia (Lisboa V. P. A. V. 73) tenho, porém, ouvido expressões
que eu desejara se não tivessem proferido neste augusto recinto, PORQUE razões COMBATEM-SE com
razões e não com sarcasmos (Seixas C. das O. III-30) sobravam-lhes razões para tentarem corromper,
PORQUE em virtude das leis antigas ERA-LHES permitido associar-se (Latino O. da C. 34) citava
trinta mil parágrafos do código, tudo de cor, PORQUE o livro que trazia na algibeira TINHA-LHE saltado
fora durante a luta (Castilho M. U. M. 210) recomendou-me, porém, segrêdo, PORQUE as almas
ASSANHAM-SE, diz êle, contra quem põe em praça as suas misérias e necessidades (Herculano M. de
C. II-169) e isto agora serve-nos, PORQUE o govêrno INCLINA-SE à paz (M. Assis Q. B. 127) é
PORQUE a espada QUEBRA-SE; a coroa cai, o rei morre; mas o coração e a alma do homem são sempre
os mesmos (Rebelo M. D. J. I-185) – tinha a certeza de ir encontrar tudo tal qual o deixara, POR-
QUE em casa de gente velha os objetos HABITUAM-SE ao canto que lhes deram (Antero R. e V. 16)
a quem iludem êles? a si mesmos não pode ser, PORQUE a velhice, em sua marcha contínua, DÁ-LHES
a consciência de que a mocidade há muito desapareceu (Rui G. C. V. B. 21) lá poderá ver “affez-lo”
o que nem ao diabo lembra, a não ser a algum diabo castelhano, PORQUE em Espanha DIZ-SE decir-lo
(Cândido F. e E. I-19).
obedecer à regra da gramática, esta circunstância nos levou a incluir, em geral, a regra de
que as subordinativas atraem o pronome, na lista das regras diretivas e não na das regras
absolutas, de valor científico.
Ordena o que faça, ANTES QUE VÃO-SE (Sá Miranda O. C. I-261) – AO MESMO TEMPO
que o pecador está DESENFADANDO-SE... Deus anda solícito em lhe fazer bem (Bernardes P. E.
254) QUANDO a tanta neve pura LIQUIDA-SE ardor luzente... (Botelho M. do P. 86) – ignoro
SE a cidade ILUMINOU-SE depois desta esplêndida vitória (Lisboa O. C. I-54) feito o ajuste, os guar-
dadores dormiram a sono sôlto; e COMO, a quem dorme, DORMEM-LHE os cuidados, êles ficaram e os
gados foram-se (Rebelo M. D. J. I-286) nós conhecemos a vida pública dos visigodos e não a sua vida
íntima, ENQUANTO os séculos da Espanha restaurada REVELAM-NOS a segunda com mais individu-
ação e verdade que a primeira (Herculano E. P. 296) desfruto outro viver que não vivia, QUANDO
ESCUTAM-TE a voz os meus ouvidos, como sons de celeste melodia (G. Dias P. I-152) se o viste ou se
NARROU-TE um peregrino... por dó nada me ocultes (O. Mendes Od. l. III.o v. 76) cala, coração,
mais suportaste QUANDO o atroz ciclope DEVOROU-ME os sócios (O. Mendes Od. l. XX.o v. 14)
nada diverte um padecente, AO PASSO QUE a boa harmonia da nossa máquina DISPÕE-NOS ao prazer
e torna-nos a felicidade fácil (Camilo R. do P. 13) SE MOSTRO-ME inconstante... me vai crescendo o
amor (G. Dias P. II-174) QUANDO a sombra de três esquifes sucessivamente PROJETOU-SE no re-
cinto desta Academia... (F. Castro E. C. 26) ASSIM COMO a ciência vai na Grécia por suas pautadas
variações LEVANTANDO-SE do hilozoísmo iônico... (Latino E. C. 9) – esteve o Seminário funcionan-
do alguns anos ATÉ QUE, com a revolução de 1842, DISPERSARAM-SE os alunos (Silvério V. D.
V. 99) a presente reforma da guarda nacional, SE até certo ponto ATENUOU-LHE a ação compressiva,
manteve-lhe intacta a influência corrutora (Rui D. e C. 17) QUANDO o Sr. Dantas ATREVEU-SE
à ousada iniciativa da reforma... (Rui D. e C. 74) tornando-se de rigor a regência TÔDA VEZ QUE
o objeto ou o sujeito deslocados PODER-SE-IAM recìprocamente confundir (Eduardo Carlos Pereira.
Gramática Histórica 7.a ed. pg. 325) apeava-me eu de um bonde em uma das tardes da semana
finda, QUANDO SENTI-ME seguro pela aba do palitó (Laet J. do C. ano 58 n.o 19 pg. I.a col.
I.a) SE os passageiros RESIGNAVAM-SE ao papel de fiscais gratuitos, justo era também que a companhia
condescendesse (Laet J. do C. ano 58 n.o 33 pg. I.a col. 7.a).
O QUAL, por seu modo de comprazer a el-rei, PEDIU-LHE licença que lhe deixasse ir ver o cêrco da
cidade (J. Barros Década 3.a livro 4 cap. 5.o) vendo-a Franco alvoroçou-se e foi correndo ao cão, QUE
nos pés ALEVANTOU-SE e deu-lhe a frauta na mão (Bernardim Ecl. 83) achei, ONDE PERDI-ME,
meu tesouro (A. Ferreira P. L. 43) – meu vigoroso corpo mirrado já secou-se, qual o barro QUE ao fogo
DEFINHOU-SE (Caldas S. de D. 7) assustado, o cura recorreu a um hábil cirurgião dalgumas léguas
longe, QUE ACODIU-ME com a sangria (Filinto O. C. XI-605) na fuga e desbarato, em que nos pôs
o exército, confuso da pujante ignorância, a QUAL CERCOU-NOS e de vencida nos levou (Filinto P.
4) – um dia em QUE eu SENTEI-ME junto dela, sua voz murmurou nos meus ouvidos (G. Dias P.
64) uma tentativa feita para êste fim e QUE REALIZOU-SE nos princípios do ano de 1650, malogrou-se
por motivos que não chegaram ao nosso conhecimento (Lisboa V. P. A. V. 146) há muitíssima gente
QUE, em se lhe mostrando o bem, FAZEM-NO (Castilho C. A. 102) o organismo animal é em última
análise um complicado mecanismo, CUJA função AJUSTA-SE às leis físico-químicas gerais (F. Castro
E. C. 27) o acaso me fêz encontrar um indivíduo vestido de simples operário, o QUAL reconhecendo-me,
LANÇOU-SE-ME ao pescoço (Camilo H. de P. 1-41) o QUE o Céu SUGERIU-ME, eu to assevero
(O. Mendes Od. l. I.o. V. 165) ao pé crescia da ara apolínea um renôvo da palmeira, CUJO aspecto
ASSOMBROU-ME (O. Mendes Od. l. VI.o v. 123) não pôde ser proposto o poeta QUE, beliscado
na sua vaidade, ASSANHOU-SE contra o govêrno (Camilo Q. de A. 23)... a não ser as reformas do
célebre Pedro I.o da Rússia, O QUAL PARECE-ME ser o único que se lembrou dessa idade... (Seixas C.
das O. III-174) um padre que o alienista conhecera em Lisboa e QUE de aventura ACHAVA-SE em Ita-
guaí (M. Assis P. A. 16) a sala era pequena, alumiada a velas, CUJA luz FUNDIA-SE misteriosamente
com o luar que vinha de fora (M. Assis P. A. 221) – montou em um cavalo escuro até a igreja mais
vizinha... ONDE APEOU-SE, fêz oração, revestiu-se em pluvial (Silvério V. D. V. 68) quis ir expor
de voz a S. M. as graves razões que tinha para resignar um cargo para O QUAL ESCASSEAVAM-LHE as
fôrças do corpo (Silvério V. D. V. 289) os fatos são mui respeitáveis, muito mais respeitáveis do que tôdas
as nossas filosofias QUE, se nêles se não fundam, DESFAZEM-SE como bolas de sabão (M. Barreto A.
D. G. 124) o mesmo aconteceu com “arbor”, QUE de feminina TORNOU-SE masculina (E. Carlos
Pereira. Gramática Histórica 7.a ed. pg. 354) e rainha QUE SOME-SE na obscuridade do lar do-
méstico... não pode deixar de merecer veneração ilimitada (Rui D. e C. 34) CUJAS águas, em tôda parte,
COALHAM-SE de botes (Rui C. de F. 37) o estimável colega QUE em outra folha ENCARREGOU-
SE de celebrá-las em verso, já depôs fatigado a lira (Laet J. do C. ano 58 n.o 12 pg. I.a col. 1.o)
os quadros... não os achará o leitor nas colunas do meu rodapé, mas na Academia de Belas-Artes, ONDE
INAUGUROU-SE uma exposição (Laet J. do C. ano 58 n.o 75 pg. I.a col. 4.o).
797 – Pelos exemplos acima apontados, poderá bem ver o leitor que a atração exercida
pelas subordinativas não pode ser exigida pelos gramáticos com a mesma rigidez com
que se exige a atração exercida pelas negativas e pela partícula QUEM, não só porque
NÃO, NEM, QUEM, NINGUÉM terminam em tônica bem forte e, ainda por cima, em di-
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 337
tongo (não gráfico nos três últimos casos, mas prosódico, que é o que interessa à nossa
questão) o que não se dá com – QUE, PORQUE, CUJO, QUANDO, COMO, SE etc. – senão
também e principalmente porque NÃO, NEM, QUEM, NINGUÉM e mais ainda as outras
duas negativas NADA e NUNCA costumam vir imediatamente antes do verbo (NÃO se
viu, NEM me falou, QUEM me chama? NINGUÉM nos responde, NADA nos separa, NUNCA me
arrependi) e no caso então pode-se garantir, sem medo de errar, que a próclise dá sempre
infalivelmente bom resultado, o que não se dá com as subordinativas que frequentemente
entre si e o verbo têm alguns vocábulos de permeio, os quais podem muito e muito variar
o ritmo da frase. É justamente a imensa variedade de situações em que pode achar-se o
pronome oblíquo nas orações subordinadas, que nos leva a julgar improcedente ou teme-
rária qualquer regra absoluta reclamando a atração infalível e matematicamente, nestes
casos. O gramático poderá incluir a atração das subordinativas no meio das normas
principais para uma boa colocação dos pronomes oblíquos; poderá aconselhar o aluno
de português, o escritor, a usar em regra desta atração, pois aí é que está a colocação mais
segura e normal e, na grande maioria dos casos, a mais eufônica. Mas precisa reconhecer
que há casos em que a anormalidade pode surgir com mais ênfase e elegância. E o bom
escritor há de ter ouvido bem delicado e fino gosto para saber até onde o obriga esta
regra diretiva, pois que há finezas e segredos de eufonia e ritmo da frase que nem sempre
as regras da gramática podem elucidar.
E ISTO DISSE-O na linguagem portuguêsa (F. M. Pinto Per. I-177) o VENENO espalha-
do pelas veias, CURAM-NO às vêzes ásperas triagas (Camões L. c. IX e. 33) – o BOM DIA,
METAMO-LO em casa (F. M. Melo A. D. 138) O PRIMEIRO CRAVO do temor de Deus,
PREGA-O um algoz que se chama Pensamento da Morte (Vieira. S. V-44) – A PACIÊNCIA dos
aprimoradores sumos, RECUSOU-LHA a natureza (Castilho F. 9) A SATISFAÇÃO, DOU-A mas
é ao público (Camilo H. de P. I-142) OS NOSSOS ANTEPASSADOS, INCENDIA-OS a febre
dos descobrimentos (Latino A. e N. 77) – A PROVA insofismável... DÁ-NO-LA o próprio Dr.
Carneiro (Sá Nunes A. L. N. I-137) ÊSSES EXEMPLOS, TRANSCREVEMO-LOS naquele
nosso trabalho (E. C. Ribeiro Tr. 294).
Mesmo sem o pleonasmo, em dado momento pode aparecer uma frase em que a
ênclise não soe mal.
UNS REINOS PROMETEU-NOS que ou Hespéria ou Itália apelidava (O. Mendes E. l. III.o v.
187) SEMENTES VÁRIAS DAVA-TE coa alpista (Herculano P. 240) a delicada virgem primeiro
volve a si; OS LINDOS DEDOS CORRE-LHE ao longo da nevada barba (M. Assis A. 72) desvane-
cia-se em exceder, nas graças de espírito, os seus contubernais; A REPUTAÇÃO de néscio CRIARAM-LHE
êstes (Camilo C. V. H. J. A. 118) – entre os majestosos portentos da grandeza antiga, não nos pareça
modesta a moderna grandeza. A antiga foi, pelo espírito dos tempos, universal, é nacional a nova. Da pri-
meira se teve uma Itália romana. UMA ROMA ITALIANA DÁ-NOS a outra (Rui D. e A. 53) duas
cousas sòmente querem êles: dinheiro e mulheres. O MAIS DÁ-LHES o Evangelho, isto é, a faculdade de
viverem conforme lhes apraz (Laet H. P. 159).
REGRAS ARBITRÁRIAS
801 – Além destas regras, a que acima aludimos e que têm total ou parcial apoio na
generalidade dos fatos linguísticos há muitas outras regras arbitrárias, feitas aprioris-
ticamente e que vêm a cada passo desmentidas por exemplos de bons autores. Já não
queremos dar-nos ao trabalho de refutar a afirmação tão inaudita para os brasileiros
que fizera um filólogo de grande nomeada: “São anormais, excepcionais ou irregula-
res as formas como esta: o que não se diz; porque não me falas? quando não te vejo; é para não se
esquecer; como não o encontramos. Normal, regular e corrente é pois o dizer-se e escreve-se:
o que se não diz; porque me não falas? quando te não vejo... é para se não esquecer; como o não encon-
tramos...” e que animou outro legislador em matéria de colocação de pronomes, este
então brasileiro, a formular a seguinte regra: “Regra XV – antepor sempre o pronome
regime à negativa”. O leitor nos dispensará de acudir com milhares de textos para
destruir tal preconceito.
Igualmente com esta, andam por aí muitas regrinhas que nenhum fundamento foram
buscar na lição dos grandes autores. Assim:
lano C. U. A. 155) QUER-ME PARECER que não morreu de outra cousa (M. Assis M. P. B. C.
149) VAMOS-TE FADAR (Rebelo M. D. J. 329) QUER-SE RIR (Castilho F. 251) QUIS-ME
PARECER (Camilo N. B. J. M. 54) – DEVIA-SE AUMENTAR o número dos jurados (Rui C.
de F. 67) PODE-SE AFIRMAR (Sá Nunes A. L. N. II-84) QUER-LHE PARECER (E. C.
Ribeiro Tr. pg. XXIV).
807 – Imperativo.
É mais comum usar a ênclise com o imperativo; não é, porém, uma regra. Veem-se,
nos melhores autores, também exemplos de próclise.
Filhos teus nos chamemos; como pai, NOS AMA, NOS CASTIGA e NOS PERDOA (A. Ferreira P.
L. II-36) quem vos isto pede, é o senhor D. Duardos; por isso o FAZEI que a êle não se pode negar nada
(F. Morais P. de I. 50) agora tu, Calíope, ME ENSINA o que contou ao rei o ilustre Gama (Camões
L. c. III.o e. I.a) lede, Senhor, nestas leis... e por elas ME JULGAI (T. de Jesus T. de J. I-327) ponde
em suas mãos vossa consciência e de quanto vos ela argùir, VOS ACUSAI (Arrais D. 70) – vós o VÊDE
(F. M. Melo C. F. 81) por amor de vossa afrontosa e amargosíssima morte de cruz, ME CONCEDEI
uma boa morte (Bernardes P. E. 174) pelas lágrimas daquela Senhora, que não teve pecados que chorar,
NOS CONCEDEI hoje lágrimas com que choremos nossos pecados (Vieira S. V-91) – por mim LHE
DAI graças (Sacramento V. H. P. 35) tu ME VALE em meus males (Cruz e Silva Hiss. 27) se hei
de ser com Tirsália desgraçado, ME DIZE (Bocage Son. 114) de quinhentistas VOS PREZAI, alunos
(Filinto P. 64) – não no admitas a pai; das ovelhas O AFASTA (Castilho G. l. II.o v. 565) exoro-
vos, oh! deuses imortais, para que nenhum de vós aceda aos votos dêstes ímpios; antes LHES INSPIRAI mais
retas intenções (Latino O. da C. 105) não adormeças em cismar o céu, também TENTREGA à leitura
santa dêste meu livro (Camilo D. da M. 74).
808 – Damos a seguir alguns casos de colocação de pronomes, sobre os quais se não
discute, mas que por se terem tornado mais ou menos raros entre nós, brasileiros, hão
mister relembrados.
fêz dano (Pita H. A. P. 86) inda, meu pai, TE NÃO pedimos dote (Garção O. P. II-51) – noite de
Natal, QUEM TE NÃO ama? (Castilho F. pela A. 223) mas, doutor... por que motivo NOS NÃO
tranqùiliza o espírito? (M. Assis H. II) – quem o acentua, se a memória ME NÃO falha, é o Sr. Antônio
Alcorta (Rui C. de I. 160) o meu irritado contendor que ME NÃO poupa contumélias, às quais não
respondo, foi seminarista (Laet H. P. 158).
811 – METÁCLISE.
Podem-se colocar algumas palavras entre o pronome oblíquo e o verbo que o rege.
Esta colocação do pronome, assim separado do verbo, é chamada METÁCLISE.
A quem LHE esta vitória PERMITIU, dão louvores (Camões L. c. III.o e. 82) tem perfeita dispo-
sição para tudo o que LHE Deus QUER DAR (T. de Jesus T. de J. I-228) – ficou o velho ilustre tão
contente do que LHE o bom sobrinho COMUNICA, que ao mestre vai buscar mui diligente (R. Lobo C.
de P. 63) – de suas próprias vontades, sem os ninguém CONSTRANGER, pediram, queriam que nós os
doutrinássemos (Jaboatão N. O. S. B. II-57) achou granjeio ali meu amor próprio com razão das lindas
cousas que ME lá DISSERAM (Filinto O. C XI-400) – o território... era o mais azado para receber
prontos avisos e socorros na Europa e para SE o inimigo ESTENDER fàcilmente para os lados (Lisboa V.
P. A. V. 92) a ocasião que ME hoje o céu DEPARA, se a deixasse fugir, talvez me não voltara (Castilho
Tart. 96) – do que houve de mágoas... podemos tirar as contas pelo têrmo com que os sempre TRATOU
(Silvério V. D. V. 41) o “sucesso” de que SE os castelhanos LEMBRAVAM, fôra para êles um “revés”
344 Padre Pedro Adrião
(Rui R. n.o 453 pg. 192) mais atrevido é estoutro gênero de derivação que SE agora COMEÇA a
exercitar (M. Barreto N. E. L. P. 42) tangei-as, para que se não passe um ano, como SE este PASSOU,
sem que as letras se opulentem (Laudelino N. e P. VI-24) tem receio de estudar a língua em outras
gramáticas por causa da confusão que LHE isso ACARRETARIA (Sá Nunes A. L. N. I-200) Rui
Barbosa que LHE bem COMPREENDEU os intuitos... (E. C. Ribeiro P. L. E. 177).
ELIPSE
813 – Apesar de mais empregada pelos antigos do que pelos modernos, pois a lingua-
gem moderna é mais clara e analítica, a elipse usada amiúde e com elegância continua a
ser um dos primores e características da linguagem clássica.
a) Elipse do Verbo
814 – ZEUGMA.
Faz-se frequentemente a elipse do verbo da oração, quando já foi enunciado na ora-
ção precedente, figura esta que os gramáticos chamam ZEUGMA.
Ali QUIS DAR, aos já cansados ossos, eterna sepultura e NOME AOS NOSSOS (Camões L c.
VIII.o e. 3) assim como o outono VAI DESFOLHANDO as árvores, assim A VELHICE, AS ALE-
GRIAS (H. Pinto I. V C. III-182) – pelas luas SE TIRAM as marés e AS CARTAS, PELOS
SOBRESCRITOS (F. M. Melo A. D. 148) nunca me FÊZ mal algum, ANTES SEMPRE INU-
MERÁVEIS BENEFÍCIOS (Bernardes N. F. II-202) – a passagem ERA impossível; O LUGAR,
HORROROSO e para uma e outra cousa, o REMÉDIO, NENHUM (A. Barros V. A. P. A. V. I-9)
algumas vêzes me ARGUÍA, meu espôso, o meu muito mimo, e EU, A ÊLE, A MUITA SEVERIDADE
(Filinto O. C. X-17) – o jornal mesmo da oposição os TEM RECEBIDO com louvor; O POVO,
COM AGRADECIMENTO; O TRONO, COM SATISFAÇÃO (Castilho F. pela A. 117) quem
NOS ENSINOU a esperar? QUEM, A SER FELIZ pela fé no meio das agonias? (Herculano E. P.
132) – nunca TEVE cenas mais tétricas, a loucura; NUNCA A IMPIEDADE, EXCESSOS MAIS
INVEROSSÍMEIS (Rui R. de G. 33).
815 – Esta elipse ou zeugma se dá mesmo quando o verbo subentendido teria, se fosse
enunciado, número ou pessoa diferente do verbo da oração antecedente.
Do referido cabo para o Grão-Pará É perpétua a monção, NAVEGÁVEIS, OS MARES E OS VEN-
TOS de servir sempre FAVORÁVEIS (Pita H. A. P. 8) não só no povo daquela vila, mas nos circun-
vizinhos por onde correu, FOI grande o abalo, MUITAS, AS MUDANÇAS DE VIDA E NOTÁVEIS,
AS CONVERSÕES (A. Barros V. A. P. A. V. I-40) – se Cristo nos socorrer, ambos TEREIS, o que
346 Padre Pedro Adrião
pedis e NÓS TODOS, MUITA GLÓRIA (Rebelo C. e L. 171) os pães com tais indícios já se ESTÃO
regalando e RINDO-SE, A LAVOURA (Castilho G. l. I.o v. 122) É nova a terra; nova, a natureza;
NOVOS, OS COSTUMES (Latino E. C. 80) – a língua dos dois países É a mesma e IGUAIS, OS
INTERÊSSES da linguagem (Cândido C. S. S. 5).
Oh! doudinho de Antonioto, como HAVIAS MISTER CURADO desta tua cabeça (Sá Miranda O.
C. II-203) nesse deserto, apartado de tôda a conversação, MERECÍEIS DEGRADADO (Camões T.
272) a LÃ HÁ MISTER CARDADA para o pano ser fino (H. Pinto I. V. C. I-243) – o cargo de aio
de um príncipe é ser mestre de tôdas as ações políticas que assim HÃO MISTER APRENDIDAS (Sousa
A. D. J. I-9) tal relógio MERECIA QUEIMADO e cortada a mão que cuidava dêle (F. M. Melo A. D.
25) – quantos varões de superior talento que ARGUÍDOS MERECEM como o general cartaginês (Filin-
to O. C. IX-347) – silêncio, amigos! estas coisas QUEREM TRATADAS mansamente (Garrett Arc.
de S. 234) levanta a hóstia nas mãos que MERECIAM RASPADAS e carregadas de ferros (Rebelo C.
e L. 236) tudo quanto nasceu, MERECE ANIQUILADO (Castilho F. 102) os mortos CARECEM
momentaneamente DESPERTADOS no remanso do túmulo (F. Castro E. C. 112) – não dissimulou
como as condições... HAVERIAM MISTER MODIFICADAS (Silvério V. D. V. 155) MERECE
RELIDA e meditada a parte inicial da réplica (Rui R. n.o I.o pg. 3) a sua justiça não HÁ MISTER
RECOMENDADA (Rui R. n.o 326 pg. 153) MERECE ainda LIDA e MEDITADA, a majestosa
pintura do mesmo grande e eloqùente escritor (E. C. Ribeiro P. L. E. 124).
818 – Suprime-se também, muitas vezes, o infinito do verbo SER em cláusulas infiniti-
vas que vêm com as preposições: PARA, POR, SOBRE ALÉM DE.
O arbítrio, PARA CONVENIENTE, deve ser firme (F. M. Melo A. D. 213) foram ineficazes os
tributos POR VIOLENTOS (Vieira S. VII-139) não fala senão da vida eterna que é só PARA DESE-
JADA (Bernardes N. F. II-118) – a apurada elegância dêsse poeta, POR UNIFORME e continuada,
cansa o leitor (Filinto O. C. IX-406) – a modificação... deve, POR ABSURDA e intolerável, ser com-
batida (Sotero C. L. P. B. I-84) dirão os que desdenham, POR HUMILDES e plebeus, os galinheiros
(Latino A. e N. 151) –... dizer verdades muito ingratas e custosas PARA OUVIDAS (Silvério V. D.
V. 85) tais trivialidades cediças e corriqueiras não são PARA CONTEMPLADAS num discurso acadêmico
(Rui O. M. 51).
b) Elipse do Pronome.
ser QUANTO desejo (Garção O. P. I-10) QUANTO vês é troféu de uma vitória (Cláudio O. 19)
perdi QUANTO me dera a fortuna (Filinto O. C. X-6) – embebido na sua mágoa parecia estranho a
QUANTO o rodeava (Rebelo C. e L. 243) louva a QUANTO êle fêz; QUANTO lhe ouviu, recita
(Castilho Tart. 14) – QUANTO acabou de novo nas construções foi executado pelo Reitor (Silvério
V. D. V. 150).
e) Elipse da Preposição
Alf. de S. 49) um dia QUE Tibério Graco assistia no capitólio... (Lisboa O. C. I-49) nos primeiros
tempos QUE se instituiu a caixa nem um lá aparecia (Castilho C. A. 177).
d) Elipse da Conjunção
826 – Elipse de “QUE” nas locuções conjuntivas: QUE, POSTO QUE, SE BEM
QUE, SUPOSTO QUE.
Nem D. Sancho Henriques pôde escapar de acabar às mãos dos mouros de Bintã, SE BEM escapou
dêles no rio de Muar (Sousa A. D. J. I-268) assim escreve êste caso um autor grave, SE BEM o padre
Engelgrave o traz com alguma variação (Bernardes N. F. II-132) – esta consideração nos alentará neste
lugar, porque, SUPOSTO não seja bastante para nos aliviar a saudade... sempre nos consolará na nossa pena
(Sacramento V. H. P. 26) o monarca, SUPOSTO desejava que a armada se recolhesse com brevidade,
deixou ao arbítrio do comandante a sua volta, para o reino ou demora no Brasil (Gaspar M. H. C. S.
V. 138) sirva-nos de exemplo o gênero que, DADO nos agrade ainda no teatro... ei-lo resfriado e insôsso
quando escrito e nu (Filinto O. C. IX-397) sem o menor susto recebeu a honrosa, POSTO arriscada,
nomeação (Filinto O. C. IX-208) – nesta, PÔSTO não desaparecessem os motivos da minha primeira
admiração, tive azo de ir descobrindo suas máculas (Castilho F. 10) SE BEM a efígie de Afonso de Al-
buquerque... esteja sempre bem e justamente em qualquer parte... a colocação da sua estátua no arco da Rua
Augusta... destoaria do pensamento fundamental (Latino A. e N. 135) a festa correu animada, PÔSTO
a reunião fôsse restrita (M. Assis H. 127) – seus pais, SE BEM muito lhes custasse a separação... não
lhes puseram remoras ao intento (Silvério V. D. V. 12).
827 – É lícita a elipse da primeira parte das locuções conjuntivas que terminam por
QUE ou por SE quando as referidas locuções na oração precedente já foram expressas
por inteiro.
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 351
A urtiga e outras ervas desta qualidade POR MAIS QUE as semeiem nas frescas e deleitosas hortas E
QUE as reguem e curem, sempre picam e magoam (H. Pinto I. V. C. III-145) – E DADO QUE nada
perca e QUE traga uma grande prêsa está bem esmada e malbaratada (Arte 252) – deixai-o passar,
porque êle vai onde vós ides; vai, AINDA QUE zombeis dêle QUE o calunieis, QUE o assassineis (Garrett
F. F. C. 120) DESDE QUE a liberdade política trouxe a liberdade do pensamento e QUE o engenho pôde
aparecer à luz do dia (Herculano L. e N. prólogo VI) os seus olhos relampejavam... COMO SE
tivesse diante o inimigo e SE o golpe fôsse a descer (Rebelo C. e L. 184).
832 – Uma vez já enunciados, podem elidir-se quando chega a vez da repetição: a pre-
posição, o advérbio e o pronome se.
PARTÍCULAS EXPLETIVAS
extraordinário assunto para pintar QUE NÃO é êste vale de Penacova, visto do Penedo do Castro (Antero
J. em P. 227).
PLEONASMO
NUNCA JAMAIS quem serei mais realista que o rei (Sá Nunes. A. L N. II-46) o mesmo pode dizer-
se... de outras inumeráveis palavras homográficas e homofônicas e por certo NUNCA JAMAIS NINGUÉM
vacilou tomando uma pela outra (M. Barreto F. L. P. 267).
O VENENO espalhado pelas veias, curam-NO às vêzes ásperas triagas (Camões L. c. IX.o e. 33)
AO DOENTE não se LHE há de fazer a vontade (Sá Miranda O. C. II-168) as TAIS JORNADAS,
nem Deus AS consente, nem o rei AS quer (Couto S. P. 53) – AOS MOÇOS LHES falta aquela
balança das ações que só dos anos se pendura (F. M. Melo A. D. 233) o MARTÍRIO, não o faz a pena
senão a causa (Bernardes N. F. III-14) A EL-REI Davi LHE aconselharam os seus, que não saísse
à campanha (Vieira S. XIV-312) – há poucos dias que, AO PASTOR Montano, LHE morreu uma
ovelha (Cláudio O. 64) SUA JUSTIÇA, todos os cidadãos A celebravam (Filinto O. C. IX-86) – A
ÊSTE negrejavam-LHE na idéia o calaboiço, as varas, a grilheta, a farda rasgada, o fuzilamento (Castilho
F. pela A. 213) AS OUTRAS FLORES, tinham-NAS mirrado os ardores do estio (Herculano L. e
N. II-123) nem AO PRIOR, nem AO CAPITÃO do mar, LHES ocorreu de certo a mais leve sombra
destas reflexões (Rebelo C. e L. 216) – AO HOMEM, deu-LHE Deus a sensibilidade para amar o
bem (E. C. Ribeiro P. L. E. 97) OS PORTENTOS de que esta fôrça é capaz, ninguém OS calcula
(Rui O. M. 41) PROVA disto, nós A temos no IV.o livro dos Reis (Laet H. P. 24).
851 – AMBOS OS DOIS não é considerado pleonasmo vicioso, pois é de uso clássico.
Oh! meu grande Deus, que parvos são AMBOS OS DOUS e ambos crianças (Filinto O. C. XI-
497) – o que um pouco mais embaraço poderia causar é a coincidência... de serem AMBOS OS DOIS,
Henrique e Afonso, cavaleiros do tempo das cruzadas (Castilho N. do C. 120) o certo é que AMBOS
OS DOUS monges... caminhavam juntos (Herculano M. de C. I-102) ambas as formas são gramati-
Tradições Clássicas da Língua Portuguesa 363
cais? são-no AMBAS AS DUAS? (Rui R. n.o 40 pg. 68) diz-se “fazer em pedaços” ou “fazer pedaços”;
AMBAS AS DUAS formas são autorizadas (M. Barreto N. E. L. P. 72).
ANACOLUTO
folgado, folgue-LHE o rosto, que é de razão (Garrett Alf. de S. 15) – QUEM isto desprezar, eu LHE
aconselho que antes se dê a fazer prosa (Silva Ramos P. V. F. 274).
HUMILDES tudo o SEU lhes parece pouco (F. M. Melo C. F. 63) ÊSTES TAIS o SEU lucro é a mi-
séria (Bernardes P. E. 90) – ÊLES o SEU único desejo é exterminar-nos (Garrett V. M. T. I-100)
mas VÓS, senhor conde, qual é VOSSO título para constranger minha vontade? (Herculano B. 171) e
TU, minha alma, encontrei o TEU cordial (Camilo R. do P. 216).
859 – Outros exemplos originais de anacoluto pomos aqui para que se possa bem ob-
servar a liberdade com que usam os bons autores deste expediente, quando, sem prejuízo
da elegância, querem dar mais energia à frase.
Mas é necessário que, O QUE não vive em si, viva Cristo NÊLE (H. Pinto I. V. C. II-144) vereis
ÊSTE que agora pressuroso por tantos mêdos o Indo vai buscando, tremer DÊLE Netuno de medroso, sem
vento suas águas encrespando (Camões L. c. III.o e. 47) – árvore que com pequena tempestade cai, ou
tem poucas raízes ou é muito tenra ainda; V. S.a. que com pouco se turba, OU A VIRTUDE É TENRA, ou
não tem nenhum fundamento (Chagas C. E. 36) QUEM madruga mais, é PORQUE necessita mais
(Vieira S. V-153) resolvera o seu caritativo zêlo dar o pasto da divina palavra àquelas ovelhas QUE,
ainda que poucas, NÃO CUSTARA POUCO A SUA REDENÇÃO (Bernardes N. F. I-94) – EU
VERMELHA e como carmesim coos forcejos que fazia por me dar ar, TOMARAM-NO por delírio (Fi-
linto O. C. XI-484) – não vejo senão uma graciosa aldeia da Suíça, um grupo de choupanas inglesas
QUE LHES NÃO FALTAM NEM OS PINHEIROS ALPINOS para completarem a ilusão (Garrett
H. 82) POESIA OU ROMANCE, música ou drama que as mulheres não gostem, É PORQUE não
presta (Garrett V. M. T. I-70) ÊLE, por exemplo, que teria dito DÊLE o finado? (M. Assis H. S.
D. 82) VOCÊ que não quer mostrar, POR ALGUM MOTIVO HÁ DE SER (M. Assis H. S. D.
261) ECOS do mundo, NENHUM chega a nosso êrmo (Camilo A. de S. 211) – energias foram-
se abaixo, brios, perdidos; PROTESTOS SAGRADOS passei por cima DÊLES (Antero Cômicos 4.a
ed. pg. 251).
COLHEU foi sua própria mulher (Bernardes N. F. II-81) – por isso EL-REI D. Filipe II.o, quando
VIU Lisboa, logo a sua prudência determinou e prometeu passar a sua côrte para ela (A. Barros V. A. P.
A. V. I-36) – OS DOIS, o que QUERIAM no fim de tudo era salvar as aparências (Rebelo M. D. J.
II-126) O LETRADO, está sabido o que lhe RESPONDE (Castilho C. A. 278) os olhos da minha
face viram as grandezas da arte, OS DA ALMA, voltados sôbre si mesmos, o que VIAM era a enchente do
fel sem intermissão (Camilo N. B. J. M. 146) – mas ESSAS EXCEÇÕES já vimos os limites em que
SE ENCERRAM, para que o bloqueio não deixe de ser efetivo (Rui G. G. 201) O PASTOR que deveras
quisesse conseguir sua mudança e pô-la em caminho de melhoramento perdurável, era fôrça COMEÇAR
pela reformação do clero (Silvério V. D. V. 99) aqui nesta Veneza americana, QUEM QUISER divagar
por noites de luar, o instrumento de que SE DEVE MUNIR, não é o mandolim, é o apito (Silva Ramos
P. V. F. 47).
CAPÍTULO XIX
a) Orações Concessivas
861 – Com SER.
As concessivas podem ser substituídas por infinitivas regidas da preposição COM:
embora fosse cristão nascido, nunca mais ajoelhara à cruz OU COM SER cristão nascido, nunca mais
ajoelhara à cruz (Rebelo).
Êles mesmos os escondiam em suas casas... COM SABEREM que nisso faziam contra a lei e premática de
seu rei (D. Góis C. D. E. 36) se, COM os viso-reis ESTAREM amarrados ao Conselho geral da Índia,
muitas vêzes por cima dêles, fazem o que querem, que seria deixando tudo em só seu parecer? (Couto S. P.
131) – a mesma artilharia de bronze, COM SER FEITA do mais paciente dos metais, também se esquenta
com perigo (F. M. Melo A. D. 178) COM SER tão freqùente a sua oração, as distrações dela tôdas juntas
montariam o espaço de uma Ave-Maria (Bernardes N. F. III-104) – a mesma humildade, COM SER
uma virtude oposta, também costuma nascer da vaidade (M. Aires R. V. H. 9) um justo, COM SER santo,
muitas vêzes cai no dia (Sacramento V. H. P. 146) – COM SER cristão nascido, nunca mais ajoelhara à
cruz ou se encomendara à Virgem (Rebelo C. e L. 20) a idéia, COM SER imaterial... tem deixado, muitas
vêzes, na sua marcha triunfante, um sulco de sangue (Latino F. de M. 165) – COM SEREM difíceis, as
ia preparando e explicando tão cabalmente como se fôra provecto nelas (Silvério V. D. V. 15) esta verdade,
porém, COM TER o consenso universal... não dirime a estranheza (Latino N. e P. V-106).
a murmuração, AINDA QUE SAIU pela língua, teve a ocasião nos olhos (Vieira S. V-100) – PÔSTO
QUE esta superioridade ERA eletiva, lhe durava por tôda a vida (Pita H. A. P. 236) AINDA QUE o
mancebo ou mulher, com algumas horas de sossêgo, OUVE as inspirações do anjo... não se resolve a retirar-se
dos vícios (Sacramento V. H. P. 68) – PÔSTO QUE FALTOU indignamente à sua palavra, não há
certeza de que o mêdo de um ou de outro partido lha não faça cumprir ainda (Garrett P. B. E. 92) INDA
QUE a nossa essência É saltitar à toa, eu farei diligência (Castilho F. 315) – outro tanto não sucederá
talvez com os de hoje, BEM QUE os paradoxos do grego não DERRAMAVAM sangue, ao passo que os do
militarismo atual cobrem de luto a face do globo (Rui G. G. 36) pululam grande número de vozes que,
AINDA QUE PARECEM novas, e de fisionomia tirante ao francês, são de mui antiga e acrisolada ascen-
dência (M. Barreto F. L. P. 117) de todo lhe faltavam as fôrças do corpo para o trabalho da pregação,
AINDA QUE TINHA vigôres as do espírito (Silvério V. D. V. 223) AINDA QUE FOI porventura
essa concepção que ditou as seguintes palavras ao escritor latino... o ensino é que... dá atividade, fôrça e vida
atual a essas disposições (E. C. Ribeiro P. L. E. 146) SE BEM QUE HOUVE um gramático ilustre
chamado Lobato, êste meu Lobato de agora está alheio à gramática (Cândido F. e E. III-157).
b) Orações Temporais
c) Orações Condicionais
E o fizera sem falta, A NÃO SE ATRAVESSAR o bom zêlo de um seu criado (F. M. Melo A. D.
68) A NÃO SER assim, não fôra possível o que vejo (Bernardes N. F. III-10) – A NÃO HAVER êste
desconto, seriam, os senhores de engenho, os vassalos de maiores rendas (Pita H. A. P. 10) A VIVEREM
num congresso menos luzido... melhor escreveriam (Filinto O. C. IX-372) – A SER-ME isto vedado,
contento-me com o prazer bebido nas ficções de Vergílio (O. Mendes Vergílio Brasileiro pg. 203)
tu nem deste melhor conselho do que o meu; A HAVÊ-LO DADO, não se houveram aproveitado os que
eu ditei (Latino O. da C. 67) A TER eu a desgraça de ser govêrno... havia de fazer tudo para ilustrar
o povo (Castilho F. pela A. 181) – A NÃO SE TRATAR de um miserável... só duas fôrças seriam
capazes de forrar uma alma contra a abjeção incomparável daquela queda (Rui C. de I. 137) A NÃO
SE ACODIR com algum remédio novo e extraordinário, não há mais esperar, se restitua essa Província ao
antigo estado (Silvério V. D. V. 60).
d) Orações Modais
866 – Nas orações com a conjunção COMO, a clareza exige muitas vezes que a prepo-
sição ou ausência de preposição especifique a quem se refere o termo ou locução que se
segue ao COMO. Por exemplo:
falei-lhe COMO amigo.
falei-lhe COMO A amigo.
No primeiro caso amigo refere-se à pessoa que fala, no segundo à outra pessoa a quem
ela falou.
Os antigos, como bem observou o Sr. Mário Barreto, eram mais cuidadosos em
observar, quando era o caso, este louvável uso da preposição, empregando-a mesmo
quando não havia perigo de ambiguidade.
Depois da ceia, muitos do lugar os foram ver, COMO A COUSA NOVA (Castanheda H. do D.
I-15) todos se arrimaram à doutrina e modo de S. Tomaz... COMO A FIRME COLUNA (H. Pinto
372 Padre Pedro Adrião
assaz de 632 B
asselar, asserenar, assoprar etc. 204 bago = báculo 124
assim como assim 383 banal 600
assim como = assim que 512 bancarrota 548
assim... como = não só... mas também 489 bandalheira 177
assim... quanto = não só.... mas baque 178
também 490 barregania 557
assim que = de modo que 506 bastas vezes 394
assim... que = não só... mas também 491 batota, burla substituindo supercheria 589
assinar = indicar 30 bêbado e bêbedo 240
assistir em 704 bem-amado 633
assombrar = cobrir de sombra 31 bem = muito 633
assuada 542 bem no sei 301
às surdas 385 bem que = decerto 179
à sua guisa 356 beneplácito 576
a súbitas 386 bens da fortuna 639
à surrelfa 387 bexigas 276
às testilhas 385 bifar 601
às vessas e às avessas 208 bizarro 536
às vinte 388 blasé 537
a talho, a talho de foice 389 boda 282
ataque = acesso 597 bofé 125
a toda a luz, a todas as luzes 390 bolhão 126
a tout hasard 531 bom dito 582
aturdido 532 bom-tom 602
au bon marché 533 bonomia 603
audacioso 598 bons dias, boas tardes, boas noites 277
à uma 391 botar 180
au rabais 534 bote = arremesso 181
ausência do n que se costuma pôr entre o boudoir 538
verbo e o pronome oblíquo 300 bouquet 539
autoridade dos filólogos – é critério de brâmane e brâmene 240
certeza? 6 bravaria 127
avalanche 599 bucho 182
avante = adiante 176 bulha 542
avença 123 burnir e brunir 212
à ventura 392
avergar, avexar, avincular, avoejar 204 C
a vol d’oiseau 535 cabedal 58
a vozes 393 cachola 183
azurrar 204 cadimo 128
376 Padre Pedro Adrião
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27