O Estrangeirismo e Absurdismo Na Existência Humana
O Estrangeirismo e Absurdismo Na Existência Humana
O Estrangeirismo e Absurdismo Na Existência Humana
2 - T 01)
DEPART AMENTO DE PSICOLOGIA BRUNO MART INS MACHADO
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declarado culpado por não conseguir chorar durante o funeral de sua mãe - e aqui temos outro
absurdo: o fato de Meursault não conseguir exprimir choro é mais relevante do que o homicíd io.
Argumenta-se que se Meursault é incapaz de sentir remorsos, é um indivíduo perigoso, fora da
“norma” social e deveria ser executado para evitar que cometa mais crimes. Meursault torna-
se, ao mesmo tempo, um exemplo e um absurdo.
Camus discute nessa obra questões como: caráter valorativos, morais, existencia is,
éticos, a morte, a religião, o castigo, as instituições sociais e, acima de tudo, o conceito de
abstração que se atribui à essência humana, bem como encontramos nas dissertações em
“Genealogia da Moral”, de Friedrich Nietzsche (1998). A partir de uma perspectiva crítica e
de demonstração da hipocrisia e do modo de vida social moderno, “O Estrangeiro” possui
como tema principal a narrativa “absurdo”. Camus apresenta o mundo como essencialme nte
sem sentido, e demonstra através do caráter frio e indiferente da existência que a única forma
de chegar a um significado ou propósito é criar um por si mesmo.
Meursault sente-se um estrangeiro ao se deparar com uma existência privada de luzes
ou ilusões. Não há saída para essa condição e essa dissociação entre o homem e sua vida é o
que nos traz ao sentimento de absurdo. Bem como Sartre (1987), Camus aborda em um viés
existencial (apesar de não se declarar como existencialista), o movimento de tomada ou busca
de conhecimento, bem como a capacidade de conhecer e assimilar o saber.
Os dois autores discutem questões relacionados ao ser e ao estar, definindo a existênc ia
como para além da essência. Nesse sentido, mesmo que o sujeito não possua uma substância
específica e íntima, mesmo assim ainda conta com a realidade inegável da existência. Portanto,
o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só nele se define. Todo o caráter
essencial atribuído ao significado da existência resulta de modulações através das
experienciações causais e vivenciadas.
Temos em Meursault a representação do modo de existência através dos sentidos, e ao
mesmo tempo a ausência do divino e plano espiritual (durante a prisão, o personagem se mostra
contrário à ideia do capelão para que ele recorra à Deus), e essas questões também estão
atreladas ao absurdo da vida. Meursault, por fim, reconhece a indiferença do universo perante
à humanidade. Camus também aborda a insignificância do viver, tal como Schopenhauer (2001)
discute através da antecipação sensorial da morte e propondo o fato de é irrelevante o tempo e
o espaço percorrido na trajetória existencial. Todos morrem, isto é inevitável e condição de todo
ser vivo.
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O medo da morte é causado pela eminência de uma interrupção na projeção abstrata de
mais alguns anos de vida. A indiferença para o viver dentro desse contexto, ao mesmo tempo
em que estabelece algo próximo do niilismo, mas também desfaz o temor com relação ao não-
existir e ao nada. Nesse viés, a vida é insignificante, a sua interrupção precoce ou tardia também
se entende da mesma forma, através da irrelevância.
Traçando um paralelo entre o absurdo de Camus (1957) e o pensamento de Sartre
(2005), temos nossa condição enquanto seres finitos, perante a infinidade do mundo - e estar
no mundo é aceitar essa condição. Há, portanto um sentindo de inutilidade no sofrime nto
humano, e de repetição da vida. A humanidade é apenas um conjunto de seres que nascem e
morrem, e isso recai na condição solidão do homem moderno, através da sua percepção da
decadência humana.
Em articulação ao pensamento de Dostoievsky (2006), entendemos o absurdo enquanto
uma libertação, na medida em equivale aos valores frente à certeza da morte, na perspectiva do
sujeito absurdo. Meursault, a partir dessa ótica, é um personagem que não se encaixa no jogo
da sociedade, como se espera e como é habitual, e por esse motivo é considerado alguém
estranho, ao mesmo tempo que um “estrangeiro”. Deslocado do mundo em que está inserido, e
ao mesmo tempo um sujeito comum entre os outros.
Conforme discute Nietzsche (1998) sobre os mecanismos de castigo e atribuição de
crime, Camus traz em sua obra uma crítica ao sistema judiciário e ao direito. Esse último
compreende a norma em seu aspecto propositivo ou prescritivo de condutas (Ferraz Jr., 2007),
e Foucault relaciona a norma com o parâmetro por meio do qual se estabelece a diferenciação
entre o normal, ou seja, de acordo com a norma, e o anormal, isto é, contrário à norma (Fonseca,
2012).
Foucault analisa a função das leis e das normas e, consequentemente, do direito em
produzir aquilo que ele chama de corpos dóceis, ou seja, submissos e governáveis. Nesse
contexto, durante o julgamento de Meursault, Camus traz a lei enquanto um mecanismo de
coerção e adequação social, e que dessa forma é errôneo pensar nela enquanto uma fonte
imparcial de ética e pressupostos morais. A sociedade estabelece “verdades”, aparadas nos
conceitos e julgamentos morais, determinando padrões de comportamento sob o discurso
normativo (seja através do sistema judiciário, religioso, etc.), discurso esse que também é
imerso no absurdo.
Camus também, através dessa obra, discute a questão da revolta, através de uma busca
inconsciente de moral. A revolta é o sentimento do homem consciente do absurdo, respondendo
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“não” perante ao desespero que a ausência de sentido da existência estabelece. É o “não”
perante a utopia de uma sociedade nova e melhor que a anterior, na qual outra vez o sujeito irá
se defrontar com o sentimento de absurdo. É também uma libertação e questionamento perante
as respostas dadas pelos homens para o sofrimento e a salvação. É aceitar e contar consigo
mesmo no mundo. Meursault, em “O Estrangeiro” contempla a vida e se revolta ao mesmo
tempo enquanto espera sua pena (morte). Ele não fraqueja perante à crença do capelão em seus
últimos momentos; é fiel, somente, a si mesmo.
Nesse sentido, observa-se o absurdo não como um produto do espírito humano, nem
como algo independente do homem, mas como resultado de uma revolta do espírito com relação
ao mundo, de questionamentos e discordâncias da verdade estabelecida em sociedade. O
absurdo é o conflito do homem na busca por significado à vida e à existência, se deparando
com a impossibilidade de encontra-lo. E é diante disso que não se pode identificar o homem do
absurdo (e por consequência, Meursault), como indiferente.
REFERÊNCIAS
DOSTOIEVSKY, Fiodor. (2006). Memórias do Subsolo. 5ª ed. São Paulo: Editora 34.
FERRAZ, Jr., Tercio Sampaio. (2007). Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão,
dominação. 5ª ed. São Paulo: Atlas. pp. 100-101.
FONSECA, Márcio Alves da. (2012). Michel Foucault e o Direito. 2ª ed. São Paulo. pp. 83.
NIETZSCHE, Friedrich. (1998). Genealogia da Moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia
das Letras, 1999.
SARTRE, Jean-Paul. (2005). Situações I - crítica literária. São Paulo: Conac Naify. pp. 117-
132.