Conceito de Modernidade

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
Programa de Pós-Graduação em Filosofia

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE MODERNIDADE


Análise a partir da leitura de Jürgen Habermas

JAIR ANDRADE

Trabalho apresentado para avaliação da Disciplina


Tópicos de Ética e Filosofia Política II ministrada
pelo Prof. Antônio Basílio Menezes, no Semestre
2018.2, nos Cursos de Mestrado e Doutorado em
Filosofia, no Programa de Pós-Graduação em
Filosofia da UFRN.

Natal
Setembro de 2018
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Introdução

O propósito deste pequeno trabalho é realizar uma rápida abordagem sobre o que vem

a ser a Modernidade numa perspectiva do pensamento filosófico. Faremos isso à luz do

pensamento de Hegel retratado por Habermas. Tomaremos por base o texto de Habermas

intitulado O Discurso Filosófico da Modernidade.

Teceremos, também, algumas considerações sobre possíveis críticas àquilo ficará

estabelecido como Modernidade, tendo vista à possibilidade de identificar melhor o próprio

conceito. Buscando adentrar no bojo desta discussão adotaremos, neste pequeno texto, o

seguinte etinerário: primeiro, uma rápida abordagem sobre Modernidade como um fenômeno,

ainda sem ser uma tomada necessariamente filosófica; em seguida, a abordagem de Hegel e

Habermas, propriamente dita; por fim, algumas ponderações críticas sobre a questão.

De pronto, dada amplitude do tema, entendemos que as considerações que aqui estão

sendo propostas têm o condão de somente retratar alguns tópicos que forma abordados na

disciplina, não carreando importantes reflexões filosóficas que, sem dúvida, são caras ao

assunto que, por si só, é por demais provocador.


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1. O fenômeno da Modernidade

É preciso de início ressalvar que a Modernidade tem sido motivo de muito estudo,

pesquisa e debate. Obviamente que se um assunto se torna objeto de tanta pesquisa e de

tamanha atenção, é natural que junto àquilo que é tomado como centro de identidade a seu

respeito também emergem, de um outro lado, diversos desacordos e incertezas. De qualquer

forma, o que interessa é expor os elementos mais significativos acerca das características

filosóficas da modernidade, a partir de uma interpretação voltada à política, focando o tema

da razão moderna, do ser humano como sujeito histórico e da questão do poder.

Apresenta-se oportuno, antes de adentra-se no temo sob ótica da filosofia, apontar as

principais características da Modernidade, inclusive, para que este levantamento preliminar

possa figurar como a chave para a compreensão das questões centrais da filosofia. Isso por

que partimos da premissa que a Modernidade trata-se, antes de tudo, de fenômeno histórico-

cultural e compreender os permitirá evidenciar também as noções filosóficas o sustentam.

A Modernidade deve ser entendida enquanto uma cosmovisão (não somente como

período ou época da história ou, ainda, apenas enquanto o retrato de um paradigma

antropológico e científico) e como resultado de um complexo fenômeno de mudanças

intelectuais, morais, econômicas e políticas nas sociedades européias, fenômeno este que

introduziu profundas transformações sociais e culturais abrangendo aspectos da filosofia, das

ciências, dos costumes e da organização da vida pública e privada.

Pode-se dizer que a Modernidade tem como marco inicial a ruptura com a cosmovisão

medieval. Nos aspectos econômicos e sociais, esta ruptura se deu a partir do surgimento e da

afirmação do modelo capitalista de organização da produção; no que diz respeito ao

conhecimento e à filosofia, moldou-se a partir do reconhecimento dos limites da escolástica e

pela escolha da experiência prática e abstrata como forma de aquisição do saber e, por fim, no
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que diz respeito à religião, tal ruptura se operou a partir de um movimento que privilegiou a

visão de mundo antropocêntrica em detrimento uma concepção de mundo que tinha o aspecto

religioso como centro.

Definitivamente, a modernidade é um fenômeno amplo e complexo. Seus elementos

fundantes se constituíram e evoluíram de diferentes maneiras, em tempos também díspares e

em locais distintos: tanto a Renascença como o Iluminismo, desenvolveram-se em momentos

separados na França, na Inglaterra, na Alemanha e na Itália. Da mesma forma, é difícil

assegurar quais foram as mudanças que realmente iniciaram ou que foram a causa principal da

Modernidade, pois em se tratando da história e do curso das sociedades, é impossível

estabelecer uma relação causal direta e linear entre os acontecimentos sociais, políticos,

econômicos e culturais. Assim, mudanças, sejam elas econômicas, sociais, religiosas ou

políticas, podem influenciar como serem influenciadas em relação a outros fenômenos; e, da

mesma forma, as idéias e as criações culturais podem ser influenciadas ou influenciar outros

movimentos na sociedade onde ocorrem. Ainda mais: ocorre que os sujeitos históricos

(indivíduos, grupos de indivíduos, pensadores, artistas, dentre outros) podem captar as

questões colocadas em sua época e situação histórica, mas pode ser que a sociedade onde se

situam não faça o mesmo.

Por outro lado, o certo é que não convém negligenciar o fato de que as transformações

sociais e econômicas que estavam ocorrendo na Europa no final da Idade Média tiveram uma

relação profunda com o fenômeno da Modernidade. Isso por que os sistemas filosóficos e

teológicos não surgem gratuitamente, influenciando-se uns aos outros no plano das idéias

puras, como se a crítica ockhamista do realismo tomista, por exemplo, fosse puramente

abstrata e dependesse apenas da subjetividade de Guilherme de Ockham.

Desta forma, não é prudente adentrar na arena na qual se desenrolou e se constituiu o

pensamento filosófico moderno de forma isolada em relação ao contexto cultural, social e


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histórico a que se refere, sendo necessário considerar que de outra forma pode-se incorrer em

abstenções significativamente comprometedoras. Assim, convém ter sempre em conta sempre

com a maior precisão possível estas características daquilo que tradicionalmente tem se

convencionado considerar por Modernidade.

2. A Modernidade enquanto um tema filosófico

Depois de feitas todas as ponderações no item anterior. Faremos agora a abordagem

filosófica propriamente dita. Neste sentido, de uma maneira geral, o conceito ou a concepção

de Modernidade tem sido um tema das mais amplas controvérsias do âmbito das ciências

humanas em geral e da filosofia em particular, longe de serem dirimidas, não ao menos no

curto prazo. No entanto, quando se trata de se ter uma visão mais ampla e ao mesmo tempo

mais aprofundada sobre a questão no âmbito da filosofia, deve-se recorrer a Hegel, que foi

quem inicialmente tratou da temática com a profundidade que merece. Habermas, por sua vez,

retoma esta abordagem hegeliana, que passamos a reproduzir a partir de agora.

De acordo com Habermas (na obra O Discurso Filosófico da Modernidade),

“Hegel foi o primeiro a tomar como problema filosófico o processo


pelo qual a modernidade se desliga das sugestões normativas do
passado que lhe são estranhas. (...) o problema da autocertificação da
modernidade se aguçou a tal ponto que Hegel pôde perceber esta
questão como problema filosófico e, com efeito, como o problema
fundamental de sua filosofia . (...) causa uma inquietude que Hegel
concebe como ‘a fonte de necessidade da filosofia’. Ele vê a filosofia
diante da tarefa de apreender em pensamento o seu tempo,que,para
ele, são os tempos modernos.” (p. 24-25)

Assim sendo, Habermas conclui que Hegel, na verdade, descobre o princípio dos novos

tempos: a subjetividade. Escreveu Habermas:


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“Hegel vê os tempos modernos caracterizados por uma estrutura de


auto-relação que ele denomina subjetividade: ‘O princípio do mundo
moderno é em geral a liberdade da subjetividade, princípio segundo o
qual todos os aspectos essenciais presentes na totalidade espiritual se
desenvolvem para alcançar o seu direito.” (Op. cit., p. 25).

Neste sentido, Habermas faz notar que para Hegel, a subjetividade é elucidada por

meio da liberdade e da reflexão. De uma maneira geral,

“...a expressão subjetividade comporta sobretudo quatro conotações:


a) individualismo: no mundo moderno, a singularidade infinitamente
particular pode fazer valer suas pretensões; b) direito de crítica: o
princípio do mundo moderno exige que aquilo que deve ser
reconhecido por todos se mostre a cada um como algo legítimo; c)
autonomia de ação: é próprio dos tempos modernos que queiramos
responder pelo que fazemos; d) por fim, a própria filosofia idealista
(...) filosofia [que] apreende a idéia que se sabe a si mesmo.” (Op. cit.
p. 25-26)

A partir destas constatações, segundo aponta Habermas, Hegel concluiu que alguns

eventos históricos fundamentais serviram para evidenciar este princípio da subjetividade:

- a Reforma;

- o Iluminismo;

- a Revolução Francesa;

- a Declaração dos Direitos do Homem;

- o Código Napoleônico.

Ainda, segundo Hegel, o princípio da subjetividade também diferencia as

manifestações culturais da modernidade, fazendo com que a ciência seja reconhecida e “os

milagres contestados”; e os conceitos morais são talhados para reconhecer a liberdade

subjetiva dos indivíduos. Liberdade, neste caso, em Hegel, é tomada como a exigência do

direito do indivíduo discernir como válido o que deve fazer. (cf. op. cit, p. 26-27).

A partir disso tudo, Habermas escreveu que, de acordo com Hegel,


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“Na modernidade, portanto, a vida religiosa, o Estado e a sociedade,


assim como a ciência, a moral e a arte transforma-se igualmente em
personificações do princípio da subjetividade. Sua estrutura é
aprendida enquanto tal na filosofia, a saber, como subjetividade
abstrata no cogito ergo sum de Descartes e na figura da consciência de
si abstrata em Kant.” (Op. cit, p. 27-28).

Habermas, então, chegou à conclusão de que, na verdade, Hegel se propõe a encontrar

a autocompreensão da modernidade. A crítica ao idealismo subjetivo (Kant e Fichte) proposta

por Hegel, leva a edificar seu programa filosófico. Neste seu programa, a

“... circunstância de que a consciência do tempo se destacou da


totalidade e o espírito se alienou de seu si constitui para ele justamente
um pressuposto do filosofar contemporâneo. Outro pressuposto
necessário sobre o qual a filosofia pode empreender sua tarefa é, para
Hegel, o conceito de absoluto, tomado de empréstimo inicialmente de
Schelling. Com ele, a filosofia pode assegurar de antemão a meta de
apresentar a razão como poder unificador.” (Op. cit, p. 31).

Concluindo, então, esta sua análise sobre a compreensão do que vem a ser a

modernidade por Hegel, Habermas, por sua vez, afirma que “neste programa filosófico

hegeliano, a crítica ao idealismo subjetivo é, ao mesmo tempo, a crítica de uma modernidade

que só por esse caminho pode se certificar do seu conceito e, com isso, estabilizar-se sobre si

mesma.” (Op. cit, p. 32).

Como visto, podemos afirmar que, como tentou demonstrar Habermas, Hegel nos faz

entender que, o complexo fenômeno da Modernidade, no âmbito da filosofia, pode,

resumidamente, ser abordado enquanto consciência do seu próprio tempo. E, neste sentido, a

Modernidade, enquanto processo de racionalização, trata-se de se autocertificar. A

consciência do tempo enquanto dimensão histórica, tal como é vivida, se externa ao mesmo

tempo em que faz externa a subjetividade.


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3. Breves apontamentos para uma crítica da Modernidade

Ao se fazer uma análise sobre o que vem a ser a Modernidade, não restam dúvidas que

o grande propósito intrínseco a este fenômeno é um grande processo emancipatório, do ser

humano na condição de indivíduo, e da sociedade como resultado da realização deste

indivíduo.

Em que pesem todas as constatações até aqui feitas, preferimos concentrar

rapidamente nossa atenção do aspecto político-filosófico em relação à viabilidade da

Modernidade. Neste sentido, Höffe nos faz ver que

“O projeto político da Modernidade se alimenta em duas experiências


fundamentais: na crise radical da sociedade, no estremecimento da
ordem do direito e do Estado e na crítica radical das relações políticas
e na experiência da exploração e da opressão. O auge da opressão é
constituído pela recusa dos elementares direitos do homem. O auge da
ameaça do estado é formado por aquelas guerras civis político-
religiosas (...) perpetuadas na luta de interesses de grupos e
associações.” (1991, p. 23).

E prossegue o mesmo autor afirmando que

“Entende-se como ‘projeto político da Modernidade’ aquela teoria


crítica do direito e do Estado que se empenha por uma mediação das
duas tendências opostas no discurso político da modernidade, o
positivismo e o anarquismo, e que para esta mediação (...) se apóia
essencialmente no conceito de liberdade (de ação).” (Op. cit, p. 23).

A partir destas afirmações, o autor referido acima contata que, então, podemos

estabelecer que a filosofia política a partir da crítica da Modernidade está amparada pelo

seguinte tripé:
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1. O Estado que está obrigado à Justiça;

2. A Justiça que é regulada pela política e forma a medida normativo-crítica do direito;

3. O direito que se propõe a ser justo e é a forma legítima da convivência humana.

O que, na verdade, está por detrás deste projeto político da Modernidade é um

pressuposto fundante indispensável: a concepção de razão. Trata-se do conceito assim como

os iluministas o estabeleceram, a partir do qual a convivência e o fundamento do conjunto de

soluções e a compreensão dos indivíduos acerca de qualquer coisa devem estar amparados na

capacidade de entendimento e de discernimento inerentes à condição humana. Em Hegel, esta

razão ganha, inclusive, um novo status e passa a ser o motor da história.

No entanto, Habermas nos convida a refletir sobre o fato de que, assim como foi

apresentada pela Modernidade, a razão reduziu-se a um conceito instrumental, pragmático. A

razão é identificada nas mãos dos detentores do poder econômico, político e militar. Por meio

do cálculo do planejamento, manifesta-se como controladora e exploradora da natureza e dos

seres humanos; razão posta a serviço de apenas uma parte da humanidade. No decorrer da

história, esta razão acabou por deformar o projeto político da Modernidade, comprometendo o

seu objetivo mais importante: a emancipação do indivíduo e da sociedade. A grande promessa

da sociedade burguesa iluminista perdeu-se no caminho...

O que resta, então? A Modernidade estaria superada? Ou acabada, inviabilizada?

Há uma grande discussão acerca desta problemática que se traduz nos enfoques dados

a partir de uma série de pensadores que tratam da “superação” da Modernidade por uma

“suposta” Pós-Modernidade. Quem mais se destaca nesta abordagem é Jean-François Lyotard,

que publicou A Condição Pós-Moderna. Em suma, Lyotard parte de uma crítica de que o

sujeito emancipado pela razão moderna já não mais confia nela. Esta descrente e denuncia o

progresso, a emancipação e o culto à razão.


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No entanto, alguns pensadores também fazem a crítica à pretensão Pós-Moderna.

Dentre eles o próprio Habermas. Primeiro, partindo da constatação de que, na verdade, os

pós-modernos de nada acrescentam em vista à almejada emancipação do ser humano. Ou seja,

os pós-modernos constatam apenas um estado de espírito do nosso tempo sem, no entanto,

identificar quais seriam as condições epistemológicas e antropológicas para a sua superação.

Acreditamos que a Modernidade é um projeto que tem cara e contracara. Está presente

nela a sua identidade, mas também as condições que podem colocá-la em condição

secundária. Habermas, por sua vez, aponta para a necessidade de considerar a Modernidade

como um projeto inacabado. Trata-se de um projeto viável, mas necessita ainda realizar

justamente o que se propõe: a realização do momento de emancipação, assim como a razão

iluminista postula.

Considerações Finais

Finalizamos este pequeno trabalho de avaliação afirmando que, sem dúvidas, ao trazer

à tona a perspectivas da subjetividade que se realiza a partir da consciência, a Modernidade

reposicionou o ser humano na história. Nos dias de hoje, a grande tarefa talvez, seja

reposicionar novamente este indivíduo para novos rumos na história.

Reposicionar um indivíduo solipcista; em todos os lugares do mundo por onde a

chamada cultura ocidental moderna tem chegado, um indivíduo aturdido, disperso e confuso,

como que conduzindo a vida “ao sabor das ondas”, quando não isolado à mercê da violência e

da total ausência de solidariedade. Um indivíduo apolítico, passivo; que cultua o corpo e a

cabeça de outros na busca por referência e orientação de sua própria conduta. Talvez seja
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preciso que o ideal de emancipação da Modernidade resgate este indivíduo que, diante das

situações acima descritas, em boa proporção, acovarde-se. E se acovardando passe a suspeitar

das suas próprias capacidades e condições, permitindo que a sua subserviência o torne

novamente um “sujeito inexistente”, dependente das verdades de outros.

Referências Bibliográficas

HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade: doze lições. Tradução: Luiz


Sérgio Repa e Rodnei Nescimento. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
HÖFFE, Otfried. Justiça política: fundamentação de uma filosofia crítica do direito e do
estado. Tradução: Ernildo Stein. Petrópolis: Vozes, 1991.

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