Exantemas Na Infância Artigo Silva Et Al 2012

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 10

Revista de Medicina e Saúde de Brasília         ARTIGO DE REVISÃO 

Abordagem Diagnóstica das Doenças Exantemáticas na Infância


Diagnostic Approach of the Exanthematic diseases in Childhood

Josenilson Antônio da Silva 1, Raquel Ferreira 1,


Amani Moura Hamidah 1, Vitor Laerte Pinto Junior 2
Universidade Católica de Brasília

Resumo
O acometimento de crianças por doença exantemática é um dos quadros mais comuns da prática
médica, impondo dificuldade diagnóstica frequentemente. Diversas condições podem cursar com
exantema, sendo que as causas infecciosas são responsáveis por mais de 70 % dos episódios. A
maior parte dos exantemas são autolimitados, todavia a correta identificação da etiologia tem
importância clínica pela gravidade e piora do prognóstico em caso de atraso no diagnóstico em
alguns casos, e para a saúde pública, tendo em vista o potencial de contágio das causas infecciosas.
A inespecificidade clínica das doenças exantemáticas exige uma abordagem sistemática para o seu
diagnóstico que inclui a coleta de anamnese completa e exame físico amplo e cuidadoso. Esses são
os principais instrumentos para a elucidação diagnóstica, permitindo igualmente a orientação para a
conduta diagnóstica laboratorial. Esse artigo tem o objetivo de descrever as principais
características clínico-epidemiológicas dos exantemas, enfatizando que a anamnese e o exame físico
são as principais ferramentas para auxílio no diagnóstico diferencial e consequente manejo do
paciente acometido por doença exantemática na infância.

Palavras chave: Exantema; Diagnóstico diferencial; Infecção; Doenças transmissíveis; Pediatria.

Abstract
The involvement of children by exanthematic disease is one of the most common clinical pictures
of medical practice, often imposing diagnostic difficulty. Several conditions can present with rash,
and infectious causes are responsible for more than 70% of episodes. Most rashes are self-limited;
however, the correct identification of the etiology is important in some cases as a consequence of
severity and worse prognosis caused by the delay of the diagnosis in some cases, and also to public
health, given the potential of contagion of infectious causes. The clinical inespecificity of
exanthematous diseases requires a systematic approach to the diagnosis that includes the collection
of complete history and careful undertaken physical examination. These are the main instruments to
diagnosis elucidation and also permit the orientation for the laboratory approach. This article aims
to describe the main clinical and epidemiological characteristics of rashes, emphasizing the history
and physical examination as the main tools to aid in the differential diagnosis and subsequent
management of patients affected by exanthematic disease in childhood.

Key words: Exanthema; Diagnosis, differential; Communicable diseases; Pediatrics.

Introdução
O acometimento de crianças por impondo dificuldade diagnóstica diante das
doença exantemática é um dos quadros mais diferentes possibilidades etiológicas e pelo
comuns da prática médica,1 frequentemente polimorfismo de sua apresentação.2 O
exantema é uma erupção cutânea ao longo da

10 
1. Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade Católica de Brasília 
2. Médico, doutor, professor do Curso de Medicina da Universidade Católica de Brasília 
E‐mail do primeiro autor: [email protected] 
Recebido em 15/02/2012  Aceito, após revisão, em 16/03/2012 
Silva JA, Ferreira R, Hamidah AM, Pinto Junior VL 
Doenças Exantemáticas: abordagem diagnóstica 

superfície do corpo composta por máculas ou Tendo em vista a elevada frequência e


pápulas que podem apresentar aspecto a dificuldade diagnóstica do paciente com
irregular e edemaciado, estando ou não em doença exantemática na prática pediátrica, o
associação com prurido, descamação, lesões presente trabalho objetiva descrever as
bolhosas e crostas; acometendo uma região principais características clínico-
específica ou espalhando-se por todo o epidemiológicas como ferramentas para
corpo.3 auxílio no diagnóstico diferencial e
As causas variam desde doenças consequente manejo do paciente acometido.
infecciosas por agentes como vírus, bactérias,
fungos e protozoários até não infecciosas tais Anamnese
como reações medicamentosas, doenças Diante da ampla possibilidade
autoimunes e neoplasias.1,4 Estudos etiológica é aconselhável que se adote uma
mostraram que 65% das crianças avaliadas abordagem sistemática iniciando por meio de
com exantema e febre apresentavam um uma história clínica completa.4 Existem certas
agente infeccioso em sua etiologia, sendo características do paciente, do meio em que
72% em decorrência de infecções virais.5 vive e da evolução do exantema que auxiliam
Embora a maioria das doenças que cursam de forma significativa o diagnóstico
com exantema sejam autolimitadas,6 há etiológico do exantema (Tabela 1),4,7,8 a
situações em que a não realização do história pode determinar ainda os pacientes
diagnóstico pode cursar com atraso na com risco para potenciais complicações a
intervenção e consequente piora do depender da doença envolvida.8
prognóstico.2
Tabela 1 – Variáveis clínicas indispensáveis para o diagnóstico diferencial dos exantemas em
pediatria.
1) Idade
2) Estação do ano/Situação epidemiológica
3) Anamnese
a) Antecedentes: Exantemas prévios; história vacinal; história de atopia; situação imunológica
(asplenia, doenças hematológicas malignas, imunodeficiência); exposição de contato (pessoas
doentes, campo aberto, insetos, animais); viagem recente; uso recente de medicações; período
de incubação.
b) Período prodrômico: duração; febre; manifestações respiratórias, gastrointestinais,
neurológicas, outras.
c) Exantema: tipo; progressão; distribuição; prurido; descamação.
4) Exame físico
a) Exantema: tipo; distribuição; descamação; lesões associadas, regiões afetadas/polpadas.
b) Sinais associados: adenomegalia; anemia; artrite/artralgia; hepato/esplenomegalia;
meningismo; conjuntivite; faringoamigdalite.
5) Exames laboratoriais
A faixa etária ajuda na diferenciação acordo com a idade; a rubéola apresenta um
das causas prováveis do exantema. O período prodrômico marcado em adolescentes
exantema súbito, por exemplo, ocorre na e adultos enquanto nas crianças pode ser
maior parte dos casos em crianças a partir de discreto ou mesmo ausente.10
6 meses até os 24 meses de idade por conta da O questionamento do paciente ou de
proteção recebida por via dos anticorpos seu responsável sobre a ocorrência anterior de
maternos.6 O Eritema infeccioso, por sua vez, exantemas ajuda a descartar algumas doenças
acomete crianças maiores de três anos, sendo comuns da infância que conferem proteção
incomum abaixo desta idade.9 O padrão de duradoura, tal como o sarampo e a rubéola.1
acometimento também pode modificar de O conhecimento acerca do histórico vacinal é

11 
Rev Med Saude Brasilia 2012; 1(1):10‐9 
Silva JA, Ferreira R, Hamidah AM, Pinto Junior VL 
Doenças Exantemáticas: abordagem diagnóstica 
 
essencial para descartar ou mesmo alertar o ou picadas de insetos devem ser questionados,
médico para quadros clínicos atípicos, além da história familiar de atopia ou mesmo
causados por doenças imunopreveníveis, viagens recentes.1 As medicações comumente
como o sarampo, rubéola, varicela, febre envolvidas incluem antibióticos (amoxicilina,
amarela e meningococcemia.4,8 Doenças sulfametoxazol-trimetropim, ampicilina, anti-
preexistentes como a deficiência da inflamatório não esteroidal e
imunidade humoral ou celular anticonvulsivantes),11 nos quais o exantema
(hipogamaglobulinemia ou deficiência de geralmente é morbiliforme e de aspecto
complemento) podem alterar o curso clínico maculopapular sem quadro febril associado4,
das doenças e a apresentação do exantema, mas podem evoluir para quadros graves como
motivo pelo qual as doenças de base devem a síndrome de Stevens-Johnson e necrólise
ser sempre conhecidas.7 epidérmica tóxica.10
Em decorrência da possibilidade de Embora não tenhamos as estações do
transmissão interpessoal da maioria dos ano bem definidas no Brasil, é sabido que a
exantemas em pediatria, deve-se questionar o maioria dos exantemas de origem infecciosa
contato com casos semelhantes na ocorre no inverno e primavera, tal como o
comunidade, atentando-se para o fato de que eritema infeccioso, a varicela e o sarampo. Os
para que haja relação entre os casos, o período exantemas causados por enterovírus, por sua
de incubação deve ser compatível com a vez, como o Coxsakie A16 causador da
doença em investigação.4 Este período varia síndrome mão-pé-boca, constituem uma
entre as diferentes doenças exantemáticas exceção, sendo mais frequentes no verão.1,12
(Tabela 2), como na escarlatina onde Além disso, o conhecimento acerca da
geralmente é de 2 a 5 dias enquanto na situação epidemiológica, no âmbito
rubéola geralmente é maior, cerca de 12 a 23 geográfico em que vive o paciente, se mostra;
dias.9 igualmente importante, principalmente na
As reações dermatológicas reativas descoberta de casos similares em uma dada
são comuns e por isso o uso de comunidade.4
medicamentos, contato com outros alérgenos

Tabela 2 - Características clínicas e epidemiológicas das principais doenças exantemáticas.


Doença Epidemiologia Período Exantema
(Idade/Estação do prodrômico
ano/ Período de
incubação)
Sarampo 2- 9 anos e pessoas Sintomas de Maculopapular que inicia na
não imunizadas; sistema respiratório cabeça, atrás das orelhas, com
Primavera e alto: coriza e tosse progressão craniocaudal de
inverno; 10-12 dias seca. Mal-estar; máxima intensidade no 3º dia
febre alta desaparecendo em 4-6 dias com
descamação furfurácea.
Manchas de Koplik
Rubéola Crianças maiores, Geralmente ausente Máculas róseas que se
adolescentes e em crianças desenvolvem na face, pouco
pessoas não confluentes. Início na cabeça
imunizadas; com rápida generalização para
Inverno e tronco e membros, sem
primavera; descamação. Associação com
14-21 dias (média linfadenopatia cervical e

12 
Rev Med Saude Brasilia 2012; 1(1):10‐9 
Silva JA, Ferreira R, Hamidah AM, Pinto Junior VL 
Doenças Exantemáticas: abordagem diagnóstica 

de 16 dias) retroauricular

Droga Qualquer Geralmente Maculopapular evanescentes,


ausente, se pruriginoso. Lesões
presente: febre, papulovesiculares com
linfadenopatia e acometimento de mucosa na
hepatomegalia síndrome de Stevens-Johnson
Enterovírus Lactentes; Geralmente ausente Padrão diverso:
Verão e outono; ou febre e mal- 1) Síndrome mão-pé-boca
3- 6 dias estar de curta (Coxsackie A): lesões
duração. vesiculares em boca, mãos e pés.
Se Echovirus 16: 2) Exantema de Boston
Febre e (Echovirus 16) evolução
irritabilidade semelhante ao exantema súbito.
3) Lesões petequiais (Echovirus
9): Pode simular
meningococcemia (exatema +
meningite)
Eritema infeccioso 5 – 15 anos (pico Ausente Três estágios:
em 7anos); 1) Exantema facial
Inverno e maculopapular em regiões
primavera; 6-14 malares (face esbofetada)
dias 2) Lesões maculopapulares em
membros, de aspecto rendilhado
3) Desaparecimento do
exantema com recorrência
induzida por irritantes cutâneos
Eritema solar Qualquer idade; Ausente Exantema maculopapular,
Verão confluente em regiões
fotoexpostas com descamação
Escarlatina 5 – 12 anos; Febre alta (12-48 Exantema puntiforme
Inverno e horas) associada à confluente, áspero ao tato, de
primavera; cefaléia, amigdalite rápida evolução craniocaudal;
2- 4 dias e dor abdominal palidez perioral (Sinal de
Filatov), lesões acentuadas nas
dobras cutâneas (Sinal de
Pastia), descamação em placas.
Associação com “língua em
framboesa”
Estrófulo Lactentes e pré- Ausente Lesões maculopapulares,
escolares; geralmente com pequena
Verão vesícula central; prurido intenso.
Relato de picada de inseto.
Impetigo Pré-escolares; Ausente Lesões eritematopapulosas com
Verão; 2-4 dias rápida evolução para formação
de vesícula e crosta
Meningococcemia Crianças e adultos Febre (24 horas), Lesões petequiais e purpúricas
jovens; mal-estar, vômitos sem distribuição precisa,
Inverno e e cefaléia precedidas por um exantema
primavera; maculopapular

13 
Rev Med Saude Brasilia 2012; 1(1):10‐9 
Silva JA, Ferreira R, Hamidah AM, Pinto Junior VL 
Doenças Exantemáticas: abordagem diagnóstica 

1-10 dias (média 4)

Mononucleose Adolescentes; Variável: FebreLesões maculopapulares


infecciosa Inverno; baixa, mal-estar,
discretas em tronco; sem
4-6 semanas adenomegalia descamação. Pode ser petequial
e urticariforme. Exantema piora
após uso de Ampicilina
Varicela 2- 8 anos; Geralmente ausente Evolução rápida de exantema
Inverno e em crianças maculopapular para vesícula e
primavera; desta para crosta; início em
10-21 dias (média tronco e progressão rápida para a
de 15 dias) face e extremidades poupando
região palmo-plantar. Presença
de polimorfismo regional
Exantema súbito 6-36 meses (95%); Febre alta (3-4 Lesões similares a da rubéola,
Primavera e dias) e não confluentes que iniciam
outono; irritabilidade; bom após a febre, em tronco, com
10-15 dias estado geral curta duração
Doença de Incomum em Febre alta de início Início após três dias de febre
Kawasaki crianças maiores de abrupto que podendo ser variante.
12 anos. (50% em geralmente não Frequentemente escalatiniforme
menores de oito responde aos no tronco e eritematoso em
anos) antitérmicos palmas e plantas, com
descamação de extremidades ao
final. Pode estar associado a
envolvimento de mucosas,
conjuntivite e “língua em
framboesa”

Período prodrômico do início da febre sendo frequentemente


O intervalo de tempo entre as escalatiniforme.9 Além das causas infecciosas,
primeiras manifestações clínicas e o início do reações medicamentosas e doenças
exantema caracteriza o período prodrômico. A reumatológicas também podem apresentar
descrição detalhada das manifestações dessa quadro febril no período prodrômico.12
fase é importante para o esclarecimento Diversas outras associações podem
diagnóstico, já que em algumas doenças elas surgir no período prodrômico. Manifestações
são características. A evolução da febre e sua respiratórias são comuns ao sarampo, em que
associação com o período prodrômico podem a tosse seca é um achado constante.5
ajudar a definir padrões compatíveis com Alterações neurológicas graves podem ocorrer
certas doenças, além de frequentemente ser em infecções por enterovírus, tais como
indicadora de doença infecciosa. No exantema paralisia flácida aguda, meningite asséptica,
súbito, classicamente há febre elevada com encefalite de tronco cerebral ou encefalite
duração de 3 a 5 dias (média de 39°C) que focal (romboencefalite).6,9 Todavia, algumas
desaparece com o surgimento do exantema 5, doenças como o eritema infeccioso, apenas
6
. Na doença de Kawasaki, a febre inicia de cerca de 10% das crianças apresentam período
forma abrupta, com temperaturas maiores que prodrômico6 e a rubéola e a varicela não
39°C, durando em média oito dias e sem apresentam essa fase, pois o exantema
responder ao uso de antibióticos ou aparece como o primeiro sinal clínico.1
antipiréticos; o exantema surge após três dias

14 
Rev Med Saude Brasilia 2012; 1(1):10‐9 
Silva JA, Ferreira R, Hamidah AM, Pinto Junior VL 
Doenças Exantemáticas: abordagem diagnóstica 
 
O Exantema semelhante a vesícula com conteúdo
Quando o paciente procura auxílio purulento de até 1 cm de diâmetro); petéquia
médico geralmente já apresenta o exantema. (lesão hemorrágica que não desaparece à
Nessa fase é importante obter na anamnese as pressão, não maior que poucos milímetros) e
características da evolução do quadro púrpura (lesão hemorrágica que não
exantemático, tais como: tipo de exantema, desaparece à pressão, maior que 1 cm).
lesões dermatológicas associadas, locais de Frequentemente há uma associação destas
origem, distribuição, dor e associação com lesões, 1,4,8 como nas reações medicamentosas
descamação ou prurido.8 e doenças virais nas quais são freqüentes o
Inicialmente deve-se observar surgimento de exantema do tipo
detalhadamente a característica da lesão maculopapular (Tabela 2).7
elementar do exantema, procurando-se Deve-se ainda questionar o local de
identificá-la: mácula (lesão plana, não origem, sentido e velocidade da progressão do
palpável e circunscrita); pápula (lesão firme e exantema.8 No exantema súbito a lesão
elevada, palpável, com bordas nítidas e geralmente inicia no tronco enquanto na
diâmetro menor que 1 cm); placa (lesão rubéola tem seu início na face seguindo
achatada, palpável, com diâmetro maior que 1 caudalmente de forma rápida para o corpo
cm); vesícula (lesão papular preenchida por (Figura 1), ao contrário do sarampo em que a
líquido claro, com menos de 1 cm de evolução é particularmente lenta.5,7
diâmetro); pústula (elevação papular

Figura 1 - Exantema da rubéola


(fonte: CDC - domínio público)

A presença de prurido alerta para a reação medicamentosa ou dermatite atópica;


possibilidade de o paciente ter sido acometido enquanto o exantema não pruriginoso é
por varicela, escabiose, urticária, estrófulo, comum no sarampo (Figura 2).11

Figura 2 - Lesões exantemáticas em face no sarampo


(fonte: CDC - domínio público)

15 
Rev Med Saude Brasilia 2012; 1(1):10‐9 
Silva JA, Ferreira R, Hamidah AM, Pinto Junior VL 
Doenças Exantemáticas: abordagem diagnóstica 
 
Exame Físico A fisiopatogenia do exantema pode ser
Quando associado à anamnese, o sugerida pelo seu comportamento à manobra
exame físico permite a presunção do de digitopressão. Quando essa desencadeia o
diagnóstico etiológico na maioria dos casos 8. desaparecimento do eritema sugere fenômeno
As características do exantema, já descritas na de vasodilatação, tipicamente relacionado às
seção destinada à anamnese, são válidas ao reações medicamentosas, doenças virais,
exame físico e somam-se a outras aqui doença de Kawasaki ou escarlatina; enquanto
referidas. nas alterações hemorrágicas, geralmente
A distribuição corporal pode ocasionadas por vasculite ou alterações da
contribuir para elucidação diagnóstica, como crase sanguínea, não há alteração do aspecto
na varicela, em que o exantema se distribui da lesão quando submetidas à pressão.6,9 A
centrifugamente. Quanto à varíola, a meningococcemia, por exemplo, cursa com
apresentação é tipicamente centrípeta sendo lesões típicas de vasculite (Figura 3), embora
esta uma importante diferença clínica entre no início do quadro as lesões possam atenuar
ambas 6. O acometimento da face extensora, a digitopressão, evoluindo rapidamente para a
flexora ou região palmo-plantar são púrpura.11 A presença de descamação cutânea
marcadores sugestivos para certas etiologias: e suas características (ausente na rubéola, fina
no eritema multiforme, doença de Kawasaki no sarampo, em grandes placas na escarlatina
ou nas reações medicamentosas há geralmente ou em pontas de dedos na doença de
a presença de lesões na região palmo-plantar, Kawasaki) podem igualmente contribuir para
estando estas ausentes no sarampo e no o diagnóstico.4
exantema súbito.2

Figura 3 – Lesão purpúrica causada por meningococcemia (purpura fulminans)


(fonte: acervo pessoal Dr. Vitor Laerte)

Alguns sinais observados ao exame sugestiva de mononucleose infecciosa,


físico frequentemente elucidam um podendo ser encontrada ainda na rubéola e na
diagnóstico por estarem geralmente escarlatina.6 A pele em textura de lixa,
associados a doenças específicas. No associada à palidez perioral (sinal de Filatov),
sarampo, as manchas de Koplik (enantema acentuação do exantema em região de dobras
patognomônico de aspecto esbranquiçado (sinal de Pastia) e língua em framboesa são
localizado na mucosa jugal adjacente ao altamente sugestivas da escarlatina.2,10 A
segundo molar) surgem no final do período língua em framboesa, entretanto, pode ser
prodrômico e duram de 2-3 dias (Figura 4).5,10 vista ainda na doença de Kawasaki ou mesmo
A conjuntivite pode ser vista no sarampo, em um sarampo atípico.5 O aspecto de
rubéola, enteroviroses (adenovirus) e na “bochecha esbofetada” é associado ao eritema
doença de Kawasaki. A presença de petéquias infeccioso, enquanto o polimorfismo das
no palato mole (manchas de Forchheimer) é lesões (presença de máculas, vesículas,

16 
Rev Med Saude Brasilia 2012; 1(1):10‐9 
Silva JA, Ferreira R, Hamidah AM, Pinto Junior VL 
Doenças Exantemáticas: abordagem diagnóstica 

pústulas e crostas em um mesmo momento) região palmo-plantar fazem lembrar o


(Figura 5) é característico da varicela 1 envolvimento de enterovírus no diagnóstico
(Figura 6). Lesões de aspecto em alvo na da síndrome mão-pé-boca.4

Figura 4 - Manchas de Koplik no sarampo


(fonte: CDC - domínio público)

Figura 5 - Polimorfismo lesional na varicela


(fonte: acervo pessoal Dr. Vitor Laerte)

Figura 6 - Lesões por varicela em face


(fonte: CDC - domínio público)

17 
Rev Med Saude Brasilia 2012; 1(1):10‐9 
Silva JA, Ferreira R, Hamidah AM, Pinto Junior VL 
Doenças Exantemáticas: abordagem diagnóstica 
 
A adenomegalia consiste um achado sobretudo em crianças menores 6-8. A icterícia
comum na rubéola e no exantema súbito, com soma-se aos achados sugestivos de hepatite
acometimento das cadeias cervicais viral em pacientes com exantema discreto e
posteriores, occiptais e retroauriculares. O hepatomegalia.1 Meningismo, por sua vez,
aumento, especialmente na cadeia cervical, é pode ser encontrado na meningococcemia e
visto ainda em pacientes com escarlatina, nas enteroviroses. Nessas, além dos achados
mononucleose e mais raramente por reação neurológicos, podemos encontrar exantema
medicamentosa.6,7 A presença de anemia é petequial tornando difícil o diagnóstico
uma manifestação frequente em pacientes diferencial com meningococcemia.8
com exantema petequial no qual o diagnóstico
de meningococcemia, leucemia e Exames Laboratoriais
leishmaniose visceral deve ser afastado. A Os exames complementares permitem
artrite ou artralgia são comuns na rubéola em pesquisar diretamente o microrganismo
adultos e reações medicamentosas, sendo sua envolvido, realizar cultura de materiais bem
presença mais rara em crianças. 4,12 como titular a sorologia para diversas doenças
A presença de hepato/esplenomegalia infecciosas (Tabela 3), sendo esta conduta
é frequente na mononucleose infecciosa e nas especialmente importante na avaliação
hepatites virais, podendo eventualmente a do recém-nascido com quadro
1,2,4,13
rubéola e a varicela cursar com tais alterações, exantemático.

Tabela 3 - Exames complementares para o diagnóstico das principais doenças exantemáticas


Doença Exames complementares
Sarampo Fixação do complemento; Hemaglutinação; ELISA (IgM – Aparece no início da
erupção e em geral persiste durante 4 semanas; encontrado em mais 80% dos
pacientes 6 dias após o início das erupções)
Rubéola Inibição da hemaglutinação (sensibilidade 95-100%; especificidade 98%; não
detecta fração IgM); Imunofluorescência indireta (permite definir classes IgM e
IgG; 98% de concordância com inibição da hemaglutinação); ELISA (método
mais empregado; permite detecção de IgM e IgG). A infecção aguda pode ser
demonstrada pelo IgM específico para o vírus em amostra de soro ou por
elevação de ao menos 4 vezes nos títulos de anticorpos para rubéola entre a fase
aguda e convalescença. A imunidade é documentada pela presença de IgG em
títulos altos na ausência de IgM
Enterovírus Títulos de IgM vírus-específico estão elevados tanto na infecção aguda como na
crônica; possuem utilidade diagnóstica limitada devido à grande diversidade de
sorotipos e à falta de um antígeno comum. O método de PCR, entretanto, torna
possível um diagnóstico rápido com sensibilidade maior que o isolamento viral e
especificidade próxima a 100%
Eritema ELISA; Radioimunoensaio; Western-blot; Os testes permitem a distinção de IgM
infeccioso (positivos no 3º dia de sintomas, tipicamente desaparecendo em 30-60 dias) e IgG
(sensibilidade de 94%; especificidade 86%, persistindo positivo por muitos anos;
presente em 50% da população adulta)
Escarlatina Anticorpo antiestreptolisina O (ASLO) Valores normais: 12 – 166 UI/mL. Possui
valor diagnóstico direto em escarlatina, erisipela e faringite ou tonsilite
estreptocócica
Mononucleose Monotestes (Paul-Bunnell Davidsohn e Holf-Bauer); Anti-VCA: IgM (títulos
infecciosa acima de 5 são demonstráveis em 90% dos pacientes no início do quadro clínico,
pode ser positivo em infecções por CMV, quando a confirmação com IgG e anti-
EBNA se faz necessária) e IgG (altos títulos presentes no início do quadro
clínico, após a recuperação títulos detectáveis permanecem por toda a vida); Anti-

18 
Rev Med Saude Brasilia 2012; 1(1):10‐9 
Silva JA, Ferreira R, Hamidah AM, Pinto Junior VL 
Doenças Exantemáticas: abordagem diagnóstica 

EBNA (surgem em 3-4 semanas em todos os casos de mononucleose, na doença


aguda um título positivo afasta o diagnóstico pois indica infecção prévia)
Varicela ELISA (titulações de IgM e IgG surgem com 5 dias após a erupção cutânea; IgM
desaparece em semanas a meses, com IgG presente por tempo indeterminado);
Teste de Tzanck (sensibilidade apenas de 60%; não diferencia herpes simples de
varicela)

Conclusão Trans Am Clin Climatol Assoc.


Um dos grandes desafios diagnósticos 2001;112:235-51.
da medicina, desde imemoráveis tempos, é a 5. Fölster-Holst R, Kreth HW. Viral
investigação etiológica da doença exanthems in childhood--infectious (direct)
exantemática. Além de sua alta prevalência, exanthems. Part 1: Classic exanthems. J Dtsch
principalmente na infância, as manifestações Dermatol Ges. 2009;7(4):309-16.
clínicas podem ser semelhantes entre as 6. Scott LA, Stone MS. Viral exanthems.
diferentes etiologias. Apesar do imenso Dermatol Online J. 2003;9(3):4.
avanço das técnicas diagnósticas e da 7. McKinnon HD, Jr., Howard T. Evaluating
diminuição da incidência de algumas doenças the febrile patient with a rash. Am Fam
em decorrência da imunização, o médico, Physician. 2000;62(4):804-16.
diante de um paciente com exantema, deve 8. Murphy-Lavoie HM. Recognizing the top
colher uma história clínica completa e ten pediatric and adult rashes. In: Scientific
executar um exame físico cuidadoso e Assembly; 2011; San Francisco, USA.
sistemático. Para tal é indispensável o American college of emergency physicians;
entendimento acerca da história natural de 2011.
cada etiologia de forma que o diagnóstico 9. Fölster-Holst R, Kreth HW. Viral
precoce permita a intervenção eficaz nas exanthems in childhood. Part 3:
situações em que a gravidade assim o exija. Parainfectious exanthems and those
associated with virus-drug interactions. J
Referências Dtsch Dermatol Ges. 2009;7(6):506-10.
1. Yamamoto M, Marques HHdS. Exantema: 10. Folster-Holst R, Kreth HW. Viral
roteiro diagnóstico. Pediatria (São Paulo). exanthems in childhood-infectious (direct)
1988;10(3):105-15. exanthems. Part 2: Other viral exanthems. J
2. Ely JW, Seabury Stone M. The generalized Dtsch Dermatol Ges. 2009;7(5):414-9.
rash: part I. Differential diagnosis. Am Fam 11. Ely JW, Seabury Stone M. The
Physician. 2010;81(6):726-34. generalized rash: part II. Diagnostic approach.
3. MedlinePlus [Internet]. Bethesda (MD): Am Fam Physician. 2010;81(6):735-9.
National Libray of Medicine (US); Rashes; 12. Oliveira SAd, Camacho LAB, Bettini LR,
[atualizado em 2012; acessado em 10 jan. Fernandes DG, Gouvea NAC, Barros RAQ, et
2012]. [1 tela]. Disponível em: al. Manifestações articulares nas viroses
http://www.nlm.nih.gov/medlineplus/rashes.h exantemáticas. Rev Soc Bras Med Trop.
tml 1999;32:125-30.
4. Sanders CV, Lopez FA. Cutaneous 13. Soares JLMF, Pasqualotto AC, Rosa DD,
manifestations of infectious diseases: Leite VRdS. Métodos diagnósticos - Consulta
approach to the patient with fever and rash. rápida. 1ª. Ed. Porto Alegre: Artmed; 2002.

19 

Você também pode gostar