Meningite Viral

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Publicação Mensal sobre Agravos à Saúde Pública ISSN 1806-4272

Junho, 2006 Ano 3 Número 30

Meningite Viral
Viral Meningitis

Lena Vânia C. Peres1, Telma Regina M. P. Carvalhanas¹, Helena Aparecida Barbosa¹, Maria Inês C.
Gonçalves¹, Maria do Carmo S.T. Timenetsky², Alexandre Ely Campéas3

¹Divisão de Doenças de Transmissão Respiratória, do Centro de Vigilância Epidemiológica “Prof. Alexandre


Vranjac”, Coordenadoria de Controle de Doenças, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo – DDTR/CVE/
CCD/SES-SP, ²Instituto Adolfo Lutz – Laboratório de Vírus Entéricos – IAL/CCD/SES-SP, 3Instituto de Infectologia
Emílio Ribas – IIER/SES-SP

Resumo

A meningite viral caracteriza-se por um quadro clínico de alteração neurológica, que, em geral, evolui de forma
benigna. Os casos podem ocorrer isoladamente, embora o aglomerado de casos (surtos) seja comum. Indivíduos
de todas as idades são suscetíveis, porém a faixa etária de maior risco é a de menores de 5 anos.
Aproximadamente 85% dos casos são devido ao grupo dos Enterovírus, dentre os quais se destacam os
Poliovírus, os Echovírus e os Coxsackievírus dos grupos A e B 1,2. O manejo deve ser adequado para cada
etiologia. O presente artigo apresenta as principais etiologias, manejo dos casos, possibilidade diagnóstica e
tratamento desta importante entidade nosológica.

Palavras-chave: epidemiologia e vigilância das meningites virais, vigilância e controle.

Abstract

Viral meningitis has a characteristic clinical aspect that includes neurological alterations and, in general, has benign
evolution. Cases may occur isolated, but case agglomeration (outbreaks) are common. People of all ages are
susceptible, but the age bracket at greater risk are children under five years old. Nearly 85% of cases are due to
enterovirus, among which poliovirus, echovirus and coxsackievirus of groups A and B 1,2 are the major causes.
Case management must be adequate to ethiology. This article presents the major ethiologies, case management,
diagnosis possibilities and treatment for this disease.

Key words: epidemiology and surveillance of viral meningitis, surveillance and control.

Introdução

Meningite linfocitária, geralmente benigna, na maioria dos casos com líquor de celularidade de 50 a 500 células/
mm, com predomínio de linfomononuclear. A meningite viral caracteriza-se por um quadro clínico de alteração
neurológica que, em geral, evolui de forma benigna. Os casos podem ocorrer isoladamente, embora o aglomerado
de casos (surtos) seja comum. Indivíduos de todas as idades são suscetíveis, mas a faixa etária de maior risco é a
de menores de 5 anos1.

Agentes etiológicos mais freqüentes

Vírus RNA Vírus DNA

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Enterovírus Adenovírus
Arbovírus Herpes simples tipo 1 e 2
Vírus do sarampo Varicela zoster
Vírus da caxumba Epstein Barr
Vírus da Coriomeningite linfocitária Citomegalovírus
(arenavírus)
HIV 1

Aproximadamente 85% dos casos são devido ao grupo dos Enterovírus, dentre os quais se destacam os Echovirus
(3, 4, 6, 9, 11, 75, 21 e 30), os Poliovírus e os Coxsackievírus dos grupos A e B 1,22.

Santos et al, em trabalho realizado no período compreendido de 1998 a 2003 em quatro estados brasileiros (Rio de
Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Paraná), analisando 1.022 líquor cefalorraquidiano (LCR), foram
isolados Enterovírus em 162 (15,8%) casos; destes o Echovirus 30 foi identificado em 85,2% dos casos,
Coxsackievírus B5 em 3,7%, Echovirus 13 em 3,7%, Echovirus 18 em 3%, Echovirus 6 em 1,2%, Echovirus 25 em
1,2%, Echovirus 1 em 0,6%, e Echovirus 4 em 0,6%. Os pacientes tinham entre 28 a 68 anos de idade6.

Os Enterovírus têm comportamento sazonal, predominando na primavera e verão, podendo ocorrer em número
menor nas outras estações do ano. Os lactentes são os mais suscetíveis e a reinfecção pode ocorrer por sorotipos
diferentes. A duração da doença geralmente é menor que uma semana2.

Outros grupos menos freqüentes são os arbovírus, o herpes simples vírus e os vírus da varicela, da caxumba e do
sarampo. O vírus da caxumba é um agente comum em população não-imunizada, predominando entre pré-
escolares, escolares e estendendo-se a adolescentes e adultos jovens. Na meningite pelo vírus da caxumba
geralmente encontramos parotidite, no entanto, até 50% dos casos evoluem para cura entre 7 a 10 dias3.

O vírus da coriomeningite linfocitária é de ocorrência rara, sendo transmitida por roedores através de contato direto
ou indireto com as suas excretas. A via de transmissão é a digestiva, pela contaminação de alimentos com a urina
do roedor ou exposição de feridas; não há transmissão interhumana nesta etiologia.

Os herpes vírus (HSV-1 e HSV-2) são responsáveis por 0,5% a 3% dos casos de meningite viral aguda. São
quadros autolimitados, todavia, quando cursam com encefalite, são potencialmente fatais e estão associados ao
HSV-25.

No grupo dos arbovírus merece destaque o vírus do Nilo Ocidental, que nos últimos anos tem sido responsável por
vários casos de encefalite e meningite em indivíduos acima de 50 anos, principalmente na América do Norte. O
Citomegalovírus, o vírus Epstein Barr (EB) e os Arbovírus são responsáveis por 5% a 10% dos casos, nas
infecções primárias. A meningite recorrente de Mollaret está associada ao HSV-1, HSV-2, EB vírus e o Herpes
Vírus tipo 64.

A transmissão é de pessoa a pessoa e varia de acordo com o agente etiológico, sendo fecal-oral no caso dos
enterovírus.

Características clínicas e laboratoriais

Caracteriza-se por quatro síndromes: infecciosa, síndrome de irritação radicular, de hipertensão intracraniana e
síndrome encefalítica. É uma patologia mais freqüente nos meses quentes e pode cursar com as seguintes
características de cada uma das síndromes:

● síndrome infecciosa: febre ou hipotermia, anorexia, apatia e sintomas gerais de um processo infeccioso;
● síndrome de irritação radicular com sinais meníngeos característicos: rigidez de nuca, sinais de Köernig,
Brudzinski e Lasègue;
● síndrome de hipertensão intracraniana: cefaléia, vômitos sem relação com a alimentação, fundo de olho
com edema de papila, e
● síndrome encefalítica: caracterizada por sonolência ou agitação, torpor, delírio e coma.

A gravidade dependerá do agente etiológico, faixa etária e estado imune do paciente, diagnóstico precoce e

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habilidade da equipe de saúde. Apesar da maioria dos casos evoluir de forma autolimitada e benigna, em alguns
pode haver seqüelas como retardo mental, surdez, convulsões e perdas motoras ou sensoriais. O diagnóstico deve
ser precoce e, na suspeita, deve-se realizar punção liquórica, de preferência lombar, entre L3 e S1. Para a punção
ser realizada de forma segura é importante realizar-se exame de fundo de olho nos adultos e em crianças com
fontanela fechada.

Nas meningites virais, o aspecto do líquor é geralmente claro, com menos de 500 células, porém, na caxumba
podemos ter turbidez devido celularidade de 300 a 3.000 células; o predomínio inicial é de neutrófilos, podendo
alterar para linfomonocitário em 6 a 48 horas. Deve-se tomar cuidado para não confundir com as meningites
bacterianas parcialmente tratadas pelo uso de antibióticos prévios.

Na bioquímica do líquor costumeiramente encontramos proteína, cloreto e glicose normais ou com discreta
alteração. O nível normal de glicose do líquor deve corresponder a 2/3 da glicemia normal, a proteína pode variar
de 15 a 45 mg/dl e o cloreto de 680 a 750 mg/dl.

Líquor e sangue que se apresentarem não reagentes nas provas de látex e contraimunoeletroforese e negativas
nas culturas bacterianas, devem ser testados quanto à presença de vírus. Para a tentativa de isolamento dos
Enterovírus deverão ser testadas amostras de líquor e fezes, além da pesquisa de anticorpos em amostras
pareadas de soro.

No caso dos Herpesvírus e Citomegalovírus pode ser realizada a reação em cadeia de polimerase (PCR), no LCR.

Epidemiologia, vigilância e controle

No Brasil, em média, são notificados 11.500 casos/ano de meningite de provável etiologia viral. Entretanto, para a
maioria dos casos não há identificação do agente etiológico.

A Figura 1 apresenta os coeficientes de incidência das meningites por etiologia, nos últimos 15 anos, no Estado de
São Paulo, com destaque para as meningites não-determinadas, entre as quais estão inseridas as meningites de
provável etiologia viral. Observa-se na Figura 2 o comportamento das meningites virais de 1990 a 2005, em
território paulista, com incidência média de 11,74/100.000 habitantes e com tendência a declínio a partir do ano de
2002.

Figura 1. Meningites: coeficientes de incidência (p/100.000 hab.) segundo etiologia. Estado de São
Paulo, 1990 a 2005.

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Figura 2. Meningites não determinadas: coeficientes de incidência (p/100.000 hab.) segundo


provável etiologia. Estado de São Paulo, 1990 a 2005.

A identificação de agentes virais causadores de meningite no Brasil só tem sido possível em algumas situações,
tais como surto, nas quais existe um esforço conjunto para o esclarecimento etiológico. Sendo assim, o sistema de
vigilância epidemiológica de meningites dispõe de poucos dados sobre estes principais agentes.

Visando aumentar a especificidade do sistema e conhecer os principais Enterovírus causadores de meningite,


assim como o comportamento epidemiológico em relação às meningites virais, aprimorar a detecção e o
esclarecimento diagnóstico em situações de surto e otimizar a qualidade dos dados do sistema de informação,
desde outubro de 2005 a Divisão de Doenças de Transmissão Respiratória, do Centro de Vigilância “Prof.
Alexandre Vranjac” (DDTR/CVE) – órgãos da Coordenadoria de Controle de Doenças, da Secretaria de Estado da
Saúde de São Paulo (CCD/SES-SP) –, em parceria com o Ministério da Saúde, Instituto de Infectologia Emílio
Ribas (IIER) e Casa de Saúde Santa Marcelina, iniciou um Protocolo de Implementação de Vigilância de
Meningites Virais no Estado.

Em suma, a abordagem de rotina para a vigilância de meningite viral tem como base a estrutura e a metodologia já
adotadas para a vigilância de meningite.

Definição de caso

É considerado caso suspeito de meningite o indivíduo apresentando três ou mais dos seguintes sinais e sintomas:
cefaléia, vômito, rigidez de nuca, sinais de irritação meníngea (Kernig e Brudzinsky) ou abaulamento de fontanela
(em menores de um ano), sonolência e convulsão. Outros sinais e sintomas que podem estar presentes são:
fotofobia, exantema, diarréia e mialgia.

Considera-se como caso de meningite de provável etiologia viral: caso suspeito com líquor de aspecto límpido e
celularidade apresentando pleocitose, com predomínio de mononucleares.

Considera-se caso confirmado de meningite viral: caso provável com confirmação laboratorial ou história de vínculo
epidemiológico com caso confirmado laboratorialmente por isolamento e identificação.

Definição de surto

Surto ou epidemia pode ser definido como a ocorrência de uma doença em uma freqüência inesperada. Para fins
de vigilância será utilizada a seguinte classificação de surto:

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● Comunidade institucional (Ex.: escola, creche, acampamento e alojamento): ocorrência de dois ou mais
casos suspeitos de meningite num intervalo de até três semanas.
● Comunidade aberta (Ex.: bairro, município e outros): ocorrência do dobro do número de casos esperados
de meningite de provável etiologia viral por três semanas sucessivas.

Seleção de casos

Devem ser selecionados pacientes que se enquadrem na definição de caso de meningite de provável etiologia
viral. No contexto de surto, não serão analisadas amostras de todos os casos; por isso, a pesquisa viral será
limitada a no máximo 20 casos, conforme sugestão do laboratório de referência.

Espécimes clínicos (amostras)

Além do líquor, deverão ser coletadas amostras de fezes e soro pareado dos casos:

■ líquor: 2 ml a 5ml

■ fezes: 4 a 8 gramas (1/3 do coletor universal)

■ soro: coletar 5 ml de sangue sem anticoagulante

As amostras de soro pareadas deverão ser coletadas: uma amostra em fase aguda e outra em fase convalescente
(após 15 dias da data do início dos sintomas). Destaque-se que só serão processadas as amostras que estiverem
pareadas. Além disso, é fundamental a correta identificação de cada uma das amostras S1 – 1ª amostra (fase
aguda) e S2 – 2ª amostra (fase convalescente).

Ao ser caracterizada a ocorrência de surto deverão ser selecionados, preferencialmente, pacientes que
apresentem quadro clínico mais sugestivo, encontrem-se em fase aguda da doença e que seja possível o
encaminhamento de todas as amostras (líquor, fezes e soro pareado).

Em caso de surto, usar o instrumento de notificação, ou seja, o Boletim de Notificação de Surtos do Sinan (Sistema
Nacional de Agravos de Notificação). O Protocolo de Coleta para o Diagnóstico Laboratorial dos Enterovírus
encontra-se disponível no endereço eletrônico: http://www.cve.saude.sp.gov.br/

Tratamento

O tratamento das meningites virais é de suporte: antitérmicos como dipirona, antieméticos (metoclopramida),
cabeceira elevada a 30º. Se o paciente estiver sonolento ou confuso ou com dificuldade de deglutição, deverá ser
mantida sonda nasogástrica para evitar broncoaspiração e hidratação adequada. Nos casos de herpes vírus, pode
ser utilizado o aciclovir com a seguinte posologia: 10 mg/kg/dose a cada oito horas, por 14 a 21 dias. A punção
liquórica alivia a cefaléia por diminuir a pressão intracraniana.

Os casos de internação são excepcionais, apenas para evitar a desidratação provocada pelos vômitos, diminuir a
cefaléia e melhorar as condições gerais. O uso de corticosteróides é discutível, assim como a gamaglobulina.

Em surtos decorrentes do vírus da caxumba faz-se busca ativa dos casos e o bloqueio da transmissão por meio da
imunização.

Referências bibliográficas

1. Bleck TP, Greenle JE. Approch to the patient with central nervous system infection. In Mandel GL, Bennett
JE, Dolin R: Principles and practice of infectious Diseases. Churchill Livigstone; Philadelphia: 2002.

2. Brasil. Ministério da Saúde/ Fundação Nacional de Saúde. Guia de Vigilância epidemiológica. Brasília,
2002; vol. II, p. 577-632.

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3. Brasil. Ministério da Saúde/ Fundação Nacional de saúde. Situação da Prevenção e Controle das Doenças
Transmissíveis no Brasil. Saúde Brasil – Uma análise da situação. Brasília, 2004; p. 299-338.

4. Brasil. Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância em saúde/ Departamento de Vigilância Epidemiológica.


Doenças Infecciosas e Parasitárias. Vol. II, anexo II – Portaria no. 597/GM, Brasília, 2004; p.194-198.

5. Brasil P, Marzoch K, Wakimoto m, Silvia NS – Meningoencefalites Infecciosas In Coura Jr – Dinâmica das


Doenças infecciosas e parasitárias – Vol I (24). Rio de janeiro 1998; p.297-317.

6. Dos Santos GP, Skraba I, Oliveira D, Lima AA, de Melo MM, Kmetzsch CI, da Costa EV, da Silva EE.
Enterovirus meningitis in Brazil, 1998-2003. J Med Virol. 2006;78(1):98-104.

Correspondência/Correspondence to:
Lena Vânia C. Peres
Divisão de Doenças Respiratórias
Av. Dr. Arnaldo, 351, 6º andar, sala 601 – Cerqueira César - São Paulo/SP
CEP: 01246-901
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