Philia: Amor em Aristóteles
Philia: Amor em Aristóteles
Philia: Amor em Aristóteles
Resumo
Este trabalho tem por objetivo discorrer sobre o tema amor, segundo a perspectiva
do filósofo grego Aristóteles, que dentro de seus estudos a respeito da ética o denomina
como ϕιλια (philia), também traduzido no Ocidente por "amizade". Este tema é abordado
pelo filósofo especialmente nos livros VIII e IX do Ética a Nicômaco1, no qual Aristóteles
torna evidente que ϕιλια tem um forte significado na cultura grega, pois além de abranger
os variados tipos de relacionamento na sociedade ela fundamentava e harmonizava a
convivência humana em vista do bem comum. O texto trata ainda sobre as três formas de
amizade, segundo Aristóteles: pelo útil, prazer e bem; e por último serão abordamos
algumas peculiaridades referentes à philia.
Introdução
1
Ética a Nicômaco, escrito por volta de 350a.C. (em grego: Ἠθικὰ Νικομάχεια transl. Ēthicà Nicomácheia;
em latim: Ethica Nicomachea) é a principal obra de Aristóteles sobre Ética.
amor como um acontecimento excepcionalmente físico - um desejo animal ou genético
que regula nosso comportamento - à teorias do amor como uma questão excessivamente
espiritual, que em seu mais alto ponto nos permite tocar a divindade.
A embate filosófico sobre o amor inicia obviamente com questões relativas a sua
natureza. Isto nos leva ao fato do amor ter uma "natureza", sentença essa de que alguns
podem contestar alegando que o amor é essencialmente irracional, sendo assim não pode
ser descrito em proposições racionais ou significativas. Em Inglês, a palavra "amor", é
amplamente definida e, portanto, imprecisa, o que gera problemas de primeira ordem de
definição e de significado, que são resolvidos até certo ponto, a referência à os termos
gregos, eros, philia e ágape.
Todavia, nos escritos da Grécia Arcaica, o termo tinha uma conotação semântica
muito mais ampla e era empregado para traduzir um vínculo de união ou de interesse
entre os homens, quer este fosse devido ao sentimento de mútua simpatia, quer fosse fruto
de uma vantagem específica, ou até mesmo do próprio acaso. Classificando portanto a
philia, mediante a essas observações, em três categorias distintas: amizade baseada no
prazer, na utilidade e no bem. Podendo ser considerados amigos: os camaradas de jogo, os
colegas de viagem, os companheiros de navegação, os colegas de armas, os associados no
comércio, os pais, esposos, irmãos, parentes e os cidadãos em geral, todos esses
representando formas diferentes desse mesmo amor.
Formas de amor
Ninguém pode acreditar que é o mero prazer físico (Eros) que leva uma pessoa
a sentir um prazer tão intenso na companhia de outra. É claro que a alma de
cada uma delas tem outro anseio que não é capaz de exprimir, mas que apenas
pode imaginar e a que só é capaz de referir-se de uma forma vaga. Imaginemos
que Hefesto, com as suas ferramentas, as visitava quando se encontravam
deitadas lado a lado e, erguendo-se acima delas, lhes perguntava: o que esperais
vós, mortais, lucrar um com o outro? Imaginemos ainda que, se eles não
conseguissem responder, ele repetiria a pergunta nestes termos: o objecto do
vosso desejo é estarem sempre o mais possível perto um do outro e não se
separarem nunca nem de dia nem de noite? Se é isso que quereis, estou disposto
a fundir-vos e a soldar-vos para que em vez de dois passeis a ser um só corpo;
enquanto viverdes tereis uma vida comum e quando morrerdes tereis uma morte
2
Simpósio (em grego antigo: Συμπόσιον, transl. Sympósion), também conhecido como O Banquete, é
um diálogo platônico escrito por volta de 380 a.C.. Constitui-se basicamente de uma série de discursos
sobre a natureza e as qualidades do amor (eros).
comum e continuareis a ser um só, e não dois, no outro mundo. Contentar-vos-
ia tal destino e satisfaria ele os vossos anseios? Sabemos qual seria a resposta;
ninguém recusaria a proposta; ficaria claro que é isso que toda a gente deseja, e
todos considerariam essa a expressão exacta do desejo que há muito sentiam,
mas que não tinham sido capazes de exprimir: poderem fundir-se com o seu
amado e serem, depois, um único ser e não dois. (Platão, trad. ingl. de W.
Hamilton, 1951).
Mediante a isso, o filósofo dizia que existem três formas de amizade, através do
útil, do prazer ou do bem. Os que são amigos visando o útil, buscam um proveito
instantâneo - riquezas ou honras. Ama-se, cria-se laços, não objetivando a amizade como
resultado em si mas como artifício de adquirir vantagens. A amizade em função do prazer
é semelhante a anterior, busca-se o prazer para ambos, tornando o laço estável quando
persistir nesse elo prazeroso. Estes dois tipos de philia são acidentais, quando um dos
envolvidos para de ser agradável ou útil, o outro deixa de amá-lo. Na terceira espécie,
ama-se o outro por aquilo que é.
• Ágape (ἀγάπη): Termo muito presente no Novo Testamento da Bíblia Cristã,
provém do vocábulo grego agapein, tendo tradução no latim para charitas, que significa
caridade, amor. A partir daí ficou conhecido como o amor divino, ou seja, o amor que
Deus revelou à humanidade através de seu filho Jesus Cristo, e também como o amor com
que os cristãos devem amar a Deus e ao próximo. Pode ser descrito como o amor
absoluto, fundamentado em comportamentos e pela escolha, sem esperar algo em troca.
Na Bíblia ele aparece por diversas vezes descrito como uma expressão do amor
que é incondicional e voluntário, ou seja, não discrimina, nem possui alguma pré-
condição, é algo que se decide fazer espontaneamente. Devido a essa definição bíblica
muitos pensam que ágape restringe-se apenas a esse amor incondicional, com auto-
sacrifício ativo, o amor divino, embora ele possa e deva, inclusive, ser praticado por nós
humanos, desde que inspirados por tal sentimento, mas se sucederá em menor escala,
devido às limitações e imperfeições do ser humano.
Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e
de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro
mandamento.
E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Não há outro mandamento maior do que estes. (Bíblia Sagrada Cristã, Marcos
12:30-31)
Os tipos de Philia
Como já dito anteriormente, Aristóteles em sua obra Ética a Nicômaco dedica dois
de seus dez livros para definir e discutir sobre a natureza da amizade (philia), inserida em
sua composição filosófica dentro do contexto da ética. Em seus textos ele trata a amizade
como algo extremamente necessário à vida, alegando que ninguém escolheria viver sem
amigos mesmo que possuísse todos os outros bens, defendendo que de nada adianta ser
tão prospero se a pessoa não tiver a quem possa ajudar, ou então questionando de que vale
manter e guardar a prosperidade sem possuir amigos, já que quanto maior for, mais
perigos correrá. A escassez por sua vez também incita o pensamento que na pobreza e no
infortúnio os amigos são nosso único refúgio; reafirmando a proposição da amizade ser
algo indispensável.
Porém engana-se quem acredita existir apenas uma espécie de amizade, como no
amor que possui três ramificações distintas, Aristóteles trata da amizade em três formas
diferentes, podendo ser diferenciadas de acordo com o que é amado como alvo: o útil, o
prazer ou o bem.
Uma vez que a amizade divide-se em duas espécies, os maus serão amigos visando à
utilidade ou o prazer, pois com relação a esse aspecto se assemelharão um ao outro. De
acordo com isso, os homens ousam estender o nome de amigos até àqueles cuja motivação é
o interesse. Nesse tipo de amizade é possível que se tenha muitos amigos, isso porque
encontramos muitas pessoas que possam ser úteis ou deleitáveis, e segundo porque para
essa espécie de amizade não é necessário experiência de longo tempo, sendo suficiente
para aqueles que se prontifiquem de bom grado que em pouco tempo se subministrem
mutuamente alguma utilidade ou deleitação.
Nesses dois primeiros tipos de amizade, pelo útil e pelo prazer, até os maus podem
criar laços uns com os outros, ou mesmo os bons podem ser amigos dos maus, desde que
essa amizade traga vantagem. Sendo assim, nada impossibilita que um dos amigos julgue
mal o outro, ou que um seja injusto com o outro, de tal modo que sequer deveriam ser
denominados "amigos".
A amizade perfeita é a dos homens que são bons e afins na virtude, pois esses
desejam igualmente bem um ao outro enquanto bons, e são bons em si mesmos.
Ora, os que desejam bem aos seus amigos por eles mesmos são os mais
verdadeiramente amigos, porque fazem em razão de sua própria natureza e não
acidentalmente. Por isso sua amizade dura enquanto são bons – e a bondade é
uma coisa muito durável. E cada um é bom em si mesmo e para o seu amigo,
pois os bons são bons em absoluto e úteis um ao outro. E da mesma forma são
agradáveis [...].(ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco)
O filósofo elucida três razões pelas quais não é possível que alguém possua muitos
amigos, segundo a amizade perfeita, que é a amizade por causa do bem e da virtude.
Primeiro motivo é o fato de não ser possível amar em demasiado a muitas pessoas, esse
tipo de amizade, sendo perfeita e superabundante, se assemelha a um certo exagero no
amar. Logo, esse amor superabundante não é capaz de ser dado a muitos, mas somente a
um. Segunda razão, não existem muitas pessoas em que não encontremos algo que
desgostemos, e conforme a amizade perfeita, os amigos se gostam em demasia, logo, se já
encontramos dificuldades em amar em demasia um, não é fácil que simultaneamente
muitos se amem intensamente. Terceira razão, é improvável conhecer por experiência
muitas pessoas, e na amizade perfeita é necessário pelo costume ter experiência do amigo.
Portanto, mediante a esses fatores em uma amizade perfeita entre homens bons não temos
a capacidade de ter muitos amigos, pois os que tem muitos amigos e mantém intimidade
com eles passam por não ser amigos de ninguém.
Considerações finais
POPOVA.M. The science and Philosophy of friendship: Lessos from Aristotle on the
Art of Connecting.Brainpickings. Disponível em:
http://www.brainpickings.org/index.php/2013/09/19/aristotle-friendship/