MARCONDES, Danielo - Eros e Philia
MARCONDES, Danielo - Eros e Philia
MARCONDES, Danielo - Eros e Philia
Amor e Amizade
Eros e Philia
Danilo Marcondes *
XX Frum Nacional
BRASIL - Um Novo Mundo nos Trpicos
200 Anos de Independncia Econmica e 20 Anos de Frum Nacional
(sob o signo da incerteza)
26 a 30 de maio de 2008
das razes gregas do mundo europeu. A fora do Eros irresistvel at mesmo para os deuses,
despindo Zeus nesses casos de sua prpria divindade e fazendo-o assumir nem sequer a forma
humana, mas animal.
Seu poder se explica talvez porque mais originariamente, nos primeiros mitos que encontram sua
formulao mais tardia posteriormente na mitologia grega, Eros seja, sobretudo, uma fora csmica,
na origem mesmo do universo, de tudo. Eros nesse sentido atrao, aquilo que agrega, aglutina e
desta forma organiza o Cosmos, em oposio ao Caos, a desordem, a desagregao. do Caos que
no mito originrio surge Eros, que representa assim a prpria criao. Eros se ope tambm luta,
ou ao conflito (Neikos), como a fora que afasta, repele, ope. E so essas duas foras, Eros e
Neikos, que num movimento dialtico, geram o Cosmos e explicam o carter dinmico da prpria
Natureza (Physis).
Hesodo na Teogonia (116) define Eros como o mais belo dos deuses, o impulso ou fora vital,
aquele que os une entre si e une tambm os deuses e os homens. Mas, em uma verso posterior do
mito (p.e.x no Banquete de Plato), Eros tambm o deus menino que transforma a todos em
criana, fazendo-os perder a racionalidade e o controle de si. tambm a ruptura com os limites da
individualidade, sua elevao, sua superao em direo ao outro. O verbo grego era significa
precisamente desejar.
Nem sempre, contudo, na concepo cosmolgica se distingue precisamente Eros de Philia.
Empdocles, p.ex. afirma que os verdadeiros primeiros princpios, os archai, so o Amor (Philia) e
a Luta, ou Conflito (Neikos)2. Philia compartilha com Eros a noo de busca de algo ou tendncia
para algo dando conta assim da unidade essencial do real.
III. Eros e Philia
Embora no incio dessa tradio cosmolgica Eros e Philia nem sempre se distingam claramente,
em seu desenvolvimento posterior a Philia representar, sobretudo, a busca de algo com que se tem
afinidade. Mesmo em uma declarao de amor, no sentido mesmo de eros, era comum em grego se
usar o verbo philein, Philo se, equivalendo a nosso Eu te amo (Reeve, 2006).
, por exemplo, a philia e no o eros que une os guerreiros hoplitas das falanges gregas, de que os
300 de Esparta so o grande smbolo, em laos de amizade e que os faz lutar juntos em defesa da
cidade. o companheirismo e a camaradagem que explicam a unio daqueles que se identificam
com os mesmos ideais, possuem uma origem comum, compartilham os mesmos objetivos, vivem
sob a mesma lei3.
Philia tambm o termo que se encontra na prpria definio de filosofia (etimologicamente a
philia da sophia, a amizade ou busca da sabedoria, o desejo de sabedoria). Segundo Digenes
Larcio em sua Vida e doutrina dos filsofos ilustres, Pitgoras (sc. VI a.C.) teria introduzido o
termo. Tendo j adquirido grande fama, foi convocado certa vez ao palcio por Lon, tirano da ilha
de Samos, que o interpelou, Afinal, quem voc?. Pitgoras teria respondido, Eu sou um
filsofo, empregando esse termo pela primeira vez. O termo filsofo precederia assim a prpria
filosofia. H, contudo, nessa resposta uma ambigidade. Por um lado se trata de uma posio
humilde, Pitgoras afirma no ter atingido ainda a sabedoria (sophia), mas apenas desej-la, estar
em busca dela. Por outro lado, sua atitude crtica em relao queles que pretendem ter a
Segundo os versos do poeta Simnides no tmulo dos guerreiros espartanos nas Termpilas: Viajante que por aqui passa, diga aos
espartanos que, obedientes lei, aqui jazemos.
sabedoria, os sphoi, os sbios da tradio arcaica, pois devemos desconfiar daqueles que se
declaram sbios. Em relao sabedoria a atitude mais sbria e mais legtima , portanto, a philia.
Mas o locus classicus da discusso platnica sobre a philia o dilogo Lysis, que tem como
subttulo precisamente, sobre a amizade (philia). O Lysis um dilogo aportico, ou seja,
inconclusivo, que no chega portanto a uma definio final de amizade, como vimos acima (p.1),
mas mostra a relevncia da reflexo filosfica sobre a amizade do ponto de vista da constituio da
experincia e de nosso entendimento sobre a natureza humana, sobretudo acerca de sua dimenso
tica.
Plato comea por se perguntar o que entendemos usualmente por philia e atravs do
desenvolvimento dialtico do texto passa a explorar os diferentes aspectos deste conceito. A
amizade deve ser sempre um sentimento recproco? Ou possvel sentir amizade por algum que
no corresponde a esse sentimento? Examina em seguida um aspecto aparentemente paradoxal do
sentimento de amizade e de seu valor moral. S desejamos a amizade de algum porque
consideramos que vamos nos beneficiar disso, o indivduo verdadeiramente feliz, satisfeito consigo
mesmo, no precisaria de amigos, nesse sentido a amizade seria um sentimento egosta, suporia um
interesse daquele que busca amigos. Plato examina em seguida a reciprocidade do sentimento de
amizade, supondo uma identificao entre os amigos. Mas, nesse caso, s sentiramos amizade por
aqueles com quem nos identificamos? No podemos ser amigos daqueles que so diferentes de ns?
E se s somos amigos daqueles que so como ns, se j so como ns, porque precisaramos deles?
Na concluso, Plato admite no ter avanado na definio, mas faz Scrates se despedir de Lysis e
Menexeno reiterando sua amizade por eles, mesmo que no saibam ainda defini-la (223b5-7).
como se a amizade dependesse mais da sinceridade e, portanto, da autenticidade deste sentimento
do que da possibilidade de efetivamente defini-lo conceitualmente com clareza e preciso.
No dilogo Protgoras, no discurso de Protgoras sobre Prometeu e a criao do homem (322d),
Plato apresenta o grande sofista dizendo que vendo que os homens no conseguiam viver em
sociedade devido ao conflito, Zeus encarregou Hermes de dar-lhes o senso de justia e os laos de
amizade (philia) que so os fundamentos da cidade. A philia assim um princpio central da vida
social e Plato mostra como para Protgoras a philia sobretudo um conceito poltico, um
pressuposto da prpria possibilidade da vida em comum.
Aristteles, na tica Nicmaco (VIII-IX), define a amizade como um sentimento recproco, que
une os membros de uma comunidade, considerando-os hetairos, ou seja, aquele que pertence ao
grupo. o lao de afeio que une os irmos e os companheiros, em um sentido estendido de
irmo. Em uma sociedade, ou em uma unio qualquer, mesmo familiar, a quebra desses laos
gera a tirania, a relao baseada no exerccio da fora em que um indivduo subjuga o outro, o rei os
seus sditos, o marido a sua esposa, o pai os seus filhos, um irmo o outro. A ruptura mais forte
desses laos corresponde prpria definio aristotlica de tragdia, violncia entre membros de
uma famlia ou cl, como nos casos de dipo, Orestes ou Ifignia. A philia , portanto um
sentimento recproco, mesmo entre desiguais, p.ex. entre pai e filho, soberano e sditos, e em sua
proposta de uma tica eudaimnica, ou seja, que busca a felicidade, Aristteles, ao final do cap. IX,
conclui que a philia necessria para a vida feliz. Assim, para Aristteles a philia e no
propriamente o eros que um pressuposto fundamental da tica, h uma sabedoria na amizade e
significativo que o filsofo d amizade um lugar central em sua principal obra sobre tica, o texto
que propriamente introduz este termo em nossa tradio.
A amizade assim, segundo essa tradio, um sentimento de afeio, resultando de uma
identificao entre os indivduos unidos por esse lao. No Renascimento temos o que
provavelmente um dos melhores exemplos disso na relao entre dois grandes pensadores, Michel
de Montaigne e tienne de la Botie. Aps a morte prematura de La Botie em 1563, Montaigne
4
dedicou a ele algumas reflexes de grande sensibilidade (Essais, I,28, De lamiti), dizendo que
quando se interpelava porque havia entre eles este sentimento de amizade, a nica resposta possvel
seria Parce que ctait lui, parce que ctait moi e nenhuma razo mais necessria, ou mesmo
possvel, dada a identificao quase completa entre ambos.
IV. O Eros no Banquete de Plato: a scala amoris
O grande texto fundacional de nossa tradio sobre o Eros sem dvida, pela sua influncia
marcante, o Banquete (Symposion) de Plato, um de seus mais profundos e poticos dilogos, cujo
tema precisamente o amor, enquanto Eros4 e cuja influncia foi imensa. E o ncleo desse dilogo
o discurso de Diotima, sacerdotisa de Mantinia, um dos textos mais clebres de Plato
(Banquete, 201d - 211e).
nesse texto que temos a formulao da concepo tradicional, socrtica, que em ltima anlise
prevaleceu no platonismo, da passagem do amor fsico, do amor sentimento, do amor carnal, para o
amor espiritual, o amor da alma, em um processo de ascese, elevao espiritual, que deve passar por
vrios degraus ou etapas, a scala amoris, at atingir o grau mais elevado, o amor contemplativo, a
contemplao da prpria idia, ou forma, do Belo (kallos).
A busca do verdadeiro Amor significa assim o abandono de seu objeto, as coisas belas que nos do
prazer, os belos corpos, a figura do amado, o objeto do desejo, em busca de algo mais fundamental,
de natureza em ltima anlise mais elevada, abstrata, espiritual.
Se o eros platnico, tal como apresentado no discurso de Diotima, representa um movimento
individual, a metastroph, de superao do desejo do belo e do prazer em direo contemplao
pela alma da idia do Belo em si mesma; a philia, por sua vez significa o sentimento de afeio e de
afinidade pelo outro, o estabelecimento de laos de amizade, de um vnculo social, portanto,
rompendo assim com o individualismo e possibilitando a fundamentao de uma tica da
sociabilidade.
A diferena essencial, portanto, entre eros e philia em Plato, reiterada posteriormente por
Aristteles, consiste na diferena entre o carter individual do eros, mesmo na passagem do prazer
que nos causa um belo corpo para a experincia contemplativa da Beleza, para o carter
essencialmente interativo da philia que depende do reconhecimento e da reciprocidade. A philia
parece supor assim uma situao de equilbrio entre aqueles a quem une.
V. Storg e Xena
Devemos interpretar os conceitos de storg e xena como dimenses do eros e da philia e no
propriamente como diferentes deles. Storg o lao de afeio que une os membros de uma famlia,
primitivamente at mesmo de um cl, que lhes d uma identidade comum e explica a lealdade e a
solidariedade entre eles, um dos sentidos fundamentais da philia, segundo Aristteles como vimos
anteriormente. tambm o cuidado com que lidamos com aqueles por quem temos amor e amizade,
portanto a manifestao desse amor em uma atitude de dar ateno, de cuidar, zelar por algum.
A xena diz respeito a um dos aspectos mais fundamentais, e na verdade mais difceis, do amor. O
amor ao estranho, ao desconhecido. Se o amor foi definido como afeio, lao de amizade,
identificao, companheirismo, nenhum desses traos se encontra na xena. E, contudo, os gregos a
4
Jacques Lacan, p.ex. faz uma releitura do Banquete em seu Seminrio VIII. O comentrio clssico o de L.Robin (1964). Ver
tambm Franco (2006) para a importncia da diferena entre os discursos filosfico e no-filosfico sobre o amor nesse dilogo. O
Banquete teve uma importncia muito grande na retomada do platonismo no Renascimento, sobretudo por Marslio Ficino.
valorizavam como o sentimento de boa vontade, a abertura para a amizade como atitude originria,
o voto de confiana no desconhecido, aquilo que nos permite aproximar-nos do outro, do
estrangeiro (xnos) e aceit-lo como tal, ao mesmo tempo estranho e amigo. na xena que se
baseia a hospitalidade como base da sociabilidade e da convivncia entre os seres humanos.
Storg e xena so portanto extenses principalmente do conceito de philia, porque dizem respeito
ao sentido social da experincia humana, do compartilhamento de sentimentos, adquirindo sob este
aspecto uma importncia fundamental do ponto de vista tico.
VI. Duas figuras do amor na civilizao ocidental: amor corts e amor romntico
Na tradio ocidental duas figuras centrais estabelecem os padres bsicos de representao do
amor, tendo grande importncia na literatura e nas artes plsticas e marcando profundamente nosso
imaginrio (De Rougemont, 1982; Bloom, 1993): o amor corts e o amor romntico.
O amor corts o amor ritualizado que deve seguir determinadas convenes para ser reconhecido
e aceito e que parece surgir como forma de expresso caracterstica principalmente nos ltimos
sculos da Idade Mdia. Fazer a corte consiste precisamente em dar a conhecer pelo cavalheiro
amada seus sentimentos de forma comedida, adequada, respeitosa. Canes e poemas so as
maneiras convencionalmente aceitas de expresso dos sentimentos. O amor corts envolve a
aprovao da sociedade, da corte no caso, e se passa entre amantes que so iguais, pertencendo
geralmente nobreza. O cavalheiro deve provar seu valor dama sua amada, sacrificar-se por ela,
correr riscos e realizar aventuras para merecer o seu amor. Essas aventuras que do ao cavalheiro o
mrito para receber o amor da amada, a dama perfeita, pura, bela e de alta linhagem, se traduzem
nas canes que formam a tradio literria do amor corts que tem como um de seus maiores
representantes o poeta medieval francs Chrtien de Troyes (c.1135-1190). O amor corts envolve,
portanto, dar provas de amor, que vo alm da expresso do sentimento, mas supe uma conquista
da amada, que o inspira e lhe d fora para essa conquista. Trata-se de um rito de passagem do
jovem ao adulto, do efebo ao guerreiro, que d provas da veracidade e da sinceridade do amor,
sendo a dama a recompensa do cavalheiro valoroso.
O amor romntico, ao contrrio, o amor que rompe com as convenes, o amor noconvencional, o amor paixo, amor exaltao, um sentimento quase inexplicvel que pode em seu
limite chegar ao amor trgico, o amor irrealizvel, impossvel, levando prpria morte dos amantes
como em Romeu e Julieta, como em um sacrifcio. caracterstico do individualismo e do
subjetivismo modernos, mas tambm uma expresso do irracional, daquilo que foge ao controle,
medida, s regras.
O amor corts est assim de certa forma mais prximo da philia na medida em que depende para a
sua realizao do reconhecimento do outro, do cavalheiro pela amada, supondo portanto uma
reciprocidade que se concretiza pela recompensa que a amada oferece a seu amado. O amor
romntico pode no ser recproco, fazendo com que aquele que ama se desespere at a morte. O
exemplo por excelncia desse extremo o Werther (1774) de Goethe, que termina com o suicdio
do jovem cujo amor no correspondido. Seria impossvel sobreviver ao amor irrealizado.
VII. O amor narcsico
O amor narcsico o amour propre, o amor de si, egosta, auto-referente, uma manifestao do
individualismo que nos condena ao isolamento. No mito, Narciso se apaixona por seu reflexo no
espelho dgua e se torna a partir de ento incapaz de amar qualquer outro que no a si mesmo. O
narcisismo nesse sentido frustrante, incapaz de se realizar, impedindo o verdadeiro amor, o desejo
do outro, da superao do indivduo. Segundo Freud, o narcisismo uma reao neurtica daquele
6
que incapaz de amar o outro, de dirigir-se a um objeto amoroso, volta-se para si mesmo, isolando-se
em is mesmo5.
Por outro lado, o amor prprio pode ser visto no como narcisismo, mas como auto-estima,
valorizao de si mesmo, at certo ponto um pressuposto do amor ao outro. Aquele que no ama a
si mesmo seria incapaz de amar a quem quer que seja. O amor prprio essencial para a autopreservao, pode ser visto como uma manifestao do instinto de sobrevivncia. Amar a si mesmo,
desde que no de forma narcsica no sentido do auto-isolamento, pode tambm ser condio para
amar ao outro. Pode haver assim um sentido positivo do amor prprio que no se ope
necessariamente philia, ou seja, interao afetiva e ao estabelecimento dos laos de amizade.
VIII Amor, Amizade e tica
Talvez David Hume, um filsofo empirista e ctico seja uma referncia inesperada quando se trata
do amor, contudo suas reflexes no Tratado da Natureza Humana (Treatise of Human Nature, II, ii,
Of love and hatred) so das mais originais e sutis a esse respeito. Hume um dos principais
representantes, na tradio moderna, do intuicionismo ou emotivismo tico, que v no os
fundamentos, mas a origem da tica em sentimentos como amor e dio, ou compaixo e repulsa. A
razo seria insuficiente para explicar nossa conduta tica se no tivermos os sentimentos de
compaixo, que nos leva a solidarizarmos com outros seres humanos, ou de repulsa que nos leva,
p.ex., a rejeitar a violncia ou a corrupo. O formalismo tico caracterstico do racionalismo no
daria conta nem da motivao da ao, nem da origem de valores como certo ou errado, bom e mau.
Hume mostra que o amor (love) e mesmo o seu oposto, o dio (hatred), no so fceis de definir, na
medida em que envolvem um complexo de outros sentimentos, mas constituem sobretudo uma
experincia humana, mais do que conceitos abstratos, e que devem ser entendidos nesse sentido.
Esses sentimentos esto na base do senso de comunidade que torna possvel a vida social e tanto o
amor, que une e identifica os indivduos uns com os outros, quanto o dio, que nos faz rejeitar
certos tipos de atitude ou de conduta, so, em ltima anlise, o que constitui o relacionamento
humano e a partir do que ento se constroem os hbitos, os costumes e finalmente as leis. Se estas
no tiverem por base esses sentimentos, no forem expresso de experincias humanas, teremos um
mero formalismo tico, ou mesmo, legal. Por isso, a justia seria segundo Hume, uma virtude
artificial (Rawls, 2000, pgs. 51-68). Por outro lado, se os sentimentos no tiverem dado origem a
uma elaborao sistemtica, por exemplo, a um conjunto de normas ticas ou a um corpo de leis,
no teremos superado ainda este estado inicial.
Este parece ser o principal desafio para pensarmos a tica e a poltica a partir do eros e, sobretudo,
da philia. preciso que na origem de um modelo tico de sociedade esteja o sentimento de
sociabilidade que em ltima anlise podemos considerar como tendo por base a amizade. Contudo,
Plato (Lysis) e Aristteles (tica a Nicmaco) apontam para o pressuposto de um relacionamento
pessoal, entre indivduos que se identificam uns com os outros em alguma medida, para que haja
amizade, philia. por este motivo que os defensores de uma tica dos princpios, como, por
exemplo, Kant, consideram que o fundamento da tica, e mesmo da lei, no podem ser sentimentos
como esses, mas apenas a prpria racionalidade dos princpios, enquanto derivados da racionalidade
humana6.
O texto clssico de Freud a este respeito Zur Einfhrung des Narzisismus de 1914 (ver Laplanche, 1969).
Ver a este respeito a discusso sobre a diferena dos fundamentos da tica na filosofia grega e nas filosofias moderna e
contempornea em J.Rawls, 2000: A difference between classical and modern moral philosophy, pgs.1-3.
Hume, porm, afirma que a simpatia, enquanto constitutiva da amizade, o sentimento que pode
representar a origem da moral enquanto estabelecendo um vnculo entre os indivduos por estar
fundado na natureza humana. Se, de certa forma, definimos a amizade como um sentimento de
afeio entre indivduos que em alguma medida se identificam, ainda assim essa definio envolve
as dificuldades para que Plato aponta no Lysis e que levam aporia que examinamos. Contudo, a
possibilidade de basear a tica na philia e disso extrair uma condio constitutiva da sociabilidade,
o que parece ser nosso interesse na discusso do tema proposto, pressupe um conceito estendido
do sentimento de simpatia e em decorrncia disso, de amizade, que v alm do vnculo estritamente
individual. Creio que os gregos nos do uma importante indicao dessa possibilidade atravs dos
conceitos de storg e xena, que examinamos brevemente acima. Storg nos leva alm do
sentimento de simpatia para o cuidado com o outro que deve resultar disso. Mas, sobretudo a
xena que pode realmente representar a extenso desejada do conceito de philia (amizade) em
direo sociabilidade, porque significa a simpatia em relao ao outro, mesmo enquanto
desconhecido, ou estrangeiro, xens, para os gregos; simplesmente enquanto ser humano a quem
por este motivo temos o dever da hospitabilidade e do acolhimento.
nesse sentido que a philia pode ir alm da relao inicialmente estritamente pessoal e servir
efetivamente de base para uma tica da sociabilidade que nos permita repensar as possibilidades das
relaes humanas mesmo sociedades complexas e multiculturais como no mundo contemporneo.
Referncias Bibliogrficas
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Kirk, G.S. e J.E. Raven, The presocratic philosophers, Cambridge, Cambridge Univ.Press, 1977.
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Laplanche, J. Pour introduire le narcissisme, em La vie sexuelle, Paris, Presses Universitaires de
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Rawls, John, Lectures on the history of moral philosophy, Harvard, Harvard Univ.Press, 2000.
Reeve, C.D.C. (org.) Plato on love, Indianapolis, Hackett, 2006.
Robin, Lon, La thorie platonicienne de lamour, Paris, Presses Universitaires de France, 1964.
Amor e Amizade
Eros e Philia
Prof.Danilo Marcondes
(PUC-Rio)
Maio 2008
Eros e Philia
(Pierre Paul Proudhon (1758-1823) Lunion deros et de lamiti)
Philia - Amizade
A philia como elo ou unio de
companheiros que cumprem uma misso.
A philia como sociabilidade: a discusso
entre iguais.
A philia como solidariedade.
Os fundamentos da tica
Emotivismo tico: a importncia de
sentimentos como a empatia e a amizade
(Ex.David Hume, Tratado da Natureza
Humana, 1740)