11a Bienal de Artes Visuais Do Mercosul
11a Bienal de Artes Visuais Do Mercosul
11a Bienal de Artes Visuais Do Mercosul
A abertura desta edição celebra os 21 anos de história de uma A peculiaridade desta Bienal é reunir pela primeira vez, arte afri-
instituição que nasceu com a iniciativa de promover a reescrita cana, afro-brasileira e indígena em diálogo, reconhecendo o legado
da história da Arte eurocêntrica por um ponto de vista latino- do grande impacto da diáspora negra na construção do Brasil.
americano. A edição atual, que é concomitante ao marco dos O trânsito comercial que estabeleceu o Triângulo Atlântico foi um
130 anos de abolição da escravatura brasileira, nos convida para instrumento de expansão ibérica colonial que recebeu justificativa
um mergulho nas águas do oceano que interliga, há mais de religiosa na época, pois o comércio de escravos também servia como
500 anos, os destinos da América com os de outros dois conti- reparação à evangelização das comunidades indígenas. Milhões de
nentes: África e Europa. homens e mulheres, oriundos de grupos étnicos africanos distintos,
foram capturados e despersonalizados, vendidos como escravos
Desde sua inauguração em 1997, a Bienal de Artes Visuais do
por uma engendrada rede de comerciantes negreiros. Sabemos
Mercosul recebeu o mesmo nome do tratado econômico que
que quase a metade de todo o tráfico negreiro veio para o Atlântico
surgiu em 1991 formando um bloco de países reunidos pelo
Sul, sendo a antiga costa litorânea do Rio de Janeiro o grande porto
desejo de garantir uma maior integração política e socioeconô-
de entrada da diáspora negra, enfatizado na declaração de tomba-
mica da América do Sul. Na época de sua criação, o discurso de
mento do sítio arqueológico do Cais do Valongo como Patrimônio
afirmação do regionalismo, tanto na arte quanto na economia,
Cultural da Humanidade da UNESCO no último ano.
era o caminho proposto para enfrentar a globalização, acen-
tuando a originalidade da arte produzida na América do Sul, A convite da curadoria, 2 artistas brasileiros, Camila Soato e Jaime
apresentando as potencialidades de uma dimensão simbólica Lauriano, realizaram residências artísticas em comunidades quilom-
de nossa autonomia criativa. O primeiro gesto histórico, que bolas remanescentes. Camila Soato desenvolveu seu projeto em
há 10 edições atrás inaugurou, através da arte e da cultura, diálogo com a comunidade do Quilombo Areal, no centro urbano
os valores emergentes das construções da identidade latino- da cidade de Porto Alegre, que estará no mapa de visitação da
americanas no final do séc.XX, é visto hoje sob uma perspec- Bienal apresentando uma exposição, no prédio sede da associação,
tiva que compreende as identidades latino-americanas em de pinturas realizadas pelas suas moradoras. Já o artista Jaime
relação ao Triângulo Atlântico, expandindo nossas fronteiras Lauriano, realizou residência entre as comunidades quilombolas
internas além-mar. O curador Alfons Hug e a curadora adjunta Família Silva (Porto Alegre) e Vó Elvira (Pelotas), apresentando
Paula Borghi reúnem nesta edição 70 artistas e coletivos de esse diálogo entre os territórios de resistência em uma exposição
artistas que expressam, em formas diversas, pulsões artísticas na Casa 6 em Pelotas. A exposição da 11a Bienal de Artes Visuais
e culturais que tensionam as históricas relações de interde- do Mercosul acontece de 06 de abril a 03 de junho de 2018 nos
pendências transatlânticas na contemporaneidade, inclusive espaços do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Memorial do Rio
evidenciando certos avanços socioculturais que foram feitos nos Grande do Sul, Santander Cultural, Praça da Alfândega e Igreja
últimos anos no Brasil. Nossa Senhora das Dores, no Centro Histórico de Porto Alegre.
Atualmente, o Brasil é o país no mundo com a maior população cessam de reconstruir novos laços, em meio aos movimentos de
negra fora de África. É importante percebemos que as políticas imigração contemporânea que atualizam constantemente a nossa
afirmativas e de reparação para a população negra, que resiste produção de cultura com o recebimento e acolhimento de novas
e luta por igualdade e direitos sociais desde o início do projeto influências.
colonial, interessam à própria democracia brasileira porque se faz
Este material pedagógico foi elaborado com muito carinho para
urgente que a maioria social do país esteja representada.
você. Aqui, uma seleção de 20 artistas que participam desta edição
O Programa Educativo da 11a Bienal do Mercosul convida à criação são apresentados em seus contextos sócio-políticos, com imagens
de novas possibilidades por meio da experiência estética, que de suas obras e propostas de atividades. Acompanha também um
lança um olhar sobre o processo de crioulização estabelecido nos glossário de palavras com os significados escritos no verso que
pontos de contato entre as culturas de matriz indígena, africana e poderá ser recortado e usado como um jogo.
europeia, evidenciando o intenso fluxo de mescla dessas práticas
sociais em trânsito.
Para a nossa ação educativa, todos tem lugar de escuta, todos tem
lugar de fala. Acreditamos que as experiências da arte e educação
Bianca Bernardo
possibilitam o exercício fundamental de pensar em como existimos, Coordenadora Pedagógica
e particularmente no âmbito desta Bienal, percebemos que os
vínculos formados por uma primeira triangulação atlântica não 11ª Bienal do Mercosul – O Triângulo Atlântico
F I C H A TÉ C N I C A
Doutor em Humanidades (2013) e Mestre em Artes Plásticas sobreviventes do naufrágio, Alexandre Corréard. Trata-se isso pode render de discussão sobre a imagem e o fato
(2004) pela Concordia University, Montreal; Bacharel em de reeditar esse momento histórico, contextualizando os histórico representado.
Artes Plásticas (1998) pelo Emily Carr Institute of Art & eventos trágicos de 1816 com paralelos óbvios de eventos
Aproveite para atualizar as questões presentes nessa obra
Design, Vancouver. Viveu cercado por várias culturas: com atuais, como a tragédia dos refugiados que sofrem e
com seus alunos: se essa obra fosse feita nos dias atuais,
infância em Israel, a partir do início da década de 1980, morrem em balsas improvisadas.
que questões sociais ela abordaria?
transferiu-se para Vancouver, Canadá, onde mais tarde
Resgatando e reencenando os mesmos eventos que
desenvolveu formação artística e carreira, concomitan- Use como exemplo a própria obra de Hannah: como essa
Gericault explorou em sua pintura, Adad Hannah propõe
temente, na cidade de Montreal. Sua obra transcorre migração que ele nos mostra está presente em nossas
uma fusão do histórico e do contemporâneo do que seria
entre vídeo, performance, instalação e fotografia. Em vidas? Encontrem notícias sobre as travessias modernas de
essa balsa da Medusa hoje.
intensa carreira, desde 2002 realizou quase cinquenta migrantes e refugiados. Discuta com eles a diferença entre
obras individuais. Le Radeau de la Méduse (A Balsa da Medusa) de Théodore diáspora forçada e voluntária. Peça que eles observem se
Géricault é uma pintura histórica, uma forma de arte que esses imigrantes estão presentes próximo à escola, no
The Raft of the Medusa (Saint-Louis), um vídeo produzido
pretende registrar determinado acontecimento histórico seu bairro, no centro da sua cidade. Pesquisem quem são
como referência à pintura canônica homônima, Le Radeau
de uma região, muitas vezes exagerando suas glórias ou essas pessoas, quais suas nacionalidades, por que saíram
de la Méduse (A Balsa da Medusa), de Théodore Géricault
massacres, tornando-se símbolo de uma geração e sendo de seus países e o motivo deles estarem na sua cidade. Se
(1791-1824), exposta no Salon de 1819 e hoje no Louvre.
utilizada como iconografia para esses eventos do passado. você achar plausível, peça para que seus alunos conversem
O original, uma das pinturas capitais do Séc. XIX, refere-se
com esses migrantes e ouçam dos próprios essas respostas.
ao resgate de sobreviventes do naufrágio da fragata La The Raft of the Medusa (Saint-Louis), de Adad Hannah é
Será uma conversa enriquecedora para todos!
Méduse, que afundou em 1816 perto da costa do Senegal. um tableaux vivant da obra de Géricault. Tableaux vivant
Hannah iniciou este projeto em 2015, quando foi convi- – pintura viva – é uma expressão francesa para definir a
dado para uma residência artística em Saint-Louis, extremo representação feita por um grupo de atores ou modelos
norte do litoral do Senegal. O trabalho desenvolveu-se na de uma obra pictórica preexistente ou inédita. O tableau
rememoração dos 200 anos do naufrágio, sendo levado a vivant foi uma forma de entretenimento que teve origem no
cabo em cinco semanas. Para o vídeo, discutido, produzido século XIX com o advento da fotografia, quando figurantes
e realizado em colaboração com membros da comunidade trajados posavam para o fotógrafo como se tratasse de
local, foi construído um grande set, sendo gravado ao modo uma pintura.
de tableaux vivant (quadro vivo), resultando em versões da
Explique a seus alunos o que é a pintura histórica e a localize
obra não somente em vídeo, mas também em fotografias.
no Brasil. Você pode falar de Victor Meirelles, nosso maior
Anteriormente, em 2009, o artista já havia realizado uma expoente do gênero. Sua obra mais famosa é A primeira
outra versão de A Balsa da Medusa, em tableaux vivant, missa no Brasil, na qual retrata esse evento da maneira
The Raft of the Medusa – 100 Mile House, em Columbia como foi descrita na carta de Pero Vaz de Caminha.
Britânica, Canadá, com atores canadenses. No entanto,
Escolha uma pintura histórica que se aproxime do
em 2015, o seu objetivo não foi como o da obra anterior
conteúdo programático da sua matéria ou separe os
– a absoluta fidelidade estética da pintura original –, mas
alunos em grupos e peça para que escolham uma obra hhttp://www.adadhannah.com
a preocupação em relacionar-se com a comunidade local
e façam o tableaux vivant dela em sala de aula. Fotografe http://adadhannah.com/projects/show/
e também aproximar-se dos registros de um dos quinze
a criação e discuta coletivamente sobre ela. Veja o que the_raft_of_the_medusa_saint_louis
ARJAN MARTINS
ARJAN MARTINS
Rio de Janeiro, 1 9 6 0. V ive e trabalha no Rio de Janeiro, B rasil.
Arjan Martins frequentou cursos de pintura e teoria da região e peça que eles façam comparações entre os dois.
arte na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Neste mapa, aparecem algumas imagens e datas; analise
Janeiro, ministrados, entre outros, por Paulo Sérgio Duarte, junto com eles que datas e imagens são essas e por que
Fernando Cocchiarale, João Magalhães, Elizabeth Jobim e aparecem em determinada região da obra.
João Carlos Goldberg. Arjan dedica-se às questões da “escra-
Pegue esta prancha e compare com a prancha da obra de
vidão, mais especificamente ao fenômeno dos navios negreiros,
Jaime Lauriano. Trace com os alunos comparações e dife-
a metáfora visual mais contundente da memória histórica da
renças entre as duas: o que esses mapas estão nos dizendo?
Middle Passage, a famigerada travessia do Atlântico, da África
Ocidental para as Américas” (Alfons Hug, texto curatorial Ao final, peça que eles façam seus próprios mapas. O
Ex-Africa). Suas pinturas nesta temática, com forte aspecto importante é que o formato seja livre e que levante não
cartográfico, sempre trazem mapas (América do Sul e África, somente aspectos geográficos do local escolhido. Que tal,
mapa-múndi), meridianos, esquemas de navegação, rosa- por exemplo, mapear os problemas da escola ou do bairro?
dos-ventos, polias de velas, plantas de navios negreiros,
O intuito desse exercício é extrapolarmos o conceito e o
caravelas, etc. – os elementos gráficos do vai-e-vem do
formato usual de mapa, mostrando que ele pode ser mais
tráfico negreiro. Arjan – aliás, Argentino Mauro Martins
diverso, amplo e crítico. Você pode usar como materiais
Manoel – é também autor de murais e igualmente trabalha
complementares os mapas feitos pela página do facebook
com outras imagens relacionadas à consciência negra, à
mapa é tudo, na qual existem diversas abordagens carto-
identidade étnica e aos refugiados.
gráficas para diversos assuntos e regiões. Os estudos dos
Para a 11ª Bienal do Mercosul, Arjan apresenta uma pintura Situacionistas, grupo de arquitetos que pensavam a cidade
mural executada in loco, nas paredes do Museu de Arte do a partir das pessoas e que, por exemplo, construíam mapas
Rio Grande do Sul, em referência ao seu tema recorrente, o a partir dos sentimentos e sensações sentidas ao andar
martírio do tráfico de escravos entre África e América do Sul. livremente pelas ruas, também é um bom material. Os
Mapas Astrais, que mostram a situação de algo de acordo
Um mapa (do termo latino mappa) é uma representação
com a localização dos astros no momento que este nascia
visual de uma região. Mapas são, geralmente, represen-
também pode ser interessante para pensarmos que não
tações bidimensionais de um espaço tridimensional. A
somente a Terra pode ser mapeada.
ciência da concepção e fabricação de mapas designa-se
cartografia. Por vezes, a cartografia se debruça sobre a
projeção de superfícies curvas sobre superfícies planas,
no processo chamado planificação. Os mapas são uma
expressão da necessidade humana de conhecer e repre-
sentar o seu espaço. Podemos dizer que essa obra de Arjan
Martins é um mapa?
http://www.premiopipa.com/pag/artistas/
Discuta com seus os alunos o significado de mapa. Pegue a arjan-martins/
imagem da obra e pergunte se eles reconhecem o local ao http://agentilcarioca.com.br/artista/
qual ela faz referência. Pegue um mapa mais formal dessa arjan-martins/
C ami l a S oat o
C ami l a S oat o
Bras í lia, 1 9 8 5 . V ive e trabalha em São Paulo.
Bacharel em Artes Plásticas pela Universidade de Brasília ou seja, de tentar se colocar dentro da imagem escolhida.
(UnB) e Mestre em Poéticas Contemporâneas pelo Programa A reflexão gira em torno de como cada um se vê e se
de Pós-Graduação em Arte (UnB) com a Dissertação Poética sente, posicionando seu próprio corpo em determinado
da fuleragem (2013). Em 2013, a artista foi a vencedora pelo contexto. Como os estudantes poderão se relacionar com
Voto Popular na categoria Exposição do Prêmio Investidor o acontecimento dessa imagem, construindo relações com
Profissional em Arte (PIPA), o qual apresenta sua produção a sua cidade, bairro ou país?
em associação à “tradição da pintura a óleo figurativa,
Através da pergunta “se eu estivesse nesta cena, como eu
envolta em uma usual seriedade, com temáticas relacio-
agiria?”, a ideia aqui é tornar o corpo agente poético de
nadas ao humor satírico que se apresenta em situações
transformação de uma determinada realidade encontrada,
esdrúxulas (fuleragem). São recortes de imagens que
considerando corpo enquanto potência desviante de poder
fragmentam e narram momentos bizarros”. Camila Soato
e das relações sociais.
desenvolve pesquisa voltada à apropriação de imagens
na internet, relacionadas a um cotidiano banal, e utiliza Pode-se também realizar o exercício de fazer selfies com
a pintura para explorar a conexão com as referências da celular – uma prática recorrente do processo criativo da
história da arte e a vida da artista em primeira pessoa. artista, Camila Soato, assim como a colagem – e utilizar
essas imagens como referência para a inserção de sua
Apresentando uma série inédita comissionada para a
imagem na colagem.
Bienal, suas pinturas recriam cenas de quadros históricos
com inserções do Brasil contemporâneo, colocando estas Para pensar em agenciamento e protagonismo, é impor-
figuras antagônicas e afastadas no tempo em situações tante lembrar que a artista está nesta Bienal trabalhando
cômicas, esdrúxulas. É notável como a artista aborda na comunidade quilombola Areal da Baronesa, em Porto
as urgências sociopolíticas brasileiras, passando por Alegre, mostrando esta experiência com a comunidade, os
questões de gênero, corrupção, feminismo e outros trabalhos que serão feitos com ela nesta residência, o que
assuntos latentes. traz protagonismo às quilombolas, enquanto criadoras das
obras e da mostra.
Camila Soato também está em residência artística no
Quilombo do Areal, em Porto Alegre, com trabalhos de
colaboradores da comunidade, resultado de oficina com
a artista, exibidos na sede da Associação Comunitária e
Cultural Quilombo do Areal. Exposição de Camila Soato 2017 – Caviar é uma ova!
http://www.zippergaleria.com.br/pt/
A técnica da colagem consiste em fazer – através de recortes exposicao/caviar-e-uma-ova/!#
de revistas, jornais, sucatas, tecidos, palavras, tintas – a
Camila Soato | Exposição na Zipper Galeria
composição de uma imagem. Este exercício propõe uma http://dasartes.com/agenda/
prática de colagem partindo da escolha de uma imagem camila-soato-zipper-galeria/
de jornal recente, podendo ser uma cena ou um retrato. Entrevista de Camila Soato para o Prêmio Pipa
Depois de escolhida a imagem do jornal, convide os estu- http://www.premiopipa.com/pag/
dantes a compor uma colagem com a ideia de transposição, camila-soato/
DA LT O N PA U L A
DA LT O N PA U L A
Bras í lia, 1 9 8 2 . V ive em Goi â nia , Brasil
Dalton Paula é Bacharel em Artes Visuais pela Universidade Os africanos escravizados no Brasil identificaram Cosme
Federal de Goiás, com uma produção que propõe refletir e Damião com os orixás Ibejis existentes em sua mito-
sobre o medo, a efemeridade, o individualismo e a alteri- logia. A palavra Igbeji significa “gêmeos” em iorubá. Igbeji
dade. Seu trabalho se manifesta em diversas linguagens, mostra que todas as coisas, em todas as circunstâncias,
como a fotografia, a performance, a pintura, os objetos têm dois lados, e que a justiça só pode ser feita se as duas
e os desenhos. medidas forem pesadas, se os dois lados forem ouvidos.
Aproveite essa definição e converse sobre sincretismo,
Apresentando cinco pinturas a óleos sobre tela, da série
multiculturalismo e intolerância religiosa com seus alunos.
Sinos e caprinos (2014), suas telas fazem referência a
Separe-os em grupos e peça que estudem uma deter-
elementos e símbolos de religiosidade de matriz afro-
minada entidade religiosa, seus correspondentes em
brasileira. Por exemplo, a pintura sem título (2014) traz as
outras religiões e as representações delas para depois
imagens femininas de Cosme e Damião, santos católicos
compartilhar com a turma.
irmãos gêmeos, incorporados por cultos afro-brasileiros,
em especial pela Umbanda, associados à entidade Ibeji
(a divindade gêmea da vida, protetora dos gêmeos e
amiga das crianças na mitologia iorubá). Em sistema
formal simétrico, cada figura tem por referência a Pietá
de Michelangelo, cada uma com um caprino andrógino
no colo. No centro da tela, há uma espécie de janela com
imagens retiradas de embalagens de leite de cabra. Tanto
as cabras dessa janela quanto as dos colos de Cosme e
Damião são negras em referência a uma certa demoni-
zação associada a esta cor.
Licenciado em Educação Artística, Mestre em Artes Plásticas As bandeiras são símbolos visuais que representam
pela Universidad del Cauca, onde também cursa o Mestrado diversas formas de organizações sociais – dos reinos e
em Artes Integradas e Ambiente, em Popayán, Colômbia. clãs para estados e países, mas também remetem à mani-
Segundo o artista, seu trabalho versa sobre um “pensa- festação pública e a ações de resistência civil. Na língua
mento crítico-ambiental integrado às tecnologias ancestrais, aymará, a palavra “Wiphala” é usada para designar uma
desde a autobiografia”. Na adolescência, foi interno em uma bandeira quadriculada de 7 cores, símbolo da ética que guia
instituição correcional juvenil e lá teve a preocupação, uma os povos indígenas desde os seus ancestrais. As bandeiras
“necessidade de [desenvolver uma] expressão”, para que lá não estão presentes no cotidiano das comunidades indígenas
voltasse, tornando-se um “artista marginal”, com interesse como expressões dos princípios de seus projetos de vida:
em poéticas ambientais e também para “entender a droga equidade, igualdade, harmonia, solidariedade e recipro-
e todas as manifestações de rua”. Desde 2012, atua também cidade. Para esses povos, as bandeiras simbolicamente
como curador e gestor de projetos, a exemplo do Salão constroem a memória e preservam a urgência do cuidar
Internacional de Arte Indígena Manuel Quintín Lame, do da Natureza e da recuperação da nossa Mãe Terra. Para
Colectivo 83, o Electrodoméstica e o Colectivo Mep. Edinson Quiñones, foi através da experiência de criação
da própria vida que ele adquiriu as habilidades para fazer
Sua pesquisa aborda questões do conflito colombiano
arte, autodenominando-se “um artista da vida”.
e da memória ancestral dos povos nativos, para tornar
visível a produção cultural indígena dos processos criativos Com os seus estudantes, busque fazer uma pesquisa sobre
e artísticos das comunidades vulneráveis. Seu trabalho movimentos de resistência de comunidades indígenas
permite uma visão única da folha de coca que vai da planta na sua cidade, estado, país e/ou continente. Como as
ancestral e sagrada a leituras de mídia relacionadas ao reivindicações desses movimentos transformam a forma
tráfico, a grupos organizados de máfias e à identidade de pensarmos a nossa sociedade? A partir da experiência
inevitável do nacional, não apenas como país produtor, de vida de cada estudante, pode-se produzir uma oficina
mas como gerador detonante de violência. de cartazes usando palavras, expressões, imagens e dese-
nhos. Ao final, podem fazer uma pequena intervenção,
Nesta 11ª Bienal do Mercosul, o artista apresenta o que
colando os cartazes na rua ou no muro da escola, por
ele denomina de “instalação performática”: Proyectos
exemplo. Observem: quais as vozes de desejo estamos
Banderas del Cauca Popayán Colombia, Proyecto itine-
devolvendo ao mundo?
rante y de construcción de memoria a partir del símbolo,
2012-2018, composta por cinco bandeiras: Bandera Nasa,
230cm x 400cm; Bandera yanacona,100cm x 150cm;
Bandera Misak,100cm x 150cm; Bandera wiphala,130cm
x 130cm; Bandera movimiento indígena del Cauca CRIC,
80cm x 138cm. Estas bandeiras trazem símbolos e cores http://www.arteyconexion.
com/directorio-de-artistas/
com significados ancestrais e das lutas indígenas e comu-
edinson-quinones-falla/
nitárias atuais.
https://www.youtube.com/
watch?v=P1GcGuyBUdg
E dward B urt y ns k y
E d ward B urt y ns k y
St. C atharines , C anadá, 1 95 5 . V ive em Toronto, Canadá.
Um dos mais respeitados artistas fotógrafos do Canadá. principal centro financeiro da Nigéria, com quase 8 milhões
Sua obra tem como principal preocupação a captura da de habitantes, sendo a segunda maior cidade da África.
brutal destruição da natureza pela incessante exploração Considerada a maior área metropolitana do continente
industrial. Ele busca registrar as paisagens remodeladas africano, a capital nigeriana abriga cerca de 21 milhões de
“pela ambição humana”, por meio de uma documentação pessoas, das quais muitas são refugiadas das guerras civis
fotográfica perversamente “bela” e, ao mesmo tempo, que assolam a região. Diariamente, mais de 250 grupos
“horripilante”. Para o artista, seu trabalho é “um segundo étnicos praticam ao redor de 500 línguas, representando o
olhar sobre o que chamamos de progresso”. paradoxal encontro entre passado e futuro de uma Nigéria
contemporânea. Apesar da forte presença de tradições
Desde o início da década de 1980, o artista tem participado de
islâmicas, católicas e protestantes, milhões de africanos
dezenas de exposições individuais e coletivas e atua também
continuam a exercer o animismo, através de sistemas
como palestrante sobre fotografia, focado nas mudanças
de crenças que identificam as formas na natureza como
globais ocasionadas pelas atividades humanas no meio
entidades não-humanas que têm uma essência espiritual.
ambiente. Tem publicado livros e realizado filmes, a partir
das pesquisas e viagens fotográficas. Entre as distinções, Historicamente, as relações estabelecidas pelas economias
em fevereiro deste ano, Burtynsky foi contemplado pelo The hegemônicas com o continente desde o mercantilismo
Photo London Master of Photography, premiação anual do The evidenciam o caráter predatório e o projeto de desarticu-
Photo London, em Londres, para o qual o artista terá uma lação local, que entre os séculos XVI e XIX foi marcado pela
exposição especial com imagens novas e raramente vistas, exploração do tráfico negreiro e do sistema escravagista.
incluindo uma prévia de seu novo trabalho, Antropoceno,
Observando a fotografia de Edward Burtynsky, pergunte
série que explora as complexidades da existência moderna
ao seus estudantes onde eles acham que fica este lugar.
e assuntos diversos, as vistas de minas australianas e cana-
Mesmo após as lutas pela independência, o continente
denses, os bunkers de petróleo e as serrarias na Nigéria, os
africano permanece com sérios problemas sociais básicos,
montes de sal na Índia e outras paisagens urbanas.
como alimentação, saúde, moradia e educação. Quais
Nesta Bienal do Mercosul, Burtynsky exibe uma megafoto semelhanças e diferenças podem ser traçadas com o Brasil
– captura digital em grande formato – integrante de uma e o continente americano?
série de fotografias aéreas realizadas na Nigéria, em 2016.
Retratando a cidade de Lagos (polo econômico da Nigéria),
Mushin Market Intersection mostra uma das áreas que
representam um polo beneficiário da expansão industrial
no país. Conforme a revista New Yorker (19-26 dez. 2016),
ao realizar estes trabalhos naquele país, o artista descreveu
a capital, Lagos, como uma “superprova da globalização”
(“hyper-crucible of globalism”).
Trata-se de um dos artistas contemporâneos mais reno- A presença do artista no projeto da 11ª Bienal do Mercosul “Navegar é preciso, viver não é preciso”, que por sua vez será
mados do Azerbaijão. É a partir de um ícone da herança encontra-se no contexto dos antecedentes do Triângulo celebrada nas palavras do poeta português Fernando Pessoa.
cultural muito antiga de seu país que Ahmed trabalha a Atlântico, este iniciado com os descobrimentos – a busca de Em seu poema, Pessoa afirma que deseja tomar para si o
sua obra, o Tapete do Azerbaijão, declarado pela UNESCO novos caminhos paras Índias, em alternativa à milenar Rota espírito desta frase, determinando assim o sentido de sua
como Patrimônio Cultural Oral e Intangível da Humanidade. da Seda, o então caro e tumultuado caminho entre Europa vida à criação: “viver não é necessário; o que é necessário é
O artista passou a expor com destaque a partir de 2006, na e Oriente, bloqueado pelos otomanos por volta de 1453. Por criar. Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só
exposição Caucasus, no National Center for Contemporary Art, conta disso, de Faig Ahmed temos a instalação 10(-35), de quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu
em Moscou. No ano seguinte, passou a integrar mostras em cerca de 15m de comprimento e 3m de altura, cujas franjas do corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo. Só quero torná-la
vários países: Alemanha, EUA, Inglaterra, França, China, Itália, tapete, sempre escondidas por debaixo das tramas principais, de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder
Holanda, Emirados Árabes Unidos e Austrália; entre elas, estiradas, agora tornam-se a parte central deste trabalho. como minha. Cada vez mais assim penso”. Na obra do artista
estão as Bienais de Veneza (2007 e 2013). Suas exposições Nesta instalação, bem como no fazer tradicional de tapete, Faig Ahmed, podemos pensar que as tramas construídas por
individuais começaram em 2012, destacando-se: East in Twist, o estiramento dos fios desempenha um papel importante: ele falam sobre os fios da própria vida, sobre a imprecisão
Leila Heller Gallery, Nova Iorque (2013); Source Code, Sapar se eles estão esticados de forma desigual no tear, isso leva de escolhas, medos, forças, inseguranças com que lidamos
Contemporary, Nova Iorque (2016); Faig Ahmed, Pennsylvania a um processo de deformação inevitável e irreparável do todos os dias.
College of Art & Design, Lancaster, EUA, e Equation, Textile tapete. O título do trabalho tem a ver com os cálculos do
A partir das questões apresentadas, os estudantes podem
Museum / Textilmuseet, Borås, Suécia (2017). comprimento da prancha [o menor tamanho possível igual
realizar uma pesquisa com seus amigos e familiares sobre
a 1.616229 (38) × 10-35 metros calculado usando três cons-
As esculturas de Faig Ahmed incorporam técnicas antigas de suas histórias de vida, analisando situações onde foi neces-
tantes fundamentais]. De acordo com Ahmed, esta instalação
tecelagem, em formas as quais, conforme o site Artsy, pode- sário ter ousadia para arriscar e empreender novos caminhos.
“concentra o poder humano e a energia de todos os envolvidos
riam ser consideradas “surreais”, perfeitamente identificadas A coleta dessas histórias poderá ajudar os estudantes a
na sua formação”.
como “hipercontemporâneas”. Seus tecidos intrincados são pensar quais sonhos desejam realizar, e como os erros e os
montados em estruturas fabricadas em madeira ou plás- No século I a.C., o Império Romano vivia em pleno processo de desvios não planejados são importantes para revelar novas
tico. Às vezes, o contraste entre a forma branca (fios) e a expansão econômica e territorial. A necessidade de desbravar descobertas.
tapeçaria tradicional é surpreendente o suficiente como tal os mares tornou-se um elemento fundamental para o forta-
em efeito plástico; outras vezes, o artista altera os padrões lecimento de um império com dimensões gigantescas, que já
para sugerir uma manipulação digital, como a pixelação ou na época sofria com crises de abastecimento e necessitava
distorções incríveis. Para Ahmed Faig, seus tapetes, bordados que alimentos fossem transportados das províncias para a
e instalações resultam da “interação” com as pesquisas que cidade de Roma. Naquele tempo, muitos eram os riscos de
faz sobre os processos têxteis das “antigas tradições, cultos navegação, em virtude dos ataques sofridos em alto-mar e
e culturas”, que tanto o fascinam, já que os tapetes estão das limitações de recursos tecnológicos. Foi vivendo nessas
entre os objetos que a humanidade fabrica há mais tempo, circunstâncias que o general romano Pompeu, encarregado
até os dias de hoje. Outro interesse do artista são os padrões da missão de encorajar os marinheiros receosos em realizar a
e os ornamentos dos tapetes, que são similares e ao mesmo travessia por mar, teria criado a expressão “Navigare necesse,
tempo diferentes em outras culturas. São para Ahmed como vivere non est necesse”, conforme descreveu Plutarco em
“palavras e frases que podem ser lidas e traduzidas para um sua obra Vida de Pompeu. Séculos depois, o poeta italiano
idioma que entendemos”. Petrarca transforma a gloriosa expressão de Pompeu para
http ://www.faigahmed.com
F ran k T hie l
F ran k T hie l
Kleinmachnow, A lemanha , 1 9 6 6 . Vive em B erlim, Alemanha.
Nascido na pequenina Kleinmachnow, na antiga Alemanha realizar-se o décimo quinto aniversário de uma mulher, Ainda hoje, as mulheres tendem a fazer mais tarefas de casa
Oriental (Socialista). Mudou-se para Berlim Ocidental em uma linda festa de comemoração é oferecida para que ela do que os homens — elas cozinham e limpam a casa. Mas
1985, um pouco antes da queda do Muro de Berlim, e lá seja apresentada oficialmente à sociedade pelo seu pai, por que é assim? Será que elas nascem com um gene a mais
estudou fotografia, entre 1987 e 1989. Sua obra fotográfica começando assim uma nova fase de sua vida. para cozinhar ou será que, ao longo do tempo, elas foram
é marcada pelo registro das transformações da paisagem condicionadas a entender que seu papel é cozinhar? Cheguei
Segundo a tradição, a partir do seu “début”, a jovem moça
social e política da cidade de Berlim pós-muro. A partir a pensar que talvez as mulheres de fato houvessem nascido
passava a frequentar reuniões sociais, a usar roupas mais
de 1992, começou a expor individualmente em Berlim, com o tal gene, mas aí lembrei que os cozinheiros mais famosos
adultas e tinha permissão para namorar. Normalmente,
passando a mostrar seu trabalho em importantes institui- do mundo — que recebem o título pomposo de ‘chef’ — são,
na recepção dos convidados, a garota usava um vestido
ções pelo mundo. em sua maioria, homens”.
bonito e simples, cheio de detalhes infantis, e depois da
Além das características do trabalho que o tornaram conhe- meia-noite usava um lindo vestido de gala para dançar a A partir das questões apresentadas, quais são as práticas
cido, a documentação das transformações da Berlim reuni- valsa com seu pai – tudo para representar que ela deixava e códigos de conduta que ainda diferenciam socialmente
ficada e seus desdobramentos, sua prática se expandiu de ser menina para se tornar uma mulher. homens e mulheres em nossa sociedade? Podemos falar
para outros ambientes e paisagens, como Nowhere is a das mulheres como universais, desconsiderando as dife-
Simone de Beauvoir, filósofa existencialista e feminista
Place, sua série sobre os gigantes glaciares da Patagônia, renças identitárias existentes? Sabemos que essas dife-
francesa, desenvolve, em seu livro O Segundo Sexo, teorias
Argentina. Na ampliação de seus horizontes, encontra-se renças identitárias, além do gênero, variam também em
sobre o feminismo a partir da ideia da mulher como o
também esta nova série da qual Thiel apresenta cinco relação ao nosso território. Uma proposta de atividade
Outro que se apresenta na célebre frase: “Ninguém nasce
obras na 11ª Bienal do Mercosul: 15 [Quince], originalmente para realizar com os estudantes é a criação da modelagem
mulher, torna-se mulher”.
apresentada em princípios de 2018, na Sean Kelly Gallery, de uma vestimenta com os materiais que estejam disponí-
em Nova Iorque. Estas fotografias são fruto de dois anos A autora nos apresenta esta afirmação de que a feminili- veis: tecido, papel, plástico, saco de lixo etc. Eles poderão
de trabalho, em quinze locais de Havana, Cuba, onde dade é um código de conduta – logo não é algo imanente, também desenhar croquis para uma coleção. Pergunte aos
o artista se pôs a pesquisar e a fotografar debutantes sendo muito mais uma construção social que um possível seus estudantes como é a experiência de gênero para cada
cubanas (quinceañeras) nascidas na primeira geração determinismo biológico. As ideias de submissão feminina, um deles. Percebam como é importante o reconhecimento
do milênio, em 2000, cujas famílias mantêm a tradição da escolha de uma cor que represente o feminino, de uma de que partimos sempre de lugares diferentes e que essas
deste rito de passagem, quase omnipresente nas culturas roupa apropriada para o seu sexo ou mesmo da potenciali- trajetórias precisam estar em evidência. O professor pode
latino-americanas. Porém, para suas fotografias, o artista dade “inerente” das mulheres para os afazeres domésticos sugerir que os alunos escrevam palavras de afirmação e
re-contextualiza o assunto ao evitar cenários glamourosos são percepções fundamentadas pela tradição, e não pelo expressões de reivindicação nesta vestimenta. Quais são
ou preparados, em que são frequentemente retratadas as código genético. os nossos desejos de visibilidade? É possível atualizar esse
quinceañeras, e fotografa-as em seus próprios bairros, em rito de passagem com as nossas urgências sociopolíticas?
Em seu livro Sejamos todas feministas, a escritora e femi-
locais e configurações atípicos para o registro tradicional
nista nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie nos apresenta
da passagem aos 15 anos de idade.
o problema da questão de gênero através do dilema das
Sobre a série:
No Brasil, a palavra debutante é usada para designar a expectativas, no qual não somos verdadeiramente livres http://www.skny.com/exhibitions/
adolescente que completa seus quinze anos de idade. Do para ser quem somos. A autora nos diz que “meninos e frank-thiel6?view=slider#3
francês débutante, que significa iniciante ou estreante, é um meninas são inegavelmente diferentes em termos biológicos,
https://www.thecut.com/2018/02/a-german
rito de passagem ao qual jovens são submetidas quando mas a socialização exagera essas diferenças. E isso implica a -photographers-meditation-on-havanas-
as mesmas completam quinze anos. Tradicionalmente, ao autorrealização de cada um. O ato de cozinhar, por exemplo. quinceaeras.html
Ge o r g e Os o di
Ge o r g e Os o di
L agos, N igéria, 1 974 . V ive em L agos.
Premiado fotógrafo cujo trabalho transita entre o docu- Lançado recentemente nos cinemas, o filme Pantera Negra
mentário artístico e o de imprensa, George Osodi emprega leva para as telas a história em quadrinhos com o protago-
as tradições do fotojornalismo para transmitir narrativas nismo do primeiro super-herói negro; poucos heróis negros
complexas sobre seu país natal. foram criados antes dele, e nenhum com superpoderes.
Estes incluíram os personagens da revista All-Negro Comics
Com um recorte de oito fotografias da série Nigerian
#1 (1947), que durou apenas uma edição; Waku, prince of
Monarchs, o artista apresenta os monarcas nigerianos
the Bantu, que estrelou em 1954 sua própria série na revista
do interior do país, retratados entre 2012 e 2015, foto-
Jungle Tales da Atlas, antecessora da Marvel. O personagem
grafando majestades locais em seus palácios. Tais retratos
de faroeste Lobo foi o primeiro negro a estrelar sua própria
buscam destacar o legado cultural dos diversos reinos
revista em quadrinhos.
nigerianos, de forma a registrar a relação das realezas
com as histórias locais. O criador do quadrinho Pantera Negra, Stan Lee, contou que
o nome foi inspirado por um herói de aventura que tinha
Para a BBC, as obras de “George Osodi dão um vislumbre
uma pantera negra como um ajudante. Muitas pessoas
raro dos muitos monarcas regionais da Nigéria e mostram
entenderam o nome como uma referência ao movimento
que eles não perderam sua pompa e grandeza, apesar de
negro estadunidense da época, que tinha a pantera negra
não terem poderes constitucionais”. Essa complexidade
como símbolo – um forte animal que só ataca para se
de poder e diversidade étnica é vista pelo artista em sua
defender. O Partido dos Panteras Negras surge no mesmo Sobre a série:
própria perspectiva como nigeriano, sobre a qual afirma:
ano que o quadrinho. A propósito, que partido foi este? https://georgeosodi.photoshelter.com/
“Eu sinto que já é o momento de nós vermos essa diversidade
O Partido dos Panteras Negras (em inglês, Black Panther portfolio/G0000X9MCoZDi.bE
do país como um ponto de unidade da Nigéria, em vez de
Party ou BPP), originalmente denominado Partido Pantera https://georgeosodi.photoshelter.
algo que nos divida”.
Negra para Auto-defesa (em inglês, Black Panther Party for com/gallery/NIGERIAN-MONARCHS/
Aqualtune é, segundo a tradição, a mãe de Ganga Zumba e Self-Defense) foi uma organização socialista revolucionária G0000X9MCoZDi.bE/
avó materna de Zumbi dos Palmares. Ela seria uma princesa fundada por Bobby Seale e Huey Newton em outubro de http://www.bbc.com/ne ws/
africana, filha do rei do Congo. Aqualtune liderou, uma força 1966. O partido atuou nos Estados Unidos de 1966 a 1982, world-africa-24492437
de dez mil homens na Batalha de Mbwila, entre o Reino do mas logo se internacionalizou, sendo influência para vários http://www.aljazeera.com/programmes/
Congo e Portugal, e foi capturada com a derrota congolesa. movimentos e líderes sociais pelo mundo. O BPP foi a organi- rewind/2016/ 10/george-osodi-kings-nige-
Foi então aprisionada e trazida para o Brasil, mas especifica- zação de movimento negro mais influente do final da década ria-boko-haram-161031065813005.html
mente para a então cidade do Recife, vendida como escrava de 1960 e a ligação mais forte entre a luta doméstica de https://www.artsy.net/show/
reprodutora. Ao ficar grávida, foi vendida para o engenho libertação negra e opositores globais do imperialismo para tafeta-george -osodi-royalty
de Porto Calvo, onde tomou conhecimento do Quilombo o continente americano. O educador poderá aprofundar a https://www.ne warkmuseum.org/
dos Palmares e continuou sua saga pela liberdade. E se pesquisa e contar mais sobre este movimento e sua repre- royals-regalia-inside-palaces-nige-
fizéssemos o exercício de inverter o olhar sobre a história sentatividade dentro do movimento Negro para os seus ria%E2%80%99s-monarchs
da escravidão, a partir do olhar de Aqualtune? Quem são estudantes a fim de ajudá-los na criação de personagens, Sugestão de filme: Njinga, Rainha de Angola – Filme
as nossas representatividades negras? Quem são as nossas heróis ou anti-heróis. Através do desenho em quadrinhos, Sugestão de música: Zumbi, de Jorge Ben Jor.
princesas, reis e rainhas negros e negras? eles poderão recriar os acontecimentos históricos e atuais, https://www.youtube.com/
contando essas narrativas desde outras representatividades. watch?time_continue=116&v=qFoOgKONIHY
G U S TAVO VO N H A
G U S TAVO VO N H A
Presidente P rudente- S P, B rasil , 1977. Vive e trabalha em São Paulo, B rasil .
Gustavo von Ha tem formação em Comunicação e Peça para seus estudantes buscarem informações sobre
Multimídia e começou a dedicar-se à arte contempo- suas famílias: quem foram seus avós e bisavós, até o mais
rânea em 2000, com participações em coletivas no longe que conseguirem ir na árvore genealógica. De onde
Brasil e exterior. Seus trabalhos têm um ponto chave, vieram, como vieram e o que fizeram quando chegaram
que é a ficção como recurso para criar novas verdades, aqui? Se tiverem documentos que comprovem essas
mundos e contextos. informações ou objetos que pertenceram a esses familiares
que puderem ser levados à sala de aula ou descritos nela,
VLNGO apresenta uma série de trabalhos de caráter arqueo-
peça que o façam. Solicitem que montem esse relicário em
lógico ficcionais que mexem com a vergonhosa história que
sala de aula e contem a história da sua família a partir dele.
se quer esquecida – a escravidão negra no Brasil. Esta obra
nasceu a partir de uma “escavação arqueológica” instintiva Provavelmente haverá aqueles que não terão essas infor-
do artista, no sobrado do Espaço Saracura, próximo ao mações ou objetos. Há grandes chances desses estudantes
Cais do Valongo, Rio de Janeiro. Conforme descreveu a serem descendentes de escravizados, visto que estes eram
curadora Ana Avelar, von Ha “golpeou a parede, que, muito destituídos de documentação ao serem retirados de África
fragilizada, revelou as entranhas do edifício. Lá foram e separados de seus familiares ao chegarem no Brasil,
desvelando-se fragmentos de objetos variados, de vasos perdendo assim seus vínculos identitários. Peça para que
Maragogipe à azulejaria, de tigelas zoomórficas a objetos aqueles que não possuam documentos e/ou objetos que
ritualísticos”. O artista, assim, “restaurou” alguns destes os inventem e recriem a história da sua família para a
objetos e também criou outros, fictícios, para apresentá-los turma. É importante que não se saiba quem está contando
de forma a questionar o que seria de fato a realidade a história real e quem está contando a história inventada.
brasileira. A obra apresenta uma vitrine com gavetas para
Discuta com eles ao final da atividade a diversidade
apresentar estas peças misturadas e outros elementos, a
cultural do país e os mitos criados sobre isso. Conforme
exemplo de livros produzidos pelo artista, um livro (Viagem
os assuntos forem surgindo, fale de memória social, escra-
Pitoresca e Histórica ao Brasil, J. B. Debret, 1940), artefatos
vidão, migração e imigração e de miscigenação com eles.
indígenas e peças de cultura europeia: um mix arqueológico
do processo de colonização do Brasil. Na parede, “objetos
ritualísticos” de matriz africana.
Após uma breve carreira como atleta profissional, Igor O educador poderá propor que os estudantes se dividam
passou a investigar artisticamente as relações entre o em pequenos grupos ou duplas para compor uma letra
corpo e os aspectos sociais e históricos. Yuri Firmeza, de rap. A partir da pesquisa de palavras de etimologias
Mestre em Poéticas Visuais pela Escola de Comunicação e tupi-guarani que estão presentes na língua portuguesa,
Artes da USP e Graduado em Artes Visuais pela Faculdade os estudantes poderão pensar sobre as várias influências
Grande Fortaleza (2005), é atualmente professor no Curso que as línguas indígenas, africanas e europeias construíram
de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do sobre o português que falamos no Brasil hoje. O idioma
Ceará, Fortaleza. foi uma ferramenta amplamente usada nos processos de
colonização dos novos territórios para o Império Português.
Na 11ª Bienal do Mercosul, os artistas apresentam um
Apesar de não ter sido a língua primária dessas regiões
trabalho em conjunto, Bro MC’s – Humildade, 2017, comis-
colonizadas, atualmente é a língua oficial em 9 países
sionados através do projeto Jogos do Sul, com curadoria de
localizados em quatro continentes diferentes. O conjunto
Alfons Hug e co-curadoria de Paula Borghi, em ocasião das
de países lusófonos diz respeito à comunidade formada
Olimpíadas de 2016 com o apoio do Instituto Goethe Rio.
por todos os povos e nações que compartilham a língua
Trata-se de um vídeo de quase 6 minutos sobre o primeiro
e cultura portuguesas. São eles: Portugal, Guiné-Bissau,
grupo de rap formado por indígenas no Brasil, o Brô MC’s,
Angola, Cabo Verde, Brasil, Moçambique, Timor Leste, São
busca com as suas rimas amplificar suas músicas, que
Tomé e Príncipe e Guiné Equatorial.
mesclam as línguas portuguesa e guarani, divulgadas
por meio das redes sociais de modo a buscar aproximar Como podemos criar um campo de pesquisa para a
os não-índios aos assuntos que dizem respeito às lutas, produção das letras em rap que abordem essa plurali-
anseios, conquistas e vitórias dos povos indígenas brasi- dade? Os estudantes poderão pesquisar sobre as culturas
leiros. Os integrantes do Brô MC’s, Bruno Veron, Kelvin dos países lusófonos para a construção de suas rimas,
Peixoto, Clemersom Batista e Charlie Peixoto, vivem na perguntando o que para eles significa essa cultura em
Aldeia Jaguapirú Bororó, em Dourados, Mato Grosso do Sul. comum. Investigar a origem das palavras que falamos no
cotidiano é fundamental para pensar sobre o que podemos
A partir das impressões do vídeo, conversar sobre o
celebrar da memória que nos une à nossa Língua-mãe. As
Brô MC’s, primeiro grupo de rap formado por indígenas
músicas poderão conter dados biográficos dos estudantes,
no Brasil. O rap, neologismo popular para rhythm and
assim como recuperar narrativas e mitologias indígenas,
poetry (ritmo e poesia), em inglês, também conhecido
africanas e portuguesas. É possível estabelecer uma cor
como “emceeing”, é um discurso rítmico que surgiu no final
para a lusofonia?
do século XX entre as comunidades negras dos Estados
Unidos. É um dos pilares fundamentais da cultura hip-hop.
Pode ser interpretado a capella bem como com um som
musical de fundo, chamado beatbox. Os cantores de rap
Link do Vídeo:
são conhecidos como rappers ou MCs, abreviatura para
https://vimeo.com/ 199698276
mestre de cerimônias.
Ver e ouvir o trabalho através do link:
https://vimeo.com/ 199698276
I R I S B U C H H OLZ C H O C OL AT E
I R I S B U C H H OLZ C H O C OL AT E
A lemanha , 1 974 . V ive e trabalha em Luanda , Angola .
Licenciada em Communication-Design studies, na Merz- outros desenhos que se referem ao paisagismo europeu
Akademie, em Stuttgart, Alemanha (1993-1998). Entre 1999 e dos séculos passados; e o fato da própria artista alemã,
2005, trabalhou como Assistente Artística e na Coordenação cujos antepassados foram imigrantes na Guatemala, atual-
do Camouflage Brussels – the European satellite of the Center mente morar em Angola. Este trabalho de Iris nos mostra
of Contemporary Art of Africa, Bélgica. Também trabalhou que, por mais traumático que seja o encontro colonial, a
como produtora executiva de exposições e na coordenação fusão de culturas sempre carrega potencialidades criativas.
de uma coleção de arte contemporânea africana. Após É praticamente um resumo do conceito curatorial desta
transferir-se para Luanda, concentrou-se em seu trabalho 11ª Bienal, que pretende explorar as relações de tensão
artístico. O trabalho de Chocolate disseca e interroga as cultural e interdependência contextual dentro deste triân-
noções de percepção e memória, o que é pensado entre gulo formado por América, África e Europa.
os cânones da história, com as suas narrativas lineares, e
Pensando o Brasil, como a colonização europeia juntamente
o arquivo da memória coletiva.
à resistência negra e indígena se somam? Peça para os estu-
Na 11ª Bienal do Mercosul, a artista apresenta duas obras dantes buscarem essa resposta em suas famílias: quais os
que integraram a mostra de 2016, A Sul. O Sombreiro: Manto pontos de contato entre a sua história familiar e a história
imperial e luvas com missangas. O projeto foi inicialmente desse triângulo? Pesquise nacionalidades que se juntaram,
inspirado pelo romance A Sul. O Sombreiro (2011), escrito etnias que se misturaram, migrações que aconteceram,
pelo angolano Pepetela (Artur Carlos Maurício Pestana dos disputas nas quais se inseriram. Descubra de onde vêm
Santos), cuja história se passa na Angola dos séculos XVI as tradições da sua família. Peçam que compartilhem uns
e XVII, no início do período do domínio colonial. O design com os outros essas histórias e juntos tracem a diversidade
do manto imperial refere-se a uma lenda da etnia Chokwe brasileira que surge dessas relações com o Atlântico.
(Angola, Congo, Zâmbia), a qual diz porque o homem é
mortal. As penas das bordas do manto se referem à parte
latino-americana da família da artista, na Guatemala.
O esquema de cores das penas é baseado no famoso
toucado de pena de Moctezuma II (monarca azteca),
cujo original se encontra no Weltmuseum Wien, em Viena,
Áustria. O governo mexicano pediu o retorno do objeto,
devido ao enorme valor cultural para o povo mexicano,
mas jamais foi atendido.
Graduado pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo Faça uma leitura conjunta dessa imagem com seus estu-
(2010), entre 2013-14, cursou o Programa Independente da dantes; identifique nas palavras e símbolos contidos na
Escola São Paulo (PIESP). Com trabalhos marcados por um obra de Jaime suas relações com as disputas territoriais
exercício de síntese entre o conteúdo de suas pesquisas e brasileiras mencionadas no texto. Organize um seminário:
estratégias de formalização, Jaime Lauriano nos convoca a separe a turma em grupos e distribua entre eles os conflitos
examinar as estruturas de poder contidas na produção da mencionados.
História. Em peças audiovisuais, objetos e textos críticos,
Acrescente “Ocupação” às palavras presentes na obra,
o artista evidencia como as violentas relações mantidas
que significa ato de apoderar-se de algo ou preencher
entre instituições de poder e controle do Estado – como
determinado espaço. Peça que eles tracem um mapa das
polícias, presídios, embaixadas, fronteiras – e sujeitos
ocupações que conhecem, e, caso não conheçam nenhuma,
moldam os processos de subjetivação da sociedade. Assim,
que pesquisem as que existem nas proximidades.
sua produção busca trazer à superfície traumas históricos
relegados ao passado, aos arquivos confinados, em uma Aproveite para falar também da questão territorial quilom-
proposta de revisão e reelaboração coletiva da História. bola hoje. As comunidades quilombolas são grupos étnicos
– predominantemente constituídos pela população negra
Invasão, 2017, traz um mapa do Brasil feito com traços
e indígena rural ou urbana – que se autodefinem a partir
brancos sobre um tecido vermelho, em alusão à bandeira
das relações específicas com a terra, o parentesco, o terri-
dos movimentos sem-terra. Neste mapa, a relação entre o
tório, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais
uso da força pelo estado e o procedimento da ocupação
próprias. Estima-se que em todo o País existam mais de
territorial no Brasil está exposta a partir das referências
três mil comunidades quilombolas, mais de 130 só no Rio
a diversos momentos em que as disputas por terra acen-
Grande do Sul. As terras ocupadas por remanescentes das
tuaram a desigualdade social, tais como: a colonização
comunidades dos quilombos são aquelas utilizadas para
escravocrata portuguesa; o desmatamento da floresta pela
a garantia de sua continuidade física, social, econômica e
construção da transamazônica; a edificação de hidrelé-
cultural, e a sua garantia é parte de uma reparação histórica!
tricas gigantes em terras indígenas; a reintegração de
Nesta Bienal, além das residências feitas por Jaime, temos
posse de terrenos anteriormente ociosos que foram
a residência da artista Camila Soato no Areal da Baronesa.
ocupados por população sem-teto; as remoções à força
O Areal e a Família Silva são quilombos urbanos de Porto
de população de baixa renda para obras de infraestrutura
Alegre, bem diferentes de Vó Elvira. Converse com seus
exclusiva para a Olímpiada; etc.
alunos sobre as diferenças entre comunidades quilombolas
Concomitante à Bienal do Mercosul, Jaime Lauriano urbanas e rurais, e como as questões territoriais diferem
fará duas residências artísticas, na comunidade quilom- também nesses dois contextos.
bola rural Vó Elvira, em Monte Bonito, 9º Distrito do
Município de Pelotas; e no Quilombo Família Silva, o
primeiro quilombo urbano do país, localizado no bairro
Três Figueiras, em Porto Alegre. http://pt.jaimelauriano.com
http://pt.jaimelauriano.com/america
Le o nce R aphae l Ag b o dje lo u
Le o nce R aphae l Ag b o dje lo u
Porto N ovo, B enim, 1 9 6 5 . V ive no B enim .
Proeminente fotógrafo do Benim, país da costa atlântica Marcado historicamente como a “Costa dos Escravos”, o acontecimentos do passado desde o ponto de vista das
africana. Sua formação vem de família, pois foi instruído litoral do Benin, junto com as costas litorâneas dos atuais resistências. Como dar visibilidade a essas histórias é um
em fotografia no estúdio de seu pai, o renomado fotógrafo países Togo e Nigéria, tornaram-se os mais importantes processo fundamental para pensarmos nossa sociedade
Joseph Moise Agbodjelou (1912-2000). centros de exportação do comércio atlântico de escravos contemporânea? Em qual prática de direitos e deveres
do início do século XVI ao século XIX. Através do modelo cidadãos acreditamos para a construção de um futuro de
Sua obra aborda assuntos como a tradição, as diferenças
de comércio triangular, estabeleceu-se uma rota de rela- igualdade e justiça social?
entre as gerações e como esses temas se relacionam com o
ções de exportação e importação, centrado na produção
progresso social contemporâneo. Nesta Bienal do Mercosul,
de culturas de commodities. Membros de povos da África
Agbodjelou apresenta uma continuidade do projeto Citizens
Ocidental eram vendidos por outros africanos para os
of Porto-Novo (Cidadãos da Cidade de Porto Novo, capital
comerciantes de escravos ou capturados diretamente
do Benim), com trabalhos da mostra Code Noir (2015). Este
pelos povos colonizadores. Da Europa, manufaturas têxteis
título refere-se a um decreto colonial francês de 1685, o
e destilados como rum serviam de moeda de troca na
“Código negro”, que serviu como guia para o gerencia-
África, que fornecia a mão-de-obra escrava para a América
mento da escravidão africana, o qual previa a extrema
a serviço da produção de açúcar, tabaco, algodão e depois
disciplina aos cativos e os tipos de punições corporais aos
minério, que alimentavam a Europa na época.
desobedientes.
Em 1995, foi inaugurado pela Unesco um memorial em
As fotografias, tomadas com máquina de filme em médio
reverência aos milhões de deportados para as colônias
formato, em locais de iluminação natural, apresentam-se
do Atlântico em Ajudá, no Benin. O memorial diz respeito
em trípticos que mostram no centro moradores segurando
à jornada que ficou conhecida como Rota do Escravo,
fotografias antigas, em P&B, de seus antepassados; em cada
simbolizando os locais de martírio por onde passavam os
lado, fotografias próximas dos locais. Estas pessoas foram
cativos até a Porta do Não-Retorno, onde eram embarcados
cuidadosamente selecionadas, em lugares em torno da
nos navios negreiros. No trajeto do mercado ao porto, um
capital do Benim: “instantâneos de um passado esquecido”,
dos pontos de parada era a “Árvore do Esquecimento”, na
como “um vislumbre de Porto Novo, num tratamento sensível
qual eram obrigados a dar voltas para esquecerem de seus
e perspicaz de seus cidadãos e de suas histórias complexas”
nomes, famílias, terras, histórias e origens. A cada volta
(Jack Bell Gallery, Londres, 2015).
ao redor da “árvore mágica”, homens e mulheres viviam a
Sede de um dos grandes reinos africanos medievais, Benim morte de suas memórias e identidade.
era conhecido pelo nome de Daomé. A partir de 1472,
Em sua obra, podemos dizer que Leone R. Agbodjelou cons-
foram estabelecidos postos comerciais ao longo de sua
trói novos monumentos históricos a partir da fotografia.
costa, como a feitoria de Ajudá, construída pela ocupação
Através de narrativas familiares, identificando ancestrais
portuguesa. No final do século XIX, os franceses assinaram
e tradições, busca recuperar uma memória coletiva para
tratados com os chefes locais estabelecendo a colônia do
os tempos atuais.
Daomé Francês de 1892 a 1960, quando as lutas pela inde-
pendência declararam a liberdade da República do Daomé, Com os seus estudantes, converse sobre a importância
mudando seu nome para Benim em 1975. de pesquisar, preservar e perpetuar a memória de https://www.jackbellgallery.com/
exhibitions/46/overview/
Lunara
Lunara
Porto A legre , B rasil , 1 8 6 4 -1 937.
Lunara, pseudônimo de Luiz do Nascimento Ramos, foi Para a Bienal do Mercosul, Lunara é o único artista histó- vida burguesa. Diferente de fotógrafos documentais e
um fotógrafo e cronista atuante entre fins do séc. XIX e rico incluído, com produção realizada entre o final do profissionais, Lunara cria imagens que representam a sua
princípios do séc. XX, que produziu imagens do cotidiano séc. XIX a princípios do séc. XX. Sua participação, com vinte correspondência com o presente.
urbano e rural da capital gaúcha e cidades próximas, fotografias do acervo do Museu de Comunicação Social
Ao propor uma pesquisa com seus estudantes sobre as
conforme o Dicionário de Artes Plásticas do Rio Grande do Sul Hipólito José da Costa, se dá pelo caráter antropológico de
principais manchetes dos jornais de sua cidade, conversem
(Presser & Rosa, 1997). Redescoberto a partir de pesquisas suas paisagens e personagens da cidade pós-abolicionismo.
sobre o que permanece invisível no cotidiano da imprensa
da fotógrafa Eneida Serrano iniciadas em 1976, seus regis- Seus registros plasmaram a paupérrima população negra
comum. Depois, podem buscar por movimentos e grupos
tros fotográficos mais importantes encontram-se hoje em sul-rio-grandense, recém-liberta da escravidão, que vivia
de mídia alternativa, percebendo as semelhanças e dife-
álbum preservado pelo Museu de Comunicação Hipólito em casas de adobe e pau-a-pique, os gaúchos do interior
renças de abordagem e disseminação dos aconteci-
José da Costa, Vistas de Porto Alegre – Photographias Artísticas, do estado (luso-brasileiros, mestiços, etc.) que aqui vinham
mentos. Pergunte aos seus estudantes se eles gostariam
editado por Krahe & Cia, possivelmente na segunda metade trazer o gado e trocar mercadorias, trabalhadores rurais
de produzir pautas jornalísticas sobre histórias e situações
da década de 1900, com 20 fotografias originais assinadas. locais, e inclusive comunidades de imigrantes estrangeiros,
que não estão contempladas nos grandes periódicos.
em especial os de ascendência germânica, em sua segunda
O site UFRGS Ciência, em 2016, dedicou um completo Através deste exercício, podem desenvolver matérias
geração no Rio Grande do Sul.
balanço sobre o resgate do fotógrafo e sua importância: escritas, fotografias, vídeos, canais na internet ou mesmo
Fotografia e arte: Porto Alegre sob a ótica de Lunara. Consta Entre todos os países da América, o Brasil foi a remanes- um pequeno impresso que poderá ser distribuído, por
que Lunara era um comerciante bem-sucedido cuja foto- cente monarquia vigente e também o último a realizar a exemplo, na escola e no seu bairro.
grafia exercia para si; não prestava serviços, portanto era abolição da escravatura, em 1888. A liberdade concedida
uma espécie de passatempo. Sendo assim, suas imagens à população escravizada através da Lei Áurea foi resul-
revelam o seu gosto, a sua visão e os seus interesses dos tado de séculos de lutas de resistência acompanhadas
assuntos do dia a dia registrados. Ele esteve muito bem inte- das crescentes pressões político-econômicas da época. O
grado à vida social e cultural da capital gaúcha, reconhecido benefício de enfim gozar como homens e mulheres livres foi
em sua época, portanto, como cidadão destacado, desde assombrado pela falta de um projeto de inclusão social, o
pelo menos a década de 1880, quando integrou a comissão que marginalizou essa população ao estigma da escravidão
editorial do Jornal O Athleta (1883-1889). Integrou também em uma sociedade capitalista e competitiva.
o primeiro fotoclube da cidade: o Photo Club Helios, criado
As fotografias de Lunara sobre o cotidiano dos negros
em 1907. Conforme pesquisas de Denise Stumvoll, fotos de
que viviam em Porto Alegre na virada do último século
Lunara constaram na Revista Kodak, no periódico francês
ocupavam uma voz de oposição entre os jornais de seu
La Revue Photographie (1922), e “outras [fotos] ganharam
tempo. Em suas imagens, a evidência das condições precá-
prêmios fotográficos internacionais”. Ainda conforme o site
rias de vida da população negra confrontava as dissemi-
da UFRGS, Lunara também havia trocado influências com
nadas narrativas que associavam a mesma população ao
artistas da época. “Um exemplo é o pintor Pedro Weingärtner
estereótipo de “vagabundos” e “perigosos”. Suas imagens
(1853 – 1929), uma das referências em arte no Sul do país.
foram capazes de gerar linhas de fuga na tensão entre
Ele era amigo do fotógrafo; os dois compactuavam interesses
o que se pretendia invisibilizar e o que havia de espaço
sociais e culturais e diversas vezes trabalharam juntos: Pedro http://www.ufrgs.br/secom/ciencia/foto-
de visibilidade. A cidade de Porto Alegre da época era
pintando, e Lunara complementando com fotos”. grafia-e-arte-porto-alegre-sob-a-otica-
comumente retratada por suas paisagens e retratos da
de -lunara/
M ame - D iarra N ian g
M ame - D iarra N ian g
Lyon , F rança, 1 9 8 2 . V ive em Paris.
Fotógrafa autodidata, foi criada entre a Costa do Marfim, As cidades se erguem a partir do nada, se expandem, se
o Senegal e a França. Sua pesquisa se volta para a “plasti- constroem e se destroem de forma dialógica. Chama-se
cidade do território”, como coloca a própria artista. gentrificação (do inglês gentrification) o fenômeno que
afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas
Sahel Gris (2013) é uma série de 36 fotografias que vagam
da composição do local, tal como novos pontos comerciais
por linhas de perspectiva que, segundo a autora, “só existem
ou construção de novos edifícios, valorizando a região
em sua mente. Sahel Gris é um lugar transitório, suspenso entre
e afetando as populações de média e baixa renda que
movimento e estabilidade”. As imagens foram capturadas
ocupam esses territórios tradicionalmente. Tal valorização
próximas ao antigo aeroporto de Dakar, Senegal, em área
é seguida de um aumento de custos de bens e serviços,
“saturada de tensão entre edifícios em construção – símbolos
dificultando a permanência de antigos moradores de renda
de ambição e desenvolvimento – e o horizonte plano, o vazio
insuficiente para sua manutenção no local cuja realidade
e o silêncio”. E finaliza a artista: “Sahel Gris é uma natureza
foi alterada. A partir deste exercício, quais são as reflexões
morta de uma cidade ansiosa para se perder entre a abstração
que surgem sobre a habitação e os processos de especu-
do tempo e a ocupação concreta do espaço”.
lação imobiliária através dos processos de gentrificação
No Brasil, muitas composições musicais refletem sobre dos bairros que são desapropriados, dos que conseguem
as questões de habitação em nossas cidades. A partir das resistir ou não a estes processos?
músicas Fora de Ordem, de Caetano Veloso, e A Cidade, de
Pelo termo gentrification – derivado de “gentry”, que por
Chico Science & Nação Zumbi, quais relações podemos
sua vez deriva do francês arcaico “genterise”, que significa
fazer com a obra de Mame-Diarra?
“de origem gentil, nobre” – entende-se também a reestru-
“Aqui tudo parece turação de espaços urbanos residenciais e de comércio
Que era ainda construção independentes com novos empreendimentos prediais e
E já é ruína de grande comércio, ou seja, causando a substituição de
Tudo é menino, menina pequenas lojas e antigas residências.
No olho da rua
Com os estudantes, é possível construir um mapa com caixas
O asfalto, a ponte, o viaduto
de papelão e criar territórios fictícios, pensando em mapear
Ganindo prá lua
as ocupações e espaços de resistência existentes na sua
Nada continua…”
cidade? Em Porto Alegre, além do exemplo das comunidades
quilombolas da Família Silva e Areal da Baronesa, temos uma
“O sol nasce e ilumina as pedras evoluídas
série de ocupações e espaços de reintegração familiar, tais
Que cresceram com a força de pedreiros suicidas
como Saraí, Lanceiros Negros, Mulheres Mirabal, Pandorga,
Cavaleiros circulam vigiando as pessoas
entre outras. Que tal criarmos este mapa de ocupações locais
Não importa se são ruins, nem importa se são boas
com estas caixas e repensarmos outras formas de ocupação
E a cidade se apresenta centro das ambições
dos territórios, que não a das grandes corporações imobiliá-
Para mendigos ou ricos e outras armações https://www.mamediarraniang.com
rias? Se algo está fora da ordem, como podemos reordenar
Coletivos, automóveis, motos e metrôs https://www.mamediarraniang.com/
e redistribuir as relações territoriais de forma mais humana?
Trabalhadores, patrões, policiais, camelôs...” sahel-gris-cbba
Omar V ict o r D i o p
Omar V ict o r D i o p
Da kar , Senegal , 1 9 8 0. V ive em Dakar .
Omar Victor Diop atua entre a fotografia e o design, essen- Panteras Negras em 1969. Sabendo que crianças que não se
cialmente como um meio para capturar a diversidade dos alimentam bem antes de irem à escola são menos atentas
estilos de vida da sociedade africana moderna. Seu trabalho e, logo, seu desempenho é menor, os Panteras criaram um
é questionador, intrigante e prospectivo: um artista com grande programa de alimentação para as crianças em fase
visão internacional que não deixa de vista o patrimônio escolar. Buscando assim garantir que as crianças negras
visual africano. que não podiam se alimentar minimamente – e daí taxadas
de não capazes de compreensão em sala de aula – tivessem
Seu corpo de trabalho inclui as artes plásticas, a fotografia
as mesmas oportunidades que outras crianças. No auge
de moda e a fotografia publicitária, numa interessante
do programa, calcula-se que foram servidas em média 20
inter-relação. Os figurinos que cria para as sessões de
mil refeições por semana em 19 cidades.
suas séries fotográficas, em que ele mesmo atua, são
impecavelmente executados, conferindo às imagens um Inspirados nesta ação social do Partido dos Panteras Negras,
ar verdadeiro, com aspecto vintage. sugerimos um café da manhã coletivo, onde cada aluno(a)
e a própria escola possam contribuir com algum alimento
Entre os trabalhos de Diop que o destacam na fotografia,
para juntos realizarem uma confraternização, e que nesta
temos a série Studio des Vanité (2013), na qual ele segue a
refeição coletiva possa-se conversar sobre a sugestão de
sua pesquisa entre a fotografia e o design, sob uma forte
pesquisa, bem como descobrir e redescobrir estes movi-
influência de históricos retratistas africanos. Diáspora
mentos e insurreições no Brasil, que dão protagonismo aos
(2014) é uma viagem no tempo, uma jornada cujo ponto
negros e negras dentro destes movimentos, invertendo
de partida é o presente, a questão da imigração africana na
a perspectiva da história sempre contada pelo olhar dos
Europa e seu lugar na sociedade europeia. Nesta Bienal do
brancos, tirando o povo negro do lugar de submissão para
Mercosul, o artista apresenta oito fotografias de sua mais
agentes históricos.
recente série, Liberty (2017) – Uma Cronologia Universal dos
Protestos Negros, obra que relembra, interpreta e justapõe
momentos das lutas, campanhas e manifestações africanas,
trabalho que vai ao encontro da liberdade.
Diplomado em Museologia pelo Centro Cultural Casa Lamm, descrever as semelhanças e vínculos estruturais das raízes
Cidade do México (2007) e Bacharel em Artes Plásticas pela etimológicas de nossos antepassados comuns. Em diálogo
Universidade Autônoma do Estado de Morelos, México (2006). com a cidade de Porto Alegre, o artista encontra nas comu-
nidades quilombolas a rica mistura de grupos étnicos que
Grande parte do trabalho de Pablo Rasgado tem sido feito
resistem às históricas interdições de uma metrópole em
de paredes pintadas, numa preocupação social e construtiva
constante desenvolvimento.
do espaço edificado. Algumas são paredes externas retiradas
de movimentadas ruas e trabalhadas para o ambiente das Com os seus estudantes, converse sobre a importância dos
exposições, outras são internas, temporárias em espaços Quilombos como espaços fundamentais para o fortaleci-
museológicos. As suas paredes podem carregar conteúdos mento das identidades culturais. A partir de uma pesquisa
sociais, políticos, ou mesmo simplesmente conter imagens sobre as resistências quilombolas em sua cidade e/ou
das quais o artista quer apropriar-se para novamente apre- estado, poderão identificar as práticas de luta contra o
sentá-las de outras maneiras. Seja qual for a fonte, o artista racismo e especulação imobiliária que essas comunidades
procura representar um momento congelado, específico continuam enfrentando.
dentro da história de um museu, de fato, na história da arte.
As formações sociais dos Quilombos, desde o princípio,
Para a 11ª Bienal do Mercosul, a partir de experiências em estão fundamentadas por uma rede de solidariedade e reci-
suas residências artísticas em comunidades no México, procidade entre as famílias. A organização dessas famílias é
Pablo Rasgado realiza uma instalação que revela a mescla estruturada em torno de valores que reforçam a importância
Afro-mexicana e Afro-brasileira por meio da arquitetura do velho e da criança como aqueles que são, respectiva-
vernacular. Ele procura investigar as semelhanças ou vínculos mente, os portadores e os semeadores da memória. Com
estruturais das construções artesanais que têm raízes etimo- suporte nessas questões, como poderíamos construir um
lógicas comuns. Das semelhanças formais, é possível notar mural de visibilidade de nossas heranças e mestiçagens?
vínculos sociopolíticos, entre diferentes espaços. No espaço Apresente aos seus estudantes a técnica da frottage, na
expositivo, paredes internas de uma casa são montadas qual um desenho é criado a partir da “fricção” sobre uma
para expor, em forma de mural, as similitudes culturais superfície texturizada. Com uso de lápis, giz, carvão ou
por meio de padronagens que encarnam formas comuns pigmento, uma folha de papel deverá cobrir a superfície a
às diversas culturas. Segundo o artista, “estes padrões, bem ser gravada. Eles poderão realizar frotagens das superfícies
como o desenvolvimento estrutural dessas construções, foram de suas casas, de familiares e vizinhos, além de objetos e
‘herdados’ ao longo das gerações, mas sua implementação, além plantas que contem um pouco sobre essas trajetórias.
de ter fins estéticos, também segue uma lógica quase mística de
compreensão do espaço, onde ‘a pele’ da arquitetura resume o
indivíduo e se torna um canal com forças divinas”.
Em sua cidade natal, no interior de Minas Gerais, a artista transformados e submetidos a bordados e torções, se Pergunte aos seus estudantes se eles gostariam de coletar
cresceu em meio a uma importante indústria têxtil. Isto tornando esculturas de pano e arquitetura impregnada de histórias em suas famílias sobre a prática da costura. Eles
a marcou não somente pela fábrica de tecido, mas pela memória, que esbarra em questões de identidade racial poderão fazer registros dessas narrativas, contando um
“forte presença de sua avó”, que era também “benzedeira e em um elo vital com a vida da artista” (site Prêmio PIPA). pouco sobre suas trajetórias, já que muitas vezes esses
parteira”, a qual lhe “ensinou tudo sobre os rudimentos da Conforme a Galeria Mendes Wood DM, “ela trabalha com conhecimentos são tradicionais e passados de geração em
costura”. No livro publicado sobre a artista, é mencionado esculturas e instalações concebidas a partir de numerosos geração. Também propor uma apresentação dos objetos
que “costurar, para Sonia Gomes, é um ato que se estende materiais, de distintas histórias (como roupas e mobiliá- que são ou foram produzidos por essas pessoas, usando
à relação das tradições nas quais ela está inserida — a rios), e das possíveis combinações espirituais entre tais técnicas como costura, bordado, renda, crochet, tricot etc.
artesã que se descobre artista e amplia o alcance de suas elementos”. A artista transforma materiais achados e/ou
Em um segundo momento, você poderá convidar os
criações”. (Sonia Gomes, Rio de Janeiro: Editora Cobogó, doados, por meio de torções, amarrações e cordas reves-
seus estudantes a construir novas formas a partir de
2017, Textos de R. Sardemberg, P. Nazareth e S. Farkas). tidas, em novos objetos, resultando em esculturas repletas
retalhos, tecidos, linhas e peças de roupas, por exemplo.
de identidade e memória.
Sonia Gomes, formada em Direito, mudou-se para Belo Como podemos pensar na descostura como uma potente
Horizonte em 1980, quando começou a produzir pinturas, Para a 11ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul, Sonia Gomes ferramenta de desconstrução para a criação e costura de
realizando sua primeira individual em 1994, na Casa apresenta a instalação “Maria dos Anjos” (2017-2018), novas possibilidades artísticas? As peças escolhidas pelos
de Cultura de Sete Lagoas. Em 1995, Sonia começou a obra que surgiu a partir de um antigo vestido de noiva estudantes poderão ser cortadas, costuradas, viradas do
buscar orientação e formação em cursos de arte na Escola que permaneceu guardado por muitos anos e foi doado à avesso, sobrepostas, amarradas, penduradas no espaço,
Guignard e também na UFMG. A partir de 1997, passou artista. Nesta obra, a artista utiliza do mesmo processo de por exemplo. Convide os estudantes a pensar poeticamente
a ser convidada para mostras coletivas. Sua carreira aos apropriação, desconstrução e construção de novas formas no processo que estão elaborando, quais são os sentidos
poucos desenvolveu-se. Entre as exposições individuais: para os tecidos e retalhos que servem como matéria prima queremos trazer para este método de desfazer e refazer?
Série Patuás e Torções, Galeria Thomas Cohn, São Paulo para a realização dos seus trabalhos.
(2005), Stitch In Time, Mendes Wood DM, São Paulo (2012), e
Uma das grandes referências de Sonia Gomes é a obra do
A.R. Penck and Sonia Gomes, Hic Svnt Dracones, Nova Iorque
artista Arthur Bispo do Rosário, sergipano nascido na cidade
(2017). Para 2018, realizará individual no Museu de Arte
de Japaratuba em 1909, que teve sua trajetória de vida
de São Paulo (MASP) e no MAC Niterói. Entre as coletivas:
marcada por diversas experiências como a passagem pela
X Bienal Nacional de Santos (2006), Out of Fashion, Textile
Marinha de Guerra do Brasil, a carreira de pugilista, segu-
in International Contemporary Art, Kunsten – Museum of
rança particular, zelador e paciente psiquiátrico. Sabe-se
Modern Art Aalborg, Aalborg, Dinamarca (2013), A Nova
que o artista viveu por 50 anos entre entradas e saídas em
Mão Afro-Brasileira, Museu Afro Brasil, São Paulo (2013), 56.ª
instituições psiquiátricas no Rio de Janeiro, sendo o período
Bienal de Veneza (2015); Revolution in the Making: Abstract
mais longo entre 1964 e 1989, ano de seu falecimento na
Sculture by Women 1947-2016, Hauser Wirth & Schimmel,
antiga Colônia Juliano Moreira. Nas obras de Bispo do
Los Angeles (2016), Revival, The National Museum of Women
Rosário, percebemos o poder da criação da arte como
in the Arts, Washington (2017) e Everyday Poetics, Seattle Art
desvio e resistência, através de práticas como a descostura
Museum, Seattle (2018).
dos uniformes usados pelos pacientes psiquiátricos para a
www.premiopipa.com/pag/sonia-gomes
A obra consagrada de Sonia Gomes é edificada “sobre produção do fio em tom azulado usado nos seus objetos
www.mendeswooddm.com/pt/artist/
tecidos antigos, passados, pedaços de vida que são e estandartes bordados.
sonia+gomes
E l A natsui
E l A natsui
A n ya ko, G ana, 1 9 4 4 . V ive na N igéria.
Anatsui nasceu em Anyako, na Região de Volta, costa de Gana. homenagem, Fernando Henrique Cardoso e Steven Spielberg). Considerado um desdobramento da milenar arte da tapeçaria,
Bacharel em Arte e Pós-graduado em Educação Artística pela Entre outras bienais, também as de Veneza, de 1990 e 2007; a arte têxtil na produção contemporânea corresponde a traba-
Faculdade de Artes da Universidade de Ciência e Tecnologia a Bienal de Liverpool, Inglaterra (2002); a 5.ª Bienal de Gwangju, lhos que abrangem linguagens e procedimentos da tecelagem,
de Kumasi, Gana, entre 1965 e 1969. Desde 1996, é professor China (2004) e a 8.ª Trienal de Escultura de Osaka, Japão (1995). tapeçaria, costura, bordados, artes da fibra, tramas, design de
de Escultura e Artes Aplicadas na Universidade da Nigéria, na tapetes e muito mais. O Rio Grande do Sul já teve um Centro
Ainda conforme o artista, “o incrível em trabalhar com esses
cidade de Nsukka. Entre 1980 e 2008 circulou pelo mundo em Gaúcho de Tapeçaria Contemporânea (CGTC, 1980), o qual
tecidos metálicos reciclados é que a pobreza dos materiais
inúmeras residências, workshops e como artista-visitante, em influenciou a produção de artistas como Heloisa Crocco, Zoravia
utilizados não impede de serem contadas histórias ricas e
cidades dos EUA, Inglaterra, Dinamarca e Alemanha. Bettiol, Ana Norogrando, Berenice Gorini e Sonia Moeller. Em
maravilhosas” (Artsy.net). Embora abstratos na composição, as
nível mundial, estas questões ressurgiram na arte contempo-
A partir de 2000, El Anatsui começou a receber o reconheci- assemblages de Anatsui tocam numa ampla variedade de narra-
rânea desde os anos 70, em artistas como Judy Chicago, Miriam
mento mundial pela obra que hoje o caracteriza, com seus tivas. Envolvem as histórias dos consumidores que compraram
Schapiro, Sheila Hicks, Nick Cave e Faig Ahmed (que participa
brilhantes e monumentais painéis têxteis, o colocando entre as bebidas ou mesmo sobre o início da vida do artista em Gana
dessa edição da Bienal do Mercosul, presente neste material).
os “10 mais importantes artistas têxteis contemporâneos” – quando ele assistia sua família tecer os mantos coloridos
(conforme o site Artsy.net, 31 out. 2016). Estes painéis são tradicionais originários de Gana, o tecido kente [kente cloth]. Os tradicionais povos Ashanti ou Asante que formaram um
normalmente compostos de milhares de pedacinhos de metal Também fazem referência à história da distribuição de bebidas dos maiores impérios em África, marcaram sua ocupação e
reciclados, especialmente tampas de garrafas de bebidas álcoolicas como moeda de troca durante o tráfico negreiro. cultura na impressão dos padrões coloridos do tecido kente.
alcoólicas, de alumínio, trabalhadas e unidas por fios de Anatsui trabalha com uma equipe de cerca de 30 assistentes Os reis do império Ashanti eram ornamentados com esses
cobre, produzindo esculturas costuradas que dobram-se e se que ajudam a esmagar, torcer e costurar metodicamente cada tecidos, que por sua vez, construíam linguagem através de suas
comportam como tecidos. O artista desenvolve o seu processo tampa de garrafa, por exemplo. padronagens: cada cor e símbolo utilizado guardam significados
a partir do cruzamento entre pintura, tapeçaria e escultura, capazes de formar frases e aforismos.
Para a 11ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul, El Anatsui fez
fruto do desdobramentos de suas investigações sobre a reuti-
um trabalho inédito, Ebb & Flow, 2018. O título é uma expressão Com os seus estudantes, busque imagens na internet dos
lização de materiais de sucata. Conforme o artista, a “ligação
idiomática em inglês, presente até mesmo em uma música da tecidos kente. Vocês poderão também pesquisar sobre os
entre a África, a Europa e a América” faz parte do que está
banda Pink Floyd, que significa “fluxo e refluxo”, “vai e vem” ou simbolismos das estampas, observando a diversidade de
por trás dos trabalhos com tampas de garrafa, referindo-se
“sobre e desce”, em diversas situações, como de um relaciona- significados das cores e de suas padronagens geométricas. A
“à conexão entre a venda de escravos, as bebidas alcoólicas
mento, na política ou mesmo em ciência. partir de materiais recicláveis, convide os estudantes a produzir
e o poder transformador de sua arte para vincular todos os
um grande tecido coletivo, elaborando com eles os conceitos
envolvidos na sua criação” (NY-ArtNews.com, 31 mar. 2017). Os tecidos têm sido uma parte fundamental da vida humana
e valores que eles gostariam de trazer para cada elemento
desde o início da civilização, e os métodos e materiais utili-
Sua obra se encontra em dezenas de coleções pelo mundo, da composição.
zados em sua fabricação passaram por um grande desen-
entre as mais prestigiadas instituições, a exemplo: The British
volvimento, mantendo suas funções primárias. A história das
Museum, Londres; Brooklyn Museum, Nova Iorque; Centre
artes têxteis anda de mãos dadas com a história do comércio
Pompidou, Paris; Guggenheim Abu Dhabi, Emirados Árabes
internacional: a púrpura de Tiro era um produto-chave do
Unidos; Fowler Museum, University of California, EUA; Los
comércio no Mediterrâneo; A Rota da Seda foi criada para
Angeles County Museum of Art, EUA; The Tate Modern, Londres;
trazer seda da China para a Índia, África e Europa. A Revolução http://www.jackshainman.com/artists/
The Museum of Modern Art, Nova Iorque; The National Museum
Industrial também significou uma revolução na tecnologia têxtil, el-anatsui
of African Art – Smithsonian Institute, Washington. Em 2015,
com o surgimento de teares industriais, que mecanizaram os https://www.artsy.net/artist/el-anatsui
recebeu o Leão de Ouro da 56.ª Bienal de Veneza. Em 2016,
processos de produção. As artes têxteis possuem uma variação
o título de Doutor Honorário pela Universidade de Harvard, https://www.geledes.org.br/
de cores, texturas e formas, podendo ser utilizados diversos
Inglaterra (em ano que receberam, entre outros, a mesma kente-os -tecidos-dos-reis-africanos
materiais e produzir peças de diferentes formatos.
G loss á rio
Diáspora E scravidão
I mperial
Em termos gerais, significa a dispersão de qualquer povo Enquanto modo de produção, a escravidão baseia-se na
Que pertence ou se refere a império, imperador ou
ou etnia pelo mundo. Em relação à Diáspora Africana e/ exploração do trabalho forçado da mão de obra escrava.
imperatriz – por exemplo, Manto imperial. Demonstra
ou Negra, diz respeito não somente ao violento processo Os senhores alimentam os seus escravos e apropriam-se
grande luxo e riqueza, referindo-se ao que é ostentoso,
do produto restante do trabalho destes. Na antiguidade
de difusão das culturas de africanos e seus descen- suntuoso. Também diz respeito à autoridade e ao
também foi comum a escravização de povos conquistados
dentes através do tráfico negreiro do Atlântico, mas que abusa de sua autoridade, usado para arrogante,
em guerras entre nações. No Brasil foi adotada desde o
também ao movimento ancestral de povoamento dos dominador ou prepotente.
período colonial até pouco antes do final do Império, primeiro
primeiros homens que surgiram na África e migraram
com os indígenas e depois com os africanos. O Brasil foi o
para todos os continentes no início da nossa história.
último país da América a decretar a abolição da escravatura.
P luriculturalidade
Que é formado ou influenciado por várias culturas; D escoloni z ação Atl ântico
multicultural. O pluralismo cultural é um termo que Processo de libertação nacional – raramente obtida Relativo ou pertencente ao oceano Atlântico, que fica
descreve a existência de muitas culturas numa região. por meio de negociação pacífica – ao longo do qual entre a América, a Europa e a África.
A ideia de um grupo multicultural pressupõe que os um país que anteriormente vivia sob regime colonial
grupos culturais estariam cada vez mais interligados, adquire independência política, econômica e cultural.
em função do crescente contato que as culturas têm
entre si e da quase inexistência de grupos isolados.
Ameríndio Ativismo
Denominação utilizada para distinguir o indígena Ação intencional que decorre de uma grande variedade
F otoperformance de motivações políticas e pode assumir diversas moda-
americano do asiático. Diz respeito a qualquer das
Performance realizada para o registro da câmera lidades de expressão, como, por exemplo, o envio de
línguas pertencentes às famílias linguísticas faladas no
fotográfica sem necessidade de público presencial. cartas à mídia impressa e eletrônica, comícios, greves,
continente americano antes de sua colonização pelos
povos europeus. sabotagens, resistência passiva ao governo, manifes-
tações de rua e, nos casos mais extremos, táticas de
guerrilha e terrorismo.
Colonização Paradoxo Vestígio
Retrato
Imigração
Imagem de uma pessoa, reproduzida por pintura,
Diz respeito ao processo da pessoa que deixa o lugar T erritó rio
desenho, escultura, fotografia etc. O retrato quanto
onde nasceu para construir uma nova vida em outro Porção da superfície terrestre pertencente a um país,
desenhado, pintado ou fotografado pela própria
país ou mesmo em outra região dentro do país em estado, município, distrito etc.
pessoa chama-se autorretrato, como uma imagem
que nasceu.
que a pessoa tira de si mesmo.
Representatividade
C artografia Representar politicamente os interesses de deter-
Fronteira
Conjunto de estudos e operações científicas, técnicas minado grupo, classe social ou de um povo. É uma
Limite, marco ou linha divisória entre duas regiões,
e artísticas que orienta os trabalhos de elaboração competência atribuída a um indivíduo ou a uma enti-
dois estados, países etc.
de mapas. dade, fundamentada na habilidade apresentada para
desempenhar tal papel.
Quilombo M iscigenação
Originalmente formado por agrupamentos de ex–escra- Consiste na mistura de povos de diferentes etnias, ou
Ancestralidade vizados fugidos de seus senhores desde os primeiros seja, diz respeito às relações inter-raciais. Em 1755,
Legado de antepassados, hereditariedade, herança. tempos do período colonial. Caracterizam-se por D. José, rei de Portugal, assinou um decreto que auto-
Diz respeito ao que ou quem pertence a uma ser comunidades autônomas que historicamente se rizava a miscigenação de portugueses com índios, e
geração anterior. formaram por negros, mas que incluíam também indí- desde a chegada dos primeiros colonos portugueses
genas, brancos e mestiços. Representam uma forma assistiu-se à miscigenação em massa com os indígenas
alternativa de organização sócio-política, de resistência do Brasil. Décadas depois, com a chegada dos africanos
e luta pela liberdade. Eram sociedades complexas, se escravizados, formou-se uma população tri-híbrida.
dedicavam à economia de subsistência e ao comércio, Poucos países no mundo tiveram uma interação tão
entre outras atividades econômicas e culturais. grande de diferentes etnias como ocorreu no Brasil.
Sincretismo
Em algumas épocas e locais, tentaram reproduzir a Por sua vez, portugueses já trouxeram para o Brasil
É a fusão de diferentes doutrinas para a formação
organização social africana, inclusive adotando sistemas séculos de integração genética e cultural de povos
de uma nova, seja de caráter filosófico, cultural ou
monárquicos. Existem registros de quilombos em todas europeus, como os celtas e os lusitanos. Embora os
religioso. O sincretismo mantém características típicas
as regiões do país. Até os dias atuais, essas comuni- portugueses sejam basicamente uma população euro-
de todas as suas doutrinas-base, sejam rituais, supers-
dades se organizam como aldeamentos, e seus habi- peia, sete séculos de convivência com mouros do norte
tições, processos, ideologias etc.
tantes são denominados de “quilombolas”. de África e com judeus deixaram um importante legado
a este povo.
Território I migração Retrato
A ncestralidade
M iscigenação Quilombo
Sincretismo
PATROCÍNIO MASTER: PATROCÍNIO:
APOIO:
APOIO INSTITUCIONAL:
Porto Alegre
FINANCIAMENTO: