Bandas Filarmónicas Enquanto Património

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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DO TRABALHO E DA EMPRESA

AS BANDAS FILARMÓNICAS ENQUANTO


PATRIMÓNIO: UM ESTUDO DE CASO NO CONCELHO
DE ÉVORA
Susana Bilou Russo

Tese submetida como requisito parcial para obtenção do grau de

Mestre em Antropologia
Especialidade em Antropologia:
Patrimónios e Identidades

Orientador:
Doutor Pedro Miguel Pinto Prista Monteiro
Professor Auxiliar. ISCTE

Novembro, 2007
RESUMO

Bandas Filarmónicas
Património
Cultura Popular/ Cultura Erudita
Associativismo

Este trabalho centra-se no estudo sobre as Bandas Filarmónicas. Através da investigação no


terreno que será desenvolvida em três Bandas Filarmónicas do concelho de Évora,
procuraremos perceber como se apresenta actualmente esta prática musical e qual o
envolvimento que estabelece com o seu contexto. Num primeiro momento, tomamos como
ponto de partida, os trabalhos e as bibliografias existentes sobre este tema e analisamos as suas
abordagens, de modo a compreender a forma como tem sido representada e interpretada a
prática filarmónica pelas várias áreas de estudo, ao longo do tempo. A observação, dos poucos
trabalhos realizados sobre este assunto, faz-nos reflectir sobre a razão que poderá estar
associada a este facto e que se prende com a identidade da própria Banda Filarmónica que se
estrutura numa relação de duplas dinâmicas sociais e culturais. Desta forma, este nosso
trabalho, para além de contribuir para um maior conhecimento sobre as instituições
filarmónicas, procurará reflectir sobre uma questão, relativamente à qual pretendemos obter
uma resposta e, que nos permitirá ter uma melhor percepção da prática filarmónica. Este
estudo procurará responder a que título é que uma banda pode ser considerada património
cultural. Começando, como tal, por fazer um enquadramento histórico e social das Bandas
Filarmónicas de modo a compreender a sua evolução e os vários contextos a que tem estado
associada até aos dias de hoje.
SUMMARY

Brass Bands
Cultural heritage
Popular culture/Erudition
Associativism

This study is focused on the Brass Bands through the field investigation about three Brass
Bands in the area of Évora; we’ll try to understand how this musical form presents itself today
and how it relates to its context. At first, we start with the existing texts and bibliographies on
the matter and we analyse their approaches so that we can comprehend how this musical type
has been represented and interpreted by different learning areas throughout the times. By
studying the few things done on this subject, we have to question ourselves about the reasons
which can be associated to this fact and that have to do with the Brass Band’s own identity
being that it structures itself on a double dynamic relation, both a social and a cultural one.
This way, our work, besides contributing to enlighten our knowledge about the philharmonic
institutions, will try to answer a question that will allow us to better understand the
philharmonic practice. This study will try to explain why a Brass Band might be considered
cultural heritage. Starting by contextualizing historically and socially the Brass Bands so that
we can cast some light on their evolution and the different contexts they have been associated
with up to our days.
AGRADECIMENTOS

Deste o início em que me propôs desenvolver este trabalho que contei com o entusiasmo e
colaboração de amigos e familiares. Agradeço antes de mais a meus pais que em todos os
momentos me transmitiram aquela energia tão especial.

Ao professor Pedro Prista agradeço o seu enorme apoio e orientação. A motivação,


compreensão e confiança que demonstrou para comigo foram determinantes para a
concretização desta tese de mestrado. Bem-haja!

No que diz respeito aos meus amigos não posso deixar de agradecer a enormíssima
solidariedade da Teresa Rodrigues e do Wladimiro que acompanharam esta minha etapa até
ao último momento. Agradeço igualmente à Maria João, à Ana Cardoso e à Manuela pelas
suas importantes prestações.

No decorrer do trabalho e em todos os locais onde realizei investigação fui manifestamente


bem recebida. No Núcleo de Documentação da Câmara Municipal de Évora, agradeço a
colaboração do Sr. Duarte e da Dra. Maria Ludovina e as várias conversas que estabeleci com
a Margarida Morgado relativas ao contexto eborense. Nas três freguesias agradeço a todos os
colaboradores implicados neste trabalho e sem os quais não teria sido possível a sua
realização. Seria exaustivo enumerar todos eles, ficando o meu agradecimento a Luís Pereira,
Adelino Santos, Paulo Cunha, Aníbal Simplício, Francisco Canoa Ribeiro, José Amaral,
Tiago Lino, Luís Gomes e Eduardo Correia.

Dedico este trabalho à memória do meu avô João Bilou, antigo músico da Orquestra COSBI,
com quem aprendi, entre outras coisas, o grande valor do espírito colectivo...
ÍNDICE

Pág.

INTRODUÇÃO ……………………………………………………………………... 1

1. O LUGAR DAS BANDAS FILARMÓNICAS NOS ESTUDOS CULTURAIS


ETNOMUSICOLÓGICOS ………………………………………………………… 6

2. O TEMPO DAS FILARMÓNICAS ……………………………………………….. 38

3. BANDAS E SOCIABILIDADES NOS PEQUENOS CENTROS URBANOS.


O CASO DE ÉVORA ……………………………………………………………… 65

4. O CONTEXTO FILARMÓNICO EBORENSE …………………………………… 88

5. TRÊS FREGUESIAS E AS SUAS BANDAS ……………………………………... 102


A Freguesia de S. Bento do Mato …………………………………………... 103
A Freguesia de N.ª Sr.ª de Machede ………………………………………... 107
A Freguesia de S. Miguel de Machede ……………………………………... 110

6. UM BREVE TRABALHO DE CAMPO …………………………………………… 114


À conversa com elementos da Direcção da Casa do Povo …………………. 115
A Festa do 1º Centenário …………………………………………………… 119
O Encontro de Bandas ……………………………………………………… 123

EPÍLOGO …………………………………………………………………………... 129

ANEXOS …………………………………………………………………………… 137

BIBLIOGRAFIA …………………………………………………………………… 146


As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

INTRODUÇÃO

Este trabalho procura aprofundar o conhecimento sobre as Bandas Filarmónicas e sobre o seu
contexto musical, social e cultural. Para a concretização deste objectivo, tomámos como
referência a bibliografia existente sobre o tema e, neste aspecto, optámos por alargar a
investigação a outras áreas disciplinares, para além da Etnologia e da Antropologia,
recorrendo também à investigação de campo e ao trabalho etnográfico.

Além da bibliografia encontrada e do contacto com o terreno, este estudo faz também o
enquadramento histórico e sociológico que foi acompanhando a evolução das bandas
filarmónicas em Portugal, desde as suas primeiras formações, que ocorreram no século XIX,
até à actualidade, na medida em que a contextualização histórica da prática filarmónica faz
parte integrante de um processo que nos ajuda a compreender a sua dinâmica actual.

Tal como disse Galopim de Carvalho, as bandas ”contagiavam vida, reabilitavam e


despertavam forças perdidas ou adormecidas” (Carvalho, 1995:32). Esse contágio
transmitido pelas bandas filarmónicas despertou em nós a vontade de conhecer um pouco
melhor a sua história, o seu percurso e o seu presente.

A partir do estudo desta prática musical procuraremos perceber o seu processo de


dinamização ao longo do tempo, as funcionalidades que foi adquirindo, o modo de
funcionamento que foi adoptando, a forma como tem sido apreendida e assumida pela
sociedade e o contexto a que está actualmente vinculada. Estes dados permitir-nos-ão, por sua
vez, analisar e reflectir sobre alguns aspectos sócio-culturais que estão inerentes a esta prática
musical e que nos ajudarão a interpretá-la com maior clareza e a abordar os processos de
identidade e patrimonialização que lhe estão associados.

Na sequência do nosso interesse pelo tema das Bandas Filarmónicas, fomos levados a
procurar informações bibliográficas e trabalhos realizados em torno deste assunto, porém,
durante a primeira fase de investigação, prontamente nos apercebemos que este é um objecto
de estudo muito pouco abordado em termos gerais e ao nível das principais áreas disciplinares
que, sobre ele, poderiam desenvolver trabalhos de investigação. Ao sermos confrontados com

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

este facto, sentimo-nos ainda mais determinados a aprofundar este assunto e a perceber por
que razão a prática filarmónica tem sido tão pouco estudada. Qual será o motivo? E do ponto
de vista etnológico e antropológico, as Bandas Filarmónicas não poderão ser um bom objecto
de investigação? Será que não podem ser consideradas enquanto património antropológico?
As bandas, tal como qualquer outra prática musical, vivem de dinâmicas e de processos sócio-
culturais que lhes estão subjacentes, sobretudo as bandas que são compostas por vários
elementos e estão ligadas, na maioria das vezes, a movimentos associativos. Desta forma, é
difícil compreender que seja um tema relativamente ao qual se tenham realizado escassas
abordagens e reflexões.

Estas questões levaram-nos a reflectir sobre razões que justificariam a ausência de trabalhos
sobre esta matéria e que poderão estar ligadas ao facto das bandas de música estarem
associadas a um espaço indefinido e, por essa razão, adquirirem um estatuto impreciso.
Estamos a referir-nos a uma prática musical que não é facilmente identificada como
pertencente ao mundo rural ou ao mundo urbano, na medida em que os traços da sua
identidade se ligam à cultura tradicional, em relação a determinados aspectos, e à cultura
erudita, em relação a outros. As bandas, pelo tipo de instrumentos que executam e pelo
repertório que tocam, não parecem incluir-se nas práticas musicais de cariz tradicional, a sua
música parece estar mais relacionada com uma aprendizagem erudita, contudo, em termos da
sua estrutura e da sua organização, as bandas demonstram uma dinâmica social que se
enquadra numa cultura mais popular. Por sua vez, para além das bandas se enquadrarem entre
o rural e o urbano e entre o tradicional e o erudito, ainda se caracterizam pelo facto de serem
organizações civis de grande inspiração nas bandas militares. Deste modo, pode dizer-se que
as filarmónicas não se circunscrevem a um terreno concreto, identificando-se com diferentes
áreas de referência.

Esta ambiguidade de características pode ter dificultado a forma como se interpreta esta
prática musical, o que terá contribuído para que se tenha tornado menos apelativa para a
maioria das áreas de abordagem, nomeadamente para a Musicologia, Etnomusicologia, e para
os estudos sobre a Música Militar.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

No que diz respeito aos estudos desenvolvidos pela Etnologia e pela Antropologia, eles foram,
durante um largo período, marcados por uma clara divisão entre o mundo rural e mundo
urbano, justificando as conjunturas sociais e culturais essas perspectivas de abordagem e,
como tal, tornando-se menos provável o estudo de uma prática cultural que se caracterizasse
entre esses dois mundos e que assumisse um estatuto híbrido. Durante uma boa parte da
história da Antropologia portuguesa, “o continuum cultural entre o campo e a cidade”
(Cabral, 1998:124) era muito presente, sendo essencialmente valorizada a problemática da
tradição, da ruralidade e do povo português. Neste aspecto, no que se refere às Bandas
Filarmónicas, apesar das suas influências se situarem na cultura rural e na cultura urbana, a
sua prática e o seu percurso começaram por estar associados à vida na cidade passando, só
mais tarde, a integrar as pequenas localidades ligadas aos contextos rurais, o que poderá ter
condicionado a abordagem deste tema pelos estudos etnológicos.

Este nosso trabalho propõe-se, por conseguinte, fazer uma reflexão sobre o território
diversificado e peculiar por onde se movem as Bandas Filarmónicas, procurando compreender
o seu estatuto, os seus processos evolutivos e a sua identidade actual.

Contudo, para a realização deste trabalho, teríamos de encontrar um espaço onde centraríamos
o nosso estudo e realizaríamos as nossas observações participantes. Para a decisão do local
apropriado para o desenvolvimento desta investigação, partirmos de dois pressupostos que
estão relacionados, por um lado, com o facto da prática filarmónica ter estado, desde o seu
início, essencialmente concentrada em torno de centros urbanos de média dimensão e, por
outro lado, porque ao analisarmos os dados apresentados pelo INET, de Setembro de 1998,
constatámos que os distritos de Portugal continental que revelam ter uma maior actividade
filarmónica são os distritos do interior e do centro do país (Castelo- Branco e Lima, 1998:12).
Foi este levantamento que nos conduziu ao estudo da temática das Bandas Filarmónicas do
concelho de Évora. Optámos por Évora por esta ser a capital de distrito do Alto Alentejo e por
ser uma cidade de província de média dimensão que, relativamente às outras cidades do
interior português, tem uma presença histórica, social e cultural muito característica. No
panorama do século XIX, foi uma cidade que se destacou pela sua dimensão cultural, que foi
protagonizada pela forte presença de uma burguesia rural e ao mesmo tempo de uma elite
urbana. Por outro lado, o concelho de Évora, para além de integrar uma cidade que promove

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

dinâmicas e vivências urbanas, é um concelho em que a maioria das suas freguesias são
rurais. Deste modo, Évora pareceu-nos um local que poderia prestar um bom contributo para o
estudo do nosso argumento, para além do mais porque existem actualmente três freguesias
rurais deste concelho que têm bandas filarmónicas, nomeadamente as freguesias de S. Bento
do Mato, N.ª Sr.ª de Machede e S. Miguel de Machede.

Desde modo, se existem locais onde a prática filarmónica se mantém activa, isto quer dizer
que as bandas foram encontrando formas de dinamização e de revitalização no sentido
sugerido por Boissevain, segundo o qual, o processo de revitalização também se realiza a
partir do momento em que se promove, de novo, uma prática cultural dando-lhe uma “new
energy injected” (Boissevain, 1992:7). Com este trabalho, procuraremos apreender como é
que as bandas, através da sua dinâmica social, se vão readaptando às novas realidades e vão
reafirmando a sua identidade ao nível da dimensão local. Assim sendo, partimos do princípio
que as filarmónicas são um objecto de estudo que reúne um conjunto de características que as
permite ser consideradas património antropológico, podendo ser assumidas como uma prática
cultural que adquire importantes funções em termos dos processos de revitalização local que
as reintegram e recuperam, na medida em que fazem parte da sua tradição e do seu
património.

Foi no contacto directo com as bandas, com os seus músicos, maestros e associados que
ganhámos uma maior envolvência com o objecto de estudo. Passei bons momentos a ouvir
histórias sobre as filarmónicas e a conhecer um pouco da sua vida e da vida daqueles que se
entregam às suas causas. Conheci e conversei com pessoas de diferentes idades que, no seu
conjunto, me transmitiram as suas motivações e aquilo que têm aprendido e realizado a partir
da banda e do seu contexto associativo. Ao longo do trabalho de campo realizado junto das
três Bandas Filarmónicas que, desde o início se disponibilizaram em colaborar, fui
gradualmente entrando nos seus contextos e apreendendo um conjunto de informações e de
referências que se tornaram de suma importância para o desenvolvimento deste estudo.

Ao nível do trabalho escrito, ele é composto por seis capítulos. O primeiro capítulo intitulado,
“O lugar das Bandas Filarmónicas nos Estudos Culturais e Etnomusicológicos”, dedica-se à
análise e à reflexão crítica da bibliografia encontrada sobre o tema e ao desenvolvimento da

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

problemática do trabalho. No segundo capítulo, “O tempo das filarmónicas”, faz-se a


contextualização histórica e social das bandas desde as suas primeiras formações até ao
presente. No terceiro capítulo, ”Bandas e sociabilidades nos pequenos centros urbanos. O caso
de Évora”, focaliza-se a atenção na cidade de Évora, acompanhando, neste caso em particular,
o enquadramento histórico desenvolvido no capítulo anterior. No quarto capítulo, “O contexto
filarmónico eborense”, são referidas e apresentadas as bandas filarmónicas existentes em
Évora, desde o final do século XIX até à actualidade e os processos de adaptação que
ocorreram ao longo da sua história. No quinto capítulo, “Três freguesias e as suas bandas”,
são dadas a conhecer as freguesias do concelho de Évora onde se desenvolveu o trabalho de
campo, sendo feita a síntese histórica das associações e das suas bandas filarmónicas. O sexto
capítulo, intitulado “Um breve trabalho de campo”, descreve alguns momentos da prática
filarmónica que foram observados e vividos durante o nosso contacto com o terreno. Por fim,
no Epílogo, são reflectidas e sintetizadas algumas ideais que se foram desenvolvendo ao
longo do trabalho e que nos fizeram questionar a que título as bandas filarmónicas podem ser
consideradas património antropológico.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

1. O lugar das Bandas Filarmónicas nos Estudos Culturais e Etnomusicológicos

Tudo o que de qualquer forma esteja relacionado com a música ou a sua prática
constitui testemunho das formas, das técnicas e até das ideias que acerca da arte dos
sons a Humanidade foi desenvolvendo ao longo dos séculos.
Instituto Português do Património Cultural 1

Partindo da premissa apresentada pelo Instituto Português do Património Cultural, concluímos


ser possível considerar qualquer prática musical como testemunho e património cultural da
sociedade onde está inserida. Seja qual for o tipo de música ou de prática musical, devemos
partir do princípio que transporta as formas, as técnicas e as ideias do tempo e do lugar aos
quais está confinada. A sua própria história e desenvolvimento estão associados a um
determinado contexto que, por sua vez, se reflecte nas práticas que reproduz, fazendo delas
referências da sua própria identidade.

Assim sendo, quando optámos pelo estudo das Bandas Filarmónicas, procurámos abordá-las
seguindo este princípio que foi, para além da prática musical em si, um dos factores que nos
despertou um maior interesse e nos levou a pensar nas bandas como um bom objecto de
estudo antropológico.

A Banda Filarmónica, também conhecida por Banda Civil ou Música, traduz-se num
“conjunto de instrumentistas de sopro e percussão, amadores, associados em colectividades a
partir de meados do século passado no nosso país, que actuam com fardas mais ou menos
próximas das militares, numa grande diversidade de acontecimentos públicos, profanos ou
religiosos” (Lameiro, 1997:2). Tal como vemos através desta designação, as bandas podem
tornar-se objectos de estudo de grande riqueza, na medida em que envolvem vários aspectos e
múltiplos campos de abordagem e transportam consigo um conjunto de características que são
reveladoras de um determinado contexto, ou seja, que adquirem, assumem e transmitem um
determinado património sócio-cultural.

1
Citação retirada de um folheto desdobrável intitulado O que é o Património Musicológico, editado pelo Instituto
Português do Património Cultural, Departamento de Musicologia, Secretaria de Estado da Cultura; s/d., Lisboa,
pp. 1.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

De alguma forma, podemos considerar a prática filarmónica como um assunto de interesse


para a Etnologia e para Antropologia. Mas qual terá sido o estatuto etnológico que as bandas
adquiriram desde o seu surgimento até à actualidade? Quais terão sido as abordagens e os
estudos que se têm desenvolvido em Portugal em torno deste tema? Terá sido um assunto
muito ou pouco estudado? E de que forma tem sido assumido pelas várias áreas científicas,
tais como a Musicologia, a Antropologia ou a Etnomusicologia?

Após a realização de um levantamento bibliográfico referente ao tema das bandas


filarmónicas deparámo-nos, antes de mais, com alguma escassez de bibliografia e de
documentação e com carência de reflexões teóricas e analíticas relativamente a este assunto.
Grande parte das áreas científicas, para as quais o tema poderia suscitar interesse e levar ao
desenvolvimento de trabalhos de investigação, não têm dado grande relevância a este objecto
de estudo o que tem levado à pouca produção de trabalhos sobre esta matéria. A maioria das
informações encontradas refere-se a este tema de uma forma pouco aprofundada utilizando-o
meramente a título informativo.

As referências encontradas sobre a prática filarmónica são um pouco dispersas e, muitas


vezes, aparecem para complementar outros assuntos, nomeadamente relacionados com o tema
do associativismo, com as alterações político- sociais que se viveram num determinado
período histórico em Portugal ou então através da descrição etnográfica de certas práticas
lúdicas ou religiosas nas quais as filarmónicas marcam a sua presença. Na maioria da
bibliografia encontrada são raras as abordagens mais críticas e reflexivas em torno desta
prática musical. É de salientar, no entanto, os estudos que têm sido realizados mais
recentemente e que estão ligados, por um lado, às pesquisas na área da Etnomusicologia,
desenvolvidas a partir de 1980 no Departamento de Musicologia da Universidade Nova de
Lisboa e, por outro, às bibliografias de carácter mais local que se têm vindo a intensificar
desde os finais dos anos oitenta até à actualidade, o que revela uma crescente preocupação e
valorização desta prática a nível local e demonstra o estatuto e o reconhecimento que tem
vindo a adquirir junto dos seus protagonistas e junto da comunidade da qual faz parte.

Antes de passarmos a analisar o lugar que as bandas filarmónicas têm assumido nos estudos e
bibliografias realizados sobre este assunto, não deixa de ser relevante fazer uma breve síntese

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

das principais características que lhes são muito particulares e que fazem deste objecto de
estudo um tema peculiar que se estrutura e reafirma na cumplicidade de um conjunto de
dicotomias.

Quando pensamos na filarmónica do ponto de vista musical, percebemos que tanto a nível dos
seus instrumentos como a nível do repertório musical que executa, estes não se incluem
dentro das práticas associadas à música tradicional, mas, por sua vez, também não parecem
ser de todo uma prática ligada à música estritamente erudita. Segundo aquilo que nos é
possível observar, as bandas filarmónicas têm a particularidade de estar relacionadas, de
alguma forma, com estes dois contextos musicais que se revelam de formas distintas mas que
no seu conjunto dão corpo à prática filarmónica e fazem dela um agrupamento musical muito
característico. Para além desta dualidade encontramos ainda outros factores que nos permitem
pensar na dupla dimensão com que se identifica a prática filarmónica. Temos também o
exemplo da sua afinidade às bandas militares, apesar de não seguirem os princípios militares,
nem estarem confinadas a nenhuma força armada, as filarmónicas têm algumas semelhanças
com as bandas militares, nomeadamente ao nível do seu fardamento, da sua performance de
apresentação, quando utilizam a marcha militar como forma de desfile durante as arruadas e
por grande parte do seu repertório ser o mesmo que é tocado pelas bandas militares. Neste
caso, temos uma banda com uma estrutura civil que se assemelha, em muitos aspectos às
características de uma banda de constituição militar. Por sua vez, encontramos ainda uma
dupla pretensão ao nível das dinâmicas sociais, que apesar de serem claramente características
da cultura popular denotam certas emulações que procuram fazer da cultura erudita. O que,
por sua vez, também se reflecte ao nível do seu contexto inicial caracterizado enquanto
fenómeno urbano mas assumindo ao mesmo tempo, grandes influências rurais que lhe eram
determinantes e que continuam hoje a estar presentes na continuidade da sua prática.

Estas são, em parte, as características mais globais que numa primeira fase podemos
apreender da prática filarmónica. É no conjunto de todas elas, juntamente com outros
elementos, que iremos procurar compreender um pouco melhor a dinâmica e o contexto das
bandas civis desde a sua formação inicial até à sua prática no presente. Para isso, não nos
limitaremos exclusivamente à observação do seu quotidiano ou à simples recolha dos seus
dados e dos seus factos históricos, procuraremos também analisar e reflectir sobre a

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

bibliografia que tem sido desenvolvida sobre este tema, que nos ajudará, por sua vez, a
compreender a forma como esta prática musical e cultural tem sido interpretada e considerada
em termos globais, ao nível das várias áreas científicas e em termos locais e ao nível das
comunidades onde está inserida.

Passemos então à apresentação e abordagem do inventário bibliográfico encontrado


relativamente ao tema das bandas de música, e referimos bandas de música na medida em que
a pesquisa realizada não se cingiu unicamente às bandas filarmónicas, mas também às bandas
militares, às fanfarras e a todas aquelas matérias que directa ou indirectamente se relacionam
com o contexto e a história desta prática musical.

Procurámos bibliografia sobre as bandas de música em diferentes áreas nas quais elas
poderiam ter sido objecto de estudo. Analisámos os estudos que se centram em torno da
cultura popular, da Etnologia e da Antropologia, os estudos ligados à música erudita, os
trabalhos desenvolvidos na área da música militar, as bibliografias de carácter local, os
recentes trabalhos etnomusicológicos e a forma como este tema tem sido assimilado no
decorrer da história político-social, onde incluímos um pequeno apontamento relativo à
posição da Igreja Católica.

Comecemos então por abordar o posicionamento da Etnologia e da Antropologia no que toca


à prática musical filarmónica, procurando compreender os processos de interpretação que têm
sido realizados em função da própria história da Antropologia portuguesa. As principais
linhas de pensamento que estiveram na origem dos primeiros estudos etnológicos (1940-70)
dinamizados em torno da música, estiveram a cargo da equipa ligada ao Museu de Etnologia,
liderada por Ernesto Veiga de Oliveira, Benjamim Pereira, Jorge Dias, Margot Dias e
Fernando Galhano. Reportamo-nos a um período em que os estudos etnológicos e
antropológicos encontraram “no mundo rural um terreno que se tornou por excelência seu
objecto de estudo” (Russo, 2003:6). Era junto das comunidades rurais que se encontravam as
práticas e os instrumentos musicais que mereciam a atenção e o registo por parte destas áreas
cientificas, pois era aqui que se centravam as especificidades de cada cultura, seria junto do
povo e das suas tradições que se encontrariam as “essências” e as bases da nossa identidade
cultural. Desta forma, as práticas musicais que não se caracterizassem essencialmente pela sua

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

relação com o contexto rural não adquiriam a mesma importância, nomeadamente em termos
do património cultural que assumiam. Daí que os levantamentos e estudos realizados sobre a
música fossem na sua maioria, dedicados às práticas e aos instrumentos musicais que estavam
relacionados com a música tradicional.

Foi dentro desta lógica que a Fundação Gulbenkian criou uma secção de Etno- musicologia
através da qual apoiava os estudos e as gravações da música rural. É na sequência deste
projecto que surge Ernesto Veiga de Oliveira que, em conjunto com uma equipa de trabalho,
produz a grande obra intitulada Instrumentos Musicais Populares Portugueses (1964), na
qual, obviamente, se faz uma apresentação dos vários instrumentos e práticas musicais
consideradas populares e que caracterizam as diversas regiões do país.

No que se refere à prática filarmónica, ao longo do livro ela surge apenas como uma
referência anexa que aparece como complemento de outros assuntos. Como é o caso do uso
dos tambores em que aparece referida a utilização deste instrumento popular no contexto das
bandas de música, ou no caso em que se apresentam as práticas musicais associadas às festas
religiosas e às procissões que, em todo o país, contavam muitas vezes com a presença das
filarmónicas.

Para além dos anteriores exemplos, registámos ainda um pormenor que nos parece pertinente
para reforçar esta ideia. No meio do texto em que se apresenta a prática do tamborileiro,
aparece uma foto onde se vê o tamborileiro de Vila Verde de Ficalho e uma banda
filarmónica, foto essa que é legendada da seguinte forma: “Vila Verde de Ficalho, Serpa
(1961). O tamborileiro na festa de Nossa Senhora das Pazes” (Oliveira, 2000:131). Apesar da
banda filarmónica aparecer na foto de uma forma bem visível, não é referida a sua presença
na legenda, nem nos é dada a conhecer nenhuma informação a seu respeito, nem mesmo o seu
nome. O mesmo acontece relativamente ao texto, em que é referida a prática filarmónica mas
apenas a título informativo, «(...) depois da “alvorada”, o tamborileiro, alternando com a
“música”, corre as ruas em saudação cerimonial» (Ibid.:131).

Por fim, no final do livro, no capítulo intitulado «Outros instrumentos cerimoniais e


instrumentos ligados a determinadas profissões» lá encontramos alguma informação mais

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

completa sobre as bandas, não sendo, no entanto, formulada qualquer abordagem mais
intensiva desta prática, sendo estas apenas referidas como «Uma forma musico- instrumental
muito importante, são, (...) mais uma vez [nos Açores] como em Portugal continental, as
bandas, compostas essencialmente de instrumentos de sopro, metálicos e outros, e
membranofones, tambores e caixas de diversos tipos, e sem características locais
particulares, e que se usam sempre em ocasiões públicas de natureza cerimonial, cortejos
cívicos ou procissões, e sobretudo, actualmente, nas celebrações do Espírito Santo de muitas
regiões, em substituição das velhas “Folias” tradicionais» (Ibid.:448-449).

Segundo estes exemplos, ficamos com a percepção que as bandas de música não eram
interpretadas como uma prática tradicional, sendo inclusivamente consideradas agrupamentos
musicais nos quais não se revelam “características locais particulares”, o que parece querer
dizer que a filarmónica não se inspirava nas tradições regionais, sendo, como tal, interpretada
como uma prática sem carácter local que representava ainda o perigo de poder acabar por
substituir as “velhas folias tradicionais”.

Partindo deste princípio, torna-se perceptível que a prática filarmónica não merecesse a
atenção destes primeiros estudos e trabalhos etnológicos e antropológicos, que assumiam
enquanto música tradicional apenas aquelas práticas que se encontrassem “genuinamente”
associadas ao mundo rural, o que de certa forma não acontecia inteiramente com a prática
filarmónica, que já reunia um conjunto de elementos exteriores a este contexto,
nomeadamente devido à influência que recebia de um outro tipo de música na qual se
incluíam instrumentos mais eruditos. Estes instrumentos, dentro desta abordagem, não
adquiriam estatuto etnológico, visto estarem mais relacionados com as vivências urbanas e
nesta lógica, não corriam o perigo de se perderem com o passar dos tempos.

Da mesma forma, Fernando Lopes Graça e Michel Giacometti, intelectuais de outras


formações, também se dedicaram ao estudo e à recolha da música tradicional portuguesa.
Lopes Graça, importante elemento no panorama da música nacional do século XX, deixou
uma importante obra onde é notório o carácter nacional fortemente inspirado na cultura
tradicional e um intenso trabalho ao nível de harmonização de canções tradicionais. Tanto
para Lopes Graça como para Giacometti, etnólogo e musicólogo nascido na Córsega que se

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

radicou em Portugal em 1959, a música tradicional era o lugar onde ainda se poderia
encontrar a “autenticidade” nacional e a verdadeira identidade cultural. Como tal, tornava-se
estritamente necessário recolher e registar as práticas tradicionais antes que estas fossem
ultrapassadas pela modernidade, ou pelas políticas seguidas pelo regime do Estado Novo, o
que fez com que Graça e Giacometti se dedicassem sobretudo à música tradicional que
aparecia como oposição à imagem de cultura popular imposta pelo regime político. Do seu
trabalho conjunto destaca-se a importante recolha discográfica que resultou nos vários
volumes da Antologia da Música Regional Portuguesa e na publicação do Cancioneiro
Popular Português (1981).

Contudo, para Giacometti e Lopes Graça, as bandas filarmónicas também não parecem ter
assumido grande importância, não sendo referidas nos seus trabalhos de recolha sobre música
tradicional. Lopes Graça nem sequer contempla o papel desempenhado pelas filarmónicas
enquanto instituição popular de ensino e divulgação da música em Portugal.

Numa das suas obras intitulada A Música Portuguesa e os seus Problemas III (1973), Graça
aborda a questão do ensino e da sensibilização da música em Portugal e, dentro deste quadro,
centra-se essencialmente em dois aspectos. Por um lado, refere-se à dificuldade que a criação
musical portuguesa tem na apreensão e assimilação da cultura de cariz tradicional que, na sua
perspectiva, seria um bom suporte de inspiração para a nossa arte musical, «no sentido de uma
música movendo-se no seu âmbito próprio, de uma música nacional por força e virtude do
seu mesmo “estilo”» (Graça, 1973:74-75). Por outro lado, quando se refere aos problemas
inerentes ao ensino da música, apenas se preocupa com o ensino da música erudita e clássica
afirmando que “o ensino da música acha-se em Portugal reduzido a quatro escolas: o
Conservatório Nacional de Lisboa, o Conservatório Municipal do Porto, o Instituto de
Música de Coimbra e a Academia de Amadores de Música de Lisboa. (...) [que] estarão longe
de satisfazer as necessidades do País” (Ibid.:145). Apesar do seu interesse pelos contextos
rurais e tradicionais, Lopes Graça não contempla nesta sua consideração o importantíssimo
papel que as Sociedades Filarmónicas desempenham no ensino e divulgação da música junto
dos meios mais populares. É certo que o trabalho que desenvolvem não pode ser comparado
com aquele que é conseguido pelos conservatórios de música que estão notoriamente mais
preparados, no entanto, estas instituições populares têm contribuído para a transmissão de

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

conhecimentos musicais que permitem a execução de instrumentos e de repertórios que


requerem um certo domínio do solfejo e um conhecimento da estrutura musical. Contudo, esta
ideia não parece ser considerada por Lopes Graça quando refere que “o ponto crucial do
nosso atraso em matéria de ensino musical é a falta de escolas, oficiais, oficiosas ou
particulares, mas capazes de desempenharem uma dupla função: contribuir, por um lado,
para a ilustração musical do povo e, por outro, para a formação de profissionais”
(Ibid.:147).

Existe, possivelmente, uma razão que pode ter levado a que as bandas filarmónicas não
tivessem sido consideradas nesta apreciação. Como nos estamos a reportar aos inícios dos
anos setenta, temos que levar em linha de conta o facto de Portugal estar a viver uma Ditadura
e, ao mesmo tempo, uma guerra colonial, o que tem óbvias consequências ao nível da prática
filarmónica que passa por um período de algum retrocesso que se revela também ao nível da
actividade das suas escolas de música. Contudo, parece um pouco redutor não existir qualquer
referência a esta forma de ensino musical que desde os meados do século XIX até à
actualidade, tem demonstrado o seu importante papel como meio de aprendizagem musical e
até cultural, tal como veremos um pouco mais à frente no decorrer deste nosso trabalho.

Ao abordarmos estas linhas de pensamento que estiveram na base destes estudos e trabalhos
sobre a música tradicional e que se realizaram de uma forma sistemática em grande parte do
território português, devemos ter em linha de conta que estamos a referir-nos a uma
abordagem e a uma interpretação que foram resultantes de um determinado contexto social e
de um determinado período que decorreu, sensivelmente, entre os anos quarenta e os inícios
dos anos oitenta do século XX. Este foi um período em que se reconhecia a existência de uma
descentralização da música em termos regionais e locais e em que se vivia com a enorme
preocupação de poder registar e guardar o maior número de músicas e práticas da tradição
rural portuguesa. Havia a percepção de que era importante o estudo e o registo, antes que a
modernização, que já se fazia sentir em várias áreas não só no nosso país como em termos
globais, acabasse por se impor por completo não dando espaço às práticas de cariz tradicional,
o que provocaria o fim das identidades locais e a massificação de uma cultura.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Esta era, então, a principal motivação que levava os etnógrafos, os musicólogos, os


antropólogos ou os eruditos locais a realizar estudos centrados essencialmente em torno da
música tradicional, o que acabava, no entanto, por desmerecer outros campos da música
portuguesa que, pelo facto de não serem praticados nas zonas mais rurais ou de não se
munirem de instrumentos de cariz mais arcaico ou tradicional, acabavam por não ser
considerados, não adquirindo um estatuto para áreas como a etnografia, a antropologia ou os
estudos culturais de cariz tradicional. O «receio por um passado ameaçado pela modernidade
leva à necessidade de “salva” o folclore nacional» (Russo, 2003:43). É dentro desta lógica
que a Etnologia e a Antropologia vão desenvolvendo os seus estudos e vão dando corpo à sua
própria história que ficou fortemente marcada pela problemática das tradições e pelo estudo
das culturas rurais que seriam, segundo este paradigma, o local onde genuinamente se
encontraria a “autenticidade” da identidade nacional. Este facto levou a que, durante muito
tempo, a Antropologia não assumisse como relevantes para a sua abordagem temas e assuntos
que se afastassem do essencial e “quase idílico” mundo rural, sendo este considerado o meio
no qual encontraríamos a verdadeira identidade como se, fora dele, nas cidades e no contexto
urbano, essa identidade não pudesse sobreviver, só pelo facto de estar, segundo esta
perspectiva, necessariamente corrompida por influências externas e por práticas que já pouco
tinham que ver com as práticas tradicionais.

Sem querer desconsiderar, de forma alguma, o trabalho desenvolvido pela Antropologia


durante uma boa parte da sua história, temos que reconhecer que, relativamente ao tema das
bandas filarmónicas, os seus estudos não lhe deram a devida atenção. Talvez porque as
filarmónicas começaram por ser um fenómeno ligado à vida nas cidades, estando, no seu
início, associadas aos contextos mais urbanos, onde se desencadeavam novas formas de
sociabilidade e novas práticas culturais, características de outras realidades tais como as do
associativismo, que começou por ser um movimento maioritariamente urbano. Esta pode ter
sido, talvez, uma das razões que levou a que este tema não fosse abordado pela Antropologia
e pela Etnologia que estavam mais orientadas para o estudo do mundo rural e que dificilmente
se sentiriam atraídas por uma prática musical que estava associada ao ambiente urbano das
pequenas e médias cidades.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Mesmo para a primeira vaga de etnógrafos, etnólogos e eruditos que surgiram com o
movimento romântico no século XIX e que muito contribuíram para o progresso da sociedade
portuguesa nomeadamente até em termos do desenvolvimento urbano, tal como iremos ver
um pouco mais à frente neste trabalho, mesmo para este colectivo de estudiosos, as bandas
filarmónicas eram até muitas vezes por eles apoiadas, no entanto, não eram consideradas
objectos de estudo pelo facto de serem uma prática associada ao presente e ao mundo urbano
não fazendo parte das tradições rurais que, segundo as suas perspectivas, correspondiam a um
património intemporal que representava a identidade e a nacionalidade do povo português.

Apesar das bandas filarmónicas serem uma prática musical de carácter popular, na medida em
que reúnem um conjunto de gente que, na maior parte dos casos, está associada às classes
mais baixas, não eram consideradas como uma prática de relevante interesse pelo facto de não
estarem directamente ligadas à música tradicional. É certo que, por um lado, os instrumentos
utilizados nas bandas não pertencem ao conjunto de instrumentos mais arcaicos e mais
rudimentares (excepto o bombo e a caixa) que fazem parte da música rural, e que a prática
filarmónica já conta com instrumentos de outra complexidade técnica, feitos de outros
materiais e que não são, como tal, concebidos por artesãos populares. Por outro lado, e no que
diz respeito ao repertório, é certo que as bandas se inspiram na música militar e na música
erudita, contudo, não podemos pensar nesta prática musical como uma prática desprovida de
sentido popular, na qual não se regista o “cunho” das suas gentes, da sua identidade e mesmo
da sua tradição musical que é muitas vezes adaptada para música instrumental e tocada pela
filarmónica.

Em forma de síntese, podemos concluir que os estudos desenvolvidos em torno da cultura


popular não centraram a sua atenção na prática filarmónica essencialmente devido a dois
factores: por um lado, porque as bandas começaram a formar-se inicialmente nas zonas mais
urbanas, zonas que não eram abrangidas pelos principais trabalhos desenvolvidos por estas
áreas de investigação, de modo que, às práticas culturais associadas às cidades não lhes era
reconhecido o estatuto de poderem ser consideradas pelos seus estudos; por outro lado, por os
referidos estudos só se dedicarem à música tradicional e de não procurarem outras formas
musicais e partirem assim do princípio que este tipo de música se encontrava apenas associada

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

ao mundo rural, não colocando a hipótese de esta poder existir também, enquanto tal,
integrada no contexto urbano.

Com a chegada dos anos noventa, novos caminhos se abriram para a Antropologia e para as
Ciências Sociais de uma forma geral, o que se deveu também, em parte, às mudanças que
foram ocorrendo na sociedade portuguesa que muito contribuíram para o atenuar da acentuada
dicotomia entre o mundo rural e o mundo urbano. Na sequência destes novos contextos
sociais e culturais, a Antropologia passa a procurar outros temas de abordagem começando a
centrar-se nas questões urbanas e a encontrar nas cidades bons temas de estudo. Contudo, o
tema das filarmónicas volta a não estar contemplado nos trabalhos desenvolvidos ao nível do
contexto urbano. Nem sequer é abordado enquanto factor inerente ao movimento associativo.

Por sua vez, assistimos agora a uma situação inversa, ou seja, actualmente, quando os estudos
antropológicos passaram a interessar-se pelas dinâmicas urbanas, as sociedades filarmónicas e
as suas respectivas bandas intensificaram a sua prática essencialmente no seio de contextos
mais rurais, não estando tão confinadas às principais capitais de distrito, mas sim a uma escala
mais local como são as freguesias. Apesar de continuarem a existir muitas bandas ligadas ao
mundo urbano, esta prática atravessou várias fases, atingindo, no presente, uma maior adesão
junto de comunidades mais pequenas, onde se vive e se partilha, de uma forma mais intensa, a
prática colectiva.

Estas e outras questões serão abordadas e desenvolvidas ao longo deste trabalho, de momento
o que nos interessa analisar são as nossas recolhas bibliográficas e perceber, através delas, a
forma como o tema das bandas filarmónicas tem ou não sido documentado e considerado
pelos diferentes estudos realizados em torno da música, e, no caso em concreto deste trabalho,
em torno de toda a dinâmica que envolve a prática filarmónica. Em termos da nossa pesquisa
há sempre questões que poderiam ter sido mais depuradas, no entanto, fica aquilo que nos foi
possível apreender e desenvolver.

Seguindo a ideia anterior, e após termos olhado a filarmónica segundo o ponto de vista dos
estudos tradicionais, procuraremos agora perceber de que forma o contexto da música erudita
tem interpretado a prática musical filarmónica.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Se as bandas de música não eram consideradas, pelas razões que já vimos anteriormente,
como práticas musicais de cariz tradicional, tudo nos levava a crer que fossem então práticas
associadas à música considerada clássica: não sendo tradicionais seriam eruditas. Muitos eram
até os factores que nos levavam a seguir esse princípio e, entre eles, destacamos os mais
evidentes.

Com efeito, nas filarmónicas tocam-se instrumentos clássicos que também encontramos nas
orquestras e nas performances mais eruditas e que são executados por músicos profissionais.
Ou seja, falamos de um conjunto de instrumentos de sopro que requerem um determinado
conhecimento técnico e que exigem alguma complexidade na sua aprendizagem. Esta
exigência faz supor com que os músicos das filarmónicas tenham que assistir, numa primeira
fase, a aulas de solfejo que lhes permitam adquirir conhecimento musical de modo a que
possam, posteriormente, ler e interpretar uma partitura, passando então, na fase seguinte, a
aprender a tocar o instrumento, tarefa que tem também as sua complexidade, nomeadamente,
porque se trata de instrumentos que requerem muita prática e dedicação.

Estes, entre outros factores, levam-nos, de facto, a encontrar nas filarmónicas uma maior
associação à prática musical mais erudita do que à prática tradicional. E quando nos referimos
à música erudita, reportamo-nos à música que, pelas suas características, se distingue da
chamada música tradicional ou também designada música popular, que se define, entre outros
aspectos, por ser uma música que é identificada como pertencente à tradição de um
determinado lugar, sendo o seu repertório transmitido oralmente de geração em geração,
situação que não é recorrente ao nível da música erudita, no sentido em que requer da parte de
quem a executa, uma maior erudição, ou seja, um conhecimento mais aprofundado e um
maior domínio musical, que dificilmente será transmitido de geração em geração, mas sim
através de um processo de aprendizagem mais aprofundado e sistemático.

Tal como vimos, para se tocar numa filarmónica é necessário adquirir conhecimentos
musicais que passam, supostamente, por aulas de solfejo e de instrumento, o que permite a
estes músicos a aquisição de uma maior erudição musical. Por sua vez, existem também, ao
nível dos instrumentos musicais aspectos que colocam as filarmónicas numa posição diferente
relativamente à música tradicional. No caso das bandas estamos a falar de um conjunto de

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

instrumentos de sopro que pouco têm a ver com a maioria dos instrumentos de sopro
tradicionais. Nas filarmónicas, os instrumentos de sopro, para além de serem de metal - ao
contrário dos instrumentos tradicionais que são feitos de madeira, de canas, utilizando até um
odre de pele como acontece com a gaita-de-foles - têm uma outra complexidade técnica, na
medida em que utilizam mecanismos mais desenvolvidos, como é o caso dos pistões que
permitiram evoluções a nível sonoro e instrumental (este será um aspecto que
desenvolveremos mais em pormenor no capítulo seguinte). Para além das características
técnicas que diferenciam estes dois tipos de instrumentos, existe ainda uma particularidade
que os distingue substancialmente. No caso dos instrumentos tradicionais é possível
encontrar-lhes peculiaridades identitárias, que se prendem com a região da qual são oriundos,
ou com o artesão que os constrói, ao passo que os instrumentos de sopro que fazem parte das
bandas são idênticos nas bandas militares, nas filarmónicas, nas orquestras, na música de
câmara, tanto a norte como a sul do país. Mais uma vez se reitera a relação das filarmónicas
com o contexto da música erudita que também se caracteriza pela utilização de instrumentos
musicais mais complexos e estandardizados, na medida em que são construídos em série. Por
sua vez, e em termos do repertório, as filarmónicas executam muitas vezes peças musicais de
compositores clássicos que estão confinadas essencialmente ao mundo da chamada música
erudita.

Tal como já referimos anteriormente, as bandas filarmónicas dinamizaram a sua prática a


partir do século XIX, que foi para o contexto da música um dos séculos mais promissores,
durante o qual se desencadearam uma série de novas manifestações artísticas. Desta forma, se
observarmos a evolução musical que decorreu na sequência deste período, deparamo-nos com
o surgimento das próprias filarmónicas.

De modo a que se torne mais perceptível o enquadramento e o desenvolvimento da prática


musical filarmónica, faremos, seguidamente, uma abordagem pela evolução e dinamização da
música ao longo da sua história, nomeadamente a partir do século XVI, período em que se
assiste à plena emancipação da música profana e às primeiras bases da música instrumental
moderna (Grande Encicl. Port. e Bras., s/d:283). Estamos a referir-nos a um período em que a
música religiosa começa a perder a sua hegemonia dando espaço a outras formas e práticas
musicais.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

É essencialmente a partir do século XVII que a música ocidental, ao libertar-se da marcante


influência da Igreja, passa a revalorizar os modelos artísticos da antiguidade clássica e “a
polifonia, sem desaparecer, dá lugar à monodia acompanhada, e ao estilo concertante e
harmónico. A música torna-se dramática, expressão das palavras e dos sentimentos
individuais, surgindo assim novos géneros: a ópera (...) e a oratória” (Nova Encicl. Larousse,
1998:4940). A partir dos meados de século XVII, a música transforma-se profundamente e,
através dos progressos da ciência acústica, desenvolve as bases da música harmónica, que se
torna um corolário necessário da música instrumental que, desta forma, caminha no sentido da
música moderna (Grande Encicl. Port. e Bras., s/d:283). Este é um período que se estende
pelos séculos seguintes e que foi considerado o período da música harmónica, “da Música
determinada não pela sobreposição de melodias, mas sim pelos agregados sonoros,
chamados acordes, e suas múltiplas metamorfoses, é dominada, nas suas grandes formas
essencialmente profanas, pela ópera e pelo concerto” (Ibid., s/d:283). É a partir deste período
que a música deixa de estar exclusivamente destinada à igreja, às cortes reais e aos salões
aristocráticos, passando para salas de concerto públicas e posteriormente para os salões da
burguesia.

Devemos abrir um pequeno parêntesis relativamente a Portugal, que só acompanhou esta


tendência europeia algum tempo depois, pelo facto da ascensão da burguesia ter ocorrido mais
tardiamente no nosso país. Em Portugal a invasão da ópera italiana, só já ocorre a partir do
século XVIII, impulsionada por D. João V e D. José que patrocinavam os artistas italianos e
enviavam a Itália os compositores nacionais, como aconteceu com Marcos Portugal,
considerado o maior compositor português de Ópera. Como Portugal não foi um país com
grande relevo ao nível da criação musical, na nossa história da música destacam-se poucas
personalidades que tenham acompanhado as grandes correntes europeias, as tendências gerais
da música, para além de se implantarem substancialmente mais tarde no nosso país, tinham
alguma dificuldade em progredir. Tal facto aconteceu com a Ópera que acabou por dominar a
nossa arte musical por um período de quase dois séculos, quando noutros países a sua
hegemonia já tinha praticamente cessado e dado lugar à música instrumental e às novas
formas sinfónicas. Deste período devemos destacar o trabalho desenvolvido por António José
da Silva, “o Judeu”, “em cujas óperas, de grande popularidade no seu tempo, dadas no
popular Teatro do Bairro Alto, estava certamente o germe de um espectáculo musical com

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

características nacionais (algo porventura no género da zarzuela), mas que ficou sem
continuação” (Grande Encicl. Port. e Bras., s/d:294). É também a este período que pertence a
célebre cantora Luísa Tódi. Um outro género que se implantou em Portugal durante o século
XVIII foi a modinha de influência brasileira. “Enquanto se consumava a Revolução
Francesa, Portugal era um país de certa forma parado no tempo, um pachorrento Antigo
Regime cuja elite tinha gostos entre o simples e o espaventoso, entre o religioso e o
hedonista. Não é por acaso que as modinhas fizeram tanto furor entre nós” (Delgado,
2002:25-26). No que se refere à criação da moderna música instrumental, ela tem o seu
desenvolvimento apenas no século XIX, com João Domingos Bomtempo que foi quem
implantou a cultura sinfónica e de câmara em Portugal, contribuindo para o surgimento das
primeiras Sociedades Filarmónicas, aspecto que abordaremos com maior detalhe no capítulo
seguinte.

Relativamente às tendências da música europeia, é a partir do século XVIII que se começa a


desenvolver outra forma de música instrumental, que teve notáveis consequências e a que se
chamou música sinfónica. Numa primeira fase esta música esteve associada à Ópera
passando, a partir da segunda metade do século XVIII e no século XIX, a desvincular-se da
Ópera e a desenvolver-se técnica e esteticamente, dando origem a formas mais elaboradas,
“aventurando-se o génio inventivo dos compositores por caminhos cada vez mais pessoais”
(Ibid., s/d:383), o que deu início ao processo de criação da considerada música instrumental
moderna. Foi durante este período que se destacaram os grandes concertos sinfónicos, tanto
nas suas formas solísticas como nas formas orquestrais, e que se reafirmou o valor da música
de câmara e a invenção de outras formações clássicas que, no seu conjunto, resultaram num
alargamento dos meios de expressão musical.

Quando se chegou ao século XIX desencadearam-se uma série de manifestações de carácter


histórico, social e cultural que contribuíram para a modernização da civilização ocidental, o
que se reflectiu a vários níveis, entre eles ao nível da música e das artes em geral. A música
durante este período, ao seguir as novas tendências, renuncia um pouco à sua linha mais
tecnicista e cerebral, dando espaço à expressividade e emotividade humana. Este foi um
período em que se desenvolveram novos valores como o humanismo, o individualismo, o
naturalismo, o gosto pela tradição e pelo passado, que levaram à criação de géneros

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

instrumentais inspirados na cultura tradicional. A música instrumental passa a ser amplamente


desenvolvida nos mesmos moldes da música vocal, o que faz com que muito do repertório
vocal seja transposto para música instrumental, levando os próprios instrumentos a passarem
também por um processo evolutivo de forma a poderem reproduzir os diversos registos
vocais, o que resultou no desenvolvimento de várias famílias de instrumentos, tais como a do
Saxofone, criada por Adolf Sax. Com o aperfeiçoamento dos processos de fabricação, os
instrumentos, principalmente os de metal, adquirem recursos e uma plasticidade desconhecida
que confere às novas obras “poder sonoro e um colorido desconhecidos da música clássica e
que constituem um dos principais factores psicológicos da constante atracção que essas
obras exercem sobre o grande público dos concertos” (Grande Encicl. Port. e Bras., s/d:288).
O século XIX, foi um século que permitiu a abertura a novas perspectivas musicais e a novos
públicos, começando a música a fazer parte do quotidiano das sociedades que implantaram
novos hábitos e que fizeram da arte dos sons uma poderosa manifestação social.

Foi dentro deste contexto que a música se libertou dos seus tradicionais ambientes,
socializando-se e conquistando novas formas musicais que se difundiram, alargando o seu
âmbito de acção, até se transformarem, com o incremento crescente do domínio político da
burguesia e mais tarde dos grupos de trabalhadores, em populares e democráticas instituições
sociais. Foi também o que aconteceu ao nível das sociedades filarmónicas que se começaram
a propagar por todo o país pelos vários grupos sociais. Um dos aspectos da vida musical
portuguesa em que se percebe a influência recebida da Europa diz respeito ao fenómeno das
colectividades consagradas à música, instituições que correspondiam, nas classes médias e
baixas, ao que eram as sessões musicais nas casas aristocráticas.

Apesar das primeiras Sociedades Filarmónicas se terem dedicado à apresentação de obras


sinfónicas e de câmara e dado a conhecer os autores clássicos e as tendências musicais da
música erudita, estas sociedades deram também origem às primeiras bandas filarmónicas que
começaram por ser apoiadas pela burguesia e pelos novos movimentos políticos e sociais. No
entanto, quando nos debruçamos sobre a bibliografia que se dedica à História da Música, são
raras as referências às bandas civis, aborda-se o surgimento das Sociedades Filarmónicas e a

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

sua adesão e difusão, destacando-se essencialmente as suas orquestras 2 sinfónicas e os seus


concertos de câmara, mas pouco se desenvolve sobre a prática das bandas filarmónicas que
parecem ter menor destaque do que outras expressões musicais de carácter erudito. Existem,
contudo, algumas abordagens como a de João de Freitas Branco que na sua História da
Música Portuguesa se refere às associações populares que foram surgindo em diferentes
localidades, “com seus empreendimentos musicais em geral confinados a conjuntos de
instrumentos na maioria de cordas dedilhadas (tunas ou sol-e-dós), e a bandas semelhantes
às militares. Também estas exerceram acção positiva na instrução musical do povo, durante
a segunda metade do século passado e no actual” (Branco, 1995:289-290).

As bandas filarmónicas, apesar de se terem tornado maioritariamente populares e amadoras,


estando mais associadas a um contexto de rua do que a uma sala de concertos, estiveram
muito ligadas às evoluções e processos musicais que se desencadearam na música erudita, o
que poderia justificar a sua maior abordagem por parte dos estudos e bibliografias na área da
Musicologia. No entanto, em termos da prática filarmónica e do seu contexto musical e social,
poucas são as referências e os dados encontrados no âmbito da música erudita que contribuem
para um maior conhecimento deste tema e para um maior enriquecimento do nosso trabalho.

Depois de termos realizado esta passagem pela História da Música e de termos concluído que
a prática filarmónica se desenvolveu também em função das novas correntes musicais e
culturais que ocorreram a partir do século XIX, apercebemo-nos, contudo, que os estudos
sobre a música erudita não se têm dedicado à interpretação da prática musical filarmónica,
sendo muito poucas as referências às bandas de música, principalmente às bandas civis, o que
nos leva a considerar que, apesar das bandas terem desempenhado um importante papel na
divulgação da música tanto ao nível da elite como junto das classes mais populares, a prática
filarmónica não adquire um estatuto relevante dentro do contexto da música erudita.

Depois de observarmos a abordagem dos estudos tradicionais e dos estudos eruditos e de


termos verificado alguma carência de informação, colocámos a hipótese de uma outra área de
abordagem que estaria muito próxima da prática filarmónica e que seria a área da música

2
O suposto prestígio que adquiriam as orquestras, levou a que muitos conjuntos denominados de “bandas”
passassem a adoptar também a designação de “orquestra” (Jacobs, 1978:50).

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

militar. São muitas as semelhanças que existem entre as bandas militares e as filarmónicas
aspecto que poderá ter contribuído também para o enriquecimento e análise sobre o contexto
particular das bandas civis, mas tal não aconteceu. No que se refere ao estudo e bibliografia
sobre a música militar, também nos deparámos com algumas lacunas relativamente a dados
sobre bandas e músicos militares. Não existe muita informação sobre esta prática musical e tal
como escreve o Sargento- Ajudante Luís Correia, no Boletim Eurídice, uma das razões que o
incentivaram à realização do mestrado na Universidade Nova foi o do interesse em aprofundar
e divulgar o conhecimento sobre esta área “contribuindo para colocar mais uma peça no
puzzle da história da música em Portugal. Ainda para mais o século XIX, onde emerge a
importância dos músicos militares no seio da vida musical portuguesa” (Correia, 2007:43).
Contudo, apesar desta área ainda estar pouco estudada, encontrámos alguma bibliografia
sobre a história da música militar e das suas bandas e alguns autores que se debruçaram sobre
o tema, como é o caso do Tenente Manuel Joaquim com “A Música Militar através dos
tempos” (1937), Albino Lapa com “Subsídios para a História das Bandas Militares
Portuguesas” (1941), Pedro de Freitas com “A História da Música Popular em Portugal”
(1946), obra que não se centra nas bandas militares mas que aborda esta prática musical, entre
outras bibliografias mais localistas, como é o caso da obra de António Martinó intitulada
“José Cândido Martinó. Uma vida desenhada pela banda” (1999), entre outras que se
centram em histórias sobre músicos militares ou sobre uma determinada banda. Actualmente,
um grupo de investigadores do departamento de Etnomusicologia da Universidade Nova tem
também desenvolvido algum trabalho em torno desta temática e destacamos igualmente a
existência do Boletim Eurídice, órgão de informação e divulgação da Banda Sinfónica do
Exército, que tem vindo a produzir um conjunto de artigos sobre o tema das bandas militares e
sobre o contexto que lhes está associado. Dentro da bibliografia encontrada realçamos o facto
de grande parte destes trabalhos serem essencialmente realizados por músicos militares que se
interessam por estas matérias.

No entanto, nas várias obras consultadas e excepto o trabalho da equipa de Etnomusicologia e


o livro de Pedro de Freitas, são raras as referências às bandas filarmónicas. Através destas
obras são-nos dadas a conhecer importantes informações sobre as bandas militares, a sua
história, a sua organização, o papel que desempenham no contexto militar e na sociedade civil

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

e a importância que adquiriram no âmbito da música portuguesa, mas no que toca ao contexto
e ao papel desempenhado pelas filarmónicas são poucas as alusões às bandas de carácter civil.

Em certa medida, esta situação pode ter que ver com o estatuto adquirido pela banda e pelos
músicos militares. Tal como referiu o músico militar José Cândido Martinó, num artigo
escrito em 1923, “A música militar exerceu sempre um papel importante na vida militar;
tanto no quartel como no campo é ela que dá alegria ao soldado, animando-o na marcha,
entusiasmando-o no combate, distraindo-o nos ócios, tornando mais brilhante o seu desfilar,
contribuindo com a parte mais importante nas festas e solenidades, enfim unindo com o
acerto de um só ritmo a acção de muitas centenas de companheiros agrupados sob a sagrada
bandeira da pátria” (Martinó, 1999:420-421). Apesar desta frase estar historicamente datada,
ela realça a forma como é interpretada a função e a importância da música militar.

Tanto para a sociedade civil como para o contexto militar, o músico tem um estatuto especial
dentro das várias forças militares, na medida em que, para além de soldado, é também músico,
posto que adquiriu pelas suas capacidades musicais, o que lhe confere, de alguma forma, uma
situação de superioridade. Por outro lado, os músicos militares participam nas grandes
comemorações, sessões solenes, guardas de honra, desfiles, concertos, acompanhando as
comitivas em representação do país, o que lhes permite receberem diversos louvores do
Comando Militar, do Governo, de entidades políticas e civis tanto portuguesas como
estrangeiras. E, para além das actividades de âmbito militar, as bandas são também muito
solicitadas e acarinhadas pela sociedade civil que as convida a participar em eventos de
carácter recreativo e religioso.

São possivelmente estes alguns dos factores que terão contribuído para que a música militar
se evidencie perante a prática filarmónica. Pelo facto de estar associada ao meio militar, a
banda assume um conjunto de regras e de posicionamentos que, mesmo que sejam seguidos
pelas bandas filarmónicas, estas dificilmente serão consideradas como estando ao nível das
militares, na medida em que são bandas de contexto popular que contam com a participação
de músicos amadores, ao passo que as militares contam com o profissionalismo e o elevado
nível técnico dos seus músicos.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Ao longo da história, as bandas militares foram assumindo, pelas suas funções, um papel de
relevo na sociedade que, aliado ao seu carácter profissional tem contribuído para que a banda
militar se evidencie perante a banda filarmónica. No século XIX, quando surgiram, na
sequência das guerras liberais, as primeiras organizações de bandas civis, elas eram
“intituladas filarmónicas «de guerrilha» e depreciativamente consideradas nas esferas
militares ligadas à música” (Ramos, 1991:10). Ao serem dinamizadas as primeiras bandas
civis, estas seriam interpretadas com alguma apreensão pelos músicos militares, na medida
em que se apresentavam de uma forma muito idêntica às bandas militares, nomeadamente na
sua maneira de trajar, de marchar e no próprio repertório praticado, especificamente durante
as lutas liberais portuguesas em que se tocavam muitas marchas e hinos. Apesar de ambas as
bandas reunirem um conjunto de aspectos que lhes imprimem proximidade e semelhança, o
contexto militar começou, desde o início, a marcar alguma distância e diferenciação entre a
sua prática e a prática filarmónica que seria interpretada como mais popular e mais amadora
não estando, por isso, à altura da militar. Com o passar do tempo e com a relação que se foi
mantendo entre as bandas filarmónicas e as bandas militares foram-se atenuando as
assimetrias, ainda que se continue, por vezes, a promover alguma distinção, como se pode ver
nas entrelinhas desta frase: “Há um gosto muito acentuado nos Açores pela Música, existindo
cerca de 110 filarmónicas em actividade. Nelas se faz sentir, de forma mais ou menos directa,
a acção e a influência da Banda Militar, verdadeira escola de formação musical e centro de
irradiação de cultura que alimenta e anima as filarmónicas com os seus músicos, quer como
maestros quer como executantes, e prestigia a Instituição Militar junto das populações
açorianas” (Almeida, 2007:20). Ainda que esta frase, faça parte de um artigo da revista de
informação e divulgação da Banda Sinfónica do Exército, a mesma não deixa de referir a
influência recíproca das 110 filarmónicas açorianas e da Banda Militar dos Açores.

Mais uma vez, e por razões de outra ordem, as bibliografias dedicadas à música militar
também não contribuem de forma significativa para um maior conhecimento da prática
filarmónica que continua a não ser referenciada e analisada enquanto tal, sendo apenas
apresentada como complemento à prática musical desempenhada pelas bandas militares.

Fazendo uma breve síntese do que analisámos até aqui, concluímos que as bandas
filarmónicas não adquirem um estatuto de relevo na maioria dos estudos que se têm

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

desenvolvido sobre a música. Do ponto de vista dos trabalhos realizados em torno da música
tradicional, a filarmónica não é considerada como pertencente a este contexto, mas, por sua
vez, ela também não é abordada pelos musicólogos que se dedicam à música erudita. Para
além destas duas áreas de estudo, procurámos ainda informações sobre as bandas civis nas
bibliografias relativas à música militar. Neste campo encontrámos um maior número de
trabalhos em torno do tema das bandas, o que revela, de alguma forma, a importância e a
atenção que os contextos militares dão às suas formações musicais que já conquistaram o seu
estatuto, o que justifica a sua abordagem e o seu estudo. Um bom exemplo que demonstra o
interesse sobre estas matérias é a actual publicação do Boletim da Banda Sinfónica do
Exército, chamado Eurídice, no qual se escrevem artigos relativos às várias bandas militares,
à sua história e a aspectos associados a esta prática 3 . Porém, no que toca às filarmónicas, elas
são também neste caso pouco analisadas, dado que estes estudos se centram essencialmente
em torno de aspectos ligados às bandas militares.

Por conseguinte, chegamos à conclusão que o tema das bandas filarmónicas tem tido alguma
dificuldade em ser considerado um bom objecto de estudo, na maioria das vezes é associado a
outros contextos musicais aparecendo como complemento informativo, mas raramente como
tema central. As únicas bibliografias encontradas que contrariam esta tendência são todas
aquelas que têm como autores, elementos associados às filarmónicas, músicos, maestros ou
indivíduos pertencentes aos órgãos sociais destas instituições. Ou seja, as bandas civis
reafirmam o seu estatuto dentro do seu contexto local, é nos artigos e nas obras elaboradas
internamente que encontramos um maior número de informações sobre a prática e a vivência
social e cultural das filarmónicas. O seu estudo e a sua reflexão têm sido essencialmente
desenvolvidos de dentro da comunidade para o exterior, através dos seus próprios executantes
que nos dão a conhecer a sua história, o trabalho que têm realizado, as suas particularidades,
as suas vivências. Desta forma, acaba por ser o próprio contexto, de que fazem parte as
filarmónicas que as revitaliza e patrimonializa, conferindo-lhes um estatuto enquanto entidade
social e musical que assegura uma série de importantes funções ao nível das populações às
quais estão associadas, como também, em termos globais, na divulgação e promoção da
música.

3
No próximo número do Boletim Eurídice, ainda em preparação, será publicado um artigo escrito pelo Maestro
Sargento-mor Músico, Francisco Canoa Ribeiro sobre a Banda Militar de Évora.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Em suma, apesar de não existir muita informação em termos gerais que se centre no estudo e
na abordagem das bandas e das instituições filarmónicas, é como já afirmámos, ao nível das
produções ligadas ao contexto filarmónico que encontramos um maior número de referências
bibliográficas sobre o tema.

O primeiro grande entusiasta das bandas filarmónicas foi Pedro de Freitas, autor da obra
História da Música Popular em Portugal, editada em 1946. Pedro de Freitas estabeleceu
desde muito jovem uma forte relação com o mundo filarmónico, integrando a banda
filarmónica de Loulé. Foi ferroviário de profissão e militar, chegando até a participar na
primeira guerra mundial. Durante todo o seu percurso de vida esteve ligado à prática
filarmónica e foi sempre um activo defensor das bandas civis e do importante papel que
desempenham na sociedade.

A obra História da Música Popular é bastante reveladora do interesse demonstrado por Pedro
de Freitas relativamente ao tema das filarmónicas. Para a sua concretização, o autor
desenvolveu um intenso trabalho de pesquisa e de investigação sobre as Sociedades
Filarmónicas portuguesas, procurando integrar o maior número de informações sobre cada
uma delas. Mesmo com todas as dificuldades com que se terá deparado na recolha de dados e
de referências, muitas vezes, inexistentes, Pedro de Freitas faz um enorme levantamento,
registando no seu livro 200 bandas filarmónicas. Este é, sem dúvida, o grande trabalho
desenvolvido em torno das bandas civis e, apesar da obra se intitular História da Música
Popular em Portugal, o tema que é essencialmente desenvolvido é o das bandas filarmónicas
e do contexto que lhes diz respeito em termos musicais, associativos, históricos, etc.

Analisando o conteúdo desta obra destacamos três aspectos essenciais que, a nosso ver,
contribuíram de forma relevante para o estudo das bandas filarmónicas. Antes de mais, esta
obra, para além de ser das primeiras que se dedica ao tema das bandas civis, distingue-se pela
particularidade de ser realizada por um «filarmónico», por alguém que participa e faz parte do
seu contexto, o que pode ser bastante elucidativo quanto ao estatuto e à função que assumem
as bandas na sociedade. Tal como podemos ver através deste trabalho, é o indivíduo que vive
o ambiente filarmónico que se sente motivado para valorizar e projectar esta prática musical.
É dentro da sua comunidade que a filarmónica adquire um estatuto e assume uma identidade

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

que, só à posteriori, é assimilada em termos gerais, ela tem que se auto-valorizar e trabalhar
para o seu reconhecimento. Por sua vez, esta particularidade é também reveladora do carácter
associativo que assumem as filarmónicas, o que as faz incentivar e promover, de forma
interna, o trabalho desenvolvido pelo colectivo. Pedro de Freitas dedica-se com toda a entrega
a este trabalho, não só por ser um tema que considera premente, como também pelo facto
desta obra poder contribuir para o desenvolvimento, para o mérito, para uma certa valorização
da comunidade em que se insere e ainda para o reconhecimento das instituições filarmónicas.
São várias as referências ao longo da obra nas quais transparece esta motivação, deixamos
aqui este pequeno exemplo, a nosso ver, bastante elucidativo: “De características
acentuadamente portuguesas, impõem-se elas [as filarmónicas] como agradáveis e úteis
colectividades onde a Assistência Social encontra amparo, a Educação fértil campo de acção,
e o patriotismo e a solidariedade ambiente propício para uma grandiosa e consubstanciada
construção de civilização e progresso. (...) E é esta a mais importante e útil acção – Humana
e Educativa – prestada pelas Sociedades de Música Popular” (Freitas, 1946:521).

Um segundo aspecto que nos é facultado através deste trabalho e que se revela inovador para
a época em que foi considerado, prende-se com a relação que Pedro de Freitas estabelece
entre as bandas filarmónicas e a música popular. Segundo o autor, a prática filarmónica está
inserida no contexto da música popular, no sentido em que é uma prática musical que está “
enraizada no ouvido popular que a canta e sente” (Freitas, 1946:29). Pedro de Freitas, talvez
pelo facto de conhecer internamente o ambiente vivido nas sociedades filarmónicas,
interpreta-as como entidades caracteristicamente «populares», no sentido oposto ao erudito.
Tal como escrevia Adolfo Coelho “popular é o que respeita ao povo, pertence, caracteriza o
povo” (Coelho, 1908:60). A banda desempenha uma função popular, na medida em que é
protagonizada pelo povo, e é ao mesmo tempo uma instituição portadora de uma prática
musical, de uma cultura e de uma identidade que pode difundir-se pelos grupos sociais, não
eruditos. Para Pedro de Freitas é o «povo» quem melhor interpreta e valoriza a prática
filarmónica. “Ás Sociedades Filarmónicas quem lhes empresta mais solidariedade? Quer no
campo artístico quer no campo económico, são, em geral, as classes menos abastadas. Nas
outras, infelizmente, e em relação à generalidade, poucas dedicações se encontram. É no
pedreiro, no trabalhador, no sapateiro, no carpinteiro, no empregado humilde enfim, que se

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

encontra a verdadeira e desinteressada dedicação (...). São estes os obreiros anónimos que
sustentam no país, e sem remuneração, a música do povo” (Freitas, 1946:29-30).

Por último, destacamos o trabalho de Pedro de Freitas como uma obra que, para além do seu
carácter documental e informativo, fornecendo um conjunto de dados relativos à história e à
organização das várias bandas filarmónicas existentes em Portugal, é um trabalho que parte do
um olhar crítico e reflexivo sobre as várias matérias relacionadas com as bandas filarmónicas.
O autor não se limita apenas a fazer descrições sobre este assunto, antes pelo contrário, ele
assume neste trabalho uma conjunto de apreciações que, nalguns casos defendem pontos de
vista contrários, inclusivamente, àqueles que eram promovidos pelo regime político
instaurado durante o Estado Novo. Para Pedro de Freitas, grande defensor das causas
filarmónicas, esta seria uma prática que se deveria desenvolver por todo o país, criando as
condições necessárias para que os grupos sociais, pertencentes ao chamado povo, pudessem
ter acesso à aprendizagem e à prática da música que, na sua perspectiva, deveriam contar com
o estimulo e o auxílio das entidades oficiais que têm a obrigação de apoiar as sociedades
musicais de cariz popular.

Após este trabalho, desenvolvido por Pedro de Freitas, não se voltou a realizar mais nenhum
estudo tão sistemático e aprofundado sobre as bandas filarmónicas. A preocupação por
registar todas as sociedades musicais e as evoluções pelas quais foram passando as
filarmónicas ao longo da sua história, deixou de ser uma preocupação tão iminente. Não
obstante, a maioria das referências bibliográficas que se dedicam às bandas civis, continuam
actualmente a ser aquelas que são elaboradas por elementos pertencentes ao contexto
filarmónico. Neste aspecto, as coisas não parecem ter mudado assim tanto deste o trabalho de
Pedro de Freitas, na medida em que continuam a ser os “filarmónicos” a escrever e a
promover a sua própria história e a sua identidade musical e cultural.

Factores político-sociais como a guerra colonial e a emigração podem ter estado na origem da
escassez de estudos sobre as filarmónicas entre as décadas de quarenta e cinquenta, data do
trabalho de Pedro de Freitas, e os anos oitenta, período em que as práticas filarmónicas se
revigoraram com o regime democrático de 25 de Abril de 1974.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Nesta mais recente bibliografia, efectuada essencialmente por elementos que pertencem ao
contexto filarmónico, encontramos várias obras de carácter mais localista, que se dedicam ao
estudo de uma determinada sociedade musical, abordando a sua origem, a sua evolução e as
particularidades dos seus músicos e regentes, da sua sede, da sua política associativa, etc. Este
tipo de obras, mais do que uma recolha exaustiva das várias filarmónicas existentes no país e
das suas principais problemáticas, são trabalhos que se centram numa determinada realidade
muito particular relativamente à qual ficamos a conhecer os nomes e as “estórias” dos seus
músicos e dos seus principais dinamizadores, estas passam a ser bibliografias de
características mais “antropológicas”, se assim se pode dizer, na medida em que se dedicam a
“estudos de caso” e a “histórias de vida”. Através destes trabalhos os autores demonstram a
sua preocupação em salvaguardar o valor histórico e patrimonial que desempenha a sua
sociedade filarmónica perante a comunidade local e em termos globais. Essencialmente a
partir dos anos oitenta, as sociedades voltaram a reconhecer e reafirmar as suas práticas
tradicionais e a preocupar-se com a sua revitalização, o que levou, neste caso, a um aumento
do número de trabalhos desenvolvidos sobre as bandas filarmónicas, que apesar de não
estarem ligadas directamente ao mundo da música tradicional, são consideradas como uma
actividade que, pelas suas características, deve ser estudada e valorizada enquanto tal.

Para além do tipo de bibliografia que referimos anteriormente, a partir da década de oitenta
começaram a surgir novos trabalhos surgiram em torno do tema das bandas filarmónicas.
Dentro destas novas abordagens realçamos; por um lado, a publicação de um Colóquio sobre
a Música Popular Portuguesa, organizado pelo INATEL, em 1984 que nos parece reunir um
conjunto de comunicações e conclusões que resumem, de alguma forma, a leitura e a
interpretação que durante este período se faz da prática musical filarmónica, em particular, e
das manifestações culturais e artísticas em termos gerais; por outro lado, abordaremos os
recentes trabalhos etnomusicológicos que se têm desenvolvido a partir do departamento de
Ciências Musicais da Universidade Nova de Lisboa, nos quais se destacam os estudos
sistemáticos sobre as bandas filarmónicas desenvolvidos pelos investigadores Salwa El-
Shawan Castelo-Branco e Paulo Lameiro, em 1997.

No que se refere, à obra, Colóquio sobre a Música Popular Portuguesa- Comunicações e


Conclusões, apesar de se tratar apenas de um colóquio, o conjunto de ideias que reúne e o tipo

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

de oradores que nele participam, permitem-nos reflectir sobre uma série de questões que são
colocadas e problematizadas e que podem contribuir para o enriquecimento do estudo sobre as
bandas filarmónicas. Devemos ter, antes de mais, em linha de conta que este colóquio sobre a
música popular portuguesa está associado a um período concreto da história do nosso país.
Referimo-nos ao final dos anos setenta e ao início dos anos oitenta, do século XX, durante os
quais Portugal atravessa uma nova fase política, social e cultural. Depois de longos anos
confinado a uma ditadura, Portugal passa, a partir de 74, a construir uma Democracia, na qual
se projectam novos valores e se superam barreiras que, durante bastante tempo, inibiram o
progresso e as inevitáveis dinâmicas que envolvem as sociedades. Desta forma, os anos
oitenta, foram anos bastante prolíferos para o desenvolvimento de uma série de teorias e de
opiniões que fomentavam a mudança e a necessidade de dinamizar e pôr em prática uma série
de ideias, de estudos e de projectos que tinham de se desenvolver. Ao nível das artes e da
cultura em geral, todas estas mudanças também se fizeram sentir o que proporcionou muitas
reflexões e teorias acerca dos caminhos que deveriam tomar e das dinâmicas que deveriam
seguir. Neste campo, é de destacar o papel desenvolvido pelo INATEL, a antiga FNAT, que
promove uma série de iniciativas que se dedicam às várias manifestações artísticas e culturais,
nomeadamente às que estão associadas às tradições portuguesas.

É dentro deste ambiente que o INATEL promove o Colóquio sobre a Música Popular
Portuguesa, realizado em 1979, na sequência do “I Festival de Música Popular”, no qual
participaram, cerca de 400 agrupamentos, entre Bandas Civis, Coros, Tunas e Orquestras
Típicas. Como resultado desse colóquio foi compilada uma publicação, em 1984, onde se
reuniram as respectivas conclusões e as análises que se efectuaram durante o colóquio, no
qual se debateram, essencialmente, os problemas da música portuguesa e as várias questões
relacionadas com os agrupamentos musicais amadores. Assim sendo, grande parte dos artigos
apresentados incide sobre a problemática das Bandas Filarmónicas e sobre toda a sua
dinâmica colectiva.

Sem nos debruçarmos, exaustivamente, nos vários artigos que se centraram na problemática
das bandas civis, deixamos um apontamento geral sobre a forma como esta prática musical foi
interpretada e assimilada pela maioria dos especialistas que abordaram o tema. Dentro das

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

principais questões apresentadas, destacamos aquelas que nos parecem mais pertinentes para o
nosso objecto de estudo.

Comecemos por realçar o facto deste conjunto de textos, partir de uma abordagem reflexiva
sobre o tema das bandas civis. Este é um trabalho que questiona, em que medida se pode
“enquadrar na cultura e na educação organismos como as bandas filarmónicas, os grupos
corais, tunas, associações, etc? (...) Quais os critérios de programação, e como definir as
suas funções?” (Colóquio, 1984:25). Em termos bibliográficos, este trabalho, sem contar com
os estudos etnomusicológicos, é o único no qual as filarmónicas são analisadas enquanto
objecto de estudo que pode suscitar um conjunto de problemáticas. Sem subestimar as
reflexões defendidas por Pedro de Freitas, na obra que já abordámos, é, no entanto, nas
comunicações realizadas neste colóquio que a banda filarmónica, parece adquirir, pela
primeira vez, um estatuto reconhecido pela sociedade, não só ao nível do seu contexto, como
também ao nível dos especialistas na área da música.

Para além desta abordagem reflexiva, sobressai, na maioria dos artigos, uma premissa que vai
ao encontro das novas políticas culturais e educacionais que se idealizaram durante este
período, na qual se assume o objectivo de difundir a cultura por todos os grupos sociais e de
promover uma dinâmica educativa e cultural que permita o progresso do país. Todos
passariam a ter direito à cultura e à educação.

Um outro aspecto que é também muito salvaguardado neste colóquio, diz respeito à afirmação
e valorização das manifestações culturais colectivas. Volta a ser junto do chamado «povo»
que se encontra a «genuína» riqueza musical, daí a afirmação de Cândido Lima: “Manter o
Povo num plano de canção mercenária pseudo- popular, na música pseudo-erudita ou
pseudo- moderna é isolá-lo da sua participação no processo de renovação cultural
colectiva” (Colóquio, 1984:31). É aqui que se reafirmam as funções dos grupos de amadores,
nos quais se incluem as associações filarmónicas, considerando-as como importantes
transmissores da identidade cultural. As bandas passam a ser consideradas como os principais
centros de ensino da música e os grandes meios difusores da cultura musical. As associações e
os grupos culturais e musicais voltam a adquirir um importante papel para o desenvolvimento
das sociedades.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Nos vários artigos sobressai, ainda, a grande preocupação e reflexão sobre qual será o
caminho da nossa música e quais serão as medidas que a política democrática e a sociedade
em geral devem seguir de forma a dar continuidade à cultura musical. O que nos faz reflectir,
actualmente, que este foi um período durante o qual se problematizaram questões tão
relevantes como o futuro da música portuguesa ou a importância das bandas filarmónicas para
determinados contextos sociais. Estas são reflexões que, apesar de continuarem a ser bastante
pertinentes, parece terem perdido o seu espaço de discussão. E, de facto, continuam a ser
poucos os trabalhos e os estudos que se debruçam sobre estas questões mais reflexivas que
incidem sobre determinadas práticas musicais, tal como acontece ao nível das abordagens
relativas às bandas e às sociedades filarmónicas que são quase inexistentes.

Não podemos, contudo, acabar de fazer esta abordagem das bibliografias realizadas em torno
da prática filarmónica, sem referir os importantes estudos realizados na área da
etnomusicologia portuguesa. É a partir destes trabalhos que as bandas filarmónicas passam,
pela primeira vez, a ser objecto de estudo sobre o qual se desenvolve um trabalho de
investigação.

Com a criação do Departamento de Musicologia na Universidade Nova de Lisboa, em 1980, é


introduzida a disciplina de Etnomusicologia dirigida por Salwa El-Shawan Castelo- Branco, o
que contribuiu para o aumento dos estudos universitários na área da Música e para o
desenvolvimento de novas abordagens relativamente às práticas musicais. Através dos estudos
etnomusicológicos que se caracterizam pela sua multidisciplinaridade, a Música passa a ser
abordada enquanto “processo social, produto cultural e comportamento expressivo [que]
desempenha um papel fundamental na sociedade portuguesa” (Castelo- Branco e Lima,
1998:10). Salwa Castelo- Branco, juntamente com uma equipa de investigadores, começa, a
partir dos finais dos anos oitenta, a editar vários trabalhos que reúnem um conjunto de
informações sobre as realidades musicais que envolvem as populações locais, estudos até à
data praticamente inexistentes em Portugal. É então, a partir destes levantamentos
protagonizados por Salwa Castelo- Branco e mais tarde pelo INET – Instituto de
Etnomusicologia da Universidade Nova de Lisboa, centro de investigação constituído em
1995, que encontramos dados mais sistemáticos e um maior número de indicadores sobre as
bandas filarmónicas, passando, desta forma, as bandas filarmónicas e as fanfarras a serem, por

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

um lado, consideradas enquanto grupos musicais locais que se integram no campo da música
tradicional e por outro lado, observadas e analisadas enquanto grupos formalmente
estruturados “que pretendem representar através dos seus desempenhos a sua área
geográfica e /ou cultural, ou mesmo Portugal na sua totalidade, e que participam
regularmente em eventos locais” (Ibid:11).

Durante os anos oitenta e parte dos anos noventa, os trabalhos desenvolvidos em torno das
bandas civis permitiram-nos adquirir informações sobre a sua evolução e as suas principais
características em termos musicais, sociais e culturais. Partindo, essencialmente, de análises
comparativas que cruzam dados coligidos através de várias fontes, estes estudos contribuíram
para um melhor enquadramento da prática filarmónica, facultando-nos importantes
informações que permitiram concluir aspectos tais como: “a banda filarmónica é uma das
instituições musicais com maior vitalidade em Portugal. (...) Segundo as últimas estatísticas
compiladas pelo INATEL, existem presentemente 700 bandas e fanfarras activas em Portugal
(INATEL 1988), um aumento substancial em relação às 572 referidas pela mesma instituição
em 1974 (Pinto da Silva 1977:17) e às 200 citadas por Freitas quase duas décadas atrás
(Freitas 1946:131)” (Castelo-Branco, 1989:93). Não há dúvida que estes levantamentos e
estes estudos têm sido de uma grande mais-valia para o entendimento da prática filarmónica,
contudo só em 1997 é que se desenvolvem dois trabalhos mais sistemáticos sobre o tema das
filarmónicas. Um deles é protagonizado por Salwa Castelo-Branco, na obra Voix du Portugal
(1997), onde a autora dedica um capítulo às bandas civis, intitulado: “Filarmónicas en Fête”.
Nesta abordagem, para além de se referirem os principais aspectos que caracterizam as bandas
de música, elas são estudadas em função do lugar que ocupam nas comunidades de que fazem
parte. Desta forma, este estudo dedica-se à análise da vida e do contexto das bandas
filarmónicas que, segundo esta perspectiva, está estritamente ligado ao ciclo anual das festas
religiosas e profanas, nas quais as filarmónicas desempenham um importante papel.

O segundo estudo etnomusicológico, referido anteriormente, que coloca também as bandas


filarmónicas no centro da pesquisa, é desenvolvido por Paulo Lameiro, investigador que faz
parte do INET. Como tese de mestrado, na área da etnomusicologia, Paulo Lameiro dedica a
sua pesquisa e o seu trabalho de campo ao tema das filarmónicas, o que desencadeia, pela
primeira vez, um trabalho mais sistemático e aprofundado sobre esta temática, originando um

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

conjunto de informações, de análises e de reflexões pouco desenvolvidas até essa data. A


partir dos seus textos: “Práticas musicais nas festas religiosas do concelho de Leiria: o lugar
privilegiado das bandas filarmónicas” (1997) e, “Coretos Sagrados: algum repertório das
filarmónicas do concelho de Leiria” (1998), não só adquirimos um maior número de
informações e de dados mais actualizados sobre as bandas, como passamos também a
conhecer mais pormenorizadamente o seu contexto e a funcionalidade da sua prática musical.

Lameiro desenvolve o seu estudo em torno do concelho de Leiria, onde se dedica a analisar as
actuais “festas religiosas tradicionais” que se realizam todos os anos em honra de um santo
padroeiro, durante as quais estão presentes, entre outras práticas musicais, as bandas
filarmónicas. No decorrer deste estudo, o autor centra a sua atenção nos vários momentos em
que as bandas participam nas festas religiosas contribuindo, deste modo, para um maior
conhecimento da sua prática associada às funções litúrgicas. Este foi um trabalho inovador, na
medida em que as bandas filarmónicas são, na maioria das vezes, associadas às funções
profanas como as marchas de rua ou os concertos nos coretos, existindo poucas informações
sobre as várias tarefas assumidas nas festas religiosas. Segundo o autor “o desempenho de
funções litúrgicas [parece] ter sido uma das razões, se não a principal, para que ainda hoje
exista no nosso país um número tão significativo de bandas filarmónicas” (Lameiro, 1997:3).
A festa religiosa, através da alvorada, da arruada e peditório, da missa, da procissão e do
arraial torna-se um “potencial mercado de música” (Ibid.:21) que justifica e promove a
existência da prática filarmónica. Segundo a tradição, a banda assegurava a maioria das
funções musicais presentes e necessárias aos festejos, actualmente algumas dessas funções já
são desempenhadas por outros grupos musicais, ou pelas novas tecnologias que permitem a
amplificação sonora de música gravada, no entanto, ainda se reservam algumas funções que
são estritamente executadas pelas filarmónicas, como a participação na missa. Tal facto
determinou neste estudo a análise da relação existente entre a Igreja e as bandas filarmónicas,
processo que atravessou várias fases, tendo as filarmónicas merecido, por parte da Igreja,
diferentes posicionamentos, umas vezes mais tolerantes, outras vezes mais inibidores
relativamente à sua actividade e à sua presença nos cerimónias religiosas.

Com o trabalho desenvolvido por Paulo Lameiro, as bandas filarmónicas, a sua prática e seu
contexto social e cultural ganham projecção enquanto objecto de estudo, o que contribui para

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

o enriquecimento de uma área que tem sido muito pouco abordada a nível dos vários estudos
musicais, tal como temos constatado ao longo deste capítulo. No entanto, a investigação
seguida por Lameiro dedica-se a um aspecto muito específico que se prende com o estudo das
funções litúrgicas assumidas pelas bandas, o que circunscreve, de alguma forma, a prática e a
vivência das filarmónicas aos contextos das festas religiosas. No concelho de Leiria, e
possivelmente no contexto filarmónico a norte do Tejo, é perceptível a relação das bandas
com as festas, contudo, temos de partir do princípio que estamos a reportar-nos a uma zona do
país onde as festas religiosas tradicionais têm uma grande expressividade e, tal como refere
Pierre Sanchis, “na imagem da festa que reside na consciência popular, integrando
dimensões religiosa e profana, a banda ocupava um lugar central e desempenhava um papel
privilegiado de síntese” (Sanchis, 1983:105). Mas será que a sul do Tejo, as festas religiosas e
as funções das bandas serão idênticas? A norte o país tudo indica que a banda encontra o seu
estatuto e reafirma a sua prática nas festas religiosas, onde representa as dimensões sagradas e
profanas e obtém os seus maiores financiamentos, mas será que esta abordagem se pode
generalizar ao nível do país? Para reflectir sobre este assunto teríamos de nos debruçar sobre o
estudo das filarmónicas a sul do Tejo e procurar perceber qual é, neste caso, a sua dinâmica e
as formas como reafirmam a sua prática e o seu estatuto.

Depois de termos analisado o campo bibliográfico que se dedicou ao estudo das bandas
filarmónicas constatámos, antes de mais, que são escassos os trabalhos e as abordagens
realizados sobre o tema, nomeadamente na área da Etnologia e da Antropologia, o que nos faz
reflectir sobre a possibilidade das bandas serem ou não consideradas património
antropológico. E quando nos referimos ao conceito de património estamos a interpretá-lo,
como algo que representa um “meio de comunicação e de construção de projectos” (Brito,
2003:27) e não apenas a preservação de um bem cultural, ou um meio de “cristalização de
memórias” (Ibid.:273). No entanto, o que é hoje considerado património nem sempre teve
esse estatuto e, tal como vimos através deste capítulo, as filarmónicas, ao longo da sua
história, têm tido alguma dificuldade em afirmar o seu papel, o que se reflecte nos escassos
estudos que sobre elas têm sido realizados. Quando nos referimos a património temos de
pensar, antes de mais, que ele: “transcende les barrières du temps et du goût” (Choay,
1992:79), permitindo diferentes valorizações e abordagens, o que nos faz pensar que a noção
de património se vai reajustando em função dos vários discursos que se constroem sobre ele.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

E não será que esses discursos estão directamente relacionados com a forma como é
interpretado socialmente? Qual será então o estatuto das bandas filarmónicas? Poderá a sua
prática ser interpretada enquanto património antropológico?

Até agora, os estudos realizados sobre as filarmónicas não nos parecem suficientes para
responder a estas questões. São poucas as abordagens sobre esta prática musical, o que não
nos permite ter uma clara percepção sobre o estatuto que adquire actualmente nas
comunidades nas quais está inserida e em termos gerais. Tal como nos foi possível ver,
através da bibliografia existente, as bandas, para além de não terem assumido sempre o
mesmo estatuto, foram abordadas a partir de diferentes perspectivas, o que nos faz interrogar
sobre a forma como o património pode ser pensado e representado.

Assim sendo, procuraremos, através deste trabalho, aprofundar o conhecimento sobre as


bandas filarmónicas e perceber em que medida pode ou deve a banda ser considerada
património. Partindo do princípio que a banda assume um estatuto impreciso que se revela nas
várias dicotomias que a caracterizam e entre as quais ela se move, tentaremos compreender
como se identifica e se patrimonializa no contexto civil e militar, rural e urbano, tradicional e
erudito, entre outras vertentes. Pode até ser possível que existam poucos estudos sobre esta
prática musical, pelo facto dela se identificar com diferentes contextos e de não ser claro em
que sentido pode ser considerada património. Esta será então a grande problemática que
iremos abordar ao longo deste trabalho, com o qual esperamos poder contribuir para a
compreensão das lógicas de funcionamento das bandas filarmónicas e colaborar para um
maior conhecimento de uma prática musical que reúne um conjunto de interessantes sinergias.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

2. O tempo das filarmónicas

No primeiro capítulo deste trabalho centrámo-nos nas várias abordagens e estudos que se têm
desenvolvido em torno do tema das bandas filarmónicas e das várias problemáticas que este
assunto pode suscitar no contexto de um trabalho antropológico.

As filarmónicas pareciam ter os condimentos suficientes para se tornarem num bom objecto
de trabalho, antes de mais porque era, acima de tudo, um tema que, do ponto de vista emotivo,
despertava interesse e, por outro lado, porque poderia suscitar uma série de questões que iriam
ao encontro de assuntos pertinentes na área da Antropologia e da Etnomusicologia.

O tema estava lançado e havia agora que iniciar o nosso percurso partindo pela sua base, ou
seja, partindo do geral para o particular. Sempre que se abre um assunto e se começa a
explorar a sua área de abrangência, revelam-se logo uma série de aspectos estruturantes que,
apesar de serem transversais a muitos outros assuntos, são de extrema importância para situar
o nosso tema e poder enquadrá-lo, por um lado no contexto geral e, por outro, tentando
compreendê-lo no seu plano particular. O que quer isto dizer que, nos próximos parágrafos
deste capítulo abordaremos o tema das bandas filarmónicas partindo de um plano mais geral,
que nos permitirá situar o nosso objecto em termos históricos e sociais e que nos possibilitará
desenvolver, ainda que sucintamente, um conjunto de questões pertinentes e que nos ajudam a
integrar e a compreender melhor o nosso tema. Neste capítulo não apresentaremos nenhuma
banda de música em concreto, mas procuraremos deixar alguma informação sobre o imenso
universo que gira em torno destas instituições.

Comecemos então por contextualizar o século XIX, importante período para a História
Universal e para a História do nosso país, tendo sido determinante em vários aspectos ao
proporcionar mudanças bastante significativas. Falamos de uma época durante a qual se
protagonizou uma revolução liberal inspirada na Revolução Francesa que: “introduziu na
sociedade portuguesa novos critérios de avaliação social, valorizou a riqueza e o saber,
matizou ou eliminou os estatutos de privilégio tradicionais e reduziu o peso dos proprietários
institucionais.” (Fonseca, 1996:186). Foi uma época bastante conturbada para Portugal que
acabou por resultar na implantação de um regime liberal que permitiu a ascensão da burguesia

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

e o desenvolvimento de novos valores e de uma nova mentalidade que desencadearam


profundas alterações no espectro geral do país.

Partilhando a ideologia da Revolução Francesa que se propagava pela Europa e que começava
também a difundir-se em Portugal, o país atravessava um período conturbado e de grande
instabilidade, que se devia, entre outras coisas, às consequências advindas das invasões
francesas que decorreram de 1807 a 1810, à partida da Família Real para o Brasil, à
instabilidade política e económica e à gradual perda da colónia brasileira. Estes factores
acabaram por culminar numa guerra civil entre liberais que defendiam uma abertura política
para o país, nomeadamente através de um parlamento e de uma constituição, e absolutistas que
continuavam a defender a monarquia absoluta, guerra, essa que se prolongou entre 1828 e
1834, mas que acabou por pôr termo ao absolutismo português instituindo uma monarquia
constitucional.

Foi no contexto conturbado destas mudanças políticas, estruturais e económicas que ocorreram
em Portugal a partir da primeira metade do século XIX, que se desencadeou uma série de
acontecimentos que foram determinantes em termos sociais e culturais.

Com o fim das lutas liberais o país estava esgotado financeiramente e socialmente e
necessitava de reconstruir-se, de ganhar novo alento e de estimular o progresso. Havia que
criar uma ruptura com os antigos valores e dar espaço aos novos ideais liberais que visavam
as liberdades individuais, o desenvolvimento cultural e a necessidade de uma maior
sociabilidade e convivialidade. É neste contexto que se apoiam e se desenvolvem uma série de
estruturas e bens culturais. É durante este período que se relativiza a ideia de organização do
tempo de lazer e se reconhece a importância da formação e da educação.

Em Portugal, tal como no contexto político e social da Europa do século XIX, surgem novos
conceitos e ideais que se vão impondo gradualmente. Generaliza-se a ideia de quebrar as
barreiras sociais vigentes no Antigo Regime que se regiam pelos princípios de linhagem e
procura-se transformar a nova sociedade, “sobre a ideia de civilidade manifesta pela boa
conduta, a educação e uma condição social convenable” (Bernardo, 2001:14), tudo isto
fomentado por uma ideologia liberal sustentada por uma burguesia que procura a sua ascensão

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

social e económica. Este é um período marcado, por um lado, pela defesa do progresso, do
desenvolvimento e, por sua vez, da ascensão da burguesia, e por outro, pela necessidade de
reformulação de uma identidade nacional e de um retorno ao passado e às tradições,
questionada pelo clima de instabilidade política e pelos novos valores activados pela
Revolução Francesa. É uma fase em que se fomenta o gosto romântico pelo passado e pelas
suas raízes culturais, na medida em que, através do reencontro com a tradição, se pode
reafirmar o espírito nacional e a sua estabilidade, e assimilar uma identidade cultural
partilhada.

Na lógica dos novos valores operam-se uma série de transformações que acabam por
incentivar e propiciar o surgimento de organizações de carácter colectivo. Foi com a
consolidação do Liberalismo que se outorgaram novos direitos aos cidadãos, nomeadamente o
direito de reunião e o de associação, o que contribuiu para a proliferação do movimento
associativo.

É a partir deste período que surgem as primeiras associações cívicas, umas mais progressistas,
outras mais conservadoras. A ideia de partilha colectiva, de entreajuda e da necessidade de dar
espaço à festa e ao convívio é acolhida por todos os grupos sociais com grande entusiasmo.
Com o fim da guerra civil, cresce a necessidade de uma reconstrução social e identitária. Desta
forma, funda-se uma série de colectividades, entre elas as associações de cultura e recreio, nas
quais se desenvolvem actividades de valorização sócio- cultural e onde, para além dos bailes,
das festas e dos jogos de mesa, se promove o ensino escolar de forma a reduzir os índices de
analfabetismo, o ensino da música, de ofícios, ou do desporto. A par destas associações de
recreio surgem também as primeiras cooperativas, as associações sindicais, as associações de
socorros mútuos, de poupanças ou de créditos, as associações de bombeiros, entre outras.

No que se refere ao movimento associativo, para além de se realçar a influência dos ideais da
Revolução Francesa e dos novos valores liberais é importante fazer uma breve referência ao
papel desempenhado pela Maçonaria que se impõe durante este período e que, através do
“espírito da liberdade e da fraternidade”, do “espírito do progresso e da solidariedade”
(Ramos, 1991:43) vai introduzindo os seus princípios nos meios associativos, tornando-se
particularmente importante a sua influência como “instância coadjuvante da própria

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

sociabilidade política na fase protopartidária” (Catroga, 1993:204). Foi desde a instalação da


primeira loja maçónica em 1727 até ao fim da guerra civil que a Maçonaria foi consolidando
os seus princípios, até que, com a vitória liberal, os clubes e as lojas maçónicas começaram a
funcionar como centros polarizadores das ideologias políticas e do novo sistema
representativo, passando a influir na vida da sociedade e nas suas novas formas de
sociabilidade.

Como consequência da revolução liberal propagam-se também os propósitos mutualistas.


Enquanto que as Confrarias prestavam auxílio numa lógica de caridade, “o Mutualismo
perfilhou, a partir da Revolução Liberal de 1820, a palavra solidariedade como paradigma de
coesão em todos os seus actos” (Carvalho, 1998:7). A necessidade de defesa do direito ao
trabalho, da assistência na doença, do direito à associação, às liberdades individuais, ao
convívio e a outras acções de solidariedade impulsionaram o surgimento do Mutualismo e do
Cooperativismo que foram, a pouco e pouco, introduzindo uma nova concepção de vida
pública.

Este conjunto de transformações que ocorreram na sociedade propiciaram o desenvolvimento


de organizações colectivas que fomentaram o associativismo, que se foi estruturando
tornando-se um espaço de transmissão e aprendizagem dos valores cívicos, da experiência do
colectivo, da solidariedade, das liberdades individuais e passando a reconhecer a importância
do ócio e dos tempos livres. No contexto em que surgiram as primeiras associações havia a
necessidade, tal como refere António Ramos, “de uma redefinição da identidade individual
perante o colectivo e de satisfação de novas necessidades” (Ramos, 1991:14).

Desta forma, podemos dizer que o movimento associativo está intimamente relacionado com
as mudanças políticas, sociais e económicas; José Malheiro, chega mesmo a afirmar que: “as
dez mil Colectividades, espalhadas por todo o país, constituem um riquíssimo e original
património histórico- sócio- cultural, nascido com o Liberalismo, mas só reconhecido,
constitucionalmente, de forma expressa, em 1976” (Malheiro, 1996:15-16). De facto, nos
períodos mais marcantes de viragem política, é notório um aumento do número de
associações. Tal como podemos constatar, o primeiro período em que se assistiu ao
surgimento de colectividades, associações ou clubes foi em meados do século XIX após a

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

guerra civil e a instauração da monarquia constitucional; o segundo momento foi com a


implantação da República em 1910 e o terceiro com o fim da ditadura e a instauração do
regime democrático após o 25 de Abril de 1974. Ao observamos estes três períodos,
rapidamente nos apercebemos que todos eles proporcionaram mudanças significativas na
sociedade, que possibilitaram o desenvolvimento de novos valores e de novos ideais os quais,
por sua vez, permitiram aos indivíduos o direito de viver o colectivo e o direito ao
associativismo, passando as associações a ser um dos meios através dos quais as sociedades
encontraram formas de organização social que garantiram “a sobrevivência humana perante
os conflitos sociais [e] a conquista das condições de liberdade para a realização individual e
colectiva” (Malheiro, 1996:11).

Outras das características do associativismo prende-se com a sua “transversalidade social”, na


medida em que é praticado e desenvolvido tanto pelos grupos de elite como pelos grupos mais
desfavorecidos, podendo, por sua vez, fazer parte tanto da vida das populações urbanas como
da vida das populações rurais. Esta ambivalência faz das associações, nomeadamente as de
carácter cultural e de recreio, um dos meios através dos quais, os indivíduos seleccionam o
seu espaço de sociabilidade, reafirmam a identidade dos seus grupos, transmitem os seus
valores e fazem circular as práticas e formas de comportamento que se tornam referências
internas para o próprio grupo e para o exterior.

Como qualquer outro processo, o associativismo foi atravessando várias fases e foi sendo
delineado em função dos grupos sociais que o foram protagonizando. Enquanto que o
principal objectivo das primeiras associações, que surgiram em meados do século XIX, era o
de se tornarem espaços de lazer e de encontro para a elite, onde se realizavam tertúlias ou
saraus musicais que anteriormente era apenas organizados nos espaços domésticos, numa fase
posterior, as associações alargaram o seu ângulo social passando a existir colectivos que
estavam associados a diferentes grupos sociais e que seguiam distintos objectivos, dedicando-
se a actividades concretas e desenvolvendo áreas mais específicas, como a música, o teatro, o
desporto, a formação, etc. Esta evolução deveu-se, em parte, ao empenho das classes
trabalhadoras e dos grupos sociais mais desfavorecidos que, não tendo a prática da
sociabilidade, tornaram as associações os locais de eleição para o encontro, o convívio, a
partilha, a aprendizagem, sendo uma forma de resistência onde se estabeleciam redes de

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

relações familiares, sociais e até políticas. A associação passa então a ter um papel decisivo
“como base estruturadora de uma nova sociedade, da almejada civilização a que o progresso
material e moral conduziria” (Bernardo, 2001:14-15).

Tal como foi referido anteriormente, o associativismo resultou de um processo de


modernização e de liberalização, e de uma necessidade de reafirmação e diferenciação social,
mas, para além destes factores, existiu uma outra particularidade que incutiu ao movimento
associativo dinâmica e lhe deu personalidade, a conjuntura político- ideológica. Daí que se
possa dizer que o associativismo exerceu um importante contributo para o “desenvolvimento
do convívio democrático, (...) onde o republicanismo floresceu” (Ramos, 1991:10). Havia
associações ligadas a bandas filarmónicas que tinham, em muitos casos, conotações
partidárias, umas apoiando as causas liberais e outras as causas conservadoras ou, mais tarde,
as de influência republicana ou, por sua vez, monárquica. Um pequeno exemplo, que ajuda a
compreender a importância que tinha o movimento associativo para o poder político central,
foi aquele que ocorreu após os tumultos que se seguiram ao Ultimato de 1890, num período
em que se acentuava a crise do liberalismo, o que levou, em 1892 o Governador Civil de
Évora a mostrar interesse em conhecer o balanço das associações do distrito (Bernardo,
2001:43). No fundo, o movimento associativo favoreceu as ideologias políticas, tal como foi
bastante notório na difusão dos ideais republicanos, mas, por outro lado, o próprio
republicanismo deu força e ajudou a desenvolver a prática associativa.

Mesmo numa primeira fase, em que o associativismo se apresentava laico do ponto de vista
religioso e político, mesmo durante este período, os grupos sociais de elite, que se
organizavam em sociedades ou clubes, não eram permissivos à entrada de indivíduos de
outros grupos, ou seja, conviviam apenas dentro da sua classe social, económica e política. As
associações, neste caso, tornavam-se mecanismos de reconhecimento e distinção social que,
apesar de não defenderem questões políticas, reuniam as altas individualidades detentoras do
poder económico e também do poder político. Posteriormente, quando a sociedade dá lugar ao
conhecimento e permite a abertura de fronteiras e de mentalidades, os indivíduos adquirem
uma maior consciência da vida em sociedade e dos seus direitos o que os leva a procurar as
formas e os meios para os poder reivindicar. É então aqui que o associativismo aparece como

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

instrumento reconhecido que reúne um conjunto de ferramentas através das quais determinado
grupo pode expor as suas intenções e lutar pelos seus direitos.

Durante o primeiro período do movimento associativo estamos na presença de um


associativismo voluntário de cariz laico que se fundamenta entre uma elite intelectual que
anseia pelo progresso e que valoriza a aprendizagem e a educação e fomenta a cultura nas
suas mais variadas formas. Estas primeiras associações, ou clubes não passam de locais de
encontro onde a alta sociedade exibe os seus padrões e se desmarca dos demais grupos
sociais. Aqui não há reivindicações políticas, ou sociais, estas associações são criadas para
reafirmar as diferenças sociais e ao mesmo tempo para acompanhar os valores liberais que
lançam desafios à nova classe emergente. Com o final do século XIX e à medida que se
propagam os ideais republicanos, a consciência das liberdades, dos direitos dos cidadãos e da
vida em sociedade passa cada vez mais a ser reflectida e assimilada pelos vários grupos
sociais, o que permite uma reformulação ao nível do movimento associativo que deixa apenas
de ser visto como um espaço de encontro e de lazer passando a ser entendido como uma
organização através da qual se podem defender objectivos comuns e se promovem actividades
específicas.

Na sequência do que foi anteriormente referido, podemos constatar que, após o decorrer de
períodos conturbados e de mudança político-social, o associativismo ganha maior força e
desenvolvimento. Quando determinados grupos sociais têm necessidade de se reagrupar, de
reafirmar as suas intenções, os seus direitos, os seus ideais e de encontrar a sua identidade, é
natural que os movimentos colectivos ganhem um novo fôlego.

No capítulo seguinte, onde nos dedicamos a uma breve contextualização da cidade de Évora,
faremos algumas referências a associações culturais e recreativas que podem, de alguma
forma, contribuir para um melhor enquadramento das questões anteriormente apresentadas.

Temos procurado, ao longo destes últimos parágrafos, apresentar a sociedade portuguesa do


século XIX, período em que se registaram importantes mudanças políticas, económicas e
sociais que reestruturaram a sociedade e deram origem, entre outras coisas, a novas formas de
sociabilidade. Dentro das novas sociabilidades começam a organizar-se em Portugal, a partir

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

do primeiro quartel do século XIX, as bandas filarmónicas, instituições colectivas que estão,
na sua maioria, integradas no movimento associativo e que foram, em muitos casos, das
primeiras a organizar-se em associação.

Antes de abordarmos as bandas filarmónicas no contexto eborense e de enunciarmos


exemplos concretos de bandas que desempenharam um importante papel para o
desenvolvimento associativo, musical e cultural do concelho de Évora, matéria que
desenvolveremos no próximo capítulo, parece-nos relevante apresentar algumas informações
mais globais sobre as bandas de música de modo a que se torne mais perceptível a
compreensão da sua prática e da sua realidade.

Para nos introduzirmos no mundo das bandas filarmónicas somos levados a expor alguns
aspectos e alguns acontecimentos que lhes estão subjacentes e que nos ajudam a compreender
a formação e o desenvolvimento da prática filarmónica. Nada acontece ao acaso e as bandas
filarmónicas não fogem a essa regra; digamos que houve uma série de factores que, no seu
conjunto, prepararam um bom terreno para o surgimento das bandas civis. Neste plano temos,
por um lado, um determinado período histórico que a nível europeu atravessava um processo
de mudança e, por outro lado, que não deixa de estar vinculado ao anterior, estamos na
presença de um período evolutivo ao nível do próprio processo musical. Seguidamente,
procuraremos mostrar como um determinado conjunto de factores pode contribuir para a
formulação de uma prática musical colectiva que se foi desenvolvendo, ao longo do século
XIX, e que subsiste até aos nossos dias.

Antes de entrar na abordagem destes assuntos, é importante deixar claro que os temas
apresentados não são os únicos factores responsáveis pelo desenvolvimento da prática das
bandas filarmónicas, mas são aqueles, que de alguma forma, nos pareceram os mais evidentes
neste processo. No que diz respeito à seguinte exposição, faremos apenas uma leve
abordagem a estes assuntos ficando o seu aprofundamento, quem sabe, na mira de futuros
trabalhos.

Comecemos por apresentar as evoluções que se operaram em termos musicais. Tal como
referiu Fernando Lopes Graça “o nosso século XIX musical é, (...), um dos mais activos e o

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

mais importante dos períodos da história da música portuguesa. Se a sua actividade não é a
mais intensa, é, sem dúvida alguma, a mais fecunda, a de mais fortes e proveitosas
consequências” (Graça, s/d:1). A par do que ocorreu a outras áreas culturais como a literatura,
a pintura, a escultura, entre outras, a música passou também, talvez numa escala mais
reduzida, por um novo impacto que originou importantes mudanças e evoluções musicais.

Segundo o pensamento que se seguia no decurso deste período partia-se fundamentalmente de


duas premissas; por um lado da vontade de proporcionar uma universalização da cultura e, por
outro, da necessidade de destacar e valorizar a cultura nacional. Ao nível da música seguiram-
se também estes princípios o que proporcionou uma abertura musical, deixando esta de estar
maioritariamente ligada à música religiosa ou às óperas que seguiam o modelo italiano
arcaico 4 , o que levou a um maior contacto com a música profana e a música instrumental de
influência europeia que, por sua vez, foram de extrema importância para o incentivo da
criação da própria arte nacional. Este foi um período em que o país estava receptivo às
influências e às novas correntes já protagonizadas no exterior, em concreto nos países mais
desenvolvidos da Europa.

Para o desenrolar de todo este processo foi muito importante o desempenho levado a cabo por
individualidades ligadas ao panorama musical português do século XIX, como o que foi
desempenhado por Domingos Bomtempo.

Bomtempo, nasce em Lisboa no ano de 1755. Filho de uma portuguesa e de um músico


italiano, oboísta da Orquestra da Real Câmara, desde cedo inicia a sua formação musical com
o seu pai, tornando-se também oboísta da Orquestra. Em 1801, com 26 anos, parte para Paris
e estabelece contacto com os novos princípios implantados pela Revolução Francesa. Em
Paris edita as suas primeiras obras e é reconhecido como apreciado pianista e compositor. Em
1810 deixa Paris e estabelece-se em Londres onde recebe as influências de uma cidade
importante no espectro geral das artes e da música. Em 1814, regressa a Portugal com a ideia
de fundar uma Sociedade de Concertos seguindo o modelo da Phillarmonic Society de

4
D. João V foi quem favoreceu o cultivo da Ópera italiana em Portugal que segundo Lopes Graça, “é uma forma
de arte musical de largo curso, mas de perniciosos efeitos, em toda a Europa” (Graça, s/d.:3), mas que, mesmo
assim, foi implantada no país, tornando-se Portugal o último país da Europa em que a Ópera italiana fez o seu
aparecimento.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Londres, criada em 1813. Mas, ao chegar a Lisboa, as suas novas ideias não são recebidas
como esperava, o que o faz partir de novo para Londres. Com o regresso de D. João VI e da
sua Corte a Portugal, Bomtempo faz a sua segunda reentrada no país e é então, desta vez, que
consegue fundar em Lisboa, no ano de 1822, a Sociedade Filarmónica, que realiza ainda uma
série de concertos, até que fica proibido, pela reacção miguelista, de continuar com a sua
actividade isto porque Domingos Bomtempo apoiava a causa liberal. Em 1834, com a
Convenção de Évora Monte, passam de novo os liberais a deter o poder político o que
melhora a situação de Bomtempo que é distinguido com a veneranda «Comenda de Cristo» e
nomeado professor de D. Maria II. Em 1835, assume a direcção do Conservatório de Música
de Lisboa, criado de acordo com o plano de reforma de instrução pública, pensado por
Almeida Garrett, outra importante personalidade da cultura portuguesa que incentivou a arte
nacional e desempenhou um importante contributo, nomeadamente na área do teatro e da
música. Desde que assume o Conservatório até à sua morte em 1843, Bomtempo dedica-se ao
ensino e ao desenvolvimento da música em Portugal, tornando-se o “pioneiro - o mais ousado
(se não o único!) reformador da nossa mentalidade musical, o mais esforçado pioneiro da
cultura musical moderna” (Graça, s/d:7).

O facto de nos termos debruçado sobre a história e o percurso de Domingos Bomtempo tem
que ver com a importância que o seu papel teve para a música portuguesa. Bomtempo foi o
introdutor em Portugal da música sinfónica o que originou grandes alterações na vida musical
portuguesa, principalmente devido à “deslocação do seu pólo central do teatro lírico para a
música instrumental” (Brito e Cymbron, 1992:155). Foi ele que incrementou a cultura do bom
gosto pela música orquestral. A partir do momento em que criou a Sociedade Filarmónica,
começaram a aparecer outras sociedades de concertos. Em Lisboa a primeira iniciativa a
assinalar foi o surgimento da Sociedade de Concertos Populares, fundada em 1860, seguida
pela 24 de Junho, em 1870, que tinha uma orquestra que chegou a ser dirigida por vários
maestros, vindos até do estrangeiro como foi o caso de Barbieri, entre outros. Destacamos
também a Real Academia dos Amadores de Música, fundada em Lisboa, em 1884, que tinha
como objectivo “difundir o «gosto pela boa música» através do ensino, de concertos e de
conferências” (Brito e Cymbron, 1992:155-156). Estamos a falar de uma cultura musical mais
erudita, mas que, no entanto, ajudou a disseminar o gosto pela música, pela sua aprendizagem
e a introduzir a prática dos grupos de orquestra. Por sua vez, com a criação do Conservatório

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Nacional, assiste-se a uma grande transformação no ensino da música em Portugal. O ensino,


que estava confinado aos salões da Corte e aos seus nobres, às instituições religiosas ou à
Universidade de Coimbra, passa a ser mais acessível para um maior número de indivíduos,
adquirindo “uma feição prática mais favorável ao desenvolvimento das formas musicais
profanas” (Branco, 1929:21). Através de um decreto de 5 de Maio de 1835, Almeida Garrett,
estabelece que: “«as aulas do conservatório serão públicas e francas para estudantes
externos de um e outro sexo»” (Freitas, 1955:5). Tal como refere Pedro de Freitas, “estava,
deste modo oficial, aberta a porta para a música civil poder caminhar na estrada do
progresso” (Ibid.:5).

Na sequência de todos estes progressos e mudanças, sai também privilegiada a música


filarmónica, que deve a Bomtempo a introdução em Portugal do seu sistema filarmónico
organizado que, ao ser impulsionado pela política liberal, é introduzido nas bandas de música
dos batalhões voluntários que defendiam a constituição e que, por sua vez, se vai
desenvolvendo também em agrupamentos musicais constituídos “pelo sistema de “Zés-
Pereiras” por marcação rítmica de “passes ordinários” ou de “marchas- graves”, o que era,
então, um belo meio de se ganhar pela música, excelentes proventos” (Freitas, 1955:5). A
música passa então, mais do que nunca, a fazer parte do quotidiano das sociedades que a
reintegram como uma nova forma de sociabilidade e convivência.

Outra das evoluções que se operou a nível musical e que contribuiu para o desenvolvimento
das bandas de música está ligada aos novos aperfeiçoamentos técnicos que foram introduzidos
nos instrumentos de metal. Para Pedro de Freitas, “a reforma instrumental apareceu quando
se chegou à necessidade de dar aos instrumentos uma melhor forma de aperfeiçoamento
técnico: - os pistões” (Freitas, 1946:43). Como forma de colmatar os defeitos dos sons
fictícios da trompa, o trompista alemão, Henrique Stoelzel, em 1814, faz um primeiro ensaio,
introduzindo na trompa dois cilindros munidos de pistões, o que acabou por permitir, em
1827, que as trompas e clarins fizessem escala cromática e tocassem facilmente em todos os
tons. No entanto, a verdadeira evolução foi conseguida com o belga Adolpho Sax, o pai de
duas grandes famílias de instrumentos de pistões como foram os saxofones e os saxhorns
(Ibid.:43). Adolphe Sax foi um importante construtor de instrumentos de sopro que inventou,
em 1842, a família dos saxhorns, completando a sua verdadeira revolução em 1846, com a

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

família dos saxofones, tendo sido o primeiro a utilizar os pistões cilíndricos que permitiram
um grande aperfeiçoamento técnico. Com os progressos atingidos nos instrumentos de sopro
assistiu-se a uma revolução na produção dos sons. Segundo Pedro de Freitas “só depois destas
duas famílias inventadas e aperfeiçoadas é que, tanto as bandas militares como as
filarmónicas tiveram: aquelas, o seu maior grau artístico; estas, o seu grande movimento
inicial” (Ibid.:43).

Depois desta exposição em que apresentámos um conjunto de evoluções que se processaram a


nível musical, centremos de seguida a nossa atenção na história política, social e económica,
que se viveu durante o século XIX e que foi também determinante para a formação e
desenvolvimento da prática filarmónica em Portugal.

Após a Revolução Francesa viveram-se, na Europa, tempos onde a festa e o entusiasmo se


espalhavam pelas ruas e contagiavam de forma global as gentes. Deu-se lugar às festas cívicas
e à sociabilidade que funcionavam como um escape à instabilidade que se vivia e uma
aceitação dos novos valores e das mudanças estruturais e infra-estruturais que se estavam a
processar. Em França foi neste contexto de festas civis que se promoveram as bandas de
música nas ruas, fenómeno que se estendeu também por toda a Europa essencialmente a partir
da segunda metade do século XIX. Neste ponto, importa também realçar o papel que teve a
política internacional, a partir do último quartel do século XVIII e durante o século seguinte,
nomeadamente ao nível da evolução das sociedades europeias.

No que diz respeito a Portugal, tomemos como ponto de partida a seguinte frase de Pedro de
Freitas: “ (...) a evolução, que rompe as trevas, e o meio militar que ao povo dá algumas luzes
no progresso da divina arte; (...) as necessidades prementes dos partidos políticos que se
formam após a vitória do liberalismo, todo este novo estado social, desfraldando uma nova
bandeira na arte dos sons, cria um novo caminho, o qual nos dá, na labuta da vida do nosso
povo e para seu próprio prazer espiritual, a organização associativa e recreativa do sistema
filarmónico” (Freitas, 1955:11). De forma sucinta e muito clara, Pedro de Freitas, resume os
principais factores que decorrem durante o século XIX em Portugal e que estão subjacentes ao
processo de desenvolvimento da prática filarmónica.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Na tentativa de descortinar a ideia apresentada por Pedro de Freitas encontramos um conjunto


de elementos que nos ajudam a contextualizar o nosso objecto de estudo e compreender as
causas da sua formação, do seu desenvolvimento inicial e da sua repercussão até à
actualidade.

Comecemos por abordar em que medida a música se relaciona com os regimentos militares e
em que contextos aparecem as suas primeiras bandas.

Em Portugal, a popularidade musical surge com a instauração do Liberalismo e intensifica-se


durante o seu processo de implantação. O país atravessava um período de grandes mudanças
políticas, sociais e económicas que culminaram numa guerra civil entre absolutistas e liberais
que teve repercussões para toda a população. É então, dentro deste panorama, que a música
militar ganha uma maior relevância.

Já desde períodos anteriores da nossa História que a música é considerada uma importante
aliada em contexto de guerra pelo carácter de força que transmite. No meio militar, a música
cumpre um objectivo sinalético que ajuda na coordenação de movimentos, podendo ao
mesmo tempo ser audível a longas distâncias. Por sua vez, é também um meio que permite
instigar as tropas numa situação de combate (Encicl. Música Port. séc. XX, no prelo). O povo
romano foi um dos que melhor reconheceu “que as necessidades da guerra implicavam a
adopção da música no exército, e foram os primeiros a criar músicos profissionais” (Freitas,
1955:7). No caso português a utilização das bandas militares nos regimentos aconteceu apenas
a partir do século XIX, antes, o que se usava eram as Charamelas que, mais tarde, com a
introdução de outros instrumentos, ficaram conhecidas por Fanfarras Regimentais. Quando a
divisão portuguesa participou na Guerra do Rossillon (1793-1794) levou nos seus quadros um
mestre director de música do exército, que era o Director das Fanfarras Regimentais (Lapa,
1941:8). Durante o início do século o que existia eram as fanfarras/bandas regimentais, no
entanto, não eram legalmente consideradas militares, nem os músicos eram arregimentados,
excepto: “os trompetas, tambores e pífanos que eram considerados soldados, pois para
tocarem estes instrumentos tinham de assentar praça e se no decorrer do serviço, mostrassem
dotes para pertencerem à chamada Fanfarra, eram nela incluída” (Ibid.:8). Apesar de não
estarem ainda legalizadas, em 1809, é ordenado que os Estados-maiores dos Batalhões de

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Caçadores e Infantaria de linha, passem a incorporar um mestre de música e oito músicos, em


lugar de dois pífanos como era até então habitual.

O período das Invasões Francesas também não foi muito favorável para o desenvolvimento
das bandas militares que só entraram em franco progresso com as medidas tomadas por D.
João VI e por um conjunto de decretos que foram proclamados a favor das bandas militares. O
primeiro teve lugar no ano de 1810, no qual D. João VI decreta “que em cada Regimento da
Corte haja um corpo de música, composto por 12 e 16 executantes com praças de soldados”.
Por conseguinte é feita uma portaria em 1813 que “garante aos músicos militares a sua vida
profissional” 5 .

Ao início, não eram muitos os músicos militares portugueses, predominando uma grande
quantidade de músicos de outras nacionalidades europeias que tinham sido reintegrados
aquando do regresso do exército português da Guerra Peninsular. Os comandantes, ao
regressarem a Portugal, gostavam de apresentar à frente das suas tropas uma grande banda de
música, o que os levava a contratarem músicos estrangeiros que eram pagos pelos cofres dos
regimentos, passando a existir músicos contratados e músicos de praça.

A primeira notícia sobre a actuação de bandas militares, então designadas por “muzicas”
(Almeida, 2007:16), foi dada pela imprensa açoriana, no dia 24 de Abril de 1831 em que se
anunciava que o Batalhão de Caçadores nº5 tinha tocado o Hino Nacional e Real na cidade de
Angra antes de partir para as outras ilhas ocidentais do arquipélago dos Açores, com o
objectivo de as submeter ao Regime Liberal. Tanto o Batalhão de Caçadores nº5 como o
Regimento de Infantaria nº18, entre outros, tinham derrotado as forças absolutistas na costa
norte da Ilha de S. Miguel. Estas forças liberais, comandadas pelo Marechal Conde de Vila
Flor, integravam duas “muzicas”, compostas em parte por músicos ingleses e franceses.

Em Portugal Continental, segundo Albino Lapa, a primeira organização militar armada, foi a
da Guarda Real da Polícia, que tinha como objectivo “manter a segurança pública,

5
Pela primeira vez, os músicos militares eram remunerados pela sua carreira de músicos. “ (...) foi determinado
aos músicos, que tivessem praça assente nos regimentos, que vencessem 200 réis e o mestre 300 réis diários, com
direito a pão, etapa e fardamento, (...) e quanto aos instrumentos, tinham de os entregar quando findassem os
contratos” (Lapa, 1941:8-9).

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

conquistando um lugar proeminente, entre todas as forças da capital não só pela causa que
defendia, como pela sua apresentação devido aos vistosos fardamentos que envergava. Dada
a grandeza que usufruía, não podia, por isso, deixar de ter uma Banda de Música” (Lapa,
1941:8). Em 1838, depois de extinta a Banda da Guarda Real da Polícia de Lisboa, de origem
anterior a 1809, é criada a banda da Guarda Municipal, que é, actualmente, a Banda Sinfónica
da Guarda Nacional Republicana.

De forma sucinta procurámos mostrar o contexto em que se desenvolveram as bandas


militares e, ao mesmo tempo, o estatuto que foram adquirindo na sociedade civil. Pedro de
Freitas chega mesmo a defender a ideia de que foi “o meio militar que ao povo deu algumas
luzes no progresso da divina arte”. Tudo leva a crer que foi inspiradas nas bandas militares
que as filarmónicas encontraram o seu tipo de repertório, o seu vestuário, o seu método de
ensino e a sua prática performativa, nomeadamente no que se refere ao seu desfile que é feito
a marchar. Por outro lado, ambas se caracterizam pela utilização de instrumentos de sopro e
de percussão, o que nos leva a considerar que, de certa forma, foi na sequência da guerra civil,
onde os regimentos se faziam acompanhar de bandas de música, que se intensificou o
interesse por estes agrupamentos musicais e se lhes reconheceu um importante papel dentro
do contexto político e social que se processava no país. De alguma forma, as bandas militares
foram um importante fio condutor que, aliado a outros factores como o próprio contexto
social e cultural que se vivia no país, contribuíram para o desenvolvimento desta prática
musical a nível popular. No fundo, o que parece é que as bandas militares e as bandas civis
foram surgindo quase que em simultâneo, o que se deveu, em grande parte, às novas
tendências culturais e liberais que se propagavam pelo país e pela Europa. “Tanto as bandas
militares como as civis só a partir de 1822 tomaram uma feição mais moderna, atingindo o
seu maior desenvolvimento entre 1834 – 1848” (Caderno de Apoio. INATEL, 1982:8).

Afirmar que foram as bandas militares que influenciaram as bandas filarmónicas, ou vice-
versa, não nos parece de todo o mais relevante, o que realmente interessa reter é que ambas
tiveram e continuam a ter as suas funções, tendo contribuído para a formação de
instrumentistas e para a divulgação da música. No entanto, e no que diz respeito ao sistema de
influências, é certo que ambas criaram uma espécie de “ dependência recíproca” que ao
mesmo tempo as caracteriza.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Tal como vimos anteriormente, as forças militares foram introduzindo nos seus contingentes
as bandas de música que foram gradualmente desempenhando um destacado papel, tanto ao
nível do contexto militar, como ao nível da sociedade civil, que passou a reconhecer-lhes um
importante estatuto. A tal ponto que as bandas começaram a ser procuradas pelas diferentes
forças políticas, que impulsionaram a sua formação em termos populares, o que contribuiu
para a divulgação e projecção dos seus ideais. É assim que durante a guerra civil surgem as
primeiras filarmónicas, umas apoiantes da causa liberal e outras da causa absolutista, sendo
“nas orlas destes citados partidos (...) que se desenvolvem a maioria das criações das nossas
populares filarmónicas” (Cabral, 1985:32). É durante o período da Regeneração, entre,
sensivelmente, 1850 e 1890 que se assiste à época áurea das bandas filarmónicas, muitas
destas estimuladas, em parte, pelas rivalidades políticas. As várias facções políticas
rapidamente se aperceberam que as filarmónicas são importantes centros de sociabilidade
social e artística que podem desempenhar “excelentes bases de apoio eleitoral” (Cascão,
1993:526). O que pode justificar, em muitos casos, a existência de duas bandas filarmónicas
na mesma cidade, como foi o caso da cidade de Évora, como veremos mais à frente.

Continuando a analisar a frase de Pedro de Freitas, deparamo-nos com a ideia de que “todo
este novo estado social, desfralda uma nova bandeira na arte dos sons” ou seja, para além do
impulso que é dado às filarmónicas por parte dos regimentos militares ou por parte das
diferentes forças políticas que as instrumentalizam, o contexto social que se vivia no país era
também muito propício a estas novas formas de sociabilidade, nas quais a música adquire um
lugar de destaque, propagando-se de uma forma transversal pelos vários grupos sociais.

O século XIX é realmente o século da liberação cultural, a sociedade com os novos ideais da
Revolução Francesa e com a adesão a um regime político liberal abre espaço a uma nova
mentalidade, a outras formas de vida e de lazer. Vive-se um período de encontro, de
aprendizagem, de partilha, no qual as pessoas parecem estar ávidas para viver novas
experiências e ter outras oportunidades. O interesse pela música ganha tais dimensões que se
manifesta pelos diversos grupos da sociedade. Como se o país tivesse sido “colectivamente
afectado por uma espécie de «micróbio filarmónico»” (Ibid.:524). Parece até que convergem
todas as forças no mesmo sentido, sendo também coincidente ao século XIX, “o triunfo de

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Euterpe, a musa que, segundo a mitologia grega, presidia à divina arte de combinar os sons”
(Ibid.:524).

Com a Regeneração a música impera na sociedade em todas as classes sociais, o que faz
Lopes de Mendonça, escrever em 1852, um artigo onde define o “filarmónico como um
verdadeiro tipo nacional, não sendo um ente à parte na história da civilização, insinuando-se
em todas as camadas sociais e em todas as profissões” (Ibid.:524). O “filarmónico”, no
sentido do grego, philos, amigo e harmonikos, harmonia (Grande Encicl. Port. e Bras.,
s/d:336), amigo da harmonia, amigo da música.

Dentro da elite era evidente o crescente interesse pela área musical. Para além dos saraus
privados de música, das idas às óperas, do apoio às Sociedades Musicais e às Bandas
Filarmónicas, a elite burguesa preocupava-se com o estudo da música, considerando-a
relevante para a formação cultural dos seus jovens. E existe um conjunto de dados,
particularmente simpáticos, que reafirmam esta tendência, nomeadamente o caso dos pianos
referido por Rui Cascão, no qual se demonstra que, depois de 1834, os pianos franceses,
alemães e ingleses invadiram Lisboa. Entre 1861 e 1890, entraram pelas alfândegas
portuguesas, em média, 500 pianos por ano. Era o reinado do piano, sendo este um
instrumento tocado “em todos os locais, desde os cafés suspeitos às salas das burguesas
modestas, das barracas de feira aos salões luxuosos da aristocracia” (Cascão, 1993:524). O
saber tocar piano, para as meninas da alta sociedade, não só lhes dava prestígio, como era até
um veículo de distinção para possibilitar bons casamentos.

Por outro lado, dentro dos grupos menos favorecidos da sociedade também se revelou o
chamado “micróbio filarmónico”, nos meios populares realizavam-se bailes, muitos dos
operários, artesãos, ou trabalhadores rurais faziam parte de associações de música, ou
ingressavam nas bandas filarmónicas, que neste sentido desempenhavam um importante papel
no ensino da música e na sua divulgação pelas classes populares. Ser um músico filarmónico
dava estatuto, «o rapaz do “campo” assim que entrava para a Filarmónica, começava a
pertencer a um grupo de gente que tinha outra maneira de ser e de se apresentar» (Pacheco,
1989:18).

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

É com este impulso da sociedade e das suas gentes que a música ganha novos contornos e
encontra outras formas de expressão que, no decorrer deste período, se traduziram, em parte,
nas bandas filarmónicas. Nas bandas que se destacam pela sua prática musical colectiva e pela
força e energia que transmitem nas performances que desempenham no espaço público.

No fundo, este interesse pela música e pelas filarmónicas corresponde a “profundas


necessidades dos indivíduos e a evidentes interesses da sociedade” (Cascão, 1993:525). A
música é uma forma de arte que, não tendo fronteiras, tem através da sua linguagem universal
um grande poder social e uma enorme capacidade de socialização.

Terminada esta exposição sobre alguns dos principais factores e acontecimentos que
contribuíram para o desenvolvimento da prática filarmónica, resta-nos agora olhá-la um pouco
mais de perto e procurar perceber as suas características, as suas particularidades e as formas
como se tem dinamizado e estruturado ao longo da sua história.

Quando consideramos as bandas filarmónicas, numa primeira abordagem, pensamos em


organizações civis às quais estão ligados grupos de indivíduos que nos seus tempos livres se
dedicam à aprendizagem e à prática musical de instrumentos de sopro ou de percussão e que
se apresentam em público em determinados locais e momentos. À medida que nos vamos
aproximando do contexto das bandas conhecemos o seu quotidiano e aprofundamos o seu
estudo, vão surgindo outros dados e elementos que chegam mesmo a levar-nos a outros tipo de
reflexões de carácter mais global. A banda filarmónica, apesar de se ter estruturado a partir das
referências das bandas militares, nomeadamente na utilização dos mesmos instrumentos, na
influência de algum repertório e no uso de uniforme, desde do seu início que se destacou por
particularidades muito próprias que fazem dela um agrupamento com características muito
especiais.

No que diz respeito ao uso do uniforme, não há dúvida que as filarmónicas assumiram o
mesmo tipo de vestuário que as bandas militares, muitas das filarmónicas trajavam de uma
forma tão semelhante às militares que se chegou ao ponto de se terem que impor algumas
regras de modo a que houvessem distinções entre elas. No caso do distrito de Évora, os anos
de 1887 e 1888 foram marcados por vários episódios, descritos na imprensa, relacionados com

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

as aprovações das fardas para as bandas filarmónicas que tinham que ser aprovadas pelo
Governador Civil. Um dos casos passou-se com a Banda dos Amadores de Música Eborense
que ao enviar para o Governador, no ano de 1888, o projecto pormenorizado da farda que
pretendia adoptar este foi-lhe recusado porque, segundo o parecer do General Comandante da
Quarta Divisão Territorial que foi consultado pelo Governador, o uniforme reunia um
conjunto de elementos, desde o capacete, ao casaco, ou às listas das calças, que eram “artigos
próprios das praças do exército e até de oficiais, e que indicavam distinções que a eles lhe
não oferecem”, era uma medida pedida “a bem da disciplina do exército” (Jornal Diário do
Sul, 1998:11). Durante os finais do século XIX esta parece ter sido uma questão muito
debatida entre as filarmónicas e o governo civil, daí que a 20 de Novembro de 1886, seguindo
as ordens do Ministério do Reino, o governador civil de Évora tivesse mandado publicar uma
circular que determinava que às associações civis “lhes não é permitido usar fardamentos
parecidos com os dos corpos do exército” (Ibid.:12).

Actualmente as filarmónicas continuam, na sua grande maioria, a utilizar uniforme que, no


entanto, já não passa pelo problema de poder ser comparado ao fardamento militar. Por outro
lado, já se percebe que a farda está cada vez mais simplificada, em certos casos, por exemplo,
já abdicaram do colecte por baixo do casaco ou do chapéu ou da gravata. No decorrer do
trabalho de campo, assistimos a alguns concertos em espaços fechados em que os músicos
optaram por tocar sem o casaco, apenas em mangas de camisa. Alguns dos jovens com que
falámos chegaram a colocar a hipótese das bandas poderem ter outro tipo de fardas, mais
práticas que, no Verão não lhes transmitissem tanto calor e não fossem incómodas para tocar
ao sentirem-se apertados dentro dos fatos quando executam instrumentos de sopro. O facto de
se ter adoptado o uniforme, como traje das bandas filarmónicas pode ter estado relacionado
também com questões sociais. O traje permitia uma uniformização de todos os músicos,
fossem eles de um estrato social mais baixo ou mais alto e, por sua vez, dava um carácter de
distinção à banda que fazia as suas performances com outra apresentação. A farda é muitas
vezes interpretada como um factor de distinção e de sobriedade, o que dava, e dá, ao músico
fardado um certo estatuto: “os pais gostavam que os seus filhos tocassem na Filarmónica e
era pelo ar de superioridade e de distinção que lhes davam, que os rapazes gostavam de
pertencer a ela. Até as meninas olhavam para eles com olhos de admiração” (Pacheco,
1989:18).

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

No que se refere à constituição instrumental das bandas filarmónicas, atribui-se a existência


de dois modelos, o “modelo antigo” que foi utilizado por muitas bandas até quase ao final do
século XX, estando o seu núcleo centrado entre 1898 e1910, tal como é referido no
“Philarmónico Português” e o “modelo das Big Bands” que foi introduzido a partir dos anos
80 do século XX. No primeiro modelo executavam-se marchas, rapsódias e adaptavam-se
obras de música erudita. Este foi um período em que se utilizavam os transpositores em mi
bemol ou em si bemol, que eram as tonalidades mais comuns dos instrumentos das
filarmónicas. No segundo modelo o repertório já se centra essencialmente na música ligeira
adaptada para bandas (Encicl. Música Port. séc. XX, no prelo).

O conceito de banda está directamente relacionado com duas grandes famílias de


instrumentos, os sopros e a percussão. Existe ainda uma terceira família, nas bandas
sinfónicas, que é a família das cordas. No entanto, este tipo de bandas não é tão frequente,
sendo os sopros os que marcam, sem dúvida o maior contingente das bandas portuguesas.
Dentro da família dos sopros existem dois grandes grupos, o grupo das madeiras e o grupo
dos metais. No caso dos metais, o som é produzido através da vibração dos lábios dentro de
um bocal, no caso das madeiras, estes dividem-se em palhetas simples, palhetas duplas e
arestas (Torre, 2007:32).

Um dos naipes de instrumentos, em termos melódicos, mais importantes na banda é o


clarinete soprano. Ao serem feitas transcrições de géneros sinfónicos para serem tocados nas
filarmónicas, o naipe principal, que executa a melodia, é o dos violinos que, no contexto das
bandas, é substituído pelo naipe dos clarinetes (Encicl. Música Port. séc. XX, no prelo).

Outra das características particulares das bandas filarmónicas e que as diferencia das bandas
militares é que estas têm estipulado por lei o número máximo de instrumentos que devem
fazer parte de cada naipe e o número máximo de categorias, no que toca às filarmónicas não
existe este rigor, sendo na maioria das vezes o maestro quem decide que naipes devem ser
reforçados, em função da situação da banda, ou da facilidade do músico para tocar
instrumentos de bocal ou de palheta.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Quanto aos locais e momentos em que as filarmónicas fazem as suas performances, há que
referir antes de mais, que são grupos de música vocacionados para actuações ao ar livre, na
rua, na praça, no coreto, mas podem igualmente fazer as suas apresentações em recintos
fechados, como nas suas próprias sedes, em teatros, em salas de concertos, etc. Fora situações
particulares, as filarmónicas actuam, sobretudo, nas festas profanas, como sejam por exemplo
as feiras e as festas locais, as festas religiosas, colaboram em campanhas de solidariedade, em
homenagens, em comemorações nacionais, regionais, ou dinamizadas pelas autarquias, fazem
o acompanhamento musical das touradas e tocam em eventos próprios como nos seus
aniversários, em concertos na sede ou em Encontros de Bandas que organizam com outras
filarmónicas.

No que se refere aos músicos das filarmónicas, muitas são as histórias que poderíamos contar
e em todas elas, certamente, encontraríamos um aspecto que lhes é comum, e que se prende
com a motivação que cada músico tem que ter, para que dedique as suas horas vagas à prática
instrumental colectiva e à filarmónica. Na maioria dos casos, todos os elementos da banda
têm as suas ocupações, trabalham em diversificadas profissões, estudam e alguns são até
músicos profissionais, como é o caso dos músicos militares. O que leva a que a integração na
banda parta de uma atitude amadora e voluntária, por amor à música e pelo interesse e
motivação que esta prática desperta. O músico pelo facto de ser amador, não quer dizer que
não tenha empenho ou que não se entregue com convicção a esta actividade, antes pelo
contrário, os músicos que depois de um dia de trabalho ainda encontram tempo para aprender
a tocar um instrumento e para participar nos ensaios, só mostram ser uns verdadeiros
filarmónicos.

Neste ponto, temos que realçar a relação que se tem estabelecido, no decorrer dos tempos,
entre as bandas filarmónicas e as bandas militares, isto porque, este é um dos principais
factores onde se tem mantido uma “dupla dependência” entre as duas bandas. Ou seja, o
contexto militar tem ajudado o contexto filarmónico e o contrário, talvez menos visível,
também tem acontecido.

Para além das influências de que já falamos anteriormente, as filarmónicas têm, ao longo da
sua história com maior ou menor intensidade, usufruído do apoio de músicos e de maestros

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

militares. Muitas vezes, o músico militar, depois de desempenhar a sua função profissional na
banda do regimento, continuava fora do contexto de trabalho a ensinar solfejo, a despertar o
gosto pela música, a dar aulas de instrumento, ou a assumir o papel de maestro da banda
filarmónica da sua vila, ou da sua cidade. Foi deste modo que “muitas das bandas civis, (...)
vieram a beneficiar de regentes qualificados das bandas militares que se haviam distinguido
como exímios e executantes e como admiráveis criadores de produções musicais” (Catana,
2003:10). Por outro lado, e dadas as dificuldades que grande parte das bandas filarmónicas
têm para adquirir peças de música e partituras adaptadas para banda, nalguns casos, os
músicos, ou maestros militares facultam a utilização e a cópia das peças de música utilizadas
na banda militar e que são compradas com o dinheiro do Estado. Outra das entreajudas que
também é recorrente diz respeito a algumas situações de arruadas, ou de concertos em que as
filarmónicas, para reforçar determinados naipes mais descompensados, contam com o apoio
de músicos militares que nessas situações tocam ao lado dos músicos filarmónicos
contribuindo para uma melhor performance. Nalguns casos estes músicos recebem uma
retribuição pelo seu trabalho, noutros, por questões de proximidade à banda só lhes são pagas
as deslocações e as refeições.

Para além do apoio dado pelos músicos militares às bandas filarmónicas, o contrário é
também uma evidência. As bandas filarmónicas têm desde o seu início, desempenhado um
importante papel no ensino e na divulgação da música, tornando-a acessível a toda a
população, o que permitiu que muitos dos músicos profissionais tivessem iniciado o seu
contacto e aprendizagem da música nas bandas filarmónicas das suas localidades. Grande
parte dos músicos que se apresentavam para ingressar na carreira de músicos militares vinha
já com conhecimentos musicais das filarmónicas. Na conversa com Francisco Canoa Ribeiro,
Maestro Titular da Banda Militar de Évora e ao mesmo tempo Maestro da Banda Filarmónica
da Casa do Povo de Nossa Senhora de Machede, é que percebemos a importância das bandas
filarmónicas para o contexto das bandas militares, segundo o Maestro Canoa: “As primeiras
escolas das bandas militares eram as filarmónicas. Aqui na banda militar de Évora, a grande
maioria dos músicos que entraram na minha época e durante muito tempo, já tocavam em
filarmónicas. (...) Agora, de há um tempo para cá, em que já são exigidos conhecimentos
musicais mais aprofundados, é que muitos dos músicos que acedem à carreira militar já vêm
dos conservatórios, ou de outras escolas de música. Mas ainda hoje, eu encaminho muitos

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

dos jovens da filarmónica de Machede para a banda militar, para que possam dedicar-se
mais ao estudo da música, ao mesmo tempo que recebem um vencimento por serem soldados”
(entrevista pessoal, 2007). Em certa medida, as bandas militares têm também beneficiado com
músicos que se iniciaram nas filarmónicas e que se tornaram, posteriormente, bons músicos
profissionais que seguem carreiras militares. Dentro deste contexto podemos ainda citar o
caso do Maestro Canoa, que afirma ter aprendido a ser maestro na Banda Filarmónica da
Nossa Senhora de Machede. Apesar de ter estudado para maestro, a parte prática e a
experiência foi, segundo ele, adquirida na Banda de Machede e só depois de ter sido maestro
nesta banda é que assumiu as funções de Maestro da Banda Militar de Évora, onde, até então,
tinha apenas as funções de instrumentista. Mais uma vez a filarmónica contribuiu para a
experiência de um músico militar.

São todos estes factores, e alguns mais que ficarão por enunciar, que fazem das bandas
filarmónicas bons objectos de estudo antropológico, identitário, sociológico,
etnomusicológico, na medida em que nos despertam para um conjunto de temas e de questões
que nos levam a problematizar ideias mais globais, que nos poderão servir de suporte para
uma melhor compreensão dos comportamentos sociais, das formas de sociabilização e dos
meios através dos quais se procura uma representação social e identitária.

“A filarmónica não é a banda, mas sim a associação que suporta a banda” (entrevista pessoal
André Granjo, 2007), para além da sua função musical, a filarmónica enquanto instituição
desenvolve importantes funções sociais e identitárias que estão associadas a um vasto
património humano e cultural. As bandas filarmónicas estão desde a sua formação ligadas ao
associativismo, estão “sob a sua divisa”, como referia Pedro de Freitas (1955:11), o que lhes
permite assumir um conjunto de características muito próprias que fazem delas grandes
instituições sociais.

De certa forma, as bandas filarmónicas foram das primeiras instituições que se organizaram
em colectividades e se estruturaram de acordo com as regras do associativismo. As
Sociedades que surgiram no período das guerras liberais tinham sócios que não tocavam na
filarmónica mas que pagavam a sua cota de forma a fazerem parte deste colectivo e poderem
subsidiar e apoiar esta causa e a sua respectiva banda de música. Alguns dos sócios, mais

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

endinheirados, davam dinheiro ou compravam instrumentos, ou fardamentos, para poderem


ter uma banda disposta a apoiar os seus ideais. Tal como referiu António Ramos, podemos
considerar que a banda filarmónica foi “um dos fenómenos sócio-políticos e culturais mais
curiosos da sociedade portuguesa, desde os meados do século XIX” (Ramos, 1991:10).
Ao longo da sua história, as bandas civis têm desempenhado importantes funções nas
comunidades onde estão inseridas. Apesar das bandas filarmónicas e das bandas militares
terem durante os seus primeiros tempos consolidado e reafirmado a sua prática musical sob
causas políticas, ideológicas, sociais e cívicas, com o passar do tempo e com o progressivo
atenuar dos modelos da Revolução Francesa e dos ideais liberais, as duas bandas passaram a
desempenhar cada uma a sua função muito própria, deixando as duas de estar lado a lado na
defesa dos mesmos objectivos, que fizeram sentido num determinado período da história mas
que tiveram um tempo próprio. Actualmente, cabe mais às bandas civis a tarefa de
sociabilização, de transmissão dos valores cívicos, políticos e da aprendizagem de uma vida
em colectivo. Para além do ensino da música, as filarmónicas continuam a assegurar todas
estas funções, na medida em que permanecem no meio das comunidades, vivendo para elas e
em função delas.

As associações filarmónicas podem ter hoje outros patamares culturais, sociais ou mesmo
políticos, mas continuam a desempenhar um lugar imprescindível dentro das comunidades
onde desenvolvem o seu trabalho.

Centrámos grande parte da nossa atenção nas associações e nas bandas filarmónicas do século
XIX, isto porque, este foi um século de grandes mudanças estruturais, durante o qual se
desenvolveram e impulsionaram os primeiros movimentos associativos e se organizaram em
Portugal as primeiras filarmónicas. Após este período inicial, estas práticas continuaram a
desenvolver-se tendo passado por períodos mais fáceis e outros mais inibidores, no entanto,
muitas delas foram subsistindo até ao presente readaptando as suas estratégias e formas de
integração na sociedade.

Tal como vimos, tanto as bandas militares, como as filarmónicas começaram por ganhar
forma a partir de 1822, atingindo o seu ponto alto durante a guerra civil. Entre 1850 até aos

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

finais do século XIX, durante o período da Regeneração são criadas muitas sociedades
musicais e crescem pelo país o número das filarmónicas.

Após a Implantação da República, aliada aos novos ideias republicanos, socialistas,


comunistas, às novas tensões políticas e ao surgimento dos primeiros partidos políticos, as
bandas de música e os movimentos associativos em geral, voltam a ganhar um novo impulso
que se vai mantendo até à década de trinta, até ao momento em que se instaura o regime do
Estado Novo que impede o funcionamento de uma sociedade democrática o que em termos
associativos vai ser demolidor. Apesar das colectividades e das bandas não terem deixado de
existir, muitas foram perdendo elementos e tiveram de se adaptar às novas normas impostas
pela ditadura que promovia grandes medidas de controlo, só podendo realizar-se aquilo que
era autorizado pela censura. Por outro lado, com a Guerra Colonial, durante a década de 50/60
muitas das bandas filarmónicas perderam os seus músicos que eram obrigados a integrar o
exército português, o que fez diminuir substancialmente o número de bandas, ficando muitas
delas reduzidas a poucos elementos, nomeadamente aos músicos mais velhos. “O período do
Estado Novo, foi naturalmente uma “longa noite” para o movimento colectivista [no
entanto], as formas de resistência populacional (...) tiveram o seu centro nas colectividades”
(Ramos, 1991:15). Mais uma vez, a sociedade procurou junto das associações encontrar um
lugar de resistência, de encontro, de partilha e de construção de uma identidade.

Com a Revolução de Abril de 74 e o estabelecimento do regime democrático, abre-se uma


nova fase para o movimento associativo que se volta a intensificar, aumentando o número de
associações, nas quais se incluem as bandas filarmónicas. A década de 70/80 foi outro período
durante o qual se registaram grandes mudanças, não só em Portugal como em termos globais,
que permitiram novas conquistas sociais e culturais que tiveram repercussões ao nível da
sociedade e da sua sociabilidade. Foi, por exemplo, a partir deste período que as mulheres
começaram a integrar as bandas filarmónicas. Este novo ressurgir do associativismo e das
bandas filarmónicas, que se prolongou, sensivelmente, até aos finais dos anos 80, deveu-se de
alguma forma à nova restruturação pela qual passava o nosso país e que se revelava na
necessidade de recuperar os anos perdidos durante a ditadura e na necessidade de abrir todos
os caminhos para o desenvolvimento e para todas as formas de cultura.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

No entanto, após estas décadas de grande intensidade cultural, que contribuíram para a
revitalização das filarmónicas, voltámos, na viragem para o século XXI, a uma espécie de
regressão no que toca ao interesse e envolvimento dos jovens e da sociedade em geral pelos
movimentos associativos e, por sua vez, pelas filarmónicas, que muitas vezes não conseguem
fazer face aos novo desafios da sociedade, onde imperam novas estratégias de sociabilidade
que são, muitas vezes, mais apelativas que a aprendizagem de um instrumento musical ou o
ensaio da banda numa sexta-feira à noite. No entanto, não quer isto dizer que a prática
filarmónica tenha deixado de existir ou que não faça já qualquer sentido, o que não é de todo
verdade, pois caso contrário não estaríamos aqui a fazer este trabalho e a estudar esta prática
musical que, não só não deixou de existir como conseguiu encontrar formas de se adaptar a
esta nova realidade, tal como veremos no decorrer do trabalho de campo.

No que diz respeito aos indicadores estatísticos relativamente às bandas filarmónicas no


território nacional, e segundo fontes do banco de dados do INET, com a data de Setembro de
1998, podemos referir que a seguir aos ranchos folclóricos eram as filarmónicas um dos
agrupamentos musicais que representava uma maior expressividade no país, na ordem dos
21,2% (Castelo-Branco, Lima:1998:12). Seguindo ainda este estudo e no que toca à
distribuição geográfica das bandas filarmónicas, podemos ver que todos os distritos
portugueses contam com a presença de bandas, sendo a Região Autónoma dos Açores aquela
que revela o número máximo (120 bandas). No que se refere a Portugal Continental, parecem
ser, em proporção à dimensão populacional, os distritos do interior e do centro aqueles que
mais se dedicam à prática filarmónica. No caso do distrito de Évora, este estudo revela que
para 10.000 habitantes existem 1,6 Bandas (Ibid.:12).

Através dos dados que nos foram fornecidos pela Federação das Bandas Filarmónicas do
Distrito de Évora e que resultam de um levantamento feito em Junho de 2007, neste distrito
existem actualmente 21 bandas no seu total, sendo 3 o número de bandas que fazem parte do
concelho de Évora. Tal como veremos, em seguida e relativamente ao concelho de Évora, a
realidade das bandas filarmónicas sofreu algumas alterações bastante significativas, em
primeiro lugar porque, comparativamente ao final do século XIX, diminuiu o número de
filarmónicas no concelho, em segundo lugar porque se assistiu a uma deslocação desta prática
da cidade para o meio mais rural, nomeadamente para três freguesias rurais. Através do

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

trabalho de campo realizado, procuraremos reflectir sobre estas questões e tentaremos


compreender a actual realidade que se vive em termos do movimento filarmónico no concelho
de Évora e em concreto nas suas três freguesias, procurando perceber por que razão esta
prática se mantém nestas e não noutras freguesias rurais do mesmo concelho.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

3. Bandas e sociabilidades nos pequenos centros urbanos. O caso de Évora

No capítulo anterior, abordámos o tema das bandas de música partindo essencialmente das
suas principais características, procurando contextualizar histórica e socialmente o seu
percurso e as várias dinâmicas que têm adquirido no decorrer dos últimos dois séculos.

O objecto de estudo sobre o qual iríamos desenvolver o nosso trabalho estava encontrado e
era sem dúvida o tema das bandas filarmónicas. Até aqui tudo bem, mas então e a partir
daqui? Por mais aliciante que fossem todas as bandas de música não era humanamente
possível abordar cada uma delas, havia que delimitar um determinado espaço e optar por
desenvolver uma pesquisa de terreno que se enquadrasse nas nossas condições temporais e
espaciais. Desta forma, concluímos que o melhor seria encontrar uma zona que reunisse um
conjunto de factores que a caracterizassem como um bom local para abordar o estudo das
bandas filarmónicas. Foi então que, na procura desse espaço, centrámos a nossa atenção em
Évora, cidade intermédia do interior do país que reúne um conjunto de características que
fazem dela uma boa opção para o estudo da prática filarmónica. Évora, tal como vimos
anteriormente através dos dados facultados pelo INET, é juntamente com outras cidades do
interior e com o arquipélago dos Açores, um dos locais onde se regista um maior número de
bandas filarmónicas por habitante. Por sua vez, e tal como veremos, Évora é uma cidade que
se estruturou no seio de um contexto rural, numa área onde se vivia essencialmente da
agricultura, tornando-se num importante centro onde se estabelecia o elo de ligação entre o
mundo da lavoura e o mundo urbano. Era na capital do distrito que a burguesia latifundiária
acompanhava as modas e as tendências liberais e participava e usufruía das vivências
citadinas o que fez de Évora uma cidade de província que se foi redefinindo através da
coexistência e da assimilação entre dois contextos, como sejam o rural e o urbano e, por sua
vez, o tradicional e o moderno.

Tal como veremos, o surgimento e manutenção das bandas de música civis está muito
associado a contextos de transição e de reafirmação de algumas cidades de província que,
num determinado período da história, procuraram acompanhar as correntes liberais e as novas
tendências do urbanismo. Desta forma, decidimos optar pela cidade e concelho de Évora por
nos parecer um bom lugar para estudar e compreender o contexto das bandas de música, uma

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

vez que é uma cidade marcada pelas suas características de interioridade e ruralidade, mas
que, por outro lado, se define como meio urbano, onde se sente uma forte presença da elite
intelectual que faz desta cidade um local de referência, nomeadamente ao nível cultural e
patrimonial.

Como veremos nos parágrafos seguintes, Évora e o seu contexto histórico, económico, social
e cultural, foram determinantes para a formação e manutenção de algumas bandas
filarmónicas e de todo o seu processo de desenvolvimento.

No capítulo anterior referimos um conjunto de características que estão associadas às bandas


filarmónicas e apresentámos os principais factores que contribuíram para a sua formação, mas
não nos debruçámos, de igual modo, sobre as áreas geográficas preferenciais para o
desenvolvimento e manutenção da prática filarmónica. Apesar desta ter sido uma prática que
se implantou em todo o Portugal, desde o continental ao insular, o que explica a expressão já
citada de “país afectado por uma espécie de micróbio filarmónico” (Cascão, 1993:524), tem
havido, ao longo da História, áreas mais propícias ao aparecimento e conservação das
filarmónicas.

Durante o período em que surgiram as primeiras bandas, elas apareceram maioritariamente


associadas às cidades, nas quais se vivia de forma mais intensa os ideais liberais e os novos
valores da crescente burguesia. Durante esta fase e tal como refere Rui Cascão “A densidade
[das filarmónicas] era grande em determinadas áreas geográficas, como a do distrito de
Lisboa, onde foram recenseadas cerca de 160 (em 1880), o que representa uma filarmónica
por cada 3100 habitantes” (Ibid.:526). Por outro lado, para além das cidades do litoral, as
cidades relativamente importantes do interior do país, “em especial as do Alentejo e do
Ribatejo” (Ibid.:526), também revelavam grande dinâmica na prática filarmónica, o que
mostra que as bandas eram inicialmente uma realidade das cidades, onde se concentravam os
principais pólos sociais, políticos e culturais, que não só valorizavam como apoiavam e
promoviam a formação das bandas filarmónicas. Durante este período, as filarmónicas não
eram apenas vistas como conjuntos instrumentais de interesse cultural, sendo também olhadas
como instituições que cumpriam objectivos concretos no seio da comunidade, nomeadamente
defendendo causas nacionais, cívicas ou políticas. A sua música tinha uma missão a cumprir,

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

nomeadamente durante os anos 60 e 70 do século XIX em que eram estimuladas pelas


rivalidades políticas e durante o período da 1ª República Portuguesa, fase em que se
começaram a organizar os partidos políticos que também se auxiliavam desta prática musical.

Com o caminhar dos tempos e com as várias fases pelas quais foi passando o país, a realidade
das filarmónicas também se foi modificando e reestruturando. Durante o período do Estado
Novo, tal como já desenvolvemos no capítulo anterior, os movimentos associativos e as
práticas de sociabilidade colectivas passaram por um processo complicado de sobrevivência e
manutenção, mas que foi, em muitos casos, ultrapassado e assegurado pela necessidade de
resistência e de reafirmação de vários sectores da sociedade. O regime do Estado Novo, apesar
de não fomentar a formação das sociedades filarmónicas, não impedia a sua continuidade
desde que seguissem as normas estipuladas. As filarmónicas deixaram de estar ao lado de
causas políticas, passando a ser vistas como bandas que divulgam o repertório regional e
nacional e que representam a Nação através dos seus os hinos. Durante este período muitas das
bandas filarmónicas passam a ter as suas sedes nas Casas do Povo, onde juntamente se
organizavam os ranchos folclóricos, os grupos de teatro ou as pequenas orquestras ligeiras,
todos eles conduzidos pelo suposto apoio da FNAT.

Com a chegada da democracia em 1974, as associações voltam a conquistar a sua liberdade, o


que dá um novo fulgor às filarmónicas e a todas as formas de cultura popular. No decorrer
deste processo de reconstrução identitária e cultural as filarmónicas ligadas às cidades vão-se
mantendo em actividade e, através da política cultural descentralizada, vão-se procurando
formar novos agrupamentos musicais em zonas mais rurais, na tentativa de fazer chegar ao
povo a cultura, a educação e possibilidade de novas oportunidades. É desta forma que
começam também a desenvolver-se filarmónicas fora do mundo mais urbano e citadino. Não
queremos com isto dizer que não existissem anteriormente aldeias ou vilas onde a prática
filarmónica não estivesse implantada, mas, com as novas tendências dos anos setenta e
oitenta, estas ganharam ainda um maior impulso. Impulso esse que, através daquilo que se nos
apresenta actualmente, parece ter sido bastante importante e que se mantém até aos dias de
hoje, em meios rurais e em pequenos centros urbanos, o que não parece ter sido a realidade de
grande parte das filarmónicas associadas às cidades de maior dimensão. Actualmente é maior
o número de filarmónicas ao nível dos concelhos do que das capitais de distrito. Tal como

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

veremos seguidamente, esta foi também a realidade que aconteceu em termos da cidade de
Évora que começou por ter várias filarmónicas, chegando mesmo a ser intenso o
desenvolvimento desta prática na cidade, acabando, nos dias de hoje, por não contar com
nenhuma banda filarmónica. Tal como veremos em seguida, procuraremos, através da cidade
e do concelho de Évora, um ponto de partida para observar e analisar os aspectos
anteriormente apresentados.

No que toca ao contexto do Alentejo, considerámos a cidade de Évora como local de estudo
privilegiado, visto ser o distrito de Évora o que comparativamente ao distrito de Portalegre ou
ao distrito de Beja, regista uma maior presença do movimento filarmónico. De acordo com os
dados fornecidos pelas Federações das Bandas Filarmónicas dos três distritos, levantamento
realizado em Junho de 2007 (ver em anexo tabelas 1, 2 e 3), podemos observar, entre outros
factores, o número total de associações filarmónicas existentes em cada distrito e o número
total de pessoas envolvidas nas quais se incluem os corpos sociais, os sócios, os maestros, os
músicos, os monitores, os alunos e outros. Desta forma, podemos ver que, no que se refere ao
distrito de Évora, existem actualmente 21 filarmónicas que envolvem um total de 12177
indivíduos. Em seguida vem o distrito de Portalegre com 20 filarmónicas e um total de 6885
indivíduos e, por fim, surge o distrito de Beja com 15 filarmónicas e um total de 3000 pessoas
envolvidas.

Assim sendo, vamos então centrar o nosso estudo e o nosso trabalho de campo na cidade de
Évora considerada “a principal praça económica e a capital política simbólica da província
do Alentejo” (Fonseca, 1996: 711).

O Alentejo, região situada a sul de Portugal tem, pelas suas características climatéricas,
geográficas e humanas, sido considerada uma zona de influência mediterrânea. Tal como
outros contextos a sul, grande parte dos estudos sobre o Alentejo têm sido desenvolvidos a
partir de perspectivas mais ruralistas e mediterranistas que, ao longo da história da própria
Antropologia, têm levado a formulações um tanto redutoras que se traduzem numa dualidade
entre o urbano mais modernizado e o rural, por conseguinte, mais tradicional. Com efeito,
realça-se o sul mediterrâneo como marcadamente rural, “tendo sempre as sociedades
mediterrâneas interessado mais na sua dimensão «rural» e «tradicional»” (Cordeiro,

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

1997:15), valorizando-se pouco as suas características urbanas e aos seus ambientes citadinos:
«A imagem mais divulgada da sociedade alentejana aproxima-se muito da que a sociologia
rural designou por “sociedades rurais não integradas” e cujas características fundamentais
são a elevada concentração fundiária, a rigidez e diferenciação da estratificação social e a
fonte de conflitualidade latente.» (Fonseca, 1988:63).

Falar hoje no Alentejo leva-nos necessariamente a contextualizá-lo com a sua identidade rural
e com todas as características a ela subjacentes que foram determinantes para o seu contexto,
contudo, as cidades e a sua vivência urbana marcaram igualmente a sua posição no
desenvolvimento e na construção da identidade alentejana. A cidade de Évora é um bom
exemplo de centro urbano intermédio que desempenhou um papel preponderante na
conjuntura do Alentejo, reflectindo uma visão de cidade como “um lugar de encontro, uma
espécie de encruzilhada, encontro e cruzamento de civilizações.” (Ribeiro, 1986:372). Para
além dos seus aspectos rurais, o Alentejo tem igualmente vida urbana. Mesmo numa cidade de
contexto rural é frequente depararmo-nos com determinadas práticas e vivências que se
caracterizam pelo seu urbanismo e que, como tal, devem ser entendidas enquanto realidades
de uma vida na cidade. É partindo desta perspectiva que procurámos estudar o contexto das
primeiras Bandas Filarmónicas que surgiram em Évora, na medida em que a pesquisa
desenvolvida em torno da sua formação e da sua história, nos encaminhava para o ambiente
urbano, vivido em Évora, a partir dos meados do século XIX.

Assim sendo, para uma melhor compreensão das bandas filarmónicas necessitamos de
conhecer a vida na cidade e, inversamente, com o conhecimento das bandas de música
passamos a adquirir informações sobre a cultura urbana e a identidade da própria cidade. Tal
como sugere Graça Cordeiro: “conhecer um pouco melhor como uma cidade se pensa no
modo como define os seus bairros e, consequentemente, como os bairros se pensam enquanto
parte de um conjunto que é a cidade”, é claro que o nosso objecto de estudo não são os
bairros, mas sim a música e as bandas filarmónicas, mas também, neste caso, se pode conhecer
uma cidade no modo como ela projecta as suas bandas de música e como essas mesmas
instituições formulam a sua identidade em função da cidade e do contexto de que fazem parte.
Nesta perspectiva entendemos a cidade como algo vivo que se identifica e reformula não
apenas pelo seu património material, mas também pelas suas gentes que a reafirmam enquanto

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

ambiente urbano. A cidade que tal como afirma Kevin Lynch, “não se esgota nos seus
edifícios, praças e monumentos, mas que, pelo contrário, é também feita de elementos móveis,
especialmente pessoas e actividades, que são tão importantes quanto as suas partes físicas e
imóveis.” (Riscos de um Século, 2001:9).

Após a anterior apresentação dos factores que nos levaram a optar pelo estudo das bandas
filarmónicas do concelho de Évora passemos então à observação e análise mais particular das
vivências desta cidade.

Tudo começa, com o início da segunda metade do século XIX, período onde se registaram em
Évora grandes mudanças, na sua maioria, referenciadas e documentadas na imprensa local que
foi, durante esta época, bastante abundante e que, como tal, privilegiamos como principal
fonte de pesquisa deste trabalho.

Comecemos por apresentar a cidade de Évora a partir das mudanças urbanísticas que se
registaram em meados do século XIX, período fortemente influenciado pela estética francesa
muito em voga na altura. São disso exemplo as grandes avenidas arborizadas 6 , com passeios
mais largos tipo Champs Elisées, a construção dos boulevards parisienses, a criação de
espaços verdes e de lazer como os Passeios Públicos, a iluminação das ruas, a implantação da
rede ferroviária, os cafés, os armazéns comerciais, os teatros e os novos espaços de convívio
como as colectividades ou os clubes. Este foi o século, tal como refere Francisco Melo
relativamente à zona de influência de Évora, “do lançamento da rede de viação com a
estrutura actual e o desenvolvimento das comunicações intelectuais. As sedes dos distritos
passaram a ser os nós regionais das estradas, dos correios, dos telégrafos e nelas colocaram
todos os principais serviços do Estado, as suas delegações locais.” (Melo, 1965/67:27). E,
juntamente com a abertura a estas novas formas de comunicação, nasce o gosto pelas viagens,
pela vilegiatura, pelo turismo e pela descoberta das culturas, da sua história e do seu passado,
daí que se tenha intensificado o interesse pelas escavações arqueológicas, pelos estudos
etnográficos, históricos, documentais e por todas aquelas ciências que pudessem contribuir
para um maior conhecimento das tradições culturais.

6
“A árvore passou então a ser um ornamento importante no espaço citadino através do qual se manifestam
preocupações quanto ao afastamento radical do bucolismo campestre e aos efeitos da poluição que
acompanharam o início da industrialização.” (Salgueiro, 1992:191).

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Para melhor compreender as dimensões urbanísticas que adquiriram as cidades a partir do


século XIX, nada melhor do que centrar alguma atenção num conjunto de aspectos que estão
associados à cidade e que fizeram dela um espaço com identidade própria.

Entre eles, destaca-se antes de mais a rua, espaço público que adquiriu ao longo deste processo
novas funcionalidades e dimensões. Tradicionalmente os únicos espaços exteriores de
encontro e de convivialidade eram as praças e os terreiros. A praça que muitas vezes servia de
“escritório” para os negócios, onde se conversava sobre as novidades da terra e onde, por uma
questão de centralidade, se concentrava grande parte do comércio e das festas locais; o rossio
era o local onde se realizavam as feiras, os mercados e alguns espectáculos acessíveis a toda a
população. Com os novos valores conquistados com o Liberalismo, o espaço exterior ganha
outros contornos e adquire outras áreas de lazer e de convívio que introduzem novas
dinâmicas sociais e culturais e se tornaram locais de eleição associados à vida na cidade. No
urbanismo do século XIX é dada grande importância à rua, o que é “pautado pelas
necessidades de circulação, de espaços verdes, de luz, de salubridade.” (Salgueiro, 1992:193).
O espaço exterior deixa de ser apenas um local informal de encontro, passando também a ser
um espaço com outras funcionalidades, nomeadamente um local de passeio, de sociabilidade e
de exteriorização dos novos valores e gostos burgueses, noção de sociabilidade defendida por
Georg Simmel, na qual ele apresenta a “«sociabilité comme la forme ludique de la
socialisation»” (Bernardo, 2001:20). É na rua e no exterior, na relação com o “outro” que se
integram os novos valores liberais e se estabelecem, por sua vez, as próprias práticas de
distinção social. O espaço urbano, mais do que um local que assegura serviços, na área
administrativa ou comercial, torna-se também um local com vida própria, onde se difundem
ideias, onde se criam espaços para a cultura, para o lazer e para o convívio, onde cada grupo
social estrutura os seus estilos de vida e reafirma as suas identidades. A cidade passa, assim, a
proporcionar um espaço público que pode ser usufruído por diferentes grupos sociais e
partilhado por homens, mas também por mulheres, que estavam anteriormente muito
confinadas ao espaço da casa mas que começam agora a frequentar alguns espaços exteriores
de convívio aos quais têm acesso.

Desta forma podemos considerar que são todos estes factores, entre outros, que fazem da
cidade um espaço rico sob vários pontos de vista, nomeadamente social e cultural, na medida

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

em que nela convergem uma multiplicidade de vivências que se definem enquanto urbanas
mas que se reestruturam numa relação de influências, numa espécie de cruzamento de
informações, daí que se possa dizer que: “a paisagem citadina é, mais do que qualquer outra,
o resultado da apropriação social do espaço físico.” (Bernardo, 2001:40).

Um dos locais de exterior que se tornou de eleição nas cidades foi o Passeio Público. A
importância do Jardim remonta aos inícios do século XVIII e enquadra-se com os movimentos
literários e filosóficos que enalteciam a natureza e a paisagem campestre. Progressivamente e
com as ideias liberais e humanistas, a natureza e os espaços verdes tornam-se importantes
locais para quem vive nas cidades e é afectado pela poluição, o que faz dos jardins e das zonas
arborizadas símbolos da qualidade de vida no meio urbano, tornando-se áreas procuradas e
valorizadas pela população.

Quando se pensa nos jardins devemos ter claro que estes espaços foram sofrendo algumas
evoluções ao longo do tempo, tal como refere Teresa Barata Salgueiro, «os primeiros
“Passeios Públicos” eram simples alamedas entre muros (...). Nos princípios do segundo
quartel do século XIX estes “Passeios” adquirem um aspecto misto de alameda e jardim.»
(Salgueiro, 1992:192). Os chamados jardins começaram por ser “Passeios Públicos”, zonas
onde se podia passear e que eram aprazíveis pelos seus espaços verdes e por proporcionarem
um espaço aberto às práticas lúdicas e de sociabilidade. No entanto, o Passeio Público, espaço
inovador num contexto citadino, não era acessível a toda a população sendo maioritariamente
frequentado por uma elite, que fez do Passeio Público oitocentista um local de referência da
nova burguesia, inscrevendo-se «no tecido urbano como “símbolo activo da nova situação
política” que sintetizava a “vontade de um viver diferente, caracteristicamente burguês”»
(Bernardo, 2001:59). O Passeio Público torna-se uma necessidade nas localidades onde a
burguesia impõe a sua influência. Este era um espaço privilegiado para o ócio, para o lazer que
ia ao encontro das correntes românticas que valorizavam os prazeres bucólicos e o gosto pela
natureza. Era um local com acesso pago através de bilhete e onde se organizavam muitas
vezes momentos musicais, essencialmente no coreto onde tocavam as bandas de música civis e
militares. A importância do convívio para os grupos endinheirados era relevante o que justifica
que se organizassem com frequência espectáculos, nomeadamente concertos no coreto.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

No que diz respeito à cidade de Évora, e através dos vários artigos encontrados na imprensa
local, podemos dizer que o Passeio Público foi desde o seu início um espaço muito
referenciado e certamente muito apreciado pela elite eborense que o integrou no seu
quotidiano e fez dele um local de encontro social. Tal como ficou registado num artigo,
desencadearam-se novos hábitos na cidade e “enquanto no Rossio se passeavam as fazendas
grossas, no Passeio eram as sedas, os cetins e finos panos que desfilavam” (Riscos de um
Século, 2001:34).

O Passeio Público de Évora foi obra do conhecido arquitecto-cenógrafo italiano Giuseppe


Cinatti, que, ao trabalhar no Teatro de S. Carlos em Lisboa, é convidado, no ano de 1863, a
dirigir, em Évora, a obra do palácio do Sr. José Ramalho Perdigão 7 , posteriormente conhecido
por Palácio Barahona. Como junto ao palácio se estendiam uns terrenos mais ou menos
abandonados, é proposto a Cinatti que conceba também o delineamento do Passeio, “no seu
tempo transformado em espesso matagal e acampamento de ciganos” (Comemoração F.
Barahona, 2005). Após a aceitação da Câmara e com a sua coordenação e a contribuição do
mecenas José Ramalho Perdigão, deu-se, em 1863, início às obras do Passeio Público que se
tornou um local de eleição, semelhante aos jardins românticos que se projectavam em Lisboa e
noutras capitais europeias, tornando-se uma obsessão artística para Cinatti. Tal como referiu
Túlio Espanca, “entre 1863 e 1866 Cinatti dedicou-se com um calor e carinho especiais à
obra do passeio, insistindo nele alguns anos, fantasiando recantos, traçando ruas... Dentro
deste espírito construíram-se também “as Ruínas Fingidas” criação ideal e romântica
inspirada em obras similares de Itália e de França – um dos mais pitorescos e fantasiosos
ordenamentos do parque” (Boletim Municipal Évora, 1995). A obra do Passeio Público
passou por várias fases tendo só, em 1881, ficado concluída a mata do jardim.

A 20 de Maio de 1888, é inaugurado com cerimónia festiva, tal como se descreve num artigo
do Manuelinho D’ Évora desse mesmo dia, o coreto do Jardim Municipal, ou também

7
José Maria Ramalho Diniz Perdigão era um abastado lavrador e proprietário que patrocinou importantes obras
na cidade de Évora, foi ele que idealizou, para sua residência, a construção do Palácio Barahona situado na Rua
da República, apoiou a criação do Passeio Público e dinamizou a construção do Teatro Garcia de Resende. Tanto
o Palácio, como o Teatro foram obras que apenas se concluíram posteriormente à sua morte (1884) e sob a
orientação de Francisco Barahona. José Ramalho Perdigão foi o primeiro marido de Inácia Fernandes Ramalho
que, depois de viúva, casa com Francisco Eduardo Barahona que continuou a obra do anterior marido e realizou
importantes contributos para o desenvolvimento patrimonial e cultural da cidade.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

conhecido Passeio Público. O coreto pensado para concertos de música foi proposto e
apresentado na reunião camarária de 12 de Janeiro de 1887 pelo vereador das obras públicas,
Joaquim Francisco Sales da Costa. No jornal Manuelinho D’ Évora, de 13 de Maio de 1888 é
descrito pormenorizadamente o projecto do coreto e entre outros aspectos que se prendem com
questões mais arquitectónicas que revelam o interesse pelo património 8 , destaca-se a
preocupação que o projecto apresenta relativamente à caixa de ressonância: “tem óculos de
ventilação e transmissão d’ ondulações do ar, vehiculos dos sons reforçados pela caixa de
ressonância, cujo volume de ar corresponde, vibrando, à harmonia musical dos diversos
instrumentos concertantes” (Jornal Manuelinho D’ Évora 1888:3). O coreto, para além de
objecto arquitectónico e ornamental do jardim, é idealizado para ser um espaço para a música,
para a realização de concertos, o que é revelador, por um lado, do gosto, do interesse e do
papel que a música representava para o quotidiano da população e, por outro lado, indicia a
prática da música e a existência de instrumentistas e de bandas filarmónicas na cidade ou no
concelho. Esta realidade pode comprovar-se através do programa da inauguração do coreto, no
qual estava incluído um concerto protagonizado por quatro agrupamentos musicais da cidade:
a Banda da Real Casa Pia, a Charanga do Regimento de Cavalaria n.º 5, a Academia de
Minerva e o Grupo d’ Amadores de Música ou seja, havia, pelos menos, quatro bandas
preparadas para executar um concerto.

Após a sua construção, tudo leva a crer que o coreto se tornou, para além das arruadas, o
grande local de actuação das bandas de música civis ou militares. Durante as décadas de 1880
e de 1890 são muito frequentes as notícias de jornal que anunciam os concertos musicais no
Passeio Público, apresentando a banda e o repertório a executar. As sessões chegam mesmo a
ter uma periodicidade muito regular aos domingos à tarde, à “hora do costume”.

No que diz respeito às dimensões urbanísticas que as cidades foram adquirindo,


essencialmente a partir dos meados do século XIX, podemos ainda enunciar um conjunto de

8
Dentro das novas abordagens liberais e românticas que se impunham na segunda metade do século XIX, o
interesse pelo património arquitectónico ganhou também a sua importância, o que contribuiu para a preservação
do património existente e para a valorização de uma arquitectura que se inspira nas suas tradições culturais. Este
pequeno excerto retirado do projecto do coreto do Jardim Público de Évora é disso um bom exemplo: “(...) N’
esta parte do edifício encontram aliadas, as nossas tradicionaes alvenarias e cantarias, às conquistas
progressivas das industrias modernas” (Manuelinho D’ Évora: 1888,3). No contexto eborense, quando se fala de
património, não podemos deixar de referenciar o Grupo Pró- Évora, a primeira associação portuguesa de defesa
do património cultural que, desde a sua formação em 1919 até à data, tem desenvolvido um importante papel na
valorização e defesa do património material e imaterial da cidade de Évora.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

mudanças que se fizeram sentir em Évora e que são reveladoras da influência do movimento
Regenerador e da tentativa de abertura pretendida com o Liberalismo. Para além do Passeio
Público e de uma maior receptividade à vida no exterior são várias as evoluções que se
fizeram sentir e que alteraram a própria estrutura da cidade.

Do ponto de vista urbanístico e arquitectónico realizaram-se alguns melhoramentos em termos


das vias de comunicação e de arruamentos. A instalação da rede ferroviária e da estação de
comboios, que foi igualmente determinante para o desenvolvimento da cidade e da região,
data do ano de 1863. Em 1825 é instalada a iluminação pública, só aceite pela população em
1827 devido às altas taxas aplicadas aos munícipes, no entanto, só em 1867 são colocados, na
praça do Giraldo candeeiros a petróleo que passam, em 1890, a funcionar a gás. A praça do
Giraldo, praça central da cidade, é, em 1863, calcetada e “as antigas guardas da fonte são
substituídas por gradeamento de ferro por forma a impedir o acesso de animais à taça. Cinco
anos depois é construído o tabuleiro central (1868)” (Riscos de um Século, 2001:24). É com
este processo de calcetamento que se substitui “o terreiro de terra solta usado para mercado
ao ar livre, campo de jogos [e] recinto de touradas” (Simplício, 1997:109). De forma a criar
melhores acessibilidades à cidade desaparecem as portas medievais, ficando apenas a Porta de
Aviz: “A grelha medieval da cidade, que subsistira quase inalterável até ao século XIX,
começa a ser modificada, sempre no sentido de criar mais e melhores espaços públicos, face
ao aparecimento de novas práticas de sociabilidade em que as igrejas e os palácios deixam
de ser o centro da vida social” (Riscos de um Século, 2001:19). São desobstruídas as paredes
do Templo Romano, obra levada a cabo por Cinatti, o que permitiu que o Templo recuperasse
a sua forma original deixando de ter a função de Açougue o que ocorreu até 1836. Um outro
espaço que sofreu também uma grande alteração foi a área ocupada pelo Convento de S.
Domingos que, sendo demolido na primeira metade do século XIX 9 , deu lugar à praça de D.
Pedro, actualmente praça Joaquim António D’ Aguiar, onde foi construído o Teatro Garcia de
Resende, a partir do ano de 1881, ano em que a praça foi também equipada com iluminação
pública e bancos de jardim (Simplício, 1997:108). Em termos arquitectónicos o edifício do
Teatro Garcia de Resende e o Palácio Barahona foram projectos considerados inovadores para

9
Este foi um período em que foram extintas muitas ordens religiosas, o que provocou a degradação de muitos
conventos, chegando mesmo alguns deles a serem destruídos ou readaptados para outros fins que não os
religiosos.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

a época e importantes obras de arquitectura civil, adquirindo grande valor artístico e


patrimonial.

No final da década de 70 princípios de 1880, a lavoura alentejana passava por sérias


dificuldades não proporcionando muito trabalho no campo. Preocupado com a situação e
conhecido pela sua generosidade para como os trabalhadores rurais, José Ramalho Perdigão
procura uma forma para colmatar a falta de emprego e, conversando com alguns amigos,
propõe: “a constituição duma sociedade destinada a fazer construir um grande hotel.
Todavia, a maioria manifestou-se antes favorável à edificação de um teatro absolutamente
digno da cidade e das suas tradições” (Comemoração F. Barahona, 2005). Aprovada esta
decisão, o projecto é iniciado por um conjunto de adeptos que se reuniram no “Círculo
Eborense”, constituindo, a 1 de Abril de 1881, a sociedade da “Companhia Eborense
Fundadora do Teatro Garcia de Resende”. Foi considerado um acontecimento com tal
importância que se montou um coreto na praça do teatro onde tocaram as bandas da Casa Pia
e da Academia de Minerva. O processo de construção foi longo e, após a morte de José
Ramalho Perdigão, passou por um período de interrupção que só foi superado com a chegada
a Évora de Francisco Barahona que se prontifica a concluir as obras do teatro às suas custas,
desde que este fosse doado pela Companhia ao Município de Évora, o que aconteceu a 4 de
Abril de 1892, sendo lavrado o auto de posse que fez do Teatro património municipal. A 1 de
Junho de 1892, é então efectuada a inauguração do magnífico Teatro Garcia de Resende,
inauguração a que presidiu o Infante D. Afonso, irmão do rei D. Carlos. Com esta grande
obra, que muito fica a dever à Família Barahona, a cidade de Évora passou a ter uma sala de
excelência onde se protagonizaram grandes espectáculos de teatro, de música e de dança que
proporcionaram e continuam a proporcionar à população uma importante mais valia artística e
cultural.

Estes são alguns dos aspectos urbanísticos e arquitectónicos que se registaram na cidade de
Évora e que podem, juntamente com outros elementos, ser reveladores da situação e do
contexto que se vivia em meados do século XIX. Estamos a falar de um período que, do ponto
de vista populacional, registou também um aumento demográfico. “Entre 1864 e 1911
verificou-se um crescimento lento mas contínuo da população da cidade, [de Évora] um pouco
mais acentuado no período 1900-1911” (Gaspar, 1981:326). Com estas evoluções, muitos

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

quarteirões intramuros da cidade de Évora ultrapassaram os limites de densidade populacional


e de construção, o que levou o crescimento urbano, no final do século XIX, a ocupar terrenos
fora das muralhas da cidade (Simplício, 1997:110).

Do ponto de vista social, ao falarmos do contexto que se vivia em Évora, temos, antes mais, de
referir a sua elite tradicional de lavradores e proprietários que desempenhou um importante
papel nas relações sociais e no domínio económico, político e cultural, esboçando apenas “ao
longo da segunda metade de oitocentos, uma tímida abertura a outros grupos sociais
emergentes” (Bernardo, 2001:14). Esta é uma elite, que tal como refere Hélder Fonseca, “foi
recrutada na antiga aristocracia, nos meios dos grandes proprietários e lavradores locais e
entre famílias ligadas aos «meios do negócio» cujo enraizamento local era, em geral, recente.
[o que fazia dela] uma elite pluralista” (Fonseca, 1996:714). Para além dos lavradores e das
grandes famílias por tradição ligadas à lavoura, Évora, após o triunfo liberal, foi também uma
cidade na qual se instalaram famílias e alguns elementos que pertenciam à elite económica
mas que não estavam ligados à agricultura mas sim a outros meios de negócio. Durante este
período assistiu-se a uma abertura económica no Alentejo o que permitiu uma entrada de
capitais nacionais, nomeadamente de investidores lisboetas do norte de Portugal, e de
investidores estrangeiros, como foi o caso de ingleses e de espanhóis (catalães) que foram
atraídos “pelas oportunidades de negócio e investimento que, nesta região, foram mais amplas
do que tem sido admitido” (Fonseca, 1996:743). No último quartel do século XIX, pode dizer-
se que a elite económica eborense estava ao nível ou mesmo mais acima da elite dos
industriais portugueses.

Estamos então na presença de uma elite plural que, para além de ter contribuído para o
desenvolvimento económico, procurou acompanhar as tendências gerais da burguesia urbana o
que permitiu, por sua vez, o progresso social, artístico e cultural da cidade de Évora. Tal como
afirma Hélder Fonseca, “ (...) a ideia de que o desenvolvimento do Alentejo foi historicamente
ameaçado pela conduta das suas elites, eternamente pouco afoitas ou incapazes de tentarem
mudar o rumo dos acontecimentos, parece enfraquecida pelo menos para o período da
formação do Portugal contemporâneo” (Ibid:744).

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Um dos exemplos que corrobora esta ideia e que já foi anteriormente referido é o de Francisco
Barahona, benemérito da cidade de Évora. Nascido em Cuba, no ano de 1843, filho de
famílias abastadas, passa a sua infância em Lisboa, formando-se em direito na Universidade
de Coimbra. Em 1887, após o casamento com Inácia Angélica Fernandes Ramalho, passa a
residir em Évora e, para além de continuar as obras iniciadas por José Ramalho Perdigão,
empenha-se na actividade da lavoura, representando um importante contribuído para o
desenvolvimento e progresso da agricultura do Alentejo. Para além das inovações que
protagonizou no foro agrícola, no campo da cultura e das artes, assumiu também um
importante papel na dinamização e criação de equipamentos culturais e no apoio a artistas e a
actividades de diversas áreas artísticas. Para além do Teatro Garcia de Resende e do Palácio
Barahona, impulsionou a fundação da Banda dos Amadores de Música Eborense, à qual
comprou todo o instrumental, em 1889 funda o diário eborense “Notícias de Évora”, oferece
um inestimável tesouro de estatuária ao Museu Regional de Évora (Comemoração F.
Barahona, 2005), entre muitas outras obras de restauro que financiou na cidade,
nomeadamente a reparação da Ermida de S. Brás e a restauração do Aqueduto da Água da
Prata. Neste contexto, ao referirmos o papel da elite eborense dos meados do século XIX é
impensável não falar no legado deixado pela família Barahona.

Tal como vimos em termos gerais, com o fim das lutas liberais sentiu-se a necessidade de se
reconstruir o país, de se fomentar e apoiar o desenvolvimento cultural e intelectual e os novos
estilos de vida, objectivos que a cidade de Évora tentou igualmente implantar.

Desde 1806 que Évora desfruta de uma Biblioteca Pública e que tem, a partir de meados do
século, uma série de redacções de jornais, tais como: o “Pharol do Alentejo”, o “Geraldo sem
Pavor”, “O Eborense”, o “Manoelinho d’ Évora”, a “Folha do Sul”, o “Notícias d’ Évora”,
entre outros. Apesar de, em termos regionais, a população do Alentejo ser uma das populações
mais iletradas, cerca de 88% no ano de 1864 (Fonseca, 1996:730), a elite económica eborense
investia na educação e formação dos seus filhos, tanto a elite aristocrática como a burguesa,
“(...) em meados do século XIX não só estava completamente alfabetizada, como a maioria
tinha beneficiado da instrução secundária (48%) ou mesmo obtido uma formação a nível
superior (13%)” (ibid.:730). Neste sentido Portugal seguiu as mesmas reformas ocorridas nos
outros países europeus, que converteram o ensino médio em ensino secundário (criado em

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

1836 e aplicado a partir de 1840) (Ibid.:731), o que contribuiu para uma formação mais
polivalente que integrava, para além do Latim, o estudo de línguas estrangeiras, de ciências
positivas, de Economia Política, de Administração Pública e de Comércio. É óbvio que da
educação só beneficiava uma pequena faixa da população eborense, no entanto, não deixa de
ser notória a preocupação com a escolarização, o que se demonstra com a inauguração do
Liceu de Évora, no ano de 1845.

Do ponto de vista cultural e social, Évora também se afirma como centro urbano com uma
grande variedade de espaços de sociabilidade. Os vários cafés são disso exemplo tornando-se
importantes locais de encontro, onde se propagam notícias, se lêem jornais, se organizam
pequenas tertúlias, se partilham ideias e se originam dinâmicas de grupo. «Em 1862, a
imprensa local anunciava a abertura do “novo café” na rua da Porta Nova, com concertos
todos os dias após o pôr-do-sol» (Bernardo, 2001:57). Também com uma importante função
social não nos podemos esquecer das barbearias 10 , espaços onde, para além do corte do cabelo
ou da barba, se debate todo o tipo de assuntos e onde os homens se juntam muitas das vezes
apenas para conversar. Para além destes locais de encontro mais fortuito, existiam os locais de
lazer onde se apresentavam espectáculos. Antes de ser construído o Teatro Garcia de Resende,
havia na cidade diversos teatros, onde actuavam grupos amadores mas também profissionais,
tantas companhias nacionais, como estrangeiras. Era o caso do teatro existente na Rua do
Raimundo (antigo Convento das Mercês), onde esteve instalado o Grupo Recreio Familiar
Eborense e onde se começou a apresentar, fazendo o acompanhamento musical dos
espectáculos de teatro, o Grupo de Músicos Amadores, orquestra dirigida por José Barreto
Aviz. Havia também o Teatro Eborense, também conhecido pelo teatro das Casas Pintadas
porque ocupava parte de um palácio que tinha nas paredes pinturas exóticas e orientais, que se
situava na Rua Vasco da Gama, chegando a ser considerado “o grande ponto de referência, aí
se concretizando boa parte da vida mundana eborense” (Bernardo, 2001:52), que contou,
entre outros, com a presença assídua de Eça de Queiroz. O Teatro Variedades, conhecido por

10
Em torno do tema das barbearias, pareceu-nos interessante transcrever este pequeno texto escrito por Silva
Godinho. “A barbearia, onde a arte andava de braço dado com a má- língua e se cuidavam bandós e peras, se
frizavam barbas, bigodeiras e môscas, a barbearia – dizíamos- era por tudo isto uma inesgotável fonte de
cultura popular.
Évora, no século passado, também possuiu curiosas barbearias, por cada uma delas representar extractos da
vida local segundo a tendência política e posição social das suas clientelas, enquanto outras, mais voltadas às
artes e aos desportos, atraiam carolas da música e do teatro, entusiastas da caça e do velocipedismo” (Godinho,
1984-85: 39)

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Teatro Sardinha, que se situava na Rua do Borralho, entre outros. Évora durante o século XIX,
tinha diversos teatros particulares de pequenas dimensões e por vezes adaptados e com poucas
condições, mas onde havia espaço para os amadores darem os seus primeiros passos.

Como espaços de sociabilidade, para além das tradicionais actividades de rua como sendo as
feiras, as touradas, as festividades religiosas, ou outras comemorações profanas, referimos
também como espaço exterior de convivialidade o Passeio Público. No que diz respeito aos
recintos fechados já anunciámos o papel desempenhado pelos cafés, pelas barbearias, pelos
teatros e falta-nos agora apresentar um outro local de extrema importância para o
desenvolvimento das práticas de sociabilidade, as associações, que, tal como vimos no
capítulo anterior, têm, ao longo da História, sido importantes instituições que têm contribuído
para o desenvolvimento cultural, cívico e social.

Outro dado que pode ser importante na abordagem ao associativismo é o da sua localização.
Sem desenvolver aqui muito esta matéria, deixamos a informação de que, numa primeira fase,
a vida associativa se concentrava essencialmente nos núcleos urbanos e muito pouco nos
meios rurais. Era nas cidades que os vários grupos sociais desenvolviam as suas actividades e
se organizavam em associação. No que diz respeito às assimetrias entre o litoral e o interior do
país, podemos dizer que, relativamente ao Alentejo, o associativismo cultural, na segunda
metade do século XIX, “constituía um dado comum, tanto às capitais de distrito, como a
algumas sedes de concelho. (...) Constituía uma prática transversal às diferenças entre
província e capital, entre litoral e interior” (Ibid:49), o que comprova, mais uma vez, que
Évora, à escala de uma cidade de província, procurava acompanhar a trajectória nacional,
tentando, à sua medida, seguir o mesmo modelo identitário das cidades mais urbanizadas do
litoral. Um dos factores que reflectem esta tendência é exactamente a forte presença do seu
movimento associativo. Évora, enquanto capital de distrito e importante cidade da província
alentejana, desenvolveu, à sua escala, uma cultura urbana que se foi reformulando no seio de
um contexto rural que nunca perdeu de vista o urbano.

Como forma de enquadrar estes assuntos no contexto eborense e antes de passarmos à análise
particular das associações onde se desenvolveram as bandas filarmónicas, apresentaremos, em
seguida, de forma sucinta, alguns exemplos de sociedades que desempenharam um importante

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

papel no movimento associativo da cidade e que nos parecem anunciar diferentes tipos de
associações de cariz cultural e recreativo.

Tal como ocorria no resto do país e na Europa, na década de 30 do século XIX, a elite
eborense também aderiu ao movimento das associações voluntárias de cariz cultural e
recreativo, tanto assim é que, em 1937, surge o Círculo Eborense, associação que tinha como
principal objectivo: “a honesta convivência dos sócios e suas famílias, com exclusão, em caso
algum, de projectos políticos ou religiosos” (Filipe, 2001:68). Era uma associação à qual
pertencia grande parte da elite eborense que desta forma, passava a realizar as suas Soirées,
fora dos seus espaços domésticos, utilizando um espaço público, de recinto fechado, restrito e
seleccionado. O convívio era então o seu objectivo fundamental. Numa fase posterior, esta
sociedade passou a chamar-se Sociedade Civilizadora União Eborense e, mais tarde,
Sociedade União Eborense. Nos nossos dias é conhecida popularmente por “Bota Rasa”, o que
se deve ao facto de, na sua origem, grande parte dos associados usarem botas com salto raso.
Este é então um exemplo de associação que teve a sua origem junto da elite eborense, das
classes altas da cidade, onde se incluíam os indivíduos das profissões liberais como
advogados, funcionários públicos, médicos, militares, grandes comerciantes, lavradores e
proprietários.

Apesar de Évora ter também iniciado o seu surto associativo a partir dos anos 30, do século
XIX, é essencialmente a partir dos meados do século que se regista um aumento das
associações de cultura e recreio.

Em 1849, é fundada a Sociedade Harmonia Eborense que ocupa, desde 1902 até aos nossos
dias, um importante edifício da Praça do Giraldo, que tinha anteriormente sido a residência de
um comendador. Esta associação já não estava ligada aos principais grupos de elite, tendo
sido, no entanto, formada por um grupo de indivíduos onde predominavam essencialmente os
comerciantes. Nesta sociedade desenvolviam-se actividades no âmbito recreativo e cultural,
destacando-se inicialmente a vertente do Teatro Amador. Foi na Sociedade Harmonia
Eborense que se realizou a I Exposição Retrospectiva do Teatro Amador, o que constituiu um
importante acontecimento na cidade, chegando o seu grupo de teatro a ser considerado na
época um dos melhores grupos do país (Godinho, 1988-1993:215). Para além do teatro,

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

realizavam-se outras práticas de sociabilidade como a leitura de jornais, os jogos (a princípio


apenas os lícitos), os bailes, as sessões musicais e as palestras. Esta era uma associação
destinada à classe média, como tal, “só podiam ter acesso aqueles que, apresentando o perfil
sociológico e moral adequado, isto é, sendo cidadão moral e civilmente de boa reputação”
(Filipe, 2001:70). Actualmente, a associação já não segue estas restrições na admissão dos
seus sócios. No que diz respeito ao teatro, o seu grupo amador já não está no activo
continuando, no entanto, a desenvolver actividades noutras áreas culturais.

À medida que nos aproximamos do final do século XIX, aumenta o número de associações
ligadas às classes mais baixas da sociedade e que seguem diferentes objectivos,
comparativamente às primeiras sociedades, desenvolvendo áreas mais específicas, como a da
música ou a do teatro.

O teatro, que se tornou rapidamente numa prática valorizada pela nova ideologia liberal, na
medida em que para além do seu carácter recreativo e colectivo, é uma actividade artística que
tem uma enorme utilidade social, sendo “um dos «elementos mais poderosos da civilização
actual», actuando como agente socializador e difusor da ilustração e da educação dos povos”
(Cascão, 1993:530), o teatro, dizíamos, através da representação da realidade, tornava-se um
excelente veículo das novas condutas e ideais e um bom meio para reivindicações sociais.
Talvez por essa razão, sejam várias as associações que, em Évora, dedicaram especial atenção
ao teatro. Como alguns exemplos, podemos enumerar: o Grupo Dramático Mendes Leal (que
ainda surgiu na primeira metade do século); a Sociedade Camilo Castelo Branco; a Sociedade
Grupo de Recreio 1º de Dezembro; o Grupo Recreativo Dramático Mocidade Eborense e a
Sociedade Operária de Instrução e Recreio Joaquim António d’ Aguiar.

No que diz respeito à Sociedade Recreativa e Dramática Eborense e à Sociedade Operária de


Instrução e Recreio Joaquim António d’ Aguiar, realçamos estes dois exemplos, na medida
em que são duas associações que chegaram até aos nossos dias e que foram formadas e
dinamizadas pelas classes trabalhadoras, nomeadamente por operários.

A Sociedade Recreativa e Dramática Eborense foi fundada em 1897 por um conjunto de


indivíduos que gostavam da actividade teatral, daí que se tenha denominado inicialmente por

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Grupo Recreativo e Dramático Eborense. Em 1910 muda o seu nome para Sociedade
Recreativa e Dramática Mocidade Eborense, passando só a ter a denominação actual, no ano
de 1940. Para além do teatro, que continua a desenvolver, esta associação desenvolvia outras
actividades culturais e de recreio como as festas populares, os bailes, os jogos, promovendo e
proporcionando um espaço de convívio aos os grupos de trabalhadores que eram seus sócios.

A Sociedade Operária de Instrução e Recreio Joaquim António d’ Aguiar foi fundada em


1900 e à sua origem esteve associada uma Tuna musical, dirigida por João Maria Mata que se
intitulava por Grupo Operário e Recreativo Joaquim António d’ Aguiar. A este grupo musical
juntaram-se mais operários e, em 1910, fundam o seu grupo cénico que ainda hoje continua
em plena actividade marcando uma forte presença no teatro amador eborense. Este grupo
constitui-se em Sociedade em 1912 e ocupa as instalações onde ainda hoje se encontra a sua
sede. A Tuna de música acabou por não ter continuidade, passando a ser o teatro a principal
actividade da associação, para além de outras variadas actividades como os bailes, os serões
musicais, o jogo do bilhar ou do dominó e a leitura de jornais ou de livros na sua biblioteca. É
de destacar que esta sociedade desenvolveu um importante contributo no combate à
alfabetização, daí ter associada ao seu nome a palavra «instrução». Era uma associação onde
apenas se aceitavam como sócios indivíduos que fossem operários, sendo, ao longo da sua
história, um colectivo que, para além das suas práticas recreativas e culturais, tomava
determinadas posições políticas dentro da conjuntura que se vivia na sociedade civil. No
presente a Sociedade já alterou os seus iniciais estatutos, tendo aberto o seu leque de sócios,
não se restringido apenas aos operários.

Desenvolvemos um pouco mais a questão do associativismo cultural, não só porque ela está
intimamente ligada ao tema das bandas filarmónicas, mas também porque nos pareceu que
não deixa de ser relevante realçar o importante contributo que as associações têm prestado às
comunidades de que fazem parte. Desde os seus primórdios até à actualidade que todas estas
instituições têm contribuído para uma vivência colectiva, para uma aprendizagem partilhada e
para o enriquecimento cultural, ético e cívico. Foi através do movimento associativo que as
sociedades se consciencializaram das injustiças e das divergências e que encontraram na
estrutura colectiva as forças necessárias para a resistência e para a mudança, o que faz das
associações meios de sociabilidade e importantes estruturas de referência identitária.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

De forma sucinta, procurámos ao longo dos anteriores parágrafos contextualizar a cidade de


Évora dos meados do século XIX e perceber em que medida este período da história foi
determinante para muitos aspectos da sociedade portuguesa e não só, na medida em que foi
uma realidade vivida também noutros países europeus, como na Inglaterra, França, Alemanha,
Itália e Espanha. No fundo, todas as conjunturas, ideológicas, políticas, económicas e sociais
que se processaram no decorrer do século XIX foram determinantes para a formação e
desenvolvimento de novas formas de sociabilidade e para a redefinição da estrutura social,
que passa de uma hierarquização muito estratificada e estanque para uma sociedade liberal e
burguesa que se fundamenta “no percurso que vai do indivíduo ao Estado, do privado ao
público” (Bernardo, 2001:50) processos estes que levam a uma alteração funcional do espaço
urbano que ganha uma outra vida, que projecta e ambiciona novos objectivos e finalidades
que procuram a reafirmação de uma nova identidade social e cultural.

É, essencialmente, neste panorama citadino que se desenvolvem as primeiras bandas


filarmónicas que resultam também de um movimento associativo e cultural que marcou este
período. O que, de alguma forma, pode justificar as várias referências encontradas sobre esta
prática musical, nos meados do século XIX na cidade de Évora e que, mais à frente,
passaremos a descrever.

A par de outras associações de cultura e recreio que promoviam o convívio, a partilha de


momentos de sociabilidade, de aprendizagem e de afirmação social, as primeiras sociedades
filarmónicas surgem também com o intuito de proporcionar o ensino e a prática musical aos
grupos sociais mais desfavorecidos que, ao contrário das elites aristocráticas ou burguesas,
não tinham acesso a uma cultura musical e à aprendizagem de instrumentos de música mais
complexos e sofisticados. Tal como referimos no capítulo anterior, o ensino da música e a
execução de instrumentos eruditos era uma prática a que só as elites ou o clero tinham acesso.
A grande massa de pessoas que constituía o povo produzia também a sua música, mas de
características um pouco distintas, promovendo, essencialmente, a música tradicional, que era
transmitida oralmente e que se caracterizava por alguma simplicidade e ingenuidade melódica
e harmónica.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Procuremos então compreender as diferenças entre a música tradicional e a música algo mais
erudita que se começa a difundir através das filarmónicas e do seu contexto citadino.

Em todo o país, tanto ao nível da música erudita, como ao nível da música de cariz mais
popular, existiam práticas musicais profanas de «géneros austeros e lúdicos» (Oliveira,
2000:57) e práticas cerimoniais e sacras. Dentro destas duas formas musicais podemos
encontrar música vocal, a solo ou em grupo, ou música instrumental. No que se refere à
música instrumental, existem vários tipos de instrumentos, que podem ser considerados
“instrumentos sagrados, rituais ou cerimoniais, e instrumentos meramente profanos ou
laicos” (Ibid.:57 e 58). No caso da música tradicional, ela é, em grande parte, uma música
vocal que incluí o acompanhamento de alguns instrumentos de características mais arcaicas,
na medida em que são construídos de outros materiais, como a madeira, as canas ou as peles e
que, do ponto de vista da sua execução e complexidade, são substancialmente mais simples
que os instrumentos tocados nas bandas ou nos grupos de música erudita, como é o caso dos
metais. No que diz respeito aos instrumentos de cariz tradicional, Ernesto Veiga de Oliveira
menciona que estes “não são, de um modo geral, em si mesmos, sagrados ou sequer exclusiva
e verdadeiramente cerimoniais. Na sua quase totalidade, eles são sempre comuns (...) e
servem naturalmente música de qualquer espécie” (Oliveira, 2000:58). Neste caso, podemos
referir a gaita-de-foles e a flauta e tamboril, instrumentos que, no seu conjunto, cumprem
funções cerimoniais. O bombo que integra a família dos tambores, instrumentos considerados
rituais e sagrados que, para além das suas funções lúdicas, participam nas celebrações
cerimoniais acompanhando por um lado os Zés- Pereiras e os gaiteiros, mas, por sua vez,
também as bandas filarmónicas e as bandas militares nas suas cerimónias oficiais. Bruno Nettl
também aborda a ideia cerimonial e sagrada dos instrumentos, considerando que “é o aspecto
simbólico dos instrumentos que lhes dá o seu status de importância, visto que o quantitativo
de música vocal que realizam os grupos primitivos é de longe muito superior ao quantitativo
de música instrumental” (Ibid.:58).

Tanto no contexto rural, como ao nível dos grupos compostos pelos trabalhadores e operários
que habitavam as cidades, a maioria da população não tendo acesso ao ensino da música,
centrava as suas práticas em torno da música tradicional, que era caracteristicamente pouco
instrumental estando mais ligada ao canto que ia sendo transmitido através das gerações e que

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

acompanhava muitos rituais de trabalho, entre outros. Desta forma, é possível compreender, o
estatuto simbólico que era dado aos instrumentos: um músico, um tocador que aprendia a
executar um instrumento adquiria dentro daquele contexto um estatuto diferente, tal como
acontecia com o gaiteiro, o tamborileiro, o tocador de campaniça, que toda a gente conhecia, e
geralmente, nem sequer existiam muitos tocadores dentro da mesma povoação, bastavam
aqueles que garantissem os momentos cerimoniais e festivos.

E se os tocadores tradicionais já adquiriam um importante estatuto dentro das suas


comunidades, mais ainda adquiriam os músicos e os instrumentos que estavam associados à
música erudita, para além do mais porque estes instrumentos eram de difícil execução e de
difícil aquisição, devido aos seus elevados custos. O que quer dizer que a aprendizagem deste
tipo de instrumentos não era para qualquer um e, se por alguma razão isto se tornasse
possível, este músico adquiria comparativamente ao músico tradicional um estatuto superior,
na medida em que tocava um instrumento cerimonial qualificado, com o qual poderia
participar em sessões de natureza solene.

Com todas as mudanças que ocorreram no século XIX a música, tal como já vimos, ganhou
grande projecção e importância, e encontrou a partir das novas formas de sociabilidade, outros
espaços e momentos para a concretização da sua prática, deixando de estar exclusivamente
confinada aos salões da aristocracia e ao clero e, por outro lado, às festas religiosas ou
profanas organizados no seio do mundo rural. Com a nova mentalidade e as novas ideologias
políticas e sociais conquistadas pela revolução liberal, a música passa a ser ouvida nas ruas e
nas praças, tornando-se uma prática mais transversal aos vários grupos sociais. Com a
instauração dos primeiros partidos políticos investe-se na criação e formação de bandas de
música que propagam as suas estratégias políticas pela sociedade e passam a surgir
movimentos associativos que centram a sua actividade em torno da música, o que permite a
valorização do ensino e do desenvolvimento cultural que deixa de estar confinado
exclusivamente às elites sociais, possibilitando novas oportunidades para os grupos dos
trabalhadores, que podem através do movimento associativo reivindicar os seus direitos e
criar condições para o seu envolvimento nas variadas práticas sociais.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

É assim, dentro deste panorama, que surgem também as Sociedades Filarmónicas que passam
a proporcionar o ensinamento e a prática instrumental às populações que, não tendo acesso ao
ensino primário, muito menos o tinham ao nível da música. O que vai permitindo,
essencialmente nas cidades que têm mais facilidade em acompanhar as novas tendências, que
as classes populares passem a integrar as filarmónicas e aprendam o solfejo e a prática de
novos instrumentos e melodias que já se aproximam mais de uma cultura musical erudita. A
par da elite burguesa que continua a tocar o seu piano e a realizar os seus saraus musicais, o
grupo dos trabalhadores, nas suas horas vagas, pode, através da filarmónica aprender a baixo
custo a execução de outro tipo de instrumentos, o que lhes confere um certo estatuto dentro do
seu grupo social e fora dele: “Constituía um sonho, uma alegria ou uma festa das classes mais
desfavorecidas, mas conscientes. O ingresso de um operário numa banda filarmónica era um
acontecimento na sua família e na comunidade operária. Constituía uma eleição social, um
acesso à cultura - mas o operário nunca perdia a sua raiz social e cultural, e a sua condição
profissional” (Ramos, 1991:10). Esta realidade acabava por resultar numa maior apreensão da
cultura musical erudita por parte dos grupos sociais que até aí apenas se identificavam com
uma cultura tradicional.

Desta forma, as bandas filarmónicas tornam-se um local, um meio extremamente


enriquecedor do ponto de vista humano, cultural, musical e identitário, que reúne em si
características de dois mundos musicais diferentes e um conjunto de vivências e de
referências que as fazem adquirir uma identidade muito própria e muito peculiar. A banda
filarmónica é um bom exemplo de prática musical e social que não está confinada
inteiramente nem à música erudita, nem à música tradicional e que se identifica e reestrutura
no meio de ambas. Daí que se possa dizer, relativamente aos aerofones metais, que são
instrumentos que não fazem parte das “formas (...) populares e locais, mas que possuem
apesar disso importância no mundo musical do povo, como instrumentos de banda” (Oliveira,
2000:39). Por outro lado, vemos também as filarmónicas a participarem em momentos
cerimoniais, mas também em momentos populares: as “bandas, que, por toda a parte,
desempenham um papel de grande importância nas festas e celebrações religiosas, cortejos
cívicos ou outros acontecimentos solenes de carácter popular” (Ibid.:70).

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

4. O contexto filarmónico eborense

Depois de todo este enquadramento histórico e social passemos então à apresentação do


contexto filarmónico eborense que teve os seus inícios em meados do século XIX. Para além
das referências às primeiras bandas filarmónicas que surgiram em Évora procuraremos, em
função dos dados que nos foi possível encontrar, fazer uma descrição do panorama
filarmónico que se processou até aos nossos dias. Não será uma exposição muito
pormenorizada de todos os factos, mas procuraremos apresentar as principais estruturas e
perceber o seu desenvolvimento no decorrer dos tempos, o que nos poderá ajudar para a
reflexão sobre esta prática musical em termos do seu actual contexto.

Évora, que já desde o século XVII e XVIII era considerada uma “metrópole da música”
(Godinho, 1984-85:60), não ficou indiferente ao movimento liberal do século XIX, sendo uma
das primeiras cidades portuguesas a dinamizar uma filarmónica. É assim que, no ano de 1836,
é fundada a Casa Pia de Évora que, passado pouco tempo da sua fundação, cria a Banda dos
meninos da Casa Pia, como lhe chamava a população, que durante sucessivas gerações «foi
um extraordinário “viveiro” a abastecer a cidade de músicos, muitos deles exímios
executantes a nível nacional» (Ibid.:60). Apesar deste impulso muito repentino a cidade,
durante os trinta anos seguintes, pôde apenas contar com a banda dos alunos da Casa Pia e
com a Charanga do Regimento de Cavalaria n.º 5.

Só na década de 60, com as novas conjunturas políticas e sociais, é que se volta a pensar na
organização de uma nova filarmónica, agora apoiada pela imprensa eborense, que incentiva a
ideia apresentada por um conjunto de ex-alunos da Casa Pia que se organiza numa associação
filarmónica. Desta forma surge a Sociedade Filarmónica Euterpe Eborense que, ao publicar
as suas contas referentes ao ano de 1866, no jornal «Folha do Sul», nos permite ficar a saber
que esta filarmónica “dispunha de casa de ensaios com a renda de 14.400 réis e que o
ordenado do seu mestre ensaiador era de 38.400 réis” (Ibid.:61). Esta filarmónica era
conhecida, segundo Silva Godinho, pela banda marcial dos artistas que realizou o seu
primeiro concerto a 21 de Maio de 1864, no adro da Igreja de S. Antão. Segundo Pedro de
Freitas, esta banda era conhecida na altura pela designação de “os Formigões”, no entanto

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Silva Godinho 11 , não concorda com esta afirmação, dizendo que a banda Alunos de Minerva é
que foi «uma das sucessoras de “Os Formigões”, que se julga ter sido a primeira filarmónica
eborense» (Godinho, 1980-81:108). Apesar do apoio que esta banda recebeu de muitos dos
eborenses que rapidamente se fizeram sócios, pagando a quota mensal de 200 réis, a
Filarmónica Euterpe Eborense acabou por se extinguir passados quatro anos.

No ano de 1870, surgem mais duas filarmónicas na cidade. A banda dos Alunos de Minerva
que foi fundada pela classe operária, ficando conhecida pela alcunha «A Música dos
Chouriços» (Freitas, 1946:195), que era regida por João Francisco da Costa, um apreciado
clarinete. Como este foi um período em que as bandas eram muito vulneráveis às influencias
partidárias, os Alunos de Minerva ligaram-se à causa liberal e à política progressista o que
lhes trouxe grandes dissabores como aquele que foi protagonizado pelo Visconde de Guedes,
que após ter sido empossado como Governador Civil em Março de 1881 quando se dá a queda
do ministério progressista, “deu largas ao seu sectarismo na campanha de aniquilamento da
Filarmónica Alunos de Minerva, alegando que esta não se encontrava legalmente constituída.
No fundo o que pretendia era expulsar dela todos os músicos e dirigentes progressistas e pôr
a banda ao serviço do Partido Regenerador, agora em plena ascensão” (Godinho, 1984-
85:59). Como muitas das bandas nasciam por oposição às já existentes, no mesmo ano dos
Alunos de Minerva, com o apoio de outros interesses, é criada a Filarmónica Primeiro de
Dezembro que tem como regente o Teodósio Augusto Ferreira e que passa a satisfazer a
política regeneradora. Durante um período estas duas bandas rivalizam musical e
politicamente, provocando ódios e discórdias entre os seus elementos e a própria população
até que ambas terminam a sua actividade por volta do ano de 1886.

Como resultado do incidente político- musical de 1881, surge uma nova filarmónica
denominada Sociedade Academia de Minerva que é apoiada pelos regeneradores e por alguns
dissidentes da Filarmónica Alunos de Minerva. Esta banda estreia-se no dia 5 de Maio de
1881 fazendo o acompanhamento musical da procissão do Senhor dos Passos. No Dia 1º de

11
Silva Godinho foi um erudito local que se dedicou à investigação e ao estudo de variadas matérias da cultura
eborense, tendo editado muitos artigos no Boletim A Cidade de Évora, com o título de “Temas Oitocentistas
Eborenses”. É de salientar a sua dedicação e o trabalho que desenvolveu sobre a o ambiente cultural que se vivia
em Évora desde os finais do século XVIII até ao século XX, tornando-se um autor de referência para certos
enquadramentos do nosso trabalho.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Dezembro inaugura o seu fardamento e meses depois passa a realizar concertos no Jardim
Público.

As comemorações do 1º de Dezembro, foram durante muito tempo e continuam de alguma


forma ainda a ser, umas comemorações importantes no contexto eborense. No ano de 1881,
com todas as mudanças políticas que se processaram, nomeadamente com a queda do
Ministério Progressista, a cidade de Évora perde a sua tranquilidade vivendo momentos de
grandes tensões, que apenas tiveram tréguas durante as comemorações do 1º de Dezembro
que ficaram conhecidas como o dia em que se fez «ensarrilhar armas a progressistas e
regeneradores» (Godinho, 1980-81:112). Durante esse dia realizaram-se concertos na Praça
do Giraldo e na actual Praça Joaquim António D’ Aguiar e ouvia-se com frequência pelas ruas
da cidade o Hino da Restauração, executado pelas várias bandas existentes na cidade, como a
banda da Casa Pia, a dos Alunos de Minerva, a 1º de Dezembro, a Academia de Minerva,
formada à pouco tempo e que estreava neste dia o seu novo fardamento. Para além destas
bandas estavam ainda presentes a Charanga de Cavalaria 5 e o Grupo Sol- e- Dó. O que deve
ter proporcionado um verdadeiro “dia filarmónico”.

O período entre 1864 e 1887, foi bastante conturbado para a vida das filarmónicas que
incentivadas pelas forças políticas passam por situações complicadas de rivalidades
partidárias e intrigas que acabam por prejudicar o desenvolvimento da sua prática musical que
se sustentava essencialmente por factores alheios à própria música. O que ajuda a
compreender o facto de terem desaparecido entre 1886 e 1887 quase em simultâneo, a
Filarmónica Alunos de Minerva, a Filarmónica Primeiro de Dezembro e a Sociedade
Academia de Minerva (Ibid.:64).

Acabado este período conturbado das anteriores bandas, Évora volta a ficar apenas com a
banda militar e a banda da Casa Pia que já não asseguram as necessidades musicais de uma
população que estava habituada ao som e à presença das filarmónicas. Devemos, no entanto,
acrescentar que para além das bandas, nas várias colectividades e cafés da cidade a prática
musical mantinha a sua actividade através das tunas, dos orfeões e das suas pequenas
orquestras que realizam frequentemente espectáculos nos teatros da cidade e noutros espaços
públicos ou privados. Sendo precisamente numa dessas orquestras, que funcionava no teatro

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

situado no convento das Mercês e que realizava bailes, espectáculos de música e


acompanhava peças de teatro, que se irá desenvolver um novo núcleo filarmónico, que deu
origem a uma das mais importantes e persistentes bandas civis da cidade.

Tudo começou com o entusiasmo de dois destacados músicos, o regente José Barreto Aviz, há
pouco tempo fixado em Évora e o hábil flautista Joaquim Gregório de Sousa que tinha a
profissão de barbeiro. Como a sua barbearia, situada na actual Rua Bernardo de Matos, era um
local bastante frequentado por músicos e amadores de teatro, foi aí onde “se realizaram as
primeiras e decisivas reuniões para a organização do Grupo de Amadores de Música
Eborense, cuja fundação se ficou a dever em grande parte á iniciativa e dinamismo daquele
barbeiro- musicómano” (Ibid.:40). Foi então a partir da orquestra denominada Grupo de
Amadores de Música, da qual faziam parte estes dois entusiastas músicos e um conjunto de
seleccionados instrumentistas, que se lançaram os primeiros acordes para a formação da
filarmónica que se fundou a 11 de Novembro 12 de 1887 com o nome de Escola do Grupo de
Amadores de Música Eborense, recebendo desde o início o apoio da população e a grande
colaboração do amigo e entusiasta da música, Francisco Barahona que se tornou o benfeitor
da nova banda, investindo nos fardamentos e nos instrumentos musicais que comprou no ano
de 1889.

Ainda enquanto orquestra dos Amadores de Música, participam numa homenagem aos
dirigentes locais do Partido Progressista, realizando o seu primeiro concerto público no Café
Eborense, na Praça do Giraldo, a 16 de Março de 1887, concerto esse que confirmou a aptidão
musical dos seu músicos, dando um maior incentivo à formação da filarmónica. Após esta
apresentação, seguem-se mais alguns concertos ao ar livre na Praça do Giraldo e no Jardim
Público que fazem surgir na imprensa, pela primeira vez o nome da sociedade filarmónica em
organização. Vivia-se um novo entusiasmo e acreditava-se que os Amadores iriam renovar a
imagem das filarmónicas que estava um pouco desacreditada pelas anteriores bandas que
tinham entrado em rápido declínio.

12
Das pesquisas documentais que encontrámos sobre a formação da Escola do Grupo de Amadores de Música
Eborense, não existe concordância entre os vários autores relativamente ao dia exacto da fundação desta banda
filarmónica. Para Silva Godinho, tal como para Pedro de Freitas, esta foi fundada a 11 de Novembro de 1887, no
entanto artigos mais recentes de Luís de Matos referem que a sua fundação ocorreu no dia 10 de Novembro de
1887.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Em menos de um ano, os Amadores conquistaram a população que acolhia “com entusiasmo


tão importante movimento cultural, cujo objectivo era fundar uma sociedade onde se
ensinasse e divulgasse a música” (Godinho, 1982-83:177).

Desta forma constitui-se uma Comissão Organizadora presidida pelo regente José Barreto
Aviz e secretariada pelo músico Joaquim Gregório de Sousa. A 1 de Setembro de 1887,
“tiveram lugar, na Rua do Mau Fôro, [actual Bernardo de Matos] n.º 23, importantes actos da
vida associativa do Grupo de Amadores de Música Eborense” (Ibid.:177) onde foram
aprovados os estatutos da colectividade e eleitos os seus dirigentes, ficando como Presidente
da Assembleia Geral, Francisco Barahona. Nessa sessão foi conferido o título de sócio de
mérito a Francisco Barahona, por este ter oferecido o pagamento do selo e emolumentos dos
estatutos. São também nesta sessão, nomeados professor- ensaiador e ajudante, os músicos
José Barreto Aviz e Augusto Anes, ficando estipulado os seus ordenados mensais no valor de
24.000 e 6.000 réis (Ibid.:177-178). Os estatutos foram então submetidos à aprovação do
Governo Civil de Évora a 1 de Setembro de 1887 e aprovados no dia 10 de Outubro do
mesmo ano.

Quanto à sede dos Amadores, Francisco Barahona propôs, numa primeira fase, que o Salão
Nobre do Teatro Garcia de Resende se prestasse a ser a sala de ensaios da banda, no entanto,
após uma reflexão entre a Câmara Municipal e a Sociedade, decidiu-se que à banda seria
cedido um outro espaço situado na actual Rua João de Deus que passou a ser a sua primeira
sede. Sendo já neste espaço, que em 10 de Novembro de 1887, os fundadores do Grupo de
Amadores de Música Eborense inauguram a Aula de Música, acto no qual a banda tocou o seu
hino, composto pelo músico amador Francisco José da Conceição. A Escola tinha aulas de
música vocal e instrumental e funcionava às segundas, quartas e sábados, das seis às oito
horas da noite. Inicialmente contou com 14 alunos, passando em Março do ano seguinte a ser
frequentada por 43 alunos, entre os quais duas meninas.

Com uma sede que lhe foi cedida, com o aumento do número de sócios e com outro tipo de
ajudas, a Escola do Grupo de Amadores de Música viveu momentos de prosperidade e
crescimento que lhe foram permitindo a sua continuidade. E com o passar dos anos, foram
sucedendo-se as direcções e os regentes, havendo uns períodos mais estáveis e outros onde,

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

por sua vez, se atravessaram maiores dificuldades financeiras. Com a morte de Francisco
Barahona, a 25 de Janeiro de 1905, a Banda dos Amadores perde algum do seu dinamismo,
que é recuperado através de alguns presidentes de Direcções como, Manuel Joaquim de
Carvalho, Jacinto António de Brito e Luciano Joaquim Valério que voltam entusiasmar o
funcionamento da filarmónica. Foi também durante este período que a banda deixa de ocupar
a sede que lhe fora cedida pela Câmara Municipal, passando a receber em troca, uma
mensalidade de 200$00 (Freitas, 1946:196).

Para além da «banda dos Amadores», como era popularmente conhecida, continuava a existir
a banda da Casa Pia que mantinha a sua actividade, realizando concertos e participando nas
procissões e festas populares. E durante um período, que decorre desde 1887 até
sensivelmente 1920, não há conhecimento de outras associações filarmónicas sediadas em
Évora. Este período aparentemente menos activo do ponto de vista filarmónico foi também,
em parte, um período em que se assistiu a um decréscimo da população. Ao contrário do
crescimento que se registou entre 1864 e 1911, a partir desta data até aproximadamente o ano
de 1920 houve um retrocesso, o que fez com que Évora passasse de 17907 habitantes para
16133 habitantes, situação que se deveu às consequências da Primeira Grande Guerra e da
epidemia de gripe pneumónica. Só a partir de 1920 é que a população volta de novo a
aumentar a um ritmo mais intenso (Gaspar, 1981:326).

Com a nova política democrática instalada com o regime republicano, surge a necessidade de
se criar uma banda que pertencesse ao «Centro Escolar Republicano Democrático» que era
presidido pelo médico Jorge Capinha destacada figura política da cidade. Desta forma, surge
então a Banda 13 de Outubro (data que assinala o movimento revolucionário ocorrido em
Évora a 13 de Outubro), que passa no entanto a ser conhecida por «Música da Malagueta»,
pelo facto do seu fardamento possuir excessivos vivos vermelhos. A banda faz a sua primeira
apresentação pública no dia 5 de Setembro de 1920, tendo no entanto um curto período de
vida, que se limitou a três anos. No Jornal O Democrático, surgem várias referências à
presença de bandas de música que acompanhavam os actos comemorativos dos republicanos
nos quais tocavam a «Portuguesa», neste jornal aparece também a referência à Banda 13 de
Outubro, que participava nas festas e sessões políticas organizadas pelo Partido Republicano
Português (Baiôa, 1999:93).

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Com o surgimento e fundação da Banda 13 de Outubro, os «Amadores» que durante algum


tempo tinham tido, juntamente com a banda da Casa Pia, o protagonismo filarmónico,
sentiram-se um pouco ressentidos, o que lhes deu o impulso para renovar a banda e impor
algo de novo e duradouro. Como tal, em 1925, é nomeada uma nova e entusiasta Direcção
onde estão, entre outros, Asdrubal Espalha e José Augusto Correia. Constituindo uma
direcção benemérita que tenta ultrapassar todos os obstáculos. A sede é recuperada, compram-
se novos fardamentos e renova-se algum instrumental. Na altura os Amadores contam com
setecentos sócios que pagam a quota mensal de 2$50 e com quarenta e cinco músicos que
tocam na banda. É também com esta direcção, que o seu presidente, Asdrubal Espalha,
consegue que o Ministério da Instrução conferisse, “num diploma de lei, aos Amadores, o
direito público e oficial de Academia Musical” (Freitas, 1946:199), contudo esse diploma
acabou por não ter execução. Só mais tarde a 5 de Maio de 1930, através do Decreto n.º
18.282, a Escola do Grupo de Amadores de Música Eborense, foi então “elevada e
distinguida, passando a chamar-se Academia de Música Eborense, [sendo apenas] registada
com esta designação na Conservatória do Registo Comercial de Évora, em 11 de Agosto de
1981” (Boletim Acad. Música Eborense, 1996:5).

Durante os anos em que Portugal viveu sob o Regime do Estado Novo, não existem grandes
referências sobre a Escola do Grupo de Amadores de Música. Sabemos no entanto que a
banda continuou com a sua actividade e que teve períodos em que até ganhou prémios em
concursos nacionais. Tal como aconteceu num Encontro de Bandas Civis que ocorreu a 25 de
Agosto de 1935 em Reguengos de Monsaraz, onde a Banda dos Amadores ganhou o terceiro
prémio, sob a regência de António dos Santos Coutinho. Durante esta época a banda realizou
várias actuações no país, indo nomeadamente a Lisboa e a Setúbal, onde recebia os melhores
elogios e votos de confiança. No ano de 1937, sob a regência de Francisco Alves Bento
Ribeiro, participa também no Concurso de Bandas Civis Portuguesas. Em 1940 esteve
presente na Exposição do Mundo Português e em 1943, sob a regência do Capitão José Pires
da Cruz, alcança o primeiro lugar no Concurso de Bandas Civis, ganhando também o 1º lugar
da Zona Sul no II Concurso da F.N.A.T.

Durante o Regime do Estado Novo e em termos populacionais podemos dizer que a cidade de
Évora continuou desde a década de 20 até à década de 50 a assistir a um aumento da

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

população, o que se relaciona, em parte com a “política interna de incremento da cultura


cerealífera e corresponde também ao empolamento do aparelho burocrático do Estado e ao
desenvolvimento dos organismos corporativos, com que Évora, visto ser uma das principais
sedes de distrito, não pôde deixar de beneficiar” (Gaspar, 1881:326). O aumento de
população na cidade também se intensificava com o êxodo rural dos trabalhadores que
deixavam as suas aldeias ou montes procurando na capital de distrito melhores condições de
vida. A partir da década de 50, volta-se a registar um decréscimo populacional que ainda se
acentua mais nas décadas de 60 e 70, com a emigração e as guerras coloniais.

Temos também alguns dados relativos a este período que nos foram gentilmente cedidos por
Adelino Santos que no decorrer de algumas conversas que estabelecemos e com o apoio de
documentos e fotografias me foi contextualizando sobre o percurso dos Amadores e sobre a
vida social, política e musical que se viva na cidade de Évora a partir do final da década de
40. Adelino Santos, que tal como veremos, desempenhou um importante papel na história da
Academia dos Amadores de Música. 13

Foi no ano de 1947 que Adelino Santos integrou a Banda dos Amadores, tinha ele nove anos
quando começou a dar os seus primeiros passos como executante de Flautim. Na época o
regente era Carlos Chagas, que para além de regente tinha que desempenhar uma série de
outras funções, tais como, a de ser o professor, o compositor, o arquivista, conseguido até
muitas vezes pôr os instrumentos a tocar quando havia algum problema. Naquele período com
a falta de apoios e as dificuldades que se viviam no país, as bandas tinham que subsistir da
boa vontade dos seus regentes, dos seus associados e dos seus músicos. Depois do Sargento
Chagas veio o Sargento Carvalho. Adelino recorda que esses tempos não eram fáceis mas que
os mais velhos ajudavam e apoiavam os mais novos, acabando por ser tornarem num grupo de
amigos onde para além da música se aprendiam muitas outras coisas da vida. Os músicos
eram pessoas simples, operários, corticeiros e gente que vivia com poucas economias, sendo a
banda um local de encontro, de diversão e de camaradagem. Na escola da banda, o solfejo era

13
Não quero deixar de agradecer a Adelino Santos a disponibilidade e o interesse que desde logo demonstrou por
este trabalho, colocando-se à disposição para colaborar e dar todas as informações necessárias. Segundo ele, nada
haveria a ocultar e como tal estava disposto a falar-me sobre tudo. E falámos realmente longas horas, isto porque
conversar é uma das coisas que não é nada difícil de fazer com tão grande orador, que conta as histórias com tal
emoção e entusiasmo, que é quase impossível não nos envolvermos, principalmente quando na história de uma
banda de música se enlaçam tantas outras histórias de vida.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

aprendido de uma forma muito exigente, em seis meses tinham que saber o solfejo «na ponta
da língua» de modo a estarem preparados para ler uma partitura musical, o que para muitos
músicos não seria certamente uma tarefa fácil, uma vez que muitos deles nem sabiam ler nem
escrever. No entanto as bandas acabavam por ser as «grandes fábricas de instrumentistas»,
principalmente devido à dedicação filarmónica que existia por parte dos músicos e por outro
lado devido ao grande domínio que tinham do solfejo.

Adelino Santos continuou na banda ao mesmo tempo que prosseguia com os seus estudos,
quando entrou para o Liceu Nacional de Évora integrou a Tuna do Liceu, onde foi um
elemento muito activo. Mais tarde tocou também na Orquestra Ligeira da Sinfónica, pertenceu
ao grupo «Alma Lusa» e continuou sempre ligado à música, mesmo em Angola, onde esteve
dois anos durante a Guerra Colonial, dinamizou um grupo de música e organizava
espectáculos musicais que proporcionassem momentos de lazer e de encontro para quem
estava longe de suas casas e vivia difíceis ambientes de guerra.

Com o fim da ditadura e a implantação dos novos ideais de Abril de 1975, Adelino Santos é
confrontado com um convite, onde lhe é proposto que assuma a Direcção da Academia dos
Amadores de Música Eborense e leve a «bom porto» esse projecto. Nesse tempo, a banda
tinha 20 músicos e 5 alunos, os instrumentos estavam obsoletos e as instalações necessitavam
de uma grande intervenção. Adelino aceita o desafio e passa a dar forma à Academia dos
Amadores. Em 1976, o número de inscrições aumenta substancialmente, passando a haver
100 alunos. Com este aumento cresce o número de professores e passam a procurar-se todos
os instrumentos disponíveis. São criadas duas bandas, a Sénior e a Júnior, tendo como mestre
o Marcelino. À medida que as coisas se vão desenvolvendo e organizando, começam a ser
contratados novos professores, ao início, professores locais e com o tempo alguns vindos de
Lisboa e de Setúbal. Em 1980, a Academia dos Amadores passa a ser reconhecida como uma
Associação de Utilidade Pública e obtêm o Alvará de Autorização de Leccionação, deixando
de ser necessário ir a Lisboa, ao Conservatório de Música, fazer os exames. Com o alvará
emitido pelo Ministério da Educação a Academia de Música Eborense passa a ser a Escola de
Música de todo o Alentejo, sendo a 4ª escola legalizada no país.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

A 31 de Agosto de 1981, a Direcção então constituída por Adelino Santos, António Lemos,
Joaquim Condeço, Evaristo Carrageta e Luís de Matos, adquire a casa em frente ao extinto
Convento das Mercês, situada na Rua do Raimundo, onde durante muitos anos os Amadores
pagavam o valor anual de 400$00 pelo aluguer do 1º andar, passando então, a partir desse
ano, a ter a sua sede própria. Após a compra do imóvel projectam-se obras para a adaptação
das instalações estando contemplada “a construção de salas de música, (...) serviços
administrativos, biblioteca, museu, sala de convívio e outras, residência de professores que
vêm de Lisboa e Setúbal, bem como de estrangeiros já residentes em Évora” (Boletim Acad.
Música Eborense, 1997:6). Para além destas obras é construído ainda um auditório para cerca
de 250 pessoas, aumentando assim o património da Academia.

No entanto, e segundo Adelino Santos, “o grande impulso surgiu em 1990, com a criação da
Escola Profissional, para formar Instrumentistas, em todos os Instrumentos de Sopro (...),
Cordas (...) e Percussão (...). Os orçamentos aprovados para a instalação da Escola
Profissional permitiam comprar todos os instrumentos necessários ao seu funcionamento”
(Jornal Diário do Sul, 2007:4). A partir deste momento, para além da Academia de Música
Eborense e de toda a dimensão que tinha vindo a adquirir, acrescesse o projecto da Escola
Profissional, onde os alunos passavam a ter uma formação intensiva e específica. Na
sequência é criada a Orquestra Sinfónica com base nos instrumentos de cordas e nos
instrumentos da banda. Passando a banda a ser “composta por mais de setenta elementos em
todos os instrumentos necessários para a interpretação de qualquer tipo de repertório, (...). E
era esta a Banda que Évora tinha...” (Ibid.:4). A banda de música que adquiriu tais dimensões
que mais parecia uma orquestra, tal como foi proferido num comentário transcrito no artigo de
jornal “Eh Pá, tu não tens aqui uma Banda, isto é uma Orquestra!...” (Ibid.:4).

Durante este período a banda participou nos vários concursos e encontros a que foi convidada,
em Portugal e no estrangeiro. Continuou a actuar nas manifestações de cultura tradicional
como as procissões, as touradas, as arruadas, as festas em meios rurais, mantendo também a
realização de concertos. Promove, o 1º Encontro de Bandas Civis de Évora, a 4 de Junho de
1989. Mais tarde organiza também em Évora um Festival Internacional de Bandas de Música.
O que reflecte a grande dinamização que foi sendo conseguida pela Academia dos Amadores.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

No ano de 1997 e segundo as informações de Adelino Santos, a Academia de Música tem ao


seu serviço cerca de 70 professores, sendo frequentada por 300 alunos, mais 50 alunos da
escola da banda. Como resultado deste número de alunos saem formados muitos músicos,
tendo alguns deles ingressado nas Bandas Profissionais (da G.N.R., da Polícia, da Armada, da
Força Aérea e do Exército), em Orquestras ou em diversificados conjuntos musicais (de Jazz
ou de música ligeira). Por outro lado, com a legalização da Academia de Música foi conferida
habilitação para a docência da disciplina de Educação Musical. Em 1997 cerca de 70% dos
docentes em funções no Alentejo tinham realizado os seus estudos na Academia. Por sua vez,
registou-se também um maior número de alunos a prosseguir estudos de níveis superiores nas
Universidades, ou nas Escolas Superiores de Música.

A Academia, juntamente com a Escola Profissional, dinamizou vários concertos, colóquios,


encontros, animações culturais, seminários, chegando mesmo a estabelecer um convénio de
colaboração com a Universidade de Évora para o desenvolvimento de uma cooperação em
torno do ensino e divulgação da música.

No final de 1999, Adelino Santos sai da Direcção da Academia de Música Eborense e é eleita
uma nova Direcção em Janeiro de 2000, que no entanto só consegue manter a Academia
aberta e em funcionamento até finais de 2002, princípios de 2003. “Com salários e bolsas de
estudo em atraso há muito tempo e acusada pelo Ministério da Educação de não cumprir os
programas nem justificar despesas, a Escola Profissional de Música de Évora está em vias de
perder a autorização de funcionamento. A directora regional de Educação do Alentejo,
Teresa Godinho, diz que este estabelecimento particular tem de prestar contas à tutela e à
União Europeia dos fundos que recebe, tanto nacionais como comunitários (...). A direcção
regional propôs então à secretaria de Estado da Educação que fosse retirada ao
estabelecimento a autorização prévia de funcionamento. Apreciados os relatórios e as
auditorias, a governante concordou” (Jornal Público, Pinto de Sá, 2002:47). O ano lectivo de
2001/2002 foi então o último ano em que a Academia se manteve a funcionar, tendo-se no
entanto registado muitos incidentes, como graves de professores, protestos de pais e alunos,
chegando-se mesmo a realizar uma assembleia geral onde se exigia a demissão da direcção.
No final de 2002 é retirado o alvará à Academia de Música Eborense que fecha as suas portas
em Março de 2003. Actualmente este processo ainda não está encerrado, nem concluído,

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

contudo a escola de música já não forma mais músicos e a sua banda filarmónica deixou de se
ouvir pelas ruas da cidade.

Após esta exposição de actividades e de acontecimentos é impossível não reconhecer o


trabalho que desenvolveu e a dimensão que atingiu a Academia de Música Eborense. Ao
longo dos seus sensivelmente 115 anos, os «Amadores» que em 1887 começou por ser uma
simples banda filarmónica que contava com o seu benemérito Barahona e com a ajuda da
população que realizava frequentemente campanhas de apoio, como é demonstrado pela
imprensa, em que as verbas conseguidas num espectáculo ou numa tourada eram doadas à
banda, que foi desta forma conseguindo sobreviver e ultrapassar os momentos complicados da
sua história, conseguindo chegar até aqui. Os tempos foram mudando e os objectivos foram
ganhando outras formas e a «velha» Escola do Grupo de Amadores de Música Eborense
passou a uma Academia de Música com alvará emitido pelo Ministério da Educação, à qual se
anexou posteriormente uma Escola Profissional de Música que conferia equivalência aos 9º e
12º anos. Em pouco mais de 115 anos, esta associação filarmónica não só se desenvolveu e
dinamizou como readaptou a sua história e a sua própria identidade.

De uma primeira Escola onde o mestre era também o regente da banda, a Academia passa nos
finais dos anos 90 a contar com a presença de 70 professores para os vários tipos de
instrumentos. No que diz respeito aos alunos aumenta substancialmente o seu número, na
medida em que fora os alunos da banda, passam a existir também os alunos que frequentam a
Academia de Música e a Escola Profissional. Por outro lado, a sua prática musical deixa de
estar centrar na prática filarmónica, passando também a dedicar-se aos grupos de música de
câmara e à orquestra sinfónica, na qual se depositou uma grande expectativa. De sede
arrendada, a Academia passa a casa própria constituída por um vasto edifício com grande
valor arquitectónico e patrimonial.

Ou seja, no decorrer de pouco mais de cem anos a inicial Escola do Grupo de Amadores de
Música Eborense adquiriu novos objectivos e readaptou a sua estratégia identitária. Os
«Amadores», com o passar dos tempos tiveram que encontrar outras formas de
desenvolvimento e de adaptação às novas realidades, o que os levou a assumir outros
objectivos obviamente distintos dos objectivos iniciais. Contudo, e sem querer minimizar, de

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

forma alguma, o trabalho desenvolvido pela Academia de Música Eborense essencialmente


nestes últimos 32 anos que acompanharam o desenvolvimento da democracia portuguesa, não
deixam de ser relevantes alguns aspectos que se destacam de todo este processo e que nos
podem levar a algumas reflexões. Pensemos, por exemplo, no crescimento e dimensão que
adquiriu nestes últimos tempos a associação, tendo atingido níveis nunca antes conseguidos,
tanto do ponto de vista humano, como de património e até de suporte financeiro, como é que
no momento em que alcança uma maior projecção e adquire uma estrutura mais sólida que
parecia ter futuro, passa pelos maiores períodos de instabilidade e desorientação, acabando
por perder tudo, tendo que fechar as suas portas às escolas, à banda e à vida associativa. Por
outro lado, reconhecemos que houve um crescimento e um desenvolvimento ao nível das
Escolas de Música, das formas de ensino, do número de professores e de alunos, por sua vez,
foram surgindo outros grupos e práticas musicais, como foi o caso da Orquestra Sinfónica,
mas então e a Banda Filarmónica? É certo que continuou a existir, mas de que forma? No
meio de toda esta grande estrutura ela teve também que se readaptar, chegando mesmo a
assemelhar-se a uma grande orquestra. Mas será este o espírito de uma banda filarmónica?
Não será que ela se caracteriza enquanto banda precisamente porque lhes estão associadas
outras características e outras identidades, que fazem com que seja um grupo musical que se
dimensiona e identifica entre uma prática erudita e uma prática popular? E não quer isto dizer
que a banda não procure atingir uma boa execução musical, mas isso não a faz identificar-se
necessariamente a uma orquestra. Cada uma tem diferentes formas de estar e diferentes
objectivos identitários podendo no entanto, as duas, trabalhar em projectos conjuntos e
partilhar as suas experiências e práticas musicais.

Procurámos ao longo deste capítulo fazer uma exposição do contexto eborense a partir dos
meados do século XIX, período em que surgem os primeiros movimentos associativos nos
quais vamos encontrar, entre outras, as sociedades filarmónicas, onde se dinamizaram as
bandas. Começámos por anunciar as várias filarmónicas que se desenvolveram na cidade de
Évora a partir do século XIX e acompanhámos a sua evolução até à actualidade. Deste
levantamento concluímos que na cidade onde inicialmente existiram em simultâneo quatro
bandas filarmónicas e uma banda militar, passou, nos últimos tempos, a existir apenas uma
banda civil confinada a uma grande Academia de Música que acabou também por razões
estruturais e infraestruturais por cessar a sua actividade. Actualmente na cidade de Évora não

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

existe nenhuma banda filarmónica em funcionamento, apenas a Banda Militar de Évora,


contudo no concelho de Évora fomos encontrar três bandas civis em pleno desenvolvimento
sobre as quais nos pronunciaremos no capítulo seguinte.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

5. Três freguesias e as suas bandas

Tal como abordámos no capítulo anterior, este nosso trabalho centra-se no estudo da prática
filarmónica no concelho de Évora. O concelho de Évora, segundo os dados do censo de 2001,
tem uma população residente de 56.519 habitantes, sendo composto por 21 freguesias, a que
correspondem dez freguesias urbanas com 47.806 habitantes e onze freguesias rurais com
8.713 habitantes.

A cidade de Évora, principal centro urbano da região do Alentejo, classificada, em 1986, pela
UNESCO, Cidade Património Mundial, já não conta, actualmente, com a existência de bandas
filarmónicas. A última filarmónica da cidade foi a Banda dos Amadores de Música que cessou
a sua actividade no ano de 2003. Muitas são as razões que se podem apontar relativamente ao
suposto desinteresse e declínio das bandas filarmónicas, que parecem não demonstrar o
mesmo envolvimento social que tinham no final do século XIX e no início do século XX. A
cidade de Évora é disso um bom exemplo, na medida em que, de quatro bandas em actividade
no final do século XIX, passa, nos dias de hoje, a não ter nenhuma. Esta perda de importância
deveu-se, entre outros aspectos, às grandes transformações ocorridas nas últimas décadas,
motivadas; pela massificação dos meios audiovisuais como o cinema, a televisão, as novas
tecnologias e formas de comunicação, o que proporcionou novas oportunidades e uma maior
diversidade de escolhas culturais e de diversão. Contudo, apesar de se ter registado uma
diminuição da prática filarmónica ao nível das cidades de maiores dimensões, em termos das
freguesias rurais a realidade não parece ter sido completamente esta, segundo o que nos foi
possível ver, as bandas têm subsistido no seio de comunidades mais pequenas, o que se pode
comprovar pelas 22 filarmónicas do distrito de Évora e pelas três pertencentes ao concelho de
Évora.

Em seguida, e antes de entrar na descrição do contexto social, musical e propriamente no


trabalho de campo, faremos uma abordagem dos principais aspectos que caracterizam cada
uma das três freguesias do Concelho de Évora, onde desenvolvemos este trabalho. As três
freguesias que mantêm as suas filarmónicas em actividade são: S. Bento do Mato, N.ª Sr.ª de
Machede e S. Miguel de Machede. A ordem em que vai surgindo no trabalho a apresentação

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

das freguesias não obedece a nenhum critério de preferência, optámos simplesmente por
começar por aquela que tem um maior número de habitantes.

A Freguesia de S. Bento do Mato

A freguesia de S. Bento do Mato situada a 28 quilómetros de Évora, tem a forma de um


polígono irregular, sem limites naturais, a Norte confina com as freguesias de Évoramonte e
Vimieiro, a Sul com a freguesia do Bacelo (Évora), a Este com a de S. Miguel de Machede e a
Oeste com as freguesias da Igrejinha e Santa Justa (Grilo, 1996-1997:206). Ocupa uma
superfície de 6.655 hectares e tem um total de 1.343 habitantes.

Do século XVI ao XIX, a freguesia de S. Bento do Mato, pertenceu administrativamente ao


termo de Évoramonte e só com as alterações administrativas de 1846 e 1855 é que passou a
integrar, na sua totalidade, o concelho de Évora (Ibid.:206). O seu Orago é S. Bento que deu o
nome à freguesia. Segundo a devoção popular, S. Bento era o santo protector das pestes,
mordeduras de víboras e lacraus, muito abundantes naquela região conhecida por “mato”. Esta
freguesia possui alguns monumentos megalíticos, entre eles, dois esteios de uma anta,
incorporados na parede do altar – mor da Igreja de S. Bento do Mato, possuindo também um
conjunto de edifícios de elevado interesse cultural, nomeadamente: na herdade de Castelo
Ventoso onde existe um solar com retábulos de azulejos do século XVIII e uma capela
seiscentista e, nas Courelas da Azaruja onde o Conde da Azarujinha mandou edificar, no
século XIX, o chamado “Conjunto do Palácio do Conde da Azarujinha” que inclui uma Igreja
e até um coreto. No termo da freguesia, destaca-se ainda um santuário dedicado à N.ª Sr.ª do
Carmo que foi concluído em 1757, onde se podem ver retábulos gratulatórios e várias formas
de ex-votos. Continua a ser realizada uma importante festa em honra da Sr.ª do Carmo, no
segundo domingo de Setembro, esta é uma romaria de grandes tradições, sendo considerada,
no século XIX, uma das mais concorridas a sul do Tejo. Numa notícia de 1873, citada pelo
Dicionário Enciclopédico das Freguesias, pode ler-se: “Faz-se aqui uma romaria, no segundo
domingo de Setembro, que é dia de se dizerem trinta missas. Concorre gente de mais de 70
quilómetros de distância! Há anos que entram no arraial mais de 2000 carros com gente,
fora os de pé e a cavalo” (Dic. Encicl. Freg., 1998:275).

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Azaruja é o nome da sede da freguesia de S. Bento do Mato onde funcionam os serviços


públicos da freguesia. Azaruja é, provavelmente, um nome de origem árabe, segundo, José
Pedro Machado, o termo surge, possivelmente, da “adaptação árabe de “az-zar (u) jun” que
significa “cepa de vinha, sarmento” (Grilo, 1996-1997:205). No entanto, a ligação do termo
Azaruja pode também estar associada a um curso de água, a uma ribeira denominada ribeira
de Razucha ou Alarucha. Foi numa das propriedades junto a esta ribeira que em meados do
século XVIII, se «procedeu ao aforamento de terras e originou a formação de um
povoamento denominado “Fóros da Azarucha”» (Ibid.:205).

O núcleo populacional da Azaruja constituiu-se inicialmente como foros, passando depois a


aldeia e mais tarde a vila. É na vila da Azaruja onde reside o maior número de habitantes da
freguesia de S. Bento do Mato. Em 1848, instalaram-se na Azaruja ingleses e catalães que
criaram fábricas de cortiça, transformando-a no principal centro corticeiro do Alentejo.
Azarujenses, ingleses e catalães aculturaram-se mutuamente conferindo, com o passar dos
anos, uma identidade muito própria à população local. Ainda hoje, as influências catalãs e
inglesas são reconhecíveis pelos apelidos (Campsi, Sureda, Girbal, Marquez, etc.) e pela
gastronomia. Em 1864, a freguesia tinha 1 143 habitantes continuando a crescer até 1950, ano
em que se chegou a 2 190 habitantes. A partir da década de sessenta, com a crise corticeira e a
emigração, a freguesia começou a perder população o que se mantém até hoje. Contudo, S.
Bento do Mato, continua a ser a freguesia rural mais populosa do concelho de Évora, e aquela
que apresenta menor índice de envelhecimento demográfico (Textos Freg. Rurais, 1992).

As actividades económicas centram-se na agricultura, transformação de cortiça e de madeiras,


cutelaria, panificação, construção civil, fábrica de carroçarias, zona industrial, abastecimento
de combustíveis, restauração, comércio e serviços (Dic. Encicl. Freg., 1998:275).
Actualmente a indústria corticeira continua a ter um grande peso na economia local. Para
além das fábricas da cortiça existem também fábricas de facas e de rolhas. O comércio tem
igualmente alguma expressão local.

Do ponto de vista cultural e recreativo, a Azaruja tem grandes tradições culturais que se
relacionam, na maioria das vezes, com os fortes movimentos associativos. É numa das suas
Sociedades que se formou e se mantém a Banda Filarmónica do Grupo União e Recreio

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Azarujense. Para além desta sociedade existe actualmente o Grupo Musical Azarujense “Os
Unidos”, a Associação de Defesa dos Interesses Culturais da Azaruja e a Associação de
Desenvolvimento e Solidariedade de Azaruja.

Relativamente ao Grupo União e Recreio Azarujense (G.U.R.A.), este foi fundado a 8 de


Outubro de 1929, com sede própria na Rua Conde d’Azarujinha, resultando da fusão de dois
grupos recreativos então existentes na vila: o Clube Azarujense e o Grupo de Instrução e
Recreio Azarujense. Os fins do G.U.R.A. consistiam entre outros objectivos, na reorganização
da filarmónica, o que ainda aconteceu em 1927 e na criação de um grupo cénico, composto
por sócios do G.U.R.A. A actual sala de espectáculos que faz parte da sociedade foi
inaugurada no Carnaval de 1927.

Desde a sua formação até à actualidade esta sociedade tem-se dedicado essencialmente à
banda filarmónica e ao teatro amador. Apesar das actividades culturais se terem estagnado nos
anos cinquenta e sessenta, após o 25 de Abril de 74 voltam a dinamizar-se, reaparecendo a
banda, o teatro, as marchas populares de St.º António, o Carnaval, entre outros eventos.

No que se refere à banda filarmónica, segundo alguns documentos existentes no arquivo, a


sua primeira formação parece reportar-se às últimas décadas do século XIX (1860-1870),
presumindo-se ter sido o seu primeiro mestre o Sr. Aboim, militar da Banda da GNR. Apesar
dos dados não serem muito precisos quanto à data de fundação da filarmónica, confirmam-se
referências históricas que tornam possível o seu provável início nos finais do século XIX.
Existe na Azaruja um edifício, denominado a “Sala”, onde se diz ter sido redigido, em Maio
de 1834, o documento de rendição imposta a D. Miguel, pelo Duque da Terceira e por
Saldanha, após a tomada de Arraiolos e Vimieiro. A “Sala” encontrava-se, então, ocupada
pelo quartel-general dos exércitos de D. Pedro IV. Daqui terão partido os dois cabos de guerra
para o Castelo de Évoramonte, onde se assinou a Convenção que pôs termo às lutas liberais
(Dic. Encicl. das Freguesias, 1998:275). Por este motivo, é provável que a popularidade das
filarmónicas tenha também chegado à Azaruja, impulsionando a formação de uma banda de
música na própria vila. De acordo com as informações conhecidas, presume-se que, ao longo
deste primeiro período, a banda não tinha sede própria, realizando os ensaios em casas

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

particulares. No que diz respeito às actuações em público, segundo parece, eram feitas em
traje civil, pois não se conhece a existência de uma farda.

Ao longo dos primeiros anos de existência da banda filarmónica, sabe-se que ela atravessou
várias fases, tendo sofrido algumas interrupções, registando-se a primeira em 1917. Após a
sua reorganização em 1927, a banda só volta a atravessar um mau período nos finais dos anos
cinquenta. Contudo, o facto da banda ter interrompido a sua actividade durante um tempo, não
colocou em perigo a prática musical na Azaruja, continuando os músicos a tocar nas
sociedades existentes, nomeadamente no Grupo Musical Azarujense “Os Unidos”, por
alcunha “O Mainó” que era também conhecido pela “sociedade dos pobres” e no G.U.R.A.,
este alcunhado por “O Bonó”, ou “sociedade dos ricos”. Em ambas as sociedades existiam
grupos e pequenas orquestras que animavam os bailes, as festas, ou acompanhavam o teatro
de revista como acontecia no G.U.R.A.

Depois de ter atravessado o período mais complicado das últimas décadas do Estado Novo, a
banda volta a reorganizar-se, em 1979, tendo como mestre, António Sardinha. A partir desta
data e até ao presente a banda tem mantido a sua actividade, rejuvenescendo e aumentando o
seu efectivo, no qual passaram a estar integrados elementos do sexo feminino. Paralelamente
à actividade da banda, foi criada uma Escola de Música que funcionava gratuitamente e que
foi contribuindo para a renovação e complemento dos diversos naipes da filarmónica.

De 1987 a 2003 a filarmónica e a Escola de Música passam a ser dirigidas por Mário Ceia
Alexandre. Em 1995, a banda é inscrita na Federação Portuguesa das Colectividades de
Cultura e Recreio e em 1999, ao ser criada a Federação de Bandas Filarmónicas do Distrito
de Évora, integra-se como Banda fundadora, passando o Presidente da Direcção do Grupo
União e Recreio Azarujense, Paulo Cunha, a ocupar o cargo de Primeiro Secretário da Mesa
da Assembleia Geral da Federação de Bandas Filarmónicas do Distrito de Évora. Em 2006, a
banda participa num CD áudio, “Encontros Mozart” que resultou de uma iniciativa organizada
pela Federação Filarmónica do Distrito de Évora e que contou com o apoio da Delegação
Regional da Cultura do Alentejo. A realização deste CD surge na sequência da efeméride dos
250 anos do nascimento de Mozart, tendo como principal objectivo a dinamização e

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

divulgação do trabalho desenvolvido nas Escolas de Música das nove filarmónicas do distrito
de Évora que nele participaram.
Actualmente e desde 8 de Junho de 2003, a banda tem como maestro e professor da Escola de
Música, Aníbal Manuel Teixeira Simplício, Cabo da GNR da Fanfarra do Regimento de
Infantaria de Lisboa. Presentemente a banda conta com 38 elementos de ambos os sexos,
cujas idades variam entre os 10 e os 68 anos, tendo, de momento, a Escola de Música 25
alunos.

A nível de apoios, a banda tem contado com a colaboração da colectividade G.U.R.A. e seus
sócios, da Junta de Freguesia de S. Bento do Mato, da Câmara Municipal de Évora, do
INATEL e da população da freguesia. Para além destes apoios vai conseguido subsistir
quando recebe dos seus serviços ou quando organiza iniciativas na freguesia em prol da banda.

A Freguesia de N.ª Sr.ª de Machede

A freguesia de N.ª Sr.ª de Machede situada a 12 quilómetros de Évora, para o lado de


Nascente, está implantada num terreno muito acidentado e cortado no sentido Nordeste –
Sudoeste por várias linhas de água que afluem à Ribeira de Machede. Para além de N.ª Sr.ª de
Machede a freguesia conta ainda com 3 núcleos populacionais com alguma expressão: S.
Vicente de Valongo, Estação da C.P. de Machede (desactivada) e a Quinta do Degebe (Textos
Freg. Rurais, 1992). Ocupa uma superfície de 18 534 hectares e tem um total de 1 180
habitantes. N.ª Sr.ª de Machede concentra apenas 30% do total da população da freguesia. Esta
freguesia era anteriormente designada por N.ª Sr.ª da Natividade, mas em 1936, pelo Dec. Lei
n.º 27 424, de 31 de Dezembro de 1936, passou a chamar-se N.ª Sr.ª de Machede.

Machede é uma latinização do termo árabe “madchas” que significa terra do Senhor ou lugar
santo. Não se conhece a data de fundação desta povoação, mas sabe-se que a sua origem vem
de épocas remotas e que a sua área englobava também as actuais freguesias de S. Miguel de
Machede e S. Bento do Mato. O povoamento do actual território desta freguesia parece ter
sido um dos mais antigos do concelho de Évora. Existem muitas antas nesta freguesia,

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

diversos vestígios da ocupação romana e uma importante fortificação medieval, um castelo


que está classificado como monumento nacional.

Em 1878, sob a designação de N.ª Sr.ª de Natividade, a freguesia chegou a ter 1 527
habitantes, crescimento que se manteve até 1940 que atingiu os 2 460 habitantes, período após
o qual, sob o efeito da emigração, a freguesia não pára de perder população, sobretudo,
durante a década de sessenta, situação que se continua a registar, tendo a freguesia perdido do
censo de 1991 para o de 2001, 8,03% da população.

As actividades económicas centram-se na agricultura, olivicultura, pecuária, construção civil,


serralharia civil, indústria de curtumes, panificação, comércio e serviços (Dic. Encicl. Freg.,
1998:274). No entanto, grande parte da população activa trabalha em Évora, no sector de
serviços.

Do ponto de vista cultural, Machede, possuía uma significativa vida cultural desde o início do
século, tendo sido inaugurado um teatro, no início do século XX e criado um grupo de teatro
amador, uma sociedade de recreio e uma banda filarmónica. Actualmente existem duas
associações desportivas: a União Desportiva Machedense e o Clube Desportivo de Caça e
Pesca e a Casa do Povo de N.ª Sr.ª de Machede, onde funciona a banda filarmónica e a Escola
de Música. A Festa anual da freguesia realiza-se no verão, geralmente em Agosto, e
compreende serviço religioso, tourada, baile e fogo de artifício, sendo a banda filarmónica um
dos principais grupos participantes.

A Banda Filarmónica da Casa do Povo de Nossa Senhora de Machede foi fundada em 1907,
tendo sido integrada na Casa do Povo apenas em 1940. Segundo os dados fornecidos pela
banda, foi graças ao empenho e determinação de sócios e dirigentes da antiga colectividade
União Instrutiva e Recreativa Machedense que se formou a Banda Filarmónica. Até 1910, o 1º
de Dezembro era considerado o seu dia festivo, mas a 4 de Outubro de 1911, a banda abriu as
festas de comemoração do 1º aniversário da implantação da República, passando o seu
aniversário a ser festejado nesta data.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Desde a sua fundação até 1939, a banda foi atravessando dificuldades para adquirir
instrumentos, fardamentos e outros acessórios necessários, mas foi mantendo a sua actividade.
Só em 1939 é que atravessa um período mais complicado, quando ocorre um acidente, com
um carro de tracção animal que transportava os seus instrumentos musicais, o que provocou
danos complicados de superar e obrigou a banda a cessar a actividade. Com a implementação
das Casas do Povo criadas durante o Estado Novo, N.ª Sr.ª de Machede passa a ter também
uma Casa do Povo em edifício próprio que “pertencia ao Conde da Azarujinha, tendo o
imóvel sido vendido à Casa do Povo pela importância de cinquenta contos.” (Livro Prog.
Feira S. João, 1961). Desta forma, a banda filarmónica, bem como todos os bens da
colectividade União Instrutiva e Recreativa Machedense, são integrados, em Agosto de 1940,
na Casa do Povo e, mediante um grande esforço da comunidade, os instrumentos musicais são
reparados e a banda volta a retomar a sua actividade.

Em 1977, a banda passou por uma reorganização, tendo sido criada a Escola de Música, que
abriu com cerca de 70 alunos de ambos os sexos, entrando todas as crianças da aldeia. Desde
então até agora a Escola manteve a sua actividade, contando com a frequência regular de 25
alunos. Embora sendo exíguo o espaço onde funciona a Escola de Música, ao longo dos anos
têm saído da escola e da banda diversos músicos que estão hoje integrados em bandas
militares e noutros agrupamentos musicais.

Em 1999, é criada também uma Orquestra Ligeira, composta por dezassete elementos de
ambos os sexos que são também músicos da filarmónica. Desde a sua dinamização até à
actualidade, a Banda Filarmónica tem constituído uma referência de relevo na região,
participando em várias festas populares, concertos, desfiles, sessões solenes e concursos de
bandas, onde tem obtido as melhores gratificações. No início do século XXI participou nos
Encontros de Jazz em Évora e em, 29 de Junho de 2007, é agraciada com a Medalha de Mérito
Municipal – Classe Ouro. Em 2006 participa com os alunos da sua Escola de Música no CD
“Encontros Mozart” e em Junho/Julho de 2007, a Banda Filarmónica, grava o seu primeiro CD
áudio, intitulado “Centenário 1907-2007, CD financiado pela Delegação Regional da Cultura
do Alentejo e apoiado pela Câmara Municipal de Évora. Das três bandas do concelho esta é a
única filarmónica que tem um CD editado exclusivamente com o seu repertório.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Actualmente a banda é constituída por 40 executantes de ambos os sexos e tem como Maestro,
Professor e Director Artístico, desde Outubro de 1992, Francisco Henrique Canoa Ribeiro que
é também o Maestro da Banda Militar de Évora.

No dia 4 de Outubro de 2007 a Banda Filarmónica da Casa do Povo de Nossa Senhora de


Machede comemorou o seu 1º Centenário, tendo organizado uma festa de vários dias, na qual
se integrou um Encontro de Bandas.

A Banda tem contado com a colaboração da Casa do Povo da Junta de Freguesia de N.ª Sr.ª de
Machede, da Câmara Municipal de Évora, da Fundação Eugénio de Almeida (que ajudou a
pagar a nova farda da banda) e da população da freguesia, contando essencialmente com as
iniciativas em que participa e com as festas tradicionais, ou outros eventos que organiza na
freguesia.

A Freguesia de S. Miguel de Machede

A freguesia de S. Miguel de Machede situada a 17 quilómetros de Évora está limitada a Sul


pela freguesia de S. Bento do Mato, a Este pelo concelho de Redondo e a Oeste pela freguesia
da Sr.ª da Saúde (Évora). A principal povoação e sede de freguesia é S. Miguel de Machede, a
qual é vila desde 29 de Novembro de 1923. Para além de S. Miguel, existem outros núcleos
populacionais com alguma expressão como as Courelas da Toura, os Foros das Pombas e os
Foros do Queimado (Textos Freg. Rurais, 1992). Esta freguesia ocupa uma superfície de 8 153
hectares e tem um total de 983 habitantes.

De origem antiga, a constituição desta freguesia terá ocorrido por volta do século XVIII, tal
como aconteceu com a sua vizinha freguesia de S. Bento do Mato, estando, anteriormente,
ambas integradas na freguesia de Santa Maria de Machede. Segundo uma tradição antiga, que
por falta de documentação não se pode confirmar, afirma-se que no local onde hoje está a
Igreja Paroquial, terá havido no tempo dos Godos, o convento de S. Bento, onde o Santo fez
tantos milagres que acabaram por chamar ao local “Machdas”, ou “Lugar Santo” e cujo nome

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

originou mais tarde o nome de Machede. A Primeira referência documental relativa a esta
freguesia data num códice de 1424.

S. Miguel de Machede tem vestígios de construções romanas, contudo, em toda a sua área, o
mais velho edifício de interesse arquitectónico é a Igreja Paroquial de S. Miguel Arcanjo que
data dos finais do século XVI. Tem também um exemplar rústico palaciano construído no
Paço da Quinta, nos finais do século XIX inícios do século XX, tendo sido a residência de
Leonor Caldeira (fundadora do Grupo Pró- Évora).

À semelhança das outras duas freguesias rurais do concelho de Évora, S. Miguel tem vindo a
registar um decréscimo populacional desde a década de cinquenta, devido ao fenómeno da
emigração. Actualmente 60% da população está concentrada na sede de freguesia,
encontrando-se a restante essencialmente distribuída pelas povoações das Courelas da Toura e
Foros do Queimado.

As actividades económicas da freguesia centram-se na agricultura, indústria de carnes e


enchidos, fábrica de batatas fritas, comércio, silvicultura, pecuária, construção civil,
serralharia e panificação (Dic. Encicl. Freg., 1998:274). Contudo, a maioria da população de
S. Miguel trabalha em Évora, para onde se desloca diariamente.

Em termos de cultura e recreio, S. Miguel conta com uma série de associações como a
Associação de Jovens Micaelense, o Grupo Desportivo e Recreativo Micaelense, a Associação
de Cultura e Recreio das Courelas da Toura, a Associação Sociocultural Terapêutica de Évora,
o Suão: Associação de Desenvolvimento Comunitário e a Associação Filarmónica 24 de
Junho, na qual está inserida a Banda Filarmónica de S. Miguel de Machede. A freguesia tem
também uma Casa do Povo, junto da estrada para o Redondo, onde funciona a Escola de
Música e a sede da Banda Filarmónica 24 de Junho.

Relativamente às festas tradicionais desta freguesia, destacam-se as tradicionais festas em


honra de S. Miguel (29 de Setembro) e em honra de Nosso Sr. dos Esquecidos (Agosto), na
qual se realiza uma procissão, garraiada, baile e quermesse. Na segunda-feira de Páscoa,

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

realiza-se também o tradicional passeio ao campo que culmina com um lanche em que se
comem pratos gastronómicos de borrego.

Actualmente, a Banda Filarmónica constitui um dos principais factores de animação da


freguesia de S. Miguel de Machade, tendo-se tornado numa das instituições culturais e sociais
mais importantes da freguesia. Sobre a história da Banda Filarmónica de S. Miguel de
Machede não temos tantos dados, comparativamente às outras duas bandas do concelho de
Évora, por um lado porque se reorganizou apenas em 1981 e são poucas as referências escritas
sobre a primeira fase da banda.

De acordo com as informações disponíveis, a filarmónica de S. Miguel de Machede teve o seu


início na década de vinte do século passado, atravessando algumas interrupções ao longo da
sua existência, tendo sido possivelmente extinta nos anos cinquenta, por factores económicos e
sociais que levaram muitos jovens a emigrar, o que dificultou a continuidade de muitas
associações culturais e recreativas nas quais se incluíam as bandas filarmónicas. Passados
mais de vinte anos, a Direcção da Casa do Povo de S. Miguel de Machede, presidida por
Manuel Joaquim dos Santos, juntamente com o apoio de outras instituições da terra e com a
solidariedade e contributo dos sócios e habitantes, entre os quais se destaca o engenheiro
Manuel Ascensão Aboim, benemérito local, cria uma Escola de Música que passa a funcionar
na Casa do Povo. Sem grandes conhecimentos em formação musical, é, contudo, contratado o
jovem instrutor Manuel Sardinha para ensinar o solfejo aos jovens da freguesia. Num curto
espaço de tempo (pouco mais de seis meses) e com a colaboração de alguns músicos que ainda
permaneciam da antiga banda, como era o caso do Sr. Felizardo Almeida de 69 anos que
tocava os pratos, é reconstituída a banda filarmónica. A sua inauguração com uma primeira
apresentação pública ocorre no dia 19 de Setembro de 1981, cerimónia que contou com a
presença de autoridades distritais, concelhias e locais e personalidades ligadas à freguesia.
Destacamos a presença do Governador Civil do Distrito de Évora, do Presidente da Câmara
Municipal de Évora, do Presidente da Junta de Freguesia de S. Miguel e do Pároco de
Redondo, que abençoou a banda que teve como madrinha Maria Branco Santos. Este foi um
acontecimento muito noticiado nos jornais locais (Notícias d’ Évora e Diário do Sul) que
anunciaram a inauguração da Banda Filarmónica da Casa do Povo de S. Miguel de Machede,
valorizando a sua formação “que é sempre motivo de regozijo e de justificado orgulho para

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

uma terra, como forma de manifestação cultural ao serviço do povo, através da aprendizagem
duma arte, com sua linguagem universal, em harmonia de sons, factor de aproximação e
elevação humanas” (Jornal Noticias d’ Évora, 1981:1).

A 22 de Dezembro de 1987 a banda cria os seus próprios estatutos e passa a denominar-se


Associação Filarmónica “24 de Junho”, mantendo, no entanto, a sua sede na Casa do Povo de
S. Miguel de Machede. Segundo fomos informados a data “24 de Junho”, era a data de
nascimento do Presidente da Casa do Povo, Manuel Joaquim dos Santos que foi quem
impulsionou a reconstituição da banda filarmónica de S. Miguel de Machede.

Desde 1981, a banda foi progredindo tendo, ao longo dos seus 26 anos de história, divulgado a
prática filarmónica pela freguesia e fora dela, participando em festas tradicionais, encontros de
bandas, concertos, tendo até representado o país num Encontro de Bandas em Espanha
(Olivença). Ao longo desde anos, a banda e a Escola de Música contaram com vários
maestros, depois do primeiro maestro Manuel Sardinha, seguiu-se António Painha, Adrelino
José Rato, José Florindo, Inácio Galego Miranda e actualmente, desde 2003, dirige a banda e
dá as aulas na Escola de Música, o maestro Eduardo José Correia. A banda, nos dias hoje,
conta com 37 elementos de ambos os sexos, com idades maioritariamente compreendidas
entre os 10 e os 16 anos, seguidos de jovens na casa dos 25 e 26 anos, sendo poucos os
elementos mais velhos. De momento a Escola de Música tem 26 alunos, tendo vindo a
mobilizar um número considerável de jovens da freguesia.

Em termos de apoios, a banda tem contado com a colaboração da Casa do Povo de S. Miguel
de Machede e seus sócios, da Junta de Freguesia de S. Miguel de Machede, da Câmara
Municipal de Évora e da população da freguesia. No entanto, como estes apoios são muito
pouco significativos, a banda vive de alguns serviços e das festas locais.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

6. Um breve trabalho de campo

Após a apresentação das três freguesias do concelho de Évora onde desenvolvemos o trabalho
de campo e, depois de referenciados os principais dados sobre a história das três bandas,
passamos em seguida à descrição etnográfica do seu contexto, das situações, momentos e
ambientes que partilhámos com estas bandas. Para uma melhor compreensão e apreensão
destes agrupamentos musicais devemos procurar perceber a relação que estabelecem com o
meio social no qual estão inseridos. A especificidade das filarmónicas remete-as para um
determinado contexto que tem ele próprio passado por um processo de readaptação, o que tem
desencadeado outras formas de funcionalidade e outros percursos por parte da prática
filarmónica.

Neste trabalho procurámos acompanhar e estudar três bandas filarmónicas, o que nos levou,
de alguma forma, a repartir as nossas atenções não nos permitindo desenvolver um estudo
intensivo sobre nenhuma das três bandas. Para que tal acontecesse seria necessário mais
tempo e também uma maior dedicação a cada uma das suas realidades. Contudo, o trabalho de
campo, que foi possível concretizar, contribuiu para um maior conhecimento do contexto
filarmónico, das suas práticas e vivências, dos seus problemas, dos seus desafios e objectivos
e, para além do mais, foi um trabalho muito rico do ponto de vista humano, não só porque se
centrou em torno de um conjunto de gente, mas também porque nos proporcionou o contacto
e a partilha de momentos que se fizeram sentir, pela sua carga emotiva, pelo seu espírito
colectivo e pela sua entrega altruísta. Devemos dizer que a recepção foi sempre acolhedora
por parte de todos os elementos que fazem parte das três bandas, não tendo sido colocado
qualquer tipo de obstáculos, nem da parte das direcções das bandas, das colectividades, ou das
Casas do Povo, nem da parte dos maestros, dos músicos, ou dos seus familiares. Passámos
bons momentos em cada uma delas, partilhámos conversas, ensaios, concertos e convívios
gastronómicos, sim porque a prática filarmónica também vive desses encontros, em torno de
um bom petisco, de um copo e de boa uma conversa.

Optámos por centrar o nosso trabalho de campo durante o ciclo de Inverno, deixámos passar
as festas do verão durante as quais as bandas estão mais ocupadas, e passámos a realizar as
nossas visitas mais sistemáticas e a acompanhar mais de perto a vida das filarmónicas durante

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

os últimos quatro meses do ano, de Setembro a Dezembro de 2007. Esta opção, apesar de
estar um pouco condicionada às disponibilidades que nos foram possíveis encontrar para a
concretização de um trabalho mais sistemático e intensivo, partiu também do facto de nos
parecer interessante, perceber qual a realidade e o contexto que se vive nas bandas durante o
ciclo de Inverno, período em que supostamente não terão grande actividade visto que já se
realizaram as festas tradicionais, as feiras e as arruadas, sendo possivelmente uma fase em que
a banda trabalha mais internamente, preparando o repertório para o próximo ano e dedicando
o seu tempo aos ensaios. Apesar de termos partido deste princípio, à medida que
desenvolvíamos o trabalho de campo, esta ideia ia sendo reformulada, pelo facto de seremos
confrontados com uma série de actividades e de eventos dinamizados pelas bandas que em
nada eram reveladores de uma atitude mais virada para o trabalho interno, antes pelo
contrário, as três bandas filarmónicas do concelho de Évora durante este período, continuaram
a encontrar formas de se manterem activas e de conseguirem cativar os jovens e os novos
músicos pertencentes ao grupo. Desta forma, fomos confrontados com Encontros de Bandas,
festas comemorativas, não se perdendo uma data festiva para dinamizar uma arruada, ou um
concerto, como foi o caso das celebrações do 1º de Dezembro, ou dos concertos de Natal.

Tal como veremos em seguida, as três bandas, surpreendentemente, concretizaram uma série
de eventos durante os quais envolveram, não só os elementos da banda, mas também a própria
comunidade da qual fazem parte. Não iremos descrever todo o trabalho de campo que
realizámos, o que se tornaria este trabalho demasiado exaustivo, no entanto, escolhemos
alguns momentos que nos parecem ilustrativos da vivência e da prática de cada uma das
filarmónicas, o que nos permitirá fazer algumas reflexões e retirar destes exemplos
formulações mais genéricas que poderão contribuir para um melhor esclarecimento e
conhecimento da vida e da prática das bandas e sociedades filarmónicas.

À conversa com elementos da Direcção da Casa do Povo

Numa das primeiras vezes que em que procurámos estabelecer um contacto mais próximo
com a banda de S. Miguel, começámos por marcar um encontro com dois elementos da
Direcção da Casa do Povo. Depois de tudo combinado, lá aparecemos numa tarde de sábado,

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

sendo, com surpresa, recebidos por dois jovens músicos da banda, elementos da Direcção da
Casa do Povo. Depois de feitas as respectivas apresentações e de se ter clarificado o propósito
do trabalho, tentámos, numa aproximação gradual, chegar a uma conversa descontraída, na
qual procurámos perceber a forma de funcionamento da Casa do Povo e da relação da Banda
Filarmónica com aquele local. Fizemos uma visita guiada ao espaço, no qual existe uma área
reservada ao “centro de saúde” que serve de apoio à população local dando consultas médicas
e realizando determinados tratamentos, mostraram-nos também uma sala onde guardam
antigos instrumentos e partituras que pretendem analisar e organizar como arquivo da banda e
acabámos por desenrolar grande parte da nossa conversa na sala da Direcção onde, à medida
que passava o tempo, chegava mais gente para participar daquele momento, como foi o caso
do Sr. Damásio, tocador do bombo e de outros jovens músicos.

Entre outras coisas que fomos conversando, apercebemo-nos de que grande parte dos Corpos
Gerentes da Casa do Povo de S. Miguel são músicos da filarmónica, dentro da Direcção, dos
cinco elementos quatro são músicos, apenas o Presidente da Direcção é que não é músico.
Apesar da banda estar constituída em associação, Associação Filarmónica “24 de Junho” os
elementos que dirigem a Casa do Povo são os mesmos que assumem a direcção da banda o
que, de alguma forma, nos permite concluir que a Casa do Povo, fora o seu apoio à saúde, é
inteiramente utilizada pela banda, sendo aí a sua sede, o local dos ensaios, a Escola de
Música, o espaço dos concertos. Os próprios lucros do bar da Casa do Povo e do salão de
jogos vão para a filarmónica. Hoje, no espaço da biblioteca, está montada uma ciber sala que
os jovens da vila podem utilizar, “o que fez com que os músicos viessem mais vezes à Casa do
Povo, mesmo sem ser para ensaiar com a banda” (entrevista pessoal, 2007), tal como
acrescentou o Tiago, jovem músico, de 25 anos, tocador de clarinete que é Secretário da
Direcção da Casa do Povo, sendo também quem assume o papel de “relações públicas” da
banda, tendo sido, por isso, uma das primeiras pessoas com quem contactámos.

À medida que ia decorrendo a nossa conversa, surpreendeu-nos o número de jovens, rapazes e


raparigas entre os 12 e os 16 anos que apareceram por ali, numa tarde de sábado. Uns ouviam
a conversa, outros jogavam ao “Jogo das Setas”, ou ao “Pingue –Pongue”, até que chegou um
momento em que começámos a ouvir a afinação de instrumentos musicais e algum burburinho
no salão dos concertos, que é também a sala dos ensaios e das aulas de música. Perguntámos

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

do que se tratava e responderam-nos que “os miúdos têm ai um grupo de música, e depois vêm
p’ra aqui ensaiar e experimentar novas melodias, às vezes o maestro até lhes arranja umas
músicas para orquestra e eles lá se entretêm!” (entrevista pessoal, 2007), comentário
realizado pelo Sr. Damásio, Vice- Presidente da Direcção, um dos músicos mais velhos da
banda, tendo cerca de cinquenta e poucos anos, e digo mais velho porque esta banda
caracteriza-se por ter um grande grupo de jovens entre os doze e os vinte e tal anos. Mas tal
como estávamos a referir anteriormente, nessa tarde acabámos por perceber que, fora do
contexto da banda, alguns jovens músicos aproveitam as instalações da Casa do Povo e
juntam-se para tocar com os instrumentos da filarmónica, e ali estão a ocupar o seu tempo, a
fazer música e a partilhá-la em conjunto.

Segundo o que parece, a actividade da banda e os elementos que dela fazem parte têm
contribuído para tornar a Casa do Povo um espaço com vida e com dinâmica, dinâmica essa
que não vive apenas da população mais velha que frequenta o bar e joga ao dominó, mas
também de um grupo de jovens que faz parte da filarmónica e que se sente motivado para
realizar concertos improvisados para os seus amigos, onde tocam, cantam e interpretam um
repertório, utilizando o palco da sala, o que, de alguma forma, lhes permite criar um ambiente
que os transporta para as referências que lhes chegam dos programas de televisão.

Por último, gostaríamos também de referir o grande entusiasmo e dedicação que nos foi
transmitido pelo Tiago e pelo Luís em relação à vida associativa e à continuidade da banda de
música. O Luís, tal como o Tiago, é um jovem de 27 anos, tocador de trompete e tesoureiro da
Direcção da Casa do Povo. Ambos demonstraram, ao longo do seu discurso, a necessidade de
melhorar as coisas na Casa do Povo, ao nível das suas instalações e do envolvimento que as
pessoas devem assumir quando pertencem a uma associação e a uma banda de música. Têm
muitos planos que pretendem concretizar, nomeadamente a criação de um “espaço museu”
onde estaria montada uma exposição sobre a banda e a sua história; têm a noção que se devem
dedicar ao estudo e à análise dos documentos e do espólio que têm arquivado da antiga
filarmónica; por sua vez, pretendem também, organizar iniciativas para os jovens de S.
Miguel de modo a conseguirem trazer para a banda mais músicos e envolverem aqueles que já
fazem parte. Neste aspecto felicitam o trabalho realizado pelo último maestro, Eduardo
Correia, que, segundo afirmam, tem ensinado a música e dirigido a banda de uma forma mais

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

cativante e motivadora, o que tem contribuído para o aumento do número de jovens a


interessar-se pela filarmónica. De facto, num dos ensaios da banda em que estivemos
observámos a paciência e o método que o maestro Correia usa para com os jovens músicos
(ver em anexo foto n.º 1), o que nos faz reflectir sobre a necessidade que têm os actuais
maestros de encontrar outros métodos de ensino que consigam motivar os jovens que, nos dias
de hoje, têm à sua disposição um conjunto de opções e alternativas que podem ser muito mais
aliciantes do que estudar o solfejo e passar as sextas-feiras à noite a ensaiar com a banda.
Nesse dia, em que assistimos ao ensaio, para além dos jovens músicos, estavam também
presentes alguns alunos da Escola de Música e outros jovens que passavam por ali para
conversar e para ver o ambiente.

O interesse pela filarmónica pode não abranger a maioria da juventude que vive em S. Miguel
de Machede, no entanto, é interessante constatar que existe um grupo que se está a vincular à
banda e à direcção e coordenação da Casa do Povo, o que, de alguma forma, nos permite
pensar numa possível continuidade da prática filarmónica na freguesia de S. Miguel. Esta
banda, comparativamente às outras duas filarmónicas, tem uma história mais recente e
procura afirmar-se e ganhar estatuto perante a população local, o que parece estar a acontecer
nestes últimos anos em que têm sido admitidos jovens nos cargos directivos, possibilitando
alguma renovação associativa e em que se tem procurado encontrar formas para cativar novos
músicos e envolver a população nas actividades dinamizadas pela banda. Desde que o maestro
Correia começou a trabalhar com este colectivo, em 2003, têm surgido mais jovens a querer
fazer parte da banda, o maestro tem também motivado alguns músicos, já são cinco, a
entrarem para o Conservatório de Música em Évora, têm-se realizado mais concertos,
procurando trazer as pessoas da freguesia a ouvir e a apoiar a filarmónica.

Como a banda é composta actualmente por elementos jovens e sem experiência, em muitos
casos, quando a banda realiza arruadas ou concertos, conta com o apoio de alguns músicos da
Banda Lusitana de Estremoz que reforçam os naipes que estão mais desequilibrados; por sua
vez, quando a Banda de Estremoz necessita de músicos para reforçar as suas performances, a
Banda de S. Miguel dá esse apoio, estabelecendo-se um intercâmbio entre músicos. No caso
da Banda de S. Miguel os três elementos da Direcção com quem desenvolvemos a primeira
conversa são alguns dos músicos que colaboram com a Banda de Estremoz. Outra

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

particularidade que destacamos nas bandas de música do concelho e do distrito de Évora é a


sua abertura para apoiar e colaborar com outras bandas, o que demonstra uma atitude de
solidariedade e de entreajuda filarmónica.

A Festa do 1º Centenário

A Banda Filarmónica da Casa do Povo de N.ª Sr.ª de Machede fez 100 anos, no dia 5 de
Outubro de 2007, organizando uma grande festa que decorreu durante dois fins-de-semana.
Foram dias de um diversificado programa, onde não faltou a noite de fados, a actuação do
rancho folclórico, a presença de um grupo de música popular, a largada de touros nocturna, os
jogos tradicionais, as arruadas pela centenária filarmónica, os jantares convívio, um Encontro
de Bandas e uma Sessão Solene. Foi também içada, na Casa do Povo, a bandeira da Banda
Filarmónica e realizada uma missa pela alma dos músicos falecidos.

Centremo-nos no último sábado, 6 de Outubro, o dia em que se realizou o Encontro de


Bandas e em que a Filarmónica de N.ª Sr.ª de Machede dinamizou uma Sessão Solene em
torno da qual se centraram todas as atenções desse dia. A tarde começou com a recepção à
Banda Filarmónica da Sociedade União Moitense que foi convidada a participar nestas
comemorações. Esta é uma banda do Distrito de Évora que completa também 100 anos, como
tal, as duas bandas estabeleceram um intercâmbio, convidando-se mutuamente a participar nas
suas festas de aniversário.

Terminado o desfile das bandas, pelas principais ruas da aldeia, toda a gente se concentra no
largo onde está a Casa do Povo de N.ª Sr.ª de Machede, local onde se irão realizar os
concertos das duas filarmónicas e a Sessão Solene. O Sr. José Amaral, responsável da banda
de Machede, agradece, ao microfone, a presença de todos, numa data tão especial, apresenta a
banda convocada e convida-a a iniciar o seu concerto. O largo está cheio de vida, há crianças
a correr e a brincar, mulheres sentadas em cadeiras que foram colocadas na rua, estão repletos
os dois pequenos cafés que dão para a praça, há filarmónicos por todo o lado, mais velhos e
mais novos, ali andam eles fardados com muito orgulho, num dia em que se recarregam
energias e se consolidam motivações. No final do primeiro concerto, é aberta a Sessão Solene

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

e são chamados para junto do microfone, que se situa em frente à sede da Casa do Povo, as
várias Entidades Oficiais convidadas a estar presentes no evento. O Presidente da Casa do
Povo de N.ª Sr.ª de Machede, o Sr. Eloi Padeiro, antigo filarmónico que dedicou toda a sua
vida à prática associativa, abre os discursos dessa tarde e, depois dos vários agradecimentos
que profere, aos presentes, aos organizadores, aos apoiantes, aos jovens dinamizadores da
festa, às várias colaborações, etc., faz uma retrospectiva do trabalho desenvolvido pela banda
ao longo dos seus 100 anos de existência e das dificuldades e obstáculos que têm atravessado
que acabaram, no entanto, por ser sempre superados, tal como se pode ver pela actual Banda
Filarmónica da Casa do Povo de Machede composta por 40 elementos, sendo muitos deles
jovens músicos.

Após esta primeira apresentação, o Presidente da Casa do Povo e o Presidente da Banda


iniciam um longo processo de entrega de medalhas a vários elementos presentes. Um a um,
foram chamados antigos filarmónicos, alguns deles que já nem vivem na aldeia e que vieram
de longe para assistir à cerimónia, como foi o caso de alguns antigos músicos que estão
emigrados, mas que não quiseram perder este dia especial onde iriam ser homenageados.
Alguns deles tinham também oferendas para a banda, um dos emigrantes ofereceu um cheque,
de um valor avultado, para a ajuda na compra de instrumentos, outro músico holandês que
pertenceu a banda, ofereceu uma obra musical para ser interpretada pela filarmónica, tal como
outro dos antigos filarmónicos que deu duas marchas, uma delas composta por si. E a tarde ia
correndo devagar, porque para além de serem muitos os que eram chamados, alguns deles
faziam até os seus pequenos discursos, muitas vezes emocionados ao falarem da banda do seu
tempo e de todas as dificuldades que haviam passado. Um deles, o Sr. Gaspar, fez até uma
apresentação muito particular, contou a história da banda em quadras, só que as quadras nunca
mais acabavam e a sessão ainda estava longe do fim, então, tiveram que convencer o Sr.
Gaspar a sintetizar a sua intervenção. De cada um dos homenageados era feita uma fotografia,
com a respectiva medalha, ao lado do Presidente da Casa do Povo, o que ainda fazia o
processo mais demorado. Foram também chamados e referenciados, todos os maestros que
trabalharam com a banda, até ao actual, maestro Canoa; todas as pessoas da aldeia que têm
colaborado de variadas formas com a filarmónica; as outras associações da freguesia, que
também receberam uma medalha, e, por fim, todos os músicos que compõem a banda.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

A tarde ia passando, e ao lado do Presidente da Casa do Povo e do Presidente da Banda,


mantiveram-se durante toda a cerimónia as várias entidades oficiais, a quem lhes foi
posteriormente dada a palavra. Estavam presentes, o Presidente da Câmara Municipal de
Évora, a Sr.ª Governadora do Governo Civil, o Delegado Regional do Ministério da Cultura,
da Delegação Regional da Cultura do Alentejo, o Presidente da Junta de Freguesia de N.ª Sr.ª
de Machede, a Delegada do INATEL de Évora e o Presidente da Federação de Bandas
Filarmónicas do Distrito de Évora. Todos fizeram o seu discurso, enaltecendo a importância
das bandas e do trabalho que desenvolvem, ao nível do ensino da música e da dinamização
local, em particular a Banda de Machede que tem desempenhado a sua função ao longo de
cem anos. Com mais ou menos palavras, esta foi essencialmente a mensagem transmitida pela
maioria dos representantes das entidades. Alguns deles, como a governadora Civil e o
Presidente da Junta de Freguesia, ofereceram um instrumento musical e, no caso do
Presidente da Junta, fez-se igualmente acompanhar de um cheque que entregou ao
responsável da banda. Todos eles lamentaram o facto de não terem mais possibilidades
financeiras para apoiar as filarmónicas e as suas associações, deixando todos, no entanto, a
sua sincera solidariedade.

No que diz respeito aos apoios, tanto a Banda de Machede, como as outras duas bandas do
concelho, referiram de forma objectiva a pouca ajuda que recebem das entidades oficiais que
teriam, na opinião de todos, a obrigação de prestar um maior apoio e acompanhamento às
filarmónicas, na medida em que elas promovem um trabalho público, contribuindo para a
transmissão de valores cívicos e para a partilha de uma prática e de uma cultura tradicional.
No caso do INATEL, o apoio que as filarmónicas recebem chega a ser concretizado apenas de
dois em dois anos, ou mais, e consiste na oferta de alguns instrumentos, mas, como existem
várias bandas, o processo é rotativo, não sendo possível a entrega de instrumentos todos os
anos, a todas as bandas que necessitam. Relativamente à Câmara Municipal, é geralmente
estabelecido um protocolo entre as bandas do concelho e a autarquia que consiste na entrega
de um subsídio concedido às associações que trabalham em prol da cultura ou do desporto e,
por sua vez, as bandas asseguram três ou quatro serviços (como eles dizem), solicitados pela
Câmara e que consistem muitas vezes em cerimónias de vário tipo, ou na Feira de S. João, ou
nas comemorações de datas importantes, como no 25 de Abril, serviços estes pelos quais não
recebem dinheiro. A Delegação Regional da Cultura do Alentejo, no caso da Banda de

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Machede, apoiou a edição do seu primeiro CD de música. Em termos gerais, ajuda, por vezes,
na compra dos fardamentos, ou de algum material necessário.

Contudo, quem visse a comitiva institucional a discursar no dia do Centenário da Banda


Filarmónica de Machede, poderia ficar com a sensação de que se estabelece um trabalho
concertado entre as instituições públicas e as filarmónicas que promovem um serviço público
em termos locais e também ao nível nacional, representando muitas vezes o seu país e a sua
cultura musical. Contudo, e segundo as informações que foram sendo transmitidas pelos
vários dirigentes das bandas, a sua sobrevivência passa muito mais pelos trabalhos ganhos
pelas filarmónicas, pelos apoios particulares, pelo empenho e dedicação demonstrados pelos
seus elementos e pelas dinâmicas associativas, do que pelo apoio institucional.

Já se tinha ido o sol, quando terminaram todas as homenagens e discursos, fizeram-se ainda
algumas fotos para a posteridade e para as notícias do jornal local que seriam editadas no dia
seguinte, dando-se então início ao concerto da banda centenária que era efusivamente
aplaudida no final de cada peça musical. Acabado o concerto, que teve de ser mais pequeno
do que o previsto, dado o avançado da hora, os músicos e os convidados dirigiram-se a uma
grande tenda, montada propositadamente para esse dia, onde seria servido um jantar que
contou com a presença de 300 pessoas, para o qual também foi convidada, jantar esse que se
prolongou pelo serão e que não passou sem o bolo de aniversário e os parabéns à banda.

A partir do Centenário da Banda Filarmónica de N.ª Sr.ª de Machede, reitera-se a ideia de que
as bandas têm a necessidade de criar momentos, nomeadamente ligados às festas de
aniversário, através dos quais reafirmam a sua continuidade, o trabalho desenvolvido e, no
fundo, a sua identidade. Estes dias comemorativos correspondem a formas encontradas pelas
bandas para reforçar o seu carácter colectivo e o seu prestígio, tanto ao nível da comunidade
de que fazem parte, como fora dela. A capacidade de organizar e dinamizar este tipo de
iniciativas reforça a boa imagem que se constrói em torno da banda e das funções que
desempenha na sociedade que também vive e necessita desses momentos de convívio, de
partilha, de afirmação social e cultural. Este é aquele tipo de acontecimentos dos quais a
comunidade se pode orgulhar.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Para além destes aspectos, estes eventos revelam também, a capacidade que as bandas têm de
juntar várias gerações a participar e colaborar na mesma iniciativa. Ao nível das freguesias
rurais, a banda deve ser das poucas actividades que consegue reunir diferentes elementos da
mesma comunidade, o que enriquece os intercâmbios geracionais e culturais.

Por último, fica ainda a ideia de que são, em grande parte, as bandas que encontram
mecanismos através dos quais se reafirmam enquanto património cultural e musical. São as
direcções e os elementos associados às bandas que dinamizam as suas festas comemorativas;
distribuem as insígnias e fazem as homenagens; organizam os seus arquivos; montam
exposições sobre o tema das bandas; escrevem, muitas vezes, as memórias destas instituições
e editam pequenos livros sobre as suas filarmónicas; etc. Isto demonstra que, da parte das
bandas, existe, cada vez mais, uma preocupação com o seu património e com a imagem que
pretendem passar para o exterior. Nas três bandas estudadas encontrámos este cuidado,
existindo, inclusivamente, na Banda de Machede, um espaço reservado, na Casa do Povo, a
que chamaram “Museu de Actividades Culturais” (ver em anexo foto n.º 2), onde estão em
exposição essencialmente elementos relacionados com a filarmónica, fotos, prémios,
oferendas, diplomas, antigos instrumentos, dois manequins trajados com a farda da banda,
entre outros objectos considerados de valor patrimonial. Nos próprios discursos que
constroem sobre si próprias, as bandas assumem o seu papel enquanto património cultural e
enquanto instituições que comprem uma importante função na transmissão da identidade
musical e cultural.

O Encontro de Bandas

Falemos agora de um Encontro de Bandas, desta vez realizado na Azaruja, a 20 de Outubro de


2007 que se integra também nas comemorações do aniversário da Banda Filarmónica União e
Recreio Azarujense. Para participar neste encontro foram convidadas duas bandas com as
quais a banda da Azaruja nunca tinha estabelecido um intercâmbio, mas que se mostraram
disponíveis a colaborar na festa, mesmo sem receber qualquer tipo de reembolso. Geralmente,
quando as bandas organizam encontros filarmónicos, nenhuma delas recebe dinheiro pela sua
participação, participando apenas pelo convívio entre os músicos e a troco de uma refeição

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

garantindo, assim, a possibilidade de mostrar, fora da sua comunidade, o trabalho que


desenvolvem.

As bandas convidadas pela banda da Azaruja foram a Banda Filarmónica de Portimão e a


Banda Filarmónica de Isla Cristina, de Espanha. Cada uma delas chegou no autocarro da sua
respectiva câmara e, ao chegarem à vila, já a banda e seus convidados as esperavam para
iniciarem uma arruada pelas ruas. Depois de todos se organizarem, o que levou algum tempo,
alinharam-se em frente aos seus maestros e partiram atrás do Presidente da Junta de Freguesia
de S. Bento do Mato e da respectiva representação da Banda local que indicavam o caminho a
percorrer. A primeira filarmónica do desfile era a Banda da Isla Cristina, seguida da Banda de
Portimão e por fim da Banda organizadora. Eram tantos os filarmónicos como as pessoas que
assistiam ao desfile, e as bandas lá marchavam ao seu compasso, uma vez tocava uma e
depois outra e assim sucessivamente, não havendo atropelos, ou descoordenações, procurando
cada banda dar o seu melhor e mostrar “bonita figura”.

O desfile acabou, em frente à sede do Grupo União e Recreio Azarujense, onde a Filarmónica
da Azaruja tocou o hino da Sociedade. Depois de recuperadas as forças e de um pequeno
descanso dado aos músicos, passaram a preparar-se as coisas, na sala dos espectáculos, para
dar início aos concertos nos quais as três bandas iriam apresentar o seu repertório musical.
Deram as cinco horas e a sala tinha já uma plateia bastante composta, na sua maioria por
mulheres e crianças que ocupavam as filas de cadeiras, estando os homens, em grande parte,
de pé ao fundo da sala, ou lá fora no bar da sociedade. Iniciou-se o concerto com a Banda
espanhola que foi a primeira, seguida da Banda de Portimão e por fim a Banda da casa.
Durante os concertos, que decorreram ao longo de duas horas e tal, as entradas e saídas da
sala eram constantes, tanto pela assistência, como pelos próprios músicos das filarmónicas
que não estavam a tocar. Cada vez que alguém saía e abria a porta, entrava claridade para sala,
o que ajudava a desconcentrar a plateia. O silêncio total nunca existiu, houve um constante
burburinho de pessoas a fazerem comentários, vozes de crianças, barulhos de sacos de batatas
fritas e guloseimas, houve, muitas vezes, pessoas a mandar calar a plateia, principalmente
quando os maestros faziam os seus discursos, ou apresentavam os temas que iriam interpretar,
mas, mesmo assim, não se conseguia o silêncio. Apesar da boa acústica da sala, acabaram por
recorrer ao microfone que, no entanto, não se conseguiu pôr a funcionar como devia ser, como

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

tal os maestros lá tiveram de projectar um pouco mais alto as suas palavras. Todas as bandas
foram bastante aplaudidas, mas quando tocou a banda da casa, os aplausos e comentários
redobraram-se, o que é normal, numa plateia onde estavam os familiares e amigos dos
músicos, as coisas não poderia deixar de ser de outra forma e mesmo que a sua interpretação
fosse menos conseguida, nunca a população deixaria de evidenciar o seu bairrismo e o
orgulho pela banda da sua terra, mesmo quando ela solicita o apoio de músicos que vêm de
fora para reforçar a sua execução. Nesse dia, a Banda da Azaruja, contou com o apoio de três
músicos da Banda Sinfónica da GNR, colegas do seu maestro e com o jovem Tiago, da Banda
Filarmónica de S. Miguel de Machede.

No final dos concertos, os músicos e os convidados passaram para uma outra grande sala da
Sociedade, onde estava à espera um jantar que tinha cuidadosamente sido preparado por um
conjunto de mulheres que se ofereceram para colaborar com a banda. Como, para este
Encontro, a Banda da Azaruja não obteve apoios por parte das instituições oficiais, segundo o
que me foi dito pelo Presidente da Banda, Paulo Cunha, só foi possível organizar esta
iniciativa porque os músicos da banda e suas respectivas famílias colaboraram oferecendo
mão de obra e matéria prima. As mães ou as mulheres dos músicos assumiram a cozinha e uns
deram a carne, outros as batatas, outros o pão, um dos músicos que produz vinho, levou
garrafões da sua colheita, muitas pessoas fizeram doces e a mãe do Presidente da Banda
ofereceu até um grande bolo de aniversário. Não faltou nada, também nós tivemos lugar de
destaque na mesa, ao lado do maestro da Banda, o Sr. Aníbal, do Presidente da Junta de
Freguesia, do Presidente da Santa Casa da Misericórdia e do representante da GNR local, que
passou o tempo a prevenir quanto à graduação do vinho. E o serão lá se foi passando à volta
do jantar que acabou com as bandas, cada uma a cantar as suas músicas e a partilhar as suas
experiências. No final, com os ânimos mais descontraídos e depois de já terem partido as
bandas convidadas, o maestro Aníbal, pede a atenção de todos e faz um sentido
agradecimento aos seus músicos e a toda a organização que conseguiu dinamizar este
Encontro Filarmónico.

Através deste trabalho de campo, reforçamos mais uma vez a ideia de que as bandas
conseguem envolver e sensibilizar um conjunto de gente a colaborar nas suas iniciativas e a
acreditar na importância das suas actividades, tanto para a banda, como para a própria

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

comunidade que, nesses dias, se encontra em festa e recebe a visita de gente de fora. Por sua
vez, estes momentos colectivos demonstram também a força que as associações difundem e
os objectivos que conseguem atingir, principalmente ao nível das pequenas e médias
comunidades onde o papel das associações não só é muito visível, como chega mesmo a ser
de extrema importância em locais onde poucas coisas acontecem. E neste campo, na maioria
dos casos, as colectividades e as Casas do Povo que ainda mantêm um maior dinamismo em
termos locais são aquelas que têm associadas a si as bandas filarmónicas. Tal como vimos
neste caso, a Banda da Azaruja organizou um evento que permitiu o intercâmbio com outras
bandas e outros músicos, nomeadamente vindos de Espanha, encheu as ruas de música e
permitiu, àqueles que estiveram interessados, assistirem de forma gratuita a um concerto
realizado por três bandas filarmónicas.

Para além destas questões, os três concertos realizados na sala de espectáculos da Sociedade
União e Recreio Azarujense, permitiram, também, uma reflexão sobre outros aspectos que se
relacionam com a dupla dimensão social das bandas. Comecemos por analisar o ambiente da
sala dos concertos, onde, apesar de se estar a assistir a um espectáculo de música ao vivo e de
estarem a ser tocados alguns temas, até mais característicos da música clássica, esse facto não
alterou a forma como a assistência reagiu à música filarmónica, ou seja, mesmo num contexto
fechado, numa sala, com um palco e com uma iluminação de espectáculo, as pessoas
interpretaram a banda, quase da mesma forma que o fariam no contexto da rua. E ainda que a
banda assumisse um estatuto de destaque, para a maioria da assistência, não se conseguiu, no
entanto, estabelecer uma distanciação entre os músicos e o público, a banda continuou a
manter o seu sentido mais popular, de proximidade entre as pessoas, ao contrário de uma
orquestra sinfónica que, na mesma situação, estabeleceria uma relação mais distante entre os
executantes e a sua assistência.

No que diz respeito ao tema das bandas tocarem em salas de concerto, ou tocarem na rua,
realizando os seus desfiles, muitas são as reflexões que se podem fazer, na medida em que, a
prática filarmónica está também a atravessar processos de revitalização e de adaptação às
novas formas de vida e às novas funcionalidades que podem vir a ser assumidas pelas bandas.
Actualmente, a maioria dos músicos e dos seus maestros filarmónicos gostam de preparar
peças musicais para concertos, alguns deles confirmaram a sua preferência por estas peças que

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

são mais complexas e interessantes e menos repetitivas do que as marchas de rua, o que
motiva os ensaios e atraí mais gente jovem. O tocar na rua, com calor ou frio, ao compasso da
marcha, já parece não ter o mesmo significado para os jovens de hoje que teria para os jovens
de há cinquenta anos. O filarmónico prefere, nalguns casos, estar numa sala de espectáculos a
tocar aquelas músicas conhecidas das bandas sonoras, ou dos grupos de música pop e rock
que são adaptadas para banda. No dia dos concertos na Azaruja, as peças que conquistaram
mais aplausos da assistência foram a banda sonora dos “Piratas das Caraíbas”, a rapsódia de
músicas conhecidas pela interpretação de Frank Sinatra e a rapsódia de canções ligeiras
portuguesas, muito aplaudidas pela assistência feminina. Segundo a opinião, do responsável
da Banda Filarmónica de N.ª Sr.ª de Machede, o Sr. José Amaral, “o que caracteriza a
identidade da banda é a marcha de rua, porque as bandas são populares (...) e o povo está ali
na rua a ver a banda a passar. Quando os jovens querem deixar de tocar na rua, a
filarmónica passa a sinfónica que foi o que aconteceu à Banda dos Amadores de Évora”
(entrevista pessoal, 2007). Pelo que nos tem sido possível ver, actualmente, as bandas
filarmónicas vivem estas duas realidades, continuando a praticar as arruadas tradicionais e ao
mesmo tempo a realizar concertos que lhes imprimem um carácter mais erudito, continuando,
desta forma, a conciliar as gostos e as opiniões dos músicos que associam a banda às arruadas
e com aqueles já as identificam mais com os concertos.

No que diz respeito ao repertório tocado pelas bandas, de acordo com o que nos disse o
maestro da Banda da Azaruja, o Sr. Aníbal, nos dias de hoje, mais do que tocar as chamadas
peças clássicas, os maestros devem escolher o repertório para a banda em função do contexto
onde ela está inserida. No caso da sua banda, ele optou por ainda não trabalhar nenhuma obra
clássica e mais erudita, porque tem a noção de que lhe faltam alguns tipos de instrumentos
que, não existindo, não permitem conseguir o sentido musical da peça. Por sua vez, tanto este
maestro como os maestros das outras duas bandas, procuram também escolher peças de
música mais populares e mais conhecidas pelos músicos e pela comunidade, o que permite
uma maior receptividade da banda e um maior interesse por parte dos mais jovens que gostam
de outro tipo de músicas e têm outras referências. Também a este nível, as bandas movem-se
em vários terrenos, ou seja, tocam música erudita, o que lhes dá algum prestígio perante as
outras filarmónicas, mas tocam ao mesmo tempo música popular que é mais facilmente
reconhecida e interpretada pela maioria das pessoas; por sua vez, tocam peças musicais mais

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

recentes adaptadas para banda, não deixando, contudo, de tocar as tradicionais peças que
fazem parte da identidade cultural da prática filarmónica, como é o caso do Hino da
Restauração, que ainda continua a ser interpretado pelas bandas no 1º de Dezembro.

Através dos exemplos apresentados, relativos às três bandas filarmónicas do concelho de


Évora, apreendemos essencialmente duas reflexões. Por um lado que, no ciclo de Inverno
estas três filarmónicas se mantiveram em actividade, tendo dinamizado uma série de
iniciativas que não se limitaram aos ensaios semanais. Devemos acrescentar que, para além
dos momentos anteriormente descritos, cada banda, durante este período, participou noutros
eventos. A Banda de S. Miguel de Machede organizou um concerto integrado no Dia Mundial
da Música, comemorou o 1º de Dezembro, realizando a tradicional arruada pelas ruas da vila
e fez, na sua sede, um concerto de Natal. A Banda de N.ª Sr.ª de Machede, participou na festa
do centenário da Banda de Montoito e dinamizou também, na Casa do Povo, um concerto de
Natal. A Banda da Azaruja tocou no 1º de Dezembro nas ruas da sua vila e preparou uma
festa de Natal, onde participou também com um concerto. Por outro lado, ficamos também
com ideia de que as bandas filarmónicas parecem estar a encontrar formas de revitalização, o
que se pode comprovar pelo seu dinamismo e pelo aumento do número de músicos,
nomeadamente de músicos jovens. São estas e outras questões que nos levam a considerar
este tema, um bom objecto de estudo para um trabalho de investigação na área da
Antropologia, pois, tal como veremos nas considerações finais, a instituição filarmónica
conduz-nos a uma série de reflexões que nos permitem compreender a forma como esta
prática musical se apresenta nos dias de hoje e o envolvimento social e cultural que engloba.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

EPÍLOGO

Este foi um estudo que nos proporcionou uma maior proximidade e relação com o contexto
musical e social das Bandas Filarmónicas, o que nos permitiu perceber as dinâmicas que
movem um colectivo de gente de diferentes idades e referências a concretizar um projecto
conjunto. Estamos a referir-nos, a bandas de música que vivem de um colectivo, para
funcionarem são necessários os seus vários elementos, naipes e instrumentos, um músico, por
muito bom instrumentista que seja, por si só, não representa a essência da banda e não a
representa, não só do ponto de vista musical, mas também, porque ela se define por um
sentido social e corporativo que fazem dela uma organização muito particular e com um
característico modo de funcionamento.

Para além do trabalho de campo que desenvolvemos em torno deste tema, este estudo
possibilitou, também, a pesquisa bibliográfica ao nível de diferentes áreas e de distintos
períodos que, em função das suas abordagens, interpretaram de variadas formas esta prática
musical e o seu respectivo estatuto social e cultural.

Quando pensámos em dedicar-nos a este tema fomos movidos por três questões. Antes de
mais, a pouca informação e bibliografia existente sobre as Bandas Filarmónicas. Como se
poderia explicar o facto de terem sido realizados escassos estudos e abordagens relativamente
a uma prática musical tão rica do ponto de vista social e estrutural? Por sua vez, ao pensarmos
nas Bandas de Música e observarmos a sua dinâmica, fomos levados a questionar o seu
contexto e a procurar conhecer um pouco melhor a sua situação actual, o que conduziu este
trabalho para o estudo e observação da forma como se organizam, nos dias de hoje, este tipo
de instituições e o modo como estruturam as suas actividades e as suas funcionalidades. Por
último, esta nossa abordagem procuraria responder a uma problemática mais geral que se
relaciona com o estatuto que adquirem as bandas em termos sociais e culturais e com a
perspectiva como são interpretadas e assimiladas enquanto património. Começámos por
interrogar a possibilidade das bandas de música poderem ser consideradas património
antropológico, tudo levaria a comprovar esta hipótese, contudo a recolha bibliográfica
confirmava a inexistência de trabalhos sobre esta área, não parecendo ser assumida pela
Antropologia e pela Etnologia. Desta forma, este trabalho, para além de ajudar a compreender

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

estas questões, procuraria ser uma tentativa de constituir as bandas enquanto objecto de estudo
antropológico.

Tal como nos foi possível ver através da análise bibliográfica e do trabalho de campo, a forma
como as Bandas Filarmónicas têm sido interpretadas está também muito relacionada com a
sua própria evolução histórica. Nos meados do século XIX, quando surgiram as primeiras
formações filarmónicas, elas estavam relacionadas com determinadas conjunturas sociais e
políticas que justificavam a sua prática e as associavam a funções concretas, de certa forma
ligadas aos novos movimentos sociais, às modernas vivências citadinas e às rivalidades
políticas. Durante este primeiro período, as bandas assumiam um importante papel,
essencialmente ao nível dos contextos urbanos, sendo apoiadas pelas novas tendências
burguesas e pelos movimentos sociais e políticos e tendo como referência as bandas militares
e o seu perfil organizativo e estrutural. O que levaria a interpretar as filarmónicas como uma
prática de características urbanas, com fortes ligações à banda militar. Deste modo, do ponto
de vista etnológico, o tema das bandas não seria um assunto pertinente, visto não estar
associado à cultura tradicional, mas sim à cultura urbana que não foi, durante algum tempo,
considerada por estas áreas científicas. Por sua vez, a sua semelhança com as bandas militares
também não contribuía para outro tipo de abordagens, na medida em que os próprios estudos
sobre a prática musical militar, não davam qualquer destaque às filarmónicas, sendo apenas
referidas enquanto bandas apoiadas pelos músicos e maestros militares.

Numa segunda fase, as Bandas Filarmónicas deixam de estar tão associadas às causas políticas
e aos ambientes urbanos vividos pela elite burguesa, passando a reorganizar-se, também, em
torno das novas dinâmicas sociais que deram forma às colectividades e associações, criando
outros espaços de convívio para a prática filarmónica que, deste modo, se difunde por vários
grupos sociais. Relativamente a este período, a banda adquire novas funções, nomeadamente,
porque contribui de uma forma mais sistemática, para a aprendizagem e divulgação da música
junto de indivíduos que à partida não teriam tanto acesso e facilidade para aprender a tocar um
instrumento de características mais eruditas. Esta realidade, no entanto, não levou ao
desenvolvimento de estudos na área da musicologia que pouco se refere às filarmónicas e ao
trabalho que promovem ao nível do ensino da música. Mais uma vez, nos deparamos com o

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

facto das bandas não serem assumidas enquanto instituições que possuem importantes funções
ao nível do contexto social.

Com o Regime do Estado Novo e com os seus princípios políticos e sociais, as bandas passam
por um processo mais complicado que as faz perder a sua vitalidade, ficando, em muitos
casos, impossibilitadas de funcionar devido ao elevado índice de emigração que fez diminuir o
seu número de elementos. Neste período, tirando o trabalho desenvolvido por Pedro de Freitas,
as bandas também não assumem um estatuto relevante, não sendo relacionadas com nenhum
área de abordagem.

Por fim, quando se dá o 25 de Abril de 74 e o país entra numa nova fase política, social e
cultural, as bandas, tal como os vários grupos associativos, voltam a adquirir importância e a
conquistar um novo lugar na sociedade, desta vez, impulsionado pelo desejo de
desenvolvimento e de dinamização cultural. Nos finais dos anos setenta e durante a década de
oitenta, o país atravessa um período de reconstrução que desencadeia o reaparecimento de
muitas associações filarmónicas. Com este novo impulso, as bandas passam a alargar o seu
número de elementos também ao sexo feminino e voltam a reconquistar a juventude, o que faz
com que, durante este período, as filarmónicas atinjam uma nova vitalidade e reafirmem as
suas funções. Contudo, o seu ressurgimento é acompanhado de uma mudança em termos
sociais, ou seja, as associações, ou os colectivos que vão integrando e assumindo as
filarmónicas como uma actividade importante para os seus contextos deixam, gradualmente,
de ser as associações existentes nas grandes e médias cidades e passam a ser aquelas que se
dinamizam, ao nível das pequenas urbes, cidades de menor dimensão, ou vilas. Durante este
período, as filarmónicas adquirem um destacado estatuto em termos locais, proporcionando às
comunidades novas dinâmicas sócio- culturais.

Após o desenvolvimento que se processou depois de setenta e quatro e durante a década de


oitenta, o dinamismo da prática filarmónica parece ter estabilizado, voltando a ganhar de novo
projecção a partir dos finais dos anos noventa e inícios de 2000. No que se refere ao nosso
trabalho de campo, por exemplo, as Bandas da Azaruja e de S. Miguel integraram os seus
actuais maestros no ano de 2003, o que contribuiu para a dinamização das bandas que, apesar
de estarem activas, necessitavam de uma renovação e de um novo impulso. Desta vez, e mais

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

do que em qualquer um dos anteriores períodos, a prática filarmónica reafirma-se e ganha


sentido dentro dos contextos que a assumem enquanto sua, ou seja, são as dinâmicas sociais
locais que mantém esta prática activa.

A forma como se têm reformulado as bandas filarmónicas, ao nível das funções que foram
adquirindo e do modo como têm sido interpretadas, faz-nos reflectir que os poucos estudos e
abordagens sobre este tema podem estar relacionados com o estatuto ambíguo das bandas que
se projecta numa dupla pertença ao popular e ao erudito e ao rural e urbano. As filarmónicas
vivem associadas a uma dinâmica social popular e fazem, ao mesmo tempo, uma emulação à
cultura erudita, e é este seu carácter tão peculiar que pode ter complicado a sua abordagem e o
seu estudo e ter resultado num menor número de investigações e de trabalhos desenvolvidos
sobre esta temática.

No entanto, o facto das bandas se identificarem e se reestruturarem a partir de um sistema de


dualidades faz com que devam ser estudadas, analisadas e compreendidas em função deste
princípio, o que coloca um interessante desafio à Etnografia e à Antropologia que têm todas as
condições para abordar um objecto de estudo que se reafirma na fusão entre diferentes
contextos. Através da abordagem antropológica, estes agrupamentos de amadores, mais do que
identificados com a cultura popular ou com a cultura erudita, passam a ser considerados
enquanto agrupamentos musicais que representam uma manifestação social e cultural
concreta, constituindo, “um elemento estrutural na criação e divulgação da cultura na
acepção mais pura e universal do termo, sem distinção entre popular e erudito” (Coloquio,
1984:33).

Por sua vez, se nos dias de hoje, são exclusivamente as dinâmicas populares que asseguram a
continuação das bandas, como se pode explicar que seja tão difícil constituí-las como objecto
etnológico? Este nosso trabalho procura, desta forma, converter esta tendência e constituir as
bandas filarmónicas enquanto objecto antropológico, passando a adquirir um estatuto. Por
conseguinte, o estudo das bandas filarmónicas permitiu-nos, também, reflectir sobre a forma
como o património pode ser pensado e representado. Nem sempre o património musical foi
apreendido e valorizado da mesma forma, estando a sua importância relacionada com lógicas
que dependem das conjunturas sociais e contextuais de cada momento. As práticas culturais

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

que no passado pertenceram a determinado contexto podem, com outras funções, integrar o
presente, contribuindo para a construção de projectos actuais.

Para além de colocarmos as bandas como nosso objecto de estudo, este trabalho procurou que
elas fossem pensadas enquanto património antropológico. E quando nos referimos a
património estamos a assumir esse conceito como: “uma perspectivação de um passado feita
no presente e por isso constitui-se sempre como um exercício interpretativo. É uma realidade
que se caracteriza por ser contextual: é um valor relativo e não absoluto” (Santos, 2002:47).
O património, segundo este princípio, não é considerado como algo estático, mas antes pelo
contrário, como algo que se constrói em função de determinada conjuntura. Tal como refere
Pais de Brito, devemos: “usar cada situação e projecto com todas as vertentes das suas
circunstâncias concretas e pensá-lo sempre como o lugar das pessoas e o presente em que
vivem” (Brito, 2003:274), o que quer dizer que existem diferentes formas de abordar aquilo
que consideramos como património, em função do colectivo de pessoas que o define e do
espaço e do tempo que lhe estão associados. Deste modo, este trabalho de investigação
contribuiu também para a reflexão e abordagem destas questões ligadas ao património, na
medida em que a banda está circunscrita a uma dinâmica social e a um determinado contexto e
constitui um meio através do qual se elabora e se projecta a identidade desse mesmo colectivo.

Para além desta noção de património que não se limita ao conceito de «conservação cultural»
mas sim a um conceito mais dinâmico e mais flexível, o tema das bandas filarmónicas
possibilitou uma concepção mais diversificada da ideia de património, o que do ponto de vista
antropológico se tornou enriquecedor.

Comecemos por pensar a ideia de património assumida pelas comunidades que dinamizam as
bandas filarmónicas. Para os estes contextos, a banda é actualmente considerada como fazendo
parte do património local, tanto para os elementos que a constituem, como para a maioria da
restante população que pertence à freguesia da qual faz parte a banda. A este nível, e segundo
o que nos foi possível comprovar através do trabalho de campo, a banda é interpretada
enquanto património cultural e, ao mesmo tempo, enquanto património identitário.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Quando falamos de património cultural, estamos a reportar-nos, tal como refere, Aníbal Frias,
“ (...) a um acto de legitimação que confere um valor artístico, histórico, cultural, ideal ou
simbólico a uma construção, um objecto, uma prática ou um espaço” (Frias, 2000:10). A
banda filarmónica para a população local é considerada como fazendo parte do património
cultural da comunidade. E, ao mesmo tempo, as próprias bandas criam os seus arquivos, os
seus pequenos museus, onde expõem vários objectos que as definem e caracterizam, como as
fotos, as medalhas, as oferendas, os manequins com as respectivas fardas, a bandeira da
colectividade, o símbolo ou emblema da filarmónica, os antigos instrumentos musicais, as
pequenas monografias sobre a banda, etc. Ou seja, neste caso, tanto a prática filarmónica como
todos os objectos que lhe dizem respeito adquirem um valor cultural, histórico, artístico que é
reafirmado em termos locais.

Quando nos referimos a património identitário, estamos a reportar-nos à ideia de que a prática
filarmónica é uma prática cultural associada à tradição que é utilizada pelos indivíduos para
reconstruir as suas actuais identidades, o que gera nos novos contextos “resemantizaciones y
resignificaciones por medio de las cuales se produce una verdadera incorporación del pasado
en el presente” (Pérez, 2003:351). Através das práticas que se transportam do passado, os
contextos locais, recuperaram as suas tradições, o que permite a reafirmação da sua identidade
e da sua cultura e ao mesmo tempo, a dinamização das suas localidades, conseguindo, desta
forma, um estatuto de destaque e de projecção social e cultural, não só ao nível interno como
externo à própria comunidade. O facto de existirem três freguesias rurais no concelho de
Évora que têm a sua banda filarmónica, é razão suficiente para que elas se destaquem das
outras dezasseis freguesias. Tal como vimos durante o trabalho de campo, as principais
dinâmicas culturais que se promovem nas três freguesias estudadas estão intimamente
relacionadas com a banda e, mesmo em termos das práticas associativas, aquelas que
envolvem um maior número de população são as que estão vinculadas à filarmónica. As
bandas revitalizam-se nos seus contextos como forma de reafirmação local e identitária. Desta
forma, podemos dizer que, através do estudo da prática filarmónica, reencontrámo-nos mais
uma vez com a noção de que “a apropriação da cultura popular passa agora a estar
associada à escala local” (Russo, 2003:18).

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

No mundo contemporâneo, nomeadamente a partir da década de oitenta do século XX, os


processos de patrimonialização acompanham o fim do mundo rural, tal como o era conhecido
tradicionalmente, e a reafirmação das identidades e das dinâmicas que se vão desenvolvendo à
escala local, em comunidades que se reconstroem entre a tradição e a modernidade, entre um
passado mais rural e uma aproximação ao mundo citadino. O tema das bandas filarmónicas é
um bom exemplo que acompanhou este processo.

Ao estudarmos a evolução das bandas no concelho de Évora apercebemo-nos que a sua


dinamização se encontra actualmente associada não à cidade de Évora, como aconteceu no
decorrer do século XIX, mas sim a três freguesias rurais do seu concelho que em termos locais
têm revitalizado e dinamizado a prática filarmónica, integrando-a como património identitário.
E a este nível, não deixa de ser interessante constatar que essas três localidades, às quais estão
ligadas as bandas, fazem parte das freguesias rurais e não das freguesias urbanas. Contudo
dentro do grupo das freguesias rurais elas destacam-se por serem as que apresentam um maior
número de habitantes, juntamente com a freguesia de S. Manços que, no entanto, se demarca
por ser predominantemente rural. São também três localidades que estão geograficamente
muito próximas da cidade de Évora e que, apesar de serem consideradas rurais, o seu perfil
não se define por estarem tradicionalmente marcadas por uma vivência rural, na medida em
que desenvolveram outras actividades económicas na área das pequenas indústrias, tendo
também acompanhando algumas tendências citadinas, nomeadamente ao nível dos
movimentos associativos e culturais.

Desta forma, podemos constatar que a tradição da prática filarmónica se tem mantido
essencialmente ao nível da escala local, na medida em que nestes lugares, a função da banda é
ainda assumida como importante para a reafirmação da comunidade da qual faz parte. Dentro
desta medida, podemos classificar estes locais, utilizando a expressão de Pierre Nora, de
«lugares de memória», “onde as identidades se reconstroem, o sentido de relação é central e a
história o recurso discursivo por excelência” (Leal, 2000:248). Estas comunidades locais
estruturam a sua identidade em torno das tradições e daquilo que assumem como pertencendo
ao seu património. O que nos permite perceber o modo como as suas práticas culturais podem
contribuir para o desenvolvimento dos processos de patrimonialização e de identidade que
estão na base da reconstrução e reafirmação destas sociedades.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

No entanto, para além desta ideia de património assumida pelas comunidades à escala local, as
bandas filarmónicas podem ainda desencadear outras abordagens em torno do tema do
património. Pensemos por exemplo, que esta prática musical está associada ao património
material, mas também ao património imaterial, o que acabaria por suscitar o desenvolvimento
de um conjunto de aspectos relativos a esta área. Por sua vez, as bandas também poderiam ser
abordadas enquanto património associativo dado que, tal como constatámos através deste
trabalho, o associativismo foi preponderante para o surgimento e manutenção da prática
filarmónica, tanto no seu início como actualmente, o que suscitaria um interessante trabalho a
ser desenvolvido pela Antropologia.

Contudo, este nosso estudo acaba por integrar as bandas filarmónicas como um objecto
inovador, na medida em que o seu valor patrimonial se espelha na fusão entre duas realidades
que contribuem para a sua própria formação e dinamização. Através deste trabalho,
concluímos que a prática filarmónica não é caracteristicamente urbana, mas também não
exclusivamente rural, não é de todo tradicional, mas também não se confina a uma prática
erudita, ou seja, estamos a abordar um objecto que define o seu estatuto dentro de um terreno
que flutua entre dois mundos que cada vez mais têm atenuadas as suas fronteiras,
influenciando-se mutuamente o que faz da prática filarmónica um interessante objecto de
abordagem que nos permite fazer um exercício interpretativo sobre o modo como são
reformuladas e revitalizadas no presentes as práticas que se reportam ao passado.

Desta forma podemos dizer que as bandas, não só podem como devem, ser consideradas
enquanto património antropológico e etnológico, na medida em que nos ajudam a interpretar e
compreender uma prática social e cultural que se reconstrói e identifica entre distintos
contextos, o que propõe à Antropologia um novo sentido para a suas abordagens no qual
coincidem os estudos rurais e os estudos urbanos.

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Anexos

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Tabela n.º 1

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Tabela n.º 2

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Tabela n.º3

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Foto n.º 1 Ensaio da Banda Filarmónica de S. Miguel de Machede

Foto n.º 2 Museu de Actividades Culturais da Banda Filarmónica da Casa do Povo de N.ª Sr.ª de
Machede

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Foto n.º 3 Banda Filarmónica do Grupo União e Recreio Azarujense

Foto n.º 4 Encontro de Bandas na Freguesia de S. Bento do Mato

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Fotos n.º 5 e 6 Banda Filarmónica da Casa do Povo de N.ª Sr.ª de Machede

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Foto n.º 7 Arruada 1º de Dezembro pela Banda Filarmónica de S. Miguel de Machede

Foto n.º 8 Concerto da Banda Filarmónica de S. Miguel de Machede

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As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

Foto n.º 9 Foto de grupo

Foto n.º 10 Concerto de Natal

- 145 -
As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

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- 153 -
As Bandas Filarmónicas enquanto património: um estudo de caso no Concelho de Évora

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2007, Évora

Tiago Lino. Músico e Secretário da Banda Filarmónica 24 de Junho de S. Miguel de Machede,


Setembro 2007, S. Miguel de Machede

Damásio. Músico da Banda Filarmónica 24 de Junho de S. Miguel de Machede, Outubro


2007, S. Miguel de Machede

Aníbal Simplício. Maestro da Banda Filarmónica do Grupo União e Recreio Azarujense,


Setembro e Outubro 2007, Azaruja

Paulo Marques. Músico e Presidente da Sociedade Grupo União e Recreio Azarujense,


Outubro 2007

Adelino Santos. Antigo Director da Academia de Amadores de Música de Évora, Setembro e


Outubro de 2007, Monsaraz e Évora

José Amaral. Músico e Presidente da Banda Filarmónica de N.ª Sr.ª de Machede, Setembro e
Outubro 2007, N.ª Sr.ª de Machede

Eduardo Correia. Maestro da Banda Filarmónica 24 de Junho de S. Miguel de Machede,


Setembro e Outubro 2007, S. Miguel de Machede

Francisco Canoa Ribeiro. Maestro da Banda Filarmónica de N.ª Sr.ª de Machede, Setembro e
Outubro 2007, N.ª Sr.ª de Machede e Évora

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Curriculum Vitae

Informação pessoal
Apelido(s) / Nome(s) próprio(s) Russo, Susana Bilou
Morada(s) Bairro da Cruz da Picada Lote 39 1º Dto. 7000 – 772 Évora Portugal
Telefone(s) Facultativo (ver instruções) Telemóvel: 00351 962344510
Fax(es) Facultativo (ver instruções)
Correio(s) electrónico(s) [email protected]

Nacionalidade Portuguesa

Data de nascimento 16.02.1977

Sexo Feminino

Experiência profissional

Datas Desde Setembro de 2005


Função ou cargo ocupado Gestão e produção cultural
Principais actividades e Organização e gestão interna da Associação, divulgação e promoção dos projectos culturais
responsabilidades desenvolvidos
Entidade onde desenvolve a actividade Associação Cultural Teatro do Imaginário

Datas Desde 1997


Função ou cargo ocupado Cantora e membro fundador do Grupo Lundum - divulgação de Mornas, Fados e Chorinhos
Cantora solista do Grupo Arcada Café Orchestra
Cantora do Grupo Sons do Vagar
Participa em várias produções de teatro para a infância e juventude: Histórias do Medo” (2005), “A Ilha
dos Livros Falantes” (2004), “E as Palavras Voaram!” (2002) e “A Arca dos Sonhos” (2000).
Entidade onde desenvolve a actividade Associação Cultural Teatro do Imaginário

Datas 2005
Função ou cargo ocupado Integra o elenco da peça intitula Terra de Ninguém/Tierra de Nadie
Entidade onde desenvolve a actividade Companhia “La Candi y la Cabra Loca”, Badajoz
Datas 2005
Função ou cargo ocupado Coordenadora no “Programa Inter- Geracional para o Voluntariado, da responsabilidade da Câmara
Municipal de Évora e do Instituto Português da Juventude, tendo desenvolvido actividades de
relevante pertinência social para a comunidade, durante 70 horas
Entidade onde desenvolve a actividade Câmara Municipal de Évora e do Instituto Português da Juventude
Datas De Outubro 2004 a Junho de 2005
Função ou cargo ocupado Estágio Profissional na área da Produção e Animação Cultural, do qual resulta como trabalho final a
produção e organização de uma iniciativa cultural intitulada “Raízes do Som. 1º Encontro de Música e
Tradição de Évora”. Projecto financiado, entre outras instituições, pela Câmara Municipal de Évora,
pela Delegação Regional da Cultura do Alentejo, pelo Instituto da Juventude e pela Comunidade
Europeia. Esta iniciativa contou com participações e colaborações portuguesas e espanholas.
Entidade onde desenvolve a actividade Sociedade Operária de Instrução e Recreio Joaquim António D’Aguiar, em Évora
Datas 2003
Função ou cargo ocupado Monitora de ATL no projecto Roda, Escola Primária do Vale de Alcântara no âmbito do projecto IAC de
mediação escolar, apoiado pelo GAAF (Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família) e pela Câmara
Municipal de Lisboa
Entidade onde desenvolve a actividade GAAF (Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família) e pela Câmara Municipal de Lisboa

Datas 2003

Função ou cargo ocupado actriz/ cantora no espectáculo As Guerras de Alecrim e Mangerona de António José da Silva
Entidade onde desenvolve a actividade Centro Dramático de Évora

Educação e formação

Datas A partir de 2003

Designação da qualificação atribuída Inicia o mestrado de Antropologia intitulado: Patrimónios e Identidades


Principais disciplinas/competências
profissionais
Nome e tipo da organização de ensino Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa em Lisboa
ou formação

Datas 2003

Designação da qualificação atribuída Licenciatura em Antropologia


Principais trabalhos realizados tese de licenciatura intitulada “Histórias e Percursos da Viola Campaniça” em Fevereiro de 2003,
obtendo a classificação de 19 valores
Participação em Programas Intercâmbio Socrates/ Erasmus na Universidad de Granada- Facultad de Filosofia y Letras en el 2
quatrimestre del curso 2000/2001
Nome e tipo da organização de ensino Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
ou formação
Nível segundo a classificação nacional 15 valores

Datas 3 de Abril a 4 de Maio de 2001

Designação da qualificação atribuída Curso Intensivo de Lengua Española


Nome e tipo da organização de ensino Universidad de Granada
ou formação
Nível segundo a classificação nacional Sobresaliente (8.5) Erasmus Nível avanzado- A
ou internacional

Formações Complementares
Datas 23 de Novembro de 2006 e 6 de Janeiro de 2007

Designação Curso de formação: “Captação de Financiamento para Projectos Culturais” coordenado pelo Dr. Rui
Matoso,
Nome e tipo da organização de ensino Cooperativa de Comunicação e Cultura, em Torres Vedras
ou formação

Datas Outubro de 2005

Designação Participação na Mesa redonda: “Experiencias y proyectos de teatro/ cultura popular” integrada na 1ª
Jornada Hispano- Lusa de Análisis de Gestión Cultural
Nome e tipo da organização de ensino Asociación de Gestores Culturales de Extremadura
ou formação
Datas Março 2005

Designação Seminário “Instrumentos musicais no museu”


Nome e tipo da organização de ensino Museu Nacional de Etnologia em Lisboa
ou formação

Datas 2002

Designação IX Congreso Nacional de Antropología Aplicada


Nome e tipo da organização de ensino Universidad de Granada
ou formação

Datas 26 de Setembro a 30 de Novembro de 2000


Designação Curso de Artes e Letras na China
Nome e tipo da organização de ensino Fundação Oriente, Lisboa
ou formação
Datas 1996 a 1999

Designação Frequentou o Conservatório Nacional de Música de Lisboa


Datas 15 a 17 de Novembro de 1999
Designação Congresso - “Práticas e Terrenos da Antropologia em Portugal”
Nome e tipo da organização de ensino Associação Portuguesa de Antropologia e Fundação Calouste Gulbenkian
ou formação
Datas 1997
Designação Jornadas de Antropologia 97 “Entre Tempos”
Nome e tipo da organização de ensino Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa em Lisboa
ou formação
Datas entre 1993 e 1994
Designação Frequência de aulas de canto e piano, tendo integrando o coro polifónico
Nome e tipo da organização de ensino Escola do Eborae Música
ou formação
Datas 1984
Designação Iniciação musical
Nome e tipo da organização de ensino Academia de Amadores de Música de Évora
ou formação

Aptidões e competências
pessoais

Língua(s) materna(s) Portuguesa

Outra(s) língua(s)
Auto-avaliação Compreensão Conversação Escrita
Nível europeu (*) Compreensão oral Leitura Interacção oral Produção oral
Espanhol Utilizador Utilizador Utilizador Utilizador Utilizador
C2 C2 C2 C2 C1
experiente experiente experiente experiente experiente
Inglês C Utilizador Utilizador Utilizador Utilizador Utilizador
C1 C1 C1 B2
1 experiente experiente experiente experiente independente
Francês B Utilizador Utilizador Utilizador Utilizador Utilizador
C2 A2 A2 A2
1 independente experiente experiente experiente experiente
(*) Nível do Quadro Europeu Comum de Referência (CECR)

Aptidões e competências
informáticas

Informação adicional Em 2002 é membro fundador da Associação Cultural Teatro do Imaginário, na qual desempenha
actualmente o cargo de Presidente da Direcção. Esta associação sediada em Évora, cujo objectivo é
produzir, promover e organizar acções no domínio das áreas do espectáculo, nomeadamente ao nível
da música, do teatro e da animação de rua, tem ao longo dos últimos seis anos demonstrado um
notório serviço público alicerçado numa regular produção cultural.

Desde 2006 é sócia da Colectividade SOIR Joaquim António d’ Aguiar, tendo sido homenageada pela
Direcção, em Dezembro de 2005, pelos onze anos dedicados ao teatro amador e pelo projecto
“Raízes do Som. 1º Encontro de Música e Tradição de Évora” que desenvolveu na colectividade em
Abril de 2005.

Anexos

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