Fernando Lopes Graça

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 15

Vida e Obra de Fernando Lopes-Graça

VIDA E OBRA D
FERNANDO
História e Cultura das Artes
LOP

Pedro Meireles
8º Grau
junho 2020

Pedro Meireles
junho 2020
Vida e Obra de Fernando Lopes-Graça

APRESENTAÇÃO

O presente trabalho insere-se no âmbito do estudo da disciplina de História e


Cultura das Artes, que integra o 8º grau do ensino secundário de música.
Posto o desafio de fazer um trabalho sobre a vida e obra de um compositor, a
escolha recaiu sobre Fernando Lopes Graça, aquele que é considerado uma figura
cimeira na música portuguesa do séc. XX. Foi pianista, compositor, professor,
conferencista, regente (de grupos corais e instrumentais), investigador, musicólogo,
publicista, escritor, ensaísta, crítico, jornalista, promotor de concertos e divulgador da
sua arte, a música.
Neste trabalho apresenta-se uma breve apresentação do compositor, seguida de
uma síntese da sua vida e obra, com ênfase para a sua história como músico, professor e
escritor, uma vez que seria muito exaustivo abordar todo o seu extenso e profícuo
trabalho de uma vida, toda ela, ligada de uma forma activa e intensa, ao mundo musical
português.
Ao fundar a SONATA, sociedade de concertos (Lisboa, 1942-1960) dedicada à
produção e programação de concertos preenchidos por novas obras, com um caráter não
2
lucrativo e progressista, que ao longo de cerca de vinte anos, programou um total de 85
concertos, nos quais apresentou cerca de 450 peças, da autoria de 126 compositores,
sendo mais de um terço delas em estreia portuguesa, anota-se e registada a importância
que Lopes-Graça tem para a história cultural portuguesa.
A liberdade e a verdade foram, de facto, emblemas pelos quais Lopes-Graça
sempre lutou, e pelos quais sofreu várias adversidades ao longo da sua vida, desde lhe
terem sido recusados empregos, bolsa de estudos, até ser preso.
As suas obras foram premiadas e estimadas em Portugal e no estrangeiro.
Fernando Lopes-Graça foi o primeiro compositor galardoado do Concurso do Prémio de
Composição do Círculo de Cultura Musical, em 1940.
O Presidente da República General Ramalho Eanes condecorou-o, no início dos
anos oitenta, com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada.
Em 1986, foi-lhe reconhecido um Doutoramento Honoris Causa pela Universidade de
Aveiro, e pouco tempo depois foi condecorado pelo Presidente da República Mário
Soares com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. Foi também condecorado
com a Ordem de Mérito Cultural no Dia Mundial da Música em 1988.

Pedro Meireles
junho 2020
Vida e Obra de Fernando Lopes-Graça

Fernando Lopes-Graça, como a maioria dos compositores, experimentou formas


e estilos diferentes ao longo da sua vida. Os tipos de composições são substanciais, da
pequena peça de fantasia livre à estrutura sólida da forma sonata, de peças para um só
instrumento a obras para coro e orquestra. A ópera foi o único género que apenas
rascunhou, o que não será estranho se atentarmos no que afirmou aos vinte e três anos
de idade: A forma musical ópera não me apaixona, reconhecendo, no entanto, a boa
música que há em muitas delas.1
Escreveu, essencialmente, e dentro dos moldes ou formas tradicionais, peças em
forma livre ou “de carácter” (Epitáfios, Bagatelas, etc.), fugas, corais, sonatinas e
sonatas. Praticamente toda a sua obra possui, de um ou outro modo, uma junção à
cultura portuguesa, explicitado em títulos como, por exemplo, Natais portugueses.
As características principais do estilo de Lopes-Graça são o ritmo impulsivo e
aceso e o uso de harmonias construídas à base de intervalos agregados (segundas,
quartas aumentadas, etc.). A sua música raramente paralisa; os temas desenvolvem-se,
em geral, até atingirem um clímax tempestuoso que rapidamente se desaba. O carácter
geral de uma obra tanto pode ser energético como sereno ou fluido. Ideias novas são
expostas num ritmo exaltado ou, no extremo oposto, apresenta-se a repetição de um
3
tema de uma forma prolongada, mas com sucessivas e ligeiras transformações
extremamente imaginativas e originais. A estas características acrescem uma prodigiosa
variedade rítmica, com uso de polírritmia, o que leva a frequentes mudanças de
compasso e finalmente ao abandono das linhas de compasso. No campo harmónico,
Lopes-Graça prefere uma construção axial articulada com uma estrutura diatónica ou
modal.
O seu estilo foi, como o próprio referiu, influenciado por vários compositores:
Quais são as minhas filiações? Julgo que me será mais fácil apontar as minhas
afeições, os meus pólos de atracção. De respeito, e com sua licença deles: Bach,
Beethoven, Schubert, Debussy, Stravinsky, Bartók. Afigura-se-me que, em maior ou
menor medida, são estes os meus “pais” e que a minha música, com maior ou menor
consequência, com carácter mais constante ou mais episódico, reflecte (debilmente, ai
de mim!) a sua tutelar luz. Sem esquecer o que ela deve às músicas populares ou
tradicionais ibéricas (Falla também entra no meu plasma) e, num determinado aspecto,
aos antigos polifonistas vocais.2
1
Entrevista concedida a Américo Durão, e publicada em 1930. “O grupo dos quatro”. Ilustração, Ano V,
n.º 108, 16/06/1930, pp. 35-36. Lisboa.
2
VIEIRA de CARVALHO, Mário, O essencial sobre Fernando Lopes-Graça, 1989, p. 35.
Pedro Meireles
junho 2020
Vida e Obra de Fernando Lopes-Graça

O trabalho de Lopes-Graça também foi, grandemente inspirado, pelo seu vasto


conhecimento da música tradicional ou folclórica portuguesa, uma fonte constante de
inspiração. Exemplos disto são as dezenas de canções regionais portuguesas
produzidas no capítulo da música coral. Elegendo o piano, que estudou desde os 11
anos, como instrumento de excelência, legou-lhe, uma grande parte da sua produção
musical, onde se destacam 6 sonatas. Escreveu numerosos ciclos para voz e piano
baseados em poesia, principalmente de autores, portugueses: Camões, Pessoa,
Andrade, Torga e Pessanha, entre outros.
Outra das linhas do seu trabalho, essencial também para o cumprimento dos seus
propósitos, é a sua escrita em prosa, também ela de uma enorme talento que, de algum
modo, serviu de ponto de partida para o seu acto de criação musical. O legado é
abundante: para além das obras de natureza sistemática, nas quais se inclui A Canção
Popular Portuguesa, a Breve História das Formas Musicais, a Pequena História da
Música de Piano, um opúsculo sobre Viana da Mota, antologias de textos sobre as mais
variadas temáticas, que constituem o grosso das suas Obras Literárias.
Morreu em 27 novembro 1994, com 87 anos, na sua casa na Parede, Cascais,
onde sempre viveu sozinho.
4
A vivacidade, a mestria e a inovação das suas criações são, apenas, algumas das
razões para se apreciar o seu inteligente trabalho.

VIDA E OBRA

INICIO

Pedro Meireles
junho 2020
Vida e Obra de Fernando Lopes-Graça

Fernando Lopes-Graça nasceu a 17 de dezembro de 1906, em Tomar. Filho de


Silvério e Emília Lopes da Graça, pessoas da baixa classe burguesa, que conseguiram
uma valorização social com o seu trabalho pessoal e se tornaram donos de um hotel, à
altura muito popular em Tomar.
Foi neste hotel, então com 11 anos, que Lopes Graça começou a dedilhar num
piano, procurando reproduzir as melodias que ouvia, tudo de ouvido.
A sua família não possuía antecedentes musicais de relevo e, como ele próprio
referia: A música foi para mim um puro acaso, um acidente, uma brincadeira aí dos
meus onze anos.3
Iniciou os seus estudos musicais, com aulas particulares de piano sob a
orientação da Senhora D. Maria da Imaculada e mais tarde com a Senhora D. Rita
Ramos Lopes.
Em 1924, com dezassete anos de idade, inscreveu-se no Conservatório Nacional
de Música, em Lisboa, no 1º ano do grau superior de Piano, tendo como professor
Adriano Mereia, ao mesmo tempo que se matriculou no 2º ano de Ciências Musicais,
disciplina esta que envolvia Acústica, História da Música e Estética Musical, com o
5
professor Luís de Freitas Branco, e no 1º ano do grau elementar de Composição com o
professor Tomás de Borba. Seguiu-se a matrícula no 2º ano do grau superior de Piano,
no 3º ano de Ciências Musicais e no 2º ano do grau elementar de Composição, com os
mesmos professores. Paralelamente, prosseguia os seus estudos liceais no Liceu de
Passos Manuel, onde se registou, em 1924, no Curso Complementar de Letras. Fez a
sua primeira inscrição no curso de Ciências Históricas e Filosóficas da Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa (e mais tarde na Universidade de Coimbra), curso que
nunca chegou a concluir.
Prosseguindo os seus estudos musicais no conservatório, em julho de 1927,
terminou o 5º e ultimo ano da disciplina de ciências musicais com 18 valores e o
terceiro e último ano da classe Superior de Piano a 8 de julho de 1927, com a
classificação de dezanove valores. Terminou o Curso Superior de Composição em 6 de
julho de 1931 com a classificação máxima de vinte valores. O seu principal interesse
musical, desde os estudos no Conservatório, era, no entanto, notoriamente inclinado
para a composição.

3
Disto e daquilo. Col. Obras literárias de Fernando Lopes-Graça, n. 13. Lisboa: Edições Cosmos, 1973

Pedro Meireles
junho 2020
Vida e Obra de Fernando Lopes-Graça

As primeiras obras do seu catálogo foram apresentadas em Lisboa em concertos


organizados em colaboração com os seus colegas do Conservatório, na mesma época
em que iniciava um notável trabalho como cronista musical, manifestando um raro
talento literário e uma ampla cultura.
Data de 1929 a primeira apresentação pública de
Fernando Lopes-Graça como criador musical; interpretou ele
próprio as Variações sobre um tema popular português (a sua,
oficialmente, primeira composição, de 1927) ao piano, bem
Programa de Concerto.
como dirigiu o seu Poemeto para orquestra de cordas, 12º Concerto da Associação
Académica do Conservatório
Nacional. Lisboa 20/06/1929.
interpretado por alunos do conservatório em concertos
realizados no Salão Nobre do Conservatório Nacional de
Música.
Durante os seus tempos no conservatório, fundou o jornal “A Acção: semanário
republicano” onde apareceram as suas primeiras publicações. Para além da ocupação
que desenvolveu como escritor, para seu sustento, nesta época interpreta, como pianista
acompanhador, na orquestra do Cinema Central em Lisboa.

6
ANOS 30

Imerso na arte musical, Fernando Lopes-Graça fundou,


pouco tempo depois com o seu amigo, Pedro do Prado, a revista
“De música”, publicada através da Associação Académica do
Conservatório, com o primeiro número publicado em junho de
1930.
Fotografia de Fernando Lopes- Nesta altura participava em vários saraus musicais, de
Graça. 1930.
troca de ideias e convívios, onde se destacavam, além de Lopes-
Graça, três outros rapazes alunos do conservatório, jovens compositores e músicos
promissores: Pedro do Prado, Jorge Croner de Vasconcelos e Armando José Fernandes.
Chamados de “Grupo dos quatro” em analogia ao
“cinco” russos e aos “seis” franceses.
O “grupo dos quatro” teve a sua importância
na vida cultural Lisboeta. Pelas qualidades dos seus
componentes como instrumentistas, compositores ou
Pedro Meireles
junho 2020
Fotografia. Grupo de presos políticos.
(Alpiarça, 1932)
Vida e Obra de Fernando Lopes-Graça

organizadores de sociedades musicais, especialmente a partir da década de 40, quer pela


sua atitude crítica perante a falta de qualidade de certas manifestações musicais e diante
da falta de vida musical na cidade.
Pouco tempo depois de ter feito o último exame como aluno do Conservatório
Nacional, em 1931, concorreu para professor de solfejo e piano nesta instituição e
sofreu o primeiro grande revés da sua vida, ao ser preso, por razões políticas, e assim
impedido de ocupar o cargo que ganhou por concurso, é desterrado para Alpiarça.
Em 1932 começou a ensinar na Academia de Música
de Coimbra, cidade onde permaneceu radicado até 1936.
Estes anos coincidiram com o primeiro período no
seu percurso como compositor, que se pode qualificar como
modernista, durante o qual o seu estilo revelou a influência
de autores como Arnold Schonberg e Paul Hindemith. 4 Nas Fotografia de Fernando Lopes-Graça
com os seus alunos do Curso de
suas primeiras obras também é de destacar o seu gosto por Harmonia na Academia de Música de
Coimbra.
géneros vocais. Estimulado pelo relacionamento constante
com poetas contemporâneos, manifestava nas suas canções poetas como Adolfo
Monteiro, José Régio ou Fernando Pessoa, gosto este que permaneceu ao longo de toda
7
a sua vida.
Em Setembro de 1935 é de novo preso e mandado para o forte de Caxias.
Quando foi libertado, em maio de 1937, está convicto na decisão de sair do País. Parte,
então, para Paris neste ano.
Dias antes da partida Lopes-Graça assiste a um concerto no Teatro Éden, em
Lisboa. Francine Benoit encontra-se entre os presentes, na companhia de uma jovem
aluna e pianista. É o início de uma amizade que durará mais de 50 anos. Maria da Graça
Amado da Cunha será a intérprete favorita de Lopes-Graça.
A 27 de outubro inscreveu-se na Faculdade de Letras da Universidade de Paris.
Na Sorbonne assiste às aulas de Musicologia de Paul-Marie Masson e trabalha
particularmente Composição e Orquestração com Charles Koechlin. Aproveita, assim,
para ampliar os seus conhecimentos musicais.
Em 1937 inicia, também, uma extensa colaboração na Grande Enciclopédia
Portuguesa e Brasileira como redator musical.

4
Hindemith era considerado nessa altura o mais importante representante da nova escola alemã de
composição. Quanto a Schoenberg, nos anos trinta, era aceite como o profeta da nova música pela
"invenção do dodecatonismo"
Pedro Meireles
junho 2020
Vida e Obra de Fernando Lopes-Graça

Em Paris compõe várias obras para piano, a música para o bailado realista La
Fièvre du Temps, estreada a 28 de maio de 1938 no Théâtre Pigalle, em Paris, pela
Companhia dos Bailados Internacionais e realiza as suas primeiras harmonizações para
voz e piano de canções tradicionais portuguesas.
É nesta período que se dá, no seu estilo, a viragem decisiva no sentido de uma
orientação de timbre nacionalista, com o aproveitamento e a elaboração, na sua
linguagem, dos elementos harmónicos, melódicos e rítmicos do folclore português. As
suas obras já apresentam uma linguagem peculiar e reconhecível. Passam a orientar-se
no sentido de conferir à sua música um cunho marcadamente português.
Terá sido por incentivo da cantora Lucie Devinski que Lopes-Graça se inclina,
de um modo diferente do que no passado, sobre a música tradicional portuguesa, e de
que resultaria, ao longo da sua vida, dezenas de harmonizações de canções populares.
A sua orientação nacionalista reafirma-se e amadurece em obras como a Suite
Rústica (para orquestra, sobre melodias tradicionais portuguesas), os cinco Velhos
Romances Portugueses (para pequena orquestra), as Nove Canções Populares
Portuguesas (para voz e orquestra), os Natais Portugueses e Melodias Rústicas
Portuguesas (para piano), além de numerosos ciclos de harmonizações de canções
8
populares, para voz e piano, e para coro a capella.
Dois exemplos são a  Sonata para piano nº 2 e a primeira versão do Quarteto
com piano, onde a referência estilizada às canções populares surge junto com o uso de
uma colorística harmonia e de ritmos percutidos alternados com polirritmias lineares.
Esta nova tendência no seu estilo de compor manifesta a influência de Bela Bartók e de
Manuel de Falla e a dos escritos de Koechlin publicados nestes anos.
Ao despontar a 2ª Guerra Mundial, em 1939, Fernando Lopes-Graça alistou-se
no corpo de voluntários dos Amis de la République Française mas, tendo recusado uma
proposta de naturalização francesa, em outubro, foi forçado a regressar a Portugal.

ANOS 40

Já fixado em Lisboa, retoma a sua atividade como cronista musical, musicólogo


e professor e inicia-se como organizador de concertos e maestro coral. Ensina piano,
Pedro Meireles
junho 2020
Vida e Obra de Fernando Lopes-Graça

harmonia e contraponto na Academia de Amadores de Música e constitui a sociedade


SONATA que, entre 1942 e 1960, promove a apresentação de programas inteiramente
preenchidos por música do século XX.
Lopes-Graça também retoma as suas colaborações nas publicações
periódicas Seara Nova e O Diabo, como crítico musical e teatral, respetivamente.
Participa na organização da Biblioteca Cosmos e publica vários livros onde, para além
de editar seleções dos seus artigos jornalísticos, se dedica à difusão, com intuito
pedagógico, de diversos assuntos de caráter musical.
Em 1940 ganha o primeiro concurso do Prémio de Composição do Círculo de
Cultura Musical com o Concerto para piano e orquestra n.º 1, a sua primeira obra
importante após o seu regresso de Paris. Recebe a mesma distinção em 1942, com a
cantata História Trágico-Marítima sobre textos de Miguel Torga, em 1944, com
a Sinfonia per orchestra.
Realiza inúmeros concertos, muitos deles são dedicados inteiramente à sua obra,
e o seu valor era meritoriamente reconhecido.
Em fevereiro de 1942 começa a ensinar harmonia, contraponto, e fuga e piano,
na Academia de Amadores de Música, leciona vários graus do curso geral e é diretor
9
artístico da instituição até ao fim da sua vida.
Nesta instituição forma, em 1945, o Coro do Grupo Dramático Lisbonense.
Por outro lado, participa, também, activamente como pianista, tanto com obras
suas como com obras de outros compositores, como consta dos vários programas da
Academia.
É por esta altura, 1945, que adere ao Partido Comunista Português. A repressão
por parte do regime fascista cresce e acentua-se: na década de cinquenta as orquestras
nacionais são proibidas de interpretar obras de Fernando Lopes-Graça; os direitos de
autor são-lhe roubados; é-lhe anulado o diploma de professor do ensino particular e é
obrigado a abandonar a Academia de Amadores de Música.
 É também deste ano o início da composição das célebres Canções Heróicas,
canções de intervenção que Lopes-Graça, apesar da proibição que pesava sobre a sua
execução pública, continuou a compor até 1974, e inclusive em anos posteriores.
Em 1948 desloca-se à Polónia onde participa no 1º Congresso dos Intelectuais
para a Paz, em Vroclav. Participa, também, como secretário da Sociedade Internacional
de Música Contemporânea (SIMC), no congresso da mesma, realizado em Amesterdão.

Pedro Meireles
junho 2020
Vida e Obra de Fernando Lopes-Graça

ANOS 50/60

Outro exemplo das suas múltiplas funções, mostra-se quando Fernando Lopes-
Graça dirige a Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional nas comemorações do
bicentenário da morte de J. S. Bach, no Tivoli, em
Lisboa, a 6 de maio de 1950.
No mesmo ano, cria o Coro da Academia
de Amadores de Música. Para além do trabalho de
regência, Lopes-Graça escreveu para este
agrupamento dezenas de harmonizações corais de
Fotografia de Fernando Lopes-Graça
a dirigir o Coro da Academia de canções tradicionais portuguesas (especialmente
Amadores de Música (1955).
do folclore nacional), que constituíram o seu
repertório.
Por esta época, apoia a criação da revista Gazeta Musical, mais tarde, Gazeta
Musical e de Todas as Artes, editada durante duas décadas.
Em 1952 ganha pela quarta vez o Prémio de Composição do Círculo de Cultura
Musical com a Sonata nº 3 para piano solo.
10
Em 1954, o Ministério da Educação decide retirar a Lopes-Graça o diploma de
professor do ensino artístico e particular, valendo-lhe para sobreviver a intensificação
das outras atividades que exercia, tendo expressado à época, vontade de emigrar. Mas os
amigos não o deixam partir. Manuel Rodrigues das "Edições Cosmos" dá-lhe a
oportunidade de realizar um projeto que há muito ambicionava fazer: publicar um
"Dicionário de Música" em português.
O desenvolvimento posterior da obra musical de Lopes-Graça permite definir
uma nova fase no seu estilo, iniciada na segunda metade da década de cinquenta, e
marcada por obras como o ciclo vocal As mãos e os frutos (1959), sobre poemas de
Eugénio de Andrade, o Canto de Amor e de Morte, quinteto com piano composto em
1961, e a Sonata para piano nº 5, escrita em 1977. Estas duas obras contam-se entre a
produção mais intensa e exigente em termos formais e expressivos do compositor,
evidenciando esta nova orientação. Embora nunca chegasse a abandonar completamente
as referências explícitas à canção tradicional no seu catálogo, nestes anos, o compositor
passou a explorar de maneira intensiva o ritmo e a harmonia, sendo o trabalho sobre este
parâmetro baseado na utilização de um número muito reduzido de relações intervalares,
em estruturas mais elaboradas.
Pedro Meireles
junho 2020
Vida e Obra de Fernando Lopes-Graça

Esta é também a época do Concerto da camera col violoncelo obbligato,


encomenda de Mstislav Rostropovich que o interpretou em primeira audição num
concerto em Moscovo no ano de 1967, e do Quarteto de cordas nº 1, vencedor do
prémio de composição Rainier III de Mónaco em 1965.
Data, também, de 1965 ano a primeira gravação de obras sinfónicas da sua
autoria interpretadas pela Orquestra do Porto sob a regência de Silva Pereira, que tinha
dirigido no ano anterior um concerto inteiramente preenchido com composições para
orquestra de Lopes-Graça, promovido pela delegação portuense da Juventude Musical
Portuguesa.
Em 1960, Fernando Lopes-Graça que já tinha fixado residência na Parede,
Cascais, edita com Michel Giacometti, o primeiro volume da Antologia da música
regional portuguesa.

A PARTIR DOS ANOS 70

A partir dos anos 70, e com a grande exceção do Requiem para as vítimas do
fascismo em Portugal, que conclui em 1979 e que sintetiza os rasgos mais peculiares do
11
seu estilo, surgem obras com novas características. Neste período, Lopes-Graça inicia a
composição de obras em que volta a uma espécie de neo-classicismo revisitado,
combinado com o uso de instrumentos em agrupamentos que nunca tinham aparecido
no seu catálogo.
Desses anos deverão destacar-se obras como os dois quintetos de sopro Sete
Lembranças para Vieira da Silva, O Túmulo de Villa-Lobos, Sonatas nº5 e nº6 para
piano, Deux Airs e Dois Movimentos para flauta, Quatro peças em Suite para violeta e
piano, Sete Apotegmas para oboé, violeta, contrabaixo e piano, Sinfonietta de
homenagem a Haydn para orquestra, Quarteto nº2, Três Equali para quatro
contrabaixos, Meu país de marinheiros, para vozes flauta e guitarras, e
as Geórgicas para oboé, viola, contrabaixo e piano, entre outras.
Fê-lo numa atitude exploratória de novas possibilidades técnicas e meios de
expressão, confirmando a constante procura de renovação e do desejo de revitalizar o
panorama musical português. Este facto também se deve a uma maior abertura
demonstrada pelos músicos portugueses.
Em 1973 Fernando Lopes-Graça volta a pertencer à Direcção Artística da
Academia de Amadores de Música.
Pedro Meireles
junho 2020
Vida e Obra de Fernando Lopes-Graça

Após o 25 de Abril de 1974, apesar de um percurso até aqui muito marcado


pelos condicionalismos da ditadura, é que Lopes-Graça vê o seu trabalho reconhecido
mais abertamente, passando as suas obras a ser apresentadas em público com mais
frequência. Igualmente, é a partir deste período que o compositor passa a ser
frequentemente agraciado com diversas condecorações pelo seu trabalho, a nível
nacional e internacional, tornando-se um membro mais activo nas actividades relativas à
condução do ensino da música em Portugal, quando preside à Comissão para a Reforma
do Ensino Musical.
No mesmo ano, desloca-se duas vezes a Budapeste para conduzir uma gravação
discográfica de obras suas. Voltou a gravar na Hungria em 1979 e 1981. Em 1977 chega
a realizar uma série de concertos na ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
A última intervenção pública do maestro Fernando Lopes-Graça sumaria,
claramente, o compromisso de uma vida e os valores firmes que a nortearam. Militante
comunista durante quase meio século, quadro consciente e dedicado nos bons momentos
e nos momentos menos bons do Partido e da luta onde sempre militou confiante, Lopes-
Graça apresenta, no Centro de Trabalho Vitória, em 1994, em primeira audição absoluta
uma peça para piano, Preito à Memória de Francisco Miguel, uma vida heróica,
12
trabalho de homenagem e de saudação a quem combate e resiste.

MEMÓRIA

Ao longo da pesquisa bibliográfica realizada para elaboração deste breve


trabalho, denota-se que Fernando Lopes-Graça não consta da maioria das monografias
sobre História da Música em geral, nem tão pouco parecer ser uma figura conhecida do
panorama musical mundial.
Em Portugal é, por muitos, considerado o maior compositor português do séc.
XX, e nas palavras de Jorge PEIXINHO: figura ímpar e tutelar da música portuguesa
moderna e contemporânea desde há mais de 60 anos, importa compreender e valorizar
a sua presença criadora em todo este longo período, tanto em função das qualidades
intrínsecas da sua obra (aos níveis técnico e expressivo) como na relação que se pode
estabelecer, inevitavelmente, entre a sua presença histórica no âmbito da música em
Portugal e as correntes coetâneas da música ocidental.5

5
PEIXINHO, Jorge, Lopes-Graça: uma figura ímpar da cultura portuguesa, in Uma homenagem a
Fernando Lopes-Graça, 1993, p. 6.
Pedro Meireles
junho 2020
Vida e Obra de Fernando Lopes-Graça

De facto, é inegável que Fernando Lopes-Graça deixa em legado uma vastíssima


obra musical, verdadeiramente transversal, sob diferentes aspectos inigualavelmente
rica.
Dele fica, pois, um espólio musical imenso e diversificado, num longo percurso
em que, naturalmente, experimenta diferentes linguagens.
A sua música pode ser caracterizada basicamente por uma exímia condução
rítmica e harmónica, por uma clara estruturação frásica e seccional, pelo rebuscado
manejo temático e pela rica e criativa paleta tímbrica, resultante da aplicação das mais
variadas técnicas composicionais e de alicerces tradicionais.
Pertence a Fernando Lopes-Graça o mais importante legado da música coral
portuguesa do século XX, com uma obra neste domínio apenas comparável à dos
grandes polifonistas do Renascimento. Duas grandes categorias dividem este legado: as
composições originais e as harmonizações de canções regionais, domínios nos quais o
compositor deixou o seu cunho extremamente pessoal, impregnando os de sonoridades
que se associam imediatamente ao seu nome. Resultado do seu estudo de campo na
recolha da música tradicional, as suas composições reflectem uma imagem das raízes da
música portuguesa difícil de encontrar noutros compositores.
13
Em 1981 concluiu a sua sexta e última sonata – Sonata nº6 para piano solo –
que em conjunto com as outras cinco constituem, até hoje, um marco na história da
música pianística portuguesa.
A vida e obra do compositor até hoje não têm, felizmente, parado de se impor,
de ganhar novos públicos e novos intérpretes.

PARA RECORDAR E HOMENAGEAR

Em 1994, o compositor Fernando Lopes-Graça, deixou em testamento à Câmara


Municipal de Cascais todo o seu espólio, que veio a ser incorporado no Museu da
Pedro Meireles
junho 2020
Vida e Obra de Fernando Lopes-Graça

Música Portuguesa – Casa Verdades de Faria, que o guarda desde 1995, logo após a sua
morte.
Em Tomar a casa onde nasceu o compositor foi transformada no Museu
Fernando Lopes-Graça para homenagear a sua obra e o seu exemplo cívico.
A Câmara Municipal de Cascais, a Fundação D. Luís I e o Museu da Música
Portuguesa promovem o Prémio Internacional de Composição Fernando Lopes-Graça.
Na cidade da Amadora, freguesia da Brandoa, existe uma Avenida com o seu
nome e na Parede uma escola igualmente com o seu nome: Escola Secundária Fernando
Lopes-Graça.
Sempre que se comemora a data do seu nascimento, é frequente multiplicarem-
se homenagens, vindas de várias entidades e proveniências, que, de uma forma ou de
outra, estiveram ou estão ligadas à vida e obra do compositor, designadamente,
concertos, palestras e exposições.
Mostrando que Lopes-Graça é um compositor com a sua obra muito registada,
existe, hoje em dia, uma vasta discografia com obras do compositor (perto de 140). A
primeira gravação data de 1956, Cantos Tradicionais Portugueses da Natividade, pelo
Coro de Câmara da Academia de Amadores de Música Fernando Lopes Graça e a
14
última data de 2019, Travels in My Homeland Portuguese Piano Music, por Joana
Gama ao Piano.
E, por fim, cumpre assinalar como sendo da maior relevância o facto que toda a
discografia com títulos de Fernando Lopes-Graça estar disponível para consulta on-line
no Centro de Informação da Música Portuguesa (CIMP) 6 - serviço de catalogação,
preservação, investigação, informatização, edição, distribuição e divulgação do
Património Musical Português dos séculos XIX, XX e XXI.

Bibliografia

6
Consultar página da Internet em: http://www.mic.pt
Pedro Meireles
junho 2020
Vida e Obra de Fernando Lopes-Graça

 CABRITA, A (20179). “Fernando Lopes-Graça”. Arte no Tempo.


in https://artenotempo.pt/fernando-lopes-graca/ (acesso: 06 junho 2020);
 CASCUDO, Teresa (17 dezembro 2006). “O revolucionário da música portuguesa” in
https://www.publico.pt/2006/12/17/jornal/o-revolucionario-da-musica-portuguesa-
112632 (acesso: 07 junho 2020);
 CASCUDO, Teresa. “Fernando Lopes-Graça”. Camões, Instituto de cooperação e da
língua in http://cvc.instituto-camoes.pt/seculo-xx/fernando-lopes-
graca.html#.XuycxmhKjIU (acesso: 07 junho 2020);
 LOPES, Fernando. “Fernando Lopes Graça – biografia e elementos de pesquisa”,
Escola Superior de Tecnologia de Abrantes;
 LOPES BASTOS, Patrícia Carla, “As Sonatas e Sonatinas para Piano Solo de Fernando
Lopes-Graça”, Universidade de Aveiro, 2007;
 WILKYPÉDIA:
«Fernando Lopes-Graça»,
in https://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Lopes-Gra%C3%A7a (acesso: 06 junho
2020);

15

Pedro Meireles
junho 2020

Você também pode gostar