Marxismo e Linguagem
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Resumo: Este trabalho tem por finalidade apresentar, em linhas gerais, o diálogo realizado por Bakhtin com
autores estudiosos da linguagem no que diz respeito às concepções de linguagem defendidas por eles, na obra
Marxismo e Filosofia da linguagem, publicada em 1929-1930 em Leningrado e assinada por V. N. Volochínov.
Neste livro, autor realiza uma reflexão sobre a filosofia da linguagem, analisando as concepções predominantes
na época, explicitando as bases teóricas e propiciando reflexões sobre os aportes metodológicos que decorrem
de cada uma delas, apontando assim, as implicações de sua utilização. O autor apresenta, ainda, a sua forma de
entender/perceber a linguagem, explicitando a concepção de linguagem que para ele deve direcionar os estudos
nessa área.
INTRODUÇÃO
Mesmo tendo sido escrita em 1929, Marxismo e filosofia da linguagem revela-se uma
obra muito atual, uma vez que traz à tona aspectos negligenciados nos estudos linguísticos e
literários durante muito tempo.
O autor organiza as ideias sobre a linguagem em três grandes blocos aos quais ele
chama de orientações: o subjetivismo individualista, o objetivismo abstrato e a concepção de
linguagem como interação verbal.
Segundo Bakhtin (1992a), para a primeira orientação, o fundamento da língua é o ato
de fala individual e sua fonte é o psiquismo individual. Nessa orientação, as “[...] leis da criação
lingüística – sendo a língua uma evolução ininterrupta, uma criação contínua – são as leis da
psicologia individual e são as que devem ser estudadas pelo lingüista e pelo filósofo da
linguagem” (BAKHTIN, 1992a, p. 72). Sendo assim, a atitude do lingüista seria meramente
classificatória, descritiva, uma vez que se limita “[...] simplesmente a preparar a explicação
exaustiva do fato lingüístico como proveniente de um ato de criação individual, ou então
servir a finalidades práticas de aquisição de uma língua dada” (p. 72).
As posições mais importantes dessa primeira orientação são sintetizadas por Bakhtin
(1992a), em quatro proposições:
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Essas proposições, no entanto, não são suficientes, de acordo com Bakhtin (1992a),
para expressar todas as ideias de Wilhelm Humboldt, o mais importante representante dessa
orientação, pois do seu pensamento se originaram correntes completamente divergentes.
Alguns de seus seguidores, como Steintahh, acreditam que o “[...] psiquismo individual
constitui a fonte da língua, enquanto as leis do desenvolvimento lingüístico são leis
psicológicas” (BAKHTIN, 1992a, p. 74). Para Wundt, segundo esse mesmo autor, “[...] todos os
fatos da língua, sem exceção, prestam-se a uma explicação fundada na psicologia individual
sobre uma base voluntarista” (BAKHTIN, 1992a, p. 74).
De acordo com Bakhtin (1992a), é a escola de Vossler que vai representar um avanço
em relação às posições anteriores por rejeitar os métodos do positivismo e por reconhecer o
componente ideológico do ato linguístico. Em sua opinião, [...] a negação categórica e de
princípio do positivismo lingüístico que não consegue ver além das formas lingüísticas (em
particular as fonéticas, as que são positivas) e do ato psicofisiológico que as engendra
(VOSSLER, apud BAKHTIN, 1992a, p. 75).
Dessa forma, é colocado em primeiro plano “[...] o componente ideológico do
significante da língua”. Porém, para Vossler, de acordo com Bakhtin, “[...] o motor principal da
criação é o ‘gosto linguístico, variedade particular do gosto artístico” (BAKHTIN, 1992a, p.75).
Porém, tanto a escola de Vossler, como as diversas orientações originárias das idéias de
Humboldt, filiadas ao subjetivismo individualista, não explicam, totalmente, o objeto de
estudo da Linguística – a linguagem como fenômeno socioideológico. Segundo Bakhtin, essa
primeira orientação do pensamento filosófico-linguístico está ligada ao Romantismo, que foi
uma “[...] reação contra a última reincidência do poder cultural da palavra estrangeira: as
épocas do Renascimento e do Classicismo” (BAKHTIN, 1992a, p.110). Dessa forma, como os
românticos, essa primeira orientação toma como ponto de partida a enunciação monológica
nas suas investigações, mas não numa perspectiva de compreensão passiva e sim do ponto de
vista da pessoa que se exprime.
Para essa primeira orientação, a enunciação monológica é um ato individual, uma
expressão da consciência individual, entendendo expressão como uma “[...] categoria geral, de
nível superior, que engloba o ato de fala, a enunciação” (BAKHTIN, 1992a, p. 111), que se
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forma no psiquismo do indivíduo e exterioriza-se por meio de algum código do qual ele se
apropria, o que caracteriza um “[...] dualismo entre o que é interior e o que é exterior, com
primazia do conteúdo interior, já que o ato de objetivação procede do interior para o exterior”
(BAKHTIN, 1992a, p. 111). O exterior é apenas o meio por intermédio do qual o interior se
manifesta. Portanto, a concepção de língua que sustenta os trabalhos dos filósofos e linguistas
filiados ao subjetivismo individualista apóia-se na enunciação monológica, que encontra, na
expressão, o seu meio de exteriorização, subjugando-a ao papel de transmissão do que é
produzido no psiquismo individual.
Para Bakhtin (1992), essa concepção é totalmente falsa, uma vez que tanto o conteúdo
interior quanto sua objetivação são criados a partir de um mesmo material, a expressão
semiótica de natureza social, não existindo, assim, essa distinção entre ambos, pois um não
existe sem o outro. Além disso, “[...] não é a atividade mental que organiza a expressão, é a
expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação”
(BAKHTIN, 1992a, p. 112). Nesse sentido, é o exterior, o meio social, que modela a atividade
mental, pois ela está sempre orientada para um auditório social bem definido. É a expressão
que vai estruturá-la e torná-la mais estável.
Assim, segundo o autor, o subjetivismo individualista comete um primeiro equívoco ao
desconsiderar a natureza social da enunciação e ao considerá-la expressão do mundo interior
do locutor, pois tanto sua estrutura quanto a atividade mental a ser expressa por ela são de
natureza social. Comete outro equívoco, ainda, pois, mesmo considerando o aspecto
ideológico da língua, afirma que esse “[...] conteúdo ideológico pode ser deduzido das
condições do psiquismo individual” (BAKHTIN, 1992a, p. 122).
A segunda orientação do pensamento filosófico linguístico a que se refere Bakhtin é o
objetivismo abstrato. Essa orientação teve suas origens no racionalismo dos Séculos XVII e
XVIII, de onde vêm as ideias filiadas ao cartesianismo, segundo as quais o que interessa ao
linguista é a lógica interna do sistema de signos. Nesse sentido, a língua é vista como um
sistema fechado que não se vincula a qualquer significação ideológica.
Para o objetivismo abstrato, “[...] o centro organizador dos fatos da língua, o que faz
dela objeto de uma ciência bem definida situa-se no sistema linguístico: o sistema das formas
fonéticas, gramaticais e lexicais da língua” (BAKHTIN, 1992a, p. 77). São esses traços que
asseguram, de acordo com essa orientação, a unicidade da língua e sua compreensão por
todos os falantes de uma mesma comunidade.
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A lógica da história da língua é a lógica dos erros individuais ou dos desvios [...]. Assim,
entre a lógica da língua, como sistema de formas e a lógica de sua evolução histórica,
não há nenhum vínculo, nada de comum. As duas esferas são regidas por leis
completamente diferentes, por fatores heterogêneos (BAKHTIN, 1992a, p. 81).
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também, uma distinção entre linguagem e língua. Para ele, a linguagem refere-se a todo tipo
de manifestação linguística, ela “[...] é multiforme e heteróclita, participando de diversos
domínios [...] pertencendo ao domínio individual e ao social” (SAUSSURE, apud BAKHTIN,
1992a, p. 86).
Por isso, para Saussure, a linguagem não pode ser o objeto da linguística. Ela não é
passível de classificação. Acredita que só a língua, como uma das manifestações da linguagem,
é passível de classificação. Segundo ele, o caminho metodológico para alcançar o objeto de
estudo da linguística é instalar-se no terreno da língua e tomá-la como norma de todas as
demais manifestações da linguagem [...] [pois] só a língua parece suscetível de uma definição
autônoma e fornece um ponto de apoio satisfatório para o espírito (SAUSSURE, apud BAKHTIN,
1992a, p. 85, grifos do autor).
Saussure estabelece, também, uma distinção entre língua e fala, afirmando que a língua
é social e a fala, uma manifestação individual e, como tal, também não é passível de
classificação, pois, para ele, ela é a utilização do código lingüístico para a expressão do
pensamento. Assim, ele afirma que a fala é [...] um ato individual de vontade e de inteligência
no interior do qual convém distinguir as combinações pelas quais o sujeito falante utiliza o
código da língua para exprimir seu pensamento pessoal e o mecanismo psicofísico que lhe
permite exteriorizar estas combinações (SAUSSURE, apud BAKHTIN, 1992a, p. 87).
No entanto, é no quadro diacrônico que a fala ganha seu espaço. A língua, como
sistema de formas estáveis, não pode garantir sua evolução. É a fala que o faz, por ser
individual e acidental.
Outros representantes dessa segunda orientação são os neogramáticos que,
principalmente, na segunda metade do Século XIX, difundiram suas ideias. Para eles, o
aspecto mais importante de toda a teoria do objetivismo abstrato é o aspecto fisiológico. O
indivíduo é, portanto, um ser essencialmente fisiológico.
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O que importa não é o aspecto da forma lingüística [...] o que importa é aquilo que
permite que a forma lingüística figure num determinado contexto, aquilo que a torna
um signo adequado às condições de uma situação concreta dada.
Para o locutor, a forma lingüística não tem importância enquanto sinal estável e
sempre igual a si mesmo, mas somente enquanto signo sempre variável e flexível
(BAKHTIN, 1992a, p. 92).
Nesse sentido, o que importa, segundo o autor, não é a identificação do sinal, mas a
compreensão do signo e de sua utilização em cada situação, tendo em vista que o sinal não é
passível de descodificação, uma vez que não é capaz de refletir nem refratar nada, “[...] é uma
entidade de conteúdo imutável” (BAKHTIN, 1992a, p. 93), só o signo o é, como uma entidade
variável e flexível, portador de uma mobilidade particular. Assim, o sinal, apesar de ser uma
realidade linguística, não pode ser tomado como constituinte da língua, pois ele “[...] é
dialeticamente deslocado, absorvido pela nova qualidade do signo (isto é, da língua como tal)”
(BAKHTIN, 1992a, p. 94).
Desse modo, para Bakhtin, a língua é uma realidade viva, mutável e inseparável de seu
conteúdo ideológico, portanto não pode ser analisada, unicamente, a partir de componentes
abstratos, deslocados dos atos de fala, das enunciações.
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interior, mas o nosso mundo interior que se adapta às possibilidades de nossa expressão, aos
seus caminhos e orientações possíveis” (BAKHTIN, 1992a, p. 118).
Nesse sentido, o autor considera totalmente equivocada a concepção de expressão tal
qual descrita pelo subjetivismo individualista, pois o centro organizador de toda expressão
está situado no meio social, no sentido de que todo ato enunciativo é organizado para atender
a pressões sociais, procura atender à situação imediata, sendo, assim, “[...]um puro produto da
interação social” (BAKHTIN, 1992a, p. 121).
Para Bakhtin (1992a), portanto, a substância da língua é constituída pela interação
verbal, um fenômeno social que se realiza por meio de enunciações e só pode ser explicado
em relação com a situação concreta de produção. Em decorrência disso, para ele, a ordem
metodológica para o estudo da língua, segundo a qual ela evolui, deve ser a seguinte:
Assim, para o autor, a análise da língua deve partir da análise das enunciações como
um todo, pois “[...] as unidades reais da cadeia verbal são as enunciações“ (BAKHTIN, 1992a, p.
125). Suas proposições a respeito da verdadeira natureza da língua, como objeto de estudo
linguístico, são:
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CONSIDERAÇÕES
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respeito às concepções de linguagem defendidas por eles, Bakhtin analisa, discute, contrapõe
e propõe a sua forma de entender a linguagem, bem como reflexões sobre os aportes
metodológicos que decorrem de cada uma delas, apontando assim, as implicações de sua
utilização.
As reflexões feitas por ele influenciaram e ainda influenciam os estudos na área da
linguagem, mas é importante destacar e revisitar os conceitos construídos pelo autor para que
eles não sejam utilizados de maneira descontextualizada, ou em contextos outros, que façam
vazios ou tenham alterados seus sentidos, mas sim para que sejam possibilidade de novas
reflexões.
REFERÊNCIAS
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