As Garantias Dos Contribuintes - Campelo - Raquel

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As Garantias dos Contribuintes

Coordenadora da Ps-graduao
Prof. Dr. Glria Teixeira

Raquel Sofia Quaresma Teixeira Campelo de Sousa

Janeiro de 2005
As garantias dos Contribuintes

NDICE

Pg.

Introduo 5

I Do Poder Tributrio e seus Fundamentos 8

II Limites ao Exerccio do Poder Tributrio pelas Garantias

Contitucionais 14

III Evoluo Histrica do Princpio da Legalidade 18

A. Antes do constiticionalismo 18

B. Com o constitucionalismo 21

IV A concretizao do Princpio da Legalidade na nossa Ordem

Jurdica 33

A. A que figuras tributrias se aplica 34

B. Qual o grau de exigncia de forma 36

C. At que ponto a lei deve levar a sua disciplina 38

V Os direitos fundamentais dos contribuintes 46

A. A segurana Jurdica 48

B. O princpio da tipicidade 62

VI A proteco dos direitos fundamentais 65

A. A proteco no jurisdicional 67

1. O direito de resistncia (art. 21 da CRP) 67

2. Direito de Petio 67

2.1. Em relao aos rgos de soberania 67

2.2. Em relao ao Provedor de Justia 67

3. Transparncia Administrativa 67

2
As garantias dos Contribuintes

Pg.

B. A proteco jurisdicional 68

1. Garantias de acesso ao Direito e aos Tribunais 68

2. Recurso contencioso contra actos administrativos 68

3. Direito de indemnizao 68

4. Direito a suscitar o incidente de inconstitucionalidade 68

5. O Habeas corpus 69

6. Direito de aco popular 69

7. Proteco a nvel supra nacional 69

VII Consequncias da violao dos princpios da legalidade 70

VIII Os efeitos da inconstitucionalidade 73

A. A inconstitucionalidade na doutrina clssica 74

B. A inconstitucionalidade no direito constitucional vigente 75

1. O problema em face da Constituio 76

1.1. O sentido da inexistncia 77

1.2. A nulidade 78

1.3. A ineficcia 78

1.4. A irregularidade 78

IX Fundamentao das sanes aplicveis inconstitucionalidade 79

Primeira Perspectiva 81

Segunda Perspectiva 81

Terceira Perspectiva 81

3
As garantias dos Contribuintes

Pg.

X Os processos de fiscalizao da inconstitucionalidade 82

(1) Controlo abstracto por via de aco 82

(2) Controlo abstracto prvio ou fiscalizao preventiva da

Inconstitucionalidade 82

(3) Controlo directo por via de aco 82

(4) Controlo misto 83

(5) Controlo abstracto por omisso 83

XI Anlise de jurisprudncia e crtica 83

Concluso 108

Bibliografia 110

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As garantias dos Contribuintes

INTRODUO
As Garantias dos Contribuintes so um corolrio do Estado de Direito.
Da que tenham assento na Constituio da Repblica Portuguesa,
com a dignidade prpria e a fora cogente dos direitos fundamentais.1
Concretizando esse desgnio, a Constituio concedeu aos
contribuintes uma arma para defesa dos seus direitos contra as ilegalidades
da Administrao consubstanciada no Direito de Resistncia Fiscal.
Direito de Resistncia Fiscal que est consagrado no art. 103, n 3 da
CRP nos seguintes termos: Ningum pode ser obrigado a pagar impostos que
no tenham sido criados nos termos da Constituio, que tenham natureza
retroactiva ou cuja liquidao e cobrana se no faam nos termos da lei.
A propsito desta norma, escreve Domingos Pereira de Sousa2, tratar-
se da primeira das garantias do contribuinte, verdadeira especificao do
direito de resistncia consagrado j no art. 21 da Constituio.
O Direito de Resistncia Fiscal constitui, assim, o objecto nuclear do
trabalho que nos propomos encetar.
Trata-se de um tema assaz complexo, pouco explorado, mas de
inegvel relevo e actualidade.3
Iniciaremos, ento, o nosso trabalho com uma aluso ao poder
tributrio, aos seus fundamentos e s limitaes impostas pelas Garantias
dos Contribuintes.
De seguida passaremos ao estudo da garantia das garantias
constitucionais, isto : anlise do princpio da legalidade, com relevo para
a sua evoluo histrica e modus de realizao deste na nossa Ordem
Jurdica.

1 Neste sentido vide SOARES MARTNEZ, in Manual de Direito Fiscal, Almedina Coimbra, quando afirma: sempre
se dever acrescentar aos preceitos da parte I da Constituio respeitantes aos direitos e deveres fundamentais, o
direito de no pagar impostos que no tenham sido criados nos termos da Constituio, reconhecido pelo n 3, do
art. 103 da CRP.
2 Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias do Contribuinte, Universidade Lusada 1991, p. 9.
3 J DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, p.5, escrevia
que: exguo o desenvolvimento doutrinrio do tema das garantias do contribuinte. Talvez a juventude desta
disciplina justifique a menor ateno dada a certas matrias pelos tratadistas de Direito Fiscal.

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As garantias dos Contribuintes

Ainda, neste contexto, tem interesse a evoluo histrica do


consentimento dos impostos.
J que, o sentido de autotributao medieval completamente
diferente da ideia de autotributao que est na base do actual princpio da
legalidade fiscal.
O princpio da autotributao desdobrou-se, assim, no princpio da
legalidade dos impostos e no princpio da autorizao anual da cobrana dos
impostos. Por outro lado, o consentimento estamental dos impostos tinha
um sentido completamente diverso do que subjaz ao princpio da legalidade:
para alm do sentido imperativo do mandato dos procuradores s Cortes (as
procuraes estabeleciam precisamente o que poderiam votar e como haviam
de fazer) e de estas representarem tambm as classes (em geral) no
contributivas (a nobreza e o clero), os impostos eram estabelecidos para
serem cobrados de uma s vez, embora na prtica a autorizao da sua
cobrana permanecesse em regra no obstante as afirmaes e deliberaes
das Cortes em contrrio.
A ideia de consentimento dos impostos estrutura-se por duas vias:
pela via do princpio da legalidade definido como a exigncia de ser o
Parlamento a criar e a definir os elementos essenciais dos impostos; e pela
via do princpio da votao do oramento, que constitui a autorizao
anualmente renovada da cobrana dos impostos.
Com o advento do constitucionalismo, o consentimento dos impostos
vai alterar-se surgindo em moldes diferentes. Por um lado, os representantes
dos contribuintes (da burguesia) gozam de um mandato livre, podendo
assim, com base nele, tomar livremente as decises em nome da nao que
representam. Da que, com a passagem do mandato imperativo ao mandato
representativo, a realidade do consentimento do imposto se transforme: os
impostos j no so consentidos pelos contribuintes mas, na medida em que
o voto censitrio subordina o direito de voto ao pagamento de impostos,
pelos seus representantes.
Aps o estudo do princpio da legalidade garantia das garantias dos
contribuintes iremos tratar, com interesse para nosso trabalho, de outros

6
As garantias dos Contribuintes

Direitos Fundamentais (Garantias dos contribuintes), como destaque para o


princpio da tipicidade a Segurana Jurdica, relevando nesta a problemtica
da no retroactividade das leis tributrias.
Sobre esta problemtica escreve Vtor Faveiro4: Que as leis tributrias
no tinham efeitos retroactivos era um entendimento unnime na doutrina,
apesar da Constituio, antes da reviso de 1997 no proibir tal efeito;
bastando para tal o preceito do art. 12, n 1 do Cdigo Civil onde se
estabelece que a lei s dispe para o futuro; ainda que lhe seja atribua
eficcia retroactiva, presumem-se que ficam ressalvados os efeitos j
produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
()
Se tal entendimento se poderia considerar uniformemente seguido pela
doutrina e a jurisprudncia para os casos em que a lei nada estabelecesse em
relao ao mbito temporal da sua eficcia e aplicabilidade, o mesmo no
sucedia no que respeitava s leis fiscais em que o legislador estabelecesse,
expressa ou univocamente, a sua aplicao a realidades de incidncia
ocorridas antes da sua entrada em vigor: Segundo certa corrente e a
jurisprudncia do Tribunal Constitucional, era admissvel a retroactividade
legalmente declarada sempre que ocorressem, na ordem colectiva,
circunstncias de premncia que se sobrepusessem aos pressupostos e
garantias de certeza e segurana das situaes jurdicas individuais;
Tais dvidas e tal jurisprudncia foram, porm em grande parte
ultrapassadas pela nova redaco do n 3 do artigo 103 da Constituio
decorrente da Lei Constitucional n 1/97, de 20 de Dezembro em que se
estabeleceu a no obrigatoriedade de pagamento dos impostos que tenham
natureza retroactiva, e pelo n 1 do artigo 12 da Lei Geral Tributria,
aprovada pelo Decreto-Lei n 398/98, de 17 de Setembro, segundo o qual no
podem ser criados quaisquer impostos retroactivos.
De seguida passaremos ao estudo das consequncias da violao do
princpio da legalidade.

4 Cfr. VTOR FAVEIRO, in o Estatuto do Contribuinte (A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito),
Coimbra Editora, p. 250 e ss

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As garantias dos Contribuintes

Concluindo ns, na senda da doutrina mais avisada e genuinamente


comprometida com o respeito pelos princpios e valores constitucionais, que
a consequncia da violao do princpio da legalidade conduz
inelutavelmente inconstitucionalidade material das normas jurdicas.
Por conseguinte, passaremos, depois, ao estudo dos efeitos da
inconstitucionalidade, abrindo aqui um parntesis para esclarecer ser este o
tema de maior relevncia no nosso trabalho como mais adiante se
explicitar.
Tendo ns optado, com base na referida doutrina, pela sano mais
grave do nosso Ordenamento Jurdico a Inexistncia, cuja fundamentao
ser objecto de posterior anlise, assim como os processos de fiscalizao da
inconstitucionalidade.
Por ltimo, intentaremos analisar criticamente, se a tanto nos assistir
engenho e arte, a jurisprudncia dos nossos tribunais, que to mal tem
tratado a Constituio da Repblica, quer atravs da aplicao de normas
inconstitucionais, quer atravs dos atentados da Administrao Fiscal, que
avaliza, aos direitos fundamentais dos contribuintes, nomeadamente, o
direito de resistncia fiscal.5

I DO PODER TRIBUTRIO E SEUS FUNDAMENTOS


Antes de mais, impe-se, na perspectiva das garantias dos
contribuintes, se comece por delimitar o poder tributrio, buscando os seus
fundamentos e precisando-lhe os limites que a salvaguarda das esferas
particulares recomendam.6

5 O que implica, escreve DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, in As Garantias dos Contribuintes, Universidade
Lusada 1991, pg. 5: que seja frouxa a defesa dos particulares nesta sua relao desigual com o fisco,
desigualdade que se agrava quando contribuinte e Fisco esto colocados na posio de partes da relao
controvertida, desigualdade que nem constituir novidade de maior atento o carcter manifestamente autoritrio do
Direito Fiscal que coloca o contribuinte (devedor) numa situao de subordinao relativamente Administrao.
6 Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, in As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, pg. 19.

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As garantias dos Contribuintes

Giuliani Finrouge7 entende que o poder tributrio se configura como a


faculdade ou a possibilidade jurdica do Estado exigir contribuies com
referncia a pessoas ou bens que se encontrem na sua jurisdio.
Outros autores falam de potesta tributria. Est nesse caso Berliri8
para quem o poder tributrio se identifica com o poder de criar impostos,
com o poder legislativo em matria de impostos. Reconhecendo que um tal
poder coincide com o limite da soberania do Estado, este autor acaba, no
entanto, por admitir que a potesta tributria possa abranger tambm actos
da administrao. Uma tal transposio para o plano administrativo parece
estar presente, igualmente, em autores como Renato Alessi e Albert Hensel9.
Todavia, diferente a delimitao feita pelo Professor Soares Martnez
para quem, a soberania fiscal e o poder tributrio so, quando muito,
expresses diferentes de uma mesma realidade.
Com efeito, depois de definir a soberania fiscal como o poder de criar
impostos, de extingui-los, de alargar ou restringir o seu mbito, de estabelecer
proibies de natureza fiscal a qual, enquanto manifestao da soberania do
Estado s por este pode ser exercida10 , aquele professor parece utilizar, em
sinonmia, os conceitos de soberania fiscal e o de poder tributrio, ao referir
que na actualidade, face das ordens jurdicas vigentes, no se admite uma
soberania fiscal, ou um poder tributrio, um poder de imposio, de criao de
impostos que no caiba ao prprio Estado.
Acrescentando que, constituindo a soberania fiscal um dos aspectos
da soberania do Estado, o seu fundamento ltimo h-de confundir-se com o
fundamento filosfico e poltico do prprio Estado.
Contudo, tem-se entendido frequentemente que, aqum desse
fundamento ltimo, a soberania fiscal h-de encontrar uma fundamentao
prxima em princpios gerais de Direito, cuja simples aplicao justificar o
poder estadual de tributar.11 Pese embora seja este o seu entendimento,

7 Cfr. GIULIANI FINROUGE, Derecho Financeiro, 2 edio, Vol. I, pg. 279


8 Cfr. BERLIRI, principi di Diritto Tributrio, Milo I, 1952, pg. 110 e ss.
9 Cfr. SOARES MARTNEZ, Manual de Direito Fiscal, cit. Pg. 67 e ainda cfr. ALBERTO XAVIER, Conceito e
Natureza pg. 138 e Manual de Direito Fiscal, pg. 305.
10 Cfr. SOARES MARTNEZ, Manual de Direito Fiscal, cit. p. 68
11 Cfr. SOARES MARTNEZ, in Manual de Direito Fiscal, cit. p. 72

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As garantias dos Contribuintes

admite que a noo de soberania fiscal, bem como de poder tributrio, no


inteiramente pacfica. Vejamos:
Domingos Pereira de Sousa12, defende que o conceito de poder
tributrio tem um contedo algo diverso que, no parece recondutvel
soberania fiscal, como exclusiva do Estado.
E, embora perfilhe inteiramente o entendimento da soberania fiscal
tal como definida pelo Professor Soares Martnez, entende, contudo, que a
expresso poder tributrio encerra um poder diverso, de contedo mais
amplo, no identificvel com um poder absoluto como o poder soberano,
inerente qualidade de Estado. Dito por outras palavras, o poder tributrio
poder ser definido como poder de exigir contribuies (impostos, taxas e
contribuies especiais), o poder de conformar o seu contedo dentro dos
parmetros definidos por lei.
Atribudo pelo Estado soberano e delimitado na lei, um tal poder encerra
a liberdade de determinao da aco do ente impositor, no sentido de exigir
ou no exigir dos particulares, colocados na zona da sua jurisdio, as
contribuies previamente definidas. Cabe ainda num tal poder, decidir sobre
o objecto da contribuio, definindo, dentro dos limites legais, o nvel da
tributao, ou o que o mesmo, moldar a estrutura do imposto s suas
necessidades, atendendo s potencialidades da sua circunscrio territorial.
Est neste caso o poder dos municpios, em lanar ou no lanar derramas
nos termos definidos na Lei das Finanas Locais, entidade a quem cabe
estabelecer a taxa at concorrncia do limite estabelecido na lei.
Uma tal delimitao abrange, ainda, as prprias Regies Autnomas
que podero adaptar o sistema fiscal s especificidades e necessidades
prprias da regio, quer na moldura de impostos j existentes, quer na
configurao ex novo de outras contribuies que venham a ser definidas em
leis da Repblica. O que ganhou maior densidade com a introduo, na
Reviso Constitucional de 1982, da al. f), do art. 229, o qual atribuiu s

12
Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, in As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, pg. 21 e
22

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As garantias dos Contribuintes

Regies autnomas, pela primeira vez, um poder tributrio prprio nos termos
da lei.13
A soberania tributria para Domingos Pereira de Sousa, traduz-se na
delimitao das entidades com competncia para criar impostos, no
estabelecimento dos princpios a que deve obedecer a estruturao do sistema
fiscal, na definio dos fins visados com a tributao, na fixao dos critrios
a que deve presidir a distribuio dos encargos fiscais e na determinao
exaustiva dos meios e instrumentos a utilizar no processo de criao de
impostos.14.
Este poder tributrio, de natureza eminentemente poltica, encontra o
seu ltimo fundamento na existncia da sociedade politicamente organizada.
Ele expresso da soberania do Estado, se encarado na ptica de
criao dos impostos. Mas, mais do que isso, o poder tributrio manifestao
do PODER e, portanto, extensivo ao Poder Local e Regional, enquanto
faculdade inerente ao poder de governar e condio do seu exerccio.
Ora, a existncia de governo entendida no sentido de conduo dos
destinos e gesto dos interesses das comunidades pressupe a existncia
de impostos, sacrifcio por alguns entendido como preo da liberdade e da
segurana que o poder garante.

13
Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, in As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, pg. 23 e
24: O que deva entender-se por poder tributrio prprio suscitou vrios acrdos do Tribunal Constitucional e
algumas tomadas de posio por parte de certos autores.
Sendo que, a tendncia dominante, nomeadamente do Tribunal Constitucional, foi no sentido de negar
que o poder tributrio prprio atribudo s regies autnomas lhes pudesse permitir a criao de impostos.
E vrias razes foram apontadas: a criao de impostos era tida como uma manifestao de soberania
fiscal a qual cabia em exclusivo ao Estado; a possibilidade das regies autnomas criarem impostos punha em
causa o princpio tradicional da legalidade do imposto; fomentar-se-ia uma fonte de constantes conflitos de dupla
tributao, etc.
Contudo, Domingos Pereira de Sousa tem outro entendimento. Segundo este autor, a Assembleia da
Repblica mantm o seu estatuto de rgo de soberania fiscal, dela emanando a lei que h-de fixar taxativamente os
critrios, os meios e as circunstncias em que as Assembleias Regionais podero criar impostos. () O instrumento
legislativo de criao de qualquer imposto , por natureza, uma lei geral da Repblica, com vocao para se aplicar a
todo o territrio nacional (excepto se nela se excluir qualquer parcela territorial). Da que o poder tributrio atribudo s
Assembleias Regionais deva ser limitado faculdade de criar impostos de mbito regional e desde que no se
traduza em nenhuma forma de revogao ou derrogao das leis fiscais de alcance geral. Assim sendo, nada
impede que uma Assembleia Regional crie um imposto.
14 Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, in As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, pg. 25 e
26

11
As garantias dos Contribuintes

Da necessidade colectiva da manuteno do Poder seja ele estadual,


regional ou local decorre para o indivduo o dever tico, poltico e social de
contribuir para a cobertura dos encargos que acarreta o exerccio das funes
cometidas ao Estado. De resto, segundo as modernas concepes da troca
global, o fundamento do poder tributrio encontra-se na necessidade de,
atravs dos patrimnios dos particulares, suprir as insuficincias dos
rendimentos do patrimnio e do domnio do Estado, para fazer face
cobertura dos encargos exigidos pela satisfao das necessidades
colectivas.15
Assim, e nas palavras do mesmo autor, o fundamento do poder de
tributar consubstancia-se na prpria actividade financeira do Estado, com a
contrapartida dos sacrifcios particulares, assentes nos deveres de cooperao
e de solidariedade social, enquanto pressupostos da estruturao da
sociedade portuguesa.
O fundamento da soberania fiscal teve a sua gnese na poca romana
onde o imposto predial romano e alguns aspectos predominantes dos
sistemas tributrios medievais inspiraram uma teoria da tributao que
atribui ao imposto a natureza de um direito real, de um direito sobre coisas.
O prncipe, por direito de conquista ou de defesa da terra, ser o
proprietrio de todo o solo; e, quando cedia a outrem, a ttulo perptuo, direitos
sobre qualquer fraco territorial, exigia ao cessionrio uma prestao
peridica, tambm perptua, uma espcie de foro enfitutico, o imposto. Esta
construo reflecte a teoria do domnio eminente do prncipe ().16
Mais tarde, apareceram as concepes clssicas que procuram um
fundamento jurdico para o poder de tributar. Esse fundamento estaria na
contrapartida representada por utilidades prestadas ou a prestar.
As construes assentes na ideia de troca de utilidades apresentam o
imposto como um preo. Seria o preo da proteco estadual, para Adam
Smith; o preo da paz, para Hobbes; o preo da segurana, para Ferreira
Borges; um prmio de seguro, para Montesquieu, Girardin e Thiers.

15
Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, in As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, pg. 27
16 Cfr. SOARES MARTNEZ, in Manual de Direito Fiscal, cit. p. 72

12
As garantias dos Contribuintes

O imposto seria, pois, a contrapartida dos servios prestados pelo


Estado para proteco das actividades que tornam possvel o gozo dos
rendimentos pelos particulares.
A partir dos fins do sculo XIX, estas tentativas de fundamentar a
soberania fiscal numa troca de utilidades foram fortemente criticadas com o
fundamento de que os servios que o Estado presta aos grandes
contribuintes podem no ser mais valiosos que os prestados aos cidados
isentos de impostos.
Os actuais sistemas tributrios, porm, dificilmente podero encontrar
fundamento numa ideia de troca. Pela unilateralidade do imposto, cujo
pagamento no confere ao contribuinte qualquer direito; como pela falta de
correspondncia entre os sacrifcios tributrios individuais e os benefcios
obtidos do Estado por cada cidado-contribuinte.
No decurso do sculo XIX passou a tentar fundamentar-se a soberania
fiscal em razes tico-sociais. O fundamento do poder de tributar residiria
na exigncia social de assegurar a cobertura financeira das despesas do
Estado, na prpria satisfao das necessidades pblicas. As novas teorias,
ditas tico-sociais, tentaram fixar critrios de repartio de encargos atravs
das ideias de capacidade contributiva, de igualdade de sacrifcios, de
utilidade marginal; mas essas ideias so, sobretudo, de base poltica; e,
torna-se muito difcil aproveit-las no plano da construo jurdica.
As concepes para as quais o fundamento do poder de tributar reside
na necessidade social e econmica das receitas tributrias acabaram por
projectar o fundamento da soberania fiscal para o plano puramente poltico.
O fundamento jurdico do imposto estaria em no se justificar em relao a
ele qualquer fundamento jurdico; pois em face de um poder soberano no
seria curial suscitar problemas de fundamento ou de legitimidade. A
tributao encontraria o seu fundamento e a sua legitimidade na obedincia
do sbdito ao Estado em que se integra (Stahl, Helferich). Mas, deste modo,
os autores que defendem tal concepo no puderam explicar o poder
tributrio exercido em relao aos estrangeiros. J que, quanto a estes o
fundamento jurdico do imposto estaria nas vantagens que recebem de um

13
As garantias dos Contribuintes

Estado com o qual se acham em certa relao, embora no sejam seus


membros.
Reconhecendo as insuficincias desta teoria, alguns outros autores,
tambm alemes, formularam a teoria da supremacia de facto quanto ao
poder de tributar consubstanciada na ideia de que o imposto seria devido
por todos quantos se achem na esfera de aco do Estado, nacionais ou
estrangeiros.
Por ltimo, as concepes modernas fundamentam a soberania fiscal
numa ideia de troca, de equivalncia, onde as utilidades prestadas pelo
Estado so superiores aos impostos por ele exigidos, j que nem todas as
receitas pblicas so de natureza tributria mas todas se destinam a
financiar utilidades comuns. A soberania fiscal est, assim, limitada pelas
exigncias das necessidades pblicas. Seriam essas necessidades e a
insuficincia dos rendimentos do patrimnio do Estado para as satisfazer
que fundamentariam o poder de tributar.
Tem-se argumentado contra esta concepo dizendo que, por vezes, da
aplicao das receitas de impostos no resultam benefcios mas, pelo
contrrio, danos, para a comunidade.
Contudo, uma teoria jurdica sobre o fundamento da soberania fiscal
tem de assentar na presuno de que o emprego do produto dos impostos
vantajoso para a comunidade. Ainda que tal presuno seja ilidvel, no plano
da apreciao poltica.17

II LIMITES AO EXERCCIO DO PODER TRIBUTRIO PELAS


GARANTIAS CONSTITUCIONAIS
O poder tributrio expresso do poder do Estado, manifestao da
fora estadual.
Num Estado constitucionalmente definido como Democrtico e de
Direito, como garante dos direitos e liberdades fundamentais (art. 2 da
CRP), tal poder tributrio est sujeito ao ordenamento jurdico, dependendo

17 Vide sobre esta parte histrica SOARES MARTNEZ, in Manual , ob cit. pgs. 72 a 77

14
As garantias dos Contribuintes

a validade das leis e dos demais actos do poder (estadual, regional e local) da
sua conformidade com a constituio (art. 3, n 3 da CRP).
Conformidade com a Constituio implica o respeito pelas
competncias em matria tributria, o respeito pela forma e acima de tudo o
respeito, em termos substanciais, pelos valores de justia, da igualdade, de
certeza, em suma, pela legalidade, valores que so pressupostos e
fundamentos do Estado de Direito.18
Da o direito de resistncia exigncia de impostos que violem os
termos da constituio (art. 103, n 3 da CRP).
Este preceito consagra implicitamente o princpio da
constitucionalidade o que implica a fiscalizao jurisdicional da
conformidade das leis com a Constituio como um dos postulados do
Estado de Direito.
Sendo que um Estado de Direito no se define pela mera sujeio do
Estado ao Direito, antes implica a limitao material do poder poltico,
coloca-se a questo de saber se existem princpios supra-constitucionais,
cuja jurisdicidade se impe ao prprio legislador constituinte.
Domingos Pereira de Sousa19, na linha do pensamento de Soares
Martnez, afirma que mesmo na hiptese de a Constituio formal no conter
tais princpios, eles se imporiam ao legislador ordinrio por inseridos na
Constituio material.
Assim, a legalidade, a anualidade do imposto, a igualdade na
repartio dos encargos tributrios, a capacidade contributiva na
delimitao da incidncia fiscal e mesmo a limitao tributrio, so
princpios fundamentais de valor supra-positivo inerentes ideia de Direito,
valores que correspondem Constituio material do Estado de Direito,
inerente, portanto a toda a ordem jurdica.
Do seu carcter vinculante decorre que, tais valores se impem
prpria Constituio formal do Estado de Direito, implicando a invalidade e
no obrigatoriedade das leis que com tais princpios se no conformem a
anualidade do imposto, a igualdade na repartio dos encargos tributrios, a
18 Vide DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, in As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, pg. 29
19 Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, in As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, pg. 30

15
As garantias dos Contribuintes

capacidade contributiva na delimitao da incidncia fiscal e mesmo a


limitao tributrio, so princpios fundamentais de valor supra-positivo
inerentes ideia de Direito, valores que correspondem Constituio
material do Estado de Direito, inerente, portanto a toda a ordem jurdica20.
Da que, para alm dos princpios supra-constitucionais, o poder
tributrio se encontra, ainda, limitado por uma srie de princpios
especficos de Direito Fiscal, ao servio da justia material da tributao,
como sejam: os princpios da legalidade, da igualdade tributria, da
anualidade, da no retroactividade de certas normas tributrias e da
proteco da confiana do contribuinte.
No obstante, afirma Domingos Pereira de Sousa que existem,
espalhados pelos nossos diplomas de Direito Fiscal, alguns preceitos
legislativos que, por contrariarem os princpios da Constituio material,
violam o contedo essencial do Estado de Direito e so, por isso, leis injustas e
invlidas, a que no devida obedincia pelos contribuintes. So normas
inconstitucionais.
Esto neste caso todas as disposies legais que negam a possibilidade
de recurso aos tribunais por parte do contribuinte.
Do que fica dito, decorre que o poder no actua livremente, antes ter
de ser exercido no respeito pelos valores superiores Constituio formal e
ainda no mbito e nos limites do direito positivo, fazendo emergir do seu
exerccio autnticas relaes de direito que, antes de mais, so relaes de
base constitucional.
E isto porque a Constituio que define e distribui as competncias
tributrias e que fixa os limites ao exerccio do poder de tributar, limites que
configura como verdadeiras garantias constitucionais do contribuinte,
garante do justo equilbrio entre o interesse do particular em preservar a sua
esfera patrimonial, manifestao da sua liberdade, e o interesse do Fisco em
assegurar para o Estado a cobertura das despesas pblicas.

20 Neste sentido vide DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, in As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada
1991, pgs. 30 e 31 e SOARES MARTNEZ , in Manual de Direito Fiscal, cit. p. 101 e 102.

16
As garantias dos Contribuintes

Da que, se fale em Constituio Fiscal21 , onde a legalidade tributria


se configura como princpio fundamental afirmando-se como a garantia das
garantias dos contribuintes, pelos limites formais e substanciais que impe
ao exerccio do poder tributrio, quer na ptica da criao dos impostos,
quer no que respeita ao exerccio dos direitos e deveres emergentes das
relaes que em consequncia se estabeleam.
Em quase todos os pases, para alm do princpio da reserva de lei,
frequente que, nesta matria, por lei se determinem, igualmente, os
pressupostos de facto, os fins e os elementos essenciais e as caractersticas
da tributao.
Procura-se, deste modo, assegurar que a disciplina das relaes fiscais
se adeqe aos ideais bsicos (valores) que inspiram o ordenamento do
Estado e correspondem conscincia colectiva. Entre ns tal facto
confirmado inteiramente pelos arts. 103 e 104 da CRP, preceitos que
constituem disposies vinculantes do exerccio do poder tributrio.
O primeiro (art. 103) afirma o princpio da legalidade, como garantia
da liberdade e da propriedade individual, impondo que seja a lei a
determinar todos os elementos essenciais do imposto. a consagrao da
justia formal.
O segundo (art. 104) expressa um princpio de justia substancial,
com referncia a uma igualdade fundada na progressividade do imposto
sobre o rendimento pessoal, o qual h-de ter em conta a efectiva capacidade
contributiva do sujeito passivo.22
A lei constitucional, que ocupa o primeiro lugar na hierarquia das
fontes do Direito, tem no plano tributrio particular importncia, na medida
em que no s define alguns princpios bsicos, aos quais o legislador
ordinrio deve obedecer ao estruturar o ordenamento fiscal, como limita
tambm o campo reservado s restantes formas normativas em matria de
impostos.

21 Cfr. A. SOUSA FRANCO, Sobre a Constituio Financeira de 1976-1982, in Estudos, Vol. I, pg. 108
22 Neste sentido vide DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, in As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada
1991, pgs. 33 e 34

17
As garantias dos Contribuintes

No texto constitucional vigente encontram-se consagrados, como


princpios fundamentais, o da legalidade e o da igualdade.
Princpios que so os limites formais e substanciais do poder tributrio
e que funcionam como garantias dos contribuintes.
Antes de nos ocuparmos, ainda que brevemente, da forma como, na
nossa ordem jurdica, se concretiza hoje o princpio da legalidade tributria,
isto , o papel atribudo lei como fonte do Direito Fiscal, ter interesse
apresentar uma resenha histrica do mesmo princpio no nosso direito,
sempre na perspectiva das garantias dos contribuintes.

III EVOLUO HISTRICA DO PRINCPIO DA LEGALIDADE


A) Antes do constitucionalismo
O princpio da legalidade comeou por ser de base consuetudinria e
teve origem no sculo XI, com a ideia de que os tributos no poderiam ser
cobrados, sem que tivessem sido criados por lei.
So vrios os exemplos que demonstram a necessidade do consenso
dos contribuintes para a introduo dos tributos ainda antes da Magna
Carta de 1215. Assim se consagrou formalmente uma regra que
consuetudinariamente j se havia imposto.
Na histria do consentimento do imposto pelo povo encontra-se parte
significativa da histria de Inglaterra, tendo em conta as controvrsias e
mesmo os confrontos entre reis e parlamentares, tentando aqueles a
abolio, impondo estes a exigncia do princpio da legalidade tributria,
nomeadamente com o Bill of Rights de 1688.
Na histria de Frana j os Estados Gerais de 1735 tinham reclamado
para si a faculdade de criar impostos, princpio que passou a fazer parte da
Declarao dos Direitos de 1789 e depois foi inserido na Constituio de
1791.
O mesmo princpio da votao do imposto pelos representantes dos
contribuintes, cuja defesa constitui a causa ou o pretexto das sangrentas
revolues inglesas do sculo XVII, seria invocado no sculo seguinte pelos

18
As garantias dos Contribuintes

colonos da Amrica, estando na origem da Constituio dos Estados Unidos


da Amrica do Norte.
Entre ns, o princpio de que o lanamento de impostos gerais s era
legtimo quando obtivesse o acordo dos representantes da Nao, ficou bem
expresso a partir das Cortes de Coimbra de 1261. Quatro anos depois, ao ser
recusado um subsdio pedido aos concelhos sem convocao das Cortes, o
princpio afirma-se novamente com inegvel vigor.
Em 1372, as Cortes recusam, pela primeira vez, um pedido feito por D.
Fernando, e no aceitam as SISAS gerais que o rei pretendia lanar e as
quais vm a ser votadas s 15 anos depois e apenas por um ano.
Se at ao terceiro quartel do sculo XIV as prerrogativas das Cortes no
lanamento dos impostos so ainda incertas, representando mais uma
aspirao do que uma realidade, no perodo que se alarga at ao fim do
sculo seguinte e que termina pelo advento crescente do absolutismo real, o
direito de os povos, reunidos em Cortes, intervirem na criao dos tributos,
consolida-se e geralmente respeitado. Assim, D. Joo I convocou as Cortes
mais de vinte vezes durante o seu reinado e, embora nem sempre tenha
obedecido ao princpio da votao dos impostos pelos representantes da
Nao, reconheceu, no entanto, o dever de o fazer, abstendo-se de lanar um
pedido destinado a custear a conquista de Ceuta para no ter de convocar as
Cortes, tornando assim pblico o projecto da expedio.
Os seus sucessores at D. Joo II, respeitaram tambm o mesmo
princpio, tendo convocado as Cortes com relativa frequncia D. Duarte,
em cinco anos de reinado, reuniu as Cortes quatro vezes e D. Afonso V, em
trinta e cinco anos, vinte e trs vezes.
Durante a menoridade de D. Afonso V, nas Cortes de Torres Novas de
1438, determinou-se a convocao anual das Cortes e designaram-se como
suas atribuies privativas, entre outras, as relativas ao lanamento de
tributos (a promessa da reunio anual das Cortes fora feita j por D. Joo I,
o qual a cumpriu at 1402).
Nas Ordenaes Afonsinas, o lanamento de contribuies gerais
aparece, porm, como prerrogativa rgia, dependendo apenas do acordo dos

19
As garantias dos Contribuintes

membros do conselho real, sem referncia s Cortes; era, todavia, de direito


consuetudinrio a interveno destas (as Ordenaes, de resto, regulando
todas as funes do reino, omitem por completo o regimento das Cortes,
talvez por se entender que no dependia da vontade do rei).
O fortalecimento do poder real levou ao progressivo enfraquecimento
das Cortes e sua reunio espaada, a partir de D. Joo II. Durante os vinte
e seis anos do reinado de D. Manuel foram convocadas apenas quatro vezes
e no de D. Joo III unicamente trs.
Por outro lado, o princpio da convocao anual das Cortes, fixado em
1438 e, alis, nunca respeitado, alongado em 1525, com o consentimento
da Nao, estabelecendo-se que as Cortes seriam convocadas de dez em dez
anos.
Durante o domnio filipino, apesar das promessas feitas em Tomar, em
1581, de no serem lanados impostos aos portugueses sem serem ouvidas
as suas Cortes, prosseguiu-se na senda aberta pelos monarcas de Avis a
partir do incio do sculo XVI, tendo os representantes da Nao sido
convocados s mais duas vezes at 1640.
Este estado de coisas no impedia, no entanto, que se mantivesse
vivamente arreigado na conscincia nacional o princpio de que s obrigavam
e eram legtimos os tributos lanados em Cortes.
Ainda, em 1601, tendo Filipe II lanado um pedido de 800 000
cruzados por intermdio dos governadores do reino, foi embargado e ficou
sem efeito o respectivo alvar, por ser feito sem consentimento nem
procurao das cidades e lugares do () reino, que tm voto em Cortes; e
que sem ele no tinham os governadores poder para fazer o dito concerto,
nem obrigar os povos do reino a pagar o dito servio.
Com a Restaurao conheceram as Cortes um curto perodo de
respeito pelas suas prerrogativas. Nas de 1641, em que se afirmou a origem
popular do poder real e a competncia das Cortes para decidir sobre a
sucesso da coroa e velar pela execuo das leis, foram votados novos
impostos, entre os quais a dcima militar.

20
As garantias dos Contribuintes

Por sua vez, o alvar de 9 de Maio de 1654, ao regular este imposto,


estabeleceu o princpio, que viria a ser consagrado mais tarde, segundo o
qual caberia assembleia dos representantes da Nao a distribuio da
Contribuio Directa.
Este perodo de reconhecimento efectivo do princpio da votao dos
impostos em Cortes foi, todavia, de bem curta durao. Em 1668 exerceram
as Cortes, pela ltima vez antes do constitucionalismo, o seu direito de votar
os impostos; o progressivo fortalecimento do poder real permitiu que D.
Pedro II dissolvesse, por tumulturias, as Cortes convocadas em 1674 para a
votao dos tributos.
Como algumas Cmaras se recusassem a pagar os impostos por no
terem sido votados em Cortes o que prova ser ainda pensamento comum a
limitao do poder real em matria tributria, apesar da crescente tendncia
absolutista o mesmo monarca, no negando a legitimidade do argumento,
justificou-se invocando as despesas e a urgente necessidade e prometendo
convocar as Cortes logo que as circunstncias o permitissem. O seu
sucessor adoptou idntico comportamento e, embora no se atrevendo
tambm a negar aquela prerrogativa, foi continuando a ordenar o pagamento
dos antigos impostos e justificando a criao de um novo tributo,
desculpando-se com a urgente necessidade das receitas correspondentes e
mantendo a falaz promessa de convocar as Cortes quando as condies o
possibilitassem.
Com Pombal e o despotismo esclarecido os direitos do povo so
claramente negados e, at revoluo liberal de 1820, no mais as Cortes
voltaram a ser convocadas nem os representantes da Nao a intervir no
lanamento dos impostos.

B) Com o Constitucionalismo
Com a revoluo liberal de 1820 e o advento do constitucionalismo,
comea-se uma nova fase da nossa vida poltica e, com ela o princpio da
legalidade afirma-se como fundamental, no mais deixando as nossas leis
fundamentais de consagrar, expressamente, o princpio segundo o qual a

21
As garantias dos Contribuintes

votao dos impostos deve ser feita pelo rgo poltico representante directo
da comunidade nacional, ao qual compete a funo legislativa.23
A Constituio de 1822, fortemente influenciada pelas constituies
francesas, e, sobretudo, pela de 1791, deslocou os poderes tributrios
soberanos do Rei para as Cortes, assembleia poltica constituda por
deputados eleitos pelo sufrgio dos cidados eleitores.24
A essa assembleia cabia: sem dependncia da sano real, entre
outras atribuies, fixar anualmente os impostos e as despesas pblicas
(art. 103 n IX) e bem assim estabelecer, ou conformar anualmente, as
contribuies directas (art. 224). A Constituio de 1822 retirava, assim,
ao Rei o poder de impor tributos, contribuies ou fintas (art. 124, n II).25
Tratando esta tese de ps-graduao em Direito Fiscal das garantias
dos contribuintes, face s actuaes do poder tributrio, importa, desde j,
fazer uma breve incurso histrica ao que neste domnio inaugurou a
Constituio de 1822.
Conforme se referiu supra, para alm do princpio da legalidade
tributria, outros princpios se afirmaram, entre ns, com a Constituio de
1822, como seja o da igualdade fiscal, os quais so pressupostos do Estado
de Direito e das garantias dos contribuintes.
Para os fazer actuar, concederam-se, pela primeira vez, aos
contribuintes uma panplia de meios de defesa, verdadeiras armas de luta
contra o poder tributrio:

TTULO I DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS DOS PORTUGUESES (Captulo nico)


Artigo 17 - Todo o portugus tem igualmente o direito de expor qualquer infraco
da Constituio, e de requerer perante a competente Autoridade a efectiva
responsabilidade do infractor. Sendo que, pertence s Cortes promover a

23 Cfr. n 36 da Seco II da CRP de 1822: A imposio de tributos e a forma da sua repartio sero determinadas
exclusivamente pelas Cortes. A repartio dos impostos directos ser proporcionada s faculdades dos contribuintes,
e deles no ser isenta pessoa ou corporao alguma. E ainda cfr. sobre esta parte histrica ANTNIO BRAZ
TEIXEIRA, in Princpios de Direito Fiscal, Almedina, pgs. 63 e ss e ainda DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, in As
Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, pg. 42 e ss.
24 Cfr. SOARES MARTNEZ, in Introduo ao Estudo das Finanas, cit. p. 80 e ss e p. 102 e ss..
25 Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, in As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, pg. 46

22
As garantias dos Contribuintes

observncia da Constituio e das leis, e em geral o bem da Nao Portuguesa (art.


102, n II).
Captulo IV - DAS ATRIBUIES DAS CORTES
Artigo 103, n XI: Competem s Cortes, sem dependncia da sano Real, as
atribuies seguintes: Fixar anualmente os impostos, e as despesas pblicas; ()
Captulo VII - DA DEPUTAO PERMANENTE E DA REUNIO CAPTULO EXTRAORDINRIA DE CORTES
Artigo 118, n IV: Pertence a esta deputao vigiar sobre a observncia da
Constituio e das leis para instruir as Cortes futuras das infraces que houver
notado; havendo do governo as informaes que julgar necessrias para esse fim;
Captulo III - DA FAZENDA NACIONAL
Artigo 234 - Ao governo compete fiscalizar a cobrana das contribuies na
conformidade das leis.

Depois disto, cumpre-nos, agora, analisar a Carta Constitucional de


1826.
Tambm aqui era da atribuio das Cortes, em concreto da Cmara
dos Deputados, a iniciativa sobre impostos (art. 35 1)26, fixar anualmente
as despesas pblicas e repartir a Contribuio Directa (art. 15 8), sendo
as mesmas Cortes Gerais quem, anualmente estabelecia todas as
contribuies directas (art. 137). Esta situao haveria de manter-se no
Acto Adicional de 1832 que reformou e alterou alguns preceitos daquela
carta.
Em termos de garantias dos contribuintes, foram introduzidos, pela
Carta Constitucional, importantes princpios, uns com futura repercusso
no Direito Fiscal, outros imediatamente:
A inviolabilidade dos Direitos Civis e Polticos dos Cidados
Portugueses, que tem por base a liberdade, a segurana individual e a
propriedade, garantida pela Constituio do Reino, nos seguintes
termos: Nenhum Cidado pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer
alguma coisa, seno em virtude da Lei e a disposio da Lei no ter
efeito retroactivo. (art. 145 1 e 2)
Ningum ser isento de contribuir para as despesas do Estado em
proporo dos seus haveres. (art. 145 14)

26 Nesta Constituio estabeleceu-se que privativa da Cmara dos deputados a iniciativa sobre impostos. (art.
35 1).

23
As garantias dos Contribuintes

Todo o Cidado poder apresentar por escrito ao Poder Legislativo, e


ao executivo reclamaes, queixas ou peties, e at expor qualquer
infraco da Constituio, requerendo perante a Autoridade a efectiva
responsabilidade dos infractores. (art. 145 28)

Na Constituio de 1838 inscreveu-se um Ttulo III DOS DIREITOS E

GARANTIAS DOS PORTUGUESES onde se estabeleceu que:

Ningum pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer seno o que a Lei ordena ou
probe. (art. 9 do Captulo I)
garantido o direito de petio. Todo o cidado pode no s apresentar aos poderes do
Estado reclamaes, queixas e peties sobre objectos de interesse pblico ou particular
mas tambm expor quaisquer infraces da Constituio ou das Leis, e requerer a efectiva
responsabilidade dos infractores. (art. 15)

Na linha da anterior, tambm se estabeleceu nesta Constituio de


1838 que competia s Cmaras votar anualmente os impostos, e fixar a
receita e despesa do Estado. (art. 37, n XII e art. 132).
Sendo tambm privativo da Cmara dos Deputados a iniciativa sobre
impostos. (art. 54, n I)
A Constituio de 1911 voltou a introduzir um Ttulo II sobre os
Direitos e Garantias Individuais, mas, agora, dirigidos para os portugueses e
estrangeiros residentes no pas, onde estabeleceu no art. 3, n 27: Ningum
obrigado a pagar contribuies que no tenham sido votadas pelo Poder
Legislativo ou pelos corpos administrativos, legalmente autorizados a lan-
las, e cuja cobrana se no faa pela forma prescrita na lei;
Desta forma a Constituio afirmou, expressamente, a legalidade do
imposto no plano das garantias constitucionais.

Todo o cidado poder apresentar aos poderes do Estado reclamaes, queixas e


peties, expor qualquer infraco da Constituio e, sem necessidade de prvia
autorizao, requerer perante a autoridade competente a efectiva responsabilidade dos
infractores; (art. 3, n 30)

24
As garantias dos Contribuintes

A ideia do consentimento dos impostos manteve-se, igualmente, nesta


Constituio de 1911, sendo da competncia privativa do Congresso da
Repblica velar pela observncia da Constituio e das leis e promover o
bem geral da nao, bem como orar a receita e fixar a despesa pblica,
anualmente tomar as contas da receita e despesa de cada exerccio financeiro
e votar anualmente os impostos. (art. 26, n3)
Tambm aqui privativa da Cmara dos Deputados a iniciativa sobre
impostos; (art. 23, al. a))
No se afastando das tradies constitucionais do liberalismo, a
Constituio de 1933 haveria, contudo, de acautelar especialmente as
matrias financeiras, dedicando particular ateno criao de impostos,
matria que to mal tratada havia sido sob a Ditadura.
Assim, o art. 70, n 1, 1, reservava Lei a fixao dos princpios
gerais relativos aos impostos, e em especial a determinao de incidncia, da
taxa, das isenes e das reclamaes e recursos a favor do contribuinte. E
prescrevia no 2 que a cobrana de impostos por tempo indeterminado ou
por perodo certo que ultrapasse uma gerncia depende de autorizao da
Assembleia Nacional.
Pese embora o perodo da histria em que se vivia, foi a Constituio
de 1933 a primeira a introduzir uma Parte I destinada s Garantias
Fundamentais. Erigindo como Garantias Fundamentais dos cidados, no
seu Ttulo II, entre outras, as seguintes:
Constituem direitos e garantias individuais dos cidados portugueses no pagar
impostos que no tenham sido estabelecidos, de harmonia com a Constituio; (art. 8, n
16)
O direito de representao ou petio, de reclamao ou queixa, perante os rgos de
soberania ou quaisquer autoridades, em defesa dos seus direitos ou do interesse geral;
(art. 8, n 18)
O direito de resistir a quaisquer ordens que infrinjam as garantias individuais, se no
estiverem legalmente suspensas, e de repelir pela fora a agresso particular, quando no
seja possvel recorrer autoridade pblica; (art. 8, n 19)

25
As garantias dos Contribuintes

Atente-se que estes direitos e garantias fundamentais so de tal ordem


fortes que ainda hoje se encontram plasmados na nossa Constituio,
embora tantas vezes to mal tratados pela nossa jurisprudncia.
Da conjugao do art. 91, n 1, com o art. 109, n 2, resulta ser a
Assembleia Nacional o rgo legislativo normal a quem competia vigiar pelo
cumprimento da Constituio e das leis (art. 91, n 2), enquanto o Governo
s podia elaborar decretos-leis no uso de autorizaes legislativas ou nos
casos de urgncia ou necessidade pblica (art. 108, n 2), ficando tais
decretos-leis dependentes da ratificao posterior da Assembleia.
Todavia, a reviso constitucional de 1945 (Lei n 2009 de 17 de
Setembro) modificaria os termos gerais da competncia legislativa do
Governo, que passou a exercer uma actividade legislativa normal, j no
dependente de autorizao legislativa ou de urgncia e necessidade pblica
(art. 109, n 2). Contudo, essa actividade legislativa situa-se em plano
diverso do que cabia Assembleia Nacional, porquanto os decretos-leis
promulgados durante o funcionamento efectivo da Assembleia ficavam
sujeitos ratificao desta (art. 109 3).
Para alguns autores, nomeadamente Teixeira Ribeiro27, a reviso
constitucional de 1945, ao modificar o n 2 do art. 109 da Constituio,
acabaria por atribuir ao governo uma competncia legislativa normal,
concorrente com a da Assembleia Nacional, pelo que passaria a ser
constitucionalmente to legtimo determinar os elementos essenciais do
imposto por lei como por decreto-lei.
Um tal entendimento seria, no entanto, contestado por aqueles que
continuaram a sustentar que, mesmo aps a reviso de 1945, o termo lei
empregado no art. 70 1 se referia apenas lei em sentido formal, lei da
Assembleia Nacional, no abrangendo, por isso, o decreto-lei do Governo.
Este problema acabaria por ser solucionado pela reviso
constitucional de 1971 (lei n 3/71 de 16 de Agosto), que ampliou
consideravelmente o elenco das matrias constantes do art. 93, ao incluir a

27 TEIXEIRA RIBEIRO, Os Princpios Constitucionais da Fiscalidade Portuguesa, in Boletim Faculdade Direito


Coimbra, vol. XLII;

26
As garantias dos Contribuintes

aprovao das bases gerais sobre impostos nos termos do art. 70, alargando
a zona da competncia legislativa exclusiva da Assembleia Nacional.28
Para alm disso, e na linha da Constituio de 1933, competia, nos
termos do art. 91, n 2, Assembleia Nacional vigiar pelo cumprimento da
Constituio e das leis e (veja-se a novidade) apreciar os actos do Governo ou
da Administrao, podendo declarar com fora obrigatria geral, mas
ressalvadas sempre as situaes criadas pelos casos julgados, a
inconstitucionalidade de quaisquer normas.
Era a reposio do princpio da legalidade na sua correcta expresso,
pondo termo s legtimas dvidas de constitucionalidade que a actuao do
Governo havia suscitado na doutrina.
A partir da Lei n 3/71 de 16 de Agosto, o Governo s poderia legislar
em matria de impostos, designadamente na definio dos elementos
essenciais (incidncia, isenes e taxa) ou sobre as formas processuais de
garantir a legalidade da tributao (reclamaes e recursos) em duas
situaes perfeitamente definidas: ao abrigo de uma autorizao legislativa
concedida pela Assembleia nos termos do art. 91, n 13 ou, em casos de
urgncia e necessidade pblica, no se encontrando a Assembleia em
funcionamento efectivo (art. 93 1).
Com a Constituio de 1976 ao arrepio da nossa tradio
constitucional, tanto prxima como remota, as disposies constitucionais em
matria tributria deixam de integrar-se na parte respeitante aos direitos,
liberdades e garantias.29
Elas aparecem inseridas nas rubricas dedicadas organizao
econmica e organizao do poder poltico, o que revela uma deficiente
tcnica na arrumao de direitos e garantias fundamentais, fora das
rubricas mais apropriadas, redundando uma sistematizao pouco feliz.
Esta insuficincia, de resto, persiste, apesar da reviso constitucional
de 1982 e das subsequentes revises, at aos nossos dias.

28 Neste sentido vide DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada
1991, pgs. 48 e 49.
29 Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, pgs. 50

27
As garantias dos Contribuintes

No entanto, substancialmente, no parece que o tratamento reservado


a tais matrias tenha mudado em termos radicais com a Constituio de
1976. Nem, to pouco, se justificaria um tratamento muito diverso daquele
que matria tributria fora dado pelos textos constitucionais anteriores,
para que fosse vincada a ideia de Estado-de-Direito democrtico que, desde
logo, se anuncia na Constituio de 1976.
Assim, segundo a sua verso inicial, nos termos do art. 106, O
sistema fiscal ser estruturado por lei (n 1); e tambm Os impostos so
criados por lei, que determina a incidncia, a taxa, os benefcios fiscais e as
garantias dos contribuintes (art. 106, n 2). No mesmo artigo est tambm
consagrado que ningum pode ser obrigado a pagar impostos que no
tenham sido criados nos termos da Constituio e cuja liquidao e cobrana
se no faam nas formas prescritas na lei (n 3).
Neste artigo 106, n 3, e na sequncia das Constituies de 1912 e de
1933, reconhece-se o direito de no pagar impostos que no tenham sido
criados nos termos da Constituio.
Tal preceito dever acrescentar-se aos que, definidos na Parte I da
Constituio, respeitam aos direitos e deveres fundamentais.30
Lamentavelmente, no se seguiu a tradio constitucional no que
respeito ao enquadramento sistemtico daquela importante garantia dos
contribuintes!31
Contudo, a Constituio de 1976 foi mais rigorosa no tratamento de
alguns aspectos essenciais da relao jurdica dos impostos. Est nesse caso
a taxa do imposto que, agora tem de ser determinada por lei.
Com efeito, onde o texto de 1971 admitia que da lei apenas
constassem os limites da taxa, j o n 2 do artigo 106 da actual Lei
Fundamental, retoma, neste aspecto a redaco primitiva do 1, do art.
30 Cfr. PEDRO SOARES MARTINEZ, in Manual de Direito Fiscal, Editora Almedina, pgs. 93. No mesmo sentido,
vide ACRDO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, de 15/01/92, in www.dgsi.pt, quando diz: Embora a actual
Constituio no inclua entre os direitos, liberdades e garantias individuais dos cidados o direito de no pagar
impostos, que no tenham sido estabelecidos de harmonia com o nela estabelecido (como fazia o art. 8, n 16, da
Constituio de 1933), manifesto que se trata de um princpio ou direito fundamental nela acolhido, j que no n 3
do citado art. 106 se dispe que ningum pode ser obrigado a pagar impostos que no tenham sido criados nos
termos da Constituio.
31 Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, in As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, pg. 51

28
As garantias dos Contribuintes

79, da Constituio de 1933, fazendo vincar claramente que este elemento


essencial do imposto tem de ser fixado directamente pela lei.32
Daqui se conclui que rgos da soberania fiscal sero aqueles dos
quais dimana a lei. Ora, Assembleia da Repblica que cabe fazer leis
sobre todas as matrias, salvo, segundo o texto constitucional primitivo, as
reservadas pela Constituio ao Conselho da Revoluo ou ao Governo (art.
164, al. d)). Deixando de parte a infelicidade de designar por leis diplomas
emanados do Conselho de Revoluo (art. 148, n 1, al. a), quando a
designao prpria seria a de decretos-leis, at por paralelismo.
Com o artigo 201, n 1, al. a), importa agora definir quais so as
matrias reservadas pela Constituio de 1976 ao Conselho da Revoluo e
ao Governo.
quele estava reservado legislar sobre a organizao, o
funcionamento e a disciplina das Foras Armadas (art. 148, n 1, al. a) e n
2). Assim, como as matrias referidas no artigo 106 nem respeitam s
foras armadas nem organizao e funcionamento do Governo, conclui-se
no sentido de que a competncia para legislar sobre elas cabia, j face do
texto primitivo da Constituio, Assembleia da Repblica. lei desta
emanada que o artigo 106 se refere. Pelo que o rgo da soberania fiscal
ser a Assembleia da Repblica. A esta caber definir, por lei, as linhas
gerais do sistema fiscal (art. 106, n 1).
Inovao significativa , contudo, a que se refere s garantias dos
contribuintes, cujo significado bem mais amplo e permite uma proteco
mais rigorosa dos direitos dos cidados-contribuintes, se comparado com as
reclamaes e recursos admitidos em favor do contribuinte, consagrados na
Constituio de 1933, limitada s garantidas meramente adjectivas.
Por fim, o art.168 dispe que, salvo autorizao ao Governo, da
exclusiva competncia da Assembleia da Repblica, legislar sobre a criao
de impostos e sistema fiscal (n 1, al. i), exigindo que a lei defina o objecto, o

32 Neste sentido, v.g. PEDRO SOARES MARTNEZ, pgs. 93, quando afirma: Segundo o citado artigo 106, lei
cabe estruturar o sistema fiscal e criar os impostos, determinando a incidncia, a taxa, os benefcios fiscais e as
garantias dos contribuintes.

29
As garantias dos Contribuintes

sentido, a extenso e a durao da autorizao (n 2) para todos os casos em


que o Governo, nos termos do artigo 201, n 1, al. b), exera a funo
legislativa em matria tributria reservada lei da Assembleia da
Repblica.33
de notar que, nos termos dos arts 168 e 201 n 1, al. b), da
Constituio, o Governo pode fazer decretos-leis em matrias de reserva
relativa da Assembleia da Repblica mediante autorizao desta. Em cujo
caso, o Governo poder legislar sobre todas as matrias tributrias (art.
168, n 1, al. i), da Constituio). Nem mesmo assim, porm se justificar
atribuir ao Governo a qualidade de rgos de soberania fiscal; porque os
poderes que assume em tal matria lhe so delegados pela Assembleia da

33 No mesmo sentido, v.g. SOARES MARTINEZ, in Manual ....ob. cit. 93 e ss.: Aps a reviso de 1982,
desapareceram do texto constitucional as referncias ao Conselho da Revoluo, abolido, pelo que as dvidas quanto
competncia legislativa da Assembleia da Repblica se pem apenas em relao ao Governo. Mas a concluso
manifestamente a mesma que se impunha face do texto primitivo.
Tambm Assembleia da Repblica compete, por lei, criar impostos (art. 106, n 2). Este preceito no
dever interpretar-se no sentido de que s os impostos inteiramente novos devem ser estruturados por lei. Qualquer
alterao de incidncia de um imposto velho corresponde criao de um imposto; de outro modo, sempre poderiam
os Governos, aproveitando designaes anteriores e alguns pressupostos j definidos, modificar por completo as
condies de tributao. Alis, alguma dvida possvel sobre este ponto, teria sido removida pelo legislador
constitucional ao impor que a lei determine a incidncia. Qualquer alterao do plano de incidncia fiscal ter, pois,
de ser objecto de lei. O mesmo tratamento reservou a Constituio para a taxa, para os benefcios fiscais e para as
garantias dos contribuintes. Esta enumerao de matrias parece prefervel do art.70 da Constituio de 1933.
Alis, na redaco que foi dada a este artigo pela reforma constitucional de 1971, a reserva de lei quanto
taxa dos impostos admitiu uma mera fixao de limites das taxas, em conformidade com a prtica legislativa que
permitiram a determinao de taxas tributrias pelo Governo, pelo Ministrio das Finanas e por outras entidades. A
Constituio de 1976 , neste ponto, mais rigorosa. O conceito de benefcios fiscais mais amplo que o de iseno,
pois abrange, alm delas, redues de taxas e de matria colectvel assim como restituies de colectas, moratrias e
quaisquer outras vantagens oferecidas aos contribuintes que se encontrarem em determinadas situaes pelas leis
definidas. O significado de garantias dos contribuintes tambm mais amplo que o de reclamao e recursos
admitidos em favor do contribuinte e incluindo aspectos no processuais, designadamente o direito informao
sobre as situaes tributrias.
Da delimitao constitucional de matrias tributrias reservadas lei resulta que o Governo poder legislar
quanto a essas matrias desde que no se trate de estruturao do sistema fiscal, de criao de impostos, de
definio da incidncia, da taxa, dos benefcios fiscais e das garantias dos contribuintes. No estaria, assim, vedado
ao Governo legislar sobre matrias tributrias respeitantes organizao de servios e competncia de agentes
fiscais, ao lanamento, liquidao, fiscalizao e cobrana nos termos do art. 201, n 1, als. a) e c). Parece
admissvel face dos ns 1 e 2 do art. 106 da Constituio, que o Governo, por decreto-lei, altere o regime
respeitante a tais matrias quanto a qualquer imposto e sem perder de vista, naturalmente, que o lanamento, na
medida em que reclama a colaborao dos prprios contribuintes, a fiscalizao e a cobrana, so matrias que
muitas vezes se prendem a direitos dos particulares, podendo entender-se quanto a alguns aspectos, que respeitam
s garantias dos contribuintes.

30
As garantias dos Contribuintes

Repblica, qual cabe definir o objecto, o sentido, extenso e a durao da


autorizao (art. 168, n 2), e que poder, inclusivamente, no delegar tais
poderes, que a Constituio reserva quela Assembleia.
Vem a este propsito observar que a reviso constitucional de 1982
distinguiu a reserva absoluta da reserva relativa de competncia
legislativa da Assembleia da Repblica (arts 167 e 168). E f-lo segundo
critrios admissivelmente objectivveis. A criao de impostos e sistema
fiscal ficou na zona da reserva relativa, a par das matrias respeitante, ao
estado e capacidade das pessoas, direitos, liberdades e garantias,
definio dos crimes, etc.
Por outro lado, de realar, que luz da Constituio de 1976 as
garantias da constitucionalidade das normas competiam ao Conselho de
Revoluo ou Comisso Constitucional, ou, em certos casos, aos tribunais.
Diferentemente da Reviso Constitucional de 1982, a qual teve o
mrito de submeter estas matrias to importante a um Tribunal Prprio, o
Tribunal Constitucional.
Como manifestao da legalidade inerente ideia do Estado-de-
Direito, merece referncia especial o tratamento conferido Fiscalizao da
Constitucionalidade. Dispe o art.277 que so inconstitucionais as normas
que infringem o disposto na Constituio ou os princpios nela consignados,
estipulando o art.278 a fiscalizao preventiva de constitucionalidade a
cargo do tribunal constitucional.
Com a Reviso Constitucional de 1989 (Lei Constitucional n 1/89, de
8 de Julho) e, bem assim, com a Reviso Constitucional de 1982 (Lei
Constitucional n 1/92 de 25 de Novembro) no foram operadas alteraes
substanciais que pusessem em causa as teses enunciadas pela Constituio
de 1976.
Com efeito, e para a questo que ora nos interessa abordar, foi
substitudo o n 1 do art. 106 que passou a ter a seguinte redaco: O
sistema fiscal visa a satisfao das necessidades financeiras do Estado e
outras entidades pblicas e uma repartio justa dos rendimentos e da
riqueza.

31
As garantias dos Contribuintes

Anteriormente, o art. 106, n 1 da Constituio, estabelecia que: O


sistema fiscal ser estruturado por lei, com vista repartio igualitria da
riqueza e dos rendimentos e satisfao das necessidades financeiras do
Estado.
Cai assim por terra a tese dos que defendiam uma reserva de lei
absoluta para a estruturao do sistema fiscal.
J com a quarta reviso constitucional de 1997 (Lei constitucional n
1/97 de 20 de Setembro) foram introduzidas inmeras alteraes o que
levou a uma renumerao dos artigos da Constituio.
Sendo que, o artigo 106 da CRP de 1976, que tinha por promio
Sistema Fiscal passa, agora, para artigo 103, exactamente com a mesma
denominao.
Mas mais.
Acabou-se com a longa discusso em torno da proibio total ou
relativa da no retroactividade das leis fiscais, dando-se, assim, voz queles
que defendiam a proibio total destas.
Os contribuintes passaram, agora, a ter um direito de resistncia
fiscal contra normas de natureza retroactiva alargando-se, assim, as
garantias constitucionais dos contribuintes, vide art. 103, n 3, da Reviso
Constitucional de 1997: Ningum pode ser obrigado a pagar impostos que
no hajam sido criados nos termos da Constituio, que tenham natureza
retroactiva ou cuja liquidao e cobrana se no faam nos termos da lei.
Com a quinta reviso constitucional de 2001 (Lei n 1/2001, de 12 de
Dezembro) e a sexta e, para j, ltima reviso constitucional de 2004 (Lei
n 1/2004 de 24 de Julho) no foram introduzidas quaisquer alteraes com
interesse para a matria que ora nos cumpre tratar.
No concernente ao Tribunal Constitucional, este exerce igualmente
uma fiscalizao abstracta com fora obrigatria geral da
constitucionalidade e da legalidade das normas (art. 281), sendo a

32
As garantias dos Contribuintes

fiscalizao nos casos concretos feita pelos tribunais, como recurso para o
Tribunal Constitucional (art. 280).34

IV A CONCRETIZAO DO PRINCPIO DA LEGALIDADE NA NOSSA


ORDEM JURDICA
A anlise do princpio da legalidade tributria a que acima se procedeu
permite-nos, agora, ver, com maior clareza, a forma como ele se concretiza
na nossa ordem jurdica, isto , a competncia que a actual Constituio
reserva lei como fonte de Direito Fiscal.
Conforme se referiu supra, o princpio da legalidade tributria surgiu
ligado ideia de que os impostos s podem ser criados atravs das
Assembleias representativas e, portanto, ideia de sacrifcio colectivamente
consentido, configurando-se como um princpio de auto-tributao.
Todavia, no Estado-de-Direito, o princpio da legalidade no , j, uma
mera emanao dessa ideia de auto-tributao, antes passa a ser encarado
por uma nova perspectiva, segundo a qual a lei formal a nica forma
possvel de expresso da justia material, transformando-se numa
verdadeira garantia da justia tributria.35
Este princpio que, no sendo exclusivo do Direito Fiscal, apresenta
face deste um significado mais denso, desdobra-se em dois aspectos: o da
preeminncia da lei e o da reserva da lei.
Do primeiro aspecto decorre a exigncia de que toda e qualquer
actuao da Administrao se processe em subordinao lei, aceitando a
sua preeminncia. Assim, ser invlido todo o acto concreto da
Administrao que contrarie uma lei material.
Quanto reserva de lei, trata-se da exigncia de que a conduta da
Administrao tenha o seu fundamento positivo na lei, ou seja, que a lei

34 Sobre a evoluo do constitucionalismo na perspectiva das garantias dos contribuintes vide JORGE MIRANDA,
As Constituies Portuguesas de 1822 ao Texto Actual da Constituio, 4 Edio, ed. Livraria Petrony, Lda.;
DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, pgs. 46 a 52
35 Cfr. ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Acto Tributrio, Coimbra, 1972, p. 280.

33
As garantias dos Contribuintes

constitua o pressuposto necessrio e indispensvel de toda a actividade


administrativa.36
O Direito Fiscal no se basta com o princpio da preeminncia da lei.
Tambm se encontra submetido ao princpio da reserva de lei, o que implica
que a exigncia de impostos, em concreto, por acto da Administrao, tem de
assentar em lei que os estabelea com anterioridade.37
Nos termos dos arts 103, n 2, e 165, n 1, da actual Constituio,
os impostos so criados por lei, que determina a incidncia, a taxa, os
benefcios fiscais e as garantias dos contribuintes, e da reserva relativa da
Assembleia da Repblica legislar sobre criao de impostos e sistema fiscal e
regime geral das taxas e demais contribuies financeiras a favor das
entidades pblicas. Mas a reserva de lei em matria fiscal desdobra-se em
trs aspectos:
a) a que figuras tributrias se aplica;
b) qual o grau de exigncia de forma;
c) at que ponto a lei deve levar a sua disciplina.

A) A QUE FIGURAS TRIBUTRIAS SE APLICA

Relativamente ao primeiro aspecto, que tem a ver com a extenso da


reserva de lei ou com o seu mbito e contedo, ela diz respeito apenas aos
impostos, ou seja, quelas prestaes pecunirias, coactivas, unilaterais e
definitivas, sem carcter de sano exigidas a detentores de capacidade
contributiva por entes que exeram funes pblicas, com vista realizao
destas.38
Questionam-se alguns autores sobre o problema de saber, se o
princpio da legalidade abrange as taxas, as contribuies especiais e, at

36 Cfr. SOARES MARTNEZ, Manual de Direito Financeiro, cit. p. 104; ALBERTO XAVIER, ob. cit., p. 282.
37 Sobre esta matria vide DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada
1991, p. 53 e 54.
38 Vide JOS CASALTA NABAIS, Contratos Fiscais (Reflexes Acerca Da Sua Admissibilidade), in Boletim da
Faculdade de Direito, Coimbra Editora, p. 236.

34
As garantias dos Contribuintes

mesmo, as derramas.39
Este problema est ligado dificuldade na delimitao do conceito de
sistema fiscal a que se refere o art. 165, n 1, al. i) da actual Constituio.
H quem entenda que, atendendo inter-relao das noes de
sistema fiscal e de impostos, o nosso sistema fiscal abrange todas as
contribuies que, com carcter obrigatrio, se estabeleam a favor de
entidades pblicas e semi-pblicas, ou que exeram funes pblicas.
Um tal entendimento fica a dever-se, porventura, influncia de boa
parte da doutrina italiana.
Domingos Pereira de Sousa40 entende sistema fiscal: como o
conjunto harmnico e sistemtico dos impostos em vigor num pas.
Posio tambm adoptada pelo Professor Sousa Franco que define o
sistema fiscal como o conjunto de impostos e a forma como entre si se
relacionam globalmente, na sua articulao lgica e na coerncia social.
pois, em relao aos impostos que se exige a reserva absoluta de lei formal.
Tal princpio abrange, assim, toda e qualquer obrigao tributria
exigida do contribuinte, sem contrapartida, sendo indiferente o nomen
iuris atribudo ao encargo fiscal. Estaro, nesse caso, todas as
contribuies em cuja estrutura se no vislumbre um vnculo de carcter
sinalagmtico, nico capaz de confirmar a natureza recproca das prestaes
a cargo dos sujeitos da relao tributria.
Entende, assim, Domingos Pereira de Sousa que: as receitas
parafiscais estaro submetidas reserva absoluta de lei formal, sempre que
se configurem como autnticos impostos, isto , sempre que assentem num
vnculo de carcter unilateral. Devem, assim, considerar-se verdadeiros
impostos, algumas receitas parafiscais, nomeadamente a Taxa Social nica
criada pelo Dec.-Lei n 140-D/86, de 14 de Junho, que unificou os descontos
para a Segurana Social e o Fundo de Desemprego, na parte em que devida
pelas entidades patronais.

39 Cfr. NUNO S GOMES, Lies de Direito Fiscal, p. 43. Este autor, embora de forma no decisiva, entende que a
reserva absoluta de lei formal abrange os impostos, as taxas e as receitas para fiscais; Cfr. SOARES MARTNEZ,
Manual de Direito Financeiro, cit. p. 36. Este autor j entende que o princpio da legalidade no respeita s taxas.
40 Vide DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, p. 66

35
As garantias dos Contribuintes

Ao mesmo regime dever sujeitar-se a taxa militar e a taxa de


radiodifuso que, apesar de designadas por taxas, apresentam todas as
caractersticas essenciais sua configurao como impostos.
O mesmo se diga das chamadas contribuies especiais, que sendo
verdadeiros impostos, aparecem legalmente tratadas como meras taxas,
violando claramente o princpio da legalidade, pelo que a sua
inconstitucionalidade poder suscitar-se nos termos do art. 280 da
Constituio de 1976 sempre que a respectiva regulamentao se processe
por decreto-lei do Governo, sem a indispensvel autorizao legislativa.
Em concluso, o princpio da legalidade abrange todas as receitas
tributrias que, independentemente do seu nomen iuris, se configurem
juridicamente como impostos.
Assim, ficam sujeitas ao princpio da reserva absoluta de lei formal
(tipificante e taxativa), todas as matrias enumeradas no art. 106, n 2 da
Constituio actual art. 103, n 2 da Constituio , enquanto elementos
cujo contedo dever ser suficientemente especificado na lei.

B) QUAL O GRAU DE EXIGNCIA DE FORMA


Quanto ao segundo aspecto, tem a ver com o critrio da fonte da
produo jurdica.
Desde j se diga, como Domingos Pereira de Sousa41, que a reviso
constitucional de 1982 bem como todas as que se lhe seguiram no
atendeu aos conceitos elaborados pela doutrina fiscal para distinguir reserva
absoluta de competncia legislativa (art. 167- actual art. 164) e reserva
relativa de competncia legislativa (art. 168- actual art. 165): Utilizando a
expresso reserva absoluta no sentido de uma reserva organicamente
exclusiva, inderrogvel, querendo, pois, significar que a Assembleia o nico
rgo que pode legislar sobre as matrias referidas no art. 167 (actual art.
164); e usando a expresso reserva relativa no art. 168 (actual art. 165)
onde consagra a reserva de lei no sentido de que, tanto a Assembleia como

41 DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, p. 62

36
As garantias dos Contribuintes

o Governo podem legislar, sendo que este ltimo precisa para o efeito de
uma autorizao daquela.
O que para o Dr. Nuno S Gomes consagra uma terminologia infeliz.
J que, por um lado, a reserva absoluta de lei no equivalente a reserva
exclusiva de lei, respeitando ao contedo da lei e no ao rgo que a emite;
por outro lado, se o Governo pode legislar quando autorizado, a reserva
consagrada no art. 168 (actual art. 165) j no exclusiva, posto que
admite que outro rgo legisle sobre as matrias reservadas quela
Assembleia.42
J a doutrina, no que respeita forma, distingue reserva de lei
material e reserva de lei formal da seguinte forma:
Cumpre-se a primeira exigncia, escreve Domingos Pereira de Sousa43,
sempre que a conduta impositiva da Administrao fiscal seja autorizada por
uma norma geral e abstracta, seja qual for a natureza e forma que revista.
Desse ponto de vista ser indiferente que a Administrao actue na
base de uma lei constitucional, de uma lei ordinria, ou mesmo de um
regulamento.
J a reserva de lei formal, exige que o fundamento legal da actuao da
entidade impositora seja um acto normativo dotado de fora de lei, isto , que
provenha de um rgo legislativo por excelncia e que revista a forma externa
constitucionalmente prevista.
A reserva de lei formal nos quadros do Estado-de-Direito desempenha,
basicamente, uma dupla funo de garantia, associada ao princpio da
separao de poderes.
Por um lado, da reserva da lei resulta a excluso do direito
consuetudinrio entre as formas de produo jurdica em matria de impostos,
traduzindo-se, deste modo, na exigncia de uma lei escrita.
Por outro lado, a mesma reserva impe a excluso dos regulamentos
como fonte de criao de tributos o que se traduz numa estrita vinculao do
poder executivo ao poder legislativo.

42 Cfr. NUNO S GOMES, Lies de Direito Fiscal, p. 37.


43 Vide DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, ps. 54 e 55.

37
As garantias dos Contribuintes

o reconhecimento de que, em matria de impostos, a justia s pode


realizar-se atravs da lei formal. Na lei devem ser encontrados todos os
requisitos necessrios para que a sua execuo possa ocorrer no respeito do
modus faciendi escolhido e determinado pelo legislador.
Assim, resulta que, do princpio da reserva de lei formal decorre, com
exclusividade, a competncia do rgo legislativo para, abstractamente,
designar quais os factos da vida reveladores de capacidade contributiva e,
bem assim, para definir o regime substancial dos referidos deveres.
Na lei, portanto, devem ser encontrados todos os elementos do tipo
tributrio, nica e efectiva garantia do sujeito passivo da relao tributria.
O princpio da legalidade apresenta-se na nossa Constituio como
dupla exigncia: de lei formal (lei da Assembleia da Repblica ou decreto-lei
autorizado); lei tpica e taxativa (reserva absoluta).
Assim, o princpio da legalidade assume na nossa Lei Fundamental
uma dupla funo de garantia, na medida em que afasta neste campo todas
as outras formas de produo de direito que no sejam a lei formal e impe
uma estrita vinculao do poder executivo ao poder legislativo.

c) AT QUE PONTO A LEI DEVE LEVAR A SUA DISCIPLINA


Quanto ao terceiro aspecto, que se prende com o contedo da lei, com
vista a precisar o grau de determinao da conduta que ela nos oferece,
poderemos concluir pelo carcter absoluto ou meramente relativo dessa
determinao.
Em termos substanciais, poderemos falar diz Domingos Pereira de
Sousa44 , de uma reserva absoluta de lei ou de uma reserva relativa de lei.
Estamos perante reserva absoluta, sempre que se estabelece que a lei
fiscal deve conter, no s o fundamento da conduta da Administrao mas,
tambm, os prprios critrios da deciso nos casos concretos.
Fala-se de reserva relativa de lei, quando a conduta impositiva da
Administrao, embora prevista na lei, nela no se encontra completamente
regulada.

44 DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, p. 56

38
As garantias dos Contribuintes

A Administrao tem o seu comportamento fundamentado na lei.


Todavia, a mesma lei no fornece o critrio de deciso nos casos
concretos, critrio que fica, assim, confiado livre valorao do rgo de
aplicao do direito.
Nas situaes de reserva absoluta a deciso do caso concreto ter de
obter-se por mera deduo da prpria lei, a qual, contendo em si mesma todos
os elementos de deciso, fornece no s o fim como o contedo da prpria
deciso.
Na ptica das garantias do contribuinte, esta regra constitucional da
reserva absoluta, comporta uma dupla exigncia.
Em primeiro lugar, a exigncia dirigida ao legislador, obrigando-o, sob
pena de inconstitucionalidade, a formular os comandos legislativos, em
matria tributria, em termos de uma rigorosa reserva absoluta.
Em segundo lugar, exigncia dirigida aos rgos de aplicao do direito
(administrador e juiz), impondo-lhes o critrio, pr-determinando o seu
comportamento, afastando, assim, qualquer hiptese de subjectivismo na
interpretao e aplicao da lei fiscal.
Da reserva absoluta decorre a excluso categrica da criao do Direito
Fiscal, por via judicial ou administrativa, ficando, assim, arredadas quer a
analogia quer a discricionariedade.
J que, uma vez escolhido o tipo pelo legislador, no pode admitir-se
que o mesmo seja alterado, estendido, interpretado alm fronteiras, integrado
analogicamente. E isto porque tal procedimento representa, sempre, uma
imposio ao sujeito mais fraco da relao, cuja garantia reside
nomeadamente nos precisos termos da lei.
E a verdade que o princpio da legalidade atravs da reserva absoluta
da lei, garante a segurana jurdica necessria em Direito Fiscal, sempre que o
seu corolrio da tipicidade se manifesta.
Este corolrio da legalidade determina a fixao do quantum da
obrigao tributria e os elementos determinantes dessa medida, que so a
matria colectvel e a taxa.

39
As garantias dos Contribuintes

Esta garantia da segurana, nsita no princpio da legalidade, decorre


da aplicao das vrias regras da tipicidade. Assim, pela regra da seleco o
legislador elege o tipo de imposto. Pela regra do exclusivismo, torna a situao
fctica, descrita no tipo, distinta de qualquer outra, por mais prxima que lhe
esteja. Finalmente, pelo princpio da determinao, conceptualiza de forma
precisa e objectiva o facto imponvel, com a consequente proibio das normas
elsticas.
Da conjugao desta regra resulta, por fim, uma tipicidade fechada que
assente na regra do numerus clausus, veda a utilizao da analogia pelo
rgo de aplicao da lei.45
O n 3, do art. 103 da actual lei de reviso constitucional estabelece o
princpio da preeminncia da lei fiscal ao determinar que: Ningum poder
ser obrigado a pagar impostos que no tenham sido criados nos termos da
constituio, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidao e cobrana se
no faam nas formas previstas na lei.
O n 2, do art 103 da actual lei de reviso constitucional estabelece o
princpio da reserva de lei, quanto incidncia, s taxas, aos benefcios
fiscais e s garantias dos contribuintes.46

45 Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, pgs, 57 a
59.
46 Vide neste sentido JOS CASALTA NABAIS, in Contratos Fiscais, pg. 243, segundo o qual: a reserva de lei
abrange () todas as normas relativas criao de impostos e incidncia lato sensu dos mesmos incidncia real
ou objectiva (material, temporal, quantitativa e espacial), incidncia pessoal ou subjectiva (sujeitos activo e passivo
contribuintes responsveis e substitutos da relao jurdico-fiscal), a taxa e os benefcios fiscais. E esta reserva vale
tanto para os casos em que se criem ou aumentem os impostos como para os casos em que se extingam ou diminuam.
que, como foi afirmado pelo Tribunal Constitucional no seu Acrdo n 48/84, e na ACTC, 3 Vol, p. 7 ss, no pode
interpretar-se restritivamente a reserva de competncia da Assembleia da Repblica em matria fiscal (art. 168, n 1,
al. i) com o mbito explicitado no art. 106, ns 1 e 2 da Constituio actual art. 103, ns 1 e 2 de forma a no
considerar por ela abrangidas as alteraes ao sistema fiscal que beneficiem os contribuintes, apoiando-se para tanto
em Cardoso da Costa, autor que conclui: num modelo intervencionista do Estado, promotor de justia e do progresso
scio-cultural econmico, com o Estado Social dos nossos dias h que procurar o fundamento da exclusiva
competncia parlamentar para a criao dos impostos mais na ideia democrtica que este princpio encerra do que
naquilo que ela possa ter de liberal. Isto , o princpio da legalidade fiscal tem por fundamento no j tanto a ideia
garantstica de auto-tributao (salvaguarda do direito de propriedade face s investidas do fisco), mas a ideia
democrtica nos termos da qual assegurado que os cidados sero chamados, atravs dos seus representantes, a
deliberar sobre os impostos, o que significa, dado o peso e as funes actuais destes, reservar representao
nacional a deciso sobre o mais importante instrumento de direco poltica global da comunidade.

40
As garantias dos Contribuintes

Alm destas normas, fazem parte da reserva de lei as normas relativas


s garantias dos contribuintes.
A reserva parlamentar, concede, assim, aos contribuintes:
a) as garantias processuais graciosas (reclamao graciosa, recurso
hierrquico, etc.) e contenciosas (impugnao do acto tributrio,
oposio no processo de execuo fiscal, defesa no processo penal
fiscal, etc.);
b) o direito de no pagar impostos que no estejam previstos na lei
com o correspondente Direito de Resistncia do art. 103, n 3, da
actual Constituio;
c) o direito consulta prvia nos casos previstos na lei;
d) as demais garantias dos contribuintes previstas nos arts 19-30 do
CPT, como so o Direito Informao (que integra os
esclarecimentos relativos interpretao das leis fiscais, as
informaes relativas a peties e reclamaes do contribuinte e a
comunicao ao denunciado do autor das denncias dolosas);
e) a fundamentao e notificao dos actos em matria tributria;
f) o direito a juros indemnizatrios;
g) o direito a reduo das coimas em caso de pagamento espontneo;
h) outras garantias referentes ao processo penal fiscal.

Uma boa parte destas garantias, como garantias fundamentais que


so, tm j a sua reserva parlamentar fixada no art. 165, n 1, al. b), da
Constituio, reserva esta que assim absorve quanto a estas garantias, a
resultante (da conjugao) dos arts. 165, n1, al. i) e 103, n 2. Isto porque,
escreve Casalta Nabais47, a reserva imposta para estes preceitos no mais
exigente que a prevista naqueles.
Em concluso, dir-se- que o n 2, do art. 103, da ltima reviso
constitucional, estabelece o princpio da reserva de lei formal.

47 Cfr. JOS CASALTA NABAIS, Contratos Fiscais (Reflexes Acerca da Sua Admissibilidade), in Boletim da
Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, p. 245.

41
As garantias dos Contribuintes

A exigncia de lei formal retira-se do preceituado na al. i), do n 1, do


art. 165 e no art. 166, com referncia do art. 161, al. d) da Constituio
da Repblica Portuguesa.
Da conjugao destes preceitos resulta ter sido atribuda Assembleia
da Repblica a exclusividade da competncia para legislar, ou para autorizar
o Governo a legislar, em matria de criao de impostos e sistema fiscal e,
em consequncia, ter de revestir a forma de lei ou decreto-lei em caso de
autorizao a emisso das normas tributrias.
Mas, trata-se, mesmo, de uma reserva absoluta da lei formal e no
apenas de reserva relativa, porque o referido n 2, do art.103, da actual
Constituio, reserva lei a determinao da incidncia, das taxas, dos
benefcios fiscais e das garantias do contribuinte, sendo, por isso, prpria
lei que cabe tipificar estes elementos essenciais da relao jurdico-
tributria.
O princpio da legalidade consagra-se, assim, na exigncia da reserva
relativa de lei formal para todas as matrias respeitantes ao sistema fiscal, e,
na exigncia da reserva absoluta de lei formal para a determinao das
matrias contidas no n 2, do art. 103, da actual Constituio.
Uma vez que a nossa Constituio permite que a Assembleia da
Repblica autorize o Governo a legislar por decreto-lei sobre a criao de
impostos e sistema fiscal (art. 165, n 1, al. i)) no significa que seria
violado o princpio de reserva de lei formal.
Com efeito, ao definir o objecto, o sentido, a extenso e a durao da
autorizao (art. 165, n 2) , ainda, a lei de autorizao que contm os
fundamentos e os critrios de deciso dos casos concretos que ho-de ser
consagrados no decreto-lei e determinar a conduta da administrao.
Acresce ainda que, o princpio de reserva absoluta de lei no
equivalente a reserva exclusiva de lei da Assembleia da Repblica,
porquanto, tambm o Governo tem competncia legislativa fundada em
autorizao legislativa concedida por aquela Assembleia.

42
As garantias dos Contribuintes

Cabe, pois, concluir que a reserva absoluta tipificante e exclusiva em


sentido material atendendo, portanto, ao contedo normativo e no ao
sentido orgnico.
O princpio da legalidade apresenta-se na nossa Constituio como
dupla exigncia: de lei formal (lei da Assembleia da Repblica ou decreto-lei
autorizado); lei tpica e taxativa (reserva absoluta).
A expresso lei de que fala o n 3, do art.103 da actual Constituio,
tem um sentido material, porquanto se est a referir liquidao e cobrana
em termos processuais, uma vez que os aspectos substantivos dos
respectivos processos esto sujeitos lei formal, por contemplarem sempre
matrias contidas no n 2, do art. 103.
Contudo, h diversos autores que sustentam a tese contrria com o
fundamento de que existiria uma m tcnica legislativa na utilizao da
expresso lei se esta fosse usada com dois sentidos num mesmo preceito,
pelo que no n 3 tambm se trata de lei formal.
Mas mais. Com a reviso constitucional de 1989 o legislador
constitucional alterou o n 1, do art. 106 - actual art. 103, n 1 da
Constituio retirando do corpo do artigo a frase: O sistema fiscal ser
estruturado por lei . O que significa que o legislador constitucional, nesta
matria, teve inteno deliberada de amput-la da reserva absoluta de lei.
O que no se verifica no art. 103, n 3 da actual Lei de reviso
constitucional, que permanece, at hoje, inalterado, pese embora as
diferentes revises constitucionais, onde o termo lei deveria, assim, ter o
significado de reserva absoluta de lei.
Viso diferente a de Domingos Pereira de Sousa48 que entende que:
se a inteno do legislador fosse a de submeter toda a matria de
liquidao e cobrana reserva de lei formal, t-lo-ia feito, desde logo, pela
incluso de tais matrias no n 2. A razo que levou o legislador a destacar
tais matrias para o n 3 (reserva material), prende-se com a separao entre
os aspectos substantivos e adjectivos, .

48 Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes ob. cit. p. 68

43
As garantias dos Contribuintes

No que respeita s normas inseridas no captulo da liquidao e


cobrana, consideram-se submetidas ao princpio da legalidade, sempre que
revistam natureza substantiva. Seja por referncia taxa, enquanto regra
definidora da base aliquota da matria colectvel, seja na consagrao das
vrias formas de cobrana que, para alm de cumprimento, possam levar
extino da obrigao tributria.
No mesmo sentido, vide Casalta Nabais49, quando afirma: excluem-
se da reserva de lei formal todos os outros aspectos mormente os relacionados
com a liquidao (lato sensu) e a cobrana dos impostos, bem como as
diversas e, por vezes, complexas operaes em que estas se desdobram. Com
efeito, estes elementos dos impostos no so hoc sensu elementos essenciais
podendo, por isso mesmo, constar de decreto-lei, de decreto legislativo regional
quando se trate de exercer o correspondente poder tributrio regional ou de
adaptar o sistema fiscal nacional s respectivas especificidades regionais, nos
termos, respectivamente, da lei e de lei-quadro da Assembleia da repblica
(). O que significa por outras palavras que o termo lei usado no art. 106, n 3
actual 103, n 3 deve ser tomado no sentido de lei material e no no
sentido de lei formal.
Mais recentemente, o mesmo ilustre Professor escreve que: O princpio
da reserva de lei (formal) implica que haja uma interveno de lei parlamentar,
seja esta uma interveno material a fixar a prpria disciplina dos impostos,
ou uma interveno de carcter meramente formal, autorizando o Governo-
legislador, as assembleias legislativas regionais ou as assembleias das
autarquias locais a estabelecer, dentro de certas coordenadas que ho-de
constar da respectiva lei de autorizao, essa disciplina (arts. 165, n1, al. i),
1 parte, 227, n 1, al. i), e 238, n 3, da CRP).
Por seu lado, o princpio da reserva material (substancial ou
conteudstica) de lei (formal), () exige que a lei (lei da AR, decreto-lei
autorizado, decreto legislativo regional ou regulamento autrquico) contenha a
disciplina to completa quanto possvel da matria reservada, matria que,
nos termos do n 2 do art. 103 da CRP, integra, relativamente a cada

49 Cfr. JOS CASALTA NABAIS, Contratos Fiscais ob. cit. p. 246

44
As garantias dos Contribuintes

imposto, a incidncia, a taxa, os benefcios fiscais e as garantias dos


contribuintes, sendo certo que, quanto s garantias dos contribuintes, a
reserva apenas exigida se e na medida em que estas sejam objecto de
restrio ou condicionamento e j no quando forem objecto de ampliao ou
alargamento.
E aqui temos a intensidade (ou aspecto vertical) da reserva de lei fiscal
a implicar que a lei contenha os elementos essenciais de cada imposto, ou
seja, que defina a incidncia lato sensu de cada imposto, e em termos
determinados ou determinveis. O que significa que a lei deve abranger todas
as normas relativas incidncia real ou objectiva, material, temporal,
quantitativa e espacial), incidncia pessoal ou subjectiva (sujeitos activo e
passivo, incluindo nestes o contribuinte, os responsveis, os substitutos, etc.),
taxa e aos benefcios fiscais.
E deve abranger estas matrias quer se trate da criao ou aumento
dos impostos como da sua extino ou diminuio, pois que, como afirmou o
TC50, no pode interpretar-se restritivamente a reserva de competncia da
Assembleia da Repblica em matria fiscal, de forma a no considerar
abrangidas por ela as normas que beneficiem os contribuintes, apoiando-se
para tanto no fundamento democrtico e no exclusivamente liberal do
princpio da legalidade formal.
Em contrapartida, a reserva de lei decorrente do princpio da legalidade
formal no abrange qualquer outra matria fiscal.
Designadamente, no abrange a liquidao e cobrana dos impostos,
momentos estes cuja disciplina no est assim sujeita ao princpio da
legalidade formal, mas apenas ao princpio geral da legalidade da
administrao pblica.
O que significa que no aderimos posio de uma parte significativa
da doutrina, a qual, com base no n 3 do agora art. 103 da Constituio, em
que se dispe que ningum pode ser obrigado a pagar impostos cuja
liquidao e cobrana se no faam nos termos da lei, defende que a
disciplina de tais momentos da vida do imposto est constitucionalmente
50 V. ACRDO 48/84 (Ac. T.C. 3, p. 7), que segue a orientao de J. M. CARDOSO DA COSTA, Curso de Direito
Fiscal, cit. P. 116 e s. e nota 1.

45
As garantias dos Contribuintes

sujeita reserva de diploma legislativo, isto , de lei, decreto-lei ou decreto


legislativo regional. Efectivamente, nada nos leva a crer que a palavra lei,
utilizada no preceito constitucional em causa, tenha o sentido de diploma
legislativo e no de norma jurdica.
O que, naturalmente, no exclui que a disciplina da liquidao e
cobrana dos impostos possa integrar outras reservas de lei, na medida em
que a mesma se localize em alguma das matrias constitucionalmente
reservadas.
Designadamente, pode integrar a reserva respeitante aos limites, aos
direitos, liberdades e garantias fundamentais, na medida em que a disciplina
da liquidao e cobrana dos impostos afecte a esfera jusfundamental dos
contribuintes ou outros sujeitos fiscais. Uma situao que no ser difcil de se
verificar, atendendo ao fenmeno da crescente privatizao da
administrao ou gesto dos impostos.51

V OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CONTRIBUINTES


Quanto a esta matria, escreve Vtor Faveiro52 que: No campo
tributrio, toda a ordem de causa, de fim, de realidades e de instituies que
constituem o objecto geral da fiscalidade, comea por um complexo de deveres
que sendo inatos da pessoa humana como ser social, sem os quais e sem o
seu efectivo cumprimento, nunca a colectividade nem as pessoas que a
constituem poderiam realizar-se como tais; e de tais deveres que emerge por
natureza e por disposies institucionalizadas, a outra face da vida social: um
complexo de direitos que se impem aos outros compartilhantes da sociedade
politicamente organizada, e ao prprio Estado ente poltico de organizao,
de incumbncias e de aco quer delimitando os poderes de soberania, quer
exigindo, desta, actuaes concretas para a realizao integral de todos e de
cada um.

51 Vide JOS CASALTA NABAIS, in Direito Fiscal, 2 Edio, Almedina.


52 Cfr. VTOR FAVEIRO, in O Estatuto do Contribuinte, A pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito,
Coimbra Editora, p. 883, 885 e 886.

46
As garantias dos Contribuintes

Integrados e considerados os deveres do contribuinte pessoa e


cidado numa ordem estatutria a que legitimamente no pode subtrair-se
sem quebra do seu status pessoal de titular de um dever-direito importa,
naturalmente, considerar agora a outra face do estatuto: a dos direitos que
emergem naturalmente da sua qualidade de pessoa e que juridicamente lhe
cabem como cidado.
Entre os direitos dos contribuintes destacam-se:
a) direito legalidade do prprio objecto material das leis tributrias e
da sua rigorosa subordinao aos princpios, pressupostos e limites
do poder de tributar princpio da legalidade e da igualdade
tributrias;
b) direito legalidade formal e da competncia para a elaborao,
objecto e eficcia das leis tributrias;
c) direito interpretao e determinao da amplitude das normas
tributrias;
d) direito no retroactividade das leis de incidncia;
e) direito ao valor das provas e sua imputao;
f) direito ao efeito do regime das situaes de direitos adquiridos,
perante as novas leis ou novos actos de aplicao das leis
existentes;
g) direito reintegrao dos direitos violados e reconstituio dos
interesses ofendidos;
h) direito de acesso do contribuinte ordem jurdica tributria, em
que se compreendem entre outros: o direito participao na
elaborao das leis fiscais; da participao na sua aplicao s
realidades e s pessoas a que respeitam; do direito de defesa contra
os erros da aplicao das leis; do direito de resistncia contra
procedimentos ilegais; dos direitos de reclamao, de reviso e de
recurso dos actos administrativos; dos direitos de impugnao e
aco judicial para declarao da legalidade; do regime das caues
para o exerccio de direitos; da personalidade, capacidade e
legitimidade em mbito de diferendos administrativos ou litgios

47
As garantias dos Contribuintes

judiciais; do direito a ser indemnizado por danos decorrentes de


actos ilegais do Estado e dos seus rgos; enfim, de todos os meios
para a certeza e garantia dos direitos das pessoas e dos cidados.

Depois de termos analisado a garantia das garantias dos contribuintes


consubstanciada no princpio da legalidade, cumpre, agora, com interesse
para o nosso trabalho, analisar duas outras garantias:

A) A SEGURANA JURDICA
A primeira encontra-se em relao directa com o art. 103, n 3 da
actual Constituio e , A SEGURANA JURDICA.
A primeira ameaa contra a segurana jurdica na criao das normas
fiscais, podemos encontr-la, desde logo, no desfasamento existente entre a
nossa Lei Fundamental e algumas normas em branco constantes dos
vrios Oramentos de Estado, deixando ao arbtrio dos Governos a definio
de elementos essenciais dos impostos, em clara violao dos arts 103, n 2 e
165, n 1, al. i) e n 2 ambos da Constituio.
Com efeito, no foram poucos os casos em que se alterou o regime de
um imposto por um Decreto-Lei, apesar de consagrada na Constituio a
reserva absoluta de lei formal.
Tem sido frequente, entre ns, a criao de verdadeiros impostos sob a
designao artificiosa de taxas, contribuies, quotizaes e outras que,
furtando-se exigncia da reserva absoluta de lei formal, violam gravemente
a segurana jurdica.
Constitui, igualmente, perigo de violao da segurana jurdica a
contnua criao de novas normas com a consequente derrogao das
anteriores o que, no permite dotar de estabilidade mnima os componentes
bsicos do sistema fiscal.
Mas, a mais grave das violaes segurana jurdica reside na
incerteza e na falta de confiana no Direito, que sempre gera a criao de
impostos extraordinrios com efeito retroactivo, em frontal desrespeito pelos
valores fundamentais do Estado-de-Direito.

48
As garantias dos Contribuintes

Assim, entende Domingos Pereira de Sousa53 que: a no


retroactividade das leis fiscais constitui um dos pressupostos fundamentais
do Estado-de-Direito, enquanto Estado que tem na segurana jurdica um dos
seus valores essenciais.
Sendo que as leis retroactivas tm sempre por objecto um rendimento
anteriormente produzido e, j atribudo ou aplicado a outros fins, acontece
que, a retroactividade da lei fiscal vai destruir a certeza de que partiram os
contribuintes atingidos, ao tomarem as suas iniciativas e assumirem as suas
responsabilidades, amputando-se, assim, em termos ilegtimos e injustos o
patrimnio dos particulares.
Afectando, deste modo, a livre disponibilidade dos bens por parte dos
particulares, a lei fiscal retroactiva acaba por destruir a prpria garantia que
, por si, fundamental essncia do Direito.
O problema da retroactividade da lei assume, em Direito Fiscal, uma
relevncia muito especial.
Com efeito, a maior parte dos autores que sobre o tema se
pronunciaram, nem sempre distinguem entre poltica legislativa e
interpretao e aplicao da lei, acabando, quase sempre, por tratar
unilateralmente um problema que necessita de ser abordado na dupla
perspectiva de criao da norma e da aplicao da norma ao caso concreto.
Para Domingos Pereira de Sousa54, no mbito das limitaes
constitucionais ao poder de tributar coloca-se a questo de saber se devem
considerar-se inconstitucionais as leis que, formulando normativos novos
sobre as matrias compreendidas no art. 106, determinem expressamente a
sua aplicabilidade retroactiva, abrangendo mesmo factos ou situaes
anteriores sua entrada em vigor.
A doutrina fiscalista vinha reconhecendo, no direito portugus, a
impossibilidade, face aos princpios fundamentais de Direito, da aplicao
retroactiva das leis fiscais em matria de reserva absoluta de lei formal55.

53 Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes ob. cit. p. 77.
54 Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes ob. cit. ps. 78 e 79.
55 Sobre a questo, em Portugal Cfr. OLIVEIRA SALAZAR, Da no retroactividade das leis em matria tributria,
Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra.

49
As garantias dos Contribuintes

Contudo, no havia, nesta altura, coincidncia quanto


fundamentao do princpio da no retroactividade. Vejamos, algumas
posies:
a) Assim, para alguns autores, o fundamento da no retroactividade
residiria na circunstncia de as normas tributrias serem normas
de conduta e como tais s poderem regular factos futuros.
Da que para serem acatadas, tais normas teriam de ser
previamente conhecidas.
Este entendimento no pode hoje ser aceite porquanto, as normas
de incidncia, benefcios fiscais, taxas ou garantias do
contribuinte no so normas de conduta.
Trata-se de normas que estabelecem efeitos visando factos
tributrios e no actos humanos. De resto, a doutrina moderna
reconhece que as normas jurdicas nem sempre so normas de
conduta. Cfr. J. Oliveira Ascenso in O Direito, Introduo e
Teoria Geral, Pg. 181
b) Uma boa parte da doutrina fundamenta a no retroactividade das
leis fiscais no princpio da certeza e na segurana jurdica,
defendendo que as leis tributrias retroactivas afectam os
clculos econmicos dos contribuintes, trazendo graves
perturbaes vida econmica e social cfr. Armindo Monteiro
ob. cit. P. 158; Soares Martnez in Manual de cit. Pg 147
c) Para outros a no retroactividade de leis fiscais seria um corolrio
do princpio da igualdade56, do qual decorre que, num mesmo
perodo, devem ser aplicadas a todos os contribuintes as mesmas
regras relativas repartio do imposto.

Para Domingos Pereira de Sousa57: da retroactividade no resulta


forosamente violao do princpio da igualdade.
Com efeito, a aplicao da lei fiscal a factos passados s poder
conduzir a desigualdade, se for dado tratamento desigual Mas, uma
56 BRAZ TEIXEIRA, Princpios cit. Pg 135.
57 Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes ob. cit. p. 80 e 81.

50
As garantias dos Contribuintes

desigualdade, nestes termos tambm possvel quando aplicada a factos


futuros. De resto, toda a sucesso de leis acaba por conduzir a regimes
jurdicos desiguais.
Nessa perspectiva a explicao no colhe, porquanto havendo
retroactividade da lei, no haver desigualdade se num mesmo perodo se
aplicarem as mesmas regras a todos os contribuintes
d) Finalmente, a maior parte da doutrina Alerto Xavier, Manual
cit. P.191; Pessoa Jorge, Cursocit. P. 129 e parte significativa
da jurisprudncia administrativa, defende a proibio da
retroactividade das normas de direito tributrio material, com
base no princpio da legalidade que decorre do princpio da
proteco da confiana em que se traduz a segurana jurdica.

Na verdade, escreve Domingos Pereira de Sousa, ao princpio da


legalidade est subjacente a ideia de evitar os abusos e prepotncias do
Fisco, protegendo-se a esfera dos direitos subjectivos dos particulares contra
os subjectivismos da administrao. Subjacente est, pois, a ideia de
segurana dos cidados, de estabilidade os seus direitos e deveres.
Esta certeza um valor fundamental sem o qual no pode haver
estabilidade e paz social, porquanto s com ela podero os contribuintes
ajuizar as consequncias dos seus actos, saber quais os seus deveres e as
garantias que a ordem jurdica lhes fornece e, nessa conformidade traar e
executar os seus planos.
Assim, apresenta-se inadmissvel a derrogao do princpio da
segurana jurdica, que tem por instrumento o princpio da legalidade, razo
que determina a inconstitucionalidade material de toda a lei que se pretenda
retroactiva, por violar frontalmente a garantia da segurana que para os
contribuintes advm do princpio da legalidade.
A retroactividade da lei tributria material constitua, deste modo, a
mais grave e ostensiva negao do Prprio Direito.
O legislador, deve, pois, um respeito absoluto ao valor da segurana
jurdica, sob pena de por em causa a indispensvel confiana dos cidados

51
As garantias dos Contribuintes

na ordem jurdica que, h-de ser, ela prpria, a garantia dos direitos
subjectivos constitudos com anterioridade lei criadora do imposto.
At Lei Constitucional n 1/97, de 20 de Setembro, o princpio da
no retroactividade das leis, excepo da Carta Constitucional de 1826
(art. 141, 2), no foi objecto de consagrao constitucional explcito.
Embora unnime em negar a consagrao expressa da no
retroactividade das leis fiscais a nvel constitucional, a doutrina
apresentava-se dividida no que respeita consagrao implcita de um tal
princpio, especialmente em face das Constituies de 1911, 1933 e 1976.
Assim, alguns autores e alguma jurisprudncia defendiam que, com
excepo para as leis da incriminao, punio e medidas de segurana
desfavorveis, o princpio da no retroactividade das leis no tem
consagrao constitucional, podendo o legislador, por lei ordinria, criar
impostos retroactivos, e aplicar retroactivamente todas as outras normas
tributrias.
Nesta linha, pode-se considerar ainda aqueles que, relevando para
segundo plano a segurana jurdica preferem continuar o silncio
constitucional, deixando o problema para a Jurisprudncia, convictos de que
no casusmo se encontrar a soluo mais justa e mais equilibrada.
Todavia, a parte mais significativa da nossa doutrina defendeu que o
princpio da no retroactividade das leis fiscais est implicitamente
consagrado nas Constituies de 1933 e 1976.
Contudo, estes autores dividiam-se quanto ao respectivo fundamento.
Enquanto uns afirmavam que a proibio da retroactividade decorre
do princpio da igualdade, outros retiravam-na do princpio da legalidade.
Divergncia que se estendia, ainda, ao facto de uns autores,
considerarem que o princpio da no retroactividade se dirige somente ao
intrprete, enquanto outros, defendem que se trata de princpio
constitucional dirigido ao legislador.
Domingos Pereira de Sousa58 era adepto deste segundo entendimento
considerando que a matria da interpretao e aplicao da lei, ou seja, a

58 Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes ob. cit. p. 85.

52
As garantias dos Contribuintes

exigncia feita ao intrprete, est consagrada na ordem jurdica (art. 12 do


Cdigo Civil) como clara manifestao da segurana jurdica que h-de
presidir s relaes jurdicas em geral.
Vejamos algumas posies adoptadas pelos autores em defesa da
consagrao implcita nas Constituies Portuguesas do princpio da no
retroactividade das leis fiscais.
Em face do texto constitucional de 1933, defendeu Cortes Rosa que o
princpio da no retroactividade das leis fiscais tinha consagrao
constitucional implcita no art. 28, o qual estabelecia que: todos os cidados
sos obrigados a contribuir conforme os seus haveres, para os encargos
pblicos.
Segundo este autor, atravs do citado preceito, o legislador
constitucional formulava simultaneamente dois comandos.
Um primeiro comando dirigido ao legislador ordinrio, no sentido de
fazer contribuir os cidados para os encargos pblicos na proporo dos seus
haveres, e, um segundo comando dirigido ao intrprete, no sentido de
presumir que a lei no pretende estabelecer diferenas entre a contribuio
dos cidados para as despesas pblicas, salvo as diferenas correspondentes
diversa riqueza de cada um.
Em face da mesma Constituio de 1933, defendeu o Prof. Alberto
Xavier que do prprio fundamento poltico-filosfico do princpio da legalidade
resulta a necessidade de se interpretar o art. 70 da Constituio no sentido
de que contm implcita uma proibio constitucional de retroactividade em
matria de impostos.
Referindo-se, de seguida, atitude do legislador constitucional
portugus em relao s leis penais, proibindo a retroactividade (art.8, n 9),
este autor conclui que o legislador constitucional no refere a a mesma
proibio para as leis fiscais, pela simples razo de que tal proibio se
encontra j consagrada no art. 70.
Portanto, para Alberto Xavier o princpio da no retroactividade tem
consagrao constitucional implcita.

53
As garantias dos Contribuintes

Ele decorre, pois, do princpio da legalidade (art. 70 da Constituio de


1933), princpio que na Constituio Portuguesa de 1976 (art. 106, n 2) se
configura como princpio de reserva absoluta de lei formal, cujo contedo tpico
e taxativo se dirige ao legislador e no ao intrprete.
precisamente o facto de o comando se dirigir ao legislador ordinrio,
que nos leva a entender que so materialmente inconstitucionais as leis fiscais
retroactivas.
No que respeitava Constituio de 1976, vrios autores pronunciaram-
se pela consagrao implcita do princpio da no retroactividade das leis
fiscais, embora com fundamentos diversos.
Para Gomes Canotilho e Vital Moreira o art. 106, n 2 suscita ainda a
questo da retroactividade da lei fiscal, devendo entender-se que a ratio da
reserva de lei formal designadamente a segurana e a certeza jurdicas, a
proteco das expectativas dos contribuintes inclui implicitamente a
proibio de atribuio de efeitos retroactivos lei fiscal.
Para estes autores, a regra da no retroactividade das leis fiscais
poderia deduzir-se, eventualmente do princpio da no retroactividade das leis
de imposio de deveres ou encargos, implcito no princpio da legalidade
democrtica.
Na leitura que fazem do art. 3 do texto constitucional de 1976, tentam
os referidos autores explicitar o contedo do conceito de legalidade
democrtica.
Comeando por afirmar que o Estado no est fora nem acima da lei,
da ordem jurdica. Est-lhe submetido, os referidos autores defendem que a
legalidade democrtica, em que o Estado se funda abrange bastante mais do
que a mera legalidade formal da actividade da Administrao.
A verdadeira legalidade reside, assim, no modo de formao e no
contedo do acto normativo.
S assim se compreende e justifica que estes autores liguem o conceito
de legalidade democrtica ao Estado de Direito democrtico e ao conjunto de
princpios jurdico-fundamentais expressos ou aflorados noutros lugares da
Constituio, ou nela apenas implcitos.

54
As garantias dos Contribuintes

E, sem dvida, que entre estes ltimos se encontra o princpio da no


retroactividade das leis impositivas de deveres ou outros encargos aos
cidados.59
Concluindo, dir-se- que para estes autores, o princpio da no
retroactividade das normas de direito tributrio material decorria,
implicitamente, no s do princpio da legalidade consagrado no art. 106, n
2 da Constituio de 1976, mas ainda do princpio mais geral da legalidade
democrtica, com o seu corolrio da no retroactividade das leis impositivas
de deveres ou outros encargos aos cidados.
Outros autores defendiam, simplesmente, que o princpio da no
retroactividade das leis fiscais estava implcito na formulao constitucional
do princpio da legalidade, consagrado no art. 106, n 2 da Constituio de
1976, o qual configuramos com uma reserva absoluta de lei formal60.
Contudo, aps a reviso constitucional operada em 1982, h quem
entenda que o art. 18, n 3 da Constituio de 1976, ao vedar efeitos
retroactivos s leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, transcende
o mbito do Ttulo II, da Parte I da Constituio, abrangendo tambm, entre
outros, os direitos, liberdades e garantias, assegurados pelos preceitos do
art. 106. a posio defendida pelo professor Soares Martnez.
Para idntica posio, embora com algumas hesitaes, estiveram
inclinados Gomes Canotilho e Vital Moreira ao admitirem que constituindo a
obrigao fiscal um sacrifcio imposto aos cidados, pode colocar-se o
problema de saber se esse dever goza, por analogia, das garantias que
protegem os direitos fundamentais, em caso de restries autorizadas,
designadamente, quantos aos princpios da necessidade e de no
retroactividade 61.

Admitindo a complexidade da questo sobretudo nem face das


dificuldades em apurar um conceito seguro de imposto retroactivo, os
referidos autores acabam por concluir que seja como for, quando se estiver
perante imposies fiscais real e autenticamente retroactivas, parece dever

59 Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituio, cit. Pp. 37-38.


60 Cfr. JORGE MIRANDA Lies, cit. 156 e Projecto de Reviso Constitucional, p. 90.
61 Cfr. art. 18, n 2 e 3 da Constituio de 1976)

55
As garantias dos Contribuintes

admitir-se que isso ofende, se no um princpio geral da irretroactividade das


obrigaes pblicas em geral, pelo menos o princpio do Estado de Direito
democrtico naquilo em que este pressupe a salvaguarda de um mnimo de
confiana e de segurana dos cidados que os ponha a salvo de inesperadas
e arbitrrias imposies de novas obrigaes.
Leitura bem diversa fazia, por esta altura, o Supremo Tribunal
Administrativo62.
A jurisprudncia deste tribunal defendia que, a criao de um imposto
com efeitos retroactivos ou a aplicao a rendimentos ou factos geradores
ocorridos antes da entrada em vigor da lei criadora desse imposto,
equivaleria a negar-se ao contribuinte a garantia da defesa consagrada na al.
a) do art. 176 do Cdigo do Processo das Contribuies e Impostos. Dito de
outra forma, o contribuinte ficaria impossibilitado de provar que o respectivo
imposto no tinha a sua cobrana autorizada para o respectivo ano na Lei do
Oramento.
Defende, pois, o Supremo Tribunal Administrativo que o princpio da
no retroactividade da lei fiscal est aflorado na al. a) do art. 176 do
C.P.C.I., decorrendo assim, do princpio da anualidade do Oramento,
consagrado no art. 108 da Constituio de 1976.
Apesar da reviso constitucional de 1982 ter alterado o art. 108,
deixando de consagrar explicitamente o princpio da anualidade, a doutrina
entende que o referido princpio est consagrado indirectamente, atenta a
relao estabelecida entre o Oramento e o Plano anual, nos termos do art.
93, al c) da Lei de reviso constitucional de 1982.
H ainda quem defenda que, caso assim no se entendesse, sempre a
anualidade seria imperativa por fora de um costume constitucional
vinculativo.
Nesta sequncia, encontramos ainda aqueles que categoricamente
afirmavam que o oramento anual, ainda que a Constituio no o diga
expressamente, no s porque isso decorre naturalmente de um princpio
tradicional indisputado, que a Constituio certamente deu por adquirido,
62 Cfr. ACRDO de 29 de Outubro de 1980 in Acrdos Doutrinais, n. 230 p. 197 e ss e Acrdo de 4 de Maro de
1982 in Acrdos Doutrinais n 247, p. 956 e ss.

56
As garantias dos Contribuintes

mas tambm porque, sendo o Oramento a expresso financeira do plano


anual (cfr. art 93, al c) da lei de reviso constitucional de 1982), h-de
logicamente abranger o mesmo perodo de tempo.
Surpreendente foi a posio assumida pelo Tribunal Constitucional, no
seu Acrdo n 11/83, onde reconhecia que o princpio da proteco da
confiana dos cidados uma exigncia indiscutvel do Estado de Direito, o
que impe que o Estado no actue por forma a pr em crise os direitos e
expectativas que os cidados legitimamente constituram sombra da ordem
jurdica vigente o Estado no deve agir de forma a trair a confiana dos
cidados.
Mas, de imediato se contradiz ao afirmar que se o princpio da
proteco da confiana, nsito na ideia de Estado de Direito democrtico, no
exclui em absoluto a possibilidade de leis fiscais retroactivas, exclui-a
seguramente quando se esteja perante uma retroactividade intolervel, que
afecte de forma inadmissvel e arbitrria os direitos e expectativas
legitimamente fundadas dos cidados contribuintes.
Ora, tais posies, levavam, para Domingos Pereira de Sousa63, a pr
em causa o valor da segurana jurdica e a um total desprezo pela confiana
dos cidados, que o Tribunal Constitucional diz decorrer
inquestionavelmente da ideia do Estado de Direito.
Mas mais, punham em causa a tese anteriormente defendida pelo
Supremo Tribunal Administrativo segundo a qual, a votao prvia dos
impostos que haviam de vigorar no perodo financeiro subsequente era um
imperativo constitucional que constitua uma garantia expressamente
consagrada no art. 186, al. a) do C.P.C.I.
Com esta tese o Tribunal Constitucional nem se deu conta que estava
a ser violada a garantia constitucional da autorizao anual prvia das
receitas dos impostos.
Nem se diga que, no estando expressamente proibida pela
Constituio, a retroactividade das leis fiscais ser legtima sempre que se
trate de uma situao de necessidade do Estado.

63 Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes ob. cit. p. 93.

57
As garantias dos Contribuintes

Com a Lei Constitucional n 1/97, de 20 de Setembro, consagrou-se


expressamente no art. 103, n 3, que ningum pode ser obrigado pagar
impostos que no hajam sido criados nos termos da Constituio, que
tenham natureza retroactiva ou cuja liquidao e cobrana se no faam
nos termos da lei.
Tambm com a Lei Geral Tributria, estabeleceu-se, no n 1, do seu
art. 12, que: as normas tributrias aplicam-se aos factos posteriores sua
entrada em vigor, no podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.
que as leis tributrias, como quaisquer outras, so sujeitas ao
princpio do art. 12 do Cdigo Civil segundo o qual as leis s dispem para
futuro, e no afectam as situaes constitudas. E nesta base que a
doutrina e a jurisprudncia seguem, a respeito das leis fiscais, a orientao
seguinte: As leis fiscais de natureza processual so de aplicao imediata em
tudo o que respeite a procedimentos ou efeitos ocorridos na sua vigncia; as
leis de natureza substantiva no se aplicam a factos passados, excepto
quando, inequivocamente, tenham carcter interpretativo, ou quando,
expressamente, nelas se estabelea o seu efeito retroactivo.
Tais normativos tiveram como objectivo pr termo s dvidas64 que a
doutrina, a jurisprudncia e a administrao, vinha sustentando quanto
no abrangncia da proibio de leis expressamente retroactivas pelo n 3 do
art. 18 da Constituio (As leis restritivas de direitos, liberdades e
garantias tm de revestir carcter geral e abstracto e no podem ter efeito
retroactivo nem diminui a extenso e o alcance do contedo essencial dos
preceitos constitucionais.), s que, nos termos em que foram formulados,
ainda no resolveram toda a problemtica da no retroactividade das leis
tributrias, designadamente: o mbito de inconstitucionalidade das leis que,
expressa ou implicitamente se reportem a factos ou situaes passadas; a
problemtica das situaes de grave emergncia em mbito financeiro
pblico; o campo da concepo de factos passados, e da abrangncia ou
excluso de mbito de tal regime das leis mais benvolas; e das leis que

64 V.g. o supra descrito anteriormente entrada da Lei Constitucional n 1/97 de 20 de Setembro.

58
As garantias dos Contribuintes

alterem, para mais ou para menos, as taxas da presso fiscal e o objecto e


regime dos benefcios fiscais65.
Vtor Faveiro66 resolve a problemtica enunciada da seguinte forma:
a) Quanto problemtica das ilegalidade ou legalidade constitucional
das leis substantiva que, expressa ou implicitamente, se reportem a
factos ou situaes passadas devem considerar-se os novos
preceitos do n 3, do art. 103 da Constituio e do n 1 do art. 12
da Lei Geral Tributria como confirmativas e aclaradoras da
garantia de no retroactividade das leis fiscais que afectem as bases
da capacidade contributiva das pessoas, das coisas, e dos valores
tomados pela lei vigente ao tempo da incidncia da lei princpio
subjacente ao n 3 do art. 18 da Constituio. Nesta sequncia,
importa ter em conta a jurisprudncia do Tribunal Constitucional
sobre a temtica da retroactividade em situaes pblicas de
premncia do interesse superior aos da ordem normal e corrente,
que pode, eventualmente, vir a afectar a segurana do princpio em
causa.
Relativamente a uma lei que, em certo ano da dcada de 70 criou
um imposto extraordinrio sobre os lucros das sociedades do
exerccio anterior, o Tribunal Constitucional estabeleceu a
jurisprudncia que pela doutrina e pela administrao foram
acatadas, de que as leis que expressamente declarem o seu efeito
retroactivo em matria tributria podem considerar-se como no
feridas de inconstitucionalidade quando o seu estabelecimento
assente em razes de premncia de ordem financeira estadual que
se sobreponham aos pressupostos de ordem jurdica de certeza e
segurana das situaes jurdicas individuais. Caberia ento ao
65 Sobre o mesmo assunto vide JOS CASALTA NABAIS, in Direito Fiscal, pg. 145, quando afirma que: o princpio
da segurana jurdica, nsito na ideia do Estado de Direito democrtico, est longe, porm, de ter sido totalmente
absorvido pelo novo preceito constitucional ( art. 103, n 3). certo que ele deixou de servir de balana na
ponderao nos bens jurdicos em presena quando estamos perante um imposto afectado de retroactividade
verdadeira ou prpria. Quando tal acontecer, a soluo est agora ditada, urbi et orbi, na Constituio, no podendo
os rgos seus aplicadores, sem violao dela, proceder a uma ponderao casusta.
66 Cfr. VTOR FAVEIRO, in o Estatuto do Contribuinte, A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito, pg.
932 e ss

59
As garantias dos Contribuintes

aplicador de leis expressamente reportadas a factos ocorridos em


exerccios anteriores, analisar os caracteres de tais leis, a sua
natureza e fundamento, e o seu enquadramento na ordem geral da
poltica financeira, expressa ou implicitamente revelada nas
manifestaes do Governo ou da Assembleia da Repblica sobre a
programao oramental, a gesto dos fundos pblicos, e as
caractersticas excepcionais da situao conjuntural do Pas e sua
relao com os princpios e interesses fundamentais da ordem
colectiva de certeza e segurana das situaes jurdicas e do
respectivo objecto econmico e social; e concluir se, sem tais leis, a
ordem econmica, a ordem social, a ordem poltica de autenticidade
nacional, poderiam sobreviver, ou continuar a realizar-se sem
hiatos e com dignidade.
Sucede que esta teoria, e as situaes de gravidade que a
fundamentam, no era exclusiva do teor da Constituio anterior
redaco actual do n 3 do art. 103, podendo ocorrer perante tais
disposies, em termos semelhantes, em graves crises de ordem
financeira nacional. E da a necessidade de se considerarem certos
caracteres especficos da ordem tributria contempornea, de
ndole scio-personalista, que no foram vistos aquando da
aplicao daquela jurisprudncia na dcada de 70.
Importa, no objecto das leis tributrias que se sucedem no tempo,
em que a lei nova tributa certas pessoas com base na capacidade
revelada em perodo anterior por certos factos ou eventos nele
ocorridos, ter em ateno se tal capacidade ainda se mantm no
novo perodo ou se no perodo anterior se extinguiu; na verdade, no
segundo caso, carece problemtica geral da retroactividade, mo
problema concreto da falta de objecto quanto ao novo imposto. E
isto tanto pode suceder quanto a leis que criem impostos novos de
natureza real sobre coisas, bens ou valores que existiam em certo
perodo mas j no existem no perodo imediato, como em relao
aos impostos pessoais que tomem por base a revelao de

60
As garantias dos Contribuintes

capacidade contributiva do seu titular no perodo anterior, pois que


a capacidade decorrente de tais coisas, factos ou valores pode j
no existir no perodo em que o novo imposto criado.
b) Quanto sucesso de leis mais benvolas, alterao das taxas de
quotidade da carga tributria, e o da alterao do regime de
benefcios fiscais j estabelecidos.
O contribuinte tem, estatutariamente, direito a opor-se
retroactividade das leis que afectem os seus direitos e interesses
legalmente protegidos, quanto a factos ou situaes tributrias
ocorridas e constitudas anteriormente sua entrada em vigor.
Se, contra a actual lei expressa do n 1 do art. 103 da Constituio
e do n 1 do art. 18 da Lei Geral Tributria, forem publicadas leis
novas que afectem os direitos e interesses legtimos dos
contribuintes constitudos anteriormente lei nova ou relativos a
factos ocorridos antes dela, tem o contribuinte direito de se recusar
ou se opor sua exigncia. Se, em conjuntura excepcional da
ordem financeira, econmica, social ou poltica, forem publicadas
leis tributrias com efeito retroactivo, com base na jurisprudncia
do Tribunal Constitucional sobre a constitucionalidade de leis
retroactivas estabelecidas por razes de premncia da ordem
financeira estadual que se sobreponham os pressupostos da ordem
jurdica da certeza e segurana das situaes jurdicas individuais,
tal qualificao s constitucionalmente aceitvel se o grau de
premncia for de tal modo que, se o Estado, no poder recorrer a
outros meios para salvar a situao de grave perturbao, se
evidenciarem perspectivas de perda, pela colectividade, de valores
essenciais e dos princpios que a regem.
Na eventual ocorrncia de tal evento, h sempre necessidade de a
lei nova assentar nos pressupostos da capacidade contributiva das
pessoas ou das coisas a que respeita a incidncia, e a existncia de
tais elementos no domnio da lei nova, sob pena de falta de objecto
do novo imposto.

61
As garantias dos Contribuintes

No que respeita sucesso de leis mais benvolas, s tm eficcia


aquelas em que expressa ou inequivocamente, a lei nova extinga as
situaes tributrias constitudas no domnio das leis anteriores,
pois que as situaes de dever de contribuir, na base da capacidade
contributiva, se constituem no domnio da lei vigente no momento
em que ocorrem os factos tributrios nelas tipificados, no sendo
por isso afectadas por leis posteriores salvo expressa dispensa por
lei de natureza poltico-financeira.
Assim designadamente quanto s taxas de quotidade da carga
tributria individual; quer a lei nova as agrave quer as beneficie.
No que respeita aos benefcios fiscais na sucesso de leis
tributrias, as leis novas possam criar benefcios que as anteriores
no contemplem; alterar os regimes de benefcios estabelecidos em
leis anteriores, ampliando-as no seu objecto, o termo e efeito
favorveis ou diminuindo-as criando para elas requisitos e
exigncias mais gravosas; ou extinguindo-as pura e simplesmente.
Quanto s leis que alterem em termos de restrio, extino ou
agravamento de benefcios ou de proposies e situaes
contratuais de mutao de regimes contributivos, no podem,
obviamente, ser aplicados s situaes em que seja manifesta a
constituio ou fruio de direitos adquiridos.
A defesa do direito do contribuinte de no retroactividade das leis
pode exercer-se atravs de impugnao do acto tributrio em que a
lei em causa seja aplicada, ou atravs de recurso ao Tribunal
Constitucional para a declarao da sua inconstitucionalidade.

B) O PRINCPIO DA TIPICIDADE
A segunda garantia dos contribuintes que vamos analisar, com
interesse para o nosso trabalho, o PRINCPIO DA TIPICIDADE.
Como dissemos supra o princpio da legalidade desdobra-se em dois
aspectos ou segmentos: no princpio da reserva de lei (formal) e no princpio
da reserva material (de lei).

62
As garantias dos Contribuintes

Aps termos analisado com detalhe o primeiro aspecto, vamos, se bem


que resumidamente, deter-nos, agora, sobre este segundo aspecto, no
menos importante.
Como vimos o princpio da reserva de lei (formal) implica que haja uma
interveno de lei parlamentar, seja esta uma interveno material a fixar a
prpria disciplina dos impostos, ou uma interveno de carcter meramente
formal, autorizando o Governo-legislador, as assembleias legislativas
regionais ou as assembleias das autarquias locais a estabelecer, dentro de
certas coordenadas que ho-de constar da respectiva lei de autorizao, essa
disciplina (arts. 165, n 1, al. i) 1 parte, 227, n 1, al. i) e 238, n 3, da
CRP).
A reserva absoluta de lei formal significa que lei cumpre determinar
quais as realidades de facto que podero ser objecto de tributao e quais os
sujeitos que ho-se ficar adstritos obrigao de pagar o imposto.
Mas, porque gerais e abstractas, as leis no identificam os factos nem
as pessoas a quem, em concreto, respeitam as normas nelas contidas.
O que implica conceder Administrao uma certa margem de
liberdade de aco, quer na descoberta e identificao dos factos, quer da
sua qualificao de harmonia com a previso normativa.
Da que, semelhana do Direito Penal, se tenha estabelecido em
Direito Fiscal, o princpio da necessria tipificao especfica dos factos ou
qualidades que, dentro do tipo genrico previsto na norma de incidncia,
ho-de constituir o objecto do imposto.
Deste modo, ao lado do nullum crimen, nulla poena sine lege a
doutrina estabeleceu quanto ao Direito Fiscal a regra do nullum tributum
sine lege.67
Por seu lado, o princpio da reserva material de lei, geralmente referido
por princpio da tipicidade, exige que a lei (lei da Assembleia da Repblica,
decreto-lei autorizado, decreto legislativo regional ou regulamento
autrquico) contenha a disciplina to completa quanto possvel da matria
reservada, matria que, nos termos do n 2 do art. 103 da CRP, integra,
67 Neste sentido cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, As Garantias dos Contribuintes, ob. cit. p. 101 e, ainda, cfr.
ALBERTO XAVIER, Manualcit. p. 119 e ss; SOARES MARTNEZ, Manual cit. pp. 105-106.

63
As garantias dos Contribuintes

relativamente a cada imposto, a incidncia, a taxa, os benefcios fiscais e as


garantias dos contribuintes, sendo certo que, quanto s garantias dos
contribuintes, a reserva apenas exigida se e na medida em que estas sejam
objecto de restrio ou condicionamento e j no quando forem objecto de
ampliao ou alargamento.
O princpio da tipicidade impe que a norma tributria contenha a
previso dos tipos gerais e abstractos de factos e sujeitos abrangidos e que o
faa de uma forma exaustiva, estabelecendo os critrios que ho-de presidir
determinao do contedo e valor das respectivas situaes jurdicas.
O princpio da tipicidade tributria enquanto expresso da reserva
absoluta de lei formal, surge como instrumento privilegiado da negao do
arbtrio, do subjectivismo e da discricionariedade da Administrao na
subsuno dos factos aos elementos do tipo normativo.
A lei deve abranger todas as normas relativas incidncia real ou
objectiva (material, temporal, quantitativa e espacial), incidncia pessoal
ou subjectiva (sujeitos activo e passivo, incluindo nestes o contribuinte, os
responsveis, os substitutos, etc.), taxa, e aos benefcios ficais.
E deve abranger estas matrias quer se trate da criao ou aumento
dos impostos como da sua extino ou diminuio, pois que, como afirmou o
TC, no pode interpretar-se restritivamente a reserva de competncia da
Assembleia da Repblica em matria fiscal, de forma a no considerar
abrangidas por elas as normas que no beneficiem os contribuintes,
apoiando-se para tanto no fundamento democrtico e no exclusivamente
liberal do princpio da legalidade fiscal.
Em contrapartida, a reserva de lei decorrente do princpio da
legalidade fiscal no abrange qualquer outra matria fiscal. Designadamente,
no abrange a liquidao e cobrana dos impostos, momentos estes cuja
disciplina no est assim sujeita ao princpio da legalidade fiscal, mas
apenas ao princpio geral da legalidade da administrao pblica68.

68 Cfr. CASALTA NABAIS, in Direito Fiscal, Almedina pg. 135 e ss..

64
As garantias dos Contribuintes

VI - A PROTECO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


Ultrapassada a questo de saber se o art.106, n 3, da CRP de 1976 -
actualmente, art.103, n 3 - consagra ou no um direito fundamental,
tendo ns optado pela soluo afirmativa, cumpre-nos, agora, a propsito da
Proteco dos Direitos, Liberdade e Garantias Fundamentais tratar dos
meios ou instrumentos legais disponveis no ordenamento jurdico para dar
operatividade a essa proteco (= remdios dos direitos fundamentais).
Desde sempre o princpio romanista da nulidade das obrigaes fiscais
se apresentou como meio de defesa do contribuinte contra as presses fiscais
abusivas. No entanto, assistiu-se a uma atitude de obedincia incondicional
s exigncias tributrias por parte dos doutores da igreja durante os primeiros
sculos do Cristianismo, na base de uma interpretao rgida das passagens
dos Evangelhos respeitante ao dinheiro de Csar (S. Mateus 22, S. Marcos,
12, e S. Lucas, 20), e da Epstola de S. Paulo aos Romanos (13). Mas, pelo
menos a partir de S. Toms de Aquino, mostra-se uma reaco para a qual os
tributos criados no interesse pessoal dos prncipes no obrigam, assim como
no obrigam as leis alheias realizao do bem comum. Necessariamente,
tambm na base dos Evangelhos e da referida Epstola de S. Paulo segundo S.
Mateus, Cristo duvidou da legitimidade do tributo, pagando-o apenas para
evitar o escndalo. E S. Paulo aconselhou o pagamento do imposto a quem
devido, mas tal conselho no exclui, antes postula, a apreciao da
legitimidade da exigncia.
No se trata apenas de uma condenao moral ou poltica, por parte dos
canonistas. Mas de uma afirmao de ilegitimidade, aliada ao correspondente
direito de resistncia, ainda que resistncia passiva, sem violncia nem
escndalos. Os prncipes no podem exigir dos sbditos seja o que for para
alm do indispensvel utilidade comum. Pelo que so ilegtimos tanto os
tributos destinados a satisfazer o interesse pessoal dos governantes como os
determinados por gastos desordenados e imoderados.
A doutrina medieval, na sequncia de S. Toms, definiu com clareza e
generalidade o princpio da subordinao dos tributos ao bem comum sem o
que as exigncias do poder eram qualificadas como rapinas.

65
As garantias dos Contribuintes

Esta orientao enraizou-se, e dos textos dos canonistas passou aos


dos jurisconsultos mantendo-se, pelo menos, at ao sculo XVIII. Entre os
autores portugueses que seguiram tal orientao importa citar o quinhentista
Diogo de S Velasco de Gouveia, e, j no sculo XVIII, Leito de Lima. A
evaso fiscal perante o imposto injusto, ilcito, imoderado, sem causa no bem
comum, na utilidade social, no era pecaminosa. Assim, o entenderam Lus de
Molina, Joo Gutierrez, muitos outros tratadistas. E Francisco Suarez, o
mestre seiscentista de Coimbra e de Salamanca, reflectindo o entendimento
comum da sua poca, ao menos nos pases catlicos, reconheceu o direito de
resistncia contra a tributao injusta, aconselhando apenas que essa
resistncia se processasse sem escndalo. Tal doutrina foi conservada em
Portugal, servindo de fundamento Justa Aclamao do Serenssimo Rey de
Portugal D. Joo, o IV, de Velasco de Gouveia (1644).
A ligao do tributo a uma causa legtima apresenta-se-nos, nessa
poca, como da essncia mesma da tributao.
E esta doutrina da justa causa do imposto enraizou-se de tal modo que,
em plena poca pombalina, Leito de Lima a defendeu nos seus Comentrios
aos artigos das sisas publicados em 1759. A sustenta o seu autor, que o
prncipe no pode estabelecer novas sisas sem justssima causa. Se criasse
tributo sem causa, nem por isso os sbditos poderiam revoltar-se ou conspirar,
mas ser-lhe-ia permitido resistir aos comandos, embora evitando escndalo ou
perturbao pblica.69
Com o advento do Constitucionalismo, esta ideia de causa legtima dos
impostos no foi posta de lado. E encontra-se em relao directa com o
princpio da legalidade garantido pelo direito de defesa dos contribuintes
contra os erros de aplicao das leis e do direito de resistncia contra
procedimentos ilegais.
Os contribuintes tm uma pretenso legtima a que a actividade
administrativa fiscal decorra conformemente lei, e bem assim que esta
ltima lhes confira, para tutela dessas pretenses, adequados meios de
defesa da legalidade.

69 Vide sobre esta matria SOARES MARTNEZ, Manual ob. cit. pgs. 182 a 1184.

66
As garantias dos Contribuintes

Primeiro analisemos os meios de defesa gerais dos cidados contra os


atentados que o Estado, onde se inclui a Administrao, e os Tribunais
fazem nossa Constituio.70

A) PROTECO NO JURISDICIONAL
1. O direito de resistncia (art. 21)
O direito de resistncia individual a ltima ratio do cidado que se v
ofendido nos seus direitos, liberdades e garantias por actos do poder pblico
ou por aces de entidades privadas ( uma consequncia da aplicabilidade
directa dos direitos fundamentais).

2. Direito de petio
2.1. Em relao aos rgos de soberania (art. 52)
um direito poltico que tanto se pode dirigir defesa dos direitos
pessoais (queixa ou reclamao) como defesa da Constituio, das leis ou
do interesse geral. Pode exercer-se individual ou colectivamente perante
quaisquer rgos de soberania ou autoridades.

2.2. Em relao ao Provedor de Justia (art. 23)


Os poderes de apreciao do Provedor de Justia relativos s queixas
apresentadas pelos cidados foram restringidos actividade administrativa
(Lei n 81/77, de 22 de Novembro de 1977). No obstante esta delimitao
legal, a funo do Provedor no se limita defesa da legalidade, cabendo-lhe
providenciar e reparar injustias praticadas quer por ilegalidade quer por
parcialidade, ou m administrao.

3. Transparncia administrativa
Consubstancia-se em:
- Os cidados participarem na formao das decises ou deliberaes
que lhes disseram respeito (art. 267, n 4);

70 JOS JOAQUIM GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 4 Edio, pgs. 505 e ss.

67
As garantias dos Contribuintes

- Os cidados terem o direito de ser informados pela Administrao,


sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam
directamente interessados, bem como o de conhecerem as resolues
definitivas que sobre eles forem tomadas (art. 268, n 1);
- Os cidados serem esclarecidos objectivamente sobre os actos do
Estado e demais entidades pblicas e de serem informados pelo Governo e
outras autoridades acerca da gesto dos assuntos pblicos (art. 48, n 2);
- Os cidados serem notificados dos actos administrativos com eficcia
externa que no tenham de ser oficialmente publicados (art. 268, n 2);
- Serem expressamente fundamentados os actos administrativos com
eficcia externa lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos dos
cidados (art. 268, n 2);

B) Proteco Jurisdicional
1. Garantias de acesso ao direito e aos tribunais (art. 20)
Os direitos fundamentais dos cidados so protegidos atravs da
abertura da via judiciria, que deve conceber-se uma garantia sem lacunas.

2. Recurso contencioso contra actos administrativos


uma proteco indispensvel no Estado de Direito.

3. Direito de indemnizao
tambm um direito com dignidade constitucional o direito
indemnizao do particular por danos resultantes de actos lesivos dos seus
direitos ou interesses praticados pelo Estado ou respectivos rgos.

4. Direito a suscitar o incidente de inconstitucionalidade


Perante a leso dos seus direitos por leis inconstitucionais, os
particulares podem levantar o incidente de inconstitucionalidade, devendo
os tribunais desaplicar a norma que julgarem inconstitucional 8arts. 208 e
2080, n 1)

68
As garantias dos Contribuintes

5. O habeas corpus
Na senda da tradio da Magna Carta, a Constituio Portuguesa
consagrou o direito de habeas corpus, ou seja, o direito de reagir contra o
abuso de poder, por virtude de priso ou deteno ilegal, requerendo aos
tribunais a cessao imediata da situao. De salientar que a Constituio
ao admitir que a providncia de habeas corpus possa ser requerida pelo
prprio ou por qualquer cidado no gozo de direitos polticos (art. 31, n 2),
consagrou uma espcie de aco popular ampliadora do mbito da
competncia subjectiva para o pedido de habeas corpus.

6. Direito de Aco Popular


Atravs do direito de aco popular, consagrado no art. 52, o cidado
poder eventualmente defender os seus direitos, reagindo, contra a
usurpao ou leso de bens ou direitos das autarquias locais ou contra
deliberaes dos rgos das autarquias.

7. Proteco a nvel supranacional


Com a ratificao da Conveno Europeia dos Direitos do Homem os
cidados portugueses podem, hoje, nos termos dos arts 28 e seguintes
daquela Conveno, recorrer individualmente atravs de peties para a
Comisso dos Direitos do Homem (cfr. art. 8, n 2)

No que se refere especificamente aos contribuintes, estes tm sua


disposio, para alm de alguns destes meios de defesa enumerados, um
outro meio de defesa que a Constituio consagrou no art. 103, n 3, ou
seja, O DIREITO DE RESISTNCIA FISCAL, o qual vai ser, de seguida, objecto de
estudo aprofundado, inserido no tema das consequncias da violao do
princpio da legalidade.
Contudo, somos de opinio que ainda no se foi to longe quanto se
deveria ter ido.
J que, os contribuintes, pela posio infra-ordenada que ocupam na
relao jurdico-fiscal, no tm meios de defesa que garantam, de forma

69
As garantias dos Contribuintes

imediata e concreta, a inviolabilidade dos seus direitos, liberdades e


garantias em matria fiscal perante a Administrao Tributria.
Da que, aos contribuintes deveria ser concedido o recurso aco
directa, tal como se encontra prevista para o Direito Penal, nas situaes em
que no fosse possvel recorrer em tempo til ao tribunal para afastar ou
repelir uma agresso ilegal.

VII - CONSEQUNCIAS DA VIOLAO DO PRINCPIO DA LEGALIDADE


Consagrando o Direito de Resistncia, encontra-se o art. 103, n 3,
da actual Constituio: Ningum pode ser obrigado a pagar impostos que
no tenham sido criados nos termos da Constituio, que tenham natureza
retroactiva ou cuja liquidao e cobrana se no faam nos termos da lei. o
que chamamos de Direito de Resistncia Fiscal dos cidados a no pagarem
impostos inconstitucionais, retroactivos ou cuja liquidao e cobrana seja
ilegal.
Aqui chegados, adiante-se, desde j, ser esta a pedra de toque do
trabalho que nos propusemos encetar.
Trata-se de um tema assaz complexo, controverso e muito pouco
explorado sobre o qual ainda escassa a bibliografia existente em relao
ao qual no temos a veleidade de oferecer solues, mas to s expor
algumas das nossas dvidas e reflexes que, aqui e acol, seguem caminhos
no coincidentes com alguma doutrina e com a nossa jurisprudncia no
concernente s implicaes daquele direito de resistncia e do princpio da
legalidade em matria das garantias dos cidados.
unnime, segundo se cr, o entendimento de que a violao do
princpio da legalidade gera uma verdadeira inconstitucionalidade
material.
Neste sentido vide Jos Manuel M. Cardoso da Costa71 quando afirma:
Como corolrio do princpio da legalidade () resulta que so de considerar
inconstitucionais os regulamentos autnomos que intervenham na esfera

71 Cfr. JOS MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, in Curso de Direito Fiscal, Livraria Almedina, pgs. 179 e ss.

70
As garantias dos Contribuintes

reservada em exclusivo funo legislativa. E, apesar de a irregularidade de


tais diplomas se traduzir aparentemente num simples vcio de competncia,
parece dever entender-se que se trata a de uma verdadeira
inconstitucionalidade material: com efeito, a exigncia do art. 70 da
Constituio, embora respeite forma a utilizar na definio dos elementos
essenciais dos impostos, tem o alcance de uma garantia material dos
cidados, uma das garantias fundamentais que a Constituio lhes
reconhece (art. 8, n 16, da CRP de 1933). Ora, sendo assim, isto ,
considerando-se materialmente in72constitucionais esses regulamentos, torna-
se possvel aos tribunais recusarem a sua aplicao, mesmo quando eles
sejam promulgados pelo Presidente da Repblica.
Quanto inconstitucionalidade material ainda acrescenta que: este
tipo de inconstitucionalidade se verifica todas as vezes que houver ofensa de
um direito, liberdade ou garantia fundamental por isso que justamente em
tal hiptese que o legislador constituinte deseja ver paralisada pelos tribunais
a eficcia dos diplomas ordinrios ou regulamentares. () se certo
traduzirem-se os direitos fundamentais, em regra, em exigncias ou limites ao
contedo das normas sub-constitucionais ( esta a razo por que, tambm em

72 No sentido indicado se pronunciaram o Prof. PESSOA JORGE, Curso, p. 109 (agora tambm podero os impostos
ser criados por decreto-lei?, cit., ns 14 e 15), e o Prof. TEIXEIRA RIBEIRO, Os princpios constitucionais...., p.11.
Deve, contudo, chamar-se a ateno para o facto de, ao considerar como materialmente inconstitucionais
tais regulamentos, estarmos a pressupor uma noo de inconstitucionalidade material que diverge da
tradicionalmente adoptada, quer na doutrina estrangeira, quer entre ns ().
Com efeito, clssico definir a inconstitucionalidade material, doutrinal ou substancial, como aquela que se
refere regra de direito e se traduz num contraste entre dois princpios normativos - o que consta do diploma
ordinrio ou regulamentar e aquele outro, que tal diploma infringe, inscrito na Constituio (); e na verdade sempre
se tem entendido entre ns, de modo praticamente invarivel, que so justamente os vcios deste tipo, os vcios de
contedo isto , os resultantes de se proibir, ordenar ou permitir alguma coisa que a Constituio no autoriza -
aqueles cuja apreciao confiada sem reservas aos tribunais (v. tambm por todos, Prof. Jos Carlos Moreira,
Fiscalizao Judicial da Constituio, no Boletim da Fac. Direito de Coimbra, vol. XIX (1943), p. 357 reproduzido
nas suas lies de Direito Constitucional, Coimbra, 1960, p. 153).
Ora, no ocorrendo nos regulamentos tributrios em causa nenhum vcio de contedo (no sentido
apontado), o motivo com base no qual eles podem ser havidos como materialmente inconstitucionais
forosamente outro, que se assinalou: os de esses regulamentos violarem uma das garantias fundamentais
constitucionalmente asseguradas. Nesta perspectiva, pois, o decisivo para qualificar uma norma como
materialmente inconstitucional no ser tanto (ou no ser apenas) a circunstncia de o comportamento nela
prescrito ser contrrio Constituio, mas sobretudo (ou tambm) o facto de ela envolver pelo seu contedo ou
pela sua forma uma ofensa de qualquer dos direitos, liberdades ou garantias fundamentais constitucionalmente
reconhecidas, uma ofensa, numa palavra, de qualquer dos princpios materiais da Constituio

71
As garantias dos Contribuintes

regra, a inconstitucionalidade material se cifra num vcio de contedo dos


diplomas), sucede que nalguns casos como justamente no do art. 8, n 16
(da Constituio de 1933) o seu alcance antes (ou tambm) o de exigir
que dadas normas revistam uma certa forma ou sejam emitidas por certo ou
certos rgos, isto , sucede que nalguns casos eles vm antes (ou tambm) a
consistir num direito a uma certa forma ou ao exerccio de certa competncia.
No mesmo sentido vide Antnio Braz Teixeira73: Quais as
consequncias que adviro da violao do art. 106? As normas ou os
diplomas que desrespeitem a definio de competncia que dele decorre
enfermaro de simples inconstitucionalidade orgnica e formal, por emanarem
de entidade inconstitucionalmente incompetente para legislar em matria
fiscal e por no revestirem a forma de lei ou padecero de verdadeira
inconstitucionalidade material, por infringirem o disposto na Constituio?
Na vigncia da Constituio de 1933, a generalidade da doutrina e da
jurisprudncia entendia que a violao dos arts. 70 ou 93 daquela implicava
uma verdadeira inconstitucionalidade material, pois que o desrespeito de
qualquer destes preceitos equivalia ao estabelecimento de impostos em
desarmonia com a Constituio, o que vinha a traduzir-se, por sua vez, na
violao do preceituado no n 16 do art. 8, atribuindo ao contribuinte o direito
de no pagar impostos e de resistir legitimamente s exigncias abusivas do
Fisco.
Dada a similitude de regime existente entre os dois textos
constitucionais no que se refere ao modo de conceber o princpio da legalidade,
afigura-se que aquele entendimento se mantm vlido face Constituio de
1976, ou seja, que a violao do disposto no n 2 do art. 106 ou na al. o) do
seu art. 167 constitui uma verdadeira inconstitucionalidade material,
concluso que o n 3 do art. 106 vem reforar ao consagrar uma garantia dos
contribuintes idntica constante do n 6 do art. 8 da Constituio de 1933.
Assim sendo, no podem tais normas ser aplicadas pelos tribunais,
competindo ao Conselho da Revoluo declarar a sua inconstitucionalidade
com fora obrigatria geral (Const., art. 280, n 2) e podendo os contribuintes

73 Cfr. ANTNIO BRAZ TEIXEIRA, in Princpios de Direito Fiscal, ed. Almedina, pgs. 80 e 81.

72
As garantias dos Contribuintes

recusar-se legitimamente a pagar impostos que porventura lhes venham a ser


exigidos com base nessas mesmas normas (Const. Art. 106, n 3).
Quanto violao do princpio da legalidade, tambm escreve A. L.
Sousa Franco74: A consagrao do princpio da legalidade na Constituio
de 1976 , alis feita com tal fora, que atribudo mesmo, no art. 106, n 3,
um direito de resistncia aos contribuintes em relao aos impostos que no
forem criados nos termos da Constituio, os quais so inexistentes; alm de
lhes serem facultados por lei os meios de reclamao e recurso (garantias)
que a lei formal estabelece, por se entender que a falta de meios para exercer
um direito equivale denegao prtica desse direito.
Na actual Constituio continua a ter perfeito cabimento a tese da
inconstitucionalidade material das normas, em consequncia da violao do
princpio da legalidade, com a diferena de que, agora a competncia para
declarar a inconstitucionalidade pertence ao Tribunal Constitucional.

VIII - OS EFEITOS DA INCONSTITUCIONALIDADE


Ora, exactamente aqui que reside o problema que nos propomos
tratar. J que, a jurisprudncia tem vindo a pugnar por uma tese que
julgamos no ser a mais correcta.
Vejamos sobre o assunto um insigne Professor de Coimbra, Jos
Joaquim Gomes Canotilho75: Se o controlo da constitucionalidade dos actos
normativos um dos meios de defesa e garantia da fora normativa da
Constituio, impe-se logicamente que as violaes das normas e princpios
constitucionais captadas em sede de fiscalizao judicial sejam
acompanhadas de sanes adequadas. Trata-se, pois, de saber qual a
reaco da Constituio perante actos normativos comprovadamente
desconformes com as suas normas e princpios. O princpio da prevalncia da
Constituio no deixa margem para dvidas relativamente sano geral
aplicvel a um acto normativo colidente com o parmetro normativo-
constitucional Inconstitucionalidade. Mas como se configura a
74 Cfr. A. L. SOUSA FRANCO, in Direito Financeiro e Finanas Pblicas, Vol. II, pg. 314.
75 Cfr. JOS JOAQUIM GOMES CANOTILHO, in Direito Constitucional, 4 edio, ed. Almedina, pgs. 728 e ss.

73
As garantias dos Contribuintes

inconstitucionalidade? Quais os vcios dos actos normativos susceptveis de


serem denunciados em sede de controlo jurisdicional e cuja verificao
conduz sano da inconstitucionalidade?

A) A inconstitucionalidade na doutrina clssica


A figura da inconstitucionalidade era considerada pela doutrina
clssica como uma figura unitria, pois toda e qualquer lei denunciada como
enfermando de vcios materiais, formais, orgnicos ou procedimentais,
deveria considerar-se como inconstitucional e, consequentemente, nula ipso
jure.
Analisemos a teoria da nulidade do direito privado que influenciou
neste, como noutros domnios, a elaborao doutrinal juspublicstica e, em
especial, a teoria das nulidades em direito constitucional. Uma lei
inconstitucional nula em que sentido: no sentido de inexistncia ou da
ineficcia? No sentido da nulidade absoluta, radical ou de pleno direito ou
no sentido de anulabilidade ou nulidade relativa?

Quanto Ineficcia:
A figura da ineficcia abarca dois tipos fundamentais: a nulidade e a
anulabilidade. A primeira costuma designar-se tambm por nulidade
absoluta, radical ou de pleno direito (ipso jure), e a segunda tambm
chamada nulidade relativa. Resumidamente, considera-se um acto nulo,
com nulidade absoluta, quando um acto intrinsecamente invlido,
faltando-lhe elementos essenciais para a sua perfeio. Da as seguintes
consequncias: carncia, ab initio, de efeitos jurdicos, sem necessidade de
impugnao prvia; invalidade imediata, ipso jure, do acto; carcter geral da
invalidade e impossibilidade da sua sanao ou confirmao. A nulidade
absoluta implica, portanto, ineficcia do acto por si mesmo, sem necessidade
de interveno do juiz. Isto no significa que no seja de aceitar um pedido
de declarao de nulidade, com a nica finalidade de destruir a aparncia do
acto, aparncia esta susceptvel de originar resistncia por parte de
terceiros. Alm disso, a nulidade absoluta tem carcter geral, podendo

74
As garantias dos Contribuintes

qualquer pessoa invoc-la a seu favor e contra quem quer que seja (erga
omnes). Finalmente o juiz pode e deve, ex officio, por sua iniciativa, e em
qualquer momento, apreciar a nulidade. Diz-se em qualquer momento,
porque a nulidade absoluta no est sujeita a prazos de prescrio ou de
caducidade, no sendo tambm passvel de confirmao.
Por seu turno, a anulabilidade no toca nos elementos intrnsecos do
acto, tendo efeitos menos rigorosos e mais limitados: tem de ser invocada
pelos interessados dentro de um certo prazo, no operando ipso jure nem
tendo eficcia geral.

Quanto inexistncia:
No obstante, a questionabilidade desta figura em sede de direito
privado, um certo sector da doutrina admite a categoria da inexistncia para
reforar a ideia de impensabilidade, irrecognoscibilidade e, portanto, da
prpria ocorrncia do acto. A justificao do recurso a esta figura radica,
algumas vezes, no facto de ser necessrio considerar um acto a que faltam
os elementos essenciais como um acto nulo, mas como no pode haver
nulidade que no esteja pr-fixada na lei, a figura da inexistncia conduzir
s mesmas consequncias sem ser exigvel a sua previso legal.
O insigne Professor Carlos Alberto Da Mota Pinto76 ainda acrescentava
que: a inexistncia uma figura autnoma, com consequncias mais graves
do que a nulidade e a anulabilidade. Da que possa ser invocada a todo o
tempo, independentemente de declarao judicial.

B) A inconstitucionalidade no direito constitucional vigente


Os ensinamentos da doutrina civilstica podem ser transferidos para o
direito constitucional, da seguinte forma:
Inconstitucionalidade e nulidade no so, como vimos, conceitos
idnticos;

76 Cfr. CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, in Teoria Geral do Direito Civil, 3 edio, Coimbra Editora, Lda., pg.
608 e ainda, sobre esta temtica, cfr. RUI DE ALARCO, A Confirmao dos Negcios Anulveis, Coimbra, 1971,
pp. 33 ss; MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relao Jurdica, Vol. II, pp. 411 ss.

75
As garantias dos Contribuintes

A nulidade um resultado da inconstitucionalidade, isto ,


corresponde a uma reaco de ordem jurdica contra a violao das
normas constitucionais;
A nulidade no uma consequncia lgica e necessria da
inconstitucionalidade, tambm a inconstitucionalidade susceptvel
de vrias sanes, diversamente configuradas pelo ordenamento
jurdico inexistncia, nulidade, ineficcia e irregularidade.

1. O problema em face da Constituio


Para J. J. Gomes Canotilho77, in Direito Constitucional, Almedina, a
Constituio parte de um esquema dual no que respeita aos graus de
invalidade dos actos legislativos:
a) nulidade-inexistncia;
b) nulidade.
Com efeito, estabelece expressamente quais os requisitos de actos
normativos, cuja ausncia origina o vcio de inexistncia: promulgao,
assinatura e referenda. Nada mais se diz quanto ao regime das nulidades
dos actos normativos que resultam da inconstitucionalidade.
A seguirmos a orientao tradicional, diramos que as restantes
nulidades se reconduzem aos esquemas da nulidade ipso jure. A
inconstitucionalidade de um acto normativo teria, como consequncia
necessria, a nulidade absoluta, porque o princpio fundamental da no
contradio da ordem jurdica postula a validade exclusiva das normas
hierarquicamente superiores, ou seja, das normas constitucionais.
Teramos, por conseguinte, numa tentativa de aproximao, o
seguinte regime constitucional: (1) inexistncia para os actos a que
faltam certos requisitos, considerados essenciais pela Constituio; (2)
nulidade quando a contradio no resultar da falta de um requisito da
prpria existncia do acto.78

77 J. J. CANOTILHO77, in Direito Constitucional, 4 Edio, Almedina, pg. 733 e ss.


78 Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 4 Edio, Almedina, pg. 734: Um outro ponto que
merece ateno o de saber se, alm dos actos expressamente considerados como inexistentes, no haver outros

76
As garantias dos Contribuintes

Tambm nestes casos o contraste com a Constituio de tal modo


grave que a melhor sano, em face da Constituio, consider-los como
actos impensveis, irrecognoscveis, inexistentes.79
O facto de os actos normativos se considerarem inexistentes no
elimina a possibilidade de fiscalizao nem torna sequer suprflua esta
fiscalizao. As razes de certeza e segurana podem apontar a favor de
uma declarao de inexistncia (ex.: de uma lei a que falte promulgao).

1.1 O sentido da inexistncia


O termo utilizado o de nulidade-inexistncia. Qual a sano da
inexistncia? (1) realar a improdutividade total de certos actos normativos a
que faltam certos requisitos; (2) considerar a inexistncia como
consequncia jurdica da nulidade (o acto inexistente ainda um acto e no
um no acto). Da que:

(1) A Constituio pretendeu equiparar certas aparncias de actos (ex:


uma lei promulgada mas no aprovada sempre tem a aparncia de lei;
uma lei publicada no Dirio da Repblica, mas no promulgada, pode
tambm ter a aparncia de lei; uma lei promulgada e publicada mas
no referendada apresenta-se, igualmente, com aparncia de acto
legislativo) a actos que nem sequer tenham ocorrido ou existido. Da a
designao de inexistncia.

casos em que legtimo falar de inexistncia. J vimos que a figura da inexistncia tem possibilidades expansivas
no reconhecidas figura da nulidade, que deve ser pr-fixada por lei. Ora, parece no ser forado admitir-se, como
actos inexistentes, os actos viciados de incompetncia absoluta ou de carncia de competncia legislativa (ex: um acto
legislativo emanado de um tribunal, um decreto-lei de reviso da Constituio, uma lei votada por uma Cmara j
dissolvida).
Os exemplos que acabamos de apontar so exemplos clssicos, e, como facilmente se deduz, referem-se a
vcios formais ou a vcios de pressupostos. Mas a questo deve ser transposta para o campo dos direitos
fundamentais, no se limitando parte organizatria da Constituio. Assim, por ex., uma declarao de estado-
de-stio, dever considerar-se nula-existente (cfr. art. 19, n 3); uma lei que suprima o direito de constituir famlia
uma lei nula-inexistente.
79 Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, in Direito Constitucional, Almedina.

77
As garantias dos Contribuintes

(2) Por outro lado, as consequncias jurdicas ligadas a tal vcio no se


diferenciam sensivelmente das consequncias que a doutrina associa
ao regime das nulidades absolutas e da a proclamao de tais actos
como nulos-existentes.

1.2 A nulidade
A reaco ou sano tpica da ordem constitucional portuguesa contra
a inconstitucionalidade dos actos normativos a sano da nulidade. Um
acto normativo que no preenche os requisitos materiais, formais, orgnicos
e procedimentais estabelecidos pela Constituio um acto invlido,
totalmente improdutivo (nulidade absoluta).

1.3 A ineficcia
A Constituio liga a certas irregularidades dos actos normativos uma
sano menos severa a da ineficcia. Quando os actos normativos renem
todos os requisitos exigidos para a sua perfeio (=validade), faltando-lhes,
porm, elementos necessrios eficcia (ex.: publicao) a sano a da
ineficcia.

1.4 A Irregularidade
Embora excepcionalmente, a CRP prev casos de inconstitucionalidade
que no afecta nem a validade nem a eficcia do acto normativo
inconstitucional. o que se passa com a inconstitucionalidade orgnica ou
formal de tratados internacionais regularmente ratificados, desde que a
inconstitucionalidade no resulte da violao de disposio fundamental.

Para Domingos Pereira de Sousa80: so inconstitucionais as normas


que infrinjam o disposto na Constituio ou os princpios um desses
princpios , indiscutivelmente, o princpio da legalidade nela consignados
(art. 277, n 1), no podendo tais normas serem aplicadas pelo Tribunal.

80 Cfr. DOMINGOS PEREIRA DE SOUSA, in As Garantias dos Contribuintes, Universidade Lusada 1991, pgs. 68 e
69.

78
As garantias dos Contribuintes

Assim, sendo os impostos inconstitucionais considerados inexistentes,


resta, em tal caso, ao contribuinte usar o seu direito de resistncia, garantia
que em nome da legalidade, o Estado-de-Direito, constitucionalmente lhe
confere.
Para o Dr. Miguel Galvo Teles81, in Eficcia dos Tratados, cit., nota
197: a qualificao que, por virtude do direito de resistncia conferido aos
cidados pelo art. 8, n 16 da Constituio de 1933 deve ser atribuda aos
diplomas que ofendam qualquer dos direitos, liberdades e garantias
individuais, a da inexistncia. E no vemos que por esta outra via estava
a referir-se via da mera invocao de um direito de no pagar o imposto
criado por diploma formalmente inconstitucional, como chegou a admitir o Prof.
Pessoa Jorge possa obter o resultado pretendido porque, tendo o legislador
constituinte reconhecido no art. 123 - da Constituio de 1933 - a
competncia dos Tribunais para fiscalizarem a conformidade constitucional
dos diplomas normativos e tendo a traado os limites dentro dos quais esta
competncia pode exercer-se, no vemos como seja possvel fundamentar
margem e fora do quadro desse preceito a faculdade de os tribunais
apreciarem certo tipo de vcios de inconstitucionalidade (a no ser que se trate
de vcios que acarretem a inexistncia dos diplomas por fora de preceito
constitucional expresso, como por ex., o do art. 81, n 9).

IX - FUNDAMENTAO DAS SANES APLICVEIS


INCONSTITUCIONALIDADE
Actualmente, correntemente aceite pela doutrina que os impostos
materialmente inconstitucionais so considerados inexistentes.
A fundamentao para uma sano to grave justificada pelo
princpio fundamental da no contradio da ordem jurdica que postula a
validade exclusiva das normas hierarquicamente superiores, ou seja, das
normas constitucionais.

81 Cfr. Dr. MIGUEL GALVO TELES, in Eficcia dos Tratados, cit., nota 197.

79
As garantias dos Contribuintes

A Constituio, como fonte positiva de direito, d validade e


fundamento s normas hierarquicamente inferiores. Queremos com isto
dizer, escreve o insigne Professor de Coimbra, J. J. Gomes Canotilho82, que
a Constituio vai entendida no sentido de uma norma positiva ou conjunto de
normas positivas atravs das quais regulada a produo de normas
jurdicas. Nesta acepo, a Constituio uma norma primria sob um duplo
ponto de vista gentico-funcional, porque regula os processos atravs dos
quais as normas do sistema jurdico podem ser criadas e modificadas; sob um
ponto de vista hierrquico, porque a Constituio se situa no topo da pirmide
normativa. A superioridade hierrquica da Constituio relativamente s
outras normas implica uma relao axiolgica entre a Constituio e essas
normas, precisamente porque a sua primariedade postula uma maior fora
normativa.
No esqueamos que os actos normativos (leis, decretos-leis, tratados,
decretos legislativos regionais, regulamentos) no tm todos a mesma
hierarquia, isto , no se situam num plano de horizontalidade uns em
relao aos outros, mas sim num plano de verticalidade semelhana de
uma pirmide jurdica.
O direito constitucional caracteriza-se, assim, pela sua posio
hierrquico-normativa superior relativamente aos outros ramos do direito.
Esta superioridade hierrquico-normativa concretiza-se e revela-se em trs
perspectivas:
1. As normas de direito constitucional constituem uma lex superior
que recolhe o fundamento de validade em si prpria (auto-primazia
normativa);
2. As normas de direito constitucional so normas de normas (norma
normarum), afirmando-se como fonte de produo jurdica de
outras normas (normas legais, normas regulamentares, normas
estatutrias, etc.);

82 Vide J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 4 Edio, Almedina, pgs. 601 e ss.

80
As garantias dos Contribuintes

3. A superioridade normativa das normas Constitucionais implica o


princpio da conformidade de todos os actos dos poderes polticos
com a Constituio (cfr. art. 3, n 3 da CRP).

Primeira Perspectiva
A autoprimazia normativa significa que as normas Constitucionais no
derivam a sua validade de outras normas com dignidade hierrquica
superior. Pressupem, assim, que o Direito Constitucional, constitudo por
normas democraticamente feitas e aceites (legitimidade processual
democrtica) e informadas por estruturas bsicas de justia (legitimidade
material), portador de um valor normativo formal e material superior.

Segunda Perspectiva
O carcter das normas de Direito Constitucional como normas de
normas ou fonte primria da produo jurdica implica a existncia de um
procedimento de criao de normas jurdicas no qual as normas superiores
constituem as determinantes positivas e negativas das normas inferiores. As
normas superiores constituem fundamento de validade das normas
inferiores e determinam o contedo material destas ltimas.
Como determinantes negativas, as normas de Direito Constitucional
desempenham uma funo de limite relativamente s normas de hierarquia
inferior; como determinantes positivas, as normas constitucionais regulam
parcialmente o prprio contedo das normas inferiores, de forma a poder
obter-se no apenas uma compatibilidade formal entre o direito supra-
ordenado (normas constitucionais) e infra-ordenado (normas ordinrias,
legais, regulamentares, etc.) mas tambm uma verdadeira conformidade
material.

Terceira Perspectiva
A superioridade normativa do Direito Constitucional implica o
princpio da conformidade de todos os actos do poder poltico com as normas
e princpios constitucionais (art. 3, n 3 CRP). Nenhuma norma de

81
As garantias dos Contribuintes

hierarquia inferior pode estar em contradio com outra de dignidade


superior (princpio da hierarquia), e nenhuma norma infra-constitucional
pode estar em desconformidade com as normas e princpios constitucionais,
sob pena de inexistncia, nulidade, ineficcia ou irregularidade.

XI - OS PROCESSOS DE FISCALIZAO DA INCONSTITUCIONALIDADE


Os tipos processuais de fiscalizao da inconstitucionalidade de normas
jurdicas so cinco:

(1) Controlo abstracto por via de aco;


Tem por objecto uma pretenso dirigida declarao, com fora
obrigatria geral, da inconstitucionalidade de normas jurdicas. um
processo de controlo de normas, destinado a, de forma abstracta, verificar a
conformidade, formal, procedimental ou material, de normas jurdicas com a
Constituio.

(2) Controlo abstracto prvio ou fiscalizao preventiva da


inconstitucionalidade;
Tem por objecto uma pretenso destinada a evitar que certos projectos
de actos normativos se transformem em actos perfeitos e definitivos.

(3) Controlo concreto por via de aco;


Tem por objecto a apreciao de uma questo de
inconstitucionalidade, levantando a ttulo de incidente, nos feitos
submetidos a julgamento perante qualquer tribunal. Trata-se de uma
fiscalizao concreta, pois ela efectua-se quando, num processo a decorrer
em tribunal, se coloca a questo da inconstitucionalidade de uma norma
com pertinncia a causa.

82
As garantias dos Contribuintes

(4) Controlo misto;


Trata-se do processo de declarao de inconstitucionalidade com base
no controlo de normas. Este processo conjuga duas dimenses: (a) uma
dimenso abstracta, dado que se trata da declarao da
inconstitucionalidade com fora obrigatria geral, tal como sucede nos
processos principais de inconstitucionalidade, (b) uma dimenso concreta,
porque a declarao de inconstitucionalidade tem como base a fiscalizao
concreta da constitucionalidade de normas jurdicas.

(5) Controlo abstracto por omisso;


Destina-se a verificar a inexistncia de medidas legislativas
necessrias para tornar exequveis certos preceitos constitucionais. Trata-se,
pois, de uma pretenso que assenta no na existncia de normas jurdicas
inconstitucionais, mas na violao da lei constitucional pelo silncio
legislativo.

XI ANLISE DE JURISPRUDNCIA E CRTICA


Ora, como j se disse, sendo as normas inconstitucionais consideradas
inexistentes, e aplicando ao Direito Constitucional as regras do Direito
Civilstico sobre a inexistncia, diremos que as consequncias de tal figura
so mais graves do que a nulidade e a anulabilidade.
Da que, a inconstitucionalidade possa ser invocada a todo o tempo,
independentemente de declarao judicial.
O que sistematicamente tem sido contrariado pela nossa
jurisprudncia.
Vejamos, a ttulo exemplificativo, excertos de vrios Acrdos que
corroboram a afirmao que acabamos de fazer.

83
As garantias dos Contribuintes

Acrdo de 30/11/1994 do Supremo Tribunal Administrativo;

Sumrio:
Os actos de liquidao feridos de qualquer ilegalidade so actos
meramente anulveis.
Tal acontece mesmo que a ilegalidade desses actos constitua violao
da Constituio da Repblica.
Assim, se a impugnao no for deduzida no prazo previsto na lei,
firma-se na Ordem jurdica, como caso decidido ou caso resolvido.
A tal no obsta o disposto no n 3 do art. 106 (actual art. 103, n 3),
da Constituio, pois tal preceito no impe que a impugnao possa ser
deduzida a todo o tempo.

Deciso
a nica questo submetida apreciao deste S.T.A. a de saber se
podem ser impugnadas a todo o tempo liquidaes, com fundamento em dupla
tributao o encargo de mais-valias e o imposto de mais-valias. Vejamos:
()
3 Dispunha o artigo 89 do C.P.C.I. o seguinte:
A impugnao judicial deduzida com alguns dos fundamentos previstos
no art. 5 ser apresentada na Repartio de Finanas no prazo de 90 dias
contados:
Do dia imediato ao da abertura do cofre para cobrana das
contribuies e impostos;
Do dia imediato ao da respectiva cobrana, quando feita
eventualmente.

Por sua vez, o artigo 5 do mesmo cdigo preceituava:


A impugnao dos actos tributrios tem por fim obter a anulao total ou
parcial, por deciso os tribunais das contribuies e impostos, e poder ter por
fundamentos a incompetncia, vcio de forma, inexistncia dos factos
tributrios ou qualquer outra ilegalidade.

84
As garantias dos Contribuintes

3.1 Ora, deste preceito resulta com toda a clareza que os actos de
tributao incluindo, pois os actos de liquidao so actos anulveis,
qualquer que seja o vcio de que esto feridos.
o que se passa com as liquidaes efectuadas sem que haja facto
tributrio, ou seja, sem que tenha sido praticado o facto tipicamente previsto
na lei tributria, de forma geral e abstracta, como facto gerador do imposto. E
o que sucede mesmo na hiptese de no haver lei a prever a tributao de
um qualquer facto ou de no ter sido autorizada a sua cobrana para o
respectivo ano, situaes em que a jurisprudncia qualifica de ilegalidades em
abstracto.
Assim, mesmo que as liquidaes violem a Constituio elas so sempre
actos meramente anulveis.
Da decorre que tais actos so sanveis pelo decurso do tempo. Se no
forem atacados dentro dos prazos previstos na lei para a impugnao, tais
actos afirmam-se na ordem jurdica, como casos decididos ou casos
resolvidos.

Crtica
Ora, tomando por bom tudo quanto se disse relativamente s
consequncias da violao do princpio da legalidade, aos efeitos da
inconstitucionalidade, aos fundamentos das sanes aplicveis a esta e aos
seus processos de fiscalizao, somos forados a concluir pela
desrazoabilidade desta tese sufragada pelo Supremo Tribunal
Administrativo.
Com efeito, a consequncia para a inconstitucionalidade de uma
norma jurdica , de acordo com a maioria dos autores, a inexistncia e
nunca a anulabilidade (figura com consequncias menos graves). O que se
justifica pelo princpio da primazia da Constituio face s normas jurdicas
inferiores. Da que, a inconstitucionalidade possa ser invocada a todo o
tempo, independentemente de declarao judicial e seja, inclusive, de
conhecimento oficioso.
Mas mais.

85
As garantias dos Contribuintes

Este acrdo parte do pressuposto errado de que o art. 5 do C.P.C.I.


impunha que os actos de tributao incluindo, pois os actos de liquidao
so actos anulveis, qualquer que seja o vcio de que esto feridos, mesmo
o da inconstitucionalidade.
Ora, tal concluso, salvo melhor entendimento, no tem em
considerao o princpio da primazia da norma constitucional sobre as
normas jurdicas inferiores. Pois, no esqueamos que temos de
compatibilizar todas as normas hierarquicamente inferiores com a norma-
normarum a Constituio.
Assim, estando as normas inconstitucionais feridas de inexistncia, a
norma contida no art. 5 do C.P.C.I. s poderia ser entendida no sentido de
que a impugnao tributria para obter a anulao total ou parcial dos actos
tributrios poderia ser intentada a todo o tempo e era de conhecimento
oficioso.
Independentemente disso, a palavra anulao dos actos tributrios
nsita no art. 5 do C.P.C.I. no poderia ser entendida em termos estritos,
por referncia anulabilidade propriamente dita, mas antes deve ser
ponderada em termos amplos no sentido da revogao/eliminao dos actos
tributrios feridos de inconstitucionalidade.
Tanto assim que, actualmente, o processo de impugnao judicial
dos actos tributrios visa a declarao da sua nulidade, ou inexistncia, ou
a anulao, pelos tribunais, do acto afrontado, por vcios de que enferme,
cometidos a quando da sua prtica, ou em momento anterior, no
procedimento que a ela conduziu, se, neste ltimo caso, tais vcios forem de
molde a contagiar o acto tributrio.83
No que concerne aos processos de fiscalizao da constitucionalidade
cumpre-nos aqui referir que esta se pode processar de dois modos, ou por
fiscalizao concreta de normas jurdicas, ou por fiscalizao abstracta das
mesmas.
Quanto fiscalizao concreta estando a decorrer um processo em
Tribunal poder, a todo o tempo, ser levantado o incidente da

83 Cfr. arts. 97, n1, al. a), 99 e 124 do Cdigo do Processo e Procedimento Tributrio (CPPT).

86
As garantias dos Contribuintes

inconstitucionalidade de uma norma jurdica ou, no estando a decorrer


nenhum processo, ser esse o fundamento para uma impugnao a qual
poder ser feita a todo o tempo.
A fiscalizao abstracta tem por fim uma pretenso destinada a
declarar a inconstitucionalidade de normas jurdicas desconformes com a
violao.

Acrdo de 28/01/2004 do Supremo Tribunal Administrativo;

Sumrio:
I Apenas os actos que ofendam o contedo essencial de um direito
fundamental so nulos.
II Um acto que, em aplicao da lei ordinria, viole alegadamente o
princpio da legalidade tributria no nulo mas anulvel.
III Assim, a propositura de uma impugnao com fundamento em
inconstitucionalidade de um acto tributrio est sujeita aos prazos fixados na
lei para tal propositura.
IV A impugnao de acto de liquidao, em consonncia com norma
alegadamente inconstitucional, deve ser apresentada no prazo fixado no art.
102 do CPPT.
V O modo de atacar a autoliquidao de IRC, fundada em norma
alegadamente inconstitucional, a impugnao judicial.
()

Deciso
()
Como bem de ver, a impugnao s ser tempestiva se a ilegalidade
apontada constituir uma verdadeira nulidade. que, a no ser assim, se os
actos estiverem feridos de anulabilidade, ento o prazo para impugnar (90
dias art. 123, 1, a) do CPT, e 102, 1, a) do CPPT) estava h muito
ultrapassado.
()

87
As garantias dos Contribuintes

Concordamos que os actos que ferem princpios constitucionais so


nulos.
Mas no todos.
Na verdade, s aqueles que contendem com o ncleo duro de princpios
fundamentais.
o que dispe a al. d) do n 2 do art. 133 do CPA, que dispe:
So, designadamente, actos nulos:
()
Os actos que ofendam o contedo essencial de um direito fundamental.

Que, na nossa ptica, so aqueles que contendem com os direitos,


liberdades e garantias dos cidados.
Mas j no aqueles que contendam com o princpio da legalidade
tributria.
Tais actos, violadores do dito princpio da legalidade tributria, so
anulveis, mas no so nulos.
Assim, no podem ser eles impugnados a todo o tempo, mas s nos
prazos previstos nas leis ordinrias adequadas.
No sentido ora exposto, pode ver-se o Acrdo deste STA de 9/10/96
(rec. N. 20.873) in Ap. DR de 28/12/98, pp. 2843 e SS.
Escreveu-se: O acto que aplica norma interna desconforme queles
direitos (constitucional ou comunitria) no nulo, antes est viciado por erro
nos pressupostos de direito, que integra a dita violao de lei, causa de mera
anulabilidade.
que uma coisa o vcio do acto, outra diversa, o vcio da norma. Como
se escreveu no Acrdo deste STA Pleno de 26/6/95, in Ac. Dout. 409-84:
Alm, de uma norma ferida de morte, de nulidade, que os tribunais tm de
ignorar; aqui, um acto administrativo, fazendo aplicao de uma norma no
errado pressuposto da sua validade, da sua existncia ou relevncia jurdica,
e que integra o vcio de violao de lei por erro nos pressupostos de direito
causa de mera anulabilidade.
Os actos impugnados seriam assim eventualmente anulveis, e no
nulos.

88
As garantias dos Contribuintes

No podem pois ser impugnados a todo o tempo, mas s no prazo fixado


na pertinente lei.
No sendo caso de actos nulos, bvio, face ao probatrio, que a
impugnao foi deduzida para alm do respectivo prazo legal, pelo que
intempestiva.

Crtica
Este Acrdo atira por terra todas as consideraes feitas quanto s
consequncias da violao do princpio da legalidade.
Conforme se disse supra, a violao do princpio da legalidade tem
como consequncia inelutvel a inconstitucionalidade, a qual sancionada,
para a maioria dos autores, com uma figura mais grave do que a
anulabilidade ou nulidade a inexistncia.
Assim, lanando mo dos ensinamentos civilsticos sobre esta figura,
diremos que a inconstitucionalidade pode ser invocada a todo o tempo e de
conhecimento oficioso.
Da que, no faa qualquer sentido afirmar-se que os actos violadores
do princpio da legalidade, por inconstitucionalidade, so anulveis, mas no
so nulos.
Pois, eles, em boa verdade, nem so uma coisa nem outra, so
inexistentes, o que permite sejam invocados a todo o tempo.
Por outro lado, apangio da nossa jurisprudncia justificar a
anulabilidade de normas inconstitucionais com recurso aos preceitos
contidos em normas jurdicas inferiores, o que uma completa aberrao.
J que, no devem ser as normas jurdicas inferiores a servir de fundamento
axiolgico da Constituio, mas antes ser aquelas a conformarem-se com
esta. A Constituio o prius; a legislao ordinria o posterios.
No que concerne aos processos de fiscalizao da constitucionalidade
aplica-se aqui mutatis mutandis o que se deixou dito supra.

89
As garantias dos Contribuintes

Sumrio:
I - Os vcios do acto de liquidao reconhecidos pelo C.P.T. no se
reduzem s categorias bsicas de nulidade e anulabilidade, previstas no
C.P.A. (para alm das situaes de inexistncia), sendo detectveis situaes
de invalidade mista atravs dos arts. 285 e 286., n. 1, alnea a), daquele
primeiro Cdigo, para as situaes da denominada legalidade abstracta da
liquidao.

II - Na verdade, o regime de invocao de vcio do acto de liquidao que


se baseia em norma inexistente que resulta daquelas normas consubstancia-
se em esse vcio poder ser invocado como fundamento de oposio execuo
fiscal at ao termo do prazo respectivo, mesmo depois do termo do prazo
adequado de impugnao de actos anulveis, mas no a todo o tempo.

III - Esse regime de impugnao, expressamente previsto para os casos


em que o acto de liquidao se baseia em norma inexistente ou existente mas
sem autorizao de cobrana data em ocorrer a liquidao aplicvel, por
paridade de razo, aos casos em que existe a norma em que o acto se baseia,
mas ela invlida, quer por a sua nulidade resultar de norma especial, quer
por inconstitucionalidade ou ofensa de qualquer norma de categoria superior.

IV - Os arts. 88., n. 1, alnea c), do Decreto-Lei n. 100/84, de 29 de


Maro, e 1., n. 4, da Lei n. 1/87, de 6 de Janeiro, estabelecem a sano de
nulidade para as deliberaes dos rgos autrquicos que violarem as normas
legais respeitantes ao lanamento de impostos, taxas, derramas ou mais
valias no previstos na lei, mas no para os actos de liquidao praticados ao
abrigo dessas deliberaes.

V - Assim, o acto de liquidao cujo nico vcio aplicar uma deliberao


autrquica nula, semelhana do que sucede com o acto que aplicar norma
inexistente, est afectado pela referida ilegalidade abstracta que, nos casos
em que no houve pagamento voluntrio e h lugar a cobrana coerciva, pode

90
As garantias dos Contribuintes

ser invocado mesmo aps o termo do prazo de impugnao de actos anulveis,


at ao termo do prazo de oposio execuo fiscal.

VI - Se foi proferida uma deciso expressa sobre uma reclamao antes


de se esgotar o prazo legal, no se forma indeferimento tcito desta, mesmo
que no tenha sido efectuada a notificao do acto expresso.

VII - Por isso, respectiva impugnao judicial no pode ser aplicado o


regime previsto para o indeferimento tcito, tendo antes de ser aplicado o
regime prprio dos actos expressos.

Deciso
()
Na sentena do Tribunal Administrativo e Tributrio do Funchal,
confirmada pelo acrdo recorrido, entendeu-se, em suma, que:
em 15-3-95, o impugnante reclamou contra a liquidao e cobrana
da taxa impugnada;
esta reclamao foi indeferida por despacho de 21-4-95, que no se
provou que tivesse sido notificado ao impugnante;
por isso, ocorreu, em 15-6-95, indeferimento tcito da reclamao,
face ao disposto nos arts. 123. e 125. do C.P.T.;
como a impugnao foi apresentada em 21-6-96, ela intempestiva,
face ao disposto naqueles arts. 123. e 125.;
os vcios imputados pelo impugnante ao acto impugnado so
geradores de anulabilidade e no de nulidade, pelo que no podem
ser arguidos a todo o tempo.

O Recorrente defende, alm do mais, que o acto impugnado est


afectado de nulidade, por fora do disposto nos arts. art. 88, n. 2, do
Decreto-Lei n. 100/84, por falta de atribuies, por inconstitucionalidade por
violao do contedo essencial do direito de no pagar impostos
inconstitucionais previsto no art. 103. da C.R.P. e por falta de um elemento

91
As garantias dos Contribuintes

essencial, por no se poder concluir que se tenha pretendido a revogao dos


actos tcitos e expressos de deferimento da pretenso do ora recorrente, pelo
que, no havendo voluntariedade quanto aos seus efeitos revogatrios, so
nulos por falta de um elemento essencial (art. 133., n. 1, do C.P.A.).
4 Antes de mais, importa qualificar os vcios que o impugnante imputa
ao acto recorrido, determinar se eles so geradores de nulidade ou
anulabilidade, pois, sendo os actos nulos impugnveis a todo o tempo (art.
134., n. 2, do C.P.A.), a resposta a essa questo de qualificao pode
condicionar decisivamente a soluo da questo da tempestividade. Por outro
lado, o facto de o art. 143, n. 1, do C.P.T. estabelecer o conhecimento
prioritrio dos vcios que conduzam declarao de inexistncia ou nulidade
do acto impugnado impe que se comece pela apreciao das questes de
nulidade suscitadas.
Este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir
uniformemente que os actos que aplicam normas inconstitucionais no so, s
por esse facto, nulos, estando submetidos ao regime geral das invalidades,
previsto nos arts. 133. e 135. do C.P.A.. ( ( ) Neste sentido, podem ver-se os
seguintes acrdos da Seco do Contencioso Tributrio:
de 9-10-96, proferido no recurso n. 20873, publicado em
Apndice ao Dirio da Repblica de 28-12-98, pgina 2843;
de 4-3-98, proferido no recurso n. 19305, publicado no Boletim
do Ministrio da Justia n. 475, pgina 380, e publicado em
Apndice ao Dirio da Repblica de 6-4-2001, pgina 59;
de 8-7-1998, proferido no recurso n. 22201;
de 30-6-99, proferido no recurso n. 22251;
de 2-5-2001, proferido no recurso n. 25696, publicado em
Acrdos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo. n.
484, pgina 492, e no Apndice ao Dirio da Repblica de 8-7-
2003, pgina 1070;
de 31-10-2001, proferido no recurso n. 26392, publicado em
Antologia de Acrdos do S.T.A. e do T.C.A., volume V, pgina
1, pgina 191;

92
As garantias dos Contribuintes

de 10-4-2002, proferido no recurso n. 26390;


de 15-1-2003, proferido no recurso n. 1629/02;
de 14-1-2004, proferido no recurso n. 1698/03;
de 28-1-2004, proferido no recurso n. 1709/03.
A Seco do Contencioso Administrativo do S.T.A. tambm tem vindo a
decidir no mesmo sentido, como se pode ver pelos seguintes acrdos:
do Pleno de 28-5-92, proferido no recurso n. 26478, publicado
em Apndice ao Dirio da Repblica de 29-11-94, pgina 485;
de 30-1-92, proferido no recurso n. 28087, publicado em
Apndice ao Dirio da Repblica de 29-12-95, pgina 543;
de 4-10-92, proferido no recurso n. 26483, publicado no
Boletim do Ministrio da Justia n. 390, pgina 212;
de 18-2-93, proferido no recurso n. 31304, publicado em
Apndice ao Dirio da Repblica de 14-8-96, pgina 1073;
do Pleno de 17-12-92, proferido no recurso n. 26479,
publicado em Apndice ao Dirio da Repblica de 17-3-95,
pgina 965;
de 20-5-93, proferido no recurso n. 31520, publicado em
Apndice ao Dirio da Repblica de 19-8-96, pgina 2750;
de 29-6-93, proferido no recurso n. 28137, publicado em
Apndice ao Dirio da Repblica de 19-8-96, pgina 3763;
do Pleno de 25-11-93, proferido no recurso n. 24448,
publicado em Apndice ao Dirio da Repblica de 30-11-95,
pgina 740;
de 8-3-94, proferido no recurso n. 32423, publicado em
Apndice ao Dirio da Repblica de 20-12-96, pgina 1723;
de 19-4-94, proferido no recurso n. 32579, publicado em
Apndice ao Dirio da Repblica de 31-12-96, pgina 2800;
de 9-6-94, proferido no recurso n. 30819, publicado em
Apndice ao Dirio da Repblica de 31-12-96, pgina 4667;
de 27-6-95, proferido no recurso n. 26483, publicado em
Apndice ao Dirio da Repblica de 10-4-97, pgina 439;

93
As garantias dos Contribuintes

de 2-10-98, proferido no recurso n. 26685.

No entanto, no contencioso tributrio no pode deixar de se fazer uma


primeira correco a esse entendimento, derivada do regime de invocao, no
mbito do processo de oposio execuo fiscal, de vcios derivados de
inexistncia da norma aplicada pelo acto de liquidao subjacente pretenso
executiva.
Na verdade, no art. 286., n. 1, alnea a), do C.P.T. [ ( ) Como tambm
sucede, actualmente, com a alnea a) do n. 1 do art. 204. do C.P.P.T., que
no estava ainda em vigor quando foi apresentada a petio de oposio cuja
tempestividade est em causa nos presentes autos.] prevem-se os casos que
tm sido denominados como sendo de ilegalidade abstracta da liquidao, que
so os de inexistncia do tributo nas leis em vigor data dos factos a que
respeita a obrigao, ou no estar autorizada a sua cobrana data em que
tiver ocorrido a respectiva liquidao.
Aos casos de inexistncia de norma aplicada no acto de liquidao so
equiparveis, por evidente paridade ou mesmo maioria de razo, os casos em
que tal norma existe mas invlida, por incompatibilidade com norma de
categoria superior (por inconstitucionalidade ou ilegalidade por ofensa de
norma de lei orgnica ou de valor reforado ou norma comunitria ou inserta
em conveno internacional ou mesmo, nos casos de a liquidao se basear
em norma regulamentar, por ofensa da lei ordinria em que aquela se baseia).
Constata-se, assim, que permitido aos interessados invocarem, em
oposio execuo fiscal, aquela ilegalidade abstracta do acto de liquidao
subjacente dvida exequenda, desde que a invocao desse vcio seja feita
at ao termo do prazo da oposio, previsto no art. 285. do C.P.T. [ ( ) No h
no art. 285. do C.P.T. qualquer restrio relativa s situaes de oposio
execuo fiscal a que se aplicam, pelo que ter de se entender que eles se
aplicam qualquer que seja o fundamento de oposio invocado.), portanto
mesmo depois do decurso do prazo de impugnao de actos de liquidao com
fundamento em anulabilidade, previsto no art. 123. do mesmo Cdigo. ( ) ]
indiferente, para se ter de se reconhecer que se est perante a invocao de

94
As garantias dos Contribuintes

um vcio do acto de liquidao, o efeito dessa invocao, designadamente


saber se ela conduz declarao de nulidade ou inexistncia ou anulao do
acto (como prprio dos processos impugnatrios) ou apenas sua ineficcia
em relao ao destinatrio, que parece ser a qualificao adequada
invocao da ilegalidade abstracta em oposio execuo fiscal, que tem por
efeito a extino da execuo.
Na verdade, em qualquer caso, se estar perante a invocao do vcio e
respectiva atribuio de efeitos jurdicos.)
No entanto, estando prevista esta possibilidade de invocao de vcios
qualificveis como ilegalidade abstracta apenas nos casos em que h oposio
execuo fiscal, ela s existir nos casos em que haja lugar execuo fiscal,
pois, como bvio, s quando ela existe poder haver oposio. Por isso, nos
casos em que no haja lugar a execuo, por haver pagamento voluntrio, no
haver este prazo acrescido para invocao dos vcios derivados de
inexistncia ou invalidade da norma aplicada pelo acto de liquidao.
Da conjugao deste regime especial de invocao da ilegalidade
abstracta da liquidao com as normas do C.P.A. e do C.P.T. que relevam para
definio do regime de impugnao de actos administrativos conclui-se que
existir nulidade do acto de liquidao quando se tratar de um caso em que a
lei preveja tal sano, quer atravs das categorias indicadas no art. 133. do
C.P.A. quer em disposio especial; nestes casos o acto de liquidao no
produzir quaisquer efeitos jurdicos e a nulidade invocvel a todo o tempo,
podendo tambm ser declarada oficiosamente (art. 134., n.s 1 e 2, do C.P.A.
e art. 102., n. 3, do C.P.P.T.); estar-se- perante uma situao de
anulabilidade do acto de liquidao, quando no se estiver perante uma
situao de nulidade (art. 135. do C.P.A.) nem perante uma daquelas
situaes enquadrveis no conceito de ilegalidade abstracta da liquidao ou,
estando-se perante uma destas situaes, tiver ocorrido o pagamento
voluntrio da quantia liquidada; nestes casos, a impugnao ter de ser
efectuada dentro do prazo legalmente previsto para tal (art. 136., n. 2 do
C.P.A.), prazo esse que, no contencioso tributrio, ser o que, conforme o caso,
resultar do art. 123. do C.P.T. (actualmente art. 102. do C.P.P.T.); se se tratar

95
As garantias dos Contribuintes

de um vcio qualificvel como ilegalidade abstracta da liquidao e no ocorrer


pagamento voluntrio, ele ser invocvel at ao termo do prazo de oposio
execuo fiscal
Assim, face das categorias de vcios previstas no C.P.A., nestas
situaes de ilegalidade abstracta da liquidao poder falar-se de uma
invalidade mista, pois o regime de invocao do vcio no o prprio da
nulidade (pois no possvel invoc-lo aps o termo do prazo da oposio)
nem o prprio dos actos anulveis, pois o vcio pode ser invocado depois do
prazo previsto para a impugnao do acto de liquidao [( ) Para alm de o
efeito da invocao do vcio no ser a anulao do acto mas apenas a sua
ineficcia em relao ao destinatrio (...)].
Esta distino entre os casos em que houve pagamento e aqueles em
que ele no ocorreu, a nvel de restries temporais impugnabilidade de
actos tributrios, tem justificao na divergncia de situaes jurdicas que
so geradas num caso e noutro. Na verdade, o pagamento voluntrio, com a
entrada da quantia liquidada nos cofres do credor tributrio, cria uma maior
expectativa deste credor quanto disponibilidade dessa quantia para
satisfao das necessidades pblicas a que se destina. Por isso, compreende-
se que no se admita a impugnao para alm do prazo fixado no art. 123.
quando o pagamento ocorreu, para aquele credor poder ter a certeza de que
pode dispor da quantia paga, conveniente para uma adequada gesto dos
seus meios pecunirios, a afectar na satisfao de necessidades pblicas. Nos
casos em que no ocorreu o pagamento, os inconvenientes da incerteza sobre
a legalidade da cobrana no so to apreciveis, pois, no dispondo ainda o
credor tributrio da quantia liquidada, no se lhe coloca a questo da sua
aplicao.
Alis, a distino entre as situaes de tributo pago e tributo no pago,
a nvel da necessidade de estabilizao expressamente assumida na alnea
b) do n. 1 do art. 94. do C.P.T., em que se prev a possibilidade de reviso
oficiosa do acto tributrio durante o decurso do processo de execuo fiscal, e
no art. 78., n. 1, da L.G.T. em que se prevem prazos para a reviso oficiosa
do acto tributrio, mas se admite essa reviso a todo o tempo se o tributo

96
As garantias dos Contribuintes

ainda no estiver pago, pelo que detectvel uma perspectiva legislativa


unitria nesta matria.
Com a mesma ponderao de tratamento diferenciado das situaes em
que ocorreu imposto e daquelas em que ele no ocorreu deve ser interpretada
a norma do art. 103., n. 3, da C.R.P., na redaco de 1997 (anterior art.
106., n. 3) que estabelece um direito de resistncia fiscal, nos termos do qual
ningum pode ser obrigado a pagar impostos que no tenham sido criados
nos termos da Constituio, que tenham natureza retroactiva ou cuja
liquidao e cobrana se no faam nos termos da lei. Esta norma,
reportando-se proibio de imposio coerciva do pagamento de impostos (s
quanto a essa cobrana coerciva se estar a obrigar algum a pagar
impostos) reclama a admissibilidade da invocao de vcios de
inconstitucionalidade durante a pendncia do processo de execuo fiscal,
mas no torna nulos os actos de liquidao que apliquem normas
inconstitucionais, no impondo a sua impugnabilidade a todo o tempo,
designadamente nos casos em que, por ter ocorrido pagamento voluntrio, no
chega a ocorrer uma situao em que algum obrigado a pagar impostos.
Na verdade, para alm de a letra deste preceito ser compatvel ou at apontar
para esta soluo, valem tambm aqui as consideraes de razoabilidade que
atrs se referiram sobre a distino entre as situaes em que foi pago e
aquelas em que no foi pago o tributo.
Por outro lado, no que concerne ao entendimento de que do art. 103.,
n. 3, da C.R.P. resulta que so nulos os actos de liquidao, por fora da
alnea d) do n. 2 do art. 133. do C.P.A., quando o imposto no tenha sido
criado ou no tenha sido liquidado nos termos da lei, por estar em causa o
contedo essencial do direito de no pagar impostos ilegais, ele reconduzir-se-
ia a que fossem nulos todos os actos de liquidao ilegais, pois qualquer acto
de liquidao ilegal afectaria o contedo garantstico desse direito, se ele
pudesse ser enunciado naqueles termos absolutos. Ora, para alm das
referidas normas dos arts. 285. e 286., n. 1, alnea a), do C.P.T. no se
compaginarem com tal entendimento, por delas derivar a fixao de prazo
para invocao de vcios de actos de liquidao derivados da inexistncia de

97
As garantias dos Contribuintes

norma, aquela ilao tambm contrariada pelo art. 123. do mesmo Cdigo,
que prev prazos para impugnao (incompatveis com o vcio de nulidade) e
do art. 143., n. 1, do Cdigo que se refere a anulao do acto impugnado, a
par da declarao de inexistncia ou nulidade. Por isso, mesmo que se
entendesse que era a sano de nulidade a que resultava dos arts. 133., n.s
1 e 2, alnea d), do C.P.A. para os actos de liquidao ilegais, sempre se teria
de entender que o C.P.T. estabelecia um regime diferente que, por ser especial,
afastaria, no seu domnio especfico de aplicao, aquele regime do C.P.A.
Para alm disso, esse entendimento teria a consequncia inaceitvel de
criar uma insustentvel incerteza generalizada e perptua no domnio das
finanas pblicas, cujos reflexos negativos se produziriam permanentemente
nesse sector de relevo primacial para o funcionamento global do Estado e das
instituies pblicas que se veriam impossibilitados de qualquer programao
financeira consistente a mdio prazo. Por outro lado, nem mesmo haveria uma
justificao razovel, para a criao de uma situao de instabilidade desse
tipo, pois, estando em causa nos actos tributrios ilegais apenas a agresso
da esfera patrimonial dos contribuintes em termos no ofensivos do contedo
essencial do direito de propriedade, no se compreenderia que se eternizasse,
de forma generalizada, a possibilidade de o contribuinte questionar a
legalidade dos actos de liquidao de impostos, sendo muito mais sensato e
equilibrado, ponderando os interesses conflituantes do contribuinte e da
administrao tributria, estabelecer como regra o regime da anulabilidade,
complementado com as outras formas procedimentais e processuais
garantsticas prprias do direito tributrio, designadamente a possibilidade de
invocao de vcios do acto de liquidao fora do prazo normal de impugnao
de actos anulveis, como sucede em oposio execuo fiscal nas situaes
previstas nas alneas a), b) 2. parte, e f), do n. 1 do art. 286. do C.P.T., em
reclamao graciosa nas situaes previstas nos n.s 2 e 3 do art. 97. do
mesmo Cdigo e atravs de formulao de pedido de reviso do acto
tributrio, nos termos do art. 78. da L.G.T., nestes ltimos casos com
possibilidade de impugnar perante os tribunais eventuais decises

98
As garantias dos Contribuintes

administrativas desfavorveis [arts. 100., n. 2, 123., n.s 1, alnea e), e 2,


do C.P.T. e 95., n. 2, alnea d), da L.G.T.].
Neste contexto, aquela generalizao da cominao de nulidade, sendo
uma soluo legislativa desacertada, no se pode presumir ter sido adoptada
(art. 9., n. 3, do Cdigo Civil).
Assim, no pode fundar-se em inconstitucionalidade ou em violao do
contedo essencial de um direito fundamental a nulidade dos actos
impugnados. [( ) Questo diferente a de saber se, impugnado o acto anulvel
tempestivamente, possvel conhecer de vcios de inconstitucionalidade que
no tenham sido arguidos na petio e s venham a ser arguidos aps o
decurso do prazo de impugnao com fundamento em anulabilidade. A esta
questo a Seco do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal
Administrativo tem vindo a dar uma resposta positiva com base no art. 204.
da C.R.P. que determina que nos feitos submetidos a julgamento no podem
os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituio ou os
princpios nela consignados (por todos pode ver-se o acrdo do Pleno de 24-
11-94, Pleno, proferido no recurso n. 27116, publicado em Apndice ao Dirio
da Repblica de 27-6-96, pgina 623].
No entanto, mesmo para esta posio, o vcio de acto que aplica norma
inconstitucional no qualificvel, s por esse facto, como nulidade, arguvel a
todo o tempo.
Trata-se de um regime equilibrado, pois so diferentes, a nvel da
segurana jurdica, que o interesse protegido com a imposio da precluso
de prazos para o exerccio de direitos, as situaes em que um acto foi
impugnado e est a ser discutida a sua validade com fundamento na
existncia de vcios diferentes da aplicao de norma inconstitucional, e
aqueles em que no houve impugnao. Na verdade, no primeiro caso, at
transitar em julgado a deciso final do processo em que se discute a validade
do acto, a situao jurdica gerada com a sua prtica est instvel, pelo que
no se podem gerar expectativas dignas de tutela relativas validade do acto
impugnado. Por isso, uma vez impugnado o acto, a precluso do direito de
arguir novos vcios no se impe por razes de segurana jurdica, mas

99
As garantias dos Contribuintes

essencialmente por razes de disciplina e economia processuais, para que o


processo tenha a tramitao normal prevista na lei, presumivelmente a mais
adequada para apreciao dos direitos em litgio. Nestas condies, no
havendo prejuzo para a segurana jurdica, aceitvel que se admita a
discusso das questes de constitucionalidade durante o processo, mesmo
oficiosamente, atenta a relevncia jurdica das normas constitucionais. Mas,
seria manifestamente inadequado e pouco sensato, por gerar uma situao de
permanente insegurana econmica dos entes pblicos susceptvel de fazer
perigar o seu desempenho na satisfao dos seus fins de utilidade pblica,
admitir que fosse discutida a legalidade da cobrana de tributos muito tempo
depois da sua efectivao, sem a existncia, num prazo curto, de um acto do
interessado revelador da sua inteno de impugnao.

Crtica
Desde j se diga que este Acrdo revela escandalosamente uma
viso assaz parcial e desequilibrada dos tribunais administrativos em favor
do Estado. O que revelado pela seguinte afirmao: o pagamento
voluntrio, com a entrada da quantia liquidada nos cofres do credor tributrio,
cria uma maior expectativa deste credor quanto disponibilidade dessa
quantia para satisfao das necessidades pblicas a que se destina.
Por outro lado, serve de modelo daquilo que, embora com fundamentos
diferentes, se tem defendido nos nossos tribunais, quanto aplicao da
figura da anulabilidade aos casos de inconstitucionalidade.
Como vimos, a Constituio a trave mestra do nosso Direito, sendo o
fundamento de toda a lei ordinria.
Da que no se devam fundamentar as sanes da Constituio
nulidade, anulabilidade ou inexistncia com o recurso a qualquer norma
ordinria, pretendendo-se conformar e subordinar aquela (lei-me) a esta.
Mas antes deve-se ir buscar o seu fundamento aos princpios,
nomeadamente, de Direito Privado ou Civilstico, os quais se aplicam
integralmente, como j dissemos, ao Direito Constitucional.

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As garantias dos Contribuintes

Sendo, por isso de refutar a afirmao de que: os actos que aplicam


normas inconstitucionais no so, s por esse facto, nulos, estando
submetidos ao regime geral das invalidades, previsto nos arts. 133. e 135.
do C.P.A., conforme se tem vindo, ao que parece unanimemente, a decidir
pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Por outro lado, importa fazer uma referncia ao momento em que deve
ser arguida a inconstitucionalidade de uma norma jurdica num processo
que corre em tribunal, quer seja no mbito de uma execuo fiscal,
impugnao judicial ou qualquer outro. Isto , quando estamos perante um
problema de inconstitucionalidade material de uma norma jurdica temos
dois tipos de controlo fundamentais:
(1) fiscalizao abstracta; ou, (2) fiscalizao concreta.
Contudo, interessa-nos, agora, focar a questo da fiscalizao
concreta, ou seja, aquela que decorre de um processo existente no tribunal.
Como se referiu supra, a fiscalizao concreta exerce-se de dois
modos: ou a inconstitucionalidade da norma jurdica de conhecimento
oficioso ou pode ser suscitada por via incidental. Sendo que, nesta ltima
hiptese, poder s-lo a todo o tempo e no nos prazos da oposio,
impugnao, etc. o que, alis, bem se compreende, j que cabe aos juzes
serem os guardies da Constituio.
O que, infelizmente para os cidados, no vem acontecendo.
Em concluso, dir-se- que so inexistentes as normas jurdicas que
violem a Constituio, podendo, sempre que esteja em curso um processo
em tribunal, ser invocada a inconstitucionalidade a todo o tempo, ou
oficiosamente ou por via incidental.
Da que, sendo os juzes os guardies da Constituio, no se perceba
(ou at s vezes se perceba!...) porque aplicam normas inconstitucionais com
o argumento em intempestividade na sua invocao, arredando desta forma
o direito de resistncia fiscal dos contribuintes.

Relacionada ainda com a matria em causa, discute-se a questo de


saber se em impugnao judicial de uma liquidao de IRC pode arguir-se a

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As garantias dos Contribuintes

ilegalidade do acto tributrio com fundamento na inconstitucionalidade


material e/ou orgnica ou formal de normas legais atinentes definio dos
pressupostos e declarao da caducidade da autorizao para a tributao
pelo lucro consolidado (TLC).
Escrevendo-se em sentena recente do TAF Braga (Proc. n 29/03) que:
as normas a que a impugnante se reporta respeitam aos fundamentos da
caducidade da autorizao para o direito tributao pelo regime do lucro
consolidado.
A deciso que declara a caducidade no faz parte do iter decisrio do acto
tributrio de liquidao impugnado, sendo prvio a este e deste independente e
autnomo. Trata-se de um acto administrativo respeitante a questo fiscal, no
mero acto interlocutrio de procedimento - (arts 32, n 1, al. c), 41, n 1, al. b),
e 62, n 1, al. e), do ETAF em vigor data).
Os vcios de que este despacho padecesse teriam de ser atacados
autonomamente e em tempo oportuno. No se tendo verificado tal reaco, tal
despacho consolidou-se na ordem jurdica como caso decidido ou resolvido, com
efeitos semelhantes aos do caso julgado.
Face a tal consolidao, no importa pois analisar as questes levantadas
da constitucionalidade.
Assim, tendo a liquidao sido efectuada em conformidade com tal deciso
(que declarou a caducidade do direito tributao pelo lucro consolidado) e ao
abrigo do artigo 59, 10 e 59-A, mostra-se vlida.

Crtica
Salvo melhor opinio, o acto tributrio rectius a liquidao
impugnada padece de ilegalidade por fora da inconstitucionalidade
arguida na aco impugnatria.

102
As garantias dos Contribuintes

Inconstitucionalidade que, por versar sobre matria atinente


incidncia em sentido amplo (que inclui a determinao ou quantificao da
matria tributvel) de impostos, deve qualificar-se como
inconstitucionalidade material sem que deixe de ser igualmente formal e
tambm orgnica a que corresponde o direito de resistncia, consagrado no
art. 103, n 3, da CRP.
Se no, vejamos:
O procedimento de liquidao teve como antecedente-causante a
prvia declarao de caducidade da autorizao para a TLC que havia sido
concedida oportunamente.
S que, precisamente por ter a sua causa determinante no
procedimento tributrio que culminou com a dita declarao de caducidade,
o acto tributrio ficou irremediavelmente contagiado pelos vcios de
inconstitucionalidade invalidantes daquele procedimento prvio.
Pois que, precisamente por desempenhar essa funo de pressuposto
da liquidao impugnada se outras razes no houvessem, mas h,
segundo julgamos que a caducidade da autorizao, contaminada pelo
vcio de inconstitucionalidade daquele preceito, contagia irrefragavelmente
aquela.
At porque, a inconstitucionalidade arguida no uma
inconstitucionalidade qualquer, antes incide, ferindo-o de morte, sobre o
ncleo central do status negativus dos destinatrios daquela norma, em
que se integra o direito fundamental da aqui recorrente consagrado no art.
103, n 3, da Constituio, segundo o qual: Ningum pode ser obrigado a
pagar impostos que no hajam sido criados nos termos da Constituio, que
tenham natureza retroactiva ou cuja liquidao e cobrana se no faam nos
termos da lei.
Direito este equiparado (ou de natureza anloga), para efeitos de
regime, a direitos, liberdades e garantias enumerados no Ttulo II da Parte I
da Constituio. cfr. J. C. Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais
na Constituio Portuguesa de 1976, ano de 1983, pgs. 79, 86 e 87; e Jorge

103
As garantias dos Contribuintes

Lopes de Sousa, in Cdigo de Procedimento e de Processo Tributrio,


anotado, ano 2000, pgs. 849
Se assim escreve este ltimo autor, in ob. e loc. cit. este direito
de no ser obrigado a pagar impostos no criados nos termos da Constituio
(ou cuja liquidao e cobrana se no faam nos termos da lei cfr. n 3 do
art. 103 da CRP) vincula as entidades pblicas e privadas, de harmonia
com o preceituado no art. 18, n 1, da CRP.
Esta vinculao, de que emana um dever de todas as entidades
obstarem a que algum seja obrigado a pagar impostos no criados nos
termos previstos na Constituio supe o conhecimento oficioso dos vcios
relativos forma de criao dos impostos, designadamente os vcios que
seriam susceptveis de constituir situaes de inconstitucionalidade orgnica e
formal dos diplomas que os prevem, mas que, por fora desta norma
constitucional, passam a ser tambm situaes de inconstitucionalidade
material.
Por outro lado, o direito de resistncia no assegurado contra actos
meramente anulveis, mas apenas contra os actos nulos.
Com efeito, os actos meramente anulveis, at declarao de
anulao produzem todos os seus efeitos, sendo eficazes e obrigatrios, pelo
que no h direito de resistncia passiva em relao sua execuo forada,
direito este que reconhecido relativamente a actos nulos.
Por isso, na atribuio do direito constitucional do direito de resistncia
relativamente a impostos no criados nos termos da C.R.P., dever ver-se um
sinal de que o vcio que afecta o acto que aplica a norma inconstitucional
relativamente criao de impostos no ser a mera anulabilidade, mas um
vcio mais grave, como sejam a nulidade.
Porm, existindo esta possibilidade de conhecimento oficioso dos vcios
atinentes forma de criao dos impostos, ela no poder restringir-se aos
vcios que em princpio seriam susceptveis de serem qualificados como de
inconstitucionalidade orgnica ou formal, que so qualificveis como de
inconstitucionalidade material por fora da norma do n 3 do art. 103.
(corresponde ao actual n 3 do art. 103)

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As garantias dos Contribuintes

A doutrina acabada de reproduzir, com a devida vnia ao seu ilustre


Autor, serviu tambm de respaldo ao Acrdo do TCA (Sul) de 29/4/2003, in
Proc. n 146/03, em matria de oposio judicial.
http://w.w.w.dgsi.pt.jtca.
No mesmo sentido, vide Cdigo do Processo Tributrio, 3 edio, de
Alfredo Jos de Sousa e Jos da Silva Paixo, pgs. 591/592, onde escrevem,
em anotao alnea a) do n 1 do art. 286: A alnea a) do n 1 do art. 286
do CPT o corolrio do art. 106, ns 2 e 3, referido aos arts. 108, ns 1, 2 e
4, 167, al. p), e 202, al. b), todos da Constituio da Repblica.
(.)
A inconstitucionalidade de uma norma ou diploma legal tem como efeito
a sua desaplicao e a sua destruio. uma declarao negativa desde a
sua formao, assemelhando-se declarao de nulidade (art. 282 da
Constituio da Repblica).
Norma declarada inconstitucional uma norma nula, que no existe,
que no est em vigor.
No caso vertente, a questo da legalidade substancial do acto
tributrio no est a ser objecto de apreciao em processo de oposio
judicial execuo fiscal, mas, sim, de impugnao judicial.
Ora, se nos termos da lei cfr. art. 204, n 1, al. a), do CPPT (que
corresponde ao art. 286, n 1, al. a) do CPT) a legalidade abstracta do acto
tributrio pode ser suscitada na oposio execuo fiscal, por maioria de
razo deve a apreciao dessa legalidade abstracta por
inconstitucionalidade simultaneamente formal, orgnica e material ser
admitida no processo de impugnao, que dirigido a um momento do
procedimento tributrio logicamente anterior ao da cobrana coerciva, tanto
mais que, pelo menos no caso sub jdice, a impugnao foi considerada
tempestiva pela douta sentena recorrida.
Por fora do direito de resistncia consagrado no art. 103, n 3, da
CRP a que aplicvel o regime dos direitos, liberdades e garantias
fundamentais so inexistentes (e segundo alguns autores nulos) os actos
tributrios praticados em execuo ou ao abrigo de normas legais

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As garantias dos Contribuintes

inconstitucionais, sano que mais justificada se torna quando, como no


caso vertente, est em causa a violao do contedo essencial do direito de
no pagar impostos que no hajam sido criados nos termos da Constituio
() ou cuja liquidao e cobrana se no faam nos termos da lei.
Tendo as leis fiscais e designadamente as normas arguidas de
inconstitucionalidade carcter impositivo de deveres em face do Fisco, que
implicam, em ltima instncia, uma ablao ou cerceamento do direito de
livre disposio do patrimnio dos contribuintes, esto sujeitas a um
conjunto de regras e princpios constitucionais que constituem na esfera
jurdica dos contribuintes ou no seu status negativus uma muralha
defensiva contra as pretenses e actuaes ilegtimas dos poderes pblicos.
Veja-se, nesse sentido, entre outros, o princpio basilar da dignidade
da pessoa humana, o da subordinao do Estado Constituio e ao
respeito e garantia de efectivao dos direitos e liberdades fundamentais, o
princpio da legalidade, o princpio da conformidade das leis com a
Constituio como condio da sua validade e, ainda, o princpio da
proporcionalidade, plasmados nos arts. 1, 2, 3 e 18, n 2, da CRP.
Por ltimo, e dada a natureza das leis fiscais j acima referida, como
leis impositivas de deveres que contendem com direitos subjectivos dos
contribuintes, no podem proclama o art. 18, n 3, da CRP diminuir a
extenso e o alcance do contedo essencial dos preceitos constitucionais,
entre os quais o direito de resistncia consagrado no art. 103, n 3, da CRP.
Sendo que, tal direito de resistncia seria irreparavelmente atingido no
seu ncleo essencial rectius no seu contedo essencial se o legislador
ordinrio criasse normas (ou estas fossem interpretadas e aplicadas em
termos tais) que, directa ou indirectamente, restringissem, condicionassem
ou frustrassem aquele direito fundamental, ou se quaisquer autoridades
pblicas, tribunais includos, fizessem aplicao de normas impositivas de
prestaes fiscais criadas em desconformidade com os preceitos
constitucionais.
Ora, sendo inconstitucionais as normas do CIRC com base nas quais
se decidiu a caducidade da autorizao para a TLC, esta deciso est ferida

106
As garantias dos Contribuintes

de nulidade, de conhecimento oficioso, e, consequentemente, nulos so os


actos praticados no caso, a liquidao no pressuposto da sua validade.
cfr. neste sentido, o art. 133, n 2, alnea i), do CPA; art. 98, n 3, do CPPT,
e art. 201, n 2, do CPC; e, na doutrina, Mrio Esteves Oliveira/Pedro Costa
Gonalves/J. Pacheco de Amorim, in Cdigo de Procedimento
Administrativo, 2 edio, pgs. 650.
Assim, a inconstitucionalidade arguida na impugnao judicial
deduzida contra o acto tributrio releva, atenta a sano da
inexistncia/nulidade que lhe corresponde, de conhecimento oficioso,
tambm em sede da deciso de caducidade da autorizao da tributao pelo
lucro consolidado, j que tal deciso constitui um prius, pressuposto ou
antecedente causal daquele.
E no se diga que a pretenso da recorrente est prejudicada por no
ter atacado, pelo meio adequado e em tempo oportuno, o vcio da
inconstitucionalidade da deciso administrativa, at porque, mesmo
abstraindo da falta de explicitao de qual seja esse tempo oportuno, tal
entendimento das coisas colide frontalmente com o disposto no art. 102, n
3, do CPPT, segundo o qual Se o fundamento [da impugnao] for a
nulidade, a impugnao pode ser deduzida a todo o tempo.
Sendo, como se demonstrou supra, o conhecimento da
inconstitucionalidade das normas em que se fundamentou a deciso de
caducidade da autorizao para a TLC de conhecimento oficioso e estando a
referida deciso ferida de inexistncia ou nulidade, tambm de conhecimento
oficioso, com a concomitante ilegalidade da liquidao, fazia-se mister que,
mesmo na ausncia de arguio daquele vcio, a douta sentena dele
conhecesse e anulasse o acto tributrio, no s porque quod nullum est
nullum efectum producit, mas tambm por fora do disposto nos arts. 202,
n 2, e 204, ambos da CRP, o primeiro dos quais dispe que: Na
administrao da justia incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos
direitos e interesses legalmente protegidos dos cidados, e o segundo que:
Nos feitos submetidos a julgamento no podem os tribunais aplicar normas
que infrinjam o disposto na Constituio ou nos princpios nela consignados.

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As garantias dos Contribuintes

Deste modo, e para concluir, entendemos que, no tendo a douta


sentena conhecido dos vcios de inconstitucionalidade, quer da al. c) do art.
25 da Lei n 65/90, de 28/12, quer das normas especificadas do Dec-Lei n
251-A/91, de 16/7, por erro de julgamento, no pode a mesma manter-se na
ordem jurdica.

CONCLUSO
Aqui chegados, cumpre dizer que tratmos neste trabalho o tema das
garantias dos contribuintes, na tentativa de responder questo de saber
se as mesmas constituem ou no meios idneos, consistentes e eficazes para
a defesa dos contribuintes em face da actuao ilegal da Administrao
Fiscal.
Com grande relevncia para esta problemtica foi analisado o Direito
de Resistncia Fiscal consagrado no art. 103, n 3 da CRP, tendo chegado
concluso de que, pese embora seja um meio idneo, consistente e eficaz
para a defesa dos contribuintes, alvo de permanentes ataques da
Administrao Fiscal, com o aval da nossa jurisprudncia fiscal, que o
tornam completamente inerte.
Entre as garantias dos contribuintes demos maior relevncia ao
estudo do princpio da legalidade, que o pilar do Estado-de-Direito em que
(segundo a Constituio) vivemos, e s consequncias da sua violao.
Pela sua importncia em sede de direitos dos contribuintes,
abordmos tambm a matria atinente ao regime de fiscalizao da
inconstitucionalidade, atravs da qual se pretende conferir aos cidados a
garantia de no serem sujeitos aplicao de normas inconstitucionais.
Conclumos, em suma, ser errada a doutrina que vem sendo sufragada
pelos nossos tribunais de que o direito de resistncia fiscal, consagrado
no art. 103, n 3, da CRP, se deve subordinar s normas infra-
constitucionais, rectius ordinrias do mesmo passo que, na senda da
doutrina (quanto a ns) mais autorizada, propugnmos afoitamente a

108
As garantias dos Contribuintes

inconstitucionalidade material das normas jurdicas como consequncia da


violao de tal direito.
Inconstitucionalidade essa que, do nosso ponto de vista, acarreta
inexoravelmente a sano mais grave do nosso Ordenamento Jurdico a
Inexistncia cujo fundamento se encontra no facto da Constituio ser
fonte de produo jurdica (o fundamento axiolgico) das normas infra-
constitucionais.

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As garantias dos Contribuintes

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