Reflexão Sobre Alguns Desafio Do Ensino Medio No Brasil
Reflexão Sobre Alguns Desafio Do Ensino Medio No Brasil
Reflexão Sobre Alguns Desafio Do Ensino Medio No Brasil
REFLEXO
SOBRE ALGUNS
DESAFIOS DO
ENSINO MDIO
NO BRASIL
HOJE
NORA KRAWCZYK
752 V.41 N.144 SET./DEZ. 2011 CADERNOS DE PESQUISA
ABSTRACT
The purpose of this article is to develop some ideas that may contribute to the debate
about the secondary education in Brazil, giving emphasis to the conditions existing
CADERNOS DE PESQUISA V.41 N.144 SET./DEZ. 2011 753
in the educational institutions, the ongoing educational policies and the challenges
posed by the social, economic and political reality of the country. It is also discussed
the political, social and economic importance of the expansion and the compulsory
character of secondary education as well as the schools culture dimension, in its
relationship to the so-called knowledge society. Finally, the role of secondary
education for the youth and the new demands it poses for teachers are presented,
among some others aspects.
Q
UANDO SE TRATA de refletir sobre o sistema educacional brasileiro, con-
sensual a percepo de que o ensino mdio o nvel de ensino que pro-
voca os debates mais controversos, seja pelos persistentes problemas do
acesso e da permanncia, seja pela qualidade da educao oferecida, ou,
ainda, pela discusso sobre a sua identidade.
As deficincias atuais do ensino mdio no pas so expresses da
presena tardia de um projeto de democratizao da educao pblica
no Brasil ainda inacabado, que sofre os abalos das mudanas ocorridas
na segunda metade do sculo XX, que transformaram significativamen-
te a ordem social, econmica e cultural, com importantes consequn-
cias para toda a educao pblica.
A proposta deste trabalho no oferecer uma descrio da si-
tuao do ensino mdio e, tambm no simplesmente rever as deficin-
cias atuais dessa etapa de escolaridade. Procura-se desenvolver algumas
ideias que possam contribuir para o debate sobre o ensino mdio, a par-
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EXPANSO, UNIVERSALIZAO E
DEMOCRATIZAO DO ENSINO MDIO
A incluso do ensino mdio no mbito da educao bsica e o seu ca-
rter progressivamente obrigatrio demonstram o reconhecimento da
importncia poltica e social que ele possui. O pas j no suporta ta-
manha desigualdade educacional. Trata-se de uma demanda crescente
de escolarizao diante da desvalorizao dos diplomas em virtude da
Nora Krawczyk
expanso do ensino e da necessidade de competir no exguo mercado
laboral, bem como de socializar a populao em uma nova lgica do
mundo do trabalho.
O ensino mdio representa apenas os trs ou quatro ltimos
anos da educao bsica, mas talvez os mais controvertidos, o que traz
dificuldades no momento de definir polticas para essa etapa da escola-
rizao. Fala-se da perda da identidade, quando na verdade o ensino m-
dio nunca teve uma identidade muito clara, que no fosse o trampolim
para a universidade ou a formao profissional.
Desde meados da dcada de 1990, o ensino mdio pblico bra-
sileiro tem se expandido de maneira mais significativa. No entanto, a
premissa da sua obrigatoriedade foi colocada recentemente pelo gover-
no federal, por meio da Emenda Constitucional n. 59/2009, que amplia
a obrigatoriedade escolar para a faixa dos 6 aos 17 anos de idade, acom-
panhando uma tendncia regional e respondendo a presses como as
do Fundo das Naes Unidas para a Infncia Unicef. No debate, ainda
incipiente, se reconhece a importncia de responder a essa dvida social
para com a populao, mas se alerta para a necessidade de ampliao
dos recursos disponveis a fim de criar condies de atendimento a toda
a populao de 15 a 17 anos. As polticas de expanso do ensino mdio
respondem no somente s aspiraes das camadas populares por mais
escolarizao, mas tambm necessidade de tornar o pas mais competi-
tivo no cenrio econmico internacional. Elas decorrem da implementa-
o de polticas de correo do fluxo de matrculas que impulsionaram
a concluso do ensino fundamental produzindo o aumento da demanda
por mais escolarizao, e so tambm informadas pelas maiores exign-
cias de credenciais no mercado de trabalho e pela prpria instabilidade
deste. Tal como afirma Sposito (1993), as condies de vida recusam,
ao mesmo tempo que impem a necessidade de saber, do acesso edu-
cao, a possibilidade do projeto que pretende um outro futuro, uma
outra forma de viver a vida.
O fato que, seja pela demanda provocada pelo contexto eco-
nmico mais amplo (reordenamento internacional) ou de cada sujeito
(empregabilidade), seja pela demanda resultante das polticas de prio-
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mdio de formao geral e ensino tcnico de nvel mdio. Para alm dos
desafios da universalizao do acesso e da igualdade de oportunidades
educacionais, tambm permanecem desafios referentes aos contedos a
serem ensinados, formao e remunerao dos professores, s condi-
es de infraestrutura e gesto escolar, aos investimentos pblicos rea-
lizados, entre outros.
A evaso, que se mantm nos ltimos anos, aps uma poltica de
aumento significativo da matrcula no ensino mdio, aponta para uma
crise de legitimidade da escola, que resulta no apenas da crise econ-
mica ou do declnio da utilidade social dos diplomas, mas tambm da
falta de outras motivaes para os alunos continuarem estudando.
Para alguns segmentos sociais, cursar o ensino mdio algo
quase natural, tanto quanto se alimentar etc. E, muitas vezes, sua mo-
tivao est bastante associada possibilidade de recompensa, seja por
parte dos pais, seja pelo ingresso na universidade. A questo est nos
grupos sociais para os quais o ensino mdio no faz parte de seu capital
cultural, de sua experincia familiar; portanto, o jovem, desses grupos,
nem sempre cobrado por no continuar estudando. a que est o de-
safio de criar a motivao pela escola.
Os docentes do ensino mdio, embora j no sejam idealizados
pelos alunos assim como eram os professores do ensino fundamental,
continuam representando uma referncia muito importante quanto
motivao para os alunos (Santos Del Real, 2000). O sentido da escola para
os estudantes est bastante vinculado integrao escolar do aluno e
sua identificao com os professores. fcil pensar que a motivao
seja conseguir trabalho, mas esse argumento um tanto frgil diante da
sombra do desemprego. Alm disso, na situao atual, so muito redu-
zidas as possibilidades de ascenso e de mobilidade social pela escola.
Quanto ao interesse intelectual, na maioria dos casos, a atrao
ou rejeio dos alunos por uma ou por outra disciplina est vinculada
experincia e aos resultados escolares. O interesse pela disciplina est dire-
tamente associado atitude do docente: seu modo de ensinar; a pacincia
com os alunos; e a capacidade de estimul-los e dialogar com eles.
Ainda que a escola no seja suficientemente atraente, o que no
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Industrial Senai e, em
1946, o Servio Nacional de de mo de obra qualificada com a contribuio do governo federal nos
Aprendizagem Comercial
Senac. diferentes nveis de escolarizao.
As redes de escolas tcnicas federais Cefets e estaduais, ainda
que se tenham expandido por todo o pas e sejam reconhecidas como
instituies que oferecem ensino de boa qualidade, possuem uma abran-
gncia limitada sob o argumento oficial de seu alto custo.
Em contrapartida, a rede de ensino tcnico resultante do regi-
me de colaborao entre a iniciativa privada e o poder pblico tem-se
2
Nora Krawczyk
tornado cada vez mais significativa na formao dos jovens na faixa do A maioria das instituies
tem sigla iniciada pela letra
ensino mdio. Convencionou-se chamar Sistema S o conjunto de 11 ins- S sendo este o motivo do
nome Sistema S. Sete delas
tituies2, na sua maioria de direito privado, s quais repassada a con- foram criadas na dcada
de 1940: Instituto Nacional
tribuio3 de 1% cobrada sobre a folha de pagamento das empresas que de Colonizao e Reforma
compem o referido sistema. Esse tipo de concepo de contribuio Agrria Incra; Servio
Nacional de Aprendizagem
tem sido bastante questionado por ter criado uma situao nica em Industrial Senai; Servio
Social da Indstria
que, embora a receita dele resultante seja cobrada e arrecadada pelo Sesi; Servio Nacional
de Aprendizagem do
servio pblico federal, o montante obtido integralmente repassado Comrcio Senac; Servio
Social do Comrcio Sesc;
a entidades cuja administrao no diretamente vinculada ao poder Diretoria de Portos e Costas
do Ministrio da Marinha
pblico. DPC; e Servio Nacional
A contribuio ao Sistema S no considerada dinheiro pblico de Aprendizagem do
Cooperativismo Sescoop.
e, portanto, no precisa seguir as diretrizes do Oramento da Unio. Ao As quatro restantes, criadas
aps a Constituio federal
contrrio, a alocao dos recursos responde aos objetivos e s priorida- de 1988, foram: Servio
Brasileiro de Apoio s Micro
des decididos pelas entidades. e Pequenas Empresas
Sebrae; Servio Nacional
possvel traar um paralelo entre o debate educacional que se de Aprendizagem Rural
trava em torno da dualidade do ensino mdio no Brasil (formao geral Senar; Servio Social de
Transporte Sest; Servio
e/ou profissional) e as reformas do ensino mdio realizadas em vrios Nacional de Aprendizagem
do Transporte Senat.
pases da Europa no final da dcada de 1960. Estas suprimiram as dife-
rentes orientaes que existiam desde o incio do curso, prolongando 3
Essa contribuio tem
o tronco comum. A mudana foi ocasionada pelo fato de que a seleo o suporte legal na
Constituio Federal de
prematura dos alunos para o ingresso no ensino mdio produzia efeitos 1988, que prev, entre os
tipos de contribuies
discriminatrios que terminavam favorecendo os estudantes de origem que podem ser institudos
exclusivamente pela Unio,
social mais alta. Sob a hegemonia da teoria do capital humano e em sin- a contribuio de interesse
tonia com os princpios da meritocracia, presumia-se que, com o prolon- das categorias profissionais
ou econmicas.
gamento de uma base comum a todos os alunos, a escola poderia exercer
uma funo compensatria, igualando as oportunidades dos diferentes
setores sociais. E a igualdade de oportunidades escolares se transformaria
em igualdade de oportunidades sociais, dada a forte associao entre
ocupao, salrio e nvel educacional. Dessa perspectiva, que considera
a educao como chave do desenvolvimento econmico, o adiamento
do processo seletivo de alunos permitiria tambm que a escola pudesse
detectar com maior preciso aqueles mais capazes, contribuindo assim
para o progresso da nao e aumentando sua competitividade na econo-
mia internacional (Fernndez Enguita, Levin, 1990).
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PARA FINALIZAR
Estamos em momento histrico, no qual as amplas transformaes de
ordem social, econmica e cultural agudizam os conflitos, exacerbam
os processos de excluso social e revitalizam o individualismo, os inte-
resses privados e o consumo. Portanto, vivemos em uma poca bastante
REFLEXO SOBRE ALGUNS DESAFIOS DO ENSINO MDIO NO BRASIL HOJE
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NORA KRAWCZYK
Professora da Faculdade de Educao da Universidade
Estadual de Campinas
[email protected]
Recebido em: ABRIL 2011 | Aprovado para publicao em: AGOSTO 2011