Dissertação - A Gira de Escravos
Dissertação - A Gira de Escravos
Dissertação - A Gira de Escravos
SALVADOR – BAHIA
OUTUBRO/2006
Resumo
Devido a esta natureza, a presença destes espíritos nos centros umbandistas é, em geral,
restrita ou muitas vezes até evitada. No Centro Umbandista Rei de Bizara estas entidades
importância destas entidades dentro da prática umbandista deste centro, após a Introdução
sociedade e do Estado brasileiro, apresentando uma visão geral da prática umbandista e das
sua história, estrutura social, hierarquia e o lugar ocupado pelos Exus e Pombagiras, assim
transcrição dos toques que acompanham os pontos cantados. Propõe uma classificação das
iii
cantigas levando em conta a visão êmica e sugere possíveis interpretações das estruturas
abordados.
iv
Abstract
The Exus and Pombagiras are controversial entities from Umbanda. Due to this
nature, the presence of these spirits in Umbanda centers are, in general, restricted and
avoided most of the time. In the Centro Umbandista Rei de Bizara these entities have a
prominent role, in the sacred place as well as in the accomplishment of some of the
activities. This Umbandista Center holds a monthly ceremony in honor of the Exus and
Pombagiras called Gira de Escravos, and in this we verified the existence of a specific
With the goal of understanding the music of Exus and Pombagiras, and the role
of these entities in the Umbandista practice of this center, after an introduction (Chapter 1),
Chapter 2 shows the context of Umbanda´s beginnings in Brazil, showing its trajectory
marked by the search for establishment and legitimation in Brazilian government and
society, and presenting a general view of the Umbandista practice and the worshipped
history, social structure, hierarchy, and the role of Exus and Pombagiras, as well as the
The Conclusions obtained till now are presented in Chapter 5. The musical
transcriptions and pictures, captured in the original context, are in the body of the
vi
Agradecimentos
funcionários.
À minha orientadora, amiga, Dra. Sônia Maria Chada Garcia, que tanto
no Tirocínio Docente.
bolsa de estudos durante um ano, o que ajudou muito na realização desta pesquisa.
(FENACAB), Sr. Antoniel Ataíde Bispo, pelas valiosas informações sobre a Umbanda na
Bahia e em Salvador.
campo.
Aos meus pais, Marisa e Aurelino (in memoriam) por terem me apoiado em
Eraldo, Silas e Emílio que, mesmo à distância, me incentivaram com palavras de carinho.
acolheram. Em especial à Amélia Cândida da Silva (Tia Preta) e Kátia de Jesus dos Santos
(Katinha), pela confiança e pela ajuda durante toda a pesquisa e sem a qual este trabalho
não teria sido possível; Noeli de Jesus dos Santos (Noli) que me ensinou, com muita
A todos os Exus e Pombagiras, com suas histórias e seus pontos cantados, que
viii
Sumário
Resumo iii
Abstract v
Agradecimentos vii
Capítulos
1. Introdução 1
2. A Umbanda no Brasil
5. Conclusão 197
Anexos
Bibliografia 238
x
Para Christian
Helena e Eduardo
1. Introdução
como uma religião universal, isto é, dirigida a todos e a sua trajetória é marcada pela busca
sua formação uma fusão de elementos de várias procedências e naturezas diversas, entre
eles influências das culturas indígena, branca européia e negra, além da adoção de
elementos de culturas orientais. Em vista disso, sua identidade, inclusive musical, está em
com a diversidade encontrada no universo particular dos locais de culto. Desta forma, cada
seus praticantes.
1
Ponto cantado é a denominação utilizada pelos umbandistas para designar a música na religião.
Na Umbanda, a organização das entidades cultuadas se dá em dois lados
o bem do mal, ao mesmo tempo em que se apropria da visão kardecista ao classificar o seu
são cultuadas como se houvessem duas atividades religiosas distintas, que se integram, mas
que não se misturam. Diante deste quadro, se faz necessário a geração de rituais e
entidade. No primeiro sábado de cada mês, este centro realiza uma cerimônia denominada
escola voltado para o desenvolvimento dos médiuns e do público em geral e, para a prática
2
Cacciatore (1988: 162) define linha como “faixa de vibração, dentro da grande corrente vibratória
espiritual universal, correspondente a um elemento da natureza, representada e dominada por uma potência
espiritual cósmica – um Orixá, também chamado protetor e que é chefe dos seres que vibram e atuam nessa
faixa afim”.
3
Gira é o nome dado à sessão umbandista. Lopes (2003: 110), afirma que este termo vem do
umbundo chila ou tjila (dançar). Este assunto será aprofundado no decorrer deste trabalho.
2
restrito aos médiuns. O foco deste trabalho se concentra no repertório musical específico
instrumentos musicais e seus executantes, entre outros. Estes estudos foram baseados no
trabalho de campo, onde foram feitas as coletas de dados e os registros sonoros através de
gravações, observações da Gira de Escravos e outros rituais realizados neste centro (festas
do Culto Afro-Brasileiro (FENACAB), Sr. Antoniel Ataíde Bispo, que nos deu importantes
cantados não possuem títulos, no entanto, optamos por nomear os 39 pontos transcritos
que se encontram no corpo deste trabalho. Para o título dos pontos cantados utilizamos os
nomes dos Escravos citados ou as frases que resumem o conteúdo contido nos textos das
cantigas.
As transcrições das melodias e dos textos dos pontos cantados foram feitas,
respectivamente, com base nas alturas em que foram executadas e na forma como as
3
médium responsável pelo conteúdo das apostilas e folhetos explicativos distribuídos nas
nomes dos informantes, pois não obtivemos autorização para revelá-los. Quanto à
exemplos musicais de uma religião brasileira, mesmo que de matriz africana, e pela
possibilidade de adaptação das melodias e dos ritmos contidos nos toques ao sistema de
notação ocidental.
valor, a batida no centro (notas abaixo da linha) e na borda (notas acima da linha) do
atabaque e o toque com a mão direita (notas com a haste para cima) e esquerda (notas com
a haste para baixo) neste instrumento. No agogô assinalamos a batida nas diferentes
campânulas com as notas graves abaixo da linha e as agudas acima da linha. Em relação às
público, não havendo, desta forma, uma regularidade na sua execução. Durante a
constatamos que a entrada da percussão sempre acontece após o canto do solista. Porém,
nos pontos cantados, com exceção do Hino da Umbanda (Cf. transcrição p. 51), não há um
lugar definido para a entrada do acompanhamento instrumental. Diante deste quadro, nas
após a entrada do solista. Nas gravações, a entrada da percussão nem sempre corresponde
4
De acordo com Lopes (2003: 88), curimbeiro é a denominação do responsável pelos cânticos
rituais. Termo que se origina da palavra curimba, do quimbundo kuimba, correspondente ao umbundo
okuimba, que significa cantar. Cacciatore (1988: 94) afirma que curimba (de origem iorubá: “ko”- cantar;
“orin”- canção; e quimbundo: “ku” “imba”- cantar) são “cânticos religiosos dos cultos afro-brasileiros, para
honrar e chamar as divindades ou as entidades espirituais.”
4
às transcrições, pois dependendo do solista e do contexto em que o ponto está sendo
Não nos foi permitido o registro fotográfico dos instrumentos, do salão onde
ocorrem as cerimônias, assim como de qualquer objeto que faça referência aos Escravos,
muito menos o registro fotográfico da Gira de Escravos ou de qualquer outra festa em seu
contexto original, por se tratar de uma norma deste centro, a qual concordamos.
Umbanda de se adaptar aos contextos locais. Este centro cultua uma Umbanda Mista, no
buscadas, partem de uma visão panorâmica da música dos Escravos que compõem o rico
universo religioso do Centro Umbandista Rei de Bizara. Mesmo que esforços tenham sido
para que uma resposta definitiva seja encontrada. Assim sendo, acreditamos que este
5
2. A Umbanda no Brasil
formada no Brasil. Surge como uma religião universal, isto é, dirigida a todos e a sua
oferendas, trabalhos, representando um papel importante na vida religiosa das pessoas que
a praticam. É uma religião essencialmente urbana, desde o seu surgimento associado aos
surgido no Rio de Janeiro, na década de 1920 (Cf. Bastide, 1971; Concone, 2001; Jensen,
2001; Negrão 1996a e 1996b; Ortiz, 1999; Prandi, 1996 e 1991; Sá Júnior, 2004: 46).
Durante a pesquisa bibliográfica encontramos, em algumas publicações feitas por
1908. Nesta data, durante uma sessão espírita Kardecista, teria ocorrido a primeira
Zélio Fernandino de Morais a missão de fundar a religião (Cf. Assis, s/d; Isaia, s/d; Rivas
Neto, 1989; Sá Júnior, 2004: 65-68, Salles, 1991; W.W da Matta e Silva, 1997). Diana
Brown denomina esta versão do surgimento da Umbanda como o “mito de origem” (Cf.
Isaia, s/d.).
com destaque nos grandes centros urbanos, permeada por um forte sincretismo presente
tanto na sua formação quanto no seu culto. Há na sua concepção uma fusão de elementos
de várias procedências e naturezas diversas, entre eles, influências das culturas indígena,
branca e negra, que também representam a raiz da formação da sociedade brasileira, que se
vários elementos desta cultura, como veremos no decorrer deste trabalho e está
personificada na entidade do Caboclo, que carrega consigo toda uma simbologia inspirada
brasileiro.
A cultura branca européia está representada pelo Catolicismo com seus Santos
5
O Kardecismo, surgido na França por volta de 1858, é uma religião cristã que reconhece os
ensinamentos de Jesus Cristo e prega a existência de um mundo espiritual. Allan Kardec, fundador do
Kardecismo, publicou em 1864 o Evangelho segundo o Espiritismo, que norteia a doutrina desta religião.
Nesta obra, o autor interpreta diversos textos bíblicos a partir de dois fundamentos principais: a existência da
comunicação entre os vivos e os mortos e a reencarnação como instrumento para o alcance da evolução
espiritual. A Umbanda também adota estes fundamentos e a obra de Allan Kardec freqüentemente se faz
presente nas sessões umbandistas.
7
imigrantes europeus (Cf. Bastide, 1971: 432) e que rapidamente se tornou muito popular.
Deste último, a Umbanda adota a sua filosofia baseada na prática da caridade por meio da
divididos de acordo com a sua origem étnica e o seu estágio de evolução espiritual.
Segundo Prandi (1991: 47) o Kardecismo teve uma boa aceitação no Brasil.
Em 1873 foi criado o primeiro movimento espírita do Rio de Janeiro e, na mesma cidade
existiam federações espíritas em quase todos os Estados brasileiros. De acordo com Jensen
(2001: 4) neste período a França influenciava o resto do mundo com as suas tendências
culturais como o modo de se vestir e o francês era uma das línguas mais faladas no mundo.
Diante deste cenário, o Kardecismo como religião vinda da França, encontrou um terreno
fértil entre a classe média branca brasileira composta também por imigrantes europeus,
médicos, advogados, intelectuais, entre outros. Com isso, a Umbanda, ainda em formação,
absolve alguns elementos do culto Kardecista6, como a realização das sessões duas vezes
(1996: 57) “a ciência e a religião são as duas alavancas da inteligência humana: uma revela
unir estas duas forças. Acredita-se que o abismo encontrado entre a ciência e a religião
6
O culto kardecista é realizado no centro espírita, construção que possui um auditório voltado para
uma mesa onde os médiuns ministram palestras e um cômodo onde são realizados os passes. Os cultos, que
geralmente são realizados duas vezes por semana, constituem-se de palestra proferida por um médium, com
duração de mais ou menos meia hora, e do passe. O passe é um movimento de mãos ou sopro acompanhados
de orações feitas pelo médium sobre as pessoas. Os kardecistas acreditam que durante o passe o médium é
auxiliado pelos espíritos para que aconteça a troca de energia, transformando a energia ruim em energia
positiva. O passe pode ser realizado por apenas um médium em uma só pessoa ou por vários médiuns com
várias pessoas ao mesmo tempo. A pessoa que receberá o passe pode ficar em muitas posições, conforme
determina o médium, em pé, sentado ou até deitado em uma maca. Após o passe, todos os presentes se
servem com água fluidificada e a reunião é encerrada. A água fluidificada é armazenada num recipiente que
permanece em cima da mesa dos médiuns durante todo a sessão espírita. Os kardecistas acreditam que esta
água recebe todas as energias positivas enviadas pelos espíritos durante toda a sessão. O público que
freqüenta o culto espírita não é obrigado a tomar o passe ou beber a água fluidificada.
8
acontece porque ambos possuem seu ponto de vista exclusivo e cabe ao Espiritismo
preencher esta lacuna através de suas leis que regem o universo espiritual e a sua união
com o universo terreno. Desta forma, a doutrina espírita explica sua simpatia pela ciência,
O Espiritismo é a ciência nova que vem revelar aos homens, por meio de
provas irrecusáveis, a existência e a natureza do mundo espiritual e as
suas relações com o mundo corpóreo. Ele no-lo mostra, não mais como
coisa sobrenatural, porém, ao contrário, como uma das forças vivas e sem
cessar atuantes da Natureza, como a fonte de uma imensidade de
fenômenos até hoje incompreendidos e, por isso, relegados para o
domínio do fantástico e do maravilhoso. (...) O espiritismo é a chave com
o auxilio da qual tudo se explica de modo fácil. (Kardec, 1996: 56).
primeiro apresenta uma simpatia pela ciência, o segundo é movido pela fé. No entanto, este
princípio de que todos os fenômenos podem ser explicados pelo Espiritismo também é
A França como um dos países mais importantes do continente refletia esta tendência
vivendo sob um ambiente cientificista onde predominava a busca pelo progresso. Com esta
filosofia, o Kardecismo atraiu adeptos com alto grau de escolaridade e o interesse voltado
não apenas em praticar a religião, mas também em estudar sua doutrina. Embora a
Umbanda seja uma religião que se caracteriza por abrigar adeptos de todas as classes
sociais e diferentes níveis de escolaridade, ela apresenta uma certa similaridade neste
respectivas religiões. Este fato pode ser observado pela grande quantidade de publicações
encontradas a respeito das duas religiões produzidas pelos seus adeptos. No caso da
9
pelos praticantes, também conhecidos como “os intelectuais da Umbanda7” (Cf. Isaia, s/d;
Sá Júnior, 2004). O trabalho desenvolvido por estes umbandistas foi muito importante na
divulgação e na busca por uma sistematização das diversas práticas desta religião. A
assunto como, por exemplo, a editora Espiritualista, Eco, Crenças, Paz e Terra, entre
outras.
passagens pela Terra (a lei da reencarnação) também pode ser alcançada pela escolaridade.
Quanto maior o grau de instrução, mais evoluído é a pessoa ou o espírito. Nas sessões
espíritas além dos praticantes terem, na sua maioria, alto grau de escolaridade, os espíritos
que comandam as sessões foram, em suas vidas terrenas, cientistas, médicos, advogados,
7
São exemplos de alguns “intelectuais da Umbanda”: Aluízio Fontenelle, Cândido Emanuel Felix,
F. Rivas Neto, Tancredo da Silva Pinto, W. W. da Matta e Silva, entre outros.
8
Com o auxílio de uma página de busca, podemos encontrar centenas de endereços relacionados a
centros de Umbanda localizados em todas as regiões do Brasil. Caracteriza-se, na sua maioria, pela
apresentação dos centros (muitos com logotipo) com suas histórias e práticas rituais (surgimento e atividades
exercidas) acompanhados de conteúdos relacionados aos conceitos e princípios gerais da religião umbandista.
9
Um exemplo desta categoria é a Revista Espiritual de Umbanda que pode ser acessado através do
endereço <www.revistaespiritualdeumbanda.com>.
10
Trata-se de endereços eletrônicos especializados na interatividade entre usuários, que podem ser
divididas em duas modalidades: a primeira é conhecida como grupos de discussão e a segunda chama-se
Orkut, comunidades específicas formadas por umbandistas que se reúnem para a discussão sobre tudo o que
se refere a religião: atualidades, conceitos, informações gerais, rituais, entidades cultuadas, etc.
10
intelectuais, entre outros. Na Umbanda, a escolaridade não é fator primordial para o
mas a sabedoria adquirida na “escola da vida”. Este fator é aplicado tanto para os
praticantes quanto para os espíritos que utilizam esta ferramenta para atender a todos que
os procuram. Este sentido contrário, aliado a baixa condição social dos adeptos e ao transe,
são alguns dos elementos para que a Umbanda, junto com outros cultos afro-brasileiros,
seja considerada como culto de “baixo espiritismo” (Cf. Jensen, 2001: 4). Negrão (1996a:
58-59), de forma preconceituosa, destaca alguns aspectos desta dualidade entre “alto e
baixo espiritismo”:
médium não incorpora, ele apenas entra em contato com o plano espiritual através dos
fenômenos ditos misteriosos. Sobre isso, Serra (2001: 218) afirma que “o espiritismo
tempos”. O fato pode ser observado na utilização pelos espíritas desde passagens bíblicas
interpretadas por Kardec no seu evangelho até os conceitos hindus de reencarnação. Esta
11
como os diferentes significados atribuídos à palavra umbanda que refletem as suas diversas
fases.
origem banto que significa sacerdote. Este significado reflete as origens negras da religião,
entre elas: umbanda = sacerdote, chefe do culto, gira = local do culto e cambone =
assistente do sacerdote. Bastide (1971: 442-443) apresenta outra versão, de que a palavra
teria vindo do sânscrito11 e sua etimologia derivaria de Aum- Bandhâ que significa o limite
do ilimitado, ou princípio divino, luz radiante, fonte de vida eterna, evolução constante.
decorrer deste capítulo, no qual a Umbanda tentou negar todas as suas influências negras,
adotando elementos de culturas orientais que, de certa forma, faz parte da formação da
Umbanda. A influência dos “povos orientais” está representada pelas entidades que
Continuando, Bastide (1971: 443) destaca mais um significado, desta vez vindo do
São Rafael.
atribuídos à palavra umbanda, nada ou pouco tem a ver com a religião. Porém, cada um
deles reflete uma parte da sua formação, bem como o momento histórico enfrentado pela
11
De acordo com o Dicionário Aurélio a palavra sânscrito é uma língua presente na literatura e
ciência hindus e é mantida, por razões culturais, como língua constitucional da Índia (Cf. Ferreira, s.v.
“sânscrito”).
12
Considerando a sua matriz negra, a Umbanda teria surgido da Macumba12, uma
religião afro-brasileira originada no Rio de Janeiro a partir dos negros bantos que
com isso a necessidade de mão de obra escrava. Com a vinda destes povos para a nova
capital, o Rio de Janeiro passou a abrigar diversas manifestações religiosas que, aliada ao
nacionalidades. Este cenário vai contribuir para uma desagregação (no sentido de
desorganização) das religiões negras instaladas no Rio de Janeiro (Cf. Bastide, 1971;
Carneiro, 1991; Ramos, 1988; Rodrigues, 1988). Consideramos necessária esta fase de
adaptação de valores tradicionais e práticas religiosas para que estes cultos pudessem
sobreviver num ambiente urbano que sofria constantes transformações. Ainda mais que, de
acordo com Nascimento (2004: 8), a população negra se concentrou no foco destas
12
De acordo com Garcia (2001a: 46), “o termo genérico macumba é frequentemente utilizado para
designar os cultos afro-brasileiros derivados do nagô, mas modificados por influências angola-congo,
ameríndios, católicas, espíritas e ocultistas que se desenvolveram.”
13
Com efeito, as práticas do candomblé tornam-se incongruentes com as da
sociedade; a “camarinha” é para os fiéis um gasto de tempo
excessivamente longo, numa sociedade onde o trabalho assalariado é a
ocupação primordial. No nível dos símbolos, os sacrifícios de sangue são
cada vez mais conotados como bárbaros; no plano individual, o
candomblé exige ainda uma adesão e submissão incondicional à
personalidade do pai-de-santo, o que se opõe à liberdade recentemente
adquirida pelos cidadãos. Dois caminhos se abrem pois à gente de cor: o
retorno à tradição, o que implica o enquistamento dos candomblés, ou a
integração na sociedade, o que leva, senão à renuncia da tradição, ao
menos à reinterpretação desta segundo novos valores sociais.
Vários são os autores que concordam que outro fator importante e decisivo
Ramos (1988) observa uma ligação entre estes cultos com o Espiritismo Kardecista devido
a uma similaridade entre eles: o culto aos antepassados. Edison Carneiro (1991: 133-36)
cita como exemplo, o Candomblé de Caboclo, religião de origem banto originada na Bahia
e trazida ao Rio de Janeiro. Sua base estaria no culto aos Orixás africanos e nos
tal ponto que a mística banta se mescla com a ameríndia. Garcia (2001a: 36) transcreve o
negros e índios e a conseqüente assimilação dos espíritos indígenas pelas demais nações do
Candomblé:
14
Continuando, Garcia (2001a: 104) esclarece que no Candomblé de Caboclo os
Caboclos são os espíritos dos índios e dos tipos regionais como o Boiadeiro, o
“Caboclos-de-couro”.
do culto ao lado dos Orixás e determinou a forma de como esta religião vai perpetuar esta
herança negra do culto aos antepassados. Outra entidade presente na Macumba, criada
dentro deste conceito é o Preto-Velho, o negro escravizado. Ele será decisivo na criação da
perpetuação da prática do culto aos antepassados, sendo o negro um dos responsáveis pela
Arthur Ramos (1988) chama atenção para a existência deste culto banto no Rio de Janeiro
entre o final do século XIX e o início do século XX, que se assemelha muito ao
Kardecismo. Nina Rodrigues (1988: 255-60) resgata um documento do Bispo Dom João
Correa Nery que descreve o Cabula. Segundo Nina, pela influência direta do Kardecismo
as sessões deste culto eram chamadas de mesa, referente à mesa espírita onde os médiuns
comandam a reunião. Os espíritos que comandam a mesa são mais evoluídos e estão
voltados para atender as necessidades dos fiéis que os procuram, lembrando o lema
das contribuições diretas do Cabula está na nomenclatura que será adotada na Macumba e
15
mais tarde pela Umbanda. O embanda (ou umbanda) de Cabula é o sacerdote do culto, o
cambone seu adjunto e a engira (ou gira) é o local onde os médiuns dançam ou giram para
receber os espíritos.
século XIX, foi o resultado de uma transformação que envolveu fatores econômicos,
negros. Contudo, a Macumba continuou mantendo a crença baseada no culto aos Orixás
estrutura das casas de Candomblé, mas com modificações de acordo com as necessidades
do novo contexto social. Seus freqüentadores são representantes de todas as classes sociais
(Ortiz, 1999: 39). Todavia, apesar de sua busca pela heterogeneidade étnica e social, a
Macumba não se desvencilha de suas raízes negras. Isto fica evidente na década de 1940,
Esta reforma, realizada nos primeiros anos do século XX, possibilitou uma
rios e a arborização de praças e avenidas. Tudo isso com o objetivo de transformar o Rio
16
de Janeiro numa cidade moderna, condizente com a sua realidade de intensa efervescência
política, social e econômica. Nascimento (2004: 21) destaca que a região da Baixada
Janeiro, aliado à instituição da tarifa ferroviária única beneficiando ainda mais o trânsito
dos habitantes das regiões mais afastadas. Estas medidas atraíram uma grande quantidade
forma, a mudança dos terreiros de Macumba para a Baixada Fluminense vai possibilitar o
contato com outras casas de Candomblé vindos da Bahia. Este encontro vai proporcionar
população em geral, o termo é usado de forma pejorativa para designar a magia negra14.
alguns autores (Cf. Bastide, 1971; Jensen, 2001: 6; Negrão, 1996a; Ortiz, 1999; Prandi,
1991: 48; Sá Júnior 2004: 46) é de que esta foi fundada por um médium kardecista
chamado Zélio Fernandino de Morais. Zélio pertencia a uma família tradicional do Estado
do Rio de Janeiro cujo pai também era praticante do mesmo Espiritismo. Na década de
13
Assim como a Umbanda, a Quimbanda é um culto que se originou na Macumba, porém apresenta
uma dimensão oposta da Umbanda, por cultuar especialmente os Exus e Pombagiras.
14
Neste caso a magia negra possui dois significados: o primeiro, o de magia feita pelos negros e a
segunda, o de magia como prática do “mal”.
17
1920, o médium, com a ajuda do seu mentor espiritual, o espírito do Caboclo das Sete
Janeiro. Justamente com o auxílio deste Caboclo que, de acordo com o Espiritismo,
pertence a uma categoria de espíritos considerados inferiores por não serem evoluídos o
suficiente para intervir neste mundo, praticar a caridade e difundir a doutrina. Vale a pena
ressaltar, ainda mais uma vez, que para o Kardecismo, os espíritos capazes são aqueles
com uma “elevada” instrução, que na vida terrena exerceram funções socialmente
primeiro: seus fundadores foram antigos adeptos do Kardecismo. Esta troca de religião, do
Espiritismo para a Umbanda, ainda acontece nos dias de hoje. O depoimento abaixo, feito
(FENACAB), ressalta o principal motivo desta troca de crença: o contato dos espíritas
O espírita kardecista, aquele que está lá no topo da coisa, ele não admite
o Caboclo, não admite. Mas existem pessoas que são médiuns de
incorporação, recebe o espírito do desencarnado e também o seu Guia,
seu mentor espiritual que é um Caboclo. Então esta pessoa se ficar
eternamente só no centro espírita kardecista não vai ter conhecimento,
não vai desenvolver, o que que faz? Deixa e vai procurar o lado da
Umbanda que ela vai trabalhar, vai fazer duas coisas: vai trabalhar seu
lado mediúnico e vai dar passagem ao seu Guia espiritual que é aquele
seu Caboclo 16.
Acreditamos que esta explicação pode ser aplicada aos fundadores dos
15
A Federação Nacional do Culto Afro-Brasileiro é uma entidade localizada em Salvador-BA que
concentra as suas atividades na coordenação, fiscalização e no amparo aos locais de culto afro-brasileiro,
inclusive Umbanda. Antoniel Ataíde Bispo é Diretor-Secretário da FENACAB há 26 anos.
16
Depoimento dado em entrevista realizada em 02/12/2005.
18
Otacílio Charão na cidade de Rio Grande -RS (Cf. Ortiz, 1999: 48; Oro, 2002: 356). Neste
terreiros de Macumba. Estes kardecistas passaram então a admirar também alguns rituais
animais para as oferendas e o ambiente social formado por, na grande totalidade, pessoas
da Macumba17.
Podemos afirmar que este desejo não se limitava aos primeiros umbandistas. A
proletária, culturalmente européia, que valoriza a organização burocrática da qual vive boa
Ortiz (1999: 34-45) explica esta aproximação das religiões fundantes em dois
17
Guimarães (1997: 102) destaca que em Minas Gerais, “macumba” era a palavra utilizada para
designar a religião até o final da década de 1930. A partir deste período a palavra “macumba” foi substituída
pela denominação Umbanda.
19
2.1.1. A desafricanização: a negação africana
notar que a sua formação segue as linhas traçadas pelas mudanças sociais. Esta
história do Brasil. O país, nesta época, vivia sob o regime do Estado Novo instituído por
Getúlio Vargas, que adotou um modelo político baseado no controle do poder pelo
Este período foi marcado pela perseguição das religiões afro-brasileiras, pois a
prática do “baixo espiritismo” era proibida por lei. A repressão policial era feita de forma
severa onde era comum a invasão e o fechamento de terreiros, bem como a apreensão de
objetos do culto e a prisão de pais e mães-de-santo. No Rio de Janeiro, uma das formas de
lei, aprovada em 1934, que enquadrava estas e outras religiões como a Maçonaria e o
Mistificações do Rio de Janeiro. Diana Brown relata que caso os terreiros não efetuassem
seus registros junto a este órgão, ficariam sujeitos a clandestinidade e a sofrer ataques
policiais, e acrescenta:
Uma lei datada de 1934 colocou todos esses grupos sob a jurisdição do
Departamento de Tóxicos e Mistificações da Polícia do Rio de Janeiro, na
seção especial de Costumes e Divisões, que lidava com problemas
relacionados com álcool, drogas, jogo ilegal e prostituição. Esses grupos
religiosos, para poderem funcionar, eram obrigados a solicitar o registro
especial dos departamentos de polícia locais, e a polícia fixava suas
próprias taxas. Portanto, esta lei enquadrou, em termos sociais, as práticas
desses grupos como atividades marginais, desviantes, e por extensão ou
associação, como vícios que requeriam controles punitivos mais do que
controles simplesmente reguladores, esta classificação continuou
20
vigorando para os centros de Umbanda até a reorganização do
Departamento de Polícia do Rio, em 1964. A lei de 1934 colocou os
praticantes da Umbanda e das religiões afro-brasileiras numa situação
dúbia: teoricamente, o registro lhes permitia a prática legal;
concretamente, contudo, atraía a atenção da polícia, e aumentava a
possibilidade de intimidação e extorsão. Registrados ou não, os
umbandistas e seus correligionários afro-brasileiros ficaram expostos à
severa perseguição policial. (Brown, 1985: 18, apud Nascimento, 2004:
13-14).
território brasileiro. No Estado da Bahia destacou-se a ofensiva ao Candomblé, por ter sido
histórico marcado pela numerosa população de escravizados africanos (Cf. Braga, 1995:
17). A imprensa foi porta voz implacável na campanha contra o Candomblé baiano, fato
que se intensificou na primeira metade do século XX (Cf. Braga, 1995 e Lühning, 1995). A
imprensa alegava que a população reclamava do barulho dos atabaques, das oferendas
(ebós) nas ruas e, por sua vez, acusava o Candomblé de manter pessoas presas nos terreiros
(submetendo-as aos rituais de feitiçaria para inúmeros fins) e de exercer a “prática ilegal da
medicina19”, um ato proibido pela legislação até os dias de hoje (Cf. Lühning, 1995: 200).
Lühning (1995: 195-196 e 201) destaca que os objetos apreendidos pela polícia eram
21
Geográfico da Bahia, no qual algumas amostras se encontram até hoje no museu da
mesma instituição.
deste período: um delegado chamado Pedro Azevedo Gordilho, mais conhecido como
Pedrito. Este personagem se tornou conhecido por ter sido um repressor muito violento a
“O Maria Nenem
Pedrito vem aí
Ele vem cantando
ca ô cabieci”
(Guimarães, 1940: 131 apud Lühning 1995: 196)
brasileiras se obrigaram a abolir muitas práticas rituais ou em casos em que isto não era
possível, dar uma roupagem católica as cerimônias através da inclusão, por exemplo, de
músicas (hinos católicos) e orações. A polícia, consciente de que não conseguiria acabar
com estas práticas, adotou uma forma de controlar estas religiões, desta vez obrigando as
20
Estas cantigas eram cantadas dentro dos terreiros no momento em que se percebia a chegada da
polícia. A três primeiras foram criadas dentro da casa do pai-de-santo Procópio de Ogunjá e a última era
cantada no terreiro da mãe-de-santo Maria Neném, ambas localizadas em Salvador- BA (Cf. Lühning, 1995:
195-196).
22
atual Diretor-Secretário da Federação Nacional do Culto Afro-Brasileiro (FENACAB),
começaram a se intitular espíritas como forma de esconder sua verdadeira identidade, pois
afinal, neste período conturbado, estava certo quem adotava os valores brancos.
Espiritismo Kardecista adotando o princípio de uma religião que une todas as crenças,
raças e nacionalidades. Vale a pena destacar o propósito da “quase” total dissociação das
21
Depoimento dado em entrevista realizada em 02/12/2005.
23
permaneceram e ganharam status de espíritos evoluídos. Os umbandistas acreditavam que
para tornar sua religião mais evoluída seria preciso “esquecer” suas raízes afro-brasileiras,
no caso a Macumba. Para isso, o I Congresso Nacional de Umbanda instituiu uma suposta
afirmação de que “ela se originou na África, mas na África Central (Egito), portanto na
114, apud Jensen 2001: 9). Continuando, de acordo com Jensen (2001: 9), “a influência
africana da Umbanda foi reconhecida como um mal necessário que serviu meramente para
muito presentes entre os umbandistas como “magia branca”, “Umbanda de linha branca”
22
Esta citação está disponível no endereço eletrônico <http://www.geocities.com/ail_br/oelogioao
Progressonaobra.htm>.
24
negra” e “linha negra” associadas à prática do mal. As palavras do “intelectual da
Umbanda” Aluízio Fontenelle retratam essa fase da negação das influências africanas na
religião:
cultural no Brasil. Como não deveria deixar de ser, a Umbanda tratou de se adaptar a este
novo contexto reafirmando as suas origens e influências negras, seguindo, desta forma, um
movimento contrário.
pediu passagem e com ele a legalidade de ações antes proibidas. Nascimento (2004: 13)
seu crescimento através da abertura de novos centros, federações e da sua presença nos
25
meios de comunicação como programas de rádio e jornais. Todos estes fatores
seu reconhecimento oficial, deixando a situação de “seita” para se tornar oficialmente uma
religião. Ortiz (1999: 55) e Negrão (1996a) mostram um sinal desta legitimação,
destacando que em 1964 a Umbanda foi incluída no anuário estatístico do IBGE (Instituto
centros e praticantes. Ortiz (1999: 54-61) descreve este fato apontando gráficos de
crescimento de centros umbandistas em várias regiões do país (Estados de São Paulo, Rio
de Janeiro e Rio Grande do Sul) e revela dados oficiais que constatam o aumento do
número de praticantes. Ainda destaca neste período, a estreita relação entre a Umbanda e o
religião para usá-la na manipulação das massas e ao ataque aos membros da Igreja Católica
unificação institucional e uma padronização dos rituais da religião. Negrão (1996a: 89)
26
Seguindo, o mesmo autor acrescenta que o III Congresso Nacional de
de alcançar sua legitimação e o respeito das outras religiões. Negrão (1996a: 111-112)
passado, a Umbanda abriu passagem para a busca por novos conceitos e identificações.
Isto representou a procura e o interesse por suas raízes negras, o que na literatura
encontramos pelo nome de “reafricanização”, o que mais uma vez foi traçado em relação
contracultura.
Brasil e é adotado pela classe média, principalmente por intelectuais, artistas e estudantes.
27
A contracultura estimulava tudo que contrariava os modelos impostos. Na área política,
contra a ditadura militar e de apoio a grupos marginalizados pelo regime como os grupos
negros e pobres. Prandi (s/d) nos lembra os questionamentos e as buscas deste movimento:
Na área cultural, Jensen (2001: 13) aponta a busca da classe média pelas
práticas orientais como o ocultismo e pelas origens negras da cultura brasileira. Desta
população. Prandi (s/d) destaca que este movimento provocou um interesse pela Bahia:
Candomblé em São Paulo, já que no Rio de Janeiro este já havia se instalado desde a
religiões afro-brasileiras. Jensen (2001: 14) lembra que em 1977 chegou ao fim a proibição
23
Esta citação pode ser encontrada na home page pessoal do autor: <http://www.fflch.usp.br/sociolo
gia/prandi/dancacab.htm>.
24
Idem.
28
da prática do Candomblé e de outras religiões afro-brasileiras. É somente neste período que
abertura de novos terreiros e federações que, por sua vez, favoreceram o seu contato com a
com a criação do Conselho Africano da Bahia (Cf. Braga, 1995: 165). Presidido por
Edison Carneiro, este conselho era formado por pessoas ilustres ligadas ao Candomblé e
controle da religião. Porém, este conselho não conseguiu sobreviver por várias razões
estruturas religiosas seguidas por cada terreiro (Cf. Braga, 1995: 174-175).
liberdade do culto do Candomblé. Muitas iniciativas foram tomadas, entre eles a criação da
de novembro de 1946) este órgão era conhecido como Federação Baiana do Culto Afro-
desvinculação do Candomblé da polícia. Braga (1995: 180 e 183) e Barbosa (1984: 71)
destacam duas iniciativas neste sentido. A primeira foi um encontro com o Governador da
Bahia, Roberto Santos, antes da sua posse em 15 de março de 1975, para pedir “que
1984: 71), e a segunda foi o envio de uma carta à mesma autoridade em janeiro de 1976,
29
Seminário de Cultura da Cidade do Salvador realizado de 15 a 22 de Junho de 1975 na
Biblioteca Central do Estado (Cf. Braga, 1984: 183 e Garcia, 1996: 9).
que desvinculou definitivamente o Candomblé da Polícia. Este decreto foi assinado pelo
1976 e publicada no dia seguinte (Cf. Barbosa, 1984: 71; Braga, 1995: 183 e Garcia, 1996:
9).
Pelourinho, desenvolve suas atividades amparada pelo artigo 5ª, inciso 6º da Constituição
25
DECRETO Nº 25.095, DE 15 DE JANEIRO DE 1976
DECRETO:
Art. 1º - Não se incluem, na previsão do ítem 27 da Tabela nº 1, anexo à Lei 3.097, de 29.12.72, as
sociedades que pratiquem o culto afro-brasileiro, como forma exterior que professam, que assim podem
exercitar o seu culto, independentemente do registro, pagamento de taxa ou obtenção de licença junto a
autoridades policiais.
Art. 2º - Este decreto entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.
30
livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de
O direito à liberdade de culto estampada nas duas legislações acima, por sua
orientação às baianas de acarajé e comidas típicas e aos locais de culto afro-brasileiro das
diversas nações (queto, jêje, banto, mina jêje, mina nagô, nagô, juremeira, catimbó, tambor
de mina, xambá, batuque) e à Umbanda. Cabe à FENACAB também o provento, junto aos
26
Depoimento dado em entrevista realizada em 03/04/2006.
31
escolares do ensino fundamental e médio (Lei Federal nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003)27
desenvolvidos nos terreiros. Para que possam ser realizados, os rituais devem ser
Eles têm que vir aqui e pedir uma autorização e nós fiscalizamos. Nós
temos um quadro de fiscais que vai até o terreiro. Eu posso ir a uma festa
num determinado terreiro como diretor da federação e se eu encontrar
algo errado, eu posso autuá-lo ou posso, dentro de uma ética, convidar o
27
LEI Nº - 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003
Altera a Lei nº- 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras
providências.
O PRESIDENTE DA REPÙBLICA
Art 1ª – A Lei nº- 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts.
26-A, 79-A e 79-B:
“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se
obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da
África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política
pertinentes à História do Brasil.
§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de
todo o currículo escolar, e especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
§ 3º - (VETADO).
“Art. 79-A. (VETADO).”
“Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência
Negra’.”
Art. 2ª – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
32
sacerdote em algum momento e informar da irregularidade que eu vi e
informá-lo que eu vou fazer um convite pra ele vir aqui pra coordenação
para prestar esclarecimento. Então ele está passível de punições, nosso
estatuto prevê isso. Prevê punição. Advertência, suspensão, expulsão,
etc29.
De certa forma, nos deparamos com uma ambigüidade, pois ao mesmo tempo
em que esta instituição fiscaliza exercendo poderes de suspender e expulsar uma casa de
culto, ele também oferece um serviço de orientação. Neste ponto, a FENACAB promove
Federação possui coordenações nos Estados do Acre, Alagoas, Amazonas, Ceará, Mato
Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro,
Santo Amaro da Purificação, São Félix, São Sebastião do Passe, Simões Filho, Valença e
sede em Salvador.
federações reconhecidas em âmbito municipal, estadual e federal que têm como funções a
29
Depoimento de Antoniel Ataíde Bispo em entrevista realizada em 03/04/2006.
33
A liberdade de culto ao Candomblé, bem como o aparecimento das federações,
facilitou o seu contato com a Umbanda, no qual se tornou uma prática a filiação dos pais-
81) lembra que em São Paulo muitos sacerdotes umbandistas mudaram para o Candomblé
alegando que era “preciso recuperar um passado perdido, apagado, escondido. E que a
umbanda teria sido um disfarce, uma forma de apagar ou dissimular uma origem que o
o Candomblé apontadas por Silva (1995: 95-97) e descritas no quadro a seguir, que
evidentemente não abarcam todas as características das duas religiões, mas servem como
síntese:
Candomblé Umbanda
34
entregas de oferendas na mata.
Predomínio do jogo de búzios Predomínio do diálogo direto entre
Processos realizado somente pelo pai-de- os consulentes e as divindades que
Divinatórios: Modos santo (sem necessidade do dão “passes” ou receitam
de Comunicação com transe) que recomenda os ebós trabalhos.
os Deuses ou despachos para a resolução
dos problemas do consulente.
Estabelecida a partir do tempo Estabelecida a partir da
de iniciação e da ocupação de capacidade de liderança religiosa
Hierarquia cargos religiosos definidos. dos médiuns e de seus guias.
Fundamental na organização Importância da ordem burocrática.
sócio-religiosa do grupo.
Predomínio de cantigas con- Predomínio de pontos cantados em
tendo expressões de origem português, acompanhados por
africana. Acompanhamento palmas ou pelas curimbas
Música Ritual executado por três atabaques (atabaques), sem número fixo, que
percutidos somente pelos ala- podem ser percutidos por adeptos
bês (iniciados do sexo mascu- (curimbeiros) de ambos os sexos.
lino que não entram em transe).
Formação obrigatória da Não obrigatoriedade da forma- ção
“roda de santo” (disposição da “roda de santo”. Disposição dos
dos ade- ptos na forma circular adeptos em fileiras paralelas.
Dança Ritual que dançam em sentido anti- Predomínio de uma maior
horário). Predomínio de liberdade de expressão da
expres- sões coreográficas linguagem gestual nas danças que
preestabele- cidas, que identificam as divindades.
identificam cada divindade ou
momento ritual.
menor aproximação das influências branca e negra. Lopes (1997: 65) aponta dois tipos
formada por integrantes pertencentes à classe média, que não assumem a herança negra.
Serra (2001: 221 e 1988: 18) em sua pesquisa sobre a Umbanda em Brasília-DF, definiu de
maneira precisa esta variação em três direções principais: A Umbanda Branca, a Mista e a
Preta.
àquela formada na década de 1920, por Zélio Fernandino de Morais. Esta categoria é
35
conhecida como Umbanda de Mesa Branca e caracteriza-se pela adoção da doutrina
espírita kardecista e pela negação das origens e influências negras. Porém, de acordo com
Cacciatore (1988: 235 e 243) algumas particularidades fazem com que este culto seja
diferente de uma sessão kardecista como o uso exclusivo de roupas brancas e a presença
A Umbanda Mista caracteriza-se pela mistura das vertentes branca e negra, isto
A linha divisória entre a Umbanda Mista e a Preta é tênue, pois é difícil definir
Branca e a Mista, pois a primeira dispensa elementos que são fundamentais na segunda
como por exemplo: a não incorporação dos Orixás30 e a dispensa do uso dos instrumentos
musicais na música ritual, no qual os pontos cantados são acompanhados somente por
palmas.
30
Na Umbanda Branca, os homens não possuem o contato direto com os Orixás, pois estes não são
incorporados pelos médiuns. Neste culto, os Orixás estão presentes em forma de energia que auxilia o
trabalho das outras entidades. Aqui se acredita que devido à sua posição elevada na hierarquia, o lugar deles
está na esfera astral impondo, desta forma, uma hierarquia entre as diversas entidades cultuadas.
36
Ao analisar a Umbanda praticada em diversas regiões do Brasil, encontramos
direção mista que, por sua vez, corresponde à formação da cidade por imigrantes vindos de
todas as regiões do Brasil. Este fator, segundo o autor, contribui para que a maioria dos
quase 2000 centros de Umbanda existentes em Brasília seja de natureza mista. Afinal, os
centros umbandistas existentes na capital federal foram criados por goianos, mineiros,
predominância mista sobre a branca. De acordo com Oro (2002: 357-58) o culto praticado
neste Estado se caracteriza pela sua mistura com o Batuque31. Continuando, Oro acrescenta
que a Umbanda, denominada Linha Cruzada, surgida na década de 1960, hoje é cultuada
em cerca de 80% dos centros gaúchos. Esta modalidade se caracterizou pela adaptação ao
contexto urbano e industrial, através da simplificação dos rituais, sem perder a força
Linha Cruzada pela sua adaptação às necessidades dos praticantes, composta em sua
maioria por trabalhadores assalariados situados nos grandes centros urbanos. Neste
contexto, esta modalidade vai ajustar-se principalmente à parte financeira (os custos dos
rituais são mais baratos do que no Batuque) e na simplificação dos fundamentos religiosos
contexto local pode ser observado em alguns elementos como, por exemplo, o churrasco
encontrado no Estado de Pernambuco (Cf. Fonseca, 1999: 74). Trata-se de uma ligação
31
Religião afro-brasileira baseada no culto aos Orixás assim como o Candomblé na Bahia, o Xangô
em Pernambuco e o Tambor de Mina no Maranhão.
37
entre o Xangô (religião afro-brasileira pernambucana) com a Umbanda, obedecendo aos
dos rituais, sem perder a magia proporcionada pela união das duas crenças.
existência da Umbanda Branca e Mista. Segundo Guimarães (1997: 103) nas cidades
Umbanda Branca em razão das influências do Rio de Janeiro e São Paulo sobre estas
localidades. Continuando (1997: 103), o autor aponta que na capital Belo Horizonte, a
norte de Minas Gerais caracteriza-se pela prática da Umbanda Mista (junção da Umbanda
com o Candomblé de Caboclo), devido à aproximação desta região com o Estado da Bahia.
Por outro lado, na Bahia, a aproximação entre estes dois Estados também
central da Bahia). Senna (1973: 15) aponta o Jarê como uma variante sincretizada do
Minas Gerais e das cidades baianas da região do Recôncavo e do São Francisco. Para
culto altamente sincrético, no qual o Candomblé apareceu com aqueles que vieram do
38
1960 e, atualmente, a cidade conta com 60 centros umbandistas, cujas influências descritas
abaixo (Aguiar, 1999: 99), nos leva a acreditar na existência das modalidades de Umbanda
Branca e Mista:
todas as nações (queto, jêje, banto, mina jêje, mina nagô, nagô, juremeira, catimbó, tambor
umbandistas distribuídos em 102 cidades e dois distritos. Estas são as cidades baianas onde
Distritos:
Bonfim de Feira: três centros
Cocorobó: um centro
Cidades:
39
Camaçari: oito centros Morro do Chapéu: seis centros
Campo Formoso: três centros Mundo Novo: cinco centros
Candeias: nove centros Muritiba: dois centros
Capim Grosso: um centro Nazaré das Farinhas: seis centros
Caravelas: um centro Nova Viçosa: um centro
Castro Alves: três centros Oliveira dos Brejinhos: um centro
Catu: dois centros Paulo Afonso: um centro
Cipó: um centro Pé de Serra: um centro
Conceição do Coité: três centros Piritiba: um centro
Conceição de Feira: seis centros Potiraguá: um centro
Coração de Maria: um centro Santa Bárbara: um centro
Cruz das Almas: três centros Santa Terezinha: um centro
Curaçá: um centro Santo Amaro da Purificação: oito
Dias D’Avila: dois centros centros
Entre Rios: um centro Santo Antônio de Jesus: um centro
Euclides da Cunha: um centro Santo Estevão: um centro
Eunápolis: cinco centros São Félix: um centro
Feira de Santana: 17 centros São Francisco do Conde: um centro
Gandu: dois centros São Gonçalo dos Campos: um centro
Iaçu: um centro São Miguel das Matas: um centro
Ibirapitanga: seis centros São Sebastião do Passé: quatro
Ibirataia: cinco centros centros
Ibititá: um centro Senhor do Bonfim: três centros
Igrapiúna: um centro Serra Dourada: um centro
Ilhaú: um centro Serrinha: um centro
Ilhéus: um centro Serrolândia: três centros
Inhambupe: dois centros Simões Filho: sete centros
Ipiaú: 10 centros Sítio do Quinto: dois centros
Ipirá: um centro Teixeira de Freitas: um centro
Irará: um centro Terra Nova: cinco centros
Irecê: dois centros Travessão: dois centros
Itabuna: quatro centros Ubatã: um centro
Itaeté: um centro Urandi: três centros
Itagimirim: dois centro Utinga: dois centros
Itaibó: um centro Valença: seis centros
Itamarati: um centro Vitória da Conquista: nove centros
Itapetinga: dois centros Xique-Xique: dois centros
40
Cajazeiras: dois centros Santo Antonio: um centro
Campinas de Pirajá: dois centros São Caetano: um centro
Castelo Branco: dois centros São Marcos: um centro
Fazenda Grande: um centro Sete de Abril: um centro
pois não reflete a situação real da religião em termos quantitativos. Os centros registrados à
na Bahia. Para se ter uma idéia, Vitória da Conquista possui, segundo dados da
FENACAB, nove centros registrados, enquanto que Aguiar (1999: 10) em seus estudos
umbandistas.
Béhague (1986: 20), por sua vez, afirma que, em Salvador, a Umbanda começou a se
nesta cidade.
duas modalidades umbandistas, a Umbanda Branca e a Mista. Estas duas ramificações são
41
conhecida como Mesa Branca, caracterizada pelo afastamento das influências negras e seu
Angola e pelo Candomblé de Caboclo. Antoniel Bispo nos explica que a chave para
de Caboclo. Esta proximidade também pode ser constatado nos rituais e nas músicas
freqüentados por pessoas na sua maioria de classe média (classes A e B34) e se localizam
em bairros nobres da cidade (Amaralina, Barra, Caminho das Árvores, Pituba), enquanto
32
Depoimento de Antoniel Ataíde Bispo em entrevista realizada em 03/04/2006.
33
Este assunto será abordado com mais detalhes nos próximos capítulos.
34
Trata-se de um critério de Classificação Econômica do Brasil, que divide a população em classes
econômicas e não em “classes sociais”. Este critério divide a população em classes A, B, C, D, E
considerando basicamente a renda familiar e grau de instrução do chefe de família.
42
respeito do perfil da Umbanda de Mesa Branca soteropolitana veio através do contato com
praticada também dentro de um grupo familiar, com o acesso restrito apenas aos amigos ou
àqueles que pertencem ao mesmo círculo de amizades. Este perfil nos indica que há uma
caso encontramos uma mistura tanto na sua composição (influências brancas e negras)
restrições encontradas no segundo caso. Este fator social observado dentro da Umbanda, de
consideração a sua presença nos bairros nobres desta cidade, existe apenas um centro
35
Depoimento de Antoniel Ataíde Bispo em entrevista realizada em 03/04/2006.
36
Idem.
43
registrado na FENACAB. Trata-se do Centro de Umbanda Fé, Esperança e Caridade37,
localizado no Bairro Santo Antônio (mais conhecido como Direita de Santo Antônio).
centros umbandistas não vê a necessidade do registro junto à FENACAB, haja vista que a
liberdade de culto está assegurada pela legislação vigente, portanto, não existindo mais o
perigo da repressão policial. Por outro lado, a obtenção dos registros pelos centros assegura
proteção e licença para a execução dos rituais, como podemos constatar no depoimento da
Toda a pessoa que bate atabaque tem que ser filiada a eles [FENACAB].
Porque tem muita a gente aí que gosta de acabar com as coisas dos
outros. Se por acaso alguém vier aí encher a paciência eu mostro o papel
a eles e eles façam o que eles quizerem.
que, apesar da falta de profundidade, nos dá muitas pistas sobre a sua presença em 104
municípios e na capital. Isto nos faz acreditar que este assunto merece ser melhor
compreendido.
Analisando a trajetória percorrida pela Umbanda desde a sua gênese até os dias
atuais podemos observar que a sua busca por uma identidade brasileira percorre dois
37
O nome deste local foge aos padrões de denominação de um centro umbandista, que na maioria
dos casos acompanha o nome do orixá ou entidade protetora. Fé, Esperança e Caridade nos remete a
denominações típicas encontradas nos centros espíritas kardecistas.
44
criados espontaneamente dentro dos centros umbandistas. Os dois caminhos se
complementam, pois a Umbanda não existiria sem esta “criatividade” dos terreiros, ao
tempo, dinâmica e estabilidade (Cf. Merriam, 1964: 303). A identidade umbandista será
adaptar aos contextos global e local através das constantes trocas com a sociedade na qual
se insere. Assim sendo, para que esta adaptação ocorra, a Umbanda sofre complexos
onde são colocadas em prática e finalmente, integradas como novos elementos do culto.
Processo este que ocorre sempre de forma dinâmica e contínua (Cf. Spradley e McCurdy,
1989: 302-325).
na Umbanda, nos questionamos: que características são determinantes para que todas essas
presente no próprio culto umbandista, isto é, nele aparecem elementos semelhantes a todas
as ramificações que fazem com que todas elas se identifiquem como Umbanda.
45
Essencialmente, a Umbanda se fundamenta em alguns conceitos básicos, entre
O local onde se realiza o culto umbandista, por sua vez, pode ter muitas
denominações, entre eles, tenda, templo, igreja, terreiro, mas a designação mais encontrada
umbandista, local de extrema importância, são realizadas todas as sessões ou rituais e onde
se concentram os adeptos que, por sua vez, estão dispostos numa hierarquia bem definida,
baseada no tempo de iniciação e não pela faixa etária. A hierarquia na Umbanda, de forma
Mãe ou Pai pequeno – É quem auxilia o sacerdote. A eles são ditadas as ordens
a serem seguidas por todos os componentes do centro. Geralmente são médiuns com mais
tempo de iniciação.
Para ingressar na religião, os médiuns passam por uma iniciação (batismo) e devem
46
cumprir alguns rituais como a obrigação ou a confirmação do Orixá (feita anualmente com
incorporadas, fornecendo seus objetos de culto (charutos, velas, bebidas alcoólicas, etc).
distintas é dado a todas as pessoas independente de cor, raça ou classe social. Na sua
acontecem geralmente duas vezes por semana, onde cada sessão possui dinâmica e funções
próprias de acordo com cada centro e a sua direção. A prática umbandista é basicamente
1999: 104 e Lopes, 1997: 67). A primeira se caracteriza pela presença das entidades38 com
38
Segundo os umbandistas, as entidades entendem o ato de caridade como um trabalho, pois
constitui uma ferramenta para que os espíritos cumpram sua missão e alcancem a sua evolução espiritual.
Nos pontos cantados aparecem com muita freqüência expressões relacionados ao trabalho como “vem
trabaiá”, “trabalho na Umbanda”, etc, comprovando o que foi dito.
47
o único intuito do atendimento ao público através da aplicação de passes e consultas e a
segunda está voltada para os médiuns, no qual os espíritos “descem” exclusivamente com o
Porém, eventualmente estas sessões podem ser substituídas por outros rituais, como as
Umbanda, principalmente quando se trata dos elementos que compõem o cotidiano das
suas práticas rituais. Neste caso, merecem destaque o altar, a defumação, o ponto riscado e
o ponto cantado, pois esses elementos são considerados como pilares da prática
umbandista.
gongá ou peji) é o lugar onde ficam as imagens das entidades (Pretos-Velhos e Caboclos) e
dos santos católicos sincretizados com os Orixás. Nele, são encontrados também oferendas
como velas, flores, recipientes com grãos e copo com água. O altar deve ser limpo
saudação ao altar pelos clientes só pode ser feita com a autorização do sacerdote do centro.
O altar pode estar localizado tanto numa área pública (salão onde os rituais são realizados)
começar qualquer sessão, o ambiente e todas as pessoas presentes entram em contato com
a defumação. O defumador é preparado com várias ervas, entre elas o alecrim e a alfazema
que queimam em contato com o carvão em brasa gerando a fumaça. Entre os umbandistas,
48
acredita-se que a defumação tem a função de preparar o local para realização das giras,
simbólicos) como flechas, traços, cruzes, círculos, estrela de David, corações, etc. O ponto
riscado pode aparecer em duas situações: na primeira, antes da chegada da entidade com o
umbandistas o ponto riscado possui um grande significado, pois através dele as entidades
contam sua história, além de ser entendido como uma prova de incorporação: se o espírito
não estiver bem incorporado ele não saberá riscar seu ponto. Na Umbanda, todas as
Umbanda. São cantigas ensinadas pelas próprias entidades (chamadas também de pontos
orações e possuem inúmeras funções, entre elas mostrar a história e as características das
39
Nos centros umbandistas onde não existe o defumador, a defumação é feita com incensos.
40
Ponto cantado de raiz é um termo muito conhecido entre os umbandistas, e foi difundido por
alguns “intelectuais da Umbanda” (Cf. Arhapiagha, 1997 e Silva, 1997 e 1999).
49
Ponto de chamada – Cantado para chamar as entidades para “trabalhar” na
sessão.
quando incorporadas, para chamar a atenção das pessoas presentes para que possam ouvir a
rituais específicos como, por exemplo, a “Sessão de Limpeza e Doutrinação dos Eguns”.
entidades.
teoria do uso e da função da música defendida por Allan Merriam (Cf. 1964: 210-27). O
uso da música se refere ao contexto em que a música é usada, que no caso da Umbanda é a
razão da cantiga ligada ao momento do uso e pode ser interpretada de diferentes formas:
homem e os deuses. Como não podia deixar de ser, sua música, portanto, também se
50
A função da música na sociedade humana, o que música faz
fundamentalmente, é controlar o relacionamento da humanidade com o
sobrenatural, mediando entre pessoas e outros seres, e dar apoio à
integridade de grupos sociais específicos. Faz isto expressando os valores
centrais relevantes da cultura de forma abstrata (tradução pessoal)41.
Umbanda na quase totalidade dos centros localizados em diversas regiões do Brasil. Ortiz
(1999: 109) relata que este hino é bastante popular entre os centros umbandistas paulistas e
cariocas. O mesmo acontece no Centro Umbandista Rei de Bizara, local onde este hino é
trabalhos realizados na casa. Com exceção de uma frase, a letra do Hino da Umbanda
cantado neste centro é idêntico àquele citado por Ortiz. Pequenas variações na execução
deste hino podem ser verificadas na internet, através dos sítios de diversos centros e
41
“The function of music in human society, what music ultimately does, is to control humanity’s
relationship to the supernatural, mediating between people and other beings, and to support the integrity of
individual social groups. It does this by expressing the relevant central values of culture in abstracted form”.
51
52
O Hino da Umbanda42 gravado por W. W. da Matta e Silva, um dos
42
A gravação deste hino pode ser encontrada no endereço eletrônico <http://www.umbanda.org/
pontos.html>.
53
A utilização do Hino da Umbanda na grande maioria dos centros umbandistas
através da codificação e unificação dos ritos, na medida em que até hoje esta cantiga está
presente em muitos centros. Diferente do que acontece com os demais pontos cantados
(que são ensinados pelas próprias entidades), o Hino da Umbanda possui um autor. Sua
respeitosa, semelhante a qual se canta o Hino Nacional Brasileiro (em pé com a mão
Deus único. Considerado como força superior, criador do universo, este Deus pode ter
43
Esta informação pode ser encontrada no endereço eletrônico <http://pt.wikipedia.org/wiki/
umbandas>.
44
Atualmente este conceito é muito debatido e criticado em antropologia, no entanto, muitos autores
mencionam o monoteísmo na Umbanda, especialmente os “intelectuais da Umbanda”.
54
várias denominações (Zâmbi45, Olorum46). Apesar de considerado como força maior, este
Para Ortiz (1999: 78) aqui se encontra a principal influência negra presente na
Umbanda: o culto aos Orixás. De uma forma geral, na Umbanda são cultuados
Católicos47: Oxalá (Jesus Cristo), Omolu (São Lázaro e/ou São Roque), Iemanjá (Nossa
Senhora da Conceição), Xangô (São Jerônimo), Nanã (Nossa Senhora de Sant’Ana), Iansã
(Santa Bárbara), Oxum (Nossa Senhora das Cadeias e/ou Nossa Senhora da Conceição),
Ogum (São Antônio e/ou São Jorge), Oxossi (São Jorge e/ou São Sebastião) e Ibêji (São
o controle do mundo terreno através do contato direto com a realidade humana. Ortiz
(1999: 79) ainda destaca que “distanciando-se dos problemas humanos, o Deus Supremo é
esquecido pelos homens; desta forma, somente as forças intermediárias é que são cultuadas
através dos ritos”. A presença dos Santos Católicos, na Umbanda, assume o mesmo papel
dos Orixás, são também intermediários entre o sagrado e o profano. Por isso, acredita-se
que este é um dos motivos do êxito no sincretismo existente entre os Orixás e os Santos
Católicos. Vale a pena ressaltar que tanto os Santos Católicos quanto os Orixás aqui não
são incorporados pelos médiuns. Nos centros, sua presença é restrita às imagens
55
Um dos papéis assumidos pelos Orixás no culto umbandista está relacionado à
Assim, os Orixás coordenam as outras entidades ou seres espirituais dentro de uma mesma
corrente chamada linha. Assim, são agrupados numa mesma linha todos os espíritos que
de sete linhas de Umbanda (Cf. Bastide, 1971: 445; Cacciatore, 1988: 164; Decelso, 1985:
35-37; Lopes, 1997: 66; Montero, 1985: 181; Ortiz, 1999: 78-86; Silva, 1997: 120) que
presentes vários Santos Católicos como Santo Antônio, São Cosme e Damião, Santa Rita,
Santa Catarina, Santo Expedito, São Benedito e São Francisco de Assis. Esta linha tem
elemento água, seja pela água doce ou o mar como, por exemplo, os Orixás Oxum,
Yemanjá, Nanã e os espíritos dos Marinheiros e das Sereias. Esta linha protege o mar, os
japoneses, ciganos e outras raças. Geralmente estes espíritos são procurados por aqueles
que apresentam problemas de saúde, na busca de uma alternativa para a cura de doenças.
56
constituem a base espiritual da Umbanda Esotérica, mas também estão presentes nas outras
Linha de Oxossi – Conhecida como a linha dos Caboclos, isto é, espíritos dos
ancestrais indígenas que ligados a este Orixá das matas, possui como característica o uso
de plantas medicinais para os mais variados fins como a realização de passes, a cura de
personalidades e características que os tornam próximos a este Orixá. Decelso (1985: 40-
41) cita alguns exemplos como o Caboclo Rompe Ferro, Caboclo Pedra Preta, Caboclo
Linha de Ogum – Esta linha está representada por entidades ligadas ao Orixá
Ogum: Ogum Beira-Mar, Ogum Iara, Ogum Megê, Ogum Naruê, Caboclos e outros. Tem
basicamente pelos Pretos-Velhos. Esta linha é formada pelas falanges do Povo da Costa,
Pai Francisco, Povo do Congo, Povo de Angola, Povo de Luanda, Povo de Cambinda e
Povo do Guiné. A primeira vista, a denominação Linha Africana indica uma contradição,
dando a impressão de que os Orixás mencionados nas demais linhas não sejam africanos.
escravizados que chegaram ao Brasil que, na Umbanda, são representados pela entidade do
Preto-Velho.
48
De acordo com Cacciatore (1988: 163), esta linha é uma herança deixada pelo Cabula cuja a base
deste culto está na reverência aos antepassados africanos.
57
Porém, como nos lembra Ortiz (1999: 83) e Silva (1997: 120), a cosmologia
umbandista é mais complexa, na medida em que cada linha se subdivide em sete falanges e
forma decrescente: DEUS – ORIXÁS – GUIAS49 (Cf. Birman, 1983). Seguindo esta
hierarquia, depois dos Orixás encontramos os Guias, chamados também pelos adeptos de
divisão em duas linhas ou lados: a linha da direita e a linha da esquerda (Cf. Negrão, 1996a
e 1996b; Prandi, 1996 e Serra, 2001). Esta divisão obedece a concepção do cristianismo
adotada pela Umbanda de separar o bem e o mal. No entanto, na prática umbandista o que
acontece é uma complementação entre estes dois lados. A respeito disto Serra (2001: 248)
afirma:
praticantes e as entidades cultuadas, pois gera uma humanização destas entidades. Desta
forma, os praticantes se identificam com estes espíritos, que apesar de habitarem o plano
espiritual, são passíveis de erros e acertos. Da mesma forma, estes dois “mundos” também
estão presentes no médium, pois ao mesmo tempo em que ele “recebe” as entidades da
direita, incorpora também as do lado esquerdo, e com eles acontece uma relação de troca,
49
Cacciatore (1988: 133) define guia como “entidade espiritual, espírito superior, em adiantado grau
de evolução espiritual, já isento de novas encarnações o qual “baixa” no médium para orientar os humanos e
os espíritos inferiores no melhor caminho a seguir para evoluir espiritualmente. Alguns são guia protetor do
terreiro, outros, do médium. Geralmente o guia do terreiro incorpora no chefe da casa do culto”.
58
no qual é dada oportunidade para estes espíritos trabalharem, em contrapartida eles
palavra que faz referência a Luanda, capital de Angola (Cf. Cacciatore, 1988: 53; Carneiro,
(1991: 63). Os Guias que trabalham neste lado estão presentes em todas as sete linhas da
Caboclo (religiões negras de origem banto) e seus cultos se baseiam na reverência aos
antepassados. Na Umbanda, estas entidades também vão assumir este papel e representam
Montero (1985: 181) afirma que “no ponto de vista estritamente quantitativo, o
espírito do caboclo é o mais importante”, pois esta entidade está presente em pelo menos
três das sete linhas da Umbanda (linhas de Oxossi, Xangô e Ogum). O Caboclo é sinônimo
estas características através da postura ereta, cabeça erguida, movimentos rápidos e gritos
de saudação. Sua função dentro do culto umbandista está voltada para o atendimento ao
público que o procura para a solução dos mais variados problemas. Para isso, ele reza,
50
Vale a pena ressaltar que as Crianças e outros espíritos também podem ser encontrados nas sete
linhas da Umbanda, porém de forma mais isolada. Este é o caso dos espíritos que pertencem à linha do
Oriente.
59
Os pontos cantados retratam suas características particulares, no qual a letra
retrata o ambiente indígena (matas, florestas) como pode ser verificado na cantiga
transcrita abaixo:
autor (Cf. Merriam 1964: 103) para se entender a música de uma determinada cultura é
preciso conhecer os conceitos aceitos pelo grupo (cultura). Estes conceitos geram uma
consenso entre os umbandistas de que o Caboclo é o antepassado indígena, que vive nas
fim, na geração do ponto cantado. O fato pode ser estendido a todo o repertório musical
umbandistas. Montero (1985: 205) afirma que esta entidade carrega o estereótipo de
mulher virgem, descrevendo-a como uma índia jovem, bela e pura, semelhante a imagem
60
Garcia, 2001a: 104). Na Umbanda, trata-se de um Guia particular e quando incorporado é
logo reconhecido por seus gritos de aboio e uma gesticulação própria, como se estivesse
utilizando um laço.
antepassados. Neste caso, representa uma herança direta do Cabula, cuja base está voltada
negra geradora da sociedade brasileira. Assumem o mesmo papel dos Caboclos como
da fragilidade e da humildade. Montero (1985: 185) ressalta que a sua história marcada
Este ritual se realiza geralmente no mês de maio (dia treze), lembrando a data da Abolição
51
Esta entidade também possui sua versão feminina: a Preta-Velha. São conhecidas também como
tias e vovós e carregam o esteriótipo da mãe-preta, que cuida dos “filhos” que a procuram (Cf. Montero
1985: 205).
61
sofrimento no período da escravidão, que pode ser constatado no texto do ponto transcrito
abaixo:
sociedade brasileira. Mas, porque existe uma identificação entre estas duas entidades e os
adeptos dos grandes centros urbanos, que a primeira vista parecem tão distantes? Para
Ortiz (1999: 71-75) isto se explica porque o Caboclo não representa realmente a raça
indígena, mas sim a imagem que a sociedade quer que ele seja, isto é, o índio forte, que
lutou contra o domínio português e que preferiu lutar a ser escravizado. No caso do Preto-
escrita. Nesta idealização, o negro de certa forma não lutou contra a escravidão e aceitou o
sistema escravocrata, então para ser aceito “não tem outra alternativa senão a de aceitar a
única imagem positiva que a sociedade lhe oferece: a humildade.” (Ortiz 1999: 74)
uma idéia de inocência, pureza. Geralmente, estas entidades são associadas a São Cosme e
Damião e são homenageadas com uma festa realizada no dia 27 de setembro (data
dedicada aos dois Santos de acordo com o calendário católico). Ao incorporar uma
engatinhar, chupar o dedo ou chupeta, brincar e imitar a voz de criança. Como as Crianças
62
são seres em formação, esta condição faz com que raramente elas atuem diretamente no
atendimento ao público. Sua função está associada a alguns ritos de purificação como
“limpar” o terreiro depois da realização de algum trabalho de magia. Negrão (1996a: 233)
Pombagiras52. Diferente das entidades que pertencem ao lado direito, que se caracterizam
pela vida “correta” que tiveram na Terra, os Exus e as Pombagiras se enveredaram pelo
caminho “errado”. Em vista disso, estes espíritos não se enquadram dentro das sete linhas
da Umbanda, ficando esta categoria condenada ao “mundo das trevas”. São entidades que
foram mulheres de “vida fácil” cujos comportamentos fogem aos padrões sociais.
Apesar desta “má fama”, estes espíritos exercem inúmeras funções dentro do
culto umbandista. Eles também representam a ponte entre o plano material (Terra) e o
realizando qualquer tipo de trabalho sem questionamentos, até aquelas tarefas em que as
entidades do lado direito se recusam a fazer por razões éticas e/ou morais. Os Exus
52
Na literatura existente, encontramos diversas formas de escrita desta palavra, substituindo o g pelo
j ou a divisão desta palavra com o uso ou não do hífem. Adotamos Pombagira guiados pelo Dicionário
Aurélio que esclarece que esta grafia é a versão brasileira de Pombajira, palavra originada de uma língua
banto (Cf. Ferreira, s.v. “pombagira”).
63
Pombagiras são comumente procuradas por àqueles que possuem problemas de ordem
afetiva e sexual. Para eles, o importante é atender aos pedidos dos clientes, por isso os
praticantes são unânimes em afirmar que sem Exu e Pombagira não existe Umbanda. A
cantiga transcrita abaixo retrata a relativização do Exu, uma entidade que por um lado
pertence ao “mundo das trevas” e por outro pratica a caridade como exímio trabalhador
64
Além das entidades que pertencem às linhas da direita e da esquerda, alguns
autores apontam ainda a existência de espíritos que possuem características tanto da direita
quanto da esquerda (Cf. Concone, 2001; Montero, 1985; Negrão, 1996a e 1996b; Souza,
2001). Os Marinheiros e os Baianos são os exemplos mais comuns dos espíritos que
mar. Pertencem à linha de Iemanjá e prestam a caridade realizando consultas e passes com
suas tempestades e calmarias. São alegres e se mostram amigos daqueles que os procuram.
Porém, são amantes das bebidas e das mulheres, chegando a se engraçar com as mulheres
presentes às festas. Negrão (1996a: 241) menciona o bom humor destas entidades e chama
a atenção para as indelicadezas nas suas brincadeiras: “Ao marido de uma mulher a quem
pedira para tirar sua jaqueta por ocasião da consulta, observou: Olha! Estou tirando a roupa
65
da sua mulher na sua frente”. Negrão (1996a: 241) nos mostra alguns textos dos pontos de
A mulher e a galinha
São dois bichos interesseiros
A galinha pelo milho
E a mulher pelo dinheiro53
Segundo Merriam (1964: 187) o texto da canção é uma fonte importante para
o entendimento da música de uma cultura que, neste caso, pode ser adequado a uma
feitas através da música (a letra como veículo) e não de outra forma. Neste caso, o lado
machista do Marinheiro foi evidenciado pela cantiga de sotaque e não de outra forma, pois
53
Esta cantiga é também encontrada no Candomblé de Caboclo. Este compartilhamento de
repertórios musicais aponta para uma relação, inclusive musical, deste culto com a Umbanda. Garcia (2001a:
61) apresenta a transcrição abaixo mencionando que, no Candomblé, esta cantiga é entoada tanto nos sambas
de Caboclo quanto nos rituais dedicados a Exu:
66
se correria o risco de não ser corretamente compreendido por ser uma entidade
O Baiano é uma entidade marcada pela alegria. Quando incorporado, fala com
pessoas porém pouco responsáveis, amantes de boa prosa, bebidas e mulheres” (Negrão,
local, haja visto que esta entidade ganhou destaque no culto umbandista praticado em São
Paulo. Prandi (1991) e Souza (2001) destacam que a religião surgiu neste Estado na
década de 1930 e ganhou força nas décadas de 1950 e 60, período em que São Paulo
entidades que, por sua vez, adquirem vida própria no dia-a-dia dos centros. Estas
poderia deixar de existir uma categoria mista, mesclada. O Marinheiro e o Baiano são
68
3. O Centro Umbandista Rei de Bizara
“A Umbanda é uma religião de desafio. É uma lata de lixo, vive cheia e vazia.
É isso que é Umbanda. Eu parti pra ela sem medo de errar, de cabeça assim, e dou graças a
Deus por isso, sou muito feliz por isso.” Essas são as palavras de Amélia Cândida da Silva,
mãe-de-santo do Centro Umbandista Rei de Bizara no alto dos seus 82 anos, sendo 58
dedicados à Umbanda.
54
Conforme depoimento, este Candomblé era de nação queto “misturado” com a nação angola.
na cidade baiana de Cachoeira. Como não se adaptou, passou para a Umbanda que
de Caboclo e Angola. Com apenas 18 anos, abriu a sua casa de culto em Salvador e, com a
ajuda da imprensa e de Edison Carneiro, foi o responsável por divulgar e popularizar estas
criação do Conselho Africano da Bahia56 (Cf. Nascimento, 2004: 10-11). A relação dos
dois foi fundada no princípio de “troca de favores” como nos relata Nascimento (2004:
11):
55
De acordo com a Tia Preta, o seu contato com a Umbanda aconteceu no período entre o final da
década de 40 e o início dos anos 50.
56
Conforme já mencionado no capítulo anterior, o Conselho Africano da Bahia foi um movimento
formado por intelectuais e praticantes do Candomblé com o objetivo de libertar a religião do controle
policial.
69
divulgar o “bom nome” de João da Goméia tornando sua casa de culto
conhecida entre os intelectuais, estrangeiros e o povo de santo.
Constrói sua casa de culto no município de Duque de Caxias, sendo um dos responsáveis
paralelamente ao Candomblé. Tia Preta nos relata que sua casa de culto era dividida em
duas partes: uma dedicada ao Candomblé e a outra à Umbanda. Ainda no Rio de Janeiro,
Joãozinho da Goméia se tornou muito popular a ponto de ter um bom trânsito na alta
de Salvador e ao Rio de Janeiro. Silva (1995: 81-84) destaca que Joãozinho da Goméia foi
o precursor do culto da nação angola na cidade de São Paulo, no qual o rito Angola
babalorixá.
retorna à Salvador, na década de 1950, e aqui estabelece sua prática umbandista abrindo o
residências alugadas, até que no final da década de 197057, Tia Preta conseguiu construir a
57
Durante as entrevistas, a mãe-de-santo não lembrou exatamente das datas da sua chegada à
Salvador e da abertura do seu centro. Ela nos informou que estes eventos ocorreram aproximadamente no
período apontado acima.
70
Bairro de Brotas, funcionando neste endereço até hoje. Rei de Bizara58 é o Caboclo que
Trata-se do mesmo “Caboclo valentão” que acompanha Tia Preta desde a sua iniciação na
acesso é restrito aos médiuns. Estas reuniões acontecem aos sábados e seguem um
gratuitamente apostilas (Cf. anexos pp. 222-237) com conteúdos que são lidos e discutidos
58
De acordo com Tia Preta, Bizara é o nome da aldeia e da tribo que esta entidade governa. Por isso
este Caboclo é chamado Rei de Bizara.
71
evolução do homem na Terra e como um meio de comunicação entre os vivos e os mortos,
Bizara é o aspecto didático encontrado em todos os rituais. Nas festas, todas as pessoas
(Cf. anexos pp. 219-221). Os folhetos e as apostilas são elaborados pelo mesmo médium
W.W. da Matta e Silva, além de outras fontes extraídas da internet. Para as pessoas que
comparecem pela primeira vez a uma festa, são entregues um folheto contendo uma
relação de normas de conduta (Cf. anexo p. 217) exigidas pelo centro como, por exemplo,
fundamentos serão aperfeiçoados nas festas e nas sessões de caridade. Desta forma, o
desenvolvimento mediúnico é o resultado de um longo processo que tem como base a troca
59
Neste folheto constam algumas informações da entidade homenageada como o seu perfil, suas
histórias (lendas), o santo católico com o qual é sincretizado, sua oração e outros aspectos particulares.
72
Neste centro, o período do desenvolvimento tem a duração de sete anos. Após
este período, é permitido ao médium abrir seu próprio local de culto. Desta forma, o
Centro Umbandista Rei de Bizara foi a matriz para a formação de muitos centros
novo centro não representa o desligamento total do membro, agora novo sacerdote. Os
médiuns que possuem seus próprios locais de culto continuam a freqüentar o antigo centro,
Vem aqui [os médiuns], fica sete anos e depois vai embora montar seu
centro. Cada um monta o seu centro. Continua aqui, mas cada um na
sua.[...] Todos são unidos, cada um trabalha a sua maneira e vamo
levando. Os médiuns abrem tudo como aprendeu aqui. Tem quarto de
santo [altar] muito bonito. Tem umas [médiuns] que mandam chamar o
pedreiro pra olhar o meu quarto [quarto de santo] pra ficar a mesma coisa
lá.
No caso daqueles que abrem suas casas de culto em outros Estados, os médiuns
própria mãe-de-santo Tia Preta o torna um ponto de referência para a difusão da religião
umbandista praticada em Salvador. Este centro cultua uma Umbanda Mista, no qual
que dois pontos importantes foram determinantes para a formação desta prática
60
São exemplos de centros umbandistas formados em Salvador originados do Centro Umbandista
Rei de Bizara: o Centro Umbandista Oxossi Matalambô, Iansã da Pedra do Ouro e Rosário de Luz,
localizados em áreas próximas do bairro de Brotas.
61
A médium responsável pela condução dos pontos cantados nos rituais possui seu próprio local de
culto, mas continua freqüentando o Centro Umbandista Rei de Bizara.
73
que cultuava as duas religiões (Umbanda e Candomblé) dentro de uma mesma casa de
Salvador uma cidade formada por uma população de maioria negra e parda com uma
cultura fortemente influenciada pelo Candomblé, que nesta cidade se faz presente em mais
de 2000 terreiros (Cf. Vatin, 2001: 9). Além disso, a Umbanda desde o início de sua
formação foi influenciada pelos cultos bantos trazidos pelos escravizados vindos da Bahia
para o Rio de Janeiro. Hoje no Centro Umbandista Rei de Bizara estes pontos de contato
ainda permanecem sob os mais diversos aspectos, inclusive na música, como pretendemos
O Centro Umbandista Rei de Bizara é uma casa onde a vida cotidiana da mãe-
de-santo e de sua filha se mistura com os cultos. A casa possui divisões que determinam as
controle de todas as atividades exercidas no local. É nesta mesma figura que se concentra
todo o conhecimento da religião. Sabedoria que foi adquirida no decorrer dos anos com a
74
umbandista, bem como da religião em si. Atualmente são aproximadamente 50 médiuns,
de diversas classes sociais, assim como estes exercem profissões diversas nas suas vidas
determinante na relação entre os médiuns. Os que possuem mais tempo de iniciação são
respeitados pelos mais novos, que lhes pedem a benção e auxílio antes de executar
qualquer tarefa. Os médiuns mais antigos também assumem o papel de auxiliares mais
uma médium responsável por puxar os pontos cantados para manter a ordem e o bom
seguinte forma: o puxador inicia o canto do ponto a capella. A extensão deste solo
depende do ponto cantado, podendo ser uma frase ou toda a cantiga. Em seguida, entram
centro que respondem a frase do solista. As entidades também puxam as suas cantigas em
santo e os outros médiuns também podem puxar os pontos cantados, mas isso ocorre
orçamento e a arrecadação para a realização dos rituais. As contribuições vêm dos próprios
75
médiuns que se tornam sócios da casa e contribuem com um determinado valor conforme
habilidades de cada médium e como estas podem ser aproveitadas no centro. O médium
médium responsável por puxar os pontos cantados nas festas teve suas habilidades notadas
encontrar entre o público pessoas numa espécie de “meio transe” apresentando tonturas,
tremedeiras e contorcendo o corpo. Nestes casos, há o auxílio imediato dos médiuns que
dão passes até a pessoa voltar ao seu “estado normal” e depois aconselham estas pessoas a
entrada de três novos médiuns, que tiveram manifestações durante as festas e pouco tempo
Rei de Bizara, o médium não passa por rituais específicos de iniciação, a cada novo
médium que ingressa na casa, a mãe-de-santo faz a consulta aos búzios para ver os Guias
76
que acompanham o médium (o Orixá de cabeça e o seu parceiro62, o Caboclo e o Exu ou
Pombagira):
Eu jogo o Búzio para saber quem é. (...) Eu tenho que estar preparada,
com banho de folha e cabeça amarrada. Eu jogo o búzio pra saber o que
eles (as entidades) estão fazendo ali (médium). Vou olhando todo mundo.
no outro na busca da evolução espiritual. A entidade utiliza o corpo do médium e este, por
sua vez, se beneficia com os ensinamentos e a proteção dos Guias. Porém, o exercício da
mediunidade não é fácil, pois requer muita disciplina no cumprimento de todas as etapas
comportamentais, impostas muitas vezes pelas entidades. Tia Preta, em seu depoimento
abaixo, relata sua dedicação à religião e sua relação com seus Guias espirituais:
Eu tenho uma vida inteira aqui dentro minha filha. Eu vivo só pra aqui.
Eu vivo aqui dia e noite. Não saio, os Orixás não me deixam beber. Eu
ando na linha com eles. Eu ando assim com eles [encosta os dois dedos
indicadores]. Eu adoro eles. Tudo que eu peço eu ganho, tenho saúde
principalmente.
todos os rituais, inclusive a “Obrigação”, um conjunto de rituais que acontecem uma vez
por ano, no mês de outubro, onde o acesso é restrito aos médiuns. Neste período, ficam
62
Na Umbanda, o médium geralmente possui dois Orixás que protegem e comandam a sua vida
material e espiritual: o Orixá de cabeça (o principal) e o Orixá de costas.
63
Na Umbanda, o nível de desenvolvimento de um médium pode ser medido pela quantidade de
entidades que ele recebe. Um médium num alto nível de desenvolvimento é capaz de incorporar vários
Orixás (o Orixá de cabeça e os acompanhantes), as entidades de direita (Preto-Velho, Caboclo, Crianças,
Orientais, Marinheiros, etc) e as entidades de esquerda (Exus e Pombagiras). Na Umbanda, não há restrição
quanto ao gênero, os homens podem incorporar entidades femininas e as mulheres podem incorporar
entidades do sexo oposto, porém o segundo caso é mais comum.
77
confinados no centro durante seis dias (dois finais de semana consecutivos: sexta, sábado e
domingo) onde são submetidos a diversos rituais como o Bori64 e a Lavagem das Guias65.
uma festa pública em homenagem a todos os Orixás e no domingo é realizada outra festa
mesmo, oficialmente, passa a fazer parte do centro. Segundo Tia Preta, o Bori é um ritual
Umbandista Rei de Bizara é o cambono66. O cambono difere do médium por não entrar em
transe, mas é também um cargo importante pois está diretamente ligado ao funcionamento
objetos particulares como charutos, velas, bebidas, e verifica as condições dos espaços
salões e os tambores de água mineral que estão a disposição do público em geral. Enfim,
64
De acordo com Cacciatore (1988:68), o ritual do Bori possui algumas finalidades como:”fortificar
o espírito do crente para suportar repetidas possessões, ou por estar por elas enfraquecido (profilaxia e
terapêutica), penitência pela quebra de algum preceito, dar resistência contra influências negativas.” De certa
forma, as poucas afirmações da mãe-de-santo sobre este ritual confirmam as finalidades acima.
65
Guias são colares coloridos usados pelos médiuns que representam a presença dos Orixás.
Segundo Cacciatore (1988:93) As guias são geralmente feitos com miçangas, contas de vidro, louça ou cristal
e as cores variam conforme os Orixás. Na Lavagem das guias, estes colares recebem um banho feito com
ervas amassadas e água.
66
Este centro umbandista possui atualmente apenas um cambono, mas ele conta com a ajuda de
todos os demais membros para o cumprimento de todas as tarefas.
78
está sempre pronto para resolver qualquer problema. Cabe também ao cambono as
anotações no livro de registros de tudo que acontece no centro como, por exemplo, o
registro de cada ponto cantado trazido pelas entidades, especialmente quando se trata de
uma cantiga inédita que não é compreendida imediatamente pelo público. O cambono faz o
registro para que, numa próxima oportunidade, esta cantiga possa ser “respondida” pelos
uma apostila que contém o texto de todos os pontos cantados em seus rituais.
A primeira vista, entendemos esta ação de registro dos pontos cantados como
automaticamente a parte musical estará de alguma forma sendo memorizada, pois o texto
A parte musical fica sob a responsabilidade das curimbeiras que, neste centro
umbandista, são exercidas por duas mulheres que tocam os instrumentos musicais
cantigas e sabem o momento certo de cantá-las nos rituais. No entanto, como já afirmamos
anteriormente, o ato de cantar para manter a ordem e o bom funcionamento dos rituais fica
uma entidade se manifesta nela. O canto das curimbeiras também pode ser visto em
momentos específicos dos rituais. Nestes casos, elas cantam a pedido das entidades que
alguns casos, como o Cigano Mariano, uma entidade muito reservada, que pediu para as
curimbeiras cantarem uma cantiga (o ponto Cigana), que ele se referiu como o ponto “do
79
Cigano que não suporta traição” (Cf. transcrição p. 126). Aqui encontramos uma diferença
É o que acontece com Noli, a curimbeira responsável pelos atabaques, que não é praticante
da Umbanda mas ocupa esta função há mais de 15 anos. Ela foi percussionista de uma
depoimento abaixo, Noli relata o motivo e a maneira como foi admitida ao cargo de
curimbeira no centro:
pessoas de todas as classes sociais que participam dos rituais do centro. Os freqüentadores
não precisam ser obrigatoriamente umbandistas, mas na maioria dos casos são pessoas que
67
Durante a pesquisa de campo, tivemos a oportunidade de aprender com esta curimbeira algumas
noções básicas dos toques executados pelos instrumentos (o atabaque e o agogô). Este depoimento foi
registrado em um encontro ocorrido em 05/05/2006.
80
3.3. Os instrumentos musicais e seus executantes
os atabaques e o agogô.
percutidos com as mãos, que apresentam um pouco mais de um metro de altura, estreitos
com o corpo em forma de barril, feito com madeira envolvida com aros de ferro, com
tampo único coberto de couro (pele), cuja tensão é medida por tarraxas de ferro que ficam
em volta do tampo que, com o auxílio de uma chave, podem ser apertados ou afrouxados
81
O agogô é um idiofone percutido, composto por duas campânulas metálicas
campânulas são unidas por um arco em forma de U e são percutidas com uma vareta de
metal.
82
vida social; os instrumentos musicais são parte integrante da cultura
material que, por sua vez, não pode ser isolada dos outros domínios da
sociedade.
como o contexto cultural, a maneira como os instrumentos são tocados, entre outros. A
abordagem destes fatores pode nos fornecer um maior conhecimento a respeito dos
instrumentos musicais bem como o seu papel dentro da cultura a qual pertence. No caso do
Centro Umbandista Rei de Bizara, uma visão global dos instrumentos musicais nos
Rum, Rumpi e Lé. Estes instrumentos, antes de serem utilizados nos rituais, são batizados
numa cerimônia secreta68. No centro existem cinco atabaques que se dividem em dois
68
A respeito do batismo dos atabaques, a mãe-de-santo não revelou os detalhes do ritual, por se
tratar de um segredo do centro.
83
nos instrumentos com as mãos, diferente do Candomblé de nação queto que utiliza os
aguidavis69.
entre os homens e o sobrenatural. Nas festas, são os instrumentos que chamam as entidades
para participar como nos diz Tia Preta: “ela [a entidade] chega mais pra dentro da
Umbanda pelo atabaque e o agogô.” Por esta razão, os instrumentos são considerados
objetos sagrados e os membros do centro os respeitam como tal, conforme nos explica a
mãe-de-santo:
Num atabaque você não pode chegar, dar as costas a ele. Tem que ter
respeito. Se um atabaque virar, cair no chão tem que fechar a casa. Ele é
respeitado como gente. Nós temos um respeito enorme com o atabaque e
com o agogô.
qual se aprende vendo e ouvindo os executantes. Segundo Tia Preta, por este centro já
passaram muitos curimbeiros, onde o conhecimento dos ritmos ou toques foi passado desta
festas realizadas para as entidades da direita, mãe e filho costumam acompanhar alguns
de como aprendeu a tocar o atabaque e o agogô, o menino afirmou que aprendeu ouvindo
69
De acordo com Garcia (1996: 82-83) os aguidavis (varetas) são feitos com madeiras resistentes,
“entre eles o galho da goiabeira, tamarindeiro ou cipó duro, e medem em média cerca de 30 cm.”
84
3.4. A divisão do espaço físico
o terceiro subsolo possui uma grande cozinha onde é preparada a comida servida na Gira
mistura com o espaço sagrado, pois em um dos cômodos se localiza o quarto de santo.
Trata-se de um típico altar umbandista que, neste centro, ocupa toda a dimensão do quarto.
Lá encontramos imagens de Jesus Cristo, dos Santos Católicos sincretizados com os Orixás
imagens são encontradas oferendas como velas, flores e também podem ser depositados
neste local objetos resultantes dos rituais dedicados aos Guias do lado direito.
santo. Devem entrar no cômodo sem os sapatos, fazer o “agô” (pedir licença batendo
a cabeça na borda do altar) e rezar. O quarto de santo deve ser limpo uma vez por semana
Bizara. Segundo Tia Preta, todo o centro de Umbanda possui uma bandeira. Nesta, estão
retratadas os seguintes símbolos: o cálice que representa Oxalá (Orixá que rege o centro),
as pombas e a estrela que representam o Divino Espírito Santo. O centro possui dois
exemplares da sua bandeira, uma de frente para as escadas que dá acesso ao salão do
86
Detalhe dos símbolos da Bandeira: o cálice, as pombas e a estrela.
Oxalá (Jesus Cristo), Tempo71, Xangô (São Jerônimo), Nanã (Nossa Senhora de Sant’ana),
70
Diferente de alguns autores (Cf. Concone, 2001; Montero, 1985; Negrão, 1996a e 1996b; Souza,
2001) que consideram o Marinheiro como entidade mista (metade direita e metade esquerda), esta entidade
neste centro é considerado de direita.
71
Tempo é um Orixá que pertence ao Candomblé Angola (Inquice de Angola) e representa uma
diferença importante entre as nações angola e queto. O fato de este Orixá ser cultuado no Centro Umbandista
Rei de Bizara indica uma influência muito significativa do Candomblé Angola. O centro não realiza uma
festa específica para o Orixá Tempo, no entanto, esta divindade é lembrada e homenageada nas festas dos
outros Orixás conforme o calendário mostrado a seguir.
87
Oxum (Nossa Senhora Aparecida), Iemanjá (Nossa Senhora da Conceição), Oxossi (São
Jorge), Ogum (Santo Antônio), Obaluaê/Omulu (São Lázaro), Iansã (Santa Bárbara) e Ibeji
fossem ramificações vindas de uma mesma matriz, como por exemplo, Oxossi Caçador e
Oxóssi das Matas pertencente a categoria de Oxóssi. Estas entidades “descem” nas festas
seguinte calendário72:
Como podemos visualizar no calendário acima, além das festas dedicadas aos
Orixás, os Pretos-Velhos são homenageados no mês de maio numa festa onde estas
72
Este calendário pode ser alterado conforme as necessidades do centro. No mês de janeiro o centro
realiza apenas Sessões de Consultas e Passes. Em março, acontecem as Sessões de Consultas e Passes nas
quartas-feiras, as Sessões de Desenvolvimento aos sábados e a Gira de Escravos no primeiro sábado do mês.
Em novembro o centro não realiza festas porque é um mês dedicado aos mortos (acontecem apenas as
Sessões de Desenvolvimento aos sábados e as Sessões de Consultas e Passes nas quartas-feiras).
73
Na Festa de Oxossi os Caboclos também são homenageados porque pertencem à mesma linha
deste Orixá.
74
Nesta festa, Oxum recebe presentes dos membros do centro e dos freqüentadores. Estas oferendas
(perfumes, sabonetes, flores, etc.) são depositadas na Lagoa do Abaeté.
88
entidades realizam consultas e passes enquanto as pessoas cantam os seus pontos cantados
onde estas entidades são presenteadas com brinquedos pelos freqüentadores e no final da
festa são servidos o Caruru de São Cosme e Damião (refeição composta por vatapá, caruru,
bolinhos de acarajé e arroz) e doces (bombons, bolos, balas e pipocas). Os Marinheiros são
homenageados numa festa que marca o fim do período da “Obrigação”. Nesta festa, os
Oxossi porque pertencem à mesma linha deste Orixá e no mês de julho na festa em
homenagem aos Caboclos feita no mês de julho pode ser uma influência do Candomblé
baiano no Centro Umbandista Rei de Bizara, pois na Umbanda cultuada em outros Estados
Diogo Alves Correia, dois índios que representam o Brasil.” Garcia (2001a: 116) considera
fato histórico comemorado com um desfile realizado no dia 2 de julho nas principais ruas
da Cabocla conduzem o cortejo cívico, pois representam aqueles que lutaram pela
75
Como no Candomblé de Caboclo, no Centro Umbandista Rei de Bizara o Boiadeiro é considerado
um Caboclo.
89
Candomblé nesta comemoração, e como este fato reforça a crença nestas entidades e a
distintas. No Candomblé, os Caboclos estão no mesmo nível dos Orixás (Cf. Póvoas, 1989:
106), e se voltam para a transmissão das suas histórias, lendas, danças, vestimentas entre
ancestral indígena, o primeiro habitante em solo brasileiro. Enquanto que na Umbanda são
prática da caridade. O pai-de-santo Matambalessi (Cf. Silva, 1995: 104), da nação angola
entidades da direita incorporadas nos médiuns. Mesmo existindo uma hierarquia entre os
Orixás e os Guias da direita, nesta sessão estas entidades trabalham juntas. No momento do
passe, existe o contato direto entre os homens e os deuses e durante este encontro os
passes acontecem no salão e as pessoas são atendidas na frente do público. Porém, existe a
91
O Caboclo Rei de Bizara trabalha em parceria com o Caboclo Tupinambá,
“Obrigação” dos médiuns, enquanto que o segundo trabalha diretamente com o público.
medido pela quantidade de entidades que se manifestam nele. Tia Preta e os demais
médiuns do Centro Umbandista Rei de Bizara incorporam várias entidades entre elas
contribuem com uma importância em dinheiro e esta receita faz parte do orçamento do
centro. As pessoas atendidas têm os seus nomes anotados numa ficha de controle onde são
registrados os dias das consultas. Estas anotações e a organização das fichas ficam sob a
seguida todos recebem uma pequena quantidade de perfume de alfazema que é espalhado
em diversas partes do corpo (nuca, testa, mãos, pulsos e braços). Segundo Tia Preta, este
perfume tem como finalidade chamar as entidades para abençoar todas as pessoas
presentes. Enquanto isso, os médiuns se preparam para incorporar os seus Orixás ou Guias,
que são chamados através de pontos cantados acompanhados somente por palmas, sem os
76
Assim como nos outros locais de culto umbandista, a defumação também está presente em todos
os rituais do Centro Umbandista Rei de Bizara.
92
A Sessão de Caridade tem início quando chegam as entidades. Todos os
médiuns obedecem a uma escala de trabalho, para que todos tenham a oportunidade de
“trabalhar”, porque em cada sessão os passes são ministrados por no máximo quatro
médiuns77. Toda a sessão é coordenada pelo médium mais antigo (tempo de iniciação) com
o auxílio da filha adotiva da Tia Preta. No momento do passe, cada pessoa é chamada a se
dirigir em direção à entidade, ficando de frente à ela. O coordenador pergunta o seu nome e
em seguida puxa duas orações (um Pai-Nosso e uma Ave- Maria) e, em coro, todos os
presentes rezam junto. Após as orações o coordenador profere as seguintes palavras: “estas
orações estão depositadas nos pés do Santo Anjo da Guarda de (o nome da pessoa que vai
receber o passe)” e só depois desde pequeno ritual o passe acontece. Após o passe, a
pessoa pode se retirar do centro. Segundo Tia Preta, estas orações têm como objetivo
tocados. As músicas ouvidas são gravações de hinos muito conhecidos entre os católicos,
interpretados por Pe. Zezinho e o cantor Roberto Carlos. Os hinos católicos neste caso têm
filha da mãe-de-santo:
77
Segundo Tia Preta, só os médiuns que possuem mais de três anos de desenvolvimento é que estão
preparados para participar das Sessões de Caridade.
93
A música católica é pras pessoas não ficarem conversando porque não
pode. Então ta pedindo oração. E bota bem baixinho pra ficar tocando pro
anjo de guarda da pessoa que está tomando o passe. E as pessoas ficam
conversando e então atrapalha. (...)
P - E porque música católica?
Porque é muito bonito, tem muita gente que gosta. E a Umbanda parte
muito pro Catolicismo. Se bota ponto aqui da gente com os atabaques,
tem muita gente que não entende. Essas músicas é pras pessoas
entenderem que é um momento de oração78.
umbandista: a maioria dos freqüentadores são da religião católica, como afirma Tia Preta:
Umbanda. Porém, o fator determinante para esta aproximação é a busca de algo que não se
encontra na Igreja Católica, que pode ser um contato direto com as entidades ou outros
grande número de católicos nos centros paulistas. Segundo o autor (1996a: 303) a doutrina
umbandista vai de encontro com as necessidades dos clientes de uma forma mais direta.
respostas aos problemas através de uma força ou de uma palavra das entidades, enfim, algo
que não se encontra na Igreja. Nela, este tipo de contato acontece somente com o padre no
78
Depoimento dado em entrevista realizada em 21/04/2006.
79
A expressão “pedir misericórdia” significa o ato de pedir qualquer coisa ao mundo espiritual no
momento de oração.
94
clientes pela solução de seus problemas, os médiuns pelo cumprimento de uma etapa
Por fim, todas as atividades que são realizadas no primeiro subsolo são
coordenadas pelo mentor espiritual do centro, o Caboclo Rei de Bizara. Esta entidade é o
representante do Orixá que rege o centro: Oxalá. Na Umbanda, este Orixá, sincretizado
com Jesus Cristo, se encontra no patamar mais elevado na escala espiritual (nas sete linhas
da Umbanda) e por isso não entra diretamente em contato com o mundo dos homens como
que para uma possível “descida” de Oxalá aos centros seria preciso um médium com um
Deus supremo e o Pai de todos. No Centro Umbandista Rei de Bizara a presença de Oxalá
está presente no coração das pessoas e está representado na bandeira, além de que este é
Umbanda.
esquerda. Neste andar encontramos um salão onde são realizados os rituais e três quartos:
dois para a troca de roupa dos médiuns (um para os homens e outro para as mulheres) e o
95
outro chamado quarto de escravo, um cômodo reservado aos Exus e Pombagiras, onde
estão depositadas suas imagens e suas respectivas oferendas. Este local é aberto somente
muitas vezes até evitada, no Centro Umbandista Rei de Bizara eles ocupam um papel de
destaque tanto na condução dos trabalhos quanto no calendário das festas. Todo o primeiro
sábado de cada mês é dedicado exclusivamente aos Exus e Pombagiras que são cultuados
estas divindades recebem o nome de Escravos. No depoimento abaixo, Tia Preta explica os
motivos para esta denominação que acreditamos não haver paralelo81 no universo
umbandista:
São mensageiros dos Orixás. Os Orixás trabalham aqui, mas pra limpar e
fazer tudo, eles tem que ter um empregado, e o empregado é eles. [...]
Você sabe que na Umbanda a gente tem que começar pelos Escravos. É
eles que manobram tudo.
que a adoção do termo “Escravos” pelo Centro Umbandista Rei de Bizara indique uma
80
A Gira de Escravos não se realiza nos meses de janeiro (o centro realiza apenas Sessões de
Consultas e Passes) e novembro (mês dedicado aos mortos).
81
Durante a pesquisa bibliográfica não foi encontrada nenhuma referência sobre a denominação
Escravos dado aos Exus e Pombagiras.
82
De acordo com Prandi (2000: 63), a formação dos Candomblés bantos se apresenta em três
referências básicas: Candomblé Angola, Congo e Cabinda.
96
abaixo, “Seu” Benzinho83 nos mostra que esta designação também pode ser encontrada no
Candomblé Angola:
atribuídas aos Exus, que também é usada no Centro Umbandista Rei de Bizara como
83
“Seu” Benzinho é membro de uma casa de Candomblé Angola e foi um dos convidados do
Encontro de Nações de Candomblé realizado em Salvador em 1981.
84
Durante a pesquisa bibliográfica encontramos a denominação Jiramavambo escrita com “J” e com
“G”, no entanto, resolvemos adotar a grafia Giramavambo por estar mais presente na literatura consultada.
85
Este ponto cantado apresenta improvisações na parte do solista. No entanto, os dois momentos do
solo na transcrição acima apresentam a mesma frase (Giramavambo agradeço ê, ê). Não foi possível a
transcrição das improvisações pela limitação imposta pela gravação. Nela, a voz do solista se encontra
encoberta pelos instrumentos (Cf. faixa do CD). A transcrição do solo apresentado acima foi possível com a
ajuda da Tia Preta.
97
Neste mesmo ponto cantado, se desconsiderarmos algumas alterações, o trecho
cantado pelo coro possui as mesmas relações intervalares e rítmicas de um outro trecho
cantado pelo coro de uma outra cantiga para Giramavambo encontrada no Ilê Axé Dele
Omí86, onde se pratica o Candomblé de Caboclo (Cf. Garcia, 1996: 135 e 2001a: 63). Em
relação musical entre as duas religiões, envolvendo a mesma categoria de entidades (Exu):
86
Segundo Garcia (1996:28) o Ilê Axé Dele Omí se localiza na localidade de Arenoso, bairro de
Tancredo Neves, área periférica da cidade de Salvador- BA.
98
Agradeço ê Recompensuê
Ah, ah, ah, ah Ra, ra, ra
Agradeço ah Recompensuê
De acordo com Tia Preta, o ponto Agradeço foi criado por ela em parceria com
o seu mentor espiritual, o Caboclo Rei de Bizara. O fato desta entidade “compor” para Exu
nos chama atenção, pois confirma a existência de uma hierarquia nesta religião. A posição
ocupada por este Caboclo como o mentor espiritual do Centro Umbandista Rei de Bizara o
Bombojira, outro termo de origem banto, é um dos nomes dados ao Exu masculino, cuja
sugere que o termo Pombagira seja uma corruptela de Bombojira, isto é, uma alteração
desta palavra para que ela seja adaptada à língua portuguesa, pois ambas possuem
prosódias semelhantes. As duas cantigas abaixo são dedicadas a estas duas entidades em
Centro Umbandista Rei de Bizara e a segunda é uma cantiga coletada no Ilê Axé Dele Omí
(Cf. Garcia, 1996: 135). Aqui a semelhança prosódica do texto é reforçada pela
relação ao toque, as duas cantigas apresentam o mesmo padrão rítmico no agogô, embora o
toque seja diferente: a primeira é acompanhada pelo Samba e a segunda pelo Cabula:
99
100
O trânsito musical entre a Umbanda e o Candomblé de Caboclo também pode
Ilê Axé Dele Omí (Cf. Garcia, 2001a: 126 e 1996: 157). A diferença existente entre os
comunicam em português, apesar do Exu neste culto ser um Orixá africano). Estas
101
textos distintos podem ser utilizadas tanto para Caboclo quanto para Exu (Cf. Garcia,
2001a: 63).
Contudo, como acontece este trânsito dos repertórios entre estas religiões
aparentemente diferentes? Na visão êmica de Tia Preta, todas as entidades que trabalham
no Centro Umbandista Rei de Bizara não são impedidas de trabalhar em outras casas de
Candomblé ou Umbanda87. Vatin (2001:13) também acredita que “quando uma divindade
migra de uma nação para outra, seu repertório de cantigas a acompanha”. Em vista disso,
devem obedecer ao sistema da casa de culto e muitas vezes são adaptados a outros
contextos. No caso do centro, a cantiga deve ser cantada em português por se tratar da
Umbanda se trata de um Guia espiritual. Um ser muito próximo aos seres humanos que
102
homens, possuem defeitos e virtudes. Além disso, neste centro umbandista o termo
mensageiro está relacionado ao trabalho que os Escravos exercem em nome dos seus
“donos” em todas as esferas da religião, inclusive naquelas em que os Orixás não têm
dito. Ele transporta as oferendas dos homens aos Orixás, ao mesmo tempo em que carrega
Candomblé, o Exu é reverenciado em primeiro lugar numa cerimônia chamada Padê, que
antecede a todos os rituais. Edison Carneiro (2002: 69) ressalta que no Candomblé a
transportador Exu:
Com estas características, o Exu se tornou uma das entidades mais controversas
sexualidade. Segundo Prandi (2001: 48) este já despertava a atenção dos viajantes e
missionários que tiveram neste continente nos séculos XVIII e XIX, cujos relatos
afirma que este Orixá com os seus símbolos fálicos são venerados pelo povo africano, que
preza pela posse de uma quantidade grande de filhos, pois se acredita que a descendência é
103
Todos estes fatores contribuíram para que o Exu, no Brasil, fosse sincretizado
com o diabo. Segundo Garcia (2001b), o sincretismo se trata de uma aproximação dos
Santos Católicos com as divindades africanas. Isto foi possível pela existência de uma
nem misturá-las e sim de encontrar equivalências entre elas.” (Cf. Garcia, 2001b:114).
Desta forma, todos os Orixás receberam um Santo Católico correspondente ficando para o
para se adaptar ao território e à cultura brasileira. Uma delas foi perder a sua relação com a
reprodução e a sexualidade. Segundo Prandi (2001: 51), sua conotação sexual aos poucos
Outra mudança observada pelo autor é quanto à intenção da oferta aos Exus.
No Candomblé, antes a oferenda era entregue para o transporte aos outros Orixás, agora
esta é oferecida para que ele simplesmente não atrapalhe o andamento do ritual:
104
Grande parte dos devotos dos orixás pensam e agem como se Exu
devesse assim ser evitado e afastado, momentaneamente distraído com as
homenagens (...) Seu culto transformou-se assim num culto de evitação.
Faz-se a oferenda não para que Exu cumpra sua missão de levar aos
orixás as oferendas e pedidos dos humanos e trazer de volta as respostas,
mas simplesmente para que ele não impeça por meio de suas artimanhas,
brincadeiras e ardis a realização de todo o culto. Exu é pago para não
atrapalhar, transformou-se num impecilho, num estorvo, num embaraço.
(Prandi, 2001:54)
acima, afirmando que as oferendas ao Exu são feitas para que este
não interfira no bom andamento do ritual e tudo ocorra bem [...] O Padê é
feito para que Exu não venha perturbar a ordem das coisas, ou melhor,
para que ele vele e esteja atento às devoções, no desempenho de sua
função de mensageiro entre os deuses e os homens.
separar o bem do mal, o céu do inferno, a luz das trevas, ao mesmo tempo em que acolhe o
espiritual. Os Escravos, que em suas vidas na Terra foram homens de baixo valor moral, de
Serra (2001: 229) associa os Exus ao homem da rua: “há, pois, uma relação metafórica
Montero (1985: 200) afirma que os Exus são os filhos da pobreza, aqueles que não tiveram
de onde pode advir a desordem e o caos”. Enfim, como não podia deixar de ser, na
Umbanda, os Escravos não fugiram da associação com o diabo, como pode ser visto no
105
ponto cantado abaixo. Esta cantiga possui um trecho que estimula os médiuns a girarem88.
Nesta parte, onde se canta a palavra “rodea”, há uma correspondência entre a letra e a
descendentes.
88
Segundo Tia Preta, ao girar o médium chama as divindades permitindo que eles tomem posse do
seu corpo. Este comportamento, de certa forma, poderia ser uma herança deixada pelo Cabula (culto banto
encontrado no Rio de Janeiro no mesmo período do surgimento da Umbanda), que usava o termo gira ou
engira para designar o local onde os médiuns giravam e dançavam para receber os espíritos (Cf. Nina
Rodrigues, 1988: 259).
106
Porém, a relativização também é aplicada no caso dos Escravos, pois ao
mesmo tempo em que convivem com crime, eles possuem qualidades que todos desejam
como a liberdade (no sentido de não estar preso às normas sociais) e a esperteza (a
habilidade de tirar proveito das situações, mesmo quando elas são contrárias). Montero
Se ele é mau porque rouba e mata, são essas características que fazem
dele um valente, um homem que merece respeito na medida em que é
capaz de enfrentar, por sua própria conta e risco, condições que lhe são
adversas - a necessidade de migração, a pobreza, a vida na favela e, no
limite, a própria morte.
Além da sua história e da sua personalidade, outro fator importante que indica
a relativização dos Exus é a sua função dentro da Umbanda. Nela, os Escravos exercem
uma atividade no qual se baseia toda a filosofia umbandista: a prática da caridade. Como já
mencionamos, para o Exu o importante é atender aos pedidos dos clientes, realizando
qualquer tipo de tarefa, até aquelas em que as entidades da direita se recusam a fazer.
Negrão (1996a: 232) explica as razões desta fácil comunicação entre os Exus e seus
clientes:
107
demandar, são os guias apropriados. (...) De qualquer forma, são os
problemas concretos do cotidiano que são tratados por eles.
Montero (1985: 198) demonstra que por estar no nível mais baixo da escala do
solução dos problemas, inclusive aqueles que não condizem com as normas impostas pela
sociedade:
desenvolvidas no Centro Umbandista Rei de Bizara. Tia Preta nos mostra que o simples
fato de pertencerem ao mundo das trevas não impede que estas entidades trabalhem para o
Além disso, existe um forte convívio entre estas entidades com o público. No
108
Na Umbanda, os médiuns e a assistência utilizam a palavra tanto no plural,
Exus, referindo-se a estes Guias de forma coletiva, quanto no singular, onde cada um
cantados. Estes são alguns Escravos encontrados no Centro Umbandista Rei de Bizara:
Exu Tranca Rua, Exu Arranca Toco, Exu Giramundo, Exu Tiriri, Exu Caveira, Exu
Caveirinha, Exu Sete Caveiras, Exu Sete Encruzilhadas, Exu Sete Facadas, Exu Beiramar,
Exu Pintinho, Exu Labareda, Exu Veludo e Exu Tomba Morro. Não é possível quantificar
com exatidão o número de Exus, pois o médium pode receber vários Escravos diferentes,
ao mesmo tempo em que eles podem estar presentes em apenas um ou em vários médiuns
ao mesmo tempo, como por exemplo o Exu Tranca Rua que geralmente é incorporado por
vários médiuns. Porém, apesar do nome Tranca Rua ser o mesmo, trata-se de Exus
diferentes por serem mensageiros de Orixás diferentes como nos explica Tia Preta: “São
Tranca Ruas diferentes. Tem o de Ogum, tem o de Oxossi. Cada um vem de um lado. Um
entre o médium e as entidades. Em se tratando dos Exus e Pombagiras, existe uma relação
amizade e o respeito fundamentam a relação entre Tia Preta e o “seu” Escravo Tomba
Morro. No entanto, a mãe-de-santo revela que o seu primeiro encontro com esta entidade
foi difícil e que ele se faz presente desde a sua vida religiosa no Candomblé, portanto,
109
medo dele me pegar. (...) Aí meu Deus, como eu sofri com esse Escravo!
Aí ele tomou conta da casa, e disse que ia ser o chefão lá de baixo e até
hoje tem tudo aqui. Ele é porreta! Ele é! Um dia ele disse: Tia Preta
arrume a casa que as tuas irmãs vão chegar aí. Daí a pouco estavam todas
aqui. Ele avisa as coisas longe! (...) Ele me protege! Graças a Deus! Ele
me protege, Ave Maria! Como me protege!
110
O Exu Beiramar é um Escravo que na sua vida na Terra viveu no mar. Ele é o
111
O Exu Veludo tem como característica a sua habilidade de proteger o seu
cliente contra os inimigos. Isto pode observado através do texto do seguinte ponto cantado:
112
Neste centro, todos os Exus que trabalham nos cemitérios como o Exu Caveira
e o Caveirinha, são mensageiros do Orixá Iansã. Rosa (2005: 143) em seus estudos sobre o
considerada a condutora dos espíritos, pois, na mitologia, a Iansã Balé recebe de Obaluaê o
reino dos mortos. Continuando, Rosa (2005: 171) destaca os elementos musicais que
abrir e fechar as portas que separam o mundo material do espiritual. No centro, eles são
sincretizado como Santo Antônio na Igreja Católica, é o protetor dos Exus. De acordo com
Edison Carneiro (2002: 66), este Orixá é responsável por abrir as encruzilhadas, “devido às
suas estreitas relações com o Exu, considerado seu escravo.” No centro, esta relação entre
113
No Centro Umbandista Rei de Bizara, além do estreito contato descrito acima,
existe o Ogum Xoroquê, uma divindade que durante seis meses (janeiro à junho) é um
Orixá nos outros seis meses (junho à dezembro) se transforma num Escravo. Abaixo, Tia
Preta explica que esta entidade exige uma atenção especial, tanto da mãe-de-santo quanto
E quando ele muda [vira Escravo] o médium dele tem que andar na linha.
Andar na linha, saber onde pisa, fazer o que faz. Eu é que controlo tudo
isso. Aquele [médium] que vem aqui com a mulher loira, ele tem
Xoroquê. Quando for 1º de junho ele passa pra Escravo e eu faço a
comida dele, as coisinhas que ele gosta. Faço tudo isso.
114
Na Umbanda, além dos Exus, existe outra categoria que vem se tornando muito
popular entre os adeptos: o Zé Pilintra. Trata-se de uma entidade que reflete a figura do
nosso cotidiano: o malandro e marginal natural dos morros do Rio de Janeiro. São espíritos
livres, que não trabalham para nenhum Orixá, mas praticam a caridade. Devido a sua
condição, a sua esperteza e a sua habilidade de se adaptar a qualquer situação faz com que
ele ganhe todas as partidas no “jogo da vida”. O ponto cantado abaixo destaca que não se
deve confiar no malandro, pois no jogo dele ninguém ganha. A melodia, o toque e o
“samba cuja ênfase musical recai sobre a melodia, geralmente romântica e sentimental,
contribuindo para amolecer o ritmo, que se torna mais contido.” (Marcondes, 1998: 705)
115
No Centro Umbandista Rei de Bizara, o Zé Pilintra do Morro do Livramento é
muito popular entre os adeptos por ser um bom conselheiro e estar sempre presente nas
116
Negrão (1996a e 1996b) afirma que o Zé Pilintra é ambivalente, ora se
apresenta como um Preto-Velho, ora se apresenta como Exu. Esta ambivalência é possível,
pois dentro das sete linhas da Umbanda, a Linha das Almas é a última no estágio de
Isto está de acordo com a afirmação da Tia Preta de que “quando um Preto-Velho é mau,
atuar como um Escravo, não nega a sua ambivalência, como podemos constatar no ponto
cantado abaixo:
117
Na Umbanda, como já mencionamos, também existe o lado feminino do Exu: a
Abaixo, Prandi (2001: 51) explica como a figura feminina se tornou uma Pombagira, ou
Portanto, a Pombagira possui uma forte ligação com o pecado do sexo. Birman
(1995: 185) relaciona esta entidade com o universo da rua, cuja “figura da pomba-gira
118
geralmente é apresentada como uma “mulher que se perdeu”, gosta de cachaça, e de
seduzir homens em troca de bens e dinheiro”. Da mesma forma, Prandi (1996: 156) as
descreve como mulheres que, em suas vidas terrenas, prezaram pela vida fácil:
responsáveis pelo atendimento aos clientes que, na maioria dos casos, procuram soluções
para os problemas de ordem afetiva e sexual. Prandi (1996: 158-159) confirma que não há
ninguém melhor do que elas para entender deste tipo de assunto, devido a sua experiência
vivida na Terra:
extravagantes geralmente nas cores vermelho e preto, muitas miudezas como brincos,
colares e pulseiras e uma rosa vermelha nos cabelos. Apesar da amizade e fidelidade
dedicada aos seus clientes, a Pombagira causa medo e desconfiança, pois como entidade da
esquerda, não é confiável e pode muitas vezes demonstrar rancor. A cantiga a seguir
119
apresenta uma correspondência entre a letra e a melodia: nos trechos onde a palavra
120
Assim como acontece com os Exus, a mesma regra se aplica às Pombagiras:
elas são singulares e plurais. No Centro Umbandista Rei de Bizara, são encontradas
Padilha, Pombagira Sete Saias, Pombagira Maria Molambo. De acordo com Tia Preta,
todas estas Escravas trabalham para Iansã. Assim como acontece com os Escravos, não
podemos quantificar o número exato de Pombagiras, pois uma médium pode incorporar
mais de uma Escrava além de que existem vários médiuns que incorporam Maria Padilha.
Padilha89:
89
A melodia do ponto Ela é uma Padilha, não possui a nota si bemol, embora seja necessário a sua
indicação na armadura de clave. De acordo com a escrita adotada neste trabalho, o mi e o lá bemol, presentes
na melodia, devem estar representados na armadura seguindo a ordem dos acidentes, que neste caso é si, mi e
lá bemol.
121
Como acontece na Umbanda, de uma forma geral, neste centro o objetivo
dessas entidades é atingir a ascensão espiritual. Este é um princípio kardecista adotado pela
Umbanda, onde todos, sem exceção, têm condições de evoluir por meio da doutrinação. É
o que acontece também com os Escravos, que ficam sob a autoridade da mãe-de-santo.
Esta, por sua vez, aceita alguns comportamentos, mas proíbe os excessos. De acordo com
acordo com a dinâmica do local de culto, como por exemplo a proibição aos Exus de falar
palavrão ou de agredir as pessoas. A mesma coisa acontece neste centro, onde Tia Preta
controla não só os Escravos, mas todas as entidades, inclusive o Caboclo Rei de Bizara
122
que, segundo a mãe-de-santo “era um Caboclo muito brabo, que tomava meio litro de
Segundo Tia Preta, a aprendizagem é adquirida com o tempo e exige muita paciência:
É a dona da casa que manobra eles como eu. Eu vou doutrinando eles.
(...) Eu tenho que pegar, doutrinar, ir devagarzinho... Ensinando como
faz, que não pode beber muito. Eu pego eles [os Escravos]: venha cá!
Não é assim! É assim e tal... Na gira eu fui no quarto de escravo duas
vezes pra chamar atenção do Escravo [na ocasião, a entidade estava
bebendo demais e levantava os braços em direção ao ventilador em
movimento, correndo o risco de machucar o médium]. Eu disse que eu
não queria que ele fizesse mais isso, porque aquilo não era bonito. Que
era pra trabalhar direitinho, com amor. Pra não atender ninguém com mal
criação. E aí eu começo a falar, falar... Quando é a primeira vez e quando
é lá pela sexta doutrina que eu dou neles, oxente! Ele baixa que você não
conhece o que era aquele! Tem gente que até duvida: É o mesmo
Escravo? É sim, é o mesmo!
os Guias de esquerda mais evoluídos. Porém, neste patamar, este é o maior grau de
evolução que se pode chegar, pois não é possível, por meio do desenvolvimento espiritual,
passar para o lado direito. De acordo com Montero (1985: 193), esta limitação se explica
por ser o lado esquerdo fundamental para o equilíbrio do universo religioso umbandista:
123
Os Ciganos, da mesma forma que o Zé Pilintra, são entidades ambivalentes
que pertencem ao lado esquerdo e o direito. Nos centros onde são considerados entidades
da direita, eles pertencem à linha do oriente (Cf. p. 56) por se tratar de um povo de origem
indiana. Apesar de serem Escravas, as Ciganas não são mensageiras dos Orixás, por
fazerem parte de um povo que não pertence a nenhuma nação. Na Terra, sobreviviam
“lendo” a vida das pessoas na mão e jogando cartas. São mulheres alegres e vaidosas com
seu vestido longo e seu lenço na cabeça característico. Na Umbanda são muito procuradas
por serem boas conselheiras e amigas dos seus clientes conforme sugere o texto do ponto
cantado a seguir:
124
Porém, apesar da Cigana ser considerada uma Escrava mais evoluída que a
Pombagira, ela continua sendo uma entidade da esquerda, que não é digna de confiança,
125
126
Com a exceção da habilidade de prever o futuro, os Ciganos possuem as
Cigano Mariano sempre está presente nas festas exigindo o seu ponto cantado90:
90
A palavra Aruanda presente no texto deste ponto cantado indica a ambivalência desta entidade,
pois, como já mencionamos anteriormente, Aruanda é o local onde moram os Orixás e as entidades da direita
(Cf. Cacciatore, 1988: 53).
127
O trabalho dos Escravos não está restrito as suas presenças nos rituais e no
que muitas vezes acompanham os vivos, causando inúmeros obstáculos na vida deles. No
Candomblé de Egungun localizado na Ilha de Itaparica – Bahia. Tia Preta declara que os
“falam a mesma língua” podendo estabelecer um diálogo, uma aptidão que não está ao
alcance dos Orixás e das demais entidades da direita. Além disso, os Exus ajudam no
desenvolvimento espiritual dos Eguns que, quando submetidos à doutrina, deixam de ser
“perturbados” para se tornarem espíritos de luz, passando até a fazer parte do centro
Teve um [Egum] que foi assim. Ele veio aqui e disse: quero lhe falar!
Quando eu fui ver era um perturbado. Então levei ele lá pra baixo [o
segundo subsolo, andar reservado aos Escravos]. Derrubou aquelas
bebidas todas do quarto de escravo sem ninguém encostar lá, derramou
tudo, acabou tudo. Meu Deus do Céu!
P –E a senhora ficou com medo?
Não, lá dentro [quarto de escravo] não tenho medo de nada. Porque seu
Tomba Morro ta ali. Aí eu chamei seu Tomba Morro. Seu Tomba Morro
128
toma conta desse homem [Egum] que eu não agüento não. Pode deixar
comigo. Ele [Egum] disse que queria comer. Aí eu fiz assim, peguei um
camarão seco, sempre tenho um camarão seco em casa, com cachaça,
com azeite de dendê, aquela farofa e dei a ele pra comer e ele comeu. Ele
comeu parecendo que era um pedaço de doce que ele tava comendo. Eu
levei oito dias doutrinando este homem. Você não me via aqui em cima.
Era lá em baixo direto. Até peguei um colchão e botei no chão pra durmir
lá. E hoje é um espírito de luz, deixou de perturbar a moça.
pela mãe-de-santo, os médiuns e seus respectivos Escravos. Neste ritual são entoados
pontos cantados específicos, como por exemplo a cantiga abaixo que indica o momento em
que o Egum chega no lugar achando que vai controlar tudo e de repente ele é dominado
(amarrado):
129
O ponto Santo Antônio amarra o nego apresenta semelhanças melódicas,
rítmicas e no texto com outra cantiga presente no Ilê Axé Dele Omi (Cf. Garcia, 1996:
136). Em vista disso, na transcrição acima destacamos o intervalo de 4ª justa e 3ª maior (no
toque Congo e o mesmo ritmo no agogô, mas a execução do atabaque é diferente. Estas
indicam uma separação bem definida entre os lados direito e esquerdo. Esta separação se
instrumentos musicais utilizados no andar de cima não são os mesmos tocados nas
130
Por fim, conhecer o espaço físico e outras particularidades do Centro
Umbandista Rei de Bizara nos faz acreditar de que neste local as entidades da direita e da
esquerda são cultuados como se houvesse duas atividades religiosas independentes que se
integram, mas que não se misturam. O destaque dado aos Escravos merece a nossa
atenção, pois o verdadeiro papel destas entidades vai além do que representa o lado
131
4. A Gira de Escravos
acontece todo o primeiro sábado de cada mês91 no Centro Umbandista Rei de Bizara. Este
tipo de ritual voltado exclusivamente aos Exus e Pombagiras não é uma prática comum nos
centros umbandistas. Dentro do universo da Umbanda, de uma forma geral, estas entidades
(afastamento dos Eguns). A natureza controvertida dos Exus e Pombagiras fazem com que
eles sejam evitados em muitos locais de culto, especialmente nos centros de Umbanda de
Mesa Branca. Desta forma, os rituais com as características da Gira de Escravos não é uma
prática comum. Na literatura sobre o assunto não encontramos nenhum registro de centros
91
Conforme mencionamos no terceiro capítulo, nos meses de janeiro, março e novembro o centro
não realiza festas. Neste período acontecem apenas as Sessões de Desenvolvimento aos sábados e as Sessões
de Consultas e Passes nas quartas-feiras).
que realizam este tipo de cerimônia com a regularidade apresentada no Centro Umbandista
Rei de Bizara, embora estes tipos de rituais estejam presentes em alguns centros. Negrão
(1996a) em seus estudos sobre a Umbanda em São Paulo aponta alguns centros que
realizam anualmente suas homenagens aos Exus e Pombagiras. No Centro Umbandista Rei
de Bizara o conceito de que “sem Exu não existe Umbanda” se confirma no texto do
133
De acordo com Tia Preta, a Gira de Escravos é uma exigência do Escravo Tomba
Morro. “Seu Tomba Morro me disse pra fazer uma matança pra ele todo primeiro sábado
fim de preparar a comida deste Escravo. O Xinxim que é oferecido a todos os presentes no
final da festa. Isto comprova que cada centro umbandista é um mundo particular, no
sentido que não está hierarquicamente sujeito nem a uma autoridade maior e centralizadora
nem a regras comuns. Sob o comando de um pai ou mãe-de-santo, que detém a autoridade
moral e espiritual sobre sua casa e sua família-de-santo, acima só se reconhece a própria
autoridade das divindades. Com isso, cada centro possui suas características próprias, vez
que os pais ou mães são os responsáveis pela criação de novos detalhes, de acordo com a
vontade das divindades, havendo, porém, uma estrutura básica comum a todas e uma certa
uniformidade nas crenças e nas práticas rituais. Há, portanto, um limite na variação do que
é aceitável.
africano que chegou à Bahia trazido pelos negros. Atualmente o Xinxim faz parte da
92
No livro Costumes Africanos no Brasil, Manuel Querino (1938: 184) descreve o modo de preparo
do Xinxim:
134
cultura baiana, tornando-se um item importante e típico da culinária local e também uma
referência diante da diversidade dos pratos que compõem a culinária brasileira. No centro,
festa (por volta das 4 horas da manhã), Tia Preta, com a ajuda de alguns médiuns, sacrifica
Tudo dele é separado. O dele é a asa, tudo que tem dentro [os órgãos
internos], as pernas, a gargantinha, o peito. Separado tudo, faço o
tempero direitinho e boto lá nos pés dele [no quarto de escravos].
As outras partes são destinadas para o Xinxim que será oferecido ao público
presente na gira. Na carne são acrescentados outros ingredientes: os temperos (sal, alho,
cebola), azeite de dendê, camarão seco, amendoim e castanhas de caju moídos. Durante a
preparação da comida a mãe-de-santo reza, faz pedidos e canta para o Escravo Tomba
Morro. Os pontos neste contexto são cantados sem o acompanhamento instrumental. Este é
135
Esta prática de oferecer comida para o público no término da festa é uma
influência direta do Candomblé. Não nos referimos somente ao ato de ofertar o público,
mas a todo um conjunto de significados que está por trás disto. A comida é associada à
entidade homenageada, por isso o seu preparo obedece a um ritual, geralmente secreto,
desde a escolha dos ingredientes até o modo de preparo, onde tudo deve estar de acordo
No centro, o Xinxim servido na Gira de Escravos, pode ser feito com a carne
das aves sacrificadas ou com o bofe bovino95. Geralmente, por uma questão financeira,
existe um revezamento: num mês o Xinxim é feito com as aves e no outro com bofe (sendo
esta a mais barata e viável, pois suas peças podem ser compradas não sendo necessária a
matança). Porém, existem ocasiões especiais onde a comida deve ser feita com as aves,
Tem um sábado agora que eu fiz o bofe. No próximo sábado que vai ter
giro eu tenho que fazer a matança de galo porque é o giro de Ogum.
Ogum é que também manobra a casa, é que nos ajuda muito. E também
tem a questão financeira.
94
No Candomblé, a matança é um ritual secreto com acesso apenas das pessoas iniciadas. Os
participantes geralmente devem seguir algumas regras para participar como não ter relações sexuais na
véspera do ritual, tomar banho com ervas para a purificação do corpo, entre outros. Os animais também
passam por alguns procedimentos antes de serem sacrificados. Dependendo da divindade que será
homenageada, os animais sacrificados podem ser galos, bodes, entre outros e assim como na Gira de
Escravos, uma parte do sacrifício é ofertada às entidades e a outra parte é destinada para o preparo da comida
que será servida no final da cerimônia. No Candomblé, a música acompanha todo ritual da matança, no qual
as cantigas são acompanhadas pelo trio de atabaques e o gã (Cf. Garcia, 1996: 57-60).
95
Caracteriza-se geralmente por alguns órgãos internos do boi como o pulmão, coração, fígado, etc.
136
Na afirmação acima, a mãe-de-santo se refere ao primeiro sábado do mês de
Orixá possui uma forte ligação com os Escravos, por isso a matança para a Gira de
“Obrigação”. A gira realizada no Sábado de Aleluia, véspera da Páscoa, marca a volta das
atividades do centro depois da Quaresma, período em que o local não funciona e nenhum
Gira de Escravos:
137
Além do Xinxim, antes da festa é preciso preparar e decorar o espaço sagrado.
encarregam desta função, no qual o salão é enfeitado com balões vermelhos e pretos,
Escravos envolve o empenho da mãe-de-santo e dos médiuns presentes para que todas as
de Escravos, assim como todos os rituais públicos deste centro são realizados no período
da tarde, geralmente das 15:00 até as 18:00 horas. Ao ser questionada a respeito do horário
138
Esta preocupação da mãe-de-santo tem fundamento. O bairro de Brotas é
centro, o som dos atabaques se faz presente somente nos rituais realizados no período da
tarde.
no altar. Em seguida, se dirigem aos dois quartos localizados no segundo subsolo (um para
típica da baiana96, porém, nesta festa os trajes das mulheres são simplificados: blusa, bata
ou camiseta branca com uma saia longa e rodada com anágua, sem o turbante que envolve
a cabeça.
presentes. Antes de se dirigir ao local da festa, o público espera ser chamado no lugar
curimbeira toca o atabaque para “esquentar” o seu couro, assim preparando-o para a festa e
96
De acordo com Câmara Cascudo (2000: 125-126) é uma indumentária tradicional da negra e
mestiça baiana. Segundo o autor, este traje possui a seguinte composição:
uma saia muito rodada, de várias cores combinadas, medindo geralmente cerca de 2 a 4
metros de roda de bainha, usada bufante e armada por uma anágua, ou saia de baixo,
muito engomada; uma bata, isto é, blusa branca comprida e solta (...) usualmente
enfeitada de renda larga, às vezes usada muito frouxa no pescoço e deixada escorregar
de um dos ombros; um pano da Costa, isto é, um comprido manto de algodão listrado,
às vezes atado sobre um dos ombros e preso debaixo do braço oposto (...); um torso ou
turbante de algodão ou seda , atado à volta da cabeça; simples chinelas sem presilhas, de
saltos baixos; muitos colares de coral, búzios ou contas de vidro, às vezes tendo
corrente de metal, usualmente prata; brincos de turqueza, coral, prata ou ouro, e muitos
braceletes de búzios, ferro, cobre ou outro metal.
139
um médium (geralmente uma mulher) faz o ritual da defumação, incensando todas as
defumação é um item obrigatório no culto umbandista e neste centro ele está presente em
negativas. Nas festas das entidades da direita, a defumação é acompanhada por pontos
musical e todas as pessoas presentes são incensadas pela frente e pelas costas.
centro do salão formando duas fileiras paralelas sob a observação da mãe-de-santo que
permanece sentada ao lado dos médiuns, como podemos visualizar na figura a seguir:
97
No segundo subsolo, o quarto de escravo guarda algumas imagens de Exus e Pombagiras
(representações de figuras masculinas e femininas de “forma diabólica”, com chifres, rabo e portando
tridentes) e as oferendas das entidades e as bebidas alcoólicas que são servidas nas festas. O quarto 1 é um
140
A Gira de Escravos se inicia quando a porta do quarto de escravo é aberta e a
médium puxa o ponto Agradeço (Cf. transcrição p. 97) e em seguida outros pontos de
abertura são cantados. Enquanto o público canta, todos os médiuns, um a um, entram no
quarto de escravo para saudar as imagens dos Exus e Pombagiras. Os médiuns se retiram
do cômodo (um de cada vez) andando de costas, para não ficar de costas para as imagens, e
Exus são incorporados, acontecendo sempre durante a execução das cantigas. Nos
cômodo para a troca de roupa das mulheres (médiuns) e neste espaço se encontra um armário para a
acomodação das roupas das médiuns e as cadeiras para a assistência são guardadas neste cômodo. O quarto 2
é um cômodo para a troca de roupa dos homens (médiuns). A cozinha onde é preparado o Xinxim fica no
terceiro subsolo e o acesso pode ser visto na parte de cima da figura.
98
De acordo com Fonseca Júnior (1995), Agô Babá são dois termos de origem iorubá. Agô significa
“pedir licença” e Babá se refere ao “pai ou ancestral”. Conforme já dito anteriormente, na Umbanda, Babá
também é uma das denominações dadas ao pai ou mãe-de-santo (Cf. p. 45).
141
intervalos entre um ponto cantado e outro, os Exus se apresentam, um de cada vez,
cumprimentando todos os presentes dizendo Boa Noite três vezes e o público responde três
vezes com a mesma frase. Após esse diálogo o Exu se identifica falando o seu nome e o
ligação entre os homens e as entidades, no qual o som destes instrumentos chega até a
instrumentos musicais são considerados como membros do culto e não apenas como
objetos, por isso eles devem ser respeitados e saudados pelas entidades e, nas festas da
para a dona da casa, a mãe-de-santo, ajoelhando-se na sua frente e beijando sua mão.
cumprimentam os médiuns e o público, um de cada vez, a seu modo. Uns abraçam, outros
entrelaçam seus braços com os braços das pessoas, outros fazem o sinal da cruz, outros
seguram os ombros das pessoas e dão baforadas com o cigarro ou charuto. Cada Escravo
possui uma personalidade própria que pode ser observada por estes e outros gestos que os
142
diferenciam um do outro. Durante a festa, os Escravos se concentram no centro do salão,
significados. Na Gira de Escravos, caracterizam-se como elementos que fazem parte dos
enquanto a entidade estiver manifestada. De acordo com a visão êmica, os médiuns não se
daqueles que estão sendo atendidos. No depoimento abaixo, Tia Preta fala sobre as
palmas. Os médiuns, posicionados em duas fileiras paralelas (Cf. figura p. 141), dançam
sem sair do lugar, reproduzindo movimentos que, de uma forma geral, acompanham os
textos das cantigas. Este é o caso dos pontos cantados Santo Antônio amarra o nego, Santo
Antônio pequenino e Ela é bonita (Cf. transcrições respectivamente nas pp. 129, 106 e
Santo Antônio pequenino, quando a palavra “rodea” é entoada, os médiuns giram com o
143
objetivo de chamar as entidades. E no ponto Ela é bonita, o texto, em alguns trechos,
estimula o giro das médiuns que recebem as Pombagiras. Na Gira de Escravos, a dança
também está relacionada às características individuais dos Escravos, onde cada entidade,
quando manifestada, realiza uma “coreografia” própria como, por exemplo, o ato de
levantar a taça ou o copo de bebida e a movimentação pelo salão feita de um lado para o
outro. Além disso, a dança também pode assumir uma função exclusivamente lúdica, como
homens quanto nas mulheres. Quando incorporados por eles, os médiuns, de uma forma
geral, ficam com o corpo levemente curvado para frente, com os braços encostados nas
tensa, com a testa franzida e a voz fica rouca, até mesmo quando a entidade se manifesta
numa mulher. A médium quando está manifestada por um Exu, imediatamente solta os
cabelos, quando estão amarrados, e retira todos os objetos que podem indicar sua
quanto os homens, são auxiliados pelo cambono ou por outro médium não manifestado que
esteja mais próximo. Eles protegem seus colegas evitando que se machuquem com os
Na Gira de Escravos, na medida em que os Exus vão chegando, eles vão sendo
homenageados através do canto dos seus pontos cantados individuais ou sendo citados nos
pontos coletivos como, por exemplo, a cantiga transcrita abaixo. Nela, a expressão Mojubá
nos acha atenção pelos seus diferentes significados. Cacciatore (1988: 175) nos diz que
este é o nome dado ao Exu na língua iorubá, no qual “mojú” significa viver à noite e “ba”
144
significa armar emboscadas. Para Vogel (2001), Mojubá é uma “louvação endereçada aos
ancestrais ilustres, forças da natureza e aos próprios òrìsà, durante os ofícios litúrgicos”.
145
Depois da chegada e da apresentação dos Exus, é aberto um espaço da gira
para a chegada das Pombagiras. Neste momento, são puxados pontos de chamada das
dirigem ao outro quarto para colocar a roupa que caracterizam as Escravas que incorporam,
especialmente aquelas que recebem Ciganas. As roupas brancas dão lugar aos vestidos de
festa vermelhos, rosas de mesma cor nos cabelos, maquiagem (sombras, batom), pulseiras,
colares e brincos dourados. Durante a pesquisa, aconteceu apenas uma vez o fato de um
146
As Escravas, quando chegam na gira, realizam o mesmo procedimento dos
alegre e desinibido de ser, acabam contribuindo para a animação da festa. Elas andam com
a postura ereta, exibindo sua sensualidade, tomam champanhe em taças, fumam cigarros e
soltam suas gargalhadas que se destacam no ambiente. Da mesma forma como acontece
com os Exus, as Pombagiras também são homenageadas com seus pontos cantados
Escravos é menor do que o número de Exus. Muitas médiuns “recebem” Exus ao invés de
Pombagiras e, é pouco comum os médiuns homens receberem esta entidade feminina, fato
que, durante o trabalho de campo, aconteceu apenas uma única vez como já mencionamos.
responder aos questionamentos das pessoas. Alguns são falantes, outros dizem apenas o
necessário, uns dão conselhos e outros recomendam a realização de algumas tarefas como
acender velas de determinadas cores nas igrejas ou fazer orações para o anjo da guarda.
acontece de forma muito próxima. A confiança depositada nos Exus e nas Pombagiras faz
com que as pessoas compartilhem com eles seus segredos, angústias e aspirações. Entre os
freqüentadores desta festa, há um pensamento de que os Escravos são entidades com quem
se pode contar em qualquer situação. De uma forma geral, as Pombagiras são mais
147
especialmente as Pombagiras, como forma de agradecimento pelos pedidos alcançados.
Também foi observado que alguns Exus e Pombagiras possuem mais popularidade, sendo
Gira de Escravos ou aqueles que possuem pouco tempo no centro são orientados a apenas
centro para aprender a doutrina umbandista e as regras do centro. Quando são vistos
148
atendimento ao público, na participação de todos cantando os pontos, na quantidade de
A Gira de Escravos é um evento único que não se repete. Embora exista uma
estrutura fixa que se reproduz em todas as edições da festa, ela pode variar muito nos
detalhes, a depender dos médiuns presentes e dos Escravos que eles trazem, do
público.
com que alguns Escravos sejam especialmente festejados pelo público quando
(Pombagira Cigana e Cigano Mariano) e o Tomba Morro. Este último, com o seu caráter
festivo puxa seus pontos de sotaque e brinda com o público. Sua autoridade como um dos
público pede sua proteção cantando o ponto cantado abaixo. Esta cantiga apresenta, no 5º,
149
A presença do Tomba Morro na Gira de Escravos acontece geralmente antes
do fim da festa. É este momento que a assistência é servida pelo cambono, que sai de
dentro do quarto de escravo carregando bandejas com copos cheios de vinho. Antes das
ponto de subida cantado na festa, que se prolonga até a saída de todos os Escravos:
150
Muitas vezes o canto é interrompido pelas mensagens que alguns Escravos
fazem questão de anunciar em voz alta, dirigindo-se a todos os presentes. São mensagens
algumas frases como: “Que o Pai Oxalá esteja sempre com vocês!” “Que a paz esteja com
todos vocês!”
dadas, rezam um Pai-Nosso que é dedicado a todas as pessoas presentes e as que estão
encerrada. Vale a pena lembrar que o canto na primeira parte deste hino exige um
posicionamento especifico: a pessoa deve estar de pé, com a postura ereta e com a mão
151
direita encostada no peito na altura do coração, em sinal de respeito e reverência a Oxalá.
51).
detalhes que mais chamaram atenção na gira. É comum encontrar pessoas que assistiram a
festa pela primeira vez e também praticantes assíduos, que participam de todas as
trabalham num sistema de revezamento para que todos sejam servidos: uns preparam as
por apenas três toques: Congo, Barravento e Samba. Estes toques obedecem a uma
estrutura rítmica que se organiza em ciclos formados por um número de pulsos fixos que se
repetem variadas vezes. Os instrumentos tocam frases rítmicas distintas que, quando
152
Candomblé. Porém, a execução acontece de forma distinta, começando pela quantidade
Candomblé, o conjunto é ampliado para três atabaques e um agogô, além do que é comum
encontrar instrumentos complementares como o caxixi, o adjá, entre outros (Cf. Garcia,
2001a: 71-85 e 1996: 81-85; Lühning, 1990: 115 e Vatin, 2001: 9).
Nketia (1974: 126) para a duração do tempo total onde dentro dele se relacionam os
pulsos para os toques Congo e Samba e 12 pulsos para o toque Barravento. O agogô é o
instrumento que executa a linha guia, um padrão rítmico regular que é repetido como um
ostinato. Designado como time line por Nketia (1974: 131), o ritmo do agogô serve de
para aquele que ainda não tem o domínio do instrumento. Ainda segundo ela, os que já
sabem tocar o ritmo o fazem sem precisar se guiar pelo Gã. Continuando, a curimbeira
100
Depoimento dado pela curimeira durante um encontro realizado em 05/05/2006. Neste encontro,
nos foi passado uma noção geral dos toques para que fosse realizada a transcrição dos mesmos.
153
Centro Umbandista Rei de Bizara (rum e rumpi nas festas da direita e o rum na Gira de
Escravos) executam a mesma frase rítmica. Desta forma, na execução instrumental de cada
toque, existem apenas dois padrões rítmicos diferentes que se complementam: a linha guia
O agogô, nestes toques, é tocado nas duas campânulas produzindo dois sons
distintos (um som grave na campânula maior e no menor mais agudo), acentuando o ritmo
Sob o ponto de vista êmico, esta variação no toque do agogô está relacionado com o estilo
e as preferências sonoras do executante que, neste caso, acredita que o ponto fica “mais
executantes. O toque com as mãos é uma influência direta do Candomblé Angola, pois esta
é uma característica que a distingue das demais nações desta religião que utilizam os
aguidavis (baquetas) junto com o toque das mãos para executar os atabaques
dois instrumentos, existe um padrão que é ensinado e aqui este está sendo utilizado na
curimbeira que nos ensinou as frases rítmicas do atabaque e as linhas guias do gã. Além da
transcrição, esta prática nos propiciou o contato direto com a visão êmica de alguns
154
aspectos como o processo de aprendizagem musical, do papel dos executantes e a sua
2001: 12). Mas, no centro, os padrões rítmicos desses toques são executados
diferentemente do Candomblé.
De acordo com Cacciatore (1988: 92), Congo é uma região da África, próximo
à Angola, no qual atravessa um grande rio de mesmo nome. Congo também se refere ao
língua banta quicongo e à nação de Candomblé. Este toque é baseado num ciclo de 16
Angola (Cf. Garcia, 2001a: 86 e 1996: 101). Dentro do ciclo, o agogô apresenta cinco
Congo
antecede o transe. No centro, este toque possui o padrão rítmico de 12 pulsos que
Risada e Xô Tomba Morro respectivamente nas pp. 165, 138 e 193). Esta combinação de
155
Barravento
toque de mesmo nome no Candomblé de Caboclo (este usando somente uma campânula do
aquelas provenientes do Samba de Roda (Cf. Garcia, 2001a: 128 e 1996: 103). Da mesma
Samba
que, neste toque, o agogô pode também executar a seguinte linha guia:
156
De acordo com as gravações, esta linha guia do agogô acompanha os seguintes
pontos cantados: A mulher de Itaparica, Ela é uma Padilha, Ele já chegou, Eu queria
saber e Mulher de pouca roupa (Cf. faixas do CD e transcrições respectivamente nas pp.
apresenta variação, onde a mesma pulsação deve ser mantida do início ao fim da execução
andamentos das cantigas acompanhadas pelos toques Congo e Samba variam entre q = 88 e
Na Gira de Escravos, com a exceção do ponto Venha cá meu velho que não
três são acompanhados pelo Barravento, 15 são acompanhados pelo Congo e 20 são
157
Toques Pontos Cantados
Pintinho
BARRAVENTO Risada
Xô Tomba Morro
Abre a porteira Exu
Agradeço
Capa
Cigana
Encruzilhada já lhe chama
Exu Caveira
Exu da meia noite
CONGO
Exu Veludo
Hino da Umbanda
Mariano
Morador
O sino da igrejinha
Porteira
Santo Antônio amarre o nego
Tomba Morro da encruzilhada
Abrindo a boca
A mulher de Itaparica
Beiramar
Doce é
Ela é bonita
Ela é uma Padilha
Ele já chegou
Eu queria saber
Eu te avisei
SAMBA Exu de duas cabeças
Exu Laroê Exu
Labareda
Massapê
Mulher de pouca roupa
Panela sem fundo
Pombagira que tá que tá
Santo Antônio pequenino
O Moinho da Bahia
O Zé
Zé Pilintra.
toque Samba no repertório executado na Gira de Escravos. Talvez este fato possa ser
também é um toque mais presente no culto ao Caboclo: Garcia (1996: 106) aponta que no
Candomblé de Caboclo este toque é “possivelmente seu aspecto mais brasileiro”, pois,
158
como vimos anteriormente, neste culto o Samba acompanha exclusivamente as cantigas
Umbandista Rei de Bizara, este toque está presente em outras cerimônias, portanto,
acompanha não apenas pontos cantados de Exus e Pombagiras. Aliás, os três toques
pulsos) se fez presente acompanhando um ponto cantado para Oxum. A respeito deste
toque, a curimbeira responsável pelo atabaque nos informou que raramente ele se faz
ritmos executados pelos atabaques são distintos. Continuando, Garcia (1996: 111) afirma
que, no Candomblé, o Ijexá “geralmente é um ritmo para a dança, e foi levado para fora do
culto através dos grupos de afoxés que o introduziram no Carnaval, tendo conquistado ali
seguinte forma:
Ijexá
159
instrumentos melódicos. No nosso caso, a aprendizagem e a observação do atabaque
Continuando (2001a: 75), a autora nos mostra a forma como os tambores são
Nketia (1974: 87-89) em seu The Music of Africa, aponta que a altura é um
das mãos e baquetas) e na performance dos tambores. Além disso, o autor destaca que os
instrumento são reguladas apertando ou soltando o couro até se obter o som desejado.
160
Outra preocupação da executante está em “esquentar o couro”, pois se acredita que o som
e o ritmo que desejava nos ensinar. Neste período percebemos diferentes alturas apenas no
sonoras se ampliam na medida em que diferentes posições de mão são utilizadas como a
forma de concha, o toque com a palma e com as pontas dos dedos. Sem dúvida, existe um
conceito musical101 por trás desta prática sonora, embora seja difícil de ser verbalizada
pelas curimbeiras e que necessitaria de mais tempo de pesquisa para ser descrita e
explicada.
cantados, isto acontece na maioria das vezes depois da introdução da cantiga pelo puxador.
De acordo com as curimbeiras, a entrada ocorre desta forma porque o ritmo das palavras
cantadas pelo solista determina o toque que acompanha o ponto, por isso, se faz necessário
ouvir o trecho para depois entrar com o acompanhamento. Neste caso, necessitaríamos de
mais tempo de pesquisa para apontar uma relação entre o ritmo do texto e o toque. No
entanto, o ponto Capa (Cf. transcrição p. 150) apresenta uma correspondência entre os
ritmos da melodia com os rítmos da linha guia do agogô. Em uma ocasião, perguntamos à
curimbeira sobre o que acontece quando um ponto é acompanhado por um toque diferente
do “ideal”, e ela nos respondeu que, com o toque errado, o ponto não “fica bonito” e nem
atinge o seu objetivo. Em seguida, fizemos uma demonstração onde cantamos um ponto
acompanhado por um toque não apropriado e o resultado foi um desequilíbrio entre o canto
e os instrumentos de tal forma que não foi possível executar a cantiga integralmente. Em
101
Conceito musical se refere a uma sistemática musical implícita.
161
vista disso, o princípio de que o ritmo das palavras determina o toque do ponto cantado
aponta para a existência de uma relação entre toque e ritmo da melodia, mesmo ela não
A Umbanda não possui uma teoria escrita sobre sua música, mas isto não quer
dizer que ela não exista. De acordo com Nettl (1998: 171-180), um dos caminhos para
pessoas pensam a sua música ou quais as suas idéias sobre a música que fazem. Para o
autor (Cf. 1998: 172), estes dois conceitos se relacionam com a estrutura musical, o
comportamento musical e os valores centrais da cultura. Para Nettl (1998: 179), “as formas
como uma sociedade pensa sobre o conceito de música, sobre música na cultura, sobre os
músicos, pode determinar muito sobre a forma em que os músicos dessa sociedade pensam
outros. No Centro Umbandista Rei de Bizara os pontos cantados estão presentes em quase
102
“the ways in which a society thinks about the concept of music, about music in culture, about
musicians, may determine much about the way in which the musicians of that society think their music”.
162
todos os rituais, são cantados em português e podem ou não ser acompanhadas por
instrumentos.
Considerando que os pontos cantados são trazidos e ensinados pelas próprias entidades, o
número de cantigas tende a aumentar, pois neste centro há sempre um movimento contínuo
Gira de Escravos freqüentemente aparecem novos pontos cantados, tendo em vista que os
exercem neste ritual. Com exceção dos pontos individuais e coletivos dos Exus e
Pombagiras que serão homenageados. Estes pontos preparam as pessoas para o ritual, por
isso a médium104 que puxa estas cantigas deve estimular a participação do público. A
abertura muitas vezes determina a energia da festa: se os pontos são cantados com
palavra Laroiê (no canto se pronuncia Laroê), se refere a uma saudação ao Exu na língua
iorubá (Cf. Cacciatore 1988: 159) e um termo do Candomblé que aqui foi adotado pela
103
Neste caso, a palavra “função” não se refere ao mesmo termo usado por Merriam (1964: 210-
227) para distingüi-lo do conceito de “uso”. Aqui tratamos “função” como o papel da música no ritual, no
sentido do momento em que o ponto é cantado.
104
Conforme mencionamos no capítulo anterior, o Centro Umbandista Rei de Bizara possui uma
médium encarregada de puxar os pontos cantados para manter a ordem e o bom desenvolvimento dos rituais.
163
Umbanda. Esta saudação acompanha uma melodia curta que se repete numa espécie de
ostinato:
entidades, convidando-as para a festa. O ponto cantado abaixo é utilizado para “chamar” o
Exu Pintinho mas, no contexto da Gira de Escravos, é utilizado também para atrair os
demais Escravos:
164
Pontos individuais dos Exus e Pombagiras – São cantigas de caráter individual,
no qual cada entidade possui o seu ponto cantado que retrata sua personalidade,
estampados nos diversos elementos das cantigas como o texto, a melodia, o ritmo, entre
outros. Na gira, as próprias entidades puxam as suas cantigas para se identificar, mas
algumas vezes os membros do centro (médiuns e curimbeiras) cantam estes pontos para
homenagear os Escravos no momento que eles chegam à festa. O ponto a seguir retrata Exu
Labareda que, como o seu nome já denota, possui uma forte energia facilmente comparada
ao calor do fogo. Seu caráter forte e agitado está estampado nesta cantiga de andamento
rápido com notas curtas e no ritmo do samba. Nas giras, mesmo quando o Exu Labareda
não está presente, este ponto costuma ser puxado no ponto alto da festa, quando muitos
Escravos estão festejando num ambiente de forte interação com o público. Neste sentido,
165
dependendo do contexto, o ponto cantado abaixo105 pode ser utilizado para diferentes
finalidades.
Pontos coletivos dos Exus e Pombagiras – São cantigas que fazem referência a
todos os Exus e Pombagiras. Geralmente os Escravos podem ser citados nominalmente nos
aspectos gerais como a sua morada (encruzilhadas, cemitérios, ruas) e/ou o seu horário de
do início ao fim da cantiga, fato que pode ocorrer com os demais Exus. Porém,
105
A melodia do ponto Labareda não possui as notas fá e sol sustenidos, embora sejam necessárias
as suas indicações na armadura de clave. De acordo com a escrita adotada neste trabalho, as notas dó, ré e lá
sustenidos, presentes na melodia, devem estar representados na armadura seguindo a ordem dos acidentes,
que neste caso é fá, dó, sol, ré e lá sustenidos.
166
dentro de uma mesma execução, onde a quantidade de entidades citadas vai depender da
duração do ponto e dos Escravos que estão manifestados. Partindo das 39 cantigas
coletadas, encontramos esta característica nos seguintes pontos cantados: Abre a porteira
Exu, Exu da meia noite, O sino da igrejinha, Porteira, e Santo Antônio Pequenino (Cf.
transcrições respectivamente nas pp. 146, 133, 114, 145 e 106). Em todos os casos ocorrem
pequenas variações melódicas, rítmicas e de acentuação para que o nome da entidade possa
manifestados com o intuito de chamar a atenção do público para que possam ouvir suas
entidades “puxam os sotaques” para mandar uma mensagem relacionada a algo que os
de Caboclo (Cf. Garcia, 2004: 1-14; 2001a: 131 e 1996: 126), no Centro Umbandista Rei
de Bizara acredita-se que estas cantigas são puxadas na hora, mas no período desta
uma forte participação do público que respondia animadamente aos seus pontos, mandou
167
um sotaque carinhoso aos presentes antes de se despedir. A partir de então não ouvimos
mais esta cantiga em nenhuma outra ocasião. Conversando com a Tia Preta e com outros
membros do centro sobre este “sotaque”, eles afirmaram não conhecer esta cantiga nem se
Com exceção deste caso registrado, verificamos que o “sotaque” faz parte do
repertório da Gira de Escravos e desta forma o mesmo um ponto se faz presente em várias
contexto e por isso não tem um momento exato de serem cantadas durante a festa.
nestas cantigas, a atenção está mais voltada para o texto. Merriam (1964: 193) afirma que,
idéias e conteúdos que não podem ser manifestados de outra forma. Na Gira de Escravos,
os pontos de sotaque têm esta função e também representam um veículo para as entidades
atenção.
168
Tomba Morro quando está presente na gira e vê que alguém está infringindo as
regras do local, costuma cantar dois pontos de sotaque. O primeiro ponto transcrito abaixo
chama a atenção das mulheres que estão vestidas com a roupa decotada (vestimenta não
aceita pelas normas de conduta do centro – Cf. anexo p. 218). O segundo ponto chama a
atenção das pessoas e principalmente dos Exus novatos que estão bebendo demais (bebida
alcoólica). Este é um comportamento particularmente não aceito por Tomba Morro e pela
106
A melodia do ponto Mulher de pouca roupa não possui a nota mi bemol, embora seja necessário
a sua indicação na armadura de clave. De acordo com a escrita adotada neste trabalho, as notas si, lá e ré
bemóis, presentes na melodia, devem estar representados na armadura seguindo a ordem dos acidentes, que
neste caso é si, mi, lá e ré bemóis. O mesmo acontece com o ponto A mulher de Itaparica, que não possui o
dó sustenido. A sua indicação na armadura de clave se justifica pelas notas fá e sol sustenidos presentes na
melodia.
169
Zé Pilintra do Morro do Livramento é um Exu muito extrovertido e se sente
muito à vontade na Gira de Escravos. Quando chega, gosta de tomar conta do ambiente, se
tornando assim o centro das atenções. Este é um dos pontos de sotaque entoado por ele
170
Na Gira de Escravos, verificamos que os pontos de sotaque coletados são
puxados pelos Exus, com exceção do ponto Panela sem fundo que é entoado pela médium
encarregada pelas cantigas no momento em que há uma intensa atividade dos Escravos e
do público na festa (Cf. transcrição p. 149). No período desta pesquisa não encontramos
nenhum ponto de sotaque das Ciganas e Pombagiras. Dentro dos pontos cantados
relação àqueles que se referem aos Escravos. Dos 39 pontos coletados, cinco cantigas se
Eu queria saber e Pombagira que tá que tá (Cf. transcrições respectivamente nas pp. 126,
122, 120, 124 e 100). São 22 cantigas que se referem especificamente aos Escravos:
Agradeço, Beiramar, Capa, Ele já chegou, Eu te avisei, Exu Caveira, Exu da meia noite,
Exu de Duas Cabeças, Exu Laroê Exu, Exu Veludo, Labareda, Mariano, Morador, O sino
respectivamente nas pp. 97, 111, 150, 101, 115, 113, 133, 64, 164, 112, 166, 127, 110, 114,
116, 165, 145, 106, 167, 136, 193 e 118). E três cantigas se referem, ao mesmo tempo, aos
lados masculino e feminino: Abre a porteira Exu, Encruzilhada já lhe chama, e Risada
(Cf. transcrições respectivamente nas pp. 146, 151 e 138). As demais cantigas são os
pontos de sotaque (Cf. quadro p. 176), o Hino da Umbanda, o tema de Samba de Roda O
171
Moinho da Bahia e o ponto Santo Antônio amarra o nego (Cf, transcrições
respectivamente nas pp. 51, 174 e 129) utilizado nas Sessões de Limpeza e Doutrinação
(Cf. Garcia; 2004: 9-17; 2001a: 131-133; 1996: 77) e em diversos contextos não religiosos
como a música e a poesia praticada pelos Repentistas. Esta manifestação que conhecemos
como Cantoria, se baseia na música improvisada onde, da mesma forma como acontece
das divindades da festa: o ponto Encruzilhada já lhe chama (Cf. transcrição p. 151). Nesta
otimismo: “que o Pai Oxalá esteja sempre com vocês!”, ou simplesmente acenando com as
que possui passos (dança) e formas melódicas próprias. O conjunto musical geralmente é
172
formado pelo “pandeiro, atabaque, berimbau, viola e chocalho, acompanhado por canto e
palmas, e está associado a datas festivas do Candomblé” (Cf. UNESCO, 1995). A dança é
realizada numa roda onde o solista canta e dança no meio da roda e o coro o acompanha
componente da roda para tomar o seu lugar através da umbigada107 e assim sucessivamente
permanecendo durante horas. Alguns autores afirmam que o Samba de Roda faz parte da
origem do samba carioca (Cf. Câmara Cascudo, 2000: 799; Cantarino, 2006: 9 e
batendo palmas. Aqui, o Samba de Roda não é um item obrigatório, sendo assim, pode se
fazer presente ou não nas festas. Durante a pesquisa, observamos em algumas Giras de
107
Câmara Cascudo (2000: 891- 893) define a umbigada como uma “pancada com o umbigo nas
danças de roda, como um convite intimatório para substituir o dançarino solista [bater com a barriga na
barriga do outro da roda]. Continuando, o autor afirma que a umbigada chegou ao Brasil trazido pelos negros
bantos.
108
Há um consenso entre os autores de que a raiz do samba carioca está no Samba de Roda que foi
levado para o Rio de Janeiro pelos baianos, entre eles destaca-se Tia Ciata, uma mãe-de-santo que organizava
reuniões com sambistas em sua casa. O Samba “Pelo Telefone” do compositor Ernesto dos Santos (Donga) é
considerado a primeira música do gênero impressa e gravada (fato ocorrido em 1916).
109
UNESCO é a sigla de United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization.
110
Esta informação pode ser localizada no sítio <http://www.unesco.org.br/noticias/ultimas/sambade
roda/noticias_view>.
173
Escravos a execução de dois temas do Samba de Roda (O Moinho da Bahia e Piaba111)
cantados em seqüência:
111
Durante uma conversa informal, o médium responsável pela compilação do conteúdo ministrado
no centro nos informou que, neste samba, Piaba se refere ao solista que está no centro da roda. Neste sentido,
o trecho da letra que diz: Sai, sai, sai, oh Piaba/ Saia da lagoa, significa que o solista deve sair do centro da
roda para dar lugar à outra pessoa. Além da Gira de Escravos, este samba pode ser ouvido na cerimônia da
Ibejada (Cosme e Damião), uma festa do Centro Umbandista Rei de Bizara dedicada às entidades das
Crianças.
174
De acordo com Vianna (2006), O Moinho da Bahia é um tema tradicional de
nos informou, em uma conversa informal, que este tema foi criado a partir de um incêndio
que aconteceu num Engenho de Farinha chamado Moinho da Bahia, localizado no Bairro
Música Popular Brasileira (MPB). A versão do médium, de certa forma, se confirma numa
canção gravada por Gilberto Gil, em 1966, chamada Água de Meninos. Nesta música, o
Além disso, o que nos chama atenção nesta canção é o refrão que apresenta, salvo algumas
refrão abaixo com o tema presente na gira, constatamos semelhanças no texto, na melodia
e no ritmo. Quanto ao texto, o refrão abaixo difere ao acrescentar a frase abre a roda pra
175
A utilização de músicas da tradição oral pela música popular é um fato comum.
Neste caso a mesma cantiga é compartilhada e adaptada para ser utilizada em diferentes
Candomblé de Caboclo. Neste caso ele está presente numa categoria que abriga uma série
características:
Incluímos o Samba de Roda nas categorias dos pontos cantados por estar
presente na Gira de Escravos. Acreditamos que esta presença pode ser interpretada como
contexto local. Da mesma forma, Teixeira Jr. (2004: 433-444) aponta uma adaptação
176
Esta classificação foi estabelecida a partir do contexto do ritual em que estas cantigas
foram executadas:
Agradeço Congo
Pontos de abertura Exu Laroê Exu Samba
O sino da igrejinha Congo
Abre a porteira Exu Congo
Ele já chegou Samba
Pontos de chamada Exu da meia noite Congo
Pintinho Barravento
Santo Antônio pequenino Samba
Beiramar Samba
Capa Congo
Cigana Congo
Ela é uma Padilha Samba
Eu queria saber Samba
Eu te avisei Samba
Pontos individuais de Exus Exu Caveira Congo
e Pombagiras Exu Veludo Congo
Labareda Samba
Mariano Congo
Morador Congo
Ô Zé Samba
Venha cá meu velho -
Zé Pilintra Samba
Ela é bonita Samba
Exu de Duas Cabeças Samba
Pombagira que tá que tá Samba
Pontos coletivos de Exus Porteira Congo
e Pombagiras Risada Barravento
Santo Antônio amarra o nego Congo
Tomba Morro da encruzilhada Congo
Xô Tomba Morro Barravento
Abrindo a boca Samba
A mulher de Itaparica Samba
Pontos de Sotaque Doce é Samba
Massapê Samba
Mulher de pouca roupa Samba
Panela sem fundo Samba
Pontos de Subida Encruzilhada já lhe chama Congo
Pontos de Encerramento Hino da Umbanda Congo
Samba de Roda O Moinho da Bahia Samba
cantados destacamos um equilíbrio entre os toques Congo e Samba nas categorias em que
177
eles aparecem juntos. O toque Congo acompanha cantigas “chaves” do encaminhamento
da Gira de Escravos como o ponto Agradeço (Cf. transcrição p. 97) que abre a cerimônia,
Umbanda (Cf. transcrição p. 51) que encerra não só a gira, mas todos os rituais realizados
no Centro Umbandista Rei de Bizara. E, por fim, destacamos que o toque Samba
Pombagiras no contexto da Gira de Escravos. Trata-se de um ritual que faz parte de uma
religião brasileira, que envolve entidades brasileiras e, como não poderia deixar de ser, os
pontos são cantados em português. Acreditamos que a apreciação dos textos das cantigas é
um dos caminhos para o entendimento desta música e das entidades envolvidas. Os textos
abordam os mais variados assuntos, como a história das entidades, a descrição de suas
contidas nos textos contêm informações que não são possíveis de se obter em outro
contexto. Neste sentido, acreditamos que a música não está sendo esquecida quando
178
Textos, naturalmente, são comportamento lingüístico mais do que sons
musicais, mas eles são uma parte integrante da música e há claro indício
de que a linguagem usada em conexão com a música difere da do
discurso usual (tradução pessoal)112.
esquerda, Nascimento; Souza e Trindade (2001: 107-113) analisaram 221 letras de pontos
categorias de cantigas. Analisando estas categorias, encontramos uma estreita relação com
categorias apontadas por Nascimento; Souza e Trindade (2001: 109) com as cantigas que
compõem este trabalho, com exceção do Hino da Umbanda e O Moinho da Bahia por não
estarem relacionados diretamente aos Escravos. Abaixo, estão as oito categorias apontadas
entidades ou os poderes que possuem. Exemplo: Abre a porteira Exu, Eu queria saber,
entidade. Exemplo: Beiramar, Exu Caveira, Exu Laroê Exu, Labareda e Pombagira que tá
que tá (Cf. transcrições respectivamente nas pp. 111, 113, 164, 166 e 100).
112
“Texts, of course, are language behavior rather than music sound, but they are an integral part of
music and there is clear-cut evidence that the language used in connection with music differs from that of
ordinary discourse.”
179
Relação hierárquica: pontos onde são citadas outras entidades (Orixás/Santos
Católicos) associadas ao Exu indicando, de certa forma, uma relação diferencial de poder
ou hierarquia. Exemplo: Ela é uma Padilha, Exu de Duas Cabeças, O sino da igrejinha,
Cigana, Exu de Duas Cabeças, Risada e Zé Pilintra (Cf. transcrições respectivamente nas
Proteção: pontos que revelam o caráter protetor das entidades: Exemplo: Capa,
e Venha cá meu velho (Cf. transcrições respectivamente nas pp. 150 e 136).
Advertência: pontos que advertem quanto aos poderes das entidades sem
específicas das entidades e não os lugares de permanência das entidades (ruas, cemitérios,
encruzilhadas, esquinas, entre outros) exceto se estiverem acompanhados pelo verbo morar
ou seus equivalentes, conforme o exemplo dado por eles (Cf. 2001: 109):
Pomba-Gira, aê, aê
Pomba-Gira é de Maceió
Aonde mora Pomba-Gira
Ela mora no Maceió.
de Escravos, grande parte das cantigas fazem referência aos lugares de permanência das
entidades que, por sua vez, não deixam de ter a conotação de morada, como nos pontos
encruzilhada (Cf. transcrições respectivamente nas pp. 101, 151, 110, 116 e 167).
180
Alguns pontos que compõem o repertório da Gira de Escravos poderiam
exemplificar mais de uma das categorias citadas. Exu de Duas Cabeças poderia se
morada.
em nenhuma das categorias acima. O texto do primeiro ponto (Cf. transcrição p. 97) é um
de sotaque são exemplos de cantigas em que somente os textos não são suficientes para
propósito de chamar a atenção do público para que possam ouvir suas mensagens e/ou
críticas. Por esta razão, nestes casos, é preciso considerar os textos e o contexto em que os
esses pontos cantados são utilizados na Gira de Escravos. Em vista disso, o ponto Pintinho
Xô Tomba Morro (Cf. transcrição p. 193) pode estar relacionado à proteção. Os pontos de
sotaque do Escravo Tomba Morro A mulher de Itaparica e Mulher de pouca roupa (Cf.
Morro do Livramento, Abrindo a boca e Doce é (Cf. transcrições respectivamente nas pp.
Massapê e Panela sem fundo (Cf. transcrições respectivamente na p. 148 e 149) poderiam
caracterizar advertência.
De acordo com Nascimento; Souza e Trindade (2001: 109) a análise dos textos
dos pontos de Exus e Pombagiras indicam que eles representam uma das faces do
181
masculino e do feminino na nossa sociedade. Porém, como ressaltam os autores (Cf. 2001:
referência a ser considerado para ser evitado, do que como um lugar com importância
conta o trabalho desenvolvido pelo Exu na Umbanda, veremos que ele se encaixa nestes
valores, mas sua natureza faz com que isto não aconteça. O Exu, como um ser “anormal, só
pode ser admitido para ele o local das trevas, a noite. É ali que pode expressar seu caráter
condição imposta para a mulher que não se encaixa nos moldes femininos, isto é, aquela
que se encontra no meio familiar como mãe, esposa e filha. A Pombagira é uma entidade
da rua, sem família, mas trabalhadora que não lhe sobrou outro lugar a não ser a
conservar sempre bonita, pois esse é o seu maior bem, a fim de satisfazer o homem.”
composição do universo umbandista. No interior dos centros estas entidades estão sempre
182
4.5. As melodias: possíveis interpretações
A análise apresentada aqui não faz parte do conceito musical nativo, portanto,
as decisões analíticas aqui tomadas a respeito da disposição das alturas, escalas, modos,
âmbito, contorno melódico e formas, não deixam de ser um retrato da visão do pesquisador
sobre a música do “outro”, mesmo correndo o risco da adoção de uma postura etnocêntrica.
Não foi possível construir uma análise que fosse totalmente baseada no vocabulário da
própria comunidade. Desta forma, as decisões tomadas aqui podem ser contestadas, mas
tabelas abaixo permitem uma visualização das disposições e seus tipos, os pontos cantados
1. Tetratônicas
183
2. Pentatônicas
3. Hexatônicas
184
Risada A melodia segue a progressão I-VI, suge-
(Cf. p.138) rindo a tonalidade de Dó M (sem o 7º grau)
ou o Modo Mixolídio. Saltos de 4ªJ e 5ª J.
Zé Pilintra Graus conjuntos e saltos de 4ªJ. A melodia
(Cf. p. 118) segue a progressão I-IV-I, sugerindo a tona-
lidade de Réb M (sem o 4ºgrau).
Arpejos com as notas das tríades de Láb M
2m+2M+2M+3m+2M Beiramar e Mib M. Saltos de 6ª maior, 4ªJ, 5ªJ e 8ªJ.
(Cf. p.111) A melodia sugere a tonalidade de Láb M
(sem o 4ºgrau).
Encruzilhada já lhe Graus conjuntos e saltos de 3ª menor e 4ªJ.
2M+3m+2M+2M+2m chama Na melodia o intervalo de 7ª menor sugere
(Cf. p.151) o Modo Mixolídio (sem o 3º grau).
Venha cá meu velho Graus conjuntos e saltos de 3ª maior e 3ª
3M+2m+2M+2M+2M (Cf. p.136) menor. Sugere a tonalidade de Sol M (sem
o 2º grau).
Morador Graus conjuntos e saltos de 3ª maior, 3ª
2M+3m+2M+2M+2M (Cf. p.110) menor e 4ª J. Sugere a tonalidade de Fá M
(sem o 3º grau).
Santo Antônio amarra o Graus conjuntos e saltos de 3ª maior, e 4ª J.
2M+2M+3m+2M+2M nego Sugere a tonalidade de Fá M (sem o 4º
(Cf. p.129) grau).
4. Heptatônicas
185
Si maior Exu da meia noite A melodia segue a progressão I-IV-V-I. Saltos de
(Cf. p.133) 3ª maior, 3ª menor ,5ªJ, 6ª maior e 7ª menor.
Lá menor Eu queria saber Graus conjuntos e saltos de 3ª menor, 4ªJ, 8ªJ e 9ª
(Cf. p.124) maior.
Mi menor O sino da igrejinha Graus conjuntos e saltos de 4ªJ, 5ªJ e 7ªm.
(Cf. p.114)
que, de uma forma geral, as melodias dos pontos cantados tendem a ser tonais. Das sete
cantigas pentatônicas, três pontos sugerem uma tonalidade e uma sugere uma escala modal.
Nesta categoria, apenas um ponto cantado possui o toque Samba e as demais são
Mixolídio. Três pontos cantados sugerem uma escala tonal sem o 4º grau, um ponto sugere
o mesmo sem o 2º grau e um ponto sem o 3º grau. Entre as hexatônicas, o único caso em
que se sugere apenas a possibilidade da escala modal é o ponto Encruzilhada já lhe chama.
Das cantigas heptatônicas, apenas uma é modal (Ô Zé), o restante é tonal. Das
Se nos deixarmos levar pelo subjetivismo, não seria exagerado supor que a
ocorrência das tonalidades maiores e dos Modos Mixolídio e Dórico poderiam ser uma
melódicas na música nordestina. No entanto, convenhamos que esta suposição não se trata
movimentos ora por graus conjuntos ora por saltos (predominante de terças, quartas e
186
intercaladas com saltos. De uma forma geral, os pontos cantados apresentam percursos
do movimento descendente, onde a nota final é mais grave que a nota inicial. Das 39
descendente entre a nota inicial e a final, 11 cantigas iniciam e finalizam com o mesmo
som e em oito pontos cantados a nota final é mais aguda que a nota inicial. O quadro a
187
Capa
Cigana
Exu Veludo
ASCENDENTE Hino da Umbanda
O Moinho da Bahia
O sino da igrejinha
Panela sem fundo
Santo Antônio amarra o nego
O âmbito dos pontos cantados geralmente se mantém dentro dos limites igual
ou inferior a uma oitava. Das 39 cantigas transcritas, seis apenas ultrapassam a extensão de
uma oitava. O menor âmbito é de quarta justa encontrada em dois pontos cantados
são os intervalos que ultrapassam uma oitava. A tabela abaixo nos traz o detalhamento do
4ª justa Labareda
Mulher de pouca roupa
5ª justa A mulher de Itaparica
Ele já chegou
Tomba Morro da encruzilhada
6ª maior Agradeço
Doce é
Exu Laroê Exu
Exu Veludo
Pintinho
Risada
Santo Antônio amarra o nego
Venha cá meu velho
6ª menor Abre a porteira Exu
Capa
Ela é uma Padilha
Exu Caveira
7ª maior Abrindo a boca
Massapê
188
7ª menor Encruzilhada já lhe chama
Exu de Duas Cabeças
Morador
Ô Zé
Panela sem fundo
Xô Tomba Morro
Zé Pilintra
8ª justa Ela é bonita
Exu da meia noite
Mariano
O Moinho da Bahia
Pombagira que tá que tá
Porteira
Santo Antônio Pequenino
9ª maior Beiramar
Cigana
9ª menor Eu te avisei
10ª menor Eu queria saber
O sino da igrejinha
11ª justa Hino da Umbanda
189
AAB Exu da meia noite
(Possui um trecho melódico A que se repete e uma parte Exu de Duas Cabeças
contrastante B que encerra o ponto cantado.)
AABB Doce é
(Apresenta as mesmas características da forma anterior, o que Ela é uma Padilha
difere é a repetição da parte B.) Ô Zé
AABC
(Possui uma repetição da parte A, uma parte B e uma nova Cigana
melodia C que finaliza o ponto cantado.)
AABBC Capa
(Possui a mesma configuração da forma anterior, o que difere é a O Moinho da Bahia
repetição da parte B)
AABCC
(Apresenta uma melodia A que se repete, uma parte contrastante Eu te avisei
B e uma outra frase melódica C que se repete.)
AABCD
(Possui a mesma configuração da forma anterior, diferenciando-o O sino da Igrejinha
apenas com o acréscimo de uma nova frase melódica D.)
ABBCA
(Apresenta uma melodia A, uma parte contrastante B que se Eu queria saber
repete, uma outra frase melódica C e o retorno da parte A.)
ABCDE Hino da Umbanda
(Apresenta cinco partes diferentes.)
ABCDEE Porteira
(O que o difere da forma anterior é a repetição da parte E no final
do ponto cantado.)
ABCDDEFEFG
(Apresenta uma parte A, uma parte B, uma parte C, uma parte D Ela é bonita
que se repete, um novo material seguido por uma outra frase EF
que se repetem e um outro trecho G que encerra a cantiga.)
participação do público, especialmente aqueles que promovem uma maior interação entre o
assistência, é comum que as frases melódicas cantadas pelo coro sejam simplificadas e, na
maioria dos casos, o coro repete integralmente a melodia entoada pelo solista.
cantigas não se avalia somente pela “afinação” ou “qualidade vocal”, mas também pela
capacidade de fazer o povo cantar. Para isso, de acordo com a visão êmica, o executante
191
precisa ter uma “voz forte” e deve cantar pronunciando o texto de forma clara, já que as
mensagens contidas nos pontos são muito importantes, além de conhecer o maior número
possível de pontos que compõem o repertório e as suas funções dentro dos rituais. Em vista
disso, quanto maior o número de cantigas ele conhecer, melhor será sua performance. No
entanto, entendemos que no Centro Umbandista Rei de Bizara não se avalia um bom
puxador ou puxadora levando em conta somente suas capacidades técnicas, mas sim outras
qualidades estéticas que vão além do conhecimento do sistema musical. Sobre este assunto,
comportamento verbal a respeito da música, isto é, as pessoas falam sobre os mais variados
no Centro Umbandista Rei de Bizara é de que se trata de uma oração que deve ser
compartilhada por todas as pessoas que participam dos rituais. Por isso, este local preza
de como são cantados e aprendidos, podemos afirmar que existe uma variação na execução
da música praticada neste centro umbandista. Nos pontos coletivos de Exus e Pombagiras
este processo criativo pode ser encontrado nos trechos em que aparecem os nomes dos
192
Escravos presentes na gira. Para isso, ocorrem pequenas variações melódicas, rítmicas e de
acentuação para que os nomes dos Exus e Pombagiras possam ser encaixados. No contexto
inovação acontece dentro de um limite que é imposto pelo contexto. No ponto transcrito
abaixo, Tomba Morro pode ser substituído por outros Escravos que, em alguns casos,
193
194
Outra forma de “improvisação” ocorre na execução do ponto Agradeço (Cf.
transcrição p. 97). Nesta cantiga, com exceção do primeiro verso (Giramavambo agradeço
das melodias. Os versos improvisados são acompanhados pelo refrão, que é cantado pelo
público, numa espécie de diálogo entre o solista e o coro. Os solos improvisados se tratam
Segundo Tia Preta, no momento da “improvisação”, aquele que puxa a cantiga pode fazer
“Agradeço pelo pirão que nós comemos/ Agradeço pela minha família/ Agradeço pela
nossa gira.”
são acompanhados pelo toque Barravento (Cf. transcrições respectivamente nas pp. 138 e
165). De acordo com Tia Preta, esses dois exemplos constituem um único ponto cantado.
A mãe-de-santo explica que, na Gira de Escravos, estas cantigas são executadas juntas,
195
Porém, neste caso encontramos uma contradição entre a teoria (como deveria
ser a execução) e a prática (o que acontece no ritual). Durante a realização deste trabalho,
tivemos a oportunidade de assistir várias giras e em todas elas, a execução destas duas
cantigas nunca acontecem conforme relatado por Tia Preta. Na prática, estes dois pontos
são cantados separadamente e em momentos distintos do ritual. Podemos afirmar que estas
cantigas no contexto da Gira de Escravos sugerem que elas possuem funções litúrgicas
diferentes. O ponto Risada é utilizado como um ponto coletivo dos Exus e Pombagiras,
pois aponta a alegria como uma característica comum destas entidades e a segunda como
outros.
Por fim, o repertório musical dos Exus e das Pombagiras presente na Gira de
ora por graus conjuntos ora por saltos. O âmbito dos pontos cantados geralmente se
mantém dentro dos limites igual ou inferior a uma oitava e as formas das cantigas
repertório das entidades da esquerda. Os textos dos pontos cantados revelam a história das
na Umbanda.
196
5. Conclusão
origem até os dias atuais, podemos observar que a busca por uma identidade brasileira
percorre dois caminhos. O primeiro trilhado pelos centros umbandistas onde se produz e
complementam, pois a Umbanda não existiria sem a produção do sagrado nos centros
numa pluralidade que expressa a diversidade cultural deste país. Com a finalidade de
organizar o seu panteão, a Umbanda, sob a influência do Kardecismo, classificou o seu
questionáveis e comportamentos que fogem aos padrões sociais vigentes. São aqueles que
fundamentais no culto umbandista. Não são “deuses” distantes e inacessíveis, muito pelo
contrário, são próximos. São entidades brasileiras, espíritos de homens e mulheres dotados
compreendendo também os mais diversos desejos e fantasias dos seres humanos. Estas
aos contextos locais. O Centro Umbandista Rei de Bizara apresenta uma Umbanda Mista,
Angola e de Caboclo. Acreditamos que dois pontos foram determinantes para a formação
Salvador, uma cidade formada por uma população de maioria negra e parda com uma
198
cultura fortemente influenciada pelo Candomblé, que aqui se faz presente em mais de 2000
nome de Escravos e se destacam no espaço físico e sagrado, assim como na condução dos
como se houvesse duas práticas religiosas independentes, que se integram, mas que não se
mensageiros dos Orixás, porém, no Candomblé são aqueles que literalmente levam e
trazem as mensagens dos Orixás aos homens e vice-versa. Na Umbanda, de acordo com a
visão êmica, são os Guias que “descem para trabalhar” cumprindo uma missão através da
em todas as partes do ritual. Aqui, os pontos são cantados em português, onde o texto
à parte melódica, o simples ordenamento das alturas dos sons das melodias indica que
pontos cantados tendem a ser tonais. Das tonalidades apresentadas, a maioria é baseada e
escalas maiores.
centro umbandista, são tocados exclusivamente com as mãos. Barravento, Congo e Samba
199
são os toques que acompanham todos os pontos cantados. Os padrões rítmicos que
acompanham o repertório musical executado na Gira de Escravos não são semelhantes aos
das entidades da esquerda. Isto poderia se interpretado como um indício da relação ritmo
brasileiro/religião brasileira.
Escravos quanto no Candomblé de Caboclo. Nos dois casos, os pontos de sotaque são
tipicamente baiano.
Caboclo é uma possível existência de trocas musicais, que envolvem tanto entidades que
no qual uma mesma cantiga pode ser utilizada nos dois contextos, onde uma mesma
melodia acompanha textos diferentes ou, ainda, a mesma letra apresenta melodias
diferenciadas.
Acreditamos que este estudo não é e nem pretende ser um trabalho conclusivo
sobre a música dos Exus e das Pombagiras, sendo este uma contribuição para que outras
questões possam ser abordadas com o material etnográfico e musical apresentado nesta
pesquisa.
200
Anexos
1. Textos dos pontos cantados
corpo do trabalho, agrupados aqui por categorias. Estão sendo indicados os toques que os
Caboclo vai 59
Caboclo vem
Caboclo Flecha Dourada é que vem
Caboclo vai
Caboclo vem
Caboclo Flecha Dourada é que vem
Mas ele é o Caboclo da mata
É Flecha Dourada é que vem
Mas ele é o Caboclo da mata
É Flecha Dourada é que vem
A mulhé e a galinha 65
São dois bicho interesseiro
A galinha pelo milho
A mulhé pelo dinheiro
Cantigas de Exu114
Ele é um Giramavambo 98
Recompensuê ra ra rá
Recompensuê
113
Cantiga encontrada no Candomblé de Caboclo (Cf. Garcia, 2001a: 61).
114
Cantigas encontradas no Candomblé de Caboclo (Cf. Garcia, 2001a:63; 1996: 135-136).
115
Cantiga encontrada no Candomblé de Caboclo (Cf. Garcia, 2001a:126; 1996: 157).
203
Hino da Umbanda116
Gira de Escravos
Pontos de Abertura
Toque Congo
Giramavambo agradeço ê ê 97
Agradeço ê ah ah ah ah ah
Agradeço ah
Giramavambo agradeço ê ê
Agradeço ê ah ah ah ah ah
É bom perdoá
116
Este hino pode ser encontrado no endereço eletrônico <http://www.umbanda.org/pontos.html>.
204
O sino da igrejinha faz belém blem blom 114
O sino da igrejinha faz belém blem blom
Deu meia noite o galo já cantô
Seu Tranca Rua é o dono da gira
Ô abre a gira que Ogum mandô
Toque Samba
Exu Laroê Exu 164
Exu Laroê Exu
Exu Laroê Exu
Exu Laroê Exu
Pontos de Chamada
Toque Barravento
Qui quá quá quá 165
Cadê meu Pintinho
Que eu não vejo piá
Cadê meu Pintinho
Que eu não vejo piá
Cadê meu Pintinho
Traga ele pra cá
Toque Congo
Abre a porteira Exu 146
Deixe a mulhé passá
Maria Padilha é
A dona do congá
205
Toque Samba
Ele já chego o ou 101
Ele já chegou
Ele já chegou da esquina
Ele já chego ou
206
Ninguém pode comigo 112
Eu posso com tudo
Lá na encruzilhada
Ele é Exu Veludo
Toque Samba
Beiramar ê ê Beiramar 111
Beiramar ê ê Beiramar
Beiramar beira do rio
Ê ê Beiramar
Beiramar cheguei agora
Ê ê Beiramar
Ô Beiramar
Beiramar ê ê Beiramar
Beiramar ê ê Beiramar
Beiramar beira do rio
Ê ê Beiramar
Beiramar cheguei agora
Ê ê Beiramar
207
Arreda home 122
Que lá vem mulé
Arreda home
Que lá vem mulé
Ela é uma Padilha
A mulhé de Lucifer
Ela é uma Padilha
A mulhé de Lucifer
Eu te avisei 115
Que você não jogasse
Esta cartada comigo
Eu te avisei
Que você não jogasse
Esta cartada comigo
Você largou na dama
E eu parei no valete
Amigo você se engana
Neste jogo de copa
É o malandro quem ganha
Amigo você se engana
Neste jogo de copa
É o malandro quem ganha
208
Ô Zé 116
Quando vem lá da lagoa
Toma cuidado
Com o balanço da canoa
Ô Zé
Quando vem lá da lagoa
Toma cuidado
Com o balanço da canoa
Ô Zé
Faça tudo o que quizé o Zé
Mas não maltrate
O coração dessa mulhé
Ô Zé
Faça tudo o que quizé o Zé
Mas não maltrate
O coração dessa mulhé
209
Toque Barravento
Qui quá quá quá 138
Que bela risada
Que Exu vai dá
Que bela risada
Que Exu vai dá
Que bela risada
Que é quá quá quá
210
Toque Samba
De vermelho e preto 120
Vestindo a noite o mistério traz
De colar de contas
Brincos dourados promessa faz
Você pode ir, você deve ir
Faça o que qui zé
Mas cuidado amigo
Ela é bonita ela é mulhé
Mas cuidado amigo
Ela é bonita ela é mulhé
E no canto da rua
Ô girando, girando, girando á
Ela é moça bonita
Ô girando, girando, girando á
E no canto da rua
Ô girando, girando, girando á
Ela é moça bonita
Ô girando, girando, girando á
Ô girando a o lê lê
Ô girando a o lá lá
Ô girando a o lê lê
Ô girando á
211
Pombagira que a mocanguê
Olha, olha ê
Pombagira olha o seu banquete
Olha, olha ê
Pombagira olha o seu banquete
Olha, olha ê
Pontos de Sotaque
Toque Samba
Mas eu falei abrindo a boca 170
Eu vou falando abrindo a boca
Falei, falei, falei abrindo a boca
212
Ponto de subida
Toque Congo
Encruzilhada já lhe chama 151
Fé, fé, fé
Encruzilhada lhe chamou
Pé, pé, pé
Ponto de Encerramento
Toque Congo
Refletiu a luz divina 51
Em todo seu esplendor
E no reino de Oxalá
Onde há paz e amor
Luz que refletiu na terra
Luz que refletiu no mar
Luz que vem lá de Aruanda
Para tudo iluminar
Umbanda é paz e amor
É o mundo cheio de luz
É a força que nos dá vida
E a grandeza nos conduz
Avante filhos de fé
Como a nossa lei não há
Levando ao mundo inteiro
A bandeira de Oxalá
Levando ao mundo inteiro
A bandeira de Oxalá
A bandeira de Oxalá
Brilhou, brilhou
A bandeira de Oxalá
Lá no céu já clareou
Clariou na Umbanda
Clariou no mar
Clariou no terreiro
Salve o Pai Oxalá
Clariou na Umbanda
Clariou no mar
Clariou no terreiro
Salve o Pai Oxalá
213
Samba de Roda
Toque Samba
O moinho da Bahia 174
Queimou, queimou
Deixa queimar
O moinho da Bahia
Queimou, queimou
Deixa queimar
Sai, sai, sai ô piaba
Saia da lagoa
Sai, sai, sai ô piaba
Saia da lagoa
Bota a mão na cabeça
Outra na cintura
Dá um remelexo no corpo
E dá uma umbigada na outra
(Gilberto Gil )
176
O moinho da Bahia
Queimou, queimou
Deixa queimar
Abre a roda pra sambar
O moinho da Bahia
Queimou, queimou
Deixa queimar
Abre a roda pra sambar
214
2. Ficha, folhetos e apostilas
Constam neste anexo, alguns materiais que ilustram o conteúdo deste trabalho.
normas de conduta exigidas pela casa. Exemplos de folhetos distribuídos nas cerimônias
PUC/SP.
Almeida, Renato
Andrade, Mário de
Arhapiagha, Yamunisiddha
Assis, Cláudia
BAHIA, Constituição
Pp. 69-72.
Bastide, Roger
Béhague, Gerard
5-17.
1986 “Musical Change: A Case Study from South América.” The World
239
1976 “Correntes Regionais e Nacionais na Música do Candomblé
Birman, Patrícia
EDUERJ.
Blacking, John
28/1: 3-15.
Washington Press.
Braga, Julio
BRASIL, Constituição
Senado.
Universitária.
240
Cantarino, Carolina
Canzio, Ricardo
(ago.): 143-149.
Carneiro, Edison
Civilização Brasileira.
Cascudo, Câmara
Decelso
241
Durkheim, Émile
Eliade, Mircea
Fonseca, Eduardo
Fontenelle, Aluízio
Simões.
Mattos.
242
2004 “A Cantiga de Sotaque no Candomblé de Caboclo.” In Anais do II
9-17.
de Música da UFBA.
Geertz, Clifford
Koogan.
Guimarães, Wamy
243
Hobsbawn, Eric e Ranger, Terence (Organizadores)
Paz e Terra.
14: 3-29.
Disponível em <http://www.geocities.com/ail_br/oelogioaoprogres
em <http://www.pucsp.br/rever/rv012001/p_jensen.pdf>. Acesso
em 11 ago. 2005.
Kardec, Allan
Brasileira.
244
Kubik, Gerhard
1979 The Performing Arts: Music and Dance. The Hague: Mouton
Publishers.
Lopes, Nei
Janeiro: Pallas.
Lühning, Ângela
1995 “Acabe com este Santo, Pedrito vem aí... Mito e Realidade da
124.
Merriam, Alan P.
Press.
245
Montero, Paula
Edições Graal.
2006.
Nascimento, Adriano Roberto Afonso do; Souza, Lídio de e Trindade, Zeidi Araújo
Nascimento, Andréa
[Edusp].
89.
246
Nettl, Bruno
Oro, Ari
Ortiz, Renato
247
Prandi, Reginaldo
<http://www.scielo.br/pdf/ea/v18n52/a15v1852.pdf> Acesso em 15
jan. 2006.
Paulo: Hucitec.
1995 “As Religiões Negras do Brasil: Para uma Sociologia dos Cultos
Brasileira.
248
Rivas Neto, F.
Rodrigues, Nina
249
Santana, Esmeraldo Emetério de
Seeger, Anthony
UFBA.
Serra, Ordep
Didático da UFBA.
250
Silva, Vagner Gonçalves da
Paulo: Ática.
Silva, W. W. da Matta e
Press.
Travassos, Elizabeth
251
3000 Pontos Riscados e Cantados na Umbanda e no Candomblé
UNESCO
2006.
Vatin, Xavier
Veiga, Manuel
(ago.): 73-82.
Vianna, Hildegardes
em <http://jangadabrasil.com.br/revista/fevereiro87/fe87002a.asp>.
Vogel, Arno; Mello, Marco Antônio da Silva e Barros, José Flávio Pessoa de Barros
252