Um Bosque de Folhas Sagradas
Um Bosque de Folhas Sagradas
Um Bosque de Folhas Sagradas
Autores
Matheus Colli Silva. Mestrando. Universidade de São Paulo, Instituto de Biociências, Departamento de Botânica.
E-mail: [email protected]
Vagner Gonçalves da Silva Professor. Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Departamento de Antropologia.
E-mail: [email protected]
Artigo
Resumo Abstract
umbandista. Os relatos mostram como as interconnected. For the visitors, the Sanc-
concepções de natureza, energia, entida- tuary is also seen as a place for the sacred
des e conservação estão interligadas. Para cult of umbanda, in face of contemporary
os frequentadores, o Santuário também é issues such as violence and religious into-
visto como um lugar para o culto sagrado lerance. The urbanization process made it
da umbanda, diante dos problemas con- difficult for Umbandists to relate to nature
temporâneos como violência e intolerân- and access many worshiped herbs. The-
cia religiosa. O processo de urbanização refore, religious community longs for the
dificultou a relação dos umbandistas com maintenance of this a healthy, sacred and
a natureza e o acesso às ervas; daí o an- welcoming natural space, albeit a nature
seio da comunidade pela existência de um “built” for worship.
espaço natural íntegro, sagrado e acolhe-
dor, ainda que uma natureza “construída”
para o culto.
Introdução
As religiões afro-brasileiras, apesar de toda a sua diversidade, podem ser generica-
mente descritas como resultantes do encontro de povos europeus, africanos e indíge-
nas. A umbanda, em particular, como religião tipicamente urbana que nasceu no final
do século XIX, combina elementos de religiões espíritas europeias, como o kardecismo
(religião espírita criada na França e trazida ao Brasil por Allan Kardec), com elementos
do candomblé e do catolicismo1,2. Consequentemente, a umbanda herda também valo-
res associados a essas religiões, como a caridade, o respeito à natureza, a eternidade
de espírito, a empatia e a liberdade3. Ou seja, ela pode ser entendida como uma forma
religiosa que “preservou a concepção kardecista do carma, da evolução espiritual e da
comunicação com os espíritos”, mas que, por outro lado “mostrou-se aberta às formas
populares do culto africano”3 (p. 112). Daí, além das entidades africanas (i.e., os orixás),
consagra-se também espíritos que enaltecem os povos “fundadores” do Brasil; de ma-
neira que a figura do negro passa a ser representada pelos espíritos dos pretos-velhos e
a do índio pelos espíritos dos caboclos, por exemplo.
Nessas religiões, é comum associar diferentes ervas ou folhas a diferentes entidades
ou espíritos. Muitos são os orixás, e cada um possui o seu domínio; aqueles mais asso-
ciados ao domínio da mata são Oxóssi, Ossaim ou Ogum, onde o sincretismo com os
elementos vegetais é óbvio3,4. Mas mesmo outros orixás que ocupam domínios como o
da água (Iemanjá, Oxum) ou do fogo (Exu, Iansã) possuem sempre pelo menos uma erva
Metodologia
A metodologia do trabalho consistiu em duas abordagens complementares: (1) re-
visão bibliográfica sobre os trabalhos que abordam o tema do uso dos vegetais na um-
banda e no candomblé, bem como do histórico do SANU; e (2) trabalho de campo, com
realização de entrevistas e observação participante.
O levantamento bibliográfico consistiu no acesso à literatura de etnobotânica e so-
bre as religiões afro-brasileiras (ver referências). Além disso, também foi realizada uma
síntese das informações com relação ao histórico e funcionamento do SANU, acessan-
do tanto documentos oficiais (planos de manejo, laudos técnicos) como reportagens
e publicações referentes ao Santuário, sobretudo aqueles disponibilizados pela equipe
administradora do SANU.
Com relação ao trabalho de campo, foram entrevistadas treze lideranças de terreiros
oriundas de oito templos umbandistas das regiões mais díspares da Região Metropo-
litana de São Paulo e que frequentam o espaço do Santuário (Figura 1). As entrevistas
ocorreram entre o período de julho e outubro de 2017. Como quatro das oito entrevistas
foram realizadas com mais de uma pessoa ao mesmo tempo, formaram-se oito grupos
de entrevistados (Tabela 1). Sete dos oito grupos tinham também seus terreiros próprios,
e um era formado por duas pessoas que já possuíram um terreiro, mas que hoje não mais
o possuem. Optou-se por priorizar entrevistar pessoas que tinham um longo histórico
de frequência no Santuário e que fossem as principais representantes dos terreiros (i.e.,
mães ou pais-de-santo, mães-pequenas). Essas pessoas foram indicadas pela equipe
da administração do Santuário, que detém os contatos dos frequentadores e que gentil-
mente os ofereceu após entrar em contato com cada um dos entrevistados, informando-
-lhes do propósito da pesquisa e convidando-os a participarem da mesma.
As entrevistas foram de caráter semiestruturado, e seguiram um roteiro que se en-
contra em material suplementar (Tabela S1). O roteiro versa basicamente sobre ques-
tões relacionadas ao simbolismo religioso associado à vegetação do Santuário como um
todo, bem como sobre informações mais específicas a respeito das plantas usadas no
cotidiano umbandista e sobre a importância da prática dos rituais num espaço natural
íntegro e zelado. A maioria das entrevistas foi realizada nos terreiros-sede e/ou nas resi-
dências das lideranças (caso as mesmas não tivessem uma sede fixa). Duas entrevistas
foram realizadas no próprio espaço do Santuário, onde lá também foi realizada obser-
vação participante de algumas atividades, como seções de trabalho de ervas, de aten-
dimento ou “passe”, seções de incorporação ou trabalhos de homenagem a entidades.
Fotografias foram retiradas e áudios das entrevistas foram gravados e depois transcritos,
para então serem analisados comparativamente.
A partir das transcrições, as falas dos entrevistados foram sistematizadas em uma
tabela (Tabela S2, em material suplementar), procurando classificar as falas com rela-
ção à concepção de natureza, das entidades e de energia, bem como a relação entre o
indivíduo, a entidade, o Santuário e a natureza. Do produto desta análise comparativa,
algumas falas que representam a opinião geral uma determinada questão foram selecio-
nadas para aqui serem citadas.
Tabela 1
Figura 1
Material Suplementar
Identificação da pessoa:
Nome
Cargo religioso
Filho/a de qual orixá ou quais as entidades/linhas que recebe
Identificação da tenda/terreiro/templo
Nome
Endereço: (rua, bairro, cidade)
Identidade religiosa (como classifica o terreiro: umbanda, candomblé, espiritismo etc.)
Quais a linhas/entidades que o terreiro cultua
Significados religiosos das plantas:
1) Qual a importância das plantas na prática da sua religião?
2) Quais as entidades que estão mais associadas à mata?
3) Qual a importância de se realizar rituais na mata?
4) Qual a importância do SANU para a prática da sua religião?
5) O que você acha da vegetação e das plantas existentes no SANU para a sua prática
religiosa?
6) Você ou sua entidade utiliza plantas em banhos, chás, remédios etc? Pode dar o nome
de algumas?
7) Das plantas que você citou, quais partes são utilizadas, de que forma são preparadas e
para qual indicação? São acrescentadas outras plantas? Quais?
8) As plantas estão associadas as entidades ou linhas (Preto velho, caboclos, exus etc.)?
Por quê? Dar exemplos.
9) Como você costuma obter esses materiais vegetais? Se coleta, tem algum período
específico de coleta ou idade da planta? Usado fresco ou seco, em floração ou não?
Tabela S1
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todos os orixás, e nem sempre tinha sido um padre na outra vida, marinheiro, que não tem ligação banho quanto pra curar.
trabalhar dentro de todos os mas ele se mostra pra gente com as ervas, com a mata, o
orixás, mas ele tá lá. como um caboclo, o caboclo das restante todos.
sete encruzilhadas – você já deve
ter estudado minimamente sobre
Relação entidade/natureza
isso – como é um caboclo, ele
traz essa força das matas. Os
sobre uso de plantas no contexto pra fazer oferenda, trabalho na tem como base a umbanda de
religioso ou terapêutico. natureza. E aí ficamos 2 anos lá, raiz, umbanda tradicional.
as pessoas foram chegando, e de Caboclo, preto-velho, que são as
repente a gente tava num grupo nossas bases. Mas trabalhamos
grande. E aí abrimos aqui, e vai com baiano, boiadeiro, com
fazer agora dia 11 de outubro vai marinheiro, cigano, exu, exu é
fazer 9 anos que estamos com muito presente aqui também.
esse templo aberto. Há uns 15
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anos vou no Santuário mais ou
menos.
A mata é obrigatoriamente de A gente nasce de um caboclo. A Caboclo, sem dúvida. Sou Pra não deixar a desejar. Que Ela representa até Oxóssi nas
Oxóssi. Ou de Ossain se você for primeira entidade que aparece suspeita em falar, porque graças talvez nós não tenhamos matas. Os orixás das matas.
falar no candomblé. A mata toda em Terra e fala: “vamos fundar a a Deus porque minhas entidades, conhecimento, mas na linha Então, assim, a mata é a coisa
Oxóssi, as ervas, Ossain. Só que religião de umbanda” é um praticamente todas trabalham espiritual tem fundamento. mais linda do mundo que Deus
Ossain a gente sabe que ele tá caboclo. Na verdade, quem teve com elas. Todas trabalham na pode por. E as matas elas
lá. Não dá pra falar o nome de uma vidência na hora viu que ele mata. Posso dizer todas, tirando servem tanto pra gente tomar
todos os orixás, e nem sempre tinha sido um padre na outra vida, marinheiro, que não tem ligação banho quanto pra curar.
trabalhar dentro de todos os mas ele se mostra pra gente com as ervas, com a mata, o
orixás, mas ele tá lá. como um caboclo, o caboclo das restante todos.
sete encruzilhadas – você já deve
ter estudado minimamente sobre
Relação entidade/natureza
isso – como é um caboclo, ele
traz essa força das matas. Os
caboclos. Boiadeiro... Boiadeiro
geralmente é no Cerrado, né.
Mas quem usam ervas no seu
trabalho, todos. Até Exu trabalha
com ervas. Todos, todo panteão
de espíritos se usa da energia do
mineral, da erva, do que a gente
tem na natureza em benefício
humano.
Frequência há mais de 20 anos. A gente [terreiro] vai lá uma vez Tem a pedreira, a mata, a Vou de três a quatro vezes por Abriam a clareira e a gente Ó, a casa tem uns 20 anos. A Tem muitos anos, mais de 30
Vai lá individualmente, não por ano. Trabalhamos o ano todo cachoeira. Lá pra cima onde tem ano. No ano passado ia quase trabalhava a noite, ou durante o gente deve vir pra cá há uns 15 anos, acho. Aqui não tinha tanta
possuem um terreiro. aqui no terreiro, e lá a gente faz a cachoeira, tem um outro todo mês, porque eu estava no dia mesmo. A gente sempre ia, anos. O simples fato de que as tenda, tava inaugurando, as
Antigamente, o acesso era difícil, um grande agradecimento pra espaço, não sei se tá aberto barco do Pai Ronaldo, no curso uma vez por ano no mínimo a oferendas são feitas, são imagens, ainda. Eu conheço o
pois a mata era fechada, uma todas as entidades e orixás que a agora, mas antigamente é aberto. de formação sacerdotal. Então eu gente ia pro Santuário. Então lá é colocadas e o pessoal limpa Pai Ronaldo há muitos anos,
pedreira. Íamos na confiança dos gente trabalha o ano todo. Vamos Então, nossa, a mudança é ia sempre, todo começo de ano uma segurança pra gente, de não depois, recolhe. A natureza não quando ele fazia bingo, baile, pra
orixás. Hoje há estrutura, no último final de semana de fantástica. Ele tem um todos os filhos que entram na trabalhar na rua, de não trazer as fica suja, não fica sujeira. Eles botar aquele terreiro que ele tem
segurança, espaço. Vamos às novembro. Vamos há uns 10 minhocário, ele reaproveita frutos casa têm que passar por uma nossas oferendas pra rua, e lá é limpam. É um espaço onde se o pai benedito. De quinze em
vezes. anos, sempre na mesma tenda. e tudo que a gente usa pro cruza. Na cachoeira, na casa de seguro, tem um pessoal que concentra tudo e é feito uma quinze dias. Uma vez por mês.
Relação indivíduo/Santuário
próprio espaço. É fantástico o Oxum. Que Oxum é dono das limpa, então a gente vai pelo limpeza. Depende, quando tem festa de
que ele fez ali. E fora que o cachoeiras. Então a cabocla menos a cada três meses, orixá a gente vem. Mas é porque
Santuário é o lugar adequado cruza todo filho-de-santo na quando a gente precisa é difícil, nem todo mundo
para que a gente faça esse tipo cachoeira antes de começar o descarregar e recarregar as consegue, nem sempre tem
de coisa. Então ainda bem que a ano. Antes de começar os energias também. condições.
gente o espaço como o Santuário trabalhos. Então todo começo de
do Pai Ronaldo pra poder acolher ano eu vou pro Santuário.
tanta gente. E ele reaproveita
muita coisa, né.
Fico receosa de acender vela em O candomblé ainda tem muito Antigamente, se fazia muito Naquele tempo, lá em 1908, não Sem incomodar ninguém, E aqui no Santuário é o lugar pra
cemitério. E também é proibido, disso, as roças. Mas até por ser oferendas nas ruas e tal. Mas se tinha medicação, não se tinha ninguém é obrigado, porque eu você realmente pra fazer as
ninguém precisa ficar escondido ninguém sabia disso com o tempo a gente vem assistência médica como se tem sou umbandista, a ouvir o som do oferendas, não fazer em qualquer
compartilhando, é complicado. há 50, 60 anos atrás. Também é tomando consciência ecológica, hoje. A tecnologia não tinha como atabaque. Carro pra parar; é um lugar, em qualquer esquina,
Você passa dois quarteirões complicada por conta da né, e aí pelos tempos que a gente hoje. Então, era muito mais fácil sufoco, a gente que mora na qualquer rua, pra sujar o
daqui tem entrega. E ali fica, tem intolerância religiosa de hoje em vive de insegurança também. você pegar, abrir uma babosa, cidade. Nós trabalhamos numa ambiente. A gente faz aqui
animal, tem comida que deteriora, dia, né. Muito por causa dos pegar aquela baba, misturar um religião que não é incomodar, e mesmo que aqui já eles pegam,
Relação
as pessoas passam e ficam maus umbandistas; eu não posso pouco com uma outra erva e sim acomodar todos. Acolher. jogam fora, e sabem a finalidade
indivíduo/religião/sociedade
vendo. É um respeito porque foi dizer que esses despachos no passar num pé diabético, né? Então lá no Santuário temos esse das coisas.
feita uma entrega ali pra um meio da rua, esses trabalhos no Entende? Hoje, a gente não usa espaço que tem estacionamento,
orixá. Mas tem que ser num lugar meio da rua denigrem demais, e mais tanto como medicina como tem uma comodidade também, e
específico. sujam até os nossos pontos de era usado antes. Antes era muito a segurança. Pra que possamos
força que seriam uma praça, mas mais usado como medicina. Hoje fazer os nossos trabalhos
não tem espaço assim fácil pra a gente usa muito mais no padrão garantindo também a segurança
você fazer um trabalho. energético. Isso faz uns 14 anos. de todos.
Aqui a questão da preservação é A gente parte do princípio que a E a Terra tá em colapso. Se a Que nem árvores, a gente
uma grande briga. Antes era natureza é um ponto de força dos gente cuidar dela, a gente vai se mesmo quando vai trabalhar nas
normal, por exemplo, uma orixás que são energias de Deus, lascar. A gente ia pra mata, né. Ia matas lá perto de casa, eu falo
entidade pedir pra fazer um não faz sentido a gente depredar pro meio da mata fazer tudo, “gente, não deixa vela acesa”.
despacho desse ou uma oferenda tudo e sujar tudo, e corre risco de recolhia tudo e depois ia embora. Porque pode pegar fogo na mata.
em campo santo, num cemitério, botar fogo na mata. Então é muito Pra não deixar sujeira no campo Ainda mais agora que é tempo
ou numa via... Hoje em dia ainda bom que a gente tenha um lugar santo. Porque vou te falar uma seco. Porque aqui a gente tem
tem – eu não posso falar que não específico pra fazer os nossos coisa. Quem te falar que é que preservar a natureza. Aquilo
tem – mas a gente pede... Mas a trabalhos religiosos. E você faz umbandista, mas for no meio da lá faz parte não só da gente, mas
gente tenta o máximo fazer com tranquilidade. Tranquilidade mata largar [inaudível] aquela das outras crianças que tão
essa... Essa limpeza, né. Não no sentido de segurança e sujeira lá, ela não é. vindo. Tem, tem as matas lá.
sujar pra não ter que limpar; mais também você sabe que tá
Relação indivíduo/natureza
ou menos isso. Então a gente ajudando a preservar. Então tudo
tenta, dentro de uma evolução – que a gente faz, pelo menos nós:
que eu acho que a gente tá a gente aluga um espaço lá no
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que tá em beira de estrada.
Conseguimos no boca-a-boca. Eu particularmente tenho uma Ainda bem, hoje em dia, é muito Cada um tem um pouco de erva Então, algumas eu consigo na Também tem muito aqui nas É fácil. Uma ou outra que tem um Eu planto. Lá onde meu pai mora,
Quando é uma planta mais difícil, senhora que trabalha com ervas. fácil você achar as ervas. Toda em casa. Que nem essa dona mata mesmo. Eu sou privilegiada casas de ervas, e também uma pouco mais de dificuldade. Até eu moro em apartamento. Mas
pega na mata que fica no Então ela traz pra mim. Aqui por casa de macumbeiro sempre tem Fátima, ela tem um borbo, porque eu nasci e me criei aqui mata aqui perto. E a gente porque, assim, as vezes tem onde minha irmã mora, que meu
caminho de volta do Santuário. exemplo no terreiro a gente uma ervinha plantada, né. Aqui a menino, que é maior que eu. É num bairro próximo, que ainda sempre se comunicando. Porque, muitas que dão no meio da mata pai tem um terreno vazio, a gente
Se não, a gente pede pro pessoal chama ela de “traficante” gente tem umas ervas plantadas. uma árvore. Ela tem muita planta. tem muito vegetal, que é um a ama da casa, trabalha com a mesmo. E a gente sabe que hoje toda vez que precisa a gente
que a gente conhece. Em feiras é [Risadas]. Porque eu peço as A gente toma muito cuidado onde Eu não tenho planta. Porque aqui pedaço de Mata Atlântica. Então linha só de ervas. Essa que dá o se alguém pegar você tirando planta. Mas quando não tem, que
mais difícil. Hoje em dia tem ervas, ela que arruma pra todo a gente vai comprar as ervas, a gente não tem quintal. Seria um eu encontro muita coisa na mata. curso lá em São Bernardo. É, uma planta do meio da mata, nem, essa cidade... Pra plantar,
ouviu falar é do mesmo jeito.
Relação indivíduo e dicotomia
Algumas são propriedades
cidade/natureza
particulares e eles usam isso pra
reverter, pra conservar os
espaços. Antigamente era mais
fácil de conseguir ervas.Muitas
casas com quintal. Hoje em dia já
não tem mais. Você tem que ir
20
em mercado, tem que comprar na
bandejinha ou em maço fechado.
Então quando a gente pega no
mercado, a gente sabe que é
uma coisa pelo menos certinha,
regularizada. Não é uma coisa
que tá em beira de estrada.
Conseguimos no boca-a-boca. Eu particularmente tenho uma Ainda bem, hoje em dia, é muito Cada um tem um pouco de erva Então, algumas eu consigo na Também tem muito aqui nas É fácil. Uma ou outra que tem um Eu planto. Lá onde meu pai mora,
Quando é uma planta mais difícil, senhora que trabalha com ervas. fácil você achar as ervas. Toda em casa. Que nem essa dona mata mesmo. Eu sou privilegiada casas de ervas, e também uma pouco mais de dificuldade. Até eu moro em apartamento. Mas
pega na mata que fica no Então ela traz pra mim. Aqui por casa de macumbeiro sempre tem Fátima, ela tem um borbo, porque eu nasci e me criei aqui mata aqui perto. E a gente porque, assim, as vezes tem onde minha irmã mora, que meu
caminho de volta do Santuário. exemplo no terreiro a gente uma ervinha plantada, né. Aqui a menino, que é maior que eu. É num bairro próximo, que ainda sempre se comunicando. Porque, muitas que dão no meio da mata pai tem um terreno vazio, a gente
Se não, a gente pede pro pessoal chama ela de “traficante” gente tem umas ervas plantadas. uma árvore. Ela tem muita planta. tem muito vegetal, que é um a ama da casa, trabalha com a mesmo. E a gente sabe que hoje toda vez que precisa a gente
que a gente conhece. Em feiras é [Risadas]. Porque eu peço as A gente toma muito cuidado onde Eu não tenho planta. Porque aqui pedaço de Mata Atlântica. Então linha só de ervas. Essa que dá o se alguém pegar você tirando planta. Mas quando não tem, que
mais difícil. Hoje em dia tem ervas, ela que arruma pra todo a gente vai comprar as ervas, a gente não tem quintal. Seria um eu encontro muita coisa na mata. curso lá em São Bernardo. É, uma planta do meio da mata, nem, essa cidade... Pra plantar,
muito casa de ervas. Mas mundo. A própria casa de erva fresca, principalmente erva sonho de consumo a gente estar Eu cresci lá, então pra mim é indo pro Santuário, ali tem muito, uma planta nativa, é crime pede pro vizinho. Sempre tem
pessoalmente não confio muito. tempero tem bastante coisa. Mas seca. Você vê, você passa em numa casa que tivesse quintal e a muito familiar. Eu consigo muita muito mesmo. Hoje tem, como ambiental. Então a gente vai alguém que tem. Ou se não tem
Porquevocê por exemplo compra são normalmente essas casas de Pinheiros você vê um monte de gente conseguisse ter as nossas coisa pra trabalhar na esteira. antigamente nós atravessávamos atrás de lugares que vai a seca mesmo. Não, sempre
lá um saquinho de sete ervas. produtos naturais que tem tudo lugar vendendo aquelas árvores ervas aqui. Mas é impossível. Mas pra cultivo, tenho que pelo teleférico. Agora a gente dá comercializam isso, acaba sendo foi fácil [para encontrar ervas].
Quem garante que aquilo ali vai que procura. E o que não tem torrando no sol, aí pega chuva... comprar. Então eu compro muda, a volta. Mas ali tem tantas ervas, mais difícil, e você acaba Sempre teve.
ter as ervas lá? Então a gente você vai na feira... CEASA. Ou Isso não é legal. Então as tem um aquário aqui perto de que o povo nem conhece. encontrando seca. Mas fresca
prefere, mesmo que seja um um contato que você vai achar. E frescas, tem duas médiuns aqui Itaquera. Existe também uma realmente algumas são mais
pouco difícil, a planta mesmo. Se você vai plantando na sua casa. que vão na feira. Uma mulher que relação de amizade e confiança difíceis.
minha mãe não sabe, Eu tenho uma horta pra isso. As planta e colhe, traz super nelas. Então eu compro muito,
Acesso às ervas perguntamos pro meu tio, se ele ervas que eu mais uso eu que fresquinha... Temos o mercado existem os mateiros que trazem.
não sabe perguntamos pra outra cuido, eu que faço, eu que planto. da Lapa também, que tem duas Na 25 de Março tem um
tia. Procuramos fazer um bem- Pra que eu tenha isso mais fácil bancas que fornecem...A gente interposto, perto do Mercadão,
bolado pra conseguir a planta pra manusear elas. Mas nem tem alguns trabalhadores que eles trazem muita coisa. Então lá
mesmo. No fim dá tudo certo. todo mundo tem esse terreno em tem erva em bastante quantidade é um bom lugar pra se comprar
casa que consegue pra fazer em casa, que traz. Mas ervas em quantidade. E aqui em
isso. normalmente quando a gente vai São Paulo, Santo André e São
comprar seco, a gente procura Bernardo, eles têm, sabe aquelas
comprar, por exemplo, algumas áreas de antena de transmissão,
eu compro no Mundo Verde. A aquelas torres? Eles cultivam
gente tem um distribuidor que fica muito ali, eles cultivam hortaliças,
lá no Belenzinho que a gente e outras ervas. Que é onde
compra... também eu compro pras esteiras.
Ali o pessoal acabam plantando e
vendendo, doando, então é
engraçado, mas o pessoal aqui
de baixo consegue fácil.
Tabela S2
“Sem incomodar ninguém; ninguém é obrigado, porque eu sou umbandista, a ouvir o som do ata-
baque. (...) Nós trabalhamos numa religião que não é incomodar, e sim
acomodar todos. Acolher. Então lá no Santuário temos esse espaço que
tem estacionamento, tem uma comodidade também, e a segurança. Pra
que possamos fazer os nossos trabalhos garantindo também a segurança
de todos.”
“[Antes,] éramos grandes destruidores, havia espaços enormes no alto da serra derrubados pela ação
dos irmãos de fé. Quando tomei conhecimento disso, pensei em inverter o
processo: todo mundo queria uma clareira exclusiva, um espaço exclusivo
da mata para sua tenda, que era inerente a quase todos os espaços de um-
banda. A lógica era a seguinte: quer uma clareira? Tudo bem; este será seu
espaço. Se há mato, não retire; se não há, é obrigado a plantar.”
Figura 2
Penoso, intenso e difícil tal como foi o processo de degradação, a restauração ecológica
do SANU para aquilo que se observa hoje também demandou muita força de vontade e
mão-de-obra. A lógica da restauração, segundo Pai Ronaldo, foi muito baseada nos conhe-
cimentos prévios dos próprios frequentadores:
“Como não tinha vegetação nem recursos para a providência de mudas, um dos simpatizantes tinha
um caminhão, e um grupo muito grande voluntariamente ajudava nos fi-
nais de semana para reflorestar a região degradada do hoje Santuário. Tra-
ziam neste caminhão 200 a 250 sacos vazios, iam ao alto da serra de Pa-
ranapiacaba, pegavam material decomposto, folhas mortas, sementes e as
colocavam dentro deste saco, levando de volta ao espaço do hoje SANU.
Quem os orientou nisso foi a bióloga Egly Joyce, simpatizante do movi-
mento e umbandista. Este material morto era colocado em cima dos espa-
ços que se desejava recuperar, formando um imenso colchão biológico. Há
um tempo, aquilo cedia e nasciam diferentes mudas de Mata Atlântica.”
As mudas eram conseguidas dos locais mais díspares possíveis, de diferentes espaços
da Região Metropolitana de São Paulo. Mesmo tendo realizado o processo de restauração
da floresta com relativo sucesso, o espaço do SANU é caracterizado hoje tecnicamente por
ser de um bioma florestal secundário dentro do domínio fitogeográfico da Mata Atlântica10,
com o predomínio de algumas espécies exóticas como eucaliptos, reconhecidas inclusive
por Pai Ronaldo como espécies agressivas e não nativas dali.
A partir da década de 60, o espaço passou então a ser ocupado por esses umbandistas,
incluindo Pai Ronaldo, que utilizavam o espaço da pedreira e de matas remanescentes para
os seus cultos sagrados, para cultuar sobretudo aquelas entidades associadas à mata ou
à pedreira, como Oxóssi e Xangô. A partir dessa relação, começa a nascer a necessidade
de se criar um espaço onde se pudesse cultuar as entidades sem incomodar ninguém, mas
também sem ser incomodado por ninguém. Em 1979, finalmente houve a oficialização do
uso religioso do espaço, que está ativo até hoje.
Apresenta-se aqui uma fala de uma liderança religiosa entrevista que exemplifica a
questão da consciência ambiental. Pai Rafael é médium e um dos principais organizadores
do terreiro que frequenta na Zona Sul de São Paulo. A comunidade de seu terreiro visita o
Santuário ao menos uma vez por ano, para celebrações de fim de ano. Também é responsá-
vel por ministrar cursos de umbanda para a comunidade externa sobre o uso de plantas no
contexto religioso ou terapêutico. Ele diz:
“Aqui a questão da preservação é uma grande briga. Antes era normal, por exemplo, uma entidade
pedir pra fazer um despacho desse ou uma oferenda em campo santo, num
cemitério, ou numa via... Hoje em dia ainda tem – eu não posso falar que
não tem – mas a gente pede... A gente tenta o máximo fazer essa... Essa
limpeza, né. Não sujar pra não ter que limpar; mais ou menos isso. Então a
gente tenta, dentro de uma evolução – que eu acho que a gente tá evoluindo
dentro disso, não é fácil – você falar pra um caboclo que tem o arquétipo
do Índio que trabalhava na mata, que você não pode usar a mata pra fazer
o que ele fazia...”
Figura 3
Mais uma vez, nota-se nesta fala a centralidade que a natureza tem como elemento
essencial para o culto sagrado da umbanda para os frequentadores do SANU. Apesar
dos eventuais conflitos aqui apresentados, tanto por Mãe Rosângela como para Pai Ra-
fael acima, a natureza é, acima de tudo, parte ou o todo da representação de pontos
de energia, que são, por sua vez, pontos de força das entidades. Preservar as ervas, a
natureza e os espaços naturais é, portanto, preservar a imagem das próprias entidades
sagradas. Por isso, é muito comum que haja uma posição em prol da natureza quando se
considera a relação da religião com a cidade.
grandes sentidos, que não são excludentes, segundo Serra e colaboradores12: (1) uso ri-
tual ou simpático, para atrair alguma necessidade ou desejo; (2) uso alimentar, na forma
de oferendas, sobretudo frutas ou outras partes de plantas que representem o orixá ou a
divindade que se queira cultuar; e (3) uso terapêutico, para cura ou revitalização, priori-
zando as folhas em detrimento das ervas. No caso da umbanda em particular, Carlessi7
separa quatro tipos diferentes grupos de uso: (1) banhos de ervas, (2) chás e defumações,
(3) preparo de fundamentos e (4) trabalhos e oferendas. Para Camargo6,13 a influência
das tradições europeias e indígenas no uso de plantas foi importante para o candomblé,
pois as populações africanas e seus descendentes não encontraram no Brasil a mesma
flora de suas terras de origem, culminando numa inevitável relação de aproximação com
as plantas aqui existentes.
As plantas utilizadas nas oferendas ou como ervas medicinais são sempre em refe-
rência alguma entidade ou orixá, de maneira que elas têm a função de renovar a força
mágica atribuída aos deuses cultuados, bem como para fortalecê-los simbolicamente1,3,11.
Cada entidade possui uma oferenda ou erva específica, de acordo com a sua especifi-
cidade e função espiritual (Figura 4). A umbanda e o candomblé são uma das religiões
que mais possuem rituais com a participação ativa de elementos vegetais; oferecimento
de oferendas às entidades implica na assumpção de que as mesmas estão “comendo” as
oferendas, garantindo a presença das entidades na vida dos praticantes2. Grande parte
dessas oferendas são conseguidas através da compra, mas alguns estudos mostram for-
te presença de atividades de extrativismo ou cultivo em áreas ruderais, antropizadas, até
mesmo em alguns espaços realmente naturais, intocados, pois pensa-se que os vegetais
empregados nessas religiões devem provir do seu local de origem4,12. Além disso, não
são quaisquer alimentos que podem ser oferecidos, de maneira que cada orixá possui
prescrições e restrições de alimentos de acordo com a história mítica a ele associada12.
Figura 4
Agora, sob um ponto de vista de uma análise qualitativa, há algum indício de haver
dependência entre o preparo de chás para plantas exclusivamente medicinais e o prepa-
ro de banhos para plantas exclusivamente rituais, embora exista um universo híbrido de
plantas que são rituais e medicinais dependendo do contexto (Figura 5). Grande parte
das plantas citadas são usadas para banho (49% de 64 citações), mas há também usos
em chás ou como firmezas espirituais (Figura 5). Para algumas plantas, também foram
citadas aplicações na forma de emplastos, ou através da defumação de algumas partes
vegetais, sobretudo folhas.
Figura 5
mentos vegetais para o culto das religiões afro-brasileiras, tanto na umbanda7, como no
candomblé19,20. No caso do candomblé, Falcão20 diz que espaços como estes descritos
“medeiam um processo de socialização das diversas categorias iniciadas no candomblé,
funcionando como uma caixa de ressonância dos terreiros”. Aqui, pode-se dizer que o
SANU cumpre exatamente esta função.
Por outro lado, os espaços de sociabilização e de transmissão de conhecimento asso-
ciado às ervas tornou-se bastante restritivo e formalizado, principalmente para as gera-
ções mais novas de umbandistas. Veja o que Mãe Rosângela diz:
“Ainda bem, hoje em dia, é muito fácil você achar as ervas. Toda casa de macumbeiro sempre tem uma
ervinha plantada, né. Aqui a gente tem umas ervas plantadas. A gente toma
muito cuidado onde a gente vai comprar as ervas, erva fresca, principal-
mente erva seca. Você vê, você passa em Pinheiros você vê um monte de
lugar vendendo aquelas árvores torrando no sol, aí pega chuva... Isso não é
legal. Então as frescas, tem duas médiuns aqui que vão na feira. Uma mu-
lher que planta e colhe, traz super fresquinha... Temos o mercado da Lapa
também, que tem duas bancas que fornecem... A gente tem alguns tra-
balhadores que tem erva em bastante quantidade em casa, que traz. Mas
normalmente quando a gente vai comprar seco, a gente procura comprar,
por exemplo, algumas eu compro no Mundo Verde.”
Apesar de, nos últimos anos, ter havido um aumento significativo de estabelecimen-
tos específicos para a venda de ervas e produtos vegetais próprios para o culto sagrado20,
a confiança na qualidade e composição do material ainda é um questionamento para
a comunidade umbandista. Por isso, muitas plantas também são cultivadas em vasos
ou quintais (Figura 6), muito embora a falta de acesso a esses espaços, especialmente
quintais ou jardins, é um empecilho relatado pelos entrevistados. Além disso, muitos
dos entrevistados acabam passando por uma série de cursos de formação específicos
para a manipulação de ervas, como aquele ministrado pelo Pai Ronaldo no SANU. Esses
espaços, portanto, são importantes pois eles cumprem a função que o mencionado “bo-
ca-a-boca” tinha nas gerações mais velhas de umbandistas. Eles são basicamente espa-
ços organizados pela comunidade umbandista para ensinar formalmente a comunidade
sobre as ervas, seus significados e suas propriedades e aplicações.
Agora, independente disso, o Santuário possui essa função de ponto de permuta, e mes-
mo no caminho, ao longo da Estrada do Montanhão, existem muitas espécies vegetais que
podem ser coletadas para logo depois serem utilizadas nos rituais, tal como diz Mãe Shirley:
“Também tem muito aqui nas casas de ervas, e também uma mata aqui perto. E a gente sempre se
comunicando. Porque, a ama da casa, trabalha com a linha só de ervas. Essa
que dá o curso [de formação] lá em São Bernardo. É, indo pro Santuário, ali
tem muito, muito mesmo. Hoje tem, como antigamente nós atravessáva-
mos pelo teleférico. Agora a gente dá a volta. Mas ali tem tantas ervas, que
o povo nem conhece.”
Algumas plantas, mais difíceis de encontrar, acabam sendo, portanto, extraídas da
mata, geralmente das regiões de borda de mata de áreas naturais de fácil acesso. Es-
sas áreas de borda são justamente aquelas que estão degradadas pela ação antrópica, e
contam com uma série de espécies ruderais, de crescimento rápido, justamente aquelas
mais usadas na religião. Às vezes, a própria mata próxima ao Santuário é utilizada para
essa finalidade, geralmente nas bordas da estrada que levam à entrada do Santuário
(Figura 6). Os entrevistados, no entanto, não possuem o hábito de utilizar ervas da mata
dentro do espaço do Santuário ou de plantas presentes no interior dessas matas. Como
o Santuário está compreendido numa unidade de conservação, os órgãos públicos pro-
íbem o desmatamento, extrativismo de ervas na mata e a realização de sacrifícios de
animais. Por isso, os frequentadores trazem suas plantas de fora para o Santuário.
Ou seja, o acesso às ervas tornou-se restrito com a urbanização. Plantas que antes
eram conseguidas em espaços quase naturais, ou limítrofes ao ambiente de mata, como
em matas remanescentes, bordas de estrada ou terrenos baldios ou remanescentes re-
florestais, agora estão cada vez mais escassos. Isso fez com que a procura pelas ervas
passasse a ser mais direcionada em espaços especializados, que foram criados justa-
mente para o fim de vender essas mercadorias:
“Erva fresca ainda tem sua essência mantida. Ela tem sua força natural ainda mantida. A seca já não,
ela já passou por todo um processo de manipulação, secagem. Ela perde
um pouco daquilo que a gente chama de axé, a força natural. (...) E a gente
sabe que hoje se alguém pegar você tirando uma planta do meio da mata,
uma planta nativa, é crime ambiental. Então a gente vai atrás de lugares
que comercializam isso, acaba sendo mais difícil, e você acaba encontran-
do seca. Mas fresca realmente algumas são mais difíceis.” (Pai Rafael em
entrevista)
Portanto, as ervas secas acabam perdendo um pouco da sua energia vital, o axé, mas
que, por falta de escolha, acabam por ser utilizadas, pois é a única forma de conseguir
esse tipo específico de vegetal. Surgem daí as casas de ervas ou barracas especializadas
em feiras livres para a venda desse tipo de material, que agora muitas vezes é seco ou
desidratado, e não mais coletado fresco.
Figura 6
Considerações finais
Tal como no candomblé, os elementos vegetais, ou as “ervas”, são nucleares no de-
senvolvimento e nas práticas da Umbanda. Apesar dos eventuais conflitos aqui apre-
sentados, a natureza é, acima de tudo, parte ou o todo da representação de pontos
de energia, que são, por sua vez, pontos de força das entidades. Preservar as ervas, a
natureza e os espaços naturais é, portanto, preservar a imagem das próprias entidades
sagradas. Por isso, é muito comum que haja uma posição em prol da natureza quando se
considera a relação da religião com a cidade. O culto ou apreço aos espaços naturais na
umbanda, considerados como virgens ou intocados, é essencial e muito valorizado pelos
seus praticantes. As plantas ali presentes, mesmo se não extraídas diretamente de uma
mata para uso, são valorizadas no sentido de comporem uma vegetação íntegra, que por
si só é encarada como sagrada, por ser local de moradia de entidades associadas à mata.
No entanto, este trabalho mostrou que a relação dos umbandistas com a vegetação e as
ervas, mudou com o fenômeno da urbanização. O acesso ao conhecimento sagrado e prático
associado às ervas ficou cada vez mais dependente de uma lógica formal, com, por exemplo,
a realização de muitos cursos de formação sobre ervas. Portanto, enquanto as gerações mais
antigas de umbandistas transmitiam o conhecimento associado às ervas através da oralida-
de, e de algo feito pela comunidade, as gerações mais novas aprendem esse conhecimento
através da formalidade e via cursos, numa lógica de letramento ou de formação.
Independentemente dessa mudança, o SANU é um espaço visto como sagrado e pri-
mordial na prática da umbanda pela comunidade religiosa da Região Metropolitana de
São Paulo. Ele é visto como um refúgio contra problemas de violência, segurança e até
de intolerância religiosa. E não só isso: a maneira como a Umbanda trata a questão das
ervas, da vegetação e da conservação da natureza faz com que o espaço do Santuário
seja algo preservado, como observado no processo de recuperação da antiga área da
pedreira. É, portanto, um espaço que, por ser valorizado não só por ser sagrado, mas
por também ser um espaço natural, tende a se manter íntegro e por muito tempo, res-
guardando também o patrimônio religioso material e imaterial que faz parte da cultura
e história do Brasil e do povo brasileiro.
Agradecimentos
Agradecemos a todos os membros da equipe do Santuário Nacional da Umbanda
pela gentileza, apoio e carinho, em especial Pai Ronaldo e Maria Aparecida, bem como a
todos os entrevistados por terem aceitado colaborar gentilmente com esta pesquisa. Por
fim, agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)
pelo ter financiado o primeiro autor (Processo 2016/22822-0).
Referências
1. SILVA, Vagner Gonçalves da. A criação da umbanda: História Viva. Grandes Religi-
ões: São Paulo: Cultos Afros, 2007a, v. 6, pp. 34-39.
2. BELTRAME, Ideraldo Luiz; MARSAL, Morando. O sagrado na cultura gastronômica
do candomblé. Saúde coletiva, v. 5, n. 26, pp. 242-248, 2008.
3. SILVA, Vagner Gonçalves da. Candomblé e umbanda: caminhos da devoção brasi-
leira. São Paulo: Selo Negro, 2005, 149p.
4. VERGER, Pierre. Ewé: o uso das plantas na sociedade Iorubá. São Paulo: Compa-