Livros Digitais
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Ficha técnica
cantigas
Lideranças Religiosas: Cosme José de Sousa (Cosminho), Gilberto Tito de Araújo (Damaré),
Maria Damiana dos Santos (Damiana), Gildásio Batista de Oliveira (Daso), Edivaldo Nunes dos
Santos (Dil), Idelci Amorim Santos (Dinha), José Henrique dos Santos (Mussum), Pedro Gabriel
Santos de Jesus (Pepê), Valdelice Nascimento de Jesus (Valdelice).
21-62240 CDD-299.673
Índices para catálogo sistemático: Paula Pflüger Zanardi
1. Candomblé : Religiões de origem africana 299.673 André Castilho Pinto
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129
L E N ÇO I S , 2 0 2 1
2 3
Sumário
O Projeto 7
Pedro de Laura 9
Biografia das Lideranças Religiosas 11
Breve história do Jarê 22
Sobre as Cantigas 29
Abertura 31
Ogum 32
Aldeia d’Água 35
Iansã e Santa Bárbara 39
Xangô e São Sebastião 42
Sete-Serra e os Caboclos 44
Linhagem dos Nagôs 55
Boiadeiro 57
Cosme e Damião 59
4 5
O Projeto
Este livro é parte integrante do projeto “Memória das cantigas do jarê” que nasceu da
vontade dos Filhos de Santo do Palácio de Ogum e Caboclo Sete Serra em ter a memória
do jarê preservada e difundida. Com este desejo fomos juntando as peças dessa história
para compor esta linda experiência para vocês. Reunimos fotografias que datam desde
os anos 1970 e gravamos as cantigas que são entoadas nas festas de jarê, valorizando
neste processo as lideranças da religião que participaram do projeto.
O resultado foi a criação de um arquivo digital formado por 445 cantigas que pode ser
acessado no site http://www.cantigasdojare.com.br. Nele você pode ler a transcrição
das cantigas e escutá-las nas vozes de nove lideranças jarê da cidade de Lençóis. Por
Dedicamos este trabalho vezes, os áudios das cantigas não correspondem exatamente às transcrições pois cada
liderança as interpreta a sua maneira, gerando assim diferentes versões de um mesmo
à memória do Curador canto.
Pedro de Laura e também O trabalho de organização das cantigas foi feito originalmente por Gabriel Banaggia em
a Daso, Pai Gil de Ogum, sua tese de doutorado “As forças do jarê: movimento e criatividade na religião de matriz
africana da Chapada Diamantina”. Às transcrições feitas por Banaggia, foram acrescidas
que veio a falecer durante outras que foram sendo ditadas pelos entrevistados, totalizando 457 cantigas.
a realização desta pesquisa. Tratando-se de um trabalho de preservação da memória do jarê, foi inevitável falar do
pai de santo e Curador Pedro de Laura, o maior curador de que se tem conhecimento na
história recente de Lençóis e um dos grandes mestres do jarê da Chapada Diamantina.
Pedro de Laura foi o pai de santo da maioria das lideranças entrevistadas nesse projeto,
pelas quais é lembrado com muito carinho e admiração. A importância do jarê de
Lençóis pode ser auferida, entre outros fatores, pelo reconhecimento em todo território
da Chapada Diamantina do poder de cura de Pedro de Laura.
Com o objetivo de contextualizar o leitor apresentamos um texto sobre a história do jarê,
bem como a biografia de todas as lideranças que participaram diretamente do projeto:
Cosminho, Terreiro de Ogum Guerreiro; Damaré, Terreiro Peji Pedra Branca de Oxossi;
Damiana, líder religiosa de casa de jarê; Daso, Terreiro Pai Gil de Ogum; Dil, Terreiro
Boca da Mata de Senhor Ogum; Dinha, Terreiro de Ogum das Águas Claras; Mussum,
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Terreiro Filhos de Deus e Oxalá; Pepê, Terreiro Castelo de Ogum; Valdelice, Terreiro Este livro se destina aos filhos de santo das casas de jarê, esperamos que gostem do
Águas de Iemanjá. trabalho que foi feito com muito carinho. Também dedicamos este trabalho aos filhos
As fotografias antigas que você encontra aqui no livro como no site são do acervo pessoal de outras casas de matriz africana que queiram conhecer um pouco mais sobre a nossa
de Sandoval Amorim, filho de Pedro de Laura, as mais antigas datando dos anos setenta. cultura. Esperamos ainda que a disseminação do conhecimento sobre nossas práticas
Alguns filhos de santo de Pedro de Laura afirmaram que tinham fotografias dele, mas ancestrais ajude a combater a intolerância religiosa para com as religiões de matriz
grande parte se perdeu ou foi danificada pelo tempo. Assim, pudemos publicar no site africana.
aquelas mais antigas que a tivemos acesso. Na legenda incluímos as informações com
nomes e datas quando foi possível identificar. Durante a pesquisa, solicitamos acesso às Pedro de Laura
fotografias produzidas sobre jarê por fotógrafos, documentaristas e pesquisadores, as
quais foram gentilmente cedidas para o projeto.
A arte do livro e site, criada pela designer Fernanda Cogo, mescla os símbolos tradicionais
da matriz afro com imagens dos pejis (altares) das casas de jarê de Lençóis. A proposta
é proporcionar uma experiência que reflita a lógica do jarê e suas festas, que tem como
principais referências as entidades e a natureza. Esta escolha se dá por não querer
organizar o jarê por categorias do mundo escrito, em códigos e procedimentos que lhe
são externos. Portanto, mobilizar as categorias do jarê significa preservar sua potência e
seu significado para os praticantes neste novo formato digital.
Já a sequência em que as cantigas se apresentam segue a ordem de chamamento
das entidades nas cerimônias do jarê de acordo com a sua linhagem. Há, no entanto,
variações a depender do “guia de frente da casa” e para quem é a festa em questão. Aqui
começamos com Ogum. Na sequência vem as cantigas para saudar a Aldeia d’Água,
seguidas pelas entidades Santa Bárbara e Iansã, Xangô e São Sebastião. A linhagem dos
caboclos, que vem a seguir, é a que apresenta o maior número de entidades. Depois é a
vez dos Nagôs, que chamam os mais velhos para sambar. A linhagem de Boiadeiro e Odé
surgem logo após e, por fim, Cosme e Damião quando o dia já amanhece. Nascido na Vila de Santo Inácio , distrito do município de Gentio do Ouro, no extremo
A Associação dos Filhos de Santo do Palácio de Ogum e Caboclo Sete Serra realizou este oeste da Chapada Diamantina, em 16 de abril de 1928, Pedro Florêncio Bastos desde
trabalho no intuito de valorizar e preservar a nossa memória e a do saudoso curador pequeno era conhecido como Pedro “de Laura”, por ser este o nome de sua mãe, que o
Pedro de Laura. Também o dedicamos à memória de Pai Gil, que infelizmente veio a criou sozinha depois de terem se mudado para Lençóis.
falecer antes da conclusão do projeto. Desde o convite para participar do projeto, Pai Gil Desde muito novo Pedro já exibia sinais de que
colaborou com muita alegria e entusiasmo por acreditar na importância de se preservar nascera com um dom especial para se tornar
a memória da religião a que dedicou sua vida. um curador. Apesar disso Pedro jamais desejou
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Biografia das Lideranças Religiosas
se tornar um pai-de-santo. Poucos sabem como se deu efetivamente sua iniciação, sendo
por vezes associado a uma possível mãe-de-santo, Maria dos Mabaços. A formação de
Pedro aconteceu com Manezinho Bumba, líder e fundador da atual Vila do Remanso,
As biografias a seguir foram escritas com base nas entrevistas concedidas pelas próprias
em Lençóis. Manezinho Bumba havia sido iniciado por Zé Rodrigues, curador de Lençóis
lideranças do jarê biografadas. Nelas são contadas trajetórias pessoais que fazem parte
considerado o maior mestre do jarê que já existiu na Chapada Diamantina. Após a morte
da própria história do jarê de Lençóis e da Chapada Diamantina. Durante as entrevistas
de Manezinho Bumba Pedro de Laura assume os cuidados da casa e fez seus primeiros
alguns pontos chamaram a atenção, como a observação feita por quase todos de que
filhos-de-santo no Remanso.
já não existe mais jarê na cidade, e o grande respeito e devoção a Pedro de Laura pelos
Além do jarê Pedro exercia o ofício de pedreiro que havia aprendido do mestre Miguel
que conviveram com ele, sempre lembrado como um dos maiores mestres da Chapada
Ângelo Guerreiro, vindo com o tempo a se tornar mestre-de-obras e, por sua grande
Diamantina. Ao final dessa página são citados nomes de antigas lideranças recordadas
destreza, o profissional mais recomendado para realização de trabalhos que exigissem
pelos entrevistados, demonstrando que o respeito e reconhecimento aos que se foram
acabamentos delicados.
e veneração à ancestralidade são fundamentais entre os praticantes da religião.
Pedro de Laura compra o terreno próximo ao Rio Capivara, no qual hoje se encontra sua
Cosminho
casa, o Palácio de Ogum e Caboclo Sete-Serra no início dos anos 1950. Praticamente
todos os líderes das casas de culto hoje em funcionamento em Lençóis foram iniciados
na Capivara.
Cosme José de Sousa tem 84 anos.
Seus filhos-de-santo sempre falam a respeito das proezas de que só o criador do Palácio
É filho de Isaulina e Fernando,
de Ogum era capaz. Quando manifestando sua Iansã Pedro podia atravessar a fogueira
que foi um grande curador feito
do terreiro sem se queimar. Pedro também era capaz de prender a respiração por um
pelo pai de santo Sabino. Quando
tempo inacreditável, bem como, ao realizar matanças submersas, concentrar o sangue
nasceu, sua família morava
do animal sacrificado numa cuia e erguê-la para a superfície sem que seu conteúdo se
em Ibiquera, na fazenda Lagoa
misturasse com as águas do rio.
da Onça. Seu pai, Fernando,
Pressentindo a chegada de sua morte, Pedro de Laura removeu grande parte dos
trabalhava na fazenda de Mário
objetos assentados em seu peji e os despachou no Poção do Capivara, tendo ocultado
Hora durante a semana, cuidava
ainda outros para que não pudessem ser utilizados por pessoas que não possuíssem a
de sua roça nos momentos livres
capacidade necessária.
além de prestar o serviço de
A morte de Pedro de Laura está longe de significar o fim de
curador para a comunidade.
sua presença nas vidas daqueles de quem era próximo, e
Sua mãe, Isaulina, teve vinte e
o curador continua a habitar não somente suas lembranças
cinco filhos entre os quais quatro
como seus sonhos.
pares de gêmeos, que faleceram na infância. Cosminho é um desses oito gêmeos.
Nasceu “mabaço” com Damiana, que faleceu ainda criança. Quando Cosme ficou
doente aos cinco anos sua mãe prometeu que faria a festa para Cosme e Damião para
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que ele sobrevivesse. A graça foi concedida e Isaulina continuou a fazer a festa até o filho que não houve uma motivação específica para começar um jarê, mas que quando “você
completar 18 anos, quando transferiu a ele a responsabilidade pela obrigação que havia vem marcado, não tem pra onde correr, tem que cumprir com seu destino”. Há dez anos
feito. Cosminho possui muitos orixás pois, segundo suas filhas, ele assumiu as aldeias construiu sua casa de jarê, onde realiza sua festa em 17 de setembro.
do pai, da mãe e de todos os gêmeos falecidos. Seu terreiro é nomeado em homenagem à uma pedra próxima à localidade, onde estão
Como é comum de se ouvir no jarê, na história de Cosminho também há um período alguns dos assentamentos de Damaré. Para chegar no Peji Pedra Branca de Oxóssi, que
de loucura. Quando era jovem, enlouqueceu e ficou cinco dias no mato, dentro de uma se situa próximo ao rio Mandassaia, é necessário caminhar cerca de 20 minutos por uma
moita de espinho rodeado por uma cascavel. A cobra eram os seus guias que faziam trilha. Percebe-se que estamos adentrando um terreiro, pois vemos os ornamentos
a proteção enquanto ele recebia todas as forças para se tornar curador. Da moita foi cabalísticos que o cercam: panos coloridos amarrados nas árvores, cabeças de bonecas,
tirado à laço e levado ao terreiro de seu pai para tomar os remédios. Depois desse bacias com água, algumas imagens e esculturas.
acontecimento, fez santo com Sabino. Era para ser curador, porém não quis assumir Damaré é artesão. Começou como lapidário, trabalhando pedras semi-preciosas em
o legado de seu pai, comprometendo-se com a festa e em benzer a quem precisasse. formatos de animais. Porém, produz e comercializa artesanatos dos mais diversos. O
Quando se casou com Bernardina, mudou-se para a fazenda Morrinho Encantado, trabalho de transmissão de conhecimento no jarê, segundo Damaré, guarda semelhança
depois para Tanquinho, seguindo para a sede de Lençóis, onde se situa o Terreiro de com o ofício de lapidar pedras que domina: “A gente é como se fosse um diamante bruto
Ogum Guerreiro há mais de trinta anos. Atualmente, suas filhas e netas dão continuidade que tem que lapidar para ficar perfeito. Um curador quando pega um filho de santo ele
à festa do pai. Essas mulheres possuem um forte vínculo com a “festa do pai” e querem tá lapidando pra poder fazer uma joia. Eu entrei em Daso pra ajudar ele a levantar a casa
continuar com o festejo após a partida de Cosminho, se ele assim o desejar. A festa da dele. Desse tempo pra cá ele é meu pai de santo”.
casa dura três dias, com muita comida, crianças, reza e até um reisado.
Damaré Damiana
Gilberto Tito de Araújo, filho Maria Damiana dos Santos, como
de Albertino e Maria, tem 56 a maioria que herda este nome,
anos e é conhecido por todos é gêmea. Não é mãe de santo
em Lençóis como Damaré. Ele e não possui um terreiro, mas
frequenta o jarê desde criança, bate jarê para Cosme e Damião
quando ia acompanhado de sua como é comum ser obrigação dos
avó. Recorda de ter ido nos jarês gêmeos. Sua irmã Dami também
de Domingo Narizinho, Pedro de dá uma mesa de Cosme e Damião
Laura, Dona Flora, Dona Aninha, quando chega setembro. Conta
Ana de Leque, entre outras casas. que antigamente faziam a festa
Quando conta sua história nos diz em uma roça conhecida por
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“Bonita”. Quando os festejos eram lá, duravam nove dias. O pai delas, Feliciano, é quem Justo Canela. Assim, quando sua mãe se desfaz das imagens e atabaques na beira do
começou com a festa aos santos gêmeos e ocupou-se de fazer o “cariru” até as filhas rio, Daso as recupera e passa a cuidá-las no quintal de casa, continuando os festejos de
crescerem e assumirem o compromisso. Cosme e Damião e até rezando algumas pessoas.
Outras manifestações da cultura popular de Lençóis também são praticadas na família. Depois de algum tempo, foi buscar Pedro de Laura para “graduar os meus guias: fazer a
Há mais de trinta anos Damiana se veste de baiana e participa na lavagem da escadaria limpeza, o batizado e a matança”. Na ocasião disse à Pedro que não gostaria apenas de
da igreja do Senhor Bom Jesus dos Passos, rito de início da novena em homenagem ser filho de santo do curador, mas que queria dar prosseguimento ao trabalho de sua
ao padroeiro dos garimpeiros. Seu marido era garimpeiro e seu filho hoje participa da mãe e se tornar pai de santo também. Quando foi pela primeira vez ao jarê de Pedro,
marujada Barcas em Rios. não encontrou o curador. Este estava incorporado com o seu caboclo Sete Serra que
Em Lençóis é muito comum os festejos para Cosme e Damião. Por muitas vezes são falou à Daso que “Seu Pedro” deveria cuidar dos Orixás de Daso para que desenvolvesse
obrigações derivadas de promessas. “Dão a mesa” de Cosme e Damião onde pode ser a sua mediunidade. Com 30 dias de trabalho feito, em 1996, Daso já era pai de santo.
servida canjica, vatapá, caruru, além de doces e balas. Durante a mesa, também se faz a Atualmente é a liderança que mais tem filhos de santo na cidade de Lençóis.
reza aos santos de devoção. Daso trabalhou em muitas profissões e até passou um tempo em São Paulo trabalhando
em metalúrgica, mas é no jarê que encontra sua paixão. O Terreiro Pai Gil de Ogum
Daso realiza quatro festas por ano: Cosme e Damião em outubro, Santa Bárbara em dezembro,
fechada da casa quinze dias após a Quarta-Feira de Cinzas e a aberta da casa quinze dias
Gildásio Batista de Oliveira é após o Sábado de Aleluia. Conta que as festas podem ter de setenta a 150 pessoas e
conhecido na cidade por Daso, que a maior dificuldade de um terreiro é angariar fundos para as festas, que geralmente
mas no jarê é chamado de Pai Gil. advêm de recursos do pai de santo e doações dos frequentadores.
O Terreiro Pai Gil de Ogum fica à Daso é também devoto do Senhor dos Passos e há 34 anos carrega o andor durante a
beira do Rio das Toalhas, em meio festa do padroeiro dos garimpeiros de Lençóis. Sua mãe fez uma promessa ao Senhor
à mata. Iniciou-se no jarê aos 10 dos Passos para que ele sobrevivesse à febre tifoide. Soma-se à promessa da mãe a sua
anos ajudando sua mãe, Luzia própria promessa: quando foi graduado para ser Pai de Santo, Daso pede ao Senhor
Batista, a fazer a festa de Cosme dos Passos para conseguir fazer o próprio terreiro. Desde então lava as escadarias junto
e Damião. Luzia foi feita pelo com as baianas na abertura da novena. Hoje Daso tem um filho de 2 anos que já acorda
curador Zé Rodrigues e, após 30 cantando toque de caboclo. Vê nele a esperança da continuidade do terreiro.
anos realizando o festejo para os
santos gê-meos, ela se converte à
“lei de crente”. Com a saída de sua mãe do jarê, Daso sabia o que fazer para manter a
tradição. Sua sabedoria vem de sua linhagem: de um lado da família sua avó Ana era
indígena e seu avô, Zé Torto, rezava animais. Zé Torto marcava o casco dos jegues para
poder rezar e curar pelo rastro que o bicho deixava. O seu outro avô era o curandeiro
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Dil Dinha
Edivaldo Nunes dos Santos, Idelci Amorim Santos é conhecida
conhecido como Dil, nasceu como Dinha e hoje comanda a
em Pau de Colher, zona rural Casa de Ogum das Águas Claras.
próxima a Lençóis. Sua família é Começou a ir para o jarê por volta
da comunidade quilombola do dos 15 anos. A casa que mais
Remanso, onde atuava o curador frequentava era a de Pedro de
Manézinho Bumba. Dil adoeceu Laura. Depois de algum tempo
por causa de uma comida e foi Pedro pediu que Dinha fizesse
Pedro de Laura que o tratou com uma saia de Orixá para ela dançar.
um forte purgante. Ficou sete dias A partir deste momento começou
internado sob os cuidados de a levar o jarê mais a sério. Em um
Pedro, porém antes de fazer o seu trabalho, o curador faleceu. Foi então buscar a ajuda jogo de cartas um vidente revelou que Dinha corria grande risco de morte e pediu que
na casa de Daso, onde ficou outros sete dias e realizou dois trabalhos que o iniciaram buscasse um curador. Recorreu então a Pedro de Laura que fez suas obrigações à beira
no jarê. Dil possui grande apreço por seu pai de santo e pelo que ele faz pelas pessoas do rio Capivara, durante os festejos de Santa Bárbara. Segundo ela, deve sua vida a
da comunidade. No Terreiro Boca da Mata de Senhor Ogum, Dil realiza a festa de Santa Pedro, e em qualquer circunstância adversa é por ele que chama: “Se eu estou meio
Bárbara e a festa Cosme e Damião no mesmo dia. Esta última era obrigação de seu filho, arrochada eu chamo pelo santo dele e sou valida”. Dinha nos conta que nem a morte foi
em virtude de uma promessa que Terezinha, sua mãe, havia feito. capaz de levar Pedro, pois ainda sente a presença de seu espírito por perto.
Dil não é curador, porém reza as pessoas. Conta que trabalha na intenção de um dia ser Os laços entre os dois ultrapassam o jarê. Pedro cuidou do filho de Dinha, Sandoval, no
curador. Ele, todavia, não vê a possibilidade de seus filhos darem continuidade ao seu primeiro mês de vida. Como ainda era muito jovem e sem condições financeiras para
terreiro pois, para que alguém fique no jarê, este deve morar na roça e dedicar muito do cuidar da criança, Dinha aceitou que Pedro o adotasse quando Sandoval tinha 4 anos de
seu tempo às atividades do terreiro: “tem que ter amor e carinho pra cuidar de um tanto idade. Dinha, no entanto, sempre esteve presente na criação de seu filho.
de santo desses”. É consenso entre os filhos de santo de Pedro de Laura que o curador é pai de santo de
A mudança de local do seu terreiro também marca a interrupção das práticas de jarê na inúmeras pessoas Brasil afora. São tantas que nem conseguem estimar quantos seriam
comunidade. Antes sua casa era na cidade, até que as casas vizinhas foram vendidas a seus filhos de santo. Dinha conta que até recentemente apareciam pessoas de outras
evangélicos. Dil então mudou-se para a roça para não assustar ou incomodar os vizinhos, cidades buscando por Pedro, sem saber que havia falecido. A devoção a Pedro é tão
evitando possíveis problemas. Durante a conversa, nos contou também que muitos grande, conta Dinha, que até “a festa que eu faço é do santo de Pedro, é promessa que
filhos de santo do jarê mudaram de religião e acabam por abandonar suas imagens no eu fiz e cumpro todos os anos”. Na Casa de Ogum das Águas Claras são feitas duas festas
cemitério ou na encruzilhada. em uma mesma ocasião: o “cariru” para Cosme e Damião e a festa de Iansã.
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Há mais de 40 anos Dinha costura roupas para o jarê. Quando pergunto das cores, no Recôncavo Baiano, em busca de outra liderança religiosa capaz de tirar a mão fria
explica que roupa para Santa Bárbara deve ter cores vermelha, branca e amarela. Já do segundo curador. O pai de santo de Cachoeira o dispensou de cumprir a obrigação
Oxum, usa amarelo. Mas é possível fazer uma roupa amarela e vermelha “que vai pegar naquele momento, dizendo que só precisa fazer um reforço dela após oitenta anos.
as duas Orixás”. É visível o esmero em suas criações: laços de fita, rendas, camadas de Seu filho Aílton atuou no filme “Besouro”, rodado em Lençóis em 2009. O dinheiro que
tecido e mangas bufantes. “Se eu pudesse eu botava minhas meninas para vestir ouro! ganhou com a filmagem foi entregue ao pai para que pudesse comprar o direito de
Quando a gente dá valor ao Orixá parece que a gente está voando com a roupa”. posse do terreno onde viria a construir o Terreiro dos Filhos de Deus e Oxalá. A família
de Mussum mantém e transmite as tradições da cultura lençoense. Sua esposa, Nega,
é atuante na Sociedade União dos Mineiros, uma das organizações responsáveis pela
Mussum realização da Festa de Senhor dos Passos. Seu neto Tiago, com apenas 14 anos, participa
da marujada, Lyra, capoeira, além de acompanhar os festejos da casa de seu avô. O
José Henrique dos Santos é terreiro de Mussum realiza cinco festas por ano: a aberta e fechada da casa, Caboclo Rei
conhecido como Mussum, seu Marinho, Senhora Santana e Iansã.
terreiro de jarê dos Filhos de
Deus e Oxalá fica no alto Capivari, Pepê
muito próximo à casa de Pedro
de Laura. Mussum chegou em Pedro Gabriel Santos de Jesus, o
Lençóis em 1973, aos 18 anos, Pepê, teve sua iniciação no jarê
criando raízes na cidade ao se aos 3 dias de vida quando recebeu
casar quando tinha 22 anos. A pela primeira vez sua entidade
família de Mussum já tinha suas de coroa. Na ocasião, foi dado
obrigações com as entidades. Sua como morto pela avó e levado às
avó era parteira e trabalhava com pressas ao hospital, onde acabou
Nanã Borocô. Após falecer aos 116 anos, sua filha assume a responsabilidade e trabalha se recuperando após 24 horas de
com Costa Nagô “segurando menino”. Mussum veio a conhecer Pedro de Laura e foi internação.
trabalhar com ele como ajudante de pedreiro. Assim que Pedro fez um jogo de búzios, Pepê era uma criança apática. Não
Mussum descobriu que teria que cuidar de sua aldeia e das entidades deixadas por sua brincava, não comia ou bebia.
mãe. Mussum que hoje está com 59 anos, foi o penúltimo a fazer santo com o curador Segundo ele, foi “um sofrimento
Pedro, entre 1983 e 1984. até eu entender que era da religião”. Aos sete anos acompanha sua avó no jarê, onde
Após o falecimento de Pedro, Mussum vai em busca do curador Zeca do Barbosa de recebe uma entidade que manda um recado: Pepê teria que seguir as doutrinas senão
Itaetê, pai de santo de sua mãe, avó e irmã. Zeca “tirou a mão fria” de Pedro, mas seria levado para o outro reino. Assim começa a se tratar. Em Utinga fez as obrigações
infelizmente veio a falecer seis anos depois. Mussum então vai à cidade de Cachoeira, com a mãe de santo Irani Gonçalves, que fez santo na cidade de Cachoeira. É enrolado,
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catulado, raspado e coroado. Com apenas 12 anos de idade, Pepê se torna pai de santo. com base de madeira e coberta de palhas, que se difere das casas de taipa por não ter
Pepê conta que sua casa é de Umbanda. Contudo, é visível a influência do jarê no peji, enchimento nas paredes. Por vezes Valdelice faz uma nova promessa, e paga com um
nas vestimentas e outros elementos do Castelo de Ogum. Apesar de alguns festejos “cariru”, além da tradicional canjica.
para Cosme e Damião, conhecidos como “mesa”, serem realizadas dentro da cidade, os Seu primeiro trabalho foi feito quando tinha nove anos de idade, e o batizado aos 17
terreiros de jarê se situam afastados do centro, com acesso por vezes difícil em estradas anos, com o curador Pedro de Laura. Sua família inteira era da casa de Pedro. Valdelice
precárias que cruzam rios. Única exceção à regra é o terreiro de Pepê que fica no bairro conta com nostalgia da época que tinha jarê para todos os lados. Nos dias 7, 17 e 27 de
do Tomba, um dos mais populosos de Lençóis e próximo ao centro. setembro todas as casas festejavam Cosme e Damião. Atualmente, conta com o apoio
O Boiadeiro é a entidade de frente da casa. No pátio da casa há um mourão de boiadeiro, de sua família na condução dos festejos de sua casa de jarê, tanto do marido Corró,
coberto de palha e rodeado de folha de aroeira onde o boiadeiro trabalha. As festas do como de suas filhas, e espera que elas continuem com os festejos de Iemanjá realizados
Castelo de Ogum são: Cosme e Damião, Boiadeiro, Oxóssi, Iemanjá e Santa Bárbara. no mês de fevereiro.
Cada festa recebe ao menos cem pessoas, entre filhos de santo e visitas.
Pepê é o pai de santo mais novo da cidade. Com a grande responsabilidade que assume Antigos curadores e lideranças que foram citados durante as entrevistas:
apesar da pouca idade, tem apenas 20 anos, ele representa a transmissão da religião Pedro de Laura, Zé da Bastiana, Valdemar, Flora, Domingos Narizinho, Dona Aninha,
para as novas gerações. Na sua fé existe o compromisso com essa continuidade: “não Flora, Alice, Bela Sacola, Luzia, Joaninha Palito, Valdé de Garrincha, Ana Rosa, Ana
deixa e nunca deixará a umbanda, o candomblé, nem o jarê acabar. No jarê eu nasci, no Trancinha, Dona Nena, Dona Alice, Pedrina, Maria Ingrassa, Balbina de Salu, Ana de
jarê eu me criei, e no jarê eu morrerei. Isso é uma mensagem que meu pai Ogum e Oxalá Leque, Dona Roxa, Dona Pomba, Dona Roxa Cassiano.
passam para todos”.
Valdelice
Valdelice Nascimento de Jesus
começou a dar sua canjica para
Cosme e Damião depois que
teve gêmeas, há 39 anos. Seu
terreiro Águas de Iemanjá está
localizado no bairro do Baixio há
19 anos, mas é participante no
jarê desde muito antes: “entrei
no jarê na barriga da minha mãe”.
Originalmente seu terreiro era
na “latada”, construção simples
20 21
milhões de pessoas3. Calcula-se que a maioria
Breve história do jarê dos africanos ocidentais foi traficada para cá
no século XIX, vindos de uma região que os
A história do jarê na Chapada Diamantina se traficantes portugueses chamavam de Costa da
confunde com a história do desenvolvimento do Mina, que fica entre Gana e Lagos, a Nigéria. Entre
garimpo na região. Mais amplamente, ela está o final do século XVIII e início do XIX, traficantes
conectada com a história da diáspora africana baianos mantinham estreitas relações comerciais
resultante da imigração forçada milhões de com negociantes de escravos da Costa da Mina,
cativos para trabalharem em terras brasileiras. fazendo com que a praça de Salvador se tornasse
O Brasil foi o principal destino do tráfico de a principal porta de entrada de africanos e
escravizados da América, tendo recebido cerca africanas dessa região4. Isso explica o fato de que
de 4,8 milhões de cativos africanos entre 1550 e em torno de 75% dos africanos ocidentais tenham
1850 . Como sabemos, até a abolição em 1888, os
1 se concentrado na Bahia5, trabalhando tanto em
escravizados foram a principal força de trabalho atividades agrícolas e pecuárias como nos centros urbanos. Dessa área foram trazidos
no país, sendo fundamentais nos trabalhos rurais para o Brasil majoritariamente povos falantes de línguas dos troncos gbe e yorubá, que
e nas áreas urbanas, bem como na mineração. na Bahia ficaram respectivamente chamados de jejes e nagôs.
Entre os séculos XVI e XVIII a maioria dos africanos
vinha da região centro-ocidental da África, Com a descoberta de diamantes na serra do Sincorá, cujos relatos mais remotos
designada na literatura como Congo-Angola. De remontam aos registros de viagem do zoólogo Johann Baptist von Spix e do botânico
um modo geral, os habitantes da África Centro- Carl Friedrich Martius de 18206, a área que viria a ser conhecida como Lavras Diamantinas
Ocidental (que se estende do Camarões até se torna alvo de grande interesse nacional. A existência de jazidas faz com que o foco dos
Angola) eram falantes de línguas bantu, região interesses econômicos se desloque da costa da província da Bahia para o seu interior.
que, segundo a literatura especializada, constitui A notícia sobre os diamantes se espalha, promovendo um grande deslocamento de
um tronco cultural uno que partilha cosmovisões pessoas de diversas partes do país para a região montanhosa localizada no centro
e valores sociais2. Salvador e Rio de Janeiro geográfico do estado. As principais rotas de migração eram pelo sul, de pessoas vindas
foram as principais praças de entrada dos cativos das Minas Gerais, e pelo litoral baiano. Há registros de povoamentos formados por
oriundos da África central, sendo levados desses
1
KLEIN, H. S. Demografia da escravidão. In: SCHWARCZ, L. M.; GOMES, F. DOS S. Dicionário da escravidão e liberdade: 50
locais para realizar trabalhos forçados em diversas textos críticos. [s.l.] Editora Companhia das Letras, 2018.
2
SLENES, R. W. Africanos centrais. In: SCHWARCZ, L. M.; GOMES, F. DOS S. Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos
partes do território. críticos. [s.l.] Editora Companhia das Letras, 2018.
3
PARÉS, L. N. Africanos ocidentais. In: SCHWARCZ, L. M.; GOMES, F. DOS S. Dicionário da escravidão e liberdade: 50
Já os cativos da África ocidental, uma região que se estende do Senegal ao Gabão, textos críticos. [s.l.] Editora Companhia das Letras, 2018
constituíram cerca de 25% dos escravizados trazidos ao Brasil, algo próximo de 1,2
4
FLORENTINO, M.; RIBEIRO, A. V.; SILVA, D. D. DA. Aspectos comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (séculos XVIII
e XIX). Afro-Ásia, v. 0, n. 31, 27 jan. 2004.
5
PARÉS, L. N. Africanos ocidentais, 2018.
22 6
TOLEDO, C. DE A. A região da Lavras Baianas. text—[s.l.] Universidade de São Paulo, 28 mar. 2008.
23
garimpeiros, livres e escravizados, já nas primeiras décadas da exploração diamantífera. durante o período da mineração, reuniam-se buscando recriar as experiências sociais e
Em meados do século XIX, o adensamento populacional leva o governo provincial da comunitárias das quais foram retirados. O terreiro era um dos espaços onde africanos,
Bahia a elevar alguns deles a vilas, como é caso daquelas que formas a região da Lavras mesmo que de culturas distintas, se organizavam e criavam formas de convívio, laços
Diamantinas: Lençóis, Mucugê, Andaraí e Palmeiras. Tal ocupação, no entanto, ocorreu de parentesco e relações de irmandade interligadas pela religião. As crenças, cultos e
através da lógica da conquista colonial que promoveu o extermínio de indígenas por costumes trazidos por essa população africana que chegou à Chapada Diamantina em
todo o continente americano. Os povos originários que ocupavam o sertão baiano meados do século XIX foram se adaptando à realidade local.
pertenciam às nações indígenas dos grupos linguísticos Tupi, Cariri e Gês, sendo Conta o antropólogo Gabriel Banaggia, com base em relatos orais transmitidos por
encontradas na Chapada Diamantina os grupos étnicos Aracapás, Mongóis, Galaches, pessoas antigas da cidade de Lençóis, que senhoras nagôs naturais da região do golfo
Ocrens, Oris, Cariacãs, Paiaiás e Maracás . Apesar de haver pouquíssimos registros sobre
7
do Benin, na costa ocidental da África, exerciam papel de liderança nas comunidades
os índios do interior da Bahia, o mais provável é que seu quase desaparecimento da negras das cidades de Lençóis e Andaraí. Essas senhoras teriam vindo de Cachoeira
região esteja ligado à sua morte e expulsão de suas terras pela exploração do garimpo (cidade ainda hoje referência das religiões de matriz afro no Brasil) e navegado através
de diamantes. do rio Paraguaçu até aportar em Lençóis trazendo seus ritos, celebrações e objetos de
uso ritual que são considerados centrais no jarê. Chegado na Chapada Diamantina,
O desenvolvimento do garimpo nas Lavras Diamantinas envolveu, de um lado, os o candomblé jeje-nagô praticado por essas senhoras se funde aos elementos pré-
que lucravam com a exploração, os grandes proprietários de terra e comerciantes de existentes de fundamento congo-angola. Foi a transformação ocorrida com esse
diamantes, e de outro os explorados, homens pobres livres e africanos escravizados. candomblé de nagô, como é conhecido, na região das Lavras que veio a dar origem ao
Devido à facilidade de acesso, o mais provável é que os africanos trazidos para trabalhar jarê9.
nos garimpos fossem da África Ocidental, das nações Jeje e Nagô. No entanto, devido
a sua dispersão pelo território nacional, muitos deles possivelmente eram oriundos O relato sobre a história das senhoras nagôs carrega algo que revela uma característica
da região Congo-Angola, na África Central. Com eles vieram suas formas de vida, marcante no jarê: o sincretismo que está na sua própria gênese. As religiões africanas
sociabilidade e cosmovisões. Foi no bojo desse processo que teve origem o jarê da cultuadas pelos cativos e libertos que chegaram na Chapada Diamantina, e no Brasil
Chapada Diamantina. de um modo geral, tem em sua essência uma abertura que favorece a incorporação de
elementos de outras fés, o que explica a rica diversidade de religiões encontradas na
Assim como as demais religiões de matriz africana no Brasil, o jarê surge historicamente África10. Assim, apesar das adversidades vividas por africanos e seus descendentes, o
por meio de complexas interações culturais entre cultos afro com o catolicismo popular Brasil representou um solo fértil para incorporação de crenças que deram origem às
de origem ibérica, o espiritismo e culturas indígenas . Em uma sociedade escravocrata
8
religiões afro-brasileiras, a exemplo do candomblé, da umbanda, do tambor de mina e
de constante repressão a população de origem africana, seja liberta ou escravizada, tantas outras.
a religião se torna um espaço de união e resistência. Africanos vindos de diferentes
regiões da África, assim como seus descendentes, que chegaram à Chapada Diamantina O jarê é comumente entendido como uma variante do candomblé, mas diferente de
7
BANDEIRA, R. L. 1995. Chapada Diamantina: história, riquezas e encantos. Salvador: Empresa Gráfica da Bahia. 9
BANAGGIA, G. As forças do jarê, religião de matriz africana da Chapada Diamantina. Rio de Janeiro: Garamond, 2015.
8
PARÉS, L. N. Religiosidades. In: SCHWARCZ, L. M.; GOMES, F. DOS S. Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos p. 107-109
críticos. [s.l.] Editora Companhia das Letras, 2018. 10
PARÉS, L. N. “Religiosidades”, 2018.
24 25
sua versão litorânea mais “ortodoxa”, ele seria mais aberto à assimilação de influências mudanças a partir dessa influência afro-indígena, o que está na base das particularidades
externas ao cultos Bantu-Yorubá que estão na sua raiz . O antropólogo Ronaldo Senna
11
dessa religião, seja em sua música e dança em ritmos acelerados, nas cantigas em língua
define o jarê como um candomblé de caboclo, isto é, um culto resultante do encontro vernácula puxadas pelas entidades ou nos momentos de práticas de cura.
de entidades yorubás com entidades nativas da região da Chapada, que seriam espíritos A cura é um dos momentos rituais mais importantes no jarê. A capacidade de tratar
descendentes de índios12. pessoas dos mais diversos males está ligada ao dom que o pai-de-santo, conhecido
como curador, tem de interagir com pessoas e espíritos conseguindo identificar e curar
Esse cruzamento entre divindades africanas, ameríndias e do catolicismo talvez se problemas que escapam ao controle dos humanos. São os caboclos que exigem do
explique pela natureza dos cultos e culturas bantu-nagô que se encontram no Brasil. curador que este cumpra o seu destino e lhe conferem os poderes de cura após um
A interação que escravos e libertos nagôs estabeleciam com culturas locais e outras longo e penoso processo de limpeza do seu corpo e assentamento de seus guias16. Além
nações africanas ajudaram a criar novas identidades e sociabilidades que resultaram disso, o trabalho do curador prescinde de um reconhecimento da comunidade quanto
na organização de formas de associação em torno da religiosidade13. Esses laços aos seus poderes.
religiosos fortaleciam os vínculos entre africanos, como ocorreu com o jarê. Já os bantu
carregavam consigo o culto aos espíritos tutelares da terra, que são entidades que O arriscado trabalho de busca por diamantes provavelmente favoreceu o
auxiliam os grupos que vivem em uma determinada área. Ao entrarem em um novo estabelecimento de conexões entre o garimpo e o jarê. Além os laços de fraternidade
território a primeira preocupação dos bantu era saber quem são os donos da terra (seus que a religião forjava entre africanos escravizados e libertos, a participação nos rituais
espíritos tutelares) e como entrar em contato com eles. Com a vinda forçada para terras de jarê poderia servir como medida de proteção contra acidentes e mesmo para livrar da
brasileiras, africanos congo-angolanos realizavam rituais para entrar em contato com morte, acontecimentos recorrentes nos trabalhos nas serras da Chapada Diamantina.
espíritos indígenas, “caboclos”, em seus rituais: as entidades donas da terra14. Além disso, o diamante encontrado e bem escondido dos senhores donos dos garimpos
era estratégico para a compra de alforrias. Os curadores de jarê, através de consultas às
Conforme consta pelos relatos orais, as festas de candomblé organizadas pelas entidades, poderiam indicar ao garimpeiro algum caminho para encontrar a desejada
senhoras nagôs onde ocorriam danças e toques dedicados a rituais de incorporação das pedra, o que em geral implicava na determinação de obrigações rituais para “desinfusar”
entidades africanas, eram visitadas por espíritos indígenas. Esses espíritos dos primeiros o garimpeiro e conduzi-lo ao bambúrrio, isto é, à descoberta do diamante, e esse à sua
ancestrais dessas terras se faziam presentes nas cerimônias, sendo aceitos pelas nagôs, fortuna.
que passaram a adotar espaços para adoração dessas entidades do lado de fora de suas
casas. Ao longo do tempo as entidades indígenas passaram a ser acolhidas dentro das Assim, com o passar do tempo, o garimpo e o garimpeiro desenvolvem uma relação
casas de culto, dando origem ao jarê que ainda se pratica na Chapada Diamantina . De 15
de identidade com o jarê. De acordo com Ronaldo Senna, ao passo que a cosmologia
acordo com Gabriel Banaggia, tanto a cosmologia como a ritualística do jarê sofreram católica não oferecia resposta imediata às inquietações do garimpeiro, o jarê oferece um
universo místico que vem ao seu socorro17. As explicações sobre a sorte ou dificuldades
11
ALVES, P. C.; RABELO, M. C. Jarê: Religião e Terapia no Candomblé de Caboclo. In: Anais do Encontro de Estudos
Multidisciplinares em Cultura. Salvador: Faculdade de Comunicação/UFBA, 2009. sobre a vida no garimpo que pertencem a cosmologia do jarê e são transmitidas
12
SENNA, R. S. Jarê: Uma Face do Candomblé. Feira de Santana: UEFS, 1998.
13
PARÉS, L. N. Africanos ocidentais., 2018 através dos curadores, atravessaram as décadas e seguiram fazendo parte da rotina
14
SLENES, R. W. Africanos centrais., 2018
15
BANAGGIA, G. Conexões afroindígenas no jarê da Chapada Diamantina. Revista de Antropologia da UFSCar. 9 (2), jul./ 16
ALVES, P. C.; RABELO, M. C. Jarê: Religião e Terapia no Candomblé de Caboclo
dez. 2017: 123-133. 2017.
26
17
SENNA, R.; AGUIAR, I. Jarê: instalação africana na Chapada Diamantina. Afro-Ásia, v. 0, n. 13, 19 jan. 1980. 27
dos garimpeiros até gerações mais recentes. A crença na união espiritual entre os
diamantes e as estrelas, de que para cada astro há um diamante enterrado; a ideia de Sobre as Cantigas
que o diamante tem um dono escolhido pelo destino; se orientar pelo chamamento que
o diamante faz ao seu dono através de sinais de som e de luz; a crença de que a pedra Um dos aspectos que diferem o jarê de outras religiões de matriz afro é a forte influência
tem vida própria, se escondendo de quem não o merece e se revelando ao seu dono. indígena tanto nos seus rituais como na sua cosmologia. O ponto mais importante
dessa presença está na veneração, junto aos orixás do candomblé, de espíritos
Esses exemplos demonstram como o jarê penetrou na vida cotidiana dos moradores da indígenas. Estes são conhecidos como caboclos, que é a antiga designação do índio
Chapada Diamantina, e mais particularmente da cidade de Lençóis. brasileiro. A assimilação desses espíritos indígenas aos ritos do jarê é tão marcante que,
Outra forma de perceber essa influência da religião na sociedade está no reconhecimento eventualmente, todas as entidades passaram a ser referidas como caboclos, fenômeno
popular sobre o poder dos curadores de jarê. A persistência da importância do curador esse que pode ser entendido como uma “cablocarização” dos orixás .
com o passar do tempo pode ser verificada na constante demanda por suas capacidades
milagrosas, sendo este encarado pelo povo como alguém sempre presente e disposto a As cantigas entoadas durante o culto possuem um papel central no jarê, pois é através
ajudar os necessitados e que realiza seu trabalho sem exigir algum retorno em dinheiro. delas que se faz o contato com os caboclos. Assim, para cada entidade existe um
Por sua especialização e conhecimento de medicina incumbida de poderes mágicos, o conjunto de cantigas específicas. Porém, as cantigas não são criadas por pessoas que
curador ocupa um papel de autoridade . 18
frequentam o jarê, mas são “trazidas” pelas próprias entidades através das pessoas
durante a incorporação.
A história do jarê só pode ser pensada a partir da história do desenvolvimento das Lavras
Diamantinas e suas comunidades. Não seria exagero dizer que o inverso também é Durante a festa de jarê, as cantigas são puxadas seguindo uma ordem de convocação
verdadeiro. Os saberes e cosmovisões do jarê ajudaram a criar experiências de convivência dos caboclos respeitando suas linhagens. Para cada linhagem são entoadas músicas de
baseadas no espírito coletivo, na solidariedade comunitária e na reverência à ancestralidade chegada, incorporação e despedida, as quais podem ser cantadas diversas vezes dentro
que unia escravizados e libertos, e oferecia meios para resistir ao sofrimento a que estavam do seu momento, mas não em outra situação .
submetidos. Com o declínio do garimpo já no fim do século XIX, as populações das cidades
e povoados da região, majoritariamente negras, ficaram sujeitas a um isolamento que O chamamento das linhagens de caboclo na festa de jarê se altera conforme casa e
trouxe grandes dificuldades e privações para as pessoas de um modo geral. É provável que festa. Em uma festa para Iansã é de se esperar que ela seja saudada logo após Ogum,
tais condições tenham gerado uma maior identificação com o jarê, seus ritos, com o culto porém em outros contextos é a Aldeia d´Água que se apresenta primeiro. Assim temos
às suas entidades e valorização das suas visões de mundo. Apesar da redução do número Ogum, seguido dos caboclos da segunda linhagem que pertencem à Aldeia d’Água,
de casas de jarê nos últimos anos, é raro encontrar algum nativo ou nativa em Lençóis, como Marinheiro, Sereia, Iemanjá e Mãe d’Água. Depois chama-se por Iansã (ou Santa
cidade que congrega o maior número de terreiros, que não tenha tido algum com contato Bárbara) e Xangô. Essas entidades são sucedidas pelos caboclos da terceira linhagem
ou relação mais próxima com a religião . O jarê é parte fundamental do imaginário
19
que é a Força da Mata, considerados os mais bravios por serem caboclos de índios
coletivo que forma a identidade do povo da Chapada Diamantina. guerreiros, sendo eles os guardiões do terreiro. São caboclos da Força da Mata o Sultão
das Matas, considerado o líder da linhagem, Eru, Tomba Morro, Índio, Oxóssi, Sete Serra
18
SENNA, R.; AGUIAR, I. Jarê: instalação africana na Chapada Diamantina., 1980. p. 81
28
19
BANAGGIA, G. As forças do jarê, religião de matriz africana da Chapada Diamantina. 2015, p. 140. 29
(caboclo de Pedro de Laura), Turco Leão, Jericó e Mineiro. Demos destaque a Sete Serra
neste projeto por ser o caboclo de Pedro de Laura, que não voltou a ser incorporado
desde a partida do curador. Há a linhagem do “povo velho” também referenciados como
os nagôs: Nagô, Nanã, Oxalá, Balauê. Em alguns jarês, ao sair a linhagem dos velhos,
é dado lugar à entrada da linhagem de Boiadeiro, que se manifesta no raiar do dia e
se transforma no guia espiritual dos mortais. Por fim, são as crianças, representadas
principalmente por Cosme e Damião, mas que também têm outras formas: Doum,
Tapuia, Crispiniano e Crispim.
No final da festa de jarê, são cantadas as cantigas de despedida de todo o culto, sendo
comum que essas serem músicas com pedidos para os que participaram, como proteção,
orientação e felicidade.
Ogum das águas claras Quando eu andava, em um caminho
As cantigas transcritas a seguir estão organizadas respeitando a ordem de anunciação É vem acolá Eu só chamava por meu Deus
dos caboclos na festa de jarê. Esta sequência difere um pouco das apresentadas pelos Vem abrindo as estradas E tanto eu chamei por ele
Com seu batalhão real Até que ele me valeu
estudos de Ronaldo Senna e Gabriel Bannagia , mas segue a ordem que nos foi narrada
pelas lideranças de Lençóis. Esperamos esse momento de escuta e leitura das cantigas Que barco é aquele Nada mais do que Deus, meu Deus
proporcione uma experiência que te aproxime dessa religião afro-brasileira. Ô que ê vem beirando o mar Só mesmo Deus, meus Deus
Mas é o barco de Ogum Seja por mim, meu Deus
Carregado de orixá Ajude eu, meu Deus
30 31
Quem sabe se Ogum foi pro debate Ô vamos bater palma na coroa de Ogum Aonde está, senhor Ogum
Quem sabe se Ogum foi guerrear Ogum venceu a guerra Aonde está que não me responde
Me dê notícia de Sete-Serra, Jericó Vamos todos, saravá Ele está em alta aldeia
O que é que houve lá na aldeia Cetroá Aonde mora o rei de conguê
Eu sou Ogum
Não bebo nada Ô méje méje, de Ogum mejê-eá
Só bebo água de sereno Ogum mejê-eá
Quando eu achava
Ogum das sete espadas
Quem mexer com os filhos de Ogum Das sete espadas, meu Deus
Morreu, morreu, morreu Valei-me senhor Ogum
Quem mexer com os filhos de Ogum Valei-me Ogum, meu Deus
Morreu, morreu, perdeu
Onde está Ogum
Senhor Ogum foi pra Itália Que eu venho te ajudar
E Oxalá deu carta branca Eu vou pra minha aldeia
Senhor Ogum foi para guerra Eu vou e torno voltar
Senhor Ogum foi vencer demanda
Ô xá, de xaraxaxá
Eu tenho minhas sete espadas Ogum ê, Ogum á
Pra me defender Ô xá, de xaraxaxá
Eu tenho Ogum na minha companhia Senhor Ogum já veio do mar
Ogum-ê, meu pai
Ogum-ê, meu guia Só Deus, só Deus
Portas abertas, casa incensada Ogum, ogum Ogum-ê, meu pai Só mesmo Deus
Ogum de Lê, é coroado Ouça a voz de quem voz chama Ogum abençoado o filho da Virgem Maria Com os filhos de Ogum
Senhor Ogum, vem cá, vem cá Ouça a voz de quem voz chama Só quem pode é Deus
Tá lhe chamando lá na aldeia Cetroá Lá na aldeia de aruanda Ogum é pai, é pai
Ogum não engana ninguém Ogum debateu, debateu, debateu
Fala Ogum, fala Ogum-ê Da torre da igreja, Ogum assobiou Ogum é pai, é pai Meu Deus, Ogum debateu
Fala Ogum, seu Ogum tá no jarê Ogum abençoado, foi Jesus que abençoou Ele debate também Ogum nunca tremeu, meu Deus
Ogum, Ogum, ê Ogum nunca faltou
Ogum no seu cavalo branco Ogum foi dos primeiros que nessa casa Ô, abre as estradas Ogum Esse caboclo é bom
E com a sua espada de luz chegou A porta, Baluaê É bom pra guerrear
Ogum, Ogum meu pai Oxalá é quem manda No terreiro de Ogum
Cubra teus filhos com o manto de Jesus Seu Ogum Beira-Mar Santa Bárbara vem trazer Quando a aldeia precisar
Ogum de Lê, meu pai O que é que trouxe de lá
Seu Ogum Beira-Mar Ô meu senhor, Ogum Ogum menino, Caiçara no lajedo
Ô narê, fala Ogum que é de Lê, leguedê O que é que trouxe de lá Ô meu senhor, Ogum de Lê Aê, aê, Caiçara no lajedo
Fala Ogum que é de Lê, camurajô Mas ele veio, ele veio beirando a aldeia A estrela que mais brilha
Fala Ogum que é de Lê, leguedê Ele traz contigo o retrato de mamãe Sereia Em Aruanda, aê Sou eu, pai Ogum
32 Sou filho que não tenho medo 33
Eu não tropeço no caminho Seu Ogum de ronda, ele vem rondar
Mas também não escorrego no lajedo Seu Ogum de ronda, ele vem rondar
Ô ele não faz ronda
Ogum-inho veio, Ogum já veio do mar Ele veio olhar olhar
Ogum-inho veio, Ogum, do pé da serra
Ogum correu da cutela caiu na curela
Olha pro céu, filho Ogum de Lê
Que Deus é um bom pai Ogum correu da cutela caiu na curela
Quem é filho de Ogum Ogum de Lê
Ê, balança mas não cai
Ogum é rei dos ares
Ô, gira-ê, giranda Ele é iolodê
Corta a língua desse povo falador Ogum é rei dos ares
Na minha espada eu não tenho embaraço Ele é iolodê
Me chamo Ogum de Lê
E o meu peito é de aço Quando Oxalá partiu pra guerra
Ogum tomou conta do lugar Louvores a Deus, ô viva Nossa Senhora Marinheiro da Vila Velha
Saravá, saravá Olha teus filhos no terreiro Ogunhê Ô viva, a nossa Aldeia d’Água Eu vi sofrer
Ô viva, meu pai Oxalá Não deixa seus filhos sofrer Se não fosse Marinheiro
Saravá, saravá Marinheiro Que seria de você
Ô viva Ogum, que ele veio vadiar Ogum já vai embora, ô gente
Vai no balanço do vento, ô gente Puxa a linha Marinheiro Ô Santa Rita Pescadeira
Ogum de Lê Marinheiro marinho Tomaram meu anzol
Qué, qué, qué, cereuá Caboclo já vai embora Puxa a linha Marinheiro Tomaram meu anzol
Ogum de Lê Já vai pra pedra do ouro Marinheiro marinho Eu vou pescar no mar
Qué, qué, qué, maiongá Vai buscar o caboclo
Que não engole desaforo Puxa a linha Marinheiro Oê lagoa, pra quê encheu agora
Ogum pisou na pedra Marinheiro marinho Pra quê encheu agora, oê lagoa
A pedra balanceou Essa corrente é pesada
O mundo tava virado É do caboclo marinho Puxa a corrente do mar, Marinheiro
Santo Antônio endireitou Puxa a corrente do mar, Marinheiro
Eu sou Marinheiro, meu pai eu sei nadar Marinheiro, Marinheiro
Eu vou buscar meu barco no lado de lá Eu vim vadiar no terreiro
Eu vou vestir de branco Ô Mãe d’Água, ô Mãe d’Água Ô, rê, rê, bate couro na aldeia
Uma calça de funil? Mãe d’Água cabelo louro Ô, rê, rê, bate palma pra Sereia
36 37
Bate palma pra Sereia que ela veio do mar Janaína Quem quiser ver Iemanjá Ô, Dona Janaína
Ela veio de longe, ela veio saravá Quem quiser ver Iemanjá Princesa do mar
Trovão roncou no mar Joga flor n’água amanhã Ô, quem governa as águas
No fundo do mar Relâmpago clareou Joga flor n’água amanhã É caboclo de amaiçá
Eu tenho uma pedra Caô, meu pai Xangô
Quem fizer mal pra mim Ô você traz Dona Janaína Mas eu tava na beira do rio E olha, olha alu belô
Eu tenho meu pai Sete-Serra Sou eu, princesa, chegou a baronesa Quando minha joia perdeu E olha, olha alu belô
Sou eu, princesa Eu vou buscar a minha joia
No mar tem água Vamos saudar nosso Deus de grandeza Que Peixe Dourado me deu Quando eu entrei nas águas
No fundo tem areia Minha pedra rolou
Não mexa nesse poço Branca de Neve, cadê Janaína Quando eu entrei nas águas
Que esse poço é de sereia Mas ela é rainha do mar Meu Deus olha alu Belô
Cadê aquela menina
Eu sou Sereia
Moro na pedra redonda Iemanjá é minha mãe
Cheguei agora que mandaram me chamar É mãe jarê
Ó filho, venha receber Mora lá no poço fundo
A tua herança que mandaram te entregar É mãe jarê
Mas ela já se foi
Até um dia quando eu encontrar Eu tava na beira do rio
Ó filho, venha receber Eu vi a Sete-Estrela passar
A tua herança que mandaram te entregar É Janaína do mar Espanha
Ela é princesa dos orixás
Naquele mar tem uma pedra
Debaixo dela mora uma sereia bela Ô Ína, Jocina, ô Ína Marajô
Eu ouvi o grito dessa sereia Ô Ína, Jocina
Saia do mar sereia bela Meu relâmpago é na lua
Ô, eu já vou, já vou já
Vou embora pro lado de lá Nagô Nagõ velho, jarê
Vou embora pro lado de lá O que é que veio fazer
Senhor do Bonfim é quem vai me levar Ô Nagô Ína orixá Mas eu vim vadiar no terreiro
Nagô rerê Valei-me, minha mãe, valei-me
Ô Nagô Ína orixá
Nagô rerê ô costa, ô costa
ô costa vencedor
Chegou Nagô, bandeira na linha da macumba
Chegou Nagô velho, curandeira costa velho é curador
Lá no cacho do dendê
Eu vi Nagô gemer Eu venho de beira-mar
Eu vi Nagô gemer Eu venho jogar meus búzios
Eu venho de beira-mar
Nagô, Nagô, Nagozága Nagô trabalha é no seguro
Nagozága de nagô
Rainha da costa d’água Terra molhada, barranco do rio
Meu Deus para onde eu vou Chegou Nagô velho que pisa macio
Terra molhada, barranco do rio
Nagô trabalha com dendê, farofa e vatapá Chegou Nagô velho que pisa macio
Na linhagem de nagô
Nunca puderam derrubar Sou Jeje, sou Jeje
Sou Jeje-Nagô
Ê cum, ê cum aê Pra que buliu
Nagô trabalha é com dendê Com a linha de Jeje-Nagô
Ê cum, ê cum aê
54 Nagô trabalha é com dendê 55
Oxalá Quem passeia na varanda
É o senhor Baluá
Oxalá, Oxalá, Oxalá Quem passeia na varanda
Ele é de Oiá É o senhor Baluá
Mas quem passeia na varanda
Oxalá, tintin É o senhor Baluaê
Oxalá meu alamim
Nanã
Oxalá, meu pai
Tem pena de mim, tenha dó Ô Nanã borocô, quem tremer, cai, cai
A volta do mundo é grande Quem tremer, cai, cai
Os poderes de Deus, o seu é maior Quem tremer, cai, cai
cantigas
É de dois a dois esparramar
Ô Cosme Damião
Ele é Dois Dois Pisa caboclo, não me atrapalha
Deixa eu comer
Tapuia Deixa eu beber minha sapucaia
Minha sapucaia é de Aruanda
Tapuinha veio, veio vadiar Não tem mestre que não coma
Tapuinha veio, veio vadiar Que não beba e que não caia
Ô ela só deve vir
Tapuia do forte do mar Sou eu que me deito tarde
Ô ela só deve vir Sou eu que acordo cedo
Tapuia do forte do mar Sou eu que ando jurado
De jura eu não tenho medo
Tapuinha menina, tá de viagem
Tá de viagem, vai viajar
O pai, o pai
O pai amado
Quem tem pai tem tudo
Quem não tem pai tem nada
Meus caboclinhos
Vamos embora
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