Teoria Da Harmonia em Platao
Teoria Da Harmonia em Platao
Teoria Da Harmonia em Platao
RICARDO RIZEK*
Curso de Música
da Faculdade de Arte Alcântara Machado
humana1. Tal sistema, criado pelos antigos e compilado por Boécio (Godwin,
1990, p. 86-8), manteve-se relativamente intacto, salvo justificadas e pequenas
adaptações de autores e épocas, juntamente com o quadro total da terminologia
da ciência da harmonia, até o séc XVII. Declaramos necessário este
redimensionamento porque é, de certa forma, muito recente, na história ociden-
tal, a restrição do referido conceito ao que se passou a entender, na modernida-
de, como exclusivamente pertinente à arte musical, exatamente a mencionada
acima como instrumental. Uma vez que tal restrição está, já por alguns poucos
mas significativos séculos, marcantemente enraizada na consensual mentalidade
geral, hoje, mesmo em certos meios mais intelectualizados, conceitos como
musicalidade e harmonia têm uma amplitude que, desde o séc. XVIII, no máxi-
mo se estendem à arte em geral e, por este caminho, à estética (Palisca, 1961, p.
91-137).
Dessa forma, esta nossa conclamação a um redimensionamento do con-
ceito de música não passa de uma recordação de um antigo elo de arte e a ciência
da harmonia, uma ciência, mais que cosmológica, verdadeiramente cosmogônica,
uma vez que, vale repetir, por mais de dois milênios, ou seja, dos protocosmólogos
ocidentais, os pitagóricos pré-platônicos, até Kepler, talvez o último representan-
te da cosmologia tradicional, a música instrumental integrava o referido sistema
triádico ao lado da música cósmica ou mundana (macrocósmica) e da música
humana (microcósmica)2.
O reestabelecimento mnemônico de uma concepção tripla de música é,
ao mesmo tempo, o do vínculo hierárquico primordial que subsidiava o trânsito
bidirecional entre teoria e prática, entre contemplação e técnica, entre alétheia e
poíesis, entre verdade e produção de verdades ou verossimilhanças, dentre outras
analogias possíveis.
Tal tripartição da música cremos que seja um dos fundamentos da cons-
trução e daí da leitura da República. Neste diálogo, a justiça, conceito mais que
perfeitamente análogo à harmonia, começa por ser apresentada de uma forma
exterior, perdida na problemática ideologização da dóxa, pendularmente oscilan-
do desde a reprodução mecânica de ditos poéticos até o próprio questionamento
de seu valor intrínseco, chegando até mesmo a ser tiranicamente reduzida a uma
tecnicalidade jurídica. Depois, no gradual transcorrer do diálogo, é lentamente
transmutada em um projeto a ser realizado dentro do homem, um projeto auto-
instanciado no seio da evolução dramática das três personagens principais –
Sócrates, Gláucon e Adimanto – as quais, tanto sob o ponto de vista dos respec-
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LETRAS CLÁSSICAS, n. 2, p. 251-299, 1998.
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
harmonia, diálogo este cuja fortuna crítica e filosófica se deve à tradução comen-
tada de Calcídio, graças à qual a Idade Média latina herdou a teoria da harmo-
nia da antiguidade ocidental. Dessa forma, em sua organização geral, este artigo
será pontuado pelo encadeamento intermitente das citações sucessivas do início
deste passo; tal intermitência, por sua vez, será determinada pelo contraponto de
comentários e apontamentos sobre o trecho em questão. Como o Timeu é o mais
pitagórico dos diálogos platônicos, torna-se difícil, por vezes, distinguir, especial-
mente no âmbito da teoria harmônica, as perspectivas dos pitagóricos e dos
platônicos, e Aristóteles serviu-nos para apontar a identidade e as diferenças
entre elas. Por ser o Timeu, como dissemos, o diálogo mais comentado de Platão,
dentro de um verdadeiro oceano de comentadores, escolhemos os comentários
de Proclo como o núcleo temático dos contrapontos elucidativos das citações do
referido passo, escolha justificável tanto qualitativamente, dada sua inquestionável
autoridade, quanto por se tratar do mais extenso comentário herdado pela tradi-
ção ocidental.
Encerramos esta introdução com uma importante ressalva para o leitor
não acostumado com os ditames da teoria da harmonia. Foi, por vezes, impossí-
vel não antecipar breves explanações sobre conceitos que, dada a rítmica das
citações do passo do Timeu, só mais tarde viriam a ser um pouco mais definidos
e explicados, sempre dentro das limitações inerentes a um artigo. Esperamos
que, frente a este justificável obstáculo, a leitura não seja interrompida e, pela
mobilização de sua paciência, que o leitor, afortunadamente para nós, nela pros-
siga, permitindo assim o despontar das indispensáveis explicações.
1. Peîras e Apeíron
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LETRAS CLÁSSICAS, n. 2, p. 251-299, 1998.
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
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LETRAS CLÁSSICAS, n. 2, p. 251-299, 1998.
fig. 1
fig. 2
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
está na razão dupla de 2:1, razão que, para além ou aquém de caracterizar um
retângulo, é também e fundamentalmente um quadrado duplo, ou seja, um
eqüíssono ou oitava –, caracterizam razões de maior desigualdade (ou, conforme o
sentido de leitura, suas recíprocas de menor desigualdade) – (2:1), 3:2, 4:3, 5:4 e
6:5 – que são sempre diferentes, conceito antologicamente identificado com a
alteridade. Aristóteles, portanto, oferece-nos uma das mais clássicas exemplificações
da mesmidade e da alteridade no âmbito pitagórico dos números figurados, vale
dizer, da geometria.
Platão diagnostica que duas coisas, sozinhas, não podem satisfatoriamente
ser unidas sem uma terceira, “pois é preciso que no meio de ambas haja alguma
ligação que as aproxime” (Timeu 31 c). Embora estabelecida entre a existência
unitária de deus e a existência múltipla do cosmos, a mediação4 é o princípio funda-
mental (que percorre os orbes divino, natural e humano) da ciência da harmonia,
procedimento cuja validez se mantém intacta até mesmo dentro da dimensão poé-
tico-sonora da arte discursiva musical, ou seja, em sua concepção como elaboração
artesanal, o que, segundo Edward Lippman, demonstra uma proximidade possível
entre a perspectiva tradicional da música enquanto uma disciplina matemática e a
teoria específica da arte (Lippman, 1975, p. 17). Claro que, perante a capacidade
humanamente divina e divinamente humana de testemunhar este princípio har-
mônico nos diversos mundos, a plenitude de tal testemunho, como o próprio
diálogo platônico indica segundo Proclo, está em libertar-se do sensível, efetivando
a transposição das imagens aos paradigmas e, assim, elevando-se ao plano da har-
monia imaterial e essencial (Proclus, 1990, p. 75).
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LETRAS CLÁSSICAS, n. 2, p. 251-299, 1998.
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
3. A tetraktýs
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
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1
2 3
4 9
8 27
fig. 3
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
Antes de mais nada é preciso apontar que, no seio das partições da alma,
a progressão geométrica constituída de triplos, e portanto de números ímpa-
res, representa a participação daquela no noûs, ou seja, no espírito, enquan-
to que a progressão geométrica constituída de duplos, a participação nos
corpos. Esta configuração é musicalmente perfeita, pois em se tratando de
duas linhas-pilastra, que reúnem, em cada uma respectivamente, a seqüên-
cia em progressão geométrica dos duplos e triplos, então, mais duas linhas
de força, internas às e nascidas das duas anteriores, podem ser inferidas,
com cada uma destas pondo em seqüência, desde o seu ponto de vista, a
combinação de razões compostas de um duplo e de um triplo. Assim, no
ponto descensional onde a unidade é, por um lado, multiplicada por 2 e,
pelo outro, por 3, a dupla direção de leitura, pela qual cada um destes núme-
ros mede o outro, dar-nos-ia duas articulações de razões recíprocas: a de
menor desigualdade 2:3, e a de maior desigualdade 3:2 (vide nota 8). Seguin-
do pelos dois próximos termos – os dois primeiros números quadrados 4 e 9
– teríamos, então, de um lado, 4:9 e, do outro, o seu recíproco 9:4. Final-
mente, com os dois últimos termos, os dois primeiros números cúbicos 8 e
27, a razão 8:27 e sua recíproca 27:8. Como a unidade, representada pelas
razões de igualdade, mantém, por uma linha vertical projetável que desce
do ápice à base da lámbda, seu papel invariavelmente intermediador entre
cada par destas razões recíprocas, de um duplo sobre um triplo e de um
triplo sobre um duplo, o resultado final, se organizássemos todas estas ra-
zões em uma série em progressão crescente, seria este: 8:27, 4:9, 2:3, 1, 3:2,
9:4 e 27:8, uma progressão geométrica cuja constante é 3:2, e cuja média
geométrica de cada extremo correspondente e portanto da seqüência inteira
é 1. Não nos esqueçamos que, em música, a medida de dois intervalos iguais
se dá pela exponenciação, ou seja, pela multiplicação dele por ele mesmo.
Assim sendo, a progressão acima poderia ser expressa por (3:2)n, o que resul-
taria nos seguintes termos: (3:2)-3, (3:2)-2, (3:2)-1, (3:2)0, (3:2)1, (3:2)2, (3:2)3.
Embora em momento anterior tenhamos exemplificado a reciproci-
dade entre razões à luz da proporção inversa que se dá entre comprimento
da corda e a altura do som, o leitor inexperto em música talvez já esteja em
condições de entender que este espelhamento – entre as razões de maior e
menor desigualdade, múltiplas e submúltiplas, etc. – também pode ser con-
cebido dentro das alturas sonoras, ou seja, em termos puramente freqüen-
ciais.
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LETRAS CLÁSSICAS, n. 2, p. 251-299, 1998.
1
2 1 3
3 RÉ 2
L LÁ
SO
4
9
9
4
DÓ
MI
27
27
8
8
SI
FÁ
fig. 4
A visão da reciprocidade exclusivamente no âmbito das alturas de sons é,
na verdade, muito simples, pois toda razão de maior desigualdade (quando, em
termos fracionais, o numerador é maior que o denominador) expressa um interva-
lo ascendente frente a um termo referencial dado, enquanto sua recíproca, a razão
de menor desigualdade (que inverte a anterior), expressa a mesma medida intervalar,
só que em sentido contrário, descendentemente. De forma que, se 3:2 (1 acrescido
de sua metade) é uma quinta justa, diapénte, ascendente, então 2:3, a unidade
diminuída de sua terça parte (que vimos até agora como sendo o comprimento da
corda que produz 3:2 do som), é, em termos puramente freqüenciais, a mesma
medida intervalar, uma quinta justa, descendente. Ora, como a progressão geomé-
trica que extraímos da lámbda platônica tem como constante 3:2, e este intervalo é
o de quinta justa, então, tal progressão outra coisa não é senão um encadeamneto
de quintas, há séculos denominado pela teoria musical o círculo de quintas. O que
siginifica que todas as razões à esquerda da unidade referencial, 1, são quintas
encadeadas descensionalmente a partir da fundamental 1, e, obviamente, as razões
à direita, quintas ascensionais (fig. 4).
Na fig. 4, dispomos os termos do referido encadeamento de quintas – que
extraímos da progressão geométrica das razões articuladas pelos pares de termos
da progressão geométrica de duplos e triplos da lámbda platônica – em um semi-
círculo dividido em seis partes iguais por sete raios, e para cada raio colocamos
uma razão ou uma nota deste segmento do círculo de quintas. Escolhemos para
a fundamnetal 1 a nota ré, e o motivo de tal escolha é que, com ela, a seqüência
de quintas – ascendentes à direita de ré, e descendentes à esquerda – se conforma
perfeitamente ao conjunto das notas brancas do piano.
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
5. Antístrophon ou Reciprocidade
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LETRAS CLÁSSICAS, n. 2, p. 251-299, 1998.
morte para a vida com o mito do Er: L. X), é o único que não será espelhado,
pois, como vértice que é, é nele que recai o próprio espelho10.
Neste diálogo, contudo, o espelhamento não se dá apenas formalmente
pelo resgate temático posicionado como um extremo correspondente, o que re-
duziria tal estrutura, muito abaixo de uma harmonia, a uma mera simetria
extensista. Muito além disto, também o próprio conteúdo de cada tema resgata-
do é exposto na direção inversa da que havia recebido enquanto o original a ser
invertido, tal como o de Céfalo contemplando a jornada da vida em direção à
morte, espelhado pelo do Mito de Er, que narra a jornada da morte para a vida,
ou ainda o da construção do Estado, perfeitamente espelhado pela descrição do
declínio deste11.
Em um dos muitos exemplos do tipo de procedimento especular utilizado
na totalidade da República, nas Leis, depois que Platão ordena escalonadamente
a hierarquia dos dez movimentos, quando o décimo estágio ascensional, o da
superioridade do movimento que pode mover a si mesmo, é atingido, ele coloca
na boca do ateniense que “não foi muito justo classificá-lo em décimo lugar” uma
vez que “a razão nos afirma que é o primeiro por nascimento e por poder” [895a].
Em palavras demasiadamente singelas poderíamos afirmar que, na duplicidade
inerente à toda leitura de um encadeamento escalar – ascensional e descensional
– o último degrau da subida é o primeiro da descida e vice-versa.
Pela dinâmica da reciprocidade, podemos concluir que a progressão geo-
métrica do semicírculo em questão, além de expressável por (3:2)n (ou seja, na
concepção moderna de escala, um encadeamento de quintas ascendentes ou
diapénte), também o seria por (2:3)n (encadeamento de quintas descendentes),
possibilidades inerentes às duas direções de leitura, da esquerda para a direita e
vice-versa, pois, por exemplo, (3:2)-1 = 2:3, e, obviamente (2:3)-1 = 3:2. Um
semicírculo com seis divisões iguais é a metade de um círculo de 12 divisões, ou
seja, a totalidade do círculo de quintas, (3:2)12, os doze termos pelos quais uma
nota inicial fundamental – dó, por exemplo – “retornaria”, sete oitavas acima
(27), para si mesma (fig. 5). Porém, um outro círculo, de quartas justas ascenden-
tes (fig. 6), análogo ao anterior e igualmente de 12 termos, poderia ler estas
mesmas notas do círculo de quintas descensionais, (2:3)12, como uma ascensão
das referidas quartas, (4:3)12, os doze termos pelos quais a mesma nota dó inicial
“retornaria” para si mesma, com a diferença de que, neste caso, não mais sete
oitavas acima, como quando por quintas, mas sim cinco oitavas acima (25), uma
vez que, sendo 4:3 (1,333...) menor que 3:2 (1,5), em várias destas oitavas cabem
mais do que uma nota (fig. 6).
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
-1
2)
1
(3: )1
(2:
3 Do
Sol
7 Fa
(3:
2)
11
(3:2)0
(3:2 1 2
(3:2 -2
)
(2:3 2)
)
Mi
Re )
) 0
(3:2 1
(3:
2
2
(3:2)9
La
(3:2)3
La
6 3
8
2)
(3:2 4
(3:
Re
Mi
)
) (3:
(3:2 7 2)
5
Sol (3:2)6 Fa
Do
5 4
fig. 5
-
3)
1 1
(4: )1
(3:
4 Do
Sol Do
Sol ) (4:3)0
Fa
(3:4 2) 2
(4:3 -
11 (4:3
3
(4: )1
)
Re
Sib3)
5
) 10
2
(4:
(4:3
Mib
(4:3)9
(4:3)3
La
(4:3
3)
(4:
Lab
)4
Mi
)7 (4:
(4:3 5Reb3)
Dob
(4:3)6
Solb Do#
Si
4 Fa#
3
fig. 6
Retomemos, agora, o passo da criação da alma do mundo no Timeu, do
exato ponto em que o interrompemos, ou seja, com o texto que subseqüencia as
sete divisões nas porções que descrevemos.
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LETRAS CLÁSSICAS, n. 2, p. 251-299, 1998.
Voltando ao Timeu, vemos que este último momento citado começa por
definir as duas mediedades, a harmônica e a aritmética, em termos praticamente
idênticos à definição do Epinomís que citaremos mais adiante. Em perfeita conso-
nância com o preceito platônico da alma enquanto uma totalidade tripla, Proclo
afirma que cada parte desta também é tripla, reunindo, ao modo de cada parte,
as três naturezas do todo, essência, mesmidade e alteridade. Enfatizemos: cada
parte participa da estrutura tríplice da totalidade tripla, estrutura já primordial-
mente dada na natureza da terceira substância, na qual a essência reúne as outras
duas naturezas, a mesmidade e a alteridade. Para Proclo, esta abrangência da
essencialidade sobre a mesmidade e a alteridade é traduzida pela abrangência da
proporção geométrica sobre a harmônica e a aritmética (Proclus, 1990, p. 78).
A média geométrica, em concordância com a essencialidade advinda da
terceira substância, conecta todas as coisas que são essenciais nas almas, “pois a
essência é uma única razão percorrendo todas as coisas, e, por conectar as natu-
rezas primeira, intermediária e última, tal como a média geométrica, que é uma
e mesma razão, permeia perfeitamente os três termos envolvidos na proporção”
(Proclus, 1990, p.78). Já em concordância com a mesmidade advinda da abrangida
natureza do Mesmo, na terceira substância, enquanto correspondência da
indivisibilidade, a média harmônica conecta a referida mesmidade dividida das
almas, concedendo aos extremos uma comunhão de razões. “Certamente, a
mesmidade é vista em um grau maior nas naturezas mais totais e em um grau
menor nas mais parciais” (Proclus, 1990, p. 78). Porém, o reino ou domínio da
mesmidade, e portanto de sua mediedade correspodente, é o das naturezas mais
excelentes e totais, ou seja, dos todos advindos da harmonia das partes. Já a
média aritmética, em concordância com a alteridade, tem a capacidade de unir
as diversidades todo-variadas da alma, sendo, ao contrário da média anterior,
mais inerente às coisas que são pequenas, uma vez que a diferença, conceito que
pode substituir o de alteridade, tem como preponderante domínio as naturezas
mais parciais.
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
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LETRAS CLÁSSICAS, n. 2, p. 251-299, 1998.
gressão geométrica dos números, 1:2, a média aritmética entre estes dois extre-
mos é 3:2, ou seja, 3 projetado uma oitava abaixo, vale dizer, dividido por 2. O
deslocamento de oitava descendente, expresso pela divisão por 2, pode ser anu-
lado pela operação inversa, a multilicação por 2, a qual nos devolveria à inteireza
do número 3 como média aritmética da oitava modelar (1:2) projetada para o
segundo par de duplos da mesma progressão geométrica primordial, 2:4.
Na breve definição da progressão aritmética do parágrafo anterior, dois
tipos interligados de operações foram mencionados, a saber, o deslocamento de
oitavas pela multiplicação ou pela divisão por 2, operações que têm como objeti-
vo a restrição de várias oitavas ao modelo de uma única (divisão por 2), e a
expressão dos tons, dentro do possível, com os números inteiros (multiplicação
por 2). É a progressão geométrica dos duplos (2n), na qual a dupla oitava está
inserida (4:2::2:1), que permite, dada a perfeita equivalência das razões nela en-
volvidas, a restrição de tal dupla oitava, ou de quantas outras mais tivéssemos, a
um modelo de oitava única, 2:1, no qual poderemos projetar as outras duas
mediedades. Assim, quando uma determinada operação resulta em números
fracionários ou decimais, estes são multiplicados, ou projetados em oitavas supe-
riores, quantas vezes forem necessárias, em prol da obtenção de um inteiro pleno
de significação. E é exatamente em nome desta plenitude de significado que se
realiza a operação inversa, ou seja, sucessivas divisões por 2, ou projeções em
oitavas inferiores, para que a restrição aos números inteiros se dê, dentro do
possível, aos primeiros dez, a década da aritmosofia pitagórica.
Recordemos que a restrição de duas ou mais oitavas, enquanto sucessão
de delimitações de planos entropicamente imitativos da criatividade demiúrgica
primordial, a uma única oitava modelar, além de encontrar perfeito fundamento
na teoria musical (para a qual todas as oitavas têm o mesmo padrão), encontra
em vários momentos da República, tais como 472c ou 500e, sua justificativa
ontológica, a qual podemos ver relativamente explicitada em outro passo deste
diálogo:
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
Tal restrição a uma oitava modelar é mais uma das chaves essenciais para
a decodificação da teoria da harmonia em Platão, pois ele é herdeiro do preceito
pitagórico que restringe a generalidade numérica aos números inteiros. Platão
justifica, em três passos da República, estes procedimentos da seguinte maneira:
“a estes filhos teus [...] eu não suponho que, enquanto se portam como linhas
irracionais, lhes permitiria governar na cidade” (República 534 d); e quando os
verdadeiros filósofos chegarem ao poder, “serão mandados para o campo todos
aqueles que na cidade tenham ultrapassado dez anos de idade” (República 541 a);
e, finalmente, “sabes certamente que aqueles que têm destreza nestas coisas [...]
ridicularizam e não dão ouvidos àquele que trata de dividir a unidade em si. E se
tu a divides, eles mesmos multiplicam, temerosos de que a unidade, parecendo
uma reunião de porções, não mais se assemelhe ao que é” (República 525 e).
Concluindo, acrescentaremos apenas que a plena significação dos primeiros dez
inteiros, para além da tradução de cada um deles como presentificadores de leis
fundamentais que regem o universo, também deve ser entendida, na ótica da
ciência da harmonia, pela plenitude tensional de suas relações, razões e propor-
ções.
Quanto à progressão harmônica, se partimos da unidade obtemos o se-
guinte encadeamento de frações: 1, 1/2, 1/3, 1/4, etc. Se então quisermos trans-
formar os quatro primeiros termos desta série nos menores números inteiros
possíveis, devemos partir de 12, de modo a obter os seguintes números: 12, 6, 4,
3, exatamente os números do início da discussão entre Sócrates e o tirano
Trasímaco no livro I da República, dos quais os dois primeiros, 6 e 12, são tam-
bém mencionados como o par de extremos, uma oitava, no passo sobrecitado do
Epinomís.
Ora, neste mesmo passo, Epinomís 991, Platão define a média harmônica
como aquela que excede o primeiro termo pela mesma fração que é excedida pelo
outro termo. Na série 1, 1/2, 1/3, 1/4, etc., qualquer termo é a média harmônica
dos circunvizinhos. Assim como 1/3, a média harmônica entre 1/4 e 1/2, supera
o primeiro extremo, 1/4, em 1/3 deste, assim também 1/3 é superado pelo segun-
do extremo, 1/2, em 1/3 deste. Se tomamos como extremos os que compõem o
primeiro exemplo de razão dupla, 1:2, então, a média harmônica, 4:3, é aquela
que, acrescentando 1/3 ao primeiro termo – e compondo a nova medida de um
e um terço –, será 2/3 do segundo termo, 2/3 que se diferencia de 2, o segundo
termo, pela mesma fração que foi acrescida a 1, ou seja, 1/3.
Para que a média harmônica atinja a expressão do menor número inteiro
possível, necessitamos, como indica o próprio denominador de 4/3, multiplicar
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LETRAS CLÁSSICAS, n. 2, p. 251-299, 1998.
(1) (1)
1 2 1 2
2 3 4 3 4 6
fig. 7
As duas expansões triangulares acima, tal como temos demonstrado,
auto-evidenciam a reciprocidade das duas mediedades, uma sendo o espelho
da outra. Pois com os termos 2, 3 e 4 (3 como a média aritmética dos extremos
2 e 4) temos uma relação de razões onde 3:2>4:3, enquanto que com os termos
3, 4 e 6 (4 como média harmônica dos extremos 3 e 6) temos exatamente o
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
espelhamento da mesma relação de razões, onde 4:3<6:4, sendo que 6:4 é 3:2.
É forçosa, portanto, a conclusão de que ambas as mediedades são, de certa
forma, duas facetas da mesma intermediação fundamental colocada em uma
reciprocidade especular. “Estas duas médias têm algo pelo qual se comunicam
uma com a outra, tal como a mesmidade com a diferença”, afirmação de Proclo
(Proclus, 1990, p. 78-9) que pode ser remetida à reciprocidade implicita entre
elas, reciprocidade que as irmana como gêmeas sob a mesma “paternidade” do
número primo 3.
Mais adiante, no mesmo texto, Proclo afirma, diga-se de passagem, que “essên-
cia, mesmidade e diferença estão em cada parte da alma” (id. ib.), tripartição
hierárquica que fundamenta a reunião em cada uma das partes e no todo que as
integra.
Porém, as duas progressões triangulares – que, repetindo, são, de certa
forma, a mesma– carecem de um fechamento tetrádico que englobe e dê a injunção
de uma igualdade superior à desigualdade das referidas razões; e se, para expres-
sar as mediedades em questão através dos menores números inteiros possíveis,
transpomos a oitava primordial multiplicando seus termos (1 e 2) por 2, para a
obtenção da média aritmética, e por 3, para a da média harmônica, então, o
referido fechamento tetrádico, que simultaneamente expressará ambas com os
menores inteiros possíveis, exige que os termos da oitava principial sejam multi-
plicados por 6, ou seja, por 2 e por 3 ao mesmo tempo.
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LETRAS CLÁSSICAS, n. 2, p. 251-299, 1998.
diapénte
diatessáron
média
harmônica
de 6 e 12
6 : 8 :: 9 : 12
média
aritmética
de 6 e 12
diatessáron
diapénte
fig. 8
Na fig. 8, a resultante seqüência de quatro termos – 6, 8, 9 e 12 –, como
vemos acima, congrega, por quatro passos triangulares descensionais na direção
de um fechamento nesta tetraktýs, as duas mediedades expressas como números
inteiros. A desigualdade inerente a cada uma delas (6:9<9:12 e 6:8>8:12) inte-
gra enquanto subsidia o entrelaçamento de uma igualdade superior (6:8::9:12,
pois 6:8 = 9:12, e 6:9 = 8:12).
Sempre consonante com a perspectiva teológica de sua exegese, Proclo,
além da dimensão cosmogônica que tem nas três mediedades os fundamentos do
tecer demiúrgico, efetiva uma leitura teogônica, conectando-as com as três filhas
de Thémis. A média geométrica é uma imagem de Eunomía, a lei tolerante, que
Platão, nas Leis, celebra como aquela que adorna o universo e compreende a
verdadeira ciência política; a harmônica, de Díke, a justiça, distribuindo uma
razão maior para os termos maiores, e uma menor para os menores; a aritmética,
de Eiréne, a paz, pois concede a todas as coisas a igualdade segundo a quantida-
de; e a reunião das três mediedades em uma única progressão concordante é
consagrada à mãe destas três filhas, Thémis, para a qual Proclo usa a expressão
“analogia sólida” (Proclus, 1990, p. 77-8).35
7. A Escala Pitagórica
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
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1
2 Dó 11 Sol 3 Dó
Fá 3
2 2( ) 1 oitava
acima do
anterior
Ré 4
9
Mi 81
27
8Lá
16
Si 32
2
43
fig. 9
As duas linhas pontilhadas representam a oitava, 1 e seu dobro, na razão
dupla de 2:1, na qual já se faz presente a média aritmética 3:2. Servindo-nos da
operação que, multiplicando e dividindo por 2, efetue transposições de oitavas
com todos os termos que estão fora desta oitava entre 1 e 2, podemos trazê-los
para dentro desta13. O conjunto destas reduções das razões para o âmbito de
uma oitava resultará nas escalas da fig. 10.
256:243 256:243
fig. 10
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
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LETRAS CLÁSSICAS, n. 2, p. 251-299, 1998.
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
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LETRAS CLÁSSICAS, n. 2, p. 251-299, 1998.
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
a dó pelas quais desponta o tom inteiro de 9:8, solb, o semitom ascendente que
parte de fá, é 4:3 X 256:243 = 1024:729, e fá#, o semitom descendente que parte
de sol, é 3:2/256:243 = 729:512. A diferença entre estes dois resultados, 729:512/
1024:729, que, obviamente, é a diferença entre solb e fa#, é exatamente a coma
pitagórica, 531441:524288.
Resta-nos ainda observar que não foi nem um pouco arbitrária a escolha
de solb e fa# como exemplos de semitons entre os quais subsiste a diferença
irredutível da coma pitagórica. Muito pelo contrário, tais semitons expressam o
ponto diametralmente oposto, no círculo de quintas, ao da fundamental dó (1),
ponto no qual a carência de auto-limitação na geração de “filhos” advindos das
potências de 3, enquanto quintas à direita (rumo aos sustenidos) e à esquerda
(rumo aos bemois), caracteriza o conflito real e nominal de duas notas musicais
que, não sendo idênticas (embora, de certa forma, esperaríamos que fossem),
caracterizam a diferença irredutível, não-afinável, designada pela razão da coma
pitagórica, proveniente da inobservância dos ciclos de esterilidade (as potências
de 2) e de fertilidade (as potências de 3), e assim o fazem exatamente como duas
versões do já comentado trítono cujo número, 729, é o mesmo, tal como já
apontamos, do tirano (cf. fig. 11).
Dó
Fa#
Solb
fig. 11
8. A Escala sintônico-diatônica
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LETRAS CLÁSSICAS, n. 2, p. 251-299, 1998.
6:5
40:27 64:45
fig. 12
Em a, apontamos com linhas curvas cheias a presença das razões superpar-
ticulares com os termos do senário dentro da razão dupla, a oitava (2:1), e destaca-
mos a presença da terça menor (6:5) entre as notas mi e sol, exatamente aquelas
que, na série harmônica, correspondem aos números envolvidos nesta razão. Tam-
bém destacamos com linhas curvas pontilhadas a presença de duas razões
superpartientes que caracterizam as medidas, frente à fundamental dó (1), dos in-
tervalos de um e dois terços – a sexta maior (5:3), com a sexta nota da escala, lá –
e de um e sete oitavos – a sétima maior (15:8), com a sétima nota da escala, si15.
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
Em b, além das quintas justas perfeitas, com traço cheio, apontamos, com
linha pontilhada, a que não o é perfeitamente, mas apenas se aproxima de 3:2 (ré
e lá, 40:27); em c, dispomos a seqüência escalística composta de dois tipos alter-
nados de tons inteiros – 9:8, um tom inteiro “maior”, e 10:9, um tom inteiro
“menor” – e os dois semitons, um em cada tetracorde, ambos com razão de 16:15.
Afora o semitom – a razão superparticular de 16:15 – e os intervalos das razões
superpartientes, os novos intervalos são 5:4, 6:5, 9:8 e 10:9, decisivos para a
composição escalística.
Todos estes intervalos podem ser explicados, e assim o foram tradicional-
mente, à luz das médias aritmética e harmônica. Sabemos que 3 é a média arit-
mética entre 2 e 4, dó’ e dó’’. A projeção destes três termos, multiplicando-os por
2, uma oitava acima dar-nos-ia, obviamente, 6 mediando 4 e 8. Ora, tomando
como extremos 4 (dó’’) e 6 (sol’) – a diapénte 6:4, que é igual a 3:2 – a média
aritmética é 5 (mi), o que explica, voltando à oitava primordial – ou seja, dividin-
do por 4 – a terça maior 5:4 como a média aritmética entre 1 e 3:2 (3:2 que é a
média aritmética entre 1 e 2).
MacClain vê nesta nova média aritmética dentro da quinta justa de razão
3:2 uma das chaves de decifração de um dos passos mais enigmáticos da Repúbli-
ca, o 546 a-d, que descreve a dissolução da composição, mesmo a mais excelente,
que, por ingressar no tempo, neste terá não mais que um tempo de duração. O
núcleo de tal chave estaria, então, em uma frase de tal passo: “Destes elementos,
a raiz epítrita [que MacClain (1984, p. 18) traduz como raiz quatro-três, mas que
literalmente quer dizer sesquetércia, ou seja, um e um terço ou 4:3] unida com o
cinco, aumentada três vezes, produz duas harmonias” [546 c]. Trata-se da razão
4:3, a diatessáron gerada pela média harmônica, dentro da resolução superior
dada pela proporção musical 6:8::9:12, ou seja: dó (1) está para fá (4:3) assim
como sol (3:2) está para dó (2), duas quartas justas (4:3), de um lado e do outro da
proporção. Então, como o 5 pode ser unido à proporção musical? A resposta,
segundo MacClain, tem seu fundamento exatamente na média aritmética den-
tro da quinta justa, a maneira pela qual o “humano masculino”, o número primo
5, ingressa na teoria harmônica, resposta esta que é anunciada por Sócrates
algumas poucas páginas antes, em 539d-e. Ao declarar, neste passo, que os
guardiões devem preparar-se para seus deveres cívicos dispendendo não menos
que “o dobro de números de anos devotados à ginástica” ao rigoroso estudo da
dialética, ele é indagado: “Quantos anos queres dizer, 6 ou 4?”, ao que responde:
“Não te preocupes com isso. Admite que sejam 5” (MacClain, 1984, p. 23).
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NOTAS
* Mestrando em Música pelo Programa de Pós-Graduação da UNESP de São Paulo e
Professor do Curso de Música da FAAM.
1 Uma vez que a concepção de música enquanto elaboração artesanal nasceu, como
não poderia deixar de ser, junto com o despontar dos primórdios da escritura musical
– esboçada embrionariamente a partir do séc. XI d.C. para somente atingir um grau
de maturação no final do período medieval –, fá-se necessária a ressalva de que a
categoria da música instrumental, em termos da tradição platônica, se restringia ape-
nas à utilização do instrumento denominado monocórdio, o qual, através das divi-
sões regulares de uma corda sonora, torna audível, dentro do campo de suas limita-
ções, parte da abordagem dianoética inaudível das harmonias numéricas nos termos
pura e infalivelmente matemáticos da ciência musical.
2 A tripartição que estamos apontando na música é um procedimento generalizável a
todas outras ciências. Assim, também na aritmética, três conceitos fundamentais de
número fundamentam sua tradicional tripartição. Ghyka, citando Nicômaco, começa
por dois deles: o número divino, ou número-idéia, e o número científico. O primeiro é
tema de uma aritmologia de tendências metafísicas, a parte mais elevada da aritmética,
dirigida exclusivamente aos filósofos. O segundo, tendo o anterior como modelo ideal,
é a ocupação da aritmética propriamente dita, uma parte intermédia ainda dirigida aos
então iniciados, obedecendo um método silogístico rigoroso de tipo euclidiano. Já a
parte inferior e funcional-operativa da aritmética, a logística ou cálculo, é uma técnica
para comerciantes que opera com os números concretos (Ghyka, 1978, p. 22).
3 São elas: limite e ilimitado, ímpar e par, unidade e pluralidade, direita e esquerda,
masculino e feminino, repouso e movimento, reto e curvo, luz e obscuridade, bem e
mal, e quadrado e retangular.
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subjacente à diferença entre as duas médias, 3:2 e 4:3, é um tom inteiro, 9:8, um e um
oitavo (ou seja, 3:2 é 9:8 de 4:3, pois 3:2/4:3 = 3:2 X 3:4 = 9:8). Ré, 9:4, um tom
inteiro de dó 2 (a segunda linha pontilhada) – pois (9:4)/2 = 9:8 – deve ser dividido
por dois, resultando, então em 9:8, exatamente um tom inteiro de dó 1. Lá, 27:8,
quando dividido por 2, descende uma oitava e transforma-se em 27:16 de 1, compon-
do com 3:2, sol, que ele subseqüencia, um tom inteiro, 9:8, pois 3:2 X 9:8 = 27:16.
Mi, 81:16, para ingressar a posição de terceira nota da escala ascensional de dó, neces-
sita descender duas oitavas e, portanto, ser dividido por quatro, resultando então em
81:64, 9:8 de 9:8 ou (9:8)2, um tom inteiro do tom inteiro de 1, dó. E, finalmente, si,
243:32, para ingressar com a sétima nota da escala de dó, a nota que imediatamente
precede o dó 2, também necessita ser dividido por quatro, resultando então em 243:128,
9:8 da razão precedente, 27:16, a qual designa, nesta escala, a nota lá.
14 Observe-se que, no parâmetro vertical, retiramos o quarto nível, o mais inferior, enten-
dendo que todos os seres humanos estão assentados no plano básico das aparências
sensíveis – eikasía – e que, ao mesmo tempo, ninguém permanece inteiramente nele.
15 Como os próprios exemplos em questão evidenciam, superpartiente é uma razão de
maior desigualdade pela qual um número maior (x, por exemplo) contém um número
menor (y) uma vez e mais uma parte deste último, desde que tal parte seja maior que
1 (x-y > 1). Frente às indefinidas possibilidades pertencentes a esta categoria de
razão de maior desigualdade, sua tipificação mais exemplar ocorre naquelas onde o
número maior (x), comparado ao menor (y), é o dobro menos a unidade, ou seja,
quando x = 2y-1 (exceptuando a razão de 3:2, na qual a diferença entre as duas
quantidades é igual a 1, o que caracteriza um superparticular e não um superpartiente).
16 Pois 80:80 ou 81:81 seriam, no plano da quantidade relativa – uma vez que se tratam
de razões de igualdade – a identidade perfeita, ou seja, 1.
17 Como pela união das extremidades de cada segmento-escala serão constituídos
dois círculos, um envolvendo o outro, e como o círculo envolvente, na seqüência
do passo do Timeu, será designado como sendo o da substância do mesmo, e o
envolvido como sendo o da do outro, então, frente a tudo o que neste artigo foi
apontado em relação à reciprocidade inversa destas duas instâncias, não seria
nem um pouco injustificável concluir que as escalas intersectadas se espelham
mutuamente e, portanto, se invertem também nos sentidos respectivos, ascensional
e descensional.
18 Platão, no Timeu 37 c-d, comenta a passagem crítica da eternidade para a perpetuida-
de: “Ora, quando o pai que o produziu compreendeu que se movia e vivia, esse
mundo, reprodução ornamentada dos deuses eternos, rejubilou-se e, em sua alegria,
refletiu sobre os meios de torná-lo ainda mais semelhante a seu modelo. E assim
como esse modelo resulta ser um vivente eterno, esforçou-se, na medida de seu poder,
por tornar imortal igualmente a esse todo. Ora, é a natureza deste vivente que era
eterna, como vimos, e essa eternidade, adaptá-la inteiramente a um mundo engen-
drado, era impossível. Por isso, preocupou-se em fabricar uma certa imitação móvel
da eternidade, e, organizando todo o céu, fez da eternidade una e imóvel, esta ima-
gem eterna de acordo com o número, isso a que chamamos o tempo”.
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RIZEK, Ricardo. Teoria da harmonia em Platão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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