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O escndalo poltico: poder e visibilidade na era da mdia 249

Resenha

O escndalo poltico:
poder e visibilidade na era da mdia
Luis Felipe Miguel
John B. Thompson O escndalo poltico:
poder e visibilidade na era da mdia.
Trad. de Pedrinho A. Guareschi.
Petrpolis: Vozes, 2002.

Um dos principais estudiosos contem- sas sociedades miditicas, o escndalo


porneos do impacto social dos meios (ou ao menos pode ser) um evento
de comunicao eletrnicos, o ingls central, j que afeta as fontes concre-
John B. Thompson, ressurge nas livra- tas do poder (p. 23) pois o poder,
rias brasileiras com O escndalo poltico: nos regimes democrticos eleitorais,
poder e visibilidade na era da mdia. Alm submetidos presso da opinio p-
da grife que o nome do autor repre- blica, est ligado reputao. Alm
senta Ideologia e cultura moderna, disso, hoje, o escndalo se torna quase
publicada entre ns tambm pela Vo- onipresente. No por conta de uma
zes, uma das obras centrais de qual- pretensa reduo da qualidade dos l-
quer bibliografia sobre mdia e socie- deres polticos, mas por causa das
dade , o livro chega recomendado transformaes de sua visibilidade p-
como vencedor de um importante pr- blica (p. 141). Houve a fantstica ex-
mio europeu de cincias sociais, o panso da mdia e tambm, de acordo
Amalfi. Talvez por isso, a despeito de com o autor, uma mudana na cultu-
suas vrias qualidades, ele deixe um ra jornalstica nas dcadas de 1960 e
travo de decepo no leitor. 1970, quando uma renovada nfase
O propsito de Thompson estudar o na reportagem investigativa rompeu
fenmeno do escndalo poltico levan- as barreiras que impediam a divulga-
do a srio sua importncia: no se tra- o de determinados segredos de po-
ta, como muitos comentadores tendem der (p. 145).
a pensar, de algo que se restringe A partir da, o socilogo ingls apre-
periferia do mundo poltico. Em nos- senta duas contribuies principais. A

Comunicao&poltica, n.s., v.X, n.2, p.249-007


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primeira a construo de uma quidou, em 1988, a campanha presi-


taxonomia dos escndalos polticos. dencial de Gary Hart. Depois de al-
Eles podem ser escndalos sexuais, es- gumas negativas do candidato, a im-
cndalos financeiros ou escndalos de prensa exps seu caso extramatrimo-
poder o que os caracteriza como pol- nial e ele renunciou no houve nada
ticos, portanto, no a natureza da que indicasse abuso de autoridade, mas
transgresso cometida, mas os efeitos os efeitos polticos foram claros.
que produzem. Uma relao amorosa Mas a taxonomia de Thompson no
ilcita pode ou no se tornar escanda- est isenta de problemas. O prprio
losa; tornando-se escandalosa, s ga- autor reconhece que ela no exausti-
nha carter poltico se afetar a trajet- va, embora tenda, no texto, a trat-la
ria de indivduos que ocupam ou dis- como tal. Em alguns momentos, os
putam posies de comando na socie- exemplos adotados contradizem as
dade. O mesmo vale para delitos fi- definies fornecidas: a classificao de
nanceiros (corrupo, desvio de ver- casos de assdio sexual como escn-
bas). J os escndalos de poder pro- dalos sexuais (p. 186) no se susten-
priamente ditos envolvem o abuso de ta, j que o ponto central no a rela-
autoridade por parte de funcionrios o ilcita, mas o abuso de autoridade
pblicos; so, em princpio, um tipo so, portanto, escndalos de poder.
de escndalo especfico da esfera pol- O principal problema, porm, que,
tica (embora possam ocorrer em qual- uma vez enunciadas, suas categorias
quer organizao hierarquizada). se mostram estreis. Thompson dedi-
Os principais exemplos de escnda- ca um captulo a cada uma delas, mas
los sexuais na esfera poltica, como no apresenta mais do que uma com-
Thompson prefere dizer, so o caso pilao de casos famosos (e outros nem
Profumo, na Inglaterra dos anos 1960, tanto): Profumo, Watergate, Ir-Con-
quando o ministro da Guerra se en- tras, Whitewater, Clinton-Lewinsky
volveu com uma jovem danarina etc. Ou seja: no parece haver nada
(que, por sinal, tambm era amante que diferencie os mecanismos de fun-
de um adido militar sovitico), e a li- cionamento dos escndalos sexuais,
gao do presidente Bill Clinton com financeiros e de poder. Todos seguem
a estagiria Monica Lewinsky, nos Es- um script similar; apenas o motivo
tados Unidos dos anos 1990. Ambos desencadeador difere.
incluram elementos de abuso de po- A segunda contribuio do livro mais
der. A diferena que o conceito de significativa: a idia de transgresses
Thompson, ao contrrio de outros, que de segunda ordem. Ele mostra, em
ele critica (pp. 126-7), reconhece ple- seus muitos exemplos, que um com-
namente o carter poltico de escnda- ponente freqente da dinmica do es-
los sem este elemento, como o que li- cndalo poltico que a busca do en-
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cobrimento do delito inicial gera no- uma norma social compartilhada, mas
vas transgresses, em geral mais gra- a contradio entre as aes descober-
ves. O affair de John Profumo com tas e a imagem pblica daquela perso-
Christine Keeler certamente no con- nagem como o chefe de uma cruzada
tribuiria para sua carreira, num Reino moral flagrado em adultrio (p. 42).
Unido que ainda no deglutira por Mas por vezes, em meio ao texto, o
inteiro os novos padres da moral se- socilogo surpreende seus leitores com
xual, mas o determinante para sua digresses que nada acrescentam ar-
queda foi a revelao de que ele men- gumentao desenvolvida ou afirma-
tira ao Parlamento ao negar o caso. es banais, feitas em tom algo empo-
Nixon se complicou mais com a rede lado, que adquirem ares de revelaes
de negativas e obstruo investiga- vcios que j apareciam em obras
o do que com a denncia da espio- anteriores, mas que ganham mais peso
nagem ao Partido Democrata; e o em O escndalo poltico. o caso da dis-
mesmo vale, ainda mais, para Bill cusso sobre a etimologia da palavra
Clinton, cuja imagem mal foi arranha- escndalo, enxerto erudito dispen-
da pelo relacionamento com Monica svel; ou de frases como os escnda-
Lewinsky, mas que esteve beira do los miditicos normalmente se esten-
impeachment por conta da acusao de dem por um perodo de tempo que
mentir justia. sempre mais que um dia e que pode
Alm, ou ao lado, destas contribuies durar semanas, meses ou at mesmo
principais, O escndalo poltico apresen- anos, mas no pode durar indefinida-
ta, em muitos momentos, bons mente (p. 102), mera formalizao do
insights, em que brilha o talento socio- bvio.
lgico de Thompson. Ele observa, por O que realmente frustra o leitor, no
exemplo, o gradual declnio da polti- entanto, a promessa no cumprida
ca ideolgica e a crescente importncia do livro. Em vrios momentos,
da poltica de confiana, relacionando- Thompson recorre s categorias elabo-
os com a preeminncia atual do escn- radas por Pierre Bourdieu em espe-
dalo na esfera poltica (pp. 146-7); em cial campo poltico e capital sim-
seguida, indica que o fator de risco blico , nelas reconhecendo ferra-
de escndalo j examinado corri- mentas teis para a compreenso de
queiramente, pelos partidos polticos, seu tema. De fato, como o prprio au-
na hora de escolherem seus candida- tor chega a apontar, o aprofundamen-
tos a cargos pblicos (p. 151). Em to da discusso sobre o significado do
outro ponto, discute o papel da hipo- escndalo na poltica contempornea
crisia, como componente central de passaria por dois caminhos, alis in-
muitos escndalos, nos quais o mais terligados: as relaes entre o campo
grave no tanto a transgresso de jornalstico e o campo poltico, por um

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lado, e o peso da visibilidade pblica za das abonaes a fragilidade de sua


na construo do capital poltico, por taxonomia. O fracasso em gerar um
outro. Alm disso, influenciado pela modelo analtico mais sofisticado se
obra seminal de Joshua Meyrowitz, reflete sobretudo no captulo conclu-
atravs da qual chegou a Goffman, sivo, que se prope discutir as conse-
Thompson desenvolve, desde Ideologia qncias do escndalo. Aps uma es-
e cultura moderna, a idia de que a mdia timulante e imaginativa reconstruo
reduz o controle que todos ns, mas de quatro percepes principais sobre
sobretudo pessoas pblicas como os as conseqncias dos escndalos,
lderes polticos, temos sobre a reta- Thompson limita-se a uma coda
guarda de nossas vidas, isto , as re- anticlimtica, em que repete velhos la-
as que deveriam estar livres do escru- mentos sobre a paralisia do governo e
tnio dos outros. a disseminao da desconfiana em
Assim, ele se apresenta perfeitamente relao poltica democrtica.
equipado, do ponto de vista das cate- A edio brasileira, alm disso, pre-
gorias que maneja, para avanar na judicada pela traduo. O texto em
construo de um modelo de anlise portugus deselegante, muitas vezes
mais complexo e sofisticado para o es- truncado, repleto de anglicismos, com
cndalo poltico. Um modelo que fos- inmeros erros de sintaxe e mesmo de
se capaz de abranger a relao com- ortografia: por exemplo, a palavra
plexa, de complementaridade e de ten- Ir sistematicamente grafada
so, entre os campos poltico e Iran; democratas cristos viram
jornalstico. Mas no o faz. Em vez Cristo Democratas (p. 242); a Casa
disso, opta pela enumerao algo Branca temia que um consultor inde-
anedtica de diversos episdios da vida pendente se tornasse um olofote so-
poltica recente ou remota da Gr- bre o caso Whitewater (p. 238) e as-
Bretanha e dos Estados Unidos, ten- sim por diante. Thompson e seus lei-
tando, talvez, compensar com a rique- tores mereciam mais respeito.

Luis Felipe Miguel


Professor do Departamento de Cincia Poltica
da UnB e pesquisador do CNPq

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