Como Remover Um Presidente Rafael Mafei - 240317 - 153736

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Sumário

Capa
Folha de rosto
Sumário
Dedicatória
Epígrafe
Introdução: A era das presidências interrompidas

1. “Os maiores violadores das leis”: A origem inglesa do impeachment e a


reformulação do presidencialismo norte-americano (sécs. XIV-XIX>)

2. “Façam justiça e salvem a República!”: O impeachment no Brasil, da


Primeira República (1889) ao golpe militar (1964)

3. “Não me deixem só, eu preciso de vocês!”: Enfim, um impeachment:


Fernando Collor de Mello (1992)

4. Escândalos e escudos: As tentativas frustradas de impeachments contra


Itamar Franco, FHC e Lula (1993-2010)

5. O impeachment fiscal: Acusação, julgamento e condenação de Dilma


Rousseff (2015-16)

Epílogo: Um impeachment para Jair Bolsonaro


Anexo I: Ritos do impeachment presidencial na Câmara dos Deputados e no Senado
Federal
Anexo II: Lista de partidos citados
Anexo III: Indicações de leitura sobre impeachment
Agradecimentos
Notas
Bibliografia
Sobre o autor
Créditos
Para
Tathiane, Miguel e Gustavo,
os melhores companheiros de quarentena do mundo.
Eu me tornei confortavelmente anestesiado.

D G  R W


Introdução
A era das presidências interrompidas

E   , meu pai foi diagnosticado com um câncer que,


silenciosamente, havia tomado conta de seu corpo inteiro. Um médico amigo
da família nos explicou o cenário real sem meias palavras: “A vida do Sebastião
se mede em meses, não em anos”. O oncologista que visitamos na semana
seguinte foi mais preciso: “Provavelmente, dois meses”.
Dois meses era exatamente o tempo que faltava para meu casamento.
Decidimos antecipar a cerimônia para tentar viabilizar sua participação. Meu
pai ficou feliz com a antecipação: “Comemoraremos o casamento de vocês e
em seguida eu posso focar no meu tratamento”. Ao final da conversa, ele me
pediu para incluir um último convidado na lista.
— Claro, pai. Quem?
— O Collor.
Meu pai foi admirador de Collor antes, durante e depois de seu breve
mandato presidencial. A bem da verdade, ele tinha uma queda por políticos,
digamos, controvertidos: na década de 1980, batizou um comércio da família
de “Presidente Figueiredo”; em 1992, mesmo ano do impeachment de Collor,
ele pegou um ônibus na rodoviária da cidade onde morávamos para vir até
São Paulo despedir-se de Jânio Quadros em seu velório. Pouco tempo antes
daquele último pedido que fez a mim, ele havia escrito uma carta a Collor
expressando sua empolgada admiração pelo nosso ex-presidente, sentimento
que o acompanhou até o fim da vida.
Collor respondeu à carta de meu pai com uma missiva breve, mas afetuosa.
Assinou “F. Collor”, grifando a própria firma escrita com um traço grosso e
preto. Na minha cabeça de jovem noivo em frangalhos emocionais e pego no
contrapé por um pedido absolutamente inusitado, aquela resposta provava
que eram reais as chances de que o primeiro (e até então único) presidente de
nossa história a sofrer um impeachment poderia mesmo aparecer em nosso
casamento se fosse convidado. Em 2005, Collor era um político inexpressivo,
filiado ao  e sem cargo eletivo. Enquanto meu pai esperava uma resposta,
eu imaginava Collor distribuindo santinhos e pedindo votos a nossos
convidados, que tirariam fotos com ele para postar no Orkut.

P     de jovens com caras pintadas nas


ruas, não era confortável ser a única pessoa do meu círculo social que
ostentava uma fita verde e amarela na antena retrátil no capô do carro, nem o
morador do único apartamento do prédio que atendera ao apelo do então
presidente para que roupas nas cores da bandeira fossem penduradas nas
janelas. No trânsito, na vizinhança e nos eventos familiares, perdi a conta de
quantas vezes presenciei meu pai argumentando vigorosamente contra o
impeachment de Collor, esbravejando contra o , o  e os empresários
que, segundo ele, queriam depor o presidente para não perderem privilégios
de marajás. Na minha família, o debate “foi golpe”/“impeachment não é
golpe” apresentado ao grande público na época do processo contra Dilma
Rousseff foi uma reprise, não uma estreia.
A memória desses embates sempre me acompanhou como um estudioso do
direito com particular interesse sobre o impeachment. Uma das missões
elementares da ordem jurídica em um Estado moderno e democrático é
disciplinar expressões de qualquer tipo de poder, especialmente de poder
político. Para que o direito possa cumprir esse papel, é preciso que haja
convenções mínimas, respeitadas por todas as partes mesmo em situações de
polarização e crises, sobre procedimentos para a tomada de decisões em
momentos de impasse, inclusive quanto à atribuição de responsabilidades por
graves desvios de conduta. Também convém que haja um ambiente de diálogo
possível sobre a natureza, as finalidades e o funcionamento das instituições
que se formam a partir dessas convenções — uma das quais é o impeachment
— que dão vida a nossa democracia.
Nas situações em que impeachments são seriamente considerados, essas
convenções e instituições são submetidas a duros testes de estresse. O
ambiente de diálogo, que poderia conduzir a ganhos de compreensão sobre o
instituto do impeachment, seu processo e os crimes que o fundamentam, é
prejudicado, quando não eliminado. Mesmo um presidente muito impopular,
contra o qual haja uma acusação bem fundamentada, contará com o apoio de
pessoas que, seja por interesses (como muitos governadores que ficaram ao
lado de Collor até o final de seu calvário), seja por convicção pessoal (como
meu pai), estarão dispostas a defendê-lo até o fim, contra todas as evidências e
recomendações de prudência política.

P   , o impeachment precisa que o Congresso seja


capaz de processar, condenar e afastar um presidente, por uma folgada
maioria de ao menos dois terços na Câmara e no Senado, a despeito de todas
as vantagens que o Executivo tem para a formação e manutenção de uma base
política no Congresso. Mas, para não ser abusivo, ele deve limitar-se às
hipóteses previstas em lei, observar ritos que podem fazer com que o processo
se arraste por meses e transcorrer com mínima interferência de instituições
estatais externas ao Congresso (como o Judiciário, as polícias e o Ministério
Público).
Construir instituições e consolidar práticas que alcancem o fino equilíbrio
entre essas duas tendências opostas é o principal desafio de calibragem do
instituto do impeachment, para que ele esteja bem ajustado quando sua
utilização for necessária — mas nesses contextos a tendência é que seus
protagonistas concorram para descalibrá-lo, cada qual buscando derrotar a
parte adversária. A invocação do truísmo de que “o impeachment é jurídico e
político” muitas vezes é uma renúncia preguiçosa ao desafio que ele nos
impõe: é uma proposição que diz pouco se não formos capazes de dizer
quando ele deve ser uma coisa e quando deve ser a outra.
Nos primeiros escritos sobre impeachment presidencial, nos Estados Unidos
do século , a ideia de “julgamento político” remetia ao padrão de conduta
à luz do qual a autoridade contestada seria julgada. Na medida em que o
impeachment acusa a autoridade de usar de modo abusivo os grandes poderes
políticos que recebeu, causando danos sérios às instituições sociais muito
importantes, seu julgamento precisaria distinguir usos próprios e impróprios
desses poderes. Era assim que Alexander Hamilton explicava o que significa
dizer que o impeachment é “político”. Os ilícitos sujeitos à jurisdição do
Senado, diz ele,

são aqueles que procedem da má conduta de homens públicos ou, em outras palavras, do abuso ou
violação de alguma confiança pública. Sua natureza pode ser denominada política, uma vez que eles se
relacionam principalmente com prejuízos causados diretamente à própria sociedade.1

Hamilton está dizendo que o julgamento de um impeachment passa por


avaliar se um presidente usou ou não os poderes de seu cargo de modo
impróprio. Esse juízo necessariamente trabalhará com padrões de boa ou má
conduta política, aferidos a partir de costumes políticos e parâmetros de
moralidade pública, vigentes através das leis, dos costumes históricos e das
práticas políticas da própria comunidade. Essa foi uma das razões pelas quais a
competência de julgamento acabou alocada no Senado: no século 
especialmente, senadores eram via de regra homens com longo histórico de
vida pública, que supostamente conheceriam o ofício da política e poderiam
responder, pela sabedoria acumulada em sua longa vivência junto ao centro do
poder, se o presidente teria ou não cruzado uma linha intransponível no
desempenho de suas funções. Trazendo essa lição para o cenário brasileiro,
uma acusação bem fundamentada de impeachment deve ser capaz de enunciar
claramente qual padrão de moralidade política foi violado pela autoridade
acusada, para então articular essa violação com as bases legais do
impeachment, isto é, os crimes de responsabilidade definidos na lei no
1079/1950.
Pensemos no caso de Fernando Collor de Mello. Se eu pudesse voltar no
tempo e tentar convencer meu pai de que Collor de fato merecia o
impeachment que sofreu, eu diria a ele que ninguém precisa ser jurista ou
cientista político para reconhecer que um presidente não deve permitir que
um traficante de influências venda favores em seu governo e depois beneficie
esse mesmo presidente e sua família com vantagens materiais. Tampouco é
necessária qualquer formação técnica para entender que a defesa do
presidente não deve mentir ou forjar documentos para tentar se safar nas
investigações de uma . Foi isso que Collor fez, e por isso foi acusado e
condenado: por ter sabido que PC Farias praticava crimes em sua
administração sem tomar providências efetivas para impedi-lo disso, foi
enquadrado no crime de permitir, ainda que tacitamente, a infração de lei
federal de ordem pública (art. 8º, n. 7); e pelas mentiras, fraudes e
dissimulação, foi enquadrado no dispositivo da lei no 1079 que pune o
comportamento indigno, indecoroso e incompatível com a dignidade da
presidência da República (art. 9o, n. 7).
Uma boa acusação de impeachment precisa não apenas de um governo
impopular, ou que cometa erros políticos e econômicos, ou que esteja sendo
alvejado por fortes grupos de interesses, ou mesmo que aja em desacordo com
uma ou outra determinação legal: ela exige o enquadramento da conduta
presidencial como um caso de vilania política exemplar, que leve à conclusão
de que o presidente não só está despido da confiança política para exercer os
grandes poderes inerentes ao cargo como incorre em um dos crimes da Lei do
Impeachment.
Em sentido oposto, o componente “político” do julgamento de crimes de
responsabilidade de modo algum autoriza o Congresso a acusar e condenar
um presidente por aquilo que a maioria parlamentar bem quiser,
aproveitando-se de uma janela de oportunidade decorrente de baixa
popularidade ou desorganização da base política presidencial. Ainda assim, em
ambientes de competição política radicalizada, e presentes as condições
favoráveis à remoção de um presidente (escândalos políticos, manifestações
populares, mau desempenho econômico, cobertura midiática desfavorável), é
bastante possível que a oposição tente afastá-lo mesmo sem bases legais.

A     de grandes protestos de rua nos impeachments de


Collor e Dilma, expressões singulares de engajamento político da população,
podem passar a impressão equivocada de que o processo de remoção de um
presidente é uma grande festa da democracia — uma espécie de micareta
cívica que acontece, ao menos na América Latina, de tempos em tempos, no
clima de alegria que nos é próprio.
Embora a condenação de um presidente acusado de crimes de
responsabilidade venha sempre acompanhada da euforia de seus adversários,
devemos ter clareza de que impeachments são processos institucionalmente
traumáticos, que deixam feridas que demoram a ser curadas. Quando Richard
Nixon renunciou à presidência dos Estados Unidos para escapar à cassação,
um dos primeiros atos de seu sucessor, Gerald Ford, foi agraciá-lo com perdão
presidencial, para enterrar de vez o clima de hostilidade e antagonismo
visceral entre seus apoiadores e detratores. Ainda que os Estados Unidos sejam
uma democracia madura, e que fossem indubitáveis os fundamentos jurídicos
da acusação contra Nixon, seu processo de impeachment deixou um gosto de
fel, mesmo com a renúncia que abreviou o desfecho.
Mas, quando o impeachment se mostra necessário, por ser a única forma
eficaz para coibir crimes de responsabilidade cometidos por um presidente
incapaz de ser contido por outros meios, não há lugar para vacilação: o
processo deve ser acionado e suas dores devem ser suportadas, para que o país
possa seguir seu rumo. Presidentes atavicamente propensos à violação da
Constituição, das leis e das convenções políticas e cívicas mais básicas de uma
nação transformam seus mandatos em uma gincana permanente de freios e
contrapesos.
A despeito dos custos políticos e sociais inerentes a um processo de
impeachment, mesmo quando bem fundamentado, é preciso ter clareza de
que deixar de usá-lo quando necessário também traz ônus consideráveis. As
tarefas principais do Legislativo e do Judiciário não podem se resumir a
exercer contenção contra um presidente que viola preceitos legais e pratica
abusos de poder por gosto e por estratégia. Há muitas maneiras de se agredir a
integridade da presidência da República, uma das quais é apequenar seu poder
e capacidade de liderança política por meio da construção de jurisprudência e
de padrões de relacionamento com o Congresso que desfavoreçam o
Executivo. Não faz sentido abrir mão do impeachment para preservar a
presidência da República se a condição para tanto for reduzir o Poder
Executivo a um canil para contenção de um delinquente político contumaz,
cujos adestradores sejam parlamentares e juízes. Isso diminui a presidência a
pretexto de preservá-la.
N   nem Fernando Collor de Mello estiveram presentes em nosso
casamento. E não é difícil adivinhar como meu pai se posicionaria quanto ao
impeachment de Dilma: “Rafael, ao contrário do Collor, não foi golpe” (Collor
disse coisa semelhante ao votar pela condenação de Dilma no Senado.)
Quando a saudade aperta, além das boas memórias, conforto-me pensando
nas muitas conversas que nós dois não tivemos sobre Jair Bolsonaro.

De tigre de palha a ameaça permanente

Há não muito tempo, um país da América do Sul elegeu para presidente da


República um candidato que disputou a eleição com uma bandeira de
oposição ao establishment político e de proximidade com o povo. Sua
campanha foi marcada por discursos virulentos contra “a elite”. Seus comícios
eram espetáculos de simbiose com a plateia. Por seu comportamento
antiprotocolar, ganhou dos apoiadores o apelido de “O Louco”.
No exercício da presidência, “O Louco” seguiu agindo de modo excêntrico,
provocativo, escandaloso. Fazia “showmícios” com artistas que o apoiavam e
envolveu-se com cartolagem futebolística, tentando trazer Maradona para
jogar ao menos uma partida por seu time de coração. Mesmo vestindo a faixa
de presidente, não abriu mão da grosseria política como estratégia: atacava
autoridades com linguagem chula e relacionava-se com o Legislativo sempre
na base do confronto.
“O Louco” nunca fora apreciado pelas elites econômicas, que o tomavam
por um populista demagogo. Seu comportamento presidencial hostil logo lhe
rendeu a antipatia da imprensa. Ao propor uma política econômica austera e
penosa para os trabalhadores mais pobres, alienou as centrais sindicais e
tornou-se impopular nas classes mais baixas. Sua grosseria descompensada
afastou progressivamente a classe média urbana. Denúncias de corrupção em
vários ramos da administração pública, embora não fossem novidades no país,
foram perenes em sua breve administração.
Quando as ruas se encheram de manifestantes, o Congresso aproveitou a
oportunidade. Abdalá “El Loco” Bucaram foi afastado da presidência do
Equador após uma sessão-relâmpago do Congresso. Seu apelido de campanha
ganhou tons de profecia: Bucaram foi condenado por uma suposta inaptidão
mental para o exercício das funções presidenciais. Seu mandato durou breves
seis meses, de agosto de 1996 a fevereiro de 1997.2 Ele fugiu para a Cidade do
Panamá logo após sua destituição parlamentar, e desde então tenta voltar à
política equatoriana: em 2020, dois dias após anunciar sua intenção de
concorrer à presidência da República novamente, foi preso acusado de
envolvimento no assassinato de uma testemunha-chave em uma grande
investigação de corrupção.3

A   A B   o suficiente para ser


pitoresca, mas ao mesmo tempo comum o bastante para ilustrar um padrão
daquilo que Aníbal Pérez-Liñán chamou de “a nova instabilidade política” na
América Latina.4 A previsão constitucional de um rito emergencial para a
remoção de presidentes que abusam de seu poder e ameaçam a integridade
das instituições, importada da Constituição dos Estados Unidos da América, de
1787, tornou-se, nas últimas décadas, ela própria objeto de preocupação, por
seu uso abusivo. Instabilidades políticas, impopularidade e grandes crises
econômicas, que antes redundavam em golpes militares, fugas, assassinatos e
suicídios, deságuam agora na doce violência de um processo que busca
mimetizar as formas de um julgamento mas que tem na política o carvão de
sua fornalha. Por outro lado, líderes políticos que antes abusavam
impunemente de seus poderes para perseguir adversários e obter benefícios
pessoais passaram a conviver com a perene ameaça de responsabilização
política pelo Legislativo, por meio de um rito que muitas vezes implica, além
da perda do cargo, infâmia política insuperável.
O caso de Abdalá Bucaram é particularmente exemplar por expor o abuso
não apenas dos fundamentos do impeachment (Bucaram era excêntrico, mas
seguramente não era “mentalmente incapaz” no sentido próprio do termo),
mas também do rito desse processo, que jamais foi concebido para se resumir
a uma votação-relâmpago no Congresso. Em nosso continente, não é difícil
encontrar outros casos de impeachment presidencial que geram desconfiança
por sua legitimidade: em 2012, o paraguaio Fernando Lugo foi retirado da
presidência após um processo que durou apenas dois dias, sob acusação de
uma série de malfeitos e incompetências no exercício do cargo.5 Mais
recentemente, em novembro de 2020, o presidente do Peru, Martín Vizcarra,
foi afastado após acusação de “incapacidade moral permanente” para a função
por, conforme um delator, ter recebido propina antes de haver se tornado
presidente — algo estranho à lógica do impeachment: o instituto não é
instrumento para devassa na vida pregressa de políticos, mas apenas uma
proteção emergencial contra aqueles que se mostram irremediavelmente
perigosos no exercício da função presente. Foi a segunda investida parlamentar
contra Vizcarra, que em setembro de 2020 havia conseguido sobreviver a uma
primeira acusação.
O Brasil não foge à regra de seus vizinhos de continente. Desde o início da
vigência da Constituição de 1988 até meados de abril de 2021, havia o
impressionante registro de mais de trezentas6 denúncias por crimes de
responsabilidade, que podem dar início a processos de impeachment,
oferecidas contra presidentes da República.7 Os fatos que as motivaram iam
desde o pitoresco, como a noitada carnavalesca de Itamar Franco ao lado da
modelo Lilian Ramos em 1994, aos grandes escândalos políticos das últimas
décadas brasileiras: as acusações contra Collor pelo envolvimento com o
traficante de influências  Farias; contra Fernado Henrique Cardoso pela
compra de votos para a emenda da reeleição e pela “Operação Abafa” para
impedir investigações contra seu governo; contra Lula pela compra de apoio
político no Congresso através do “mensalão”; contra Dilma pela corrupção na
Petrobras, e contra Jair Bolsonaro pelos atentados à saúde pública praticados
durante a pandemia de covid-19. Os desfechos das denúncias também foram
variados: duas delas levaram à condenação das autoridades denunciadas,
Collor e Dilma, embora apenas o primeiro tenha ficado inelegível pelo
período de oito anos, como manda a Constituição, e 194 acabaram arquivadas
antes de passarem à etapa da comissão especial de impeachment na Câmara.
Já as 64 denúncias apresentadas contra Jair Bolsonaro até janeiro de 2021
dormitaram nas gavetas do deputado Rodrigo Maia durante seu último
mandato como presidente da Câmara dos Deputados.
Embora os impeachments tenham ganhado protagonismo com o fim de
nossa última ditadura e a redemocratização pós-1988, a história do instituto no
Brasil não começou com o caso Collor. A primeira lei brasileira a prever
crimes de responsabilidade de presidentes da República, o decreto no 30, de 8
de janeiro de 1892, foi o estopim para a crise parlamentar que levou à renúncia
de nosso primeiro presidente, o marechal Deodoro da Fonseca. Na
tumultuada década de 1950, uma denúncia de crime de responsabilidade por,
entre outras coisas, abertura de créditos extraordinários sem previsão
orçamentária (semelhante a uma das acusações que derrubaria Dilma Rousseff
mais de seis décadas depois) integrou o cerco político e jurídico engendrado
pela oposição contra Getúlio Vargas. Em 1955, uma espécie de rito
sumaríssimo de impeachment, chamado por seus defensores de
“impedimento”, foi usado para afastar tanto Café Filho, vice de Vargas que
assumira o cargo após seu suicídio, quanto Carlos Luz, presidente da Câmara
dos Deputados que tomou o lugar de Café Filho. Ambos foram afastados sem
qualquer denúncia por crime de responsabilidade: não houve processo, nem
defesa, ou mesmo acusação de que tivessem praticado crime algum. Vem da
mesma década a lei no 1079/1950, que ainda hoje define os crimes de
responsabilidade de presidentes e outras autoridades, se bem que o rito nela
previsto tenha sido ajustado à Constituição de 1988 por decisões do Supremo
Tribunal Federal () em meio aos processos de Fernando Collor de Mello e
Dilma Rousseff.
Além de um informativo, e por vezes divertido, passeio pelas muitas
polêmicas envolvendo os presidentes brasileiros ao longo de nosso passado
recente, a história dos impeachments presidenciais no Brasil diz muito sobre
como nossas instituições são capazes de suportar turbulências políticas
provocadas por embates entre o presidente e o Congresso, por crises
econômicas e debacles de planos de governo, por escândalos de variadas
origens e quedas de popularidade do mais importante agente político da
nação. O caráter híbrido do impeachment, que sempre navega com um pé na
canoa da política e outro na canoa do direito, faz dele um objeto privilegiado
para quem se interessa por entender se, de que maneira e até que ponto os
institutos jurídicos são capazes de disciplinar os maiores conflitos políticos de
uma nação, impondo limites e regrando as condutas de poderosas forças
antagônicas. Dessa capacidade depende, afinal, a existência de uma
democracia estável, que não esteja sob permanente ameaça de quarteladas ou
parlamentadas, nem tampouco condenada a sucumbir caso um tirano vença
uma eleição.

A     , O impeachment: Aspectos da responsabilidade


política do presidente da República, de Paulo Brossard de Souza Pinto, é o mais
importante livro sobre o processo jurídico-político de remoção de presidentes
em decorrência da prática de crimes de responsabilidade já escrito no Brasil.
Brossard, gaúcho adversário de Getúlio Vargas, cresceu em uma cultura
política de oposição à supremacia política do Poder Executivo. Em seu
memorável trabalho, publicado em 1965, ele detalhou a origem do
impeachment, sua relação com nossos “crimes de responsabilidade” do regime
imperial (1824-1889), sua incorporação por nossa primeira Constituição
republicana, em 1891, sua aplicação a governadores e prefeitos e ainda a
jurisprudência brasileira até então dominante sobre o tema. Mas seu capítulo
final, “Que vale o impeachmen?”, é melancólico: o autor conclui que o
impeachment é “lerdo em demasia”, contribui para o agravamento das crises
que deveria resolver e não guarda compasso com nossas realidades sociais. Em
coro com Rui Barbosa, que revelara sua descrença no instituto já na Primeira
República, apelidando-o de “tigre de palha” e “canhão de museu”,8 Brossard
conclui seu livro chamando o impeachment de “letra morta”,9 isto é, um
instituto que só existe no papel, mas não opera na realidade.
Brossard faleceu em 12 de abril de 2015, um ano e cinco dias antes de a
Câmara dos Deputados autorizar o Senado Federal a instaurar o processo para
que Dilma Rousseff respondesse pelas acusações que acabariam por removê-la
do cargo. Se não chegou a ver o impeachment em ação em 2016, o
constitucionalista gaúcho acompanhou-o de uma posição privilegiada em
1992, quando era ministro do : participou dos julgamentos de diversos
mandados de segurança impetrados pela defesa do então presidente Fernando
Collor de Mello, ocasiões em que reafirmou suas convicções doutrinárias
expressas no livro de 1965 (como a respeito da impossibilidade de o 
interferir no rito definido pelas casas legislativas), muitas vezes ficando vencido
pela maioria do tribunal.
A obra de Brossard também tinha pretensões comparativas, que serviam
para reforçar seus lamentos de meados do século passado. Nem a Argentina,
nem os Estados Unidos, países que foram importantes inspirações para nosso
desenho de impeachment presidencial, tinham precedentes de condenação de
chefes de Estado. A não ser pelo Panamá, onde José Ramón Guizado foi
condenado e afastado do cargo em 1955, nenhum país da América Latina,
continente onde o presidencialismo tornou-se hegemônico, e cujas
constituições invariavelmente previam a possibilidade de impeachment,
registrava qualquer caso bem-sucedido de acusação, condenação parlamentar
e remoção presidencial até a década de 1960. Havia, é claro, remoções, mas
por outras vias: os velhos golpes de Estado, as ameaças que impunham fugas,
ou até mesmo suicídios (como no caso de Getúlio Vargas) e assassinatos. O
presidente do Panamá era apenas a exceção que confirmava a regra.
A história política do nosso continente após o período das
redemocratizações, a partir da década de 1980, mudou esse quadro. Desde
então, a América Latina passou a viver o que se pode chamar de era dos
impeachments. Com golpes de Estado proscritos pela parte mais expressiva da
cultura política interna de países recém-saídos de ditaduras, bem como pela
comunidade internacional, raramente o continente viveu um ano sem um
impeachment consumado, ou ao menos a ameaça séria de um. Presidentes
foram condenados e removidos de seus cargos, por crimes de responsabilidade
ou incapacidade, duas vezes no Brasil, no Equador e no Paraguai; e uma vez
na Venezuela, na Guatemala10 e no Peru.11 A esses se somam os casos de
outros tantos mandatários que renunciaram para escapar à condenação, com a
infâmia e a perda de direitos políticos que normalmente vêm junto. “Tigre de
palha” e “letra morta”, definitivamente, o impeachment já não é mais.

P  , a onda de impeachments na América Latina


suscitou duas ordens de preocupações distintas. Em um primeiro momento,
houve um esforço para compreender a realidade do fenômeno e investigar
suas causas: por que impeachments, antes desdenhados em sua eficácia por
seus mais entusiasmados defensores, passaram a ter aplicação tão corriqueira?
Quais fatores explicavam essa nova realidade? Esse esforço valeu-se de
ferramentas comparativas, investigando os diferentes modelos de regramento
do instituto nas muitas constituições nacionais que o previam: que tipos de
condutas podem fundamentar uma acusação que leve a um impeachment?
Essas condutas são definidas na Constituição, em lei especial, ou são deixadas
em aberto? A quem cabe acusar? A quem cabe julgar? Qual maioria é
necessária para se chegar a uma condenação? Qual é o papel do Poder
Judiciário nos processos de impeachment? E assim por diante.12 Em um
segundo momento, diante da onda de sucessivos impeachments, uma
preocupação de risco democrático entrou na pauta. Autoras e autores
passaram a se perguntar então se o impeachment, festejado por permitir a
solução de crises políticas extremas sem quebra de regimes constitucionais,
não era ele próprio um fator de desestabilização para jovens democracias, ou
ao menos um sintoma de instabilidades inerentes ao presidencialismo latino-
americano.13
No Brasil, a literatura voltou-se a problemas específicos de nossa
configuração institucional e social. Uma primeira dúvida, talvez a principal,
era saber de que modo o impeachment funcionaria em um cenário de alta
fragmentação partidária, no qual presidentes são muito dependentes de
coalizões para conseguir governar. O impeachment já de nosso primeiro
presidente eleito sob a Constituição de 1988 foi um precioso experimento para
responder a essa pergunta.14 Uma segunda questão importante era avaliar
quais condições sociopolíticas levaram à perda de apoio político quando
Fernando Collor de Mello e, mais recentemente, Dilma Rousseff acabaram
removidos do cargo.15
Se considerarmos o truísmo de que o impeachment é um fenômeno tanto
jurídico quanto político, essa literatura dá conta do aspecto político do
instituto, mas não do jurídico. Essa lacuna é um problema, pois as
determinantes sociais e políticas que levam à remoção legal de um presidente
da República não se confundem com suas condições de legitimidade jurídica.
Crimes de responsabilidade e os ritos dos processos que podem levar à
condenação de uma autoridade são previstos em constituições e leis brasileiras
há muito tempo, tendo motivado tanto decisões importantes do  quanto
reflexões clássicas de juristas, como os já citados Paulo Brossard e Rui Barbosa.
A despeito disso, o pensamento jurídico sobre o impeachment foi escasso nas
primeiras quase três décadas de nosso regime constitucional. Apenas quando a
acusação contra Dilma Rousseff tomou impulso, a partir de meados de 2015,16
nós juristas nos demos conta de que a produção de nossa área deixava em
aberto questões centrais do instituto e de seu processo. À exceção de alguns
poucos artigos publicados na época de Collor, que foi um caso que nos
desafiou pouco, não havia suficiente reflexão jurídica acumulada sobre pontos
básicos do impeachment: qual o papel do presidente da Câmara dos
Deputados no recebimento da denúncia e na definição do rito de votação da
casa? O Senado pode recusar-se a abrir um processo aprovado pela Câmara? A
condenação da autoridade acusada importa automaticamente inabilitação por
oito anos, como parece sugerir a literalidade da Constituição de 1988, ou é
possível aplicar inabilitação por tempo menor, ou mesmo não aplicar
inabilitação alguma, como ocorreu com Dilma Rousseff? Qual a diferença
entre “crimes de responsabilidade” e os crimes comuns previstos no Código
Penal, como a corrupção e o peculato? Todas essas questões nos pegaram de
surpresa em 2016. Não deveria ter sido assim: a era das presidências
interrompidas na América Latina, o histórico de Collor no Brasil e as
evidências de crescente fragmentação política no Congresso recomendavam
que tivéssemos dedicado reflexões mais perenes ao impeachment presidencial.
Esse cenário contrasta com o que se observa, por exemplo, nos Estados
Unidos, país de onde importamos nosso modelo de responsabilização política
de presidentes. Embora nenhum presidente norte-americano jamais tenha
sido removido por força de condenação por high crimes and misdemeanors (os
“crimes de responsabilidade” da Constituição deles), a produção jurídica sobre
o impeachment é abundante por lá. O tema mobiliza tanto professores
contemporâneos de direito constitucional, muitos dos quais publicaram
trabalhos recentes motivados pelos perigos da presidência de Donald Trump,17
quanto obras de referência sobre o impeachment de autoridades federais em
geral.18 Além dessa literatura dogmática, há diversos trabalhos históricos sobre
processos desde as origens do instituto, no direito medieval inglês, até as
primeiras acusações de autoridades federais nos Estados Unidos, no século
XIX.19 As vantagens de uma cultura jurídica com estoque de conhecimento
sobre o tema, produzido em contextos históricos variados, são evidentes: o
acúmulo de reflexão aumenta a segurança, reduz a margem para arbítrios e
agrega confiabilidade ao resultado final do processo que seja conforme a uma
doutrina decantada pelos anos.
Este livro oferece uma pequena contribuição para suprir essa lacuna, por
meio de um relato abrangente sobre o surgimento e a evolução do
impeachment presidencial até seu estágio atual no Brasil. É uma espécie de
biografia do instituto: começa com seu nascimento na Inglaterra medieval,
percorre sua transição para o presidencialismo na constituição norte-
americana de 1787 e chega até as constituições brasileiras. A maior parte do
livro dedica-se ao Brasil, narrando acusações a diversos presidentes — umas
bem-sucedidas, outras não — e os contornos que o impeachment adquiriu em
nossa cultura jurídica, seja pelos entendimentos de juristas e advogados, seja
pela atuação das instituições estatais que protagonizam essa história em nosso
país: a Câmara dos Deputados, o Senado e o Supremo Tribunal Federal. Essa
história tem início há mais de seiscentos anos, quando um lorde inglês aceitou,
em nome de um rei velho e doente, um alto empréstimo para custear uma
guerra longa e cara — e acabou preso por isso.

São Paulo, abril de 2021


1. “Os maiores violadores das leis”

E   , Peter de la Mare, um cavaleiro do condado de


Herefordshire, Inglaterra, foi recebido em audiência por John de Gaunt,
quarto filho do rei Eduardo . De Gaunt administrava, de fato, o dia a dia da
Coroa inglesa, pois seu pai era, a essa altura, um homem já idoso e afastado da
vida pública. De la Mare fora à reunião parlamentar entre nobres e a Coroa,
convocada em nome do rei, para protestar contra um recente aumento de
impostos sobre a lã,1 instituído para financiar esforços militares em meio à
Guerra dos Cem Anos (1337-1453).2 O cavaleiro alegava que a incúria e a
desonestidade de alguns conselheiros reais causavam gastanças sem fim e
forçavam o rei a aumentar sucessivamente os impostos. Se a Coroa afastasse
prontamente essas más autoridades, disse ele, os recursos já arrecadados
seriam bastantes para financiar muitas guerras.
O filho do rei indagou do cavaleiro quem seriam os tais oficiais desonestos.
De la Mare então nomeou dois culpados. O primeiro, Richard Lyons, era um
rico homem de negócios. Segundo a acusação, Lyons adiantara 20 mil marcos
ao rei, mas receberia 30 mil ao final do pagamento das parcelas — que seriam
reembolsadas, claro, mediante arrecadação de mais impostos.3 O empréstimo
real havia sido aprovado pelo quarto barão de Latimer, a segunda autoridade
acusada. Como chefe de um pequeno conselho que cuidava das finanças reais,
Latimer era encarregado das receitas e despesas da Coroa. O queixoso acusou-
os de agirem em conluio para agravar as finanças reais pela contratação
daquele empréstimo escorchante, bem como de desviar parte do valor
emprestado, ao não empregá-lo nos esforços militares para os quais haviam
sido arrecadados.
Lord Latimer estava presente na sessão parlamentar em que Peter de la
Mare fez suas acusações. Seu primeiro revide foi quanto ao procedimento: ele
disse que responderia à denúncia levada a público pelo cavaleiro desde que
algum de seus acusadores a formalizasse em nome próprio. Havia um
componente intimidatório nessa estratégia: uma acusação formal não provada
contra um lorde sujeitaria seu acusador a pesadas penas pela infâmia causada.
Mas De la Mare não mordeu a isca jogada pelo barão: insistiu que a acusação
não partia de um indivíduo, mas sim dos representantes do povo em seu
conjunto.
Respondendo às acusações no improviso, Latimer não conseguiu convencer
seus pares de nobreza: foi sumariamente condenado, como era de praxe. O
acusado pleiteou então um adiamento da decisão, para que ele pudesse ao
menos preparar uma defesa adequada e reunir provas de sua inocência. Foi
atendido,4 mas de nada adiantou: em 1376, juntamente com seu cúmplice,
Richard Lyons, Lord Latimer foi condenado à prisão e à perda do cargo pelos
lordes reunidos em parlamento.
O caso de Latimer e Lyons é seminal para o instituto do impeachment por
diversas razões. Até então, era inédita uma acusação formulada pelo conjunto
dos representantes do povo (os commons) contra desmandos de uma alta
autoridade.5 Foi também a primeira ocasião em que uma espécie de líder dos
commons — isto é, um speaker,6 que no caso foi Peter de la Mare — havia sido
eleito para falar em nome de todos, detalhando acusações contra um nobre
que exercia função oficial na administração da Coroa. Tampouco era praxe a
concessão de prazo de defesa ao acusado para responder a imputações de má
conduta oficial, o que emprestou ao rito ares de julgamento,7 mais do que de
simples deferência a um clamor popular. Na cultura da common law (ou “do
direito comum”), essas pequenas inovações implicavam o reconhecimento de
direitos que valeriam dali em diante: aos commons, o direito de acusar, em
parlamento, os maus agentes da Coroa pelo exercício impróprio de suas
funções; aos nobres, reunidos em parlamento, o direito de julgarem seus pares
nessas situações; e à autoridade acusada, o direito de se defender das
imputações que sofria.

O   L  L  a primeira ocasião na qual os


registros parlamentares usaram o verbo impeach.8 A bem da verdade, o termo
documentado nos rolos do Parlamento é empeschez, palavra nascida de uma
mistura do francês normando com o inglês arcaico. Desde o reinado de
Guilherme, o Conquistador, iniciado em 1066, e ao menos até o reinado de
Carlos  (1630-85), a literatura jurídica inglesa era escrita ou em latim, ou em
um dialeto profissional anglo-francês, o Law French, “uma língua artificial,
jamais usada fora dos tribunais ingleses”.9 Empeschez (também grafado
empecher ou empeschen) significava “acusar”, “denunciar”.10 Na tradução para o
inglês vivo do século , o verbo tornou-se impeach, mas reteve seu
significado original: Edward Coke, notável jurista dos séculos -, definiu-
o como “impugnação”, “contestação”, “desafio”.11
O impeachment medieval inglês encapsulava a tensão que acompanha o
constitucionalismo britânico ao menos desde a invasão normanda do século
: de um lado, o jugo normando (Norman yoke), que afirmava um poder
monárquico imposto de cima para baixo, com todo o peso da hierarquia
feudal; de outro, o legado saxão (gothic bequest), um conjunto de práticas
políticas costumeiras observadas desde tempos imemoriais, de base
comunitária e reverentes a certas liberdades políticas fundamentais.12 A
acomodação dessas forças antagônicas contribuiu para a emergência da
chamada teoria do governo misto,13 imaginada a partir da combinação de três
tipos de governo descritos na Política de Aristóteles (o governo por um, por
poucos ou por muitos). Essa teoria descrevia (e defendia) um delicado
equilíbrio institucional que acabaria por se confundir, a partir do século ,
com a própria essência da organização política da Inglaterra.14
A teoria do governo misto acomodava os principais personagens sociais da
paisagem política inglesa e atribuía a cada qual certas origens e papéis. O rei e
a rainha (governo por um), personificações da soberania, eram determinados
por direito hereditário;15 os lordes (governo por poucos), alguns dos quais
também autoridades religiosas, eram originalmente detentores de terras em
regime de baronato (per barones),16 e tinham o direito de se reunir com o
monarca em grandes audiências, os parlamentos (parlement), para discutir
assuntos prementes do reino. Essa participação era inicialmente a convite, mas
tornou-se direito adquirido com o passar do tempo. Outros atores sociais com
alguma força política, como pequenos possuidores de terra, cavaleiros e
escudeiros, eram, de início, meros espectadores das reuniões parlamentares.17
A luta pelo protagonismo parlamentar desses “comuns” (commons), que
responde pelo “governo de muitos”, tem uma longa história na Inglaterra e é
um movimento ainda hoje em curso.18
A cosmologia do universo político inglês forjou-se no milenar percurso de
reconhecimentos, concessões e aquisições de direitos mutuamente admitidos
entre esses atores. Nessa jornada ganharam corpo suas principais instituições,
a Coroa e o Parlamento, este último composto pela Câmara dos Lordes e pela
Câmara dos Comuns. O impeachment é um ramo dessa árvore frondosa, que
cresceu com força em solo inglês entre os séculos  e .
O poder do Parlamento sobre os preferidos do rei: do século XIV à
era Tudor

Embora o caso de Lord Latimer seja considerado o primeiro impeachment


inglês, ele não foi a primeira reclamação dirigida a um rei por abusos de altos
oficiais de governo. John Lee, administrador da casa real (Royal Household) de
Eduardo ,19 fora acusado em 21 de maio de 1368 de abuso de poder e
perseguição contra desafetos.20 Ao contrário do que aconteceria no caso de
Latimer oito anos depois, Lee não ganhou tempo para preparar uma defesa
detalhada. Sem conseguir convencer os lordes, que o julgaram de imediato,
acabou preso na terrível Torre de Londres. Cinco séculos depois, em 1867, nos
estudos preparatórios para o processo de impeachment contra o presidente
Andrew Johnson, dos Estados Unidos, o Comitê Judiciário da Câmara dos
Deputados descreveu com horror aquele caso, pintando-o como exemplo de
injustiça motivada por picuinhas políticas.21 A condenação de Lee serviu-lhes,
como antítese, para reafirmar uma das características que marcaram a
evolução do impeachment: a preocupação em não o reduzir a um simples rito
de vendeta política, procurando dar-lhe, tanto quanto possível, características
de um julgamento, com delimitação de uma acusação legalmente
fundamentada e um veredicto segundo fatos provados e interpretação legal
consistente.
Ainda no século , mais dois casos diferentes de impeachment, um contra
um conde (lord), outro contra um cavaleiro (common), contribuíram para
afirmar outras características distintivas do instituto. Os condenados foram
Michael de la Pole, o primeiro conde de Suffolk (1386),22 e o cavaleiro Thomas
Talbot (1394). Ambos os casos giraram em torno do conceito jurídico de
“traição”, o crime político por excelência.
Na linguagem jurídica inglesa do século , havia um vocábulo especial
para designar os ilícitos especialmente graves: misprisions (do francês
mesprison, “erro”). Os crimes referiam-se não à simples incompetência ou
omissão, mas sim ao mau comportamento intencional de uma autoridade no
cumprimento de seus deveres.23 Com o passar do tempo, a prática agregou
novos conteúdos ao conceito, e ele se tornou um gênero que compreendia
várias espécies de crimes políticos. No tratado de William Blackstone,
Commentaries on the Laws of England, essa taxonomia aparece com clareza:
“misprisions”, diz ele, “são ofensas tão elevadas contra o rei e o governo que
beiram o grau de capitais”.24 Compreendiam, entre outras, a traição (treason) e
os altos delitos (high misdemeanors). Para estes últimos, cabia o impeachment
pelo Parlamento, isto é, a acusação pelos commons e o julgamento pelos lordes.
Na época de Suffolk e Talbot, porém, essas distinções não eram tão apuradas.
Falava-se ora de misprision, ora de treason, ora ainda de misprision of treason.25
Assim, a acusação em um impeachment era basicamente uma acusação por
traição ou por algo de gravidade comparável a uma traição: uma séria violação
da confiança que a Coroa havia depositado na pessoa ao fazer dela uma
autoridade que exercia poderes em nome do monarca.
Se a traição era a régua de gravidade para o impeachment de uma
autoridade da Coroa, era preciso determinar no que propriamente ela
consistia. Em uma interpretação restritiva, o conceito jurídico de “traição”
exigia que houvesse alguma forma de ataque direto a membros do núcleo
próximo da família do monarca. Uma lei de 1352, o Great Treason Statute,
deixava claro que a traição ocorria quando houvesse atentados contra o “rei”,
a “sua senhora a rainha”, e “seu filho mais velho e herdeiro”.26 Lord Latimer,
por exemplo, havia sido condenado por violar o patrimônio e a confiança do
rei. Segundo essa interpretação, o conde de Suffolk e o cavaleiro Thomas
Talbot só poderiam ser condenados se seus acusadores comprovassem alguma
forma de ataque pessoal ao monarca.
A implicância contra o conde de Suffolk vinha desde a reunião do
Parlamento do ano anterior (1385), quando o rei Ricardo  e seus mais
próximos conselheiros, um dos quais o próprio Suffolk, tinham sido alertados
para o estado precário das finanças do reino. Em 1386, porém, a Coroa propôs
um novo aumento de impostos para custear os esforços da guerra contra a
França. Foi a gota d’água para a acusação contra o conde, a quem se imputou
parte da culpa pela situação financeira desfavorável do rei, porque ele havia
comprado terras da Coroa.27 Para seus adversários, o acusado deixara Ricardo
 mais pobre e vulnerável, enquanto seu dever de conselheiro real era ajudá-lo
a ficar mais rico e mais forte. Logo, diziam seus detratores, o conde de Suffolk
havia rompido uma promessa que integrava os termos de sua especial relação
com o rei, o que equivalia a uma quebra de confiança análoga à traição.28
Dúvida semelhante houve em 1394, no impeachment de Thomas Talbot,
cavaleiro do condado de Cheshire. Talbot liderara uma revolta na primavera
daquele ano contra um tratado de paz que Ricardo  negociava com a França.
Os revoltosos ergueram-se contra os duques de Lancaster e Gloucester, a
quem acusavam de aconselhar mal o rei nas tratativas com os franceses. Para
alguns, possivelmente a insurreição liderada por Talbot tinha razões classistas:
a região de Cheshire tinha na guerra uma importante fonte de renda, pois
fornecia grande parte dos combatentes para as campanhas militares do século
.29 Para outros, os rebeldes genuinamente protestavam contra os termos do
tratado desfavoráveis ao reino inglês.30 De qualquer maneira, a falta da
pessoalidade do ataque à família real era ainda mais explícita no caso de
Talbot: se o crime de traição exigia um atentado contra o rei, a rainha ou seu
herdeiro, como se poderia dizer que o delito fora cometido num levante
contra dois duques, ainda mais em nome dos interesses da Coroa?
Para se libertar dos limites do Treason Act, com sua rígida exigência de
ofensa direta e pessoal ao rei, os lordes sustentaram que a condenação se
fundamentava em exercício de um poder baseado não na lei de 1352, mas em
costume imemorial (common law) do reino,31 uma vez que julgamentos por
traição já existiam antes daquele estatuto. Para os lordes, o objetivo da lei era
conter “os juízes”, isto é, outros foros do reino, mas jamais o próprio
Parlamento, que dispunha de um poder ilimitado para reconhecer e condenar
novas modalidades de traição caso a caso.
Essa definição foi muito importante para a eficácia do impeachment nos
anos seguintes. Ao se afirmar a natureza judicial do poder exercido naqueles
julgamentos, estava logicamente afastada a natureza legislativa de tais
medidas: mesmo quando condenassem por condutas que não se
enquadrassem exatamente nos termos do estatuto de 1352, os lordes
insistiram em atestar que não estavam legislando, mas apenas aplicando
normas costumeiras e preexistentes — precisamente como fizeram nas
condenações de Suffolk e Talbot.
Afirmar a natureza judicial do impeachment era relevante porque o poder
de julgar grandes casos criminais eventualmente ficaria a cargo exclusivo dos
lordes, enquanto o poder de legislar dependia da convergência entre rei e
Parlamento. Se um dos principais usos para o impeachment era punir altas
autoridades do reino responsáveis por má conduta, e essas autoridades eram
escolhidas, como regra, entre os preferidos do rei, a necessidade de
concordância entre rei e Parlamento arriscava limitar severamente a força do
mecanismo, pois o monarca disporia, na prática, de poder de veto. A opção
pela natureza judicial da medida, ao contrário, garantia que o impeachment
começasse e terminasse nas mãos dos parlamentares, sem depender do aval da
Coroa. Ao rei restaria apenas acatar, ou entrar em guerra contra o
Parlamento. Dificilmente alguma autoridade real, por mais apreciada que
fosse por um rei ou rainha, valeria o preço de um conflito tão grande.

O     por mais de um século a partir dos anos


1500. Na interpretação de Raoul Berger, o raro uso do mecanismo foi uma
opção de cautela: “O Parlamento dobrou-se à ventania do poder Tudor e
prudentemente evitou confrontar os favoritos da Coroa”.32 Era uma escolha
compreensível: a dinastia Tudor (1485-1603) deu à Inglaterra monarcas que
ficaram célebres pela fúria com que agiam contra seus adversários, como
Henrique , que decapitou centenas deles (inclusive duas esposas),33 e sua
filha Maria , a Bloody Mary, que levou incontáveis anglicanos à fogueira em
sua saga obstinada para restaurar o catolicismo no reino.34
O reinado de Henrique  foi importante para a ascensão política do
Parlamento, com quem o rei se aliou para algumas de suas maiores batalhas
políticas, principalmente contra a Igreja católica.35 Em contrapartida, o
Parlamento aquiesceu com a expansão de prerrogativas reais, uma das quais
era análoga ao impeachment, mas com maior direito à participação ativa do
rei: o attainder of treason, ou bill of attainder, com o qual Henrique  tirou a
vida de mais de trezentas pessoas apenas entre os anos de 1534 e 1540.36
Ao contrário do impeachment, que era um poder de natureza judicial, os
attainders tinham essência legislativa:37 eram a aprovação de uma lei nova a
pretexto do caso julgado, com aplicação retroativa para punir o acusado. Nessa
qualidade, eles não precisavam se prender aos limites da lei de traição de 1352,
pois tinham força comparável àquele estatuto. Por serem ato de legislação e
não de adjudicação, os attainders tampouco precisavam observar rituais de
argumentação jurídica, análise de provas ou direito de defesa próprios de um
julgamento (e por isso eram mais céleres). Um attainder era, em suma, um ato
de vontade política: se o rei desejasse punir algum ministro seu, e o
Parlamento consentisse com a punição, bastava votar a medida e a condenação
era dada. Não raramente, a pena era de morte, já que os attainders serviam
para a punição dos mais graves entre os mais graves crimes (misprisions).38 Os
attainders tornaram-se símbolo das injustiças que poderiam resultar do
julgamento furioso de adversários políticos. A memória desse passado foi o
que levou a Constituição dos Estados Unidos a bani-los expressamente, junto
com leis retroativas (ex post facto Laws).39

O impeachment na luta contra o absolutismo no século XVII

Passada a fase tudoriana de dormência do impeachment, o instituto voltou a


ter destaque no século , período em que o Parlamento travou uma longa
batalha contra o absolutismo real. Foi a época em que o rei Carlos  afirmou
que o Parlamento se subordinava inteiramente ao arbítrio da Coroa “para
convocar, reunir e dissolver”.40 Em resposta, ele acabou condenado e
executado em 1649, em meio à guerra civil que opôs parlamentaristas, que
defendiam maiores poderes do Parlamento em detrimento da Coroa, e
regalistas, que agiam em sentido contrário. Antes de Carlos , alguns de seus
mais entusiasmados oficiais haviam perdido a cabeça por desafiarem
prerrogativas parlamentares. Um deles, Thomas Wentworth, primeiro conde
de Strafford, embora condenado através de um bill of attainder, teve
importância para o desenvolvimento do impeachment presidencial: mais de
um século após sua execução, seu caso era lembrado por congressistas que
pensavam a adaptação do velho instituto inglês ao regime político dos Estados
Unidos.41
Strafford foi personagem central da Corte inglesa na década de 1630,
período que compreende a chamada “tirania dos onze anos” (1629-40), em que
Carlos , casado com uma católica e suspeito de proximidade aos “papistas”
irlandeses, não convocou o Parlamento nem uma só vez.42 O conde foi um
obstinado executor das políticas de Carlos .43 Os lordes acusavam Strafford de
tentar viabilizar medidas que tornariam o Parlamento irrelevante, como a
ampliação da cobrança de certos impostos (para evitar que novas sessões
parlamentares tivessem de ser convocadas para instituir outros tributos).44
Quando o Parlamento voltou a se reunir, Strafford foi intimado a ir até
Londres.45 Lá chegando, foi acusado pelo puritano John Pym, líder dos
comuns, e preso preventivamente na Torre de Londres até a data de seu
julgamento.46 O velho debate sobre a definição jurídica de traição, tão
relevante nos casos do conde de Suffolk e de Thomas Talbot, voltaria à tona:
como dizer que era traidor o homem que não apenas não havia atentado
contra a pessoa do rei ou de seus familiares como havia sido, ao contrário, o
mais fiel e feroz executor das políticas da Coroa?
Pym levou alguns importantes precedentes47 do impeachment um passo
adiante. Em julgamentos anteriores, conselheiros reais haviam sido
condenados por tramar indiretamente contra a vida do rei ao conceberem
políticas fiscais sufocantes, sob o argumento de que tributos em excesso eram
um convite à rebelião contra a Coroa (e, portanto, uma ameaça indireta ao
rei). Aproveitando-se desse histórico, Pym acusou Strafford de “subverter a lei
fundamental [do reino] e introduzir um governo arbitrário e tirânico”. Com
isso, dizia o acusador, o réu havia “depreciado a constituição imemorial do
reino, por meio do ataque a suas instituições livres”. Nas palavras de Pym,
“alterar a moldura e constituição do governo equivale a traição em qualquer
Estado”.48 Era uma versão ampliada do argumento da possível revolta
tributária: políticas arbitrárias e agressivas, ainda quando tomadas pelas
autoridades competentes, abalam o tecido social básico do reino e convidam a
desordem, rebeliões e guerra civil, que em última análise atentam
perigosamente contra a integridade da monarquia. Esse foi o passo final na
afirmação de que a autoridade contra a qual o crime de traição atenta não
estaria apenas na pessoa do rei, mas sim no pacto político que une as
instituições fundamentais do reino e estabelece seu equilíbrio.
A condenação de Strafford representou um verdadeiro câmbio na
Constituição inglesa. A insurgência do Parlamento contra Carlos 
indiretamente, e contra Strafford diretamente, sugeria a afirmação de um
novo princípio: as prerrogativas reais não davam ao rei o direito de ignorar o
Parlamento, especialmente os commons, em questões cruciais de governo. “A
despeito das limitações ao voto, os commons eram representativos de um
modo que a Coroa não era. Juntamente com os lordes, eles falavam pelo
grosso da classe economicamente dominante no país”, lembra o historiador
Perez Zagorin. “Que o rei pudesse agir contra a vontade do Parlamento, que
ele pudesse convocar ou dispensar o Parlamento como desejasse — isso era
despotismo.”49 A pena para tanto, tal qual para a traição, poderia ser a
morte.50 Strafford foi poupado da forma de execução tradicionalmente
reservada aos traidores (enforcamento, arrastamento e esquartejamento), mas
acabou decapitado em Tower Hill, em 12 de maio de 1641.51 Na história da
teoria do impeachment, seu caso é lembrado como momento pioneiro de
aplicação de uma concepção de altos crimes políticos que protegiam não a
pessoa do monarca, mas sim os pactos políticos fundamentais de uma
comunidade política — em uma palavra, sua Constituição.

F     do século  que o impeachment


ganhou os contornos finais com os quais a geração que concebeu a
Constituição dos Estados Unidos o conheceu. Após a deposição e decapitação
de Carlos , em 1649, a Inglaterra viveu em profunda agitação até 1689,
quando o príncipe holandês Guilherme de Orange e a princesa inglesa Maria,
neta do rei decapitado, aceitaram dividir a Coroa em um reinado
compartilhado. Como condição para assumir o trono, os novos monarcas, sob
os nomes de Guilherme  e Maria , abriram mão de diversas prerrogativas
reais em favor do Parlamento. Foi um pacto selado através do Bill of Rights,
declaração com valor legal que reconhecia direitos inalienáveis dos súditos e
que entrou para os cânones da afirmação histórica dos direitos humanos.52
Esse acordo firmou a Inglaterra como genuína monarquia constitucional e
estabeleceu tanto a obrigatoriedade de parlamentos livres e regulares quanto a
doutrina da suprema autoridade legislativa parlamentar.53
A força do Parlamento terminaria por tirar do rei a administração cotidiana
do governo, não obstante a tarefa de governar ainda fosse exercida em nome
do monarca.54 Essa separação permitia também que os ministros, porque
dependentes apenas da sustentação parlamentar para permanecer no cargo,
fossem destituídos pela simples perda de apoio político entre seus pares.55
Nesse arranjo, os impeachments tornavam-se supérfluos: não havia mais
necessidade de denúncias e julgamentos políticos se as altas autoridades do
governo podiam ser destituídas por simples falta de apoio parlamentar.56
Mesmo assim, alguns poucos casos ainda ocorreram século  adentro.
Um deles, o impeachment de Warren Hastings, foi especialmente relevante
pela sua concomitância temporal com a Convenção Constitucional dos
Estados Unidos. Hastings foi acusado por sua atuação enquanto governador-
geral de Bengala, uma antiga colônia britânica na Ásia, entre 1772 e 1785.
Nessa condição, ele mantinha estreitas relações com a Companhia Britânica
das Índias Orientais, uma parceria entre capitalistas privados e governo inglês
que era acusada por seus críticos de promover tanto exploração econômica
predatória em Bengala quanto corrupção na Inglaterra.57 O processo contra
Hastings começou em maio de 1787, mesmo mês e ano em que a Assembleia
Constituinte dos Estados Unidos reuniu-se na Filadélfia para dar forma à
primeira Constituição presidencialista da história.58
A acusação contra Hastings, a quem se imputava tanto abuso de poder
quanto corrupção para enriquecimento pessoal ilícito,59 utilizou-se da mesma
categoria jurídica que a Constituição norte-americana, após extensos debates,
acabou por adotar: high crimes and misdemeanors. No Parlamento, Hastings
encontrou um obstinado acusador, Edmund Burke, determinado a usar o caso
para repaginar a imagem da relação entre a Inglaterra e suas colônias.60 Burke
argumentava que o importante era o conjunto do comportamento ilegal de
Hastings, que delineava um cenário de “ofensas contra a lei natural ou os
princípios ancestrais da Constituição britânica, mais do que a uma lei em
particular”, isto é, “ofensas contra as eternas leis da justiça, que são a nossa
regra e nosso direito de nascença”.61 Esses eram, segundo Burke, os high crimes
and misdemeanors de Hastings.
Na Convenção da Filadélfia, o caso de Hastings, que só chegou ao fim em
1795, com sua absolvição,62 foi mencionado para defender a ideia de que as
condutas passíveis de impeachment não deveriam se limitar ao estreito
conceito de “traição”. George Mason, representante do estado da Virgínia,
ilustrou seu argumento com referência ao caso do governador-geral de
Bengala: “Hastings não é culpado de traição. Tentativas de subverter a
Constituição podem não ser traição”.63 A posição ecoava a versão
desenvolvida da doutrina inglesa sobre o impeachment, representando-o
como defesa de instituições contra autoridades cujas condutas abalassem sua
integridade.

O impeachment na Constituição presidencialista


A geração de colonos que fez a independência dos Estados Unidos havia
passado boa parte de sua vida pública lutando contra um monarca, o rei
George .64 Eram homens profundamente marcados pelo ideário republicano
renovado do século , segundo o qual um povo que não escolhia quem o
governava não era um povo livre.65 Para eles, era impensável que o
comandante de uma nação não fosse passível de responsabilização legal por
seus erros. Nos dizeres do célebre panfleto de Thomas Paine: “Nos governos
absolutos, o rei é a lei” […]; na América, a lei é o rei”.66 Para cumprir o ideal
de um governo escolhido pelo povo, a nova nação tinha um grande desafio
pela frente: erigir um sistema que dispensasse a figura do rei, mas que ao
mesmo tempo não permitisse a ascensão de um tirano demagogo através de
eleições. E, claro, que promovesse um governo eficiente, capaz de cumprir as
aspirações elevadas da nova nação.
A busca de uma engenharia institucional fiel a esses princípios motivou
diversas escolhas feitas pela Constituição norte-americana, de 1787. O “poder
executivo”, isto é, as tarefas de governo, foi investido em uma só pessoa, e não
em um órgão colegiado. Um Executivo unipessoal teria maior eficiência
administrativa (“energia”, como diziam). Nas palavras de Alexander Hamilton,
“decisão, iniciativa, discrição e agilidade caracterizam o comportamento de
um só homem em grau muito mais elevado do que procedimentos em maior
número; à medida que o número de homens é aumentado, essas qualidades
diminuem”.67 A pluralidade, o debate e o dissenso, que também são
componentes importantes da vida política em uma democracia, ficariam
relegados a um Legislativo numeroso.
Além de ter maior eficiência, um Executivo unipessoal seria mais facilmente
responsabilizável por seus erros.68 A possibilidade de responsabilização era
vista pelos constituintes norte-americanos como um importante elemento que
distinguia o seu “supremo magistrado”, o presidente, dos monarcas europeus.
Por outro lado, um presidente facilmente punível perderia a capacidade de
decisão e iniciativa. Gouverneur Morris, representante do estado da
Pensilvânia, alertava que o modo de responsabilização do presidente não
deveria deixá-lo excessivamente vulnerável a seus julgadores.69 Um Poder
Executivo muito enfraquecido colocava em risco a própria separação de
Poderes: o presidente precisava desfrutar de certa proteção contra investidas
do Legislativo e do Judiciário para que pudesse ser realmente o chefe de um
poder independente.70
A primeira proteção institucional contra um presidente pernicioso estava na
maneira de escolhê-lo: as eleições. O direito ao voto, deixado à definição dos
estados, era reduzido conforme os padrões da época: limitava-se, como regra,
a homens brancos com alguma riqueza (“pagadores de impostos”).71
Adicionalmente, optou-se por uma eleição indireta: os estados definiam
eleitores que por sua vez compunham o colégio eleitoral para escolher o
presidente.72 Essa lógica foi pensada para privilegiar nomes de prestígio
nacional, que fossem conhecidos para além das fronteiras de seus estados, em
detrimento de meros líderes de interesses locais.73 Tal conjunto de
mecanismos, pensavam os constituintes, diminuiria as chances de que
populistas perigosos (“demagogos”) vencessem uma eleição nacional.
Uma segunda proteção foi a escolha de um mandato relativamente curto
para o presidente: quatro anos. No dia 24 de julho de 1787, a Convenção da
Filadélfia debateu longamente qual seria a duração ideal do termo
presidencial. Pensando na eficiência e continuidade dos trabalhos de governo,
alguns delegados sugeriram mandatos de oito (William Davie, da Carolina do
Norte), de onze (Luther Martin, de Maryland) ou de quinze (Elbridge Gerry,
de Massachusetts) anos. Rufus King (Massachusetts) chegou a propor um
mandato presidencial de vinte anos, “o tempo de vida médio de um
príncipe”.74 Mandatos excessivamente longos, porém, fariam parecer que o
novo país estava trocando a monarquia hereditária por uma “monarquia
eletiva”.75 A alternativa escolhida foi a de mandatos mais curtos, porém com
possibilidade de reeleição: “Uma eleição a cada quatro anos prevenirá a má
administração”,76 defendeu Gouverneur Morris. O termo usado por ele —
maladministration — seria muito importante nos debates convencionais futuros
sobre os fundamentos possíveis de um impeachment.
Mas a combinação de eleições indiretas e mandatos curtos ainda não
satisfez os constituintes. Afinal, permanecia o risco de que uma pessoa inepta
ou perigosa conseguisse chegar à presidência em uma primeira eleição. Para
essas situações, os constituintes concordaram que uma terceira proteção seria
necessária: o impeachment.

Fundamentos do impeachment na Constituição dos Estados Unidos


(1787)

Além da história inglesa, os constituintes norte-americanos conheciam o


impeachment em muitas de suas colônias, onde ele era ferramenta usada para
denunciar e remover juízes e funcionários públicos acusados de abuso de
poder, ineficiência ou corrupção.77 A utilização do instituto como ferramenta
de repúdio a abusos da Coroa inglesa no período colonial tornou-o parte
indissociável do ideário republicano daquela geração.78 A opção pelo
impeachment como mecanismo para afastar presidentes perniciosos colocava
os constituintes diante das três questões subsequentes: por quais fundamentos
um presidente poderia ser afastado? Que pessoas seriam incumbidas da
delicada tarefa de julgar a maior autoridade política da nação? E quais
consequências, além do afastamento em si, poderiam advir em caso de
condenação?
As contendas sobre os fundamentos para impeachments foram acaloradas.
Como sugeriam os precedentes ingleses, esse era mesmo o ponto mais
delicado da doutrina sobre o instrumento. Nos debates constitucionais dos
Estados Unidos, algumas propostas defendiam um cabimento ampliado,
defendendo que o impeachment fosse admissível por qualquer
comportamento que se pudesse considerar como mau desempenho do cargo.
James Madison, por exemplo, defendeu inicialmente que o chefe do Poder
Executivo permanecesse no cargo sob condição de bom comportamento (good
behaviour), podendo sofrer impeachment por má conduta e corrupção (mal
and corrupt conduct).79 Roger Sherman, delegado de Connecticut, foi ainda
mais longe: sugeriu que o Legislativo tivesse o poder de remover o presidente
quando bem quisesse — at pleasure.80 Com o avançar da convenção, Madison
restringiu sua proposta para o escopo de um afastamento presidencial: falou
na possibilidade de remoção por “incapacidade, negligência ou perfídia do
magistrado-chefe”.81 Quando passaram a discutir a redação do dispositivo
constitucional que trataria do impeachment, a convenção considerou essas e
outras alternativas.
Na versão do Comitê de Detalhamento, um colegiado constituído para
redigir uma versão preliminar da Constituição refletindo os consensos
atingidos naquela altura dos trabalhos da Constituinte, o impeachment veio
previsto para casos de traição (treason), venalidade dos interesses nacionais
(bribery) e corrupção (corruption). Porém, nos trabalhos do chamado Comitê
dos Onze, órgão revisor que proporia a versão final dos dispositivos ainda
pendentes de redação, a “corrupção” acabou removida da lista de
fundamentos possíveis. Foi então que George Mason, representante da
Virgínia, protestou contra essa limitação lembrando o já citado caso de
Warren Hastings, notório corrupto e violador de leis, que não seria alcançável
por um dispositivo tão estreito. Mason propôs então que se adicionasse mais
um fundamento para o impeachment: má administração (maladministration).
Sua proposta foi rebatida por seu conterrâneo James Madison, que advertiu
que uma expressão tão ampla deixaria a estabilidade do mandato presidencial
ao bel-prazer de seus julgadores.82 Mason então reformulou sua sugestão,
propondo a alternativa que acabou consagrada na Constituição de 1787: além
de traição e venalidade dos interesses nacionais, o presidente poderia ser
afastado do cargo se acusado de — e condenado por — “outros altos crimes e
delitos” (other high crimes & misdemeanors) contra o Estado.
Enquanto traição e venalidade dos interesses nacionais vinham definidas no
próprio texto da Constituição, os “altos crimes e delitos” eram aferíveis pela
história da prática constitucional inglesa. Na velha metrópole, aquele
fundamento já servira para condenar autoridades por condutas como a má
aplicação de dinheiro público, o abuso ou omissão no cumprimento de
deveres oficiais, o desrespeito a prerrogativas parlamentares, a corrupção e a
quebra de confiança. A escolha de termos jurídicos (crimes, misdemeanors)
tradicionais do direito comum, e não de expressões de uso corrente, como
“má administração” ou “incompetência”, deixava claro que a locução tinha
sentido técnico e limitado.83 Para reforçar esse aspecto, a Constituição
estabeleceu que os senadores, quando reunidos para julgamento de
impeachment, prestem um juramento solene especial prometendo julgar o
presidente de modo imparcial, observando “a Constituição e as leis”.84
Também com o objetivo de não deixar o presidente excessivamente
vulnerável, optou-se pela exigência de um quórum elevado para a condenação
no Senado: “Nenhuma pessoa será condenada [por impeachment] sem a
concordância de dois terços dos membros presentes”.85

O tribunal e as penas
Qual autoridade seria capaz de julgar o presidente em um processo tão
sensível quanto um impeachment? Uma fundamentada resposta a essa dúvida
foi apresentada por Alexander Hamilton no ensaio de número 65 de O
Federalista:86 só o Senado poderia cumprir a importante missão. A Suprema
Corte, lembrava ele, era um órgão muito pequeno (à época composto de
apenas seis julgadores), e não seria difícil para um homem poderoso como o
presidente usar sua influência e cooptar dois ou três magistrados em seu favor.
Os ministros da Suprema Corte, além disso, eram indicados pela própria
presidência, o que poderia torná-los parciais em favor do homem a quem
deviam seu prestigioso cargo. Finalmente, as mesmas condutas que levavam
um presidente ao impeachment poderiam fazê-lo responder por acusações
criminais; nesse caso, o Judiciário precisaria estar disponível para julgá-lo
imparcialmente. O único papel da Suprema Corte seria ceder seu presidente
para conduzir as sessões de julgamento dos impeachments, por uma razão
simples: pela Constituição dos Estados Unidos, o Senado é presidido pelo vice-
presidente, a quem não convém qualquer participação no rito do julgamento.
Além de (em geral) correligionário do presidente, o vice é obviamente parte
interessada no desfecho do caso. Já a alternativa de um tribunal ad hoc,
constituído apenas para julgar acusações de impeachment, foi descartada por
ser morosa e cara.87
O Senado parecia a escolha natural para a tarefa. Sua correspondência com
a Câmara dos Lordes inglesa era óbvia e reconhecida pelos próprios
constituintes.88 A opção pelo Senado também espelhava a tradição da Europa
continental, onde assembleias de representação aristocrática historicamente
reuniam funções legislativas e judiciárias para as grandes causas.89 O Senado
foi pensado para ser a casa de composição mais elitista do Legislativo, formado
por homens eleitos pelos deputados estaduais,90 com mandatos mais longos,
de seis anos. Esses fatores levaram os redatores da Constituição dos Estados
Unidos a acreditar que o órgão teria membros mais maduros e serenos,
dotados da necessária prudência para conduzir um julgamento de alta
sensibilidade política, fazendo contraponto a uma eventual acusação
destemperada da Câmara dos Deputados.91
Quanto às consequências da condenação, o modelo inglês apontava para
um caminho que os constituintes dos Estados Unidos relutavam em seguir.
Não lhes parecia adequado que impeachments, muitas vezes influenciados
pelas paixões políticas do dia, pudessem levar a penas criminais severas como
banimento, prisão e morte.92 (O experiente Benjamin Franklin alertava que
querelas políticas não deveriam acabar em assassinatos.93) As colônias, que
também forneciam parâmetros nos quais os membros da Convenção da
Filadélfia se espelhavam, adotavam modelos variados: a Constituição da
Virgínia, de 1776, semelhante ao padrão inglês, mandava que o governador
afastado por impeachment sofresse “as dores e as penas estabelecidas pelas
leis”;94 em outras, porém, a única consequência da condenação era a remoção
do agente público do cargo, deixando eventuais penas corporais para
processos criminais à parte.95 A Constituição dos Estados Unidos optou pela
segunda via, deixando claro que a função do impeachment é proteger
instituições, e não, primariamente, punir o agente público condenado. A
inabilitação para exercer funções públicas seria votada caso a caso, com
duração proporcional à gravidade da conduta.
Por fim, os constituintes optaram por não permitir o afastamento cautelar
do presidente após aprovação da denúncia, rejeitando proposta nesse sentido
feita por Alexander Hamilton.96 Pelo voto de oito estados contra três,97
prevaleceu a posição de James Madison,98 que temia que a suspensão
prematura enfraquecesse em excesso o Poder Executivo. Assim, e ao contrário
do modelo que viria a ser adotado no Brasil, os presidentes dos Estados
Unidos que sofrem impeachment, isto é, são formalmente acusados pela
Câmara, como Andrew Johnson (1868), Bill Clinton (1998) e Donald Trump
(2019 e 2021), não se afastam do cargo para responder ao processo perante o
Senado.99

O impeachment da reconstrução: Andrew Johnson, 1868

Demorou quase um século até que a previsão do impeachment na


Constituição de 1787 resultasse em um processo contra um presidente, o
democrata Andrew Johnson, em 1868. Até então, houvera apenas casos contra
um senador100 e alguns magistrados,101 entre os quais o ministro da Suprema
Corte Samuel Chase.102
Johnson, vice-presidente103 na chapa com a qual Abraham Lincoln
conquistou seu segundo mandato em 1864, tornou-se o 17o presidente dos
Estados Unidos tão logo Lincoln foi declarado morto, na manhã de 15 de abril
de 1865, após um tiro à queima-roupa na parte de trás da cabeça. Assim que
soube do atentado, Johnson passou a preparar-se mentalmente para assumir o
pesado legado da presidência: “Andei a noite toda, sentindo a maior
responsabilidade da minha vida. Mais de cem vezes me perguntei que rumo
deveria seguir para que o historiador calmo e correto possa dizer, daqui a cem
anos: ‘Ele seguiu o caminho certo’”.104 Mas seu legado foi o exato oposto do
que ele esperava: estudiosos de seu governo consideram que ele quase sempre
optou pelos caminhos errados, guiando-se por um racismo inveterado, uma
teimosia incontornável e uma boa dose de falta de inteligência. Johnson era
descrito por alguns de seus contemporâneos como um populista que apelava
para os sentimentos dos eleitores brancos sulistas.105 “Como [Andrew]
Jackson”, escreve Hans Trefousse, Johnson “concebia uma América governada
por brancos”;106 Laurence Tribe e Joshua Matz o resumem como um sujeito
que “misturava má-fé e incompetência a um racismo visceral”;107 e Michael
Les Benedict apresenta-o como uma pessoa obtusa e de raciocínio rudimentar,
que confundia oposição política com inimizade pessoal, e cuja mente se
fechava quando tinha de tomar decisões difíceis.108 Uma pesquisa
periodicamente realizada com historiadores norte-americanos situa-o como o
segundo pior presidente da história do país109 — Johnson perde apenas para
James Buchanan, um líder apagado que não foi capaz de impedir, em 1861, a
eclosão da Guerra Civil entre o Norte abolicionista e o Sul escravista.
Andrew Johnson ascendeu ao cargo apenas cinco dias após o término da
Guerra de Secessão.110 Os desafios políticos à sua frente eram gigantescos:
além da recuperação econômica de uma nação devastada pela destruição física
causada pelo conflito, pelas 600 mil mortes e pelo meio milhão de feridos,111
caberia a ele reconduzir à comunhão política um povo dividido por ódio e
ressentimentos recíprocos, além de pensar sobre a inclusão dos 4 milhões112 de
escravos libertados ao final da guerra. Grande parte dessas políticas deveria ser
perseguida pela execução de um plano de reconstrução aprovado pelo
Congresso nos dias finais da presidência de Lincoln. O pacote incluía uma
política de integração dos ex-escravos, através do “Escritório dos Libertos”
(Freedmen’s Bureau), e medidas compensatórias duras a serem pagas pelos
sulistas rebeldes, inclusive com confiscos de propriedade. Mas Johnson, ele
próprio sulista, branco e ex-proprietário de escravos, colocou todo o seu
empenho, com uso dos poderes da presidência, em criar obstáculos à
efetivação dessas medidas. Tal posição o levou a conflitos cada vez mais
agudos com deputados e senadores e culminou com sua acusação pela
Câmara dos Deputados.

O     veio em 21 de fevereiro de 1868, quando o


presidente ignorou uma proibição do Senado e demitiu seu ministro da
Guerra, Edwin Stanton, um remanescente do gabinete de Lincoln. Como uma
parte importante da execução do plano de reconstrução cabia ao Exército, a
permanência de Stanton à frente do ministério garantia que as medidas
previstas seriam levadas a cabo. Para protegê-lo, a legislatura de 1867 havia
aprovado o Tenure of Office Act, uma lei que blindava da demissão ocupantes
de certos cargos políticos, entre eles o de ministro da Guerra.
A lei estabelecia que esses cargos não poderiam ser trocados sem anuência
do Senado, mas Johnson fez exatamente isso. Na carta de dispensa, entregue
em mãos a Stanton, o presidente invocou os poderes a ele conferidos pela
Constituição,113 sugerindo discordância quanto aos méritos constitucionais da
lei que protegia o ministro da Guerra.
O Tenure of Office Act pintava nas costas de Johnson um alvo claro para o
processo de impeachment: na seção 6, a lei era explícita em afirmar que
“afastamentos, nomeações e contratações exercidos em violação do disposto
neste ato […] serão considerados altos delitos [high misdemeanors]”.114 A
expressão remetia, ipsis litteris, à passagem da Constituição dos Estados
Unidos que elencava os fundamentos jurídicos para um impeachment.
Segundo o constitucionalista norte-americano Cass Sunstein, a legislação fora
concebida com essa redação inédita justamente com o propósito de
desencadear uma acusação de impeachment contra Johnson, já que um
conflito em torno das prerrogativas de demitir ministros era previsível àquela
altura.115
A denúncia foi apresentada apenas três dias depois da demissão não
autorizada de Stanton. Em 24 de fevereiro de 1868, ela foi aprovada na Câmara
dos Deputados.116 No curso do processo, o principal debate jurídico envolveu
um tema que se mostraria recorrente na história dos impeachments nos
Estados Unidos e em outros países: a natureza do ilícito capaz de ensejar a
remoção do presidente. A defesa de Johnson sustentou que o fundamento
jurídico de sua acusação, os “altos delitos”, exigia características estritamente
criminais que não existiam na sua conduta: o presidente não agira com o
propósito deliberado (“dolo”) de violar uma lei criminal, mas sim motivado
pela honesta convicção de que cumpria um dever de seu cargo. Além do mais,
diziam seus advogados, a remoção de Stanton não havia produzido efeitos
jurídicos diante da recusa do Senado em aceitá-la: a conduta de Johnson teria
sido no máximo uma tentativa, e não caberia impeachment por um ilícito
meramente ensaiado. A acusação, ao contrário, insistia que Johnson havia
violado a lei e praticado o high misdemeanor nela definido. Os acusadores do
presidente pareciam aceitar o pressuposto de que a conduta capaz de
fundamentar um impeachment precisava apresentar natureza criminal, e
apenas argumentavam que o comportamento de Johnson tinha, sim, todas as
características de um crime em sentido estrito. A acusação apontou ainda que,
naquelas condições, o crime tentado equivalia ao consumado.117
O resultado da votação final no Senado foi o mais apertado possível. Em
1868, havia 54 cadeiras na casa, representando os 27 estados então existentes,
com dois senadores cada. Eram necessários, então, 36 votos contra o
presidente para assegurar sua remoção. Apuradas as cédulas, 35 senadores
haviam votado pel va condenação. Andrew Johnson acabou absolvido por um
voto.

A     de Johnson são variadas. Alguns


autores, mesmo críticos de sua administração, apontam que a história lhe deu
razão na questão constitucional subjacente à acusação que lhe foi feita, pois a
Suprema Corte finalmente decidiu, em 1926, que não cabe ao Congresso
limitar os poderes de indicação do presidente para cargos do Executivo
federal.118 Por outro, há quem anote que Johnson só se salvou do
impeachment por um erro estratégico de seus acusadores, que optaram por
uma imputação estreita, parecida com uma denúncia criminal, limitada ao
imbróglio em torno da demissão do ministro da Guerra e da violação ao
Tenure of Office Act, quando a melhor estratégia teria sido uma acusação de
escopo amplo, que abarcasse as suas muitas ações de sabotagem ao plano de
reconstrução aprovado pelo Congresso.119 Esta seria uma acusação mais
complicada de se construir, pois exigiria uma amarração narrativa elaborada,
mas também muito mais difícil de ser rebatida:120 além de um corolário do
princípio da separação de Poderes, a “fiel execução das leis” é um dever
explicitamente imposto pela Constituição ao presidente.121 A opção pela
acusação mais estreita deixou de lado as ilegalidades granulares de Johnson,
que em seu conjunto desenhavam um mosaico nítido de abuso de poder e
sabotagem institucional, exatamente o tipo de comportamento que o
impeachment visa a coibir.122
O desfecho do processo de Johnson ensina que, ao menos nos Estados
Unidos, a tese jurídica da acusação não é irrelevante, mesmo com a carga
política inerente ao julgamento de um impeachment.123 Não basta que haja
descontentamento generalizado de deputados e senadores com o presidente: é
preciso escolher para quais condutas o processo se voltará, e elas devem ser
expressivas de uma interpretação bem fundamentada daquilo que a
Constituição dos Estados Unidos exige ao falar de “traição, corrupção e altos
crimes e delitos”.
Olhando pela lente mais política, os bastidores do processo de Johnson
amenizam a visão de que a investida contra ele foi um total fracasso. A ameaça
da condenação fez Johnson abandonar sua intransigência e aceitar negociar.
Em um aceno de composição, sua equipe de advogados incluiu dois
correligionários do grupo moderado do Partido Republicano ( Johnson era do
Partido Democrata). Com isso, seu objetivo era enquadrar o conflito como
uma disputa entre duas facções dos republicanos: a moderada, que aceitava
compor com ele, e a radical, que queria sua saída a qualquer custo. Ao longo
do processo no Senado, Johnson negociou importantes concessões com alguns
senadores republicanos, inclusive a indicação de um ministro da Guerra que
não fosse hostil ao plano de reconstrução do Congresso.124 Com essas
movimentações, conseguiu isolar os republicanos radicais e garimpou votos da
ala moderada do partido, que se mostraram decisivos para sua absolvição.125
Se o julgamento do impeachment tem um componente inegavelmente
político, Johnson se defendeu politicamente com sucesso. O desfecho do caso
sugere que a tese jurídica é condição importante mas não suficiente para se
chegar a uma condenação: ainda que Andrew Johnson tivesse abertamente
violado uma lei textualmente punível com o impeachment, ele conseguiu
costurar um acordo para sua absolvição. Tivesse ele insistido em sua briga
teimosa com o Congresso, possivelmente acabaria condenado pelo Senado.
As lições do impeachment presidencial nos Estados Unidos seriam
estudadas no Brasil pouco mais de duas décadas depois da absolvição de
Andrew Johnson, quando o procedimento foi acolhido por nossa primeira
Constituição republicana, em 1891. Essa experiência mesclou-se a nossa
história política do século , quando convivemos com um instituto do
parlamentarismo imperial que também encontrou seu lugar no impeachment
republicano: os crimes de responsabilidade.
2. “Façam justiça e salvem a República!”

“Crimes de responsabilidade”: a herança do Império

O impeachment como ferramenta para a remoção de uma autoridade que


atenta contra as instituições é um mecanismo essencialmente republicano.
Como se mostrou no capítulo anterior, a possibilidade de punição do
presidente era vista pela geração de políticos que fez a independência dos
Estados Unidos como uma das grandes diferenças entre o seu regime político
e a monarquia britânica. Nas monarquias, como regra, os reis não estão
sujeitos à responsabilização jurídica. Não era diferente no Brasil, onde a
Constituição do Império, de 1824, estabelecia que a pessoa do imperador era
“inviolável e sagrada”, não se sujeitando “a responsabilidade alguma”.1
Ao mesmo tempo, e também em linha com o que ocorria nas monarquias
constitucionais europeias, outros artigos da Constituição estabeleciam que
eram responsabilizáveis os agentes públicos que, auxiliando o imperador no
exercício dos poderes que a Constituição lhe atribuía, dessem conselhos
impróprios ou fizessem executar medidas inconstitucionais. Era o caso dos
ministros de Estado, por meio de quem o imperador exercia o Poder
Executivo, e dos conselheiros de Estado, com quem ele deliberava no exercício
do Poder Moderador, um poder neutro e arbitral que se tornou central para o
desempenho dos reis em regimes constitucionais.2
A Constituição do Império descia às minúcias de especificar os ilícitos pelos
quais os ministros de Estado poderiam ser punidos: traição, peita (o que hoje
chamamos de corrupção passiva, isto é, o recebimento de vantagens indevidas
por um funcionário público), suborno (uma peita que não envolvia dinheiro,
mas mero pedido da parte interessada), abuso de poder, desobediências à lei,
atentados contra direitos individuais e “qualquer dissipação dos bens
públicos”. A opção por detalhar, no texto constitucional, as condutas pelas
quais essas autoridades podiam ser responsabilizadas era incomum às
Constituições monárquicas da Europa daquele tempo. A exceção ficava por
conta da Constituição portuguesa de 1822, cujo artigo 159 incluía incisos de
redação idêntica aos do artigo 133 da nossa Constituição imperial.3 Daí veio
nossa tradição de rigidez constitucional na definição dos ilícitos que viriam a
ser chamados, em breve, de “crimes de responsabilidade”.
Como explica Júlio Vellozo,4 a responsabilidade de agentes públicos foi um
tópico cardeal do constitucionalismo monárquico do final do século  e
início do . No Brasil Império, ela foi regulada pela lei de 15 de outubro de
1827, a chamada “Lei da Responsabilidade dos Ministros e Secretários de
Estado, e dos Conselheiros de Estado”. Foi ela que introduziu o instituto dos
“crimes de responsabilidade” em nossa cultura jurídica. Além de fixar, em
linha com a Constituição de 1824, a competência do Senado para conhecer as
denúncias por esses delitos, ela mandava que os senadores atuassem como
“juízes” nessas situações, sendo sua função “aplicar a lei” aos acusados —
exatamente o que se esperava dos senadores dos Estados Unidos no
julgamento de impeachments, como visto no capítulo anterior.
A expressão “crimes de responsabilidade” voltou a aparecer no Código
Criminal de 1830, quando ele afirmava que suas disposições não eram
aplicáveis aos “crimes de responsabilidade dos ministros e conselheiros de
Estado, os quais serão punidos com as penas estabelecidas na lei respectiva”
(art. 308). Ela também foi empregada no Código de Processo Criminal de
1832, que designava delitos funcionais de agentes públicos e ministros de
Estado. No início da década de 1830, portanto, a expressão “crimes de
responsabilidade” designava ações ilegais de agentes públicos no exercício de
suas funções, apenadas com sanções criminais como prisão e degredo, e não
apenas das altas autoridades do Império.
Com o passar do tempo, a expressão “crimes de responsabilidade” passou a
ser cada vez mais associada às ilegalidades especificamente cometidas pelos
altos emissários do imperador — ministros e secretários de Estado, bem como
membros do Conselho de Estado. Pimenta Bueno, o marquês de São Vicente,
em 1857, já definia os “crimes de responsabilidade” como “delitos que afetam
profundamente a ordem e [os] interesses públicos, por si e pela posição dos
delinquentes”, o que incluía ministros de Estado e também magistrados.5
Seguramente contribuiu para o estreitamento de escopo dos “crimes de
responsabilidade” a opção legislativa por disciplinar os crimes dos ministros e
conselheiros em uma lei apartada do restante do funcionalismo público,
inclusive dos juízes6 — justamente a lei de 15 de outubro de 1827.
A opção por uma lei que tentava prever em detalhes cada possível crime de
responsabilidade distanciava o Brasil Império dos países da Europa e dos
Estados Unidos, onde o Legislativo tinha margem mais ampla para decidir, a
cada caso concreto, se teria havido ou não violação de dever que merecesse
responsabilização jurídica. Esse engessamento do Legislativo incomodava
alguns deputados. Joaquim Gonçalves Ledo, do Rio de Janeiro, reclamava que
essa estratégia tornaria a legislação brasileira um museu de ilegalidades
passadas, deixando-a despreparada para enfrentar desvios futuros: “A tentativa
de fazer uma lei […] casuística e precisa, que abranja todas as hipóteses, é […]
ilusória e inservível”, dizia. Para não se tornar imprestável, prosseguia o
deputado, uma lei que descesse ao detalhe das condutas incriminadas deveria
conter uma disposição final, “temerária” porém “indispensável para fechar o
círculo”, que dissesse o seguinte: “e além destes, todos os mais [crimes] que se
puderem derivar”.7 Ledo não estava de todo errado, e sua crítica teve um quê
de profecia: todas as leis de responsabilidade de altos funcionários públicos da
história do Brasil independente, inclusive a lei no 1079/1950, que hoje rege a
matéria, conjugaram proibições de condutas bem delimitadas a outras mais
abertas.8
As consequências legais previstas para os “crimes de responsabilidade” eram
todas penais: iam desde a suspensão do cargo até a morte, passando pela
prisão e pelo degredo. Em sintonia com o que determinava a Constituição de
1824, a lei de 1827 fixava a competência para “decretar a acusação” na Câmara
dos Deputados, e a competência para julgar no Senado.9 A Câmara decretava
a acusação, mas não formulava a denúncia: esta poderia ser apresentada por
“todo cidadão”, fosse ele deputado ou não.10 O poder de denunciar
autoridades por crime de responsabilidade era garantido como direito político
dos cidadãos brasileiros na Constituição de 1824.11

O impeachment chega à República

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro


de 1891, manteve a opção feita pela Constituição do Império, e criticada por
alguns deputados da época, de definir em detalhes os “crimes de
responsabilidade”. Embora ela usasse a expressão para se referir a atos tanto
do presidente (art. 54), como também de magistrados (art. 57, §2o) e
funcionários públicos em geral (art. 34, n. 27), apenas os crimes presidenciais
foram especificados no texto constitucional. Eram as condutas que atentassem
contra “1) a existência política da União; 2) a Constituição e a forma do
governo federal; 3) o livre exercício dos poderes políticos; 4) o gozo e exercício
legal dos direitos políticos ou individuais; 5) a segurança interna do país; 6) a
probidade da administração; 7) a guarda e o emprego constitucional dos
dinheiros públicos; 8) as leis orçamentárias votadas pelo Congresso”.
A Constituição de 1891 mandou que a primeira legislatura republicana
aprovasse duas leis especiais: uma para pormenorizar a definição dos crimes e
outra para estabelecer os ritos do processo.12 Elas viriam em janeiro de 1892,
promulgadas pelos decretos nos 27 e 30, que foram elaborados no ano anterior
por uma comissão mista com deputados e senadores — e renderam um
enorme conflito entre o Legislativo e o primeiro presidente republicano do
Brasil, Deodoro da Fonseca. Epitácio Pessoa, representante da Paraíba que
participou da comissão mista responsável pela redação do decreto no 30 de
1892, reportou que os deputados inspiraram-se diretamente na lei imperial de
1827.13 Tal inspiração explica a manutenção da alcunha de “crimes” para os
delitos políticos do presidente, o que levou diversos autores a insistir na tese —
a meu ver equivocada — de que o impeachment presidencial seria um
instituto de direito penal.14 A afirmação contundente dos crimes de
responsabilidade como ilícitos políticos constitucionais só ganhou um defensor
de grande porte entre nós a partir da publicação do livro de Paulo Brossard,
em 1965.15
A aprovação do decreto de 1892 passou por dois temas que adquiriram
grande importância nos debates atuais sobre o impeachment. O primeiro diz
respeito à unidade ou dualidade das penas de afastamento do cargo e
inabilitação. Epitácio Pessoa defendia a tese de que a condenação em processo
de impeachment implicava duas punições distintas: o afastamento, que seria
uma pena principal e necessária, e a inabilitação, que seria acessória e
facultativa, devendo ser guardada para os casos mais graves.16 Esse era, como
visto no capítulo anterior, o modelo dos Estados Unidos. Do lado oposto, o
deputado Felisbelo Freire insistia na tese da pena única. Para ele, o que o
Senado fazia, ao condenar um presidente por crime de responsabilidade, era
decretar a incapacidade do mandatário, e o imediato afastamento do cargo
seria mera decorrência desse reconhecimento. Freire invertia a lógica de
Epitácio Pessoa: a incapacidade era a pena principal, e a perda do cargo, a
acessória.17 Longe de se tratar de filigrana jurídica, esse debate tem
importância crucial para a sorte das autoridades condenadas: segundo a
posição defendida por Felisbelo Freire, por exemplo, Dilma Rousseff não
poderia ter sido poupada da inabilitação após sua condenação em 2016. Nos
debates em 1891, porém, saiu vencedora a posição de Epitácio Pessoa: o
decreto no 30 de 1892, em seu artigo 2o, estabeleceu que os crimes de
responsabilidade seriam “punidos com a perda do cargo somente ou com esta
pena e a incapacidade para exercer qualquer outro, impostas por sentença do
Senado”. Esse desenho era também o adotado em diversas Constituições
estaduais da Primeira República, como as de Mato Grosso, Bahia e Minas
Gerais.18
O segundo tema que dividiu os deputados foi a possibilidade de haver
processo de impeachment contra autoridade que não mais ocupasse o cargo
— questão que, como veremos no próximo capítulo, foi muito importante no
caso de Fernando Collor de Mello. Nesse tópico, a posição de Epitácio Pessoa
ficou vencida: o artigo 3o do decreto no 27, a lei processual do impeachment,
estabeleceu que a ação não seria mais cabível uma vez que o presidente
deixasse o cargo. Felisbelo Freire conseguiu convencer os colegas de que
mover uma ação para afastar quem já não estava na função era tão sem
sentido quanto aplicar “pena de morte ao cadáver”.19
Em matéria processual, confirmou-se a competência para o julgamento no
Senado, que deveria, nesses casos, atuar “como Tribunal de Justiça”,
prosseguindo na tradição de diferençar as tarefas senatoriais de legislar e
julgar, como faziam os Estados Unidos. A nossa Constituição de 1891 também
seguiu o modelo norte-americano ao atribuir a presidência do Senado ao vice-
presidente da República. Dessa forma, a presidência das sessões de julgamento
de impeachments, em cujos resultados os vice-presidentes são obviamente
parte interessada, foi igualmente atribuída ao presidente do Supremo Tribunal
Federal ().
Em uma importante alteração relativa ao modelo norte-americano, o
modelo brasileiro previu, desde a Primeira República, a suspensão preventiva
do presidente se confirmada a acusação pela Câmara dos Deputados. A
disposição não constava da primeira versão do texto constitucional, que
entrou em vigor através do decreto no 510 de 22 de junho de 1890, mas foi
acrescentada pelo Congresso na redação definitiva do documento.20 É
importante lembrar que, na Constituição de 1891, como em outras cartas
consitucionais brasileiras posteriores (mas não a atual21), o vice-presidente era
escolhido através de um pleito independente: não era, como hoje, mero
acompanhante da pessoa que encabeça a chapa presidencial. Dessa situação
decorria não apenas a possibilidade de que o vice fosse membro de grupo
político adversário ao do presidente, como também que ele pudesse chegar à
presidência da República fazendo sombra ao titular. Foi precisamente o caso
de Floriano Peixoto, que teve mais votos para a vice-presidência do que
Deodoro para a presidência. “No dia da posse, [Deodoro] foi acolhido no
Congresso com frieza, ao passo que ao vice-presidente foi concedida
apoteótica aclamação.”22 Era mau presságio para o titular.

A     miúdos da lei na Câmara dos


Deputados revela que a regulamentação do impeachment tinha grande
importância política naquele momento. De fato, o Poder Legislativo estava no
ápice de sua disputa com o então presidente Deodoro da Fonseca, um militar
obtuso e pouco afeito à negociação política inerente a seu cargo. Indispôs-se
com seu ministério provisório, ocasionando renúncia coletiva em janeiro de
1891. Monarquista até a undécima hora do antigo regime, a desconfiança dos
políticos republicanos em relação a ele só fez aumentar quando o barão de
Lucena, outro notório monarquista, foi feito homem forte de seu governo.
Deodoro enfrentou uma permanente crise militar durante sua breve
presidência. O racha nas armas vinha desde o Império, quando havia um
cisma não apenas entre a Marinha (“Armada”) e o Exército,23 mas também
entre jovens oficiais formados sob a liderança de Benjamin Constant e uma
velha guarda, os “tarimbeiros”, que ascendera com a Guerra do Paraguai, da
qual Deodoro fazia parte.24 Não bastasse tudo isso, o Brasil enfrentava ainda
uma severa crise econômica que o governo não conseguia debelar.25
Deodoro da Fonseca enfrentou incansável oposição tanto na Câmara
quanto no Senado.26 Nesse contexto, ele sempre viu os projetos de lei dos
crimes de responsabilidade não como o simples cumprimento de um dever
que a Constituição de 1891 impunha à primeira legislatura republicana, mas
sim como uma armadilha para fustigá-lo.
O Congresso aprovou o projeto da lei e mandou-o à sanção presidencial em
22 de outubro de 1891. Deodoro vetou-o integralmente, alegando que a lei era
incompatível com o exercício das prerrogativas constitucionais do Poder
Executivo e arriscava tornar inviável o exercício da presidência da República.
Devolvido o projeto ao Legislativo, o veto presidencial foi rapidamente
derrubado pelos congressistas. Instigado por uma facção militar exaltada, que
o convenceu de uma trama do Congresso para derrubá-lo, Deodoro tomou a
iniciativa de quebra institucional: alegando vícios procedimentais na sessão
parlamentar que reprovara seu veto, ordenou a dissolução do Congresso
Nacional e mandou convocar novas eleições legislativas para 15 de novembro
de 1891, data festiva pelos dois anos da proclamação da República. Tropas do
governo chegaram a ocupar o palácio da Quinta da Boa Vista, onde
funcionava o Congresso.27 Em um manifesto que acompanhou o decreto de
dissolução do Congresso, o presidente deixou claro que a principal razão da
medida era a insistência dos parlamentares na lei de responsabilidade —
“discutida de afogadilho”, “odiosa porque era feita contra o atual presidente da
República” e “eivada de uma casuística deprimente da moralidade dos poderes
soberanos da nação”.28
Mas a dissolução parlamentar, corriqueira na monarquia do Segundo
Reinado, não estava prevista na Constituição republicana. A medida golpista
não foi aceita pelo Congresso, que publicou um manifesto-resposta.29 Nos dias
seguintes, articulou-se uma aliança para enfrentamento do governo, reunindo
elementos da Marinha e do Exército, bem como políticos importantes em
estados como São Paulo, Minas Gerais, Pará e Rio Grande do Sul. Nesse meio-
tempo, Deodoro adoeceu: assistiu acamado à formação da coalizão ampla
contra seu governo. Isolado, renunciou em 23 de novembro de 1891.30 O vice-
presidente Floriano Peixoto assumiu poucos dias depois de passarem a valer as
novas leis, em janeiro de 1892. Embora não tenha sido propriamente o decreto
no 30 de 1892 a reger o afastamento de Deodoro, por meio de impeachment,
ironicamente o conflito político para sua aprovação foi determinante na queda
de nosso primeiro presidente da República.
Quanto ao rito processual do decurso de impeachment previsto na
Constituição e regulamentado pelo decreto no 27 de 1892, houve
continuidades e rupturas em relação à herança imperial. Como na lei de 1827,
à Câmara dos Deputados caberia não propriamente uma acusação, como
ocorria na Inglaterra e nos Estados Unidos, mas apenas a “declaração da
procedência ou improcedência da acusação contra o presidente da República”,
bem como contra ministros de Estado acusados de crimes conexos aos do
presidente.31 Porém, ao contrário do que valia no regime monárquico, os
ministros não eram mais responsáveis pelos conselhos dados ao presidente.32
O julgamento caberia ao Senado, que nesses casos atuava “como Tribunal de
Justiça”. Ao determinar que o presidente fosse submetido a “julgamento” do
órgão reunido “como tribunal”, o Brasil seguia na tradição de diferenciar as
funções julgadora e legislativa da casa.

A    “  ” pela cultura


jurídica republicana interpretavam o instituto a partir de nossas tradições
monárquicas e parlamentaristas. No Jornal do Brasil (Jb), intelectuais
monarquistas33 desdenhavam da eficácia do impeachment. Em editorial de 26
de abril de 1891, o jornal lembrou que Andrew Johnson fora o único
presidente acusado em mais de um século de vigência do instituto nos Estados
Unidos, e ainda assim acabara absolvido.34 Segundo o Jb, o impeachment era
receita certa para crises políticas sem fim, pois permitia ao chefe do Executivo
permanecer no cargo mesmo que em pé de guerra com o Legislativo. O
periódico republicano Novidades respondeu na sequência, anotando que o
impeachment era precisamente o remédio para dissipar embates agudos entre
os Poderes, oferecendo um caminho “muito mais pacífic[o]” e mais alinhado
aos desejos da opinião pública do que a dissolução do Parlamento, a solução
parlamentarista para as mesmas situações.35
A concepção dos “crimes de responsabilidade” defendida pelos redatores
presidencialistas do Novidades destoava da ideia que os constituintes norte-
americanos tinham em mente quando adaptaram o instituto inglês à sua
Constituição de 1776: como visto no capítulo anterior, a sugestão de que o
impeachment pudesse ser levado a cabo por qualquer conduta que o
Legislativo julgasse merecê-lo — at pleasure — havia sido explicitamente
rejeitada pelos Founding Fathers norte-americanos, receosos de que ela
deixasse o Executivo muito vulnerável ao Legislativo.
Essa lente parlamentarista das primeiras leituras de nosso impeachment
presidencial favorecia uma concepção dos “crimes de responsabilidade” como
delitos desprovidos de conteúdo, ainda que a Constituição de 1891 explicitasse
a necessidade de condenação por condutas bem definidas tanto na própria
Constituição quanto em lei que a regulamentasse. Levou algum tempo até que
se firmassem interpretações mais rígidas e informadas pela técnica jurídica
sobre os crimes de responsabilidade presidencial. Na segunda edição de seu
livro de comentários à Constituição de 1891, concluída pouco antes de seu
falecimento em 1909, João Barbalho Uchôa Cavalcanti, ministro do  e
conhecido constitucionalista da Primeira República, insistia que a Câmara era
submetida à lei dos crimes de responsabilidade e tinha o dever de formalizar a
acusação do presidente sempre que ele cometesse um dos crimes nela
previstos. Barbalho opinava que a lei vinculava a Câmara e não deixava aos
deputados “a faculdade de pôr de lado a prova dos autos e abolir, a seu talante,
os fatos que ela faz certos e evidentes”. Conceder tamanha liberalidade política
à Câmara nessa matéria, dizia Barbalho, “entroniza[va] a onipotência do
Parlamento, ou, antes, da Câmara dos Deputados”, o que só se concebia em
regime parlamentarista, que não era o nosso.36
Polêmicas jurídicas à parte, o fato é que a vigência das leis no 27 e no 30, de
1892, deixou o impeachment pronto para ser aplicado, o que se tentou fazer já
na presidência do sucessor de Deodoro da Fonseca, o também militar Floriano
Peixoto.

A primeira denúncia frustrada

“Venho, calmo e sereno, diante da Câmara dos srs. deputados, pedir só e


unicamente que façam justiça e salvem a República!”37 Com esse apelo, o
deputado baiano J. J. Seabra apresentou a seus pares a peça que deu início à
primeira investida relevante contra um presidente brasileiro por meio de
impeachment. O denunciado foi Floriano Peixoto, o ano era 1893.
Peixoto chegara à presidência por via conturbada, não apenas pelas
circunstâncias de renúncia de seu antecessor, mas por ter ignorado o dever
constitucional de convocar novas eleições.38 Na ocasião, estavam presentes
vários dos elementos que se tornariam característicos dos momentos em que
prospera essa medida extrema: havia o que hoje chamaríamos de uma forte
polarização política em torno do presidente, uma figura divisiva dentro e fora
das Forças Armadas;39 havia uma sangrenta guerra civil em curso no país, a
chamada Revolução Federalista, no Rio Grande do Sul; havia grande
inquietação militar, bem ilustrada pela Revolta da Armada, um levante da
Marinha contra o presidente;40 persistia a crise do Encilhamento, que causava
inflação, desajustes no câmbio e falências de bancos e empresas;41 havia jornais
publicando inflamadas críticas ao presidente, com destaque para os textos de
Rui Barbosa no Jb;42 havia um ambiente político faccioso e hostil entre as elites
políticas, com o presidente, apoiado pela ala jovem militar, opondo-se aos
velhos oficiais que ascenderam no Império;43 havia conflitos agudos entre o
Executivo e o Legislativo, que chegou a reprovar cinco nomes submetidos por
Floriano Peixoto para o  em 1894;44 e, sobretudo, havia medidas do
governo contestáveis à luz da Constituição e da Lei do Impeachment da época.
A principal acusação contra Floriano Peixoto fundava-se no emprego
abusivo de um instituto de direito constitucional, o estado de sítio. Fruto de
uma adaptação da França pós-revolucionária e de uma lei inglesa de 1714 que
visava a coibir manifestações de rua,45 o estado de sítio era um remédio
previsto na Constituição de 1891 para hipóteses de agressão estrangeira ou
grave comoção interna (“intestina”). É medida extrema da qual o Estado pode
lançar mão, em situações excepcionais, para suspender temporariamente o
exercício de direitos fundamentais, como o direito de reunião, em benefício da
estabilização política da nação.46 Mas no governo Floriano Peixoto o estado de
sítio foi tudo menos excepcional: em seus quase três anos de governo, o país
viveu sob sítio por 295 dias.47
Em curioso paralelo com o caso de Andrew Johnson, que havia sido
acusado de demitir ilegalmente um ministro de Estado protegido por
estabilidade, Floriano Peixoto foi denunciado por ter usado o estado de sítio
como pretexto para afastar agentes públicos de modo ilegal.48 Entre 10 e 12 de
abril de 1893, na vigência de estado de sítio no Distrito Federal, o presidente
reformou militares do Exército e da Armada acusados de sedição e aposentou
compulsoriamente professores efetivos (“lentes”) do ensino superior,
desrespeitando sua estabilidade funcional.49 No caso dos lentes, o governo
ordenou ainda que o concurso para seus substitutos fosse realizado nos
moldes da legislação imperial, ignorando uma reforma do ensino superior de
1890.50 A denúncia argumentava que as reformas e demissões equivaliam à
imposição de penas não previstas em lei, sem prévio processo e sem amparo
legal, e ainda por cima determinada por autoridade não judiciária. “Quem não
vê em tudo isso o propósito de violar a lei, de colocar-se acima das suas
prescrições, de ofender a justiça e governar caprichosamente?”, perguntava,
retoricamente, o denunciante J. J. Seabra.
Por arbitrário que Floriano Peixoto fosse, a denúncia, nesses termos,
destoava da compreensão que a doutrina constitucional viria a assumir a
respeito dos limites constitucionais ao estado de sítio. João Barbalho defendia
que a Constituição de 1891 era omissa sobre quais direitos individuais podiam
ser suspensos no estado de sítio, deixando às autoridades decretantes
(Executivo ou Legislativo) a liberdade de optar pelas medidas que mais se
adequassem aos desafios do momento.51 Uma denúncia juridicamente
inconsistente não é bom ponto de partida para a acusação.
A   F P não se limitou à acusação de
emprego abusivo do estado de sítio. A peça valeu-se da estratégia de
apresentar um amplo leque de possíveis delitos presidenciais, na provável
expectativa de que algum deles ganhasse tração política: alegou violação à
competência legislativa do Congresso, por ter o Executivo, na criação do
Banco da República do Brasil, disciplinado o resgate de papel-moeda em poder
do Estado; reputou ilegal o uso do recrutamento militar compulsório, medida
vedada pela Constituição de 1891;52 apontou mau uso de recursos públicos e
execução indevida do orçamento; e, finalmente, chamou de “indébita e
criminosa” a intervenção federal decretada no Rio Grande do Sul, que vivia a
Revolução Federalista.
A denúncia foi encaminhada a uma comissão especial, incumbida de redigir
um parecer sobre o mérito da acusação. Revelando a força do presidente na
Câmara dos Deputados, o parecer da comissão foi antes de qualquer coisa
uma defesa de Floriano Peixoto.53 O parecer pela rejeição da denúncia foi
aprovado pelo colegiado. Um trecho do documento joga luz sobre uma
importante discussão quanto ao elemento político em um processo de
impeachment:
Um processo de responsabilidade, bem que não seja um recurso extremo, é uma medida de
importantes consequências políticas, que só deve ser adotada quando o Executivo pretenda destruir
em seu proveito o equilíbrio dos Poderes. É esta a lição que resulta do caso clássico de Johnson, que
depois de um processo cheio de incidentes foi absolvido, porque os legisladores norte-americanos
julgaram acertado firmar este magnífico precedente: além dos casos claramente expressos na seção 
do art. o da Constituição — traição e conspiração — o presidente da República só pode sofrer o
processo de impeachment nos casos em que o delito político cometido possa expô-lo à jurisdição
criminal ordinária!54

Antes de tudo, convém apontar as imprecisões no relatório. Não é verdade


que Johnson foi absolvido porque o Senado julgou que faltava o elemento
criminal em sua conduta, pois a lei por ele violada, o Tenure of Office Act, era
explicitamente criminal em seus efeitos: ela punia como high misdemeanor a
desobediência à proibição do Senado. Como visto no capítulo anterior, a
absolvição de Johnson deveu-se a uma série de fatores, que iam desde a
estratégia equivocada da acusação até a habilidade do presidente em defender-
se politicamente. Além disso, ao comparar a absolvição de Johnson à
improcedência da denúncia contra Floriano, a comissão especial falhou
gravemente em não diferenciar a atuação do Senado (que foi quem absolveu
Johnson) da atuação da Câmara dos Deputados em processos de
impeachment. Se havia fundamento para a rejeição da denúncia contra
Floriano por razões de mera prudência política, como sugeria o parecer da
comissão, isso se devia ao fato de que a Câmara exerce um controle de
natureza política sobre a acusação,55 enquanto o Senado, nos termos tanto da
Constituição de 1891 quanto da disciplina do impeachment nos Estados
Unidos, deveria atuar “como Tribunal de Justiça” nessa matéria. No caso
brasileiro, esse elemento de politicidade na atuação da Câmara era (e ainda é)
acentuado pelo fato de que ela é mera avalista da acusação, e não o próprio
órgão acusador. O acerto da comissão especial estava, portanto, em reclamar à
Câmara um juízo de discricionariedade política na decisão de dar ou não
seguimento à denúncia contra o presidente. O paralelo com a absolvição de
Johnson era tanto equivocado quanto irrelevante.56
A denúncia fracassou na Câmara, por 108 votos a favor de seu
arquivamento contra apenas 57 pelo seguimento.57 Floriano Peixoto, embora
polarizador e autoritário, não era desarticulado nem impopular: contava com
apoio importante de setores bem representados no Congresso, com destaque
para as oligarquias rurais que assumiram a condução econômica e política da
Primeira República,58 além de empolgar eleitores mais jovens, especialmente
militares, com sua vitalidade e juventude que em tudo destoavam de Deodoro
da Fonseca.59 Floriano concluiu seu mandato e deixou a presidência em 15 de
novembro de 1894. Como seu antecessor, morreu poucos meses após o fim de
seu governo.

STF e o impeachment da Primeira República

Para entender a atuação do Supremo Tribunal Federal em questões de


impeachment durante a Primeira República, é preciso considerar que já
naquela época havia grandes debates sobre a atuação do Judiciário nas
chamadas “questões políticas”.60 De início, o  foi contido em suas
interferências nos embates políticos nacionais e regionais: o tribunal firmou
entendimento de que não lhe cabia revisar “medidas administrativas tomadas
pela autoridade competente, em virtude de faculdade ou poder discricionário”
conferido por lei, assim como o mérito desses atos “do ponto de vista de sua
conveniência ou oportunidade”.61 Contudo, os contornos desses limites eram
borrados, pois o Judiciário tinha o poder de barrar, em casos singulares, lesões
a direitos individuais, inclusive as causadas por políticas públicas
implementadas pelo Executivo. E às vezes o fazia, como nos diversos habeas
corpus () concedidos contra medidas sanitárias lideradas por Oswaldo Cruz
no Rio de Janeiro da primeira década no século .62
Sob essa orientação inicialmente restritiva, governadores da Paraíba e de
Sergipe mirados por impeachments em seus estados tentaram, sem sucesso,
obstruir a atuação de Assembleias Legislativas estaduais que os ameaçavam.63
Em 1911, em um caso do vice-governador do Amazonas, Antônio Gonçalves
Pereira de Sá Peixoto, o tribunal afirmou que lhe competia revisar
condenações por crimes comuns, mas nunca os de responsabilidade.64 Essa
autocontenção do Supremo era desaprovada por alguns ministros, em especial
Pedro Lessa,65 mais permissivo em aceitar intervenção judicial sobre questões
políticas. Essa propensão tornava-o ponto fora da curva quando o assunto era
a revisão judicial de impeachments: Lessa admitia que juízes pudessem rever
inclusive o mérito de decisões tomadas pelo Legislativo.66
Uma importante mudança no entendimento do tribunal ocorreu em 1916,
com o julgamento de dois casos do governador de Mato Grosso, general
Caetano Manoel de Faria e Albuquerque. Eleito em 1915 pelo Partido
Republicano Conservador, Albuquerque logo rompeu com sua legenda e ficou
politicamente isolado na Assembleia estadual. Seus antigos correligionários
abriram um processo de impeachment contra ele, acusando-o de pretender
conduzir um governo ditatorial. Alegando falta de segurança para trabalharem
em Cuiabá, ameaçados que estavam pelas tropas comandadas pelo
governador, os deputados decidiram mudar a sede da legislatura estadual para
Corumbá. Lá, a quase mil quilômetros de distância da capital do estado,
passou a correr o processo de impeachment contra Albuquerque.67
Essa mudança motivou a defesa do governador a impetrar dois habeas
corpus no . No julgamento da primeira ação, embora não tenha concedido
a ordem requerida, o Supremo aceitou conhecer o pedido e determinou ao
governo federal que reportasse a situação no estado.68 “Conhecer o pedido”
implicava reconhecer que a matéria em questão era de competência do
tribunal. Foi o primeiro passo para, na ação seguinte,69 a maioria dos ministros
conceder o habeas corpus impetrado pela defesa do governador e determinar
a anulação de todo o processo. Seus advogados sustentavam que a mudança de
cidade, além de inconstitucional, inviabilizava seu exercício de defesa. O
relator, ministro André Cavalcanti, decidiu que o governador estava sendo
processado “sem a mais elementar defesa”, o que violava seus direitos
garantidos pela Constituição de 1891.70 O placar do julgamento foi apertado:
seis a cinco.71 Paulo Brossard, notório crítico de qualquer interferência judicial
em processos de impeachment, desdenhou da decisão como fruto de “maioria
ocasional”, amparada em “variada e contraditória fundamentação”.72 A
Assembleia, ainda instalada em Corumbá, recusou-se a aceitar o resultado. O
impasse só acabou quando o governo federal nomeou o mineiro Camilo
Soares de Moura como interventor no estado.73
O julgamento dos habeas corpus de Caetano Albuquerque pode ser visto
como o início de uma tradição jurisprudencial de rara estabilidade na história
do . Essa linha reconhece que, mesmo em processos de impeachment, com
sua alta carga política, é necessária a observância do devido processo legal em
benefício da autoridade acusada, o que implica a possibilidade de uma defesa
efetiva. Isso não se confunde com a possibilidade de revisar o mérito das
decisões legislativas, mas apenas de assegurar espaço para que o réu conheça
as acusações contra si, responda-as em prazo razoável, produza provas em seu
favor e contradite aquelas apresentadas por seus acusadores. É um
entendimento razoável, que decorre da correta opção de levar a sério a ideia
de que o rito de um impeachment deve conduzir a algo que mereça ser
chamado, em sentido próprio, de um “julgamento”. Como será visto nos
capítulos 3 e 5, essa tradição jurisprudencial brasileira foi reforçada nos casos
de Fernando Collor de Mello e de Dilma Rousseff.

A lei no 1079/1950 e o xadrez dos governadores

O primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-45), boa parte do qual


transcorreu com o Congresso fechado, é pobre para a história do
impeachment, a não ser pelo fato de que seu autoritarismo foi determinante
para os adversários trabalharem pela aprovação da Lei do Impeachment após a
redemocratização do país em 1946. Vigente desde abril de 1950, a lei no 1079
ainda hoje rege a definição e o processo por crimes de responsabilidade no
Brasil. Ela sofreu apenas ajustes de constitucionalidade por decisões do 
nos casos Fernando Collor de Mello74 e Dilma Rousseff,75 para ser adequada à
Constituição de 1988, além de uma emenda em 2000, que ampliou o capítulo
dos crimes contra o orçamento público e atualizou a lista de autoridades
alcançáveis pelo impeachment.
Nossa atual Lei do Impeachment teve complicada tramitação no Congresso
Nacional. Como visto na seção anterior em relação aos decretos nos 27 e 30 de
1892, uma tramitação tumultuada é sinal não apenas de que há muitos
interesses políticos por trás da matéria, mas também de que esses interesses
têm força suficiente para atrapalhar seu andamento parlamentar. No caso da
lei no 1079, os protagonistas do tumulto foram governadores ameaçados por
impeachments em seus estados, especialmente o paulista Ademar de Barros,
do . Eleito em 1947, sua administração foi marcada tanto pela realização de
grandes obras quanto pelas suspeitas de corrupção, que iam desde fraudes em
concorrências a ligações com o jogo do bicho. Seus próprios correligionários o
defendiam com o bordão “Rouba, mas faz!”.76
Durante o primeiro mandato de Ademar de Barros, ao menos no estado de
São Paulo, qualquer conversa sobre impeachment e aprovação de lei dos
crimes de responsabilidade remetia não ao presidente da República, mas ao
governador paulista. Em um programa de rádio dias antes da aprovação da lei,
o entrevistador perguntou a Ademar sobre suas expectativas diante da
iminente votação do projeto: “O senhor aguenta um impeachment?”. O
governador reagiu com raiva: “Aguento um, dois, três, quatro impeachments,
ou quantos você quiser!”.77
Pressionado pela difícil crise fiscal que São Paulo atravessava,78 Ademar de
Barros enfrentava oposição implacável do  e da  na Assembleia
estadual. O paulista não era o único governador na mira do impeachment: o
udenista Otávio Mangabeira, na Bahia, e os pessedistas José da Rocha Furtado,
no Piauí, e Walter Jobim, no Rio Grande do Sul, também suportavam
investidas agressivas em seus estados. A lei no 1079 foi também pensada a fim
de fornecer um caminho para que os conflitos políticos estaduais pudessem
ser resolvidos localmente, sem a necessidade de intervenções federais a todo
momento, como ocorrera na Primeira República.
Correligionários de Ademar de Barros no Congresso fizeram o que estava
ao seu alcance para evitar que a lei tramitasse. Olavo de Oliveira, senador pelo
Ceará e vice-presidente do , partido de Ademar, era acusado de trabalhar
para dificultar o andamento da matéria no Senado.79 Na Câmara, os
adversários do governador não deixaram por menos: na surdina, inseriram o
parágrafo único do artigo 81 no texto que chegou do Senado, com potencial
efeito de diminuir o número de votos necessários para a condenação.80 O
senador paulista Euclides Vieira, do , denunciou a manobra como uma
emenda diretamente contra Ademar.81 Os defensores da lei negavam que ela
tivesse sido feita sob medida para quem quer que fosse, mas não escondiam
que seria usada contra Ademar de Barros tão logo entrasse em vigor.82
Um dos principais focos de tumulto na tramitação da lei foi a Comissão de
Constituição de Justiça () da Câmara. Um dos membros da comissão
chegou a desaparecer com os autos do processo: pediu vista e jamais o
devolveu.83 Por sua vez, o presidente da , o pernambucano Agamenon
Magalhães, do , fez o que pôde para a matéria avançar. Magalhães chegou
até a designar relator para emitir parecer sobre o projeto antes mesmo de
receber o texto do Senado, “para ganhar tempo”, sob protesto dos aliados de
Ademar.84
A lei finalmente ganhou vigência em abril de 1950, sancionada pelo
presidente Eurico Gaspar Dutra, poucos meses antes de Getúlio Vargas vencer
as eleições que lhe asseguraram o retorno à presidência. O resiliente Ademar
de Barros não apenas terminou aquele mandato como obteve um segundo,
em 1963. Permaneceu no cargo até junho de 1966, quando foi cassado pela
ditadura militar. A temida ameaça dos impeachments tampouco se confirmou
para outros governadores. Houve um único caso em que um líder estadual
chegou a ser levado a julgamento. Em 1957, o governador alagoano Muniz
Falcão recebeu seis votos pela condenação e quatro pela absolvição em um
tribunal misto (composto por deputados estaduais e desembargadores).
Escapou por não se ter atingido a maioria qualificada de dois terços de votos
pela condenação.85 O episódio passou longe do encaminhamento civilizado
que o impeachment pretendia dar às disputas políticas estaduais: no dia da
sessão de julgamento, mais de mil tiros foram disparados dentro da
Assembleia Legislativa de Alagoas. O deputado Humberto Mendes, sogro do
governador acusado, acabou morto na confusão.86

A L  I   em quatro partes, que se ocupam da


definição dos crimes e devidos processos do presidente da República e dos
ministros de Estado (partes primeira e segunda); dos ministros do  e do
procurador-geral da República (parte terceira); e dos governadores e
secretários de Estado (parte quarta). Em relação a presidentes, e na linha da
Constituição de 1946, ela fixa a competência da Câmara dos Deputados para
declarar a procedência ou improcedência da acusação, por maioria absoluta de
seus membros; e do Senado para julgar a denúncia, sendo necessários votos de
dois terços dos membros da casa para a condenação.87 A Constituição de 1988
equiparou o quórum para aprovação da acusação na Câmara e no Senado:88
hoje, são necessários dois terços em ambas as casas.
Em grande parte, os crimes incluídos na lei no 1079/1950 repetem os que já
existiam no decreto no 30, de 1892.89 São punidas várias modalidades de abuso
de poder, diretamente contra os cidadãos e/ou contra outras instituições: criar
impedimentos ao voto, abusar de restrições a direitos fundamentais, opor
embaraços injustificados ao cumprimento de decisões judiciais, desconsiderar
limitações legislativas e constitucionais ao orçamento e ao provimento de
cargos, entre outras. Assim como o decreto no 30 de 1892, a lei no 1079/1950
traz delitos que são definidos com precisão (por exemplo: art. 8o, n. 6:
“Ausentar-se do país sem autorização do Congresso Nacional”), mas também
outros redigidos em termos vagos, especialmente no capítulo dos crimes
contra a probidade na administração. São os casos, por exemplo, dos crimes de
“expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições
expressas da Constituição” (art. 9o, n. 4), ou “proceder de modo incompatível
com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” (art. 9o, n. 7), concretizando a
previsão do deputado imperial Gonçalves Ledo, em 1826:90 delitos de
responsabilidade não podem ser definidos em tipos fechados, e qualquer lei
que pretenda fazê-lo carecerá sempre de complementos por disposições vagas
e abertas, capazes de serem usadas para enquadrar abusos não antevistos pelos
legisladores.
Quanto ao processo, a lei no 1079/1950 garantiu oportunidades de defesa
para o presidente tanto na Câmara (art. 22) quanto, em seu julgamento
propriamente dito, no Senado (arts. 25 a 27). A Constituição de 1946, como a
de 1988, estabelecia que o presidente tinha direito a ser submetido a um
“julgamento” pelos senadores. Um julgamento não se confunde com uma
votação parlamentar comum: ele exige uma acusação minimamente
delimitada, de modo a permitir a defesa do acusado, como também
oportunidades para que ele desenvolva uma defesa eficaz. Isso implica, além
da possibilidade de rebater as teses acusatórias, um direito à produção de
provas, bem como de contestação das provas apresentadas pela acusação.
Implica também que a autoridade acusada deve receber um veredicto que seja
fiel aos fatos provados e a uma interpretação minimamente imparcial da lei.
Nada menos do que isso merece ser chamado de um “julgamento”.
Como no caso dos Estados Unidos, a lei no 1079/1950 dá pistas de que o
papel dos senadores no julgamento de um impeachment não se confunde com
sua função legislativa habitual. Alguns dos impedimentos judiciais, que
obrigam um juiz a afastar-se da causa quando houver dúvidas sobre sua
imparcialidade, são igualmente oponíveis aos senadores.91 Sob a vigência da
Constituição de 1946, houve decisões do  que reforçaram a ideia de que
impeachments são um trabalho à parte no ofício dos membros do Legislativo:
em 1957, o tribunal decidiu que um parlamentar não pode votar sobre a
denúncia de crime de responsabilidade que ele próprio formulou, “por
motivos óbvios”.92
A forma de se garantir um julgamento imparcial ao acusado, tanto quanto
possível, permanece um desafio nos processos de impeachment. Os “juízes”
do caso são agentes políticos, sempre inclinados a agir por razões políticas. A
fórmula de julgamento que tem sido adotada pela prática brasileira, que pede
a senadoras e senadores que respondam “sim” ou “não” à totalidade da
acusação, muitas vezes composta de diversas imputações, é especialmente
prejudicial a esse fim. Melhor seria que cada imputação fosse votada
separadamente, com um quesito de condenação ou absolvição ao final, à luz
do que ficar decidido nas votações anteriores. Seria modelo semelhante ao que
existe nos Estados Unidos, onde tanto a acusação quanto a votação são feitas
por quesitos (articles) — no Brasil, esse é o modelo de julgamento do tribunal
do júri, responsável pelos crimes dolosos contra a vida, composto de “juízes”
(os jurados) que tampouco são magistrados profissionais.

Getúlio Vargas na mira do impeachment

A mais vigorosa tentativa de levar adiante uma condenação por crime de


responsabilidade sob a Constituição de 1946 mirou Getúlio Vargas, do .
Impulsionada no Congresso pela , e na imprensa por Carlos Lacerda, a
marcha em busca do impeachment de Vargas teve seu ápice entre maio e
junho de 1954. A denúncia foi uma de muitas investidas jurídicas contra sua
administração. Além dela, houve diversas comissões parlamentares de
inquérito (s) revirando incontáveis assuntos de seu governo. As s haviam
ganhado musculatura na Constituição de 1946: receberam a atribuição de
investigar quaisquer atos (e não apenas crimes) do governo, e podiam ser
abertas tanto pela Câmara quanto pelo Senado. Regulamentadas pela lei no
1579/1952, as comissões de inquérito foram uma ferramenta de
desestabilização política amplamente usada pela oposição a Getúlio: houve 29
ao todo, sendo 23 delas entre 1952 e 1953.93
Uma das s que atazanou Vargas foi a chamada “ da ”, a Comissão
Central de Preços, um órgão governamental que atuava no enfrentamento à
inflação. A  foi aberta a fim de apurar o uso de 50 milhões de cruzeiros para
adquirir gado necessário ao abastecimento de carne da cidade do Rio de
Janeiro, visando a uma queda de preços do produto na então capital federal.
Relatada por Tancredo Neves, à época deputado, apontava irregularidades no
uso de crédito não autorizado pelo governo, mas não chegava a pôr a culpa no
presidente.94 De qualquer forma, o resultado da  embasou uma denúncia
por crime de responsabilidade contra Vargas. O denunciante foi o jornalista
Wilson Leite Passos, presidente de uma organização apartidária chamada
Movimento Nacional Popular ()95 e que viria a eleger-se vereador no Rio
de Janeiro pouco tempo depois.96 A denúncia foi apresentada em 4 de maio,
três dias após Vargas conceder um aumento de 100% ao salário mínimo,
acirrando ainda mais os ânimos da oposição, que o acusava de
irresponsabilidade fiscal.97
Em cerca de vinte laudas datilografadas, a denúncia mirou um amplo leque
de condutas de Vargas. Além de apontar, com fundamento no relatório da 
da , atentados à lei orçamentária, o documento imputou-lhe crimes contra
a existência da União, improbidade na administração e atentados ao
cumprimento de decisões judiciais. Naqueles anos de macarthismo, Vargas foi
acusado de colocar em risco a segurança nacional ao negociar a entrada do
Brasil no chamado “Bloco ”, uma aliança regional estratégica ao lado de
Argentina e Chile. A denúncia também acusava Vargas de recusar-se a
obedecer ordens do Poder Judiciário, diante do atraso do governo no
pagamento de condenações judiciais.98 No mesmo dia, um juiz do Distrito
Federal, Amilcar Laurindo Ribas, apresentou denúncia por crime de
responsabilidade contra o ministro da Fazenda de Vargas, Oswaldo Aranha.99
No dia seguinte, 5 de maio de 1954, Nereu Ramos, deputado do  e
presidente da Câmara dos Deputados, leu a denúncia em plenário e mandou-a
à publicação. Imediatamente, foi constituída a comissão especial para analisá-
la. Seguindo o que manda a lei no 1079/1950, ela foi proporcionalmente
preenchida com deputados das doze legendas representadas na casa.100 Até o
final do mês de maio de 1954, sob a presidência do udenista João Agripino, a
comissão especial reuniu-se para debater a acusação e analisar os documentos
que a instruíram. Em 2 de junho, aprovou o parecer pela rejeição da denúncia.
A acusação sobre o Bloco  havia perdido tração, pois o próprio presidente
já não insistia na formação do grupo. Quanto aos ilícitos orçamentários, a
maioria governista argumentou que o Tribunal de Contas e o Congresso não
haviam ainda julgado as contas do exercício ao qual a acusação se referia —
1951 e 1952 —, dizendo-se impedida de se pronunciar sobre a matéria.101 O
plenário da Câmara logo referendou o parecer da comissão, enterrando a
denúncia em definitivo.
Afonso Arinos de Melo Franco, prócer da  e notório opositor de
Getúlio Vargas, chamou a acusação de uma “aventura” que só serviu para
mobilizar a base de apoio ao presidente. Outro udenista, o brigadeiro Eduardo
Gomes, preferia enxergar o copo meio cheio: confiava que o fracasso do
moroso e burocrático processo de impeachment convenceria os militares de
que a saída de Vargas só seria efetivada à força.102 Entre impeachments e
golpes clássicos, o Brasil daquela época, então, forjará uma terceira via: o
impedimento, isto é, o afastamento sumário do presidente por simples
votação parlamentar. Sem acusação, sem processo, sem defesa — e sem
previsão constitucional.

“Faltava Café e Luz, mas tinha pão de Lott”: O improviso do


“impedimento”

O pré-candidato à presidência pelo  para as eleições de outubro de 1955,


Juscelino Kubitschek, não era tolerado nem por lideranças da , nem por
muitos militares. Seus adversários buscaram uma figura de consenso
suprapartidário que evitasse a disputa fratricida entre as lideranças civis e
militares,103 mas o  não abriu mão da candidatura de seu maior nome.104
Juscelino venceu as eleições com apenas 36% dos votos, uma vez que não
havia segundo turno no regime eleitoral da Constituição de 1946.105 A
hipótese de impugnar eleitoralmente a vitória acusando a falta de maioria
absoluta tinha baixas chances de êxito, porque o argumento já havia sido
rejeitado na eleição de Vargas em 1950.106 Falava-se em impedir a posse de 
pela força, mas Café Filho, vice que assumira a Presidência após a morte de
Getúlio, prometia posse aos eleitos.107
Exatamente um mês após as eleições, no dia 3 de novembro de 1955, o
presidente Café Filho sentiu-se mal e foi levado ao Hospital dos Servidores do
Estado, no Rio de Janeiro. Forçado a afastar-se repentinamente de suas
atividades, ele não teve tempo de encaminhar a solução para um conflito que
surgira dois dias antes. No enterro de um militar, o coronel Jurandir de
Bizarria Mamede fez um discurso inflamado, denunciando a “moralidade
democrática“ e seus “falsos defensores”. Um dos alvos implícitos de sua crítica
era o ministro da Guerra de Café Filho, general Henrique Teixeira Lott, que
defendia a posse dos eleitos e estava presente no velório.108 Lott julgou o
discurso de Mamede ofensivo e insubordinado: pediu a punição do coronel,
pleito que dependia de autorização presidencial.109
Com o afastamento de Café Filho, assumiu a presidência o próximo na linha
sucessória, Carlos Luz, presidente da Câmara. Embora filiado ao  de
Juscelino, Luz era notoriamente hostil à candidatura do político mineiro,
tendo inclusive liderado a ala dissidente do partido que se opôs a ela. Eram
também ruins as suas relações com Lott. Luz não estava disposto a permitir a
punição do coronel Mamede, e fez o que pôde para retardá-la.110 O ministro
da Guerra sentia-se desmoralizado pela dificuldade em efetivar a sanção contra
um oficial de patente menor. Estava também cada vez mais convencido de que
a posse de Juscelino e do vice João Goulart estava ameaçada, pois circulavam
notícias de que Café Filho já estava recuperado e apto a voltar à presidência,
mas que havia resistências para que ele retomasse seu posto.111
Sob esse clima de desprestígio e desconfiança, Lott recebeu a notícia de que
seria substituído pelo general Fiúza de Castro no Ministério da Guerra. Foi
então que decidiu agir: entre o dia 9, data de seu aviso prévio, e o dia 11,
quando entregaria de fato o cargo, o ministro demissionário mobilizou o
comando do Exército no Rio de Janeiro e mandou ocupar prédios públicos,
rádios e redações de jornais. O principal alvo do golpe, Carlos Luz, estava a
bordo de um cruzador rebelado, o Tamandaré, a caminho de Santos, com o
possível objetivo de instaurar um governo paralelo comandado a partir de São
Paulo. Estudiosos do episódio classificam a manobra de Lott como algo entre
“um golpe militar no estilo clássico“,112 uma quebra constitucional de curto
prazo (short term breakdown)113 e um “contragolpe preventivo”.114
Lott precisava agir rapidamente para se legitimar, o que não era trivial:
demitido, ele havia se insurgido contra a pessoa a quem a Constituição,
naquele momento, atribuía o exercício da presidência da República. Seu
primeiro movimento foi buscar solidariedade em outras instituições. No
próprio dia 10, conseguiu declarações de apoio das presidências da Câmara
dos Deputados e do .115 Do Congresso, porém, veio o ato que coloca o
afastamento de Carlos Luz no itinerário da história do impeachment no Brasil:
o descabido “impedimento” presidencial.

N     — com o presidente Café Filho ainda hospitalizado,


o interino Carlos Luz isolado em um navio e o insurgente Henrique Lott
liderando uma ocupação militar do Congresso Nacional —, a Câmara dos
Deputados reuniu-se para resolver o impasse. O líder do , José Maria
Alkmin, aliado de Café Filho, apresentou então um requerimento para que a
Câmara afastasse Carlos Luz:

Tomando conhecimento dos graves acontecimentos que desde ontem se desenrolam no país, e
considerando a situação de fato pelos mesmos criada, [o Congresso Nacional] reconhece a existência
do impedimento previsto no art. 79, §1o, da Constituição Federal, para cuja solução o mesmo
dispositivo prevê o chamamento do vice-presidente no Senado Federal ao exercício da presidência da
República.116

O líder do governo, Gustavo Capanema, fez eco ao requerimento de


Alkmin, atestando que Luz estava “materialmente impedido“ de exercer a
presidência da República naquele momento.117 Do outro lado, o udenista João
Agripino insistia que, enquanto durasse o afastamento de Café Filho, o único
governo legal do país era o de Carlos Luz.118 Nenhum udenista mencionou as
ações de Luz que desafiavam sua legitimidade, como sua iniciativa de, sendo
mero interino, demitir o ministro da Guerra de Café Filho, ou sua alegada
tentativa de montar um governo paralelo em São Paulo. Capanema insistia na
interpretação de que a questão se resolvia por uma constatação empírica,
“[Estamos] diante de um fato real e concreto”, apontando que Luz,
encurralado em um navio de guerra em algum lugar entre Rio e São Paulo,
estava em lugar “incerto e não sabido”, o que reforçava sua condição de
“impedido para governar”.119 Ele apelava aos deputados que reconhecessem o
dilema que enfrentavam, de iminência de um golpe militar, e que aceitassem a
“tábua de salvação” do tal “impedimento”.120 Após muitos debates, o
requerimento de Alkmin foi submetido a votação nominal e aprovado por 185
votos a 72.121 No mesmo dia, o Senado recebeu comunicação da deliberação
da Câmara e igualmente aprovou a resolução.122 A presidência foi transmitida
ao terceiro homem a ocupá-la naquele breve intervalo, o vice-presidente do
Senado, Nereu Ramos, tudo sob tutela do ministro demissionário Henrique
Lott. Aparício Torelly, o barão de Itararé, fez troça da situação: “No Palácio do
Catete, em 11 de novembro de 1955, faltava Café e Luz, mas tinha pão de
Lott”.123
O Congresso reconheceu que, ao lado do impeachment, que deveria se
desenrolar por uma acusação que tramitasse segundo as regras da lei no 1079,
culminando com um julgamento no Senado, havia essa figura nova, o
“impedimento” por “situação de fato”, neste caso materializada por um
levante militar. O art. 79 da Constituição de 1946, alegado fundamento da
decisão, dizia que “substitui o presidente, em caso de impedimento, e sucede-
lhe, no de vaga, o vice-presidente da República”. “Em caso de impedimento”,
porém, refere-se a circunstâncias como férias ou licenças médicas;124 jamais a
um levante militar contra o presidente da República em exercício, o que é
obviamente inconstitucional. Na lei no 1079, o termo “impedimento” aparece
apenas em sentido processual, para estipular as condições nas quais os
senadores, como juízes, são proibidos de julgar o presidente. Quando muito,
“impedimento” serve como tradução ruim para impeachment.125
S C F -  pelo “impedimento” de Carlos Luz, a
sensação foi efêmera. Após se recuperar do problema de saúde que motivara
seu afastamento, ele comunicou ao presidente em exercício, Nereu Ramos,
bem como à presidência da Câmara dos Deputados, que estava pronto para
reassumir o cargo.126 Quase no mesmo instante em que sua comunicação era
lida aos deputados, um deles, Ulysses Guimarães, do  de São Paulo,
informava que recebera um documento instruindo que Café Filho não poderia
reassumir. Motivo: “estava impedido”.
A circunstância que levava ao novo “impedimento” noticiado por Ulysses
Guimarães era parecida com a que afastara Carlos Luz. Dessa vez, porém, os
fatos se davam em terra firme: Café Filho estava preso em sua casa, “cercado
por forte aparato militar, que incluía grande número de veículos blindados”.127
O exército de Lott, que seguia como ministro da Guerra após a queda de
Carlos Luz, trabalhou para manter Nereu Ramos na presidência, confiando
que ele daria posse a Juscelino Kubitschek. Um requerimento assinado por 127
deputados, decretando que o Congresso, exercitando “o poder político que lhe
é irrecusável”, reconhecia a continuidade do “impedimento” de Café Filho “até
deliberação em contrário do Congresso Nacional”,128 foi aprovado na
madrugada de 22 de novembro por 179 votos contra 94 na Câmara e 35 contra
16 no Senado.129 Nereu Ramos prosseguiu no cargo e só o entregou
diretamente a Juscelino Kubitschek em 31 de janeiro de 1956.
Nos debates sobre o pedido de impedimento, o deputado udenista Aliomar
Baleeiro ironizou os colegas que insistiam em tentar convencer os outros, e
talvez a si próprios, de que aquele desenrolar dos fatos tinha algo a ver com
um suposto instituto de “impedimento”, que até então ninguém havia
enxergado na Constituição de 1946:
Neste instante, há duas coisas a distinguir: o ato, que pertence ao presidente da República, de
reassumir ou não o cargo, ato esse do qual é o juiz único; e o exercício de fato desse cargo. O exercício
de fato da presidência da República não depende nem de mim, nem da maioria […]. Num país
anárquico, sem ordem jurídica como este, é uma questão de força. Quem tiver força hoje dará posse a
um presidente da República que pode ser o sr. Nereu Ramos […], pode ser o sr. Café Filho […], e
poderá também ser um sargento, um cabo ou um gari da prefeitura.130

Antes de ser definitivamente atropelado pela força de que falava Aliomar


Baleeiro, Café Filho tentou uma última cartada para retornar à presidência da
República: acionar o Supremo Tribunal Federal. Sua iniciativa gerou o
mandado de segurança no 3557, do qual foi relator o ministro Hahnemann
Guimarães, um ex-professor de latim do Colégio Pedro  e de direito romano
da Faculdade do Rio de Janeiro.131 Café Filho pediu que o Supremo afastasse
Ramos e o colocasse de volta no cargo. Em resposta, o  decidiu não decidir.
Por força da lei federal no 2654, aprovada três dias após o afastamento de
Carlos Luz, o presidente em exercício Nereu Ramos havia decretado estado de
sítio, depois aprovado pelo Congresso Nacional. O artigo 2o da lei suspendeu
diversas garantias constitucionais, entre as quais o direito à ação de mandado
de segurança. Por esse motivo, o Supremo julgou prejudicada a ação e
arquivou-a, sem apreciar seu mérito.
Não é implausível que a saída tenha sido um artifício do tribunal para se
evadir de uma decisão que o colocaria em rota de colisão com quem detinha −
como alertara o deputado Baleeiro — a força de afastar dois presidentes e
manter um interino no cargo. É irônico que o  tenha invocado o estado de
sítio, medida que visa a proteger os poderes constitucionais legitimamente
constituídos, justo para evitar que um desses poderes, a presidência da
República, fosse devolvido a quem tinha o direito de ocupá-lo. O
encaminhamento pelo não cabimento da ação só foi aventado pelo terceiro
magistrado a votar, o ministro convocado Armando Sampaio Costa. Antes,
houve tempo para um esclarecedor embate entre o ministro relator,
Hahnemann Guimarães, e o segundo magistrado a votar, o ministro Álvaro
Ribeiro da Costa.
Guimarães votou pela denegação do mandado de segurança. Embora
aceitasse que o ato poderia, em tese, ser apreciado pelo Judiciário, porque
estava em jogo lesão de direito individual, ele afirmou que Câmara e Senado
dispunham de um “poder implícito no sistema constitucional” para votar
sobre quaisquer matérias que julgassem necessárias para assegurar “a
sobrevivência do regime e a tranquilidade da nação”. Essa era a tese defendida
por Ulysses Guimarães, expressa na própria redação do decreto de
“impedimento” de Café Filho. O ministro relator sustentou que isso era
questão essencialmente política, que escapava à jurisdição do . “Rejeito a
arguida inconstitucionalidade do ato do Congresso Nacional e nego o
mandado requerido”, concluiu.
Depois dele, votou o ministro Álvaro Ribeiro da Costa. De família militar,
era um homem recatado, mas que não fugia de conflitos.132 Rebatendo
diretamente o relator, ele apontou que nada havia de “essencialmente político”
na questão trazida pelo mandado de segurança de Café Filho: “O problema da
competência do Congresso Nacional para, em resolução, declarar o
impedimento do presidente da República […] envolve antes uma questão
estritamente jurídica que de índole política”. Uma suposta competência do
Congresso Nacional para declarar “impedido” um presidente da República
simplesmente não existia na Constituição e nas leis, defendeu. Acrescentou
ainda que nenhum constitucionalista brasileiro até então jamais havia dito
uma palavra sequer sobre um suposto poder do Congresso Nacional para,
“em resolução, afastar, por impedimento, o presidente da República do
exercício de seu cargo”. Ribeiro da Costa censurou o general Lott, de quem se
disse amigo, acusando-o de ter praticado, “sem consulta amadurecida”, um
“ato irrefletido”. Concluiu seu voto afirmando que a resolução de
impedimento era “ato nulo, por falta de competência”, e que por isso era caso
de conceder a segurança requerida e determinar o retorno de Café Filho ao
cargo. A perda de objeto do mandado de segurança foi uma saída que permitiu
aos demais ministros escapar da querela entre Hahnemann Guimarães e
Ribeiro da Costa.
Esses casos de “impedimento” devem ser conhecidos para uma doutrina do
impeachment, mas não para constituir qualquer precedente relevante para a
interpretação do instituto. Menos ainda para afirmar a existência de um
suposto poder do Congresso Nacional de afastar sumariamente um presidente
por simples decreto.133 Eles são fruto das tumultuosas condições políticas da
época e devem ser guardados no baú de excentricidades de nossa história
política e constitucional.

A lei no 1079/1950 e a hipótese do cavalo de Troia

Em dezembro de 2015, teve início na Câmara o processo que culminaria com


o impeachment de Dilma Rousseff. Nessa época, eu e muitas outras pessoas
da comunidade jurídica passamos a estudar o instituto com atenção
redobrada. Decidi investigar nossa Lei do Impeachment nos arquivos da
legislatura iniciada em 1946, pela qual ela tramitou. Localizei o projeto de lei
apresentado ao Senado Federal pela comissão mista que o elaborou.134 Desde
logo, três particularidades chamaram minha atenção. A primeira foi a demora
em sua tramitação, que havia durado quase dois anos. A segunda foi a
composição da comissão que redigiu o projeto de lei, repleta de nomes que se
notabilizaram pela tentativa de implementação do parlamentarismo no Brasil
logo após a Constituição de 1946: Luiz Viana, Prado Kelly, João Mangabeira,
Gustavo Capanema, Attilio Vivacqua e principalmente Raul Pilla, o “dr.
Parlamentarismo”, como era chamado por seus colegas. A terceira foi a
própria coincidência temporal entre a aprovação da lei e a fracassada tentativa
de aprovação de uma emenda que pretendia alterar a Constituição de 1946
para implementar o parlamentarismo como sistema de governo, a proposta de
emenda no 4 de 1949.
Imediatamente ocorreu-me a hipótese de que a lei no 1079 poderia ter sido
uma espécie de plano  dos parlamentaristas frustrados pela derrota da
proposta de emenda no 4. Se eles não haviam conseguido aprovar a emenda à
Constituição de 1946, talvez tivessem ao menos conseguido contrabandear um
simulacro de parlamentarismo pela porta dos fundos, via legislação ordinária.
Isso explicaria os crimes vagos na lei no 1079, que davam ampla margem para
o Congresso investir contra o presidente e antecipar o fim de seu mandato por
razões puramente políticas. O parlamentarismo também teria entrado em
nossa interpretação do impeachment através da influente doutrina jurídica de
Paulo Brossard, pois ele próprio era um confesso parlamentarista. Batizei essa
hipótese da parlamentarização clandestina do impeachment, pela lei e pela
doutrina, de “cavalo de Troia parlamentarista”.135
A hipótese do enxerto parlamentarista convenceu algumas pessoas136 e
despertou críticas de outras. Dentre as críticas, destaco aquela que foi feita por
Cláudia Paiva Carvalho, porque procedente. Com razão, ela contestou que a
específica redação dos crimes de responsabilidade da lei no 1079/1950 teria
sido fruto de uma trama dos parlamentaristas da geração de 1940, pois muitos
dos delitos definidos de modo vago na atual Lei do Impeachment têm redação
semelhante à da lei anterior, o decreto no 30 de 1892.137
Por outro lado, como a própria autora reconhece, a hipótese do cavalo de
Troia era mais ampla. Ela não se limitava a especular sobre uma explicação
para a redação da lei, mas sugeria também que havia uma influência
parlamentarista na própria concepção do instituto do impeachment no Brasil,
e dos crimes de responsabilidade em particular. Nessa dimensão doutrinária, o
apoio das fontes à hipótese é maior. Como visto no capítulo anterior, a cultura
parlamentarista tinha raízes antigas entre nós: ela vinha desde o Império,
especialmente a partir do Segundo Reinado.138 Esse legado parlamentarista se
fez sentir na disciplina jurídica do impeachment presidencial não apenas no
nome dos institutos, de que os “crimes de responsabilidade” são exemplo
evidente, mas principalmente na postulação de sua função. Como visto no
início deste capítulo, o impeachment presidencial foi desde o princípio
retratado no Brasil como ferramenta para a superação de impasses entre
forças políticas rivais, justamente um dos propósitos a que o chamado voto de
desconfiança serve no parlamentarismo.139 Tal perspectiva era totalmente
estranha à concepção dos fundamentos das impeachable offenses nos Estados
Unidos, onde a ideia de que o presidente pudesse ser removido por mero
antagonismo com o Legislativo foi explicitamente rejeitada pelos constituintes
de 1787.
Se a “parlamentarização” do impeachment refere-se à possibilidade de um
presidente ser condenado e afastado pela votação partidarizada de uma
acusação igualmente partidarizada, é preciso reconhecer que esse risco existe
mesmo onde a cultura jurídica sobre o instituto não padeça desse vício
original. Nos Estados Unidos, o julgamento do impeachment de Donald
Trump em 2020 foi decidido em linhas estritamente partidárias, com exceção
de um único voto em uma das duas acusações contra ele.140 O advento de
partidos políticos organizados, com atuação em ambas as casas legislativas —
uma realidade estranha ao desenho original do impeachment na Constituição
norte-americana —, torna ainda mais difícil garantir que o Senado funcione
como tribunal jurídico. Se nos Estados Unidos o impeachment não gera
ameaças perenes aos presidentes, isso se deve principalmente às características
de seu sistema eleitoral, que resulta na hegemonia de dois grandes partidos.
Com isso, o presidente pode contar com um “escudo legislativo”141 mais
efetivo, pois, sem os votos de um razoável número de membros de sua própria
legenda, dificilmente o quórum de dois terços, necessário à condenação no
Senado, é atingido. No caso da primeira acusação contra Trump, por exemplo,
teria sido preciso que vinte senadores republicanos tivessem votado por sua
condenação para que esse quórum fosse alcançado.
Ao mesmo tempo, é errada a postura fatalista de tratar o impeachment
como instituto inexoravelmente fadado a se “parlamentarizar”. Devemos ter
clareza quanto às fundamentais diferenças entre o modo de ascensão de um
primeiro-ministro, normalmente escolhido pelo próprio Parlamento entre
seus membros, e o de um presidente, eleito por votação popular direta. O voto
de desconfiança parlamentarista apenas retira o apoio que o próprio
Parlamento dera, enquanto o impeachment permite que poucas centenas de
deputados, e poucas dezenas de senadores, afastem do cargo a única
autoridade da nação escolhida por voto direto de todos os eleitores do Brasil.
A legitimidade do mandato presidencial não deriva da concordância do
Congresso, e sim da vontade do povo expressa em eleições presidenciais.
Nenhum fatalismo político ou jurídico pode ofuscar essa diferença.
No caso brasileiro, é impossível ignorar o fato de que os crimes de
responsabilidade são definidos em lei, e que é necessário aferir seus
significados segundo as regras estabelecidas da interpretação jurídica. Isso vale
mesmo para os crimes da lei no 1079/1950 cujas condutas são descritas de
modo menos preciso, a exemplo do conhecido artigo 9o, n. 7 (“Proceder de
modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”):
“dignidade”, “honra” e “decoro” não são termos estranhos à cultura jurídica, e
há parâmetros doutrinários, parlamentares e judiciais para sua aplicação. Esse
cenário é capaz de conferir balizas que nos permitem avaliar e criticar, na
esfera pública, empregos abusivos do impeachment, e distinguir entre
investidas meritórias ou abusivas contra mandatos presidenciais. Não tem
cabimento sustentar que os crimes da Lei do Impeachment podem ser
interpretados como cada um bem quiser, e que suas palavras podem significar
qualquer coisa que condiga com a conveniência política de qualquer senador.
Se não permitimos essa licenciosidade interpretativa a qualquer outra lei,
ainda quando interpretada por agentes políticos (um prefeito não pode
interpretar a Lei de Licitações dando às palavras os sentidos que lhe forem
subjetivamente mais oportunos), não há razão sensata para tolerá-la
justamente no processo que pode levar à destituição do ocupante do mais
elevado cargo político da República.
Finalmente, é preciso levar em consideração que os efeitos de um
impeachment são muito diferentes da aprovação da censura parlamentar a um
primeiro-ministro. Como aponta Pérez-Liñán, a remoção de um presidente
impõe ao político derrotado um destino amargo, que muitas vezes implica o
fim de sua carreira.142 No Brasil, onde a Constituição — a despeito do erro
cometido no julgamento de Dilma Rousseff — impõe inabilitação de oito anos
como consequência da condenação por crime de responsabilidade, a rejeição à
ideia de que deputados e senadores são livres para fazer o que bem quiserem
com o mandato presidencial tem de ser ainda mais forte.
3. “Não me deixem só, eu preciso de vocês!”1

O Brasil na era dos impeachments

Durante a campanha para as eleições presidenciais de 1914, que seriam


vencidas pelo mineiro Venceslau Brás, Rui Barbosa, candidato pelo Partido
Republicano Liberal, realizou conferências denunciando o governo de Hermes
da Fonseca, um militar como Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, e
primeiro gaúcho a chegar à presidência do Brasil. Em seu governo
conturbado, Hermes também enfrentou agitações nas Forças Armadas, a
exemplo da Revolta da Chibata,2 e teve de administrar uma economia
combalida, além de lidar com as contestações de um número crescente de
movimentos operários e anarquistas em diversas cidades.3
Em um dos pronunciamentos de sua chamada “campanha civilista”, ao
mesmo tempo que denunciava a “destruição da essência constitucional” pelo
governo Hermes da Fonseca, Rui Barbosa também lamentava a ineficácia do
principal instituto de contenção de abusos presidenciais, o impeachment.
Chamou-o de “tigre de palha” e “monstro de pagode”: “medonho na
carranca” mas de “garras imóveis”. O jurista baiano lamentava que o
impeachment fosse “dominado lá de cima”, isto é, pelo próprio presidente,
“um colosso da imbecilidade” que o abafava com “as quatro patas da sua
força”.4
A crítica à impotência do impeachment foi renovada na década de 1960, no
já citado livro de Paulo Brossard, cujo capítulo final, em que o instituto é
chamado de “inepto”e “inadequado”, tem ares melancólicos. Cercado de
excessos para evitar seu emprego abusivo, dizia o futuro ministro do , o
impeachment tornou-se o oposto disso: um instituto inaplicável, levando à
“consagração da irresponsabilidade”. Para ele, essa inaplicabilidade era
sinônimo de inexistência de um regime democrático, pois não poderia haver
democracia se não houvesse “responsabilidade dos que dirigem a coisa
pública”.5
Brossard viveria para ver a onda de impeachments que atingiu a América
Latina a partir da década de 1990 — e que, a julgar pelo recente afastamento
do peruano Martín Vizcarra, em novembro de 2020, ainda não terminou. O
primeiro deles, que deu origem à série dessas novas manifestações de
instabilidade política6 nas jovens democracias de nosso continente, foi
brasileiro.

Q  , em 15 de março de 1990, como primeiro presidente


eleito pelo voto direto em quase trinta anos, Fernando Collor de Mello
recebeu um país em situação econômica precária, mas com um povo cheio de
esperanças. A inflação havia derrotado todos os planos econômicos
implementados pela administração de José Sarney e ultrapassava os 80% ao
mês quando Collor assumiu. Ao longo da década de 1980, os países latino-
americanos, incapazes de honrar seus compromissos com credores externos,
contaminavam as reputações uns dos outros com suas crises e tornavam mais
caros os empréstimos que eram obrigados a contrair para conseguir fechar
suas contas, levando à escalada da dívida externa.7 Os índices de emprego da
população economicamente ativa sofriam com planos anti-inflacionários
recessivos. Trabalhadores formais eram penalizados quando, visando a
quebrar o ciclo inflacionário, as medidas passavam pela desindexação dos
salários.8 A indústria brasileira, pendurada em subsídios e marcada pelo
nacionalismo estatizante da ditadura militar, era ineficiente.9 O cenário
jurídico do direito privado, que disciplinava relações societárias e trabalhistas,
tampouco contribuía para a competitividade econômica do país.10 Os desafios
para o novo presidente, enfim, eram enormes.
A despeito disso tudo, Collor chegou ao cargo cercado de otimismo: logo
antes da posse, 71% dos brasileiros esperavam que ele fizesse um bom
governo, enquanto os pessimistas não passavam de 4%. Pouco mais de dois
anos depois, essas estatísticas se inverteriam: em setembro de 1992, quando as
ruas já estavam cheias de estudantes em protesto, enquanto a Câmara dos
Deputados debatia os méritos da denúncia por crime de responsabilidade
contra o presidente, 68% achavam seu governo ruim ou péssimo, e menos de
10% o aprovavam. Do primeiro ao último dia de governo, a popularidade de
Collor, registrada em gráfico, desenha uma ladeira íngreme e descendente.11
Como a queda de um avião, a marcha de um governo rumo ao cadafalso do
impeachment se dá pela combinação de diversos fatores. No caso de Collor,
eles incluíram sua incapacidade de organizar as relações com o Congresso, na
condição de presidente minoritário; a crescente perda de apoio junto ao
empresariado; a revolta de seu vice, Itamar Franco, que se sentia escanteado
nas articulações políticas do governo; a incansável oposição de movimentos de
trabalhadores, que haviam entrado fortalecidos no novo regime democrático;
a persistência de protestos de rua, cuja convocação seminal curiosamente
partiu do próprio presidente; e, sobretudo, o insucesso de um plano
econômico que, embora violentíssimo, foi incapaz de entregar sua principal
promessa de governo, feita de público no discurso de posse: não apenas conter,
mas liquidar a inflação.12 A esse caldo de muitos temperos, seu irmão Pedro
Collor adicionou o ingrediente principal: a revelação da relação íntima do
presidente com um operador de esquemas, o empresário alagoano Paulo
César Farias, o , homem responsável pelas finanças da vitoriosa campanha
presidencial.

A presidência cesarista

Fatores políticos e econômicos caminharam juntos para o ocaso da presidência


de Fernando Collor de Mello. Em matéria socioeconômica, seu governo era
ambicioso: além do combate à inflação, o novo presidente propunha uma
abrangente reforma do Estado, para diminuir-lhe o tamanho, e uma profunda
modernização econômica, entendida como a soma de privatizações e
integração do Brasil à economia globalizada.13 Collor planejava inscrever o
Brasil no mapa das economias neoliberais, tendo por norte três axiomas:
estabilidade macroeconômica e equilíbrio fiscal; desregulação e diminuição da
participação direta do Estado na economia; e redução de barreiras comerciais
e criação de ambientes convidativos para os capitais estrangeiros no país.14
Ao chegar à presidência, Collor viu-se diante de um cenário político
incomum: eleito no final de 1989 e empossado em março de 1990, ele
governou até fins de janeiro do ano seguinte, quando tomariam posse os
deputados e senadores eleitos no segundo semestre de 1990, com um
Legislativo em final de mandato. Na prática, o presidente chegou ao poder um
ano antes dos deputados e senadores que comporiam o Congresso durante a
maior parte de seu mandato. Com isso, ao longo do primeiro ano de seu
governo, quando precisava capitalizar a expectativa otimista quanto à sua
administração, Collor conviveu com deputados e senadores que estavam
preocupados principalmente com as campanhas eleitorais vindouras.
A Constituição de 1988 dava-lhe uma arma poderosa para não ficar preso ao
imobilismo do Congresso: as medidas provisórias (s). Até a chegada da
nova legislatura,15 em 1o de fevereiro de 1991, Collor usou essas medidas sem
constrangimentos: em dez meses e meio de governo, editou e reeditou 149
delas, uma média de mais de catorze por mês.16 Previstas no artigo 62 da
Constituição de 1988, as s são uma das formas que o presidente tem de
exercer diretamente atividade legislativa. Durante a presidência de Collor, as
s tinham poucos limites de utilização: o artigo 62 da Constituição de 1988
dizia apenas que elas deveriam ser empregadas em caso de “relevância e
urgência”. Uma vez editadas, deveriam ser prioritariamente avaliadas pelo
Congresso Nacional, que decidiria, no prazo de trinta dias, se seriam
convertidas em lei. Se não o fossem, o Executivo poderia simplesmente
reeditar a medida quantas vezes quisesse, para impedi-la de perder a eficácia,
até que o Legislativo a derrubasse. Na prática as s, na redação original da
Constituição, funcionavam como os decretos-lei da ditadura militar.17 Duas
emendas constitucionais (s) subsequentes, de 1995 ( 6) e 2001 ( 32),
limitaram sensivelmente a amplitude do uso possível dessas medidas pelo
Executivo, em parte à luz da experiência do governo Collor.18 A atual redação
da Constituição proíbe, por exemplo, a edição de s que determinem a
“detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo
financeiro”.
Na interpretação de Collor, mas não apenas dele, a situação econômica
calamitosa do Brasil era relevante e urgente, de forma que o uso de medidas
provisórias para enfrentá-la era justificado. E assim foi feito: apenas em 15 de
março de 1990, seu primeiro dia no cargo, Collor editou 22 s, além de nove
decretos. Brasílio Sallum Jr. descreveu esse movimento como revelação do
“pendor autocrático e voluntarista” do presidente,19 sinalizando planos de
uma gestão que seria marcada por desequilíbrio não apenas nas relações entre
os Poderes, em favor do Executivo, mas também nas relações federativas, em
favor da União.
O Plano Brasil Novo, nome oficial do pacote de medidas, acabou batizado
pela imprensa de Plano Collor.20 Ficou marcado pela violência com que
impactou as finanças de muitas famílias. Anunciado no dia seguinte à posse, 16
de março, uma sexta-feira, o plano bloqueou depósitos aplicados em fundos
com títulos públicos, assim como aqueles com rendimento diário (overnight),
além dos saldos em cadernetas de poupança e contas-correntes. Festas de
casamento foram suspensas; famílias que haviam vendido imóveis e
guardavam o dinheiro no banco para a compra da próxima morada viram-se
sem reservas para terminar o mês. O pacote, o mais “arbitrário e ditatorial”
dos planos econômicos da história do Brasil,21 levou a enfartes, depressões e
suicídios.
Em um primeiro momento, os mais duramente impactados pelo plano
pertenciam à parcela da população que tinha capital para ser confiscado, que
eram a minoria dos brasileiros. Isso ajuda a explicar o apoio inicial alcançado
por essas medidas tão violentas: no dia seguinte ao plano, seis em cada dez
brasileiros o avaliavam positivamente; em abril, 71% o aprovavam, enquanto a
aprovação pessoal de Collor ultrapassava os 60%.22 Aos poucos, contudo, ficou
evidente que a brutalidade das medidas teve impactos em série, produzindo
uma “cadeia de infelicidades”, no dizer de Miriam Leitão: sem dinheiro para
investir na produção, no pagamento de salários e em fornecedores, as
empresas passaram a demitir.23
Além do confisco de ativos, as medidas do governo atingiram setores
historicamente apoiados pelo Estado brasileiro, como o cafeeiro, o
sucroalcooleiro e o siderúrgico. O Plano Collor suspendeu benefícios setoriais
e reduziu barreiras protecionistas às importações, colocando em apuros
imediatos boa parte da indústria nacional.24 As disposições — que refletiam
bandeiras empunhadas por defensores do liberalismo econômico, como a
desestatização, a redução da presença do Estado na economia e a redução de
barreiras tarifárias — deixaram muitos empresários sem chão. Não foi por
falta de aviso: em seu discurso de posse, Collor prometera deixar “a esquerda
perplexa e a direita indignada”.25
Nos primeiros meses, o plano funcionou e a inflação recuou. O governo
abriu linhas de crédito para atender a dificuldades de setores econômicos
específicos com o pagamento de salários, dissipando em parte a pressão que
vinha do empresariado.26 Pego de surpresa, o Congresso em fim de mandato e
preocupado com as campanhas eleitorais não pôde esboçar reação às s: o
apoio popular ao plano, em seu início, bem como seus primeiros resultados,
dificultava a oposição às medidas por parte de deputados e senadores. Além do
nanico  de Collor e Itamar Franco, outros cinco partidos haviam
prometido, desde antes da posse, apoio ao novo governo no campo
econômico, e assim o fizeram: , , ,  e  votaram pela
aprovação da  168, a principal dentre as que compunham o plano. Foram
acompanhados pelo  e , que avaliaram ser impossível se opor ao
governo naquele momento, sob pena de passar a imagem de que estariam
jogando contra a estabilização da moeda nacional.27 Do Judiciário também
veio certa blindagem inicial: o  ajuizou ação direta de
inconstitucionalidade () contra a  173, que proibia a concessão de tutelas
de urgência, como decisões liminares, contra as medidas, mas o  rejeitou a
demanda e manteve o plano protegido contra intervenções judiciais.28
A relação de Collor com o Congresso em seu primeiro ano de presidência é
interpretada por Guilherme Casarões como fruto de um cálculo estratégico,
dada sua condição de presidente minoritário.29 Em um lance de ousadia, o
presidente apostou todas as fichas em seu plano drástico de controle da
inflação. Se bem-sucedida, a política elevaria sua popularidade e lhe daria
vantagem política na relação com o Congresso, que se renovaria em breve.
Haveria estímulos para que os partidos buscassem aderir ao governo, visando
a colher bons dividendos por se associarem a uma administração bem
avaliada. Na pior das hipóteses, Collor poderia negociar maiorias, a cada
votação importante, com todos aqueles partidos que se dispusessem a dialogar
com o governo — e que seriam mais numerosos quanto mais bem-sucedido
fosse seu plano econômico. Na legislatura empossada em 1991, os partidos
mais à esquerda — como , , do,  e  —, de quem se esperava
oposição programática ao presidente, atingiram apenas 20% da Câmara e
menos de 10% do Senado, ficando o restante com os partidos de centro e de
direita.30 Portanto, mesmo sem apoio de uma bancada fixa, ancorada em um
grande partido, havia margem de negociação com a qual Collor podia contar,
desde que sua popularidade o sustentasse. Não era impossível sobreviver como
minoritário, desde que os bons resultados não demorassem a aparecer.

O        após a chegada da nova


legislatura, em fevereiro de 1991, falam contra a hipótese de que a
administração de Collor estaria marcada por um cesarismo incondicional,
inerentemente hostil ao Congresso: entre 1o de fevereiro de 1991, quando
tomaram posse os deputados e senadores eleitos no final de 1990, até 31 de
janeiro de 1992, portanto ao longo de um ano já com a nova legislatura
empossada, Collor editou apenas seis s.31 Àquela altura, com pouco menos
de um ano de governo, sua popularidade já não era a mesma, como também
não era o mesmo o otimismo com sua administração.
Em menos de um ano, o Plano Collor ganhou companhia: um novo pacote
foi lançado em janeiro de 1991, apelidado de “Plano Collor ”. A expectativa
da equipe econômica era de que, após um choque inicial por medidas
heterodoxas, a estabilização passaria a ser perseguida de forma mais ortodoxa,
com controle de gastos públicos e instrumentos usuais de política monetária.32
Mas a expectativa do governo se frustrou: poucos meses após a
implementação do plano inicial, a inflação já havia voltado a subir. Daí a
equipe econômica ter voltado à carga com novas s,33 uma das quais
unificava as datas-base para reajustes salariais, gerando forte reação de
empresários.34 Não era fácil encontrar um meio-termo: a proposta da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), de liberação de
preços, diminuição de juros e redução da carga tributária, era considerada
“irreal” pela ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello;35 do lado dos
trabalhadores, a correção pela média salarial, e não pelos índices de inflação,
foi igualmente mal recebida: a Central Única dos Trabalhadores () e a
Central Geral dos Trabalhadores () colocaram-se como adversárias do
plano, acusando o governo de autoritário.36 As novas medidas aumentaram o
desgaste de Collor com todo o setor produtivo privado, de patrões a
empregados.
Se o Plano Collor  pegou os parlamentares de surpresa, no Plano Collor  a
situação era outra. Além da descrença no projeto do governo, cuja aprovação
despencara de 81% para apenas 23% em um ano,37 os deputados e senadores
que receberam o segundo pacote haviam acabado de chegar ao Congresso.
Com a segurança de um mandato inteiro pela frente, sua disposição para
enfrentar o Executivo era maior.38 A composição interna de forças no
Parlamento tampouco favorecia Collor: dentre os grandes partidos, o que
mais lhe era próximo era o , mas as presidências da Câmara e do Senado
ficaram com o independente .39 Tal qual o apoio ao plano, a
popularidade de Collor também decrescia: na medição do Datafolha em
março de 1991, portanto um mês após a posse dos novos membros do
Congresso, a avaliação negativa do presidente ultrapassou a positiva pela
primeira vez: 34% o consideravam ruim ou péssimo, enquanto apenas 23% o
julgavam bom ou ótimo.40
A nova legislatura estava determinada a dar um basta à política de governar
por s. Um projeto de lei complementar () de autoria do deputado
gaúcho Nelson Jobim, do , proposto semanas após o lançamento do
Plano Collor , em 1990, passou a tramitar rapidamente na Câmara e foi
pautado para votação na semana seguinte à aprovação do Plano Collor .41
Seu objetivo era impedir a renovação contínua das s. Entre juristas, havia
dúvidas sobre a constitucionalidade da iniciativa: poderia o Legislativo limitar
o uso de um poder que a Constituição conferia ao presidente? Ao mesmo
tempo, nomes de peso do mundo jurídico concordavam que era abusivo o uso
que Collor fazia das s, que habitualmente ignoravam os requisitos
constitucionais de relevância e urgência.42
O presidente chamou de “inaceitável e inconstitucional” o projeto de Jobim.
Como o amplo poder de editar s estava previsto na Constituição, Collor
entendia que só uma emenda constitucional poderia restringi-lo. Lembrou
também que todas as suas medidas provisórias haviam sido apreciadas e
aprovadas pelos parlamentares, o que referendava sua avaliação de relevância e
urgência.43 Ao mesmo tempo, indicou que aceitava negociar com o Congresso
um uso mais contido das s, sinal de que já se via, àquela altura, como
relativamente fraco para enfrentá-lo.44 No mesmo sentido, no aniversário de
um ano de seu governo acenou explicitamente com uma gestão “negociada”
junto ao Congresso.45 Desgastado pelo insucesso de suas brutais medidas
econômicas, Collor não tinha mais condições de ignorar o Parlamento como
vinha fazendo até então.
Em maio de 1991, Collor trocou o comando da economia: substituiu Zélia
Cardoso de Mello pelo embaixador Marcílio Marques Moreira. Quando
assumiu o cargo, Zélia era uma jovem economista desconhecida no plano
nacional: a mensagem de fundo que se passava era de que a autoridade
econômica permaneceria com Collor. Marcílio, ao contrário, mandava o
recado oposto: era um diplomata com quarenta anos de carreira àquela altura,
ex-embaixador em Washington, com boa experiência junto a financiadores
internacionais e bom trânsito entre empresários.46 No campo internacional,
em que o novo ministro tinha amplo respeito, havia um nó difícil que
precisava ser desatado: a negociação da dívida externa brasileira.
A opção por uma política econômica ortodoxa exigia que o governo
enfrentasse temas politicamente difíceis, mas agora sob clima de negociação
com o Congresso, não mais de imposição. Collor elegeu como uma de suas
prioridades a reforma do Estado, matéria de tramitação sempre espinhosa. A
 296, apelidada de “ do Funcionalismo”, que dava reajustes diferenciados
a certos grupos do funcionalismo público, civil e militar, acabou rejeitada
pelos parlamentares em junho de 1991.47 Em resposta, o presidente instigou
uma reação de militares contra o Congresso, e eles divulgaram nota de
protesto contra o achatamento de seus ganhos.48 O presidente do Senado e do
Congresso Nacional, Mauro Benevides, do , reagiu, imputando a Collor
a intenção de fazer do Parlamento seu bode expiatório.49 O presidente voltou
à carga na semana seguinte com uma nova versão da  que fazia concessões
ao Congresso. Conseguiu aprová-la, mas a reprovação da  296 acendera o
sinal de alerta sobre a disposição de deputados e senadores de enfrentarem o
governo mesmo nas pautas econômicas, nas quais Collor dispunha do trunfo
de uma inegável emergência social: uma inflação descontrolada que precisava
ser domada o mais rápido possível.
Em agosto de 1991 veio uma nova mostra da fraqueza do presidente no
Congresso: uma frente ampla de partidos de oposição, formada por ,
, , , ,  e do, aprovou uma nova lei salarial que contrariava
projetos que o Executivo havia enviado ao Parlamento.50 Considerando as
medidas “excessivas”, Collor resolveu usar seu poder de veto:51 barrou
diversos trechos da lei, como o artigo 17, que mandava incorporar no cálculo
do reajuste os abonos pagos desde março daquele ano.52 O impasse entre
Collor e Congresso na questão do reajuste dos salários só seria resolvido em
dezembro de 1991, com um acordo sobre nova lei de abono salarial.53
A dificuldade em aprovar medidas relativamente simples, como uma lei
ordinária sobre reajuste dos salários, tema corriqueiro naqueles tempos de
inflação fora de controle, não impediu Collor de testar seus limites com
ambições muito maiores. Ainda em agosto de 1991, o governo começou a
costurar o apoio a uma proposta de ampla reforma constitucional, apelidada
de “Emendão”. Para contornar os obstáculos no Congresso, o presidente
aliou-se aos governadores, oferecendo-lhes condições mais favoráveis para seus
estados receberem repasses da União.54 Os projetos do Emendão chegaram ao
Congresso em outubro: propunham alterar nada menos do que 23 artigos da
Constituição.55 Eram “muitos vespeiros ao mesmo tempo”, nas palavras de
Sérgio Abranches.56 Tamanha ambição em contexto de dificuldades crescentes
para o Executivo em face do Legislativo e da opinião pública revelava “o
descompasso extraordinário entre o desejado pelo Executivo e as
possibilidades políticas efetivas de consegui-lo”.57 Sugeria também que Collor
tinha por estratégia reagir a insucessos criando fatos políticos novos.58 Ao
mesmo tempo, a aprovação da lei salarial por uma ampla frente de oposição,
articulada à margem da agenda do Executivo, fazia o presidente parecer
dispensável. Foi nesse cenário que planos alternativos à sua presidência
passaram a ser cogitados, embora ainda não se falasse em impeachment.

Plano P, de parlamentarismo

A deterioração da popularidade de Collor no segundo semestre de 1991 era


palpável: em setembro sua reprovação chegava a 41%, enquanto os índices de
ótimo e bom ficavam em meros 18%.59 O Executivo buscava retomar o leme
da agenda política nacional, mas o barco flutuava para outras águas: o dilema
estava em saber se Collor seria mantido na embarcação em posição secundária
ou se seria jogado ao mar. O principal defensor da última opção era o , que
entoara o “Fora, Collor!” desde muito cedo. Já os proponentes da segunda
alternativa ressuscitavam versões de uma conhecida panaceia para nossas
crises políticas: o parlamentarismo. Se o poder concentrado nas mãos do
presidente não havia gerado os resultados pretendidos, a alternativa era mudá-
lo de mãos, entregando de vez os rumos da administração federal ao
Congresso.60
Havia um terreno aplainado onde a estrada do parlamentarismo podia ser
pavimentada: o plebiscito sobre as formas de governo, previsto no Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (). O  é um anexo à
Constituição de 1988 cuja função principal fora fixar as regras para a transição
do antigo para o novo regime constitucional. Em seu artigo 2o, o  previu
que em 7 de setembro de 1993 seria realizado um plebiscito para se definir a
forma (república ou monarquia) e o sistema (parlamentarismo ou
presidencialismo) de governo que deveriam vigorar no Brasil. No contexto de
amplas barganhas da Constituinte, o plebiscito foi a maneira de contemplar as
partes derrotadas em uma das mais duras batalhas havidas na elaboração do
texto constitucional: a escolha entre presidencialismo e parlamentarismo. À
medida que aumentava a impopularidade de Collor e se desgastava sua relação
com o Congresso, a possibilidade de antecipação do plebiscito passou a ser
considerada como forma de se contornar as dificuldades políticas do governo.
Além de textos publicados em jornal até pelos governadores de quem
Collor se aproximara,61 havia ao menos duas propostas de , ambas
anteriores ao acirramento das rusgas políticas entre Executivo e Legislativo,
que propunham antecipar a data do plebiscito de setembro de 1993: uma na
Câmara, do tucano José Serra, e outra no Senado, do peemedebista José Richa.
Segundo o relato de José Sarney, também do , na época da Constituinte
Richa propôs a ele que a Constituição de 1988 começasse presidencialista, mas
passasse para o parlamentarismo após cinco anos, alternativa vetada por Mário
Covas, do , que tinha ambições presidenciais.62
Quando o parlamentarismo passou a ser considerado alternativa ao
governo Collor, foi a proposta de Richa, a Proposta de Emenda à Constituição
() no 14/1991, que primeiro ganhou tração. Sua emenda, que propunha
antecipar o plebiscito para 21 de abril de 1992, foi votada em outubro de 1991.
Nenhuma emenda constitucional havia sido aprovada até então. Embora não
se opusesse inicialmente63 à alteração para os próximos governos, Collor
resistia enfaticamente a que a mudança de sistema, embalada sob o bordão
“Parlamentarismo já”, valesse ainda em seu mandato. Chamou a iniciativa de
“conspiração golpista”.64 A  foi aprovada em primeiro turno, inclusive com
apoio de oito senadores considerados governistas, sob os protestos do
presidente, que acusava o Congresso de “rasgar a Constituição e frustrar a voz
das urnas”.65 O governo trabalhou nos bastidores e reconquistou os votos dos
senadores que o haviam traído em primeiro turno. A proposta não passou na
segunda votação no Senado: em 6 de novembro de 1991, a emenda foi barrada
por três votos.66 A interferência do Planalto contribuiu para azedar as relações
com partidos importantes, como o , minando ainda mais a sustentação de
Collor no Congresso.67
Em julho de 1992, o plebiscito do parlamentarismo seria enfim antecipado,
com a aprovação da emenda do deputado José Serra ( 51/1990), convertida
na  2. Àquela altura, as denúncias de Pedro Collor já carcomiam o pouco de
reputação que ainda restava ao presidente, sepultando definitivamente
quaisquer chances de êxito de seu governo. Uma Comissão Parlamentar Mista
de Inquérito () trazia a público, dia após dia, denúncias de benefícios
diretos à família presidencial pagos por um homem que praticava o mais
rasteiro tráfico de influência:  Farias. O plebiscito sobre a forma e o sistema
de governo no Brasil, no qual o parlamentarismo foi derrotado pela segunda
vez na história, ocorreu já sob a presidência efetiva de Itamar Franco, em 21 de
abril de 1993. Itamar foi, aliás, uma peça importante na queda de Collor.

Um vice repaginado

À medida que pioravam o desempenho econômico e a popularidade de Collor,


e subia a animosidade entre ele e o Congresso, tornou-se corrente o adágio de
que o presidente tinha sorte por ter Itamar como vice: o velho político
mineiro seria, em si mesmo, o maior desestímulo ao afastamento
presidencial.68 Homem público cuja carreira começara quatro décadas antes
como candidato a vereador em Juiz de Fora, Itamar era o antônimo de Collor.
Enquanto o presidente era jovial, tinha ares modernizantes e propostas
arrojadas de corte neoliberal, Itamar era associado ao estatismo e à atuação
direta e intensa do Estado na economia. Na Fiesp, era visto como “neolítico”,
“nacionalista tipo ferrabrás”, “antiprivatização” e “pré-queda do Muro de
Berlim”.69 Collor tinha carisma, Itamar era monótono. Collor vestia-se com
elegância e tinha sempre os cabelos aparados e bem penteados, ao passo que
Itamar, com seus óculos desproporcionalmente grandes e o topete
desgrenhado, era a alegria dos caricaturistas da época. Em situações comuns,
um país que havia se encantado com Collor dificilmente seria seduzido por
Itamar Franco tão pouco tempo depois — mas a necessidade é a rainha de
todos os gostos.
Itamar e Collor tiveram uma união política de ocasião. Concorreram juntos
na chapa do nanico , criado para viabilizar a candidatura de Collor à
presidência, mas a afinidade entre eles era mínima. Enquanto o candidato à
presidência vinha de uma família de políticos alinhada ao regime militar, tendo
iniciado na vida pública como prefeito nomeado de Maceió pela Aliança
Renovadora Nacional (Arena),70 a origem de Itamar era ligada ao , do
trabalhismo varguista, e depois ao Movimento Democrático Brasileiro (),
que fora oposição durante a ditadura. Após a redemocratização, ele teve
passagens pelo  e pelo . Suas filiações partidárias eram aparentemente
determinadas pela conjuntura da política mineira.71 Sua aliança com Collor foi
de conveniência recíproca: Itamar estava em fim de mandato e sem partido, e
talvez pudesse se beneficiar da exposição pública de uma campanha
presidencial ímpar, a primeira em quase trinta anos no Brasil; já Collor poderia
tirar vantagem não apenas da popularidade de Itamar em um estado grande
como Minas Gerais, mas também de sua conhecida imagem de homem
público “asperamente honesto”,72 um ativo poderoso para quem se vendia
como inimigo da corrupção e “caçador de marajás”.
No governo, a relação entre ambos nunca foi boa. Além das divergências
ideológicas que os separavam, parece ter havido genuíno desalinhamento de
expectativas sobre o papel do vice no governo. Itamar acalentava a ambição de
participar das grandes decisões políticas nacionais, mas Collor tinha o governo
como apenas seu. Ao vice, reservou o papel de cacique do  nos assuntos
paroquiais da política mineira, como a definição dos candidatos ao governo
estadual e às prefeituras, ao Legislativo mineiro e às câmaras de vereadores.
Collor nem sequer avisou Itamar Franco acerca do dia e hora do evento
público em que o plano de governo foi apresentado, logo após a posse. O vice
chegou nos últimos minutos, visivelmente contrariado, e teria dito a uma
jornalista que renunciaria no dia seguinte. Depois, negou ter feito o desabafo e
seguiu no governo.73
A primeira grande desavença pública entre eles sobre medidas de governo
aconteceu em 1991, por ocasião da privatização da siderúrgica Usiminas.
Sediada em Ipatinga e fundada em 1956 por Juscelino Kubitschek, foi a
escolhida para inaugurar a onda desestatizante que Collor prometera na
campanha. A privatização da Usiminas teve todos os capítulos típicos desses
negócios na década de 1990: guerra de liminares na justiça, protestos
incessantes de movimentos de trabalhadores e todas as tentativas de obstrução
possíveis. Em setembro de 1991, no dia marcado para um leilão frustrado por
ordem de uma vara federal de Brasília, executivos foram atingidos por ovos
enquanto tentavam se aproximar do prédio da Bolsa de Valores do Rio de
Janeiro. Seguranças particulares dispersaram a multidão com tiros para o
alto.74
Itamar Franco criticava publicamente a venda da empresa: “Não sou contra
a política de privatizações, mas contra a privatização da Usiminas em
particular”.75 O vice sabia que não podia fazer oposição escancarada contra
uma medida anunciada em campanha de sua chapa, mas achava um jeito de
jogar água na brasa: “Não posso criar dificuldades para o presidente, pois sou
seu substituto eventual, mas isso me obriga a um autopoliciamento, uma
autodisciplina”.76 O imbróglio acontecia em meio à disputa entre Collor e o
Congresso pela política salarial, na qual o presidente tomava medidas
amplamente impopulares, que implicavam perda de poder de compra para os
trabalhadores. O fogo amigo vinha em péssima hora.
Com a contínua queda de popularidade de Collor, Itamar foi aos poucos
descolando-se do presidente. Em outubro de 1991, o vice mostrava-se
abertamente simpático às conversas sobre implantação do parlamentarismo
no Brasil. Rejeitando as alegações de Collor de que qualquer mudança
imediata de regime implicaria violação à vontade popular, Itamar retrucava
que, em caso de vitória no plebiscito antecipado, a adoção do
parlamentarismo desde logo não caracterizaria golpismo, já que contaria com
explícito respaldo popular. “A pressão popular pela implementação imediata
do sistema pode ser tão forte que obrigue o presidente a mandar ao Congresso
mensagem com a adoção do parlamentarismo”, declarou ele, em 2 de outubro
de 1991.77

E   , Itamar Franco fez chegar à imprensa uma carta que
enviou a Collor protestando por não ter sido consultado sobre a reforma
ministerial promovida naquele mês. Foi a época da montagem do chamado
“Ministério dos Notáveis”, um gabinete composto por nomes de peso do
mundo jurídico, político e empresarial, que visava a resgatar a credibilidade do
governo.78 A missiva se dizia uma “carta pessoal reservada”, mas foi parar nos
jornais.79 O vice estava profundamente contrariado porque o  e o senador
baiano Antônio Carlos Magalhães, , com quem ele tinha notórias e
figadais desavenças, haviam sido amplamente ouvidos na indicação de
nomes.80 Em protesto, Itamar nem mesmo compareceu à posse dos novos
membros do governo, que chamaria de “vitoriosos do terceiro turno”.81
Poucos dias depois, desfiliou-se do  e ficou de pensar com calma sobre seu
futuro. Disse apenas que não iria “em hipótese alguma” para o  ou o
.82
A partir de maio de 1992, quando Pedro Collor de Mello lançou a bomba
das relações impróprias entre seu irmão e  Farias, Itamar passou a fazer
campanha aberta para construir sua viabilidade como sucessor de Collor. A
essa altura, o vice já havia se tornado um crítico público do governo. A
bombástica entrevista de Pedro ao jovem jornalista Luis Costa Pinto, da revista
Veja,83 em maio de 1992, fez do governo um completo pandemônio. Itamar, ao
contrário de vários ministros, não telefonou para dar sequer uma palavra de
conforto ao presidente.84 O vice passou a ser tão claro quanto podia em suas
demonstrações de que estava pronto para ascender à presidência. Apoiadores
seus fizeram campanha junto a empresários para dissipar sua imagem de
antiquado e estatizante.85
Políticos ainda próximos do presidente tentavam desconstruir a alternativa
Itamar, como , que alegou que o vice não tinha representatividade para
assumir a presidência.86 Em resposta, Itamar expressou a importância do
respeito à Constituição e clamou por uma “união nacional em torno da
legalidade”. Em sua defesa, aliados como o governador do Paraná, Roberto
Requião, do , alegavam que a posse do vice era a única alternativa
constitucionalmente aceitável.87 De sua parte, Itamar reiterava a todo instante
que estava pronto para assumir a presidência em caso de impeachment.88
Quanto aos militares, ainda ariscos nos primeiros anos da redemocratização,
eles tiveram “comportamento exemplar” na ascensão de Itamar e na queda de
Collor, segundo José Murilo de Carvalho:89 limitaram-se a observar tudo à
distância, sem qualquer ameaça de intervenção.
No começo do segundo semestre de 1992, quando caminhava a todo vapor
a  de  Farias e as ruas já estavam cheias com protestos dos “caras-
pintadas”, Itamar já se permitia reunir economistas para esboçar linhas de
ação de seu futuro governo.90 Collor havia sido definitivamente derrotado pela
inflação e estava acossado por uma taxa de rejeição que beirava incríveis 70%
em setembro de 1992. O pouco que lhe restava de capital político foi
queimado, sem sucesso, nas tentativas para sobreviver à acusação de crime de
responsabilidade apresentada pelos advogados Barbosa Lima Sobrinho,
presidente da Associação Brasileira de Imprensa (), e Marcello Lavenère
Machado, presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (), no
dia 1o de setembro daquele ano. Mas o impeachment foi apenas o ato final de
uma série de escândalos políticos que começaram a aparecer à medida que a
popularidade do presidente declinava e os insucessos de seu governo se
avolumavam.
LBA, um quase escândalo

Em agosto de 1991, portanto um ano antes do início do processo de


impeachment que culminou com seu afastamento da presidência, Fernando
Collor começou a conviver com suspeitas de corrupção que funcionavam
como estopins de crises. Esses eventos são importantes porque mostram a
preparação do ambiente público para que uma eventual denúncia pudesse
evoluir ao patamar de grande escândalo, um dos determinantes de sucesso de
acusações de impeachments na América Latina a partir da década de 1990. A
possibilidade de envolver presidentes em grandes denúncias de corrupção era
sintoma não apenas do aumento da liberdade de expressão nas novas
democracias de nosso continente, mas também das mudanças profissionais,
tecnológicas e econômicas por que passou o jornalismo profissional naquele
período.91
O primeiro rastilho de pólvora que ameaçou detonar uma crise moral no
governo Collor foi deixado por sua então esposa, a primeira-dama Rosane
Collor de Mello. Rosane tinha apenas 25 anos de idade quando seu marido
vestiu a faixa presidencial. Era tratada pela imprensa a partir do estereótipo de
primeira-dama no Brasil: sua função primordial seria gerir a vida privada do
casal enquanto o marido, até então o único homem divorciado a se tornar
presidente, se ocupava dos grandes assuntos da República.92 A tradição
brasileira também atribuía às primeiras-damas a gerência de projetos de
assistência social, segundo o molde das esposas dos presidentes Getúlio
Vargas, Darcy, e Epitácio Pessoa, Mary.93
Foi na qualidade de líder da benemerência nacional que Rosane Collor foi
nomeada pelo marido para a presidência da extinta Legião Brasileira de
Assistência (). Fundada durante a Segunda Guerra Mundial e tendo como
primeira líder Darcy Vargas, a  nasceu com o ideário de arrecadar recursos
entre os “brasileiros de boa vontade” para “amparar os soldados brasileiros e
seus familiares”, e destacou-se, desde o início, pelo incentivo ao trabalho
voluntário feminino e por suas relações com o Estado e com o empresariado
nacional.94 “As primeiras-damas passaram a ter mais inserção, liderança e
visibilidade a partir do terreno da assistência social”, segundo Michele
Barbosa, e a  foi pioneira na institucionalização desse papel.95
A  era entidade oficialmente vinculada ao governo federal.96 Nessa
condição, recebia verbas públicas, vindas do Ministério da Ação Social, para
executar seus projetos, e suas contas eram submetidas ao controle do Tribunal
de Contas da União (). Por isso, qualquer deslize administrativo na
fundação tinha potencial de atingir tanto o governo quanto Collor
pessoalmente. O presidente futuramente diria que nunca havia simpatizado
com a ideia de Rosane dirigir a , pois temia que problemas na gestão da
entidade fossem utilizados para atacá-lo.97 Ao mesmo tempo, ele não deixava
de tentar capitalizar politicamente com os projetos tocados pela primeira-
dama, um dos quais era o Projeto Minha Gente, que fazia óbvia (e ilegal98)
alusão ao bordão emblemático com o qual o Collor abria seus
pronunciamentos oficiais em rádio e televisão.
O Projeto Minha Gente implementava e mantinha creches em várias
cidades brasileiras. Foi na compra de insumos para esse fim que estourou o
principal escândalo da : mais de 1,6 mil toneladas de leite em pó adquiridas
a preços superfaturados.99 Rosane eventualmente respondeu perante a
Justiça100 por ter autorizado, em caráter emergencial, um aditamento de
contrato que elevou o preço da aquisição em 41%, enquanto a legislação da
época limitava a reposição inflacionária nesses casos a 25%. Segundo a
acusação, cuja versão não foi comprovada, ela teria autorizado a operação em
troca de vantagens pessoais, pagas pelas empresas beneficiadas no aditamento
contratual.101
A essa altura, a popularidade de Collor já estava em franco declínio. Para
não correr o risco de ser tragado para dentro dos problemas da , o
presidente passou a distanciar-se pública e acintosamente da primeira-dama.
Rosane era constrangida pela imprensa com sucessivas reportagens sobre o
descaso quase publicitário que recebia do marido. Em um dos eventos de
comemoração de seu aniversário de 42 anos, celebrado em 12 de agosto de
1991, Collor recusou duas vezes a mão estendida da esposa, diante de toda a
imprensa. Jornais salientaram que ela ainda usava a aliança, enquanto ele já
havia abandonado a sua.102 Dias depois dessa humilhação, Rosane chegou de
Macapá, onde havia cumprido seu último compromisso como presidente
executiva da , e anunciou à imprensa que ficaria no aeroporto à espera de
Collor, que retornaria pouco depois de São Paulo, para que voltassem juntos
para casa. Todos viram quando Collor chegou, desceu do avião e embarcou
direto em um helicóptero que o levou embora. Rosane ficou para trás, junto
com jornalistas e a primeira-dama do , Weslian Roriz, que lhe fazia
companhia no aeroporto.103
Ao contrário do que Collor pretendia, a sequência de humilhações públicas
a que submeteu a primeira-dama tornou-se, para sua imagem, um foco de
desgaste em si mesmo. Pesquisa de opinião do Datafolha mostrava que a
população acreditava na sinceridade do sofrimento de Rosane, que fora vista
chorando em público, e atribuía a crise conjugal à reação irascível de Collor às
denúncias na . Metade dos entrevistados ainda achava que o
desentendimento matrimonial dos dois prejudicava a imagem do Brasil.104
Mas, quando  Farias entrou em cena, Rosane tornou-se o menor dos
problemas para Fernando Collor de Mello.

A “República de Alagoas”
O mundo de Fernando Collor de Mello ruiu definitivamente com a divulgação
de suas relações com  Farias, empresário alagoano com tentáculos em vários
negócios públicos e homem de confiança do presidente. Tesoureiro da
campanha de Collor,  era visto desde o início do governo como alguém
capaz de exercer influência junto à administração federal: indicava nomes para
ministérios e era procurado por empresas que tinham interesses em fazer
negócios com a União ou obter financiamentos de bancos públicos. Collor o
tinha como um dos grandes responsáveis por seu sucesso na eleição
presidencial: “Sem você, eu não teria ido nem para o segundo turno”, disse-lhe
no réveillon anterior a sua posse.105
Os diversos apaniguados de  em vários cargos da administração federal
faziam parte do que se convencionou chamar de “República de Alagoas”. Um
deles era seu irmão, o médico Luiz Romero Farias, a quem Collor nomeou
secretário-executivo do Ministério da Saúde. Luiz Romero deixou o cargo em
setembro de 1991, na sequência do superfaturamento do leite em pó na ,
diante das primeiras denúncias que escancaravam o tráfico de influência
praticado por seu irmão. Collor não gozava de popularidade que lhe
permitisse suportar novas denúncias: além do irmão de , cinco outros
ocupantes da “República de Alagoas” foram exonerados do governo. Foi sua
primeira tentativa de se distanciar de  quando suspeitas passaram a rondar o
amigo.106
Coube a Pedro Collor, irmão mais novo do presidente, detonar em
realidade a potência explosiva de . A indisposição entre eles remetia aos
negócios da família: Pedro desconfiava que Fernando queria enxertar  nas
empresas do clã para ganhar mais poder do que os outros irmãos. Quando
Fernando favoreceu o amigo na compra da parte de Leopoldo Collor, o outro
irmão, nas Organizações Arnon de Mello, Pedro convenceu-se de que 
Farias era testa de ferro de Fernando e seria usado para expulsá-lo da
sociedade após a morte da matriarca, dona Leda.107 Mais especificamente, a
desavença entre Pedro e  remetia à disputa entre o jornal Tribuna de Alagoas,
que o segundo comprara havia pouco tempo, e a Gazeta de Alagoas, que
pertencia à família Collor e era tocada por Pedro.108 Este desconfiava que
Fernando apoiaria  na disputa entre os dois jornais, levando a Tribuna a
sufocar a Gazeta, para diminuir a influência do irmão no grupo empresarial
familiar e atender às queixas de aliados de Fernando, que não eram bem
retratados no jornal dirigido por Pedro.
Pedro Collor decidiu contar o que sabia sobre as relações entre seu irmão e
 Farias a partir de maio de 1992, principalmente através da revista Veja, que
já vinha na trilha do empresário alagoano: na edição anterior à bombástica
entrevista do irmão caçula do presidente, a revista publicou uma reportagem
especial detalhando as enroladas declarações de imposto de renda de . Mas
foi a edição 1236 que entrou para a história do impeachment no Brasil. Em
seguida à reportagem “Chegou no Planalto”, que detalhava as relações entre
 Farias e o presidente, vinha a entrevista “O  é o testa de ferro do
Fernando”. Pedro não poupou detalhes, mencionando até o consumo de
cocaína por ele e pelo irmão quando eram jovens em Brasília. Descreveu a
política miúda da obtenção de concessões de rádio pelo grupo da família,
relatou a disputa entre os jornais alagoanos, apontou a existência de um
apartamento em Paris não declarado pelo irmão, acusou  de possuir sete
empresas ocultas no exterior e asseverou “não ter dúvidas” de que o irmão
aumentara seu patrimônio pessoal durante a presidência.109 Nos dias
seguintes, renovou as acusações em entrevistas a outros veículos.110 A síntese
das acusações de Pedro era de que os crimes de  Farias beneficiavam o
presidente tanto econômica quanto politicamente.
Collor tentou reagir com a ajuda da mãe: conseguiu o apoio de dona Leda
para o afastamento de Pedro dos negócios da família.111 Sofreu, porém, um
duro golpe quando o procurador-geral da República, Aristides Junqueira
Alvarenga, determinou à Polícia Federal () que instaurasse inquérito para
apurar os crimes atribuídos por Pedro ao presidente, a  Farias e à ministra
Zélia Cardoso de Mello, a quem Pedro acusava de passar informações
privilegiadas a .112 O pedido do procurador-geral mostrava que o Ministério
Público Federal () e a  não estavam dispostos a poupar o presidente do
constrangimento das investigações. Estas seguramente fariam crescer o
escândalo, pois a imprensa estava pronta para publicar cada passo do caso. A
essa altura, a aprovação do governo já havia encolhido para a casa dos 20%,
enquanto a reprovação chegava ao dobro disso.113
Em 26 de maio, Collor falou em cadeia nacional de rádio e televisão sobre
as acusações pela primeira vez. Chamou de “falsidade” e “insensatez” as
denúncias do irmão. Avisou que havia solicitado ao Ministério Público a
instauração de ação penal contra Pedro, por crimes contra a honra, e que o
processaria por danos morais. Prometeu “a verdade” e exigiu
“responsabilidade” de seus acusadores e da imprensa, a quem acusou de
condenação antecipada.114 O pronunciamento adotou uma linha que custaria
caro a Collor mais adiante, no processo de impeachment: foi principalmente
sua insistência em negar fatos comprovados por documentos e testemunhas
que fundamentou a acusação do crime de responsabilidade por
comportamento indecoroso na presidência da República.
De início, Collor foi defendido pelos governadores com quem havia
costurado vantajosos repasses de verbas federais. Buscando desacreditar as
denúncias, Antônio Carlos Magalhães — o  seria o último partido a
abandonar o presidente, já às vésperas da autorização de seu processo pela
Câmara — alimentava a acusação de que Pedro sofria de distúrbios
emocionais e estava fora de si,115 enquanto o governador do Rio de Janeiro,
Leonel Brizola, defendia uma nova “Cadeia da Legalidade” para proteger o
presidente.116 Magalhães e Brizola tentavam arregimentar deputados e
senadores para defender Collor no próximo campo de batalha, que se provou
fatal para seu destino: a  que investigou  Farias e suas relações com o
presidente da República.

A “CPMI do PC” e o embalo da imprensa

No dia seguinte à determinação da  de abertura de inquérito para apurar


as relações entre Fernando Collor e  Farias, líderes de diversos partidos
decidiram constituir uma  para aprofundar as investigações sobre as
revelações do irmão caçula do presidente.117 No dia 27 de maio, nomes
importantes do  (como o senador Fernando Henrique Cardoso), do 
(como o senador Humberto Lucena), do  (como o senador Eduardo Suplicy
e os deputados Eduardo Jorge e José Dirceu) e do  (como o senador
Maurício Corrêa e o deputado Éden Pedroso) apresentaram ao presidente do
Congresso Nacional, o senador cearense Mauro Benevides, do , o pedido
para instauração da comissão. Em outro mau sinal para Collor, sugerindo a
completa debilidade de seu escudo legislativo já a essa altura, a comissão foi
rapidamente instalada, em 1o de junho.
A chamada “ do  Farias”, que na verdade era uma comissão mista,
() porque envolvia Câmara e Senado, correu em paralelo ao inquérito
requisitado por Aristides Junqueira à . Esse inquérito não investigava
diretamente o presidente, mas seu entorno, salientou o procurador. O
esclarecimento era importante, porque não era clara, àquela altura, a
jurisprudência sobre a possibilidade de um presidente ser criminalmente
investigado por crimes cometidos no exercício da função sem prévia
autorização da Câmara dos Deputados.118 Mas para o impeachment de Collor
o inquérito policial foi dispensável: o relatório da  apontou sozinho todos
os elementos necessários ao processo, e seu relatório praticamente
conclamava a apresentação da denúncia por crimes de responsabilidade.
Com apoio de , o governo conseguiu emplacar a presidência da ,
que ficou com o deputado Benito Gama, do . A relatoria, porém, ficou
com a oposição, a cargo de Amir Lando, do . O governo também
empenhou-se em delimitar o objeto de investigação, para garantir que Collor
ficasse, tanto quanto possível, fora dos holofotes. Comissões parlamentares de
inquérito devem ter objetos de investigação delimitados, e o presidente
trabalhava para que a “ do  Farias” mirasse, de fato, em  Farias. Os
defensores do governo acusavam a comissão de não ter competência para
investigar Collor, uma vez que as suspeitas levantadas por seu irmão
implicavam possíveis crimes comuns do presidente, e a competência para
investigá-los seria do  e não do Congresso. Nesse tópico, o deputado
Nelson Jobim, cuja opinião jurídica era considerada pelos pares dado seu papel
de destaque na Assembleia Nacional Constituinte, concordava que o
presidente não poderia ser penalmente investigado pela comissão.119 Mas
havia quem sustentasse o contrário: Marcello Lavenère, o presidente nacional
da  que viria a assinar a denúncia de impeachment que derrubou Collor,
defendia que o Legislativo tinha competência para a investigação por uma
lógica de separação de Poderes: “Quem deve investigar o Executivo é o
Legislativo”.120
Era inevitável que a , que iniciou formalmente seus trabalhos no
primeiro dia de junho de 1992, chegasse cada vez mais perto do presidente: o
fio do novelo de  Farias levava à casa, à família e aos negócios de Fernando
Collor de Mello. Este tentou por diversas vezes barrar a  no Supremo
Tribunal Federal, alegando que ela, a pretexto de investigar  Farias, estava se
mostrando um ato preparatório para seu impeachment, e isso seria ilegal. O
argumento foi mencionado no  no 69 647, relatado pelo ministro Celso de
Mello. O ministro negou seguimento ao pedido da defesa de Collor
argumentando que a ameaça de afastamento por crime de responsabilidade
não poderia ser protegida por habeas corpus, pois crimes de responsabilidade
não são crimes no sentido penal do termo, e o impeachment, por não prever
pena de prisão, não implica ameaça à liberdade de ir e vir da autoridade
acusada (que é a liberdade protegida por habeas corpus). Foi o primeiro sinal
dado pelo Supremo de que o tribunal não pretendia interferir de modo
determinante no deslinde do conflito entre governo e oposição.

A      pelo Congresso de responder


rapidamente às denúncias: a decisão de instaurá-la foi tomada poucos dias
após a publicação da entrevista de Pedro Collor.121 Perante deputados e
senadores, depuseram o principal denunciante, Pedro Collor; o principal
investigado, Paulo César Farias; funcionários de primeiro escalão do governo,
como a ministra Zélia Cardoso de Mello; pessoas do círculo íntimo político-
empresarial de Collor, como seu secretário particular, Cláudio Francisco
Vieira; agentes públicos que personificavam a influência de  Farias no
governo, como seu irmão Luiz Romero Farias; e homens de negócios
acusados de se beneficiar do esquema de  junto à administração federal,
como empresários do setor de saúde que supostamente se valiam do acesso
fácil a Luiz Romero.
À medida que evoluíam as investigações, os poucos pilares de sustentação
política que Collor ainda tinha iam desmoronando. Membros do “Ministério
dos Notáveis”, cuja nomeação havia levado ao rompimento final com o vice
Itamar Franco, passaram a fustigá-lo de modo sutil, mas em público. O
ministro da Justiça, Célio Borja, um medalhão que inclusive havia integrado o
, e o ministro da Economia, Marcílio Marques Moreira, lamentavam
publicamente a contaminação da economia por escândalos da família
presidencial. O presidente do Senado dizia, nas entrelinhas, que um processo
de impeachment estava à vista, ao explicar que os resultados da 
poderiam implicar o presidente e dar início a “um outro rito
constitucional”.122
A  foi uma estratégia para encurralar Collor em definitivo, mas
também para proteger o Congresso: ao colocar o presidente no centro do
cadafalso, os partidos de destaque na comissão, mesmo o governista ,
direcionavam a ira da opinião pública contra a pessoa do chefe de governo,
diminuindo as chances de que eclodissem protestos difusos contra toda a
classe política (como futuramente ocorreria em junho de 2013).123 Nos
escândalos que levam a impeachments, a relação entre mobilização popular e
instituições é complexa: a ira do povo impulsiona as instituições, mas é
simultaneamente alimentada pelo trabalho dessas mesmas instituições, que
podem usar sua atuação para direcionar e alimentar o descontentamento
popular contra um determinado alvo. Manifestantes na rua impulsionam
impeachments, mas o trabalho das instituições, sobretudo quando amplificado
pela imprensa, ajuda a converter cidadãos passivos em manifestantes.
Enquanto lideranças políticas buscavam alternativas de desfechos menos
traumáticos para a crise, como uma possível licença de Collor,124 as
investigações da  marchavam inexoráveis. Em junho de 1992, dois novos
personagens surgiram na trama da crise: Ana Maria Acioli Gomes de Melo e
Eriberto França. Ana, que era formalmente funcionária da Assembleia
Legislativa de Alagoas, na prática atuava como secretária pessoal do
presidente; França, que trabalhara na campanha presidencial de 1989, recebia
salários da Radiobrás, mas era motorista do presidente e de sua família. Ele
contou à revista IstoÉ, e depois reafirmou na comissão, que coletava dinheiro
nas empresas de  Farias e entregava-o à secretária, que fazia pagamentos de
despesas pessoais de Collor.125 O depoimento de Ana Acioli dava pistas de que
havia um esquema para ocultar a verdadeira relação financeira entre Collor e
: ela reconheceu que mandava pagar gastos de Collor com dinheiro que
vinha de Cláudio Vieira, o secretário pessoal do presidente, também
conhecido de longa data de  (ambos haviam sido seminaristas juntos). Ana
disse ainda que só efetuava pagamentos mediante ordens expressas de Collor,
o que atestava a participação direta e pessoal do presidente naquelas
empreitadas ilegais. Toda a movimentação financeira em benefício de Collor
era feita através das contas pessoais da secretária. Um dos bancos de que ela
era correntista chegou a mudar a grafia de seu nome na titularidade de uma
conta para “Ana Maria Gomes”, removendo o sobrenome mais conhecido,
“Acioli”, para, segundo seu depoimento, “resguardar o presidente”.126 Tudo
sugeria tratar-se de um mecanismo primário de ocultação de valores ilícitos.

A   C para seus gastos vultosos, pagos com dinheiro


vindo das empresas de  Farias, foi apresentada no segundo depoimento de
Cláudio Vieira à . Homem de absoluta confiança do presidente, Vieira
trabalhava para a família Collor desde 1975, quando ingressou, como
advogado, no quadro de funcionários das Organizações Arnon de Mello. Ele
explicou que em janeiro de 1989 havia contraído um empréstimo de 5 milhões
de dólares no Uruguai, para pagamento de despesas da campanha presidencial
daquele ano. O dinheiro teria sido trazido para o Brasil, segundo Vieira, pelo
doleiro Najun Turner, homem que àquela altura tinha passagens na  por
remessa ilegal de minério — leia-se: ouro.127 As sobras desse dinheiro, que
seriam portanto sobras de campanha, teriam ido para as contas de Ana Acioli e
 Farias, e pagavam despesas pessoais do presidente e da primeira-dama.
Najun Turner foi ouvido pela  e confirmou a operação.128 Vieira
apresentou, como prova de sua versão, um contrato que seria referente a um
empréstimo contraído no Uruguai, com data de janeiro de 1989.129 A
estratégia era situar todas as potenciais ilicitudes na relação entre Collor e 
em momentos anteriores ao início do mandato, o que ajudaria o presidente na
defesa contra eventuais acusações tanto de crimes de responsabilidade quanto
de crimes comuns.130
Em 31 de julho, porém, o depoimento de uma personagem inesperada fez
ruir a versão da chamada “Operação Uruguai”. Sandra Fernandes de Oliveira,
secretária da empresa  Empreendimentos e Participações Ltda., contou a
deputados e senadores que tinha escutado, por uma porta entreaberta da sala
de reuniões da empresa, um diálogo que sugeria que o contrato de
empréstimo apresentado por Vieira era falso. Segundo ela, o documento havia
sido discutido e assinado em São Paulo poucas semanas antes do depoimento
de Cláudio Vieira à . Sandra informou que a  tinha uma subsidiária no
Uruguai, e que o dono da empresa, Alcides dos Santos Diniz, tinha experiência
em remessa de recursos não declarados para o Brasil. Em troca do apoio de 
Farias para a liberação de empréstimos públicos para sua empresa, Diniz havia
se prontificado a forjar algum lastro documental para a história. A secretária
testemunhara o planejamento dessa fraude.131
A farsa da chamada “Operação Uruguai” tornou-se peça central na
acusação contra Collor pelo crime de “proceder de modo incompatível com a
dignidade, a honra e o decoro do cargo”.132 Sandra, o doleiro Najun Turner e
o operador Cláudio Vieira foram arrolados entre as seis testemunhas de
acusação apontadas pela denúncia no processo de impeachment. No Senado,
os acusadores de Collor apresentaram um laudo que atestava a falsidade da
data do contrato de empréstimo. O investimento da acusação nessa imputação
específica, entre muitas que se poderia fazer contra Collor, mostra o quanto a
mentira do presidente foi elevada à condição de substância do crime. De
acordo com seus acusadores, Collor descera abaixo do piso moral do cargo
não apenas por sua relação corrupta com um traficante de influências em seu
governo, mas por ter buscado enganar, com documentos falsos e o
testemunho mentiroso de um doleiro, deputados, senadores e a opinião
pública que ansiava por explicações para todos aqueles fatos.
As investigações também revelaram que a arquitetura montada por 
Farias e Cláudio Vieira envolvia o uso de contas-fantasma para despistar
valores que vinham dos negócios do empresário alagoano e chegavam à
família do presidente. Um dos cheques fantasmas, do Banco Rural,
famosamente pagou um Fiat Elba que servia a Rosane Collor.133 Foi o
motorista Eriberto França que contou ter levado o cheque à concessionária
para pagamento do carro, que estava em nome do próprio presidente.
O uso de contas-fantasma, o álibi amparado em fraude documental e a
incapacidade de explicar a origem lícita de recursos compatíveis com os
elevados gastos do estilo de vida do presidente levavam suspeitas de crimes
comuns, como corrupção, a rondar o governante. Collor insistia em apontar
que a comissão parlamentar era um inquérito policial disfarçado, que
investigava atos não relacionados ao exercício do cargo e violava a
competência do  para abrigar investigações contra presidentes da
República. Aqui se nota a tentativa da defesa de aproximar crimes de
responsabilidade de crimes comuns: a confusão beneficiava Collor e arriscava
esfriar o ritmo e o ânimo da comissão. O , porém, nunca aceitou essa tese,
e deixou o presidente arder na fogueira.134 Ao rejeitar a natureza penal tanto
de um impeachment quanto da investigação parlamentar que podia desvelar
crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente, o Supremo abriu mão
de exercer qualquer poder revisor naqueles casos, como poderia fazer se os
tivesse equiparado a um processo criminal ou a um inquérito comum, e
deixou inteiramente ao Congresso o controle de todo o procedimento. Nas
decisões relativas a Fernando Collor de Mello, o tribunal claramente sustentou
o entendimento de que crimes de responsabilidade não se confundem com
crimes comuns, nem mesmo quando puderem ensejar uma ação criminal no
futuro.135 Foi, aliás, o que aconteceu com Collor: ele acabou condenado pelo
Senado na acusação por crimes de responsabilidade, mas absolvido pelo  na
acusação por crimes comuns.

P     de contar com intervenção do


 em seu favor, Collor, talvez em ato de desespero, cometeu seu erro fatal.
Em um discurso para taxistas no Palácio do Planalto, convocou os brasileiros
para saírem às ruas no domingo 16 de agosto vestindo qualquer peça de roupa
com as cores da bandeira do Brasil; incitou o povo a pendurar nas janelas das
casas lenços e toalhas que demonstrassem quem era “a maioria silenciosa”,
cujo apoio ele ainda imaginava ter. Em resposta, colheu a evidência visual de
seu absoluto abandono: no Rio de Janeiro, uma multidão reuniu-se no Leme e
passou cantando marchinhas provocativas em frente ao prédio do governador
Leonel Brizola, que ainda se mantinha na base de apoio de Collor; em São
Paulo, o Parque do Ibirapuera lotou de gente vestindo luto; e em Brasília, um
engarrafamento de vinte quilômetros com carros cobertos de preto formou o
maior protesto da história da capital até então.136
Exatamente uma semana após os protestos, o senador Amir Lando
entregou o relatório final da . Era praticamente um libelo acusatório por
crime de responsabilidade contra Fernando Collor de Mello, que concluía
repetindo a fórmula do artigo 9o, no 7, da lei no 1079/1950: “Obviamente, os
fatos descritos anteriormente contrariam os princípios gravados na
Constituição, sendo incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro do
cargo de chefe de Estado”. Lando conclamava as instituições à ação: “Pressinto
um novo arrebol de decência no destino da pátria”.137 Ao qualificar as
condutas do presidente como violação a um dispositivo específico da Lei do
Impeachment, o relatório deu aos denunciantes o fundamento que
procuravam para a acusação por crime de responsabilidade.138 Collor nunca
deixou de acusar a mudança de foco nos trabalhos da , que se voltou mais
para ele do que para  Farias, como um artifício político manuseado por
Lando para ensejar seu afastamento.139

A pressa: o procedimento na Câmara

A trilha jurídica que levou ao impeachment de Collor teve grande participação


da elite da advocacia brasileira do período. Não apenas porque a denúncia foi
assinada por dois advogados, Barbosa Lima Sobrinho (pela ) e Marcello
Lavenère Machado (pela ), mas porque a estratégia acusatória e processual
foi inteiramente concebida por um consórcio de notáveis juristas. Versões
preliminares da petição de denúncia foram apresentadas ao grupo por Miguel
Reale Jr.,140 Fábio Konder Comparato, Raymundo Faoro e Clóvis
Ramalhete.141 Segundo recordou Evandro Lins e Silva, principal advogado da
acusação no Senado Federal, houve reuniões para debater a forma final do
texto na casa de Márcio Thomaz Bastos, em São Paulo, onde “talvez houvesse
uns vinte advogados presentes”.142 Nessas reuniões é que se decidiu que os
denunciantes seriam o presidente da  e o presidente da ,143 como
pessoas físicas, embora a redação final da petição tenha sido dada por Evandro
Lins e Silva, Fábio Konder Comparato, Sérgio Sérvulo da Cunha, Paulo
Cavalcanti Filho e Marília Muricy.144
A denúncia foi apresentada por uma comitiva de advogados aos presidentes
da Câmara, Ibsen Pinheiro, e do Senado, Mauro Benevides. No dia em que a
peça foi protocolada, os denunciantes partiram em uma “caminhada cívica”
desde a sede da  em Brasília até o Congresso Nacional. Foi uma cerimônia
cheia de pompa: mais de mil pessoas estiveram presentes no salão verde da
Câmara para assistir ao discurso do denunciante Barbosa Lima Sobrinho.145
Ibsen Pinheiro prometeu uma tramitação rápida na casa, enquanto Collor
acusava o Congresso de querer cassar sumariamente seu mandato.146
No dia seguinte, o presidente da Câmara apressou-se em tomar duas
providências exigidas pela Lei do Impeachment: leu a denúncia em plenário e
passou a articular os nomes para compor a comissão especial que daria um
parecer sobre a acusação, observada a representatividade dos partidos. A essa
altura, as últimas lideranças de expressão que ainda davam algum apoio a
Collor distanciaram-se abertamente do governo: o  de  anunciava que
não obstruiria o impeachment, enquanto Brizola insistia na renúncia e
criticava a “teimosia” do presidente.147 O ministro da Justiça, Célio Borja, fazia
coro ao governador fluminense: “Renúncia não é ato de covardia”.148
Uma semana depois, no dia 8 de setembro, Ibsen Pinheiro definiu um “rito
sumário” para o julgamento, dando a Collor apenas cinco sessões para
apresentar sua defesa à comissão. A decisão veio no dia seguinte ao desfile do
feriado da Independência, quando o presidente foi recebido pelos presentes
com gritos de “Fora Collor!”. Além do prazo apertado, o rito estabelecia que o
presidente poderia apenas enviar uma resposta escrita à acusação: qualquer
produção de provas, como a oitiva de testemunhas, deveria ser guardada para
a fase propriamente processual do impeachment, que ocorreria no Senado.
Ibsen anunciou também que a votação para autorizar o processo seria nominal
e aberta, e prometeu que a casa finalizaria sua parte dos trabalhos até o final
do mês de setembro. Collor acusava de “golpe” as formalidades divulgadas por
Ibsen.149
O rito da Câmara deu ensejo às únicas intervenções judiciais na tramitação
do impeachment no processo contra Collor: a primeira em uma decisão
cautelar proferida no dia 10 de setembro e a segunda no julgamento final da
ação, no dia 23 do mesmo mês, ambas no  21 564. Nesse mandado de
segurança, o  fixou pontos importantes sobre a recepção da lei no
1079/1950 pela Constituição de 1988. O tribunal confirmou que o papel da
Câmara era meramente autorizativo, e que o processo e julgamento
propriamente deveriam ocorrer perante o Senado. Porém, embora fosse em
essência político, o procedimento na Câmara deveria assegurar ao presidente o
direito constitucional à ampla defesa, razão pela qual o  estendeu de cinco
para dez sessões o prazo para apresentação da defesa à comissão especial. O
Supremo ainda confirmou a validade do artigo 23 da lei no 1079/1950, que
exigia votação nominal (isto é, voto individual e aberto) na Câmara, como
queria a oposição, e não votação fechada, como pedia Collor. Isso significava
que os deputados que estivessem dispostos a defendê-lo deveriam fazê-lo
abertamente, algo muito custoso em se tratando de alguém tão impopular.
Finalmente, o tribunal rejeitou a alegação de que a Lei do Impeachment teria
sido revogada pela emenda parlamentarista de 1961, decidindo que ela fora
readmitida à ordem jurídica (“repristinada”) pela emenda de 1963, que
reinstituiu o presidencialismo após um plebiscito no governo de João
Goulart.150 O julgamento da ação fez parte de um esforço do  para deixar o
terreno limpo de dúvidas jurídicas o mais rapidamente possível, e foi acertado
entre Ibsen Pinheiro, Sydney Sanches, o então presidente do , e Célio
Borja.151 A sessão de julgamento do  21 564 foi transmitida ao vivo pelas
redes de , por autorização especial do presidente do .152 O evento era
excepcional, pois não havia  Justiça à época.
A comissão especial da Câmara trabalhou entre 8 e 24 de setembro de 1992,
quando foi votado e aprovado o parecer do relator Nelson Jobim — tramitação
espantosamente célere (a fase equivalente do impeachment de Dilma Rousseff
durou quatro meses, de dezembro de 2015 a abril de 2016). Na comissão, a
defesa de Collor contestou a validade da denúncia: segundo os advogados, ela
havia sido redigida em termos muito genéricos, incapazes de serem
especificamente rebatidos, e portanto incompatíveis com o direito de defesa
do presidente. Por isso, diziam eles, a denúncia era inválida (“inepta”) e devia
ser rejeitada.153 Anos depois, Nelson Jobim recordou-se de que a denúncia não
era mesmo a melhor:

A denúncia foi muito malfeita. […] É aquela coisa. Sentaram dez juristas para fazer uma denúncia […],
aquele pessoal que nunca fez uma denúncia na vida. […] Denúncia, quem faz é promotor. […]
Fizeram uma espécie de um discurso. […] Tivemos que fazer ou refazer a denúncia, dentro da
Comissão de Justiça, em que eu fui o relator.154

Talvez Jobim, que tampouco foi promotor alguma vez na vida, estivesse
apenas valorizando o papel de sua relatoria.155
Nelson Jobim fez sua parte para cumprir a promessa de Ibsen Pinheiro de
que a autorização da denúncia contra Collor seria votada até o final de
setembro: todas as medidas para a produção de provas solicitadas pela defesa
foram negadas, sob a justificativa de que elas deveriam ser produzidas no
Senado, onde o presidente seria julgado.156 O parecer alegou que o
indeferimento, isto é, o não acolhimento dos pedidos, se impunha para que a
Câmara não invadisse a competência do Senado, o que não faz sentido: assim
como a polícia não invade a competência do Judiciário quando ouve a vítima e
as testemunhas do crime na fase de inquérito, nada haveria de invasão em a
Câmara ouvir testemunhas ou analisar documentos (no caso de Dilma
Rousseff, essas oitivas aconteceram).157 Assim, o parecer seguiu para discussão
no plenário da Câmara na última semana de setembro de 1992. No dia 29, a
Câmara autorizou o processo de Collor pelo Senado, por maioria
avassaladora: 441 votos a favor, 38 contra e uma abstenção. O presidente não
compareceu aos debates nem enviou alguém para falar em seu nome.

A indefinição: os primeiros passos no Senado

Tão logo o impeachment deslocou-se para o Senado, os denunciantes


constituíram dois advogados de acusação: Evandro Lins e Silva, lendário
criminalista e ex-ministro do  cassado pela ditadura militar (e que
coincidentemente fora colega de faculdade do pai de Collor); e Sérgio Sérvulo
da Cunha, advogado de destaque na  paulista. Um terceiro, Fábio Konder
Comparato, juntou-se à dupla apenas nas etapas finais do caso, logo antes da
sessão de julgamento no Senado, embora viesse participando do impeachment
desde seus preparativos.
Na manhã de 30 de setembro de 1992, quando os senadores chegaram para
trabalhar, os jornais do dia tratavam a autorização da Câmara como se ela
implicasse, por si só, o afastamento do governante: “Collor está fora do
poder”, noticiou O Globo; “Câmara depõe Collor em decisão histórica” foi o
subtítulo da manchete da Folha de S.Paulo; e O Estado de S. Paulo estampou
“Collor fora” em letras imensas. Não era isso, porém, que dizia a Constituição:
“O presidente ficará suspenso de suas funções: […] nos crimes de
responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal”.158 Se
na redação original da lei no 1079 o afastamento cautelar é de fato previsto
para após a votação na Câmara dos Deputados, a Constituição de 1988
empurrou-o um pouco mais para a frente, para o ato de instauração do
processo no Senado.159 Nas reportagens, os jornais efetivamente explicavam
que o afastamento de Collor era fato consumado, embora faltassem etapas
jurídicas a se cumprir: O Globo esclarecia que o mandato do presidente havia
“praticamente” terminado, cumprida a etapa da Câmara,160 e a Folha
anunciava que ele seria afastado do cargo no próprio dia 30, “assim que [fosse]
notificado da instauração do julgamento no Senado”.161 Mas as coisas não
foram assim tão simples.
No próprio dia 30, os senadores mostraram ter dúvidas sobre o momento a
partir do qual se daria, enfim, o afastamento provisório do presidente: quando
ocorria, afinal, a “instauração do processo” de que falava a Constituição?
Bastava a eleição da comissão especial de impeachment no Senado? Ou seria
necessário também notificar Collor para que a suspensão se efetivasse? Deveria
haver algum ato decisório de recebimento da denúncia, como acontece em um
processo criminal? Nesse caso, quem deveria executá-lo era o presidente do
Senado ou o do ? Todos tinham pressa, mas o regimento interno da casa
dificultava as coisas: seu artigo 380 sugeria um caminho demorado, pois jogava
a decisão sobre o recebimento da acusação, da qual dependiam a “instauração
do processo” e o consequente afastamento temporário do presidente, nos
termos da Constituição, para depois da conclusão do parecer da comissão
especial, que poderia demorar semanas. A dúvida existia também no , onde
os ministros se debruçavam sobre a Constituição, a lei no 1079 e o regimento
interno do Senado mesmo antes de Sydney Sanches assumir a presidência do
julgamento.162
O presidente do Senado, Mauro Benevides, esclareceu que a mesa diretora
da casa havia chegado à conclusão de que o afastamento de Collor dependeria
de sua citação,163 isto é, da comunicação formal ao acusado de que o processo
contra ele havia sido autorizado e passaria a tramitar, mas que para tanto seria
necessário ao menos um parecer preliminar da comissão especial de
impeachment, em obediência ao que mandava o regimento.164 Indicados os
membros da comissão pelo critério de representação partidária, o senador
Nelson Carneiro foi incumbido de arregimentá-los rapidamente: deu-lhes
quinze minutos para que se encontrassem na sala de trabalhos do
colegiado.165
Enquanto a comissão organizava o início de seus trabalhos, os senadores em
plenário ficaram apreensivos com a indefinição dos próximos passos. Queriam
saber quando, exatamente, Collor seria afastado, pois estavam sendo
insistentemente cobrados para fornecer a data e o horário precisos em que a
presidência passaria para as mãos do vice. A mesa diretora esquivava-se da
resposta, pois havia dúvidas: não estava claro se, com o relatório da comissão
especial em mãos, Collor poderia ser suspenso por ato do presidente do
Senado, ou se esse seria já o primeiro ato do processo, que caberia, portanto,
ao presidente do  (que, pela Constituição, deve presidir as sessões e a
condução do processo de impeachment no Senado como um todo). A pressa
tomou conta dos senadores: José Paulo Bisol, do , sugeriu que Benevides
telefonasse para o ministro Sydney Sanches e o convidasse a comparecer ao
Senado, para assinar logo o que fosse preciso, naquele dia mesmo. “Estamos
empurrando para a frente o que poderia estar feito já hoje”, protestou. “Em
trinta minutos fazemos o despacho, encaminhamos a citação e suspendemos o
presidente da República das funções presidenciais.” Um colega então avisou:
“Parece que o presidente do Supremo está no Senado!”.166 Outro senador
chegou a cogitar que todo o trabalho da comissão especial corresse à revelia de
Collor, naquela tarde mesmo, para que ele pudesse ser imediatamente julgado,
mas foi alertado de que isso colocaria todo o processo sob risco de nulidade.167
Enquanto isso, a comissão especial do Senado trabalhava acelerada. No
tempo de uma partida de futebol, seus membros produziram um documento
de dois parágrafos, escrito pelo senador paraibano Antônio Mariz — um ex-
promotor de justiça que fora eleito relator do colegiado —,168 uma espécie de
pré-parecer da comissão especial, que se limitava a dizer que a Câmara havia
autorizado o processo e que tudo parecia formalmente regular até ali. Esse
parecer preliminar seria votado e, se aprovado, Collor seria intimado e
temporariamente afastado da presidência da República.169 Na sequência, o
trabalho da comissão especial seguiria seu curso, com a produção de provas
inerente ao processo de impeachment, mas já com Itamar empossado. O
presidente da comissão, senador Élcio Álvares, considerou a proposta de Mariz
uma forma “óbvia e natural” de acelerar o andamento das providências
necessárias.170 Foi o modo que os senadores encontraram de agilizar o
afastamento do presidente sem ignorar o artigo 380 do regimento interno do
Senado. O parecer foi aprovado no dia 1o de outubro.171
O próximo passo era intimar Collor, para que seu afastamento temporário
se consumasse. Por sugestão do senador Eduardo Suplicy, o teor do mandado
de intimação deixou claro que o acusado poderia acompanhar todas as sessões
de trabalho da comissão especial, ou mandar representante que o fizesse.172
Surgiu uma nova dúvida, dessa vez sobre quem deveria assinar a intimação a
Collor — Benevides, como presidente do Senado, ou Sanches, como
presidente dos trabalhos do processo de impeachment? O novo impasse
motivou o senador Mário Covas, de São Paulo, a fazer um protesto furioso
contra Benevides, que deixara pontos tão elementares para serem decididos de
última hora.173 Mas para outros senadores a relativa demora da mesa diretora
pareceu proposital: um jogo de cena em benefício de Itamar Franco. O
senador José Richa especulou que Itamar fora surpreendido pela rapidez com
que o procedimento caminhara até ali, e que por isso “estaria desejando um
pouco mais de tempo para tomar posse”. Sustentou que Itamar tivera postura
ética de não montar ministério enquanto pendente o julgamento de Collor, e
por isso, talvez, a aparente procrastinação de Benevides servisse para lhe dar
tempo de definir ao menos uma parte de seu gabinete.174 Anos depois,
Fernando Henrique Cardoso contou que de fato Itamar estava relutante em
assumir a presidência quando o afastamento de Collor se tornou iminente.175
Benevides não estava em plenário para ouvir o protesto de Covas contra sua
relutância, pois saíra pouco antes para almoçar com o presidente do .
Sydney Sanches chegou ao Senado informando que o Supremo fizera o que os
senadores não haviam feito: definira o rito do julgamento de maneira clara e
objetiva. Ele portava um documento detalhando, passo a passo, as regras do
processo. O rito havia sido escrito principalmente pelo ministro Celso de
Mello, outro ex-promotor de justiça, como Antônio Mariz, e validado junto
aos demais ministros.176 A sequência de atos desdobrava o julgamento perante
o Senado em duas partes: uma fase de acusação e outra de julgamento.177
Tanto quanto possível, o rito procurava deixar claro que o julgamento do
impeachment deve ser, de fato, um julgamento. Não apenas pelas
oportunidades de manifestação das partes e pelas oportunidades de defesa,
mas pela exigência da preservação de um mínimo de aparência de
imparcialidade objetiva. Esse elemento ficava evidente no ponto em que o rito,
em conformidade com a lei no 1079, proibia que participasse do juízo qualquer
senador que incidisse nas vedações do artigo 36 da lei, segundo o qual não
poderia atuar como juiz da causa um membro do Senado que tivesse
parentesco em linha reta com o acusado ou tivesse sido testemunha em fase
anterior no processo.178 Os advogados de Collor chegaram mesmo a
questionar a imparcialidade de um dos senadores para julgá-lo: Divaldo
Suruagy, do , que havia afirmado publicamente ser “adversário declarado”
de Collor. No  21 623, relatado pelo ministro Carlos Velloso, o  rejeitou o
pedido da defesa para que Suruagy fosse impedido de participar do
julgamento. Segundo os ministros, a lei no 1079/1950 era mais restrita do que
os códigos de processo civil e penal, e nem tudo aquilo que gerava suspeição
acerca de juízes comuns deveria valer para senadores. Para o Supremo, a lei
reconhecia que senadores, mesmo quando juízes, não deixavam de ser agentes
políticos, e podiam se portar como tal: hipóteses de suspeição judicial, como
amizade íntima ou inimizade pessoal, não se aplicam.179 Esse entendimento
foi referendado pelo tribunal no impeachment de Dilma Rousseff, na Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental () 378.
O rito entregue por Sanches, então, era uma carta de fiança do : “Se esse
roteiro for seguido, eu prometo aos senhores que o Supremo não derrubará
nenhuma decisão”.180 Na volta do almoço, às 14h30, Benevides informou aos
senadores que Fernando Collor de Mello e Itamar Franco seriam intimados no
dia seguinte, 2 de outubro, na parte da manhã, o primeiro para responder às
acusações e tomar ciência de seu afastamento do cargo, o segundo para
assumir interinamente a presidência da República até o final do processo de
impeachment. A citação foi efetivada no dia seguinte, às 10h20, quando o
presidente da República recebeu cópias das 927 páginas que compunham o
processo àquela altura.

A Comissão Especial do Senado: estratégias e embates

Com as questões processuais definidas e o presidente intimado e afastado, o


julgamento pôde prosseguir para a fase de produção de provas perante a
comissão especial do Senado. Ao advogado José Guilherme Villela, que vinha
representando o presidente desde o começo do procedimento na Câmara,
juntou-se Antônio Evaristo de Moraes Filho, então expoente máximo de uma
família de notórios advogados criminalistas. Em lados opostos do processo,
Evaristo e Evandro Lins e Silva reeditariam o célebre confronto que havia
marcado suas carreiras anos antes, no julgamento de Raul “Doca” do Amaral
Street, assassino confesso de Ângela Diniz, defendido por Evandro e acusado
por Evaristo.
Collor chegou a se defender perante a comissão especial do Senado, por
meio de seus advogados. Insistiu nas alegações de prejuízo a seu direito de
defesa, fosse porque não estavam claras desde o princípio as acusações contra
ele, fosse porque a defesa não tivera, na comissão especial da Câmara, chance
de avaliar os documentos em que a acusação se baseava, isto é, as provas que
serviram de base ao relatório do senador Amir Lando na . A defesa de
Collor recebera esses documentos apenas após a autorização da Câmara para
que se instaurasse o processo contra o presidente — quando, a bem da
verdade, seu afastamento era fato quase consumado, dependendo apenas dos
ritos burocráticos para efetivar sua intimação, apressadamente decididos no
dia 1o de outubro no Senado.
A defesa de Collor sustentava ainda que o presidente estava sendo afastado
não por qualquer crime de responsabilidade definido na Lei do Impeachment,
mas por mera perda de apoio político. Tal providência, sustentavam seus
advogados, era incompatível com o presidencialismo brasileiro e configurava
verdadeiro “golpe parlamentar”.181 Collor também argumentava que a
denúncia era pouco clara, impossibilitando sua defesa. A despeito das já
mencionadas críticas de Nelson Jobim à denúncia apresentada pelos
presidentes da  e da , essa alegação era infundada: a denúncia havia,
sim, imputado ao presidente um grande conjunto de fatos específicos, tirados
dos resultados públicos e notórios das investigações da ; e havia afirmado
que esses fatos implicavam quebra de decoro presidencial, em um sentido
reconhecido do termo “decoro”: o presidente recebera vantagens indevidas,
fora conivente com o tráfico de influência praticado por  Farias (e se
beneficiara dele) e mentira ao povo brasileiro e às instâncias de controle ao
oferecer justificativas falsas para aqueles fatos, o que implicava tanto omissão
em relação a seu dever legal de zelar pela moralidade na administração pública
quanto ações incompatíveis com dignidade, honra e decoro do cargo. A Collor
restava sustentar ou que os fatos eram falsos, ou que não tinha
responsabilidade por eles, ou que não configuravam indignidade, desonra e
quebra de decoro presidencial. Se isso parecia impossível diante das
comprovações, não era por falha na redação da denúncia.
A defesa de Collor tentou aproximar o julgamento do impeachment de um
julgamento criminal. Essa é uma estratégia comum em defesas de autoridades
acusadas no Brasil e no exterior,182 uma vez que processos criminais deveriam
ser mais protetivos em relação aos réus, o que em tese beneficiaria os réus.
Essa alegação tampouco tinha fundamento, já que a instância política do
impeachment não se confunde com as outras, cíveis ou criminais. O papel do
impeachment é estritamente proteger as instituições constitucionais, e não
castigar a autoridade acusada; seus crimes de responsabilidade podem ou não
configurar também delito comum. O caso de Fernando Collor de Mello, aliás,
é exemplar disso: como já foi dito, ele foi condenado pelo Senado mas
absolvido, anos depois, pelo  quanto à imputação de corrupção,183 o que
em nada afeta a legitimidade de seu impeachment.
Em sua manifestação perante a comissão especial no Senado, a acusação
argumentou que o presidente havia violado dois dispositivos específicos da lei
no 1079/1950. Por sua complacência com o tráfico de influência praticado por
 Farias, foi acusado de cometer o crime de “permitir, de forma expressa ou
tácita, a infração de lei federal de ordem pública” (art. 8o, no 7). Já pela espiral
de mentiras e fraudes em que se metera para tentar justificar suas relações
financeiras com o empresário alagoano, foi acusado do crime de “proceder de
modo incompatível com a honra, a dignidade e o decoro do cargo” (art. 9o, no
7). Esses foram os dois dispositivos da Lei do Impeachment em que se
fundamentou, juridicamente, o afastamento de Fernando Collor de Mello.
Collor não compareceu ao seu interrogatório na comissão especial do
Senado. Limitou-se a contar com os depoimentos de testemunhas, muitas das
quais eram ou haviam sido seus ministros. Marcílio Marques Moreira
(Fazenda) deu trabalho à comissão, pois estava fora do Brasil em
compromissos profissionais, em lugar não precisamente sabido pela defesa.
Quando veio a informação de que ele retornaria ao Brasil em duas semanas,
ou talvez até depois disso, a defesa insistiu em ouvi-lo, sob protestos da
acusação. Sydney Sanches resolveu o impasse aplicando o artigo 405 do
Código de Processo Penal, que dá à defesa o direito de substituir testemunhas
que não tenham sido encontradas, mas não de paralisar o andamento do
processo caso não queira realizar a substituição.184 Marcílio Marques Moreira
não depôs em defesa de Collor.

N    S, dois lances do embate entre Evandro


Lins e Silva e Evaristo de Moraes chamaram a atenção de todos. Em 4 de
novembro, os acusadores dispensaram o depoimento de Paulo César Farias.
Uma vez que ele estava arrolado como testemunha da acusação, mas não da
defesa, a dispensa significava que ele não falaria perante os senadores. O
senador Mário Covas protestou: “Não pode, eu quero ouvir esse sujeito, você
não pode fazer isso!”. Evandro voltou-se para Covas, sentado atrás dele, e
retrucou com segurança: “Olhe, você entende de política, agora, disto aqui,
quem entende sou eu”. Evandro estava convencido de que  Farias mudaria
radicalmente a linha das declarações que até então vinha dando sobre o caso:
achou que ele confessaria os delitos, assumiria toda a culpa e tentaria isentar
Collor de qualquer responsabilidade. Uma entrevista de  na véspera lhe dera
essa sensação. Desistir de ouvi-lo como testemunha impediu que essa versão
chegasse ao processo por qualquer meio de prova. “Estou absolutamente
convencido de que eu tinha razão nas minhas premonições”, lembrou o
advogado anos depois.185 A vantagem pendia toda para o lado da acusação,
com Collor afastado e a opinião pública sedenta por condenar o presidente.
Um experiente advogado como Evandro Lins e Silva não tinha motivos para
correr riscos desnecessários.
O segundo lance de destaque foi a virulenta intervenção dos advogados de
acusação contra a impugnação, apresentada pela defesa, da credibilidade do
depoimento da testemunha Sandra Fernandes de Oliveira,186 a secretária que
narrara a fraude dos contratos forjados da “Operação Uruguai”. Evaristo de
Moraes Filho sustentou que Sandra, como secretária, tinha dever de guardar
segredo, tal qual um advogado em relação ao cliente, ou um psiquiatra em
relação ao paciente, e que por isso seu depoimento não poderia ser utilizado
como prova contra Collor. O depoimento de Sandra era crucial, pois provava
que o presidente havia mentido e fraudado documentos para enganar a 
que investigava  Farias; essa era a base da acusação de quebra de decoro
presidencial.
Lins e Silva reagiu duramente, usando termos até mesmo ofensivos em
relação a Evaristo de Moraes Filho: chamou o expediente de “manobra
profissional hábil e inconsistente”, que visava a ocultar o “mar de lama que
envergonhou o país”. Para ele, querendo desacreditar a imagem pública de
Sandra perante o país, Moraes Filho invocava uma contradita grotescamente
impertinente — e de fato era, pois não há prerrogativa de sigilo profissional
para secretárias. Em outra ocasião, Lins e Silva foi embora da sessão negando
o aperto de mão oferecido pelo colega. A linguagem inflamada e a postura
desafiadora lhe renderam críticas de outros advogados, mas serviram também
para elevar a temperatura do processo, que havia esfriado com as nem sempre
emocionantes oitivas de testemunhas.187 Anos depois, Evandro alegou que
fizera tudo de caso pensado: o duelo inflamado entre dois notáveis
criminalistas rendia um atrativo adicional ao julgamento naquela fase
entediante.188
Em sua última manifestação na comissão especial, a acusação insistiu
pesadamente na tese da violação à dignidade, à honra e ao decoro do cargo.
Não apenas porque Collor era um homem dado a “excentricidades”, adepto
de um “discurso enganador e demagógico” e alimentado por “publicidade
narcisista”, mas sobretudo pelo recurso insistente à mentira: “Mentiu, sem
dúvida, mentiu”.189 Os denunciantes traçaram um paralelo com o escândalo
de Watergate, lembrando que Nixon, por ter mentido, fora forçado a
renunciar pela iminência de um impeachment. A acusação foi beneficiada pela
ação da , que logo na sequência denunciou Collor por corrupção passiva e
formação de quadrilha.190 Em resposta, a última manifestação da defesa do
presidente insistiu na parcialidade de diversos senadores, além de apontar que
o objeto da acusação mudara desde a fase da Câmara.191
O parecer da comissão especial, escrito pelo senador Antônio Mariz, foi
aprovado no plenário do Senado em 2 de dezembro de 1992. Embora para
essa votação bastasse a aprovação da maioria simples dos senadores, o placar
mostrou que a maioria qualificada exigida para a condenação por crime de
responsabilidade seria atingida com folga: 67 senadores, treze a mais que os
dois terços exigidos, votaram contra Collor, e apenas três votaram a seu favor.
Ao presidente restavam duas alternativas: a renúncia e a procrastinação.

A forma final da acusação

O libelo acusatório, peça final da acusação contra Collor, foi apresentado em 3


de dezembro de 1992.192 A principal imputação era de que Collor havia
procedido “de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do
cargo”193 porque mentira à nação nas explicações sobre sua relação financeira
com  Farias, e também porque se envolvera com um traficante de
influências em sua administração, tirando vantagens pessoais desse
relacionamento. A peça acusava Collor de ter buscado ludibriar as
investigações por meio de transações clandestinas e fraudes documentais, a
exemplo da chamada “Operação Uruguai”. Ainda apontava que o presidente
havia permitido, por seu apadrinhamento de  Farias, “infração de lei federal
de ordem pública” (art. 8o, no 7): mesmo sabendo das negociatas do amigo,
não tomara qualquer medida para impedi-las. A acusação insistiu que a
complacência de Collor com as negociatas de  havia sido fundamental para
que o empresário alagoano cometesse crimes como exploração de prestígio e
corrupção ativa.
O presidente tentou duas últimas cartadas: um mandado de segurança no
, o já mencionado  21 623, e uma renovação do pedido de perícia na
Casa da Dinda, onde o presidente morava, recusado pelo ministro Sydney
Sanches. No ato de indeferimento desse pedido, Sanches designou a sessão de
julgamento para as nove horas da manhã do dia 22 de dezembro de 1992.
O escrivão Guido Faria de Carvalho foi à Casa da Dinda entregar a Collor a
intimação para o derradeiro ato de seu processo. Foi recebido por um militar
que fazia a guarda presidencial, que lhe informou que Collor estava em casa
mas não poderia receber a notificação. O escrivão foi orientado a telefonar e
agendar para outro dia uma audiência com o presidente afastado. Carvalho
então fez contato com o Senado, onde estava o advogado de Collor, José
Guilherme Villela, que lhe avisou que já havia assinado a intimação.194 Com
isso, o recibo do presidente tornava-se dispensável, e o processo pôde seguir
sua marcha.
A tentativa de Collor de escapar à intimação como um devedor que se
esconde do oficial de justiça acendeu a luz amarela para a acusação: o
presidente faria de tudo para adiar o julgamento, contando, talvez, com o
arrefecimento da pressão pública por sua condenação durante o recesso de
final de ano que se aproximava. A insistência na perícia da Casa da Dinda, uma
providência demorada, igualmente sugeria uma estratégia de procrastinação.
Em resposta, a acusação, visando a abreviar o processo e convencida de que a
demora só beneficiaria o presidente, dispensou todas as testemunhas que havia
arrolado para o julgamento. No dia 22 de dezembro, data designada para a
sessão, compareceram todos ao Senado — menos o acusado e seus advogados.
Na noite anterior, Evaristo de Moraes Filho e José Guilherme Villela haviam
comunicado ao ministro Sydney Sanches que Collor os destituíra, em uma
última manobra para adiar a sessão de julgamento. Na carta de destituição, o
presidente afastado teve o cuidado de determinar que eles não comparecessem
ao julgamento. Sydney Sanches convidou os dois advogados a assumirem o
caso como dativos, advogados nomeados pelo próprio juiz para defender um
acusado que deixou de escolher seu próprio defensor, uma vez que
sabidamente gozavam da confiança de Collor. Eticamente, ambos recusaram o
pedido.
O artifício da destituição de véspera renderia a Collor uma semana a mais
no cargo de presidente (afastado). Enfurecido, Evandro Lins e Silva chamou a
manobra de “chicana sem paralelo na história”.195 O presidente do 
nomeou como dativo o advogado Inocêncio Mártires Coelho, professor de
direito constitucional da Universidade de Brasília e recém-aposentado do
.196 Para lhe dar tempo de preparar a defesa, Sanches redesignou o
julgamento para 29 de dezembro. De última hora, Collor ainda nomeou outro
advogado, o criminalista alagoano José Moura Rocha, que peticionou a Sydney
Sanches na antevéspera de Natal solicitando prazo de trinta dias para estudar o
processo e preparar a defesa. No dia 24 de dezembro, Lins e Silva respondeu
com uma dura petição denunciando mais essa manobra protelatória de Collor.
A data do julgamento foi mantida, e Sydney Sanches astutamente achou um
jeito de se precaver: pediu a Mártires Coelho que comparecesse à sessão do dia
29 preparado para defender Collor, mesmo que este tivesse advogado
constituído. Caso o defensor do presidente não comparecesse, ou também
fosse destituído logo antes da sessão, Mártires Coelho seria nomeado no ato e
faria a defesa. As duas alternativas do presidente agora eram a renúncia e a
condenação.

A renúncia e a teoria das “duas penas”

A sessão de julgamento do dia 29 de dezembro começou com o que parecia


ser mais uma artimanha protelatória de Collor: uma de suas testemunhas não
compareceu ao julgamento, por razões de saúde. A defesa pediu que se
transferisse a oitiva para outra oportunidade, o que foi negado pelo ministro
Sydney Sanches. Tão logo se iniciou o depoimento seguinte, da testemunha
Francisco Roberto André Gross, que fora presidente do Banco Central de maio
de 1991 a novembro de 1992, o advogado de defesa José Moura Rocha
interrompeu-o para um pronunciamento urgente: “Acabo de falar, por
telefone, com o presidente afastado Fernando Collor de Mello. Sua Excelência
pediu-me que entregasse ao presidente do Congresso Nacional o seu pedido
de renúncia ao cargo”. Na sequência, Moura Rocha requereu a extinção do
processo.197 A sessão de julgamento foi suspensa ainda antes das dez horas da
manhã, com retorno anunciado para depois do almoço.
A defesa de Collor amparara amplamente seu pedido nas opiniões de
estudiosos de referência sobre o impeachment. O livro de Paulo Brossard é
categórico: “Se a autoridade […] se desligar definitivamente do cargo, contra
ela não será instaurado processo, e, se instaurado, não prosseguirá”. E
arremata: “O término do mandato, por exemplo, ou a renúncia ao cargo
tranca o impeachment ou impede sua instauração”.198 Nos Estados Unidos, de
onde vem a inspiração para o impeachment presidencial, há exemplos de
autoridades federais que renunciaram poucos dias antes de seus veredtos,
levando à extinção dos processos.199 A lógica dessa opção é que o
impeachment, por se tratar de um processo de defesa das instituições contra
um governante perigoso, perde razão de ser quando este deixa o cargo. Nesse
caso, tudo o mais que eventualmente houver a ser apurado contra ele, na
esfera judicial ou administrativa, em matéria criminal ou não, prosseguirá
pelos ritos comuns, e não pelo caminho excepcional do impeachment, pois o
presidente já fora do cargo não representa mais uma ameaça.
O pedido de Collor gerou alvoroço no Senado: depois de tantos artifícios
protelatórios, parecia impensável que o acusado pudesse escapar da
condenação pública, e principalmente da perda dos direitos políticos, com um
singelo bilhete de renúncia escrito à mão em cinco linhas. Deu-se então a
última polêmica jurídica do caso, talvez a maior de todas. Invocando a
doutrina de Paulo Brossard, que nessa época era ministro do , o advogado
de Collor insistiu que a extinção do processo se impunha porque a “pena
principal”, o afastamento do cargo, estava prejudicada. A inabilitação era
“pena acessória”, disse ele, e nessa qualidade não poderia ser aplicada sem a
principal: “A inabilitação é necessariamente acessória à pena de perda do cargo,
não podendo ser aplicada sem aquela”.200
Pela acusação, Evandro Lins e Silva retrucou alegando que eram duas penas
independentes, embora pudessem ser aplicadas cumulativamente: “Não é
pena acessória, é pena simultânea, é pena concorrente, é pena autônoma”.201
Neste ponto, vale recuar algumas etapas no processo: no libelo acusatório,
apresentado poucos dias antes, a acusação não havia feito qualquer
consideração relativa à aplicação de duas penas em caso de condenação.
Sempre que se falou das consequências da condenação, usou-se “pena”, no
singular, jamais “penas”:

Os denunciantes esperam que o Senado da República, aplicando a Constituição e a Lei de Crime de


Responsabilidade, imponha ao denunciado a pena de perda do cargo com inabilitação por oito anos
para o exercício da função pública, na forma do § único [sic] do art. 52 da Constituição.202

Desde sempre, em todo o processo, a perda do cargo necessariamente


acompanhada de inabilitação por oito anos era tratada como uma e única
consequência de eventual condenação. Foi a renúncia de Collor que fez
Evandro Lins e Silva sutilmente passar a falar em “penas simultâneas” já no
final do julgamento, com o objetivo de construir uma tese jurídica que
respaldasse a inabilitação do acusado.
O ministro Sydney Sanches jogou a decisão para o plenário do Senado. Em
seu entender, a questão se confundia com o próprio mérito do processo, sobre
o qual só o plenário poderia decidir, pois dependia de interpretação sobre a
natureza do impeachment e de sua(s) pena(s). De mais a mais, esclareceu
Sanches, ainda que fosse para se declarar extinto o processo, atendendo ao
pedido da defesa de Collor, só os juízes competentes para a causa, que eram os
senadores, poderiam fazê-lo. Posta a questão em votação pelo Senado, Collor
foi derrotado: aprovou-se a resolução no 101, de 1992, considerando que o
pedido de perda de mandato havia perdido razão de ser, mas impondo pena de
inabilitação ao agora ex-presidente. Ele ainda tentou recuperar seus direitos
políticos no , mas o tribunal reafirmou a tese das duas penas e manteve a
inabilitação por oito anos.203
Qual o saldo dessa polêmica? A conclusão é importante porque a questão da
unidade ou dualidade das penas (ou da pena) no impeachment foi também
relevante no caso de Dilma Rousseff, e seguramente voltará a sê-lo em casos
futuros, principalmente diante da confusão armada na votação do
impeachment de 2016.
A meu ver, a Constituição de 1988 impõe à condenação uma única
consequência, de duplo efeito: perda do cargo com inabilitação por oito anos.
Ela rompeu com a tradição da Constituição de 1946 (vigente quando foi
elaborada a lei no 1079/1950) e com o texto da própria lei, que previam duas
penas — “perda do cargo” e “inabilitação por até cinco anos” — como
consequências nitidamente separadas para a condenação. Assim, o Senado era
obrigado a tomar duas decisões diferentes: primeiro, sobre a absolvição ou
condenação do acusado, com necessária remoção do cargo no último caso;
segundo, sobre a inabilitação e sua duração, caso a primeira votação levasse à
condenação. Mas esse cenário foi alterado pela Constituição de 1988, que
ordena a destituição do cargo “com inabilitação, por oito anos”. Ou seja, uma
pena única. A tese das “duas penas” explica-se mais pelo desejo do Senado de
impor uma sanção a Collor (já que a renúncia necessariamente cancelava
qualquer decisão sobre afastamento), e pela astúcia de Lins e Silva de mudar
sua tese de modo a acomodar esse desejo dos senadores, do que pela lógica do
impeachment ou pelo texto atual da Constituição.
Vale destacar que o rito definido pelo  e entregue a Mauro Benevides
quando o processo chegou ao Senado tampouco cogitava a suposta dualidade
de penas. Segundo o documento, o quesito a ser formulado aos senadores era
único: “Cometeu o acusado os crimes que lhe são imputados, e deve ser ele
condenado à perda de seu cargo e à inabilitação temporária, por oito anos?”.
Se o  tivesse cogitado tratar-se de duas penas distintas, como era a hipótese
da redação original da lei no 1079, e como insistiu a acusação no momento
final do processo, haveria necessidade de uma votação à parte para deliberar
sobre a imposição ou não de inabilitação.
A justificativa das “duas penas”, que permitiu a aplicação autônoma da
inabilitação por oito anos, parece ter sido uma racionalização a posteriori para
evitar que Collor saísse impune do processo. A indagação foi formulada
claramente pelo senador Francisco Chagas Rodrigues, do Piauí, quando a
matéria era deliberada: “Um presidente da República […] pode cometer crime
de responsabilidade e ficar impune tão somente porque, por ato individual,
renunciou ao mandato?”.204 Nas suas memórias, Evandro Lins e Silva
apresentou a mesma justificativa: a tese da dualidade das penas, que permitia a
condenação mesmo em caso de renúncia, tornava-se obrigatória como medida
para evitar a impunidade.205 Esses raciocínios partem de uma premissa
equivocada, pois a absolvição em um processo de impeachment, ou sua
extinção pela renúncia, não significa impunidade, uma vez que nenhum
resultado (condenação, absolvição ou extinção sem julgamento do mérito)
obsta que o presidente seja criminalmente processado se tiver cometido um
delito — exatamente como aconteceu com Collor, que respondeu a um
processo criminal no  por suas relações espúrias com  Farias. Pela mesma
lógica, a condenação em um impeachment não equivale a imposição de pena,
por mais que ela seja pessoal e emocionalmente sofrida para a autoridade que
a vivencie: o afastamento do cargo é um remédio para proteção das
instituições, sobretudo da própria presidência. Punições são assunto para
outros processos, especialmente os criminais, se for o caso.
Isso quer dizer então que o processo contra Collor deveria ter sido extinto
no momento da renúncia? Não necessariamente. Mas decerto havia outros
fundamentos jurídicos que permitiriam a continuidade do julgamento sem a
necessidade de se recorrer à justificativa imprópria da “dualidade de penas”.
Em ações penais relativamente recentes, o Supremo Tribunal Federal passou a
considerar que a renúncia de última hora, apenas para provocar deslocamento
de competência que levaria o caso de volta à primeira instância — e retardaria
sua conclusão, com risco inclusive de prescrição —, constitui abuso de direito
e não impede o julgamento do acusado.206 Isso poderia ter sido feito no caso
de Collor, ajudando a fixar claramente o momento processual até o qual o
direito de renúncia poderia ser exercido (digamos, o agendamento da sessão
final de julgamento no Senado), como o  fez em relação às ações penais.
Outro marco possível poderia ser dado pela própria lei no 1079/1950, que
estabelece que a denúncia não seja recebida caso a autoridade acusada não
esteja mais no cargo207 — o que permitiria o raciocínio, a contrario sensu, de
que abandonar o cargo após o recebimento da denúncia pelo Senado não teria
efeito sobre o processo, que poderia seguir até o final. No cenário legislativo
atual, a interpretação jurídica com melhor respaldo é a de que a leitura da
denúncia na Câmara dos Deputados impede que o presidente evite o
prosseguimento do processo por meio de renúncia. Isso porque uma alteração
legislativa de 2010 modificou a lei complementar no 64 para estabelecer que a
renúncia após “o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar
a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal”
não prejudica o veredicto de inelegibilidade.208
Além de mais fiel à lógica do impeachment, por não assumir um papel
impróprio de punição, e à literalidade do texto constitucional, qualquer uma
dessas alternativas teria evitado que se introduzisse a teoria da suposta
dualidade das penas, que voltaria a gerar muita confusão no impeachment de
Dilma Rousseff.
4. Escândalos e escudos

Itamar Franco: “Escândalo? Escândalo com quem?”1

Quando o presidente Itamar Franco saiu de seu hotel para ir ao camarote da


Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro em 14 de fevereiro de 1994, é
possível que ele tenha imaginado que a noitada lhe renderia muitos frutos —
mas não um pedido de impeachment.
Naquela noite, Itamar, que havia assumido o cargo após a vacância gerada
pela renúncia de Fernando Collor de Mello pouco mais de um ano antes, foi
apresentado a Lilian Ramos, uma das destaques da Escola de Samba Unidos do
Viradouro. A modelo havia mandado beijos para o presidente de cima do
carro alegórico2 e foi levada a seu encontro após o desfile. Itamar e Lilian
passaram a noite dançando lado a lado. Em um certo momento, o presidente
abraçou-a pela cintura. Do asfalto, abaixo do camarote, a imprensa fotografou
o casal fartamente. Itamar usava calça social bege e uma camisa de mangas
compridas verde, de tecido levemente brilhante. Lilian vestia apenas uma
camiseta branca com estampas coloridas que descia até suas coxas, à altura de
uma minissaia. A partir do ângulo do qual foi registrada pelo fotógrafo
Marcelo Carnaval, que acompanhava os festejos de Itamar Franco na Sapucaí
para o jornal O Globo, era possível ver que a modelo estava sem calcinha.
Lilian, que desfilara com um tapa sexo, tinha vestido apenas a camiseta larga
para cobrir o corpo nu antes de ser levada ao encontro do presidente da
República.
No dia 15 de fevereiro, O Globo trouxe a foto de Itamar com as mãos unidas,
como se estivesse em prece, ao lado de Lilian, com o sexo à mostra, dado o
ângulo pela qual fora fotografada.3 Além de Lilian, o evento deu fama a um
até então desconhecido deputado federal, Valdemar Costa Neto, o cupido que
levara a modelo até o presidente.4 O deputado não voltaria a atrair tanta
atenção até 2012, quando foi condenado pelo , no julgamento do
Mensalão, a sete anos e dez meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva
e lavagem de dinheiro.
A foto do presidente ao lado da modelo virou escândalo nacional. A
repercussão nos jornais foi uma aula cruel sobre a diferença entre liberdade e
objetificação. O corpo nu da modelo, que fora aplaudido sobre um carro
alegórico quando serviu à contemplação pública, tornou-se pecado intolerável
no momento seguinte, quando serviu apenas a si própria. Barrada pela Unidos
do Viradouro no desfile das campeãs,5 Lilian antecipou sua volta à Europa,
onde morava, e denunciou a hipocrisia de que fora vítima. A imprensa
internacional repercutiu o fato como algo entre o transgressor e o pitoresco:
enquanto o tabloide inglês Daily Express retoricamente indagou se aquela
deveria ser mesmo a conduta de homens públicos, os âncoras da  riram ao
noticiar a noitada presidencial.6
Nos dias que se seguiram, Itamar Franco veio a público prestar contas à
patrulha da moral e dos bons costumes. Explicou que não era “namorador”
ou “paquerador”, e que não sabia que Lilian estava sem calcinha — e que, se
soubesse, ainda assim não teria uma peça à mão para lhe emprestar. Mesmo
depois de ter sido publicamente exposto por Lilian, que revelara à imprensa
um telefonema em que o presidente se disse “apaixonado”, elogiou-a como
“adorável”. Negou, contudo, que ela fosse a dona de seu coração: “A gente só
se apaixona uma vez”, disse ele, que era divorciado.7
A  , o episódio era um prato cheio para seus
adversários: pelo aspecto moralista da polêmica, o enredo tinha potencial para
se tornar um escândalo público que ocuparia espaço na imprensa. Escândalos
públicos de grande repercussão não são condição de legitimidade jurídica de
um impeachment — nem a Constituição nem a lei no 1079/1950 exigem
indignação popular, denúncias na imprensa ou protestos populares contra um
presidente como condição para sua condenação e afastamento —, mas são
determinantes sociais importantes para qualquer forma, legal ou ilegal, de
interrupção prematura de mandatos presidenciais.8 Para os adversários de
Itamar Franco, não custava tentar.
A denúncia do presidente por sua transgressão momesca foi apresentada à
Câmara dos Deputados pelo jornalista Orlando Machado Sobrinho em 25 de
fevereiro de 1994. A peça argumentava que Itamar não apenas havia aceitado
festejar em um camarote sabidamente mantido “pela nata dos banqueiros do
jogo do bicho”, como também havia incentivado a conduta imprópria de
Lilian Ramos, mulher “sem calcinha, sem sutiã e sem vergonha”. Segundo a
denúncia, ao presidente, como “Magistrado Maior da Nação” — as maiúsculas
são do original — cabia “preservar o pudor público em respeito à sua pessoa, à
sua e à família alheia, ao cargo que exerce e sobretudo à dignidade do poder”.
Com a “insofismável ofensa à família brasileira”, sustentava o acusador, Itamar
havia atentado contra a dignidade, a honra e o decoro do cargo.9
A denúncia contra Itamar Franco não foi adiante: acabou barrada na
presidência da Câmara dos Deputados, então ocupada por Inocêncio de
Oliveira, do . É possível especular sobre razões desse insucesso. Antes de
tudo, deve ficar claro que a conduta de Itamar não configurou crime de
responsabilidade. O atentado à dignidade, à honra e ao decoro do cargo, de
que fala a lei no 1079/1950, é sem dúvida um desvio de moralidade do
presidente, mas não de moralidade privada ou de costumes sexuais, e sim de
moralidade política: a lei não está preocupada com as paqueras de autoridades
em bailes de Carnaval, mas sim com as mentiras e as fraudes que inventam,
ou os crimes que incitam, normalmente em benefício próprio e em prejuízo
das convenções democráticas mais elementares. Não bastasse a falta de base
jurídica, a natureza da alegada transgressão de Itamar Franco não foi do tipo
que normalmente gera quedas de presidentes: mandatários que amargam
impeachments costumam ser envolvidos em grandes tramas de corrupção.10
Em terceiro lugar, o momento da acusação favorecia mais a Itamar do que à
denúncia:11 além de o impeachment de Collor ainda ser recente demais, a
chegada da campanha presidencial de 1994 fez o assunto minguar na imprensa.
Finalmente, tanto a avaliação de Itamar Franco como presidente quanto a
percepção de desempenho da economia brasileira tiveram agudas melhoras
imediatamente após o oferecimento da denúncia: em março de 1994, quando
passaram a valer as primeiras medidas do Plano Real.12 Com esse cenário, e
sem grandes disputas entre a presidência da República e os caciques do
Congresso, tudo jogava contra o sucesso de qualquer das quatro denúncias de
impeachment contra Itamar.13 Isoladamente, escândalos não costumam
derrubar presidências.14
De toda forma, é pedagógico que o episódio da noite ao lado de Lilian
Ramos, dentre todos os seus desdobramentos possíveis, tenha desembocado
também em uma acusação por crime de responsabilidade. Onde houver um
escândalo capaz de atrair atenção da imprensa e do grande público, haverá
uma janela de oportunidade para que adversários do presidente da República
busquem ameaçá-lo com um pedido de impeachment. Com o fim das
ditaduras militares, que impunham rígida censura contra o jornalismo,
políticos passaram a considerar a imprensa, cada vez mais estruturada,
profissional e influente, como variável central nas suas disputas por poder.15 O
caso de Collor, visto no capítulo anterior, é prova dessa força: as denúncias que
levaram a sua queda foram exaustivamente cobertas pela imprensa, e o tiro
fatal que o abateu — as acusações de seu irmão Pedro — foi desferido a partir
de uma revista semanal de grande impacto.

Banqueiros em apuros

Fernando Henrique Cardoso, que se cacifou para a presidência após comandar


a implementação do Plano Real como ministro da Fazenda de Itamar Franco,
terminou seu primeiro mandato, em 1998, reeleito em primeiro turno com
53% dos votos. Venceu em 24 das 27 unidades da federação e em 87% dos
municípios do país.16 Tão logo começou seu segundo mandato, porém, 
promoveu medidas impopulares como parte de um ambicioso programa de
ajuste fiscal. Uma delas foi a alteração da política cambial, pela qual o Banco
Central passou a adotar um regime de bandas que levou a enormes
turbulências já em janeiro de 1999.17 Para não prejudicar a reeleição
presidencial, e principalmente o desempenho eleitoral de governadores,
deputados e senadores aliados, o governo havia guardado silêncio sobre as
medidas que adotaria para promover ajustes nas contas públicas, sabidamente
necessários, caso reeleito.18
A sombra de uma crise econômica, a frustração por dívidas em dólar, cujo
valor em reais saiu de controle, e a sensação de estelionato eleitoral levaram a
popularidade do governo à lona já no primeiro ano do segundo mandato: em
setembro de 1998, pouco antes da reeleição,  tinha 43% de bom/ótimo, e
apenas 17% de ruim/péssimo em medição do Datafolha; um ano depois, o
índice de bom/ótimo não passava de 13%, enquanto o de ruim/péssimo havia
chegado em 56%.19
Além da queda de popularidade, o ajuste cambial promovido pelo Banco
Central foi também responsável por jogar um evento com potencial de
escândalo para dentro do Palácio do Planalto. Algumas instituições financeiras
tinham muitas dívidas em moeda estrangeira e viram-se, do dia para a noite,
incapazes de honrar seus compromissos. Os mais notáveis casos foram os dos
bancos Marka, de Salvatore Cacciola, e FonteCindam, de Roberto Steinfeld e
Luiz Antônio Gonçalves. Alegando o risco de uma crise sistêmica, o Banco
Central realizou uma operação de salvamento dos dois bancos. De acordo
com pareceres que futuramente seriam levados à Justiça Federal pelo , o
Banco Central vendeu dólares aos bancos em apuros por valores muito abaixo
da cotação oficial. Em apenas dois dias, o custo da operação para os cofres
públicos chegou a 8,8 bilhões de reais.20
O salvamento emergencial do Marka e do FonteCindam ecoava uma
política anterior de auxílio governamental a bancos privados, o Programa de
Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro
Nacional (Proer).21 Mas havia uma diferença crucial: no caso do Proer, havia
base legal para as ações do Banco Central, pois o governo havia tomado o
cuidado de editar uma medida provisória que dava respaldo àquela política
pública.22 Já no socorro às pressas aos bancos de Cacciola e
Steinfeld/Gonçalves, não havia norma que especificamente autorizasse a
venda de dólares a valores subsidiados. O caminho regular teria sido liquidar
as duas instituições financeiras. O próprio presidente do Banco Central à
época, Francisco Lopes, reconheceu posteriormente ter agido por impulso:
“Simplesmente coloquei em prática, sem pensar em tudo aquilo que
aconteceria na sequência”.23 O salvamento dos dois bancos rendeu ações cíveis
e criminais às pessoas e às instituições envolvidas. Ele também rendeu uma
, que seria para , como ocorrera com Collor, a propulsora de um
pedido de impeachment presidencial.
E   , por iniciativa do senador Jader Barbalho, do , foi
criada no Senado a chamada “ dos Bancos”.24 A comissão investigou as
relações entre o governo e diversas instituições financeiras, especialmente as
suspeitas de favorecimento a algumas delas, como Marka e FonteCindam,
através da antecipação de informações sigilosas. O principal suspeito de vazá-
las era Francisco Lopes, o ex-diretor e então presidente interino do Banco
Central.25
Em paralelo à , a  conduzia um uma investigação criminal sobre o
caso, para apurar a prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.
Dessa investigação partiu uma ordem para a busca e apreensão de
documentos na casa de Francisco Lopes, cumprida na manhã de 16 de abril de
1999, quando ele já havia deixado a presidência do Banco Central.26 No
mesmo dia houve operação semelhante na casa de Salvatore Cacciola, onde
um procurador da República informou ter encontrado um bilhete de Lopes ao
banqueiro.27
Foi então que o governo de  decidiu entrar na briga: o ministro da
Justiça, Renan Calheiros, ex-aliado de Collor e líder do  na Câmara
durante o breve governo de seu conterrâneo de Alagoas, avisou que
considerava ilegais as formas como estavam sendo cumpridas diligências nas
casas de diretores do Banco Central e ordenou à  que não participasse mais
das operações.28 O próprio  protestou publicamente contra a ação policial
na casa de Francisco Lopes.29 Ainda, o presidente e seu ministro da Justiça
concordaram em substituir o superintendente da  no Rio de Janeiro, onde
corriam as investigações.30 No Senado, onde o governo tinha boa maioria,
ocorreu o que Carlos Heitor Cony chamou de “Operação Abafa”, conjunto de
medidas para diminuir os impactos das investigações.31 Além de mandarem o
óbvio recado de que os investigados não seriam abandonados pelo governo, as
reações eram uma exibição de força política do Planalto.
A  foi concluída no final de 1999, apontando a ilegalidade das ações de
diretores do Banco Central.32 Banqueiros e agentes públicos foram acusados
de crimes e responderam a processos na Justiça Federal.33 O governo
sobreviveu, no final, mas a “ dos Bancos” inaugurou a era dos escândalos
sob a qual se desenrolou todo o segundo mandato de Fernando Henrique
Cardoso: da privatização das empresas públicas de telefonia às ações do
secretário particular do presidente, Eduardo Jorge Caldas Pereira, foram
muitas as tentativas de emplacar denúncias contra a presidência da República.
Com popularidade decrescente e cercado de denúncias, a ameaça de
impeachment rondou  ao longo de todo o seu segundo mandato.

Duas denúncias contra FHC

Em resposta ao escândalo dos bancos e à “Operação Abafa” capitaneada pelo


governo, o deputado petista Milton Temer ofereceu denúncia acusando o
Ministério da Justiça de obstruir investigações e o presidente de cometer crime
de responsabilidade por manter Renan Calheiros no cargo, por “não tornar
efetiva a responsabilidade dos seus subordinados” (lei no 1079/1950, art. 9o, n.
3).34 Esse dispositivo da Lei do Impeachment é a salvaguarda constitucional à
discricionariedade presidencial na nomeação e demissão de ministros: se nem
o Congresso nem o Judiciário podem nomear ou demitir ministros em lugar
do presidente, ao menos ele pode ser responsabilizado por manter no cargo
ministros que atentem contra a Constituição através das instituições sob seu
comando.35
A Câmara dos Deputados era presidida por Michel Temer, do , que
rejeitou a denúncia por considerar que os fatos narrados “não constitu[íam]
evidentemente crime”.36 Contra a decisão, três deputados do  — o
denunciante Milton Temer, juntamente com José Dirceu e Arlindo Chinaglia,
ambos de São Paulo — apresentaram recurso ao plenário da Câmara. Escrito
em linguagem de apelação criminal, ele argumentava que a denúncia narrava
fato “típico e antijurídico”, e que havia indícios suficientes de autoria e
materialidade que autorizavam o prosseguimento da causa. A aproximação
com uma denúncia criminal pode ter sido estratégica, pois era difundida a
opinião de que, em casos duvidosos, os processos criminais deveriam ser
iniciados e os fatos, investigados. Havia três respostas possíveis ao recurso: a
primeira, defendida pelos denunciantes, era o encaminhamento da acusação a
uma comissão especial de impeachment. A segunda, preferência dos
governistas, era rejeitá-la desde logo. A terceira, que se pode dizer
intermediária, era esperar a conclusão das investigações que estavam em
curso, a exemplo da  dos Bancos, para então decidir se havia ou não
indícios de crime de responsabilidade contra o presidente. Na prática, a
segunda e a terceira posições levavam à rejeição do recurso e favoreciam .
O recurso foi votado em 19 de maio de 1999. Posicionaram-se contra ele
alguns deputados independentes, como Fernando Gabeira, do  — “Não me
identifico nem com oposição, nem com governo” —, além das lideranças
governistas.37 Alguns dos deputados aliados até reconheceram que a conduta
do governo havia sido errada, mas que não valia um impeachment: “São erros
administrativos que não configuram crime de responsabilidade”, resumiu o
deputado Ronaldo Vasconcellos, do .38 A favor do recurso, além do ,
votaram as bancadas do  e do . Ao final, foi mantida a decisão de
Michel Temer, pela rejeição da denúncia, por 342 votos a cem.
O placar, que obedeceu a linhas estritamente partidárias, é relevante para
ilustrar os diferentes papéis da Câmara e do Senado num impeachment. O
destino da acusação na Câmara foi decidido por um acordo de lideranças,
como em uma votação política ordinária. Além disso, Arlindo Chinaglia, que
era um dos recorrentes, votou a favor de seu próprio recurso, o que
igualmente acentua o caráter político daquela deliberação: no Senado, onde se
deve realizar uma sessão que esteja à altura do “julgamento” que a
Constituição exige, um senador que seja eventualmente autor da denúncia não
poderia ele próprio votar pela condenação do acusado. A diferença na
linguagem da Constituição não é acidental: à Câmara cabe “autorizar a
instauração de processo” (art. 51, ), e ao Senado, “processar e julgar” (art. 52,
) as acusações. Na  378, julgada às vésperas do início do processo contra
Dilma Rousseff, o  reafirmaria que o juízo da Câmara é “eminentemente
político”.39  venceu essa disputa, mas ela foi apenas a primeira grande
batalha da guerra da oposição para tentar passar o impeachment.40
Logo depois, ainda em maio de 1999, outro grupo de deputados da
oposição, entre os quais os petistas José Genoíno e Luiza Erundina e o
pedetista Miro Teixeira, apresentou nova denúncia contra , acusando-o de
articulações ilegais para favorecer o grupo Opportunity no leilão da Telebras,
com base em gravações de conversas telefônicas do presidente com a cúpula
do .41 Fiel ao governo, Michel Temer tentou uma manobra para
responder à nova denúncia: ao invés de despachar o arquivamento da peça
perante o plenário da casa, o presidente da Câmara determinou que a
secretaria-geral da mesa se limitasse a comunicar por telefone a Genoíno que o
pedido nao teria seguimento, mas o deputado petista fez constar a
comunicação em discurso perante os colegas.42 Na sequência, Temer
formalizou o indeferimento apenas por um ofício enviado diretamente aos
partidos de esquerda cujos membros assinavam a denúncia.43 Mediante
recurso, os deputados de oposição conseguiram levar o pedido à apreciação do
plenário,44 mas não tiveram sucesso em fazer a denúncia prosseguir. A
oposição não conseguiu emplacar nem sequer uma  para apurar as
denúncias de ilegalidades na privatização da Telebras. A dificuldade para
superar essa barreira e investigar o governos gerou embates perenes no
segundo mandato de , e motivou ela própria outra denúncia por crime de
responsabilidade.

E   , cinco dos mais renomados juristas do Brasil àquela altura
— Celso Antônio Bandeira de Mello, professor de direito administrativo da
 de São Paulo; Fábio Konder Comparato e Goffredo da Silva Telles Júnior,
professores de filosofia do direito da Faculdade de Direito da ; Dalmo de
Abreu Dallari, colega de Comparato e Telles Júnior no Largo de São Francisco;
e Paulo Bonavides, especialista em direito constitucional da Universidade
Federal do Ceará — apresentaram denúncia por crime de responsabilidade
contra Fernando Henrique Cardoso. A estratégia de acusação por uma “frente
ampla de juristas” destoava do modelo que prevalecera nas denúncias contra
, a maioria das quais havia sido apresentada por políticos de partidos de
oposição, como  e , ou por denunciantes solitários, normalmente
advogados ou jornalistas. Ela repetia a tática que havia sido bem-sucedida no
caso de Collor: das 29 denúncias que o ex-presidente sofrera, prosperou aquela
que foi apresentada por dois juristas com senioridade, Barbosa Lima Sobrinho
() e Marcello Lavenère Machado (), que presidiam entidades de
representação profissional associadas à causa da redemocratização.
A peça de acusação era breve, com menos de cinco páginas. Seu argumento
era muito simples, e também lembrava a acusação contra Collor: a base de
todos os crimes de responsabilidade é essencialmente ética, e os crimes devem
ser interpretados à luz dos padrões de moralidade política exigíveis de um
presidente da República. Segundo os denunciantes, o descarado assédio do
governo para que deputados bloqueassem investigações das muitas denúncias
contra o Executivo, com oferta de cargos e liberação de recursos, equivalia a
uma forma corrupção, nos termos da lei no 1079/1950.45
Esse argumento serve de porta de entrada para o problema das relações
entre Executivo e Legislativo no regime da Constituição de 1988. Convém
relembrar os fatos que antecederam essa 18a denúncia por crime de
responsabilidade oferecida contra . Em maio de 2001, o governo estava
ameaçado pela iminente criação da chamada “ da Corrupção”, que
prometia uma devassa em diversos departamentos da administração federal.46
Entre os fatos a serem investigados estavam a suposta prática de tráfico de
influência pelo secretário pessoal do presidente, Eduardo Jorge (do que ele
seria absolvido no futuro);47 irregularidades na atuação do Banco do Brasil
durante a privatização da Telenorte Leste; uso ilegal de recursos públicos em
obras do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, o ;
corrupção e fraudes na concessão de incentivos fiscais à região amazônica, por
meio da atuação da Superintendência da Amazônia, a Sudam; e desvios na
utilização de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Havia também um clima de conflagração interno ao Senado, que acabou
por render a  um inimigo poderoso: o senador Antônio Carlos
Magalhães.48  e o líder do governo na casa, José Roberto Arruda, do ,
estavam acuados por terem sido flagrados violando o painel de votação
eletrônica na sessão que deliberou a cassação do senador Luiz Estevão, do
, em 2000.49 Magalhães, que presidira o Senado até fevereiro daquele
mesmo ano,50 atribuiu ao  e ao governo  pouco empenho tanto em
trabalhar por sua reeleição quanto em defendê-lo no Conselho de Ética da
casa, onde ele respondia pela violação do painel. Líder de uma pequena
bancada de fiéis parlamentares, os chamados “carlistas”,  ordenou que
todos apoiassem a criação da .
Em 9 de maio de 2001, a oposição protocolou o pedido de criação da
comissão mista com 209 parlamentares, sendo 180 deputados e 29 senadores.
Desses, 47 deputados e treze senadores vinham de partidos governistas.51 O
número era suficiente para garantir a criação da , mas por uma margem
apertada. Havia apenas nove assinaturas além do mínimo na Câmara; no
Senado, a folga era de apenas dois nomes. Para o governo, uma comissão tão
ampla implicava paralisia, na melhor das hipóteses, ou riscos de impeachment
e processos criminais, na pior delas. Assim, fazia sentido lutar até o fim para
impedi-la. , que vinha guardando certa distância do conflito no Congresso,
entrou pessoalmente na batalha e jogou pesado contra os governistas cujos
nomes estavam na lista: “Quem mantiver assinatura será considerado meu
adversário e assim será tratado”.52 Mas, além do dedo em riste, o governo
também distribuiu benesses: em uma operação que desembolsou entre 47
milhões e 60 milhões de reais,53 ele usou todo seu poder de liberação de
emendas e recursos para trazer os recalcitrantes de volta ao barco
situacionista. Com a ajuda do recém-eleito presidente do Congresso, Jader
Barbalho, que manteve aberta até a meia-noite do último dia do prazo a
possibilidade de retirada de assinaturas, o governo conseguiu que deputados
do ,  e do , inclusive os “carlistas”, voltassem atrás e deixassem de
apoiar a criação da . O toma lá dá cá poupou o governo da , mas foi
retratado como “corrupção” na denúncia apresentada pelos cinco renomados
juristas.

Escudo legislativo: importância e custos

De todas as acusações por crimes de responsabilidade de que  foi objeto,


23 foram oferecidas durante aquele período.54 Diversas condições sociais
estavam presentes para que alguma denúncia prosperasse contra ele. Sua
reprovação foi consistentemente mais alta que a aprovação durante todo o
segundo mandato.55 Na economia, o Brasil sofria com sucessivas crises
internacionais e, domesticamente, com os efeitos da mudança do regime
cambial de 1998, que pesavam sobre muitas famílias que haviam contraído
dívidas atreladas ao dólar. Para piorar, uma crise energética, na esteira de
privatizações cheias de suspeitas de corrupção, havia introduzido o vocábulo
“apagão” na conversa dos brasileiros. Finalmente, o governo  padeceu nas
mãos de uma sequência de s que parecia não ter fim — na média, uma a
cada dois meses56 — e que para o governo eram fontes constantes de más
notícias amplamente repercutidas pela imprensa.
Independentemente do mérito ou não dos pedidos, havia três elementos
que jogavam contra um impeachment naquele momento. Primeiro, o fato de
que o afastamento de Collor era ainda muito recente: pouco mais de seis anos
separavam sua queda do início do segundo mandato de , que era apenas o
segundo presidente eleito pelo voto direto após a redemocratização. Um
impeachment, mesmo quando cabível, é sinal de fracasso dos meios menos
traumáticos de contenção de abuso de poder. É uma medida extrema que
pode salvar as instituições e deve ser empregada quando não há alternativa,
mas não está isenta de custos para a reputação do país.
Segundo, a fidelidade governista dos dois presidentes da Câmara dos
Deputados durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso: além
de Michel Temer, do então , a casa foi comandada por Aécio Neves,
companheiro de partido do presidente da República, durante os últimos dois
anos de seu segundo mandato. A presidência da Câmara é um posto
importante não só pelo poder formal de receber e encaminhar as denúncias,
mas também pelos sinais que emite: ela fornece um termômetro do apoio ao
presidente da República entre as lideranças da casa.
O terceiro elemento, que se relaciona com o segundo, era a eficiência da
própria articulação política do governo na Câmara.  soube usar a oferta de
cargos e a liberação de recursos para arregimentar aliados, o que lhe garantiu
um eficiente escudo legislativo no Congresso. Há fortes suspeitas de que o
governo também tenha lançado mão de recursos impróprios para garantir e
fortalecer seu dique de proteção: um deputado federal admitiu ter recebido
200 mil reais para votar a favor da emenda da reeleição em 1997, e acusou
outros quatro parlamentares do mesmo crime.57 De qualquer forma, essas
suspeitas não foram suficientes para dar tração aos processos de impeachment
contra .58
O segundo e o terceiro elementos apontados ilustram o papel da Câmara
dos Deputados como instituição de veto político em processos de
impeachment. A eficiência da blindagem legislativa contra denúncias por
crimes de responsabilidade é uma das mais importantes variantes
institucionais da resistência política de presidentes. Possivelmente, é a mais
importante de todas: “Qualquer que seja o desenho constitucional, se o
presidente é capaz de manter o Congresso sob controle, seu afastamento
constitucional é virtualmente impossível”, diz Pérez-Líñan.59 A eficácia dessa
blindagem depende de fatores como o tamanho da bancada do partido
presidencial, a fidelidade dos parlamentares da coalizão governista e a
capacidade do governo de garimpar votos pontuais de parlamentares da
oposição. Apesar das dificuldades,  manteve seu escudo intacto,
conservando o apoio de seu partido e de outras legendas de peso, como  e
.
Em contextos de crises e escândalos, há uma tensão inerente à construção
dessa proteção legislativa. De um lado, o Congresso e os partidos, como
instituições, e os deputados e senadores, individualmente, podem ser
prejudicados se mantiverem a blindagem a um presidente impopular e
suspeito de envolvimento em práticas desonestas ou abusivas; de outro, esses
mesmos partidos e parlamentares podem beneficiar-se imediatamente de
vantagens políticas que o governo lhes ofereça em troca dessa proteção,60 tais
como cargos de visibilidade na administração federal e recursos orçamentários
para obras e projetos que sejam bandeiras de deputados recalcitrantes. As
vantagens de ficar ao lado de um governo acuado por denúncias, disposto a
entregar o que uma base de apoio efêmera lhe pede, só deixam de ser
atraentes ou quando a impopularidade da administração é tamanha que a
presença na coalizão governista implica danos reputacionais muito grandes,
levando risco ao desempenho eleitoral dos aliados; ou à medida que vá se
delineando o cenário em um futuro governo do vice-presidente, revelando
vantagens em comparação com o cambaleante governo do titular. Também
neste quesito, a discrição quase soturna do vice-presidente Marco Maciel, do
, foi valiosa para a integridade da base de Fernando Henrique Cardoso no
Congresso.
No caso brasileiro, o escudo legislativo deve ser construído principalmente
na Câmara dos Deputados, pois quando o processo chega ao Senado o
presidente é afastado e seu poder político desaparece. Vale relembrar, para fins
de comparação, o caso do presidente dos Estados Unidos Andrew Johnson,
absolvido pelo Senado por um único voto em 1868: enquanto corria seu
julgamento no Senado, Johnson, que seguiu no cargo, usou todos os poderes
da presidência para barganhar concessões políticas com os senadores que o
julgariam. Essa articulação só foi possível porque nos Estados Unidos, ao
contrário do Brasil, não há afastamento cautelar do presidente, que segue no
cargo ao longo de todo o processo. Ou seja, o presidente brasileiro perde mais
cedo os instrumentos políticos relevantes para manter a integridade de seu
escudo legislativo, que logo passam para o controle do maior beneficiário
político de sua eventual condenação.
A     para barrar a  da Corrupção revela as práticas
de como o escudo legislativo é construído na democracia presidencialista
brasileira e chama atenção para o problema dos custos financeiros dessa
estratégia defensiva. Desde o momento em que ficaram claras as ferramentas
políticas de cada um dos poderes na Constituição de 1988, cientistas políticos
observaram que a relação entre Executivo e Legislativo no Brasil demandaria
um grande esforço de coordenação governamental, resultando no que Sérgio
Abranches chamou de “presidencialismo de coalizão”.61
A capacidade do governo  de resistir à instauração da  da Corrupção,
que chegou a receber apoio até de parlamentares da base governista, mostrou
como o Executivo pode ser capaz de rechaçar as investidas de seus adversários
mesmo diante dos cenários mais adversos. Mais ainda: os oito anos de governo
do , em que leis e emendas constitucionais custosas encampadas pelo
Executivo foram aprovadas no Congresso, pareciam desafiar o prognóstico de
que a Constituição de 1988 tornaria impossível a vida dos presidentes.
Sob a constatação de que o governo de Fernando Henrique Cardoso havia
conseguido não apenas formar uma coalizão no início de seu governo, mas
também mantê-la unida e gerar resultados, Argelina Figueiredo e Fernando
Limongi se propuseram a analisar as características do funcionamento efetivo
de nosso “presidencialismo de coalizão”.62 Em sua interpretação, o amplo
poder de agenda do Executivo, por meio de instrumentos como as s, a
capacidade de impor tramitação em regime de urgência aos assuntos de seu
interesse no Congresso, bem como o poder constitucional de iniciativa
legislativa exclusiva para diversas matérias, davam ao presidente possibilidades
únicas de impor um norte ao governo e colocar o Legislativo para trabalhar
nas causas que interessavam ao Planalto. O controle do Executivo sobre altos
cargos federais, como ministérios e secretarias, e também sobre a execução do
orçamento, era outra ferramenta eficaz para garantir apoio parlamentar. Na
relação entre Executivo e Legislativo, cada poder tem algo do qual o outro
precisa para ser mais bem-sucedido, o que gera bons incentivos para a
cooperação. Por isso, diziam Figueiredo e Limongi em 1999, o
presidencialismo de coalizão funciona: “Na prática, o Executivo tem aprovada
em curto espaço de tempo a grande maioria das matérias que submete ao
Congresso”.63
A investida do governo contra a  da Corrupção em 2001 revela um
aspecto crítico do presidencialismo de coalizão que vai além do risco de
paralisia: seus custos.64 Sem uma disciplina orçamentária rígida, os incentivos
para a economia são menores do que os incentivos para o gasto. Além disso,
em casos nos quais o Executivo está sob especial ameaça, como ocorreu com
 em 2001 e com outros presidentes depois dele, há estímulos adicionais
para que parlamentares criem dificuldades e em seguida ofereçam facilidades,
e isso acaba custando caro aos cofres públicos. Não é possível sabermos se os
projetos que foram patrocinados pela liberação excepcional de verbas no
último esforço para barrar a  da Corrupção eram de fato vistos como
relevantes pelo governo. Tampouco é possível saber se eles eram prioritários
para os parlamentares que se aproveitaram da fraqueza episódica de  para
obter recursos que, em condições normais, talvez não fossem liberados.
Mesmo que se reconheçam esses problemas, porém, a pergunta importante
que resta, formulada por Figueiredo e Limongi quando voltaram ao tema em
2017, é: o que pôr no lugar do presidencialismo de coalizão?65 Que outro
sistema atenderia igualmente bem às características de um país grande e
heterogêneo como o Brasil, sem gerar riscos de paralisia ou custos excessivos?
Se o problema é do desenho institucional do presidencialismo de coalizão, há
duas saídas: ou se muda o “presidencialismo”, ou se muda a (dependência de)
“coalizão”. A primeira aposta costuma vir acompanhada da solução do
parlamentarismo, uma iniciativa cuja implementação falha desde os tempos de
Raul Pilla, seja no Congresso, seja no voto popular.66 (E é sempre importante
lembrar que dificuldades para a formação de coalizão também existem no
parlamentarismo quando o Legislativo tem composição fragmentada).67 Isso
leva à segunda alternativa: abrir mão do elemento da coalizão. O custo dessa
opção seria sacrificar as legendas menores, algumas das quais são agremiações
ideologicamente coesas que atuam sobre bases programáticas, que acabariam
sufocadas pelos jogos de interesse das lideranças dos grandes partidos.
Encontrar o equilíbrio fino entre, de um lado, o necessário pluralismo no
Parlamento e, de outro, uma fragmentação excessiva que leve à inoperância é
um assunto complexo para cientistas políticos — e difícil de ser posto em
prática por lideranças políticas que são, elas próprias, as maiores beneficiárias
do arranjo atual.

Lula: denúncias, popularidade e economia

O argumento de que custa caro construir coalizões no presidencialismo


brasileiro vai além de denunciar incentivos à gastança para aprovar leis ou
barrar s no Congresso. Para alguns, barganhar leis e votos em troca de
espaço no governo e priorização de projetos tem também um custo moral. A
prática, de qualquer modo, não é ilegal, e para alguns é mesmo indissociável
da política institucionalizada. Contudo, é possível levar mais além a crítica ao
presidencialismo de coalizão: o sistema pode gerar incentivos não apenas para
a barganha orçamentária, mas para negociatas à margem da lei, envolvendo
vantagens e recursos ilegais. O incentivo à ilegalidade é maior à medida que
crescem mecanismos de controle de gastos eleitorais e orçamentários.68 No
governo Fernando Henrique Cardoso, um aperitivo do ajuste criminoso entre
governo e parlamentares havia sido dado com a suspeita de compra de votos a
favor da emenda da reeleição, que rendeu duas denúncias de impeachment
contra o presidente.69 Na era Lula, o fio desse novelo começou a ser puxado
ainda no primeiro mandato.
A primeira fenda na barragem que romperia na década seguinte, levando
junto partidos e lideranças políticas tradicionais à direita e à esquerda nas
águas indomáveis da Lava Jato, começou com um caso de 3 mil reais. Ela foi
aberta por uma entrevista do deputado Roberto Jefferson à jornalista da Folha
de S.Paulo Renata Lo Prete, em 6 de junho de 2005. Nela, o presidente nacional
do , que integrava a base de apoio de Lula, denunciou o pagamento de
uma “mesada” para que deputados votassem a favor do governo. Jefferson deu
ao processo a alcunha que acabou incorporada ao vocabulário político
brasileiro como sinônimo de corrupção política: “O Delúbio [Soares,
tesoureiro do ] está fazendo um esquema de mesada, um ‘mensalão’, para
os parlamentares da base. O , o , e quer que o  também receba.”. Ele
relatava ter ouvido a denúncia dessa mesada da boca de um antigo presidente
nacional de seu partido, José Carlos Martinez, morto em um acidente aéreo
em 2003. Jurou ter ficado horrorizado quando soube: “Eu não terei coragem
de olhar nos olhos do presidente Lula”.70
Em sua entrevista bombástica, Jefferson implicou não só Delúbio Soares
como José Dirceu, ministro-chefe da Casa Civil e principal articulador político
do governo Lula, Aldo Rebelo, do do, então líder do governo na Câmara, e
outros ministros de Estado, como o petista Antônio Palocci, da Fazenda. O
deputado disse ter alertado todos eles sobre a distribuição do Mensalão a
colegas do  e do , e externado preocupação com o futuro de Lula: “Vai
dar uma zebra neste governo”. O que distinguia o Mensalão da corrupção
anterior, segundo Jefferson, era seu caráter estável: se antes havia corrupção
episódica, como para a compra de votos em uma emenda constitucional, o
Mensalão era um pagamento mensal fixo para constituir uma bancada de
aluguel que apoiasse o governo incondicionalmente. “Eu tenho 23 anos de
mandato. Nunca antes ouvi dizer que houvesse repasse mensal para deputados
federais por parte de membros do partido do governo”.
Roberto Jefferson reagia, e aqui entram os 3 mil reais, a um vídeo publicado
em maio do mesmo ano de 2005 pelo site da Veja, que revelava corrupção nos
Correios em benefício do . As imagens mostravam Maurício Marinho,
apadrinhado de Jefferson para a chefia do Departamento de Contratação e
Administração de Material dos Correios, recebendo o valor de alguém que se
passava por pessoa interessada em participar de uma licitação na estatal. No
vídeo, que pouco tempo depois foi exibido pelo Jornal Nacional, Marinho
mencionava Roberto Jefferson nominalmente. O governo mandou afastar
Marinho e determinou abertura de sindicância administrativa. Essa foi apenas
uma das pedras nos sapatos de Jefferson e do  naquele mês. Na mesma
época, o partido foi acusado de drenar até 400 mil reais por mês do Instituto
de Resseguros do Brasil (), outra estatal preenchida com apadrinhados de
Jefferson.71
Roberto Jefferson enxergava um culpado pela tormenta enfrentada por ele
e por seu partido: José Dirceu. Daí por que suas acusações se voltaram para o
domínio de atuação de Dirceu no governo, a articulação política entre Planalto
e Congresso. As denúncias nos Correios renderam a “ dos Correios” — na
verdade uma  —, presidida pelo senador petista Delcídio Amaral. O
relatório final da comissão, de 2006,72 desacreditava o vídeo, ligando-o a
disputas políticas pelo comando dos Correios. Sugeria também a atuação
ilegal de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na gravação.
Chamado a depor na , Roberto Jefferson seguiu investindo nas suas
acusações, a essa altura já envolvendo um segundo personagem: Marcos
Valério, acusado de ser responsável por uma estrutura financeira de
pagamento de propinas — o termo “Valerioduto” já era empregado então. O
relatório mencionava também a atuação de instituições financeiras como o
banco  e o Banco Rural. O Relatório Final da  dos Correios — que
perdeu destaque em ano de eleições nacionais e estaduais — descreveu em
detalhes a engenharia que levaria, em 2012, à condenação de banqueiros,
corretores, publicitários e agentes políticos no chamado “Julgamento do
Mensalão” pelo Supremo Tribunal Federal.73

O   R J   L o grande


escândalo de seu primeiro mandato, e pode ter tido algum impacto sobre a
popularidade de seu governo. Embora tenha desfrutado de uma avaliação
regular, que pouco destoou do início de 2003 até o final de 2005, ficando
sempre acima dos 40%, seus índices de ruim/péssimo, que nunca haviam
passado de 17% em 2003 ou 2004, ultrapassam os 20% em julho de 2005 e
encostam em 30% no final daquele ano. Já seus índices de ótimo/bom, que
haviam chegado a 45% no final de 2004, desceram a 28% no final de 2005.74
Havia, porém, um grande alento vindo da economia: o risco-país havia
descido ao menor nível da história, 304 pontos; o índice de desemprego
recuara mais de 7% em alguns meses, refletindo o aumento de empregos no
setor industrial, boa parte em postos com carteira assinada; o número de
pessoas em situação de miséria caía; e o real mostrava bom desempenho
frente ao dólar.75 A Bolsa de Valores acumulou alta sensível em 2005: começou
o ano na casa dos 25 mil pontos e terminou com mais de 33 mil.76
Naquele ano, antes mesmo da conclusão da  dos Correios, cinco
denúncias por crime de responsabilidade foram apresentadas contra Lula com
fundamento no alegado esquema do Mensalão. Seus autores foram Célio
Evangelista do Nascimento (o mesmo que denunciara  por crime de
responsabilidade pela compra de votos em 2000), Carlos Alberto de Oliveira,
Júlio Cesar Zanluca, Gildson Gomes dos Santos e Aylton Ferraz Freitas.77 Mas
os obstáculos políticos ao andamento dessas denúncias eram muitos. Além da
alta popularidade econômica do governo tanto entre os mais ricos quanto
entre os mais pobres, a proximidade das eleições de 2006 — o relatório final da
 foi concluído semanas antes do início da campanha — tornava menos
segura a aposta política de levar adiante um processo de impeachment naquele
momento, dada a reacomodação eleitoral que forçosamente ocorreria em
breve. O “fator vice” tampouco ajudava: José Alencar, que parecia nutrir até
afeto pessoal por Lula, não demonstrava qualquer interesse no afastamento do
presidente. Por fim, durante a maior parte de 2005, inclusive no período em
que Roberto Jefferson e José Dirceu trabalhavam pela queda um do outro,
uma circunstância absolutamente única se abateu sobre a Câmara dos
Deputados: a tumultuada presidência de Severino Cavalcanti, do , um
parlamentar sem liderança alguma para conduzir um processo politicamente
delicado como a autorização de denúncia por crime de responsabilidade.78
Cavalcanti renunciou a seu mandato parlamentar em 21 de setembro de 2005,
para escapar a uma provável cassação por quebra de decoro, que implicaria
perda de direitos políticos. Uma semana depois, o deputado Aldo Rebelo foi
eleito presidente da Câmara dos Deputados com apoio do governo.79
Leal aliado do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, Rebelo ficou à frente da
casa — e se recusou a dar andamento a vários pedidos de impeachment — até
o final do primeiro mandato de Lula. Em 2007, foi sucedido pelo petista
Arlindo Chinaglia, que por sua vez foi seguido por Michel Temer, em 2009.
Temer e Chinaglia igualmente mandaram para os arquivos as denúncias que
receberam, embora seja difícil imaginar Lula sob qualquer risco durante seu
segundo período presidencial, fosse quem fosse o presidente da Câmara. Com
a economia brasileira sendo festejada pela capa da revista The Economist, Lula
terminou seu segundo mandato com a maior aprovação de nossa história.

Crimes (de responsabilidade) perfeitos?


Se o insucesso da acusação contra Itamar Franco pela noitada ao lado de Lilian
Ramos está mais para um capítulo dos fatos pitorescos da política brasileira, a
história de algumas das acusações fracassadas contra  e Lula é significativa
para a compreensão do impeachment. Elas ajudam a iluminar o tão
comentado duplo caráter desse instituto, que é ao mesmo tempo político e
jurídico.
As denúncias de compra de apoio parlamentar contra  (reeleição) e Lula
(Mensalão) envolviam fatos graves: a obtenção de votos no Congresso em
troca de pagamentos ilegais a parlamentares. Com deputados flagrados
confessando terem recebido dinheiro, a acusação de compra de votos pela
emenda da reeleição era bastante plausível (o próprio  afirmou que
“provavelmente” houve compra de votos a favor da mudança constitucional,
embora não “pelo governo federal”).80 No caso de Lula, elementos que
respaldavam as denúncias de Roberto Jefferson foram logo colhidos pela 
dos Correios; e, mais adiante, pela investigação conduzida pelo ministro do
 Joaquim Barbosa, levando à condenação de diversos réus pelo  no
julgamento da Ação Penal  470, no segundo semestre de 2012. Qualquer
que seja a opinião que se tenha sobre o julgamento dessa ação penal, é
inequívoca a existência de um esquema de corrupção que se utilizava das
empresas de Marcos Valério para o pagamento de valores ilegais a deputados
da base aliada do governo.
A compra de votos pelo governo no Congresso, com uso de repasses ilegais
para deputados ou partidos, constitui evidente crime de responsabilidade: a lei
no 1079/1950 proíbe presidentes de cooptar deputados “por suborno ou
qualquer outra forma de corrupção”.81 A circunstância de que  e Lula
talvez não soubessem dos detalhes de cada negociata individual com cada um
dos deputados ou partidos não atenua seus crimes de responsabilidade, na
medida em que se trata responsabilidade política, não criminal. No regime
presidencial, essa responsabilidade recai toda sobre os ombros do presidente.82
É questão de segunda ordem saber se o ilícito político configura também
ilícito criminal, para o qual o efetivo conhecimento e a real intenção
corruptora do presidente seriam condições necessárias. Como mostra o
exemplo de Collor, condenado por crime de responsabilidade pelo Senado e
absolvido da acusação de corrupção pelo , responsabilidade política e
responsabilidade penal podem ser parentes, mas não são gêmeas idênticas.
 e Lula não sofreram impeachments pelo mesmo motivo que Aaron
Burr, vice-presidente dos Estados Unidos em 1804, foi poupado pelo
Congresso americano: por razões políticas, embora as condições jurídicas para
tanto estivessem preenchidas em todos os casos. Em 1804, em um duelo com
desfecho inesperado, Burr assassinou Alexander Hamilton, político
imensamente popular, ex-secretário do Tesouro de George Washington e um
dos autores de O Federalista e da Constituição dos Estados Unidos. O
assassinato de Hamilton obrigou Burr a abandonar Washington e a presidência
do Senado. Embora o homicídio de um adversário político sem dúvida
sujeitasse seu autor não apenas ao impeachment, mas também a processo
criminal em seguida, Burr foi poupado.83 Além do receio de acirrar a
conflagração política imperante no país desde a eleição presidencial de 1800,
os congressistas optaram por não associar a imagem do Senado e da vice-
presidência a um assassinato infame, que colocaria em xeque a reputação das
instituições do novo país perante o mundo.84 Ou seja, embora os requisitos
jurídicos para sua acusação estivessem fartamente preenchidos, o
impeachment de Burr foi descartado por razões de prudência institucional.
A liberdade política de parlamentares em um impeachment tem limites: o
Congresso não pode, por estratégias político-partidárias, acusar um presidente
de algum fato que não exista, ou atribuir a condutas quaisquer, inclusive
ilegalidades menores, o significado de crimes de responsabilidade como
pretexto para conseguir seu afastamento. Mas o inverso não é verdadeiro: no
caso de acusação por crime de responsabilidade ou por crime comum, a
Câmara pode, por razões de prudência política, negar autorização para o
processo contra o presidente — nessas ocasiões, idealmente, as lideranças
políticas da casa deveriam justificar essa opção pragmática. Pelas mesmas
razões, nada impede que o presidente jogue o jogo duro do presidencialismo
de coalizão e use seus poderes legais e políticos para manter coeso seu escudo
legislativo — como também nada impede que os próceres de um eventual
futuro governo do vice-presidente prometam o emprego desses mesmos
mecanismos para garantir apoio ao impeachment presidencial. Nesses
momentos de elevada sensibilidade política, convém ao Judiciário observar
com distância, para não ser acusado de favorecer uma ou outra parte da
disputa. Esse mandamento foi abertamente ignorado no caso de Dilma
Rousseff.
5. O impeachment fiscal

O embate entre Caixa e Tesouro

Na manhã do dia 13 de agosto de 2014, um avião modelo Cessna Citation 


+ decolou do aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, com destino
ao litoral paulista. Por volta das dez horas, com cerca de sessenta minutos de
voo, a aeronave caiu sobre uma área residencial na cidade de Santos. Não
houve sobreviventes. Entre as vítimas estava o economista Eduardo Henrique
Accioly Campos, candidato do  à presidência da República nas eleições de
outubro daquele ano. As causas do acidente jamais foram determinadas.1
Campos morreu no mesmo dia e mês que seu avô materno, Miguel Arraes,
falecido oito anos antes. Ambos estão enterrados no mesmo jazigo do
cemitério de Santo Amaro, no centro de Recife.2
Campos era, àquela altura, o terceiro colocado nas pesquisas de intenção de
voto para a presidência da República nas eleições de outubro de 2014. Na noite
anterior, ele havia participado da sabatina no Jornal Nacional, da Rede Globo.
Além de abrir passagem para a candidatura de Marina Silva, até então vice em
sua chapa, que teve desempenho notável naquelas eleições, sua morte tornou
irrelevantes todos os jornais daquela manhã. Com o país absorvido pela
comoção da tragédia e pelas incertezas projetadas sobre a disputa presidencial,
pouca gente prestou atenção nas reportagens de capa dos cadernos de
economia dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, que noticiavam o
mesmo fato: havia um conflito entre a Caixa Econômica Federal e o Tesouro
Nacional, motivado pelo fato de que o banco público estava pagando, com
recursos próprios, despesas que eram devidas pelo governo federal, mas cujos
repasses o Tesouro insistia em atrasar.
Os repórteres Julio Wiziack e Mariana Carneiro, da Folha, explicavam que,
“na prática”, os atrasos funcionavam “como se a Caixa estivesse financiando o
Tesouro”.3 No Estadão, Murilo Rodrigues Alves e João Villaverde lembravam
que a manobra, que não era inédita, tinha o apelido de “pedalada”,4 em alusão
ao drible futebolístico que ilude o marcador. O ato de empurrar para a frente
o pagamento de uma parcela devida pelo governo, sem prejuízo de o banco
público credor pagar os benefícios que deveriam ser custeados pelo dinheiro
que não chegava a tempo, driblava os incautos observadores das contas
públicas, pois fazia parecer que o Tesouro tinha mais dinheiro em caixa do que
de fato tinha. Alves e Villaverde já haviam noticiado atrasos em pagamentos
do governo em março de 2014, em prejuízo de construtoras que executavam
obras do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, embora
recebessem com atraso, e em valores menores, os repasses a esse título que lhe
eram devidos pelo Tesouro Nacional.5 As reportagens publicadas no dia da
morte de Eduardo Campos mostravam que as consequências dos atrasos
haviam subido de patamar: elas haviam gerado uma disputa institucionalizada
dentro da administração pública federal, envolvendo a Caixa, ministérios, o
Tesouro, a Procuradoria da Fazenda Nacional e a Advocacia Geral da União
().
As chamadas “pedaladas fiscais” foram o mais conhecido6 fundamento da
acusação que levou ao impeachment da presidente Dilma Vana Rousseff.
Reeleita em outubro de 2014 com pouco mais de 51% dos votos válidos, em
uma acirrada disputa de segundo turno com o também mineiro Aécio Neves,
do , Dilma foi afastada pela instauração do processo no Senado em 12 de
maio de 2016, e definitivamente removida do cargo em 31 de agosto do
mesmo ano. Ainda assim, no segundo semestre de 2014, quando a prática das
pedaladas começou a ser desnudada pela imprensa, parecia impensável que
aquelas condutas pudessem levar à queda de Dilma Rousseff. Em 1o de
novembro de 2014, uma manifestação pedindo o impeachment da presidente,
como também intervenção militar, reuniu cerca de 2500 pessoas e alguns
parlamentares à época insignificantes no cenário nacional, como dois filhos de
Jair Bolsonaro, então deputado federal pelo . (Um deles, Eduardo, que
acabara de se eleger deputado federal pelo , disse que o pai teria “fuzilado”
Dilma Rousseff caso tivesse sido candidato nas eleições que haviam acabado de
acontecer.7) No mesmo mês, lideranças do , então o principal adversário
do Partido dos Trabalhadores, unanimemente rejeitavam a hipótese de
impeachment de Dilma por qualquer fundamento até ali conhecido, inclusive
as “pedaladas” que os jornais vinham reportando havia meses:  dizia não
ver razão para apoiar um impeachment àquela altura, Geraldo Alckmin se
disse “totalmente contra” a ideia, Aécio Neves prometeu “não endossar” a tese
e Xico Graziano comparou quem pedia impeachment a quem defendia a
ditadura militar.8 Os primeiros registros jornalísticos das palavras
“impeachment” e “pedalada” surgem apenas em abril de 2015, quando os dois
termos combinados apareceram em três notícias do jornal O Estado de S. Paulo.
Foi o mês seguinte aos pedidos de abertura de inquérito, apresentados ao 
pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot, contra os presidentes da
Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, ambos do .

A    D R  as características da acusação


que levariam à sua queda eram muito diferentes daquelas que vitimaram
Fernando Collor de Mello em 1992. Lembrava mais a de , que sobrevivera
a diversas denúncias por crimes de responsabilidade no segundo mandato: sua
popularidade era decrescente e a economia do país sofria, mas a força de seu
escudo no Congresso parecia lhe garantir proteção suficiente.
Dilma tinha lastro político: representava um governo de continuidade ao de
Lula, ex-presidente muito popular;9 seu partido, o , elegera 69 deputados na
Câmara,10 o que lhe dava, de largada, 40% do quórum necessário para barrar
qualquer denúncia. O Partido dos Trabalhadores ainda elegeu dois candidatos
ao Senado, levando a nova bancada do partido na casa a um total de doze
senadores.11 Com esse desempenho, o partido de Dilma garantiu a maior
bancada da Câmara e a segunda maior do Senado. Do histórico recente das
administrações petistas, inclusive de seu primeiro mandato, Dilma havia
herdado uma boa coalizão.12 Se sua base se mantivesse fiel, o Executivo teria
força suficiente não só para barrar quaisquer ameaças de impeachment como
também para aprovar medidas que exigissem amplo quórum, como emendas
constitucionais.
Para além do Congresso, o  tinha capilaridade social e contava com uma
militância ativa, além de ser historicamente associado a bandeiras
politicamente fortes, como os direitos trabalhistas, o combate à pobreza e o
aumento de oportunidades de melhoria de renda e educação. Era uma
agremiação madura, que havia conquistado apoio relativamente estável de
partidos politicamente fortes, com genuína penetração social e um histórico
de governo bem avaliado para ostentar em sua vitrine. Não era uma legenda
ajambrada para uma eleição episódica que projetara um desconhecido à
presidência, como ocorrera com Collor e seu nanico .
Além da dimensão político-partidária, a acusação que prosperou contra
Dilma diferia em um ponto importante daquela que fustigou Collor: enquanto
ele havia sido enquadrado em um enredo de fácil compreensão popular — o
presidente que se beneficiava dos trambiques praticados pelo amigo corrupto
e que foi conivente com essa corrupção e mentiu para tentar escapar —, as
imputações contra ela eram tecnicamente complicadas, baseadas em regras e
costumes nada intuitivos das finanças públicas. A acusação contra Dilma era
difícil de ser compreendida mesmo para pessoas com formação jurídica, já que
o direito das finanças públicas é ensinado em uma minoria das faculdades
brasileiras. Para quem não vivia o mundo da contabilidade pública e do direito
financeiro, entender “pedaladas” e “decretos não numerados de abertura de
crédito suplementar” era uma corrida de obstáculos ladeira acima — uma
corrida que, como as pesquisas sugerem, a maioria da população não
conseguiu completar: em junho de 2016, já sob a presidência (ainda interina)
de Michel Temer, apenas um terço dos brasileiros sabia que Dilma havia sido
afastada pelas tais pedaladas fiscais (e não há garantia de que mesmo essa
fração reduzida soubesse explicar o que elas eram ou por que mereciam uma
resposta tão drástica quanto um impeachment).
Havia, contudo, dois pontos de semelhança relevantes. Tanto quanto
Collor, Dilma teve um governo muito contestado do ponto de vista da gestão
econômica. Com uma agenda voltada para redução de juros, desvalorização
do real, amplas desonerações tributárias e contenção de gastos e investimentos
públicos, a presidente apostou na chamada “Nova Matriz Econômica”, cujos
resultados, no dizer de Laura Carvalho, foram “desastrosos”: uma combinação
de desaceleração econômica e severa deterioração fiscal.13 Em cenários de
ameaça de impeachment, essa circunstância joga contra os presidentes, pois
mau desempenho econômico costuma catalisar mobilizações sociais que
desestabilizam governos.14 A pessoa do presidente acaba sendo
individualmente responsabilizada pelo insucesso econômico,15 e isso facilita a
aceitação política de sua queda, embora não constitua, em si, fundamento
legal para uma acusação.
Atrelada a essa responsabilização vem, naturalmente, a baixa popularidade
— a segunda semelhança relevante entre Dilma e Collor. Como , Dilma
começou o segundo mandato com reprovação superior à aprovação: em
fevereiro de 2015, 44% dos entrevistados pelo Datafolha a consideravam ruim
ou péssima, contra apenas 23% de ótima ou boa. Em junho, a reprovação já
havia atingido 65%, e a aprovação não passava de 10%.16 A presidente recebia
uma avaliação ruim desde meados de seu primeiro mandato. Se até junho de
2013 ela havia conseguido sustentar a aprovação na casa dos 50% e 60%, após
os protestos daquele mês esse número tombou para a casa dos 40%, e a partir
do início do segundo mandato despencou ininterruptamente.
Como no caso de Collor, além do mau desempenho econômico, a avaliação
do governo de Dilma Rousseff era puxada para baixo porque sua
administração era associada, pela opinião pública, à prática de corrupção. Em
fevereiro de 2016, já com o processo de impeachment em andamento, 34% da
população achava que o governo da petista era mais corrupto do que qualquer
outro17 — inclusive o governo de Collor, que fora afastado por motivos
relacionados a corrupção, e o de Luiz Inácio Lula da Silva, àquela altura
sabidamente investigado por suas relações com as empreiteiras corruptas na
Operação Lava Jato.18 Seguramente pesava contra Dilma o fato de ela
pertencer a um partido cuja imagem era associada, há anos, a grandes
escândalos de corrupção, como o Mensalão (2012)19 e o Petrolão (2014).20
Cabem, contudo, duas considerações relevantes sobre as aproximações
entre Dilma Rousseff e Fernando Collor. Primeiro, Collor era suspeito de
envolvimento em corrupção e seu vice, Itamar Franco, que assumiria na
hipótese de seu afastamento, era um homem insuspeito de desonestidade.
Para quem se indignava com a corrupção e buscava afastar o presidente por
esse motivo, pedir a troca de Collor por Itamar fazia sentido. O vice de Dilma
Rousseff, ao contrário, era Michel Temer, homem a quem a força-tarefa da
Lava-Jato do Rio de Janeiro atribui “uma vida de cometimento de ilícitos em
prejuízo ao Erário”.21 A segunda consideração é que, diferentemente de
Collor, Dilma não era suspeita de se beneficiar pessoalmente de corrupção e
não foi afastada do cargo por qualquer conduta relacionada à proteção de
amigos corruptos, nem por tentativas de impedir ou retardar investigações
contra seus aliados. A principal denúncia que abateu seu governo chegou
discreta, sobre duas rodas.

As pedaladas

“Pedaladas”, como já mencionado brevemente, são o nome popular de uma


manobra contábil que existia desde muito antes da presidência de Dilma
Rousseff. Originalmente, a prática consistia em realizar ordens de pagamento
no último dia útil do mês, mas somente após o encerramento do expediente
bancário. Com isso, só eram efetivadas no dia útil subsequente, portanto no
mês seguinte — ou até no ano seguinte, caso o atraso intencional acontecesse
no último dia útil de dezembro. Essa estratégia melhorava o retrato contábil
do mês que se encerrara, retrato que é traçado a partir do saldo financeiro no
último dia útil do mês: como nesse o dinheiro já designado para um
determinado pagamento continuava nas contas do governo, o extrato mensal
revelava uma posição artificialmente mais elevada do que os valores de que o
Tesouro efetivamente dispunha.22 A pedalada era, assim, um drible tanto em
quem recebia o dinheiro (pois os valores chegavam alguns dias depois do
vencimento) quanto em quem averiguava o extrato do pagador (porque seu
saldo era irreal).
Segundo é possível apreender do relato feito por João Villaverde,23 um dos
jornalistas que reportou detalhadamente o atraso nos repasses destinados ao
pagamento de despesas do governo ao longo de 2014, as pedaladas, embora
existissem desde antes de Dilma Rousseff, adquiriram dimensões inéditas em
seu primeiro mandato, por duas razões. Primeiro, porque os valores e a
frequência das pedaladas, especialmente entre meados de 2013 e o final de
2014, ano em que disputou a reeleição, foram incomparavelmente maiores
que em qualquer outro governo.24
O volume e a constância ímpares sugeriam que não se tratava de meros
desencontros episódicos entre a previsão de despesas feita pelo Tesouro
Nacional e o valor efetivamente pago a título daqueles benefícios, o que não
era incomum. Sob Dilma, a prática tinha outros sentidos: primeiro, evitar que
o pagamento de benefícios sociais e a manutenção dos muitos subsídios
governamentais a diversos setores da economia, um dos pilares da Nova
Matriz Econômica, prejudicassem a imagem das contas públicas brasileiras,
cada vez mais impactadas pelas sucessivas quedas na arrecadação de tributos;
segundo, evitar que o governo tivesse de assumir que o dinheiro simplesmente
não dava para cobrir seus gastos, o que o obrigaria a cortá-los ou reduzi-los.
Em qualquer dos casos, principalmente no segundo, os custos eleitorais seriam
enormes, tendo em vista a proximidade da eleição presidencial de 2014, na
qual Dilma seria candidata à recondução. Esse quadro deu margem à acusação
de que o governo pedalava deliberada e sistematicamente, colocando suas
conveniências eleitorais de curto prazo acima do zelo com a integridade das
contas públicas — uma segunda singularidade das pedaladas sob Dilma.

F    do Tesouro Nacional à Caixa, em valores


aquém do necessário, que soaram o alarme para a estratégia de uso das
pedaladas pelo governo. Elas funcionavam como técnica de maquiagem
contábil por uma razão simples: segundo a metodologia do cálculo da dívida
pública feita pelo Banco Central desde os anos 1990, atrasos desse tipo não
eram considerados no cálculo da dívida pública do governo federal. Técnicos
do Tesouro Nacional perceberam isso e expressaram sua oposição à tática: em
uma reunião tensa, ocorrida no final de 2013, os onze coordenadores-gerais do
órgão, com apoio de diversos funcionários de carreira, haviam levado ao
secretário do Tesouro, Arno Augustin, suas preocupações sobre o que viam
como irregularidades praticadas pelo órgão. A reunião deveria permanecer sob
sigilo, mas vazou para a imprensa no começo de dezembro de 2013.25
Augustin era homem de confiança da presidente e foi o mais longevo
secretário do Tesouro Nacional a ocupar o cargo até hoje (junho de 2007 a
dezembro de 2014). Era visto como o artífice dos expedientes contábeis que
visavam a melhorar a aparência das contas públicas. Tais práticas eram
batizadas por seus críticos de “contabilidade criativa”, uma acusação que ele
sempre negou: “A metodologia usada pelo Brasil é uma metodologia
internacional. […] O Brasil tem recebido prêmios de transparência. […] Nossa
metodologia é conhecida, respeitada”, disse ele um mês antes de que vazasse o
motim dos técnicos do Tesouro. “O órgão que faz a conta do resultado
primário para efeitos da Lei de Diretrizes Orçamentárias é o Banco Central.”26
As reiteradas críticas de pesquisadores e analistas do mercado financeiro aos
grandes valores desses atrasos, somadas à revelação do descontentamento de
técnicos da burocracia financeira estatal, levaram jornalistas e analistas
econômicos a uma indagação: será que as práticas observadas na Caixa haviam
sido repetidas em outras instituições financeiras controladas pelo governo
federal, como bancos e fundos públicos? Puxando o fio desse novelo, em
pouco tempo foram descobertas operações semelhantes no Banco do Brasil,
no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social () e no
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (). A revelação reforçou o
diagnóstico de que as pedaladas vinham sendo praticadas cada vez mais
intensamente e em valores incompatíveis com um caráter episódico. Elas se
espraiavam por diversos programas sociais, como o Bolsa Família, o seguro-
desemprego, o abono salarial, o Plano Safra, o Programa de Sustentação do
Investimento e o Minha Casa, Minha Vida. Ao final de 2014, o saldo negativo
do governo junto a bancos públicos ultrapassava os 52 bilhões de reais.27

U     e a frequência das pedaladas em


diversas instituições financeiras controladas pelo governo federal, a pergunta
seguinte era jurídica: aquela prática era legal ou ilegal? De todas as
instituições, a mais impactada pelas pedaladas foi a Caixa, que tinha contratos
com o Ministério do Trabalho e com o Ministério do Desenvolvimento Social
para operacionalizar os pagamentos do Bolsa Família, do seguro-desemprego
e do abono salarial. Além do custo financeiro para o banco, os atrasos traziam
riscos legais para seus administradores. Era natural, portanto, que o debate
sobre o significado jurídico das pedaladas fosse suscitado por seu presidente,
Jorge Hereda, bem como pelos conselheiros e advogados do banco.
Havia três enquadramentos jurídicos possíveis para as pedaladas. A fim de
entendê-los, é preciso guardar em mente que a Caixa, assim como o , é
uma empresa pública, isto é, uma pessoa jurídica que, embora constituída sob
regime de direito privado, é inteiramente controlada pelo Estado. Sendo o
governo federal ao mesmo tempo o controlador do banco e o responsável por
prover, via Tesouro Nacional, os recursos com os quais os benefícios sociais
seriam pagos, não era difícil especular que a Caixa estava concedendo uma
espécie de adiantamento a seu controlador, a União. Por essa linha, uma
primeira possibilidade de enquadramento legal para as pedaladas era criminal:
a lei no 7492/1986, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional,
estabelecia, em sua redação à época, que deferir “empréstimo ou
adiantamento” ao controlador implicaria o crime previsto em seu artigo 17,
com pena de reclusão de dois a seis anos, além de multa. Era um risco grande
para quem operacionalizava o pagamento dos benefícios, tanto nos
ministérios quanto na Caixa.
Uma segunda capitulação jurídica possível para as pedaladas vinha da Lei de
Responsabilidade Fiscal, cujo artigo 36 veda “operação de crédito” entre um
banco público e a instituição que o controle. Nos termos do artigo 73 da
mesma lei, infrações ao regime de responsabilidade fiscal poderiam implicar
improbidade administrativa, crime comum ou crime de responsabilidade —
este último, já sabemos, leva ao impeachment. Para isso, seria preciso
considerar que o atraso nos pagamentos implicava, em sentido jurídico, a
contratação de operação de crédito, por demandar pagamento de juros do
ministério ao banco, embora não houvesse qualquer previsão da contratação
de crédito entre as duas instituições. Mas, mesmo que se optasse por essa
interpretação, alguma calibragem seria necessária: caso contrário, qualquer
descumprimento de contrato entre o Tesouro Nacional e um ente público
poderia ser considerado uma “operação de crédito”. Sem esse filtro, ocupantes
de altos cargos públicos estariam sujeitos a sanções severas por irregularidades
irrisórias.
Um terceiro enquadramento jurídico possível para as pedaladas vinha dos
contratos que regiam a relação entre os ministérios do Trabalho e do
Desenvolvimento Social e a Caixa. Uma vez que o próprio contrato previa
penalidades para o descumprimento dos deveres das partes, e o dever dos
ministérios de transferir recursos para a Caixa era previsto no contrato, a falta
do pagamento implicaria o acionamento da cláusula penal do acordo,
obrigando os ministérios ao pagamento da sanção prevista (multa, correção e
juros). Por essa interpretação, que era a que o governo defendia, as pedaladas
deveriam ser tratadas como uma violação contratual, a ser penalizada nos
termos do contrato (juros), sem repercussão criminal ou fiscal.
A escolha entre essas alternativas não é trivial, e mesmo juristas experientes
e bem-intencionados podem jamais chegar a um consenso a esse respeito.28
Ela passava pela interpretação tanto de conceitos como “empréstimo”,
“adiantamento” e “operação de crédito” quanto do enquadramento de
condutas ambíguas — de agentes do Tesouro Nacional, dos ministérios e dos
bancos públicos — em uma ou várias categorias jurídicas. Ao mesmo tempo,
era evidente que havia um componente político na opção do Tesouro
Nacional pelos pagamentos atrasados: a saúde fiscal do governo seria um dos
temas explorados na campanha eleitoral que se aproximava, e deixar as contas
com boa aparência para esse período de intenso escrutínio era um imperativo.
Além disso, a maquiagem adiava medidas de contenção orçamentária, que
poderiam levar à diminuição, às vésperas da eleição, do pagamento de
benefícios sociais como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida. Mas os
administradores da Caixa, com razão, não queriam ficar reféns de riscos legais.
Para desatar o nó jurídico das pedaladas, a Caixa acionou a , que
instalou, em maio de 2014, uma câmara arbitral para enfrentá-lo. Nessa
câmara, que é um órgão extrajudicial para resolução de conflitos, os diversos
entes públicos envolvidos — o Tesouro, os ministérios, a própria Caixa e
eventualmente o Banco Central e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
— seriam ouvidos, apresentariam suas leituras do impasse e tentariam chegar
a um acordo para dar fim ao problema. No transcurso desse procedimento,
consensos e desencontros foram revelados. De um lado, concordou-se que não
era caso de se falar do crime da lei no 7492/1986, pois um antigo parecer da
 deixava claro que ele não se aplicava a operações entre a União e a Caixa.
Não houve a mesma clareza quanto à infração ou não ao artigo 36 da Lei de
Responsabilidade Fiscal, pois faltou consenso sobre quem tinha competência
para dar essa resposta, o Banco Central ou a Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional. De qualquer modo, a solução parecia clara para todos: bastava que o
Tesouro Nacional regularizasse os pagamentos para que os ministérios não
mais atrasassem seus repasses à Caixa.29
Contudo, os resultados fiscais do governo em maio, junho e julho de 2014
haviam sido os piores da série histórica para aqueles meses até então. Nesse
contexto, regularizar os pagamentos, como havia recomendado a , forçaria
a administração a contabilizar todos os débitos atrasados — e a obrigaria a
confessar, bem em meio à campanha das eleições presidenciais, que a meta
fiscal daquele ano era irrealizável.30 Se fizesse isso, o governo se veria
constrangido a assumir que a política de estímulo econômico via aumento de
gastos públicos, principalmente através de desonerações tributárias para
setores específicos, não havia surtido o efeito esperado. Mas o governo não
parecia disposto a fazer essa confissão em ano eleitoral, ainda mais com Dilma
disputando a reeleição: durante toda a campanha, o governo manteve-se em
estado de negação, contra todos os prognósticos dos analistas econômicos.
Apenas em novembro de 2014, portanto após a reeleição, o Executivo enviou
projeto de lei pedindo alteração da meta fiscal daquele ano, reconhecendo o
que analistas e a imprensa especializada já apontavam há muito tempo.31

O início da radicalização

Em 18 de dezembro de 2014, o , partido cujo candidato, Aécio Neves,


fora derrotado por Dilma Rousseff no apertado segundo turno da eleição
presidencial, ajuizou ação em que pedia ao Tribunal Superior Eleitoral () a
cassação da chapa vencedora. Entre outros argumentos, a ação incluía a
“manipulação de dados socioeconômicos” como um de seus fundamentos.32
O comportamento eleitoral e pós-eleitoral de ambas as partes, o governo
reeleito e a oposição derrotada, remetia a antigas práticas brasileiras. Do lado
das candidaturas vencedoras, esconder as cartas da economia para evitar
prejuízos de curto prazo nas urnas não era novidade entre nós. Em 1986, o
governo Sarney negou que tomaria medidas econômicas impopulares para
responder ao fracasso do Plano Cruzado; contudo, essas medidas, que
ficariam conhecidas como Plano Cruzado , foram adotadas logo após o
pleito de novembro daquele ano,33 que consagrou a maior vitória eleitoral da
história de seu partido, o .34 Algo semelhante aconteceu nas eleições de
1989, quando Collor prometeu que não levaria a cabo o confisco de ativos que
pôs em prática tão logo assumiu,35 realizando o pesadelo que muitos
acreditavam que viria pelas mãos de um temido socialismo petista. Durante a
campanha de 1998, o governo  afirmou que jamais faria o grande ajuste
cambial que pôs em prática logo após a reeleição.36
Do lado derrotado, a impugnação judicial da campanha vencedora
lembrava as investidas udenistas contra as vitórias de seus adversários nas
décadas de 1950 e 1960: a recusa perene em aceitar os resultados das urnas e a
disposição para contestá-las judicialmente sob qualquer pretexto disponível.37
O movimento do , que já vinha semeando dúvidas sobre a lisura das
eleições desde outubro, antes mesmo de a votação ser realizada,38 rompeu
com um importante legado da geração anterior de líderes do partido,
representada por Fernando Henrique Cardoso: a disposição em aceitar a
vitória eleitoral dos adversários, marcando o fim da disputa e reconhecendo a
legitimidade do governo que virá. A chapa de Aécio Neves alegou abuso de
poder econômico pelo emprego de dinheiro não contabilizado proveniente de
corrupção investigada pela Operação Lava Jato — embora nem o uso de
fundos não declarados, nem relações com empresas implicadas na operação
fossem estranhos ao . O movimento de Aécio e do  pode ser
compreendido como um lance de radicalização, nos termos propostos por
Pérez-Liñán: a recusa em fazer concessões a adversários e a disposição de levar
ao extremo as táticas de contestação a seus opositores.39 Essa radicalização,
segundo o autor, é um ponto comum entre os golpes militares e os abusos no
rito ou nos fundamentos legais de processos de impeachment na América
Latina.
A ação de impugnação à chapa Dilma-Temer, ajuizada em 2014 pelo ,
foi apreciada pelo  e julgada improcedente apenas em 2017, quando a
situação de todos os seus protagonistas era muito diferente. Aécio Neves, que
pleiteava ser empossado na presidência com a petição protocolada em 2014,
passou a ser cada vez mais implicado na Lava Jato a partir do ano seguinte: sua
irmã e seu assessor foram presos, e uma gravação sua pedindo dinheiro a um
empresário delator foi revelada em maio de 2017, ano em que ele chegou a ser
afastado do cargo duas vezes por determinação do . Em 2019, Aécio
tornou-se réu pelos crimes de corrupção passiva e obstrução à investigação de
organização criminosa.40 Michel Temer, embora então presidente da
República, brigava com índices terríveis de popularidade e sofria com o cerco
implacável da Lava Jato a seu partido e a ele próprio. Dilma Rousseff, por sua
vez, já havia sido condenada em definitivo por crimes de responsabilidade, em
parte em razão das pedaladas fiscais.

“As instituições estão funcionando”

A rebelião dos técnicos do Tesouro Nacional em novembro de 2013 é um


exemplo do que pode significar o bordão “As instituições estão funcionando”,
amplamente propagado por aqueles que defendem o avanço de investigações,
processos e condenações contra agentes políticos. Sendo esse bordão sinônimo
do diagnóstico de que as instituições de Estado estão fazendo bom uso de seus
poderes para apurar violações à lei e promover a responsabilização de agentes
públicos, a conduta dos técnicos do Tesouro mostrava a burocracia técnica
cumprindo o dever legal de não fechar os olhos a condutas impróprias de seus
superiores. Aqueles servidores assim procederam não apenas porque tinham o
dever legal de fazê-lo, sob pena de incorrerem, eles mesmos, em omissões que
poderiam ter implicações até mesmo criminais, mas também por estarem
protegidos pelo manto da estabilidade: por mais contrariados que ficassem
seus superiores, nenhum técnico corria perigo de ser demitido por haver
reportado condutas suspeitas.
Invocada como mantra pelos detratores de Dilma Rousseff, a ideia de que a
marcha inexorável do impeachment era prova de que as “instituições estavam
funcionando” deve chamar a atenção para o fato de que os mecanismos de
fiscalização e apuração de irregularidades, em ambientes de grande
complexidade institucional como a moderna administração pública, vão muito
além de crimes comuns ou de responsabilidade. Eles incluem uma imprensa
com liberdade para buscar informações públicas e reportar o que julgar
relevante, constrangendo as autoridades a justificarem ações que de outro
modo passariam despercebidas; organizações da sociedade civil livremente
constituídas, cujo objeto pode incluir o monitoramento e a denúncia de
práticas impróprias de agentes políticos; uma rede de instituições com poderes
para fiscalizar umas às outras, bem como para receber denúncias e apurá-las
de modo eficaz; uma esfera pública plural e pujante, na qual especialistas
podem criticar e defender condutas de autoridades sem receio de perseguição
ou intimidação; e um ambiente de eleições limpas e periódicas, nas quais o
povo possa expressar aprovação ou reprovação aos candidatos que se
oferecerem à concorrência popular, e que precisam, em contrapartida,
trabalhar por um reconhecimento que lhes renda votos. Todos esses
elementos promovem responsabilização, de diversos tipos, de agentes que
exercem poder.41 Quando essa grande orquestra toca afinada, o bordão “As
instituições estão funcionando” cai como uma luva. A fogueira na qual ardeu
o governo de Dilma Rousseff é um bom exemplo de como a variedade de
estratégias de responsabilização de uma administração, e a consequente
correção de seus desvios, funcionaram no Brasil daquele período,
independentemente do impeachment.

S J V, a revelação dos bastidores da reunião sigilosa


deixou Arno Augustin “enfurecido” e sentindo-se “traído”.42 Ele convocou
seus subordinados imediatos para uma reunião em 4 de dezembro de 2013,
tão logo soube que as reportagens dos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de
S.Paulo seriam publicadas. Embora o secretário os tenha ameaçado com
abertura de processos disciplinares, os servidores sabiam que estavam bem
protegidos: mesmo que perdessem os cargos comissionados de chefia,
voltariam às suas funções burocráticas no Tesouro Nacional, com bons
salários e estabilidade. A possibilidade de um processo administrativo dessa
natureza prosperar dependeria de que algum dos jornalistas revelasse suas
fontes dentro do Tesouro, algo a que o direito constitucional ao sigilo da fonte
os desobriga, e que a ética jornalística lhes proíbe. A cobertura especializada
dos grandes jornais foi decisiva para revelar, como vimos, em um primeiro
momento, as pedaladas na Caixa; e, na sequência, as práticas semelhantes no
Banco do Brasil, no  e os atrasos nos repasses ao . A imprensa foi
determinante para mostrar a inédita extensão das pedaladas, assim como o
caráter sistemático com o qual elas passaram a ser praticadas a partir do início
de 2013 até o final de 2014, forçando o governo a responder publicamente por
seus atos.
Além de revelações anônimas à imprensa, outros servidores públicos
valeram-se da proteção de seus cargos para se insurgirem contra práticas
fiscais reprováveis do governo Dilma, até mesmo quando ocupavam cargos
comissionados na administração federal. Em 17 de março de 2014, o então
ministro da Previdência, Garibaldi Alves, do , deu uma entrevista
dizendo que o déficit previdenciário estimado pelo governo para o ano estava
subestimado em 10 bilhões de reais.43 A entrevista deixou membros do
governo incomodados. Garibaldi foi pressionado e teve de voltar atrás em sua
afirmação no mesmo dia.44 Evidentemente, o ministro não havia feito ele
próprio as contas: o responsável pelos cálculos era Leonardo Rolim, assessor
concursado da Câmara dos Deputados. Por seus amplos conhecimentos de
contabilidade pública, Rolim fora escolhido por Alves para a Secretaria de
Políticas Previdenciárias do ministério. Com o objetivo de evitar futuras
contestações às projeções oficiais da administração Rousseff para o déficit da
Previdência, Rolim acabou demitido e voltou a seu cargo na Câmara.45 Mais
perto do final do ano, quando o governo reviu sua meta, chegou muito
próximo à estimativa que Rolim dera em março, projetando um déficit
previdenciário de 49,193 bilhões de reais para 2014. Ainda assim, foi pouco: o
déficit total naquele ano chegou a 56,7 bilhões de reais.46 O saldo final do
episódio foi desgastante para um governo que lutava contra a imagem de
maquiador de contas: um servidor técnico havia sido demitido de um cargo
comissionado por dizer a verdade sobre o déficit da Previdência.
Além de servidores dispostos a apontar irregularidades, também
especialistas com voz no debate público usaram suas plataformas para
denunciar práticas que lhes pareciam impróprias na contabilidade do governo
federal. José Roberto Afonso, um dos mentores da Lei de Responsabilidade
Fiscal47 e à época pesquisador da , era um crítico da política fiscal do
governo cujas opiniões ressoavam na imprensa. Responsável por uma página
de internet popular entre economistas, foi uma das vozes públicas pioneiras
em distinguir as práticas do Tesouro Nacional sob Dilma daquelas levadas a
efeito por outros presidentes antes dela, negando inclusive que o termo
“pedalada”, cunhado para as situações anteriores, fosse adequado para
descrevê-las.48 Também Mansueto Almeida, então analista de carreira do
Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) que editava um blog
influente, vinha criticando condutas do governo que lhe pareciam trapaças
contábeis.49 Pelo histórico de relações de ambos com políticos do , as
críticas de Almeida e Afonso eram desqualificadas por Arno Augustin.50 De
qualquer modo, esse era um debate que se travava pela imprensa e através de
plataformas de comunicação amplamente acessíveis, que se valiam do direito à
livre expressão e à prestação desimpedida de informação.
Houve ainda organizações da sociedade civil que fizeram marcação cerrada
sobre as contas públicas de Dilma Rousseff. A principal delas foi a  Contas
Abertas. Seu principal debatedor público, Gil Castelo Branco, era colaborador
frequente em grandes jornais. Em janeiro de 2014, a Contas Abertas já havia
denunciado ao Congresso Nacional práticas de contabilidade pública que
julgava impróprias, à custa das quais o governo havia conseguido atingir as
metas fiscais de 2013. Entre elas, a entidade apontava atrasos em repasses
obrigatórios ao , o Sistema Único de Saúde, atrasos em repasses a estados e
municípios, aumento inexplicável de despesas genéricas sob a rubrica “restos a
pagar” e as pedaladas em seu sentido mais clássico: repasses feitos após o
horário bancário do último dia útil no mês.51 Era o direito constitucional à
livre associação, inclusive com o objetivo de denunciar ilegalidades
governamentais, que amparava a existência de s como a Contas Abertas.

O B C      na rede de fiscalização e


responsabilização que encurralou o Tesouro Nacional, e assim o governo
federal, em 2014. Para entender sua atuação, relembremos que as pedaladas
eram mecanismos eficazes de maquiagem contábil porque atrasos nos
repasses a bancos federais ficavam de fora do cálculo da dívida pública
brasileira, invisibilidade que decorria de antigas convenções contábeis do
Banco Central, a autoridade responsável pela apuração oficial da dívida para
fins de avaliar o cumprimento de metas da Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Embora Arno Augustin demonstrasse tranquilidade para justificar as
pedaladas com base nas práticas de escrituração do Banco Central,52 para o
presidente do banco, Alexandre Tombini, a questão não era tão simples.
Aparentemente, Tombini incomodava-se com o fato de que uma convenção
contábil do Banco Central fosse utilizada para ocultar um dado obviamente
relevante sobre a saúde fiscal do país. Segundo João Villaverde,53 o presidente
do Banco Central começou a trabalhar para que a antiga metodologia fosse
alterada, de modo que aqueles passivos passassem a ser oficializados nas
dívidas do Tesouro. Essa mudança faria com que as pedaladas perdessem seu
principal atrativo, pois não serviriam mais para esconder passivos atrasados.
Quando o Banco Central foi envolvido no procedimento arbitral entre
Caixa, ministérios e o Tesouro Nacional, o que sugeria que sua cúpula e seus
técnicos poderiam incorrer em alguma ilegalidade caso ignorassem o
problema, Tombini conseguiu a mudança que queria: a metodologia contábil
do banco foi alterada e passou a considerar “os estoques a descoberto nas
contas da Caixa de pagamento de programas sociais” no cálculo da dívida
pública.54 Essa mudança, facilitada pelo trabalho da câmara de conciliação da
, e motivada em grande parte pela insistência da Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional em responsabilizar o Banco Central pelo cálculo da dívida
pública, diminuiu o estímulo para que governos atrasassem repasses em
desfavor da Caixa, ao menos se o objetivo fosse fazer as contas do Tesouro não
parecerem tão ruins. Se as pedaladas eram verdadeiramente o problema, a
mudança patrocinada por Tombini foi um importante passo para evitar que
elas se repetissem.
Esse movimento colocou as práticas do Tesouro em outro patamar de
escrutínio, inclusive porque os trabalhos da câmara de conciliação tornaram-se
públicos pelo constante acompanhamento da imprensa. A institucionalização
e publicidade do conflito provocaram as outras instituições envolvidas a
pensar mudanças que pudessem prevenir o problema no futuro. Internamente
à Caixa, também houve movimentações que visavam a impedir a continuidade
daquelas práticas, pois elas impactavam negativamente os resultados do banco.
(Vale lembrar que foi dessa instituição que partiu, em dezembro de 2013, a
iniciativa de envolver a  na contenda, inclusive apontando potenciais
violações à Lei de Responsabilidade Fiscal.)55 A Caixa mudou o padrão dos
contratos de prestação de serviços que tinha com os ministérios. Segundo João
Villaverde, a nova redação contratual fixava prazos e limites no fluxo de
recursos entre os ministérios e os bancos. Com isso, não seria mais possível
que o montante de atrasos chegasse aos patamares registrados em 2013 e
2014.56 Uma vez que as pedaladas eram possibilitadas pela específica redação
dos contratos entre as partes envolvidas, as instituições competentes então
reagiram para aperfeiçoar os termos desses acordos.
A ode ao funcionamento das instituições poderia aludir ainda ao chamado
accountability político não eleitoral, isto é, o controle exercido pelo superior
hierárquico sobre o inferior hieráquico em cargos de livre nomeação e
demissão.57 No caso das pedaladas, embora houvesse inegável afinidade entre
Dilma Rousseff e os subordinados responsáveis por suas políticas econômica e
fiscal-orcamentária — respectivamente o ministro da Fazenda Guido Mantega
e o secretário do Tesouro Nacional Arno Augustin —, ela aproveitou a
reeleição para trocá-los por nomes sabidamente adversários da chamada Nova
Matriz Econômica e das práticas de “contabilidade criativa” de que Arno era
acusado. Em 2015, foram empossados como ministro da Fazenda Joaquim
Levy, economista formado em Chicago e tido como entusiasta de uma gestão
econômica mais ortodoxa que a de Mantega; e como secretário do Tesouro
Nacional Marcelo Saintive, também economista, nome da confiança de Levy.58
A mudança da equipe sinalizava a disposição do governo em ajustar os rumos
da política econômica dentro da qual as práticas da chamada “contabilidade
criativa” haviam sido gestadas e implementadas. Era impensável que os novos
titulares das pastas se prestassem ao papel de dar prosseguimento a elas.

U     de accountability que cercou as pedaladas foi


o . Em abril de 2015, julgando uma representação do Ministério Público
assinada pelo procurador Júlio Marcelo de Oliveira, baseada em relatório de
auditoria iniciada no final do ano anterior, o  considerou que as pedaladas
eram ilegais.59 Relatado pelo ministro José Múcio Monteiro, o acórdão no
825/2015 determinou uma série de medidas em resposta à representação do
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas: ao Banco Central, foi
determinado que passasse a registrar todos os débitos em aberto; aos
ministérios, o  mandou que pagassem o que deviam aos bancos públicos; e
ao Tesouro Nacional, ordenou que repassasse o que era devido aos
ministérios, para que eles pudessem quitar seus atrasos com as instituições
financeiras. A decisão dispôs também que um conjunto seleto de autoridades,
que incluía Guido Mantega, Arno Augustin e o agora ex-presidente da Caixa
Jorge Hereda, justificasse as operações de suas respectivas instituições, sob
ameaça de penas que poderiam levá-los até mesmo à inabilitação para o
exercício de funções públicas. O acórdão também determinou que o
Ministério Público fosse oficiado, para que tomasse as medidas que julgasse
cabíveis.
O saldo mais impactante do julgamento do  foi a conclusão de que os
aproximadamente 40 bilhões de reais até então retidos pelo Tesouro em
prejuízo dos bancos públicos federais implicavam “assunção de compromisso
financeiro” sem a devida previsão, e, por conseguinte, violação à Lei de
Responsabilidade Fiscal. A decisão chamou atenção pelo fato de que o artigo
73 da Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que as infrações aos
dispositivos da lei podem ser consideradas ilícitas à luz da Lei do
Impeachment, que se aplica tanto a presidentes quanto a ministros de Estado.
No dia seguinte ao julgamento, órgãos de imprensa reportaram que o 
havia decidido que “as pedaladas foram crime de responsabilidade”,60 muito
embora nenhuma afirmação específica nesse sentido tenha constado da versão
final do acórdão no 825/2015. É importante ressaltar que tal conclusão não
decorre diretamente do reconhecimento de violação à Lei de Responsabilidade
Fiscal: não é porque algumas violações àquela lei podem configurar crime de
responsabilidade que qualquer violação à lei sempre os irá configurar; há,
naturalmente, um juízo de gravidade a ser feito em cada caso concreto. De
qualquer forma, ao menos no que dependia do relator, não havia que se falar
em crimes de responsabilidade das autoridades sob julgamento (Mantega,
Augustin e Hereda, entre outros): “Faltou dinheiro para pagar as contas. As
pessoas tiveram de cumprir uma ordem”,61 ponderou José Múcio Monteiro.
Ainda assim, a decisão do  animou a oposição liderada pelo , que
estava abertamente à procura de qualquer tese que pudesse embasar o
afastamento de Dilma. Segundo informou O Estado de S. Paulo no dia seguinte
ao julgamento, as pedaladas, àquela altura, estavam ao lado de outros possíveis
fundamentos para um pedido de impeachment, como as acusações de que a
Controladoria Geral da União segurara informações sobre corrupção na
Petrobras até depois das eleições de 2014 e o suposto uso irregular dos
Correios na campanha.62 A oposição também torcia para que os escândalos de
corrupção do  chegassem próximo à presidente, à medida que o cerco
contra a cúpula do partido se fechava: no mesmo dia em que o Tribunal de
Contas julgou ilegais as pedaladas fiscais contra a Caixa, o tesoureiro do
partido, João Vaccari Neto, foi preso por ordem do juiz Sergio Moro. Após o
ajuizamento de ação no  para impugnar a eleição de Dilma Rousseff, a
disposição de se explorar politicamente o julgamento das pedaladas pelo ,
inclusive através de um pedido de impeachment, igualmente sugeria
propensão à radicalização contra a legitimidade do mandato da presidente.

“As contas são da presidente”

Ao mesmo tempo que diversas instituições agiam para resolver de forma


eficaz o problema das pedaladas, outras trabalhavam de modo a criar
condições para o impeachment de Dilma, fosse com base em pedaladas, fosse
por outro fundamento qualquer. Elas atuaram para dificultar a condução
política do governo, afugentar membros da coalizão da presidente e estimular
um sentimento agudo de indisposição da opinião pública não apenas contra o
governo em particular, mas contra a classe política em geral. Foram funcionais
para o impeachment, mas cruzaram a linha da imparcialidade política que
deve reger o funcionamento de órgãos de Estado — em especial em contextos
de elevada polarização, nos quais o recato deveria ser máximo e o estímulo à
radicalização, nenhum. A primeira dessas instituições foi o .
O  é um órgão previsto na Constituição de 1988 e que realiza diversas
funções. No caso das pedaladas, relatado pelo ministro José Múcio Monteiro, o
 exerceu função de julgamento. Mas aquele tribunal também exerce outro
papel importante, especificamente relativo à presidência da República: avaliar
as contas do governo a cada ano e emitir parecer para que o Congresso
aprove, ou reprove, a gestão fiscal dos presidentes.63
Logo após as eleições de 2014, quando a oposição já vinha contestando a
reeleição de Dilma junto ao , o  tornou-se foco de atenção de políticos
interessados em encurralá-la. Se a atividade do tribunal é pouco acompanhada
pela população em geral, sua relação com os parlamentares é estreita, não
apenas porque seus membros privam da companhia de políticos no círculo
social provinciano da elite brasiliense, mas principalmente porque ter bom
relacionamento político é condição necessária para se chegar a ministro do
.64 Notório crítico do órgão, o ex-ministro do  Joaquim Barbosa
desdenhava-o como um “playground de políticos fracassados”, zombando do
fato de que seus conselheiros são frequentemente escolhidos por articulações
políticas que beneficiam deputados de menor expressão.65
Augusto Nardes, relator do parecer sobre as contas de 2014 do governo
federal, não era um político fracassado, mas seguramente era um político — e
como tal se portou no julgamento das contas de Dilma Rousseff, embora sua
função ali fosse a de juiz.66 Tão logo as pedaladas foram consideradas ilegais
no processo relatado por seu colega José Múcio Monteiro, em abril de 2015,
Nardes passou a dar repetidas declarações que não deixavam dúvidas quanto à
sua intenção de rejeitar as contas federais por violação à Lei de
Responsabilidade Fiscal.67 Em sucessivas entrevistas, buscou deixar claro que a
responsabilidade pelos ilícitos apurados no primeiro julgamento não se
limitava às autoridades julgadas até então, mas deveria estender-se ao cume do
governo federal. Para ele, qualquer irregularidade fiscal em toda a
contabilidade do governo federal poderia ser direta e pessoalmente imputável
a Dilma Rousseff.
Em junho de 2015, poucas semanas antes do início do julgamento que
culminaria com a reprovação das contas presidenciais, Nardes assumiu o papel
de adversário de Dilma e veio a público rebater antecipadamente uma das
provas que a  apresentou em favor do governo: um documento assinado
de próprio punho por Augustin, datado do final de 2014, em que o ex-
secretário assumia responsabilidade pessoal pelas pedaladas. “Não adianta o
Arno Augustin dizer que foi ele que fez as pedaladas. As contas são da
presidente.”68 Na véspera do julgamento, o ministro mandou um recado nada
sutil de que votaria pela reprovação integral das contas do governo relativas a
2014: “Não votarei pela aprovação com ressalvas”, disse ele à imprensa, logo
antes de entrar em sessão.69
Os advogados do governo e os políticos do  passaram a criticar o acintoso
prejulgamento de Nardes. Mais do que violar a liturgia judicial, o ministro
atuava para mobilizar parlamentares de oposição e a sociedade civil pelo
impeachment de Dilma. No final de semana anterior ao julgamento, três
ministros do governo — José Eduardo Cardozo ( Justiça), Nelson Barbosa
(Planejamento) e Luís Adams () — convocaram uma coletiva para rebater
as acusações de violação à Lei de Responsabilidade Fiscal e contestar a
participação de Nardes no julgamento.70 Em resposta, a oposição organizou
uma comitiva multipartidária para “fazer um desagravo” ao órgão, tendo em
vista a “pressão desmedida” que diziam proceder do governo. “Viemos aqui
apenas para prestar solidariedade”, disse o então senador Aécio Neves antes de
reunir-se, na véspera do julgamento, com Nardes e o presidente do ,
Aroldo Cedraz. Junto com Aécio estavam os senadores Aloysio Nunes (),
Ana Amélia (), Agripino Maia (), Ronaldo Caiado () e Eduardo
Amorim ().71 Ao menos no que diz respeito aos parlamentares, o  foi
uma força de mobilização poderosa para a aliança pró-impeachment.
O governo tentou de diversas maneiras adiar o julgamento relatado por
Augusto Nardes. Na segunda-feira, dia 5 de outubro, a  impetrou
mandado de segurança no  buscando impedir a sessão. No próprio dia do
julgamento, quarta-feira, 7 de outubro, os advogados do governo pediram
liminar ao ministro relator, Luiz Fux, insistindo na suspeição de Nardes. Os
pedidos foram negados.72 A  também apresentou uma exceção de
suspeição — isto é, um pedido ao próprio  para que Nardes fosse impedido
de participar do julgamento —, sumariamente rejeitada pelos demais
ministros.73 O tribunal passou então a julgar as contas de 2014 de Dilma
Rousseff.

O     que a Lei de Responsabilidade Fiscal não


exige contrato bancário específico para que haja operação de crédito. Assim, o
simples atraso, por implicar pagamento de juros pelo devedor, equivalia a
operação de crédito. Essa interpretação nada tem de trivial, porque equipara
na prática dois fenômenos jurídicos distintos: o descumprimento contratual,
de um lado, do qual podem advir consequências como correção monetária,
juros e multa; e a contratação de operação de crédito, que também implica
pagamento de juros, mas sob fundamento diverso (a remuneração pelo capital
emprestado). Se para a contabilidade juros são sempre juros, para o direito o
descumprimento contratual e a celebração de um contrato de crédito são
fenômenos distintos, embora ambos resultem na obrigação de um pagamento.
Foi por essa interpretação que Nardes considerou que o governo havia
desrespeitado o artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe
operações de crédito entre instituição financeira federal e a União.74
O relator julgou que a omissão das informações relativas a esses atrasos do
cálculo da dívida pública distorceu as estatísticas fiscais do governo. Em razão
disso, sempre segundo Nardes, as projeções do próprio governo, baseadas
nesses números que sabidamente não espelhavam a realidade das contas
públicas, haviam afetado toda a programação orçamentária da União. O
relator também entendeu que o governo havia editado decretos que estavam
em desacordo com os parâmetros da responsabilidade fiscal, porque fundados
em uma estimativa tributária que o governo sabia ser falsa. Embora o governo
tivesse ajustado as projeções fiscais no final do ano, e conseguido para elas a
aprovação do Congresso, Nardes avaliou que o Executivo agira de má-fé:
somente levou o pedido de alteração ao Congresso no final do exercício,
“quando a realidade fiscal já estava deteriorada, o que deixou o Parlamento
refém de uma situação fática irreversível”.75 Esse argumento possibilitou outra
acusação contra Dilma, ao lado das pedaladas: a edição de decretos
suplementares de crédito em desacordo com a meta fiscal factível (embora de
acordo com aquela formalmente vigente) no momento de sua elaboração. O
parecer do relator foi acompanhado à unanimidade por seus colegas.
O voto vencedor de Nardes era bom para a política do impeachment, mas
inspirava alguns cuidados. O resultado do julgamento no  trazia risco a
diversos governadores, que igualmente haviam pedalado em suas
administrações estaduais. Segundo levantamento da Agência Pública
divulgado em 2016, nada menos do que dezessete chefes de Poder Executivo
estaduais haviam tido condutas semelhantes em 2013 e 2014.76 Alguns desses
governadores haviam sido reeleitos e não podiam correr o risco de a tese ser
usada contra eles em seus estados. Como governadores têm importante
influência sobre parlamentares de seus estados no Congresso Nacional, uma
tese jurídica que os colocasse em perigo não era politicamente atraente. Fazia-
se necessária uma costura jurídica que os protegesse, construída por um hábil
conhecedor das regras e dos meandros da burocracia parlamentar. Alguém
como o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, um ícone da classe de
políticos encurralados pela Lava Jato na época da queda de Dilma Rousseff. Se
é verdade que parlamentares aderem a impeachments quando se vislumbram
em situação melhor no governo futuro do que no atual,77 o fim da Lava Jato
era o prêmio máximo para muitos deputados e senadores, que começaram a
abandonar a base de apoio ao governo a partir de 2015.

A política em apuros
Embora as acusações que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff não
tivessem relação direta com a Lava Jato ou com suspeitas de corrupção
praticadas pessoalmente pela presidente, as investidas implacáveis do 
contra parlamentares corruptos, empresários corruptores e doleiros lavadores
de dinheiro tiveram estreita relação com o processo. Isso se deu de três
maneiras diferentes. Primeiro, a operação estimulou políticos acuados a
agirem em sua própria proteção, sonhando com uma troca de governo que
pusesse freio à operação. Segundo, ela inflamou a indignação popular, já
escaldada com escândalos de corrupção do  desde o julgamento do
Mensalão, em 2012; em resposta, uma parcela grande da população, com
justeza indignada com as sucessivas notícias sobre políticos e funcionários
públicos que haviam abusado de seus cargos para obter vantagens criminosas
para si e para seus partidos, respondeu enchendo as ruas com sucessivos
protestos que deram embalo popular ao impeachment. Terceiro, em alguns
lances específicos de sua cruzada anticorrupção, o Poder Judiciário atuou de
modo impróprio para obstaculizar a articulação política pela qual Dilma
Rousseff procurava se defender da radicalização provocada pela oposição. Essa
radicalização desaguou no impeachment quando seus perpetradores tiveram
segurança de que esse seria o modo mais efetivo para afastar a presidente do
cargo. O tempo dos atos do sistema judiciário, em alguns lances-chave para o
impeachment, parece ter sido calculado sempre em desfavor dos interesses da
defesa de Dilma. Quando convinha ao impeachment que o ato fosse praticado
rapidamente, inclusive dispensando formalidades de praxe, assim era feito, a
exemplo da divulgação da célebre conversa telefônica entre Dilma e Lula; mas
quando o conveniente era o oposto, o ato era retardado, como ocorreu com a
divulgação do não menos célebre áudio do senador Romero Jucá ou com o
afastamento cautelar do deputado Eduardo Cunha, ambos retidos até se votar
a autorização para o processo na Câmara dos Deputados. Como bem aponta
Fabiana Alves Rodrigues, em paródia do conhecido bordão do ministro Marco
Aurélio Mello, os processos da Lava Jato “tinham capa” — isto é, sua condução
não ignorava a condição das pessoas nele envolvidas, cujos nomes estão
gravados na capa dos autos —, “e essa capa influenciou a gestão temporal dos
casos”.78
Aos políticos acuados, a perspectiva da troca de Dilma por Temer dava
esperanças de sobrevivência. O vazamento de áudio protagonizado por
Romero Jucá, em 23 de maio de 2016, deixou isso evidente. Em uma conversa
gravada pelo então candidato a delator Sérgio Machado, ex-presidente de uma
subsidiária da Petrobras, Jucá, então presidente nacional do , mostrava
receio pela iminente delação de Marcelo Odebrecht. O senador estava
convencido de que a Lava Jato iria atrás de gente de todas as legendas, com o
objetivo de “acabar com a classe política para ressurgir, construir uma nova
casta, pura”. Jucá dizia a Machado que todas as lideranças políticas já haviam
percebido que estava “todo mundo na bandeja para ser comido”. Em dado
momento, revelou que ministros do  haviam dito a ele que, enquanto
Dilma estivesse no governo, a pressão contra os políticos não cessaria, pois a
Lava Jato queria, no seu entender, tirá-la do poder: “Enquanto ela estiver ali
[…] os caras querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca”. Para o senador,
a solução era uma só: “Tem que ter impeachment. É a única saída”. Com isso,
seria possível haver um acordo de pacificação política, com chancela do  —
“com o Supremo, com tudo” —, para, em um governo de Michel Temer,
limitar os impactos da operação aos políticos que haviam sido atingidos até
aquele momento. “Delimitava onde está, pronto.”79
Embora essa gravação tivesse ocorrido em março de 2016, portanto um
mês antes da votação na Câmara dos Deputados que pavimentou um caminho
sem volta para o impeachment, o áudio foi divulgado apenas em maio, com
Dilma já afastada após o recebimento da denúncia pelo Senado. À época do
vazamento, Romero Jucá era ministro do Planejamento do governo interino
de Michel Temer. Do ponto de vista do impeachment, esse atraso foi
evidentemente impróprio, pois impediu a opinião pública de conhecer as reais
motivações por trás de uma articulação política que foi decisiva para a queda
da presidente. Sem o apoio do , que trabalhava pelas razões
inconfessáveis que vieram a público com o áudio de Romero Jucá, o
impeachment simplesmente não teria acontecido.
O desdobramento dos fatos deu razão aos temores do senador. De fato, a
justiça encurralou não apenas personagens do primeiro escalão do ,
como Eduardo Cunha, mas também Aécio Neves, figura de ponta do ,
embora o tenha feito apenas após eles terem cumprido seu papel no
impeachment: Cunha só foi afastado e preso depois de ter engendrado a
tramitação e a costura política da autorização para o processo na Câmara dos
Deputados; e Aécio só foi afastado e denunciado após ter dado força pública
ao  nos julgamentos sobre as contas de governo, e de ter funcionado como
importante agente na condenação de Dilma pelo Senado.

R J    de que Dilma não iria


interferir nos órgãos responsáveis pela Lava Jato e não agiria para proteger
seus aliados do . O comportamento da presidente confirmou as certezas
do senador, pois a operação correu sem qualquer resistência da parte dela. Seu
maior atestado público de não interferência deu-se com a recondução de
Rodrigo Janot ao cargo de procurador-geral da República, em agosto de 2015.
Para caciques políticos da época, Janot era carbonário. Seu apoio incondicional
à matriz da operação em Curitiba, seu empenho pessoal no oferecimento de
denúncias, pedidos de prisão e afastamentos de cargos públicos e sua sanha em
negociar colaborações premiadas como a de Sérgio Machado não deixavam
dúvidas: no que dependesse dele, não restaria pedra sobre pedra dos arranjos
onde haviam florescido figuras como Jucá e Cunha.
Por que Dilma Rousseff assistiu passivamente ao avanço da Lava Jato e de
certa forma contribuiu com ele por meio da recondução de Janot? É possível
especular algumas razões. A primeira: talvez Dilma tivesse receio de que
qualquer ação sua em prejuízo da operação causasse suspeitas de interferência
política indevida de sua parte. Naqueles tempos de radicalização, isso
seguramente levaria a protestos da imprensa e da oposição, e poderia
redundar, por si só, em uma acusação por crime de responsabilidade contra a
presidente.80 Por essa primeira hipótese, Dilma não poderia interferir na Lava
Jato nem que quisesse. A segunda: a passividade do governo pode ter sido
estratégica, pois a operação talvez tirasse do caminho de Dilma diversos
políticos poderosos com os quais ela sabidamente não se dava, especialmente
do , como Eduardo Cunha. A terceira: essa deferência pode ter sido uma
decisão política acertada junto a lideranças do , pois a suspeita de
intromissão no Ministério Público seria um ônus excessivo para uma legenda
já muito associada à corrupção. Finalmente, é possível apostar também que a
falta de interferência tenha sido apenas autocontenção republicana por parte
de Dilma Rousseff. Essas hipóteses não são excludentes entre si. O fato é que,
para desespero de Romero Jucá, a presidente foi exemplar em seu decoro em
face das autoridades que emparedavam tanto seus aliados quanto o seu
próprio partido.81
A mensagem que sobrava era clara: a presidência da República não agiria
para proteger aliados que viviam com medo de serem tirados da cama pela .
Para essas pessoas, o impeachment se tornava pragmaticamente atraente na
medida em que elas acreditavam que o vice, Michel Temer, seria capaz de
entregar o tão sonhado freio na Lava Jato. Romero Jucá, ao menos, contava
com isso: “Só o Renan [Calheiros] que está contra essa porra. Porque não
gosta do Michel, porque ‘o Michel é Eduardo Cunha’. Gente, esquece o
Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra”.82

O sistema de justiça trabalhando pelo impeachment

Pelo desenho da Constituição, o papel do Judiciário em processos de


impeachment é muito pequeno, ao menos se considerarmos seu poder de
jurisdição sobre a matéria. Como visto nos capítulos anteriores, a única função
do sistema de justiça é fixar as regras do rito do impeachment, garantindo a
oportunidade para o exercício do direito de defesa e diminuindo a margem
para abusos de procedimento. Mesmo essa intervenção, que é mínima, é
polêmica na sistemática do impeachment: no Brasil, Paulo Brossard achava
que o  não devia sequer permitir-se analisar (“conhecer”) mandados de
segurança que impugnassem os ritos da Câmara e do Senado;83 nos Estados
Unidos, a Suprema Corte rejeitou jurisdição sobre o rito de julgamento
definido pelos senadores, por entender tratar-se de questão exclusivamente
política.84 O caso contra Dilma, porém, correu num instante em que o sistema
de justiça levava a cabo a Operação Lava Jato, que tinha impacto direto sobre
atores centrais do impeachment. Ainda que não se tratasse de uma atuação
cujo objeto envolvesse prática de crimes de qualquer natureza pela presidente,
o choque produzido pela operação, que se projetava amplamente sobre atores
relevantes do universo político, poderia desequilibrar a balança em favor de
um dos lados da disputa entre governo e oposição.
Nessas circunstâncias, há diferentes posturas que podem ser adotadas pelo
sistema de justiça. Uma primeira é uma contenção cuidadosa: sabendo que
suas decisões poderão influir decisivamente no deslinde de um conflito tão
sensível quanto um impeachment, juízes e membros do Ministério Público
podem redobrar os cuidados para não interferirem na arena das disputas
políticas. Nesse caso, a não ser que haja ameaça de prescrição à vista, ou
medidas de cautela a serem tomadas de modo inadiável, atores do sistema de
justiça deixam os holofotes e observam rígida discrição, tanto nas palavras
quanto nos atos funcionais. Outra postura possível é a indiferença: mesmo
sabendo que suas decisões poderão influir no desembaraçamento de um
conflito político tão sensível quanto um impeachment, juízes e membros do
Ministério Público podem ignorar essa circunstância e seguir com a marcha
inexorável de investigações e processos. Fiat justitia, pereat mundus, “Faça-se a
justiça ainda que o mundo pereça”. Há bons argumentos a favor de ambas as
posições. A única coisa que não pode acontecer é uma combinação das duas
posturas, de modo que a contenção seja escolhida quando convém a uma das
partes do conflito político e a indiferença seja adotada quando prejudica a
outra. Se fizer isso, o sistema de justiça poderá ser fundamentadamente
acusado de ter usado seus poderes para desequilibrar o conflito político em
benefício de uma das partes, o que é evidentemente impróprio.
Em momentos-chave do impeachment de Dilma Rousseff, há bons motivos
para suspeitar que o sistema de justiça observou justamente essa combinação
indevida. Retomando o episódio do áudio de Romero Jucá, ele sugere que
estratégias de ordem política influenciaram ao menos o tempo da prática de
certos atos. O material foi primeiramente divulgado pela Folha de S.Paulo, que
o obteve de fonte desconhecida, em 23 de maio de 2016, embora a gravação já
estivesse em poder das autoridades desde março daquele ano. Vale dizer:
apesar de o material bombástico já estar à disposição semanas antes da
votação da autorização para o processo de impeachment contra Dilma na
Câmara dos Deputados, ele foi vazado para a imprensa — possivelmente por
alguém de posição elevada no , pois um documento tão sensível não
ficaria ao alcance de qualquer um — apenas após o afastamento preventivo da
presidente pelo Senado.
Assim, a melhor explicação para o tempo do vazamento é um cálculo
estratégico: quem guardou segredo sobre o áudio sabia que divulgá-lo antes
daria força a Dilma, pois exporia a motivação imprópria de muitos dos
políticos que trabalharam por sua queda; e sabia também que publicizá-lo logo
após a ascensão de Temer deixaria claro que o plano de Jucá fracassaria, e que
Michel Temer não seria capaz de poupar os investigados que trabalharam para
colocá-lo na cadeira presidencial. Assim, entre todas as partes envolvidas,
ninguém — nem mesmo Cunha, Jucá ou Temer — ganhou tanto com o
timing do vazamento do áudio de Jucá quanto a própria Lava Jato.
A suspeita de cálculo político na prática de atos do sistema de justiça era
anterior a esse vazamento. Em março de 2016, mesma época em que Jucá foi
gravado, Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula tiveram uma conversa
telefônica interceptada. Essa conversa foi tornada pública pelo juiz Sergio
Moro poucas horas após sua captação. No áudio, Dilma dizia que mandaria
entregar uma cópia do termo de posse a Lula, que acabara de aceitar convite
para tornar-se ministro-chefe da Casa Civil, para que ele o usasse “em caso de
necessidade”, possivelmente em referência a uma iminente ordem de prisão.
A conversa foi gravada após o juiz Moro ordenar a interrupção da captação.
Por determinação legal, interceptações não podem ser feitas antes da ordem
judicial que as autorize, nem podem continuar após ordem judicial que as
mande interromper. Ao tomar ciência do teor da conversa, Moro mandou
divulgar o áudio imediatamente. O fato caiu como bomba na opinião pública:
em minutos, a conversa entre Lula e Dilma era repetida à exaustão nas rádios
e em canais de notícia. Locais públicos que se notabilizaram como pontos de
encontro de manifestantes em diversas cidades rapidamente foram tomados
por pessoas protestando contra a posse de Lula na Casa Civil.85 No dia
seguinte, o ex-juiz de Curitiba ainda voltou atrás em uma decisão anterior sua,
para convalidar o trecho ilegal da interceptação, que fora captado após ordem
sua para interrompê-la.86
O contraste com a demora na divulgação do áudio de Romero Jucá é
gritante: enquanto a gravação que tinha potencial de favorecer politicamente
Dilma Rousseff foi retida por dois meses, aquela que prejudicava a
possibilidade de reorganização de sua base parlamentar foi divulgada em
minutos. Moro não aguardou sequer a transcrição de seu conteúdo, medida
que se impõe para o cumprimento do dever legal de separar o que não
interessa à investigação (e deve ser destruído) daquilo que interessa (e deve ser
preservado, sob sigilo).
Em 2019, o consórcio de veículos de imprensa liderado pelo jornal The
Intercept Brasil, que (legalmente) publicou reportagens baseadas em mensagens
(ilegalmente) captadas do celular de um dos procuradores da Operação Lava
Jato, revelou bastidores importantes sobre esse episódio. Em nova
demonstração de quebra do dever de imparcialidade, o material que foi
divulgado pela Lava Jato omitiu outras conversas captadas do celular do ex-
presidente Lula que eram relevantes para o contexto. Em diálogos com
diversas outras tantas autoridades, Lula revelava a amplitude das razões que o
haviam convencido a aceitar o convite de Dilma, entre as quais estava seu
desejo de se contrapor a uma onda de rejeição às instituições políticas
tradicionais que lhe parecia tomar corpo mundo afora.87 Se estavam em
questão os motivos que o haviam levado a assumir a Casa Civil, esses outros
registros, que Sergio Moro optou por manter em segredo, eram tão
pertinentes quanto aqueles que o juiz de Curitiba escolheu instantaneamente
divulgar.
A reportagem permite concluir que o vazamento dos áudios visava a criar
ambiente incompatível com a posse de Lula no ministério, o que reforça a
hipótese da prática de atos jurisdicionais com o objetivo impróprio de
interferir na dinâmica dos conflitos políticos entre partidários e adversários de
Dilma Rousseff. “Vamos descer a lenha até terça”, ordenou o procurador
Deltan Dallagnol em 16 de março de 2016, assim que os áudios foram
divulgados pelo canal GloboNews.88 Lula chegou a tomar posse na terça-feira,
dia 17 de março, mas logo foi afastado do cargo por decisão liminar do
ministro Gilmar Mendes, do . Dallagnol usou sua visibilidade, que é
indissociável de seu cargo, para criar um ambiente público hostil à posse, algo
obviamente impróprio para um procurador da República. É evidente que o
impeachment era o horizonte que todos tinham em mente, pois trazer Lula
para o governo era uma necessidade imperiosa para Dilma Rousseff: se havia
alguém capaz de recompor a base política do governo na Câmara, dinamitada
por Eduardo Cunha, esse alguém era Lula.

N       B recente é bem


contada se não descrever o envolvimento do Supremo Tribunal Federal. Com
a divulgação do áudio do telefonema entre Dilma e Lula, uma onda de
decisões cautelares de juízes de primeira instância impediu a posse do ex-
presidente como ministro. O tema logo chegou ao  em dois mandados de
segurança de partidos políticos, um impetrado pelo  ( 34 070), outro
pelo  ( 34 071). Ambos acabaram sob relatoria do ministro Gilmar
Mendes. Até então, e ao menos desde 2004, 89 Mendes sustentava em suas
decisões que partidos políticos não tinham competência para ajuizar
mandados de segurança para a defesa de interesses coletivos, somente para a
defesa de direitos líquidos e certos de seus filiados. A seguir por essa linha,
Mendes deveria ter se recusado a analisar as ações ajuizadas pelo  e pelo
. Mas, quando recebeu os dois mandados de segurança pedindo para que
a posse de Lula fosse impedida, o ministro não se deixou constranger por seus
próprios precedentes: “Percebo que a análise que fiz daquela feita foi
excessivamente restritiva”.90
Gilmar Mendes concedeu a medida cautelar pleiteada pelos partidos e
impediu a posse de Lula. A decisão jamais foi levada à apreciação dos demais
ministros do tribunal, em um notável exemplo de alguns poderes absolutos
que ministros do Supremo têm dado a si mesmos: decidem sozinhos questões
de enorme importância e não as submetem ao escrutínio dos órgãos
colegiados do tribunal, ou só o fazem muito tempo depois de o assunto perder
relevância. A liminar barrando a posse de Lula ficou guardada na gaveta de
Mendes até que a ação perdesse o objeto, em razão do impeachment de Dilma
Rousseff. A medida cautelar por ele concedida serviu para alimentar a
ambição, quase sempre imprópria, de que juízes podem revisar nomeações de
presidentes para cargos políticos — uma ambição que ele próprio reprovou
pouco tempo depois, quando criticou a possibilidade de juízes impedirem a
posse da deputada Cristiane Brasil como ministra do Trabalho de Michel
Temer: “Daqui a pouco vamos entrar em critérios diversos, se o fulano tem
cárie ou mau hálito. Fica até engraçado isso. Eu posso não gostar do ministro,
mas cabe ao presidente nomear”.91
Lula não foi o único indicado por Dilma impedido de tomar posse: dias
antes, o Supremo já havia barrado a nomeação do promotor de justiça
Wellington César Lima e Silva no Ministério da Justiça, por considerar
inconstitucional que integrante do Ministério Público ocupasse cargo no
Executivo. Gilmar Mendes, relator também desta ação, chamou a participação
de membros do  em cargos de governo de “estupro constitucional”.92 A
decisão de não permitir que promotores de justiça sirvam aos governos que o
Ministério Público deve fiscalizar é correta, mas novamente chama a atenção o
tempo da prática dos atos: não apenas porque a participação de promotores
em governos, especialmente no nível estadual, era reiterada e antiga — havia
até resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público que a
disciplinavam —, mas especialmente pelo tempo recorde de tramitação da
ação constitucional em que a proibição foi fixada: apenas seis dias entre o
ajuizamento da ação e seu julgamento pelo tribunal.93
Por mais popular que fosse o jacobinismo dos procuradores de Curitiba, o
círculo de fogo que encurralou a elite política brasileira não estaria fechado
sem a participação dos tribunais superiores. Em situações precedentes, os
ímpetos da Justiça Federal de primeiro grau já haviam sido refreados por
ordens judiciais vindas de Brasília. Foi o que ocorreu na Operação Castelo de
Areia — que mirava muitas das mesmas empreiteiras pegas pela Lava Jato —,
brecada pelo Superior Tribunal de Justiça () em 2011.94 Desta vez, porém,
houve perfeito alinhamento entre instâncias judiciais inferiores e superiores
para preservar a marcha da operação, ao menos até 2016. Sob a relatoria dos
ministros Teori Zavascki, no , e Felix Fischer, no , e alimentados pelas
incessantes investigações e denúncias promovidas pelo  na capital federal,
os desdobramentos brasilienses da Lava Jato foram cataclísmicos para muitas
das legendas que se empenharam em fazer andar o impeachment de Dilma
Rousseff. Parafraseando o notório áudio da conversa entre Romero Jucá e
Sérgio Machado, a ficha tinha caído para todos os líderes políticos, mesmo os
da oposição. “Todos eles. Aloysio [Nunes], [ José] Serra, Aécio [Neves]. […]
Todos, porra. E vão pegando e vão…”95 Pelo diagnóstico de Jucá, não havia
escapatória por cima: mesmo os alçapões do  e do  estariam fechados
enquanto Dilma continuasse na presidência.
A ficha caiu, possivelmente, em março de 2015. No começo daquele mês, o
mesmo em que Dilma foi alvo dos primeiros panelaços contra seu governo, o
ministro Teori Zavascki levantou sigilo de inquéritos e determinou a
investigação de 37 deputados e senadores. Entre eles estavam os presidentes do
Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha. Além do , no
rol de investigados da situação havia diversos parlamentares do  e , alguns
dos quais ex-ministros do governo Dilma. Havia também nomes importantes
da oposição, como o senador mineiro Antonio Anastasia, do , que em
breve seria relator do processo contra Dilma Rousseff na comissão especial do
Senado.96 Desses todos, nenhum político personificou tanto o uso
instrumental do impeachment para tentar escapar da justiça quanto o
presidente da Câmara dos Deputados.

O fator Cunha

O peemedebista Eduardo Cunha presidiu a Câmara dos Deputados durante


toda a tramitação do pedido de autorização para o impeachment contra Dilma
Rousseff. Sua ascensão e queda igualmente sugerem cálculos indevidos do
sistema de justiça para o tempo da prática de atos que poderiam impactar o
processo. Cunha concluiu seu papel fundamental no processo contra Dilma ao
conduzir a votação que autorizou a instauração do processo, em 17 de abril de
2016. Menos de três semanas depois, em 5 de maio,97 o  o afastou
cautelarmente do cargo, embora o pedido para isso tivesse sido formulado
pela  em dezembro do ano anterior98 — justamente o mês em que ele
havia mandado instalar a comissão especial de impeachment para apreciar a
denúncia apresentada por Hélio Bicudo, promotor de justiça aposentado e ex-
membro do , juntamente com os advogados e professores da  Miguel
Reale Jr. e Janaína Paschoal. Todos os motivos que autorizaram o afastamento
de Cunha em maio de 2016, nos termos da própria decisão que a determinou,
já estavam presentes em dezembro de 2015. A denúncia contra ele,99 oferecida
no mesmo inquérito em que seu afastamento cautelar foi requerido (inq.
3893), era ainda mais antiga: fora apresentada por Rodrigo Janot em agosto de
2015. Se o receio do  era que Cunha usasse os poderes de seu cargo de
modo impróprio, agindo com desvio de finalidade para seu próprio benefício
político, não havia por que excluir os atos relativos ao impeachment dessa
preocupação. A denúncia quanto ao afastamento cautelar de Cunha dormitou
por meses no gabinete do relator, ministro Teori Zavascki, até que sua
participação na autorização do impeachment de Dilma Rousseff estivesse
concluída.
Cunha e Dilma se estranhavam ao menos desde 1o de fevereiro de 2015,
quando o deputado carioca sagrou-se vencedor, em primeiro turno, da eleição
para a presidência da Câmara dos Deputados. O peemedebista bateu o
candidato do , Arlindo Chinaglia, por confortáveis 267 votos a 136. Partidos
que pertenciam à base de apoio de Dilma, como ,  e , deixaram de
entregar votos ao candidato governista, selando o desempenho medíocre de
Chinaglia, que por pouco não foi alcançado pelo terceiro colocado, o deputado
Júlio Delgado, do .100 No dia seguinte à sua eleição, Cunha deixou clara sua
contrariedade quanto ao modo como havia sido tratado pelo governo: acusou
eminências do  de terem feito pressão, ameaças e tentativas variadas de
constrangimento contra deputados nas vésperas da eleição.101 A força eleitoral
de Cunha dentro da Câmara era atribuída a sua capacidade de arrecadar
fundos para campanhas de diversos deputados, não necessariamente por vias
lícitas: a jornalista Julia Duailibi reportou que em Brasília se estimava, à boca
pequena, que até cem parlamentares, quase um quinto da Câmara, haviam se
beneficiado da potência arrecadatória de seu novo presidente.102
A disposição de Dilma em apoiar um candidato do  contra Cunha
consolidou no peemedebista a certeza de que a presidente queria fustigá-lo,
nem que para isso o governo tivesse de se mancomunar com o Ministério
Público.103 Não há evidências desse ajuste, mas o fato é que a sorte de Cunha
começou a mudar pouco tempo depois, ainda em março de 2015. Naquele
mês, ele depôs espontaneamente à  da Petrobras. Cunha era apontado pelo
doleiro e delator Alberto Youssef como principal beneficiário de um contrato
de aluguel de navios-plataforma assinado pela Petrobras. Em sua fala, além de
atacar Rodrigo Janot, o deputado negou que tivesse quaisquer contas na Suíça,
como afirmava Youssef. Foi aplaudido ao final da sessão, por governistas e pela
oposição.104
Mas a ousadia do depoimento por vontade própria lhe custaria caro em
breve. Em 1o de outubro de 2015, o mesmo dia em que o procurador do 
Paulo Bugarin liberou parecer recomendando a reprovação das contas de
Dilma Rousseff em 2014, o Ministério Público da Suíça informou ter
localizado e bloqueado 5 milhões de dólares em contas no país. O beneficiário
era Eduardo Cunha. Segundo os procuradores europeus, o deputado tinha
aberto empresas de fachada em paraísos fiscais para movimentar as contas
sem deixar rastros.105 Essas empresas, diziam os suíços, alimentavam um
fundo (trust) que tinha Cunha como beneficiário e controlador indireto. A
informação casava com a acusação do delator Alberto Youssef e desmentia a
versão contada pelo presidente da Câmara a seus colegas de Parlamento na
 da Petrobras. A revelação teve grande impacto na casa: um processo
contra Cunha foi aberto na Comissão de Ética da Câmara a pedido de dois
partidos, Psol e Rede.
Dois dias depois da abertura do processo disciplinar contra Cunha, a
terceira versão da denúncia por crime de responsabilidade contra Dilma
Rousseff preparada por Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal — a
versão que levaria à condenação da presidente — foi apresentada à Câmara
dos Deputados. Ao contrário das anteriores, cujo escopo era muito amplo,
essa terceira petição focava nas irregularidades orçamentárias que já haviam
sido apontadas pelo , fosse no primeiro processo das pedaladas fiscais na
Caixa, julgado em abril de 2015, fosse no parecer pela reprovação das contas
de governo, julgado apenas uma semana antes. O pedido também
aprofundava a acusação pelos decretos não numerados de abertura de crédito
suplementar, que não constavam na primeira versão da denúncia, mas apenas
em um aditamento apresentado duas semanas depois.106 A denúncia dos
decretos tinha duas vantagens estratégicas em comparação à das pedaladas:
decretos são atos pessoais do presidente, e não do secretário do Tesouro
Nacional, de modo que envolviam a participação pessoal e direta de Dilma
Rousseff; e eles haviam sido editados em 2015, o que eliminava a polêmica
jurídica quanto a saber se atos do mandato anterior poderiam ser alvo de
processo no mandato subsequente. Havia uma pitada de déjà-vu nessa nova
imputação: como visto no capítulo 2, Getúlio Vargas fora denunciado sessenta
anos antes justamente pela abertura não autorizada de crédito emergencial.
A decisão de engavetar a denúncia, como fizera com 41 acusações
anteriores,107 ou dar prosseguimento a ela cabia a Cunha. Segundo as regras
formais e convenções políticas da Câmara, esse é um dos poderes
praticamente absolutos do presidente da casa: enquanto ele não toma alguma
decisão, seja pelo encaminhamento ou pelo arquivamento, instaura-se um
limbo jurídico para o qual não há modo eficaz de reação.108 Enquanto pôde,
Eduardo Cunha usou dessa prerrogativa para tentar salvar sua pele no
Conselho de Ética. Por dois meses buscou apoio do , que controlava a maior
bancada da Câmara, para se safar da acusação de quebra de decoro por ter
mentido à . Havia três deputados do partido entre os 21 membros do
conselho, e seus votos eram considerados cruciais para o futuro do
peemedebista, isso sem mencionar outros parlamentares da base governista. O
, por sua vez, estava preso a duas opções que teriam, qualquer uma delas,
alto custo político: se apoiasse Cunha, o processo contra Dilma talvez não
andasse naquele momento, mas o partido ficaria ainda mais associado à falta
de ética política; se, por outro lado, negasse apoio ao deputado, Dilma ficaria
sob o risco de deflagração do processo de impeachment. Prevaleceu a opção
por distanciar-se de Cunha, e os três parlamentares petistas votaram contra ele
no Conselho de Ética. No mesmo dia em que o  tomou essa decisão, em
evidente ato retaliatório Cunha deu andamento à denúncia contra Dilma
Rousseff na Câmara dos Deputados.109

“Verba volant”

Um ponto importante de semelhança entre a dinâmica das destituições de


Dilma e de Collor foi o papel dos respectivos vices, Itamar Franco e Michel
Temer. Em ambos os casos, eles deram sinais públicos de descolamento dos
titulares quando as conversas sobre impeachment ganharam tração — ambos,
curiosamente, através de cartas que ganharam as páginas dos jornais. Esse
elemento não faz parte dos modelos tradicionalmente explicativos do
processo, mas parece relevante ao menos para os casos brasileiros, talvez pela
grande fragmentação do Congresso e as incertezas que ela gera para os
próprios parlamentares. A falta de um vice abertamente disposto a assumir o
cargo joga contra as chances de um impeachment, o que lhe impõe uma
delicada tarefa quando deseja ver o processo andar: sugerir-se para a sucessão
sem parecer desleal.
Como visto no capítulo 3, Itamar Franco se incomodava com a
insignificância a que Collor o relegava. Quando o insucesso econômico se
tornou fato consumado, a queda de popularidade de Collor parecia invencível
e denúncias de corrupção começaram a rodear a presidência da República,
Itamar documentou seu distanciamento do governo com uma carta que
acabou publicada pela imprensa.110 Poucas semanas depois, Itamar abandonou
o , o partido do presidente, e começou a fazer reuniões com entidades
empresariais e a esquadrinhar sua equipe econômica, enquanto Collor ardia na
fogueira da  que investigava  Farias. Foram, enfim, sucessivos recados
públicos de distanciamento em relação ao presidente naqueles meses que
antecederam a denúncia contra Fernando Collor de Mello.
Lula alertava Dilma a manter bom trato com Temer. O ex-presidente, que
havia sido responsável pela aproximação entre  e  em meados de seu
primeiro mandato, sabia que o vice era capaz de conservar a bancada de seu
partido sob controle. Isso era vital não apenas para assegurar a aprovação de
projetos importantes do governo, mas também para garantir proteção à
presidente contra seus maiores adversários no Congresso. Da mesma maneira,
Temer e o  sabiam que sua participação dificilmente seria dispensável ao
governo Dilma, dado o tamanho da bancada do partido. Sem o , era
impossível ao governo aprovar emendas constitucionais, por exemplo. Com
seu agigantamento garantido por vitórias eleitorais importantes no início do
período da redemocratização, esta se tornou a vocação peemedebista: fazer-se
influente em quaisquer governos, garantindo a seus líderes o controle de
generosos quinhões do condomínio do poder.111 Qualquer tentativa de
distanciamento em relação aos caciques do  poderia ser arriscada; para
Dilma, foi fatal.
A carta de Michel Temer para a presidente da República, celebrizada por sua
epígrafe em latim — Verba volant, scripta manent, ou “As palavras voam, a
escrita permanece” —, ganhou as páginas dos portais de notícia no mesmo dia
em que foi entregue pessoalmente à presidência pela chefe de gabinete do
vice-presidente, em 7 de dezembro de 2015. Embora não haja certeza sobre
quem a vazou, apurações jornalísticas da época apontavam que ela fora
transmitida à imprensa pelos próprios funcionários do Palácio do Planalto, não
pelo vice.112 Na carta, Temer acusava Dilma de tê-lo relegado à função de
“vice decorativo”, alienando-o e a seu partido das discussões políticas do
governo. Dizia ainda que a presidente tratava o  com permanente
desconfiança, e que só o acionava para dissipar crises ou garantir votos no
Congresso. A publicação da carta deu notoriedade ao descontentamento de
Temer e do , e projetou um horizonte de rompimento imediato do
partido com o governo. A partir do verba volant, que ocorreu quando Cunha já
havia declarado guerra ao , a questão era menos se o  desembarcaria
do governo e mais quando esse desembarque iria se efetivar. Isso representava
uma sentença de morte para Dilma: com a debandada do maior partido do
Congresso, salvo um ou outro parlamentar independente, o escudo legislativo
da presidente perderia as 66 cadeiras do  na Câmara e as dezenove no
Senado, sem mencionar parlamentares de partidos menores que os seguiriam
pelo efeito de manada.

A    com sua importância no governo,


Temer tinha outra razão para desejar um futuro alternativo àquele que se
desenhava sob o governo de Dilma Rousseff. Como Eduardo Cunha e tantos
outros de seus correligionários do , o vice-presidente estava cada vez
mais encurralado pelo avanço da Lava Jato. O cerco a Cunha, que se fechava
no final de 2015, sugeria que a Lava Jato já havia aportado no mesmo terreno
onde Temer era suspeito de operar esquemas à margem da lei.
Alguns dos investigados a quem a  atribuía relações criminosas com
Eduardo Cunha eram sabidamente próximos do vice-presidente, como o
doleiro Lúcio Funaro (preso em julho de 2016, quando Michel Temer
substituía Dilma na presidência). Portanto, além dos ressentimentos
propriamente políticos pela falta de espaço no governo, Temer, como muitos
de seus colegas de cúpula do , também tinha razões para se preocupar
com a chegada iminente da Lava Jato em seus domínios de atuação. Neste
ponto o paralelo entre Itamar Franco e Michel Temer encontra seu limite. Em
1992, Itamar distanciou-se de Collor cada vez mais à medida que aumentavam
as denúncias de corrupção contra o presidente. O caso do vice de Dilma foi
precisamente o oposto: quem estava cercado de suspeitas de corrupção era ele
próprio. Enquanto Itamar agia também para salvar sua biografia de homem
público “asperamente honesto”, nos dizeres do ex-ministro do  Carlos
Velloso,113 Temer ganhou impulso pela esperança dos chefões de seu partido,
que contavam com ele para escapar da prisão, um desejo que possivelmente
era seu também.
Os desdobramentos da operação após o impeachment de Dilma dão
mostras de que o vice-presidente tinha mesmo boas razões para se preocupar.
Em 2017, o deputado federal Rodrigo Rocha Loures, do , homem de sua
íntima confiança e seu emissário em conversas reservadas, foi flagrado em
vídeo correndo com uma mala de dinheiro que lhe fora entregue por um
lobista da multinacional . O dinheiro, que vinha do empresário Joesley
Batista, teria como destinatário Michel Temer.114 Ao mesmo tempo, veio a
público um áudio gravado por Joesley, de uma conversa sua com Temer, que
dava margem à interpretação de que o presidente interino trabalhava para
comprar o silêncio de um potencial delator — justamente Lúcio Funaro, que
servia a Eduardo Cunha. Esse conjunto de provas embasou uma denúncia
criminal contra Temer em 2017, da qual ele foi absolvido em 2019, já como ex-
presidente, na Justiça Federal de primeira instância.115 Mas a absolvição não o
poupou de outros apuros com a justiça, que inclusive o levaram à prisão.116
Até março de 2021, Michel Temer ainda respondia a múltiplos processos
criminais relativos a condutas diversas praticadas em décadas de sua atuação
política.117

A       representava risco


jurídico para governadores e ex-governadores que haviam praticado condutas
semelhantes em seus mandatos, o outro fundamento que serviu à condenação
de Dilma Rousseff — os decretos não numerados de abertura de crédito
suplementar — trazia risco para o próprio Michel Temer. Segundo a denúncia
que no final prosperou, os tais decretos, no valor somado de pouco menos de
96 bilhões de reais, haviam sido editados em situação na qual já era evidente
que a meta fiscal não seria cumprida. Embora o governo tivesse enviado ao
Congresso um projeto de lei que recalculava a meta prevista na Lei de
Diretrizes Orçamentárias, de forma que os tais decretos ficassem dentro dos
valores aprovados, e a nova meta fiscal tivesse sido aprovada em dezembro de
2015,118 a acusação sustentava que o Congresso fora trapaceado: a realidade à
qual o projeto de lei pedia adequação era um fato já consumado quando a
nova meta foi aprovada. Porém, Michel Temer havia praticado essa conduta
tanto quanto Dilma: em situações nas quais ele a substituiu, o vice assinara
sete decretos idênticos àqueles pelos quais a presidente foi acusada. A soma
total dos créditos liberados por seus decretos (10,807 bilhões de reais) era mais
de quatro vezes superior aos de Dilma (2,5 bilhões de reais).119
Surgiu a dúvida: Temer poderia ser arrastado para o impeachment junto
com Dilma? O vice justificou a assinatura dos decretos dizendo estar agindo
em obediência à política da titular, à qual ele, como vice, era subordinado. “O
vice-presidente não formula a política econômica ou fiscal”, esquivou-se.120
Esses decretos valeram inclusive uma cilada armada pelo senador Randolfe
Rodrigues, da Rede, à advogada de acusação Janaína Paschoal. Em uma das
sessões da comissão especial do Senado, Rodrigues listou os decretos — sem
mencionar quem os havia assinado — e perguntou a ela se eles configuravam
crime de responsabilidade. A advogada respondeu que sim, e longamente
fundamentou sua resposta. “Muito bem, fico feliz com sua opinião, porque a
senhora acabou de concordar com o pedido de impeachment do vice-
presidente Michel Temer. Essas ações que eu li foram tomadas pelo vice.”121
Janaína Paschoal respondeu invocando argumentos semelhantes aos que
Temer havia oferecido: disse que o vice age apenas por delegação.
Essa justificativa é verdadeira quase sempre — mas ela obviamente não vale
quando o ato delegado é um crime, seja comum ou de responsabilidade. O
vice-presidente não é obrigado a continuar um crime só porque ele começou a
ser executado pelo titular. Ao contrário: como qualquer autoridade pública,
ele tem o dever não apenas de recusar a prática do delito como também de
reportá-lo às autoridades competentes. Do contrário, a assinatura do vice nos
decretos seria completamente dispensável, ou ficaria reduzida a uma
formalidade sem valor algum. Não há escapatória: se os atos foram ilegais
quando praticados por Dilma Rousseff, eles também foram ilegais quando
praticados por Michel Temer.
Os decretos renderam denúncias de impeachment contra Temer, como era
de esperar. Diante da recusa de Eduardo Cunha em dar seguimento a elas, o
advogado Mariel Márley Marra ajuizou mandado de segurança no  pedindo
que o tribunal determinasse a constituição da comissão especial da Câmara. A
ação foi distribuída para o ministro Marco Aurélio Mello, que, de modo
surpreendente, porque inédito, determinou liminarmente que a comissão
especial da Câmara fosse constituída e apresentasse seu parecer.122 O que se
viu a partir de então foi um jogo de corpo mole. Ainda sob a presidência de
Cunha, a denúncia foi despachada para a comissão especial, que jamais foi
constituída: os líderes dos partidos não indicaram os nomes que deveriam
integrá-la.123 Vendo o boicote à sua decisão, Marco Aurélio notificou a 
para que se investigasse eventual crime de desobediência por parte dos líderes
partidários.124 Mas a tese da imposição ao processamento do impeachment de
Temer pela via judiciária não prosperou. Em parecer, Rodrigo Janot defendeu
a legalidade da decisão de Cunha em não dar seguimento à denúncia contra
Temer.125 Foi das poucas vezes em que o procurador-geral pôs-se em defesa de
prerrogativas do Congresso.

O apoio popular

Além de estimular políticos acuados a procurarem alternativas ao governo de


Dilma Rousseff na esperança de se safar, e de decisões cuja oportunidade e
singularidade davam margem à interpretação de que o sistema de justiça não
deixaria o governo respirar, uma outra peça do quebra-cabeça do
impeachment de 2016 teve importante relação com operações da justiça no
enfrentamento da corrupção. As sucessivas investidas da polícia, do Ministério
Público e do Judiciário contra políticos foram importantes para transformar
uma indignação difusa contra a corrupção em mobilizações populares. Para os
protagonistas da Lava Jato, esse apoio ajudava tanto na blindagem contra
retaliações políticas à operação quanto na impulsão de propostas políticas
endossadas por seus membros, como as chamadas “Dez medidas contra a
corrupção”.
A relação entre manifestações de rua e apoio à luta anticorrupção foi
empiricamente comprovada por diversas pesquisas de campo em 2015 e 2016.
Nesses anos, houve diversos protestos a favor da Lava Jato e contra o governo.
Como mostram as pesquisas disponíveis sobre o tema, apoio popular é um
importante determinador social para a remoção de presidentes,126 por vias
legais (como o impeachment) ou extralegais (como golpes de Estado). Porém,
há algo de singular no caso de Dilma Rousseff: os protestos não se voltavam
contra pedaladas fiscais ou decretos de abertura de crédito suplementar, que
foram os fundamentos de sua destituição; os manifestantes bradavam
sobretudo contra a corrupção política. Mas, embora a prática fosse muito
associada ao  desde o julgamento do Mensalão, ela nunca foi seriamente
imputada a Dilma Rousseff. A não ser por seu vínculo com o , não houve
relação entre os motivos que encheram as ruas e aqueles que formalmente
fundamentaram a condenação da presidente no processo de impeachment.

Q     O Lava Jato foi lançada, em 17 de


março de 2014, Dilma Rousseff já havia sido atingida pela queda generalizada
da popularidade que assolou políticos de todos os partidos após as
manifestações de junho de 2013. Porém, ela ainda não estava em situação de
calamidade perante a opinião pública. Se já não gozava mais do índice de 65%
de aprovação de que desfrutava em março de 2013, sua aprovação ainda estava
em 41%, o dobro da reprovação.127 Mas à medida que a operação progrediu e
passou a atingir cada vez mais políticos e diretores da Petrobras ligados aos
partidos da coalizão governamental, e em especial do , a curva da aprovação
de seu governo embicou para baixo e não parou de cair. Mesmo a crise
econômica pela qual o Brasil passava, esta sim atribuível diretamente à
administração de Dilma, acabava tragada pelo sentimento anticorrupção no
imaginário popular: como apontou Celso Rocha Barros,128 havia a percepção,
decorrente de uma falsa correlação, de que faltavam recursos para
investimentos e programas sociais porque o dinheiro havia acabado, e de que
ele havia acabado por causa dos políticos corruptos.
O primeiro panelaço contra a presidente ocorreu em 8 de março de 2015,
durante manifestação em cadeia nacional de rádio e televisão. Naquele Dia
Internacional da Mulher, Dilma procurava explicar as medidas de ajuste fiscal
que teria de adotar em seu segundo mandato.129 A data caiu na semana do
aniversário de um ano da primeira fase da Lava Jato. Quando a presidente foi
confrontada com as primeiras panelas e buzinas, Curitiba já vinha havia meses
produzindo rotineiramente eventos de impacto público: o lavador de dinheiro
Alberto Youssef e os ex-diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa e Pedro
Barusco já haviam fechado seus acordos de colaboração premiada, assim como
os primeiros executivos de empreiteiras (Augusto Ribeiro de Mendonça Neto
e Júlio Gerin de Almeida Carvalho, representantes da Toyo Setal); o ex-diretor
da Petrobras Nestor Cerveró já estava preso e negociava sua delação; a mais
impactante de todas as fases da Lava Jato, “Juízo Final”, realizada em
novembro de 2014, já levara presos os cabeças das grandes construtoras
brasileiras; e as instâncias superiores a Curitiba já haviam negado diversos
habeas corpus aos investigados, dando robustez à operação. Dois dias antes do
protesto, em 6 de março, o ministro Teori Zavascki, do , levantara o sigilo
de diversos inquéritos e iniciara investigações contra dezenas de
parlamentares, inclusive os presidentes da Câmara e do Senado — um fato
inédito na história do Brasil e cujo impacto público foi evidentemente
relevante.130
No , manifestações provocativas de ministros também funcionavam
como gasolina na fogueira da opinião pública: em setembro de 2015, quando
os parlamentares aguardavam a decisão do  que reprovaria as contas do
governo, conforme já vinha antecipando o ministro Augusto Nardes, Gilmar
Mendes fez uma de suas conhecidas digressões para relacionar a corrupção do
governo Dilma a um histórico que remetia a Collor. No julgamento da ação
que considerou inconstitucionais doações de empresas para campanhas
políticas, Mendes chamou o  de “sindicato de ladrões”, o que lhe rendeu
ameaça de processo por parte da legenda. Sem se intimidar, o ministro voltou
à carga dias depois, referindo-se aos governos do partido como “cleptocracias”.
No mês seguinte, ao votar pela abertura de ação de cassação da chapa Dilma-
Temer nas eleições de 2014, o ministro manteve o mesmo tom: “A obrigação
do  é evitar a continuidade desse projeto, por meio do qual ladrões de
sindicato transformaram o país num sindicato de ladrões”.131 A expressão
“sindicato de ladrões”, completamente desprovida de sentido jurídico e
estranha ao propósito de motivação de uma decisão judicial, tornou-se bordão
corriqueiro dos críticos às administrações petistas.
Pesquisas de opinião feitas durante os protestos contra o governo federal
em 2015 e 2016 trazem evidências importantes não apenas de que a queda de
popularidade do governo era diretamente influenciada pelo avanço da Lava
Jato, mas também de que a operação foi mais importante para o apoio popular
ao impeachment do que a reprovação às condutas que fundamentaram a
acusação. Nos protestos na avenida Paulista, em São Paulo, realizados em 15
de março de 2015, 47% dos manifestantes entrevistados declararam que a
principal razão de seu comparecimento era protestar contra a corrupção; 20%,
contra o ; e 27% a favor do impeachment.132 Nos protestos do mês seguinte,
12 de abril, realizados no domingo anterior ao julgamento das pedaladas na
Caixa Econômica Federal pelo , apenas 13% dos manifestantes na avenida
declaravam estar protestando pelo afastamento de Dilma, número quase três
vezes menor do que os que diziam ter ido às ruas contra a corrupção. Entre os
que protestavam pelo impeachment, 77% diziam que a presidente devia ser
removida do cargo em razão das denúncias da Lava Jato; em pesquisas de
opinião com os manifestantes, na ocasião, não houve menção a “pedaladas”,
“decretos”, “meta fiscal”, “orçamento” ou algo do gênero.133 Mesmo em
agosto de 2015, quando o aprofundamento das investigações do  já havia
revelado, havia dois meses, a existência de passivos ocultos de quase 40 bilhões
de reais em diversos bancos públicos, 15% dos manifestantes na avenida
Paulista diziam ser contra a abertura do processo de impeachment pela
Câmara dos Deputados: o que levava pessoas à avenida era sobretudo a pauta
anticorrupção, deliberadamente alimentada pela estratégia de comunicação
pública da Operação Lava Jato.134 Não por acaso camisetas, cartazes e bonecos
infláveis de apoio à operação eram tão frequentes nos protestos.135 Talvez o
dado mais revelador sobre a relação entre opinião pública e o impeachment de
Dilma Rousseff seja o seguinte: mesmo em junho de 2016, portanto já após o
afastamento da presidente, apenas um terço da população brasileira sabia que
sua queda fora motivada por irregularidades fiscais. Em contraposição, 44,1%
julgavam que ela havia caído por “corrupção no governo federal” e 37,3% por
“tentativa de obstrução à Lava Jato”136 — justamente aquilo que Romero Jucá
sabia que não aconteceria no governo dela.
Essa constatação serve para qualificar a análise do dado segundo o qual dois
terços da população brasileira apoiavam o impeachment de Dilma Rousseff à
época em que o processo tramitava no Senado.137 O descompasso entre o
apoio popular ao combate à corrupção e um processo por crimes de
responsabilidade que nada tinha a ver com corrupção presidencial mostra que
a relação entre apoio popular e impeachment não é simples como muitos
modelos de análise sugerem. Embora protestos de rua possam surgir
espontaneamente e provocar impactos políticos importantes, como aconteceu
com as manifestações de junho de 2013, o apoio à queda de Dilma veio a
reboque tanto da atuação do sistema de justiça — que produzia
incessantemente fatos que geravam indignação contra políticos corruptos, em
especial do partido da presidente — quanto da cobertura constante da
imprensa sobre essas investigações e processos. Assim como no caso de Collor,
a mobilização popular veio depois de diversas instituições mostrarem que as
manifestações encontrariam eco nas instâncias formais.
As presidências que seguiram a de Dilma Rousseff permitem qualificações
adicionais sobre a relação entre impeachments, protestos populares e avaliação
negativa do presidente. O governo de Michel Temer mostrou que baixa
popularidade é condição necessária mas não suficiente para uma remoção
presidencial: mesmo premido pela pior avaliação de desempenho na história
do Brasil, ele foi capaz de mobilizar um escudo legislativo que o protegeu
contra as ameaças de afastamento — em seu caso, uma denúncia criminal
oferecida ao , que precisa da mesma autorização de dois terços da Câmara
dos Deputados exigida pelo impeachment. Já o governo Bolsonaro mostra o
quanto as instituições podem também trabalhar em sentido oposto, para
esfriar a opinião pública: as sucessivas indicações vindas de Rodrigo Maia, do
, presidente da Câmara até fevereiro de 2021, de sua indisposição em levar
adiante denúncias de crimes de responsabilidade contra Jair Bolsonaro
possivelmente trabalharam contra mobilizações pelo impeachment, tanto
quanto as restrições impostas pela pandemia de covid-19. Quando instituições
de relevo deixam claro que quaisquer esforços por um impeachment serão em
vão, é esperado que a energia popular se dissipe; quando, ao contrário, há a
percepção de que a mobilização será correspondida por ações das instâncias
oficiais, o estímulo à participação aumenta. Fernando Limongi e Argelina
Figueiredo têm razão quando afirmam que em geral “são as forças políticas
engajadas em encurtar o mandato presidencial que mobilizam e levam os
cidadãos às ruas”.138

A denúncia e as “abomináveis cunhadas”

Voltemos até meados de 2015. Uma vez que o  negou a Eduardo Cunha o
apoio no processo por ter mentido sobre as contas na Suíça, o presidente da
Câmara decidiu dar sequência ao impeachment — num ato que nem Michel
Temer nega ter sido uma “vingança política”.139 Entre os 48 pedidos de
impeachment de Dilma Rousseff que a Câmara recebera até o final de
novembro de 2015, Cunha escolheu então dar andamento à denúncia por
crimes de responsabilidade apresentada por Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e
Janaína Paschoal. Era, na verdade, a terceira versão da denúncia. A primeira,
assinada apenas por Bicudo e Paschoal, veio datada de 31 de agosto de 2015.
Foi elaborada com a lógica de quem pesca com explosivos: jogar bombas para
depois colher o que boiar. Sob o argumento geral de que o governo vivia
profunda crise moral, a denúncia passou por todos os escândalos de maior
notoriedade, não apenas da gestão de Dilma Rousseff, como também da
gestão de Lula. Falava da compra da refinaria de Pasadena, da Lava Jato, da
venda de decisões administrativas no Carf, o Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais, e de empréstimos do . Também listava diversos
políticos do  presos, denunciados e investigados por crimes, do Mensalão ao
Petrolão. Apenas ao final, e muito de passagem, falavam das pedaladas fiscais
praticadas desde 2011, e não houve menção aos decretos não numerados de
abertura de crédito suplementar. A denúncia argumentava também que atos
praticados no primeiro mandato de Dilma eram alcançáveis pelo
impeachment — um ponto no qual a Constituição acabou se tornando omissa,
pois a emenda da reeleição não alterou a redação original do texto
constitucional sobre crimes de responsabilidade presidenciais para prever
expressamente se atos do mandato anterior seriam ou não passíveis de
responsabilização no mandato subsequente, após o eleitorado ter votado para
manter o presidente no cargo. A peça pedia a condenação de Dilma por crimes
contra a probidade na administração pública, a lei orçamentária e o
cumprimento de decisões judiciais.140 Se os denunciantes, ambos experientes
profissionais do direito, seguiram a praxe argumentativa comezinha de
ordenar seus argumentos dos mais fortes para os mais fracos, a ordem dos
argumentos sugere que, àquela altura, eles viam as pedaladas como uma
acusação de menor potencial: a peça nitidamente apostou suas fichas na
comoção social que a Lava Jato, então no seu auge, vinha provocando.
Pouco mais de duas semanas depois, em 16 de setembro de 2015, um
aditamento àquela denúncia foi apresentado. Ela alterou, em primeiro lugar, o
rol de participantes: a peça ganhou um terceiro denunciante, Miguel Reale Jr.
Na primeira peça, Reale Jr. era citado duas vezes como doutrinador, ambas em
referência às pedaladas fiscais. Sua elevação à categoria de denunciante sugeria
que as pedaladas haviam sido promovidas como argumento acusatório. E, de
fato, ao se ler o aditamento, percebe-se que elas se tornaram o principal foco
da acusação. Não só as 26 páginas da emenda à primeira denúncia foram
inteiramente dedicadas às pedaladas, como também Júlio Marcelo de Oliveira,
membro do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas que cuidava do
assunto no tribunal, foi incluído como testemunha da acusação. A mudança de
escopo seguramente devia-se à perspectiva de que o  em breve
recomendaria a reprovação das contas governamentais, conforme
trombeteava aos quatro ventos o relator do caso, ministro Augusto Nardes. Ao
final da denúncia, constava também o “de acordo” de lideranças da sociedade
civil que vinham organizando manifestações contra o governo: Carla
Zambelli, pelos Movimentos Contra a Corrupção; Kim Kataguiri, pelo
Movimento Brasil Livre; e Adelaide Castro Oliveira, pelo Vem pra Rua.
Em 15 de outubro de 2015, a terceira e última versão da acusação foi
apresentada. Além de Bicudo, Reale Jr. e Paschoal, assinaram a peça o
advogado Flávio Henrique Costa Pereira e, como apoiadores, os mesmos
líderes de movimentos sociais do aditamento de quinze dias antes, com a
substituição de Adelaide Castro Oliveira por Rogério Chequer, também do
Vem Pra Rua. Essa última versão da denúncia reunia os elementos das duas
primeiras e incluía condutas do primeiro e do segundo mandato, procurando
destacar as últimas, embora elas fossem menos expressivas em quantidade.

A     que se concentrava na desgovernança


orçamentária do governo, que sabidamente receberia chancela do  em
breve, Eduardo Cunha dedicou-se a pensar na tramitação do impeachment.
Havia, em tese, o rito de Collor a ser seguido, mas ele não interessava ao
presidente da Câmara. Um rito engessado e previsível significava limitação de
seus poderes; um rito mais aberto, ao contrário, ampliava suas possibilidades
de manobra, pois é prerrogativa da presidência interpretar o regimento
interno da casa no encaminhamento dos trabalhos.
A oportunidade para tanto surgiu em 15 de setembro de 2015, quando o
líder do , Mendonça Filho, apresentou questão de ordem para que Cunha
explicitasse o rito do impeachment na Câmara.141 Uma semana depois, Cunha
respondeu com um longo texto, detalhando as regras do que ficou conhecido
como o “rito Cunha”.142 A base de apoio governista insurgiu-se: se a oposição
admitisse que o presidente da Câmara regrasse o procedimento por meras
respostas a questões de ordem, Cunha se tornaria, na prática, senhor absoluto
do andamento do caso. Para evitar que esse cenário se consumasse,
parlamentares da base governista recorreram imediatamente ao .
Em mandados de segurança ajuizados pelos deputados Wadih Damous, do
, e Rubens Pereira Junior, do do, em meados de outubro de 2015, e que
foram sorteados para relatoria dos ministros Teori Zavascki143 e Rosa
Weber,144 o  concedeu liminares para sustar o andamento do impeachment
na Câmara dos Deputados. Zavascki chamou de “inusitado” o modo de
formatação do procedimento, já que o rito do impeachment, nos termos da
Constituição, só pode ser disciplinado por lei. As duas decisões mostraram
desconfiança quanto à limitação ao direito de recorrer imposta por Eduardo
Cunha, que havia recebido recursos dos deputados governistas como meras
questões de ordem. A suspensão do procedimento na Câmara duraria até que
o Supremo decidisse a questão em definitivo — e, como quase tudo no ,
não havia prazo para que isso acontecesse.
As liminares judiciais tiravam das mãos de Cunha o poder de pressionar o
governo. A tramitação do impeachment ficaria suspensa até que os dois
ministros preparassem seus relatórios e o presidente do tribunal à época,
ministro Ricardo Lewandowski, pautasse o julgamento. Essa variável projetava
preocupantes incertezas para os partidários do impeachment. Zavascki dava
mostras de não se importar em encurralar o governo, pela forma como
conduzia a relatoria dos casos da Lava Jato, mas as posições de Rosa Weber e
Ricardo Lewandowski eram incógnitas. Weber fora a primeira escolha pessoal
de Dilma Rousseff para o , escolha muito atribuída ao apoio do ex-marido
da presidente, Carlos Araújo, a seu nome; e Lewandowski mostrara, desde o
julgamento do Mensalão, que não tinha receio de assumir posições
impopulares que eventualmente favorecessem o partido que o indicou ao
tribunal. O futuro revelaria que nenhum dos dois faria qualquer esforço para
dificultar o andamento da matéria no Supremo, mas em outubro de 2015,
quando foram concedidas as liminares contra o “rito Cunha”, isso não estava
claro.
O presidente da Câmara pôs os advogados da casa para recorrer das
liminares de Teori Zavascki e Rosa Weber, mas não havia perspectiva de
julgamento dos recursos no curto prazo. Então, Eduardo Cunha arrumou um
jeito de escapar da camisa de força que lhe impôs o Judiciário: duas semanas
depois das liminares do , em 29 de outubro de 2015, a presidência da
Câmara voltou atrás e revogou suas decisões sobre o impeachment.145 Quase
que confessando a usurpação de funções de seu ato anterior, Cunha explicou
que a partir de então passaria a valer “o que está na Constituição”. Ao desfazer
o “rito Cunha”, perderam razão de ser as ações que o travavam no .146 O
impeachment estava livre para seguir seu curso na Câmara dos Deputados.

E C   - em fazer avançar o processo


contra Dilma como tentou que esse avanço acontecesse sob condições que
garantissem as melhores chances de êxito à acusação. Para tanto, havia, de
cara, um desafio a ser enfrentado: garantir que a acusação de crimes de
responsabilidade não fosse além da condenação da presidente. Como
mencionado, a preocupação era sobretudo com governadores, muitos dos
quais haviam também realizado manobras fiscais análogas às do governo
federal naqueles anos de baixo crescimento econômico e, consequentemente,
de baixa arrecadação tributária. Alguns deles haviam, exatamente como ela,
conseguido reeleger-se para um novo mandato. Para eles, a condenação
arriscava se tornar um tiro no próprio pé. A viabilidade política do
impeachment dependia de uma boa solução para essa equação política.
Eduardo Cunha tentou uma resposta.
No caso Collor, como em todos os anteriores, a decisão do presidente da
Câmara, Ibsen Pinheiro, pelo recebimento da denúncia havia sido um mero
encaminhamento da acusação para a leitura em plenário, seguida da votação
para formação da comissão especial de impeachment. É o que manda a lei no
1079/1950. Pinheiro não pretendeu, ele próprio, moldar de que forma fosse o
objeto da acusação.147 Cunha, ao contrário, deu a si próprio o poder de aceitar
apenas uma parte da denúncia e recusar o que julgou inoportuno: em seu ato
de recebimento da denúncia, o presidente da Câmara decidiu que a acusação
deveria prosseguir apenas em relação aos atos praticados a partir de 2015, já no
segundo mandato, devendo ser ignoradas as imputações relativas a atos
praticados antes de 2014.148 Para tanto, invocou o §4o do artigo 86 da
Constituição: “O presidente da República, na vigência de seu mandato, não
pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.
A exclusão de atos do primeiro mandato minimizava riscos de impugnação
jurídica à acusação — vale lembrar que os sinais que o  havia mandado até
ali, com as liminares de Zavascki e Weber, não eram animadores para os
partidários do impeachment —, mas não é uma interpretação inquestionável
da Constituição. Em minha opinião, atos praticados no primeiro mandato são
sim alcançáveis, em princípio, pelo impeachment, especialmente quando a
conduta ocorre em época próxima ao final do termo presidencial, como havia
sido o caso de Dilma. A Constituição exige apenas que os atos não sejam
estranhos “à função” presidencial, e que tenham sido praticados “na vigência
de seu mandato”. De outra forma, presidentes estariam, na prática, liberados
para cometer crimes de responsabilidade nos últimos momentos de seus
primeiros mandatos, justamente quando disputam a reeleição: com deputados
e senadores em campanha, as condições políticas para o andamento de um
impeachment nesses momentos são praticamente nulas.149 Registro, porém,
que essa opinião não é consensual.150
Se, por um lado, a estratégia de Cunha protegeu a denúncia contra
contestação jurídica (com base no §4o do artigo 86 da Constituição), por outro
lado, ela enfraqueceu a acusação contra Dilma. A grande força do argumento
das pedaladas, e que respondia inclusive à justificativa do governo de que
outros ex-presidentes haviam feito o mesmo, estava no volume dessa prática
em 2013 e 2014, justamente o período que Cunha buscou excluir do processo.
Quando se considerava apenas 2015, seu número era pequeno, ficando dentro
dos padrões de ex-presidentes. Isso não apenas configurava um tratamento
diferenciado — e piorado — para Dilma como também atestava, pela via
reversa, a não necessidade do impeachment para dar cabo àquele suposto
crime de responsabilidade. Afinal, o pequeno volume de pedaladas em 2015
sugeria que haviam sido efetivas as várias respostas dadas para o problema
pelas instituições envolvidas (mudança nos contratos entre bancos e
ministérios, na metodologia de cálculo da dívida pública, e na equipe
econômica, além do primeiro julgamento do  e do acompanhamento
próximo da imprensa especializada). Logo, não haveria necessidade de se
adotar um remédio emergencial tão drástico como o afastamento presidencial
prematuro. Cunha, Jucá e o restante dessa trupe, porém, estavam menos
interessados em proteger o orçamento de pedaladas que já não aconteciam
como antes, e mais interessados em proteger a si próprios.
Ainda em relação ao recebimento parcial da denúncia, uma segunda
questão jurídica permanece: o presidente da Câmara tem esse poder de limitar
o objeto do processo ao receber a denúncia? Se sim, de onde ele vem?
Seguramente não vem da Constituição, que atribuiu poderes de autorização
da acusação à Câmara dos Deputados como um todo, sem destacar qualquer
papel para seu presidente. Tampouco está no regimento interno da casa, que o
manda despachar a denúncia à comissão especial se estiverem atendidos os
requisitos formais (a saber, assinaturas com firma reconhecida e prova de
quitação com a Justiça Eleitoral).151 Esse poder também não vem dos
costumes da Câmara, pois a prerrogativa nunca fora exercida por presidentes
anteriores, nem da Lei do Impeachment, que diz a mesma coisa que o
regimento interno. Eduardo Cunha tirou esse poder de seu voluntarismo
discricionário, mesmo porque o ato de recebimento da denúncia, no rito do
impeachment, pertence ao Senado Federal, e não à Câmara dos Deputados.152
Como aponta Thomaz Pereira, o poder de autorizar o prosseguimento da
denúncia para o Senado compete “privativamente”, na exigente expressão da
Constituição, à Câmara como um todo. Mesmo considerando a jurisprudência
do Supremo,153 que detalha mais generosamente as prerrogativas do
presidente da Câmara, os poderes de Cunha não chegariam a tanto: “O
Supremo apenas permitiria ao presidente ir além da forma para rejeitar
denúncia ‘patentemente inepta’, ‘despida de justa causa’ ou ‘abusiva, leviana,
inepta, formal ou substancialmente’”,154 diz Pereira. Vale notar que o próprio
presidente da Câmara, meses antes, reconhecia não ter esse poder: no “rito
Cunha”, ele próprio havia definido que não lhe cabia decidir se os atos de 2014
seriam ou não passíveis de julgamento, pois essa questão se confundia com o
mérito da acusação e devia, por isso, ser avaliada pelo conjunto dos
deputados.155
U     por Eduardo Cunha: a eleição de
uma comissão especial de impeachment dominada pela oposição. Isso ocorreu
já em dezembro de 2015. Também nessa matéria, Cunha contrariou não
apenas o precedente do caso Collor, segundo o qual a comissão deveria ser
composta de modo proporcional às representações partidárias e por indicações
dos respectivos líderes de partido,156 mas sua própria decisão anterior, de
setembro daquele ano.157
Em dezembro de 2015, porém, a estratégia do deputado havia mudado.
Cunha sabia que a indicação de líderes não garantiria maioria favorável ao
impeachment, pois muitos partidos e blocos estavam rachados quanto ao
afastamento de Dilma. Era o caso do próprio : o líder do partido na
Câmara, Leonardo Picciani, deixava claro que não indicaria “nomes radicais”
do partido, sendo esses os que já haviam fechado questão em favor do
impeachment. Semelhante divisão existia no .158 Eduardo Cunha percebeu
que lhe interessava mais escapar das indicações das lideranças e eleger os
membros da comissão de forma avulsa. E assim foi feito: em votação secreta,
que teve até quebra de urnas, 39 dos 65 nomes que comporiam a comissão
foram eleitos.159 Os 26 nomes faltantes ficaram para ser escolhidos em votação
suplementar, que não chegou a acontecer: no mesmo dia, o ministro do 
Edson Fachin deferiu liminar em ação ajuizada pelo do para suspender o
andamento do impeachment na Câmara até que o tribunal detalhasse o rito a
ser seguido.160 O Supremo chamou para si a decisão sobre o procedimento do
impeachment.

O   E C à frente da Câmara dos Deputados foi


caracterizado por uma atuação abusiva, jogando sempre no limite das regras
regimentais para fazer avançar seus próprios interesses. Sua linha de conduta
manipuladora e antirrepublicana, que não era exclusiva da atuação no
impeachment, mas caracterizou de modo perene sua relação com o processo
legislativo, foi jocosamente apelidada de “abomináveis cunhadas” por Conrado
Hübner Mendes.161 As “cunhadas” chamam atenção para uma questão
relevante no rito do impeachment na Câmara dos Deputados: a governança
sobre os poderes exercidos pelo presidente da casa nessa matéria. Trata-se de
um tema que suscita interesse ainda hoje, tendo em vista a ação deliberada de
Rodrigo Maia e Arthur Lira de engavetar — isto é, nem arquivar, nem aceitar
— todas as sucessivas denúncias de crimes de responsabilidade que lhes foram
apresentadas contra Jair Bolsonaro.
Em especial no caso de Eduardo Cunha, a questão envolve saber o quanto o
exercício desse poder precisa submeter-se a padrões republicanos: pode o
presidente da Câmara dos Deputados dar início ao impeachment na Câmara,
ou barrar seu prosseguimento, tendo em vista os benefícios políticos pessoais
que espera obter com isso? Se não há dúvidas de que Cunha abusou de seu
poder e agiu com desvio de finalidade na condução do processo contra Dilma
Rousseff, a questão que sobra é saber como ele conseguiu ser bem-sucedido
nessa empreitada tão escancaradamente personalista.
Uma primeira parte da resposta vem do . Na  378, o tribunal
decidiu que o presidente da Câmara dos Deputados não se submete aos
mesmos padrões de suspeição e impedimento de juízes ordinários, mas sim
àqueles previstos no artigo 36 da lei no 1079/1950, que se limitam a parentesco
próximo ou prévia atuação no processo na qualidade de testemunha.162 Ao
decidir assim, o tribunal acompanhou o entendimento do ministro Sydney
Sanches no julgamento de Collor, quando o mesmo artigo da Lei do
Impeachment foi interpretado de modo igualmente restritivo. O Supremo
também reafirmou a própria natureza do impeachment na Câmara: mais
política do que jurídica, o que igualmente recomenda que se atenuem os
juízos de suspeição e impedimento contra deputadas e deputados, bem como
que se diminua a intervenção judicial sobre a matéria.
Uma segunda parte da resposta está no próprio Congresso Nacional.
Embora Cunha personificasse o desejo de fazer avançar o impeachment na
esperança de salvar a sua própria pele da Lava Jato, ele não estava sozinho.
Nesse sentido, o personalismo de sua atuação representava as ambições
antirrepublicanas de muitos outros políticos: tanto no seu partido, o ,
quanto nos partidos do Centrão163 que orbitavam a base de apoio do governo,
como o  e o , e também em partidos da oposição, como o , a
reprovação à Lava Jato — e o medo de ser alcançado pela operação — era
palpável. Cunha era caricato na maneira como perseguia sua ambição, mas
essa ambição não era apenas dele. Sua disposição em trabalhar por esse
objetivo àquela altura inconfessável, pois críticas públicas aos métodos da
operação não eram bem digeridas pela maior parte da opinião pública e da
imprensa, era o que o tornava tão valioso para seus pares na condução do
processo.
Por mais repulsa que a figura de Eduardo Cunha possa suscitar, é difícil
sustentar que a decisão de dar encaminhamento a uma denúncia possa ser
revista pelo Judiciário, exceto em seus aspectos puramente formais. A
Constituição não contava com o fato de que um presidente de motivações tão
irreveláveis conseguisse se manter à frente de uma das casas do Parlamento
em um momento tão importante como a autorização de um impeachment, e
nem que ele teria amplo apoio não apenas de deputadas e deputados, como
também de parte da opinião pública, que o tratava, sem constrangimento,
como uma espécie de corrupto de estimação na luta contra a corrupção.
O apoio amplo e desavergonhado a Cunha contrastou com o isolamento
político que marcou a breve presidência de Waldir Maranhão, do , o vice
que o sucedeu após seu afastamento pelo , em 5 de maio de 2016. Com
quatro dias no cargo, Maranhão tentou exercer sua dose de personalismo ao
anular a votação do impeachment na Câmara, ocorrida três semanas antes.
Pressionado por todos os lados pelos próprios deputados, voltou atrás horas
depois.164 Por fim, foi convencido a consentir com uma eleição especial para
escolher seu substituto, na qual Rodrigo Maia conquistou um mandato-
tampão até fevereiro de 2017. A fracassada tentativa aventureira de Waldir
Maranhão mostra que, embora a presidência da Câmara tenha competência
para tomar decisões vultosas e desempenhe um papel político muito
importante na dinâmica do procedimento, ela nem por isso é a única senhora
e dona absoluta do processo na casa.165
Dito tudo isso, cabe não confundir as condições políticas que um presidente
da Câmara de fato tem para manejar um impeachment presidencial por razões
personalistas e antirrepublicanas, de um lado, com a legitimidade dessas
manobras, de outro. O crime do século pode dar ao ladrão uma vida de
riquezas desfrutadas impunemente, mas não deixa de ser um crime. Ajudado
pela demora do  em exercer o poder — que o tribunal julga ter — de
afastar um presidente da Câmara dos Deputados que usa o cargo para seu
benefício pessoal, Cunha conseguiu levar a cabo seu intento de vingança
contra o governo; ao lado dele, aqueles parlamentares que, como Romero
Jucá, torciam pela queda de Dilma na esperança de frear a Lava Jato
conseguiram a mudança política que almejavam (embora o freio à operação
propriamente não tenha vindo com Michel Temer, como imaginavam, mas
apenas com Jair Bolsonaro).166 Todas essas pessoas e instituições foram
instrumentais umas às outras e conseguiram, umas mais, outras menos, aquilo
que almejavam. Nada disso, porém, garante legitimidade a esse plano de
muitas mãos sujas. Independentemente dos méritos ou deméritos jurídicos da
acusação, o capítulo “Eduardo Cunha” da história do impeachment de Dilma
Rousseff traz uma pecha indelével para a legitimidade de todo o processo.
Com razão, ele será sempre lembrado pelos críticos da destituição como
ponto alto — ou melhor, baixo — do cinismo de muitos dos detratores da ex-
presidente.

O STF e a ADPF 378

Ao chamar para si a tarefa de definir os ritos do impeachment, na  378, o


Supremo impôs algum limite às manipulações regimentais de Cunha e
confirmou o papel do Judiciário de zelar pelas formalidades do devido
processo legal nesse tipo de ação. Essa vocação do Supremo fora iniciada ainda
na Primeira República, no já citado impeachment do governador do Mato
Grosso em 1916, e confirmada na vigência da Constituição de 1988, no caso
Collor. Nesse particular, como já foi dito, o tribunal de cúpula brasileiro se
afasta da postura adotada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que
decidiu, em 1993, que o próprio rito do impeachment é uma questão política,
insuscetível de revisão por juízes.167
Ao longo do processo de impeachment de Dilma Rousseff, o  também
reafirmou sua absoluta indisposição em reavaliar o mérito das acusações por
crimes de responsabilidade contra presidentes. Por mais vagos que sejam os
termos da lei no 1079/1950, e por mais polêmicas que fossem as acusações
contra a ex-presidente, o Supremo igualmente manteve seu entendimento
histórico: dizer se a conduta presidencial configura crime de responsabilidade
é atribuição exclusiva do Congresso Nacional, seja pela Câmara, que autoriza
a instauração do processo, seja pelo Senado, que recebe a denúncia, conduz a
instrução, isto é, a fase de coleta de provas, e realiza o julgamento final.
Essa posição contida, que contrasta com o ímpeto intervencionista sobre
questões políticas que o  tem demonstrado, rendeu críticas e sugestões de
alteração legislativa e constitucional por parte de alguns juristas.168 Em que
pese a boa argumentação desses autores, é preciso reconhecer que também há
fortes argumentos contrários a um maior papel do Judiciário no controle do
impeachment. A possibilidade de qualquer intervenção judicial sobre o mérito
das decisões da Câmara e do Senado agregaria incertezas e demora a um
processo que precisa ser rápido e previsível em seu rito, mesmo quando seu
resultado é jurídica e politicamente contestável.169 No caso brasileiro, se
levarmos em consideração os poderes individuais desmedidos que os ministros
do  progressivamente conferiram a si mesmos, tanto de ação (através de
liminares que demoram a ser levadas ao plenário) quanto de bloqueio
(paralisando julgamentos com pedidos de vista), esse risco é infinitamente
maior. Aumentar os poderes do  como remédio para diminuir arbítrios do
Poder Legislativo no impeachment presidencial expressa uma confiança que o
tribunal tem provado não merecer, seja pelo desempenho errático de seus
ministros em julgamentos politicamente sensíveis, seja pela falta de
preocupação de alguns deles com a mais elementar ética judicial.170 A pretexto
de criar uma via para corrigir abusos, essa alternativa abriria caminho para
outros tantos.
Como aponta Paulo Brossard, o risco de abusos existirá qualquer que seja a
autoridade encarregada de decidir por último os destinos do processo.171 E os
excessos nem sempre serão para condenar presidentes inocentes: podem ser
também para poupar aqueles notoriamente merecedores de impeachment.
Nesse caso, havia de se cogitar também uma intervenção judicial? O desenho
do impeachment não ignora que investidas ilegítimas sobre mandatos
presidenciais podem acontecer, porém o remédio que ele oferece não é a
revisão judicial, mas outros. O primeiro remédio é sua atribuição a um corpo
político numeroso, o Poder Legislativo. Instituições de poucos membros,
como são os tribunais, têm maiores chances de serem capturadas por
interferências políticas indevidas, como alertava Alexander Hamilton.172 O
segundo remédio é a exigência de uma elevada maioria, de dois terços, como
quórum tanto para a autorização do processo, na Câmara, quanto para a
condenação final, no Senado: o quórum é suficiente para barrar quase
qualquer investida flagrantemente ilegítima contra um presidente. Fora isso,
resta o controle difuso da opinião pública, que deve chamar os parlamentares à
responsabilidade de não violar a integridade do mandato presidencial, bem
como de não permitir que um líder autoritário atente contra outras
instituições. Não são remédios infalíveis, como sabemos, mas a alternativa de
empoderar o  em excesso exponenciaria os problemas que se busca
resolver.

O     , ajuizada pelo do, em 16 de dezembro de 2015,


em uma sessão que invadiu a madrugada. Não é comum que s sejam
julgadas tão rapidamente; é ainda mais incomum que ministras e ministros
fiquem reunidos até tão tarde no tribunal. O esforço revela o empenho do
Supremo em deixar o rito do impeachment definido e devolver o
protagonismo ao Congresso, como deve mesmo acontecer. A decisão final do
tribunal passou por três pontos principais: os papéis da Câmara e do Senado; a
forma de composição das comissões especiais; e o formato das eleições para
essas comissões. As duas últimas haviam sido os gatilhos que motivaram a
concessão de medida liminar pelo relator da causa no , ministro Edson
Fachin, contra o “rito Cunha”.
Embora Fachin fosse o relator sorteado para a causa, as posições de seu
voto não foram acolhidas pela maioria dos ministros. Prevaleceu o voto do
ministro Luís Roberto Barroso, que acabou assumindo o comando da redação
do acórdão. A despeito de algumas divergências relevantes, Fachin e Barroso
concordaram na maior parte das questões. Em primeiro lugar, concederam
que a lei no 1079/1950 disciplinava de modo exaustivo, e mais restrito do que o
Código de Processo Penal, as hipóteses de suspeição e impedimento dos
agentes políticos envolvidos no julgamento do impeachment, tanto na
Câmara quanto no Senado. Nesse tópico, acompanharam o entendimento já
expressado pelo ministro Sydney Sanches no julgamento de Collor, como visto
no capítulo 3.
Igualmente seguindo o rito que valeu para Collor, Fachin e Barroso
concordaram que a autoridade acusada não tem direito de apresentar uma
defesa antes do encaminhamento da denúncia, pelo presidente da Câmara, à
comissão especial de impeachment, como pedia a defesa de Dilma Rousseff.
Consentiram ainda que a aferição da proporcionalidade partidária para a
composição das comissões de impeachment pode ser feita com base nos
blocos partidários, e não apenas nas legendas isoladas. Isso porque, embora a
lei no 1079/1950 não mencione os blocos, que não existiam àquela altura, a
Constituição de 1988 os previu expressamente.173 Também não houve
dissenso quanto à possibilidade de os senadores que compõem a comissão
especial de impeachment, que realiza função análoga a uma investigação,
participarem na sequência do julgamento da causa. Isso rompe a regra que
deve valer nos julgamentos de crimes comuns, nos quais uma mesma
autoridade não pode ser investigadora e julgadora simultaneamente. Fachin e
Barroso concordaram ainda em: admitir a aplicação dos regimentos internos
da Câmara e do Senado para as hipóteses não especificamente disciplinadas
pela Lei do Impeachment; assegurar à defesa o direito de sempre falar por
último, após a acusação; e passar o interrogatório da pessoa acusada para a
última etapa da fase de coleta de provas do processo, ato que se realizaria em
29 de agosto de 2016, dois dias antes da condenação final e destituição
definitiva de Dilma Rousseff da presidência da República.
No que houve divergência entre ambos, as posições de Barroso
prevaleceram em pontos importantes. Ele estabeleceu que a Câmara exerce
um juízo político sobre a denúncia, enquanto apenas o Senado leva a cabo,
propriamente, o processo e julgamento da autoridade acusada. Esse papel do
Senado inclui, antes mesmo da decisão privativa sobre a culpa ou inocência da
autoridade, uma decisão autônoma sobre o recebimento ou não da denúncia,
a qual a Câmara meramente autoriza — vale dizer que para Barroso, e para a
maioria do tribunal, o Senado não é obrigado a instaurar o processo apenas
porque a Câmara o autorizou, embora seja proibido de fazê-lo sem essa
autorização. Além de confirmar o prazo de dez sessões para a autoridade
apresentar sua defesa na Câmara dos Deputados, como o  já havia
assegurado a Collor, a maioria do tribunal estipulou ainda que o plenário da
Câmara deve votar uma única vez, sob exigência de maioria qualificada de dois
terços de seus membros, a autorização para que o Senado processe um
presidente, com os parlamentares instruídos e informados pelo relatório
aprovado na comissão especial de impeachment.174 Isso é decorrência do papel
que a Constituição de 1988 reservou à Câmara no impeachment: a mera
autorização, ou não, para a instauração de processo pelo Senado.
Quanto ao rito no Senado, ficou decidido que deveria ser seguido o mesmo
observado para Collor: a instauração do processo, mediante a qual se dá a
suspensão cautelar do exercício da presidência, deve ocorrer após deliberação
do plenário do Senado por maioria simples; a maioria de dois terços se exige
apenas para a condenação final. A única diferença seria a mudança da ordem
do interrogatório de Dilma, que deveria passar para o fim da instrução —
mudança espelhada em uma reforma legislativa de 2008 que transformou o
interrogatório do réu no ato final da fase de produção de provas nos processos
criminais, com o objetivo de lhe garantir o direito a falar por último. O
tribunal ainda rejeitou as duas últimas manobras de Cunha para influir na
comissão especial: decidiu que não seria possível a apresentação de
candidaturas avulsas, devendo ser obedecidas as indicações dos líderes de
partidos e blocos, sendo a eleição meramente ratificadora (como ocorrera no
caso Collor);175 e que não seria possível a realização de qualquer eleição
fechada no rito do impeachment, devendo as votações ser sempre abertas.176
Com isso, o  mandou anular a eleição da comissão especial conduzida por
Cunha: tudo teria de começar do zero na volta do recesso de final de ano, em
2016.
Com exceção desse balizamento inicial, a atuação do  no impeachment
foi modesta. O tribunal não se mostrou disposto a intervir no mérito das
acusações e deixou correr sem resposta algumas das ações em que a defesa de
Dilma Rousseff impugnava atos de Temer, durante o período em que este
substituía a presidente então suspensa.177 O Supremo também guardou
silêncio sobre questionamentos à condenação de Dilma por crimes de
responsabilidade,178 no que fez bem: essa competência é do Legislativo e não
do Judiciário.

O impeachment na Câmara

O impeachment voltou a andar na Câmara em 17 de março de 2016, com a


eleição da comissão especial, observando as regras determinadas pelo .
Foram escolhidos para presidente o deputado Rogério Rosso, do , e para
relator o deputado Jovair Arantes, do . O relatório de Arantes sobre a
denúncia foi aprovado na comissão especial em 11 de abril, com 38 votos
favoráveis, 27 contrários e nenhuma abstenção.179 Após resumir argumentos
da acusação e da defesa, Arantes passou a apresentar sua visão sobre o papel
do impeachment na Câmara: embora a casa tivesse o dever de evitar o
prosseguimento de acusações “abusivas, levianas, ineptas, formal ou
substancialmente”, aos deputados cabia realizar um juízo eminentemente
político,180 na linha do que havia decidido o  na  378. Na sequência, o
relator respondeu às principais objeções da defesa quanto aos trabalhos da
comissão. Primeiro, deixou claro que não se via vinculado aos termos da
decisão de Cunha sobre o recebimento da denúncia apenas para atos
praticados em 2015: “O juízo de admissibilidade realizado pelo presidente da
Câmara é meramente precário, sumário e não vinculante, o que autoriza a
esta comissão analisar a denúncia por inteiro”.181 De mais a mais, insistiu, a
competência para admitir a denúncia é do plenário da Câmara, e não do
presidente. No ponto mais polêmico de seu relatório, Arantes defendeu a
possibilidade de análise dos fatos relativos ao primeiro mandato:
A Carta Magna usa, sabiamente, o termo “funções”, e não “mandato atual”. […] [A]pós a inserção do
instituto da reeleição no texto magno […], o presidente da República passou a exercer suas funções
pelo período de oito anos, caso reeleito, ainda que cada mandato seja de quatro anos.182

O relator também defendeu a amplitude dos trabalhos da comissão, que


incluíram audiências públicas com especialistas e até mesmo a então recente
delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral. Essa atuação ampla
também era criticada pela defesa de Dilma Rousseff.
Com o parecer aprovado, o plenário da Câmara pôde deliberar sobre a
autorização para a abertura do processo contra a presidente da República.
Cunha fez o que pôde para dar a maior publicidade possível ao evento,
marcando-o para uma manhã de domingo, 17 de abril. Poucos dias antes, ele
havia tentado mais uma de suas “cunhadas”: ao estipular a ordem da votação
aberta, determinou que a chamada começaria com os parlamentares do Sul do
Brasil, e que os do Norte e Nordeste ficariam por último. O rito tinha o
propósito de consolidar uma onda pró-impeachment no início da votação,
estimulando indecisos a votarem a favor da autorização. O regimento interno
da Câmara, porém, mandava que em votações desse tipo houvesse alternância
entre deputados das regiões ao norte e ao sul do país, seguindo
progressivamente em direção ao centro. No dia seguinte, o presidente voltou
atrás e modificou o rito, prevendo a ordem correta de chamada.183
Essa última manobra de Cunha deu motivo para uma enxurrada de ações
de última hora no , na tentativa de impedir a votação. Na noite de 14 de
abril, o  mais uma vez trabalhou em horário estendido a fim de deixar o
terreno limpo para a Câmara: em uma sessão extraordinária, que começou às
17h30, o tribunal analisou cinco ações que traziam variados argumentos tanto
contra a conduta de Cunha quanto contra os trabalhos da comissão especial.
Resumidamente, as ações renovavam as alegações de abuso de poder e desvio
de finalidade por parte do presidente da Câmara, pediam impugnação do rito
de votação e protestavam contra o que entendiam ser uma ampliação do
objeto da acusação no âmbito da comissão.184 Na sessão, o  validou a
última versão do rito estabelecida por Cunha, assim como rejeitou a alegação
de ampliação do objeto da acusação: a função da Câmara é meramente
autorizar o eventual recebimento da queixa pelo Senado, de forma que a casa
está dispensada de observar maior rigidez quanto à correspondência entre
suas discussões e o objeto da denúncia.
No dia 17 de abril, em uma sessão na qual muitos deputados desconhecidos
apresentaram-se ao Brasil, a Câmara autorizou a abertura do processo de
impeachment contra Dilma Rousseff, por 367 votos a favor, 137 contrários e
sete abstenções. Foram 25 votos a mais do que o mínimo necessário para a
aprovação da denúncia.

O impeachment no Senado

Dilma Rousseff sempre confiou mais em suas chances de êxito no Senado, em


que o governo não tinha de enfrentar a animosidade de Eduardo Cunha. Lá,
ao contrário, ela podia contar com uma relação pacífica com Renan Calheiros,
o presidente da casa, que seguia se dizendo aliado do governo.185 A mudança
do campo de jogo marcou também o fim da relevância política de Eduardo
Cunha para o impeachment. Após isso, sua queda foi veloz: em 5 de maio, o
 atendeu a pedido antigo da  e mandou afastá-lo não apenas da
presidência da Câmara mas do mandato de deputado federal; em 7 de julho,
na esperança de ter o mandato poupado por seus colegas no Conselho de
Ética, ele renunciou à presidência; e seu mandato foi finalmente cassado em 12
de setembro, com voto favorável de 450 deputados — 83 a mais do que os
votos pela autorização para o processo de impeachment de Dilma Rousseff.186
Em 25 de abril, foi eleita a comissão especial de impeachment do Senado.
Os nomes foram escolhidos por indicação dos líderes e referendados em
votação simbólica pelo plenário, sem nenhum voto divergente.187 O debate
sobre quem ocuparia a presidência e a relatoria foi intenso. Os membros da
base governista protestavam contra as posições de comando serem dadas ao
 — pela associação da legenda à atuação de Eduardo Cunha na Câmara
— e ao  — não apenas porque fora o partido derrotado no segundo turno
em 2014 como também porque o próprio candidato perdedor, Aécio Neves,
era senador à época.188 De nada adiantou: no dia 26 de abril, os 21 membros
da comissão reunidos elegeram como presidente o peemedebista Raimundo
Lira e como relator o tucano Antonio Anastasia.
Como na Câmara, também houve sessões de debates com especialistas na
comissão especial, alguns favoráveis à denúncia, outros contrários. No dia 4 de
maio, foi apresentado o relatório de Anastasia. Ao contrário do que fizera
Jovair Arantes, ele reduziu o escopo de sua análise: focou apenas na “abertura
de créditos suplementares por decretos presidenciais, sem autorização do
Congresso Nacional” (os decretos não numerados de abertura de crédito
suplementar) e na “contratação ilegal de operações de crédito”.189 Acusações
como a omissão de Dilma em face da corrupção na Petrobras, que apareciam
na denúncia de Bicudo, Reale Jr. e Paschoal, nem sequer foram mencionadas
no relatório. Anastasia reforçou a natureza política do impeachment e
enfatizou a importância do princípio da responsabilidade para a democracia. O
relatório também pegou embalo na resposta mais óbvia à crítica que os
opositores do impeachment faziam ao processo, acusando-o de “golpe”:
impeachments não são golpes justamente porque previnem rupturas
institucionais. Anastasia valeu-se da ambiguidade semântica do termo, pois
enquanto seus acusados empregavam “golpe” em um sentido mais amplo
(destituição ilegal de um governo, mesmo que sem derrubada de regime), ele
retrucou usando o conceito de golpe de modo mais restrito (derrubada de
regime).
Quanto à questão mais polêmica da acusação — a dúvida quanto a saber se
atos do primeiro mandato, quando as pedaladas fiscais realmente atingiram
valores descomunais, poderiam ser incluídos —, o relator jogou com a dose de
imprecisão que lhe convinha: não deixou de apontar a má gestão fiscal do
governo em 2014, nem os julgamentos do  que condenaram as pedaladas
na Caixa e recomendaram reprovação das contas daquele ano, mas ao mesmo
tempo tratou a gestão fiscal de 2015 como uma “continuidade fáctica” da
anterior. Em outras palavras, ele considerou as violações à Lei de
Responsabilidade Fiscal como um grande monólito que repousava na linha
divisória entre o primeiro mandato, terminado em 2014, e o segundo, iniciado
em 2015. A maior parte desse monólito, dizia Anastasia, estava em 2014, mas
havia uma ponta que havia invadido 2015, e embora ela fosse uma ponta
menor, era impossível contemplar o fenômeno sem considerá-lo por inteiro. O
relator, que é professor de direito, usou um termo jurídico conhecido para
descrever a unidade de condutas que se prolongam e devem ser consideradas
em sua inteireza de sentido: “continuidade”, conceito de direito penal usado
para abarcar condutas que se estendem no tempo em sucessivos atos.
O relatório conjugou, portanto, uma aparente delimitação estreita dos
crimes considerados (pedaladas e decretos, que eram menos do que trazia a
denúncia original), mas, nesses limites estreitados, um olhar ampliativo que
espelhava toda a gestão econômica do governo. Esse olhar ampliativo
implicava a consideração de todo o chamado “conjunto da obra” da gestão
fiscal de Dilma Rousseff: “Dado todo o contexto e análise dos fatos,
identificamos plausibilidade na denúncia, que aponta para a irresponsabilidade
do chefe de governo e de Estado na forma como executou a política fiscal”,
concluiu.190 Em 6 de maio, o relatório foi aprovado na comissão especial por
quinze votos a cinco.191
Era questão de tempo até que o plenário do Senado recebesse a denúncia e
Dilma Rousseff fosse provisoriamente afastada da presidência da República. A
votação aconteceu na madrugada de 12 de maio de 2016, sob a presidência de
Renan Calheiros. O parecer de Anastasia foi lido em plenário e deliberou-se
pela abertura do processo, por 55 votos a 22. O texto do mandado de
intimação, para que a presidente se afastasse do cargo e se defendesse das
acusações, foi lido às 6h36 da manhã.192 Vale marcar a diferença em relação ao
tempo de cumprimento do rito nos casos Collor e Dilma. Enquanto em 1992 o
Senado correu para emitir um parecer de dois parágrafos em horas, essa etapa
foi bastante alongada no caso de Dilma: o primeiro ato do processo, a leitura
em plenário, aconteceu em 19 de abril, enquanto o afastamento cautelar pelo
recebimento da denúncia veio apenas em 12 de maio.193
O presidente do , ministro Ricardo Lewandowski, foi convocado para
conduzir o processo a partir dali. Os trabalhos então voltaram para a comissão
especial, que entre maio e agosto de 2016 ouviu testemunhas e especialistas
apontados pela acusação e pela defesa. Em 4 de agosto de 2016, o parecer final
do colegiado foi aprovado (parecer no 726),194 recomendando que a acusação
contra Dilma Rousseff prosseguisse, através de sua pronúncia — isto é, uma
decisão intermediária, que determina que a pessoa acusada deverá ir a
julgamento perante um corpo de juízes, que nesse caso seriam as senadoras e
os senadores.195 Cinco dias depois, o plenário do Senado, por 59 votos a 21,
votou pela aprovação do relatório de Anastasia. O placar mandava maus sinais
para Dilma, pois projetava que o apoio ao impeachment superava os 54 votos
necessários para sua condenação. Vale notar que o desempenho da presidente
foi pior nessa segunda votação, de aprovação do relatório, do que na primeira,
de aceitação da denúncia: era um sinal de que o apoio a ela diminuía à medida
que o processo marchava no Senado.
Com Dilma afastada, o governo Temer tocava sua agenda, buscando apoio
para “Uma ponte para o futuro”, projeto de reformas que prometia tirar o
Brasil da crise. Ao mesmo tempo, o país se entretinha com os Jogos Olímpicos
do Rio de Janeiro. A Lava Jato, por sua vez, não dava sinais de que descansaria:
em 16 de agosto, o relator da operação no , ministro Teori Zavascki,
autorizou investigação contra Lula, Dilma, José Eduardo Cardozo e o ex-
ministro da Casa Civil Aloísio Mercadante, para apurar a indicação do ex-
presidente para a Casa Civil — o inquérito seria arquivado em 2017, a pedido
da .196 Às vésperas do julgamento de Dilma no Senado, a imprensa
noticiava que o ex-diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque, envolveria
a então presidente na delação premiada que estava negociando.197 Já com a
condenação dada como certa (alguns poucos senadores fingiam indecisão
apenas para barganhar vantagens de última hora no novo governo),
apareceram as primeiras fissuras no casco da aliança ecumênica que havia
deixado a Lava Jato caminhar desimpedida: um dia antes do início do
julgamento de Dilma Rousseff, Gilmar Mendes abriu fogo público contra a
operação após o vazamento de depoimentos do empreiteiro Leo Pinheiro, da
, que mencionavam o ministro Dias Toffoli.198
Condenação sem inabilitação

Embora o julgamento tenha se iniciado no dia 25 de agosto, Dilma Rousseff


compareceu ao Senado apenas no dia 29. Nessa data estava prevista sua
participação pessoal nos trabalhos: era o dia de seu interrogatório, o último
ato do processo antes da votação que selaria seu destino. Vestindo um blazer
de fundo escuro com estampas de folhagens bordadas, a presidente chamou
Michel Temer de “usurpador” e classificou o impeachment como um “golpe
na Constituição”. Aproveitou para criticar o duro ajuste fiscal pretendido pelo
governo Temer e atacou as motivações espúrias de Eduardo Cunha. Dilma fez
menção indireta ao áudio de Romero Jucá, ao repetir um termo usado por ele
na conversa: “sangria”.
A condenação de Dilma era garantida, mas nem por isso a sessão de
julgamento deixou de trazer surpresas. Assim que o processo chegou à fase de
votação final, já no dia 31 de agosto, o primeiro-secretário da mesa diretora do
Senado, Vicentinho Alves, do , leu um requerimento de destaque formulado
pelo . O destaque é um instituto de processo legislativo, previsto nos artigos
312 e seguintes do regimento interno do Senado. Ele permite que parte
específica de uma proposição que está sendo discutida seja votada
separadamente — ou seja, de modo destacado — da proposição originária que
a contém. Com base nesse instituto, o  requereu o destaque de uma das
partes do quesito que seria submetido à votação do plenário:

Requeiro, nos termos do artigo 312,  e parágrafo único do Regimento Interno do Senado Federal, o
destaque da expressão — aspas — “ficando, em consequência, inabilitada para o exercício de qualquer
função pública pelo prazo de oito anos” — fecha aspas — do quesito que é objeto de julgamento por
parte dos senadores no processo de impeachment da senhora presidente da República Dilma Vana
Rousseff, denúncia no 1, de 2016.199
A consequência prática da aprovação do requerimento seria desdobrar a
votação contra Dilma em dois quesitos distintos, evitando que sua inabilitação
por oito anos decorresse automaticamente da condenação. Foi uma manobra
de última hora da bancada do  com o objetivo de minimizar danos: mesmo
que condenada e afastada do cargo, a presidente não perderia seus direitos
políticos, a não ser que o Senado assim decidisse em votação separada. A
oposição protestou invocando o texto da Constituição que impunha uma
única consequência para a condenação: “Perda do cargo, com inabilitação, por
oito anos”.
O senador Randolfe Rodrigues, aliado de Dilma, retrucou que não se
tratava de matéria constitucional, mas regimental, sendo o destaque um
“direito parlamentar subjetivo”. Randolfe se aproveitou do fato de que o
resultado da votação gera um tipo de documento, a resolução, que se aprova
mediante votação de um projeto, exatamente como as leis. Fez então um
argumento de analogia: se destaques são cabíveis para resoluções em geral,
por que não o seriam para a resolução específica da condenação de presidentes
por crimes de responsabilidade? A resposta veio do senador Aloysio Nunes: o
Senado estava ali para emitir não uma resolução legislativa comum, mas sim
uma sentença. Foi a vez de o senador petista Lindbergh Farias retrucar
invocando o texto da lei no 1079/1950, que prevê votação separada para a
remoção do cargo e para a inabilitação. Lindbergh lembrou também o
precedente do julgamento de Collor, que fora condenado à inabilitação
mesmo sem ter sido julgado quanto ao afastamento.
O presidente do  Ricardo Lewandowski chamou então a decisão para si.
Alegando que iria “prestigiar o regimento”, e invocando o dispositivo
regimental que obrigava a aprovação do destaque quando ele fosse requerido
por bancada de partido com mais de três senadores (como era o caso do ),
ele assim o fez. Ironicamente, o ministro que tanto havia criticado o
“fatiamento” da votação no julgamento do Mensalão, em 2012, patrocinou
medida análoga dessa vez. Como consequência, a votação de Dilma Rousseff
foi desmembrada em dois quesitos: por 61 votos a vinte, ela foi condenada à
perda do cargo; mas por 42 a 36 acabou poupada quanto à inabilitação, pois
não foram atingidos os 54 votos exigidos pela Constituição para se chegar a
condenação em matéria de crimes de responsabilidade.
Dois dias depois, o jornalista Leandro Colon revelou que a estratégia do
“fatiamento” havia sido concebida duas semanas antes da sessão final de
julgamento, por senadores do . O plano teria recebido o apoio de
parlamentares pró-Dilma de outros partidos, como Kátia Abreu, do . Até
mesmo o presidente do Senado, Renan Calheiros, teria aconselhado
Lewandowski a aceitar o requerimento de destaque.200 Colon também
identificou e entrevistou aquele que teria sido o “ideólogo” da decisão: o
advogado de carreira do Senado Luiz Fernando Bandeira, que em 2016 era
secretário-geral da mesa diretora da casa. Em entrevista, Bandeira explicou
que, no seu entendimento, a pena de inabilitação de oito anos, prevista na
Constituição, era a “pena máxima”, e que poderia haver “dosimetria” quanto a
ela em caso de condenação. Disse ainda que, para ele, a votação do
impeachment constituía, sim, uma proposição, pois essa era a natureza de
quaisquer matérias submetidas à deliberação do plenário, o que autorizaria o
deferimento de destaques. O secretário-geral informou ainda que havia
tomado conhecimento da estratégia dias antes, e que pedira um parecer da
consultoria legislativa da casa, que confirmava seu entendimento, mas deixou
claro que o ministro Lewandowski não havia tomado decisão alguma até o
momento em que a proposição foi apresentada pela bancada do . Bandeira
também apontou que a Lei do Impeachment, de 1950, igualmente previa
votações separadas para a perda do cargo e a inabilitação, e lembrou o
precedente de Collor, como fizera Lindbergh Farias na sessão plenária.201
Em minha opinião, a posição de Bandeira, de Lewandowski e dos
defensores do “fatiamento” está equivocada. Não se pode ignorar que a
literalidade da lei no 1079/1950 baseava-se no texto da Constituição de 1946,
que nessa matéria é diferente do atual. Naquela carta, o dispositivo pertinente
dizia que a condenação por crime de responsabilidade sujeitava o presidente a
inabilitação por “até cinco anos” (art. 62, §3o). Ao deixar claro que a pena
prevista registrava um máximo (“até”), evidentemente era necessária uma
deliberação apartada para que se decidisse qual o tamanho, dentro desse
máximo, da inabilitação em caso de condenação. Porém, o atual texto
constitucional mudou: agora fala-se de “perda do cargo, com inabilitação, por
oito anos”. Não há margem para dosimetria alguma: a condenação
obrigatoriamente acarreta a inabilitação, por quantidade de tempo fixa e
predeterminada. Desconheço qualquer intérprete desse dispositivo
constitucional que tivesse alguma dúvida quanto à obrigatoriedade da pena de
oito anos até o “fatiamento” do julgamento de Dilma Rousseff.
Além disso, a decisão do Senado em matéria de impeachment não é uma
proposição de natureza legislativa, mas sim uma “sentença”, e senadoras e
senadores, nesses casos, são “juízes”, exatamente como afirmara Aloysio
Nunes. As duas expressões constam na Lei do Impeachment (arts. 34 e 35). O
rito da votação do impeachment de Dilma consagrou a mais estranha das
inversões que se pode ter na interpretação jurídica: a Constituição, de redação
bastante clara quanto a isso, foi interpretada a partir da escolha seletiva de
trechos de uma lei que lhe é anterior, bem como do regimento interno de
uma das casas legislativas, quando o correto seria o exato oposto — a lei e o
regimento do Senado é que deveriam ter sido interpretados a partir da
Constituição.
É preciso, porém, conceder um ponto ao argumento de Bandeira: ele estava
certo em invocar o julgamento de Collor em favor de sua tese, já que lá
também houve, de certo modo, uma votação apenas para a inabilitação (pois a
perda do cargo havia ficado prejudicada pela renúncia). O problema é que o
procedimento daquela votação, ao menos pelos fundamentos com que se deu
(a dualidade de penas), também está errado: para submeter Collor a
julgamento mesmo diante de sua renúncia, teria havido fundamentos jurídicos
melhores do que a alegação de que se tratava de duas penas autônomas,
conforme desenvolvi no capítulo 3.
Mas talvez toda essa polêmica de interpretação jurídica esteja errando o
alvo: e se os senadores, a despeito do que o direito estabeleça, simplesmente
queriam tirar Dilma do cargo, mas não achavam que ela merecia perder seus
direitos políticos? Bem, o direito lhes dava opções, mas a remoção do cargo
sem inabilitação não é uma delas. Cabe lembrar uma lição de John Labovitz,
um dos advogados que integrou o célebre Comitê Judiciário da Câmara dos
Deputados dos Estados Unidos durante os trabalhos de investigação contra o
ex-presidente Richard Nixon, e que tem lugar nesta discussão: “No sistema
[…] do impeachment, o Senado não pode ajustar a sanção ao crime, e sim
deve decidir se a única sanção disponível […] é cabível [à conduta]”.202 Se a
inabilitação por oito anos parece imerecida para a autoridade à luz do
comportamento do qual ela é acusada, a única opção jurídica é a absolvição.

Foi golpe?

A pergunta “Foi golpe?” dividiu o Brasil durante o impeachment de Dilma


Rousseff. “Não vai ter golpe!” tornou-se um chamado para os que se opunham
à medida, respondido com o truísmo de que o impeachment não pode ser
golpe porque é previsto na Constituição. Se a dicotomia “Foi golpe”/“Não foi
golpe” é útil na retórica da mobilização política, porque sintetiza de imediato a
opinião de cada um sobre esse impeachment controverso, analiticamente ela é
ruim, pois esconde mais do que revela. Convém substituí-la por outra: o
impeachment de Dilma Rousseff foi legítimo? Formulada dessa maneira, a
questão imediatamente impõe uma nova indagação: de onde vem a
legitimidade de um impeachment? Aqui, os argumentos que se tornaram mais
comuns de um lado e de outro do embate “Foi golpe”/“Não foi golpe”
fornecem pistas úteis. Enfrentarei alguns deles, e, ao fazê-lo, deixarei claros os
contornos de minhas opiniões pessoais, como acadêmico que estuda o
impeachment, sobre a condenação e o afastamento de Dilma Rousseff.
Comecemos com as formulações mais amplas e contundentes, de parte a
parte.

“F   não houve crime de responsabilidade” e seu oposto


“Não foi golpe porque o  disse que houve violação à Lei de
Responsabilidade Fiscal”. Ao lado da acusação de parcialidade e desvio de
finalidade por parte de Eduardo Cunha, o argumento de que não houve crime
de responsabilidade foi central para a defesa de Dilma Rousseff. Se é verdade
que um impeachment sem crime de responsabilidade é totalmente desprovido
de legitimidade, o uso desse argumento a favor de Dilma impõe um desafio
adicional: tendo em vista que a Lei de Responsabilidade Fiscal é taxativa em
afirmar que as violações a ela configuram improbidade administrativa, crimes
comuns e crimes de responsabilidade, por que razão, então, as violações à Lei de
Responsabilidade Fiscal cometidas por Dilma não configurariam crime de
responsabilidade?
Quando olhamos apenas para o período de 2015, as condutas de Dilma
parecem pequenas e não destoam, nem em valor, nem em frequência, das
práticas de seus antecessores. Se o fundamento do impeachment for a gestão
fiscal do governo em 2015, os opositores do processo têm toda razão para
reclamar. Porém, quando consideramos 2014, o volume das pedaladas em seu
governo foi sem precedentes. Vale lembrar que a prática foi considerada ilegal
pelo  — não no julgamento relatado por Augusto Nardes, contra o qual o
governo sempre protestou, mas naquele conduzido por José Múcio Monteiro.
Além do , também os técnicos do Tesouro Nacional acusavam a
ilegalidade daquelas operações, o que gerou inclusive um levante de vários
funcionários de carreira contra o secretário Arno Augustin. Na melhor das
hipóteses, Augustin encontrou uma brecha na metodologia do cálculo da
dívida pública pelo Banco Central (que depois foi alterada, para evitar que tais
práticas se repetissem em grande volume) e valeu-se dela para esconder
aumentos do passivo público que escapavam ao radar da contabilidade oficial.
E, mais importante, isso foi feito no ano anterior ao início da campanha pela
reeleição de Dilma Rousseff, o que sugere que essa conduta imprópria visava a
evitar prejuízos eleitorais de curto prazo para a presidente, seu partido e seus
aliados.
Mas, mesmo concedendo que a gestão fiscal de Dilma apresentou
ilegalidades, sobretudo no ano final de seu primeiro mandato, e que essa
ilegalidade pode ser considerada uma violação à Lei de Responsabilidade
Fiscal, resta ainda responder se violações à Lei de Responsabilidade Fiscal
implicam necessariamente a prática de crime de responsabilidade. Parece-me
evidente que não é qualquer violação àquela lei que merece a resposta
extrema do impeachment. Violações a leis (e, no limite, à Constituição)
acontecem com alguma frequência em qualquer governo: todas as vezes que
um decreto ou uma  são considerados ilegais ou inconstitucionais pelo
Judiciário, está-se reconhecendo violação à lei ou à Constituição. No caso da
Lei de Responsabilidade Fiscal, a aprovação de contas “com ressalvas”
igualmente sugere que a gestão fiscal ficou aquém dos rigores da Lei de
Responsabilidade Fiscal em alguns pontos. Mas daí a um crime de
responsabilidade há certa distância, pois as ofensas que embasam
impeachments devem ter características distintivas: além de enquadráveis em
um dos crimes previstos na lei no 1079/1950, essas condutas precisam mostrar-
se genuinamente graves a ponto de comprometer a integridade das
instituições, além de não poderem ser combatidas de maneira eficaz por
mecanismos menos drásticos de enfrentamento de ilegalidades, como ações
judiciais. Uma conduta gravemente atentatória às instituições, enquadrável na
lei no 1079/1950, e que não pode ser contida de outra maneira que não através
do remédio amargo do afastamento prematuro do presidente resulta no
fundamento jurídico para um impeachment. O argumento apressado de que
há crime de responsabilidade porque há violação à Lei de Responsabilidade
Fiscal é uma conclusão que não decorre necessariamente das premissas.
Por esse olhar, mesmo aceitando que houve violação à Lei de
Responsabilidade Fiscal, a acusação contra Dilma se enfraquece: havia formas
mais adequadas, mais pontuais e menos traumáticas de reagir às ilegalidades
imputadas à gestão fiscal da presidente. A bem da verdade, algumas dessas
medidas foram tomadas pelo próprio governo quando a imprensa detectou a
prática ilegal e começou a denunciá-la: alterar a metodologia de cálculo da
dívida pública, para que atrasos em repasses do Tesouro Nacional deixassem
de ser ferramentas de maquiagem de contas; aperfeiçoar a redação de
contratos entre órgãos de governo e bancos públicos, impondo balizas mais
precisas para o fluxo de recursos; reforçar canais de denúncia à disposição de
técnicos da burocracia estatal, para que alguém sempre possa denunciar, com
segurança, condutas que pareçam impróprias; não coagir ou desacreditar a
imprensa quando ela reportar a existência das condutas e questionar sua
legalidade e seus impactos fiscais. Isso tudo, claro, sem prejuízo da
responsabilidade jurídica (pela Lei de Responsabilidade Fiscal ou pela Lei de
Improbidade Administrativa) ou política (por meio da demissão) dos agentes
diretamente responsáveis pela conduta ilegal, que podem ser inclusive
inabilitados para o exercício de cargos públicos no futuro. Quanto à acusação
dos decretos suplementares, coibir os efeitos danosos do ato era ainda mais
simples: há instrumentos processuais corriqueiros que teriam sido capazes de
sustar, por simples ordem judicial, os efeitos daquelas normas caso elas se
mostrassem ilegais ou inconstitucionais. Mas o ímpeto político não se deixou
constranger por qualquer limite jurídico. Nem mesmo o fato de que as
mesmas condutas haviam sido praticadas por Michel Temer, em valores ainda
maiores do que os imputados a Dilma Rousseff, foi suficiente para desacreditar
essa segunda acusação.
Se a remoção de um presidente é ato extremo que só se justifica quando
não há outra alternativa eficaz à disposição para enfrentar os crimes de
responsabilidade praticados pela autoridade, os fundamentos para a
condenação de Dilma, mesmo se considerado o período de 2013 e 2014, e
mesmo partindo-se do pressuposto de que o Tesouro Nacional violou a Lei de
Responsabilidade Fiscal, parecem problemáticos. Mas isso não impede que se
reconheça a ilegalidade de aspectos de sua gestão fiscal e seu impacto negativo
para a higidez e a credibilidade das contas públicas. Nada há de contraditório
em ser ao mesmo tempo crítico às más práticas contábeis da gestão Dilma
Rousseff e desaprovar a contestável fundamentação jurídica de sua
condenação.

“F   atos do primeiro mandato foram levados em


consideração.” Esse argumento não procede. Como eu já disse ao longo do
capítulo, entendo (em princípio, e com as ressalvas que fiz páginas atrás) que
condutas do primeiro mandato podem, sim, ensejar condenações no mandato
subsequente.
O maior problema, no caso do processo de impeachment de Dilma, é que
nunca houve exata clareza quanto a se os atos do primeiro mandato estavam
ou não sendo apreciados por seus acusadores, especialmente após a
autorização da denúncia pela Câmara. Embora a petição de denúncia
apontasse fatos do primeiro mandato e argumentasse que eles poderiam ser
considerados para impeachment no segundo mandato, Eduardo Cunha, ao
recebê-la e encaminhá-la à comissão especial da Câmara, entendeu que isso
não seria possível e ordenou que fatos relativos ao primeiro mandato fossem
desprezados. O relator do impeachment na Câmara, por sua vez, discordou de
Cunha e voltou a incluí-los no seu relatório, rejeitando inclusive os poderes do
presidente da Câmara para limitar o recebimento da denúncia. No Senado as
coisas foram ainda mais nebulosas: Antonio Anastasia, em seu relatório,
enfatizou as condutas de 2015, mas deixou claro que as considerava com uma
unidade fáctica que englobava também atos de 2014.
Por isso, a defesa de Dilma teve certa razão em reclamar da dificuldade em
identificar o objeto preciso da acusação, que parecia mais amplo em algumas
situações e mais restrito em outras.

“F   as pedaladas foram responsabilidade de Arno Augustin,


não de Dilma.” Esse foi um argumento legado pelo próprio Augustin para a
defesa de seus superiores, especialmente Guido Mantega: ao despedir-se do
governo, o ex-secretário do Tesouro Nacional deixou assinado um documento
no qual assumia responsabilidade integral e exclusiva pelos atos que praticou
no cargo, os quais incluíam as pedaladas fiscais. A acusação relativa aos
decretos de abertura de crédito suplementar em 2015, por si só fraca para
embasar um impeachment, visava a enfrentar justamente a falta de um ato de
próprio punho de Dilma (de preferência no segundo mandato).
Esse argumento é perigoso e não deve ser aceito. Ele convida a uma
compreensão excessivamente formal dos crimes de responsabilidade.
Impeachments cuidam, em essência, de graves abusos de poder, e presidentes
exercem poder de várias maneiras, não apenas através da prática de atos
formais de sua autoria direta.203 A mais perigosa forma de abuso de poder
presidencial ocorre justamente quando o espírito de corrosão institucional de
uma autoridade descomprometida com a Constituição contamina a cadeia do
serviço público, do burocrata da esquina aos ministros de Estado. Quando se
chega a esse ponto, nenhum ato pessoal e formal da autoridade máxima torna-
se necessário para que a destruição de instituições democráticas seja levada a
cabo com sucesso, sob sua liderança.

“N    o Supremo avalizou.” Esse argumento foi


repetidamente invocado pelos adversários de Dilma Rousseff. Mas ele tem um
pressuposto problemático: tomar a posição do  como medida última de
legitimidade de um impeachment.
O pressuposto é falho porque a Constituição dá muito pouco poder ao 
em matéria de crimes de responsabilidade. Pela tradição brasileira, o tribunal
só se permite assegurar que os ritos da Constituição e da Lei do Impeachment
sejam observados, garantindo oportunidades formais de defesa à autoridade
acusada. Mas ele nada diz sobre o mérito da acusação. O Supremo jamais se
manifestou sobre a principal objeção de Dilma Rousseff a seu impeachment —
a ausência de crime de responsabilidade —, pois ele não tem competência
constitucional para fazê-lo. Pela posição histórica que vem adotando, e pela
lógica do impeachment de reduzir poderes de juízes nessa matéria, o 
provavelmente nada faria, ainda que seus ministros, individual e
subjetivamente, considerassem que a acusação carecia de fundamento
jurídico.
Mesmo fora dos casos de impeachment, a noção de que devemos render
nossos julgamentos de legitimidade aos vereditos de tribunais é problemática.
Desde que se tornou corrente a visão de que direito e moralidade não têm
relação necessária, a ideia de que as decisões de um órgão jurídico (como um
tribunal) podem dar respostas definitivas sobre moralidade política deve ser
vista com muitas ressalvas. Longe de recomendar submissão incondicional, a
moralidade política exigirá, em muitos casos, que leis e decisões de
autoridades, inclusive de tribunais, sejam contestadas, e às vezes até
desafiadas.204 Escravidão, segregação, campos de concentração, perseguição a
adversários políticos de ditaduras: o mundo do sistema de justiça está repleto
de exemplos de sentenças que chancelaram injustiças notórias, e que não
servem para aliviar a consciência de quem se pergunta se fez a coisa certa ao
obedecê-las. Não é diferente com o , um tribunal que entregou uma
mulher judia grávida para ser morta nos campos de concentração nazistas205 e
cansou de fazer vista grossa à prática de tortura em vários momentos da
história do Brasil. Leis e decisões judiciais são importantes fontes para se levar
em conta em nossas avaliações acerca de legitimidade, mas não são gabaritos
infalíveis para nossos grandes conflitos políticos — especialmente em
impeachments, pela pequena competência do Poder Judiciário nesse tema.

“N    o impeachment é político, então a Câmara e o


Senado decidem como bem quiserem.” Ao lado do argumento do  como
avalista, esse foi outro bordão reiteradamente invocado pelos defensores do
impeachment de Dilma Rousseff.
Essa justificativa era a resposta-padrão dos críticos de Dilma à alegação de
tibieza jurídica da acusação, pela falta de crimes de responsabilidade
convincentes. Ele é improcedente porque confunde duas coisas distintas: de
um lado, saber se a autoridade acusada terá ou não força política para
sobreviver no Congresso, seja ela culpada ou inocente dos crimes que lhe são
imputados; de outro, avaliar se a conduta atribuída a essa autoridade constitui
ou não crime de responsabilidade. Enquanto a primeira é uma avaliação de
força política no tempo presente, que deve ser renovada a cada dia, a segunda
é um juízo de interpretação legal.
É facticamente possível que um Congresso em pé de guerra com o
presidente da República o ponha para fora usando uma acusação fraca como
pretexto, assim como é também possível que a autoridade politicamente forte
consiga sobreviver a uma acusação robusta por graves crimes de
responsabilidade. Em qualquer desses dois casos, a pergunta “Houve crime de
responsabilidade?” não se confunde com a avaliação das condições políticas
que possibilitam à autoridade sobreviver ou não ao processo.
No caso de Dilma Rousseff, uma elucubração contrafactual é útil: se o 
tivesse aceitado barganhar com Cunha para salvá-lo no Conselho de Ética, ou
se a presidente tivesse conseguido emplacar um procurador-geral da República
antilavajatista — como Jair Bolsonaro fez com Augusto Aras —, e tudo isso
tivesse sido suficiente para que a denúncia contra ela não prosperasse na
Câmara dos Deputados, dificilmente aqueles que usam esse argumento da
soberania parlamentar sobre a interpretação dos crimes de responsabilidade
aceitariam o desfecho favorável a Dilma. Provavelmente teriam protestado
contra arranjos políticos que impedissem a apuração dos crimes a ela
imputados.
O argumento de que Câmara e Senado são donos absolutos dos sentidos
dos crimes de responsabilidade é também contrário aos fundamentos teóricos
e históricos do impeachment presidencial, que nunca pretendeu permitir a
destituição de um presidente apenas por más relações com o Parlamento. No
sistema parlamentarista, o voto de desconfiança dá esse poder aos
congressistas, mas eles estão apenas tirando algo que lhes cabe dar ou tirar,
pois, como regra, é o apoio da maioria parlamentar que eleva um deputado a
primeiro-ministro. No presidencialismo brasileiro, o chefe do Executivo não
chega ao cargo se não tiver mais da metade dos votos válidos em uma eleição
nacional. É a única autoridade política da nação diretamente referendada pela
maioria absoluta de votos válidos de todos os eleitores do país. E, assim como
ninguém se torna presidente da República por mero apoio parlamentar,
também não deve perder o posto pela simples perda desse apoio, do qual não
dependeu para chegar à presidência.

“N    Dilma não foi condenada por atos específicos, e sim
pelo ‘conjunto da obra’.” Esse argumento é primo-irmão da alegação de que o
Congresso define crimes de responsabilidade como bem quiser. “Conjunto da
obra”, nesse caso, referia-se à totalidade dos deméritos políticos do governo,
sobretudo na área econômica. Novamente, o argumento dá ao Congresso
uma licença para remover um presidente por motivos puramente políticos —
um poder que a Constituição não lhe atribui. Apenas eleitores, a cada quatro
anos, podem fazer esse julgamento de continuidade ou interrupção de um
governo pelos méritos ou deméritos de seus resultados.
Por outro lado, é importante apontar que há um sentido em que o
“conjunto da obra” pode ser fundamento próprio para um impeachment. No
caso que foi se construindo contra Richard Nixon, e que levou a sua renúncia
da presidência dos Estados Unidos em 1974, o presidente era acusado por um
conjunto de atos que, somados, revelavam um comportamento político que
atentava contra a integridade das instituições: Nixon praticava todo abuso de
poder ao seu alcance, inclusive lançando mão de órgãos de Estado, como a
Receita Federal, para prejudicar adversários. A totalidade de seu
comportamento impróprio, do qual a espionagem ao quartel-general do
Partido Democrata em Watergate foi apenas um capítulo, serviu para pintar o
retrato de um “conjunto da obra” que sugeria que os excessos do poder
presidencial eram uma ferramenta perenemente empregada por Nixon. Esse
“conjunto da obra”, porém, nada tinha a ver com uma avaliação sobre a
qualidade de seu governo: era a simples concatenação de atos individuais em
um padrão de conduta que revelava o abuso de poder presidencial como
estratégia de competição política.

“N    se garantiu o direito de defesa a Dilma Rousseff.”


Sim, é verdade. Dilma teve, de fato, até mais oportunidades de defesa do que
Collor. Porém, é preciso lembrar que impeachments podem ser abusivos de
duas maneiras distintas: no rito ou nos fundamentos. O paraguaio Fernando
Lugo e o equatoriano Abdalá “O Louco” Bucaram são exemplos de abuso pelo
rito: foram afastados por votações sumárias, sem qualquer garantia de direito
de defesa, e até mesmo (no caso de Bucaram) sem observância do quórum
constitucional mínimo para a condenação. No caso de Dilma, a alegação de
abuso no rito nunca esteve entre suas principais objeções ao processo, exceção
feita à dificuldade de definir com precisão o objeto de sua acusação, dadas as
mudanças de enfoque entre as comissões especiais na Câmara e no Senado.
Sua principal objeção era quanto à falta de fundamentos: ela negava que as
condutas das quais era acusada configurassem crimes de responsabilidade.
Cabe apontar que há um toque de cinismo nesse argumento quando ele
vem acompanhado daquele segundo o qual o juízo sobre crimes de
responsabilidade é puramente político. Porque, se o sucesso ou insucesso da
defesa depende de articulação política mais do que de argumentos jurídicos,
de nada adianta garantir amplas oportunidades para a defesa jurídica ao
mesmo tempo que se bloqueia a possibilidade de defesa política. No caso de
Dilma, foi precisamente isso que aconteceu: enquanto nas comissões e na
sessão de julgamento sua defesa pôde peticionar, manifestar-se amplamente e
questionar testemunhas, na arena política a possibilidade de recomposição de
sua base de governo foi severamente prejudicada por intervenções indevidas
do Poder Judiciário. O episódio do vazamento do telefonema com Lula e da
obstrução à posse do ex-presidente na Casa Civil, por exemplo, deixava claro
que o terreno da defesa política não estava à disposição da presidente.

“F   Eduardo Cunha agiu com desvio de finalidade.” Ao lado
da tese da inexistência dos crimes de responsabilidade, essa outra esteve na
linha de frente da defesa pública de Dilma contra o impeachment. Esse
argumento é procedente, mas é preciso tomar cuidado com suas implicações.
Reconhecer a vilania de Cunha não deve exagerar o domínio do presidente da
Câmara sobre processos de impeachment. No caso específico do
impeachment de 2016, ela tampouco deve obscurecer a responsabilidade de
outras forças políticas que se aliaram a Cunha, por motivações semelhantes às
suas, e transformaram a derrubada de Dilma num projeto ecumênico de elites
acuadas pelos avanços da Lava Jato.
A essa altura, já pertence ao domínio dos fatos incontroversos que Eduardo
Cunha deu andamento ao pedido de impeachment por vingança contra a
presidente e especialmente contra o , por ter sido abandonado à própria
sorte no processo disciplinar que culminou com a cassação de seu mandato.
Nem mesmo Michel Temer nega isso.206
É preciso também reconhecer que o Poder Judiciário tem sua parcela de
culpa na mácula que Eduardo Cunha projeta sobre o impeachment de Dilma
Rousseff. O  mal esperou baixar a poeira da votação de 17 de abril de 2016
para afastá-lo da presidência da Câmara dos Deputados, alegando que Cunha
abusava de seus poderes em benefício próprio. Se isso era verdade, e se bastava
para fundamentar seu afastamento, então ele deveria ter sido impedido de
seguir à frente do impeachment na Câmara desde dezembro de 2015, quando
sua destituição foi solicitada pela .
Há um evidente contrassenso em permitir-se afastar uma autoridade do
cargo para que ela não manipule instituições para escapar da cadeia, mas
tolerar que ela faça exatamente isso bem no processo que leva à destituição da
presidente da República. É o reconhecimento, pelo próprio , de que o
impeachment na Câmara dos Deputados foi conduzido por um político que
teve de ser afastado de seu cargo porque abusava de seus poderes para
beneficiar a si próprio e prejudicar o partido e a presidente acusada. Não sei se
há alguém que entenda que essa confissão extemporânea expia a culpa desse
pecado político mortal do processo contra Dilma. Evidentemente, não expia.
Porém, é preciso cuidado para não deixar a malvadeza caricata de Eduardo
Cunha deturpar nossa análise sobre a força da presidência da Câmara dos
Deputados no acionamento das engrenagens do impeachment. É correto
reconhecer que essa autoridade tem enormes poderes, tanto legais quanto
políticos, para colocá-las em movimento — ou mantê-las paradas; é errado,
porém, tratar o presidente da Câmara dos Deputados como único dono e
senhor absoluto do impeachment apenas em razão dos poderes
constitucionais e regimentais de que o cargo dispõe.
No processo de Dilma Rousseff, a curta presidência de Waldir Maranhão,
sucessor de Cunha após seu afastamento pelo , é um bom exemplo disso.
Se Cunha teve suas “cunhadas”, Maranhão também praticou uma
“maranhada” ao tentar anular a votação que autorizou o impeachment na
Câmara — decisão que não foi levada a sério por absolutamente ninguém.
Isso mostra que a força política do presidente da Câmara dos Deputados
não decorre exclusivamente de seus poderes legais para a condução no
processo. Cunha tinha essa força porque, ao contrário de Maranhão, dispunha
de um bancada relativamente grande de deputados leais à sua pessoa, todos
gratos pelo seu poder de favorecê-los na distribuição de verbas durante a
campanha.207
Mas, sobretudo, os enormes poderes de Eduardo Cunha — capazes de fazer
tanta gente olhar para o lado e fingir que não enxergava seus desvios de
finalidade praticados à luz do dia — vinham do fato de que grande parte da
elite política e empresarial naquele momento, em pânico pelo avanço da Lava
Jato, via na desfaçatez de Cunha o caminho mais curto para a construção de
uma ponte para o futuro fora da prisão no governo de Michel Temer.
Dessa forma, o melhor modelo de análise não despreza, por óbvio, os
poderes jurídicos e políticos do presidente da Câmara, mas não se impede de
enxergar o quanto outros elementos de força são relevantes para compreender
as limitações e possibilidades desse importante ator no processo de
impeachment. Cabe aqui um juízo contrafactual: imaginemos que Cunha
tivesse sido afastado pelo  antes da votação do impeachment, como havia
requerido a , e que a eleição de Rodrigo Maia tivesse acontecido em
janeiro ou fevereiro. Que teria acontecido nessa hipótese? Possivelmente o
impeachment teria ido adiante ainda assim: o desejo de colocar Temer no
lugar de Dilma ia além de Eduardo Cunha, e qualquer presidente da Câmara
que tentasse se opor a esse desígnio acabaria defenestrado — exatamente
como ocorreu com Waldir Maranhão, o Breve. Eduardo Cunha dá rosto a um
desvio de finalidade que não foi apenas dele.
Essa lição é útil também para o governo Bolsonaro, como mostrarei no
epílogo.

“N    Temer foi eleito tanto quanto Dilma.” Esse
argumento das urnas foi muitas vezes usado pelos defensores do impeachment
em reação às críticas.
É verdade. Mas ela foi eleita para ser presidente, enquanto ele foi eleito para
ser vice-presidente. É altamente discutível que eleitores tratem presidentes e
vices indistintamente no momento da eleição, como se lhes fosse indiferente
qual deles ocupará a chefia do Executivo; ainda mais em regimes
presidencialistas, no qual o personalismo político é forte.
Vale destacar que a Constituição de 1988 não equipara a legitimidade de
presidentes e vices: o artigo 77, §1o é explícito em afirmar que só o presidente
é propriamente eleito, sendo a eleição do vice uma decorrência da eleição do
titular da chapa: “A eleição do presidente da República importará a do vice-
presidente com ele registrado”. Segundo José Afonso da Silva, o vice-
presidente “sequer é votado”, justamente para evitar que o substituto
presidencial funcione como um adversário dentro do governo. “Foi a mecânica
que o sistema constitucional engendrou para evitar que o vice-presidente
eleito pertença a partido de oposição ao presidente”,208 fato corriqueiro sob as
Constituições de 1891 e 1946.
É bom lembrar que o próprio Temer reconheceu sua subordinação política
a Dilma quando lhe conveio, para rejeitar responsabilidade por decretos
semelhantes aos que levaram à acusação da presidente.

“N    havia apoio popular ao impeachment.” Além do


argumento das urnas, os defensores da remoção de Dilma sustentavam a
legitimidade política do processo por essa outra via, insistindo em que não
pode ser golpe aquilo que esteja de acordo com a vontade popular.
Para reagir a essa alegação, é preciso compreender qual o papel que o apoio
popular de fato tem nos processos de impeachment. Se é verdade que muitos
estudiosos209 apontam a queda de popularidade como condição para
impeachments, ela é uma determinante factual, e não um fundamento
constitucional ou legal, da remoção de um presidente. A impopularidade,
como também o apoio ao impeachment, meramente indica maior
probabilidade de que o presidente caia, por alguma via (impeachment ou
golpe) e algum fundamento (crime de responsabilidade, “impedimento”,
incapacidade etc.). Nada disso transforma impopularidade em base de
legitimação para um impeachment no sistema brasileiro. Impopularidade ou
apoio popular ao processo de destituição não constituem crimes de
responsabilidade, assim como alta popularidade não impede a caracterização
desses crimes.
Uma das virtudes do presidencialismo de mandato fixo é separar o tempo
da campanha entre adversários, na época das eleições, do tempo de governar e
fazer oposição, que vem na sequência. Essa separação permite a conjugação
de momentos de intensa competição eleitoral com outros de trabalho regular
da administração pública. Nos momentos de governo, a impopularidade
constrange a autoridade eleita (e sua base de apoio político) a perseguir
medidas que melhorem sua aprovação, mas não pode servir como estímulo
para que a oposição trabalhe pela derrubada precoce de quem venceu as
eleições. Confundir os dois momentos levaria à conflagração política
permanente: seria um convite à inoperância governamental e à radicalização
política da oposição.
Há algo mais a ser relembrado com relação ao argumento da
impopularidade como justa causa para o impeachment no caso de Dilma
Rousseff. Uma parte importante da impopularidade de seu governo devia-se
ao insucesso de sua política econômica, que trouxe consequências realmente
danosas para o país, porém o fato determinante para levar a população às ruas,
segundo mostram as pesquisas com manifestantes, foi o apoio à Lava Jato e ao
combate à corrupção. Dilma, no entanto, ao contrário de muitos dos
deputados que trabalhavam por sua queda no Congresso, nem estava
seriamente implicada nas investigações da operação, nem usou dos poderes de
seu cargo para opor qualquer resistência ao trabalho dos magistrados e
procuradores lavajatistas. Como ficou demonstrado nas pesquisas de opinião
tratadas em detalhes ao longo do capítulo, o apoio popular que havia ao
impeachment de Dilma fundamentava-se em acusações estranhas à denúncia
que levou a sua condenação — o que tampouco favorece a legitimidade de seu
afastamento.

P     dos parágrafos anteriores,


somadas às opiniões que emiti ao longo de todo o capítulo, a leitora e o leitor
já terão percebido que tenho diversas críticas à legitimidade do impeachment
de Dilma Rousseff, embora eu conceda diversos pontos a seus acusadores (por
exemplo, quanto ao erro da votação destacada que poupou seus direitos
políticos). Mas, embora crítico à legitimidade de sua deposição, eu resisto a
tratar como “golpe” o processo movido contra a presidente, inclusive em sua
versão adjetivada: “golpe parlamentar”.210
Em um momento como o que vivemos no Brasil — escrevo em 2020/2021
—, de crescente apoio a ditaduras e ditadores em sentido próprio, ressuscitar a
ideia de “golpe” para que ela caiba nos embates políticos cotidianos de 2015
pode ser perigoso, pois favorece a ideia equivocada de que “golpes” são um
recurso à disposição em momentos de crise e polarização política.211 Se a
queda de Dilma foi “golpe”, por que os apoiadores de seu impeachment, que
possivelmente ainda são maioria no Brasil, não tolerariam outros
“movimentos” que seus adversários políticos também chamam de “golpe”,
como o regime militar e seus atos institucionais? Ou o Estado Novo, com o
fechamento permanente do Congresso Nacional e a imposição de uma nova
Constituição de modo unilateral pelo Poder Executivo?
Embora o impeachment de Dilma Rousseff seja mais explicável por
motivações políticas inconfessáveis de seus algozes do que pela robustez de
seus fundamentos jurídicos, ainda assim parece-me preferível tratá-lo sob
outra rubrica: um impeachment ilegítimo, marcado por evidente desencontro
entre motivos alegados por seus perpetradores e objetivos perseguidos pelas
elites políticas que o levaram a cabo; pela atuação muitas vezes imprópria de
atores do sistema de justiça em favor de um dos lados da disputa; pelo
descompasso entre seus fundamentos jurídicos e um desejo social difuso de
combate à corrupção que foi burlado, mas jamais contemplado, pela vitória de
Temer, Jucá e Cunha, ao lado de líderes de partidos fisiológicos com extensa
ficha policial e do baixo clero parlamentar que carreiam consigo.
Reconheço que minha implicância com o uso da palavra “golpe” elimina do
vocabulário político dos opositores do impeachment de Dilma um termo forte
e mobilizador, que comunica de maneira sintética e inequívoca o sentimento
de oposição política ao processo de deposição de que ela foi vítima. Ainda
assim, e especialmente na arena do debate público, insisto que uma deposição
presidencial pelo Parlamento, baseada em uma tese jurídica sem mérito, não
deve ser confundida com a derrubada de um regime constitucional através de
atos de força civil-militar, ao qual normalmente se seguem cassações de
políticos adversários, aposentadoria compulsória de juízes independentes,
prisões arbitrárias amparadas em provas colhidas sob tortura ou exílios
autoimpostos para se escapar da perseguição e da morte. Se um dia os
apoiadores remanescentes do processo contra Dilma aceitarem de uma vez
por todas que seu impeachment foi mesmo um “golpe”, e consequentemente
assimilarem a ideia de que golpes de vez em quando são um remédio amargo
que temos de suportar para curarmos os graves males de nossa democracia,
perderemos a capacidade de distinguir um levante orquestrado pelo Centrão
para escapar da cadeia de um cerco de tanques e cavalaria ao Congresso ou ao
Supremo Tribunal Federal. Se esse dia chegar, o bordão do passado que
teremos de ressuscitar será outro: “Ditadura nunca mais!”.
Epílogo
Um impeachment para Jair Bolsonaro

J M B     cuja magnitude impõe


desafios ímpares às reflexões sobre o impeachment.
Em geral, e não apenas no Brasil, o grande debate nos processos de
impeachment é saber se a conduta do acusado configura ou não crime de
responsabilidade. Foi assim nas oportunidades em que a Câmara dos Estados
Unidos acusou formalmente presidentes norte-americanos:1 Andrew Johnson
cometeu crime ao demitir o secretário da Guerra, ou estava no legítimo
exercício de seu poder constitucional de destituir um membro de seu
gabinete? Clinton praticou crime e obstruiu investigações ao falsear a natureza
de sua relação com a então estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky?
Donald Trump incitou insurreição ao estimular que seus apoiadores
marchassem contra o Congresso?2 Essa foi também uma grande polêmica no
impeachment de Dilma Rousseff: decretos suplementares de crédito e atrasos
no repasse a bancos públicos eram suficientes para caracterizar crime de
responsabilidade segundo a lei brasileira?
Em outros casos, as dúvidas envolvem o rito do processo de afastamento do
presidente pelo Poder Legislativo. Pode o ocupante da presidência ser afastado
por votação sumária do Congresso que reconheça algum “impedimento” ao
exercício do cargo, como ocorreu com Carlos Luz e Café Filho em 1955? Atos
anteriores à posse no cargo, como a corrupção imputada ao presidente
peruano Martín Vizcarra durante seu mandato de governador de província,
podem fundamentar uma condenação parlamentar? E atos de mandato
presidencial anterior, como as pedaladas do primeiro mandato de Dilma
Rousseff? A condução da instrução do processo por um comitê de senadores, e
não pelo plenário da casa, fere a disposição da Constituição dos Estados
Unidos, estabelecendo que o poder exclusivo de julgar o presidente pertence
“ao Senado” (e não a uma fração dele)?3 Pode um presidente ser processado e
condenado por crime de responsabilidade mesmo após deixar o cargo, por
renúncia (como Collor) ou pelo fim do mandato (como Trump)?
Com Bolsonaro a conversa é diferente. Mais do que qualquer dúvida
jurídica ou de procedimento, a perplexidade que nos assola é outra: como um
presidente que agride a Constituição tão abertamente sobrevive sem que a
Câmara tenha nem sequer analisado uma das mais de cem denúncias já
apresentadas contra ele?4 Este enigma nos convida a investigar se há algum
vício elementar em nosso desenho institucional do impeachment, ou se
estamos diante de um gênio da delinquência constitucional que encontrou a
fórmula perfeita para a prática de crimes de responsabilidade.

J, o debate sobre a prática de crimes de responsabilidade por


Bolsonaro só não é entediante porque lembra um jogo de bingo: a cada tantos
dias pode-se marcar um novo crime cometido na cartela da Lei do
Impeachment. Não há dúvidas sobre se Bolsonaro cometeu crimes de
responsabilidade, mas apenas quantos e quais crimes ele cometeu.
Desde antes da pandemia de covid-19, tenho insistido em que a conduta de
Bolsonaro configura inequivocamente o delito de “proceder de modo
incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo” (lei no 1079/1950,
art. 9o, no 7).5 Ao contrário de outros crimes descritos de modo mais palpável
na lei, a caracterização da quebra de decoro presidencial exige maior esforço
interpretativo. Mas Jair Bolsonaro consegue transformar esse desafio em um
caso banal de interpretação legal. Quando a Constituição e a Lei do
Impeachment escolheram proibir o comportamento presidencial indecoroso,
condutas como as dele eram exatamente o que se tinha em mira. Se nem
Bolsonaro pratica o crime de quebra de decoro, é melhor que risquemos de
uma vez esse item da lei.
O sentido geral da proibição ao comportamento indigno, desonroso e
indecoroso é demarcar limites que devem ser observados por um presidente
em sua conduta pública e privada, tanto em suas palavras quanto em seus atos.
Essas balizas protegem as instituições — a própria presidência da República,
outros departamentos do Poder Executivo e os demais Poderes —, e ignorá-las
implica risco ao equilíbrio democrático. Os limites ao verbo presidencial são
mais rígidos: ao contrário de deputados e senadores, o chefe do Executivo não
dispõe de imunidade constitucional para suas palavras. Se o deputado
Bolsonaro, embalado pela leniência de seus colegas parlamentares,
acostumou-se à falta de freios em seus embates na Câmara, o presidente
Bolsonaro não pode contar com a mesma liberdade.
O escrutínio mais rígido do comportamento presidencial existe porque a
presidência da República carrega um poder simbólico único. Theodore Windt
Jr. batizou-o de “poder retórico”.6 O presidente tem uma plataforma singular
para a disseminação de suas ideias: qualquer frase que pronuncie ocupa o
centro das atenções da imprensa, dos analistas políticos, dos agentes de
mercado, da diplomacia de outras nações e de organismos internacionais.
Em razão dos poderes legais e constitucionais de que dispõe o presidente,
qualquer ideia veiculada por ele estimula comportamentos de outros atores
sociais que busquem demonstrar adesão, apoio ou aprovação a ele e a seu
governo. Dessa forma, as palavras e atos de um chefe de Estado da República
têm, objetivamente, maior probabilidade de influenciar atitudes e
comportamentos na sociedade, dentro e fora da burocracia estatal. Bastou Jair
Bolsonaro pedir a seus seguidores que arranjassem “uma maneira” de filmar
leitos vazios de s em junho de 2020,7 momento inicial da pandemia de
covid-19 no Brasil, para que deputados e apoiadores passassem a invadir
hospitais com celulares nas mãos.8 Médicos relatam há tempos demissões,
agressões e coerções para que receitem o chamado “tratamento precoce”, na
linha do que insiste Bolsonaro,9 a despeito das evidências científicas em
contrário.10 Palavras de um presidente que conta com uma base de apoiadores
leais e engajados nas ruas e nas instituições funcionam como um eficaz apito
de cão: a matilha ouve o chamado e responde infalivelmente — e o chefe do
Executivo sabe disso. Portanto, cabe falar, propriamente, de um poder retórico.
Para um chefe de Estado, não há conversa jogada ao vento: falar é fazer. Por
essa razão, a Lei do Impeachment é repleta de referências a crimes cometidos
apenas com a palavra presidencial: “cometer hostilidade”, “constranger”,
proferir “ameaça”, “incitar”, “provocar animosidade”. Essa compreensão não
se limita ao Brasil. Em janeiro de 2021, Donald Trump foi formalmente
acusado de “incitar uma insurreição” por meio de condutas como “emitir
afirmações falsas”, “encorajar desrespeito à lei” e “exortar autoridades” a
subverter processos legais.11 A Câmara dos Deputados dos Estados Unidos
concluiu que as palavras do presidente, tendo em vista o cargo que ocupava e
os previsíveis desdobramentos de suas provocações, implicaram riscos graves à
“segurança nacional, à democracia e à Constituição”. A discussão sobre a
criminalidade da incitação de Trump contra as instituições democráticas se
perdeu no debate sobre a possibilidade de condenação após o final do mandato
presidencial, e ele acabou absolvido.12

A      , desonrado e


indigno não nos impede de reconhecer outros crimes de responsabilidade que
Jair Bolsonaro já praticou. Desde o início de seu mandato, ele cometeu
diversas vezes delitos incluídos no artigo 6o da lei no 1079/1950, que proíbe o
presidente de atentar diretamente contra o livre exercício dos demais Poderes,
seja por violência física, seja por ameaças ou qualquer meio de intimidação.
Com o avançar do mandato, o  tornou-se alvo preferido das
intimidações presidenciais. Em um regime constitucional no qual os Poderes
interagem e exercem fiscalização uns sobre os outros, nenhum presidente está
imune à possibilidade de juízes emitirem decisões que contrariem seus
interesses políticos. Essas decisões podem ser polêmicas e suscitar
divergências. A presidência da República pode reagir àquelas que a contrariem
judicialmente, recorrendo, do ponto de vista legal, e expressando discordância
quanto a seus méritos, do ponto de vista político. Não pode, porém, atacar
juízes e ameaçar tribunais. Esse é o recado simples e claro da Lei do
Impeachment, que nosso presidente finge não entender.
Jair Bolsonaro trabalha aberta e insistentemente para minar a autoridade do
Judiciário porque ele sabe que essa depreciação diminui a capacidade das
instituições de responderem a seus abusos e às suspeitas que cercam as
histórias de sua família e de seus aliados. Basta lembrar sua reação à liminar do
ministro Luís Roberto Barroso determinando a instalação da “ da Covid”,
uma decisão conforme ao texto literal da Constituição e alinhada à
jurisprudência pacífica do : ele acusou o ministro de fazer “politicalha” ao
combinar uma “jogadinha casada” com a “bancada de esquerda no Senado”, e
associou a indicação do ministro ao  ao fato de ele ter defendido, quando
advogado, o italiano Cesare Battisti.13 Trocando em miúdos, Bolsonaro usou a
visibilidade de seu cargo para propagandear a seus apoiadores que o ministro
Barroso não aplicou o direito mas se aliou à oposição no Congresso e fez
política partidária a pretexto de julgar. A conclusão sugerida, embora não dita,
é clara: para que respeitar as decisões de um tribunal com integrantes desse
tipo?
Essa não foi a primeira acusação dessa sorte,14 e seguramente não será a
última. Enquanto o  apresentar qualquer contrariedade aos interesses
políticos de Jair Bolsonaro, ou aos interesses criminais de seus filhos e aliados,
as investidas contra o tribunal e seus ministros não cessarão. Elas não são
arroubo de temperamento, mas uso estratégico do poder presidencial para
atentar contra o Judiciário. O presidente trabalha para transformar decisões
corriqueiras do  em faíscas de crises constitucionais que, se detonadas,
terão consequências imprevisíveis, inclusive para os membros do tribunal. É
evidente que isso objetiva aumentar o custo político para que o tribunal as
profira, obrigando os ministros a calcular cenários de risco que não deveriam
figurar no horizonte de magistrados em uma democracia.
Tudo isso faz com que o Supremo e seus membros tenham de investir
tempo, trabalho e capital político (que queimam quando se veem obrigados a
recorrer a expedientes juridicamente bambos, como o famigerado “Inquérito
das Fake News”) para defender tanto sua integridade pessoal quanto a
reputação do tribunal a cada decisão que contrarie Bolsonaro. É justamente
isso que a Lei do Impeachment quer evitar nos crimes elencados no artigo 6o.

A     — um delito que é transversal a todo o


comportamento de Jair Bolsonaro — e das investidas ilegais contra outros
poderes constituídos, há um terceiro crime de responsabilidade que se destaca
em seu plantel: o atentado contra a saúde dos brasileiros, previsto no artigo 7o,
no 9, da Lei do Impeachment.15 Pelo conjunto de sua obra desde março de
2020, a maioria dos mais de cem pedidos de impeachment contra ele incluem
ações e omissões de Bolsonaro no combate à pandemia de covid-19.16
O crime está configurado porque a gestão desastrosa de Bolsonaro não
cometeu apenas erros iniciais desculpáveis pelo ineditismo da doença: o
governo federal perseguiu intencionalmente um caminho que o afastou de
medidas médicas e sanitárias cada vez mais consensuais, e fez isso com a
finalidade de atender às conveniências políticas de curto prazo do presidente.
Ao usar a visibilidade da presidência da República como palanque para
disseminar notícias falsas sobre vacinas, máscaras e tratamentos que
supostamente evitariam quadros graves de covid-19, Bolsonaro contribuiu
direta e pessoalmente para o alastramento do vírus. Ao mesmo tempo, ele
minou a eficácia da cooperação federativa ao antagonizar de modo virulento
com governadores e prefeitos, além de ter intencionalmente retardado a
compra de vacinas para abastecer um plano nacional de imunização.17
Bolsonaro perseguiu essa ambição nefasta por três caminhos identificáveis a
partir de uma análise sistemática da atuação comunicacional, política e
normativa de seu governo, análise conduzida pelos professores Deisy Ventura,
Fernando Aith e Rossana Reis.18 O primeiro caminho, o da atuação
comunicacional, inclui o incentivo a comportamentos antissanitários e
desprovidos de respaldo médico, tanto por parte dele próprio quanto de seus
ministros da Saúde, com destaque para o general Eduardo Pazuello. Mesmo
em um mundo acostumado à mentira em larga escala para fins políticos, o
Brasil da pandemia, sob Bolsonaro, destacou-se negativamente: em novembro
de 2020, uma pesquisa sobre o padrão de fake news identificou que nós
éramos o único lugar do mundo onde o termo “cloroquina” — remédio que
se tornou símbolo da desinformação pessoalmente disseminada pelo próprio
presidente da República — ainda se destacava no fluxo de notícias falsas sobre
a doença.19 O impulso para tanto vinha, claro, do presidente e do Ministério
da Saúde.
A mesma pesquisa apontou que outro termo a destoar no fluxo
informacional brasileiro era “governador”. O achado aponta o segundo
caminho dos crimes de responsabilidade de Jair Bolsonaro na pandemia, o da
atuação política. Ele consiste na “guerra” — expressão do próprio presidente
—20 contra prefeitos e governadores em torno de políticas para impedir a
disseminação da doença e o colapso do sistema de saúde. Além da incitação à
quebra das restrições sanitárias locais e à invasão de hospitais, bem como das
investidas jurídicas frustradas contra medidas protetivas de estados e
municípios, o governo federal retardou o quanto conseguiu os repasses
devidos aos entes federados.21 Em 2021, São Paulo, Maranhão e Rio Grande
do Sul, administrados por adversários políticos de Bolsonaro, tiveram de ir ao
 para conseguir receber valores devidos pelo governo federal.22
O terceiro caminho dos crimes de Bolsonaro na pandemia é o da produção
normativa: o uso do poder constitucional da presidência para produzir
decretos e medidas provisórias ou vetar iniciativas do Congresso que
pudessem impedir a disseminação do vírus.23 Sua conduta mais ilustrativa
nesse sentido foi o veto, depois derrubado pelos parlamentares, à lei que
disciplinava o uso de máscaras em todo o território nacional. Bolsonaro tentou
impedir a obrigação do uso desse equipamento de proteção barato e eficaz em
casas comerciais, igrejas e até em escolas.24
Mesmo sabendo que esses caminhos levariam a um agravamento sério da
pandemia — pois foram muitos os alertas de especialistas e os exemplos de
outros países —, o presidente manteve-se irredutível em sua estratégia de
tornar a disseminação do vírus um fato consumado e irreversível, fosse porque
acreditasse que isso o beneficiaria politicamente (imaginando que suas ações
protegeriam a economia), fosse porque confiasse que todos os reveses
poderiam ser jogados sobre os ombros de prefeitos e governadores. Fez isso
inclusive por meio de campanhas de desinformação que sua base política tem
bastante experiência em promover. O excesso de mortos e sequelados, os
falidos e miseráveis resultantes de seu plano desastroso foram danos colaterais
desse delito em larga escala contra a saúde pública.
S    J B   configurados para além de
qualquer dúvida jurídica razoável, a questão que resta é: por que nenhum dos
muitos pedidos de impeachment contra ele prospera? É possível especular
sobre algumas respostas.
Uma primeira explicação: o padrão dos crimes de responsabilidade
cometidos por Bolsonaro é inédito em nossa história. Até aqui, os presidentes
preocupavam-se ao menos em dissimular a intenção de agredir a Constituição.
Ele, ao contrário, comete crimes de responsabilidade em série, abertamente e
de modo ostensivo.
Surge daí um problema. Tanto no Brasil quanto em outros países, a
definição jurídica de crimes de responsabilidade é feita em leis e constituições
com redação vaga. Nossa lei fala, por exemplo, em “violar patentemente […]
direitos sociais”, ou “proceder de modo incompatível com a dignidade, a
honra e o decoro do cargo”, ou ainda “opor-se diretamente e por fatos ao livre
exercício do Poder Judiciário”. Isso é proposital, pois a variedade de maneiras
pelas quais um presidente descomprometido com a Constituição pode abusar
de seus poderes para atacar direitos e instituições é muito grande. Mas, por
outro lado, qualquer acusação imporá um debate público extenso sobre a
configuração ou não do delito.
Denúncias por crimes de responsabilidade envelhecem em barris de
carvalho antes de estarem prontas para consumo do Congresso e do público
em geral. Mesmo em um caso veloz, como o de Fernando Collor, isso leva
meses: foram dias sucessivos de escrutínio detido sobre documentos e
testemunhos acerca da relação entre o presidente e  Farias — a  foi uma
incubadora perfeita para acelerar o processo. No caso de Dilma, a acusação
fundada nas pedaladas maturou durante todo o segundo semestre de 2015. Em
suma, e como lamentava Paulo Brossard, o impeachment é um processo lento,
que nem sempre funciona “a tempo e a hora”,25 e isso se deve em parte à
morosidade para se construírem consensos políticos e jurídicos capazes de
impulsionar uma denúncia com chances de prosperar.
O rito das transgressões de Jair Bolsonaro, porém, é acelerado. Genuíno
criminoso serial segundo a Lei do Impeachment, cada comportamento
ultrajante e indecente seu tira o foco da infração anterior. Ele e seus
apoiadores são mestres da arte de usar o crime de hoje como diversionismo
para o delito de ontem. Para superar essa artimanha, é preciso que as
instituições consigam manter-se focadas em meio ao ruído incessante
maliciosamente gerado pelo próprio infrator.
Uma forma de fazê-lo é conceber categorias mais abstratas que sirvam para
organizar a profusão de atos e condutas transgressoras do presidente,
catalogando cada crime subsequente com seus congêneres. No caso dos
delitos cometidos na gestão da pandemia de covid-19, a pesquisa conjunta da
Conectas Direitos Humanos e do Centro de Estudos e Pesquisa em Direito
Sanitário (Cepedisa) da Faculdade de Saúde Pública da  fez isso
exemplarmente bem.26 O relatório que elaboraram organiza a atuação do
governo em relação à pandemia em “eixos” que podem abarcar ações
subsequentes, permitindo que cada novo ato seja relacionado com outros que
vieram antes. Além de evitar que nos percamos no varejo miúdo da quebra
diuturna de decoro por parte de Bolsonaro, essa organização revela o quanto
os atos agrupados indicam padrões de conduta criminosa que dão substância
às acusações.
Uma segunda explicação possível para a dificuldade de o impeachment
prosperar é a falta do elemento “rua”, isto é, de demonstrações públicas de
apoio ao impeachment. Essa explicação, porém, apenas sugere outra questão:
se Bolsonaro é um presidente consistentemente mal avaliado27 e comete
crimes de responsabilidade à luz do dia, por que razão o potencial apoio
popular ao impeachment não se efetiva?
A resposta rápida para essa pergunta aponta a pandemia de covid-19 como
grande culpada, pois as restrições a aglomerações obviamente inviabilizam
protestos como os que ajudaram a impulsionar as condenações de Collor e
Dilma. Mas essa objeção surge de uma ilação imprópria: ela pressupõe que a
forma específica de demonstração de descontentamento popular que emergiu
antes da pandemia — grandes manifestações de rua — tenha de ser repetida
hoje, no contexto pandêmico, o que equivale a exigir uma condição
sabidamente impossível de se atingir agora.
Se considerarmos que protestos de rua são apenas uma das formas possíveis
para expressar um sentimento compartilhado de repulsa ao presidente e seu
governo, nada obsta que encontremos outros canais, mais bem ajustados à
realidade pandêmica, para externá-los. Há muitas possibilidades: carreatas,
disseminação de outdoors, vídeos para compartilhamento viral, eventos
virtuais, publicação de manifestos na imprensa, panelaços e campanhas em
redes sociais são todas maneiras válidas de exteriorizar sentimentos de
reprovação a um governo e seu líder, estimulando aliados políticos de ocasião
a deixarem-no isolado. A tecnologia atual permite quantificar o impacto de
algumas dessas formas de manifestação de modo ao menos tão preciso quanto
a contabilização de manifestantes em uma passeata.
Devemos também ponderar se o argumento da falta de apoio popular ao
impeachment não esconde uma inversão na ordem dos fatores. Afinal, ele
supõe que o Congresso fica inerte até que o povo expresse reprovação ao
governo e conclame a destituição do presidente, mas a verdade é que nem
sempre é assim que as coisas acontecem. Se não é impossível que grandes
protestos surjam espontaneamente e tirem os políticos da inércia, como
ocorreu em junho de 2013, muitas vezes o que ocorre é o exato oposto:
instituições estimulam a população a se engajar por uma causa que interessa a
seus líderes.28 Se a  do esquema  tivesse sido dominada por aliados de
Collor e produzido um relatório inócuo, talvez as ruas não tivessem se
enchido com tanto fervor a partir de agosto de 1992. Se Dilma Rousseff tivesse
contado com uma  ou um  mansos, acalmando o pânico do Congresso
e esvaziando a tese do impeachment fiscal, talvez a população não se animasse
a sair de casa para protestar.29 Diante da certeza de que os objetivos almejados
são impossíveis, ou quase impossíveis, o impulso para tomar as ruas diminui
muito.
Nesse quesito, devemos apontar o quanto o ex-presidente da Câmara dos
Deputados, Rodrigo Maia, ativamente trabalhou para desestimular iniciativas
de impeachment contra Jair Bolsonaro ao longo de 2020: em abril, ele
ponderou que o impeachment precisaria ser “pensado e refletido com muito
cuidado”;30 em junho, quando as linhas mestras da gestão criminosa da
pandemia já estavam traçadas e Bolsonaro acabara de passar o mês
aglomerando-se com grupelhos que pediam golpe, Maia veio a público dizer
que era hora da “união do Brasil”, e não de impeachment;31 em agosto, após
Bolsonaro proferir a enésima violência contra a imprensa ao ameaçar “encher
a boca” de um jornalista de “porrada”,32 o presidente da Câmara achou que
não era “momento de avaliar” qualquer denúncia; em dezembro, tampouco
lhe pareceu o momento de pensar em impeachment porque a pandemia havia
voltado a crescer;33 em janeiro de 2021, já às vésperas de deixar a presidência
da Câmara e no auge da catástrofe de Manaus,34 ele limitou-se a dizer que em
algum momento futuro talvez a discussão do impeachment fosse cabível.35 É
pedir demais que multidões desafiem um vírus perigoso e tomem as ruas para
exigir um impeachment que a própria autoridade competente passou o ano
jurando que não tiraria da gaveta.
Rodrigo Maia despediu-se da presidência da Câmara dos Deputados no final
de janeiro de 2021. Durante seu mandato, o país acumulou quase sessenta
denúncias por crimes de responsabilidade contra Jair Bolsonaro, além de
aproximadamente 230 mil mortos por covid-19.36 O único momento em que
ele acenou concretamente com a ameaça de fazer o processo marchar foi
como retaliação à articulação do Palácio do Planalto em favor da eleição de
Arthur Lira (), que acabou escolhido para sucedê-lo na presidência da
Câmara.37 Àquela altura, a derrota de Baleia Rossi (), candidato apoiado
por Maia, já era dada como certa, e todos sabiam que a ameaça não passava de
bravata desesperada.

A       , vale lembrar que ele


é condição necessária para mover as engrenagens políticas do impeachment,
mas não é suficiente para garantir sua aprovação. Neste tópico, é pertinente
resgatar a presidência de Michel Temer, que oferece um bom exemplo, por
analogia. Em agosto de 2017, a Câmara dos Deputados negou autorização
para que o então presidente fosse processado por crime comum perante o .
Temer fora denunciado por Rodrigo Janot a partir da colaboração premiada do
empresário Joesley Batista, do grupo , que teria pagado ao presidente da
República 500 mil reais por intermédio de Rodrigo Rocha Loures, então
assessor especial da presidência.38
Embora não se tratasse de denúncia por crime de responsabilidade, e sim
por crime comum cometido durante o mandato e relacionado ao cargo, a
Constituição exige quórum de dois terços — como no impeachment — para
autorizar a instauração do processo. Também de modo semelhante ao
impeachment, o simples recebimento da denúncia já implicaria o afastamento
preventivo do cargo. Se isso acontecesse, o governo Temer dificilmente
resistiria. Como houve apenas 263 votos favoráveis ao requerimento,39 79 a
menos que o necessário, o então presidente escapou.
Àquela altura, a reprovação de Michel Temer rumava para os píncaros: em
junho do mesmo ano, seu governo era considerado ruim ou péssimo por ٦٩٪
dos brasileiros; em setembro, portanto, logo na sequência de sua vitória na
Câmara, o índice chegou a ٧٣٪;40 e antes do final de seu governo bateu
constrangedores 82% — a pior marca já atingida por um presidente da
República no Brasil.41 Se descontentamento popular fosse suficiente para
mover o Congresso a fim de apear o presidente de sua cadeira, Michel Temer
não teria sobrevivido à votação de 2017, nem aos 31 pedidos de impeachment
apresentados contra ele.42 Descontentamento popular é importante, tanto
mais se expresso por grandes manifestações de rua; contudo, mesmo um líder
muito impopular pode sobreviver às investidas de seus acusadores se contar
com uma base sólida de apoio no Congresso. É para lá que devemos olhar se
quisermos entender por que as denúncias contra Jair Bolsonaro não
prosperam.

J   R M  instrumental para esfriar os


ímpetos que poderiam levar ao impeachment de Bolsonaro, mas, na linha do
que foi dito sobre Eduardo Cunha, seria errado atribuir a ele — como também
a Arthur Lira — a responsabilidade total pela falta de sucesso das acusações
contra o presidente. Sobretudo se considerarmos que Maia não foi o típico
presidente da Câmara colaboracionista, que engaveta denúncias por genuína
lealdade ou subserviência ao Executivo. Ao contrário, vez por outra ele impôs
reveses ao governo; em outras tantas oportunidades, reclamou publicamente
do comportamento de Bolsonaro. Durante o período em que esteve à frente
da Câmara dos Deputados, Maia foi constantemente atacado pelas falanges
bolsonaristas.
Nesse caso, é ainda mais importante observar as forças e os interesses que se
movem em segundo plano no Congresso, por trás das presidências de cada
uma das casas. A hipótese aqui é a de que, ao menos neste momento, não há
genuíno interesse político pelo impeachment — inclusive por parcelas
importantes da oposição.
Em 2018, o bolsonarismo colheu uma vitória expressiva nas urnas. Como
disse Jairo Nicolau,43 aquele foi o ano em que o Brasil dobrou à direita. Além
da vitória de um extremista para a presidência da República, os partidos à
direita fizeram maiorias surpreendentes mesmo para quem já esperava que
eles tivessem um bom desempenho.
Quando Lula venceu as eleições de 2002, o , principal adversário de seu
partido até então, demorou três ciclos eleitorais para voltar a produzir um
candidato competitivo à presidência (Aécio Neves, em 2014). Em 2018, além
da dificuldade natural de se tornar oposição, o campo da esquerda ainda lidava
com o fato de que o ex-presidente Lula estava então impedido de disputar
eleições. Nenhum outro nome possuía capacidade comparável de reunir uma
frente ampla de oposição em torno de si — Fernando Haddad, primeiro
substituto de Lula no , não parecia ser consenso nem sequer dentro do
próprio partido.
Batendo cabeça entre si e enfrentando o fenômeno eleitoral da nova direita,
a esquerda tinha um cenário político desenhado a fogo e enxofre, ao menos
por alguns anos — a não ser que o governo de Bolsonaro fosse uma catástrofe
monumental, como tem sido; e que um candidato com a força de Lula
pudesse unificar forças expressivas da oposição, tornando-a competitiva para
reassumir nas próximas eleições. Esse panorama, que, parecia improvável em
2018, tornou-se um sonho bastante plausível a partir das revelações da Vaza
Jato, no primeiro semestre de 2019, e finalmente confirmou-se com a anulação
das condenações de Lula pelo  em 2021.
Por seu desempenho político desastroso, Jair Bolsonaro é o melhor cabo
eleitoral para a oposição: o projeto de derrotá-lo e a seus aliados energiza os
militantes e dá um discurso pronto para candidatos em todos os níveis da
federação. Especialmente para candidatos à presidência competitivos. Disputar
um segundo turno contra ele parece uma aposta promissora, em vista de seus
índices muito altos de reprovação.44
Como o impeachment implica perda de direitos políticos por oito anos,45
condenar Bolsonaro por crime de responsabilidade tornaria o cenário eleitoral
muito mais incerto do que aquele que se desenha hoje, e em provável prejuízo
do maior nome eleitoral da oposição: Lula. Por isso, não espanta o fato de o
ex-presidente não se empenhar pessoalmente em promover, com o mínimo de
dedicação, a agenda do impeachment de Bolsonaro.46 Quando nem a maior
força política da oposição coloca o impeachment como prioridade, é mais
difícil que as engrenagens do Congresso se movam para fazê-lo acontecer.
Pelo lado dos adversários de Bolsonaro, um movimento para superar esse
relativo desinteresse exigiria protagonismo e sintonia fina de partidos médios
da oposição, como  e . Mas isso invariavelmente incluiria o mesmo tipo
de cálculo eleitoral para 2022, inclusive no plano dos estados. Eleições
próximas não são bons ambientes para articulações de impeachments, pois os
cenários tornam-se muito mais complexos, e a preocupação dos congressistas
volta-se inteiramente para seus redutos eleitorais.47
É preciso também considerar os interesses dos membros dos partidos que,
por falta de nome melhor, convencionou-se chamar Centro, ou Centrão. Para
eles, o cálculo é outro. Importa-lhes saber se estarão em melhor posição —
especialmente para a disputa das eleições de  — no governo Bolsonaro,
com seus vícios e mais vícios, ou em um futuro governo do general Hamilton
Mourão (), que o sucederia em caso de impeachment.
O vice deve ser capaz de dar segurança aos parlamentares do Centrão, que
cumpre cooptar para o projeto do impeachment. Ele precisa mostrar que
existe um pote de ouro no fim do arco-íris que leva ao seu futuro governo,
cheio de espaço na Esplanada e de apoio a projetos — isto é, cargos e verbas.
Isso significa que caberia a Mourão articular, embora discretamente, ao menos
o esqueleto de sua administração, ou mostrar-se à vontade para que alguém o
fizesse em seu lugar; ao menos deveria permitir que o procurassem para tanto
— e alimentar minimamente a conversa.
Para ser bem-sucedido nessa empreitada, Mourão deveria convencer esses
parlamentares de que ele seria um presidente leal nos momentos de aperto.
Em uma futura disputa entre o Centrão e lideranças militares, como a que
levou Bolsonaro a trocar o ministro da Defesa e todo o comando militar,48
para que lado penderia o eventual presidente Mourão? Enquanto esses
parlamentares não confiarem em uma resposta que lhes favoreça, não se
espera que descartem Bolsonaro para abraçar uma aventura incerta com o
general.
A verdade é que nos dois casos de impeachments bem-sucedidos em nossa
história recente os vices que sucederam os presidentes depostos, Itamar
Franco e Michel Temer, eram raposas velhas do Congresso, com trânsito e
relações antigas entre lideranças e partidos. Mourão, ao contrário, é um
militar de carreira que apenas recentemente se aproximou da política, ainda
por cima surfando uma onda de aberta hostilidade aos políticos tradicionais —
esses mesmos de cujo apoio o impeachment necessita. Embora ele tenha se
descolado de Bolsonaro com um ou outro sinal de contrariedade, o
descolamento não foi seguido por uma aproximação com quem quer que seja.
Mourão hoje parece um zumbi político andando sem rumo por Brasília.
Talvez em breve as coisas mudem de maneira surpreendente, mas no
momento em que este texto é escrito, em abril de 2021, é mais provável que o
vice esteja preocupado em manter-se minimamente relevante após 2022, e não
se preparando para se tornar presidente em 2021.
O isolamento de Mourão vai no sentido oposto dos movimentos que têm
sido feitos por Jair Bolsonaro. Para fortalecer sua base política, o governo
perdeu o pudor de se mostrar à vontade com o Centrão, bem como de se valer
das ferramentas da chamada “velha política” que ele prometeu combater.
Bolsonaro tem garantido generosas liberações de emendas para aliados no
Congresso49 e nos estados,50 permitindo que parlamentares e governadores
realizem benfeitorias em suas bases eleitorais. Até mesmo o Censo
Demográfico foi sacrificado para acomodar esses compromissos.51
O falso verniz de antipolítica de Bolsonaro também contribui para que esses
parlamentares do Centrão se mantenham ao lado do governo por ora. Caso a
maré mude em um futuro próximo, não será difícil para eles construírem um
discurso de relativo descolamento, argumentando que a proximidade era
apenas pragmática e circunstancial. Essa desculpa poderá ser alimentada por
um sem-número de pronunciamentos do presidente hostilizando esses
partidos, desde a época da campanha de 2018.
Olhando a partir de abril de 2021, parece que apenas a ameaça de convulsão
social grave, com possibilidade de crise institucional paralisante, poderá tirar
esses parlamentares da posição de relativo conforto em que se encontram.
Nessa hipótese, eles poderão ao menos considerar a atratividade do
impeachment em comparação com outras alternativas que se mostrem
plausíveis, inclusive de ruptura democrática severa.

N        em torno de


Bolsonaro, uns mais próximos, outros mais distantes, a exceção, dentro desse
cenário mais geral de comodismo conveniente, fica por conta das deputadas e
deputados que se elegeram na esteira da antipolítica bolsonarista, em 2018,
mas romperam com o presidente na sequência. Para esses parlamentares, um
impeachment, de preferência protagonizado por eles próprios, é a melhor
estratégia: no panorama atual, eles não se beneficiam nem de uma possível
recuperação eleitoral da centro-esquerda, nem da proximidade com o
governo.
Incluem-se nesse grupo deputados como Alexandre Frota () e Kim
Kataguiri (). Podemos observar que o empenho desses nomes pelo
impeachment tem sido significativo. Até abril de 2021, Frota lançou-se
candidato à presidência da Câmara tendo como única bandeira pautar o
impeachment de Bolsonaro, e até se concluir este livro já havia apresentado
sozinho cinco denúncias contra o presidente.52 O Movimento Brasil Livre, do
qual Kataguiri é líder, apresentou um outro,53 e o deputado tentou junto ao
, sem sucesso, obrigar a presidência da Câmara a analisar os mais de cem
pedidos até então protocolados.54 No final de abril de 2021, Frota e Kataguiri
juntaram-se a Joice Hasselmann (), também deserdada por Bolsonaro e
autora de uma denúncia contra o presidente,55 bem como a outros
parlamentares de oposição, visando a construir uma estratégia comum para
superar os obstáculos políticos ao processo. Só o tempo dirá se a iniciativa tem
chances de prosperar.
O impeachment pode ser estratégico também para partidos mais bem
aceitos pelos eleitores de direita, pois eles se beneficiariam da desarticulação
do campo bolsonarista e da perda de direitos políticos do presidente. Do 
podem vir candidatos fortes para um pleito reconfigurado nesses termos: na
esteira de um impeachment, é de esperar que o governador de São Paulo, João
Doria, dispute cada palmo do espólio bolsonarista, retomando o discurso
violento e sectário que marcou sua campanha “Bolsodoria” de 2018. Nos
momentos em que o governo esteve mais premido pelo seu terrível
desempenho na gestão da pandemia, Doria repetidas vezes falou publicamente
pelo impeachment.56 Mas o governador de São Paulo não é figura hegemônica
em seu partido.57
P ,     , enxerga razões jurídicas de sobra para o
impeachment de Jair Bolsonaro e acredita que seu afastamento é o melhor
para o Brasil, o cenário presente é desalentador. No momento, parece muito
provável que Bolsonaro dispute o segundo turno em 2022, e nada provável que
ele seja defenestrado do Planalto por seus crimes de responsabilidade. Talvez a
 da Covid, instalada no Senado a partir de abril de 2021, colete provas
importantes e rebaixe a avaliação do governo ainda mais, estimulando maior
apoio ao impeachment por parte de parlamentares e da opinião pública.
Talvez os setores do  que ainda insistem em apoiá-lo enfim se cansem de
um país politicamente ensandecido e economicamente arrasado, e passem
então a pressionar por sua queda. Uma pequena amostra dessa possibilidade
foi dada tanto pela carta aberta de março de 2021, que contou com adesões de
vulto58 de economistas e empresários cobrando mudança de postura do
governo no combate à pandemia, quanto pela reação de uma parcela dessa
elite a um “jantar com empresários” em apoio ao presidente, em abril do
mesmo ano,59 escancarando o cisma nesse seleto grupo. Talvez perca força o
discurso fatalista de que uma eventual tentativa de impeachment se arriscaria à
derrota e isso fortaleceria Bolsonaro, um escapismo sem respaldo empírico
para o qual é possível pensar diversos contraexemplos.60 Mas hoje esses
cenários não são prognósticos, apenas mero pensamento desejoso.
Esta é uma boa hora para lembrar que o impeachment não é panaceia
contra um presidente criminoso, e que, justo por isso, escapar de um
impeachment não é um passaporte para a impunidade. Especialmente se for
derrotado nas eleições de 2022, perdendo a proteção que lhe conferem tanto
sua base na Câmara dos Deputados quanto a docilidade de uma Procuradoria-
Geral da República colaboracionista, o cidadão Jair Messias Bolsonaro estará
muito mais facilmente ao alcance da Justiça.
Nesse cenário, ele poderá responder por crimes comuns, como suas
incontáveis infrações às medidas sanitárias que visavam a conter o vírus, por
cuja disseminação ele ativamente trabalhou. Poderá também ser fartamente
investigado em primeira instância por suas relações com o crime organizado
do Rio de Janeiro, cujos próceres foram muitas vezes acolhidos e
homenageados por seu clã familiar. Uma condenação criminal, se confirmada
por um tribunal de segunda instância, talvez o barre da vida pública por anos.
Na esfera civil, Bolsonaro poderá seguir respondendo por danos de qualquer
natureza experimentados pelas pessoas a quem ele enganou ou agrediu, a
exemplo de tantos jornalistas. No campo internacional, ele corre o risco de
responder por crime contra a humanidade, por atos intencionais que atentam
contra a saúde mental e física da população ou mesmo por genocídio em
relação a populações específicas, como os indígenas, embora as condições para
que tais processos caminhem sejam muito particulares e difíceis.
Para Bolsonaro, esse é o dilema que deveria ocupá-lo nas noites de insônia.
E assim também a fração do Parlamento que, embora sendo oposição a
Bolsonaro, não tem no impeachment seu primeiro cavalo de batalha, por
apostar na vitória nas eleições de 2022. Se Bolsonaro enxergar o horizonte de
uma derrota eleitoral, e sabendo que isso pode significar um resto de vida
repleto de acusações e ameaças da Justiça, que razão terá para aceitar o
resultado das urnas? Ou para não tentar interferir no processo eleitoral de
qualquer modo que o beneficie? O plano de vencer Bolsonaro nas urnas
subestima a quantidade de incentivos e possibilidades que ele tem para jogar
sujo no pleito. Se no imaginário bolsonarista bastam um cabo e um soldado
para dar conta do ,61 é possível imaginar a deferência que eles terão por um
 que conduza eleições nas quais eles se antevejam perdedores: nenhuma.
Em qualquer caso, é fundamental que as gerações presentes e futuras
tenham clareza de que a prática de crimes de responsabilidade perpassa toda a
gestão de Jair Bolsonaro, especialmente no contexto da pandemia. Não é por
falta de crimes, nem por falta de denúncias que corretamente apontam suas
condutas criminosas, que o impeachment não prospera, mas sim pela
dificuldade do elemento político. O atual presidente é um criminoso habitual
que viola o direito e os padrões elementares de moralidade política, e o faz
não apenas por estratégia, mas também por convicção e ideologia. Ele nutre
genuína e indisfarçável ojeriza por todos os valores que a Constituição de 1988
escolheu abrigar, como a prevalência dos direitos humanos, a proteção ao
meio ambiente, a proibição a toda e qualquer forma de discriminação e a
existência de instituições de controle independentes e capacitadas para
fiscalizar todos os campos em que ele e seus filhos florescem como agentes
políticos e se realizam como seres humanos: o militarismo golpista, o crime
organizado das milícias, a delinquência ambiental, a violência estatal arbitrária,
a corrupção política das “rachadinhas”, os funcionários fantasmas e as
transações milionárias em dinheiro vivo.
Anexo I

Ritos do impeachment presidencial na Câmara dos


Deputados e no Senado Federal

A. R  C  D

I. Papel da Câmara dos Deputados


Autorizar instauração do processo contra o presidente da República
(,* art. 51,  e art. 86, 1a parte).
Julgar “admissibilidade da denúncia para fins de processamento” (,
 378, p. 67).

II. Procedimento do impeachment presidencial na Câmara dos Deputados


1. Apresentação de denúncia por “qualquer cidadão” (lei no 1079, art. 14; ,
art. 218 e §§). A denúncia deve ser “assinada pelo denunciante e com a firma
reconhecida”, e “acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da
declaração de impossibilidade de apresentá-los, com a indicação do local onde
possam ser encontrados”. Havendo prova testemunhal, a peça deve trazer o
“rol das testemunhas, em número de cinco no mínimo”.

2. Realização, pelo presidente da Câmara dos Deputados, de juízo “liminar da


idoneidade” da denúncia, não apenas em seus aspectos formais, podendo
rejeitá-la imediatamente caso se trate de acusação “patentemente inepta ou
despida de justa causa” (,  20 941). Atendidos os requisitos, a denúncia
“será lida no expediente da sessão seguinte e despachada à comissão especial”
(lei no 1079/1950, art. 19; , art. 218, §2o). Após leitura da denúncia, a
renúncia do acusado, para impedir seu julgamento pelo Senado, não impedirá
o prosseguimento do processo e sua eventual condenação à inelegibilidade (lei
complementar no 64/1990, com redação dada pela lei complementar no
135/2010, art. 1o, , k). Não cabe defesa prévia à decisão do presidente da
Câmara quanto ao recebimento da denúncia e seu encaminhamento à
comissão especial (,  378).
2.1. Se o presidente da Câmara indeferir de plano a denúncia, caberá
recurso para o plenário da casa, apresentado por alguma deputada ou
deputado, a ser decidido por maioria simples (, art. 218, §3o; ,  23
885).

3. Indicação dos membros da comissão especial, observada a regra da


proporcionalidade de partidos e blocos representados na Câmara dos
Deputados (, art. 58, §1o; , art. 218 §2o), submetida a votação aberta
de natureza confirmatória (“simbólica”) pelo plenário.
3.1. É vedada a eleição de nomes não indicados pelos líderes de partidos e
blocos, isto é, “candidaturas avulsas” (,  378).

4. Reunião da comissão especial no prazo de 48 horas, para eleição da


presidência e relatoria (lei no 1079/1950, art. 45;  art. 218, §5o), para
apresentar parecer sobre admissibilidade da denúncia popular.
4.1. Prazo de dez sessões para que a comissão especial realize oitivas e
diligências para esclarecimento da denúncia, garantindo-se ampla
oportunidade de defesa à autoridade acusada (,  21 564, p. 55; e ,
art. 218, §4o, cf. interpretação dada na  378). À defesa é garantido o
direito de falar por último, em observância ao princípio da ampla defesa
(,  378).
4.2. Apresentação do parecer, pelo relator, aos demais membros da
comissão especial, em até cinco sessões (, art. 218, §5o).
4.3. Votação aberta (,  378) do relatório, “instrutório e opinativo”
sobre admissibilidade da denúncia, no âmbito da comissão especial.

5. Parecer aprovado na comissão especial é lido no expediente da Câmara dos


Deputados e publicado no Diário Oficial, juntamente com a denúncia (,
art. 218, §6o).

6. Publicação do parecer da comissão especial no Diário Oficial. Após 48 horas


da publicação, a denúncia, juntamente com o parecer, entrará na pauta de
votações da Câmara, como primeiro item a ser discutido e votado (, art.
218, §§6o e 7o; lei no 1079/1950, art. 20, §2o).

7. Na sessão em que o plenário da Câmara dos Deputados votar a


admissibilidade da denúncia, o relator da matéria na comissão especial terá a
palavra para expor o parecer da comissão. Na sequência, líderes de partidos,
blocos e do governo poderão usar a palavra, pelo tempo proporcional à
bancada (, sessão no 091.2.55.O).

8. Realização de votação nominal, aberta e por chamada (, art 218, §8o),
pelo plenário da Câmara dos Deputados, sobre a admissibilidade da denúncia
para fins de seu processamento pelo Senado.
8.1. A votação será por chamada de deputados e deverá alternar
representantes dos estados do Norte e do Sul.** Dentro de cada Estado, a
ordem de chamada será alfabética, pelo prenome da deputada ou deputado
(, sessão no 091.2.55.O).
8.2. O quesito votado é único e indaga sobre a admissibilidade da denúncia
popular apresentada. Os votos podem ser “Sim” (pela admissibilidade da
denúncia), “Não” (por sua rejeição) ou “Abstenção” (, sessão no
091.2.55.O).

9. Se dois terços ou mais das deputadas e deputados (ou seja, no mínimo 342,
na atual configuração da Câmara dos Deputados) votarem “Sim”, a denúncia é
considerada admitida e o processo é remetido ao Senado Federal, sendo a
decisão comunicada ao presidente dessa casa dentro de duas sessões (,
art. 51, ; , art. 218, §9o). Caso contrário, a denúncia é arquivada.

B. R      S F

I. Papel do Senado Federal


Deliberar sobre a instauração, ou não, do processo contra o presidente da
República, desde que concedida a prévia autorização da Câmara dos
Deputados, afastando-o preventivamente para que responda às acusações
longe do cargo (“Senado como órgão judiciário”,1 p. 14 246; ,  21
564;  378);
Instaurado o processo e afastado preventivamente o presidente da
República, realizar instrução processual (,  378, p. 159),
garantindo direito à ampla defesa e deliberando pela pronúncia, ou não,
do presidente da República, para que seja levado a julgamento pelo
plenário do Senado Federal (“Senado como órgão judiciário”, p. 14 247;
,  378);
Julgar o presidente da República pelos crimes de responsabilidade
apontados na denúncia, à luz dos documentos que a acompanham e das
provas colhidas na instrução (, art. 52,  e p.u.; lei no 1079, art. 31;
“Senado como órgão judiciário”, p. 14 247; ,  378)

II. Rito do impeachment no Senado Federal

II.1. Juízo de acusação2


1. Recebimento da resolução da Câmara dos Deputados que autoriza a
abertura do processo de impeachment contra o presidente da República
(, art. 86, caput, e art. 51, ; “Senado como órgão judiciário”, p. 14 246);

2. Leitura da denúncia popular e da autorização dada pela Câmara dos


Deputados no expediente da sessão seguinte (lei no 1079/1950, art. 44;
“Senado como órgão judiciário”, p. 14 246; , art. 380, ).

3. Encaminhamento desses atos a uma comissão especial, composta por um


quarto do Senado (, art. 380, ), para emissão de parecer sobre a denúncia
(lei no 1079/1950, art. 44). A composição dessa comissão observará a
proporcionalidade de partidos e blocos representados no Senado (, art.
58, §1o; “Senado como órgão judiciário”, p. 14 246;  378;3 , art. 380,
).

4. Reunião da comissão especial no prazo de 48 horas, para eleição da


presidência e da relatoria (lei no 1079/1950, art. 45; “Senado como órgão
judiciário”, p. 14 246).

5. Realização de diligências eventualmente necessárias para esclarecer os


termos da acusação, garantindo o direito de defesa à autoridade acusada, e
subsequente apresentação de parecer, pelo relator, para aprovação da comissão
especial, no prazo de dez dias (lei no 1079/1950, art. 45; “Senado como órgão
judiciário”, p. 14 246;  378). O parecer, de natureza opinativa quanto ao
recebimento da denúncia, será considerado aprovado mediante aceitação da
maioria simples dos membros da comissão. Caso o parecer seja pela aceitação
da denúncia, ele concluirá com o libelo acusatório contra a autoridade acusada
(, art. 380, ).

6. Leitura do parecer aprovado pela comissão no expediente de sessão do


Senado. Publicação do parecer no Diário Oficial e em avulsos distribuídos às
senadoras e senadores (lei no 1079/1950, art. 46; “Senado como órgão
judiciário”, p. 14 246).

7. Inclusão do parecer na ordem do dia da sessão seguinte, para deliberação do


plenário do Senado Federal (lei no 1079, art. 46; “Senado como órgão
judiciário”, p. 14 246).

8. Discussão e votação nominal do parecer, pelo plenário do Senado, em turno


único. Se aprovado por maioria simples ( 378), o Senado poderá receber a
denúncia popular. Se não houver maioria simples de votos pela aprovação, o
parecer será considerado rejeitado e o processo será extinto (lei no 1079, arts.
47 e 48; “Senado como órgão judiciário”, p. 14 247).

9. Aprovado o parecer acusatório da comissão especial pela admissibilidade da


denúncia popular, a presidência do Senado será transmitida ao presidente do
Supremo Tribunal Federal, para realização dos atos ligados ao processo e
julgamento do presidente da República (, art. 52, p.u.; “Senado como
órgão judiciário”, p. 14 247; , art. 380, )
10. A autoridade denunciada será notificada para, no prazo de vinte dias,
responder à acusação (“Senado como órgão judiciário”, p. 14 247; lei no
1079/1950, art. 49). A notificação conclui a instauração formal do processo de
impeachment contra o presidente da República (, art. 86, §12, ; “Senado
como órgão judiciário”, p. 14 247), acarretando o afastamento preventivo do
acusado de suas funções, pelo prazo de 180 dias (, art. 86, §1o,  e §2o).

11. Instrução probatória ampla perante a comissão especial, para oitiva de


testemunhas, juntada de documentos e produção de outros meios de prova. É
assegurada a possibilidade de intervenção das partes, com respeito ao
contraditório e garantindo à autoridade acusada o direito a ampla defesa
(, art. 5o, ; , arts. 3o e 155; , art. 369;4 lei no 1079, arts. 38, 52 e
73; “Senado como órgão judiciário”, p. 14 247;  378).

12. Interrogatório da autoridade denunciada perante a comissão especial,


reservado seu direito de não comparecer, ou de comparecer e não responder
às perguntas formuladas (, art. 5o, inc.  e ; lei no 1079, arts. 38 e 73;
, arts. 185 a 196; “Senado como órgão judiciário”, ,  378).

13. Possibilidade de oferecimento de alegações finais escritas, primeiro pela


acusação e depois pela defesa, pelo prazo sucessivo de quinze dias (lei no
8038/1990, art. 11); (“Senado como órgão judiciário”, p. 14 247).

14. Novo parecer opinativo da comissão especial sobre a pronúncia ou não da


autoridade acusada, isto é, sobre a procedência ou improcedência da acusação.
O prazo para emissão do parecer é de dez dias, e ele deve ser aprovado por
maioria simples, após o que é publicado e distribuído, com todas as peças que
o instruíram, às senadoras e senadores. Inclusão do parecer na ordem do dia
dentro de 48 horas, no mínimo, a contar de sua distribuição (lei no 1079/1950,
arts. 51 e 53; “Senado como órgão judiciário”, p. 14 247).

15. Discussão e votação nominal do parecer, em turno único, pelo plenário do


Senado Federal. Se a maioria simples aprovar o parecer, a acusação será
considerada procedente, a decisão equivalendo a um juízo de pronúncia. Se a
maioria simples entender que não procede a acusação, o processo será
arquivado e o presidente da República reassumirá imediatamente os poderes
do cargo (lei no 1079/1950, arts. 554 e 55; “Senado como órgão judiciário”, p.
14 247).

16. Notificação, dos denunciantes e da autoridade acusada, quanto à decisão


de aprovação ou reprovação do parecer de pronúncia (lei no 1079/1950, art.
55; “Senado como órgão judiciário”, p. 14 247).

Observação geral: cabe recurso, diretamente para o presidente do Supremo


Tribunal Federal, contra quaisquer deliberações da comissão especial, em
qualquer fase do procedimento (, art. 52, p.u.; lei no 1079/1950, arts. 38 e
73; , art. 48, inc. 8 e 13). O prazo de interposição do recurso, juntamente
com suas razões, é de cinco dias (, art. 593, , e lei no 1079/1950, arts. 38 e
73; “Senado como órgão judiciário”, p. 14 247).

II.2. Juízo de julgamento


18. Intimação dos denunciantes sobre a deliberação plenária do Senado
Federal que pronunciou a autoridade acusada, bem como para oferecimento,
em 48 horas, do libelo acusatório. A peça deverá indicar as testemunhas a
serem ouvidas na sessão de julgamento (lei no 1079/1950, art. 58; “Senado
como órgão judiciário”, p. 14 247).
19. Abertura de vista ao denunciado, ou ao seu defensor, para oferecer, em 48
horas, a sua resposta (“contrariedade”) ao libelo acusatório, juntamente com
seu rol de testemunhas (lei no 1079/1950, art. 58; “Senado como órgão
judiciário”, p. 14 247).

20. Encaminhamento dos autos ao presidente do Supremo Tribunal Federal,


que imediatamente designará data para julgamento do denunciado (lei no
1079/1950, art. 59). Os denunciantes, a autoridade denunciada e as
testemunhas serão notificados da data e do horário do julgamento. Deve-se
observar intervalo mínimo de dez dias entre as notificações e o julgamento (lei
no 1079/1950, art. 60 e p.u.; “Senado como órgão judiciário”, p. 14 247).

21. Abertura da sessão de julgamento, sendo apregoadas as partes, que


poderão comparecer pessoalmente ou por intermédio de seus procuradores
(lei no 1079/1950, art. 61). Se nem o denunciado nem seus procuradores
comparecerem ao julgamento, será decretada sua revelia. O presidente do
Supremo Tribunal Federal redesignará o julgamento para outra data e
nomeará advogado dativo para fazer a defesa da autoridade acusada na nova
sessão de julgamento (lei no 1079/1950, art. 62, §1o; “Senado como órgão
judiciário”, p. 14 247).

22. Poderão participar da sessão de julgamento, como juízes, todas as


senadoras e os senadores presentes, com exceção dos que incidirem nas causas
de impedimento estritamente definidas na lei no 1079/1950, isto é, quem tiver
“parentesco consanguíneo ou afim, com o acusado, em linha reta”; os
cunhados e os “primos coirmãos”, em linha colateral; e quem tiver deposto
como testemunha no processo (lei no 1079/1950, art. 36 e art. 63).

23. Leitura dos autos do processo e inquirição das testemunhas, primeiro as da


acusação e depois as da defesa, fora da presença umas das outras, com
possibilidade de contradita, reinquirição e acareação, por iniciativa de qualquer
das partes. As senadoras e os senadores poderão formular novas perguntas às
testemunhas (lei no 1079/1950, arts. 64 e 65;  1/2016, v. 70, p. 26 244).5

24. Manifestação pessoal da autoridade acusada, se ela estiver presente e


desejar fazer uso da palavra, por trinta minutos, prorrogáveis a critério do
presidente do Supremo Tribunal Federal. Na sequência, interrogatório da
autoridade acusada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, pelas
senadoras e pelos senadores, seguindo a ordem de inscrição, e finalmente pela
acusação e pela defesa. Cada membro do Senado disporá de até cinco minutos
para fazer suas perguntas ( 1/2016, v. 70, p. 26 245).

25. Debates orais, sendo facultadas a réplica e a tréplica entre os denunciantes


e a autoridade denunciada, pelo prazo que o presidente do Supremo Tribunal
Federal estipular (lei no 1079/1950, art. 66).***

26. Discussão única entre os senadores sobre o objeto da acusação (lei no


1079/1950, art. 66, p.u.).****

27. Ao final da discussão, o presidente do Supremo Tribunal Federal relata o


processo, expondo resumidamente os fundamentos da acusação e da defesa e
indicando os respectivos elementos de prova (lei no 1079/1950, art. 67).

28. Na fase de encaminhamento, que precede a votação, serão admitidos, no


máximo, dois oradores favoráveis e dois contrários ao libelo acusatório, com
até cinco minutos para exposição cada ( 1/2016, v. 70, p. 26 246).

29. Realização do julgamento em votação nominal. É vedada a orientação de


lideranças partidárias para instruir a votação, que deverá exprimir julgamento
de foro íntimo das senadoras e dos senadores. Cada um deles responderá
“Sim” ou “Não” à seguinte pergunta: “Cometeu o/a acusado/a [nome da
autoridade acusada] os crimes de responsabilidade correspondentes a
[descrição dos crimes imputados], e deve ser ele/ela condenado/a à perda do
seu cargo e à inabilitação temporária, por oito anos, para o desempenho de
qualquer outra função pública, eletiva ou de nomeação?” (, art. 52, p. u.;
lei no 1079/1950, art. 68;  1/2016, v. 70, p. 26 246).*****

30. Se houver votos pela condenação em quantidade igual ou superior a dois


terços do total de membros do Senado Federal (ou seja, no mínimo 54, na
atual configuração da casa), a denúncia será considerada procedente e a
autoridade, condenada; caso contrário, será absolvida e imediatamente
reabilitada no cargo. A sentença, com o resultado do julgamento, será lavrada
pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e assinada por ele e pelas
senadoras e senadores que participaram do julgamento, e será transcrita em
ata e publicada no Diário Oficial (lei no 1079/1950, art. 69;  1/2016, v. 70,
p. 26 247).

31. Intimação das partes sobre o resultado do julgamento, com ciência


imediata ao vice-presidente da República (lei no 1079/1950, art. 71; 
1/2016, v. 70, p. 26 247).

32. Encerramento do processo.

* Siglas usadas nesta seção: : Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental; :
Câmara dos Deputados; : Código de Processo Civil; : Código de Processo Penal; :
Constituição da República Federativa do Brasil; : denúncia; : medida cautelar; : mandado de
segurança; : Regimento Interno da Câmara dos Deputados; : Regimento Interno do Senado
Federal; : Supremo Tribunal Federal.
** No caso de Dilma Rousseff, a ordem foi a seguinte: , , ,
, , , , , , , ,
, , , , , , , , , , , , , ,  e .
*** No julgamento de Dilma Rousseff, o prazo de manifestação foi de uma hora e meia para cada uma
das partes, incluso o tempo dos apartes, e o prazo de réplica e tréplica, de uma hora para cada (
1/2016, v. 70, p. 26 245).
**** No julgamento de Dilma Rousseff, o prazo para manifestação de cada senador inscrito foi de dez
minutos ( 1/2016, v. 70, p. 26 246).

***** No julgamento de Dilma Rousseff, admitiu-se a formulação de pedido de destaques, para votação
autônoma de parte do quesito, inclusive quanto à inabilitação por oito anos no caso de condenação.
Anexo II

Lista de partidos citados

Arena Aliança Renovadora Nacional


 Democratas
 Movimento Democrático Brasileiro
 Partido Comunista Brasileiro
do Partido Comunista do Brasil
 Partido Democrata Cristão
 Partido Democrático Social
 Partido Democrático Trabalhista
 Partido da Frente Liberal
 Partido Liberal
 Partido do Movimento Democrático Brasileiro
 Partido da Mobilização Nacional
 Progressistas
 Partido Progressista Brasileiro
 Partido Popular Socialista
 Partido Republicano
 Partido da Reconstrução Nacional
 Partido Republicano Trabalhista
 Partido Renovador Trabalhista Brasileiro
 Partido Socialista Brasileiro
 Partido Social Cristão
 Partido Social Democrático
 Partido da Social Democracia Brasileira
 Partido Social Liberal
Psol Partido Socialismo e Liberdade
 Partido Social Progressista
 Partido Social Trabalhista
 Partido dos Trabalhadores
 Partido Trabalhista Brasileiro
 Partido Verde
Rede Rede Sustentabilidade
 União Democrática Nacional
Anexo III

Indicações de leituras sobre impeachment

A bibliografia sobre impeachment presidencial tem bons livros, que valem ser
lidos por quem quer se aprofundar no assunto. A lista de referências ao final
deste volume contém muitos artigos, dissertações, teses, livros e documentos
proveitosos, entre os quais destaco os que vêm a seguir.
Para as origens inglesas do impeachment, meu livro preferido é
Impeachment: The Constitutional Problems, de Raoul Berger, especialmente os
capítulos  e . Há também um estudo aprofundado de John Smith Roskell
sobre o primeiro impeachment inglês, do conde de Suffolk, em 1386 (The
Impeachment of Michael de la Pole, Earl of Suffolk, in 1386). Muitos bons trabalhos
de história política passam por temas relevantes para um estudo dos
impeachments ingleses, como o clássico livro de John G. Bellamy (The Law of
Treason in England in the Later Middle Ages) e um influente artigo de Theodor
Frank Thomas Plucknett publicado na década de 1940 (“The origin of
impeachment”, no periódico Transactions of the Royal Historical Society). As atas
dos impeachments medievais na Inglaterra estão disponíveis (e traduzidas para
o inglês moderno) nos arquivos do projeto British History Online, do Institute
for Historical Research da Universidade de Londres.1 Trabalhos de juristas da
época de ouro dos impeachments ingleses, como Edward Coke e William
Blackstone, são acessíveis em bibliotecas digitais. Lê-los, assim como aos rolos
dos parlamentos medievais, é uma viagem ao passado que amplamente
recompensa os desafios da linguagem e os estranhamentos causados pela
distância temporal.
A bibliografia dos Estados Unidos é decerto a mais numerosa sobre o
impeachment presidencial. Para sorte de quem o estuda, ela ganhou recente
impulso com a presidência de Donald Trump. Os livros norte-americanos
sobre o impeachment normalmente têm um capítulo dedicado à história da
recepção do instituto na Constituição de 1787, mas nenhum se compara ao já
citado livro de Berger. Ainda entre os trabalhos históricos, o livro de Michael
Les Benedict sobre o caso Andrew Johnson (The Impeachment and Trial of
Andrew Johnson) é particularmente bom, por sua capacidade de apresentar o
contexto histórico e político em que o caso ocorreu, na saída da Guerra Civil
entre os estados do Norte e do Sul, sem descuidar de uma análise jurídica
cuidadosa dos argumentos de acusação e de defesa. Para os textos mais
dedicados aos pormenores da disciplina jurídica do impeachment, mas que
têm excelentes reflexões sobre questões de fundo que interessam a nós (como
a possibilidade de revisão judicial ou o equilíbrio entre responsabilização e
independência do Executivo em face do Legislativo), recomendo os livros de
Michael Gerhardt (The Federal Impeachment Process) e John Labovitz (Presidential
Impeachment). Gerhardt segue na ativa e publicou bons textos na imprensa
relativos aos impeachments de Donald Trump. Labovitz integrou o célebre
comitê judiciário da Câmara dos Deputados que redigiu um impactante
documento sobre os fundamentos para impeachment do presidente da
República na época de Richard Nixon (Constitutional Grounds for Presidential
Impeachment), cuja leitura vivamente recomendo. Vale também assistir às
entrevistas do projeto de história oral do Arquivo Nacional dos Estados
Unidos, em que os membros ainda vivos desse comitê deram detalhados
depoimentos sobre suas atividades.2 Alguns deles, à época jovens advogadas e
advogados sob o comando do lendário John Doar, tornaram-se personagens de
destaque no direito e na política, como Owen Fiss e Hillary Clinton. Entre os
livros mais recentes sobre impeachment presidencial, destaco os de Cass
Sunstein (Impeachment: A Citizen’s Guide), e Laurence Tribe e Joshua Matz (To
End a Presidency: The Power of Impeachment).
No caso brasileiro, houve também lançamentos recentes motivados pelo
caso de Dilma Rousseff que merecem ser consultados. Para uma leitura
jurídica organizada e abrangente do instituto do impeachment, recomendo o
livro de Marcelo Campos Galuppo (Impeachment: O que é, como se processa e por
que se faz). A coletânea organizada por Joaquim Falcão, Diego Werneck
Arguelhes e Thomaz Pereira (Impeachment de Dilma Rousseff: Entre o Congresso e
o Supremo) traz um bom conjunto de textos de explicação, crítica e análise de
conjuntura escritos durante aquele processo. O livro de Paulo Brossard segue
sendo um clássico, e deveria ser a primeira leitura nacional de quem quiser
estudar o impeachment a fundo. E há, claro, os julgamentos relevantes do ,
elencados na lista de referências no final deste livro.
Muita coisa boa sobre o tema foi escrita por não juristas. Os trabalhos de
Brasilio Sallum Jr. (O impeachment de Fernando Collor) e João Villaverde
(Perigosas pedaladas) são excelentes para se entender o contexto, os atores e as
circunstâncias dos casos Collor e Dilma. O livro de Villaverde é
particularmente útil para quem deseja entender o que foram as tais
“pedaladas”, a mais importante das acusações contra Dilma Rousseff. Entre as
obras de cientistas políticos brasileiros, destaco as de Guilherme Casarões,
sobre o caso Collor (A economia política do governo Collor: Discutindo a viabilidade
de governos minoritários sob o presidencialismo de coalizão), e o recente texto
comparativo de Arthur Augusto Rotta (Como depor um presidente). Alguns
cientistas políticos estrangeiros também têm escritos de muito proveito para o
entendimento do impeachment, inclusive com boas análises do Brasil. Tudo
que Aníbal Pérez-Liñán produziu (e segue produzindo) deve ser lido com
atenção. As listas de referências em seus trabalhos dão excelentes pistas sobre
o estado da arte da bibliografia internacional de ciência política a respeito do
impeachment presidencial.
Quem preferir descansar da leitura após concluir este livro ainda assim pode
seguir aprendendo sobre o impeachment presidencial no Brasil: a edição de
1992 do programa jornalístico Roda Viva, da  Cultura, com noventa minutos
inteiramente dedicados ao impeachment de Collor está integralmente
disponível em repositórios abertos de vídeos na internet.3
Agradecimentos

Nas listas de agradecimentos, a lembrança à família costuma vir por último.


No meu caso, ela deve vir antes de qualquer outra. Este livro foi inteiramente
escrito durante a pandemia de covid-19, ao longo de 2020 e 2021. Como todos
os grandes projetos pegos no contrapé pela nova rotina do isolamento social,
ele impôs ajustes e sacrifícios não apenas a mim, mas a todas as pessoas da
casa. Minha esposa, Tathiane, que tem uma vida profissional tão movimentada
quanto a minha, fez tudo que estava a seu alcance para garantir que eu
pudesse desfrutar de condições adequadas a uma tarefa de alta concentração e
de longo prazo, como é escrever um livro. Nossos filhos, Miguel e Gustavo,
que inicialmente ficaram animados com a ideia de ter o papai e a mamãe
sempre por perto em casa, aos poucos acostumaram-se com a ideia de que o
papai estava fechado no quarto escrevendo um livro e a mamãe estava fechada
no outro quarto dando aulas ou escrevendo também, e portanto encontravam-
se bem menos disponíveis do que eles gostariam. Mesmo assim, ambos (quase
sempre) respeitaram as nossas necessidades de tempo para o trabalho.
Chegaram até a aprender alguma coisa sobre história do Brasil, pois torceram
pela conclusão do livro capítulo a capítulo, presidente a presidente (“Já passou
o Collor?” “Já chegou na Dilma?”). Tathiane é além de tudo uma jurista de
primeira grandeza, com profundos conhecimentos de direito financeiro, e
ajudou-me muito (não apenas na fase de escrita, mas desde sempre) na
depuração de muitas das ideias deste livro, especialmente quanto às acusações
fiscais contra Dilma Rousseff. Enfim, nada disto aqui existiria não fosse por
eles, e especialmente por ela. Cada letra no papel tem a compreensão, a
paciência e o estímulo dos três. Que este meu agradecimento lhes valha como
uma nota promissória de amor e gratidão, imprescritível e impagável.
Ricardo Teperman, publisher da Zahar, deu-me a oportunidade de publicar
pelo selo que é referência para as humanidades no Brasil. Estar no catálogo da
editora cujos lançamentos eu sempre acompanhei é uma honraria
inimaginável. Agradeço a ele e à Companhia das Letras pela confiança e pela
oportunidade. Mauro Gaspar, editor do selo, foi, junto com Ricardo, um leitor
cuidadoso dos manuscritos. Plínio Lopes, na checagem, e Clarice Zahar, no
fechamento, foram fundamentais para que o manuscrito resultasse em um
livro mais preciso e bem escrito.
O grupo Companhia das Letras me permitiu contar com o auxílio de um
jovem e notável pesquisador, André Parente Houang, egresso do 
Sociologia Jurídica da Faculdade de Direito da . André auxiliou na
localização de fontes, checou informações duvidosas e fez observações sobre o
manuscrito que só ocorreriam a um leitor inteligente e atento como ele.
Na pesquisa específica para a escrita do livro, algumas pessoas me deram
informações importantes e compartilharam documentos necessários para a
conferência de dados e datas. Agradeço à jornalista Carolina Linhares pela
troca de informações sobre o impeachment do governador alagoano Muniz
Falcão. Agradeço também ao cientista político Fabrício Amorim, do Núcleo de
Estudos em Arte, Mídia e Política da -, pelo gentil envio de documentos
relativos a um dos pedidos de impeachment contra Itamar Franco. O jornalista
Leo Arcoverde, do projeto Fiquem Sabendo, forneceu-me esclarecimentos
adicionais sobre a lista de pedidos de impeachment apresentados contra todos
os presidentes desde 1990, publicada pela newsletter Don’t  to me, sobre
Lei de Acesso à Informação, da qual ele é um dos fundadores.
Tenho a sorte de ter brilhantes acadêmicos como amigos fraternos, que
aceitaram separar tempo em suas disputadas agendas para ler versões do
manuscrito. Pelos erros apontados, pelas muitas sugestões de aperfeiçoamento
no texto e pelos valorosos insights, agradeço a André de Albuquerque
Cavalcanti Abbud e Luiz Guilherme Mendes de Paiva. Agradeço também a
Murilo de Robbio pelo empenho na leitura de um trecho dos originais.
Minha história com o impeachment começou em 2015 e envolveu muitas
pessoas e instituições. No curso de graduação da Faculdade de Direito da ,
entre 2016 e 2018, ministrei disciplinas eletivas dedicadas ao estudo tanto da
história desse instituto no Brasil quanto da teoria do impeachment
presidencial nos Estados Unidos. Como sempre ocorre no Largo de São
Francisco, as aulas me deram oportunidade de interagir com alunas e alunos
inteligentes e interessados, e renderam debates que sem dúvida moldaram
minha compreensão sobre o tema. Espero que eles tenham aprendido comigo
tanto quanto eu pude aprender com eles. Em 2016 e 2017, apresentei
resultados de pesquisas sobre o impeachment nos encontros anuais da Law
and Society Association, em painéis organizados pelo professor Joshua Tate
(Southern Methodist University, Texas). Ainda na São Francisco, três bons
amigos foram interlocutores frequentes em almoços numa época em que o
impeachment dominava as conversas de professores de direito. Agradeço à
turma do Alcachofra — Diogo Coutinho, Virgílio Afonso da Silva e Conrado
Hübner Mendes — pela companhia, pelos bons papos e pelo aprendizado,
assim como a todos os alunos e colegas da universidade pelas críticas e
sugestões nas muitas oportunidades de discussão de trabalhos meus.
Em 2016, uma bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp) me permitiu passar um período estendido no Center for Latin
American and Latino Studies da American University em Washington. Fui
recebido pelo professor Matthew Taylor e pelo diretor do centro, Eric
Hershberg, com o acolhimento necessário para que aquela estada, além de
academicamente proveitosa, fosse também memorável do ponto de vista
pessoal. Ela me rendeu ainda bons amigos, com quem refinei outras tantas
ideias sobre o tema deste livro. Cumprimento-os todos através de Fábio
Kerche, pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa. Agradeço à Fapesp,
sem a qual essa experiência, que me rendeu além de tudo incontáveis fontes de
pesquisa sobre o tema, não teria existido.
Como tudo que faço na minha profissão, este livro tem as marcas das
pessoas que foram determinantes na minha formação humana e intelectual.
Minha mãe, Isaura, e meu pai, Sebastião, jamais pouparam sacrifícios para dar
aos filhos as oportunidades educacionais que eles próprios nunca tiveram.
Minha irmã, Laura — uma atleta de nível internacional que sempre brigou
com os limites do próprio corpo e passou mais tempo em mesas de cirurgia e
salas de fisioterapia do que nas quadras de basquete —, é meu exemplo maior
de superação e força de vontade. José Reinaldo de Lima Lopes, hoje meu
colega na Faculdade de Direito da , é o orientador de quem jamais deixarei
de ser aluno.
Notas

Introdução: A era das presidências interrompidas

1. Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, The Federalist Papers, n. 65, pp. 177-8.
2. Para uma análise do argumento da inaptidão mental como fundamento para o impeachment, cf.
Rafael Mafei Rabelo Queiroz, “E se ele for louco?”.

3. Sylvia Colombo, “Ex-presidente do Equador é preso em investigação de corrupção”.


4. Aníbal Pérez-Liñán, Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America.

5. Leiv Marsteintredet, Mariana Llanos e Detlef Nolte, “Paraguay and the Politics of Impeachment”.
6. Há que se destacar que o número de denúncias no Brasil será sempre elevado porque, além de um
país populoso, nosso modelo admite que denúncias sejam feitas por qualquer pessoa do povo. Em sua
origem inglesa, como ainda hoje em países como os Estados Unidos, o papel de acusador é limitado à
casa parlamentar baixa (House of Commons, House of Representatives). com o que o número de
acusações é compreensivelmente diminuto.

7. Os números de denúncias contra cada um dos presidentes são os seguintes: Fernando Collor de Mello
(29), Itamar Franco (4), Fernando Henrique Cardoso (275) Luiz Inácio Lula da Silva (37), Dilma Rousseff
(68), Michel Temer (31) e Jair Bolsonaro (mais de 100 até meados de abril de 2021). Há notícias de um
pedido de impeachment contra José Sarney, que motivou inclusive um dos primeiros julgamentos do
 sobre o tema na vigência da Constituição de 1988 ( 20 941, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 9 fev.
1990), mas que não consta nos arquivos da Câmara dos Deputados. Para um breve relato da denúncia
contra Sarney, cf. Amanda Prado, “Além de Collor e Dilma, Sarney, Itamar,  e Lula sofreram pedidos
de impeachment”; para os pedidos de impeachments desde Collor até Dilma Rousseff, cf. Fiquem
Sabendo, “Os pedidos de impeachment contra presidentes brasileiros desde 1990”; para Jair Bolsonaro,
cf. Agência Pública, “Os pedidos de impeachment de Bolsonaro”.
8. Rui Barbosa, “As ruínas da Constituição”, p. 80.

9. Paulo Brossard, O impeachment, pp. 191 ss.


10. Aníbal Pérez-Liñán, “Impeachment or backsliding? Threats to democracy in the twenty-first
century”, p. 1.

11. Valor Econômico, “Peru: Congresso aprova impeachment do presidente Martín Vizcarra”.
12. Cf., entre outros, Aníbal Pérez-Liñán, Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin
America; Kathryn Hochstetler, “The Fates of Presidents in Post-Transition Latin America: From
Democratic Breakdown to Impeachment to Presidential Breakdown”, Young Hun Kim, “Impeachment
and Presidential Politics in New Democracies”, e vários artigos em Jody C. Baumgartner e Naoko Kada,
Checking Executive Power: Presidential Impeachment.
13. Arturo Valenzuela, “Latin American Presidencies Interrupted”, Journal of Democracy; Aníbal Pérez-
Liñán e John Polga-Hecimovich, “Explaining Military Coups and Impeachments in Latin America”;
Arthur Augusto Rotta, Como depor um presidente.
14. Guilherme Stolle Paixão e Casarões, A economia política do governo Collor: Discutindo a viabilidade de
governos minoritários sob o presidencialismo de coalizão; Marcus Vinícius Comenale Pujol, O impeachment de
Fernando Collor: Aspectos econômicos, políticos e jurídicos que levaram à queda do presidente; Sérgio Abranches,
Presidencialismo de coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro.
15. Cf. Sérgio Abranches, Presidencialismo de coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro;
especificamente sobre a queda de Collor, cf. Brasilio Sallum Jr., O impeachment de Fernando Collor:
Sociologia de uma crise.
16. Marcelo Campos Galuppo, Impeachment: O que é, como se processa e por que se faz; Bruno Galindo,
Impeachment: À luz do constitucionalismo contemporâneo, incluindo análises dos casos Collor e Dilma; Alexandre
Gustavo Melo Franco Bahia, Diogo Bacha e Silva e Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, O impeachment
e o Supremo Tribunal Federal; Helder Felipe Oliveira Correia, A lei 1079/50 e o impeachment no direito
brasileiro; João Villaverde, Controle do soberano; Bonifácio José Suppes de Andrada, Mecanismos internos do
impeachment.
17. Cass R. Sunstein, Impeachment: A Citizen’s Guide, Laurence Tribe e Joshua Matz, To End a Presidency.
18. Michael J. Gerhardt, The Federal Impeachment Process; John R. Labovitz, Presidential Impeachment.

19. Raoul Berger, Impeachment; Michael Les Benedict, The Impeachment and Trial of Andrew Johnson;
William H. Rehnquist, Grand Inquests.

1. “Os maiores violadores das leis”

1. Chris Given-Wilson et al. (Orgs.), Parliament Rolls of Medieval England, “Introduction”.


2. Anne Curry, The Hundred Years War: 1337-1453, p. 26.
3. Chris Given-Wilson et al. (Org.), Parliament Rolls of Medieval England, n. 24.

4. John G. Bellamy, The Law of Treason in England in the Later Middle Ages, p. 168. Latimer recebeu perdão
real pouco tempo depois.
5. Theodor Frank Thomas Plucknett, “The Origin of Impeachment”.

6. John Smith Roskell, The Impeachment of Michael de la Pole, Earl of Suffolk, in 1386, pp. 17-8.
7. John G. Bellamy, The Law of Treason in England in the Later Middle Ages, p. 168.

8. “Richard Lyons, mercador de Londres, foi impeached e acusado pelos ditos comuns de muitas fraudes,
extorsões e outros feitos malignos executados por ele contra nosso lorde o Rei e seu povo”; “Ainda,
William Lord Latimer foi impeached e acusado por inciativa dos ditos comuns de várias fraudes,
extorsões, agravos e outros feitos malignos executados por ele e por outros de seu povo e facção”. (Chris
Given-Wilson et al. [Orgs.], Parliament Rolls of Medieval England, abr.-jul. 1376, n. 17 e n. 20, grifos meus).
9. John G. A. Pocock, The Ancient Constitution and the Feudal Law: A Study of English Historical Thought in
the Seventeenth Century, p. 34.
10. John H. Baker, Manual of Law French, p. 65.

11. Edward Coke, Institutions of the Laws of England, v. , p. 145.

12. Martin Loughlin, The British Constitution: A Very Short Introduction, p. 25.
13. Corinne Comstock Weston, English Constitutional Theory and the House of Lords, pp. 9-42.
14. William Blackstone, Commentaries on the Laws of England, p. 12.
15. Ibid., pp. 60ss.
16. George Crabb, History of English Law, pp. 221-2.
17. Ibid., pp. 221-4.
18. Martin Loughlin, The British Constitution: A Very Short Introduction, p. 56.
19. George Crabb, History of English Law, p. 292.

20. Chris Given-Wilson et al. (Orgs.), Parliament Rolls of Medieval England. Maio 1368, n.75.
21. House of Representatives, Committee on the Judiciary, Impeachment of the President, 1867, p. 69.

22. John Smith Roskell, The Impeachment of Michael de la Pole, Earl of Suffolk, in 1386.
23. Bellamy atribui ao jurista Edward Coke (1552-1634) a responsabilidade pela popularização de uma
compreensão equivocada que se difundiu na cultura jurídica inglesa, segundo a qual o misprision
equivaleria a traição (misprision of treason). Bellamy registra, porém, que os primeiros usos
documentados do termo não tinham o qualificativo “de traição” e designavam apenas uma ação
equivocada (mistaken) ou errada (wrongful). John G. Bellamy, The Law of Treason in England in the Later
Middle Ages, p. 216.
24. William Blackstone, Commentaries on the Laws of England, p. 623.

25. John G. Bellamy, The Law of Treason in England in the Later Middle Ages, p. 216.
26. “The King”, “Our Lady his Queen”, “their Eldest Son and Heir”. Cf. Thomas Bayly Howell, A
Complete Collection of State Trials, v. , p. 974.
27. Chris Given-Wilson et al. (Orgs.), Parliament Rolls of Medieval England, Out. 1386, n. 5.
28. John G. Bellamy é da opinião de que a conduta de Suffolk, embora configurasse um grave delito
político (misprision), não se amoldava propriamente à lei da traição de 1352. Cf. John G. Bellamy, The Law
of Treason in England in the Later Middle Ages, p. 98.
29. Chris Given-Wilson et al. (Orgs.), Parliament Rolls of Medieval England, jan. 1395, “Introduction”.
30. John G. Bellamy, Complete Collection of State Trials, p. 113.

31. Raoul Berger, Impeachment: The Constitutional Problems, pp. 10-2.


32. Ibid., p. 28.

33. Gerald J. Meyer, The Tudors: The Complete Story of England’s Most Notorious Dynasty, pp. 420-1. As duas
esposas de Henrique  decapitadas foram Ana Bolena, que motivou o rompimento do rei com o
catolicismo, e Catherine Howard, prima de Ana.
34. Gerald J. Meyer, The Tudors: The Complete Story of England’s Most Notorious Dynasty, p. 595.
35. Martin Loughlin, The British Constitution: A Very Short Introduction, p. 47.
36. Peter Ackroyd, History of England, v. 2: Tudors, p. 184.
37. Raoul Berger, Impeachment: The Constitutional Problems, p. 27; Stephen Sedley, Lions Under the Throne:
Essays on the History of English Public Law, p. 178.
38. Para o conceito de misprisions, ver nota 23 deste capítulo.

39. Unites States of America, Constitution of the United States, art. , sec. 9.

40. Geoffrey Robertson, The Tyrannicide Brief: The Story of the Man Who Sent Charles I to the Scaffold, p. 83.

41. Berger aponta que Josiah Quincy , porta-voz do grupo revolucionário Sons of Liberty, lembrou o
caso de Strafford em um jornal de Boston, celebrando o impeachment como instituto protetivo das leis
fundamentais e preventivo contra abusos de poder. Cf. Raoul Berger, Impeachment: The Constitutional
Problems, p. 30, n. 107.
42. Perez Zagorin, Rebels & Rulers 1500-1660, v. , p. 140.

43. Raoul Berger, Impeachment: The Constitutional Problems, p. 31.


44. A principal medida nesse sentido foi a tentativa de ampliar a cobrança do Ship-Money Tax —
imposto originalmente devido apenas em condados litorâneos — para outros condados do reino (cf.
Geoffrey Robertson, The Tyrannicide Brief: The Story of the Man Who Sent Charles I to the Scaffold, p. 89).
45. Ronald G. Asch, “Thomas, First Earl of Strafford (1593-1641)”.
46. Ibid.; Raoul Berger, Impeachment: The Constitutional Problems, p. 31.
47. Para o conhecimento e uso do precedente por John Pym na acusação contra o conde de Strafford, cf.
Conrad Russell, “The Theory of Treason in the Trial of Strafford”, p. 31.
48. Apud Raoul Berger, Impeachment: The Constitutional Problems, pp. 32-3.

49. Perez Zagorin, A History of Political Thought in the English Revolution, p. 191.

50. Samuel Gardiner, History of England from the Accession of James I to the Outbreak of the Civil War, 1603-
1642, p. 322.

51. Ronald G. Asch, “Wentworth, Thomas, First Earl of Strafford”. Carlos  ainda tentou preservar a vida
de seu fiel oficial, propondo à Câmara dos Lordes que a pena capital aplicada a Strafford fosse comutada
em prisão perpétua, mas não foi atendido. Embora o processo contra Strafford tenha começado como
impeachment, ele tornou-se um attainder em meio ao procedimento. A razão da mudança é ainda hoje
profundamente controvertida na historiografia, já que o attainder exigia participação do rei, enquanto o
impeachment não. Para interpretações nesse debate, cf. Raoul Berger, Impeachment: The Constitutional
Problems, pp. 35-40.
52. Fábio Konder Comparato, A afirmação histórica dos direitos humanos, pp. 87-92.
53. Martin Loughlin, The British Constitution: A Very Short Introduction, p. 50.
54. Benjamin Constant identificou nesse distanciamento do rei em relação à administração do governo,
que passou às mãos do partido de maioria parlamentar, a chave da monarquia constitucional inglesa (cf.
Benjamin Constant, Ouvres politiques, p. 19).

55. Já na primeira metade do século , Robert Walpole, membro do Parlamento pela Câmara dos
Comuns, ganhou proeminência política sobre todos os ministérios e tornou-se de fato o primeiro
“primeiro-ministro” — termo de conotação pejorativa à época. Walpole renunciou às funções de
governo após as eleições de 1741, quando seus opositores conquistaram maioria parlamentar (cf.
Stephen Taylor, “Walpole, Robert, First Earl of Oxford”).
56. Martin Loughlin, The British Constitution: A Very Short Introduction, p. 51. O último ministro da
história inglesa a sofrer acusação através de impeachment foi Henry Dundas, em 1806 (cf. Michael Fry,
“Dundas, Henry, First Viscount Melville”).

57. Frank Bowman , High Crimes and Misdemeanors: A History of Impeachment for the Age of Trump, p. 40.

58. Raoul Berger, Impeachment: The Constitutional Problems, p. 123 n. 9.


59. As acusações contra Hastings cobriam uma ampla gama de malfeitos, como desobediência aos
diretores da Companhia das Índias Orientais, má administração das regiões sob seu domínio, fraudes
contra políticos locais em negócios variados e corrupção em benefício próprio e de outros diretores da
companhia (cf. Frank Bowman , High Crimes and Misdemeanors: A History of Impeachment for the Age of
Trump, p. 41).
60. Andrew Rudd, Sympathy and India in British Literature, 1770-1830, p. 29.
61. Edmund Burke, Speeches in the Impeachment of Warren Hastings, Esquire, Late Governor-General of Bengal.
62. Patrick Turnbull, Warren Hastings, pp. 214-5.
63. Apud James Madison, The Debates on the Adoption of the Federal Constitution in the Convention Held at
Philadelphia in 1787, with a Diary of the Debates of the Congress of the Confederation. Nos debates estaduais
para ratificação da Carta redigida na Filadélfia, seu caso foi novamente lembrado para defender a ideia de
que um oficial condenado deveria ser imediatamente removido do cargo.

64. Bruce Ackerman, The Failure of the Founding Fathers: Jefferson, Marshall and the Rise of Presidential
Democracy, p. 24.
65. Bruce Ackerman, We the People: Foundations, pp. 28ss.
66. Thomas Paine, Rights of Man, Common Sense and Other Political Writings, p. 34.
67. Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, The Federalist Papers, n. 70, p. 200.
68. “Muitas vezes torna-se impossível, em meio a acusações mútuas, determinar de quem é a culpa por
uma medida perniciosa. A responsabilidade é deslocada de uma pessoa para outra com tanta destreza, e
sob aparências tão plausíveis, que a opinião pública é deixada em suspense quanto ao verdadeiro autor da
medida” (Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, The Federalist Papers, n. 70, p. 202).
69. Max Farrand, The Records of the Federal Convention of 1787, v. 2, 20 jul. 1787.

70. Cass Sunstein, Impeachment: A Citizen’s Guide, p. 42.

71. Alexander Keyssar, The Right to Vote, v. .

72. Unites States of America, Constitution of the United States, art. , sec. 1.

73. Bruce Ackerman, The Failure of the Founding Fathers, p. 24. Vale lembrar que não havia, à época,
partidos nacionais, canais para comunicação política em massa ou primárias partidárias para escolha de
candidatos pelo voto direto dos filiados.

74. Max Farrand, The Records of the Federal Convention of 1787, v. 2, 24 jul. 1787.

75. Ibid., v. 1, 1o jun. 1787.

76. Ibid., v. 2, 8 set. 1787.


77. Jack N. Rakove, “Statement on the Background and History of Impeachment”, p. 690. “Nas colônias,
o impeachment era um mecanismo pelo qual instituições representativas podiam dar início a um
processo para afastar oficiais executivos e judiciais por más condutas intoleráveis” (Cass Sunstein,
Impeachment: A Citizen’s Guide, p. 38).
78. Peter C. Hoffer e Natalie E. H. Hull, “Power and Precedent in the Creation of an American
Impeachment Tradition: The Eighteenth-Century Colonial Record”, p. 52.
79. Max Farrand, The Records of the Federal Convention of 1787, v. 1, 18 jun. 1787.
80. Cf. ibid., v. 1, 2 jun. 1787. Cass Sunstein ironiza essa sugestão como absurda: “Sherman tinha quinze
filhos. Talvez ele estivesse cansado”. Vale notar, porém, que essa “doutrina Sherman” permanece viva na
imaginação de muitos sobre o impeachment. Ela é sugerida quando se diz que o julgamento de um
crime de responsabilidade é “político”, e que isso daria ao Legislativo o poder de defini-lo como bem
quisesse (Impeachment: A Citizen’s Guide, p. 42).
81. Max Farrand, The Records of the Federal Convention of 1787, v. 2, 20 jul. 1787.

82. Ibid., v. 2, 8 set. 1787.


83. Raoul Berger, Impeachment: The Constitutional Problems, pp. 70-1.

84. “O Senado terá poder exclusivo de julgar todos os impeachments. Quando se reunirem para esse fim,
[os senadores] estarão sob juramento ou afirmação” (Unites States of America, Constitution of the United
States, art. , sec. ). Também para isso havia antecedentes em algumas das antigas colônias: em Nova
York, a Constituição do estado mandava que julgamentos de impeachments, de competência da
Assembleia estadual, fossem conduzidos de forma “imparcial” e “de acordo com as provas” (cf. United
States of America (New York), The Constitution of New York, 20 abr. 1777, art. . Disponível em:
<https://avalon.law.yale.edu/18th_century/ny01.asp>. Acesso em: 27 jun. 2020).

85. Unites States of America, Constitution of the United States, art. ., sec. .

86. Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, The Federalist Papers, n. 65, pp. 177-8.
87. Ibid., n. 65, p. 180.

88. Pierce Butler, representante da Carolina do Sul na Convenção da Filadélfia, em uma carta de 1788,
explicava que presidente, Câmara dos Deputados e Senado estavam para os Estados Unidos como rei,
Câmara dos Comuns e Câmara dos Lordes para os ingleses. A explicação foi dada para Weedon Butler,
um inglês que dirigia a escola onde estudava o filho de Pierce. Cf. Max Farrand, “Pierce Butler to
Weedon Butler”, The Records of the Federal Convention of 1787, v. 3. No mesmo sentido, diz Alexander
Hamilton, no ensaio n. 65 de O Federalista: “Foi o modelo do qual a ideia dessa instituição foi emprestado
que apontou esse rumo à convenção. Na Grã-Bretanha, é competência da Câmara dos Comuns levar a
cabo o impeachment, e da Câmara dos Lordes decidi-lo” (p. 178).
89. Segundo o historiador de política medieval Antonio Marongiu, “essas assembleias agiam como
conselhos de governo, cortes de justiça, corpos administrativos e financeiros e até mesmo órgãos de
justiça administrativa: pois essa visão alargada da Corte real exercia controle sobre atividades de oficiais e
agentes públicos” (Antonio Marongiu, Medieval Parliaments, p. 29).

90. Apenas em 1912 a eleição para o Senado tornou-se direta, por meio da 17a emenda constitucional.
91. Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, The Federalist Papers, n. 65, p. 180.

92. Frank Bowman , High Crimes and Misdemeanors: A History of Impeachment for the Age of Trump, p. 26.

93. Michael Gerhardt, The Federal Impeachment Process, pp. 7-8.

94. Unites States of America, First Virginia Constitution, 29 jun. 1776 (disponível em:
<https://www.law.gmu.edu/assets/files/academics/founders/VA-Constitution.pdf>); John R.
Labovitz, Presidential Impeachment, p. 7.

95. Era o caso da Constituição de Nova York, de 1777, cujo artigo  estabelecia que a condenação
em um impeachment não fosse além da perda do cargo e da inabilitação para o exercício de futuras
funções públicas (cf. Unites States of America (New York), The Constitution of New York, 20 abr. 1777, art.
. Disponível em: <https://avalon.law.yale.edu/18th_century/ny01.asp>. Acesso em: 27 jun.
2020).

96. Cf. Max Farrand, The Records of the Federal Convention of 1787, v. 3: “Appendix F: The Hamilton Plan”,
art. , § 13.

97. Max Farrand, The Records of the Federal Convention of 1787, v. 2, 14 set. 1787.

98. “Essa suspensão intermediária o colocará no poder de apenas um dos ramos do governo. Eles
poderão, a qualquer momento, para dar lugar a outro que será mais favorável aos seus pontos de vista,
votar uma destituição temporária do presidente” (cf. Max Farrand, The Records of the Federal Convention of
1787, v. 2, 14 set. 1787).
99. No segundo impeachment de Trump, o processo chegou ao Senado apenas após ele ter deixado o
cargo pelo final de seu mandato.

100. William Blount, acusado de conspirar contra o governo dos Estados Unidos para permitir a invasão
estrangeira no antigo território da Louisiana (cf. Laurence Tribe e Joshua Matz, To End a Presidency, p.
11).
101. O mais conhecido caso de impeachment contra um juiz foi o de John Pickering, em 1803 (cf. Lynn
W. Turner, “The Impeachment of John Pickering”). Pickering, que se tornou incapaz para a magistratura
pelo agravamento do alcoolismo, foi a primeira vítima da ira jeffersoniana contra juízes nomeados no
apagar das luzes do mandato presidencial anterior. A bibliografia sobre o seu caso é rica para o estudo do
impeachment por incapacidade mental nos Estados Unidos, sobretudo antes da 25a emenda
constitucional. Para uma leitura sobre a animosidade de Thomas Jefferson contra juízes federais, cf.
Lawrence W. Dixon, “The Attitude of Thomas Jefferson Toward the Judiciary”; e William H. Rehnquist,
Grand Inquests, pp. 50-1.
102. William H. Rehnquist, Grand Inquests, pp. 58-113.
103. Lincoln escolheu Andrew Johnson como vice não apenas para acenar com um projeto de união
entre nortistas e sulistas, mas também para recompensar a lealdade que ele demonstrara como senador:
foi o único sulista a ficar do lado da União quando os estados do Sul tentaram dissolver a federação, o
que levou à Guerra Civil de 1865.

104. Apud Gary L. Donhardt, In the Shadow of the Great Rebellion, p. 62.
105. William H. Rehnquist, Grand Inquests, p. 199.

106. Hans L. Trefousse, Impeachment of a President, p. 4.


107. Laurence Tribe e Joshua Matz, To End a Presidency, p. 54.

108. Michael Les Benedict, The Impeachment and Trial of Andrew Johnson, pp. 3-5.
109. C-Span, “Presidential Historians Survey”. A pesquisa é citada por Cass Sunstein, Impeachment: A
Citizen’s Guide, p. 81.
110. Garry W. Gallagher et al., The American Civil War: The Mighty Scourge of War, p. 223.
111. Joseph T. Glatthaar, The American Civil War: The War in the West, 1863-1865, p. 90.

112. Hans L. Trefousse, Impeachment of a President, p. 3.


113. Ibid., p. 133.

114. Congress of the United States, Annals of 39th Congress, sec. ., cap. 154, p. 431, 1867 (Disponível em:
<https://www.senate.gov/artandhistory/history/resources/pdf/Johnson_TenureofOfficeAct.pdf>).
Paulo Brossard traduz misdemeanors como “faltas” (ref.). Optei por “delitos” porque esse vocábulo faz
alusão à natureza criminal do ilícito. Importante lembrar que, na tradição brasileira, não houve
diferenciação entre “crimes” e “delitos”, ambos sendo sinônimos de “ilícitos criminais”, conforme
estabelecia o art. 1o do Código Criminal do Império (1830). Na tradição europeia, porém, “crimes” e
“delitos” eram diferentes. No código francês de 1810, “crimes” eram os ilícitos punidos com penas
“aflitivas ou infamantes”, enquanto delitos eram punidos com penas “correcionais” (art. 1o). Em inglês,
no mesmo sentido, misdemeanor designa, na compreensão jurídica do século , “um crime menor”
(William Blackstone, Commentaries on the Laws of England, p. 768), razão pela qual entendo que “delito” é
preferível a “falta”, já que esta última não tem substância essencialmente criminal.
115. Cass Sunstein, Impeachment: A Citizen’s Guide, p. 105.

116. Michael Les Benedict, The Impeachment and Trial of Andrew Johnson, p. 112.
117. John R. Labovitz, Presidential Impeachment, pp. 62-9.

118. Supreme Court of the United States. Myers vs. United States, 272 U.S. 52, 1926. Cass Sunstein
(Impeachment: A Citizen’s Guide, p. 106) aponta esse caso como prova de que a acusação contra Johson foi
uma vendeta política abusiva, sem fundamento constitucional aceitável.
119. Laurence Tribe e Joshua Matz, To End a Presidency, p. 55.

120. No mesmo sentido, John Labovitz argumenta que a acusação democrata iludiu-se em prender-se ao
Tenure of Office Act, seduzida pelo canto da sereia do “alto delito” preconizado no texto da lei. A pouca
ambição acusatória acabou servindo à defesa de Johnson, pois retirou do julgamento todo o debate sobre
a extensão do mal que sua presidência, infiel às leis e ao Congresso, causava a um país dilacerado pela
guerra e carente de uma liderança unificadora para seu processo de reconstrução (cf. John R. Labovitz,
Presidential Impeachment, p. 89.)
121. United States of America, Constitution of the United States, art. , sec. 3.

122. A imagem do mosaico para se referir à conduta da Johnson é de Laurence Tribe e Joshua Matz, To
End a Presidency, p. 56. Opinião semelhante, sobre a má estratégia acusatória, está no estudo seminal
sobre o impeachment de Andrew Johnson feito por Michael Les Benedict, The Impeachment and Trial of
Andrew Johnson, p. 36. No mesmo sentido, cf. ainda John R. Labovitz, Presidential Impeachment, pp. 88-9.
123. Laurence Tribe e Joshua Matz, To End a Presidency, pp. 54-6.

124. O escolhido foi John Schofield, da Virgínia, um conservador fiel ao plano aprovado pelo Congresso.
125. Michael Les Benedict, The Impeachment and Trial of Andrew Johnson, pp. 137-8.

2. “Façam justiça e salvem a República!”

1. Constituição Política do Império do Brasil, 1824, art. 99.


2. Constituição Política do Império do Brasil, 1824, arts. 102, 133-5 e 143.
3. Constituição Política do Império do Brasil, 1824, art. 133: “Art. 133. Os ministros de Estado serão
responsáveis: . Por traição; . Por peita, suborno, ou concussão; . Por abuso do poder; . Pela falta
de observância da lei; . Pelo que obrarem contra a liberdade, segurança, ou propriedade dos cidadãos;
. Por qualquer dissipação dos bens públicos”. Em comparação, diz a Constituição política da
monarquia portuguesa, de 1822, em seu art. 159: “Os secretários de Estado serão responsáveis às Cortes:
. Pela falta de observância das leis; . Pelo abuso do poder que lhes foi confiado; . Pelo que obrarem
contra a liberdade, segurança, ou propriedade dos cidadãos; . Por qualquer dissipação ou mau uso dos
bens públicos”.
4. Julio Cesar de Oliveira Vellozo, Constituição e responsabilidade no Império do Brasil.

5. José Antonio Pimenta Bueno, Direito público brazileiro e analyse da Constituição do Império, p. 116.
Pimenta Bueno também empregava o termo para designar condutas ilegais de magistrados (pp. 40ss).
Magistrados, embora integrassem, nos termos da Constituição de 1824, um poder independente, eram
não apenas profundamente imiscuídos nas questões políticas do reino por seus vínculos familiares e
sociais (cf. José Murilo de Carvalho, A construção da ordem: A elite política imperial, pp. 93ss), mas também
acumulavam funções na esfera local que iam muito além daquilo que hoje se atribui ao Poder Judiciário
(cf. Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto, pp. 213ss.), a despeito das especificidades de formação
de juízes e de suas carreiras dentro do aparato estatal do Império (cf. José Reinaldo de Lima Lopes, “O
Supremo Tribunal de Justiça no apogeu do Império”, pp. 63ss.)

6. Essa linha autonomista foi proposta pelos deputados Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque ()
e Lino Coutinho (), em detrimento da proposta de uma só lei que abrangesse todos os agentes
públicos, defendida por Nicolau de Campos Pereira Vergueiro () e Bernardo Pereira de Vasconcelos
(). Cf. Congresso Nacional, Anais da Câmara dos Deputados, 20 jun. 1826, p. 216.

7. Congresso Nacional, Anais da Câmara dos Deputados, 20 jun. 1826, p. 216.


8. A lei de 15 de outubro de 1827 criminalizava a “peita”, o “suborno” e a “concussão”, que eram
institutos jurídicos bem definidos no direito criminal da época, como também “abusos de poder”, “falta
de observância da lei”, ou ainda atentados indefinidos “contra a forma estabelecida de governo” ou “os
poderes estabelecidos”.
9. Em seu art. 38, a Constituição de 1824 estabelecia como privativo o poder da Câmara para “decretar
que tem lugar a acusação dos ministros de Estado, e conselheiros de Estado”; e no art. 47, a competência
do Senado para “conhecer a responsabilidade” dessas autoridades. Além das acusações decretadas pela
Câmara, ao Senado cabia também julgar outras autoridades em crimes comuns (isto é, que não fossem
crimes de responsabilidade), entre os quais os mesmos ministros de Estado, além de membros da família
imperial, e deputados e senadores durante a legislatura. À diferença dos crimes de responsabilidade,
porém, a acusação, nesses últimos casos, ficava a cargo do procurador da Coroa, e não da Câmara.

10. Lei de 15 de outubro de 1827, art. 8o.

11. Constituição Política do Império do Brasil, 1824, art. 179, : “Todo cidadão poderá apresentar por
escrito ao Poder Legislativo, e ao Executivo, reclamações, queixas, ou petições, e até expôr qualquer
infracção da Constituição, requerendo, perante a competente autoridade a efetiva responsabilidade dos
infractores”. Embora o dispositivo não contemplasse explicitamente as denúncias por crimes de
responsabilidade contra ministros e conselheiros, era bem aceito o entendimento de que o direito de
petição abrangia essas situações. Para um exemplo da tentativa de aplicação do instituto dos crimes de
responsabilidade a uma alta autoridade imperial, ver a denúncia formulada contra o tenente-general
Joaquim de Oliveira Álvares e o ministro da Justiça, Teixeira de Gouveia, ainda durante o Primeiro
Reinado. Os fatos que a motivaram e o desenrolar na Câmara dos Deputados são descritos com bons
detalhes na biografia que Otávio Tarquínio de Sousa escreveu sobre o deputado Bernardo Pereira de
Vasconcelos (História dos fundadores do Império do Brasil, v. , pp. 96ss.). O caso do ministro da Guerra é
apresentado em riquíssimo detalhe na tese de doutorado de Luís Henrique Junqueira de Almeida
Rechdan, Constituição e responsabilidade: A articulação de mecanismos para controlar os atos ministeriais pela
Assembleia Geral Legislativa do Império do Brasil (1826-1829), pp. 328ss. Para a discussão do relatório da
comissão de constituição sobre a denúncia contra Joaquim de Oliveira Álvares, cf. Congresso Nacional,
Anais da Câmara dos Deputados, 10 jun. 1829, pp. 66-72.
12. Constituição da Federal da República dos Estados Unidos do Brasil, 1891, art. 54.
13. Congresso Nacional, Anais da Câmara dos Deputados, 2 out. 1891, p. 36.
14. Cf., por exemplo, Galdino Siqueira, O impeachment no regime constitucional brasileiro; e Lauro
Nogueira, O impeachment, especialmente no direito brasileiro. Para minha visão sobre a natureza jurídica dos
crimes de responsabilidade, cf. Rafael Mafei Rabelo Queiroz, “A natureza jurídica dos crimes de
responsabilidade presidencial no direito brasileiro: Lições a partir do impeachment de Dilma Rousseff”.
15. Paulo Brossard, O impeachment, pp. 65ss.

16. Congresso Nacional, Anais da Câmara dos Deputados, 2 out. 1891, pp. 33-5.
17. Congresso Nacional, Anais da Câmara dos Deputados, 2 out. 1891, p. 33.

18. Congresso Nacional, Anais da Câmara dos Deputados, 2 out. 1891, p. 35.
19. Para as posições de Epitácio Pessoa e Felisbelo Freire, cf. Congresso Nacional, Anais da Câmara dos
Deputados, 2 out. 1891, pp. 35-6.
20. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1891, art. 53.
21. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 545.

22. José Murilo de Carvalho, Forças Armadas e política no Brasil, p. 160.


23. Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, Brasil: Uma biografia, pp. 320-1.

24. José Murilho de Carvalho, Forças Armadas e política no Brasil, pp. 25-6.

25. Edgard Carone, A República Velha, p. 28; -, “Encilhamento”.

26. -, “Deodoro da Fonseca”.

27. Edgard Carone, A República Velha, pp. 60-1.

28. Para o manifesto de Deodoro da Fonseca e a minuta do decreto, cf. O Paiz, “Congresso Nacional”, p.
1.
29. Edgard Carone, A República Velha, p. 63.
30. Edgard Carone, A República Velha, pp. 64-8.

31. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1891, art. 29, parte final.
32. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1891, art. 52.
33. Antonio Herculano Lopes, “Do monarquismo ao ‘populismo’: O Jornal do Brasil na virada para o
século ”.

34. Jornal do Brasil, “A república presidencial”, p. 1.

35. Novidades, “República presidencial”, p. 1.


36. João Barbalho Uchoa Cavalcanti, Constituição Federal Brasileira [1891], p. 286.

37. Congresso Nacional, Anais da Câmara dos Deputados, 23 maio 1893, p. 128.
38. A Constituição de 1891, em seu artigo 42, previa a obrigatoriedade de novas eleições caso a
presidência se tornasse vaga antes de decorridos dois anos do mandato. Após o regime provisório
principiado em 1889, Deodoro da Fonseca iniciou seu mandato constitucional propriamente apenas em
fevereiro de 1891. Como sua renúncia ocorreu em novembro do mesmo ano, haveria obrigação de
Floriano, seu sucessor, convocar eleições, o que ele nunca fez. Cf. Paulo Bonavides e Paes de Andrade,
História constitucional do Brasil, p. 254.
39. José Murilo de Carvalho, Forças Armadas e política no Brasil, p. 45.
40. Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, Brasil: Uma biografia, pp. 320-1.

41. Boris Fausto, História do Brasil, p. 252.

42. A maior parte dos textos de Rui Barbosa sobre Floriano Peixoto está no tomo  do volume  de
suas Obras completas, sugestivamente intitulado “A ditadura de 1893”.
43. Boris Fausto, História do Brasil, p. 254.
44. Marina Ribeiro da Silva, “A primeira recusa de nomeação para o Supremo Tribunal Federal pelo
Senado: O dr. Barata Ribeiro”, pp. 3668-9.

45. Antonio Gasparetto Junior, Recursos extremos da administração estatal, p. 31. A lei inglesa chamava-se
Riot Act.
46. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1891, art. 80 e §§.

47. Leda Maria Cardoso Naud, “Estado de Sítio”, p. 139. Como mostra a tese de Priscila Pivatto, as
discussões sobre suas limitações e competências para o estado de sítio foram um dos importantes
debates constitucionais da Primeira República (cf. Priscila Maddalozzo Pivatto, Ideias impressas, pp.
207ss.)
48. Congresso Nacional, Anais da Câmara dos Deputados, 23 maio 1893, pp. 141ss.
49. A lei que regia a carreira de lentes do ensino superior à época limitava a demissão aos casos de crime
comprovado (Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1891, art. 74: “As patentes, os
postos e os cargos inamovíveis são garantidos em toda a sua plenitude”).

50. Congresso Nacional, Anais da Câmara dos Deputados, 23 maio 1893, p. 142.
51. João Barbalho Uchoa Cavalcanti, Constituição Federal Brasileira [1891], p. 164. O grande debate sobre
limitação ao estado de sítio na Primeira República referia-se à possibilidade de afastamento, ou não, das
imunidades de deputados e senadores. Seu momento seminal foram os habeas corpus impetrados por
Rui Barbosa em favor de parlamentares presos por ordem de Floriano Peixoto, em 1892, novamente sob
estado de sítio (ibid., pp. 165-6; Priscila Maddalozzo Pivatto, Ideias impressas, pp. 235ss; para a atuação de
Rui Barbosa, ver suas Obras completas, v. , t. ).

52. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1891, art. 87, §3o: “Fica abolido o
recrutamento militar forçado”.
53. Congresso Nacional, Anais da Câmara dos Deputados, 5 jun. 1893, pp. 93-122. Para um relato do
parecer da comissão, cf. Gazeta de Notícias, “Denúncia”, 31 mai. 1893, p. 1.

54. Jornal do Brasil, “O vice-presidente denunciado”, p. 1.


55. Como vimos, essa posição não era unânime. João Barbalho, por exemplo, achava que a decisão da
Câmara dos Deputados era vinculada, não havendo margem para discricionariedade política (ver nota 36
deste capítulo).

56. Na sequência do arquivamento da denúncia contra Floriano Peixoto, o Jornal do Brasil, pela pena de
Rui Barbosa, criticou a comparação impertinente com o caso de Andrew Johnson (cf. Jornal do Brasil,
“Lincoln, Johnson e Jackson”, p. 1.)
57. Gazeta de Notícias, “Denúncia”, p. 1.

58. Fabio Luis Tavares, A oligarquia paulista e sua articulação com o governo de Floriano Peixoto durante a
Revolta da Armada (1893-1894), p. 134.
59. José Murilo de Carvalho, Forças Armadas e política no Brasil, p. 45; Hélio Silva, Floriano Peixoto: A
consolidação, pp. 121ss.
60. Emilia Viotti da Costa, O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania, pp. 27-33.

61. Lêda Boechat Rodrigues, História do Supremo Tribunal Federal, t. , pp. 145-6.

62. José Reinaldo de Lima Lopes, O direito na história: Lições introdutórias, pp. 350ss. Para uma lista de
habeas corpus interpostos contra as medidas sanitaristas, ver José Reinaldo de Lima Lopes, Rafael Mafei
Rabelo Queiroz e Thiago dos Santos Acca, Curso de história do direito, pp. 462ss. Alguns desses
julgamentos estão disponíveis no portal de internet do , na aba “Julgamentos históricos”.
63. “É vedado ao Judiciário intervir para o fim de diretamente as atenuar, revogar ou anular, mandando
na última hipótese, que a Assembleia Legislativa reconsidere e renove sua decisão contra o vencido, ou
mantenha certa e determinada pessoa no cargo de governador ou vice-governador”, decidiu o tribunal
em 1895 (apud José de Castro Nunes, Teoria e prática do Poder Judiciário, p. 272). A mesma decisão é citada
por Paulo Brossard, O impeachment, p. 155. No mesmo sentido, ver , acórdão 343, 22 jul. 1899.

64. Cf. Paulo Brossard, O impeachment, p. 156. Trata-se do habeas corpus 3018, de 1911. Na nota 423,
Paulo Brossard informa que a tese foi reafirmada pelo tribunal em 1937, no julgamento do habeas
corpus 26 544.
65. Confira-se a posição de Pedro Lessa na matéria do habeas corpus 2793; cf. Carlos Bastide Horbach,
Memória jurisprudencial: Ministro Pedro Lessa, p. 88.
66. José de Castro Nunes, Teoria e prática do Poder Judiciário, p. 271.

67. -, “Albuquerque, Caetano de”.

68. “ 4091”, disponível na Revista do Supremo Tribunal Federal, v. , out. 1922, pp. 11ss.

69. , acórdão 4116, 1916.

70. O Matto Grosso, “Telegramas”, pp. 1-4.


71. O principal contraponto à tese do relator veio do ministro Oliveira Ribeiro, “com grande excitação”,
segundo reportagem do jornal O Matto Grosso, alegando que o tribunal não podia tomar conhecimento
de nulidade em processos de impeachment (O Matto Grosso, “Telegramas”, pp. 1-4.)

72. Paulo Brossard, O impeachment, p. 157.

73. -, “Albuquerque, Caetano de”.

74. ,  21 564, rel. min. Carlos Velloso, j. 23 set. 1992.

75. ,  378, rel. acórdão min. Luís Roberto Barroso, j. 17 dez. 2015.

76. Para uma narrativa das acusações e investigações contra Ademar de Barros, cf. Luiza Cristina
Villaméa Cotta, Adhemar de Barros (1901-1969): A origem do Rouba mas faz.
77. Correio Paulistano, “A Lei do Impeachment”, p. 2.

78. O presidente Eurico Gaspar Dutra chegou a considerar a hipótese de uma intervenção federal para
sanar as contas do Estado (cf. O Jornal, “Intervenção federal em São Paulo”, 1o jun. 1948).
79. Uma amostra da disposição do senador Olavo de Oliveira em combater o “apressar da marcha” do
projeto da Lei do Impeachment, que ele próprio enxergava como um risco para governadores, está nos
debates parlamentares que se seguiram à apresentação do projeto de lei no 22 de 1948, da Comissão
Mista de Leis Complementares do Congresso (Congresso Nacional, Anais do Senado, v. , sessões de
junho de 1948, pp. 297ss).

80. O dispositivo estabelece que a procedência da acusação — isto é, a votação na Câmara dos
Deputados, para o caso de presidentes — só será decretada “pela maioria absoluta [isto é, o primeiro
número inteiro superior à metade do total de membros] da Câmara que a proferir”. Era o que dizia o
texto enviado pela Câmara ao Senado e devolvido pelo Senado à Câmara em 24 de maio de 1949. Porém,
nessa volta à Câmara, o artigo ganhou um parágrafo único que dizia que a maioria absoluta para a
condenação pelo Senado seria calculada “sobre o número de representantes que efetivamente estiverem
em atividade no exercício de suas funções”. Ao diminuir o número sobre o qual a fração seria calculada,
o novo texto consequentemente diminuía também o número de votos necessários à condenação. À
época, suspeitava-se que o autor da alteração clandestina do texto havia sido o deputado paulista Plínio
Barreto, da . Segundo a fórmula por ele proposta, o número de deputados estaduais necessários ao
impeachment de Ademar cairia de 38 para 33, sendo que a coalizão oposicionista - contava
com 36 membros.
81. O Jornal, “Aprovada a redação da ‘Lei do Impeachment’ apesar de considerada inconstitucional”;
Correio Paulistano, “Sancionada a lei de responsabilidades”, p. 3.

82. Diário de Notícias, “Notas parlamentares”. O deputado federal Luís de Toledo Piza Sobrinho, da 
de São Paulo: “Vamos fazer um processo contra o governador de São Paulo logo que a Lei do
Impeachment seja aprovada e sancionada” (cf. Diário de Pernambuco, “Dividido em três alas o  em
São Paulo”).
83. Edmundo Barreto Pinto, petebista do Distrito Federal que foi autor de quase todas as 21 propostas de
emenda na comissão, e que havia se deixado fotografar de paletó de smoking e ceroulas pela revista O
Cruzeiro, em 1946, e acabou cassado por quebra de decoro parlamentar. Segundo Élio Gaspari, o
deputado dizia ter sido enganado pelos fotógrafos, que lhe haviam prometido não publicar a foto de
corpo inteiro. Na data de sua cassação, os autos do processo legislativo da Lei do Impeachment estavam
com ele em casa, e Pinto nunca se importou em voltar à Câmara para devolvê-los. A  teve de
restaurar toda a documentação a partir de cópias, e só então a matéria pôde ser debatida e aprovada pela
Comissão. Cf. pronunciamento de Agamenon Magalhães nos autos de tramitação legislativa da lei no
1079/1950 e Elio Gaspari, “A filantropia de Ibaneis Rocha”.

84. O ofício do deputado Caiado de Godói está disponível na documentação de tramitação legislativa da
lei no 1079/1950 (cf. Câmara dos Deputados, projeto no 1384-, 1949).

85. Douglas Apratto Tenório, A tragédia do populismo: O impeachment de Muniz Falcão, p. 80. A regra que
impõe maioria de dois terços mesmo para o tribunal misto está no art. 78, §2o da lei no 1079/1950.
86. Douglas Apratto Tenório, A tragédia do populismo: O impeachment de Muniz Falcão, pp. 52-3; Jornal do
Brasil, “Metralha e morte adiam ‘impeachment’ em Alagoas”.
87. Para a competência da Câmara dos Deputados, cf. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, 1946,
art. 59, ; lei no 1079/1950, arts. 19-23; para a competência do Senado Federal, cf., respectivamente, art.
62,  e arts. 24-34.

88. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, art. 51: “Compete privativamente à Câmara
dos Deputados: . autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o
presidente e o vice-presidente da República e os ministros de Estado”.

89. Em comparação à lei de 1892, os crimes contra a existência política da União da lei no 1079/1950 são
descritos de modo mais sucinto e mais abrangente, pois ela (art. 5o, no 5) emprega uma cláusula
genérica para proibir auxílio “por qualquer modo” a nação estrangeira no contexto de guerras ou
hostilidades ao Brasil. As condutas que a lei anterior definia como crimes contra a Constituição e a forma
do governo federal foram absorvidas, na lei no 1079, pelos crimes contra a segurança interna do país, que
compreendem qualquer forma de tentativa de subversão, “por violência”, da federação ou das
constituições estaduais (art. 8o, no 2).
90. Congresso Nacional, Anais da Câmara dos Deputados, 20 jun. 1826, p. 216.

91. Segundo a lei no 1079/1950, art. 36, senadores não podem participar do julgamento se tiverem
parentesco próximo ao acusado, ou se tiverem atuado como testemunha em fase anterior do processo.
Vale observar como esse impedimento não existe para outras atuações do ofício parlamentar: um agente
político é livre para fazer campanha pedindo voto para familiares e amigos, e pode até indicar um filho
para uma embaixada; do mesmo modo, deputados e senadores não precisam se declarar impedidos para
votar projetos de lei apresentados por esposas e maridos, filhos e filhas, irmãos ou irmãs.

92. ,  4928, rel. min. Vilas Boas, j. 20 nov. 1957. Esse entendimento foi referendado sob a
Constituição de 1988 no  21 623, rel. min. Carlos Velloso, j. 17 dez. 1992.

93. Claudia Paiva Carvalho, Presidencialismo e democracia no Brasil (1946-1956), pp. 109-10. Dentre os
objetos das s contra Vargas estavam financiamentos concedidos pelo Banco do Brasil, as relações do
presidente com Samuel Wainer e o jornal Última Hora, que apoiavam as medidas de sua administração, e
ainda a criação do chamado “Bloco ”, O deputado Olavo Bilac Pinto, que chegaria a ministro do 
na década de 1970, lutou pela instauração de uma  para investigar as relações entre Vargas e Perón e
seus interesses pessoais na criação da aliança. Cf. João de Lira Neto, Getúlio, v. 3, p. 279. As investidas
jurídicas contra Getúlio eram frequentemente planejadas pela chamada “Banda de Música” da  (cf.
Maria Victoria Mesquita Benevides, A UDN e o udenismo, pp. 84ss.) e alimentadas por Carlos Lacerda (cf.
João de Lira Neto, Getúlio, v. 3, pp. 244-5).

94. Adelina Alves Novaes e Cruz et al., Impasse na democracia brasileira, 1951-1955: Coletânea de documentos,
p. 273.
95. Tribuna da Imprensa, “‘Impeachment’ contra Vargas, processo contra Aranha”.

96. Luís Barrucho, “Anticomunista e pró-ditadura, autor de impeachment de Vargas vive ‘esquecido’ e
recluso”.
97. Adelina Alves Novaes e Cruz et al., Impasse na democracia brasileira 1951/1955: Coletânea de documentos,
p. 273.
98. Congresso Nacional, Diário do Congresso Nacional, 6 maio 1954, pp. 2286-7. O documento foi
republicado com os anexos que o instruíram e o parecer da comissão especial em Congresso Nacional,
Diário do Congresso Nacional, 2 jun. 1954, pp. 1-120.
99. Tribuna da Imprensa, “‘Impeachment’ contra Vargas, processo contra Aranha”.

100. O , contribuiu com nove deputados; a, com seis; o , com quatro; e, com um
deputado cada, , , , , , , ,  e  (cf. Tribuna da Imprensa, “Comissão para
estudar o ‘impeachment’ de Vargas”).
101. “Antes da deliberação das instâncias competentes para julgar as contas do presidente, não é lícito a
quem quer que seja pretender que sobre elas se emita parecer, juízo ou sentença”, disse o relatório.
Vencidos, os deputados Herbert Levy, Mauricio Joppert, Bilac Pinto e João Dantas Júnior manifestaram-
se em sentido contrário, dizendo que a Câmara era livre para avaliar crimes de responsabilidade do
presidente mesmo sem manifestação do Tribunal de Contas (Diário do Congresso Nacional, sec. ,
suplemento n. 87, 2 jun. 1954, pp. 119-20).

102. João Lira Neto, Getulio, v. 3, pp. 283-4.


103. Thomas Skidmore, Brasil: De Getúlio a Castelo, p. 186.

104. Além da insistência do  na candidatura de Juscelino, as lideranças dos grupos que se opunham a
ele tinham grandes dificuldades a chegar em um consenso entre as muitas candidaturas possíveis, dentre
as quais havia o mineiro Milton Campos e o militar Juarez Távora, ambos da ; o prefeito de São
Paulo, Jânio Quadros, do ; Etelvino Lins, pessedista dissidente de Pernambuco; e Ademar de Barros,
do  paulista (Cf. -, “Café Filho”).

105. Thomas Skidmore, Brasil: De Getúlio a Castelo, p. 188.

106. Edgard Carone, A República liberal, p. 103.


107. -, “Café Filho”.

108. Edgard Carone, A República liberal, p. 105.


109. Thomas Skidmore, Brasil: De Getúlio a Castelo, p. 191.

110. Edgard Carone, A República liberal, p. 107.

111. No dia 9 de novembro, o líder do  na Câmara dos Deputados, José Maria Alkmin, visitou-o no
hospital e relatou tê-lo encontrado barbeado, penteado e bem-disposto na cama, reunido com Afonso
Arinos (cf. Edgard Carone, A República liberal, p. 109).

112. Thomas Skidmore, Brasil: De Getúlio a Castelo, p. 194.


113. Aníbal Pérez-Liñán, Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America, pp. 48ss
e 60.

114. Edgard Carone, A República liberal, p. 103.


115. Última Hora, “Reunida a Câmara para destituir Carlos Luz”, p. 4.

116. Congresso Nacional, Diário do Congresso Nacional, seção , 12 nov. 1955, p. 8373.

117. Congresso Nacional, Diário do Congresso Nacional, seção , 12 nov. 1955, p. 8373.

118. Congresso Nacional, Diário do Congresso Nacional, seção , 12 nov. 1955, p. 8372.

119. Congresso Nacional, Diário do Congresso Nacional, seção , 12 nov. 1955, p. 8373.

120. Congresso Nacional, Diário do Congresso Nacional, seção , 12 nov. 1955, p. 8374.

121. Congresso Nacional, Diário do Congresso Nacional, seção , 12 nov. 1955, pp. 8381-2. Como aponta
Skidmore (Brasil: De Getúlio a Castelo, p. 195), o voto sobre o “impedimento” de Luz “seguiu estritamente
a linha dos partidos”, o que enfatiza “o caráter partidário do conflito”.

122. Congresso Nacional, Diário do Congresso Nacional, seção , 12 nov. 1955, pp. 2795-6.

123. Fundação Banco do Brasil, Projeto Memória, “O 11 de novembro”.

124. O impedimento para o exercício do cargo importa em substituição (“substitui o presidente, em caso
de impedimento”), enquanto a vacância do cargo importa em sucessão (“sucede [o presidente], no [caso]
de vaga”). O impedimento é fenômeno temporário, enquanto a vacância é permanente (cf. José Afonso
da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 545).
125. Em inglês, o impeachment é a acusação, ao passo que “impedimento” refere-se ao efeito de essa
acusação ser julgada procedente pelo Senado — o presidente é “impedido” de seguir no cargo, é
“impedido” de ocupar outros cargos pelo prazo de oito anos. Como impeachment, em inglês, é a
acusação, é possível dizer que houve três presidentes dos Estados Unidos que sofreram impeachment:
Andrew Johnson (1868), Bill Clinton (1998) e Donald Trump, duas vezes (2019 e 2021), embora todos
tenham sido absolvidos no Senado.

126. “[T]endo cessado os motivos de impedimento que me levaram a afastar-me do exercício da


presidência da República, tenho a honra de comunicar a Vossa Excelência que nesta data, e a partir do
momento em que lhe faço esta comunicação, reassumo, para os devidos efeitos, o exercício daquelas
funções” (Congresso Nacional, Diário do Congresso Nacional, seção , 22 nov. 1955, p. 8575).

127. -, “Café Filho”.

128. Congresso Nacional, Diário do Congresso Nacional, seção , 22 nov. 1955, p. 8576.

129. Congresso Nacional, Diário do Congresso Nacional, seção , suplemento, 22 nov. 1955, pp. 9ss (Câmara
dos Deputados); e seção , suplemento, 22 nov. 1955, pp. 28ss. (Senado Federal).

130. Congresso Nacional, Diário do Congresso Nacional, seção , 22 nov. 1955, p. 8575.

131. Supremo Tribunal Federal, “Hahnemann Guimarães”.

132. Em 1964, quando presidia o , Ribeiro da Costa manifestou apoio ao golpe militar contra João
Goulart, mas pouco tempo depois protagonizou uma disputa pública virulenta com o general Artur da
Costa e Silva, então ministro da Guerra de Castelo Branco, em torno da autonomia do Poder Judiciário
em face do Executivo em um alegado contexto de “revolução”. Para um relato do confronto, cf. Rafael
Mafei Rabelo Queiroz, “Cinquenta anos de um conflito: O embate entre o ministro Ribeiro da Costa e o
general Costa e Silva sobre a reforma do  (1965)”, pp. 323-42.

133. Para uma crítica no mesmo sentido, cf. Paulo Brossard, O impeachment, p. 203.

134. Senado Federal, Anais do Senado, v. , sessões de jun. 1948, p. 288.

135. Rafael Mafei Rabelo Queiroz, “Impeachment e Lei de Crimes de Responsabilidade: O cavalo de
Troia parlamentarista”.

136. Diego Nunes e Murilo De Robbio, “Impeachment: Apontamentos para uma pesquisa histórico-
jurídica sobre a lei no 1079/1950”; Helder Felipe Oliveira Correia, A lei no 1079/50 e o impeachment no
direito brasileiro, pp. 74ss; Guilherme Lemos de Castro, O julgamento do presidente da República por crime de
responsabilidade, pp. 51-2.
137. Claudia Paiva Carvalho, Presidencialismo e democracia no Brasil (1946-1956), p. 115.

138. José Murilo de Carvalho, A construção da ordem: A elite política imperial e Teatro de sombras: A política
imperial, pp. 400ss.
139. José Antônio Cheibub descreve o voto de desconfiança, que permite ao Parlamento remover um
primeiro-ministro que perdeu apoio político como a “diferença crucial entre sistemas parlamentaristas e
presidencialistas”. Com isso, é possível retirar a causa de paralisia do governo quando ela decorra de
impasses políticos entre situação e oposição. “Nos sistemas presidenciais”, prossegue Cheibub, “a única
forma de lidar com a paralisia seria esperar pela próxima eleição”, ou então valer-se de atores que se
disponham a empregar “meios extraconstitucionais para ajudar a resolver o conflito” (Presidentialism,
Parliamentarism, and Democracy, p. 87). Cheibub rejeita o argumento usual — empregado no Brasil, entre
muitos outros, por Paulo Brossard — de que o regime presidencialista é essencialmente menos instável
do que o regime parlamentar: para ele, nos países onde houve ruptura democrática a quebra de regime
se explica menos pelo sistema de governo e mais pelas condições sob as quais esses regimes existiam (cf.
pp. 136ss).

140. Na acusação por abuso de poder, Trump recebeu um voto de um senador republicano (Mitt
Romney, de Utah) a favor da condenação. Cf. Peter Baker, “Impeachment Trial Updates: Senate Acquits
Trump, Ending Historic Trial”.
141. “Escudo legislativo” (legislative shield) é expressão empregada por Pérez-Liñán para salientar o papel
de veto que o Poder Legislativo tem no processo do impeachment. Cf. Aníbal Pérez-Liñán, Presidential
Impeachments and the New Political Instability in Latin America, pp. 132ss.
142. Ibid., p. 206.

3. “Não me deixem só, eu preciso de vocês!”

1. Fernando Collor de Mello, em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão transmitido


em 21 jun. 1992.

2. Para a Revolta da Chibata e sua importância no imaginário político brasileiro do século , cf. Silvia
Capanema P. de Almeida, “Do marinheiro João Cândido ao Almirante Negro: Conflitos memoriais na
construção do herói de uma revolta centenária”.
3. Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, Brasil: Uma biografia, pp. 328-37; Cláudio Batalha, O movimento
operário na Primeira República.
4. Rui Barbosa, “As ruínas da Constituição”, p. 80.
5. Paulo Brossard, O impeachment, pp. 191-204.

6. A leitura de impeachments como novos padrões de instabilidade política é de Aníbal Pérez-Liñán,


Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America.
7. Ceres Aires Cerqueira, Dívida externa brasileira, pp. 25ss.

8. Alejandro Kuajara Arandia, “O mercado de trabalho frente à crise dos anos 1980 e aos planos de
estabilização”, Indicadores Econômicos FEE, p. 148-9.
9. Miriam Leitão, Saga brasileira, pp. 89ss.

10. José Eduardo Faria, O direito na economia globalizada, pp. 111ss.


11. Datafolha, “Avaliação do governo Collor: 1992”.

12. Em suas palavras: “O propósito imediato de meu governo, senhores, a meta número um de meu
primeiro ano de gestão, não é conter a inflação: é liquidá-la”. Cf. Fernando Collor de Mello, discurso “O
projeto de reconstrução nacional”, 15 mar. 1990, p. 13. Biblioteca da Presidência da República.
13. Ibid., p. 11.

14. Brasilio Sallum Jr., O impeachment de Fernando Collor, p. 45.

15. Segundo Sallum Jr. e Casarões, o uso de s após a chegada da nova legislatura foi drasticamente
reduzido por Collor, inclusive como mecanismo para tentar melhorar sua relação com o novo Congresso
(“O impeachment do presidente Collor: A literatura e o processo”, p. 181).

16. O número é apresentado por Brasilio Sallum Jr. (O impeachment de Fernando Collor, p. 118). Ele destoa
do número apresentado por Guilherme Stolle Paixão e Casarões (A economia política do governo Collor, p.
79) e replicado por Sérgio Abranches (Presidencialismo de coalizão: Raízes e evolução do modelo político
brasileiro), que é bem menor: 89 em todo o governo, média de 2,9 mensal. Em pesquisa na Câmara dos
Deputados, os resultados falam a favor dos dados de Sallum Jr.: a primeira  de Collor, de 15 mar.
1990, foi a no 148, dispondo sobre a alienação de bens da União em Brasília; a última do mesmo ano foi a
 290 de 17 dez. 1990, totalizando 143  em um ano, o exato número apresentado por Sallum Jr.
17. Pedro Abramovay, Separação de poderes e medidas provisórias, pp. 68-9.

18. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 533.


19. Brasilio Sallum Jr., O impeachment de Fernando Collor, p. 95.

20. Ibid., p. 89.


21. Miriam Leitão, Saga brasileira, pp. 156-8.
22. Datafolha, “Avaliação do governo Collor: 1992”; Sérgio Abranches, Presidencialismo de coalizão: Raízes
e evolução do modelo político brasileiro, p. 98.
23. Miriam Leitão, Saga brasileira, p. 157.

24. Sérgio Abranches, Presidencialismo de coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro, p. 97.
25. Clovis Rossi, “De indignados e perplexos”.

26. Brasilio Sallum Jr., O impeachment de Fernando Collor, p. 96.


27. Ibid., pp. 96-7.
28. Trata-se da  223, cujo acórdão foi relatado pelo ministro Sepúlveda Pertence e julgada em 5 abr.
1990. Cf. Bruna Romano Pretzel, O interesse público no Supremo Tribunal Federal, p. 26.

29. Guilherme Stolle Paixão e Casarões, A economia política do governo Collor, p. 48.
30. Brasilio Sallum Jr., O impeachment de Fernando Collor, pp. 111-5.

31. Cf. pesquisa efetuada em 10 ago. 2020 no portal da Câmara dos Deputados (Pesquisa avançada de
legislação, medidas provisórias entre 1o fev. 1991 e 31 jan. 1992).
32. Luiz Carlos Bresser-Pereira, “O décimo primeiro plano de estabilização”, p. 132-6.

33. Brasilio Sallum Jr., O impeachment de Fernando Collor, pp. 121-2.


34. Isabel Dias de Aguiar, “Empresários são contra unificação”.

35. O Estado de S. Paulo, “Proposta da Fiesp é irreal, diz Zélia”.


36. Brasilio Sallum Jr., O impeachment de Fernando Collor, p. 125.

37. Francine de Lorenzo Andozia, Passaram a mão na minha poupança, p. 193.


38. Brasilio Sallum Jr., O impeachment de Fernando Collor, p. 122.

39. Os eleitos foram Ibsen Pinheiro (), para a Câmara, e Mauro Benevides (), para o Senado. Cf.
Brasilio Sallum Jr., O impeachment de Fernando Collor, p. 123.
40. Datafolha, “Avaliação do governo Collor: 1992”.

41. Nelson Jobim havia proposto dois  para limitar a reedição de s pelo Executivo, em março e
abril de 1990: o  216 e o  223.

42. Goffredo Telles Jr., José Afonso da Silva e Ives Gandra Martins faziam, nesse sentido, crítica a Collor,
sugerindo apoio à iniciativa de Nelson Jobim. Cf. O Estado de S. Paulo, “Juristas divergem sobre projeto de
Jobim”.

43. O Estado de S. Paulo, “Collor admite negociar uso de medida provisória”, .


44. Para Brasilio Sallum Jr., “a proposta de ‘entendimento’ era, obviamente, resultado do
enfraquecimento político do governo perante o Congresso” (O impeachment de Fernando Collor, p. 126).

45. Brasilio Sallum Jr., O impeachment de Fernando Collor, p. 128.

46. -, “Moreira, Marcilio Marques”.

47. Ary Ribeiro, “Congresso derruba  do funcionalismo”. Jarbas Passarinho, ministro da Justiça que
assumira a tarefa de negociar sua aprovação, pediu demissão em penitência, mas foi demovido por
Collor (cf. Brasilio Sallum Jr., O impeachment de Fernando Collor, p. 137).
48. Íntegra da nota disponível em O Estado de S. Paulo, “Os militares desejam um país feliz”.
49. Marta Salomon, “Maciel anuncia nova  sobre salários”.

50. Lei no 8222, de 5 set. 1991. O governo propunha indexação apenas do salário mínimo, ficando os
demais salários reajustáveis por livre negociação, mas os parlamentares aprovaram reajustes para salários
no valor de até três mínimos, além de terem fixado um valor para o salário mínimo que era maior do
que o defendido pela equipe econômica.
51. Folha de S.Paulo, “Projeto foi redigido prevendo os vetos”.

52. O Estado de S. Paulo, “Veto de Collor reduz salários e cria polêmica”.


53. Sueli Campo, “Salário com abono não deverá superar Cr$ 52 mil”.

54. O Estado de S. Paulo, “Governadores aceitam debater Emendão”; Brasilio Sallum Jr., O impeachment de
Fernando Collor, p. 144.
55. O Estado de S. Paulo, “Collor envia Emendão ao Congresso”.

56. Sérgio Abranches, Presidencialismo de coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro, p. 105.
57. Brasilio Sallum Jr., O impeachment de Fernando Collor, p. 143.

58. Sérgio Abranches, Presidencialismo de coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro, p. 105.
59. Datafolha, “Avaliação do governo Collor: 1992”.

60. Sérgio Abranches, Presidencialismo de coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro, p. 106.
61. Luiz Antônio Fleury Filho, “Presidencialismo democrático”.

62. José Sarney, “Entrevista” in Luiz Maklouf Carvalho, 1988: Segredos da Constituinte, p. 53. Mário Covas
de fato saiu candidato em 1989. Com 11,51% dos votos válidos, ficou em quarto lugar no primeiro
turno, atrás de Collor, Lula e Leonel Brizola (cf. Paulo Beraldo e Vinicius Passarelli, “Eleição presidencial
de 1989”). O relato de Sarney deve ser visto com cautela, pois fontes da imprensa da época informam
que também ele trabalhou contra o parlamentarismo, ou ao menos contra a possibilidade de que ele
fosse aplicado para seu mandato (cf. O Estado de S. Paulo, “Sarney não aceita um regime misto”, p. 4).
63. Por fim, Collor passou a rejeitar até a alternativa da mudança para o parlamentarismo nos próximos
governos. Orientado pelo líder do governo na casa, senador Marco Maciel, do , percebeu que a
simples aprovação do parlamentarismo em seu governo, ainda que valesse apenas para o próximo
presidente, já o deixaria completamente desautorizado (Gilberto Dimenstein, “Maciel levou governo a
combater emenda”, pp. 1-6).

64. O Estado de S. Paulo, “O destino do regime”, p. 3.


65. Folha de S.Paulo, “Presidente critica parlamentarismo-já”.

66. Ailton de Freitas, “Antecipação do plebiscito é derrotada no Senado”.


67. Sérgio Abranches, Presidencialismo de coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro, p. 109.
68. Para um exemplo, cf. Gilberto Dimenstein, “Quem tem medo do Itamar?”.

69. Nirlando Beirão, “Galeria”.

70. -, “Collor, Fernando”.

71. -, “Franco, Itamar”.

72. O qualificativo é empregado pelo ministro do  Carlos Velloso para se referir a Itamar Franco (cf.
Carlos Mario da Silva Velloso, “Depoimento ao ”, p. 87). Para o atrativo da imagem pública de
Itamar à campanha de Collor, cf. -, “Franco, Itamar”.

73. Rosa Costa e Eduardo Kattah, “Com Collor, uma relação conturbada; com , a mágoa”.

74. O Estado de S. Paulo, “Manifestantes tentam impedir leilão”.

75. O Estado de S. Paulo, “Itamar diz ser contra venda da Usiminas”.


76. Ibid.

77. Folha de S.Paulo, “Presidente critica parlamentarismo já”.


78. “Repercutindo as pressões que o governo vinha sofrendo por conta das seguidas denúncias de
corrupção, no dia 30 de março [de 1992], o Ministério apresentou ao presidente um pedido de renúncia
coletiva. Alguns nomes foram mantidos, mas Collor aproveitou a oportunidade para promover uma
reforma ministerial que ajudasse a recompor a imagem do governo. Para isso, convidou nomes que, a
seu ver, acrescentariam credibilidade moral à equipe, como Eliezer Batista, ex-presidente da Companhia
Vale do Rio Doce, que assumiu a Secretaria de Assuntos Estratégicos em substituição a Pedro Paulo
Leoni Ramos; e os cientistas políticos Hélio Jaguaribe e Celso Lafer, ligados ao , nomeados
respectivamente para a Secretaria de Ciência e Tecnologia e para a pasta das Relações Exteriores. Com
eles, integraram-se ao governo dois ex-ministros do regime militar, o banqueiro Ângelo Calmon de Sá,
indicado para a Secretaria de Desenvolvimento Regional, e o empresário Marcos Pratini de Morais, que
assumiu o Ministério de Minas e Energia” (-, “Collor, Fernando).

79. O Estado de S. Paulo, “Itamar reclama falta de consulta para mudanças”.

80. Gilberto Dimenstein, “Reforma ministerial favorece  e ”.

81. O Estado de S. Paulo, “Itamar volta a criticar novos ministros de Collor”.

82. O Estado de S. Paulo, “Irritado por não ter poder, Itamar decide deixar o ”.

83. Luis Costa Pinto, “Pedro Collor conta tudo”.


84. O Estado de S. Paulo, “Itamar não se solidariza com o presidente”.

85. Nirlando Beirão, “Galeria”.


86. -, “Collor, Fernando”.

87. O Estado de S. Paulo, “Requião pede renúncia imediata do presidente”.

88. -, “Franco, Itamar”.

89. José Murilo de Carvalho, Forças Armadas e política no Brasil, p. 166.

90. Foram consultados nomes como André Lara Resende e outros da Fundação Getulio Vargas () e
do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

91. Aníbal Pérez-Liñán, Presidential Impeachments and the New Political Instability in Latin America, p. 68.
92. Marcos Emílio Gomes, “Histórias de primeiras-damas”.

93. Michele Tupich Barbosa, Legião Brasileira de Assistência: O protagonismo feminino nas políticas de
assistência em tempos de guerra (1942-1946), p. 59.
94. Ibid., p. 19.

95. Ibid.

96. Decreto no 99 244 de 1990, art. 252.

97. Raymundo Costa, “Problemas na  atingem Rosane”.

98. Agentes políticos não podem utilizar, no marketing de políticas públicas, nomes, slogans ou cores
que façam alusão a si próprios ou a seus partidos, pois o art. 37 da Constituição exige que toda ação da
administração pública seja balizada, entre outros, pelo princípio da impessoalidade.

99. Além da compra de leite em pó superfaturado, outras denúncias atingiram a administração da ,
como o desvio de verbas pela falsa contratação de caminhões-pipa para abastecimento da população
atingida pela seca em Alagoas (Mario Sérgio Conti, Notícias do Planalto, p.474), ou a aquisição de
toneladas de alimentos que apodreceram antes de serem distribuídos (,  001 317/93-8, decisão no
310/93, rel. min. Fernando Gonçalves, j. 11 ago. 1993), entre outros.
100. As fontes constultadas trazem informações contraditórias sobre os processos enfrentados por
Rosane Collor e seu resultado. Não localizei, na Justiça Federal do , nem em tribunais superiores,
referência (nem por seu nome de casada, nem por seu nome de solteira, Rosane Brandão Malta) ao
processo criminal movido contra ela pelos alegados desvios na . A menção à sua absolvição nesse
processo criminal é feita por ela própria em uma entrevista ao jornal mineiro O Tempo: “Tive problemas,
mas, graças a Deus, fui inocentada” (O Tempo, “Rosane diz que ficou sem nada”). Em primeira instância,
Rosane foi condenada pela Justiça Federal a mais de onze anos de prisão, o que sugere que sua absolvição
se deu em grau de recurso (Sônia Filgueiras, “Justiça Federal condena Rosane Collor”). O caso teve
repercussões além da esfera penal: em 2001, o  também condenou a ex-primeira-dama ao
pagamento de uma multa (O Estado de S. Paulo, “Tribunal condena Rosane Collor a pagar R$ 1,8 mil”).

101. Abnor Gondim, “Rosane Collor depõe hoje em Brasília”.


102. Wilson Silveira, “Collor evita Rosane durante solenidade”.

103. O Estado de S. Paulo, “Rosane sai sem explicar denúncias”.


104. Folha de S.Paulo, “Crise conjugal abala imagem de Collor”.

105. Mario Sergio Conti, Notícias do Planalto, p. 282.

106. Mara Bergamaschi, “Irmão de ‘’ perde cargo no governo”.

107. Mario Sergio Conti, Notícias do Planalto, p. 282.


108. Ibid., pp. 527ss.

109. Veja, “‘O  é o testa de ferro do Fernando’”.

110. Folha de S.Paulo, “Fernando é sócio informal de , diz Pedro”.

111. O Globo, “Linha do tempo: Do escândalo ao afastamento da Presidência”.

112. O Estado de S. Paulo, “ vai apurar denúncias de Pedro Collor”.

113. Datafolha, “Avaliação do governo Collor: 1992”.

114. O Estado de S. Paulo, “Collor se desculpa na  pela crise familiar”.

115. “A psiquiatria aponta muitos casos em que um irmão se incomoda com a ascensão de outro. Existe
até quem mata uma pessoa só para sair numa manchete de jornal”, disse  (Folha de S.Paulo,
“Governadores defendem Collor contra o irmão”).
116. Ricardo Osman, “Brizola aconselhou pronunciamento”.

117. O Estado de S. Paulo, “Congresso decide apurar ‘Caso ’”.

118. Esse entendimento ficou claro apenas na presidência de Michel Temer (, inq. 4483, rel. min.
Edson Fachin, 19 maio 2017). A despeito da falta de clareza sobre a possibilidade de investigacão de um
presidente por crimes sem licença da Câmara dos Deputados, o procurador-geral da República, Aristides
Junqueira, esclareceu que a investigação poderia esbarrar em indícios de crimes, comuns ou de
responsabilidade, cometidos por Collor. Nessa hipótese, a investigação seria enviada à autoridade
competente, a depender dos delitos de que o presidente eventualmente fosse suspeito: o , no caso de
crimes comuns, ou o Congresso Nacional, no caso de crimes de responsabilidade (cf. O Globo, “Polícia
Federal não tem poder para instaurar um inquérito”.)
119. “O Congresso não pode fazer  para investigar o presidente. Se vocês fizerem isso, vou ao
Supremo”, disse Nelson Jobim na reunião de líderes que debateu o tema (cf. O Globo, “Congresso decide
criar uma  mista”).

120. Rui Nogueira, “ não pode apurar, diz ”.

121. Folha de S.Paulo, “Governadores defendem Collor contra o irmão” e “Líderes decidem amanhã se
instalam ”.

122. O Estado de S. Paulo, “Benevides descarta soluções casuísticas”.


123. Gilberto Dimenstein, “Quem tem medo do Itamar?”.

124. O Estado de S. Paulo, “ e Ulysses buscam saída para crise”; “Requião pede renúncia imediata do
presidente” e “Lula quer afastamento até fim da investigação”.
125. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , pp. 113-4. A paginação dos autos do processo de impeachment de Collor refere-se à
versão digitalizada () de cada um dos quatro volumes do documento.

126. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 118.

127. Até abril de 2021, quando este livro foi concluído, Turner respondia a processos criminais por
condutas praticadas em conjunto com Dario Messer, o chamado “doleiro dos doleiros” (cf. Fausto
Macedo, “Noronha mantém na prisão uruguaio amigo do ‘doleiro dos doleiros’”).

128. As revelações e declarações de deputados e senadores estão nos depoimentos de Cláudio Vieira e
Najun Turner na  (Cf. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente
da República (Diversos no 12, 1992), v. , passim). Confirmação da operação feita pelo próprio Najun
Turner está em seu depoimento como testemunha no processo de impeachment perante o Senado, em
novembro de 1992 (idem, v. II, pp. 1157ss.). Na ocasião, o depoente detalhou o fechamento do negócio
com Cláudio Vieira, a quem Turner fora apresentado por  Farias (idem, pp. 160-1). Relata-se também
que a mesma informação fora dada por ele à Polícia Federal, em depoimento prestado em 1o out. 1992.

, cf. Senado Federal, Autos do processo de


129. Para a análise do contrato no relatório final da
“impeachment” contra o presidente da República (Diversos no 12, 1992), v. , pp. 305ss.

130. Crimes de responsabilidade, como abuso inconstitucional dos poderes da função presidencial,
logicamente só podem ser cometidos por um presidente enquanto ele estiver no cargo. Da mesma
forma, o crime de corrupção passiva (do qual Collor era suspeito) exige nexo entre vantagens
ilegalmente recebidas por um agente público e atos próprios da função pública que sejam praticados,
retardados ou omitidos pelo agente em troca dessas vantagens ilegais. Por essa razão, deslocar a relação
ilícita entre Fernando Collor de Mello e  Farias para o momento da campanha, anterior ao mandato,
poderia ser juridicamente proveitoso para a defesa de Collor.

 in Senado Federal, Autos do


131. Cf. síntese do depoimento de Sandra Fernandes de Oliveira à
processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos no 12, 1992), v. , p. 333; e
Gutemberg de Souza, “Contrato pode ser sido feito em SP, diz Sandra”.

132. Lei no 1079/1950, art. 9o, no 7.

133. O Fiat Elba foi comprado para Collor, e em seu nome. O cheque administrativo no 2800 do Banco
Rural, no valor de Cr$ 2.580.967,02, foi trocado pelo próprio banco pelo cheque no 443.414, de valor
rigorosamente idêntico, emitido pelo “fantasma” José Carlos Bonfim, em 5 abr. 1991. O cheque foi
entregue à concessionária de automóveis pelo motorista Eriberto França, por ordem da secretária
pessoal de Collor, Ana Acioli. Cf. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o
presidente da República (Diversos no 12, 1992), v. , p. 294.

134. Os habeas corpus tentados, sem sucesso, pela defesa de Fernando Collor de Mello contra a 
foram:  69 608,  69 616,  69 647,  69 709,  69 674,  69 720 e  69 721.

135. A jurisprudência do  não é consistente nesse sentido, pois em casos relativos a crimes de
responsabilidade de governadores o tribunal alega que só a União pode legislar sobre crimes de
responsabilidade por tratar-se de matéria penal (cf. ,  2220, rel. min Cármen Lúcia, j. 16 nov.
2011). O entendimento levou à edição da súmula vinculante 46: “A definição dos crimes de
responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são de
competência legislativa privativa da União”.
136. O Globo, “Multidões vestem luto nas capitais”.

137. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 403.

138. O Globo, “ tenta fundamentar crime contra a honra”.

139. Por ocasião do impeachment de Dilma Rousseff, assim ele se manifestou: “Se [a comissão] não
dispunha de poderes para investigar o presidente da República, como poderia imputar-me crimes que
não cometi, que não se investigou, [que] não indicou, nem sequer tipificou?” (cf. Fernando Collor de
Mello, “Réplica para a história: Uma catarse”, p. 15).
140. Evandro Lins e Silva, O salão dos passos perdidos, p. 441.
141. Regina Barreiros, “Documento do impeachment pede urgência”.
142. Evandro Lins e Silva, O salão dos passos perdidos, p. 441.

143. Segundo a imprensa, essa escolha havia sido tomada aproximadamente duas semanas antes da
apresentação da denúncia (cf. O Estado de S. Paulo, “Ibsen vê aprovacão do impeachment”; sobre a
estratégia das assinaturas, cf. O Globo, “Pedido terá apenas duas assinaturas”).
144. Evandro Lins e Silva, O salão dos passos perdidos, p. 442.

145. Folha de S.Paulo, “Câmara recebe pedido de impeachment de Collor”.


146. Edna Dantas, “Ibsen afirma que votação vai ser ‘transparente’”.

147. Folha de S.Paulo, “ não vai defender nem atacar Collor”.

148. Raquel Ulhôa, “Borja diz que renúncia não é ato de covardia”.

149. Edna Dantas e Eumano Silva, “Ibsen dá prazo para Collor se defender”.

150. A orientação pacificava uma celeuma que ficara aberta por falta de maioria clara na decisão do 
20 941, de 1990, impetrado por adversários de José Sarney que queriam fazer andar uma acusação por
crime de responsabilidade contra ele. Na ocasião, alguns ministros que votaram com a maioria haviam se
manifestado pela não recepção da parte processual da lei no 1079/1950, enquanto outros, igualmente
vencedores, haviam opinado pela recepção da lei (cf. ,  20 941, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 9
fev. 1990).

151. Brasilio Sallum Jr., O impeachment de Fernando Collor, p. 350.


152. Ibid., p. 354.

153. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 459.

154. Fernando de Castro Fontainha et al. (Orgs.). História oral do Supremo, . 9, pp. 132-3.

155. É importante destacar que uma denúncia mais abrangente não se mostraria incompatível com o rito
do processo de impeachment apresentado pelo presidente do , ministro Sydney Sanches, quando ele
assumiu a presidência das sessões de julgamento do Senado. Segundo aquele roteiro, que no fim foi
seguido no caso, o escopo final da acusação seria definido apenas no libelo acusatório apresentado ao
Senado. No caso de Collor, isso foi feito pelos advogados Evandro Lins e Silva e Sérgio Sérvulo da
Cunha. Há que se considerar também que a lei no 1079/1950 não pressupõe que a denúncia inicial à
Câmara seja feita por advogados: essa acusação inicial pode ser feita por “qualquer cidadão” (art. 14), que
no mais das vezes não dispõe dos instrumentos de investigação e das fontes documentais suficientes para
provar cabalmente suas suspeitas. Na petição apresentada contra Collor à Câmara dos Deputados, por
exemplo, os denunciantes requereram cópias dos autos da , que obviamente continham provas que
se mostraram determinantes à condenação do presidente. A lei trabalha com a lógica de que a denúncia
apresentada à Câmara condiciona os limites do processo, mas o escopo da acusação vai se especificando
com o andamento dos trabalhos, à medida que a acusação escolhe priorizar alguma das acusações na
denúncia, enquanto outras acabam deixadas a segundo plano.

156. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 690.

157. Entre 30 de março e 4 de abril de 2016, foram ouvidos os autores da denúncia e, como “convidados”
da defesa, o economista Nelson Barbosa e o jurista Ricardo Lodi Ribeiro.

158. Constituição da República Federativa do Brasil 1988, art. 86, §1o, inc. .

159. Lei no 1079, art. 23, §5o: “São efeitos imediatos ao decreto da acusação do presidente da República,
ou de ministro de Estado, a suspensão do exercício das funções do acusado e da metade do subsídio ou
do vencimento, até sentença final”.

160. O Globo, “Collor está fora do poder”.


161. Folha de S.Paulo, “Impeachment!”.

162. Fernando de Castro Fontainha, Marco Aurélio Vannucchi Leme de Mattos e Leonardo Seiichi
Sasada Sato (Orgs.). História oral do Supremo, . 5., p. 121.

163. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 702.

164. Senado Federal, Resolução no 93, de 1970, arts. 380 e 381.


165. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 703.

166. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 714.

167. Para os debates, cf. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da
República (Diversos no 12, 1992), v. , pp. 714-20.

168. Segundo Evandro Lins e Silva, a atuação técnica do senador Mariz, fruto de sua experiência como
promotor de justiça, foi decisiva para dar substância às acusações contra Collor (cf. Evandro Lins e Silva,
O salão dos passos perdidos, p. 459).
169. Essa etapa proveio de uma adaptação da lei no 1079, pois equivaleu à aplicação de seu art. 45, que
prevê um parecer prévio sobre a regularidade formal da denúncia, antes de seu debate aprofundado na
comissão especial. Essa parte da lei refere-se aos processos contra ministros do , em que a acusação e
o julgamento são feitos no Senado (como a Constituição de 1988 determinou que ocorresse também em
relação ao presidente, e distanciando-se da lógica original da lei no 1079, segundo a qual a acusação era
feita na Câmara).

170. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , pp. 738-9.

171. Na mesma data, 1o de outubro de 1992, foram obtidas 55 assinaturas requerendo a tramitação do
parecer da comissão especial de impeachment em regime de urgência no Senado. Essa providência era
necessária para que ele fosse imediatamente apreciado, passando na frente de outras matérias em
tramitação na casa.

172. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 745.

173. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 766.

174. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 768.

175. Fernando Henrique Cardoso, então senador, contou que foi até a casa de Itamar Franco e o
encontrou deitado na cama, reclamando de estar se sentido um oportunista. “Itamar, isso agora não
depende mais da sua vontade, mas de uma obrigação constitucional. Você, uma pessoa tão correta, tão
legalista, não vai querer agora desrespeitar a Constituição”, teria retrucado  (cf. Jorge Bastos
Moreno, “Lições de um vice-presidente”).

176. Fernando de Castro Fontainha, Marco Aurélio Vannucchi Leme de Mattos e Leonardo Seiichi
Sasada Sato (Orgs.). História oral do Supremo, . 5., p. 119.

177. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , pp. 792-800. Para uma descrição detalhada do rito do impeachment, ver Anexo , que
engloba os dispositivos da Constituição, da lei no 1079/1950 e os julgamentos do  por ocasião dos
processos contra Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff.

178. Lei no 1079, art. 36: “Não pode interferir, em nenhuma fase do processo de responsabilidade do
presidente da República ou dos ministros de Estado, o deputado ou senador: a) que tiver parentesco
consangüíneo ou afim, com o acusado, em linha reta; em linha colateral, os irmãos cunhados, enquanto
durar o cunhado, e os primos co-irmãos; b) que, como testemunha do processo, tiver deposto de ciência
própria”.

179. ,  21 623, rel. min. Carlos Velloso, j. 17 dez. 1992.


180. Fernando de Castro Fontainha, Marco Aurélio Vannucchi Leme de Mattos e Leonardo Seiichi
Sasada Sato (Orgs.). História oral do Supremo, . 5., p. 120.

181. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 27.

182. Para uma discussão sobre a diferença entre crimes comuns e “crimes de responsabilidade” (high
crimes and misdemeanors) nos Estados Unidos, por exemplo, veja-se o relatório sobre fundamentos de
impeachment elaborado pela comissão especial da Câmara dos Deputados no caso de Richard Nixon (cf.
House of Representatives, Committee on the Judiciary, Constitutional Grounds for Presidential Impeachment.
Report by the Staff of the Impeachment Inquiry, fev. 1974).

183. ,  307, rel. min. Ilmar Galvão, j. 13 dez. 1994; e  465, rel. min. Cármen Lúcia, j. 24 abr.
2014.
184. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , pp.131-40.

185. Evandro Lins e Silva, O salão dos passos perdidos, p. 450-1.


186. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , pp. 730ss.

187. Evandro Lins e Silva, O salão dos passos perdidos, p. 448.


188. O Globo, “Confronto entre mestre e aluno”.

189. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 80.

190. O Estado de S. Paulo. “Collor denunciado por corrupção e quadrilha”.

191. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , pp. 350-484.

192. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 79.

193. Lei no 1079, art. 9o, no 7.


194. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 203.

195. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 275.
196. -, “Coelho, Inocêncio Mártires”.

197. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , pp. 532-3.

198. Paulo Brossard, O impeachment, p. 131.

199. Michael Gerhardt, The Federal Impeachment Process, pp. 23-4.


200. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 535.

201. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 538.

202. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 86.

203. ,  21 689, rel. min. Carlos Velloso, j. 16 dez. 1993. Em 1997, Fernando Collor de Mello tentou
reaver seus direitos políticos (Pet. 1365, rel. min. Néri da Silveira, j. 3 dez. 1997), mas o pedido não foi
reconhecido pelo tribunal por impedimentos processuais.
204. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 556.

205. Evandro Lins e Silva, O salão dos passos perdidos, p. 457.

206. ,  396-, rel. min Cármen Lúcia, j. 28 out. 2010.

207. Lei no 1079/1950, art. 15: “A denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por
qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo”.

208. Lei complementar no 64, art. 1o, , k. Para a interpretação de que o “oferecimento de petição”
equivale, no impeachment, à leitura da denúncia na Câmara dos Deputados, cf. Marcelo Campos
Galuppo, Impeachment: O que é, como se processa e por que se faz, p. 163.

4. Escândalos e escudos

1. Jornal do Brasil, “Itamar se nega a comentar escândalo”.


2. Folha de S.Paulo, “Unidos do Viradouro troca Lílian Ramos por homem”.

3. Aydano André Motta, “O fotógrafo e a vaporosa”.


4. José Nêumanne Pinto, “Política sem pudor”.

5. Folha de S.Paulo, “Unidos do Viradouro troca Lílian Ramos por homem”.


6. Para a repercussão internacional do fato, cf. O Estado de S. Paulo, “Carnaval de Itamar diverte o
mundo”.

7. O Estado de S. Paulo, “Presidente rejeita versão de escândalo”.


8. Aníbal Pérez-Líñan, Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America, pp. 87ss.

9. Orlando Machado Sobrinho, “Denúncia contra Itamar Franco à Câmara dos Deputados”. Arquivo
pessoal do autor.
10. Naoko Kada, “Impeachments as a Punishment for Corruption? The Cases of Brazil and Venezuela”.
Como será visto no capítulo seguinte, até mesmo o caso de Dilma Rousseff, que não foi formalmente
condenada por qualquer crime ligado a corrupção, confirma a força dessa determinante social. Grande
parte da opinião pública tinha Dilma como politicamente associada às práticas de corrupção do ,
expostas pela Lava Jato: se o  era inequivocamente corrupto, então Dilma era corrupta porque era do
. Mesmo após seu afastamento temporário pela aceitação da denúncia pelo Senado, grande parte da
população achava que ela estava afastada por corrupção, e não por ilícitos orçamentários.

11. Naoko Kada, “Comparative Presidential Impeachment: Conclusions”, p. 149.


12. Datafolha, “Avaliação do governo Itamar Franco: 1994”.

13. Fiquem Sabendo, “Os pedidos de impeachment contra presidentes brasileiros desde 1990”.
14. “A análise [da evidência disponível] sugere [que] é improvável que qualquer escândalo, isoladamente,
resulte em uma crise de opinião pública. Na maioria dos casos […], pessoas reiteradamente expostas pela
mídia ao longo do tempo têm sua reputação erodida, fazendo com que cada nova denúncia pareça mais
crível do que a anterior.” Os escândalos que derrubam presidentes costumam ocorrer apenas na
confluência de outros fatores, como crises de desemprego e reformas econômicas fracassadas ou
impopulares (cf. Aníbal Pérez-Líñan, Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin
America, p. 123).
15. Ibid., p. 64.

16. José Roberto de Toledo, “ venceu em 87% dos municípios”.

17. Folha de S.Paulo, “Brasil perde US$ 2,9 bi desde o anúncio da desvalorização”.

18. Valdo Cruz, Marta Salomon e Vivaldo De Sousa, “ anuncia ajuste só após o 2o turno”.

19. Datafolha, “Avaliação do governo : 15 dez. 2002”.

20. Pedro Canário, “Operação do Banco Central para resgatar banco Marka foi legal, decide -1”.
21. Implementado durante o primeiro mandato de , o Proer resgatou ao menos sete bancos: o
Nacional, com custo de R$ 5,9 bilhões; o Econômico, com custo R$ 5,2 bilhões; o Bamerindus, a R$ 3,3
bilhões; e com menos de R$ 1 bilhão cada, os bancos Mercantil (R$ 530 milhões), Banorte (R$ 476
milhões), Pontual (R$ 325 milhões) e Crefisul (R$ 296 milhões) (cf. Lilian Venturini, “O que foi o Proer,
caso dos anos 90 agora desarquivado pelo Supremo”).

22. Trata-se da  1179, à qual se somou a resolução Bacen no 2208, ambas de novembro de 1995 (cf.
Banco Central do Brasil, “Proer: Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do
Sistema Financeiro Nacional”).
23. IstoÉ Dinheiro, “O desabafo de Chico Lopes”.

24. O Estado de S. Paulo, “Planalto tenta abafar  do Sistema Financeiro”.

25. Na  dos Bancos, Francisco Lopes foi pivô de um episódio que ficou marcado na história da
disciplina jurídica das investigações parlamentares. No dia de seu depoimento, 16 de abril de 1999, a
comissão pediu-lhe que assinasse um termo com o compromisso de responder às perguntas e dizer a
verdade, como se ele fosse testemunha. A defesa de Lopes interveio e argumentou que ele estava ali não
na qualidade de testemunha, mas sim de investigado. De fato, não bastasse a , a essa altura já corria
na Justiça Federal do Rio de Janeiro uma investigação que apurava as condutas da diretoria do Banco
Central no resgate a bancos. Forçar Lopes a depor como testemunha era uma evidente manobra da 
para constrangê-lo a abandonar seu direito ao silêncio, ao qual ele só faria jus na qualidade de
investigado. Por não assinar o termo, Lopes saiu preso em flagrante da sala de sessões da comissão. Sua
defesa então recorreu ao , que corretamente fez valer seu direito constitucional ao silêncio, por meio
de uma liminar em  concedida pelo ministro Sepúlveda Pertence (,  79 244-8, rel. min
Sepúlveda Pertence, j. 26 abr. 1999).

26. O Estado de S. Paulo, “ apreende documentos na casa de Lopes”.

27. Chico Santos e Mônica Ciarelli, “Procurador diz ter nota de Cacciola a Lopes”.

28. Hugo Marques, “Renan avisa  que considera iniciativa da Procuradoria ilegal”. Renan Calheiros
defendia que membros do  não podiam ter atuado em diligências de investigação, e dizia-se
amparado pelo . Havia de fato uma decisão recente do tribunal afirmando que membros do 
não podiam tomar parte em investigações, e que autoridades poderiam se recusar a atender requisições
nesse sentido. Contudo, os efeitos da decisão não eram gerais, mas limitados ao caso concreto no qual
havia sido tomada (cf. ,  205 473, rel. min. Carlos Velloso, j. 15 dez. 1998). O  demorou para
amadurecer sua interpretação sobre este tema, e concluiu, ao final, que o  tem poderes de
investigação.
29. O Estado de S. Paulo, “ acusa justiça de ter sido arbitrária”.

30. Folha de S.Paulo, “Superintendente da  do Rio é afastado”. Dias antes das buscas na casa dos
banqueiros e ex-diretores do Banco Central,  e Renan já haviam concordado em trocar a diretoria-
geral da corporação, reclamando de atuação corporativista do antigo ocupante da função (O Estado de S.
Paulo, “ abre caminho para demissão de Chelotti”).
31. Carlos Heitor Cony, “Operação Abafa”.

32. Senado Federal, “Relatório Final. Comissão Parlamentar de Inquérito criada através do
Requerimento no 127, de 1999”. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/82020>.
Acesso em: 23 jul. 2020.

33. -2, autos nos 1999.51.01.046.981-8 e 2000.51.01.509.046-0.

34. A denúncia imputava ao presidente a autoria do delito previsto no art. 9o, no 3, da lei no 1079/1950:
“Não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais
ou na prática de atos contrários à Constituição” (cf. Diário da Câmara dos Deputados, 22 jun. 1999, p. 29
098).
35. Adicionalmente, vale destacar que a Lei do Impeachment também se aplica a ministros de Estado,
embora, por entendimento do , a denúncia caiba ao procurador-geral da República, e o julgamento,
ao próprio tribunal (, Pet. 1656, rel. min. Maurício Corrêa, j. 11 set. 2002).

36. Michel Temer valeu-se de linguagem idêntica àquela do Código do Processo Penal, cujo art. 43, na
redação da época, dizia que o “juiz criminal” deveria rejeitar a denúncia quando “o fato narrado
evidentemente não constituir crime”.

37. Votaram contra o recurso os líderes do , , , , , do bloco ----
e, claro, do , partido do presidente da República.

38. Segundo uma das teorias do delito à época populares no Brasil, tipicidade e antijuridicidade eram os
elementos constitutivos do delito criminal. (cf. Diário da Câmara dos Deputados, 22. jun. 1999, pp. 29
095ss.)

39. ,  378-, rel. acórdão min. Luís Roberto Barroso, j. 17 dez. 2015, p. 3.

40. Dos 27 pedidos de impeachment contra Fernando Henrique Cardoso, o primeiro foi apresentado em
junho de 1995, e o último em dezembro de 2002 (cf. Fiquem Sabendo, “Os pedidos de impeachment
contra presidentes brasileiros desde 1990”).
41. Representação do deputado José Genoíno em 26 maio 1999. Cf. Diário da Câmara dos Deputados, 27
maio 1999, p. 24 094.
42. Diário da Câmara dos Deputados, 2 jun. 1999, p. 25 949.

43. O Estado de S. Paulo, Temer rejeita pedido de processo de impeachment contra presidente, 2 jun.
1999, p. A4.
44. Diário da Câmara dos Deputados, 11 jun. 1999, p. 27 319.

45. Celso Antônio Bandeira de Mello, Dalmo de Abreu Dallari, Fábio Konder Comparato, Goffredo da
Silva Telles Júnior e Paulo Bonavides, “Denúncia contra Fernando Henrique Cardoso por crimes de
responsabilidade”, 16 maio 2020. A corrupção de que fala a lei no 1079/1950 (art. 6o, no 2, “outras
formas de corrupção”) não se resume aos crimes de corrupção, ativa e passiva, estritamente definidos no
Código Penal.

46. O Estado de S. Paulo, “Veja quais são os alvos da  da Corrupção”.

47. Eduardo Jorge Caldas Pereira foi absolvido das acusações que sofreu. Os procuradores Luiz Francisco
de Souza e Guilherme Schelb sofreram penas disciplinares pelo Conselho Nacional do Ministério
Público, que reconheceu perseguição dos dois a Eduardo Jorge (cf. Fausto Macedo, “Conselho admite
que Eduardo Jorge foi perseguido”). Jorge ainda ganhou processos cíveis contra diversos veículos de
imprensa (cf. Conjur, “Revista Veja é condenada a pagar indenização a Eduardo Jorge”).

48. -, “Cardoso, Fernando Henrique”.

49. Folha de S.Paulo, “Acareação reforça pressão para punir  e Arruda”.

50. No começo de 2001,  havia sido batido pelo peemedebista Jader Barbalho, do Pará, na eleição
para a presidência do Senado. Barbalho, por sua vez, também era alvo de denúncias por quebra de
decoro, acusado de corrupção no Banco do Pará durante sua gestão como governador do estado, além
das denúncias de inconsistência em sua declaração patrimonial à Justiça Eleitoral (cf. Vera Chaia e Marco
Antonio Teixeira, “Democracia e escândalos políticos”; Folha de S.Paulo, “Jader omitiu patrimônio para
auditoria”). Para escapar da cassação, que o deixaria inelegível, o senador baiano renunciou em 30 de
maio de 2001, quando ainda tinha vinte meses de mandato pela frente (Senado Federal, “ renuncia
ao mandato com críticas ao governo”).

51. Denise Madueño e Luiza Damé, “Oposição protocola  com 60 nomes governistas”.

52. Folha de S.Paulo, “ convoca ministros e declara guerra contra ”.

53. Os dois valores aparecem nos relatos da operação governamental (cf. Lucio Vaz, “Liberação de
verbas atinge R$ 47 milhões na semana”; O Estado de S. Paulo, “Operação custa aos cofres públicos R$
60,1 milhões”).
54. Fiquem Sabendo, “Os pedidos de impeachment contra presidentes brasileiros desde 1990”.

55. Fernando Rodrigues, “Avaliação do governo Fernando Henrique Cardoso”.


56. Fernanda Krakovics e Ranier Bragon, “Lula e Collor têm maior número de s abertas”.

57. Fernando Rodrigues, “Deputado diz que vendeu seu voto a favor da eleição por R$ 200 mil”.

58. Houve duas denúncias contra  com fundamento na acusação de compra de votos pela reeleição:
a primeira foi apresentada em 17 de junho de 1997 por Domingos de Freitas Diniz Neto, e ficou na
gaveta da presidência da Câmara por quase dez anos: foi arquivada apenas em outubro de 2006, sob
fundamento de perda de objeto. A segunda foi apresentada por Célio Evangelista Ferreira em 15 ago.
2000, arquivada em novembro do mesmo ano por descumprimento de requisitos formais.

59. Aníbal Pérez-Líñan, Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America, pp. 142-3.
60. Naoko Kada, “Impeachment as Punishment for Corruption? The Cases of Brazil and Venezuela”.

61. Sérgio Abranches, “Presidencialismo de coalizão: O dilema institucional brasileiro”. Publicado


quando a Constituição de 1988 tinha meses de vigência, esse artigo apontava para os dilemas que nosso
desenho constitucional imporia aos futuros presidentes. Abranches previa que, no Brasil da
redemocratização, a capacidade de governar seria condicionada por alguns fatores institucionais
desafiadores. Primeiro, pela adoção do presidencialismo, que atribui a chefia de governo a uma
autoridade diretamente eleita, e não escolhida pelo Parlamento. Segundo, pela forma de escolha de
parlamentares: em um país grande e heterogêneo como o Brasil, o multipartidarismo e a eleição
proporcional para o Legislativo levariam à fragmentação do Congresso, dificultando a formação da
maioria imprescindível ao presidente para tocar sua agenda de governo. A essas características somavam-
se a continuidade do federalismo, que criava forças políticas centrífugas ao empoderar governadores, e o
grande detalhamento do texto da Constituição, que exigiria frequentes emendas constitucionais, as quais
dependem de maiorias ainda mais difíceis de se construir. Essa soma única de heterogeneidades sociais e
econômicas, forças institucionais centrífugas, fragmentação partidária e perene exigência de maiorias
parlamentares elevadas faria com que as chances de êxito de um presidente dependessem do “sucesso
das negociações” que ele fosse capaz de conduzir com “o maior número de parceiros” de “maior
diversidade ideológica”, de modo a “capacitar o sistema político a atender ou conter legitimamente
demandas políticas, sociais e econômicas competitivas e a formular um programa coerente e efetivo”
(pp. 27-8).
62. Argelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi, Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional.

63. Ibid., p. 69.


64. Barry Ames argumenta que o poder de agenda do Executivo é contraposto ao poder de bloqueio dos
parlamentares, que, sem poderem eles próprios impor agendas legislativas relevantes, acabam cobrando
caro, em termos de liberação de verbas (Os entraves da democracia no Brasil, p. 200).
65. Fernando Limongi e Argelina Cheibub Figueiredo, “A crise atual e o debate institucional”.
66. Durante a era presidencialista, o parlamentarismo só prosperou em 1961, como reação de
emergência à presidência de João Goulart. Dois plebiscitos, em 1963 e 1993, derrotaram o
parlamentarismo e marcaram a preferência do eleitorado pelo presidencialismo. O parlamentarismo
esteve em cogitação na época dos trabalhos preliminares à Assembleia Nacional Constituinte de 1988.
Era o regime de preferência da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, a chamada “Comissão
Afonso Arinos”, mas acabou preterido, com decisivo apoio do presidente José Sarney ao presidencialismo
(cf. Folha de S.Paulo, “Sarney joga tudo para vencer parlamentarismo de Ulysses”).

67. José Antonio Cheibub, Presidentialism, Parliamentarism, and Democracy, pp. 55ss.
68. Evidências do uso de dinheiro ilegal na cooptação de apoio político para formar coalizões governistas
estão disponíveis em ações judiciais como o chamado processo do Mensalão (,  470) e operações
de combate à corrupção, como a Lava Jato, além de trabalhos acadêmicos, como os de Bruno Carazza
(Dinheiro, eleições e poder, pp. 121ss.) e o mais recente livro de Sérgio Abranches (Presidencialismo de
coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro, p. 248ss.). Todos revelam como a cooptação de apoio
político pode ir além dos mecanismos constitucionais e legais à disposição do Poder Executivo.

69. A acusação de compra de votos pela emenda da reeleição que beneficiou Fernando Henrique
Cardoso constou da colaboração premiada de Pedro Corrêa, à época deputado pelo , na Lava Jato:
segundo ele, a aprovação da emenda foi obtida mediante pagamento de propina a mais de cinquenta
parlamentares, no que chamou de “um dos episódios mais espúrios que presenciei como deputado
federal”. Corrêa confirmou a compra de votos de deputados do Acre, conforme a denúncia anterior, mas
revelou que havia também um movimento de compra de votos em sentido contrário, isto é, pela rejeição
da emenda. Segundo ele, essa rede de propinas de oposição era abastecida com recursos de seu colega de
partido Paulo Maluf, deputado paulista, que ambicionava disputar a presidência nas eleições de 1998. A
cópia do depoimento de Corrêa, no anexo 39 de sua colaboração, está disponível em Mateus Coutinho et
al. (“Delator da Lava Jato ‘desenterra’ emenda da reeleição no governo ”).

70. Renata Lo Prete, “Contei a Lula do ‘Mensalão’, diz deputado”.

71. O  oferece cobertura de risco para grandes projetos e celebra grandes contratos em dólar. Na
época, sua diretoria, considerada pequena, dispunha de ampla autonomia para autorizar contratos de
valor relativamente elevado, de até US$ 500 mil. O  detinha o monopólio de resseguros no país, o
que obrigava empresas com grandes projetos no exterior, como a Petrobras, não apenas a contratar com
ele, como também a se valer dos corretores por ele autorizados (O Estado de S. Paulo, “ pode ser novo
alvo da oposição”). O desenho criava incentivos para o pagamento de propina a quem controlasse a
operação da empresa e tivesse poder sobre essas indicações rentáveis de corretagem. Jefferson havia
indicado o presidente da instituição, Luiz Appolonio Neto, menos de dois meses antes de o escândalo
estourar (O Estado de S. Paulo, “Presidente admite ligação com o ”).

72. Congresso Nacional, Relatório Final da  dos Correios, abr. 2006, 3 v. Disponível em:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/84897>. Acesso em: 2 ago. 2020.
73. O segundo volume do relatório da  dos Correios é inteiramente dedicado a descrever a
engenharia financeira e administrativa do chamado “Mensalão”.

74. Datafolha, “Avaliação de governo, Lula: 17/19 nov. 2010”, p. 6.


75. Armando Pereira, “Economia em alta salva governo em 2005”.

76. B3. Índice Bovespa: Estatísticas históricas, 2005.


77. Fiquem Sabendo, “Os pedidos de impeachment contra presidentes brasileiros desde 1990”.

78. Deputado do  de Pernambuco e representante caricato do baixo clero da casa, Cavalcanti acabou
eleito em fevereiro de 2005 depois de um racha dentro do , que disputou a eleição com dois
candidatos (Luiz Eduardo Greenhalgh e Virgílio Guimarães). Com uma campanha de promessas
corporativistas, venceu o pleito em segundo turno contra Greenhalgh (Rose Ane Silveira,
“Independente, Severino Cavalcanti é eleito presidente da Câmara”). Sua gestão começou a ruir em
setembro do mesmo ano, quando o empresário Sebastião Augusto Buani, concessionário do restaurante
da Câmara dos Deputados, denunciou que Cavalcanti, quando era primeiro-secretário da Câmara, havia
lhe exigido R$ 40 mil para não dificultar a renovação da concessão a sua empresa. Após efetivada a
renovação, Buani alegou que Cavalcanti seguiu exigindo um pagamento mensal de R$ 10 mil do
empresário — o valor foi jocosamente chamado pela imprensa de “mensalinho” (Ana Paula Ribeiro,
“Empresário confirma ‘mensalinho’ a Severino Cavalcanti”).
79. Senado Federal, “Aldo Rebelo é o novo presidente da Câmara”.

80. Disse  em depoimento em 2007: “O Senado votou [a reeleição] em junho [de 1997] e 80%
aprovaram. Que compra de voto? […] Houve compra de votos? Provavelmente. Foi feita pelo governo
federal? Não foi. Pelo ? Não foi. Por mim, muito menos” (cf. Fernando Rodrigues, “Conheça a
história da compra de votos a favor da emenda da reeleição”).

81. Lei no 1079/1950, art. 6o: “São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos poderes
Legislativo e Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados: […] 2) usar de violência ou ameaça
contra algum representante da Nação para afastá-lo da Câmara a que pertença ou para coagi-lo no modo
de exercer o seu mandato bem como conseguir ou tentar conseguir o mesmo objetivo mediante suborno
ou outras formas de corrupção”.

82. Como visto no capítulo 1, uma das razões da escolha do Poder Executivo unipessoal pelos
constituintes dos Estados Unidos em 1787 foi precisamente facilitar a atribuição de responsabilidade
política.
83. É possível especular que a proximidade de eleições presidenciais, que ocorreriam em dezembro de
1804, oferecia uma via política menos traumática para o afastamento de Burr. Embora Thomas Jefferson
tenha concorrido à reeleição naquele ano, seu companheiro de chapa na busca por um segundo mandato
não foi Burr, mas sim George Clinton.
84. Laurence Tribe e Joshua Matz, To End a Presidency, pp. 43-4.

5. O impeachment fiscal

1. Especulou-se que o acidenteque matou Eduardo Campos tenha sido ocasionado por perda de
orientação espacial do piloto, por falha mecânica ou mesmo pelo choque com algum objeto no ar (cf.
Fausto Macedo, “Procuradoria arquiva inquérito sobre morte de Eduardo Campos por ‘impossibilidade’
de descobrir causa da queda do avião”).
2. Folha de S.Paulo, “Eduardo Campos é enterrado no Recife; despedida ganha ares de ato político”.

3. Julio Wiziack e Mariana Carneiro, “Governo ‘sangra’ a Caixa e poupa o Tesouro para pagar benefício
social”.
4. Murilo Rodrigues Alves e João Villaverde, “Atraso no repasse de verba do Tesouro à Caixa cria impasse
no governo”.

5. Murilo Rodrigues Alves e João Villaverde, “Governo atrasa pagamentos do ‘Minha Casa’”.
6. Além das “pedaladas”, Dilma Rousseff foi condenada também pela edição de seis decretos de abertura
de crédito suplementar baseados em uma projeção irreal de resultado fiscal para o ano de 2015.

7. Gustavo Uribe, “Seis dias após 2o turno, protesto em São Paulo pede saída de Dilma”.

8. Ricardo Galhardo, “ pede  nas ruas, mas ‘dentro das regras’”; Pedro Venceslau, “Aécio volta
e tenta manter protagonismo”; Mateus Coutinho, “Tucano é hostilizado depois de criticar radicais”.

9. Datafolha, “Avaliação do governo de Lula: 17/19 nov. 2010”, 20 dez. 2010.

10. Câmara dos Deputados, “ e  elegem novamente as maiores bancadas”.

11. Senado Federal, “Confira como ficarão as bancadas no Senado a partir de 2015”.
12. A aliança governista reunia, além de partidos menores à esquerda, partidos médios e grandes de
centro. Entre os partidos de centro à esquerda, o  elegeu uma bancada considerável em 2014, com 34
deputados; o , dezenove; o do, dez; e o Psol, cinco. Além do  (66 deputados e dezoito
senadores), a coligação do  nas eleições de 2014 ainda incluía o  (37 deputados e três senadores), o
 (36 deputados e cinco senadores) o  (34 deputados e quatro senadores), o  (21 deputados) e o
Pros (onze deputados e um senador). No Senado, do, Psol e  tinham, juntos, oito senadores (cf.
G1, “Nova composição da Câmara dos Deputados”; G1, “Dos 27 senadores eleitos, apenas 5 são
mulheres”; , “Eleições 2014: Raio- Congresso”).
13. Laura Carvalho, Valsa brasileira, pp. 58-9.

14. Aníbal Pérez Líñán aponta que a popularidade de presidentes latino-americanos que sofreram
impeachments foi sensivelmente afetada pela tentativa de reformas neoliberais que diminuíam a
proteção estatal aos mais pobres, altos índices de desemprego e, possivelmente, altas taxas de inflação.
Cf. Aníbal Pérez-Liñán, Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America, pp. 117-
9).
15. Ibid., p. 91.

16. Datafolha, “Avaliação da presidente Dilma Rousseff: 813812, 17/18 jun. 2015”, p. 19.

17. Datafolha, Avaliação da presidente Dilma Rousseff: 813843, 24 e 25/02/2016, p. 58.

18. Lula foi denunciado quatro vezes pela força-tarefa da Operação Lava Jato e condenado em primeira e
segunda instâncias por duas dessas denúncias. Em abril de 2021, o Pleno do STF reconheceu em caráter
definitivo a incompetência absoluta da 13a Vara Federal de Curitiba em relação às acusações contra Lula,
por falta de conexão das condutas a ele imputadas com os desvios na Petrobras que são o objeto de
investigação da Operação Lava Jato. No mesmo mês, o órgão plenário do tribunal formou maioria para
reconhecer a suspeição do juiz Sergio Moro contra Lula na ação penal referente ao apartamento triplex
na cidade do Guarujá ().

19. Embora a denúncia de Roberto Jefferson sobre o pagamento regular de uma “mesada” a deputados
da base aliada tenha sido feita em 2005, o julgamento da  470, iniciado em agosto de 2012, foi o
grande responsável pela enorme visibilidade pública do Mensalão, elevando-o à categoria de grande
escândalo nacional, seja pelo duro tom das falas dos ministros do , seja pela maciça cobertura da
imprensa acerca do dia a dia do julgamento.

20. “Petrolão”, neologismo criado a partir de outro, “Mensalão, é o apelido empregado para descrever os
esquemas de corrupção identificados pela Operação Lava Jato, a partir de 2014, em diretorias da
Petrobras cujas nomeações eram controladas por partidos políticos aliados ao governo federal.
21. Rayanderson Guerra, “Temer é chefe de organização criminosa há 40 anos, diz Lava Jato no Rio”.

22. João Villaverde, Perigosas pedaladas, p. 105.


23. Ibid., esp. cap. 4.

24. Sérgio Spagnuolo e Tai Nalon, “Dilma ‘pedalou’ 35 vezes mais que Lula e  juntos”.
Considerando, como exemplo, apenas os atrasos de repasses à Caixa Econômica Federal para pagamento
do seguro-desemprego,  havia pedalado seis vezes em oito anos de governo, nunca de forma
consecutiva; Lula, sete vezes em oito anos; já Dilma, com apenas quatro anos e quatro meses de
governo, havia atrasado repasses por 21 meses, catorze dos quais consecutivos.
25. João Villaverde e Adriana Fernandes, “Tesouro paga mais para vender títulos e técnicos pressionam
Arno Augustin”; Sheila D’Amorim e Natuza Nery, “Indefinição leva Tesouro a ‘lavar roupa suja’”.

26. José Fucs, “Arno Augustin: ‘Não sei o que é contabilidade criativa’”.
27. O Globo, “‘Pedaladas fiscais’ dispararam no governo Dilma”.

28. Apenas como exemplo, destaco, entre os defensores da tese de que as pedaladas e os decretos de
abertura de crédito suplementar configuravam tanto violação à Lei de Responsabilidade Fiscal quanto
crime de responsabilidade, a opinião de José Maurício Conti, professor da Faculdade de Direito da 
(“Desrespeito ao direito financeiro afastou Dilma do cargo de presidente”). Entre os opositores do
impeachment, destaco Ricardo Lodi Ribeiro, professor da Faculdade de Direito da Uerj (“Parecer sobre
pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff”, 7 dez. 2015. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/dl/parecer-ricardo-lodi-impeachment-dilma.pdf>). Tanto Conti quando
Ribeiro foram ouvidos na comissão especial do Senado Federal para explicitar suas visões sobre os
fundamentos jurídicos do pedido.

29. Para uma descrição em maiores detalhes sobre o procedimento conciliatório na , cf. João
Villaverde, Perigosas pedaladas, pp. 130-9.

30. Ribamar Oliveira, “Governo já desistiu da meta fiscal de 1,9% do  no ano”.

31. Adriana Fernandes et al., “Sem caixa, governo propõe lei para descumprir meta das contas públicas”.

32. Nathalia Passarinho, “ pede a  cassação de Dilma e posse de Aécio como presidente”.

33. -, “Plano Cruzado”.

34. Sobre o desempenho do  nas eleições de 1986, cf. Sérgio Abranches, Presidencialismo de
coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro, p. 81.
35. Francine de Lorenzo Andozia, Passaram a mão na minha poupança, p. 66.

36. Para os rumores de alteração da política cambial e a ambiguidade de  durante a campanha, cf.
Miriam Leitão, Saga brasileira, pp. 363-5.

37. Thomas Skidmore, Brasil: De Getúlio a Castelo, p. 192; Maria Victoria Benevides, A UDN e o udenismo:
Ambiguidades do liberalismo brasileiro, pp. 82ss.

38. G1, “ pede ao  auditoria para verificar ‘lisura’ da eleição”.

39. Aníbal Pérez-Liñán, “Impeachment or Backsliding? Threats to Democracy in the 21st Century”, p. 4.

40. Conjur, “Juiz recebe denúncia e Aécio Neves se torna réu por corrupção passiva”.
41. Para um olhar sobre múltiplas formas de governança, cf. Jerry L. Mashaw, “Accountability and
Institutional Design: Some Thoughts on the Grammar of Governance”, pp. 115-56.

42. João Villaverde, Perigosas pedaladas, p. 119.


43. Lucas Marchesini e Edna Simão, “Rombo da Previdência deve ficar em R$ 50 bi em 2014, diz
ministro”.

44. Adriana Fernandes, “Pressionado, Garibaldi volta atrás sobre déficit”.


45. João Villaverde, Perigosas pedaladas, p. 112.

46. Edna Simão e Lorenna Rodrigues, “Déficit da Previdência fica R$ 7,5 bilhões acima do previsto em
2014”.
47. José Roberto R. Afonso, “Uma história da Lei Brasileira de Responsabilidade Fiscal”, pp. 126-54.

48. Ana Clara Costa, “O governo fez bancos do Estado pagarem as suas despesas — e isso não é
pedalada”.
49. Após tornar-se ele próprio secretário do Tesouro Nacional no governo de Michel Temer, Almeida
aparentemente fechou seu blog. Algumas das postagens estão ainda disponíveis, porque replicadas em
outras páginas. Na página de internet do economista da  José Roberto Afonso, um artigo de 2012,
da autoria de Almeida, critica a realização de operações entre  e Tesouro com o objetivo de
melhorar artificialmente o resultado primário das contas públicas (Cf. Mansueto Almeida, “Custo dos
empréstimos do Tesouro Nacional ao : R$ 22,8 bilhões em 2011”).

50. José Fucs, “Arno Augustin: ‘Não sei o que é contabilidade criativa’”.
51. Contas Abertas, Ofício 17/2014, 17 jan. 2014. Disponível em:
<http://www.agenciacontasabertas.com.br/noticia/contas-abertas-descobriu-pedaladas-fiscais>. Acesso
em: 17 set. 2020.

52. Como já foi dito antes, Augustin recorria ao álibi das convenções contábeis do Banco Central para
negar a acusação de “contabilidade criativa”: “Se alguém quer fazer uma nova metodologia, é um direito
que tem. Mas a metodologia usada pelo Brasil é uma metodologia internacional. […] [Nossa]
metodologia é conhecida, respeitada. O órgão que faz a conta do resultado primário para efeitos da Lei
de Diretrizes Orçamentárias () é o Banco Central. Se acham que a estatística que o Banco Central
produz não é adequada, eu respeito. Mas é a estatística que temos, e ela é muito boa” ( José Fucs, “Arno
Augustin: ‘Não sei o que é contabilidade criativa’”).
53. João Villaverde, Perigosas pedaladas, p. 150.

54. Ibid. A mudança não alcançava os atrasos nos repasses ao Banco do Brasil e ao , cuja natureza
era outra.
55. Ibid., p. 127.

56. Estado de Minas, “Governo vai mudar contratos com a Caixa para descaracterizar pedaladas fiscais”.
57. Jerry L. Mashaw, “Accountability and Institutional Design: Some Thoughts on the Grammar of
Governance”, p. 121.

58. A escolha de Levy levaria Dilma a enfrentar dificuldades políticas com o flanco mais à esquerda de
sua base de apoio. “Não faltam líderes de movimentos sociais ameaçando o governo com protestos e
outras manifestações contra a política econômica neoliberal de Levy”, como lembram Limongi e
Figueiredo (“A crise atual e o debate institucional”, p. 93).

59. ,  021.643/2014-8, acórdão 825/2015, rel. min. José Múcio Monteiro, j. 15 abr. 2015.

60. André Borges e Fábio Fabrini, “Para , ‘pedalada’ foi crime de responsabilidade”, p. B5; Dimmi
Amora, “Para , pedaladas foram crime de responsabilidade”.

61. Dimmi Amora, “Para , pedaladas foram crime de responsabilidade”.

62. Pedro Vencelsau e Isadora Peron, “Oposição reforça tese do impeachment”.

63. Para uma breve descrição das funções do , cf. Tathiane Piscitelli, Direito financeiro, pp. 233ss.

64. Nos termos do art. 73, §2, da Constituição de 1988, o  é composto de nove ministros, dos quais
seis são escolhidos diretamente pelo Congresso. Mesmo as três vagas indicadas pelo presidente da
República normalmente têm origem em acordos firmados com parlamentares.

65. Fernanda Guimarães e Francisco Carlos de Assis, “ não tem ‘estatura institucional’ para
desencadear impeachment, diz Joaquim Barbosa”. A implicância de Barbosa com o  vinha desde o
processo do Mensalão, em cujo acórdão há duras críticas do ministro quanto à credibilidade do tribunal
(,  470, 22 abr. 2013, p. 1483).

66. Gaúcho de Santo Ângelo, Augusto Nardes filiou-se à Arena durante a ditadura militar. Passou por
diversos partidos menores após a redemocratização, até chegar ao , legenda com maior número de
condenados no Mensalão e com outros tantos a perigo da Lava Jato. Em 2005, ele abandonou seu
mandato na Câmara dos Deputados para assumir o cargo de ministro do , por eleição da Câmara
dos Deputados (cf. Câmara dos Deputados, “Augusto Nardes”; Câmara dos Deputados, “Câmara elege
Augusto Nardes para ministro do ”).

67. João Villaverde, Perigosas pedaladas, p. 217.

68. Correio Braziliense, “Presidente é responsável”.


69. Jornal de Brasília, “Relator descarta ‘aprovação com ressalvas’ das contas do governo”.
70. Márcio Falcão, “Governo ataca relator para tentar adiar decisão do ”.

71. Clarissa Lemgruber, “Oposição visita  em desagravo à pressão do governo na véspera da análise
das contas”.

72. Fábio Fabrini, João Villaverde e Bernardo Caram, “Em decisão unânime,  rejeita contas do
governo Dilma em 2014”.

73. ,  027.170/2015-2, acórdão no 2460/2015, rel. min. Raimundo Carreiro, j. 7 out. 2015.

74. , ata 40, anexo , 7 out. 2015, p. 63. Disponível em:
<http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/CONSES/tcu_ATA_0_N_2015_40.pdf>. Acesso em: 20
set. 2020.

75. , ata 40, anexo , 7 out. 2015, p. 64. Disponível em:
<http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/CONSES/tcu_ATA_0_N_2015_40.pdf>. Acesso em: 20
set. 2020.
76. Étore Medeiros, “Pelo menos 17 governadores pedalaram impunemente”.

77. Fernando Limongi e Argelina Cheibub Figueiredo, “Por seu intervencionismo imoderado,  não
terá como evitar confronto com Bolsonaro”.
78. Fabiana Alves Rodrigues, Lava Jato: Aprendizado institucional e ação estratégica na Justiça, p. 260. O livro
é um abrangente e detalhado relato do uso estratégico de ferramentas processuais pela matriz curitibana
da Lava Jato, com destaque para as espetaculosas ações de busca e apreensão, conduções coercitivas e
prisões cautelares. Rodrigues enfatiza também o aspecto do cálculo temporal no uso dessas ferramentas,
embora o objeto de seu estudo não envolva o impacto estimado desses atos sobre o processo de
impeachment de Dilma Rousseff.

79. El País, “‘A solução mais fácil era botar o Michel’: Os principais trechos do áudio de Romero Jucá”;
Rubens Valente, “Em diálogo, Jucá fala em pacto para deter avanço da Lava Jato”.
80. Tal acusação seria obviamente imprópria, pois indicar o procurador-geral da República é prerrogativa
presidencial e não demanda sequer a deferência à lista tríplice, uma boa prática que só existiu nos
governos de Lula, Dilma e Temer. Não obstante, a baixíssima popularidade da presidente, somada ao
enorme prestígio social da Operação Lava Jato àquela altura, talvez a levasse a apuros se uma acusação
nesse sentido fosse feita contra ela.

81. Como visto no capítulo anterior,  e seu ministro da Justiça, Renan Calheiros, interferiram
diretamente na  em retaliação às operações contra ex-diretores do Banco Central após o escândalo do
apoio aos bancos Marka e FonteCindam; e Michel Temer enfrentou protestos de alguns procuradores da
República ao escolher Raquel Dodge, que não encabeçava a lista tríplice, como procuradora-geral da
República. Mais recentemente, Jair Bolsonaro não apenas mexeu na estrutura da  — sob protestos de
seu então ministro da Justiça, Sergio Moro, que o acusou de ingerência política no órgão —, como
também indicou para procurador-geral um nome estranho à lista tríplice do  e abertamente crítico
do que chamou de “lavajatismo” (cf. Poder 360, “‘É hora de corrigir os rumos para que o lavajatismo não
perdure’, diz Aras”).

82. “Rubens Valente, “Em diálogo, Jucá fala em pacto para deter avanço da Lava Jato”.

83. Cf. voto de Paulo Brossard no  20 941, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 9 fev. 1990, pp.85-97.

84. Supreme Court of the United States. Nixon vs. United States, 506 U.S. 224, 1993.
85. O Estado de S. Paulo, “Grampo sugere que Dilma nomeou Lula ministro para evitar a Lava Jato”.

86. Para a íntegra da decisão, cf anexo à seguinte reportagem: Sérgio Rodas, “Moro reconhece erro em
grampo de Dilma e Lula, mas mantém divulgação”. A decisão foi tomada nos autos do Pedido de
Quebra de Sigilo Telefônico no 5006205-98.2016.4.04.7000, da 13a Vara Federal de Curitiba.
87. Ricardo Balthazar et al., “Conversas de Lula mantidas em sigilo pela Lava Jato enfraquecem tese de
Moro”.

88. Ricardo Balthazar et al., “Conversas de Lula mantidas em sigilo pela Lava Jato enfraquecem tese de
Moro” e “Leia os diálogos sobre escutas de Lula feitas pela ”, Folha de S.Paulo, 8 set. 2019, pp. A4-A8.

89. ,  196 184, rel. min. Ellen Gracie, j. 27 out. 2004.

90. ,  34 071 , rel. min. Gilmar Mendes, j. 18 mar. 2016.

91. Estado de Minas, “Gilmar Mendes defende posse de deputada Cristiane Brasil no Ministério do
Trabalho”.

92. Carolina Brigido, “ anula nomeação de Wellington César no Ministério da Justiça”.

93. ,  388, rel. min. Gilmar Mendes, j. 9 mar. 2016. A ação havia sido ajuizada em 3 de março de
2016 pelo , através de uma singela petição de nove páginas.

94. ,  137 349, j. 5 abr. 2011, e ,  159 159, j. 8 jun. 2010, ambos relatados pela ministra Maria
Thereza Rocha de Assis Moura.
95. Rubens Valente, “Em diálogo, Jucá fala em pacto para deter avanço da Lava Jato”,

96. O Estado de S. Paulo, “Supremo derruba sigilos e autoriza inquéritos contra 37 parlamentares”.

97. ,  4070, rel. min. Teori Zavascki, j. 5 maio 2016.


98. Ministério Público Federal, “ pede ao  que Eduardo Cunha seja afastado do mandato de
deputado”.

99. Ministério Público Federal, “Operação Lava Jato:  denuncia Eduardo Cunha e Solange Almeida”.

100. Folha de S.Paulo, “Câmara elege Cunha e impõe derrota histórica ao Planalto”.

101. Andréia Sadi, “ vai questionar na justiça a criação de partidos”.

102. Julia Duailibi, “O plano Temer”; no mesmo sentido, cf. Bruno Boghossian, “Ação de Cunha como
arrecadador informal do  em 2014 pode afetar Temer”.

103. Malu Gaspar, A Organização, p. 360.

104. Folha de S.Paulo, “Cunha é aplaudido por deputados na  da Petrobras”.

105. Jamil Chade, “Suíça diz que Cunha abriu firmas de fachada”.
106. Hélio Pereira Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Conceição Paschoal. “Aditamento à denúncia
apresentada em 1o de setembro de 2015”, 16 set. 2015, pp. 16ss. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/9/art20150917-06.pdf. Acesso em: 22 abr. 2021.

107. Fiquem Sabendo, “Os pedidos de impeachment contra presidentes brasileiros desde 1990”.
108. Um possível enfrentamento desse limbo é a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal,
como previsto na lei no 1079/1950, para impor ao presidente da Câmara um prazo para apreciar a
denúncia, optando pelo seu indeferimento ou pelo despacho à Comissão Especial. O poder de ignorar a
denúncia impede o direito de recurso e, na prática, torna totalmente inócuo o direito de petição em
matéria de denúncia por crimes de responsabilidade.

109. Folha de S.Paulo, “ se opõe a Cunha, que revida e aceita pedido de impeachment de Dilma”.

110. O Estado de S. Paulo, “Itamar reclama falta de consulta para mudanças”.

111. Para uma detalhada discussão sobre o “peemedebismo” e seu papel no bloqueio de uma cultura
política democrática no Brasil, cf. Marcos Nobre, Imobilismo em movimento.
112. Marina Dias e Gustavo Uribe, “Temer diz a Dilma que governo precisa ‘ouvir mais’ e ‘ser mais
servo’”. Para a acusação de Michel Temer de que a carta fora vazada pelo Planalto, cf. Reinaldo Azevedo,
“Planalto vaza carta de Temer a Dilma, dá tiro no próprio pé e esquenta clima pró-impeachment”.

113. Fernando de Castro Fontainha, Christiane Jalles de Paula e Izabel Saenger Nuñez (Orgs.). História
oral do Supremo, . 7, p. 87.

114. Folha de S.Paulo, “Deputado teria sido filmado pela  com mala de R$ 500 mil”.
115. Pedro Canário e Emerson Voltare, “ adulterou diálogos de Joesley e Temer, diz juiz federal”.

116. Veja, “Lava Jato: Michel Temer foi preso por crimes cometidos a ‘vida inteira’”.

117. Em março de 2021, a 12a Vara Federal do Distrito Federal absolveu Temer em uma de suas
acusações penais, relativa a supostos crimes praticados no setor de portos (Aguirre Talento, “Juiz absolve
ex-presidente Michel Temer e mais cinco em acusação de corrupção no setor dos portos”).

118. Cf. lei no 13 199 de 3 dez. 2015.


119. Lilian Venturini, “Temer assinou decretos iguais aos de Dilma. Por que ele não é alvo de
impeachment”.

120. Folha de S.Paulo, “Temer assinou decretos das pedaladas como presidente em exercício”.
121. Fernanda Calgaro, “Senador induz Janaína a dar argumentos para afastar Temer”.

122. ,  34 087 MC, rel. min. Marco Aurélio, j. 5 abr. 2016.

123. Bernardo Caram, “Maia diz que é atribuição de líderes fazer indicação para comissão de
impeachment”.

124. Anna Virginia Balloussier, “ aceita ação para destravar pedido de impeachment contra Temer”.

125. Mariana Oliveira, “Janot opina contra liminar para abertura de impeachment de Temer”.

126. Aníbal Pérez-Liñán, Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America, pp. 87ss;
Naoko Kada, “Comparative Presidential Impeachments: Conclusions”, p. 148.

127. Datafolha, “Avaliação da presidente Dilma Rousseff: 813843, 24/25 fev. 2016”.

128. Celso Rocha Barros, “Uma história de dois azares e um impeachment”, p. 71.

129. Folha de S.Paulo, “Dilma vai à  defender ajuste e é alvo de panelaço”.

130. Supremo Tribunal Federal, “Ministro Teori Zavascki autoriza abertura de inquérito e revoga sigilo
em investigação sobre Petrobras”; O Estado de S. Paulo, “Supremo derruba sigilos e autoriza inquéritos
contra 37 parlamentares”.
131. Reinaldo Azevedo, “Gilmar Mendes: ‘TSE tem de evitar a continuidade de um projeto no qual
ladrões de sindicato transformaram o país num sindicato de ladrões’”.

132. Datafolha, “Manifestações na avenida Paulista: 15/03/2015”.


133. Datafolha, “Manifestações na avenida Paulista: 12/04/2015”.

134. Sergio Fernando Moro, “Considerações sobre a operação Mani Pulite”, pp. 56-62.
135. Em pesquisas realizadas em todas as manifestações antigoverno em 2015, Pablo Ortellado e Esther
Solano identificaram que a “indignação com a corrupção” era o motivo mais evidente para as
mobilizações, e que a corrupção desvelada pela Lava Jato era percebida pelos participantes como o mais
grave escândalo político da história do Brasil (“Nova direita nas ruas? Uma análise do descompasso entre
manifestantes e os convocantes dos protestos antigoverno de 2015”, pp. 174-6).

136. Pesquisa /, Relatório síntese, rodada 131, 2/5 jun. 2016, p. 22. Disponível em:
<http://cms.cnt.org.br/Imagens%20CNT/PDFs%20CNT/Pesquisa%20CNT%20_
MDA/relatorio%20_sintese%20cntmda131.pdf>. Acesso em: 28 set. 2020.

137. Pesquisa / de junho de 2016 registrava 62,4% de apoio à opinião de que o afastamento de
Dilma Rousseff fora correto (cf. /, Relatório síntese, rodada 131, 2/5 jun. 2016, p. 22.
Disponível em: <http://cms.cnt.org.br/Imagens%20CNT/PDFs%20CNT/Pesquisa%20CNT%20_
MDA/relatorio%20_sintese%20cntmda131.pdf>). O índice é semelhante ao apoio do impeachment
registrado pelo Datafolha em abril de 2016: 61% (cf. Datafolha, “Avaliação do presidente Michel Temer:
PO813867, 14/15 jul 2016”).

138. Fernando Limongi e Argelina Cheibub Figueiredo. “Por seu intervencionismo imoderado,  não
terá como evitar confronto com Bolsonaro”.
139. Andrea Jubé, “Temer admite que Cunha aprovou pedido de impeachment por vingança”.

140. Hélio Pereira Bicudo e Janaína Conceição Paschoal, “Denúncia por crimes de responsabilidade
contra Dilma Vana Rousseff”, 31 ago. 2015. Disponível em:
<https://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/9/art20150901-04.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
141. Câmara dos Deputados, “Oposição cobra definição da Câmara sobre regras para processo de
impeachment”.

142. Câmara dos Deputados. Sessão Ordinária 378.1.55, 3 dez. 2015, p. 132. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/destaque-
de-materias/impeachment-da-presidente-dilma/sessao-378-de-031215>. Acesso em: 22 abr. 2021.

143. ,  33 837-, rel. min. Teori Zavascki, j. 13 out. 2015.

144. ,  33 838-, rel. min. Rosa Weber, j. 13 out. 2015.

145. Câmara dos Deputados, “Cunha revoga decisão sobre tramitação de pedido de impeachment”.

146. Chico de Gois, “Cunha revoga decisão sobre rito de impeachment”.


147. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , pp. 404-5.

148. Câmara dos Deputados. Sessão Ordinária 378.1.55, 3 dez. 2015, p. 132. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/destaque-
de-materias/impeachment-da-presidente-dilma/sessao-378-de-031215>. Acesso em: 22 abr. 2021.
149. Para o argumento de que impeachments não encontram condições de prosperar perto do fim dos
mandatos presidenciais, cf. Naoko Kada, “Comparative Presidential Impeachment: Conclusions”, pp.
149-50; João Villaverde e Lucas Paulino, “História mostra que período do mandato importa para
impeachment afastar presidente”. Uma ressalva: atos praticados no início ou no meio do mandato, já
conhecidos e digeridos pela opinião pública no momento das eleições, não devem embasar
impeachments no mandato seguinte. Quanto maior for o conhecimento público dos eventuais crimes de
responsabilidade praticados no primeiro mandato à época da eleição, mais se deve presumir que eles
foram avaliados pelos eleitores, que ainda sim preferiram reconduzir o incumbente para o segundo
mandato. Essa linha nem sempre será clara, devendo ser traçada caso a caso. Com Dilma, a dimensão
das pedaladas só veio a ser propriamente conhecida no segundo semestre de 2014, portanto já muito
perto das eleições, o que fala em favor de que elas possam ser consideradas em uma acusação no
segundo mandato.

150. Ver, por exemplo, Marcelo Campos Galuppo, Impeachment: O que é, como se processa e por que se faz, p.
59.

151. Câmara dos Deputados, Regimento Interno da Câmara dos Deputados, art. 218, §2o.

152. Aparentemente, Eduardo Cunha tomou-se como figura análoga a um juiz penal na acusação de
crimes comuns, em que o recebimento parcial da denúncia é possível. No direito processual penal,
entende-se que o recebimento da denúncia é um ato propriamente jurisdicional, adotado pelo
magistrado competente para julgamento da causa, que fixa o objeto do processo mediante avaliação das
condições de justa causa para a ação. Há uma notável diferença entre essa figura e o presidente da
Câmara, porém, já que este último não é autoridade competente para o recebimento da denúncia.

153. ,  20 941, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 9 fev. 1990; no  23 885, (rel. min. Carlos Velloso,
j. 28 ago. 2002), o tribunal decidiu que o poder do presidente da Câmara dos Deputados na análise da
denúncia “não se reduz à verificação das formalidades extrínsecas e da legitimidade de denunciantes e
denunciados, mas se pode estender […] à rejeição imediata da acusação patentemente inepta ou despida
de justa causa, sujeitando-se ao controle do plenário da casa, mediante recurso”.

154. Thomaz Pereira, “Quais os poderes de Eduardo Cunha no impeachment?”.

155. Câmara dos Deputados. “Resposta da presidência da Câmara dos Deputados à questão de ordem no
105/2015”, 23 set. 2015, pp. 9-10. Em sentido semelhante, Marcelo Galuppo (Impeachment: O que é, como se
processa e por que se faz, pp. 111-2) observa que o juízo do presidente da Câmara deve limitar-se “aos
requisitos processuais da acusação”, pois o juízo de autorização do processamento da denúncia compete
apenas à Câmara como um todo.

156. Câmara dos Deputados,  5/1992, 3 set 1992: “Instituída a comissão especial, destinada a proferir
parecer sobre a denúncia. A comissão é integrada por 49 deputados, indicados pelos partidos, na proporção
de suas bancadas” (grifos meus); Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o
presidente da República (Diversos no 12, 1992), v. , p. 412.

157. Na ocasião, Eduardo Cunha havia decidido que a comissão especial de impeachment seria composta
da seguinte maneira: “Fixado o número de vagas por partidos e blocos parlamentares, os líderes
indicarão a esta presidência, no prazo de 24 horas, os candidatos a titular e suplente de cada bancada, de
acordo com o número de vagas que lhes caiba pela proporcionalidade partidária, ponderada com a
exigência de participação de todos os partidos e blocos parlamentares da casa” (Câmara dos Deputados.
“Resposta da presidência da Câmara dos Deputados à questão de ordem no 105/2015”, 23 set. 2015, p.
12).

158. Paulo Gama, Gustavo Uribe e Ranier Bragon, “Oposição e  articulam chapa avulsa para
comissão do impeachment”.

159. Congresso em Foco, “Confusão e quebra de urna marcam escolha da comissão do impeachment”.

160. ,  378-, rel. acórdão min. Luís Roberto Barroso, j. 17 dez. 2015.

161. Conrado Hübner Mendes, “Abomináveis cunhadas”.

162. ,  378-, rel. acórdão min. Luís Roberto Barroso, j. 17 dez. 2015, p. 38.

163. “Centrão” é o nome que se costuma dar ao bloco suprapartidário de legendas que garantem
governabilidade a presidentes eleitos em troca de cargos e liberação de verbas. O  é comumente
apontado como o típico representante do Centrão em suas origens (cf. Marcos Nobre, Imobilismo em
movimento, pp. 11-2), embora outros partidos, como o atual Progressistas (antigo ), destaquem-se
atualmente nesse bloco.
164. Daniela Lima et al., “Criticado, Maranhão recua e remarca sessão na Câmara para as 17h30”.

165. Por esse motivo, o argumento de que presidentes da Câmara têm poder de controle total sobre o
impeachment deve ser considerado com cautela. Para um exemplo, cf. Luiz Fernando Gomes Esteves,
“Rodrigo Maia: O senhor do impeachment”.
166. Ricardo Della Coletta, Daniel Carvalho e Gustavo Uribe, “Eu acabei com a Lava Jato porque não
tem mais corrupção no governo, diz Bolsonaro”. O mais eloquente e simbólico fim da operação ocorreu
na primeira semana de fevereiro de 2021, quando o deputado Arthur Lira, um dos primeiros delatados
por Alberto Yousseff em 2014, tornou-se presidente da Câmara dos Deputados, eleito em primeiro turno
com o decisivo apoio do governo federal através de liberação de emendas parlamentares.

167. Supreme Court of the United States. Nixon vs. United States, 506 U.S. 224, 1993. Para uma visão
detalhada sobre o papel do judiciário na revisão de impeachments nos Estados Unidos, cf. Michael J.
Gerhardt, The Federal Impeachment Process, pp. 118ss.
168. Ver por exemplo, Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia et al., O impeachment e o Supremo Tribunal
Federal. Thomas da Rosa Bustamante (“Parecer jurídico”), sem deixar de reconhecer ilegitimidade nas
condutas de Cunha e no processo de impeachment contra Dilma Rousseff, defendia uma reforma
constitucional que ou bem instituísse de vez o recall parlamentar do mandato presidencial, ou então
alterasse a Constituição para deixar mais rígidos os controles de admissibilidade de acusações por crime
de responsabilidade, o que implicaria dar maiores poderes ao  sobre o mérito da acusação.

169. Opinião nesse sentido foi emitida por Charles Black Jr. por ocasião dos debates entre juristas em
meio às investigações contra Richard Nixon em 1974 (cf. Charles L. Black Jr., Impeachment: A Handbook,
pp. 61ss).

170. Conrado Hübner Mendes, “, vanguarda ilusionista”.

171. Paulo Brossard, O impeachment, pp. 177ss.


172. Alexander Hamilton e James Madison, The Federalist Papers, n. 65.

173. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, art. 58, §1o.


174. É a mesma interpretação de Marcelo Campos Galuppo: “O parecer [da comissão especial de
impeachment da Câmara], que antes era votado em duas oportunidades pelo plenário da Câmara (a
primeira, para sua aprovação, por maioria simples, e a segunda, para concessão ou denegação da
autorização para processamento e julgamento pelo Senado Federal, por maioria qualificada de dois
terços), passou a ser votado apenas uma vez pelo plenário” (Impeachment: O que é, como se processa e por que
se faz, p. 123).
175. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra o presidente da República (Diversos
no 12, 1992), v. , p. 426.

176. ,  378-, rel. acórdão min. Luís Roberto Barroso, j. 17 dez. 2015.

177. ,  34 196, rel. min. Luís Roberto Barroso, j. 12 maio 2016.

178. ,  34 441, rel. min. Alexandre de Moraes, j. 29 set. 2016; ,  34 371, rel. min. Alexandre
de Moraes, j. 31 ago. 2016.

179. Câmara dos Deputados. Reunião no 0249/2016, 11 abr. 2016, p. 244. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/destaque-
de-materias/impeachment-da-presidente-dilma/reuniao-249-16-de-110416>. Acesso em: 7 out. 2020.
180. Câmara dos Deputados. “Relatório sobre denúncia por crime de responsabilidade 1/2015, rel. dep.
Jovair Arantes”, 6 abr. 2016, p.37. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/internet/comissoes/comissoes-especiais/parecer-ocr.pdf>. Acesso em: 7
out. 2020.
181. Câmara dos Deputados. “Relatório sobre denúncia por crime de responsabilidade 1/2015, rel. dep.
Jovair Arantes, 6 abr. 2016, pp. 37 e 64. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/internet/comissoes/comissoes-especiais/parecer-ocr.pdf>. Acesso em: 7
out. 2020.

182. Câmara dos Deputados. “Relatório sobre denúncia por crime de responsabilidade 1/2015, rel. dep.
Jovair Arantes, 6 abr. 2016, pp. 37 e 57. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/internet/comissoes/comissoes-especiais/parecer-ocr.pdf>. Acesso em: 7
out. 2020.

183. A ordem ao final estipulada foi a seguinte: , , ,


, , , , , , , , ,
, , , , , , , , , , , , ,  e . Dentro de cada estado, a chamada
de deputados foi feita por ordem alfabética (cf. Câmara dos Deputados, “Câmara adota nova regra para
chamada dos deputados na votação do impeachment”).

184. Cf. ,  5498, rel. min. Marco Aurélio; ,  34 127, rel. min. Luís Roberto Barroso; ,
 34 128, rel. min. Luís Roberto Barroso; ,  34 130, rel. min. Edson Fachin; e ,  34 131, rel.
min. Edson Fachin.

185. Veja, “Após operação da , governo aposta no Senado para barrar impeachment”.

186. Câmara dos Deputados, “Câmara cassa mandato de Eduardo Cunha”.


187. Eduardo Bresciani e Cristiane Jungblut, “Senado elege os 21 membros da comissão especial de
impeachment”.

188. Senado Federal, 2a Sessão Legislativa Ordinária da 55a Legislatura (56a Sessão), 22 abr. 2016.
Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/notas-taquigraficas/-/notas/s/3759>.
Acesso em: 8 out. 2020.

189. Senado Federal. “Comissão Especial destinada a proferir parecer sobre a denúncia no 1, de 2016,
relativa à autorização para o processo e o julgamento da presidente da República por suposto crime de
responsabilidade. Parecer do senador Antonio Anastasia”, 4 maio 2016, p. 1. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/05/04/veja-aqui-a-integra-do-parecer-do-
senador-antonio-anastasia>. Acesso em: 8 out. 2020.

190. Senado Federal. “Comissão especial destinada a proferir parecer sobre a denúncia no 1, de 2016,
relativa à autorização para o processo e o julgamento da presidente da República por suposto crime de
responsabilidade. Parecer do senador Antonio Anastasia”, 4 maio 2016, p. 124. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/05/04/veja-aqui-a-integra-do-parecer-do-
senador-antonio-anastasia>. Acesso em: 8 out. 2020.
191. Senado Federal. “Comissão especial destinada a proferir parecer sobre a denúncia no 1, de 2016,
relativa à autorização para o processo e o julgamento da presidente da República por suposto crime de
responsabilidade. Ata da 9a reunião”, 6 maio 2016. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/destaque-
de-materias/impeachment-da-presidente-dilma/reuniao-9-em-060516>. Acesso em: 8 out. 2020.

192. Teresa Cardoso, “Senado abre processo de impeachment contra Dilma Rousseff”.
193. Neste tópico, tenho interpretação parcialmente divergente de João Villaverde (Controle do soberano,
pp. 43-4), segundo quem Collor teria sido afastado logo após a votação na Câmara. Embora os jornais
assim tenham reportado, o afastamento de Collor, naquela ocasião, não dispensou o relatório preliminar
da comissão especial, nem a votação do Senado: a questão é que essas etapas foram cumpridas de modo
muito célere, em questão de horas, justamente para que o Senado pudesse afastar o presidente o mais
rapidamente possível. Mais detalhes estão disponíveis no capítulo 3.

194. Senado Federal, Diário do Senado Federal, Suplemento, 5 ago. 2016.

195. Senado Federal. “Comissão especial destinada a proferir parecer sobre a denúncia no 1, de 2016,
relativa à autorização para o processo e o julgamento da presidente da República por suposto crime de
responsabilidade, ata da 31a reunião”, 4 ago. 2016. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/destaque-
de-materias/impeachment-da-presidente-dilma/reuniao-31-em-040816>. Acesso em: 8 out. 2020.

196. , Inq 4243, rel. min. Edson Fachin (antes, Teori Zavascki).

197. Ricardo Brandt, Fausto Macedo e Julia Affonso, “Duque negocia delação e vai citar Dilma, Lula e o
”.
198. Beatriz Bulla e Fausto Macedo, “Ministro do  defende pôr ‘freio’ na Lava Jato”.

199. Senado Federal, 2a Sessão Legislativa Ordinária da 55a Legislatura (133a sessão), 25 ago. 2016.
Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/notas-
taquigraficas/-/notas/s/3885#fim>. Acesso em: 8 out. 2020.

200. Leandro Colon, “Ideia do , ‘fatiar’ votação foi concebida há duas semanas” .

201. Leandro Colon, “Constituição foi respeitada, diz ideólogo da decisão”.


202. John Labovitz, Presidential Impeachment, p. 112.
203. Rafael Mafei Rabelo Queiroz, “Indignidade, desonra e quebra de decoro presidencial na era Jair
Bolsonaro”.

204. A filosofia jurídica tem uma longa tradição de discussão sobre autoridade do direito e desobediência
aos poderes constituídos do Estado. Para um exemplo recente, cf. Kimberley Brownlee, Conscience and
Conviction: The Case for Civil Disobedience.

205. ,  26 155, rel. min. Bento de Faria, j. 17 jun. 1936.

206. Andrea Jube, “Temer admite que Cunha aprovou pedido de impeachment por vingança”.

207. Cf., novamente, Julia Duailibi, “O plano Temer”. No mesmo sentido, cfr. Bruno Boghossian, “Ação
de Cunha como arrecadador informal do  em 2014 pode afetar Temer”.

208. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 545.

209. Aníbal Pérez-Liñán, Presidential Impeachment and the New Political Instability in Latin America, pp. 64ss;
Jody C. Baumgartner, “Introduction: Comparative Presidential Impeachment”, p. 14.
210. Para um mapeamento das múltiplas subespécies de “golpe” na literatura, cf. Leiv Marsteintredet e
Andrés Malamud, “Coup with Adjectives: Conceptual Stretching or Innovation in Comparative
Research?”.

211. Aníbal Pérez-Liñán, “Impeachment or Backsliding? Threats to Democracy in the 21st Century”, p.
4.

Epílogo

1. Embora Richard Nixon seja o ex-presidente mais lembrado quando se fala em impeachment
presidencial nos Estados Unidos, ele renunciou ao cargo antes de sofrer acusação formal da Câmara dos
Deputados.

2. A denúncia de incitamento à insurreição foi a segunda enfrentada por Trump. A primeira dizia
respeito ao uso de seus poderes para obstruir investigações parlamentares sobre suas relações com o
governo da Ucrânia; ele era suspeito de haver pressionado o governo ucraniano para desfavorecer o filho
de Joe Biden, seu adversário na disputa presidencial. Trump não foi condenado em nenhuma das vezes.

3. United States of America, Constitution of the United States, art. , sec. 3.

4. Até 13 de abril de 2021, a Câmara dos Deputados havia recebido 112 denúncias contra Jair Bolsonaro,
sendo 63 pedidos originais, seis aditamentos e 43 pedidos duplicados. De todos eles, apenas seis haviam
sido arquivados pela presidência da Câmara. Os demais aguardavam a providência legal, determinada na
lei no 1079/1950, de que as acusações sejam “lida[s] no expediente da sessão seguinte e despachada[s] a
uma comissão especial” de impeachment. Para uma base atualizada das denúncias contra Bolsonaro, cf.
Agência Pública, “Os pedidos de impeachment de Bolsonaro”.
5. Quanto a esse tópico, desenvolvo e atualizo o argumento que formulei no artigo “Falta de decoro sem
impeachment é crime sem castigo”.
6. Theodore Windt Jr., “Introduction”, p. xxi.

7. Poder 360, “Bolsonaro pede aos seguidores para arranjarem 1 jeito de filmar leitos vazios”.
8. Estado de Minas, “Após sugestão de Bolsonaro, deputados do Espírito Santo invadem hospital”.

9. Roberta Jansen, “Metade dos médicos relata pressão para dar remédio sem comprovação científica”.
10. Suzana Correa, “Médicos relatam demissões, agressões e coerção para receitar ‘tratamento
precoce’”.

11. House of Representatives of the United States. House Resolution 24, 13 jan. 2021. Disponível em:
<https://www.congress.gov/bill/117th-congress/house-resolution/24/text>. Acesso em: 7 maio 2021.
12. Para uma análise sobre o segundo impeachment de Trump, cf. meu artigo “O dilema do
impeachment”.

13. Agência Reuters, “Bolsonaro ataca Barroso por  da Covid e diz que falta coragem moral ao
ministro do ”. O italiano Cesare Battisti foi condenado em seu país natal por crimes cometidos
enquanto integrava o grupo Proletários Armados pelo Comunismo, na década de 1970. Em 2007,
foragido da justiça italiana, foi preso no Brasil. O governo brasileiro concedeu asilo político a Battisti em
2009, gerando longa disputa judicial. Em ato derradeiro de seu governo, Lula decidiu não extraditar
Battisti. A situação do italiano sofreu reviravoltas e ele fugiu do Brasil, provavelmente no final de 2018.
Foi preso na Bolívia e enviado à Itália, onde cumpre pena por suas condenações.

14. Houve outros episódios que ensejaram ameaças ou mentiras de Bolsonaro em relação ao . Os
mais conhecidos são: o “Inquérito das Fake News”, que investiga ataques contra o  e seus ministros,
principalmente por parte de apoiadores de Bolsonaro; as decisões sobre competência de governadores e
prefeitos para combater a pandemia de covid-19; e as decisões do ex-ministro Celso de Mello quanto aos
pedidos de partidos de oposição para a apreensão do celular do presidente (o qual foi indeferido) e à
exibição da gravação da reunião ministerial de abril de 2020 (o qual foi deferido).

15. Art. 7o: “São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e
sociais: […] 9. violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem
assim os direitos sociais assegurados no art. 157 da Constituição”. Os artigos em questão referem-se à
Constituição de 1946, vigente à época da aprovação da lei no 1079/1950. Na Constituição de 1988, os
direitos sociais, um dos quais é o direito à saúde, estão previstos no artigo 6o.
16. Para uma base de dados atualizada das denúncias contra Jair Bolsonaro, ver Agência Pública, “Os
pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro”. Participei da elaboração de uma das denúncias
apresentadas contra Bolsonaro por sua atuação na pandemia, juntamente com Eloísa Machado e Juliana
Vieira dos Santos (cf. Conjur, “Ex-ministro da Saúde assina pedido de impeachment de Bolsonaro”).
17. Daniel Carvalho e Natália Cancian, “Brasil negou 3 vezes ofertas da Pfizer e perdeu ao menos 3
milhões de doses”. Bolsonaro também ordenou pessoalmente o cancelamento de opção de compra de 46
milhões de doses da Coronavac (cf. Guilherme Mazui, “‘É simples assim: um manda e o outro obedece’,
diz Pazuello ao lado de Bolsonaro”).

18. Deisy Ventura, Fernando Aith e Rossana Reis, “Propagação da Covid-19 no Brasil foi intencional”.
Para uma análise sistemática de maior fôlego, cf. Conectas e Cepedisa, “Direitos na pandemia”.
19. Caio C. Vieira Machado et al., Scientific [Self-]Isolation: International Trends in Misinformation and the
Departure from the Scientific Debate.
20. Ricardo Della Coletta e Bernardo Caram, “É guerra, tem que jogar pesado com governadores, diz
Bolsonaro à Fiesp”.
21. Em maio de 2020, o Conselho Nacional de Saúde divulgou o manifesto “Repassa Já”, assinado por 25
dos conselhos estaduais, protestando por verbas para equipamentos de proteção, testes, leitos de  e
outras formas de apoio aos profissionais de saúde nos estados (cf. Conselho Nacional de Saúde,
“Manifesto Repassa Já!”).

22. João Prata, “ cobra governo federal por descumprir custeio de leitos em São Paulo;  e  não
receberam verba”.
23. Para uma exposição visualmente ordenada das normas pró-disseminação do vírus produzidas pelo
governo federal, cf. Conectas e Cepedisa, “Direitos na pandemia”, p. 8ss.

24. Senado Notícias, “Bolsonaro veta uso obrigatório de máscara no comércio, em escolas e em igrejas”.
25. Paulo Brossard, O impeachment, p. 197.

26. Conectas e Cepedisa, “Direitos na pandemia”.


27. Em abril de 2021, quando este texto foi concluído, a pesquisa PoderData de 15 de abril de 2021
registrava 56% de reprovação ao governo de Bolsonaro contra apenas 34% de aprovação (cf. Sabrina
Freire, “56% rejeitam governo Bolsonaro; taxa parece ter atingido o pico”. Em março de 2021, uma
pesquisa da consultoria Atlas registrou resultado semelhante: 57% de avaliação negativa e 25% de
avaliação positiva (cf. Ricardo Mendonça, “Avaliação negativa de Bolsonaro sobe para 57%, mostra
pesquisa Atlas”).

28. Cf. Fernando Limongi e Argelina Cheibub Figueiredo, “Por seu intervencionismo imoderado, 
não terá como evitar confronto com Bolsonaro”.
29. Um campo de pesquisa mais recente sobre a relação entre protesto político e impeachments
contempla o fenômeno a partir de suas dimensões de gênero. Nessa linha, a deposição de Dilma Rousseff
rende um profícuo estudo de caso, tendo-se em vista diversos atos de protesto especificamente
direcionados a sua condição feminina. Confira-se, principalmente, Pedro A. G. dos Santos e Farida
Jalalzai, Women’s Empowerment and Disempowerment in Brazil, pp. 36 ss.
30. Fernanda Calgaro, Luiz Felipe Barbiéri e Paloma Rodrigues, “Questionado sobre impeachment, Maia
diz que prioridade no momento é crise do coronavírus”.

31. Luiz Calcagno, “Rodrigo Maia volta a descartar impeachment de Bolsonaro”.


32. O Globo, “‘Reação desproporcional’, diz Maia sobre ameaça de Bolsonaro a repórter do Globo”.

33. , “Maia nega omissão e diz que impeachment de Bolsonaro tiraria foco da covid”.

34. Ao longo de janeiro de 2021, Manaus viveu um colapso completo de seu sistema de saúde, com falta
de leitos e de cilindros de oxigênio, em decorrência da covid-19. A cidade saltou de 263 mortos em
dezembro de 2020 para mais de 2195 mortos no mês seguinte. Houve ainda recorde de internações pela
covid na cidade naquele mês, levando à falta de oxigênio e acarretando mortes de dezenas de pacientes
hospitalizados por asfixia (cf. Ivana Cristina de Holanda Cunha Barreto et al., “Colapso na saúde em
Manaus: O fardo de não aderir às medidas não farmacológicas de redução da transmissão da Covid-19”).

35. Kelli Kadanus, “Maia deixa 57 pedidos de impeachment na gaveta e diz que  é inevitável”.

36. Ministério da Saúde, “Óbitos acumulados de Covid-19 por Semana Epidemiológica de notificação”.

37. Andréia Sadi, “‘Não vou deferir impeachment’, diz Rodrigo Maia”.
38. Agência Câmara de Notícias, “Câmara nega autorização para processo contra Temer no Supremo”.

39. Câmara dos Deputados. Sessão Extraordinária no 199, 2 ago. 2017. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/internet/votacao/Resultado_Votacao_SIP_1-2017_UF.pdf>. Acesso em:
18 abr. 2021.

40. Datafolha, “Avaliação do presidente Michel Temer, 813939, 27 e 28 set. 2017”.

41. Datafolha, “Avaliação do presidente Michel Temer, 813983, 18 e 19 dez. 2018”.

42. Fiquem Sabendo, “Os pedidos de impeachment contra presidentes brasileiros desde 1990”.

43. Jairo Nicolau, O Brasil dobrou à direita: Uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018.
44. Datafolha, “Avaliação dos governantes na pandemia”.

45. Como apontei no capítulo 5, o destaque na votação, ocorrido na condenação de Dilma em 2016,
responsável por não se suspenderem os direitos políticos da presidente, não tem amparo constitucional e
representou um desvio do procedimento juridicamente correto.
46. Lula fez poucas falas de apoio ao impeachment. A mais contundente foi em outubro de 2020, quando
usou o Twitter para dizer que partidos e parlamentares ganharam “um motivo para discutir” o
impeachment a partir do veto de Bolsonaro à compra de vacinas do Instituto Butantan (cf. , “Lula
defende impeachment de Bolsonaro por vetar compra de CoronaVac”).

47. Naoko Kada, “Comparative Presidential Impeachment: Conclusions”, p. 149.


48. Folha de S.Paulo, “Bolsonaro cede à pressão do Centrão e promove trocas em 6 ministérios”.

49. Gabriella Soares, “Bolsonaro liberou R$ 511,5 milhões em emendas para o Congresso em janeiro”.
50. Thiago Resende e Fábio Pupo, “Emendas do Orçamento privilegiam estados de aliados de
Bolsonaro”.

51. Fernanda Trisotto e Bruno Rosa, “Ministério da Economia diz que Censo de 2021 está cancelado”.
52. Na base da Agência Pública (“Os pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro”), são os pedidos de
números 14, 39, 61, 70 e 106.

53. Agência Pública, “Os pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro”, pedido número 34.

54. ,  7362, rel. min. Cármen Lúcia, j. 22 abr. 2021. A ministra relatora negou seguimento ao
mandado de injunção, argumentando que “não há dispositivo constitucional a impor [ao presidente da
Câmara dos Deputados] o dever de estabelecer prazo para se apreciar requerimento de afastamento do
presidente da República”.

55. Agência Pública, “Os pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro”, pedido número 32.
56. Em 15 de janeiro de 2021, o governador de São Paulo aproveitou o auge da crise em Manaus para
cobrar “reação” do Congresso contra Bolsonaro (cf. Bruno Ribeiro, “Doria sobe o tom e cobra ‘reação’
do Congresso contra Bolsonaro”). No final do mesmo mês, Doria comparou Bolsonaro a um “vírus” que
precisava ser combatido (cf. Monica Bergamo, “Doria fala em ‘vírus Bolsonaro’ ao comentar
impeachment em entrevista a  internacional”). Em fevereiro, ele voltou à carga e explicitamente
defendeu que o Congresso Nacional avaliasse as denúncias por crimes de responsabilidade já
apresentadas contra Bolsonaro (Eduardo Simões, “Doria defende que Congresso avalie pedidos de
impeachment de Bolsonaro”).

57. O senador Tasso Jereissati, figura histórica de destaque no , tem se mostrado pouco entusiasta
do impeachment, por exemplo (cf. Thiago Resende e Renato Machado, “Não há dúvida da culpa do
governo no desastre da pandemia, diz Tasso, membro da  da Covid”).

58. O manifesto, lançado em março de 2021, foi assinado por ex-ministros da Fazenda, ex-presidentes do
Banco Central e do  e presidentes de importantes instituições financeiras (cf. Merval Pereira,
“Lockdown emergencial”).

59. Ingrid Soares e Israel Medeiros, “Jantar de Bolsonaro com empresários causa controvérsia no meio
econômico”.
60. Em 1954, Getúlio Vargas sobreviveu ao impeachment examinado no capítulo 3, mas nem por isso viu
diminuir a pressão incessante contra seu governo. Michel Temer, em 2017, resistiu ao pedido de licença
para processo criminal perante o  e não teve por isso um governo mais fácil: conviveu com
impopularidade crescente e com cercos constantes a seus principais aliados políticos. Nos Estados
Unidos, Andrew Johnson não sucumbiu ante uma primeira tentativa de impeachment em 1867, mas em
1868 seus opositores voltaram à carga, e ele escapou por apenas um voto no Senado; e em 2019 Donald
Trump foi absolvido em um primeiro processo de impeachment, mas foi novamente acusado no final do
mandato, além de ter sido derrotado nas eleições.

61. Agência Brasil, “Eduardo Bolsonaro diz que basta 'um soldado e um cabo' para fechar ”, 21 out.
2018. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-10/eduardo-bolsonaro-
diz-que-basta-um-soldado-e-um-cabo-para-fechar-stf>. Acesso em: 25 maio 2021.

Anexo I: Ritos do impeachment na Câmara dos Deputados e no


Senado Federal

1. Senado Federal, Atos do Senado Federal, “Senado Federal como órgão judiciário — Processo e
julgamento do presidente da República — Rito procedimental”, Diário Oficial da União, 8 out. 1992, pp.
14 246-7. Doravante mencionado como “Senado como órgão judiciário”.

2. Na sistemática original da lei no 1079/1950, o juízo de acusação cabia à Câmara dos Deputados. Com
a Constituição de 1988, nos termos das decisões do  no  21 564 e na  378, os juízos de
acusação e julgamento ficaram concentrados no Senado Federal.

3. Embora a  378 mencione a regra da proporcionalidade, considerados tanto partidos quanto
blocos, apenas para a eleição da comissão especial na Câmara, a regra deve valer também para a
comissão especial do Senado. Não apenas porque essa é a regra geral de composição das comissões no
Senado, conforme determinação do próprio regimento interno da casa (art. 380, ), mas também
porque diversos dos papéis da Câmara na lei no 1079/1950 foram atribuídos ao Senado na Constituição
de 1988, já que essa casa condensou os juízos de acusação e julgamento, nos termos das ações apreciadas
pelo  nas épocas dos processos de Fernando Collor e Dilma Rousseff, e dos ritos observados pela
Câmara e pelo Senado nas mesmas ocasiões.

4. No documento que estabeleceu o rito do impeachment no Senado à época do julgamento de Collor,


que foi reafirmado, com pequenos ajustes, na  378, faz-se menção ao art. 332 do Código de
Processo Civil de 1973, que corresponde ao art. 369 da lei atual.
5. Senado Federal, Autos do processo de “impeachment” contra a presidente da República (Den.
1/2016), v. 70, pp. 26 241-7.
Anexo III: Indicações de leitura sobre impeachment

1. Ver <https://www.british-history.ac.uk/no-series/parliament-rolls-medieval>.
2. National Archives, Richard Nixon Presidential Libraries & Museum, Oral Histories. Disponível em:
<https://www.nixonlibrary.gov/oral-histories/>. Acesso em: 28 out. 2020.

3.  Cultura, Roda Viva: Impeachment de Collor, 1992. Disponível em:


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renato parada

RAFAEL MAFEI é professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo


e pesquisador do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (Laut). Com
artigos publicados no Brasil e no exterior, escreve regularmente para Folha de
S.Paulo e piauí, e é coautor de Curso de história do direito, vencedor do prêmio Jabuti.
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Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em
2009.

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Sem título, de David Galasse, 2021, técnica digital, 29,7 × 29,7 cm.

Preparação
Angela Ramalho Vianna

Checagem
Plínio Lopes

Revisão
Clara Diament
Thiago Passos
Márcia Moura

Versão digital
Marina Pastore

 978-65-5782-254-8

Todos os direitos desta edição reservados à


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