Elementos de Historia Da Ed mat-WEB PDF
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HISTRIA DA
EDUCAO
MATEMTICA
ANTONIO VICENTE MARAFIOTI GARNICA
LUZIA APARECIDA DE SOUZA
ELEMENTOS DE
HISTRIA DA EDUCAO
MATEMTICA
Conselho Editorial Acadmico
Responsvel pela publicao desta obra
ELEMENTOS DE
HISTRIA DA EDUCAO
MATEMTICA
2012 Editora UNESP
Cultura Acadmica
Praa da S, 108
01001-900 So Paulo SP
Tel.: (0xx11) 3242-7171
Fax: (0xx11) 3242-7172
www.editoraunesp.com.br
[email protected]
G222e
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7983-293-2
Apresentao 7
1. Educao Matemtica, Histria,
Histria da Matemtica e
Histria da Educao Matemtica 17
2. Sobre propostas de interveno:
Histria e historicidade como temas
no cotidiano escolar 49
3. Histria oral e histria oral em
Educao Matemtica 93
4. Analisar imagens em estudos historiogrficos:
parmetros, possibilidades e exemplos 121
5. Memrias de uma escola isolada rural:
um exerccio de anlise documental 143
Antes de prosseguir... 167
6. A Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da
Universidade de So Paulo 175
6 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
Os autores
Interlocues
6. Podemos fazer uma distino entre Histria e Historiografia. Histria seria como
que o fluxo em que as coisas ocorrem no tempo, e a Historiografia seria o registro
desse fluxo, as narrativas a partir das quais podemos conhecer e tentar compreender
aspectos desse fluxo. A disciplina escolar que comumente chamamos de Histria
, na verdade, a tentativa de compreenso da Histria (do fluxo em que vivemos) a
partir de fontes e anlises historiogrficas. Resumindo, a Histria o fluxo con-
tnuo em que vivemos; a Historiografia o registro e estudo desse fluxo a partir das
informaes que se tem sobre ele. Neste texto, entretanto, vamos usar Histria e
Historiografia de uma forma mais livre que , inclusive, usual.
7. Note que, embora afirmemos que no h algo a que se possa chamar A Histria
verdadeira, mas verses histricas, assumimos tambm que as verses, quais-
quer que sejam, devem ser construdas legitimamente, plausivelmente, ainda que
no haja convergncia entre as verses. No se faz Historiografia de qualquer
jeito. H regras para isso, h procedimentos. Mas, mesmo seguindo rigorosa-
22 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
mente esses procedimentos, o que deles resulta so verses que podem reforar ou
contradizer outras verses, e todas so verses legtimas se constitudas de modo
fundamentado, plausvel, argumentado. Assim, defendemos que o que rege a ela-
borao de verses historiogrficas no a veracidade, mas a plausibilidade.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 23
11. Veja, por exemplo, esse pequeno artigo publicado num jornal de Bariri, uma ci-
dade do interior do Estado de So Paulo, com o ttulo O Grupo Escolar Prof.
Euclydes Moreira da Silva: narrativa e lugar de memria: No Brasil, ao con-
trrio do que aconteceu, por exemplo, na Frana, a proclamao da Repblica
no foi um movimento popular. Na Frana, a queda da Monarquia implicou uma
srie de revoltas das quais participaram militares, polticos, filsofos, comer-
ciantes, trabalhadores, etc. No Brasil, a passagem de um sistema imperial para
um regime republicano foi um projeto pensado e desenvolvido pela elite. Disso
resultou, nos anos que se seguiram a 1889, a necessidade de propagandear para a
populao a natureza e as vantagens de um regime poltico novo. A estratgia
para essa popularizao dos ideais republicanos envolveu diretamente a criao
de smbolos (uma bandeira, os hinos, a inveno de um grupo de heris, etc.) que
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 29
(na altura do teto e das portas, bem diferente do que vemos nas cons-
trues mais modernas), na decorao da sala e da mesa, etc.
Um documento abre perspectivas de anlise, mas dificilmente d
conta, sozinho, de montar todo um cenrio. Assim, quanto maior a
quantidade e diversidade de documentos disponveis, mais funda-
mentado estar o pesquisador e mais legitimadas estaro suas com-
preenses, seus argumentos.
Alm das fotografias, so considerados fontes para a escrita da his-
tria os cadernos de alunos, os livros didticos, boletins, exames, planos
de ensino, documentos pessoais, desenhos, documentos escolares (li-
vros de ponto, dirio de classe, livro de matrcula, atas de reunies pe-
daggicas, de associaes de pais, de exames, etc.), objetos escolares
(mveis e utenslios utilizados para o ensino), monumentos, entrevistas
com antigos alunos, professores, diretores, inspetores de ensino, etc.
A construo de verses histricas (da Matemtica, da Educao
Matemtica ou do que quer que seja), caso possvel, deve valer-se das
mais diversas fontes, para que seja possvel articular diferentes infor-
maes.
Considerando as diversas possibilidades de abordar tema to
vasto como o das interlocues da Educao Matemtica com a His-
tria, a sequncia deste captulo pautou-se numa escolha: optamos
por tecer, em seguida, algumas consideraes sobre a Histria da Ma-
temtica e a Histria da Educao Matemtica.
Histria da Matemtica
14. Esse problema verifica-se tambm na Historiografia em geral. comum nos livros
de Histria, por exemplo, indicar a Idade Mdia (ou o Medievo, como tambm
chamado esse perodo) de Idade das Trevas, o que pressupe no ter havido,
poca, produo alguma de conhecimento (seja artstico, cientfico, literrio), ne-
nhuma forma de iluminao ao conhecimento. O mesmo se aplica aos arquivos que
so chamados arquivos mortos, como se o fato de serem arquivos inativos, ou
seja, no usados no dia a dia das escolas, implicasse que no se pode, a partir deles,
produzir conhecimento (historiogrfico, por exemplo). Como esses equvocos, in-
felizmente, so usuais, o apelo de Anglin faz todo o sentido.
36 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
17. H vrias pesquisas voltadas anlise de erros e avaliao. Pesquise e veja quais as
tendncias mais recentes para se pensar essas aes to presentes na prtica profis-
sional do professor!
18. Romlia Mara Alves Souto professora de Matemtica da Universidade Federal
de So Joo Del Rey, em Minas Gerais, e especialista em Histria da Matemtica
e Educao Matemtica, tendo desenvolvido sua dissertao de mestrado sobre
38 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
20. A Histria da Matemtica Escolar pode ser vista como uma parte do que cha-
mamos de Histria da Educao Matemtica. A Histria da Matemtica Escolar
est diretamente interessada em como, na escola, a Matemtica vem se articu-
lando, vem sendo ensinada no correr dos tempos. Esse estudo, obviamente, en-
volve fatores que escapam sala de aula e por isso no to ntida a distncia
entre a Histria da Educao Matemtica e a Histria da Matemtica Escolar.
Entretanto, se considerarmos que a Matemtica que circula nos domnios da es-
cola no necessariamente aquela Matemtica produzida pelos matemticos (ou
seja, se considerarmos que a Matemtica Escolar no uma transposio ou uma
simplificao ou uma descaracterizao da Matemtica desenvolvida pelos mate-
mticos, mas uma Matemtica prpria; ou, ainda, se conseguirmos caracterizar a
Matemtica profissional em relao Matemtica que vai escola, ou, segundo
alguns pesquisadores, a Matemtica do matemtico daquela Matemtica do pro-
fessor de Matemtica, ou, mais ainda, se considerarmos que a Educao Mate-
mtica volta-se a compreender as instncias e o contexto em que ocorrem o ensino
e a aprendizagem de Matemtica, e que aprender e ensinar Matemtica no algo
que ocorre apenas na escola), estaremos j estabelecendo uma diferenciao entre
a Histria da Educao Matemtica, a Histria da Matemtica e a Histria da
Matemtica Escolar.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 43
No sei quem voc ; preciso saber. No sei tambm onde voc est
(sei apenas que est em algum lugar), preciso saber onde voc est para
que eu possa ir at l falar com voc e para que possamos nos entender
e negociar um projeto no qual eu gostaria que estivesse presente a pers-
pectiva de voc ir a lugares novos. (Lins, 1999, p.85)
21. Antes da USP existiam escolas de ensino superior ainda que isoladas e em
quantidade muito reduzida espalhadas pelo pas. Essas escolas no constituam
um espao sistemtico e plural para o estudo de diversas reas: voltavam-se a al-
gumas reas especficas, e eram dirigidas elite (dessas reas, as mais comuns
eram o Direito, a Engenharia e a Medicina). A prpria Universidade de So Paulo
foi criada, em 1934, a partir de escolas superiores j existentes, dentre as quais a
Escola Politcnica de So Paulo e a Escola de Direito do Largo So Francisco.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 45
Consideraes
1. Isso significa que podemos conduzir uma investigao usando a histria oral
como metodologia, sem necessariamente ter a inteno de disparar uma ope-
rao historiogrfica. Valer-se da histria oral, entretanto, sempre implicar al-
guns cuidados historiogrficos posto que uma das funes do oralista criar
fontes que so, potencialmente, queira ou no o pesquisador, historiogrficas.
Criar fontes ou torn-las documentos disso tambm j tratamos no cap-
tulo 1 uma expresso simplificada, j que todo documento , em essncia, uma
criao. Ou seja, documentos no so objetos materiais pedras, papel, fitas
magnticas , so leituras, atribuies de significados, apropriaes intencionais
das informaes inscritas em determinados suportes materiais ou manifestaes.
Um documento s nasce da interrogao.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 51
2. Desde que seja um modo exequvel, que vise aproximao autntica com o ob-
jeto e no ao mero cumprimento de uma exigncia formal.
3. J tratamos, ainda que brevemente, no captulo 1, dos grupos escolares e alguns
elementos da histria dessas instituies de ensino. Entretanto, no custa reiterar
que os grupos escolares surgiram como promessa de superao de uma determi-
nada situao de ensino e foram institudos segundo as ideias e mtodos de ensino
que orientavam a organizao do ensino primrio no pas no final do sculo XIX e
incio do sculo XX. Os grupos escolares foram criados com a proposta de su-
perar as classes isoladas em que vrios professores tinham que improvisar, em
sua prpria casa, um espao para ministrar suas aulas em troca de uma ajuda de
custo em seu aluguel. Alm de espao prprio e comum a diversos alunos e pro-
fessores, a criao desses grupos escolares levou distribuio de alunos em sries
anuais com contedos especficos a serem trabalhados em cada uma delas e
constituio de um corpo de professores, trazendo tona a necessidade de coor-
denao de atividades no mbito das unidades escolares. Para Saviani (2004), a
implantao dos grupos escolares a partir de 1890 representou o incio da escola
52 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
pblica no Brasil. Cabe ressaltar que a pedagogia jesutica, as aulas rgias e movi-
mentos descontnuos at 1890 caracterizam-se como antecedentes da organizao
pblica do ensino no pas. Os grupos escolares, logo aps sua criao, foram iden-
tificados como um fenmeno tipicamente urbano, j que, na zona rural, ainda
prevaleciam as escolas isoladas. Estas ltimas, entretanto, por serem de carter
provisrio, tenderiam a desaparecer, ao passo que os grupos escolares passariam
a ser identificados como escolas primrias propriamente ditas. Implantada no
Brasil a partir do Estado de So Paulo, como parte da reestruturao do ensino
que se iniciou pela reforma da escola normal em 1890 (Souza, 1998), a estrutura
dos grupos escolares foi extinta em meados da dcada de 1970. Adotando o m-
todo intuitivo, revelando uma influncia americana nos primeiros momentos das
reformas educacionais, os grupos escolares seguiam princpios racionais, pau-
tados na diviso do trabalho e no atendimento a um grande nmero de crianas
dos centros urbanos que se agitavam e prometiam um crescimento sob o novo
modelo poltico. O governo, sempre estimulando a contribuio dos particu-
lares em troca da homenagem pblica, em poucos anos concretizou diretrizes
pedaggicas bastante diferenciadas daquelas vigentes no Imprio para suas es-
colas urbanas. O projeto da Repblica no foi um projeto popular (Carvalho,
2006) e era necessrio levar os ideais republicanos para alm da elite que o havia
possibilitado: nisso, o modelo educacional projetado para os grupos escolares
teria muito a contribuir. A ordem; a defesa aos preceitos de higiene; a diviso ra-
cional do tempo; as atividades sequenciais e ininterruptas atendendo a um mesmo
tempo, num mesmo espao (agora racionalmente subdividido em sries e salas),
um grande contingente de alunos; o esforo por consolidar um imaginrio socio-
poltico republicano com os exames, as festas de encerramento, as exposies
escolares e as comemoraes cvicas (Souza, 1998, p.23); a arquitetura eloquente
dos prdios especialmente projetados tm essa funo de afirmar a Repblica,
divulgando um iderio que tenta afastar as prticas da Repblica das do Imprio,
tidas ento como obscurantistas.
4. Com a extino dos grupos escolares em meados da dcada de 1970, os prdios
ocupados por essas instituies passaram a ser controlados pelos governos esta-
duais ou, mais recentemente, pelos municpios, que neles fizeram funcionar es-
colas de ensino fundamental.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 53
5. O poro do edifcio em questo servia como depsito para uma infinidade de re-
gistros escolares e outros materiais posteriores dcada de 1970.
6. Os trabalhos duraram cerca de trs anos, e o arquivo, integralmente restaurado,
foi devolvido ao municpio. Uma descrio bsica de todos os documentos e um
roteiro de identificao por etiquetas acompanha, hoje, o conjunto de docu-
mentos recuperados. O processo de recuperao envolveu cinco pesquisadores e
os materiais do arquivo serviram de base para o desenvolvimento de quatro in-
vestigaes paralelas, de iniciao cientfica. Todos os documentos foram higieni-
zados pgina a pgina; clipes, grampos e fitas adesivas foram substitudos;
encadernaes foram refeitas; novas pastas e fichrios foram adquiridos; e os li-
vros de registros foram encapados e etiquetados.
54 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
9. <www.museudapessoa.net>.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 65
1) Sensibilizao
Trata-se de encontros de curta durao que visam a possibi-
litar o contato com conceitos bsicos acerca da memria e da
histria por meio de atividades individuais e coletivas.
2) Formao
Engloba atividades de formao continuada de profissionais
de diferentes instituies visando implantao e/ou conti-
nuidade de projetos de registro, preservao e difuso da me-
mria em suas prprias organizaes e comunidades.
3) Memria local na escola
Realizada pelo Museu da Pessoa e pelo Instituto Avisa L (no
governamental) por meio de parcerias com as secretarias mu-
nicipais de Educao, estaduais de Ensino e de Assistncia So-
cial, essa frente prope intervenes em escolas da rede pblica
do ensino fundamental de diversos estados do pas visando a
envolver a comunidade escolar no registro da memria local.
10. <www.museudapesssoa.com.br>.
66 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
Uma experincia
foi vivenciado por seus pais e avs. Enquanto essas questes iam
sendo agrupadas, as crianas faziam, com a professora responsvel
pela sala, novos desenhos ligados ao grupo.15 As indagaes surgidas
nas trs turmas foram, ento, agrupadas a partir da seguinte orien-
tao: Se pudessem conversar, neste momento, com algum que es-
tudou aqui na sua escola antes de 1975, o que perguntariam?.
Elaborou-se ento um roteiro com os temas que os mobilizavam
ainda naquele momento.
Consideraes
16. Em alguns casos, com razo, o termo resgate tem sido evitado nos trabalhos
historiogrficos, pois pressupe a existncia prvia de algo. Assim, segundo as
concepes contemporneas, imprprio dizer resgate histrico, posto que
isso pressuporia uma histria de algum modo oculta, mas preexistente, a ser des-
coberta. As histrias que as fontes permitem elaborar so interpretaes, cria-
es, apropriaes e, portanto, so sempre nascentes. Entretanto, muitas vezes,
necessrio resgatarmos, em sentido lato, materiais dispersos, esquecidos, per-
didos, armazenados de forma tosca, vtimas de uma decomposio que a m con-
servao acelera. Dentre os que trabalham com Histria da Educao, resgates
dessa natureza so bem conhecidos, sendo usual ocorrerem emergencialmente.
17. Os termos transcrio e textualizao so prprios do trabalho com a his-
tria oral. A transcrio o primeiro momento de transformao da oralidade
em texto escrito, o registro em caracteres grficos compreensveis do que foi
gravado no momento da entrevista. Nesse momento, o pesquisador tenta manter-
-se o mais fiel possvel ao que ouve na fita, registrando inclusive os erros de
linguagem, interrupes, situaes e sensaes por ele percebidas como sig-
nificativas (nisso pode ajud-lo o dirio de campo no qual ficam registradas suas
impresses). A textualizao , na verdade, uma srie de momentos relativos a
uma elaborao textual que ocorre a partir da transcrio. Cumpre textuali-
zao refinar estilisticamente a transcrio, podendo o pesquisador alterar a
ordem de frases, suprimir vcios de linguagem (cuidando para no descaracte-
80 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
Arquivos escolares
19. O acervo das escolas isoladas (ncleos escolares usualmente rurais vinculados
administrativamente ao grupo escolar) no foi considerado nesta pesquisa, mas foi
tambm, posteriormente, recuperado e devolvido ao municpio de Pederneiras.
20. O texto a seguir parte do relatrio de iniciao cientfica de Kakoi (2008). A des-
crio do acesso ao acervo e da recuperao, higienizao e sistematizao dos ma-
teriais, feita por Kakoi no texto, um excelente roteiro de atividades para o trabalho
com arquivos escolares, posto que, ao mesmo tempo, exequvel a equipes no es-
pecializadas e no negligencia os cuidados mnimos necessrios a uma empreitada
como essa:
No ano de 2007, foi possvel, aps algumas reunies com a Secretria de Edu-
cao do Municpio de Pederneiras sra. Tereza Hilrio da Silva e com a di-
reo da atual Escola Municipal Eliazar Braga, que funciona no antigo prdio do
Grupo Escolar, termos acesso ao arquivo inativo da Instituio, guardado at
ento no poro. Feita uma prvia separao, organizao e catalogao, o material
foi provisoriamente removido para uma sala climatizada, disponibilizada pelo
Departamento de Matemtica da UNESP/Campus de Bauru. Alocados no poro
encontravam-se todos os tipos de documentos usuais ao funcionamento de uma
instituio de ensino, como por exemplo: livros de atas, termos de visita, mapas
de movimentao, boletins de frequncia de professores, dentre outros. Junto
tambm se achavam os documentos das Escolas Isoladas vinculadas ao Grupo
Escolar Eliazar Braga. No entanto, esta pesquisa no se dedica ao estudo do ar-
quivo dessas Escolas Isoladas (outro projeto cuida dessa documentao), apesar
de reconhecermos a importncia dessas escolas no contexto educacional da poca.
Com visitas agendadas junto direo da escola para o trabalho in loco no ar-
quivo, primeiramente foi separado todo o material do Grupo Escolar relativo ao
perodo de 1920 a 1975, datas de criao e extino do Grupo, dado que tambm
havia na sala documentos mais recentes e de outras instituies. Em decorrncia
da poeira excessiva, o material foi previamente higienizado, no prprio local, com
flanelas, seguindo-se uma separao em blocos por tipo e espcie [por exemplo,
livros de frequncia (tipo) foram subdivididos entre frequncia de alunos e de
professores (espcies)]. Feita a separao e organizao prvia do arquivo, ainda
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 87
no poro, esboou-se um catlogo em que cada documento foi listado. Essa lis-
tagem foi conferida por uma historiadora do municpio de Pederneiras, especial-
mente designada para a conferncia do material antes de sua remoo. Num
ambiente mais adequado, a sala do GHOEM na UNESP/Bauru, de melhor es-
trutura fsica e tecnolgica, dada a existncia de computador, impressora, scanner,
ar-condicionado, dentre outros recursos, iniciou-se o trabalho mais minucioso de
higienizao, recuperao, complementao e manuteno do arquivo. Iniciou-se
tambm um trabalho paralelo de constituio de acervo iconogrfico relativo ao
Grupo Escolar a partir de registros disponveis na Instituio e outros materiais
recolhidos junto comunidade do municpio; e foi iniciada a coleta de depoi-
mentos com antigos alunos, professores, administradores e funcionrios do
Grupo Escolar. Paralelamente, foram estudadas estratgias para a formao em
servio dos professores das redes municipal e estadual da cidade de Pederneiras,
visando a implantar em salas de aula projetos cujo tema central seria o conceito de
historicidade prxima. Foram tambm pensados modos de comprometer a co-
munidade escolar com o processo de recuperao do arquivo e convenc-la da
importncia desse resgate para a histria das instituies escolares do municpio.
Quanto questo tcnica, nesse processo de recuperao do arquivo morto
seguimos as indicaes de Baeza (2003). De acordo com os procedimentos reco-
mendados, o arquivo j na sala climatizada da UNESP foi adequadamente
higienizado, retirando a poeira existente e as peas de metais que enferrujavam os
papis, deteriorando-os com o passar do tempo. Foram tambm retiradas fitas
adesivas velhas que amarelavam os documentos e, em alguns casos, omitiam gra-
fias, citaes e datas (problemas tambm notados com as ferrugens). As peas de
metal foram substitudas por outras, de plstico, visando a conservao (manu-
teno) e maior durabilidade do arquivo. Os documentos unidos por clips e
grampos metlicos foram separados por folhas de almao buscando preservar os
grupos de papis. Livros antigos foram re-encadernados e todos os livros do
acervo foram encapados com papel adequado na cor preta. Novas pastas foram
adquiridas para organizar o conjunto de documentos que se encontrava em pastas
deterioradas. Recuperado esse material, cada exemplar do acervo foi catalogado
com etiquetas de cores diferentes para cada tipo de material. J no primeiro se-
mestre iniciou-se a sistematizao mais minuciosa dos contedos de cada um dos
livros do arquivo. Essa pesquisa pretende descrever os Livros de Atas (Atas de
Reunies Pedaggicas, Atas de Exame, Atas de Conselho, Atas do Caixa Es-
colar, entre outras) para que possa ser criado, a partir dessa descrio, um registro
especfico que facilite o acesso a esses materiais para pesquisas futuras.
88 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
21. Da comunidade vieram (como emprstimo, para cpia) livros das dcadas de
1950 e 1960, fotografias, cadernetas (boletins), um documento de admisso,
cartas, jornais, uma certido de batismo e um diploma; e, como doao, Enciclo-
pdias de Cincias e Tecnologia (dcada de 1960) e trs livros (dcadas de 1910 e
1930). Surpreendentemente, um morador da cidade nos levou um tijolo que, se-
gundo ele, foi usado na construo do grupo escolar e havia sido dado a ele du-
rante uma das reformas do prdio. Vrios foram os casos em que entrevistados
lamentavam o fato de ter se desfeito de documentos pensando que estes no te-
riam mais valor algum. Nesse sentido, os objetivos das campanhas no municpio
so avaliados positivamente. Esse despertar para a importncia e necessidade de
preservao de documentos lembrada por Simson e Giglio (2001): [...] po-
demos perceber que o trabalho com a memria no qual os velhos tm papel
fundamental no nos aprisiona no passado, mas nos conduz com muito mais
segurana para o enfrentamento dos problemas atuais. Ao permitir a recons-
truo de aspectos do passado recente, o trabalho com a memria tambm possi-
bilita uma transformao da conscincia prpria documentao histrica
(ampliando essa noo que abarca, agora, os mais diversos suportes: textos, ob-
jetos, imagens fotogrficas, msicas, lugares, sabores, cheiros), compreendendo
seu valor na vida local, pensando maneiras de recuper-la e conserv-la (p.160).
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 89
22. Notemos que o projeto de Oliveira trata mais especificamente de livros didticos,
embora a hermenutica de profundidade, estudada por esse autor, dirija-se an-
lise de formas simblicas, um conceito mais amplo que abarca os livros didticos.
Nossa inteno, aqui, que, a partir da apresentao dessa hermenutica, o leitor
possa ter indicativos de como analisar as formas simblicas quaisquer que
sejam elas que deseja tomar como objeto de estudo.
23. Pode-se definir forma simblica como toda produo humana intencional e,
nesse sentido, um livro uma forma simblica e, portanto, passvel de ser anali-
sada pelo que Thompson chama de referencial metodolgico da hermenutica de
profundidade (HP). Segundo Oliveira (2008, p.37), as formas simblicas so
construes carregadas de significados produzidos em condies espao-psquico-
-temporais especficas e impossveis de serem identicamente reproduzidas de
um autor. Formas simblicas so aes, falas, escritos e imagens que servem,
de um modo ou outro, para sustentar ou estabelecer relaes de poder (p.29).
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 91
24. Talvez seja legtimo enunciar essa disposio de enfrentamento com a forma sim-
blica em dois momentos: o da elaborao e o da exposio. Certamente, o mo-
mento da exposio implica a construo de uma narrativa ordenada, ao passo
que o momento da elaborao pleno de desordenaes e indeterminaes, ca-
tico como qualquer processo metodolgico de vis qualitativo (Garnica, 2008b).
3
HISTRIA ORAL E HISTRIA ORAL EM
EDUCAO MATEMTICA
que ele a possibilita, ao prover, seja para a pesquisa, seja para alguma
forma possvel de interveno prtica, registros que podem iniciar um
outro movimento de registro, narrativas que implicam a possibilidade
de constituir outras narrativas. Quando cria fontes, o oralista pode,
inclusive, dispor-se a partir delas para a constituio de uma narrativa
historiogrfica. A elaborao da fonte, apenas ela, no o todo de uma
operao historiogrfica. A fonte pode alimentar uma operao histo-
riogrfica, nunca confundir-se com ela. Assim, as fontes criadas ao
mobilizarmos a histria oral podem servir aos mais diversos fins. Re-
gistros de experincias vivenciadas ou fantasiadas, relatos de factuali-
dades vividas ou desejadas, expresses de como o passado comportava
outros futuros que se consolidaram ou no no presente , recursos
para a busca de referncias as mais diversas possveis, as fontes criadas
poderiam ser apropriadas por cineastas que, a partir delas, preten-
dessem compor roteiros; poderiam ser usadas por fenomenlogos
que, a partir delas, poderiam lanar-se a anlises ideogrficas e nomo-
tticas, voltados a compreender determinados temas; poderiam servir
a uma anlise de discurso; ser usadas no ensino fundamental e mdio
como inspiraes para composies escolares ou para trabalhos em
sala de aula que tivessem como inteno, por exemplo, levar os estu-
dantes a compreender sua cidade, sua escola, sua famlia, sua histori-
cidade prxima; poderiam apoiar a reflexo de profissionais (dentre
os quais, obviamente, estudantes e pesquisadores) sobre suas pr-
ticas; ser objeto de estudo dos gerenciadores de polticas pblicas in-
teressados em conhecer como determinados atores sociais enfrentam
cotidianamente temas como violncia, segurana, escolaridade, etc.
As fontes cuidadosa e legitimamente constitudas podem servir a
inmeras finalidades, participando, inclusive, de trabalhos acadmicos
voltados a compreender a Histria da Educao Matemtica no Brasil.
Basta que se mobilize a histria oral para constituir fontes cujo foco
temtico permita a leitura de aspectos que um determinado uso delas
quer realar.
Nesse panorama, os memorialistas so constituidores de regis-
tros: constroem, com o auxlio de seus depoentes-colaboradores,
fontes que so enunciaes em perspectiva, verses que com-
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 99
Entrevistas
Depoimentos e microfsicas
Transcries e textualizaes
2. No portugus falado no Brasil, num grau muito mais acentuado do que ocorre
com o portugus de Portugal, muito ntida a distino entre a lngua falada e a
escrita, e no somente pela grande quantidade de grias e estrangeirismos intro-
duzidos no cotidiano, mas pelo prprio modo do brasileiro de apropriar-se da
linguagem, permitindo-se, com liberdade, conotaes alm do sentido referencial
e literal das palavras e expresses.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 109
O professor caipira
6. Essa disposio dos fazendeiros, muitas vezes divulgada como de boa vontade,
escamoteava interesses polticos, como a necessidade de fixar os colonos para a
formao de grupos de eleitores e o desejo de valorizar a propriedade. Essas pr-
ticas eram tambm comuns na Primeira Repblica.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 113
1. No trataremos, aqui, em detalhe, dos grupos escolares, pois eles j foram discu-
tidos em outros captulos deste livro.
124 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
5. Eu tinha mquina fotogrfica e levava: ficavam doidos quando viam. Tenho fo-
tografias da molecada na frente da escola, no cavalo... (depoimento de Rodolpho
Pereira Lima em Martins, 2003).
6. [...] homem s podia escolher escolas masculinas. Isso oficialmente, pois muitas
vezes, na realidade, quando havia poucas meninas, o professor dava aula (depoi-
mento de Rodolpho Pereira Lima em Martins, 2003).
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 137
12. O ttulo do livro de Horta (1994) resume claramente essas diretrizes do Estado
Novo para a educao: O hino, o sermo e a ordem do dia: a educao no Brasil
(1930-1945).
13. No texto de Sontag (2004), essas posies so contrastadas a partir de duas expo-
sies emblemticas na Histria da Fotografia: a mostra The Family of Man,
organizada por Steichen em 1955; e a exposio de Diane Arbus no Museu de
Arte Moderna de Nova York, em 1972.
140 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
ginar os degraus que levam da escola ao ptio, que nada mais era seno
a extenso dos quintais, um campo aberto de terra batida por onde
transitavam os animais e os trabalhadores da fazenda.
Essa era a estrutura usual das escolas rurais do interior do Estado
de So Paulo. Como tantas outras, reunidas sob a alada do grupo
escolar que, em Bariri, a julgar pelo livro de registro de nomeaes e
licenas de pessoal, resgatado do mesmo monturo, comeou a fun-
cionar em 1914 , as escolas isoladas funcionavam em cmodos de
madeira, constitudos por apenas uma sala, sem a existncia (ou com
existncia precria) de sanitrios, cozinha e ptio. Os prdios esco-
lares muitas vezes eram simplesmente uma adaptao de uma casa
disponvel na regio, cedida pelo proprietrio rural, para ser utilizada
como escola, evidenciando o papel nem sempre compreendido pelos
acadmicos desempenhado pela comunidade camponesa na preser-
vao do sistema escolar nas zonas rurais. A Escola da Fazenda Ponte
Alta era uma escola isolada, mas essa adjetivao servia tanto para
os ncleos situados em zonas rurais quanto nas cidades. De acordo
com o Anurio Paulista de Educao de 1968 (apud Demartini, 1979,
p.121), pela Lei no 3.303, de 27 de dezembro de 1955, que d nova
redao ao artigo 184 do Decreto no 17.689/47, eram consideradas es-
colas isoladas aquelas em que, dentro de uma rea de dois quilmetros
de raio, houvesse 40 crianas em condies de matrcula nas sedes
municipais, ou 30 crianas, quando se tratasse de sedes de distritos ou
zona rural. Essas escolas isoladas s seriam mantidas caso a frequncia
no fosse inferior a 24 alunos durante o ano, em trs meses consecu-
tivos ou em trs visitas do inspetor.
A necessidade das escolas isoladas sempre foi inconteste, mas a
poltica educacional vigente, que privilegiava flagrantemente os n-
cleos urbanos, as relegava a um contnuo exerccio de carncias.
A Escola Mista da Fazenda Ponte Alta/Bela Vista, em seus vinte
anos de registro,2 foi visitada 46 vezes, 19 delas em dias de exame. Em
seu livro de visitas esto registrados comentrios gerais acerca da escola
Procedi hoje verificao dos alunos desta escola mista, regida pela
professora d. Iracema de Oliveira Camponeza do Brasil. Dos 36
alunos matriculados (18 masculinos e 18 femininos), responderam
chamada 29 (15 meninos e 14 meninas) o que equivale a 80,55
(fraco). Constatei a existncia de 24 analfabetos, sendo 13 meninos e
11 meninas. Assisti a algumas aulas e dei outras, notando que a sra
professora se esfora pelo progresso dos seus alunos. Li os trabalhos
grficos e examinei o livro de chamada, nico livro de escriturao
existente na escola. Orientei a sra professora sobre o ensino de leitura,
linguagem, aritmtica, histria, geografia, desenho e trabalhos ma-
nuais. Gostei da disciplina. Recomendo sra professora:
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 147
novembro. [...] O que no condiz com a natureza dos trabalhos que aqui
esto sendo realizados o prdio da escola que acanhado e que se acha
em pssimo estado de conservao. A professora d. Nomia Magalhes e
a Inspetoria j se entenderam com diversos interessados, na presente
data, entre os quais, com o sr. Edmundo Mazzaferra, que prometeu con-
sertar o telhado da escola, proceder limpeza externa e interna, colocar
vidraas e aprontar dependncias necessrias para os alunos.
A relao das autoridades escolares com a comunidade, entre-
tanto, deteriora-se a olhos vistos. Em 22 de outubro de 1940, o ins-
petor anota: A inspetoria lamenta profundamente um fato: h 4 anos
que nas reiteradas visitas a inspetoria percorre o bairro e pede o concurso
dos moradores no sentido de ser melhorado o prdio, em runas, com ps-
sima aparncia e ameaado de ficar sem telhado. Falou pessoalmente
com o sr. Edmundo Mazzaferra, que prometeu acorooar o pessoal do
bairro no sentido de uma reforma no prdio e passados 8 meses a situao
ainda permanece a mesma. A profa d. Nomia Magalhes, no mesmo
intuito, organizou uma lista que resultou infrutfera, no obstante ter
percorrido numerosas casas de moradores. Na presente visita, a inspe-
toria verifica grandes falhas no telhado, faltas de telha, o que torna o
prdio imprprio para a alta finalidade do ensino, e por isso, autoriza
o auxiliar de inspeo a tomar as providncias que o caso requer, uma
vez que no h mais casa para o funcionamento da escola. Diz a profes-
sora d. Nomia Magalhes que tambm no h mais penso para pro-
fessora, tanto que reside em penso, na cidade de Bariri, e que o mesmo
j vinham fazendo suas antecessoras, d. Carmela Tundisi e outras. A
inspetoria verifica que, de fato, pela falta de comodidade, h necessidade
de remoo da escola.
Percebe-se que as autoridades escolares, guardis da boa edu-
cao e responsveis por livrar aquela populao suburbana das ma-
zelas da vida no campo, impondo-lhe valores prprios zona urbana
em que vivem, desfilam, a cada visita, um rosrio de prescries, obri-
gaes, controles. Mas os uniformezinhos que as crianas pro-
metem providenciar no so providenciados; os mutires exigidos da
comunidade no so realizados; as promessas do sr. Mazzaferra em
relao reforma do prdio no so cumpridas; o nmero de matr-
culas no permanece estvel, seguindo mais o calendrio natural das
152 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
Consideraes
Sobre o captulo 6:
a primeira textualizao
2. A degravao da fita de vdeo foi feita por Letcia Batagello, ex-aluna da licen-
ciatura em Matemtica da UNESP/Bauru (SP). Uma primeira verso dessa tex-
tualizao foi publicada na Revista Brasileira de Histria da Matemtica, em
2007.
170 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
Sobre o captulo 7:
a segunda textualizao
5. A degravao da fita de vdeo foi feita por Letcia Batagello, ex-aluna da licencia-
tura em Matemtica da UNESP/Bauru (SP), e uma sua primeira verso foi pu-
blicada pela Revista Zetetik, em 2008.
6. O XI Congresso Interamericano de Educao Matemtica (Ciaem) ocorreu em
Blumenau (SC), de 13 a 17 de julho de 2003.
172 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
Sobre o captulo 8:
a terceira textualizao
algum que a gente sempre quer imitar e de quem queremos estar por
perto. Esse privilgio de eu ter sido aluno dessa faculdade continua com
o privilgio de hoje ter a oportunidade de entrevistar esses trs amigos.
A Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de So
Paulo tem uma posio muito importante na histria da cultura brasi-
leira, em particular na histria da Matemtica. Como vocs sabem, a
Universidade de So Paulo foi criada em 1933 [Ubiratan corrigido por
Cndido: 34]... 1934... continuando a aprender com os professores.
[Cndido complementa: 25 de janeiro]... em 25 de janeiro de 34, em
torno da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras, qual se agregaram
algumas escolas j existentes, como a Escola Politcnica, a Faculdade
de Medicina, a de Direito e outras. A criao da Faculdade de Filosofia,
Cincias e Letras foi um ponto, um marco, na histria cultural brasi-
leira e, no caso da Matemtica, trouxe alguns professores europeus, em
particular o professor Fantappi,3 o professor Albanese,4 que tinham
3. Luigi Fantappi (1901-1956) foi aluno de Vito Volterra, tendo sido por ele in-
fluenciado. Estudou na Universidade de Pisa e doutorou-se em Matemtica no
ano de 1922, responsabilizando-se logo em seguida pelas cadeiras de Anlise Al-
gbrica da Universidade de Florena e Anlise Infinitesimal da Universidade de
Palermo. Segundo DAmbrsio (1999), Fantappi dominava teorias modernas
de lgebra e Geometria e, naturalmente, de Anlise. Ele foi um dos principais
propulsores da teoria dos funcionais, que teve em Volterra um dos pioneiros. Um
funcional essencialmente uma funo cujo campo de definio um espao de
funes. Com uma conveniente topologia no espao de funes, as noes de li-
mite e continuidade so facilmente estendidas e a partir da se faz toda uma teoria
de anlise. Fantappi introduziu o conceito de funcional analtico, sempre acom-
panhando os conceitos da anlise, nesse caso, o de funo analtica. Ele trouxe
essas ideias para o Brasil e aqui teve inmeros discpulos, dentre os quais se des-
tacam Omar Catunda, Cndido Lima da Silva Dias e Domingos Pisanelli, que
deram importantes contribuies teoria dos funcionais analticos. Para maiores
detalhes acerca da biografia e da produo matemtica de Luigi Fantappi, reme-
temos o leitor ao trabalho de Tboas (2005). Nesse doutoramento desenvolvido
junto ao Programa de Ps-Graduao em Educao Matemtica da UNESP/Rio
Claro h, inclusive, uma importante e interessante traduo de memrias de aula
de Fantappi (originalmente manuscritas em italiano por Cndido Lima da Silva
Dias) sobre funcionais analticos.
4. Gicomo Albanese nasceu em Geraci Siculo, no ano de 1890, e faleceu em So
Paulo, em 1947. Em Pisa foi assistente de Dini e Nicoletti e, por alguns meses,
178 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
da por diante tive um contato bem grande com Fantappi. Algum co-
mentou hoje aqui sobre uma revista: essa revista exatamente dessa
poca. Como que se chamava a revista? Jornal de Matemtica Pura e
Aplicada.8 Esse jornal foi feito na Imprensa Oficial e ele se ocupou
muito e sempre me carregava para fazer as correes, etc. Ento esse foi
o primeiro ano de curso... ah, nesse nterim, a direo da Politcnica
modifica-se e o professor Monteiro de Camargo assume a cadeira de
Clculo e o contato do Fantappi com a Politcnica cessa, mas no a
presena fsica, pois o Departamento de Matemtica continuava l, na-
quele setor que era ligado Eletrotcnica, durante todo esse ano e, alis,
at 39. E nesse ano, eu lembro, eu diria que tivemos um contato dife-
rente no s pelo nmero de alunos, mas um contato maior com o pro-
fessor tambm pelo contedo dos cursos. Ele j comeou a dar cursos
diferentes. Talvez tenha sido a primeira vez que uma coisa to funda-
mental como Funes de Varivel Complexa tenha sido dada aqui no
nosso meio. E outros cursos. Ento esse , verdadeiramente, o ano de
fundao efetiva dos cursos de Matemtica da Faculdade de Filosofia,
dados pelo Fantappi, ajudado, auxiliado, pelo seu assistente que o
professor Omar Catunda, falecido h alguns anos.9
(1960), do qual foi seu segundo diretor (1963-1968) e professor titular at a apo-
sentadoria definitiva em 1976.
184 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
14. O peridico conhecido usualmente como Journal de Crelle foi, segundo Boyer
(1974), uma das caractersticas da Matemtica do sculo XIX: Antes de 1794
havia revistas cientficas, mas nenhuma dedicada primariamente matemtica
sria. A iniciativa para a fundao de peridicos de matemtica veio da cole
Polytechnique quando comeou a publicar seu Journal. Pouco depois, em 1810, o
primeiro peridico de matemtica fundado por particular foi iniciado por um ofi-
cial de artilharia que era um ancien lve da cole Polytechnique. Foi o Annales de
Mathmatique Pures et Appliques, editado por Joseph-Diaz Gergonne (1771-
-1859). [...] Na Alemanha um peridico semelhante ao Annales de Gergonne, e
que teve ainda mais sucesso, foi iniciado em 1826 por August Leopold Crelle
(1780-1855) sob o ttulo Journal fr die Reine und Angewandte Mathematik.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 189
15. O peridico Annals of Mathematics foi criado em 1884 por Ormond Stone, da
Universidade da Virgnia (Estados Unidos), tendo sido transferido, em 1899,
para Harvard e, em 1911, para Princeton. De 1933 at hoje publicado em coe-
dio Princeton University e Institute for Advanced Studies.
16. Tullio Levi-Civita (1873-1941).
190 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
18. Jean Delsarte (1903-1968) envolveu-se mais diretamente com o Projeto Bourbaki
em meados dos anos 1930, com a inteno de escrever um texto de anlise que
integraria o lments de Mathmatique. Embora aparea no Anurio de 1939-
-1949 da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da USP (Pires, 2006) como
tendo desenvolvido atividades no Departamento de Matemtica, apenas em 1948
ele contratado como professor da Universidade de So Paulo. Nesse ano, Del-
sarte desenvolve um curso sobre teoria das distribuies. Findo o primeiro ano de
contrato, retorna ao Brasil em 1949 como professor visitante.
19. A Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras teve seus cursos iniciados no prdio da
Faculdade de Medicina, de onde foram desalojados em 1938. As Seces, ento,
foram espalhadas por diferentes locais na cidade de So Paulo. A Seco de Letras,
por exemplo, tendo sado da Faculdade de Medicina, foi para onde hoje a Biblio-
teca Mrio de Andrade, mudando-se (em 1939) para a alameda Glete, depois para
a Praa da Repblica (pois na alameda Glete foram instaladas as Seces de Qu-
mica e Histria Natural). O mesmo ocorreu com as Seces de Matemtica e Fsica,
que foram desalojadas da Escola Politcnica e acabaram em prdios alugados. Em
agosto de 1948, o Departamento de Matemtica transfere-se para o prdio da ave-
nida Brigadeiro Lus Antonio, 1277, e, aps um ano, em agosto de 1949, muda-se
novamente, agora para a rua Maria Antonia, 258 (Pires, 2006). Ernesto de Souza
Campos, em seu livro Histria da Universidade de So Paulo, elaborado para as
comemoraes dos vinte anos da USP (reeditado pela Edusp, em 2004, em edio
fac-similar), tambm comenta, numa prosa saborosa, as vrias alteraes de sede
das unidades da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras, mas, infelizmente, d
pouca nfase s mudanas do Departamento de Matemtica.
20. Segundo DAmbrsio (1999): Enquanto estavam em So Paulo, Weil e seus co-
legas influenciaram e orientaram os responsveis pelas ctedras e tambm alguns
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 193
24. O professor Cndido vai para os Estados Unidos, com bolsa da Fundao Gug-
genheim, em 1948. Permanecem na USP, substituindo o prof. Cndido, os pro-
fessores Benedito Castrucci (Complementos) e Catunda (Geometria Superior).
196 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
25. Samuel Eilenberg nasceu em Varsvia, no ano de 1913, e faleceu em Nova York
aos 85 anos. Com o matemtico francs Henri Cartan, publicou, em 1955, o livro
Homological Algebra, que se tornaria um clssico e um marco para a criao de
uma nova disciplina a Topologia Algbrica , surgida a partir do entrecruza-
mento de conceitos fundamentais da lgebra Moderna, da Topologia e dos Es-
paos Vetoriais.
26. Alexandre Grothendieck teve seu livro bsico, Espaces vectoriels topologiques
publicado em So Paulo, em 1954. Posteriormente, seria um fascculo dos l-
ments de N. Bourbaki (DAmbrsio, 1999).
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 197
desse curso, e nada to bom para isso do que, ao mesmo tempo, dar o
curso. Ento, eu diria que esse curso, este de corpos comutativos, di-
gamos, ele o imps. Eu no me lembro de ter discusso sobre a opor-
tunidade ou no desse curso. Ele foi extraordinariamente oportuno
porque ele se estendeu, foi at teoria de Galois, etc. Agora, se houve
alguma reunio... acho que no, acho que ele conversou s com o papa
do Bourbaki, que era o Weil, que estava aqui, ali ao lado dele, e deci-
diram isso.
Ubiratan: Quer dizer, a estrutura dos cursos de Matemtica con-
tinua a mesma. Os professores continuavam dando as aulas inspirados
pelo modelo italiano...
Cndido: No, a no...
Castrucci: J comea a modificar...
Farah: Algumas coisas meio engraadas que aconteceram durante
esse curso que o Dieudonn deu... O Weil assistia a todas as aulas, ele
estava l, mas parece que cochilava, porque costumava trabalhar de
madrugada, at altas horas da madrugada e levantava muito tarde, o
Weil. O contrrio do Dieudonn, que era o sujeito mais metdico que
eu conheci: das seis s sete estudava piano, depois Matemtica... O
Weil, quando vinham as ideias, ele trabalhava, s vezes saa a passear.
Bom, o Weil assistia a esse curso do Dieudonn (e o Weil conhecia
muito profundamente tambm a lgebra) e ento o Dieudonn fazia
uma afirmao l e o Weil [o professor Farah, de cabea abaixada como
que dormitando, ergue a cabea repentinamente, imitando a postura
de Weil, que repentinamente exclamava:] non (risos) e a parava
tudo... O Dieudonn: Non? Mas como non aqui?. Non [repetia
o Weil] e dava l um contraexemplo. E a o Dieudonn: , estava er-
rado mesmo (risos). Mas as aulas de Dieudonn eram perfeitas, lim-
pinhas... mas acontecia isso (risos). Em vrias outras aulas acontecia a
mesma coisa. Um dia, acho que o Dieudonn ficou cansado com a his-
tria e falou: Bom, eu vou escarafunchar isso aqui o mximo de modo
que o Weil no vai poder dizer nada. A ele comeou a passar e o Weil,
meio cochilando... E ele diz qualquer coisa e o Weil diz non... Mas,
por qu? No, isso sim, assim... e mostrava que ele tinha razo. A
o Weil dava uma risadinha e parava. Da a pouco, Dieudonn conti-
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 199
27. Nascido em 1899, Oscar Zariski, embora paralelamente sempre estudasse Mate-
mtica, cursou Filosofia na Universidade de Kiev, de 1918 a 1920, numa poca
turbulenta, entre a declarao da Ucrnia como Estado independente (1918) e a
guerra entre a Rssia e a Polnia (1920). Numa cidade devastada pelos conflitos,
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 201
Zariski decide continuar seus estudos na Itlia, onde, em Roma, sofre a influncia
de trs grandes matemticos, cujos trabalhos vinculavam-se Geometria Alg-
brica: Castelnuovo, Enriques e Severi. Com a ascenso de Mussolini, entretanto,
a situao de Zariski na Itlia complica-se e ele vai para os Estados Unidos, onde
trabalha na Johns Hopkins University at 1940, estudando aplicaes da lgebra
Moderna aos Fundamentos da Geometria Algbrica. Em suas visitas frequentes
a Princeton, devido aos seus contatos com Lefschetz, Zariski escreve seu Alge-
braic Surfaces, publicado em 1935. Em 1945 passa um perodo em So Paulo,
trabalhando com Andr Weil. Em 1947, depois de atuar na Universidade de Illi-
nois, Zariski indicado a uma ctedra em Harvard, onde se aposenta em 1969.
Em 1950, orienta o trabalho de doutorado de Luiz Henrique Jacy Monteiro:
Sobre as potncias simblicas de um ideal primo de um anel de polinmios. Zariski
faleceu em 1986.
202 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
extinta em 1939] o convidava para uma ctedra de Anlise Superior sob a reco-
mendao de A. Einstein, J. von Neumann e Guido Beck. Em 1945 parte para o
Brasil e uns anos mais tarde instala-se na Argentina (incluso nossa). Na Uni-
versidade Nacional Del Sur, em Bahia Blanca, recebe, junto com Jean Porte, o
estagirio Mrio Tourasse Teixeira (1925-1993) num curso de especializao
sobre lgebra da Lgica e Funes Recursivas que foi base para a tese de douto-
rado intitulada M-lgebras, defendida por Mrio Tourasse na Faculdade de Fi-
losofia, Cincias e Letras da USP, em So Paulo, no ano de 1965. Antes disso,
em 1957 e 1958, Mrio Tourasse, como bolsista do Conselho Nacional de Pes-
quisas, por indicao de Leopoldo Nachbin, j havia realizado estgio de aper-
feioamento em Lgica Matemtica e Teoria dos Conjuntos no Departamento
de Matemtica da Faculdade de Filosofia da USP, sob a orientao do professor
Edison Farah, numa poca em que se constituiu um grupo de estudiosos da L-
gica, pioneiros no Brasil, que Lenidas Hegenberg (apud Souto, 2006) chama o
grupo de So Paulo, do qual fizeram parte, sob a liderana de Edison Farah,
Benedito Castrucci, Newton Afonso Carneiro da Costa, Mario Tourasse Tei-
xeira e Lenidas Hegenberg. Contratado em 1959 para lecionar Geometria
Analtica, Projetiva e Descritiva na ento recm-criada Faculdade de Filosofia,
Cincias e Letras de Rio Claro, iniciou, na dcada de 1970, o movimento peda-
ggico Servio Ativador em Pedagogia e Orientao (Sapo), um dos elementos
que claramente anunciava uma disposio para constituir o que, anos mais
tarde, viria a ser o Programa de Ps-Graduao em Educao Matemtica da
UNESP/Rio Claro.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 213
dao de uma instituio que todo mundo ouve falar, que tem impor-
tncia at hoje, a Fundao Getlio Vargas.38 Pois bem. De um modo
atrevido, digamos assim, de um modo inesperado, matemticos do
Rio conseguiram que essa fundao se ocupasse tambm de Matem-
tica. E outras iniciativas que eles tomaram foi justamente a criao
dessa revista Summa.
Ubiratan: Esses matemticos do Rio significava... Leopoldo
Nachbin j? No?
Cndido: Ah, sim, j, j inclusive o Leopoldo... E nessa reunio
inicial eu diria que quase todos. Inclusive o Llio.
Ubiratan: E So Paulo? So Paulo no entrou nisso?
Cndido: No, no. No entrou nisso, no. Mas depois caiu o
Getlio, veio o Dutra, houve um desinteresse e a prpria Fundao Ge-
tlio Vargas achou que aquilo no era da sua precpua atividade e
aquilo desanimou um pouco. Ento dois fatos posteriores concor-
reram para a ecloso, a criao de duas coisas, de duas instituies
muito importantes. Uma essa que eu j falei, que o Impa, e outra
que, alis, precede esta a fundao do Centro Brasileiro de Pes-
quisas Fsicas. Na realidade, quem substitui esta atividade do Getlio
Vargas o Centro de Pesquisas Fsicas.
Ubiratan: E l que o Leopoldo Nachbin...
Cndido: ... e esse Centro de Pesquisas Fsicas foi feito na poca,
em 1950, sob o impulso, o entusiasmo, o prestgio do Csar Lattes.
Csar Lattes era um fsico bastante importante, formado pela Univer-
1960 ou 61, foi afinal criado pelo Conselho Universitrio esse insti-
tuto. E realmente o que aconteceu que dois anos depois o Camargo
morreu. E quando ele faleceu, essa antiga disputa, essa de que voc
est falando, essa que o Castrucci disse do convite a ele para ir para a
Politcnica, estava superado.
Castrucci: Porque, nesse perodo, eu j tinha sado da Politcnica
e o Alexandre foi convidado para o meu lugar, para a Politcnica, e
levou o Waldyr44 como assistente.
Cndido: E o Alexandre Martins Rodrigues um dos exemplos
interessantes da atividade do Conselho Nacional de Pesquisa: foi bol-
sista para defender a tese no exterior (o que depois se tornou uma coisa
banal, eu diria at que, eu acredito, que at predominante). Durante
um bom perodo eu no creio que seja o que acontea agora , mas
durante um bom perodo, durante uns vinte anos, o doutoramento no
exterior predominava sobre o doutoramento aqui.
Ubiratan: Depois da sada do Alexandre houve uma srie de...
Cndido: ... diversos professores do Impa fizeram doutoramento
nessa poca.
Ubiratan: Eu tenho uma outra questo: acho que, na histria da
Matemtica brasileira, a realizao do Colquio Brasileiro de Mate-
mtica tambm um marco... A ideia de fazer esse colquio, etc.
surge com o Impa e a participao de So Paulo.
Cndido: Com apoio integral do CNPq, o CNPq dando os re-
cursos. E So Paulo tambm teve uma ressonncia muito grande,
tanto assim que durante muito tempo predominavam os participantes
de So Paulo.
Ubiratan: No I Colquio,45 parece que eram cinquenta no total...
44. Waldyr Muniz Oliva assumiu sua ctedra na Universidade de So Paulo em 1966
(Conceituao Geomtrica da Teoria das Equaes a Derivadas Parciais) ocu-
pando a posio de reitor da mesma Universidade no perodo de 1978 a 1982.
45. O XXVI Colquio de Matemtica (Rio de Janeiro, 29/7/07 a 3/8/07) comemora
os cinquenta anos desse encontro. O material de divulgao traz um registro foto-
grfico dos quarenta participantes do primeiro encontro, em julho de 1957: Ma-
rlia Chaves Peixoto, Carlos Benjamim de Lyra, Maurcio Matos Peixoto, Chaim
Samuel Hnig, Domingos Pisanelli, Paulo Ribenboim, Ary Nunes Tietbhl,
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 219
aulas sempre dadas com a maior seriedade possvel, o que faz com que
a gente se vicie na formao profissional: futuro professor vendo
gente que leva aquilo que faz com a maior seriedade e com o maior
respeito pelo aluno. Isso foi a grande lio que eu aprendi. E a conti-
nuao de uma amizade a partir da mostra que esse privilgio, uma
vez a gente tendo, a gente no quer mais se livrar dele, quer que con-
tinue para a vida toda. De modo que eu me sinto particularmente agra-
decido por essa oportunidade e pela repetio daqueles bons anos de
1950. Agradeo muito a generosidade com que responderam s per-
guntas. Acho que com isso fechamos a seo. Muito obrigado.
7
O MOVIMENTO MATEMTICA
MODERNA
6. Universidade de Campinas.
7. Instituto de Matemtica, Estatstica e Cincias da Computao, da Unicamp.
8. Nascido em 1927, Isaas Raw um renomado pesquisador na rea das Cincias
Biolgicas. Hoje dirige o Instituto Butant, instituio criada no ano de 1901 em
So Paulo que, deteriorada, foi reerguida principalmente pelos esforos de Raw,
tornando-se um dos grandes centros de pesquisa do pas. Aposentado compulso-
riamente da Universidade de So Paulo, teve seus direitos polticos cassados em
1969, exilando-se em Israel (1969-1970) e nos Estados Unidos (1971-1979). Criou
a Fundao Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Cincias (Funbec),
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 229
17. A partir de 1970 o Geem comeou a promover cursos apresentando outras ten-
dncias mais recentes da Matemtica Moderna desenvolvida em outros pases.
Essa nova era foi marcada pela influncia da Matemtica de George Papy e Fr-
derique Papy e pelos trabalhos de Zoltan Dienes (Soares, 2001). Dienes nasceu
na Hungria, fez estudos primrios e secundrios em instituies francesas e de-
fendeu seu doutorado na Inglaterra. Esteve por vrias vezes no Brasil: em 1971,
veio a So Paulo, a convite do Geem, e, posteriormente, trabalhou assiduamente
com o Centro de Educao Matemtica de So Paulo.
236 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
21. O Grupo de Estudo do Ensino da Matemtica (Geem) foi fundado em 1961 por
professores do Estado de So Paulo e tornou-se um propulsor para a implantao
da Matemtica Moderna em todo o pas. Outros grupos, em diferentes estados,
tambm desempenharam esse papel como o Ncleo de Estudo e Difuso do Ensino
de Matemtica (Nedem), do Paran; o Grupo de Estudos do Ensino de Matemtica
de Porto Alegre (Geempa); e o Grupo de Estudo e Pesquisa em Educao Matem-
tica (Gepem), no Rio de Janeiro.
22. Luiz Henrique Jacy Monteiro (1918-1975), conhecido matemtico brasileiro
cujo doutorado foi desenvolvido sob a orientao de Oscar Zariski, na Universi-
dade de So Paulo.
23. Benedito Castrucci (1909-1995) tem formao em Direito e ingressou na turma
de 1937 na Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de So
Paulo, tornando-se professor assistente em 1940. Seu doutorado foi orientado por
Gicomo Albanese, matemtico italiano do ncleo histrico quando da consti-
tuio da USP. Alm de suas pesquisas em Matemtica (foi aluno de Albanese,
Fantappi, Dieudonn e Weil), conhecido por sua produo de livros didticos
de Matemtica para o que atualmente chamamos de ensino mdio, ainda que essa
produo no seja por ele reconhecida como significativa (Garnica, 2006).
24. Conhecida autora de livros didticos e uma das responsveis pela implantao
das Olimpadas Brasileiras de Matemtica.
25. Manhcia Perelberg Liberman nasceu no Rio de Janeiro e participou do Geem e
do Centro de Educao Matemtica de So Paulo (CEM). Com Luclia Bechara
Sanchez (tambm membro do Geem), faz parte do grupo precursor da Educao
238 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
informaes valiosas para nosso trabalho, bem como textos, no menos valiosos,
entre os quais uma apostila de Lgica e um compndio de lgebra, ambos de sua
autoria. A apostila de Lgica inspirou Arlete C. Lima a dar dois cursos dessa disci-
plina, patrocinados pela Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste (Su-
dene) o primeiro em fevereiro de 1964 e o segundo em julho do mesmo ano ,
com o objetivo de preparar professores do ensino mdio para a to desejada atuali-
zao do ensino de Matemtica no curso secundrio. Tambm, patrocinados pela
Sudene, foram dados por mim, na ocasio, dois cursos bsicos para introduzir no-
es de teoria dos conjuntos, de grupo e de espao vetorial. Voltemos ao professor
Omar Catunda: sabendo que poderamos contar com a sua colaborao para a refe-
rida atualizao, convoquei minhas ex-alunas Eliana Costa Nogueira, Neide Clo-
tilde de Pinho e Souza, Eunice da Conceio Guimares e Norma Coelho de
Arajo, professoras da UFBA, para juntas enfrentarmos essa tarefa. Para isso pre-
cisvamos nos informar melhor sobre o que, fora do Brasil, faziam os que, como
ns, estavam engajados na introduo da Matemtica Moderna].
37. O International Comission for the Study and Improvement of Mathematics Edu-
cation (Icsime) ou, em francs, a Comission Internationale pour ltude et
lAmelioration de lEnseignment des Mathematiques (Cieaem), foi fundado em
1950 e teve como seus primeiros gerenciadores franceses Gustave Choquet, Jean
Piaget e Calleb Gategno. Nos anos 1960 e 1970, o Cieaem teve como figuras de
destaque os matemticos Artin, Dieudonn, Papy e Servais, que advogavam pela
244 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
39. Felix Christian Klein (1849-1925), principalmente no final de sua carreira, mani-
festou um vivo interesse pelo ensino de Matemtica, promovendo mudanas efe-
tivas no sistema escolar alemo, para o qual sugeria a introduo de conceitos
modernos no ensino, como os rudimentos de clculo diferencial e integral, a
noo de funo e o estudo da Geometria num enfoque mais atualizado. O Inter-
national Committee for Mathematical Instruction (ICMI), criado durante o
Congresso Internacional de Matemticos, realizado em Roma no ano de 1908,
teve Felix Klein como seu primeiro presidente.
246 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
42. Ren Thom (1923-2002), matemtico francs, medalha Fields em 1958, influen-
ciado por Henri Cartan e pelo Grupo Bourbaki, especialmente reconhecido por
suas contribuies relativas teoria das catstrofes. So bastante conhecidas suas
crticas em relao ao Movimento da Matemtica Moderna. Mas, talvez a mais
avassaladora crtica ao movimento tenha sido aquela feita por Morris Kline no
livro Why Johnny cant add: the failure of the new Math, publicado pela St.
Martin Press, Nova York, em 1973.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 249
deixar de falar do movimento para voltar ao ensino bsico porque essa volta
pode significar a substituio de aspectos no satisfatrios por aspectos opostos.
No se pode garantir que o abandono indiscriminado de um sistema a melhor
estratgia. Se ns pararmos de pensar em termos de dicotomia e passarmos a
pensar, em vez disso, em termos de complementao mtua, creio que o risco de
tais tendncias reacionrias, primrias, que desempenham um importante papel
na nossa opinio quanto educao matemtica, seria virtualmente eliminado.
Ouamos, finalmente, as concluses s quais chegou Douglas Quadling no seu
artigo publicado em tudes sur lEnseignement des Mathmatiques, v.4, Unesco,
1986. Apesar das dvidas com referncia Geometria, a tendncia geral do en-
sino da Matemtica clara. H vinte anos foi corretamente diagnosticado que a
Matemtica escolar estava doente: formavam-se jovens para um mundo que j
no existia. Chamaram os mdicos e estes prescreveram um regime de rigor ma-
temtico. Era preciso colocar as crianas num meio assptico e lhes injetar, regu-
larmente, as estruturas matemticas. Por um momento, acreditou-se que o
paciente passava melhor, mas logo foram observados sintomas de rejeio. O
hormnio da abstrao no era daqueles que se impem do exterior; o doente, ele
prprio, deve produzi-lo em resposta a uma estimulao apropriada. O que o
doente necessitava era ar livre e exerccio e no isolamento do mundo exterior.
No se encontra a sade matemtica na contemplao de sistemas ideais, mas na
desordem da participao ativa da criao. Agora, o que temos que fazer pre-
parar enfermeiros e enfermeiras capazes de administrar a medicao adequada;
no se devem fechar as janelas e aplicar ao doente sua injeo diria, mas faz-lo
sair para aspirar o ar livre. Essa uma tarefa que exige muita imaginao e anlise
pessoal, mas que proporcionar, com certeza, satisfaes bem maiores].
45. Incluso: [Aqui no Brasil no houve mudanas que justificassem apelos velha
Matemtica, porque poucos tentaram introduzir a nova Matemtica. Alm disso,
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 251
o uso da linguagem dos conjuntos e, sim, que se faa teoria dos con-
juntos onde esta no procede. Mas o que no tem sido divulgado e
muito importante na declarao de Ren Thom o reconhecimento
que ele faz do fosso que existe entre a educao matemtica de nvel
mdio e de nvel superior, fosso este que, segundo ele, os jovens,
saindo da escola secundria, tm dificuldade de transpor. Para ajudar
a vencer essa dificuldade, o prprio Thom que prope, como aca-
bamos de ver, a introduo, na escola secundria, da notao de con-
juntos e rudimentos de lgebra linear.
Voltemo-nos ao projeto Desenvolvimento do Currculo para En-
sino Atualizado da Matemtica em Nvel Mdio que introduziu a
Matemtica Moderna em algumas escolas de Salvador. As crticas
internacionais feitas introduo da Matemtica Moderna em nvel
mdio ultrapassaram as raias do bom senso. Era difcil manter o projeto
em pauta, mas os matemticos que foram aqui citados no condenaram
a introduo de novos conceitos, e sim o modus faciendi. Ento nos per-
guntamos: como conseguir o modus faciendi adequado? A complexi-
dade dessa tarefa no nos permitia enfeit-la, mas, se no podamos dar
aos nossos alunos o que para os vanguardistas era desejvel, talvez pu-
dssemos prepar-los para enfrentar o novo. E uma luz surgiu no tnel
e pensamos: se conseguirmos levar o aluno a estudar sozinho, ele ser
capaz de utilizar diferentes fontes de informao e recursos tecnolgicos
que lhe permitam aprender o novo. Capacit-lo para aprender o novo
certamente muni-lo com um dos mais valiosos recursos para enfrentar
situaes novas para sobreviver neste momento histrico. Agindo
assim, estaramos certamente deixando de pensar demasiadamente na
46. Incluso: [Esse projeto utiliza um processo de ensino que denominamos Entre a
exposio e a descoberta e no qual a exposio desempenha papel secundrio. Sabia-
-se que o processo de ensino dominante no pas era o processo expositivo, que apre-
senta ao aluno uma Matemtica pronta e, consequentemente, no faz uso do
dilogo, desprezando a discusso da qual emerge a verdade. Alm da falta de di-
logo, o processo expositivo no respeita o ritmo de cada aluno, criando bloqueios
difceis de superar e tornando a Matemtica detestada por muitos. O processo
Entre a exposio e a descoberta exige participao ativa do aluno na transmisso do
conhecimento, para que ele possa redescobrir, sozinho, os princpios, os conceitos e
as regras pertinentes aos contedos das programaes planejadas. Por essas razes,
o trabalho do professor ser o de um guia que deve, sobretudo, ajudar o aluno a re-
fletir sobre o que l, a encontrar respostas para as suas indagaes, a analisar as
concluses s quais chega e, inclusive, no momento oportuno, a tirar partido dos
seus erros. No processo em pauta, a exposio ser utilizada, se necessrio, apenas
para repasse de textos estudados. Mas, para alcanar tais objetivos, preciso dispor
de textos adequados consecuo dos mesmos. Visando implantao do Projeto
para Melhoria do Ensino da Matemtica de 5a 8a srie, voltei a convocar Eliana,
Neide e Eunice e, contando ainda com a colaborao do professor Omar Catunda,
elaboramos os textos pensando suficientemente no aluno. Por isso, na elaborao
dos textos foi utilizada, tanto quanto possvel, a linguagem do aluno e observados
princpios, como os seguintes: os fatos concretos devem preceder as ideias abs-
tratas; os casos particulares devem conduzir formao de leis gerais; relaes de
analogia devem ser estabelecidas para alcanar concluses; a nfase nos porqus,
quando possvel, fundamental. Nos textos considerados provocada, ao mximo,
a atividade do aluno por meio de perguntas que exigem resposta e de tarefas que o
aluno deve cumprir, trabalhando sozinho. Atravs dos textos, os autores procuram
desenvolver o pensamento crtico e criativo do aluno, lev-lo a analisar as respostas
dadas e a induzir os conceitos que ele precisa conhecer e dominar. Os textos so
apresentados em unidades de trabalho chamadas fichas. As fichas so distribudas
por livros. Quanto aos contedos, foram considerados os indispensveis para dar
cumprimento s programaes oficiais, com as quais nem sempre concordvamos,
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 253
impede. A didtica que vivenciei em sala de aula me mostrou que os alunos inte-
ligentes e interessados em aprender, quando as metas a alcanar na aula no eram
bem definidas, perguntavam: para que serve isso?. E, dentre outras coisas, eu
respondia: para desenvolver a sua capacidade de pensar, o que nem sempre os
satisfazia. O conhecimento do que aplicar exige maior competncia do professor
e textos apropriados para tal o que difcil encontrar no Brasil. Import-los no
fcil, pois sabemos que o preo de um bom livro ultrapassa o salrio do pro-
fessor. Voltando s aplicaes da Matemtica, vale citar, s para exemplificar, o
caso da Fsica, cincia que est a exigir conceitos de estrutura, como as de grupo,
corpo, espao vetorial, etc. Este foi o depoimento que me foi dado pelo professor
Aurino Ribeiro Filho, do Instituto de Fsica da UFBA. O mesmo professor, que-
rendo ressaltar, tambm, a necessidade do estudo das transformaes geom-
tricas para o ensino da Fsica, cita, no livro Origens e evoluo das ideias,
recentemente publicado pela Editora da UFBA, Emmy Noether (1882-1935),
autora do teorema sobre simetrias e leis de conservao: Para toda simetria na
natureza existe uma lei de conservao e para toda lei de conservao existe uma
simetria associada. O professor Aurino cita, tambm, Eugene Paul Wigner, que
ganhou o Prmio Nobel, principalmente pelos seus estudos de simetria na Fsica
moderna. Ainda sobre as transformaes geomtricas e sobre a resistncia do ser
humano mudana, gostaria de citar o seguinte caso: uma amiga, que no da
rea de Matemtica, mas conhecendo o meu interesse sobre o referido assunto,
trouxe-me um programa intitulado Geometric Transformations, com vistas
computao grfica, que ela havia encontrado na Internet e destinado a alunos do
2o grau, o qual comea com o estudo das translaes, enfatizando os conceitos de
vetores e matrizes. O que me emocionou sobremodo foi constatar, na minha bi-
blioteca, que toda essa programao j estava num livro da autoria de Zalman
Usiskin, publicado no ano de 1972, em Chicago, intitulado Intermediate Mathe-
matics. Para acompanhar o progresso da cincia, faz-se necessrio um ensino de
qualidade, o qual por sua vez, exige atualizao, portanto, PESQUISA e esta,
com certeza, vencer a resistncia mudana].
256 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
49. A professora Martha Dantas havia preparado, para sua participao na mesa-re-
donda, um texto cuja leitura excederia o tempo dado a cada participante. Perce-
bendo isso, optou por ler apenas algumas partes (nessa textualizao, no corpus do
texto, como j explicado, esto as partes efetivamente lidas; e em nota de rodap
as partes que foram suprimidas). Ainda assim, o tempo era pouco, e a leitura,
ainda que claramente feita, ocorreu de modo bastante apressado.
50. Yuri Gagarin foi o nico tripulante da nave Vostok 1, lanada em 1961, a primeira
das seis misses do Projeto Vostok, e fez o que foi tecnicamente chamado de voo
orbital. Nesse voo foi pronunciada a famosa frase A terra azul. De 1964 a
1970, foram desenvolvidas as misses Zond, j com a funo mais ousada de ex-
plorao do espao interplanetrio. Essas misses, cujas naves eram uma modifi-
cao da nave Soyuz, faziam parte de um programa maior, que visava a levar o
homem Lua. A Zond 5, lanada de um foguete Sputnik Tyazheliy, em 1968,
considerada a pioneira dos voos tripulados por ter sido a primeira nave a dar uma
volta completa em redor da Lua e voltar Terra.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 257
57. Na verdade, o susto a que se refere o professor Scipione ocorreu em 1957, quando
a Unio Sovitica lanou o satlite Sputnik I, pois em julho de 1969, na Misso
Apolo11, Neil Armstrong j pisava na Lua.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 261
casa para conversar com o editor (que por sinal um mdico bastante
responsvel e competente, e foi capaz de no publicar mais esse livro).
Houve outros livros, que foram srios, mas se basearam nessa ideia
bsica que os grupos de estudo propuseram e que, sem entender
Piaget, diziam seguir o mtodo piagetiano. Meu Deus do cu! Jamais
se pode falar num mtodo piagetiano. Piaget jamais foi um pedagogo,
Piaget um psiclogo que estudava como se conquista o conheci-
mento, como as crianas, como os indivduos, como os adolescentes
conquistam o conhecimento cientfico. Piaget jamais foi um peda-
gogo. Ele era um psiclogo e tinha reconhecido que era possvel falar
na estrutura de groupement... vou dar um exemplo: um menino vinha
de carrinho e vai (rummmm) depois ele vem (rummmm) dando marcha
a r, quer dizer, ento ele faz a operao inversa. A propriedade da
associativa associativa porque ele brinca de carrinho, e ele anda pra
l, depois ele anda pra c e depois ele faz um outro percurso e se ele sai
daqui ele tambm vem pra c, depois vai pra l... Ento, quer dizer, a
criana tem a estrutura que Piaget diz de groupement, mas isso ja-
mais deu licena, deu permisso... nunca Piaget falou e nem aqueles
que falavam seriamente em Matemtica Moderna, que se justificavam
atravs do Piaget... Os professores que a gente tinha para trabalhar
com transformaes geomtricas... Veio o professor Papy ao Brasil...
Eram cursos magnficos. Deu em So Paulo e deu no Rio Grande do
Sul... foi Bahia tambm, professora? (dirigindo-se professora
Martha Dantas)... no foi Bahia, mas foi ao Rio de Janeiro. Mas ele
dava um curso magnfico que entusiasmava todo mundo porque, na
hora, fazia profundamente uma Matemtica e, nessa profundidade,
era capaz de mostrar coisas didticas tambm. Mas quantos profes-
sores existiam no Brasil, no Estado de So Paulo (eu sabia que havia
muito poucos naquela poca), capazes de ministrar um curso atravs
de construes geomtricas? O grupo da Bahia escreveu um livro
srio a respeito disso. E encontrou dificuldades srias. Uma vez eu fui
fazer uma palestra na Bahia e num auditrio cheio, transbordando
pelas janelas, pelas portas, escadas, me perguntaram sobre a possibi-
lidade de trabalhar com livro dessa natureza. Eu disse: Um livro
bom e srio, mas eu acho ele difcil. E eu fui culpado de ter dito que
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 263
o livro era difcil. Esse livro era publicado, era assinado pela profes-
sora Martha Maria de Souza Dantas e pelo professor Omar Catunda,
um livro da maior seriedade, mas que exigia um conceito que os
alunos fossem capazes de entender o conceito de vetor e que traba-
lhassem atravs de construes geomtricas. Isso pressupe um outro
tipo de professor, no o professor que ns tnhamos em So Paulo.
Ento, minha gente, ns tivemos problemas srios com a Matemtica
Moderna. O pior que aconteceu foi que ela retirou certas coisas que
eram seguras. Trabalhava-se a Geometria Euclidiana, e trabalhava-se
com alguma seriedade ou com muita seriedade. Porque as estruturas
operatrias da inteligncia mostram (e isso comprovado) que a partir
dos doze anos e meio, ou at antes, os alunos so capazes de fazer dedu-
es, e o processo dedutivo um processo indispensvel ao apren-
dizado em Matemtica. No se pode apenas fazer indues, fazer
trabalhos, trabalhar com clculos, apenas. preciso que o aluno seja
capaz de entender a relao se p, ento q, que ele seja capaz de
deduzir, mesmo que sejam as coisas muito fceis, usando a base do
tringulo issceles... so iguais ou congruentes?, e da por diante. Mas
hoje no se faz mais nada disso. Sabe por qu? So consequncias da
Matemtica Moderna, que tirou aquela seriedade que existia no en-
sino da Matemtica e que no foi capaz de repor tudo, embora tenha
tido algumas que foram boas, mas sempre do ponto de vista do ensino
mdio. Para o ensino fundamental as coisas que se fizeram no trou-
xeram produtos desejveis. Ns conseguimos muito boas conquistas,
mas se ela no tivesse aparecido, se os americanos no tivessem levado
aquele grande susto, essas outras conquistas teriam acontecido,
porque o mundo no tolo, no constitudo somente de pessoas que
so capazes de copiar, que podem copiar ou devem copiar experin-
cias de terceiros. Temos possibilidade de fazer bastante coisa e temos
mostrado isso. A pesquisa que se fez a respeito das estruturas operat-
rias da inteligncia para se impor determinada coisa como as estru-
turas matemticas para o aluno que mal conhece o conjunto dos
racionais... e quando se fala nos reais... Meu Deus, no verdade?
preciso saber que algumas coisas foram conquistadas, que alguns
procedimentos de boa qualidade foram conquistados, mas que se
264 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
67. Essa uma conhecida afirmao atribuda a Bourbaki: Depuis les Grecs, qui dit
mathmatique dit dmonstration; certaint doutent mme quil se trouve, em
dehors de mathmatique de dmonstration au sens prcis et rigoreux que ce mot a
reu des Grecs [Depois dos gregos, quem fala Matemtica fala demonstrao;
alguns chegam mesmo a duvidar que exista, fora da Matemtica, alguma demons-
trao, no sentido preciso e rigoroso que os gregos atriburam a essa palavra]
(Garnica, 1995).
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 271
71. Por volta de 1968, d. Ireneu Penna [filsofo, matemtico, engenheiro e ex-pro-
fessor da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro] co-
meava tambm experincias com a Matemtica Moderna no Colgio So Bento,
aplicando em suas classes do primeiro grau a Matemtica desenvolvida por
George Papy em seus livros Mathmatique moderne (Soares, 2001).
72. Graas ao professor Arago Backx [que passara dois anos na Blgica em um curso
com George Papy] foram realizadas experincias em colgios da rede pblica de
ensino, como o Colgio Andr Maurois, na cidade do Rio, e em escolas de carter
experimental, como o Centro Educacional, na Cidade de Niteri. (Soares, 2001).
274 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
73. O comentrio foi feito pelo professor Chaim Samuel Hnig, que participava da
plateia.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 275
21. Segundo Silva (1997), Llio Gama, que atuou como docente de Matemtica na
Universidade do Distrito Federal, em 1935, foi um dos primeiros divulgadores
da linguagem de conjuntos de Cantor, espaos abstratos e a formalizao do
grupo Bourbaki, no nosso pas. Na opinio de Oliveira de Castro, foi Llio Gama
quem ministrou pela primeira vez, no Rio de Janeiro, um curso moderno sobre
funes de variveis reais, atraindo um grande pblico ouvinte. Outro tema im-
portante que se tornou conhecido foram as sries numricas, numa publicao de
1946. Esta uma obra merecedora de anlise. Um livro-texto destinado exclusi-
vamente teoria dos conjuntos s surgiu em 1941: Introduo teoria dos con-
juntos de Llio Gama, onde alm das operaes com conjuntos foram abordados
os axiomas de Zermelo, espaos mtricos, conexidade, espaos de estrutura esfe-
roidal, multiplicao cartesiana, espaos regulares e espaos normais.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 289
29. Segundo Silva (1996): Na dcada de 1940, talvez por influncia dos professores
italianos que trabalharam em So Paulo na dcada de 1930, foi institudo na USP,
por meio do Decreto no 12.511, de 21 de janeiro de 1942, o grau de doutor. Para o
caso da Matemtica foi institudo o grau de doutor em Cincias. Esse grau era
obtido por meio de um concurso. Nesse perodo, que chamamos de primeira fase
de doutoramentos na USP, foram poucos os que ali se doutoraram. [...] Sobre
a segunda fase de doutoramentos na USP encontramos, em outubro de 1952, a
aprovao do Decreto no 21.780, do governo paulista, que instituiu o Regimento
do Doutoramento na ento Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da USP. Re-
lembramos que, nessas primeiras duas fases de implantao de estudos especiali-
zados em Matemtica na USP, no houve no Brasil um programa de doutoramento
stricto sensu.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 297
dade. Isso mais ou menos como diz o Alckmin, que, para a histria,
os fatos so irrelevantes, pois o que interessa so as verses.30
O que aconteceu foi o seguinte: a ideia inicial era fazer a reunio
em So Jos dos Campos (tambm se pensou na Universidade Rural
do Rio). So Jos dos Campos no deu certo e estava uma dvida
grande... Aqui em So Carlos31 tambm foi pensado. A o professor
Cndido, que conhecia bem Poos de Caldas, sugeriu a ideia de fazer
em Poos de Caldas. De modo que a ideia de fazer em Poos de Caldas
no foi minha: foi do Cndido. Mas, por eu ser de l, acabei ajudando
na comisso.
Outra coisa que eu gostaria de chamar a ateno que, ao fina-
lizar o Colquio, dado o sucesso que ele teve, apesar do nmero pe-
queno de pessoas (como j foi dito, compareceram 49 pessoas; coloque
pelo menos mais umas quatro ou cinco pessoas que foram l fazer
conferncias...). Talvez valesse a pena lembrar o nome das pessoas
30. Referncia a uma frase de Geraldo (Jos Rodrigues) Alckmin (Filho), poca ini-
ciando seu segundo mandato consecutivo como governador do Estado de So
Paulo. Frase de mesmo teor voltaria cena quando da disputa pela Presidncia,
em 2006.
31. O aqui tem sentido devido proximidade geogrfica entre Rio Claro e So
Carlos, mas pode ser, tambm, reflexo de uma confuso usual entre o nome das
duas cidades. Porm, sem dvida, o professor Lindolpho refere-se a So Carlos.
O atual Departamento de Matemtica do Instituto de Cincias Matemticas e de
Computao USP (ICMC/USP), de So Carlos, tem suas origens no Departa-
mento de Matemtica da Escola de Engenharia de So Carlos (EESC/USP),
tendo sido criado j em 1953 com a fundao da EESC/USP. A organizao do
Departamento de Matemtica ficou sob a responsabilidade do prof. Achille
Bassi, que se empenhou em adquirir acervo bibliogrfico e contratar pesquisa-
dores qualificados para a formao de um centro de pesquisas em Matemtica.
Dessa forma, o departamento j foi criado com uma ps-graduao (mestrado e
doutorado). O Departamento de Matemtica foi ento constitudo pelos profes-
sores catedrticos Achille Bassi, Jaurz Cecconi e Ubaldo Richard, alm de al-
guns engenheiros que vieram da Escola Politcnica em tempo parcial, e fez parte
da EESC/USP at 1971, quando foi criado o ICMSC/USP. (Informaes dispo-
nveis em <www.icmc.sc.usp.br>). Em Rio Claro, cidade-sede do seminrio em
que ocorreu a mesa-redonda objeto desta textualizao, a Seo de Matemtica da
Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras posterior ao Instituto de Matemtica
de So Carlos, e no havia ainda sido criada poca do I Colquio.
298 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
38. Trata-se do livro editado por Motoyama & Ferri (1979), cujo captulo intitulado
As Cincias Matemticas, no primeiro volume, de autoria de Chaim S. Hnig
e Elza F. Gomide (Dias, 2000).
39. O XXVI Colquio de Matemtica (Rio de Janeiro, 29/7/07 a 3/8/07) come-
morou os cinquenta anos desse encontro. O material de divulgao trouxe um
registro fotogrfico (o mesmo registro antes divulgado no texto ao qual o pro-
fessor Alberto Azevedo faz referncia, reproduzido tambm nesta textualizao)
de 40 dos 49 participantes do primeiro encontro.
306 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
40. Jos Octvio Monteiro de Camargo, falecido em 1963, foi professor de Matem-
tica da Escola Politcnica de So Paulo.
41. O ressentimento entre a Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras e a Politcnica
est vinculado a uma disputa ocorrida, em meados da dcada de 1930, entre Ca-
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 309
mas algumas dcadas depois isso j tinha acabado. Essa histria se re-
petiu quando se criou o Laboratrio Nacional de Computao Cient-
fica, o LNCC, pois os engenheiros, eram os que calculavam, e foi uma
confuso, pois criou-se uma instituio especial para isso e, nova-
mente, houve uma reao dos engenheiros, que julgavam que se es-
tava entrando na rea deles. Mas eu diria que isso natural para todas
as reas: quando se criou a Filosofia, os mdicos no gostaram da
criao do Departamento de Biologia, e assim por diante.
Prof. Lindolpho: O Chaim deu a viso de So Paulo. No Rio de
Janeiro havia a Escola de Engenharia que no tinha nenhuma tradio
de pesquisa. Na Escola de Engenharia do Rio havia um curso de En-
genharia at razovel, havia professores que eram homens cultos, etc.,
mas l no havia atividade de pesquisa. Houve pessoas isoladas que
trabalhavam com Matemtica quando eu fui aluno, na dcada de 50.
Quando Maurcio Peixoto entrou l, por concurso, para ocupar a ca-
deira de Mecnica, ele iniciou um grupo, ensinando, trabalhando com
um grupo que foi o primeiro ncleo de pesquisa na rea de Matem-
tica l na Escola de Engenharia. Ento, no I Colquio, da Escola de
Engenharia, veio o Maurcio Peixoto, e aquilo era meio confuso.
ramos to pouca gente... ramos da Escola de Engenharia, mas
ramos tambm do Impa e tambm do CBPF,42 e a gente circulava por
49. Ao final da dcada de 1940, o regime fascista portugus desencadeara uma das
maiores ofensivas contra a universidade portuguesa, em particular, afastando im-
portantes matemticos de suas posies acadmicas privando-os, inclusive, de
seus direitos polticos e impedindo-os de exercerem suas profisses em terras lu-
sitanas. Em vista disso emigraram para o Brasil os matemticos Jos Morgado,
Alfredo Pereira Gomes e Manuel Zaluar Nunes, que se fixaram na Universidade
do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco, onde posteriormente foi
trabalhar outro matemtico portugus: Ruy Luiz Gomes. [...] Para o estado do
Paran foi o professor Joo Remy T. Freire [em 1952] [...] que tinha sido assis-
tente de Bento de Jesus Caraa na Universidade de Lisboa. [...] Em 1959 esteve
em Salvador, Bahia, tambm tangido por ventos salazaristas, o doutor J. Tiago de
Oliveira (Silva, 1996). Ainda sobre a vinda de matemticos portugueses ao
Brasil, citamos Antonio Aniceto Rodrigues Monteiro, que foi contratado para
trabalhar no Rio de Janeiro (em poca prxima contratao de Mammana, So-
brero e Bassi). Monteiro, por no ter seu contrato renovado, partiu para a Argen-
tina em 1949.
314 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
trio, foi uma poca em que tivemos muita facilidade com o dinheiro
que vinha do BNDE, depois da Finep, do prprio CNPq e, realmente,
na montagem dos programas dos colquios, nunca tivemos problema.
O mais crtico que houve foi o colquio de 1963 o IV Colquio, do
qual eu fui coordenador. Foi o mais difcil que houve, pois o CNPq
estava numa crise, sem dinheiro, tudo atrasou, quase no sai o col-
quio... mas acabou saindo e tudo deu certo. Agora, certamente, do
ponto de vista militar, da Revoluo, isso no teve nenhuma in-
fluncia no colquio. Foi diferente do que houve com a SBPC, por
exemplo, em que houve problemas, mas nesses eventos havia uma
conotao poltica, e nos colquios existia apenas uma conotao pro-
fissional.
Otvio (professor): Eu quero fazer uma provocao. Atualmente,
todas as conferncias das grandes sociedades de Matemtica do pas
tm espao para discusso em Educao. O colquio evolui, mas no
se fala em Educao e em Educao Matemtica. Por que, com toda
essa evoluo, o colquio no poderia reservar uma parte para discus-
ses nesse sentido? Isso estaria relacionado com algum tipo de rivali-
dade entre a Sbem50 e a SBM?51 Eu no sei se a pergunta pertinente.
Prof. Ubiratan: Essa uma questo, no fundo, de vocao: a vo-
cao do colquio pesquisa em Matemtica, e ele tem se pautado pela
pesquisa desde sua primeira edio. Notemos, por exemplo, a primeira
pergunta que aqui foi feita, sobre o contato entre o colquio e as Es-
colas de Engenharia: elas esto de certo modo ausentes do colquio,
pois no se reconhecia pesquisa em Matemtica nessas instituies. E
eu acho que nesse campo de atuao, nesses colquios, no se pensou
em se construir um espao para a Educao assim como no havia um
espao para a escola. Falava-se sobre isso, mas depois criou-se a Sbem.
Otvio: Eu pergunto isso, pois h alunos de licenciatura que,
como eu, frequentam os colquios. Eles vo, se assustam, e nada se
fala sobre Educao...
4. Ainda que seja um pouco artificial a separao que aqui propomos visto que
discursos interagem e, por interagirem, compem-se de vrios discursos que se
interpenetram e possibilitam outros discursos, tambm esses hbridos, polif-
nicos , julgamos essa abordagem operacional.
5. O leitor ter compreendido, a essa altura, a impossibilidade de enunciar todos os
possveis significados atribudos pelos professores ao movimento. Os trs dis-
cursos que ressaltamos se mostram segundo nossa leitura mais estveis e,
por isso, so trazidos aqui como elementos centrais. Nossa abordagem no tem a
pretenso de generalidade: tenta apresentar possibilidades e descortinar um pa-
norama novo que considera no um significado como O significado de algo, mas
defender que, num mesmo campo ou plano discursivo, convivem significados
vrios que, de outra feita, seriam tomados como esprios, incorretos ou mera-
mente aproximativos.
6. Segundo depoimento do professor Lafayette de Moraes (Garnica, 2008a), o im-
pacto provocado pelo lanamento do Sputnik gerou uma srie de eventos, naquele
tempo, como mesas-redondas e a criao de muitos grupos sobre a educao,
320 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
19. Os Serop eram escritrios regionais em que se concentravam agentes que visi-
tavam periodicamente as escolas para desenvolver atividades de orientao peda-
ggica. Hoje extintas, essas seccionais funcionaram nos anos 1960.
330 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
20. O cartaz valor de lugar um dispositivo usado na escola primria para desen-
volver o conceito de valor posicional dos algarismos. Trata-se, simplesmente, de
um quadro rgido usualmente dividido em quatro colunas (milhar, centena, de-
zena, unidade) em cujas linhas h dobras de apoio para cartes numerados.
332 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
21. O ginsio equivalia s quatro sries seguintes ao ensino primrio e anteriores aos
trs anos do colegial. O ensino universitrio ou superior era, ento, a se-
quncia do colegial.
22. Carolina Renn Ribeiro de Oliveira uma autora de livros didticos com pro-
duo intensa nas dcadas de 1950 e 1960. Seus ttulos compreendem todos os
temas tratados no ensino primrio (Educao Moral e Cvica, Histria do Brasil,
Geografia, Leitura e Redao, Matemtica, biografias de personagens clebres,
questionrios, etc). De meados da dcada de 1960 sua coleo Matemtica Mo-
derna. Talvez seja essa obra qual o professor faz referncia.
23. Editora criada no Brasil em 1902 pelos frades da Companhia dos Pequenos Ir-
mos de Maria (Irmos Maristas). A sigla FTD homenageia o frre Thophane
Durant, um dos administradores da congregao e responsvel pela vinda dos
maristas ao Brasil.
24. Nas entrevistas que coletamos, percebemos que as professoras no se negavam a
comprar livros que abordassem, por exemplo, o ensino moderno, tentando
acompanhar as discusses educacionais do momento.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 333
33. Segundo alguns autores (Saviani et al., 2006, por exemplo), s se pode falar de um
sistema nacional de educao, no Brasil, a partir da dcada de 1950. A consti-
tuio dos grupos escolares, nos ltimos anos do sculo XIX e a criao da pri-
meira universidade brasileira (em 1934) so faces de uma poltica educacional
ainda incipiente, que se consolidar como sistema muito mais tarde.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 337
34. importante frisar, aqui, que se trata do interior do Estado de So Paulo, cuja
capital reunia um dos mais expressivos grupos de divulgao dos ideais do movi-
338 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
5. Lamego (1996) faz referncia aos quatro pontos bsicos da Escola Nova, a partir
de Loureno Filho: foco no desenvolvimento individual de capacidades e apti-
des, a incluso de fatores histricos e culturais na formao educacional, o tra-
balho relativo ao desenvolvimento da capacidade individual a partir de fatores
biolgicos e psicolgicos e, por fim, a defesa do deslocamento da ao educadora
da famlia e da Igreja para a escola, um dos pontos mais criticados no perodo
de 1930. Educadores defensores desses princpios aguardavam sua implantao
em 1930, quando Vargas (a partir de acordos polticos de Francisco Campos) ree-
labora o programa educacional. As respostas a essa ao foram divulgadas na
Pgina da Educao (que tinha frente Ceclia Meireles, no jornal Dirio de
Notcias) e culminaram com a publicao do Manifesto dos pioneiros da Escola
Nova em 1932. Esse texto (Teixeira, 1984) apresenta crticas ao cenrio educa-
cional da poca, definindo diretrizes para uma reforma e vem assinado por um
grupo de 26 intelectuais.
352 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
Em resumo,
6. Observa-se que, em grande parte das fotografias apresentadas pela autora, car-
tazes e gravuras so, em geral, expostos frente da sala, espao no registrado
nessa fotografia.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 357
Ainda que defenda sua criao, Fontoura apresenta aos seus lei-
tores, em tom de elevada considerao, a abordagem de Decroly, cujas
obras e proposta so bastante conhecidas no Brasil e frequentaram
tambm os registros das atas de reunies pedaggicas do Grupo Es-
colar Eliazar Braga. Ovdio Decroly (1871-1932), nascido em Renaix,
na Blgica, graduou-se em Medicina no ano de 1896, estudou Neuro-
logia em Paris e Berlim, e atuou como assistente em Neuropsiquiatria.
Em 1901, fundou um instituto destinado educao de crianas anor-
mais e, a partir do estudo da infncia, estabeleceu, segundo Santos
(1953), os princpios fundamentais do seu sistema pedaggico:
7. Segundo Monarcha (2009), os teoristas modernos criticavam a escola antiga por sua
repetio fixa que acenaria para a morte da vida. O Programa de Ensino de Mate-
mtica para o Estado de So Paulo em 1934, por sua vez, citado por Fontoura (1964)
em outros momentos, j defendia a necessidade de um meio termo. Aprender,
porm, raciocinando e compreendendo o porqu das coisas, no implica, de modo
algum, em se abandonarem quaisquer preocupaes com a memorizao. Ao con-
trrio. H conhecimentos de aritmtica, como o de certos processos e de certas
combinaes de nmeros, que indispensvel ter perfeitamente de cr. Assim o
que chamamos vulgarmente tabuada. Esta no pode ficar no domnio do vago e do
pouco mais ou menos e sim pede seguro conhecimento at o automatismo das res-
postas. Exge para isso treino intensivo, o qual se far por meio de grande quanti-
dade de exerccios, de jgos e de brinquedos, onde, com interesse para a criana,
seja repetida a noo que se quer ministrar, at sua perfeita fixao (p. 22).
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 359
preciso que a escola esteja situada num ambiente que torne pos-
svel criana observar, diariamente, os fenmenos da natureza e as
manifestaes de todos os seres vivos. A criana deve ser educada em
plena liberdade para que nela se possam desabrochar todas as virtua-
lidades de sua natureza. Da a necessidade de ser submetida a um
regime de atividade livre e de trabalho criador. As crianas devem,
por isso, ser classificadas, na escola, em grupos psicologicamente ho-
mogneos. As classes no devem possuir mais de 20 a 25 alunos. E as
salas de aula devem ser providas de pequenas oficinas onde os alunos
possam praticar os trabalhos manuais. (Santos, 1953, p.98)
Mobilizaes/apropriaes:
uma multiplicidade de Escolas Novas
12. Com o intuito de esclarecer o uso do termo regulao neste texto, optamos por
faz-lo mediante a distino existente entre este e a regulamentao. O pri-
meiro termo trata de uma negociao entre pares, processo do qual emergem di-
recionamentos, regras. O segundo termo utilizado para falar da sujeio a
normas, regulamentos. Segundo o professor Geraldo Brgamo, citado por Gar-
nica (2008b), entende-se por regulao um processo em que grupos que se cons-
tituem socialmente discutem e esclarecem continuamente as finalidades que
organizam sua vida em comum, de forma que os procedimentos de convivncia e
realizao de aes coletivas estejam em adequao com as finalidades compro-
missadas coletivamente. As finalidades acordadas so a nica e genuna fonte das
regulaes que necessitam ser combinadas para ir organizando e dando eficcia
ao desenvolvimento das aes comuns (p.159).
13. Terminologia utilizada por Ovdio Decroly. Como exemplo, pode-se citar a ex-
plorao da temtica mar, estudando composio de gua, tipos de peixe, mo-
vimento das mars, dentre outras.
14. Livro 2.6.1. Ata lavrada por Hildebrando Scipio de Castro.
364 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
15. Horrios que dividiam o perodo escolar em quatro horas: primeira hora para ob-
servao, segunda hora para associao, terceira hora para aplicao e quarta hora
livre. Essa hora livre seria dedicada leitura de lies e realizao de trabalhos
que no se relacionassem com o centro de interesse.
16. Chama-se horrio mosaico a disposio usual de conceber um tempo determi-
nado para cada uma das atividades escolares, arranjando-as em blocos cujo con-
junto preencheria a totalidade do tempo escolar. No se considera, em princpio,
depois de fixada a distribuio dos blocos, a possibilidade de flexibilizao do
tempo para cada atividade nem a alterao na posio das peas que o compem.
17. Segundo Mitrulis (1996), as escolas primrias do Estado de So Paulo, at o fim da
dcada de 1960, tiveram seus programas de ensino reformulados em 1905, 1918,
1921, 1925, 1949-1950 e 1968.
ELEMENTOS DE HISTRIA DA EDUCAO MATEMTICA 365
21. Segundo urea Ruiz Felcio (em entrevista no dia 18/6/2008), eram traba-
lhados diariamente quatro problemas que, posteriormente, um ou outro aluno
resolvia na lousa para discusso. Leontina Burgo Chacon (em entrevista no dia
11/6/2008) afirma que, alm desses problemas dirios, os alunos deparavam-se
com a resoluo de problemas nas provas escolares. Segundo Leontina, a Mate-
mtica era muito bem cuidada, pois o aluno podia ficar reprovado em uma dis-
368 AntonioVicenteMArAfiotiGArnicA LuziAApArecidAdeSouzA
dava de forma bem concreta primeiro e depois que eles j sabiam de-
senhar, desenhavam. Duas vezes o quatro e eles desenhavam duas
vezes quatro bolinhas. Quanto vai dar? Oito. [...] E eles deco-
ravam sim, se decoravam! A gente fazia na lousa aquele relgio,
no sei se lembram disso, e ia um por um: vamos l!. E eles apren-
diam [...]. [...] a pessoa tem que saber fazer conta, no ? (Entrevista
em 1o/10/2008)
Consideraes
No sei quem voc ; preciso saber. No sei tambm onde voc est
(sei apenas que est em algum lugar), preciso saber onde voc est para
que eu possa ir at l falar com voc e para que possamos nos entender
e negociar um projeto no qual eu gostaria que estivesse presente a pers-
pectiva de voc ir a lugares novos. (Lins, 1999. p.85)
Este texto coloca-se como uma busca que visa a essa aproximao,
tentando evidenciar a diversidade de prticas e concepes ocultas
sob uma nomenclatura comum, neste caso, Escola Nova.
EQUIPE DE REALIZAO
Coordenao Geral
Tulio Kawata