Museologia - Marcos Referenciais (Marília Xavier Cury)

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Museologia - marcos referenciais1

Marlia Xavier Cury*

Resumo
Este texto tem por objetivo apresentar alguns referenciais
histricos da formao da disciplina Museologia e do conjunto de
postulados tericos e metodolgicos que a compem e que orientam
a prxis em museus. Para tanto, o texto apresenta cinco marcos
como referenciais, no contexto internacional e nacional: (1) o
ICOFOM-Comit Internacional de Museologia do ICOM-Conselho
Internacional de Museus; (2) alguns momentos referenciais do ICOM
e do ICOFOM; (3) os Documentos referenciais do ICOM; (4) a nova
museologia; (5) a museologia brasileira e a pesquisa.

Palavras-chave
Palavras-chave: teoria museolgica; museologia; pesquisa em
museologia; comunicao museolgica; pesquisa de recepo em
museu.
Cadernos do CEOM - Ano 18, n. 21 - Museus: pesquisa, acervo, comunicao

O referencial do ICOFOM

O debate sobre os limites e as reciprocidades entre a


museologia e a museografia no recente, mas uma questo do
sculo XX que se intensificou aps a criao do ICOM-Conselho
Internacional de Museus, em 1946. Apesar que no ser uma
instituio acadmica, essa associao que congrega profissionais
de museus do mundo todo sempre esteve motivada a entender e
estreitar as relaes entre a grafia e a logia no locus museal,
principalmente aps vir tona a premncia de se estabelecer as
teorias e conceitos que alimentam a prxis museal. Temos notcias
do I Simpsio sobre Teoria Museolgica ocorrido em Brno, em 1965,
e do Seminrio Internacional Museologia, organizado pelo Comit
Nacional Alemo do ICOM, em Munique, em 1971. Temos notcias,
tambm, que entre 1971 e 1977 o ento presidente do ICOM, Jan
Jelinek, empenhou-se na formao de conceitos museolgicos no
mbito desse Conselho. Foi por iniciativa de Jelinek que tomou-se a
deciso poltica da criao do ICOFOM - Comit Internacional para
a Museologia em 1976 (KLAUSEWITZ, 1997, p.13). Da para a frente,
ICOM e ICOFOM trabalharam paralelamente para o
desenvolvimento dos museus e da museologia.
Pode-se colocar como um dos principais marcos da formao
e desenvolvimento da disciplina Museologia a criao do ICOFOM.
O ICOFOM teve sua criao oficial em junho de 1976, conforme
The establishment of a new international committee on museology
no. 76/AD 15 (MORA E GANDHOUR, 1997: 45). Sua existncia
de fato, no entanto, deu-se na Conferncia Trianual do ICOM, em
maio de 19772, em Moscou e Leningrado. A partir de sua criao, o
ICOFOM passou a ser o maior e mais importante frum de discusso
e estudo sobre teoria museolgica. Nesse momento, e nos anos
posteriores, os objetivos do ICOFOM eram a definio de
museologia, a constituio de um sistema de conhecimento
museolgico, o desenvolvimento de um programa de ensino
universitrio da museologia e a compreenso das interrelaes da
museologia com outros campos de conhecimento, tais como a

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Museologia - marcos referenciais - Marlia Xavier Cury

filosofia, a antropologia social e cultural, as cincias polticas e da


informao. A meta era a configurao da museologia como um
campo de estudo independente. A partir de ento, vrios encontros
foram organizados e a produo terica de seus membros comea a
ser publicada no MuWoP/DoTraM-Museological Working Paper/
Documents de Travail sur la Musologie, que contou com as edies
de dois nmeros, em 1980 e em 1981 (e publicado em 1982). Ressalte-
se que, nesse momento, j se fazia a distino entre a museologia -
os aspectos tericos dos museus - e a museografia - o trabalho prtico
que ocorre nessas instituies, ou seja, a museologia no era tida
como conjunto de prticas.
Os encontros internacionais do ICOFOM trataram de temas
especficos, conforme podemos constatar a seguir.
1977, Leningrado - instalao do Comit com a 1 Reunio
do ICOFOM
1978, Nieborw - 1 Encontro Anual teve como O resultado
deste encontro foi a impresso de que parece no existir qualquer
conceito real e especialmente base terica para a museologia como
disciplina cientfica (KLAUSEWITZ, 1997, p.15).
Esse encontro reuniu J. Jelinek e outros importantes nomes
da museologia da poca como Lorenz, Piotrovski, Irina Antonova,
Dabrowski, W. Klausewitz, Awraam M. Razgon, Rymaszewski e
Villy Toft Jensen.
Em Brno foi publicada a brochura Possibilidades e limites
na pesquisa cientfica tpica para os museus, tendo como editores
Jan Jelinek e Vera Slana. Esta considerada a primeira publicao
do ICOFOM. (KLAUSEWITZ, 1997, p.15).
Deliberou-se pela criao do Working Papers , jornal
internacional do ICOFOM, com o objetivo de reunir as diferentes
posies sobre os problemas museolgicos fundamentais. Vinos
Sofka3 ficou na superviso e edio.
1979, Torgiano - 2 Encontro Anual. Porm, os resultados
para a museologia especial foram novamente um tanto
desapontadores, uma vez que as interpretaes de um mesmo
conceito foram muito diferentes (KLAUSEWITZ, 1997, p.15).

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Em Brno foi publicada a brochura Aspectos sociolgico e


ecolgico nas atividades do museu moderno luz da cooperao
com outras instituies afins - tema do encontro -, editada por J.
Jelinek e V. Slana.
1980, Mxico - Museologia, uma cincia em formao: esse tema
foi indicado para debate a partir da adoo da idia de museologia
como disciplina cientfica e cincia em formao por Klaus Schreiner
(Alemanha), Zbynek Z. Strnsk e Anna Gregorov (Repblica
Tcheca) e Vinos Sofka (Sucia). Discutiu-se, ento, sobre o objeto
de estudo da museologia. Nesse encontro, foram levantadas duas
proposies. Na primeira, de Strnsk e Gregorov, o objeto de
estudo da museologia a relao especfica entre o homem e a
realidade. Strnsk desenvolveu essa abordagem no final da dcada
de 1970 e apresentou-a como sendo o objeto de estudo da
museologia, em 1980. Na segunda, por Waldisa Russio [Camargo
Guarnieri] (Brasil), o objeto de estudo da museologia o fato
museal, a relao profunda entre o homem e o objeto (DoTraM,
1980, p.20)
Foi publicado o Working Paper com a denominao MuWoP/
DoTraM, tendo como comit editorial V. T. Jensen, W. Klausewitz,
A. M. Razgon e V. Sofka.
1981, Estocolmo - Museologia e interdisciplinaridade como
mtodo de ao para a prtica nos museus, para a pesquisa em
museologia e para a formao e capacitao profissional: Isso se
justifica pelo fato de que o estudo da relao do homem com o
patrimnio cultural depende de diversos domnios do
conhecimento.
Nesse ano, Guarnieri aperfeioa a sua definio de fato museal,
ou seja, a relao profunda entre o Homem, sujeito que conhece, e
o Objeto, parte da Realidade qual o Homem tambm pertence e
sobre a qual tem o poder de agir (RSSIO, 1981, p.58).
1982, Paris - O sistema da museologia e interdisciplinaridade: a
discusso no ocorreu, pois houve divergncia em torno da temtica.
Para alguns, a discusso deveria ser sobre teoria museolgica e, para

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Museologia - marcos referenciais - Marlia Xavier Cury

outros, sobre ecomuseologia. Foram deliberados ento dois


encontros para 1983, contemplando as duas propostas.
Segundo Sofka, nos primeiros anos do ICOFOM ocorreram
resistncias quanto sua existncia e suas propostas e entre 1980 e
1982 o Comit passou por uma sria crise. O encontro de Paris s
ocorreu graas ao empenho pessoal de Georges Henri Rivire, Andr
Desvalles e Grard Tupin e do suporte da Direction des Muses de
France (SOFKA, 1995, p.15-16). O encontro resultou em uma
avaliao sobre o papel do ICOFOM e iniciou-se uma nova fase
desse Comit. importante registrar que nesse momento de
superao estiveram presentes: R. Carrillo, A. Devalles, A. Grote,
A. T. Huovinen, A. O. Konar, F. E. Lacouture, M. M. da Mota, A.
Razgon, J. Schotsmans, G. Turpin, Peter van Mensch, Frans
Schouten, P. Vanderheijden, Tomislav Sola e Villy T. Jensen (ibid).
Nesse ano, foi interrompida a publicao do MuWoP/DotraM.
1983, Londres - Metodologia da museologia e formao
profissional: constri-se um pensamento museolgico fundado nas
cincias do homem e da sociedade, pois a globalidade do patrimnio
(natural, cultural, material e imaterial) est, nos museus, relacionado
a essas cincias. Para tanto, o encontro teve como objetivo responder
s questes: qual o sistema museolgico e como se d a
interdisciplinaridade na relao entre a museologia e os diferentes
campos de conhecimento? Qual a natureza do conhecimento
museolgico?
No incio da dcada de 1960, Z. Z. Strnsk props um sistema
da museologia baseado em uma historicidade, em aspectos prticos
dos museus e na relao da museologia com outras disciplinas. Esse
modelo foi rediscutido sucessivamente desde o encontro anual do
ICOFOM de 1977. Em 1980 e 1981 o debate se intensificou e chegou-
se a uma proposta tripartida - Museologia Geral, Museologia Especial
e Museologia Aplicada. Geoffrey Lewis, W. Klausewitz e Sofka
colaboraram com essa proposta (BURCAW, 1983, p.21 e RSSIO,
1983, p.125)4. Em 1983, o sistema de museologia foi o pano de fundo
da temtica central e fez-se uma reviso das discusses anteriores.
Colaboraram grandemente com os debates e com o amadurecimento

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da proposta tripartida (Museologia Geral, Museologia Especial e


Museologia Aplicada): George Ellis Burcaw (Moscou, USA), Peter
van Mensch (Holanda) e Waldisa Rssio (Brasil) (ISS, 1983, p.21, ,
83, 118, respectivamente).
Waldisa Rssio sintetizou as discusses dos anos anteriores -
a natureza do conhecimento museolgico, os objetivos da
museologia, a interdisciplinaridade como mtodo de trabalho para
a museologia e para a ao nos museus (ISS, 1983, p.114-125) - e traz
uma nova contribuio: um quadro onde apresenta,
esquematicamente, o sistema da museologia, como uma proposta
aperfeioada do quadro apresentado em 1980 por Klausewitz e
Sofka (RSSIO, 1983, p.118).
Os debates foram publicados nos ISS-ICOFOM STUDY
SERIES5 n. 1 ao 5, srie criada nesse ano e que substituiu o MuWoP/
DoTraM.
1983, Londres - Museu, territrio, sociedade - novas tendncias/
novas prticas: a discusso girou em torno dos conceitos de ecologia,
territorialidade e territrio, memria, desenvolvimento, cotidiano,
comunidade, identidade. As contribuies tericas partiram de
Tomislavi Sola (ex-Iugoslvia), Evzen Schneider e Zbynek Z.
Strnsk (ambos da Repblica Tcheca), Jaume Terradas (Espanha).
Alm disso, alguns estudos de caso de ecomuseus foram
apresentados e debatidos: Le Creuset/Montceau por Mathilde
Bellaigue (Frana); Ecomuseu mont Lozre por Grard Collin; Museu
da Bretanha por Jean-Yves Veillard (Frana); Ecomuseu da Haute-
Beauce no Quebec por Pierre Mayrand (Canad). O Museu Histrico
de Amsterd foi apresentado por Bob Haak (Holanda) como uma
instituio nos moldes tradicionais, mas que sofreu influncia
positiva da experimentao ecomuseolgica com a populao local.
(ISS, n. 2-5, 1983)
Andr Desvalles (Frana) incorpora o termo nova
museologia s discusses do ICOFOM.
1984, Leiden - Coletar hoje para o amanh: ponderao sobre
os critrios e poltica de formao de acervos contemporneos
visando as futuras geraes. Discutiu-se sobre os princpios, as

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Museologia - marcos referenciais - Marlia Xavier Cury

possibilidades e os problemas que envolvem a seleo de objetos


para um museu e como se d a transformao dos critrios de seleo.
A seletividade e os critrios de seleo foram abordados, tendo-se
em vista o princpio de que o objeto no vale por si s e sim por
seus valores culturais. A proposta foi pensar a coleta contempornea,
tendo-se em vista o futuro e partindo-se de uma crtica ao
colecionismo. Considerou-se que os objetos museolgicos tm como
atributos valores sociais, religiosos, estticos, artsticos, afetivos,
cientficos, polticos e ideolgicos. s vezes, esses valores passam
pelo objeto nico ou raro. Os critrios e polticas de seleo de
objetos deveriam ser norteados pela representatividade,
testemunhalidade, documentalidade, fidelidade e significao dos
objetos. A questo tecnolgica foi, tambm, debatida por sua
importncia para a documentao.
A aquisio e poltica de formao de acervos em ecomuseus
foi tambm um tema. O consenso deixa claro que, no caso, o
ecomuseu precede coleo, como um princpio da problemtica
ecomuseolgica (ISS, n. 6 e 7, 1984).
1985, Zagreb - Originais ou substitutos em museus: tema de
especial interesse para aqueles que refletem sobre a relao do homem
com os objetos, que se legitima durante a recepo em exposies.
O temrio visava pensar sobre a autenticidade nos museus.
Retomaram-se os conceitos de representatividade,
testemunhalidade, fidedignidade e documentalidade como defesa
pelo uso do original. A dicotomia original/substituto foi, no entanto,
minimizada pela argumentao de que o substituto no substitui os
atributos da autenticidade, mas pode atuar face a certas
necessidades e demandas. Isso posto, especificou-se o que seriam
estes substitutos: cpia, rplica, reconstruo, maquete e modelos.
Levantaram-se e discutiram-se as questes ticas que envolvem o
uso de substitutos. A discusso enfrentou, ainda, o dilema entre a
construo da linguagem - quando se recorre a rplicas e/ou cpias
- e a relao do pblico com o original (ISS, n. 8 e 9, 1985).
1986, Buenos Aires - Museologia e identidade: alteridade o
ponto de partida para a discusso de identidade como um processo

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Cadernos do CEOM - Ano 18, n. 21 - Museus: pesquisa, acervo, comunicao

contnuo de criao e recriao individual e coletiva. O encontro


aprofundou reflexes sobre o papel dos museus e do patrimnio
cultural na (re)construo da identidade cultural (ISS, n. 10 e 11,
1986).
Foi publicado, nesse ano, o Dictionnarium museologicum, lxico
poliglota de museologia desenvolvido por meio de um trabalho
comunal em nvel mundial que perdurou por nove anos, a contar
de 1977, quando foi proposto na assemblia trianual do ICOM, em
Moscou. Nele, estiveram envolvidos 44 especialistas de museus de
26 pases, e 20 idiomas. Esse lxico foi, na poca, um importante
instrumento de trabalho para confrontar os termos em diferentes
lnguas. O Dictionnarium foi uma colaborao que trouxe para a
padronizao terminolgica da museologia no plano mundial. Muito
embora esse tenha sido um trabalho coordenado pelo CIDOC-
Comit de Documentao do ICOM, o lxico contou com a
contribuio de nomes importantes do ICOFOM, como Z. Z.
Strnsk e W. R. C. Guarnieri (DICTIONNARIUM MUSEOLO-
ICUM, 1986).
1987, Helsinque-Espoo - Museologia e museus: abordou a
evoluo do fenmeno museus e avaliou a evoluo da relao entre
o museu - instituio - e a museologia - a disciplina: os museus e a
museologia em transformao no tempo e no espao. Como
proposta, foram lanados e debatidos os seguintes pontos: o
deslocamento de nfase do objeto para o pblico e a comunidade
(o objeto no mais visto como centro dos museus); o alargamento
do conceito de objeto de museu (expanso para o imaterial); abertura
tendncia para conservao in situ (em seu contexto, como em
museus de stio, casas histricas, ecomuseus); descentralizao dos
museus (com a criao de pequenos museus); mudana do enfoque
das exposies (de mostras de colees para exposies temticas);
racionalizao do gerenciamento de museus (aps um grande
desenvolvimento tcnico-profissional, a busca do aperfeioamento
administrativo); a musealizao de colees particulares (ISS, n. 12
e 13, 1987).

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Museologia - marcos referenciais - Marlia Xavier Cury

Nesse ano e no contexto brasileiro, W. R. C. Guarnieri


consolida a atual definio do fato museolgico, [...] a relao
profunda entre o Homem, sujeito que conhece, e o Objeto, parte
da Realidade qual o Homem tambm pertence e sobre a qual tem
poder de agir, relao esta que se processa num cenrio
institucionalizado, o museu (1987, p.2; 1989, p.10; 1990, p.7).
1988, Hyderabad-Varanasi-Nova Delhi - Museologia em pases
em desenvolvimento - ajuda ou manipulao?: reflexo sobre o papel
social dos museus nesses pases. Retomou-se a questo da identidade
cultural local face a intervenes externas e tambm o fato de que
h apenas uma museologia e inmeras formas de aplicao. Em
pases em desenvolvimento, as aplicaes se fariam considerando-
se necessidades especficas. No entanto, avaliou-se que os museus e
a museologia so promotores de desenvolvimento e mudanas
sociais, pois agem nos mbitos cultural e educacional. Para tanto,
caberia a uma poltica museolgica para pases em desenvolvimento,
formulada por eles mesmos (ISS, n 14 e 15, 1988).
1989, Haia - Museologia e futurologia: exerccio de ponderao
sobre o que se pode prever do futuro em relao aos museus e
museologia. Estiveram na pauta das discusses os seguintes tpicos:
o que coletar hoje para deixar para o futuro, como os conceitos
evoluiro e se haver um espao social a ser ocupado pelos museus
futuramente (ISS, n. 16, 1989).
1990, Livinsgstone-Mfuwe - Museologia e o meio ambiente:
aps o debate de 1983 sobre ecomuseus - os museus como parte de
um pensamento ecossistmico - retornou-se questo sobre a relao
das instituies museolgicas e o meio no qual se situam, ou seja, a
relao com o meio social, cultural e econmico (ISS, n. 17, 1990).
No foi publicado o ISS 18 preparado nesse ano.
No mesmo perodo, comeam a surgir subcomits do
ICOFOM na frica, sia, Europa, Amrica do Norte e Caribe. Para
agregar as reflexes na Amrica Latina e no Caribe, foi criado o
ICOFOM-LAM. Esse subcomit mantm, desde sua criao,
discusses e publicaes paralelas ao temas propostos anualmente
pelo ICOFOM6 (REVISIN 1989-1992).

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Cadernos do CEOM - Ano 18, n. 21 - Museus: pesquisa, acervo, comunicao

1991, Vevey - A linguagem das exposies: tema fundamental


para a Museologia, pois as exposies refletem a identidade de uma
instituio, ao mesmo tempo em que por meio delas que se
promove a relao do homem com o objeto. por meio das
exposies que o museu fecha o ciclo do processo curatorial e, por
outro lado, cumpre suas funes educativa e social. A discusso em
torno da linguagem museolgica relevante para o estabelecimento
de valores a serem trabalhados com o pblico, valores inerentes aos
objetos museolgicos (ISS, n. 19 e 20, 1991).
1992, Quebec - Simpsio de pesquisa museolgica (ISS, n. 21).
1993, [s.l.] - Museu, espao e poder: nesse ano, avaliou-se o
peso poltico e ideolgico dos museus e dos acervos. Foi implantado,
no bojo do ICOFOM, o projeto Idias Museolgicas Bsicas, com
Andr Desvalles na coordenao: programa de pesquisa
permanente sobre terminologia, englobando conceitos e termos em
museologia (ISS, n. 22, 1993).
1994, Pequim - Objeto - documento? : discusso sobre
musealidade, ou seja, o objeto museolgico como documento, como
suporte de informao (ISS, n. 23 e 24, 1994).
1995, Stavanger - Museu e comunidade: retomada da discusso
sobre a relao dos museus com a sociedade, aprofundando as
questes de como os museus abordariam seu(s) pblico(s) e dando
nfase questo de formao de pblico como usurio de museus
(ISS, n. 25, 1995).
Foi instalado, em 1994, o grupo de trabalho do projeto Idias
Museolgicas Bsicas para levantamento e discusso dos termos e
conceitos. O grupo era composto por Andr Desvalls (Frana)
como coordenador, Ivo Maroevic (ex Iugoslvia), Peter van Mensch
(Holanda), Tereza Scheiner (Brasil) e Zbynek Strnsk (Repblica
Tcheca).
1996, Rio de Janeiro - Museologia e arte: foram debatidos,
nesse encontro, em que medida a museologia e os museus podem
fazer com que a sociedade participe do processo artstico, como a
museologia e os museus podem expandir a idia de arte, como a

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Museologia - marcos referenciais - Marlia Xavier Cury

arte entendida nas diferentes culturas e como musealizar arte (ISS,


n. 26, 1996).
1997, Paris - Museologia e memria: a memria no est pronta.
um processo em constante construo, construo esta que se d
no presente, interpretando o passado. Nesse encontro, discutiu-se
o papel e a participao dos museus na construo da memria e os
museus como lugares de memria (ISS, n. 27 e 28, 1997).
Nesse ano do 20 aniversrio do ICOFOM, tivemos no ISS 27
o artigo de Wolfgang Klausewitz The First Historical Phase of
ICOFOM - a Review with Personal Reflexion (1997: 13-15), balano
da primeira gesto da diretoria desse comit. J no ISS 28, dois artigos
avaliam os 20 anos de trabalho do ICOFOM: de Nadine Fattouh e
Nadie Simeon Orientation musologique et origines gographique
des auteurs (1997: 33-43) e de Claudia Corvi Mora e Nada Ghandour
Evolution et extension de la therie musologique de l`ICOFOM
(1997: 44-55).
1998, Melbourne - Museologia e Mundializao: novos dilemas
para os museus e para a museologia, considerando-se a
transculturao imposta pela mundializao (ISS, n. 29 e 30, 1998).
1999, Coro - Museologia e filosofia: trs grupos de trabalhos
analisaram: 1) os limites epistemolgicos entre museologia e filosofia;
2) a base filosfica da museologia; 3) a filosofia atual e sua relao
com a museologia (ISS, n. 31, 1999).
2000, Munique-Brno - Museologia e patrimnio intangvel: o
tema j tinha sido apresentado anteriormente por Mensch, em 1987,
quando o pesquisador prope o alargamento do conceito de objeto
de museu. Foi, ento, aprofundada a problemtica, destacando-se
que h uma dimenso intangvel nas colees de museus. Procurou-
se levantar experincias com registro, documentao e, at mesmo,
exposies que tivessem o patrimnio intangvel como fundamento
(ISS, 32, 2000).
2001, Barcelona - Museologia, desenvolvimento social e
econmico: discutiram-se a globalizao e como o capitalismo global
vem afetando o cumprimento do papel dos museus junto
sociedade e poltica museal (ISS, n. 33a, 2001).

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Cadernos do CEOM - Ano 18, n. 21 - Museus: pesquisa, acervo, comunicao

2002, Cuenca - Museologia e apresentao - real(original) ou


virtual ?: debateu-se o sentido do objeto original em museus,
considerando-se a realidade virtual proposta pela eletrnica. O
objeto original foi confrontado com o virtual e foi feita uma avaliao
da possibilidade de se ampliar o que se entende por objeto
museolgico. No bojo das discusses, veio tona a problemtica do
uso de cpias, rplicas e modelos em museus e em centros de cincias
(ISS, n. 33b, 2002).
2003, Krasnoyarsk-Belokuricha-Barnaul - Museologia como
instrumento para a unidade e a diversidade? (ISS, n. 34, 2003).
2004, Seul - Museologia e patrimnio intangvel II (ISS, n. 35,
2004).

Qual o objeto de estudo da Museologia?

Sintetizando, a museologia tem um objeto de estudo?


Segundo Peter van Mench (1994) temos algumas tendncias
para objeto de estudo da Museologia, quais seriam:

- A Museologia como estudo da finalidade e organizao


de museus

Viso tradicional e bastante aceita entre os profissionais de


museus, que reside na idia de museologia como cincia dos museus.
Tem sua origem no Seminrio Internacional de Museus Regionais no
Rio de Janeiro, em 1958, e, de certa forma, pode ser vista nos modelos
de cursos do tipo museum studies. Trata da compreenso da museologia
como objetivos e organizao de museus. Posteriormente, em 1972,
foi adequada para [...] estudo da histria e trajetria dos museus,
seu papel na sociedade, seus mtodos de pesquisa, conservao,
educao e organizao, seu relacionamento com o ambiente fsico e
a classificao dos diferentes tipos de museus. (MENSCH, 1994, p.4)
No final da dcada de 1970 e incio dos 80, pde-se considerar
essa tendncia como ultrapassada.

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Museologia - marcos referenciais - Marlia Xavier Cury

- A Museologia como o estudo da implementao e


integrao de um certo conjunto de atividades, visando
preservao e ao uso da herana cultural e natural

Esta abordagem est centrada na idia de museologia como


conjunto de atividades para viabilizar a aquisio, conservao,
documentao, estudo, comunicao e educao de bens
patrimoniais. Ou seja, esta abordagem considera que a museologia
est reservada aos procedimentos que constituem o processo
curatorial. Vigorou nos anos da dcada de 80 e foi defendida por A.
M. Razgon (Rssia), J. Neustupny e J. Benes (Repblica Tcheca), I.
Jhan, K. Schreiner e V. Schimpff (Alemanh), V. S. Bedekar (ndia)
e P. van Mensch (Holanda).

- A Museologia como o estudo dos objetos de museu7

Nela, h relao estreita entre museologia e museu como local


para interpretao de objetos. Essa aproximao fez com que alguns
tericos definissem museologia como estudo dos objetos de museus.
A partir dessa concepo, Z. Bruna, em 1965, definiu museologia
como o problema relativo ao material, aos objetos mveis, autnticas
peas da realidade objetiva, os quais - tendo perdido suas funes
originais e agora obsoletas - tm adquirido, esto adquirindo ou
vo adquirir novas funes como evidncia de sua trajetria
(BRUNA, apud MENSCH, 1994, p.8-9).
Outros adotaram essa postura, como Razgon e Ilse Jahn. Este
ltimo amparava-se na transformao do objeto testemunho em
objeto como documento museolgico.

- A Museologia como o estudo da musealidade como uma


qualidade distintiva dos objetos de museu

Essa abordagem decorreu da definio dos atributos


documentais do objeto museolgico como musealidade. O defensor
dessa abordagem foi Z. Z. Strnsk, que dizia que O objeto

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Cadernos do CEOM - Ano 18, n. 21 - Museus: pesquisa, acervo, comunicao

intencional de conhecimento da museologia a musealidade,


concebida no contexto histrico e considerando a funo social
presente e futura como um todo. (apud MENSCH, 1994, p.10)
Um seguidor desse pensamento foi Ivo Maroevic, que
defendia que A museologia lida com o estudo sistemtico dos
processos de emisso de informao, contida na estrutura material
da muselia (apud MENSCH, 1994, p.11).

- A Museologia como o estudo de uma relao especfica


entre homem e realidade

O grande mentor dessa abordagem foi Z. Z. Strnsk que, no


final dos anos de 1970 e incio da dcada seguinte, formula a
definio de objeto da museologia como

[...] uma abordagem especfica do homem frente


realidade cuja expresso o fato de que ele seleciona
alguns objetos originais da realidade, insere-o numa
nova realidade para que sejam preservados, a despeito
do carter mutvel inerente a todo objeto e da sua
inevitvel decadncia, e faz uso deles de uma nova
maneira, de acordo com suas prprias necessidades
(apud MENSCH, 1994, p.12).

A partir da 5 tendncia, Mensch considerou alguns


desbobramentos:

- Wojciech Gluzinski prope uma museologia postulada,


aquela que vai essncia do museu que, para ele, primordialmente
[...] uma questo de significados que num sistema cultural
representem todas as coisas que fazem um museu. (p.13) O autor
criou a expresso fator M para falar da transmisso de valores
simblicos contidos nos objetos. Por isso, de um lado, a rea de
conhecimento da museologia postulada estaria na rea dos sentidos
e, de outro, na rea de comportamentos culturais especficos [];
nestes que os fenmenos museolgicos tornam-se manifestos (p.13).

58
Museologia - marcos referenciais - Marlia Xavier Cury

Para Mensch, a partir de Gluzinski, o museu visto como um sistema


de comportamentos culturais especficos (p.13).
- Waldisa Russio define museologia como o estudo do Fato
Museal, a relao profunda entre o homem, sujeito que conhece, e
o objeto, parte da Realidade qual o homem pertence e sobre a
qual tem poder de agir.
Seria possvel acrescentarmos, nos desdobramentos de
Mensch, uma outra contribuio. Mathilde Bellaigue sugere que na
definio de Strnsk realidade seja substituida por real que,
para Bellaigue, compreende a totalidade da cultura e do ambiente
(BELLAIGUE, 1992, p.2).

Pessoas referenciais no ICOFOM

Durante os seus 28 anos de existncia, o ICOFOM contou com a


participao de muitos tericos. A seguir, destacamos as pessoas
referenciais que atuaram ativamente por anos seguidos e/ou que
conseguiram marcar presena com suas idias. So elas:
Alpha Oumar Konar (Mali)
Andr Desvalls, Bernard Deloche, Georges Henri Rivire,
Grard Collin, Hugues de Varine-Bohan, Jean-Yves Veillard, Mathilde
Bellaigue (Frana)
Anita B. Shah, Mohan Nigan, S. Madhavan Nair, Vasant H.
Bedekar (ndia)
Anna Gregorov, Evzen Schneider, Josef Benes, Zbynek Petr
Suler, Z. Strnsk (Repblica Tcheca)
Bachir Zouhdi (Sria)
Barbara Abramo, Gabriela S. Wilder, Heloisa Barbuy, Marcelo
Mattos Arajo, Maria Cristina Oliveira Bruno, Maria de Lourdes P.
Horta, Maurcio Segall, Tereza Scheiner, Waldisa Russio Camargo
Guarnieri (Brasil)
Bob Haak, Peter van Mensch (Holanda)
C. D. Ardouin (Senegal)
Domnec Miquel Serra, Eullia Morral i Romeu (Espanha)
George Ellis Burcaw, John J. Whitlock, Jonh Kinard, Judith K.

59
Cadernos do CEOM - Ano 18, n. 21 - Museus: pesquisa, acervo, comunicao

Spielbauer (USA)
Grace Dowling, Isabel Barros de Tamarasco, Isabel Laumonier,
Nelly Decarollis, Norma Rusconi (Argentina)
Ivo Maroevic (ex Iugoslvia)
Jurij Pisculin (ex URSS)
Klaus Schreiner (Alemanha)
Lynn Maranda, Pierre Mayrand (Canad)
Martin Schrer (Suia)
Soichiro Tsuruta (Japo)
Tomislavi Sola (Crocia)
Vinos Sofka (Sucia)
Wojciech Gluzinski (Polnia)

Participaes recentes no ICOFOM

Ann Davis (USA)


Hildegard Vieregg (Alemanh)
Heloisa Costa, Marilia Xavier Cury, Odalice Priost (Brasil)
Mnica Mercuri, Mnica Gorgas (Argentina)
Omarou Nao (Burkina Faso)

Alguns momentos referenciais do ICOM e do ICOFOM

Os marcos referenciais do ICOM e do ICOFOM so inmeros


e elencamos alguns, conforme apresentado a seguir:
1946 - criao do ICOM - Conselho Internacional de Museus
1958 - Rio de Janeiro - realizao do Seminrio Internacional
de Museus Regionais da UNESCO
1965 - Brno - I Simpsio sobre Teoria Museolgica
1965 - Z.Z. Strnsk - no h um objeto de estudos e sim
tendncias de conhecimento
1965 - W. Gluzinski - a museologia no tem um objeto de estudo
da museologia, mas vrios que se realizam nas inmeras esferas do
museu

60
Museologia - marcos referenciais - Marlia Xavier Cury

1971 - Munique - Seminrio Internacional Museologia


organizado pelo Comit Nacional do ICOM. Contou com a
representao oficial do ICOM de Georges Henri Rivire
1971 - criao do Le Creuset-Montceau les Mines
(experimentao museolgica)
1971 - IX Conferncia do ICOM, Grenoble - reconhecimento
de um novo modelo de museu o museu de bairro
1972 - Frana - realizao do Colquio Museu e Meio
Ambiente
1972 - Chile - realizao da Mesa Redonda de Santiago do
Chile
1976 - criao oficial do ICOFOM/ICOM
1977 - instalao do ICOFOM
1980 - Strnsk e Gregorova - o objeto de estudo da museologia
a relao especfica entre o homem e a realidade
1980 - Rssio - o objeto de estudo da museologia o fato
museal, a relao profunda entre o homem e o objeto
1980-1981-publicao do MuWoP/DoTraM - Museological
Work Paper/Documents de Travail sur la Musologie
1982 - criao do MNES - Nova Museologia e Experimentao
Social
1982 - Tomislav Sola props o termo Patrimoniologia, tirando
o foco do museu e levando para as relaes entre a sociedade e sua
herana cultural.
1983 - incio da srie ICOFOM Study Series, hoje em seu 35
nmero
1984 - criao do MINOM-Movimento Internacional por uma
Nova Museologia
1986 - publicao do Dictionnarium Museologicum - lxico
poliglota
1988 - ICOFOM, Hyderabad - S h uma museologia, no
nvel mais elevado de abstrao, com inmeras formas e de acordo
com o universo de aplicao
1989 - a partir de uma poltica de descentralizao foi
recomendada a criao de uma organizao regional, o ICOFOM LAM

61
Cadernos do CEOM - Ano 18, n. 21 - Museus: pesquisa, acervo, comunicao

1990 - criao dos sub-comits do ICOFOM na frica, sia,


Europa, Amrica do Norte e Caribe. Tambm, o ICOFOM LAM
1993 - iniciou-se a pesquisa permanente sobre terminologia,
englobando termos e conceitos em museologia. Essa pesquisa
perdura at hoje.

Os documentos referenciais produzidos no mbito do


ICOM

So quatro os documentos que adotamos como referenciais


(ARAUJO; BRUNO, 1995). Entendemos que estes no devem ser
considerados apenas como marcos histricos, mas como referncias
de ideais e idias museolgicas:
1958 - Seminrio Internacional de Museus Regionais da
UNESCO sobre a Funo Educativa dos Museus, Rio de Janeiro,
Brasil. Esse seminrio destacou o carter educacional dos museus e
o papel das exposies como vnculo entre o museu e a sociedade
1972 - Mesa Redonda de Santiago do Chile: introduziu a
noo de Museu Integral, isto , os museus consideram a totalidade
dos problemas da sociedade.
1984 - Declaraes de Quebec e de Oaxaca: mantm-se a
idia de museu e patrimnio como um instrumento a servio do
desenvolvimento do homem e da sociedade, conforme proposto
na Declarao de Santiago do Chile, em 1972.
1992 - Declarao de Caracas: os museus so espaos e meios
de comunicao e servem interao entre a sociedade e os processos
e produtos culturais. o museu entendido como agente para a
participao do pblico na construo e reconstruo permanente
dos processos culturais, agente este integrado e integrador.
Todos esses documentos deflagaram: os sujeitos do processo
museolgico, o carter social e ideolgico da museologia e dos
museus, entendem o museu espao de exerccio democrtico e de
cidadania e, por isso, espaos dialgicos.

62
Museologia - marcos referenciais - Marlia Xavier Cury

A nova museologia como referncia

Cabe, ainda, dar destaque s discusses em torno do que se


denomina nova museologia que, na realidade, no uma outra
em contraste com a antiga, mas sim um modelo metodolgico de
interao entre o patrimnio cultural e a sociedade. Nesse modelo,
o pblico agente das aes de preservao e comunicao
patrimonial e o processo tomado como educacional, por ser
transformador. Enquanto modelo inovador, a nova museologia
trouxe vrias contribuies e, sobretudo, agregou valores ao embate
sobre a crise dos museus na medida que se prope ao
enfrentamento entre os bens culturais e o pblico em todas as suas
possibilidades e potencialidades. Muito embora possamos tomar a
Declarao de Quebec e a criao do MINOM-Movimento
Internacional por uma Nova Museologia, em 1984, como referncias
para a nova museologia, h antecedentes importantes como a
Declarao de Santiago do Chile e o Colquio Museu e Meio
Ambiente (Frana), ambos ocorridos em 1972; as reflexes de Georges
Henri Rivire e Hugues de Varine-Bohan no ICOM; a criao do
MNES-Nova Museologia e Experimentao Social, em 1982; e outros
fatos que levaram criao de inmeros museus integrados, de stios,
comunitrios, de vizinhana/de bairro, de cidades e, em 1971, a
criao do Le Creuset-Montceau les Mines, materializao
(experimentao museolgica) do conceito de ecomuseu, associao
de museu e meio ambiente, de Varine-Bohan. Discusses em torno
de conceitos como ao comunitria, construo para o futuro,
preservao como ao comunitria, responsabilidade coletiva,
museu integrado com a comunidade, museu e educao popular,
educao permanente, educao libertadora, museu e meio ambiente
so alguns exemplos daquilo em torno do que girou a nova
museologia e, conseqentemente, as contribuies que esse modelo
trouxe para a disciplina Museologia (CNDIDO, 2002).

63
Cadernos do CEOM - Ano 18, n. 21 - Museus: pesquisa, acervo, comunicao

A museologia brasileira como referncia : nossos expoentes

No Brasil, alguns nomes se revelaram como estruturadores


tericos, so eles:
Heloisa Barbuy
Helosa Costa
Maria Celia Tavares Moura Santos
Maria Cristina Oliveira Bruno
Maria de Lourdes Parreiras Horta
Mario de Souza Chagas
Maurcio Segall
Odalice Priost
Tereza Scheiner
Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses
Manuelina Maria Duarte Cndido, vem despontando como
uma talentosa pesquisadora em museologia, trazendo consigo a
tradio museolgica.

Destaque

Muito se poderia falar a respeito da produo e das reflexes


realizadas por esses profissionais citados anteriormente. Cada um
deles mereceria um estudo especialmente dedicado s suas
contribuies. No entanto, neste texto, destaca-se Waldisa Russio
Camargo Guarnieri por considerar sua produo intelectual8 como
base fundante da teoria museolgica no Brasil.
Ento, retoma-se os trs momentos da definio do fato museal
ou museolgico
1980 - a relao profunda entre o homem e o objeto
1981 - a relao profunda entre o Homem, sujeito que
conhece, e o Objeto, parte da Realidade qual o Homem tambm
pertence e sobre a qual tem o poder de agir (W. Russio [Camargo
Guarnieri], 1981.
1987/1989/1990 - a relao profunda entre o Homem, sujeito

64
Museologia - marcos referenciais - Marlia Xavier Cury

que conhece, e o Objeto, parte da Realidade qual o Homem tambm


pertence e sobre a qual tem poder de agir`, relao esta que se
processa num cenrio institucionalizado, o museu`9. (W. R. C.
Guarnieri, 1987, p.2; 1989, p.10; 1990, p.7)
Podemos tecer alguns comentrios sobre o fato museolgico.
Em essncia, uma fato comunicativo e, ademais, entende
comunicao como interao - a relao profunda entre, ou seja,
como processo em que sujeitos se encontram, dialogam, negociam
e onde h conflitos. Esse entendimento do que seja comunicao
vai muito alm daquele que define comunicao como transmisso.
Por outro lado, a autora defendeu que

[...] Se verdade que o objeto s tem significao para o


Homem que o conhece, tambm vlido fazer-se a
afirmao mais elementar e implcita na anterior de que
embora o objeto em si, entitativamente (sic), exista
materialmente, ele s se realiza [coisifica, objetiva,
passa a existir concretamente] quando o Homem toma
conhecimento dele.Porisso (sic) o Museu uma criao
do mais alto esprito humanista. Porisso (sic) to vlido
lembrar que o Museu o registro da trajetria do Homem
sobre a Terra: registro do cenrio em que ele se move e
registro de sua atividade, sua tcnica, sua arte, sua
cultura, enfim. Nesse sentido, todo museu histrico, e
todo museu antropolgico.A rigor, dentro deste mesmo
sentido, ainda se poderia dizer que todo museu que
registra a ao humana, o trabalho do Homem, , tambm,
de Arte, na medida em que se realiza. E isto porque,
mesmo quando se trata de objetos utilitrios em que a
preocupao predominante funcional - e no esttica -
ainda assim no resultado final pode se encontrar um
contedo de beleza.Esse registro da ao e da trajetria
humanas destina-se a um espectador: o Homem
[..](INSTITUTO DE MUSEOLOGIA DE SO PAULO,
1991, p.2)10.

H nesta citao alguns aspectos sobre o fato museal como


fato comunicativo que podemos destacar:
Trata-se do princpio da recepo: um discurso s existe na
medida em que apropriado e gera um outro discurso;

65
Cadernos do CEOM - Ano 18, n. 21 - Museus: pesquisa, acervo, comunicao

H de se conhecer sobre o objeto em todas as suas


potencialidades para que ele se realize;
Conhecer relaciona-se com o sentido e a significao do objeto;
H de se pensar na esttica da recepo;
O emissor o museu: um emissor humanista;
O museu o meio e o Homem o fim;
O Homem o grande protagonista do e no museu. O museu
um produto cultural sobre as realizaes humanas.

HOMEM OBJETO

CENRIO

A comunicao assim exposta a de interao e de sentidos,


melhor dizendo, trata-se de comunicao de sentidos. Aqui o
emissor (o museu e seus profissionais) no um mero codificador e
o receptor (o pblico) um mero decodificador, isto porque na
comunicao de sentidos, ambos - emissor e receptor - so sujeitos
produtores de significados e sujeitos imersos em um universo de
(re)significaes. Por promover a interao, a comunicao o lugar
para onde convergem os plos emissor e receptor. O museu-emissor
(o profissional), por ser sujeito, elabora o discurso museolgico
carregado de significaes. O pblico-receptor, por ser igualmente
sujeito, interpreta esse discurso e (re)elabora-o, agregando as suas
prprias significaes. A elaborao e a interpretao do discurso
museolgico se processam a partir dos discursos sociais e a recepo
um processo atravessado por mediaes.
O fato museolgico dialgico e tem a sua fundamentao
dialgica em Bakhtin. Para esse autor o significado est no seio da
sociedade (KESKE, 2004: [s.p.]) e dialogia diz respeito no somente

66
Museologia - marcos referenciais - Marlia Xavier Cury

produo, mas, essencialmente, s trocas simblicas. A


comunicao dialgica e a comunicao de sentidos consistem em
complexa rede de germinao de informaes, negociao e
consumo em que prevalece o valor simblico sobre os de uso e troca.
Seguindo essa linha de pensamento, Martin-Barbero - comuniclogo
reconhecido internacionalmente - deslocou o foco de interesse da
comunicao dos meios para as mediaes. As mediaes se processam
no cotidiano, ou seja, no dia-a-dia das pessoas que a recepo e a
significao acontecem e fazem sentido (MARTIN-BARBERO, 1997).
Ento, deslocam-se as nossas atenes do museu como meio
para as mediaes que ocorrem no cotidiano do pblico-visitante.
Isto no significa mudana de objeto de estudo - o fato museolgico
como estamos apresentando -, mas sim entender essa mudana como
um novo lugar metodolgico.
A nova museologia tem a sua grande contribuio ao estudo
do fato museal ao experimentar-se como esse novo lugar metodolgico
da museologia. Com a nova museologia desvelou-se as mediaes
que envolvem a apropriao do patrimnio cultural.

SOCIEDADE PATRIMNIO
HOMEM OBJETO

CENRIO
TERRITRIO
Com a nova museologia, o fato museal permanece, mas a
forma de analis-lo mudou. Deslocou-se definitivamente o foco de
anlise do museu para o cotidiano das pessoas. E a museologia e o
museu participam sendo eles mesmos mediadores dos processos
de significao do patrimnio.

67
Cadernos do CEOM - Ano 18, n. 21 - Museus: pesquisa, acervo, comunicao

Pesquisa em museologia

Se pesquisa em museologia a produo de conhecimento


museolgico a partir do fato museal,

A comunicao que torna possvel a emergncia do


novo. Em outros termos: o processo de comunicao
base necessria para a produo de conhecimento
original a partir do bem cultural preservado. De outro
ngulo: o processo de investigao amplia as
possibilidades de comunicao do bem cultural e d
sentido preservao. A pesquisa a garantia da
possibilidade de uma viso crtica sobre o campo de
estudo aqui delineado (CHAGAS, 2002, p. 25).

A verdadeira substncia da museologia a interao que se


manifesta no dilogo, na construo de sentidos sociais, no bojo
das prticas culturais e da construo da cidadania. Tambm, a
interao constitui a realidade fundamental do museu. So os usos
que o pblico faz do museu que lhe do forma social (CURY, 2004,
p. 95). Entende-se como uso as infinitas formas como o museu est
inserido na vida cotidiana das pessoas, independente delas irem ou
no ao museu. O museu faz parte da vida das pessoas no mnimo
no imaginrio delas (isso no pouco porque esse imaginrio, em
grande medida, colaborou para que o museu existisse por sculos).
Se isso verdade, tem-se que conhecer os inmeros usos que o
pblico faz do museu e analisar as formas sociais que ele adquire.
Para tanto, necessrio problematizar a relao do pblico com o
museu e entender como se d o encontro do pblico com o
patrimnio musealizado e como o museu pode aproximar ou afastar
as pessoas da vida cultural a partir da cultura material.
Assim sendo, deve-se problematizar o fato museolgico,
aprender a identific-lo na realidade emprica, apreend-lo, criar
um quadro terico-interpretativo que responda s hipteses
museolgicas de recepo em museus e, ento, construir uma teoria
compreensiva da recepo/interao/relao profunda entre o
Homem e o Objeto no Museus.

68
Museologia - marcos referenciais - Marlia Xavier Cury

No entanto, deve-se ter em mente as formas de expresso da


comunicao museolgica e perceber a diferena entre pesquisar
na e pesquisar a. A pesquisa terica em museologia com bases
empricas desenvolvida na exposio museolgica e/ou em
situao educativa e/ou em outras situaes de aproximao do
pblico com o patrimnio cultural musealizado. Pesquisar em um
contexto diferente de pesquisar o contexto. Pesquisar, portanto,
na exposio museolgica [ou a partir da ao educatica] no
significa pesquisar a exposio [ou a ao educativa] (CURY, 2004a,
p. 94), isto porque a exposio e a ao educativa so possibilidades
de aplicao e de reflexo sobre teoria museolgica (CURY, 2004b).
Entretanto, a dificuldade no desenvolvimento de pesquisa
emprica em comunicao museolgica est na transversalidade de
teorias e conceitos que contribuam para a construo da teoria
compreensiva da recepo museolgica. Ela no existe e precisa ser
construda. Uma transversalidade que d conta de:

O museu tem sempre como sujeito e objeto o homem e


seu ambiente, o homem e sua histria, o homem e suas
idias e aspiraes. Na verdade, o homem e a vida so
sempre a verdadeira base do museu, o que faz com que o
mtodo utilizado em museologia seja essencialmente
interdisciplinar, posto que o estudo do homem, da
natureza e da vida, dependem do domnio de
conhecimentos cientficos muito diversos. Quando o
museu e a museologia, no senso global do termo, estudam
o ambiente, o homem, ou a vida, so obrigados a recorrer
s disciplinas que a exagerada especializao separou
por completo. A interdisciplinaridade deve ser o mtodo
de pesquisa e de ao da museologia e portanto, o mtodo
de trabalho nos museus e cursos de formao de
muselogos e funcionrios de museus (RUSSIO, 1981,
p.59).

No nego que a interdisciplinaridade foi e ainda o principal


mtodo em museus, mas entendo que a museologia est caminhando
para ser uma transdisciplina. Acho que Waldisa Rssio estava
caminhando nesse sentido ao demonstrar poeticamente a
complexidade que lidar com a base dos museus: o Homem.

69
Cadernos do CEOM - Ano 18, n. 21 - Museus: pesquisa, acervo, comunicao

A museologia a rea que permite a ligao do social com o


patrimonial. , por isso, uma transdisciplina porque trabalha
necessariamente na transversalidade, porque a possibilidade de
recorte da realidade que une desenvolvimento social, dinmica
cultural, polticas pblicas, prxis cotidiana, desenvolvimento
humano, processo educacional com patrimnio cultural,
conhecimento e preservao.
Ignorar que a museologia uma transdisciplina arriscar a
tornar o museu um reprodutor de modelos e tcnicas e tornar o
enunciador que o museu em um sujeito autoritrio. Nessa situao,
o que se reserva sociedade?

Notas
* Marlia Xavier Cury museloga. Desde 1992 desempenha aes de pesquisa e docncia
em Museologia no MAE-Museu de Arqueologia e Etnologia/USP.
1
Este artigo foi apresentado no Seminrio: Muselogo - 20 Anos de Profisso no Brasil,
organizado pelo COREM 4a Regio, So Paulo, setembro de 2004.
2
O ICOFOM teve em sua 1 gesto - 1977 a 1980 - Jan Jelinek, como presidente, e M.
Jacques Manoury, como 1 secretrio, tendo sido substitudo por Wolfgang Klausewitz.
3
Vinos Sofka sempre foi um grande defensor, incentivador e promotor de publicaes no
mbito do ICOFOM como forma de registro de distintas posies e de discusses. Ele
esteve a frente dos dois nmeros do MuWoP/DoTraM e editou os 19 primeiros nmeros
do ISS. Segundo Sofka as edies do ISS tornaram-se o mais importante instrumento
na concretizao do corajoso programa de pesquisa do Comit e na distribuio de seus
resultados (1995). Tambm, promoveu, na dcada de 80, o MNs - Museological News,
publicao rpida e flexvel para a democratizao do ICOFOM.
4
Com relao a essa proposta veja tambm MuWoP n. 1, 1980, pginas 11,12 e 13, as
contribuies de Klauzewitz e Sofka; MuWoP n. 2, 1981, a contribuio de Geoffrey
Lewis.
5
O ICOFOM reimprimiu os vinte primeiros nmeros do ISS em 1995, tendo como editor
de reimpresso Martin R. Schrer.
6
O ICOFOM LAM j realizou 13 encontros anuais com seus anais.
7
Segundo Cndido (2002), em 2000 Peter van Mench apresentou esse mesmo quadro
integrando os itens 3 e 4, assim ficando: estudo dos objetos museolgicos (cultura
material) e da musealidade como definiu Strnsk, associada informao contida nos
objetos museolgicos e seu processo de emisso.
8
De sua produo, destacamos: Methodologie de la musologie et la formation
professionelle, ISS 1, 1983, p. 114-125; La Museologie et la formation: une seule mthode?,
ISS 5, 1983, p. 32-37; Collecter aujourdhui pour demain, ISS 6, 1984, p. 51-59; La
musologie et lidentit, ISS 10, 1986, p. 245-255; Museologie et futurologie: esquisse
dides. (Une fable impie pour ledification des fidles), ISS 16, 1989, p. 219-226. Tambm,
destacamos Museu, um aspecto das organizaes culturais num pas em
desenvolvimento. Dissertao (Mestrado em Cincia) - Escola Ps-Graduada de Cincias
Sociais, Fundao Escola de Sociologia e Poltica da So Paulo. Ainda, Um museu de
indstria em S Paulo. 1980. Tese (Doutorado em Cincia) - Escola Ps-Graduada de
Cincias Sociais, Fundao Escola de Sociologia e Poltica da So Paulo. Essas foram as

70
Museologia - marcos referenciais - Marlia Xavier Cury

primeiras dissertao de mestrado e tese de doutorado com tema em museologia no


Brasil.
9
Utilizamos a definio do fato museal na integra conforma publicado pela autora em
1987, 1989 e 1990. No entanto, ela sempre, em seus textos e apresentaes, remeteu
publicao de 1983 como origem dessa definio.
1 0 Fragmentos publicados de Waldisa Pinto Russio. 1977. Museu, um aspecto das
organizaes culturais num pas em desenvolvimento. Dissertao (Mestrado em Cincia)
- Escola Ps-Graduada de Cincias Sociais, Fundao Escola de Sociologia e Poltica da
So Paulo. p. 139-140.

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72
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(Reimpresso).

73
Cadernos do CEOM - Ano 18, n. 21 - Museus: pesquisa, acervo, comunicao

Abstract
The purpose of this text is to present some historical referential
of the Museology discipline formation and of the collection of
theoretical and methodological postulate which compose and
orientate the praxis in museums. For that, the text presents five
marks as referential, in the international and national context: (1)
ICOFOM-International Committe for Museology of ICOM-
Internacional Council of Museums; (2) some referential moments
of ICOM and ICOFOM; (3) the referential Documents of ICOM;
(4) the new museology; (5) the Brazilian museology and the research.

Keywords
Keywords: museological theory; museology; museological research;
museological communication; reception research in museum.

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