Participao nas Rdios Comunitrias no Brasil

Cicilia M.Krohling Peruzzo

ndice imprensa diria e peridica, sites na Internet

e entrevistas, evidencia que o movimento das
1 Resumo . . . . . . . . . . . . . . 1 rdios comunitrias tem um carter pblico e
2 Introduo . . . . . . . . . . . . . 1 como tal contribuem para democratizao da
3 Muito Mais Vozes no Ar . . . . . 1 comunicao e para a ampliao da cidada-
3.1 Origens das Rdios Livres no nia.
Brasil . . . . . . . . . . . . . . 3
4 Comunitrias ou Piratas? . . . . . 6
5 Participao da Populao, a 2 Introduo
Grande Diferena . . . . . . . . . 9 Neste estudo analisamos a questo das rdios
6 E agora, a Lei . . . . . . . . . . . 11 comunitrias no Brasil, suas origens e ca-
7 Concluso . . . . . . . . . . . . . 12 ractersticas atuais. Evidenciamos tambm
8 Bibliografia . . . . . . . . . . . . 13 as conotaes do discurso sobre as mesmas
sob o ponto de vista das associaes patro-
nais, transmitido com nfase pela grande m-
dia, bem como aquele sob a tica das associ-
1 Resumo aes comunitrias de radiodifuso que en-
contra mais espao para divulgar suas posi-
O estudo aborda a questo das rdios comu- es apenas nos veculos de comunicao de
nitrias procurando entender sua origem e carter alternativo e nos seus prprios bole-
caractersticas atuais. Evidencia os aspectos tins, congressos e em seus sites na Internet.
legais e o posicionamento de setores da so- O estudo baseado em pesquisa biblio-
ciedade sobre as mesmas. Mostra o que ca- grfica, anlise de artigos da imprensa di-
racteriza uma emissora como propriamente ria, pequenos jornais de bairro, boletins das
comunitria, diante da diversidade de expe- associaes de rdios comunitrias, revistas
rincias existentes. O estudo, baseado em de informaes e especializadas, documen-
pesquisa bibliogrfica, anlise de artigos da tos, site de rdios livres e comunitrias na

Professora da Ps-Graduao em Comunicao Internet e entrevistas .
Social da UMESP - Universidade Metodista de So As rdios comunitrias trazem aspectos
Paulo, Brasil. O artigo uma verso ampliada. Paper inovadores quanto ao contedo de sua pro-
apresentado no GT Cultura e Comunicaco Popular,
gramao e processo de gesto. Esto con-
XXI Congresso Brasileiro de Cincias da Comunica-
o, Recife-PE, 9 a 14 de setembro de 1998. tribuindo para acelerar a regulamentao no
2 Cicilia Peruzzo

setor de radiodifuso de baixa potncia e autorizao do Governo, mas so omissos

para acirrar o debate sobre a democratizao quanto a tipificao das rdios de baixa po-
dos meios de comunicao de massa no Bra- tncia. Porm, a Constituio Brasileira de
sil, historicamente concentrados nas mos de 1988, Art. 220, garante que manifestao
grandes grupos econmicos e polticos. do pensamento, a criao, a expresso e a in-
formao, sob qualquer forma, processo ou
veculo no sofrero qualquer restrio, e
3 Muito Mais Vozes no Ar
no Art. 5o assegura: livre a expresso da
Em 1995 o Brasil descobriu as rdios comu- atividade intelectual, artstica , cientfica e de
nitrias, no formato de rdios livres. Atual- comunicao, independente de censura ou li-
mente existe um grande nmero de emisso- cena.
ras desse tipo. Os nmeros so controversos: O Brasil tambm signatrio do Pacto de
para uns 5.5001 , para outros 7.000, mas exis- San Jos da Costa Rica, celebrado por oca-
tem estimativas que falam na existncia de sio da Conveno Americana sobre Direitos
10.000 emissoras no pas. Elas ousaram ini- Humanos, em 1969, que declara ser o exerc-
ciar a reforma agrria no ar, enquanto no cio de liberdade de pensamento e expresso
Parlamento se discutia propostas de leis para no pode estar sujeito a censura prvia, mas
a radiodifuso de baixa potncia, com visvel a responsabilidade ulteriores, que devem ser
atraso em relao as demandas sociais para o expressamente fixadas em lei e que no se
setor. pode restringir o direito de liberdade de ex-
Trata-se de algo indito na histria do presso por vias e meios indiretos, tais como
pas, no enquanto experincia de rdio li- abuso de controles oficiais ou particulares de
vre, cujo pioneirismo remonta o incio da d- papel de imprensa, de frequncia radioeltri-
cada de setenta, mas pela elevado nmero de cas ou de equipamentos e aparelhos usados
emissoras demonstrando uma disposio de na difuso de informao, nem por quaisquer
ocupar as ondas, numa aberta contestao ao outros meios destinados a obstar a comuni-
controle oligopolizado dos meios de comu- cao e a circulao de idias e opinies.
nicao de massa . Historicamente as rdios livres so ativa-
Rdios livres so emissoras que entram no das por amantes do rdio que, apesar de no
ar, ocupam um espao do dial, sem conces- terem autorizao para funcionar, entram no
so, permisso ou autorizao de canal por ar correndo os riscos de serem submetidos
parte do Governo, sendo portanto caracteri- aos rigores da lei das telecomunicaes que
zadas como ilegais. Costumam ser chama- vem sendo aplicada, que prev priso de
das tambm de clandestinas ou piratas. So quem estiver operando, lacre e apreenso dos
consideradas ilegais com base na Lei 4.117, transmissores.
de 27 de agosto de 1962, e no Decreto-lei Suas matizes, tambm ao longo da hist-
236 de 1967. Os quais, proibem a instala- ria, tem sido bastante diferenciadas. Podem
o ou utilizao de telecomunicaes sem ser de carter poltico-ideolgico, de servio
1
comunitrio, religioso, comercial, ligadas a
Comisso Aprova Projeto de Rdios Comunit-
rias. A Gazeta, 5 de dezembro de 1996, pp.8 interesses das minorias ou a movimentos so-
ciais, ou simplesmente colocadas no ar com

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Participao nas Rdios Comunitrias no Brasil 3

a inteno de oferecer uma programao al- renta emissoras desse tipo no incio da d-
ternativa, porm similar a das emissoras con- cada de oitenta. Outra pioneira, em 1978, a
vencionais. No entanto, tem em comum RCG-Rdio Globo de Criciuma (SC).
a contestao aos sistemas de controle dos Quando da abertura lenta, gradual e se-
meios de comunicao de massa. gura do regime militar, mais no final da d-
cada de setenta e no incio da seguinte, elas
3.1 Origens das Rdios Livres no passariam a desenvolver-se com maior in-
tensidade. disseminando-se em muitas ci-
Brasil dades brasileiras. A capital paulista con-
No Brasil2 , as rdios livres comearam a tava com dezenas delas em 1985, criando-
aparecer nos anos setenta, numa poca em se at uma Cooperativa dos Rdio-Amantes.
que o regime militar estava em vigor e os Os nomes eram curiosos. Rdio Tot, R-
meios de comunicao de massa estavam, de dio Ternura, Rdio Xilik, Rdio Trip, Rdio
forma predominante, nas mos de pessoas ou Livre-Gravidade. De 15 de maio a 19 de ju-
grupos privilegiados com a concesso de ca- nho de 1987, tambm funcionou a Rdio TX
nais, por deciso unilateral do Poder Execu- 107,3, na Biblioteca da Universidade Fede-
tivo Federal. ral do Esprito Santo, operada por alunos do
A primeira experincia foi a da Rdio Curso de Comunicao Social.
Paranica, de Vitria (ES), em outubro de Num primeiro momento, as rdios livres
1970. Seus idealizadores eram dois irmos, eram constitudas por jovens interessados,
na poca com quinze e dezesseis anos de antes de tudo, em praticar a arte da radio-
idade. O mais novo foi preso tido como sub- fonia, pouco ou nada envolvidos com gran-
versivo, coisa que ele desconhecia oque sig- des causas sociais ou polticas. Em muitos
nificava. Seu interesse era apenas fazer r- casos, tratava-se de uma curtio de roquei-
dio. Ela surgiu com o slogan Paranica, a ros, como aconteceu em 1983, quando a ci-
nica que no entra em cadeia com a Agn- dade de Sorocaba foi palco de uma simp-
cia Nacional.3 Apesar de ter sofrido inter- tica ecloso de rdios ilegais, realizada pr
veno4 , voltou a funcionar em 1983 e con- garotos cansados da mesmice das freqn-
tinua no ar, com nome de Rdio Sempre Li- cias moduladas oficiais.(...) Eles se diziam
vre. apolticos. O negcio era muita msica, uns
Depois surgiria a Rdio Spectro, de Soro- recados para a sogra e umas paquinhas radi-
caba (SP), em 1976. A imprensa informou ofnicas5 .
que essa cidade chegou a ter mais de qua- Depois, tambm se instalariam emisso-
2 ras mais sensveis questo da centraliza-
PERUZZO, Cicilia M.K. Comunicao nos mo-
vimentos populares - a participao na construo da o dos meios de comunicao, bem como
cidadania, 1998. p.240 e seguintes. problemtica scio-econmica do Pas, em-
3
A Agncia Nacional irradia A Voz do Brasil, uma bora continuassem preponderando o senso
hora diria de noticirio oficial, obrigatoriamente re- de ironia e a preocupao em ousar. Dizia
transmitida por todas as emissoras de rdio do pas.
4 5
O jornal A Gazeta, de Vitria (ES), noticiou o MACHADO, Arlindo et alii. Rdios livres: a
fechamento da emissora em sua edio de 21.02.71. reforma agrria do ar, 1986, pp.17-38

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4 Cicilia Peruzzo

um pequeno manifesto da Cooperativa dos com base em decises tomadas por uma as-
Rdio-Amantes: Ns iniciamos um movi- semblia composta de 120 pessoas que dis-
mento de reforma agrria no ar. O rdio cutia sobre seu papel e sua programao, en-
uma conquista tcnica da humanidade e no tre outros assuntos. Contava com a partici-
pode ficar nas mos (...) de proprietrios- pao intensa da comunidade, tanto nas deli-
concessionrios. Ou uma locuo da Rdio beraes como na produo dos programas,
Xilik, em 20.07.1985: Eles tm medo dos recebendo de trinta a quarenta telefonemas
velhos pr suas memrias. Eles tm medo dirios com sugestes, recados e perguntas.
dos jovens por sua inocncia. Eles tm medo Cedia espaos para os catlicos (pastoral da
dos trabalhadores, (...) da cincia, dos msi- juventude, movimento carismtico), os evan-
cos, (...) dos filsofos, (...) da democracia. glicos, as crianas, os grupos de desem-
Ou, ainda, uma declarao da Rdio taca: pregados, conjuntos de rapp etc. Predomi-
O cotidiano - e no o Estado - o local esco- nava a msica black. As notcias, que eram
lhido para nossos delrios/desejos. (...) No da cidade, iam ao ar no Jornal da paulicia.
temos compromissos de gnero global.6 (...) Faziam-se transmisses ao vivo. Ficando no
Nada de relaes viciadas. Queremos comu- ar at por 120 horas semanais, chegou a ser a
nicar.7 emissora mais ouvida na cidade. Mas, como
Tambm houve experincias de rdios era previsvel, acabou sendo fechada e inter-
em sindicatos e nos movimentos comunit- ditada pela polcia federal10 .
rios. Os bancrios de So Paulo, que em Outra experincia significativa a Rdio
1981/1982 haviam adquirido prtica com o Novos Rumos11 , surgida em dezembro de
sistema de alto-falantes mveis, puseram no 1990 e inaugurada oficialmente em maio de
ar, em 1985, a Rdio Teresa8 , com 120 watts 1991, em Queimados, municpio da Baixada
de potncia. Em Ermelino Matarazzo, na Fluminense (RJ). A emissora com pouco
zona leste da capital paulista funcionou a R- tempo de funcionamento foi fechada por fis-
dio Patrulha, que passou o microfone co- cais do Ministrio das Comunicaes e a po-
munidade9 . lcia federal, sendo apreeendidos o transmis-
De 14 de julho de 1990 a 03 de abril de sor, a aparelhagem de audio e discos. Depois
1992 funcionou a Rdio Livre Paulicia, em de vrias tentativas de reabr-la, atravs da
Piracicaba (SP), com dez watts de potncia, mobilizao da comunidade12 e de lobby do
sem fins lucrativos, de propriedade dos mo- Comit pela Democratizao da Comunica-
radores do bairro e gerida por um conselho o do Rio de Janeiro junto ao Ministrio das
coordenador escolhido pelo voto. Ela atuava Comunicaes, finalmente aps o ento Mi-
6
nistro, Sergio Motta, ter se comprometido,
Aluso indireta Globo, a maior rede comercial
de televiso e rdio no Pais. 10
GUEDES, Gilse. Democracia na Rdio Livre
7
MACHADO, Arlindo. Op.cit. pp.22-23: 51-52. Paulicia., 1995.
8
Teresa a corda que os prisioneiros fazem com 11
A Comunitria mais Antiga. No ar.
lenis, para evadir-se das cadeias. O nome foi aqui maro/1997, no 2. pp.8.
utilizado para significar a fuga da cadeia global que 12
Fizeram um abaixo assinado com 10 mil assina-
domina a comunicao no pas. turas de habitantes do municpio e 100 de apoio de
9
MACHADO, Arlindo. Op.cit. pp.132. parlamentares.

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Participao nas Rdios Comunitrias no Brasil 5

em maro de 1995, a formar uma comisso nova Lei Magna promulgada em 1988. Esta
para elaborar uma proposta de regulamenta- apenas estatuiu que a concesso de canais
o para as emissoras de baixa potncia, a deveria ter a aprovao do Congresso e a cri-
emissora reinaugurada em 15 de maio de ao do Conselho Nacional de Comunica-
1995. Em 1997 voltou a ser fechada no dia 6 o.
de maio, mas reaberta em 11 do mesmo ms. A proliferao atual de emissoras comuni-
Atualmente, a Rdio Novos Rumos funci- trias o resultado de um processo de mobi-
ona diariamente, das 6 s 24 horas. a ter- lizao social pela regulamentao da radi-
ceira emissora mais ouvida em Queimados, odifuso de baixa potncia, cujo marco his-
com 21% dos ouvintes, segundo pesquisa de trico o dia 10 de abril de 1995, data em
audincia do IBOPE. que o Ministro das Comunicaes, Srgio
Pelo estatuto a emissora garante a todo ci- Motta, recebeu, em audincia, um grupo de
dado o direito a voz na programao. Conta representantes de rdios livres e comunit-
com 100 colaboradores e 14 funcionrios. rias. Nessa ocasio ele reconheceu, publica-
Tem um quadro de 781 scios, que contri- mente, a existncia de milhares de emissoras
buem com R$ 2,00 (dois reais) por ms, mas de baixa potncia em todo pas e assumiu o
sua principal fonte de receitar so os comer- compromisso de regulamentar seu funciona-
ciais e prestao de servios para terceiros. mento.
Dos 51 programas , 44% so musicais, Convm lembrar que o Forum pela Demo-
42% jornalsticos e 14% religiosos(de orien- cratizao da Comunicao, cujo ao este
tao evanglica, catlica e esprita). mais contundente no processo Constituinte,
A emissora faz assemblia,de seis em seis vem acompanhando as aes do Congresso
meses, com os associados, da qual tiram as Nacional, fazendo lobby e propondo polti-
diretrizes globais de atuao, mas o seu dia cas democrticas para os meios de comuni-
a dia e conduzido por um conselho execu- cao no Pas. Uma de suas conquistas nesse
tivo, composto por cinco membros. Possui setor a lei de TV a Cabo, uma lei que ga-
tambm um conselho de programao e um rante a obrigatoriedade de seis canais de uso
conselho de fundadores. pblico.
As rdios livres, mesmo que algumas pos- A origem dessas rdios est ancorada nas
sam ter sido decorrncia de aventuras sem experincias de rdios populares de alto-
maiores pretenses polticas, so, no con- falantes, tambm conhecidas como rdio-
junto, um protesto contra a forma de acesso poste, cujo apogeu ocorreu nos anos 80, no
aos instrumentos massivos e uma tentativa de Brasil.
conquistar a liberdade de expresso a qual- A transmisso de programas atravs de
quer preo. Elas contribuem para o debate alto-falantes, foi, e continua sendo em mui-
sobre a estrutura anti-democrtica dos meios tos lugares, o veculo de comunicao a que
de comunicao de massa no Brasil, que as organizaes comunitrias tiveram acesso
tambm teria lugar na Assemblia Nacio- para poderem levar suas mensagens aos ha-
nal Constituinte, mas nunca veio a empolgar bitantes de determinadas localidades. So
amplos setores representativos da sociedade, chamados de rdio do povo ou de rdio
nem conseguiu grandes avanos no texto da popular.

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6 Cicilia Peruzzo

Contudo, o uso do alto-falante como rdio, a colocar o sistema de som a servio da co-
surgiu h muitos anos, ainda antes do regime munidade visando melhorias, mas seus inte-
militar de 1964, em muitas localidades, prin- resses so particulares. Querem reconheci-
cipalmente no interior, e em geral vinculados mento, prestgio e almejam um emprego nas
a lojas comerciais, Igrejas e Prefeituras. emissoras convecionais. Um quarto modelo
Em Muqui (ES), existiu uma emissora similar ao anterior, s que os interesses so
desse tipo em 1948 para divulgar as promo- de ordem comercial . Operam o sistema de
es de uma loja. Com o tempo, passou a som enquanto meio para veiculao de ann-
desenvolver um servio de utilidade pblica. cios e outras formas de patrocnio visando o
Transmitia msica, debate poltico, jogos de lucro particular. Claro que acabam prestando
futebol e festas. Em outros municpios do algum servio de utilidade para o local, che-
Esprito Santo, como Castelo, Alegre e Gua- gando as vezes at mesmo a transmitir not-
ui tambm existiram servios semelhantes. cias das associaes de moradores.
Com o Golpe Militar de 64 foram extintos13 . Aos poucos foi acontecendo um declnio
Nos anos oitenta14 h um ressurgimento das rdio de alto-falantes e comeando a
desse tipo de meio de comunicao. Na d- surgir as emissoras, propriamente ditas, tais
cada de 90 eles continuam existindo e com como a Rdio Livre Paulicia e a Rdio No-
conotaes diferenciadas. Existe um mo- vos Rumos, mencionadas anteriormente.
delo em que o servio de som funciona como
um produto da comunidade. As organiza-
4 Comunitrias ou Piratas?
es comunitrias o administra voluntria e
coletivamente. Desenvolve uma programa- Um grande debate em nvel nacional vem
o voltada para a conscientizao e mobi- sendo travado em torno das emissoras de
lizao, informa, oferece entretenimento e baixa potncia, depois que resolveram desa-
presta servio de utilidade pblica. Um se- fiar os limites legais e chegam a configurar-
gundo modelo conserva as caractersticas de se como um movimento nacional, com ar-
interesse pblico, mas dirigido por uma ticulaes nos estados e muncicpios brasi-
ou duas pessoas comprometidas com o bem- leiros. Foi criada, inclusive, a ABRAO-
estar social local. Normalmente so pessoas Associao Brasileira de Radiodifuso Co-
que gostam do rdio e vm nessas emsissoras munitria, e vrias associaes estaduais,
uma canal para exercitarem sua voz e pres- tais como a ARCOCE-Associao das R-
tarem um servio a comunidade. Num ter- dios Comunitrias do Cear e a APERLOC-
ceiro modelo seus idealizadores chegam at Associao Paulista de Radiodifuso Local
13
Comunitria.
Depoimento de Terezinha Jovita Coelho.
14
Na Zona Leste II de So Paulo, tais emissoras Dessa dinmica surge a expresso rdio
comearam a surgir em 1983 e em 1988 chegaram a comunitria. Porm, pelo que pudemos ob-
existir 42 delas. No Esprito Santo a Rdio Popular servar com este estudo, so chamadas dessa
de So Pedro, inaugurada em 1986, foi uma das mais maneira apenas por seus idealizadores e sim-
importantes.(Ver
patizantes. Para seus opositores, para cujo
Peruzzo, 1997).
pensamento a grande mdia proporcionou
grandes espaos, elas so rdios piratas,

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Participao nas Rdios Comunitrias no Brasil 7

ou clandestinas. Essas expresses esto car- sua utilizao. Querem o direito de operarem
regadas de conotaes ideolgicas. Quando o meio de comunicao que um bem pblico,
so chamadas de comunitrias normalmente pertence a coletividade. Elas no querem in-
se lhes atribui um carter pblico. So vistas terferir em freqncias reservadas a servios
enquanto engajadas nas atividades comunit- essenciais. Pr isso pedem a regulamenta-
rias e portanto, portadoras de potencial para o.
contribuir para o desenvolvimento social e na Contudo, voltando ao discurso anterior-
construo da cidadania. Ao serem taxadas mente citado, nele est um elemento chave
de piratas elas so tidas como ilegais, inva- para compreendermos a causa principal da
soras e perversas. no aceitao das emissoras comunitrias.
As vozes mais ferrenhas, contrrias as As rdios convencionais tem receio da pulve-
emissoras de baixa potncia, provm de r- rizao da audincia e da conseqente perda
gas do Governo e dos donos das emissoras de anunciantes. A prtica tem demonstrado
convencionais, de forma isolada ou atravs que pequenas emissoras comunitrias tem
de suas associaes, entre elas a ABERT - conseguido ndices altos de audincia e de
Associao Brasileira das Empresas de R- aceitao pelas comunidades locais. Pri-
dio e Televiso. meiro porque desenvolvem uma programa-
O Ministrio das Comunicaes, pr sua o sintonizada com os interesses, cultura e
vez, tem determinado o combate a tais trans- problemtica locais. Segundo porque tm
misses, e atravs de suas Delegacias Regi- revelado grande capacidade de inovar pro-
onais, em conjunto com a Polcia Federal, gramas e linguagens, o que as diferenciam
vem apreendendo equipamentos e fechando das FMs tradicionais. Terceiro porque aca-
muitas emissoras no pas. bam revelando um grande potencial de atrair
Segundo Eurico Gode, presidente da os anunciantes locais tanto pelo preo mais
AMIRT - Associao Mineira de Rdio e Te- baixo das inseres, quanto pela possibili-
leviso, as rdios piratas causam interfern- dade da alta segmentao de mercado, ou
cia no sinal das estaes legalmente consti- seja atinge diretamente o pblico-alvo do
tudas e perpetram uma concorrncia desleal anunciante local.
com empresas idneas, que recolhem impos- Todavia, dinheiro no tudo que interessa,
tos e cumprem suas responsabilidade soci- no o nico motivo para a contestao s r-
ais15 . dios comunitrias. Elas so portadoras de
claro que um grande nmero de emis- um contedo poltico que amedronta os trs
soras irradiando, em controle, em faixas de poderes constitudos: Elas subvertem o po-
frequncia alheias vai causar interferncia. E der exercido pela oligarquia local ou des-
no isso que pretendem as rdios comuni- mascaram seus carter antipopular. (...) O
trias, tanto que h bastante tempo vem rei- grande perigo das rdios comunitrias est
vindicando uma legislao para permitir sua na cidadania que ela faz despertar no ou-
existncia legal e, mesmo tempo, normatizar vinte, ao promover a troca de papis: de ou-
15
vinte, o cidado passa a falante e os mandes
BERALDO, Carla. Rdio Pirata: Ondas Crimi-
nosas. Estado de Minas, 10/Novembro/1996, pp.32 locais (...) de falantes a ouvintes. (...) in-
suportvel aos membros do Poder Judicirio,

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8 Cicilia Peruzzo

pr exemplo, ouvir depoimentos de trinta ou tria das telecomunicaes, no Brasil e no

cinqenta queixosos , de que as filas porta mundo18 .
dos tribunais de pequenas causas no avan- Neste caso a mdia no as rotulou de
am16 . clandestinas, nem de ilegais, nem de pira-
Quanto a questo da ilegalidade desse tipo tas. Todo esse discurso meditico revela seu
de transmisso, de fato sob o ponto de vista corporativismo institucional e seu com-
jurdico discutvel, pois a lei das telecomu- prometimento com os interesses polticos e
nicaes e a Carta Magna do pas colidem econmicos dos grupos empresariais das te-
no assunto. Porm, podem ser consideradas lecomunicaes e do Governo que os repre-
como legtimas, pois tm uma funo social senta. As matrias sobre as rdios comuni-
importante no processo de convivncia e de- trias na grande mdia teceram, majoritaria-
senvolvimento comunitrio. Atendem a uma mente, a conotao negativa da qual falamos.
carncia crescente de comunicao em nvel O combate s emissoras comunitrias no
local, a que a legislao no soube se adi- parou nos quisitos explicitados at aqui. Elas
antar. Alm de muitos municpios brasilei- tambm foram acusadas de serem culpadas
ros no disporem de emissoras de rdio ( se- pela queda de um avio da TAM, em 31 de
tenta por cento17 ), em geral as rdios existen- outubro de 1996, em So Paulo. A explica-
tes tem uma programao descolada das pro- o foi de que as transmisses de alguma r-
blemticas locais, eminentemente musicais e dio comunitria, situada nas imediaes do
padronizadas, e em alguns casos transmitem Aeroporto de Congonhas, teria causada in-
em rede nacional, operadas a partir dos gran- terferncia no sistema de comunicao e na-
des centros urbanos como So Paulo e Rio vegao da aeronave.
de Janeiro. Para Chico Lobo estranho que peque-
Por outro lado, como diz Nivaldo Man- nas emissoras, que funcionam com baixa po-
zano somos to piratas como os servios de tncia (no mximo 50 Watts), venham a cau-
radiodifuso sonora por satlite, tambm no sar esse tipo de desarranjo nos avies de car-
regulamentados e nem por isso ilegais, como reira. No podemos imaginar que grandes
as redes Bandeirantes, CBN, Pan, Catlica empresas aeronuticas, como a Boeing e a
de Rdio, American Sat, Antena Um, Lder Folker, fossem to ingnuas ou irrespons-
etc. Como tambm o foram as TVs a Cabo, veis para deixar sair de seus hangares aero-
que comearam a operar no Brasil antes de naves com tamanha vulnerabilidade nos sis-
sua regulamentao - um fato comum na his- temas de navegao19 . Na mesma matria
16
ele cita declaraes de Joo de Ataliba No-
MANZANO, Nivaldo. Escndulo no Ar, pp.12-
13. gueira, engenheiro de instrumentos da Varig,
17
Pelo estudo do jornalista Manzano ( pp.11), no em matria na revista Fly no 27, de janeiro
apenas estados como o Rondonia, onde seus quatorze de 1993, dizendo que nenhum tipo de rdio
muncpios - com exceo da capital Boa Vista- no frequncia adentra [de fora para dentro] atra-
dispem de nenhuma emissora, mas isso ocorre tam-
bm em muitos municpios de So Paulo, Paran, 18
Op.cit., pp.11
Santa Catarina e Esprito Santo. 19
A Mentira das Interferncias, No Ar, maro de
1997. no 1, pp. 4

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Participao nas Rdios Comunitrias no Brasil 9

vs da fuselagem das aeronaves comerciais tm fins lucrativos. Vivem de apoio cultural,

modernas, pois elas so construdas para su- contribuies de scios, doaes e recursos
portar todo tipo de interprie ou interferncia arrecadados mediante a realizao de festas
que possa prejudicar a segurana de nossos etc, as vezes tambm veiculum anncios co-
passageiros.(...) Nossas aeronaves so tes- merciais e prestam servios de audio a tercei-
tadas em todas as condies adversas. (...) ros. 2o ) Aquelas que prestam alguns servios
Qualquer aeronave sobrevoa os quatro can- comunitrios, mas esto sob o controle de
tos do planeta, em lugares com as mais di- poucas pessoas e, em ltima instncia, ser-
versas atividades de rdio possveis. vem como meio de vida para seus idealiza-
Chico Lobo tambm lembra que a somat- dores, os quiais em geral tambm so seus
ria de toda a potncia das mais de 500 emis- donos. Ou seja, so de propriedade privada
soras existentes em So Paulo no chega de algum. Sua finalidade maior a venda
metade da potncia de uma s emissora con- de espao publicitrio. 3o ) H tambm aque-
vencional, que atinge freqentemente cem las mais estritamente comerciais, com pro-
mil Watts. Diz tambm que a somatria da gramao similar as das emissoras conven-
potncia das emissoras de FM, mais as de cionais, sem vnculos diretos com a comu-
OM, as de ondas curtas, TV, VHS, UHS, ra- nidade local. 4o ) Existem tambm emisso-
dioamadores, alm de outros servios de ra- ras de cunho poltico-eleitoral, ligadas a can-
dio comunicao, como a Faixa Cidado, te- didatos a cargos eletivos e seus resepctivos
ramos uma potncia dissipada nos ares da partidos polticos. Essas se proliferam mais
capital paulista de mais de 450 milhes de rapidamente em perodos pr-eleitorais. Es-
Watts. No seria, portanto, a parcela insigni- sas esto mais preocupadas em fazer cam-
ficante de rdios comunitrias capaz de cau- panhas disfaradas de candidatos. 5o ) H
sar o estrago que propala a mdia.20 . ainda emissoras religiosas, vinculadas a se-
tores das Igrejas Catlica e Evanglicas. So
sustentadas por suas mantenedoras e/ou pela
5 Participao da Populao, a
venda de espao publicitrio. Entre elas al-
Grande Diferena gumas fazem programao estritamente reli-
Na realidade existem emissoras de baixa po- ogiosa e outras incluem programas de car-
tncia de diferentes tipos e com interesses di- ter educativo, informativo e cultural, o que as
vergentes, tal como o acontece com os alto- aproxima das comunitrias.
falantes, mas todas se intitulam de comuni- Diante dessa diversidade, e principal-
trias. mente pelo fato de em geral serem, todas,
Podemos agrupa-las em quatro tipos. 1o ) chamadas de piratas, comea a se fazer de-
Emissoras que se caracterizam como emi- terminadas distines. Para Srgio Pires &
nentemente comunitrias, uma vez que as Sylvio Miceli, a diferena entre rdio co-
organizaes comunitrias so responsveis munitria e uma pirata est em seu obje-
por todo o processo comunicativo, desde a tivo, ou seja, a comunitria no visa lucro,
programao at a gesto do veculo. No e sim a prestao de servio. J as pira-
tas so emissoras que comercializam espa-
20
Op. cit. pp.4 os em sua programao sem a participao

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10 Cicilia Peruzzo

dos moradores, considerando apenas o lado tratando de seus problemas, suas festas,
financeiro21 . suas necessidades, seus interesses e sua
De fato, muitas emissoras que se dizem cultura. E ainda por possui sistemas de
comunitrias, se caracterizam mais como gesto partilhado, ou seja, funciona na base
micro-empresas. So comerciais. Alm de de orgos deliberativos coletivos, tais como
venderem espao publicitrio, a estrutura de conselhos e assemblia.
funcionamento similar a de qualquer pe-
quena empresa . Sua programao seme- c) Favorece uma programao interativa
lhante a das emissoras comerciais, ou melhor com a participao direta da populao ao
reproduzem sua lgica, embora introduzem microfone e at produzindo e transmitindo
inovaes que agradem os ouvintes. Tm seus prprios programas, atravs de suas en-
donos. Visam lucro, cuja aplicao depende tidades e associaes. Portanto, garantido
unicamente de deciso de seus proprietrios. o acesso pblico ao veculo de comunica-
A diferena fundamental est em a r- o. Alis, nesse tipo de experincia de
dio comunitria pertencer a comunidade, comunicao, desde os alto-falantes e outros
ser organizada, dirigida, pautada e operada veculos, nos anos recentes, que tem sido
pela comunidade. Quem fala e quem ouve concretizadas as mais completas formas de
a comunidade, sem os mediadores diplo- interatividade nos meios de comunicao,
mados.(...) E saber buscar no mercado os recentemente descoberta e ensaiada, com
profissionais, quando deles sentir necessi- grandes limitaes, pela grande mdia
dade22 .
Em suma, pelo que podemos observar nas d) Valoriza e incentiva a produo e
experincias que vem sendo desenvolvidas, trasmisso das manifestaes culturais local.
os aspectos que caracterizam uma rdio,
propriamente, comunitria, so: e) Tem compromisso com a educao para
a cidadania no conjunto da programao e
a) Sem fins lucrativos. Comercializa es- no apenas em algum programa especfico.
paos publicitrio para patrocnio na forma
de apoio cultural, ou at presta servios de f) Democratiza o poder de comunicar
audio a terceiros, mas os recursos arrecadas proporcionando o treinamento de pessoas
so canalizados para custeio e manuteno da prpria comunidade para que adquiram
e/ou reinvestimento, e no para o lucro conhecimentos e noes tcnicas de como
particular. falar no rdio, produzir programas etc.

b) produto da comunidade. Sob o ponto Voltando a questo da diversidade de

de vista da programao, que tende a ter emissoras, uma das consequncias bvias
um vnculo orgnico com a realidade local, que programao tambm to variada
21
quanto o gosto, desejo e as necessidades
Rdios Comunitrias: a Luta pela Regulamen-
tao, O Bairro. Dezembro/96, pp.8 tanto de seus emissores, quanto dos pbli-
22
MANZANO, Nivaldo. Op. cit., pp.12 cos receptores. Muitas so ligadas Igrejas,
Catlica ou Evanglicas.Nesse caso algumas

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Participao nas Rdios Comunitrias no Brasil 11

fazem uma programao estritamente religi- 6 E agora, a Lei

osa e outras incluem programas de carter
O Brasil chegou a figurar como o nico pas
educativo e cultural, o que as aproximam das
da Amrica do Sul sem uma legislao para
comunitrias. Aquelas, propriamente comu-
rdios de baixa potncia25 , o que finalmente
nitrias, de carter religioso ou no, como j
veio a ocorrer em dezembro de 1996, atra-
dissemos, tendem a fazer uma programao
vs do Projeto- de - Lei 1.521, o qual gerou
interativa e em sintonia com a realidade lo-
muita polmica, mas deu origem a Lei 9.612,
cal. Por exemplo, em Cssia, Minas Gerais,
de 19 de fevereiro de 1998.
ajudou a baixar o preo do saco de cimento
Ela institui o Servio de Radiodifuso Co-
de 10 para 6 reais no comrcio varejista; em
munitria, sonora, em Frequncia Modulada.
Adralina, So Paulo, estimulou a comuni-
Permite uma potncia de no mximo 25
dade local a plantar um nmero recorde de
Watts e antena no superior a 30(trinta) me-
rvores no mais curto espao de tempo; no
tros. As entidades representativas das rdios
Maranho uma delas serve para a professora
comunitrias reivindicam 50 Watts. Outros
dar aulas a distncia, uma vez que nem sem-
pontos de divergncias so: Quanto ao n-
pre as crianas conseguem atravessar o rio
mero de emissoras, a lei prev apenas uma
para chegar a escola23 . Quanto as emisso-
rdio por localidade. As entidades querem
ras de baixa potncia, de carter comercial, a
fixar o nmero entre duas e doze para cada
maioria eminentemente musical, tem tam-
municpio, em funo do tamanho da popu-
bm suas virtudes oferendo, muitas vezes,
lao. Quanto a obrigatoriedade de todas
uma programao alternativa para quem est
as emissoras operarem na mesma freqn-
cansado da mesmice das FMs tradicionais24 .
cia, no pas todo. Para o movimento de
Contudo, no devemos esquecer que mui-
rdios comunitrias isso vai gerar coliso
tas das rdios de baixa potncia conservam
ou interferncia de sinais. Outro limite no
suas caractersticas originais enquanto rdios
aceito para o referido movimento a proibi-
livres, portanto sem o perfil comercial ou co-
o de formao de rede, o que possibilitaria
munitrio. E assim vo querer continuar,
a transmisso conjunta de eventos culturais,
pois curtem seu carter de radio livre en-
esportivos e educativos de interesse de um
quanto forma de liberdade de expresso e de
conjunto de localidades.
contestar o sistema oficial de radiodifuso.
Como podemos observar, a Lei restritiva.
23
MANZANO, Nivaldo. Op. cit., pp.10-11 Porm, representa um avano no sentido de
24
Do espaos para bandas alternativas,tocam
regulamentar um setor da radiodifuso de de-
punk, rock pesado, propostas dos alcolicos anni-
mos, informaes de interesse local. Tem uma que, manda crescente, tendo em vista a necessi-
segundo MORAES, Denise e HALLACK, Giovana. dade de mdias comunitrias no processo de
em Os Piratas que esto na Ondapublicado no Su- mobilizao em torno da ampliao da cida-
plemento Domingo do Jornal do Brasil, chegava a di- dania.
vulgar a cotao do preo da maconha nas bocas de
fumo. (Domingo, JB, 27.10.96, pp.18-19)
O Ministrio das Comunicaes vinha
25
COELHO, Tania e SILVEIRA, Renata. R-
dios Livres Sem Restries, Cadernos do Terceiro
Mundo, Outubro/95, pp.18.

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12 Cicilia Peruzzo

sendo alvo de presso em prol da regulamen- que a programao das emissoras de radi-
tao das rdios de baixa potncia por parte odifuso comunitria dever obedecer os
das Associaes de Rdios Comunitrias e seguintes princpios:
do Forum Nacional pela Democratizao da
Comunicao. Existiam vrios projetos-de- a) preferncia a finalidades educativas,
leis para regulament-las. No entanto, o artsticas, culturais e informativas em
aprovado na Cmara Federal foi aquele que benefcio do desenvolvimento geral da
teve a participao direta da ABERT, o que comunidade;
ajuda a entender o porqu dos limites im-
postos. A mesma associao, atravs de seu b) promoo das atividades artsticas e
lobby tambm conseguiu fazer recuar o Mi- jornalistas na comunidade e da integrao
nistro das Comunicaes, Sergio Motta, ini- dos membros da comunidade atendida;
cialmente acenando com a inteno de auto-
rizar a instalao de at dez mil emissoras c) respeito das valores ticos e sociais da
comunitrias no Brasil. A presso da asso- pessoa e da famlia, favorecendo a integra-
ciao patronal tambm surtiu efeitos no re- o dos membros da comunidade atendida;
crudescimento a perseguio s emissoras.
Para quem considerar 10.000 um nmero d)no discriminao de raa, religio,
excessivo, Nivaldo Manzano esclarece: Atu- sexo, preferncias sexuais, convices
almente existem menos de 5.000 emissoras poltico-ideolgico-partidrias e condio
comerciais AM e FM no pas (trs mil per- social nas relaes comunitrias.
tencem a polticos e as demais so ligadas
a famlias de empresrios das comunicaes A programao dever ser acompanhada e
ligadas a polticos). E, do ponto de vista tec- fiscalizada no sentido de verificar sua ade-
nolgico, ou seja, no espectro radioeltrico quao aos interesses da comunidade e aos
brasileiro em frequncia modulada ( nessa princpios da lei, por um Conselho Comuni-
frequncia que operam as comunitrias, ca- trio, composto de, no mnimo, cinco pes-
bem mais 100.000 emissoras, pelo sistema soas representantes de entidades da comuni-
analgico. Se considerarmos o sistema di- dade local, tais como associaes de classe,
gital, de tecnologia j dominada, o nmero benemritas, religiosas ou de moradores le-
praticamente ilimitado26 . Fica claro que galmente institudas.
a no regulamentao e os limites que vem
sendo impostos so mais por uma questo de
7 Concluso
ordem poltica do que tcnica.
Mas, de acordo com a Lei 9.612, a O movimento das rdios comunitrias tem
concesso s ser permitida a Fundaes e um carter pblico e como tal esto cons-
Associaes Civis, sem fins lucrativos, com truindo um significado poltico e cultural im-
sede na localidade de prestao de servio. portante. So um forte indicativo, no campo
Alm disso estabelece, no seu artigo 4o , do rdio, de grandes mudanas que esto
26
por acontecer nos meios de comunicao de
Op.cit., pp.12
massa no Brasil, comea a perpassar tam-

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Participao nas Rdios Comunitrias no Brasil 13

bm o sistema de televiso, principalmente dia local e por programas locais nos grandes
por causa da abertura dos canais comunit- meios massivos. So canais que possibili-
rios desencadeada pela Lei de TV a Cabo. tam a expresso das diferenas e ao mesmo
As rdios comunitrias no pretendem tempo das identidades culturais das popula-
competir com as emissoras convencionais. es locais.
Querem mesmo oferecer s comunidades
contedos de cunho cultural e educativo que
8 Bibliografia
as outras no tem se interessado em privi-
legiar. Em sua dinmica vem servindo de PERUZZO, Cicilia M.K. Comunicao nos
espao para o aprendizado da cidadania, ao movimentos populares - a participao
proporcionar mecanismos para participao nas construo da cidadania. Petrpo-
da populao nas vrias etapas do processo lis : Vozes, 1998.
de comunicao, tais como na gesto dos
veculos e no planejamento e produo de BERALDO, Carla. Rdios Piratas: Ondas
programas. Criminosas. Estado de Minas. Belo
No contexto da radiodifuso comunitria Horizonte: 10/novembro/1997.
existem muitos limites e problemas. Em pe- LOBO, Chico. A mentira das Interfern-
rodos pr-eleitorais, por exemplo, comum cias. No ar. Rio de Janeiro: Abrao,
a tentativa de manipulao dos canais em maro de 1997, no 1, pp.4.
funo de interesses de alguns candidatos a
cargos eletivos no Poder Legislativo ou Exe- A COMUNITRIA MAIS ANTIGA. No ar.
cutivo. Afinal um bom meio do candidato Rio de Janeiro: Abrao, maro de 1997,
falar diretamente para seus eleitores. Con- no 1, pp.8.
tudo, quanto mais organizada a comunidade,
mais ela conseguir assegurar sua autono- MORAES, Denise & HALLACK, Gio-
mia.. Por outro lado, muito se tem a crescer vana. OS Piratas que esto na
em qualidade participativa na programao Onda.Domingo. Suplemento do Jor-
e na gesto de veculos de radiodifuso co- nal do Brasil. Rio de Janeiro: 27.Ou-
munitria.. Mesmo porque somos um povo tubro/96, pp.18.
sem tradies participativas e culturalmente
COELHO, Tania e SILVEIRA, Renata. R-
impregnado de vises de conformismo e ten-
dios Livres: Sem restries. Cader-
dncia a transferir aos governantes a respon-
nos do Terceiro Mundo. Rio de Ja-
sabilidade pela soluo dos problemas soci-
neiro: Editora Terceiro Mundo, Outu-
ais. Contudo, nas duas ltimas dcadas a
bro/1995, no 190, pp.18-20.
praxis dos movimentos populares comea-
ram a alterar esse quadro ao possibilitarem PIRES, Srgio & MICELI, Sylvio. Rdios
a elaborao cultural de novos valores, mui- Comunitrias: a Luta pela Regulamen-
tos dos quais podemos ver incorporados em tao, O Bairro. So Paulo: Ed. Prin-
experincias de comunicao comunitria. cpio e Verbo, Dezembro/96, pp.8.
A experincia da radiodifuso comunitria
evidencia uma crescente demanda pela m-

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14 Cicilia Peruzzo

MANZANO, Nivaldo. Escandulo no Ar,

Caros Amigos. So Paulo: Casa Ama-
rela, maio de 1997, no 2, pp.12.

MACHADO, Arlindo et alii. Rdios livres:

a reforma agrria do ar. So Paulo:
Brasiliense, 1986.

GUEDES, Gilse B. Democracia na Rdio Li-

vre Paulicia. In: PERUZZO, Cicilia
M.K. (org.)Comunicao e culturas po-
pulares. S.Paulo: Intercom, 1995, pp.
71-77.

COMISSO APROVA PROJETO DE R-

DIOS COMUNITRIAS. A Gazeta.
Vitria: Rede Gazeta de Comunica-
es, 5 / dezembro/1996, pp.8.

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