Tese - Paula M. S. Ramos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SOCIEDADE E CULTURA NA
AMAZÔNIA

RESSONÂNCIAS DA POLÍTICA NA LITERATURA


AMAZONENSE

Paula Mirana de Sousa Ramos


Manaus
2016
Paula Mirana de Sousa Ramos

RESSONÂNCIAS DA POLÍTICA NA LITERATURA


AMAZONENSE

Tese apresentada à banca examinadora, como


exigência parcial para a obtenção do título de
Doutor do Programa de Pós-Graduação
Sociedade e Cultura na Amazônia- PPGSCA,
da Universidade Federal do Amazonas.
Orientador: Dr. Ernesto Renan Melo de Freitas
Pinto

Manaus
2016
Ficha Catalográfica

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados


fornecidos pelo(a) autor(a).

Ramos, Paula Mirana de Sousa


R175r Ressonâncias da Política na Literatura Amazonense / Paula
Mirana de Sousa Ramos. 2016
250 f.: il. color; 31 cm.
Orientador: Ernesto Renan Melo de Freitas Pinto
Tese (Doutorado em Sociedade e Cultura na Amazônia) -
Universidade Federal do Amazonas.
1. intelectual. 2. nativo. 3. política. 4. literatura. I. Pinto, Ernesto
Renan Melo de Freitas II. Universidade Federal do Amazonas III.
Título
BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________________________________
Profº Dr. Ernesto Renan Melo de Freitas Pinto (presidente da banca)- UFAM
_______________________________________________________________
Profº Dra. Edna Maria Ramos de Castro (membro)-UFPA
_______________________________________________________________
Profº Dr. Odenei de Souza Ribeiro (membro)-UFAM
_______________________________________________________________
Profº Dra. Marilene Corrêa da Silva (membro)-UFAM
_______________________________________________________________
Prof° Dra. Rosa Mendonça de Brito (membro)-UFAM
Ao Senhor e Salvador da minha vida.
Aos meus amados pais:
À Paulo Pinto Ramos (in memoriam)
À Ivete Ferreira de Sousa (in memoriam)
À minha irmã Tereza de Sousa Ramos.
Agradecimentos

Agradeço em primeiro lugar a Deus, por ter me dado força e inspiração para
concluir esta tese, sem Ele eu não teria conseguido. A Ele toda honra e toda
Glória! Para minha amada família. Para meu amado pai Paulo Pinto Ramos (in
memoriam), sua leveza de espírito e o seu sorriso sempre me fizeram encarar a
vida de forma mais leve. Para minha amada mãe Ivete Ferreira de Sousa (in
memoriam), meu porto seguro, minha melhor amiga, minha maior fã, sempre me
inspirou com a sua força, amor e generosidade. Agradeço a Deus por meus pais,
pois tudo o que tenho e tudo o que sou devo a vocês, que tiveram como maior
missão nessa terra nos amar e nos proteger. Eu sou o legado de vocês. Para
minha irmã Tereza de Sousa Ramos, obrigada por sua amizade, ao seu lado eu
sou mais forte.
Ao meu orientador professor Ernesto Renan Freitas Pinto, por suas orientações
e apoio para a construção desta tese. Aos professores do Programa de Pós-
Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia, que contribuíram para a tessitura
desta pesquisa. Aos amigos que de alguma forma apoiaram esta pesquisa, seja
com contribuições intelectuais ou apenas com palavras de apoio e risos. A todos
o meu muito obrigada.
Resumo

Estudar a gênese do Pensamento Social brasileiro e Amazônico, por meio de


uma análise da sociologia das obras e dos discursos, de intelectuais da primeira
metade do século XX, como Álvaro Maia, nos auxilia no processo de
esclarecimento do próprio pensamento social atual. Álvaro Maia, jornalista,
escritor, advogado e político, tornou-se ainda nas primeiras décadas do século
XX uma liderança intelectual e política, por encarnar os ideias e anseios de
mudança esperados por diversos setores sociais diante de um cenário de crise.
No entanto, sua atuação como político profissional, ao longo de quatro décadas,
revela também um projeto intelectual, comum a inúmeros intelectuais dos países
periféricos deste período que, além de forjar a nação, buscavam compreender o
processo de modernização em países periféricos. Assim, ao se fazer um
itinerário das ideias de Álvaro Maia durante seu período como interventor no
Estado Novo, foi possível compreender que a partir de sua condição de
intelectual, Maia tornou-se um ideólogo do regime varguista. No entanto, a
produção da obra literária de Maia não pode ser reduzida como uma mera
estratégia para adquirir capital simbólico, perdido no campo político, como um
representante do movimento da Caboclitude. Álvaro Maia, assim como outros
escritores amazonenses buscavam, através de suas obras, construir uma
identidade verdadeiramente cabocla. O seringueiro, um dos personagens
centrais em sua obra, foi exaltado por sua força e bravura, simbolizando o
verdadeiro agente de desenvolvimento da região. Porém, como membro das
classes conservadoras, havia uma ambiguidade de sua parte no tratamento ao
modelo extrativista, representando uma forma suavizada, como no caso da
personagem Fabio Moura no livro Beiradão de 1956. Após a década de 1930,
Álvaro Maia passa por um processo de aperfeiçoamento e depuração de sua
profissionalização política, como um representante do Estado Novo atuou como
um ideólogo do Regime. Todavia, apesar de seu carisma e sua ligação com o
governo varguista, sua permanência só aconteceu devido sua consonância com
os interesses da elite local. Portanto, as ressonâncias da política na literatura
alvareana revelam o quanto este intelectual, representante do movimento
nativista, via que a construção da identidade amazônica através da valorização
do elemento nativo, não poderia ficar apenas no plano das ideias, mas implicaria
sobretudo sua atuação política.

Palavras-Chaves: intelectual, nativo, política, literatura.


Abstract

Study the genesis of the Brazilian Social Thought and Amazon, through a
sociology analysis of the works and speeches of intellectuals of the first half of
the twentieth century, as Álvaro Maia, assists in the process of clarification of own
current social thought. Álvaro Maia, journalist, writer, lawyer and politician,
became even in the first decades of the twentieth century intellectual and political
leadership, to embody the ideas and desires change expected by various social
sectors facing a crisis scenario. However, its role as a professional politician over
four decades, also reveals an intellectual project, common to many intellectuals
of the peripheral countries of this period, in addition to forging the nation sought
to understand the process of modernization in peripheral countries. So when
making an itinerary of Álvaro Maia ideas during his time as intervenor in the
Estado Novo, it was possible to understand that from their intellectual condition,
Maia became an ideologue of the Vargas regime. However, the production of
literary work of Maia can not be reduced as a mere strategy to acquire symbolic
capital lost in the political field, as a representative of the movement of
Caboclitude Álvaro Maia, as well as other Amazônia writers sought, through his
works, build a truly cabocla identity. The tapper, one of the central characters in
his work, was exalted by his strength and valor, symbolizing the true agent of
development in the region. Though, as a member of the conservative classes
was an ambiguity of their part in treating the extractive model, representing an
understated way, as in the case of the character Fabio Moura in Beiradão 1956.
After the 1930s, Álvaro Maia goes through a process improvement and
debugging of its political professionalization, as a new state representative acted
as an ideologist of the regime. Although, despite his charisma and connection
with the Vargas government, its permanence only happened because their line
with the interests of the local elite. Therefore, policy resonances in alvareana
literature reveal how this intellectual, representing the nativist movement, via the
construction of the Amazon identity by exploiting the native element, could not
stay only in terms of ideas, but would mainly political activity.

Key Words: intellectual, native, policy, literature.


Lista de Figuras

Figura n° 01: Álvaro Maia e sua defesa pela borracha......................................53

Figura n° 02: Álvaro Maia ao lado do Presidente Getúlio Vargas....................101

Figura n° 03: O homem do povo......................................................................104

Figura n° 04: Álvaro Maia e Getúlio Vargas.....................................................202

Figura n° 05: Álvaro Maia sendo retratado pelos jornais como o libertador....208

Figura n° 06: Maia na década de 1950............................................................220

Figura n° 07: Álvaro Maia e Arthur Cezar Ferreira Reis..................................231


Lista de Quadros

Quadro 01........................................................................................................210

Quadro 02........................................................................................................210
Sumário

Considerações Inciais........................................................................................12

Capítulo 1: A Formação de uma liderança........................................................17

1.1.A importância do estudo sobre o Pensamento Social.................................17

1.2. Repensando o engajamento político do intelectual....................................21

1.3. Da poesia à política: uma trajetória............................................................27

1.4. Maia e a política: a ideologia liberal e a valorização da Amazônia.............56

1.5. A Interventoria do Príncipe dos Poetas......................................................78

1.6. A ideologia do Estado Novo em Álvaro Maia..............................................98

Capítulo 2: A Amazônia em Álvaro Maia.........................................................117

2.1.Breve história da Literatura Brasileira na primeira metade do século XX..117

2.2. Maia e a literatura no Amazonas..............................................................122

2.3. O lugar da região amazônica na obra de Álvaro Maia..............................134

2.4. Temas Amazônicos na Literatura Alvareana ...........................................142

Capítulo 3: O projeto político e intelectual de Álvaro Maia..............................192

3.1. Uma elite política amazonense ................................................................194

3.2. O legado intelectual e político de Álvaro Maia: uma luta pela permanência
no campo.........................................................................................................227

À Guisa de Conclusão.....................................................................................236

Referências Bibliográficas...............................................................................241
Antes eu te conhecia só por ouvir falar,
mas agora eu te vejo com os meus
próprios olhos.
Livro de Jó- Bíblia Sagrada.
Considerações Iniciais

Conhecer a trajetória intelectual e política de Álvaro Botelho Maia, mais


do que identificar um escritor e político em sua singularidade é poder apreciar a
maneira como se organizaram as ideias que nortearam a sua produção
intelectual e a sua ação política. Isto implica nos defrontarmos com uma série de
possibilidades de esclarecimentos sobre a formação do próprio pensamento
social brasileiro.
Esta tese surge como fruto de um questionamento gerado durante o
período da dissertação intitulada: Da Poesia à Política: a trajetória inicial de
Álvaro Maia (2010), na qual buscou-se compreender, em sua trajetória inicial, o
modo como manejou sua carreira de poeta e escritor laureado, no sentido de
obter sua inserção no campo político. A partir de 1930, a profissionalização
política de Maia já se estabelecia e com ela a dinâmica da permanência torna-
se diferente da dinâmica da inserção e por este motivo, fez-se necessário
compreender as mudanças na intencionalidade presente nos discursos e na sua
produção literária.
Neste sentido, fica claro que o lançamento de livros nas décadas de
1950 e 1960 não serviu como uma mera estratégia para sua permanência no
campo político. Maia pensou a realidade amazônica em suas crônicas, contos,
romances e poemas, e essa realidade foi relatada a partir de suas
especificidades. Todavia, ao mesmo tempo buscava compreender a realidade
social, econômica e política da região com seus dilemas e neste processo, o
caboclo seringueiro foi retratado como o agente mais apto a dar cabo ao projeto
de desenvolvimento da região.
Como homem de ação, pregava que a ideologia de valorização da região
deveria ser posta em prática por homens que moralizassem a esfera política,
corroída por políticos demagógicos e corruptos, como já denunciava em sua
Canção de Fé e Esperança (1923). A atuação política de Álvaro Maia, portanto,
além de estar alinhada aos interesses e aos setores economicamente
dominantes da região, respondia aos anseios de mudança nos presentes
anseios de mudança esperados pela população diante de um cenário de crise.
Sua longa interventoria durante o período do Estado Novo, Álvaro Maia, além de
reproduzir uma política centralizadora em consonância aos interesses do regime,

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atuou como o ideólogo das massas devido à sua postura carismática. Foi o
agente local responsável por reproduzir as ideias de reconstrução da nação por
meio de um Estado forte e, com o fim do regime ditatorial, Álvaro Maia
permaneceu no poder atrelado à figura de libertador da região.
O primeiro capítulo intitulado O processo de formação da liderança do
príncipe dos poetas, inicia fazendo uma reflexão sobre a importância do estudo
sobre a formação do pensamento social na Amazônia. Neste sentido, ao fazer
um itinerário das ideias dos intelectuais, dentre eles o próprio Álvaro Maia, é
possível apreender a gênese do pensamento em suas diferentes formas, bem
como as inquietações de atores sociais que não faziam parte do corpus
institucionalizado das Ciências Sociais, como no caso de escritores, políticos,
ensaístas, entre outros.
Ainda no primeiro capítulo, buscou-se repensar seu posicionamento
intelectual cuja ambiguidade de seu posicionamento intelectual e político era um
reflexo da própria condição dos intelectuais periféricos, posição diferente da
intelligentsia russa do século XIX, que assumiu uma posição de distância em
relação às questões sociais, políticas e econômicas, como um sinal de protesto
frente às transformações da sociedade moderna (MARTINS, 1986). Os
intelectuais dos países periféricos, como no caso brasileiro, se engajaram na
política, seja por assumirem a missão de forjar a nação, ou como estratégia de
permanecer nos estames do poder (cf. PECAUT, 1990; MICELI, 1978).
Entretanto, sendo considerado um dos representantes menores da
intelectualidade brasileira, o estudo sobre Álvaro Maia se torna mais importante
por trazer uma nova visão sobre a natureza e a identidade do país em sua
abrangência.
No entanto, para compreender a intencionalidade de seus
posicionamentos, fez-se necessária uma análise sociológica da trajetória de
Álvaro Maia com vistas a entender como suas visões de mundo refletidas em
seu pensamento político e em sua ação política não são apenas fruto de sua
rede de relações, mas da própria circulação de ideias do contexto no qual o autor
estava inserido e que contribuía também para demarcar.
Ainda neste capítulo, buscou-se fazer um itinerário das ideias políticas
presentes em seus discursos pronunciados no período em que foi interventor
federal para compreender como o defensor das intuições liberais da década de

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1920 tornou-se um ideólogo do regime varguista. Inspirado nas ideias de
organicismo e corporativismo, ele via a sociedade como um organismo vivo, no
qual todos os setores sociais eram vitais, porém precisando de um cérebro para
os conduzirem. Este cérebro seria um Estado forte, e o Estado era o próprio
Getúlio Vargas.
O segundo capítulo intitulado A Amazônia em Álvaro Maia começa
fazendo um breve panorama da literatura brasileira, no sentido de compreender
que o regionalismo encontrado nas obras literárias de Álvaro Maia fazia parte de
um movimento da intelectualidade brasileira com o intuito de construir uma
identidade nacional.
Ainda neste capítulo, buscou-se identificar produção literária de Maia a
visão do autor sobre a Amazônia. Em sua trajetória inicial, sua poesia refletia a
necessidade de posicionamento no campo intelectual e político. Seus livros,
publicados a partir da década de 1940, revelam um político e escritor consolidado
nos campos literário e político. A Amazônia elaborada por Maia em sua obra
procura descontruir as ideias preconceituosas que tratavam a região apenas
como um lugar inóspito, selvagem e exótico.
A temática da borracha é composta a partir da construção de dois
personagens centrais que norteavam a totalidade de sua produção: o seringueiro
e o seringalista. O primeiro, elaborado a partir de suas qualidades hercúleas,
através de sua força e bravura, que demonstravam a adaptabilidade necessária
para o desenvolvimento no meio amazônico. O segundo, aparece através de sua
contribuição no sentido de dar cabo ao projeto de desenvolvimento do interior.
Contudo, o foco central de Álvaro Maia não eram os barões da borracha que
viviam uma vida de luxo na cidade de Manaus, e sim o pequeno seringalista que
juntamente como os seringueiros foram os verdadeiros desbravadores na região,
como no caso da personagem de Fabio Moura no livro Beiradão (1956),
personagem que simbolizava os verdadeiros agentes do desenvolvimento em
solo amazônico, indivíduos que independente da origem decidiram fazer do
Amazonas o seu lar, apesar da crise do preço da borracha permaneceram na
região cultivando outras culturas, além da produção da hévea. Tal ideia era
reforçada em seu programa político, no qual Maia acreditava que além da
borracha, principal cultura do modelo extrativista da região, outras culturas tais

14
como a castanha, dentre outras, deveriam ser valorizadas reforçando a produção
extrativista do estado.
No terceiro capítulo intitulado O Projeto Político e Intelectual de Álvaro
Maia, abordou-se a relação entre Álvaro Maia e as elites políticas. Álvaro Maia
inicia seu processo de depuração política por meio de sua relação com o regime
varguista. Getúlio Vargas estabelece a política dos interventores a partir da ideia
de harmonizar os grupos políticos tradicionais por intermédio da escolha de
pessoas “neutras” aos grupos oligárquicos, que se espraiavam no poder durante
o período da República Velha. Neste sentido, Maia foi escolhido por não possuir
uma ligação direta com os esses grupos.
No entanto, sua permanência no poder, mesmo após o regime do Estado
Novo, deu-se pela capacidade que ele tinha de manejar seu carisma no sentido
de conferir ganhos ao seu grupo de “assessores”. A escolha desse grupo
reforçava seu posicionamento e legitimação junto aos seus pares e essa escolha
incluía membros de sua família e aliados, como a escolha de Antônio Botelho
Maia para o cargo de prefeito de Manaus e Arthur Cezar Ferreira Reis para o
cargo de diretor da instrução Pública.
Além de manter uma política alinhada com os interesses do governo
central, sua relação com as elites locais foi fundamental para a sua permanência
no poder, pois essas elites precisavam superar seus interesses arcaicos,
voltando-se para a inovação. Essa demonstração de apoio tornou-se uma
estratégia para não perderem sua condição de elite dominante. Diante de um
cenário de transformação dos atores políticos, a partir do governo de Getúlio
Vargas, houve uma modernização e burocratização do aparelho estatal.
Todavia, a permanência de Maia só se deu pela conciliação dos interesses entre
os dois grupos.
Por fim, o capítulo faz uma análise comparativa entre a contribuição
intelectual e política de Álvaro Maia e Arthur Cezar Ferreira Reis,
contemporâneos, ambos intelectuais com uma trajetória intelectual e política
semelhante. Ao atentar para a trajetória desses intelectuais é possível perceber
que a relação entre Arthur Cezar e o Instituto Geográfico Histórico Brasileiro foi
fundamental para a sua projeção e legitimação em nível nacional, enquanto
Álvaro Maia, apesar de uma trajetória intelectual laureada, como um dos
fundadores da Academia Amazonense de Letras, esteve limitado pelas

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dinâmicas próprias do jogo político local e esse investimento impedia-o de
investir na ampliação da sua legitimação intelectual em plano nacional.
Neste sentido, estudar o pensamento e a ação política deste autor acaba
por ganhar certa autonomia, ultrapassando a própria direção ou expectativa do
autor. Assim, tal estudo se torna importante pois esclarece o modo como a região
foi vista e explicada por Álvaro Maia, compreendendo assim os caminhos
tomados em sua intervenção política, bem como de outros políticos durante este
período.

16
CAPÍTULO 1
O processo de formação da liderança do Príncipe dos Poetas

1.1. A importância do estudo sobre o pensamento social

Ao se fazer uma reflexão sobre a região Amazônica é possível, também,


produzir uma compreensão sobre os posicionamentos políticos e os caminhos
assumidos pela intervenção política, tomados por uma intelligentsia durante uma
determinada época.
Neste sentido, além da importância de focar a atenção para o
posicionamento social e político desses intelectuais, é mister compreender os
matizes ideológicos e sociológicos que nortearam as obras e seus
posicionamentos, onde não só os autores, mas suas ideias são importantes para
uma compreensão do Pensamento Social Amazônico. A partir de uma análise
da história das ideias e do itinerário intelectual desses autores, é possível
recuperar suas relações mais amplas com os pensadores da região e do país.
Segundo Élide Rugai Bastos (2007), a história das ideias serve como uma
importante ferramenta para a compreensão adequada do entendimento de uma
obra. A análise da institucionalização, das relações entre produtores intelectuais,
a legitimação do campo, são ferramentas indispensáveis para quem se dedica a
fazer uma análise sobre a formação do Pensamento Social na Amazônia.
Todavia, fazer uma análise a partir da relação das ideias que norteiam possibilita
uma compreensão mais ampla sobre esse processo.
Ao limitar o estudo de uma obra a sua relação com o contexto religioso,
político e econômico, ou analisar uma obra a partir da própria autonomia desta
obra é possível encontrar limitações nessas duas metodologias, que
comprometem sua amplitude para a formação do pensamento social.

A partir das restrições apresentadas em relação as duas metodologias,


buscando superar seus limites, passa a uma proposta que busca
abordar a história intelectual de um modo simultaneamente
intertextualista e contextualista. Mostra que existem inúmeras coisas
importantes a serem computadas, além do próprio texto para que de
fato se alcance sua compreensão. Esse entendimento compreende as
motivações das ideias, sua referência imediata ou mediata, e o modo
pelo qual os autores aceitam ou rejeitam outras argumentações
(BASTOS, 2007, p. 3).

17
Nos anos de 1930, a ideia central que norteava as obras dos autores
brasileiros era o papel da elite pensante no processo de mudança social, esse
ideário ligado ao pensamento político do Estado Novo, quando caberia às elites
a função de reconstrução nacional, pois cumpririam a tarefa de solucionar uma
dicotomia entre o Brasil real e o Brasil legal, pois detinham, acima de tudo, um
saber socialmente valorizado, visto que os intelectuais brasileiros da década de
1930 reivindicavam uma ciência do social; esta era, sem dúvida, uma estratégia
para se fazer ouvir pelos detentores do poder na medida em que só acreditavam
em uma administração fundamentada na ciência dos homens e da natureza.
Assim o conhecimento das condições reais do Brasil evitaria o uso de
“diagnósticos pré-estabelecidos”, ideias “vindas de fora”, pois essas ideias
importadas falseariam a realidade, daí a necessidade de retorno às raízes. Neste
contexto, os intelectuais seriam os únicos capazes de perceber de modo direto
as aspirações do povo brasileiro (BASTOS, 2007).
A partir da década de 1950, os diagnósticos ajudaram nas mudanças em
curso. O Brasil deste período vivenciava o processo do desenvolvimento
econômico fundamentado na lógica global, o que muito estimulou os intelectuais
brasileiros a refletirem sobre a nação. Por isso, a temática mais comum entre os
pensadores sociais deste período esteve relacionada à questão dos impasses,
encaminhamentos e buscas de soluções para o chamado atraso nacional.
Assim, a necessidade de se estudar a gênese do pensamento social no
Brasil e na Amazônia, por meio de uma releitura das obras e discursos de
autores como Álvaro Maia, se dá no sentido de se obter o esclarecimento do
próprio pensamento social atual. Torna-se importante, portanto, resgatar as
discussões em torno da compreensão dos processos e das estruturas que
articularam a região amazônica com o restante do Brasil e com o mundo.
Segundo Ernesto Renan Freitas Pinto (2007), para tal propósito era necessário
apreender o Pensamento Social em suas diferentes formas, tanto as
sistematizadas pelas Ciências Sociais como nas inquietações intelectuais de
homens públicos, ensaístas, cronistas, políticos, entre outros.
Embora haja diferentes posições entre os intelectuais, um aspecto comum
em relação à intelectualidade brasileira está relacionado à questão dos
impasses, busca de soluções para o chamado atraso nacional e às
desigualdades que marcam sua heterogeneidade espacial e sociocultural. Deste

18
modo, a articulação entre elementos tradicionais e modernos, símbolos do
progresso ou do retrocesso da sociedade brasileira, são temas recorrentes no
pensamento de vários estudiosos da nação (BASTOS, 2007).
Neste contexto, Ernesto Renan Freitas Pinto (2008) destaca que a
Amazônia tem aparecido como território de excelência deste universo de
“contrastes e confrontos”, pois sempre esteve no interior dos principais
movimentos pela implantação do projeto de Estado-Nação. No entanto, sua
inserção também foi marcada pela insatisfação incompleta e tangencial devido
às peculiaridades desta região, o que despertou o interesse de um grande
número de autores que contribuíram para a formação de um pensamento sobre
o homem amazônico e a sua relação com a natureza, dando, assim, as bases
para a formação de um pensamento social na Amazônia, que estuda os modos
como os homens enfrentaram os problemas, os desafios e as questões que
moldaram as instituições, as representações, a cultura, os valores e o modo de
vida peculiar na Amazônia.
Ao longo dos anos, a Amazônia acumulou um considerável acervo de
conhecimentos sobre a relação homem e natureza na região. No entanto, o
conhecimento adquirido ainda é fragmentado e incompleto. Neste sentido, a
reconstrução deste pensamento social torna-se tarefa relevante, pois vai além
de compreender os movimentos de seleção, elaboração e interpretação de
dados e dos objetos que se transformaram nas diferentes representações do
universo social da Amazônia, mas também restabelece a possibilidade de uma
“história das ideias” e de uma sociologia dos intelectuais.
Neste cenário, a retomada do pensamento surge como uma forma de
recuperarmos uma interpretação histórica, social e ecológica da região, a qual
lança a Amazônia em suas bases culturais, econômicas, sociais e políticas.
Ao se inventariar os autores e as ideias que contribuíram para a formação
do Pensamento Social da Amazônia que são antecedentes aos estudos das pós-
graduações em Ciências Sociais, deve-se fazer um resgate dos relatos e
narrativas que privilegiam as visões, interpretações e até a preocupação sobre
a região que se liga de maneira integrada a vida natural e social.

As pesquisas acerca de ideias precursoras e seus mecanismos de


difusão permitem apreender dimensões explicativas e compreensivas
da natureza e das sociedades amazônicas no ambiente acadêmico em
inúmeros aspectos. Um deles é a capacidade com a qual os grupos de

19
pesquisa podem ser capazes de se reproduzir em novos grupos do
pensamento social brasileiro onde as particularidades regionais do
Brasil estão inseridas. Outro diz respeito à busca da especificidade
sobre abordagens precursoras da Amazônia, com nexo sobre a história
das ideias em campos disciplinares presentes. E ainda aspecto não
menos importante, é aquele que organiza a ação da pesquisa
propriamente dita, me função de recortes temáticos prescritos pelas e
para as grandes áreas do conhecimento da pesquisa científica
ordenados pelas agências de fomento (FREITAS PINTO, 2007, p. 28).

Nesse processo de resgate pode ser entendido como uma recuperação


da infância desse pensamento social no Brasil, que serve para esclarecer as
realidades contemporâneas. Esse levantamento auxilia, também, na
identificação das ideias de várias áreas do conhecimento, possibilitando a
redefinição do contexto explicativo em suas mais diversas formas de
manifestações na vida social: as instituições de sobrevivência, suas relações
internas e externas, as manifestações da inteligência, e as imagens do poder.
Neste sentido, é possível relacionar a formação do pensamento social
aos autores que privilegiam a literatura, dentre os quais podemos destacar
Álvaro Maia, cuja importância do estudo de sua obra e de seus discursos
políticos auxiliaria no revigoramento das abordagens intersubjetivas da teoria
sociológica, que criam e recriam relações entre as estruturas do pensamento e
a ação de indivíduos e coletividades por meio da análise e críticas da
intertextualidade e uma significação da psicologia dos fatos culturais.
Esses estudos sobre as releituras auxiliariam ao admitir-se que essas
narrativas, frente à relação com a intelectualidade pré-modernista, aproximam a
relação da literatura e da sociedade sob a ótica dos fatores explicativos e
compreensivos de estratégias identitárias, ou seja, a partir desta perspectiva é
possível estudar esses autores como verdadeiros interpretes da região
amazônica.
Segundo Miceli (1999), no entanto, o risco de ancorar uma análise
pautada apenas no itinerário das ideias, pode limitar a interpretação uma vez
que o leitor não tem acesso às fontes primárias a respeito do próprio autor, a
posição da obra na conjuntura intelectual e política na qual as ideias foram
tomando corpo, das condições de sua recepção nos círculos da intelectualidade
e da política.
Todavia, é necessário fazer um trabalho de relação entre a obra e o
contexto social do autor, tampouco deve ser esquecido o tratamento específico

20
da elaboração de uma obra literária. Segundo Freitas Pinto a obra deve ser
analisada:

Texto, vírgula, autor, suas referências sociais e intelectuais, grupos de


pertinência de classe e status tem grande importância analítica quando
o sentido que lhe é conferido é integrado ao todo da obra em sua
coerência interna, sem desprezo ao impacto sobre os leitores (2007, p.
30).

Neste diapasão, esse processo de inventariar essas interpretações


sobre a Amazônia, como no caso da obra e os discursos de Álvaro Maia, servem
para legitimar as visões sobre a região partindo de várias tradições intelectuais,
onde essas tradições refletem a importância destes autores e suas ideias para
as próprias sociedades amazônicas, bem como, no caso específico de Álvaro
Maia o poder emanado de suas visões interferiu em sua ação política no plano
local, ou seja, o poder emanado das ideias alvareanas sendo e no processo de
autoconhecimento nacional e regional.

1.2. Repensando o engajamento político do intelectual

Ao pensar em Álvaro Maia e suas contribuições intelectuais e políticas


para a compreensão da formação social e política de um dado contexto
brasileiro, esse exercício faz-se sob o “olhar” de um intelectual local, porém que
representa um típico caso de representação política e ideológica dos setores
dirigente brasileiros durante as décadas de 1920 a 1950.
Contudo, é necessário compreender o próprio posicionamento social e
político dos intelectuais brasileiros durante este período. Ao se pensar nos
intelectuais como um grupo socialmente constituído, deve-se tomar em mente
que a intelligentsia brasileira apesar de detentora de uma vocação para um saber
“puro” assume uma posição de destaque na sociedade por sua forte relação com
as classes dirigentes, seja por origem ou por representação (MICELI, 1979). Eles
passam, desse modo, a ter um caráter de engajamento social e político.
Essa característica da intelligentsia brasileira os colocava em uma
posição elevada na sociedade sem, contudo, se comportarem como os
mandarins alemães que adquiriram a condição de elite social e cultural por seus
atributos educacionais, eram espécies de doutrinadores do saber “puro”,
entretanto com as mudanças sociais comuns ao processo de modernização pelo

21
qual a Alemanha passava no final do século XIX. Passaram a assumir uma
postura de distanciamento em relação às mudanças. Assim, a postura de alguns
desses intelectuais, de colocar-se muito acima das classes e interesses
socioeconômicos, levou-os a assumir posições sectárias, e facilitou o ingresso
de muitos alemães cultos no mundo pseudoidealista do antissemitismo e do
nacionalismo agressivo (RINGER, 2000).
Segundo Martins (1986), o posicionamento da intelligentsia russa no
século XIX, se comportando como um grupo alienado em relação às condições
sociais, políticas e econômicas da época, indica que eles usavam essa alienação
como estratégia para a crítica social à defesa da educação, pois a educação era,
segundo eles, o principal recurso para ocidentalizar, racionalizar e modernizar
os aparelhos administrativos do Estado. Todavia, essa alienação não tratava de
se “exilarem” de seu local de origem ou de serem privados de viver os privilégios
assegurados por sua posição social. O que estava em questão para os
intelectuais russos era um clamor por uma sociedade nova em meio a um vazio
social, vazio este criado pela ausência de uma sociedade civil. Assim, seu
isolamento não lhes conferia a função de serem os capazes de preencher o vazio
social, mas apenas de serem as testemunhas desse processo.
A intelligentsia brasileira, durante o século XIX, tem como traço mais
marcante a reivindicação para si da liderança moral da nação, no entanto não
conseguiu pensar uma nova sociedade. Segundo o autor, a cooptação dos
intelectuais pelo Estado não era suficiente para explicar a ausência de
pensamento utópico, isto é, eles não tinham um projeto de transformação da
sociedade, suas análises ficavam no plano da condenação, substituindo a utopia
por uma esperança em um futuro impreciso e um ufanismo exacerbado.
A partir da década de 20, o engajamento político torna-se a marca dos
intelectuais dos países periféricos. No caso brasileiro, ou se aliam ao Estado
como uma estratégia de permanecerem nas classes dirigentes, uma vez que
foram alijados do poder com a decadência das velhas oligarquias rurais (MICELI,
1979), ou adentravam nos estames do poder como uma espécie de missão na
qual estavam imbuídos uma vez que estavam insatisfeitos com a implementação
das instituições liberais no país (PÈCAULT, 1990). Com o Estado Novo, os
intelectuais permanecem mantendo uma intima ligação com o Estado. Segundo
este autor, na falta de uma vida cultural pujante não surgiram condições de

22
suscitar um corpo autônomo em condições de criar gratificações materiais e
simbólicas. Assim, os intelectuais redefiniam e redesenhavam seus projetos para
uma inclinação política.
Entretanto, ao se pensar no posicionamento dos intelectuais brasileiros
em comparação aos intelectuais alemães e russos em cenários de mudanças
sociais em seus países, vale lembrar que própria condição do intelectual em um
país periférico durante este período envolve uma série de problemáticas e
características diferentes, visto que estavam passando por um processo de
construção da própria identidade de suas nações, por este motivo é comum a
estes intelectuais uma postura de engajamento social e político.
O contexto periférico de sociedades não europeias é permeado por
especificidades inescapáveis que condicionam as trajetórias e influenciam este
grupo de formas distintas das dos países centrais. Vale lembrar que ao se pensar
nestes intelectuais periféricos, deve-se pensar sob um contexto de
modernização da periferia global.
Estes projetos tinham na verdade uma dupla função. Ao mesmo tempo
em que buscavam forjar a unidade, pressuposto para a identidade sociocultural
de um povo, manifestavam diante do mundo (europeu, principalmente) a
viabilidade desses novos países, enquanto Estados-nação. Muitos destes
intelectuais têm em sua trajetória um intenso contato com os principais centros
culturais europeus (a maioria de origem abastada), assim ao chegar ao retornar
a sua terra natal tenta através da literatura recriar uma cultura refinada em um
país onde mais da metade da população é analfabeta.
Uma vez refeitos do choque e/ou deslumbramento com as “culturas
imperiais”, esses intelectuais passam a busca estratégias para firmar sua
identidade fazendo uma fusão entre a periferia “selvagem” e o centro “civilizado”.
Neste diapasão, faz-se necessário atentar por alguns instantes para formação
de outra intelligentsia no continente Latino Americano para compreendermos
como esses detentores do “saber puro”, tinham no engajamento social e político
uma missão junto a sua nação.
No livro Os Intelectuais e a Invenção do Peronismo (1997), de Frederico
Neiburg, o posicionamento dos intelectuais argentinos durante o período do
peronismo é fundamental para compreendermos o processo de construção da
identidade argentina, encerrando a ideia de duas Argentinas (a Argentina real e

23
a Argentina oficial), ao mesmo tempo em que a importância que se dava a
cátedra universitária estava ligada a um projeto americanista de construção de
uma consciência filosófica no continente. Esses “profetas” eram os únicos
agentes capazes de interpretar a crise da identidade nacional que ocorreu
durante a década de 1930, que se configurou com a separação do país em duas
Argentinas.

O CLES buscava realizar a “unidade nacional”, patrocinando a


discussão de um projeto de país que levasse em conta as
particularidades provinciais e regionais, “quebrando o
centralismo portenho”. Desejava ser “mais que uma instituição
cultural metropolitana” e empreendia um “avanço para o interior”.
Por meio da recriação de todos os motivos próprios ao mito das
duas Argentinas, o CLES convidava a “conhecer outras
realidades” para criar “uma só Argentina” (NEIBURG, 1997, p.
134).

A ligação dos intelectuais com o peronismo seja como opositores ou


defensores, em muito se assemelha com a relação entre a intelligentsia brasileira
e o Estado Novo, pois o que estava em jogo no posicionamento destes
intelectuais era compreender como nestes dois projetos dessas duas nações se
dava a própria modernização do país e suas consequências.
Segundo Ribeiro e Miranda (2011), essas posições ambivalentes dos
intelectuais são interessantes na medida em que a própria ideia de ambivalência
descontrói os modelos binários de poder: centro x periferia, dominante x
dominado, “alta” x “baixa” cultura, e partir desta lógica é possível compreender
que os posicionamentos assumidos por estes intelectuais não são cristalizados
devido a própria dinâmica das relações sociais.
Assim, deve-se compreender que um mesmo sujeito se posiciona ora
como contestador do status quo, ora como reforçador do processo de
dominação. A atividade intelectual, portanto, pode ou não ser concretizada
nestes grupos sociais. Em Álvaro Maia, o intelectual em debate nesta pesquisa,
vemos nessas dúbias tomadas de posição ao longo de sua trajetória uma nova
forma de pensar o sujeito, considerando que seus posicionamentos e sua
ambivalências em relação a sua própria origem social podem ser explicadas de
um complexo processo de (re) significação das próprias identidades de um
mesmo indivíduo.

24
Para Bastos e Pinto (2014), o estudo sobre Álvaro Maia pode ser
considerado como a representação de um dos elos mais fracos dessa
intelligentsia brasileira. Todavia, ao se atentar para o olhar de um desses elos
mais fracos, é possível ter um novo ângulo sobre a natureza do país. Quando
Maia aponta a questão de extração da borracha como o ponto de solução para
o problema do desenvolvimento do Amazonas, sendo esse processo de
desvalorização fruto do próprio descaso com que as autoridades locais. O que
estava em jogo na verdade era a forma como o processo de modernização
estava sendo implementado na região com seus impactos e problemáticas.
Esse estudo permite ampliar a compreensão sócio-política e capturar a
singularidade das formações periféricas. Segundo Ramos (2010), ao comparar
as trajetórias de Álvaro Maia e de seu contemporâneo Raimundo Monteiro é
possível perceber que as tomadas de decisão de Raimundo Monteiro no campo
intelectual sempre estavam ligadas à possibilidade de uma consagração
nacional e até internacional, enquanto Álvaro Maia, apesar de sua comprovada
relação com a intelligentsia nacional, sempre valorizou em primeiro lugar a
consagração local, isto é, as pretensões de Raimundo Monteiro sempre foram
ajustar sua obra à universalização, enquanto que Maia facilmente se enquadrou
no regionalismo.
Pensar Maia como um intelectual periférico nos ajuda a compreender
suas visões de mundo acerca de quão complexo e por vezes dispendioso o
processo de adaptação à modernidade e as transformações sociais: “O ponto
mais fraco da corrente ao se romper- não se adaptar ao movimento do mundo,
como se fosse algo exótico, diverso, não assimilável” (BASTOS & PINTO, 2014,
p. 10). A Amazônia desde que deixou de ser a Colônia portuguesa do Grão Pará
e do Rio Negro e passou a fazer parte do Brasil sempre experimentou a
implementação de estratégias modernas de desenvolvimento para a região
desde o projeto malsucedido de agricultura capitalista do Marques de Pombal, a
economia extrativista da borracha, a estrutura eletrônico-industrial da Zona
Franca, à atual proposta de desenvolvimento sustentável. Neste diapasão, a
população amazônida vem sendo historicamente experimentada em processo
de modernização (SOUZA, 2014).
O que ocorre é um tradicional questionamento dos países centrais em
relação às desigualdades e os privilégios legitimados pelo direito que aparentar

25
se configurar muitas das vezes de forma diferente nas regiões periféricas, apesar
das semelhanças com os fundamentos constitucionais com os países centrais.
Assim, no estudo dos autores ditos menores é possível encontrar essas
singularidades, compreendendo como se dá o processo de circulação e
adaptação destas ideias, e seus efeitos nas instituições e representações da
região.
A história das classes subalternas está ligada à própria luta da unidade
histórica da classe dirigente do Estado, pois a posse do Estado garante a
memória das lutas dos setores dominantes. Por este motivo, a privação do
controle sempre foi o maior obstáculo para à unidade das classes subalternas,
ou seja, tem-se uma luta pela “posse da história”.
Assim, ao se atentar para a questão regional, percebemos que sempre
houve um processo de esterilização das vozes dos autores ditos “menores”, no
que os autores do Sul do Brasil têm maior facilidade de receber o título de
“universais” e os autores do norte sempre caem na pecha “regional”. Não se trata
de apenas um processo de categorização estética e literária, mas de uma
hierarquização intelectual que acaba por garantir a hegemonia de certas regiões
avançadas e modernas sobre outras primitivas e pobres (SOUZA, 2014).
As inúmeras questões ligadas ao posicionamento dos intelectuais na
sociedade revelam como problemática fulcral as visões de mundo desses
autores. O intelectual em seu processo de criação não está restrito ao seu círculo
social. O imaginário, que não necessariamente possui um vínculo explícito com
uma realidade, também está ativo na construção de enredos e personagens.
Neste sentido, a obra expressa as visões de mundo que são coletivas de
determinados grupos sociais (cf. LEPENIES, 1996). As visões de mundo são
constituídas por uma vivência histórica dos grupos, sendo formada pela ação
dos atores sociais que são construtores dessa experiência. Compondo assim, a
prática social dos sujeitos e de seus grupos sociais. Nesse caso, ao analisar os
diversos pontos de vista de Álvaro Maia explicitados em sua obra, é possível
observar a forma como se deram as condições de produção, bem como o
contexto sócio-histórico desse autor.

26
1.3. Da poesia à política: uma trajetória

Segundo Ramos (2010), as primeiras décadas do século XX foram


marcadas pelo fim da dominação dos proprietários rurais ligados à produção e
exportação agrícola, com um destaque especial para a produção de café. A partir
da década de 1920, surge, no cenário nacional, uma série de fatores sociais e
políticos que influem decisivamente para o declínio e derrocada da República
Velha.
O Brasil estava vivendo uma grave crise não apenas econômica, como
também social, política, ideológica e cultural, que colocava em discussão toda
estrutura política da chamada República Velha. O sistema de dominação
oligárquico, implantado com o advento da República, começava a apresentar
sinais de crise. Durante os anos 1920, a situação política do país agravou,
passando por várias etapas de um processo gradativo de contradições sociais e
políticas, que terminaria por levar ao colapso final das instituições oligárquicas
com a crise mundial de 1929.
Diversas camadas sociais urbanas passaram a reivindicar participação
nos processos de tomada de decisão do governo e reformas institucionais no
Estado, pressionando o sistema de poder para acabar com a corrupção, o
coronelismo e a fraude. Surgem pressões também por mudanças na economia,
reivindicando maior investimento e incentivo público ao setor industrial e o fim da
política protecionista ao café. Por outro lado, com o crescimento e organização
das classes trabalhadoras, surgem os sindicatos. Os sindicatos tinham como
principais reinvindicações o fim das longas jornadas de trabalho, os baixos
salários, as condições degradantes no espaço fabril e a vigilância e repressão
policial.
Para os setores dirigentes, as reivindicações eram tratadas com uso da
força policial. Mas a constante repressão contra os manifestantes não impediu,
porém, a eclosão de greves por todo o país. As pressões e reivindicações cada
vez mais intensas demonstravam a necessidade de uma política de ampliação e
proteção dos direitos dos trabalhadores que salvaguardassem formas dignas de
trabalho e de remuneração
O agravamento da crise econômica durante a década de 1920, a eclosão
de revoltas e levantes militares, o crescimento das camadas sociais urbanas,

27
além do acirramento dos conflitos entre os grupos políticos devido aos inúmeros
conflitos entre as facções oligárquicas dominantes, culminaram com a eclosão
da Revolução de 1930.
Durante este período, a política dos governadores firmada pelo
presidente Campos Salles consistiu num acordo tácito entre as oligarquias
cafeeiras paulista e mineira com o intuito de estabelecer a hegemonia na política
nacional em defesa dos seus interesses. Por meio de acordos entre o Partido
Republicano Paulista (PRP) e o Partido Republicano Mineiro (PRM), os dois
estados indicavam um nome de consenso como candidato ao governo federal e
elegeram praticamente todos os presidentes da República. A aliança entre São
Paulo e Minas Gerais ficou conhecida como a política do "café-com-leite". Contra
a hegemonia política paulista e mineira, insurgiram-se as oligarquias das regiões
Sul e Nordeste. No final da década de 1920, as pressões e conspirações das
oligarquias dissidentes ampliaram-se. Entretanto, foi o rompimento da aliança
entre São Paulo e Minas Gerais que provocou o movimento revolucionário que
solapou a República Velha.
No Amazonas, a decadência econômica do modelo extrativista da
borracha nas primeiras décadas do século XX desencadeou uma série de
movimentos políticos na região. Em relação à esfera cultural, a borracha foi de
relevância para o desenvolvimento dos povos amazônicos. A prosperidade
econômica proporcionada pela extração gomífera atraía uma gama de agentes
sociais de diversas regiões do país, em especial os nordestinos, atraídos pela
possibilidade de riqueza propiciada pela borracha (RAMOS, 2010).
No período áureo, as cidades de Manaus e Belém passaram a ser o
cenário da Belle Époque, emanando sinais de civilização possíveis de serem
mobilizados. No entanto, os mais pobres embrenhavam-se pela selva,
explorando a floresta, abrindo estradas para a coleta de látex de seringueiras,
alargando as fronteiras do Brasil, exercendo um importante papel de
desbravamento da Amazônia. Na Segunda Guerra Mundial, o Amazonas reviveu
um período de crescimento econômico, igual ao período áureo da borracha com
a reativação dos seringais nativos, devido ao fato dos seringais localizados no
Oriente se encontrarem sob o domínio de forças contrárias aos Aliados.
Trazendo para a floresta uma nova leva de nordestinos em busca de melhores
condições de vida, os “soldados da borracha”. Esse curto período de aparente

28
prosperidade só foi possível graças ao acordo de Washington, no qual se criou
o Banco de Crédito da Borracha destinado a comprar a produção gomífera
reservada aos esforços de guerra.
Segundo Bourdeu (1996a), a condição econômica não deve ser tomada
como fator determinante para a compreensão dos desdobramentos culturais.
Segundo o autor, não se deve estabelecer uma conexão direta entre obra e
determinadas camadas sociais, como se a obra apenas refletisse os reclamos
de um grupo social específico. O contexto social mais abrangente no qual os
diferentes campos sociais encontram-se inseridos, principalmente em contextos
de mudança, traz sim implicações para a configuração da relação de forças no
âmbito dos campos sociais. Esse processo se reflete, por sua vez, na relação da
obra com o público, pois é esse jogo de forças dentro do campo que definirá o
público para o qual será destinada a obra.
É neste contexto que inúmeros intelectuais se radicaram na Amazônia.
Muitos desses enraizaram-se ao constituírem família, formando assim uma
intelligentsia amazonense que tinha como principal finalidade criar um mundo
novo, estudando e revelando essa região para o “mundo civilizado”, isto é, esse
grupo de intelectuais pretendia estabelecer um elo entre a Amazônia e a Europa
por meio da cultura. Estes intelectuais foram os responsáveis por criar uma
interpretação sobre a região. No entanto, do mesmo modo, o estado do
Amazonas sofreu o efeito inverso, quando vários intelectuais migraram para
grandes centros do país.
Esses intelectuais tomaram para si a importante tarefa de engajamento
político que deveria ser realizada de “cima para baixo”, ou seja, pela elite
dirigente; os intelectuais tomam para si como uma forma de missão primordial
essa representação na medida em que é sua tarefa forjar a nação política e
culturalmente (PÉCAUT, 1990). O Amazonas agregou muitos imigrantes,
atraídos pela borracha; neste contexto, tais lideranças intelectuais começaram a
dominar o terreno social e político do estado.
Álvaro Maia, do mesmo modo como outros intelectuais desse período,
foi cooptado para essa missão e se autodefiniu como um porta-voz legítimo
desse conjunto da sociedade ante o poder do Estado, passando a usar sua obra
como um crivo avaliativo para perceber sua relação com os elementos que
exprimem uma cultura nacional (RAMOS, 2010).

29
Ao atentarmos a algumas passagens da vida de Álvaro Maia, é possível
compreender de que forma a sua trajetória revela certa visão de mundo, bem
como sua posição no âmbito de um campo de produção cultural específico; evita-
se, dessa forma, que se perceba sua obra como um todo autônomo, e isso na
medida em que sua posição no interior do campo tende a se alterar e a se
reelaborar ao longo de sua trajetória.
Nascido em 19 de fevereiro de 1893 no seringal da família, o seringal do
“Goiabal”, na cidade de Humaitá. Além de seus pais Fausto Ferreira Maia e
Josefina Botelho Maia, outros personagens foram marcantes na sua formação,
bem como na orientação de lances decisivos de sua repentina afirmação como
liderança intelectual e posteriormente política. Os irmãos Antônio e Raimundo
sempre estiveram envolvidos com o funcionalismo público e com a política local.
Antônio Botelho Maia foi prefeito de Manaus e deputado pelo estado do
Amazonas; a relação com o irmão foi fundamental na composição de seu
secretariado durante o período de sua interventoria.
As relações familiares de Álvaro Maia, contribuíram consideravelmente
para o estabelecimento de sua carreira. Segundo Bourdieu (1996b), as famílias
detentoras dos meios de produção têm na estratégia da representação política
uma estratégia de manutenção do poder destes grupos. Contudo, isto não
significa afirmar que sua obra sirva apenas para representar determinados
“interesses”. Esses elementos são fundamentais para desmistificar que o escritor
corresponde, ou pretende corresponder, seja aos interesses de uma classe
dominante, seja aos interesses gerais da sociedade. Entretanto, é inegável
atentar para o fato de que essa relação permitiu a ele manter-se envolto em
diversas atividades políticas e ideológicas.
Em sua trajetória inicial, Álvaro Maia buscava uma valorização da região
amazônica e, nesse sentido, suas estratégias no interior do campo intelectual e
suas tomadas de decisões, estavam voltadas para uma possível consagração
em âmbito local, como no caso de sua eleição ao título de príncipe dos poetas,
como veremos adiante. Assim, buscou construir sua imagem como poeta
(RAMOS, 2010).
Durante seu período de formação, Álvaro Maia sempre esteve ligado às
instâncias de formação da produção cultural e ideológica da época. Segundo as
análises de Sergio Miceli (1979) e Lilia Schwarcz (1993) no Brasil, até meados

30
da República Velha, a Faculdade de Direito constituiu-se como uma instância
intermediária na importação e difusão intelectual europeia. Nesse sentido,
agrega as principais funções políticas e culturais. Junto à Faculdade de Direito,
agregavam o movimento editorial das principais revistas e jornais literários da
época. Estas instituições serviam também como o celeiro que supria a demanda
de funcionários treinados para assumirem os postos parlamentares e os
principais cargos administrativos, além de contribuir de forma primordial com os
demais estamentos burocráticos.
Álvaro Maia realizou seus estudos primários e secundários em Manaus,
este último no Ginásio Amazonense Pedro II. A partir de 1913, frequentou
durante dois anos a Faculdade de Direito do Ceará, transferindo-se em seguida
para o Rio de Janeiro, Distrito Federal, onde concluiu seus estudos superiores
em 1917 pela Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais, graduando-se
bacharel em direito.
Segundo Miceli (2001), a possibilidade de ocuparem postos de
destaque, não dependiam dos títulos ou diplomas, mas muito mais do capital
adquirido nas redes de relações. As principais instâncias de formação e
produção ideológica e cultural estavam ligadas à grande imprensa. Assim, o êxito
das carreiras intelectuais dependia das estratégias ligadas às burocracias
intelectuais, ou seja, nisso aparece a grande imprensa, as instituições políticas
(Assembleias locais e nacionais) e organizações partidárias (os partidos
políticos).
Suas atividades jornalísticas se iniciam em publicações estudantis como
a revista Aura. Ainda como estudante secundarista, começou a trabalhar no
Jornal do Commercio, colaborando ainda no jornal O Libertador, todos de
circulação local. No Ceará, onde começou seus estudos de Direito, foi um dos
redatores do jornal estudantil O Vaticano, onde aparece com o codinome Alberto
Maia e foi um dos colaboradores do jornal Radical. De volta a Manaus, em 1917,
após a conclusão de seus estudos no Rio de Janeiro, Álvaro Maia funda junto
com Caetano Estelita o jornal A Imprensa, cuja direção estava sob o comando
do doutor Alfredo da Mata.
No início do século XX, a atividade jornalística tornara-se um ofício
compatível com a atividade de escritor. Nesse sentido, o vínculo de Álvaro Maia
com as atividades jornalísticas e o cenário nacional, nos ajuda a compreender

31
esse processo. Em 1921, durante sua permanência no Rio de Janeiro, trabalhou
na Gazeta de Notícias. Nos primeiros meses de 1926, foi nomeado pelo governo
de Efigênio de Sales para o cargo de Diretor da Imprensa Oficial. A partir da II
Guerra Mundial passou a colaborar de forma permanente para os Diários
Associados por escolha pessoal de Assis Chateaubriand que, anos depois,
publicaria um artigo como prefácio, Na vanguarda da retaguarda de Álvaro Maia;
é assim que seus artigos passaram a ser divulgados e citados nesta corporação
jornalística.
O jornal, na primeira metade do século XX, era de fundamental
importância para a atuação dos intelectuais. Os jornais serviam como uma fonte
de renda, daí o fato de se submeterem a simples atividade de redação, tais como
as notícias mundanas (sessões policiais, sessões femininas, entre outras) sem
nenhum cunho literário; servia também para criar um ambiente favorável para
suas atividades de escritor.
O jornal no Amazonas emerge como uma estratégia utilizada pela elite
letrada para manifestar sua real opinião com relação ao sistema político vigente,
para isso usavam de suas habilidades linguísticas (o humor, a charge e a
caricatura). No entanto, também pode se configurar como uma forma de
mediação entre uma pequena parcela da população instruída e a grande parcela
com pouquíssima ou nenhuma instrução (PINHEIRO, 2001).
No Amazonas, como no resto do país, a imprensa possibilitou a
participação de muitos intelectuais. Em Manaus, as revistas Redempção e
Equador atrelavam notícias mundanas a poemas da elite intelectual
amazonense. Segundo Broca (1996), a participação de imortais no exercício
profissional fazia parte de uma tradição que se estendia por todo o país. Nesse
sentido, no Amazonas, assim como no resto do país, é nos jornais que
encontramos uma das principais instâncias de consagração para os
interessados em criar uma carreira de sucesso no mundo das letras, onde
aparece como uma espécie de centro de cooptação de intelectuais, fossem
escritores consagrados, fossem jovens promissores que teriam destacada
participação no estado-maior intelectual dos grupos dirigentes. Daí o
engajamento desses intelectuais com as facções políticas desses jornais.

32
Segundo o depoimento de Genesino Braga1 (1969, p. 55) a respeito de Álvaro
Maia: “[...]Foi através do artigo de jornal, durante toda a sua vida que ele dera
impulso expansivo às suas ideias, nas múltiplas atividades que exercera.”
Segundo Ramos (2010), a ligação de Álvaro Maia com a imprensa
garantiu-lhe destaque em âmbito nacional, graças a sua participação nos Diários
Associados. Esse fato refuta a ideia de que o poeta só se destacou
literária/politicamente em nível local. Graças a sua amizade com Assis
Chateaubriand e de sua atuação naquela corporação jornalística, Álvaro Maia
manteve contato com a elite intelectual brasileira que se concentrava na então
capital do país, Rio de Janeiro.
No entanto, foi a atividade de jornalista que permitiu a Álvaro Maia
alcançar, de fato, a consagração política local, devido à própria dinâmica de
circulação da imprensa que garantia uma velocidade necessária para a
exposição de suas ideias. Contudo, durante este período da República Velha, o
controle dos jornais constituía-se em um importante móvel de luta na qual
estavam envolvidas as facções oligárquicas; nesse sentido, o jornal servia como
um meio de vocalização dessas facções e para aqueles que estavam envolvidos
nesse processo, onde os diferentes intelectuais acabavam por converter-se em
representantes de tais facções.
Segundo Bourdieu (1989), dentro de um determinado contexto do
campo político, os agentes se distinguem de acordo com o seu capital político, o
qual, por seu turno, pode ser expresso e mensurado pelo usufruto de um capital
simbólico de outros campos sociais, como, por exemplo, o capital intelectual que,
ao ser reconvertido para o meio político, já desfruta de certa notoriedade. A
conversão de um determinado capital simbólico em capital político de um
determinado agente dá-se através de uma espécie de investidura, como se fosse
uma espécie de iniciação, e que marca a transmissão de um capital político. Essa
investidura é feita, inicialmente, pela instituição à qual o agente social pertence,
nesse caso, representado pelo contexto da República Velha no Brasil, a
imprensa.

A aquisição de um capital delegado obedece a uma lógica muito


particular: a investidura- acto propriamente mágico de instituição
pelo qual o partido consagra oficialmente o candidato oficial a

1
Cf. Revista da Academia Amazonense de Letras. Manaus. ano XLVII. n°14. 1969.

33
uma eleição e que marca a transmissão de um capital político,
tal como a investidura medieval solenizava a <<tradição>> de
um feudo ou de bens de raiz (BOURDIEU, 1989, p.192).

A imprensa converteu-se em um instrumento que conferia visibilidade e


configurou-se em uma fonte potencial de formação de capital político, isto é, a
presença de um agente na imprensa não só pode gerar um determinado acúmulo
de capital político, mas também acaba por conferir maior visibilidade ao político
ou à facção política que tal jornal representa, garantindo seu sucesso ou o seu
fracasso.
Álvaro Maia também atuou como conferencista, fato que lhe rendeu uma
grande notoriedade no estado e lhe possibilitou dialogar com intelectuais de
destaque nacional tais como: Olavo Bilac, João do Rio, Félix Pacheco, João
Lage, entre outros. As conferências, além de proporcionar maior visibilidade,
garantiam um retorno financeiro. Dentre os principais conferencistas do estado,
podemos destacar, além do próprio Álvaro Maia, Hemetério Cabrinha, que se
consagrou como o “orador das massas” ao proferir discursos para agremiações
operárias. Entretanto, tais conferências renderam a Álvaro Maia a possibilidade
de estabelecer laços de intimidade com figuras nacionais; o “príncipe dos poetas”
era famoso por promover almoços dominicais para as principais personalidades
da literatura, fazendo-lhes toda a “corte” aos ilustres convidados (cf. PINHEIRO,
2001).
Segundo Ramos (2010), foi através da atuação no mundo das letras que
Álvaro Maia acumulou capital simbólico e pode reconvertê-lo em capital político.
A atuação de Maia como intelectual se divide em várias vertentes, desde poeta,
romancista, conferencista até professor; durante sua formação escreveu e
elaborou seus versos publicando-os em jornais onde trabalhou.
A estreia de Álvaro Maia no mundo das letras foi com a publicação do
soneto “Cabelos Negros” em o Curumin2, jornal estudantil, em 1904. O poema
demonstra um desejo do poeta de posicionar-se e inserir-se no mundo das letras,
visto que, ainda muito jovem (então com 11 anos), simplesmente almejava sua
própria legitimação como poeta.

Louca tormenta são os seus cabelos,

2
BATISTA, 1969, p. 124.

34
Cabelos negros como nunca vi!
Mágico poema de fatais anelos
Há nessas tranças, como nunca li!

Cabelos crespos, revoltoso oceano,


Cabelos negros como a tempestade!
Cabelos castos de infinito arcano,
Que me consolam nesta soledade!

Cabelos magos que me seduzem tanto,


Cabelos negros que beijar quisera,
Cabelos plenos de magia e encanto
Cabelos lindos como a primavera!

Formosos laços de sonhado enleio,


Cabelos negros da mulher que eu amo,
- vagas olentes sobre um puro seio,
Por elas morro e, suspirando, chamo!

O uso do simbolismo e dos termos alegóricos neste poema revelam os


anseios por uma legitimação como poeta. A ideia da mulher por quem ele está
apaixonado e anseia conquistar reflete a própria necessidade do autor de se
legitimar no interior do campo literário. Em sua trajetória inicial, Álvaro Maia ainda
buscava uma legitimação entre seus pares como um verdadeiro poeta e, ao
analisar seus poemas deste período, encontramos elementos que justificam a
ideia de que a partir do discurso literário é possível produzir uma espécie de
“efeito do real” (cf. BOURDIEU, 1996a).
Ao analisarmos sua obra, é possível perceber os instrumentos
simbólicos e ideológicos imbricados na sua produção literária e que
posteriormente foram por ele manejados no sentido de lhe garantir subsídios
para se tornar uma liderança que encarnava ideais de mudança no cenário
político. Segundo Ramos (2010), a ideia dos cabelos negros revela uma espécie
de justificação para a estratégia por ele adotada no sentido de construir uma
imagem que pudesse diferenciá-lo dos outros poetas; nesse sentido, se constrói
o poeta místico. Neste poema de estreia estava preocupado com a sua própria
legitimação entre seus pares.
Em 1918, figurou como um dos trinta fundadores da Academia
Amazonense de Letras, tendo escolhido como patrono Maranhão Sobrinho, há
pouco falecido. A escolha do patrono foi manejada com muito senso de
oportunidade pelo poeta no sentido de se relacionar com a sua própria intenção
de construir uma aura de poeta “puro”, tentando escapar, dessa forma, da ideia

35
de que sua inserção no mundo das letras servia apenas como uma estratégia
para uma possível inserção no campo político.
As Academias de Letras, a Faculdade de Direito, assim como o Instituto
Geográfico Histórico eram as instâncias responsáveis pela elaboração da
história “oficial” do Brasil, bem como as primeiras tentativas de institucionalizar
o labor intelectual no Brasil. A implementação destes institutos em todos os
estados, vinha da necessidade de dar um caráter maior às singularidades
regionais, dentro da formação do que seria a interpretação oficial do país.
Segundo Paiva (2002), a criação desses institutos deu-se em virtude da
decadência dos setores oligárquicos, pois com o paulatino alijamento de seus
interesses no centro das decisões da nação, buscaram no plano da
representação o papel crucial da “região” para a própria construção da identidade
nacional. Neste sentido, fica fácil perceber o outro lado dessa regionalidade, e
da formação de uma tradição regional no pensamento social, no reclame desses
“representantes” em ter seu quinhão de participação nos estamentos do poder.
Como o próprio caso de Álvaro Maia, representante do movimento glebarista, e
defensor da identidade “cabocla” exerceu várias funções nos aparatos do poder,
tendo como principal bandeira política a valorização do elemento nativo.
Em Manaus, a fundação desses institutos, buscava dar novos contornos
para a região em plena crise, tentando recolocá-la e readaptá-la num novo
contexto, não só nacional, mas também internacional. Assim, a produção
intelectual da época em busca de dar essa configuração nacional através das
especificidades regionais da Amazônia, cria uma cultura amazônica pautada em
uma ideologia “cabocla”.
É possível perceber neste momento de crise no qual Amazonas oferecia
uma oportunidade aos setores dirigentes de um olhar para o próprio interior, que
seja capaz de atender tanto aos interesses desses setores diante de problemas
sociais políticos e econômicos, exigindo que seus representantes criassem
soluções para a região a partir de uma posição legitimada pela dinâmica interna
do campo intelectual local em processo de formação (FALCÂO, 2014).
Embora o contexto das décadas de 1920 e 1930 seja de conturbações
políticas e sociais, a interlocução entre o movimento regionalista pode assumir
outros contornos, que em combinação com os fatores externos do período criam

36
fecundas análises sobre o posicionamento da intelligentsia amazônica e suas
adesões políticas e estéticas.
Dentro deste diapasão, surge um conjunto de autores dentre os quais
Abguar Bastos, Bruno Menezes, entre outros que representam uma espécie de
regionalismo amazônico renovado, isto é, uma produção intelectual com uma
forte ênfase ao elemento nativo sem, todavia, se alienar das correntes
modernistas. Revistas como Redenção e Equador, fundadas durante este
período são exemplos do empenho destes intelectuais em criar obras que
confrontassem com o passadismo comum durante este período.
Assim, a incorporação de novos elementos estéticos europeus, que
foram adaptados pelos modernistas paulistas, foi assimilada pelos intelectuais
locais que os associaram aos elementos endógenos da região. Esse processo
fica claro com a assimilação do primitivismo, tema comum dos intelectuais de
vanguarda, com o cenário selvagem do Vale Amazônico.
Tratava-se de uma inquietação, em especial dos intelectuais mais
jovens. A poesia simbolista tornou-se uma forte opção de desagrado por parte
deste segmento. Assim, propunham uma literatura nova que retomasse os
elementos nativos da Amazônia, ao mesmo tempo em que fosse mais
contundente frente as calamidades econômicas.
Fortemente carregados da herança euclidiana, a visão dos defensores
da “caboclitude” não caracterizava o regional ligado a uma forma de como eles
identificavam os elementos próprios e específicos locais, mas sim em
decorrência dos elementos que a diferenciavam das outras regiões. Todavia,
esses elementos não podem ser percebidos como dotados de uma existência
própria na realidade da região, mas sim enquanto alguns aspectos que ganham
visibilidade ao serem confrontados com outras regiões, como afirma Marco
Aurélio Paiva (2002):

No entanto, torna-se sintomático a partir do desencadeamento


da crise da borracha o tipo de relação estabelecida entre as
oligarquias setentrionais e as oligarquias meridionais que foram
expressas por seus respectivos porta-vozes políticos no âmbito
da arena institucional. Os agentes políticos representativos da
região amazônica acusaram os setores oligárquicos das regiões
Sul e Sudeste de emperrarem qualquer tentativa de recuperação
da economia “regional” em função do prevalecimento de seus
interesses em escala nacional (p. 64).

37
No caso alvareano de valorização do elemento nativo pode ser
percebido pelo tratamento dado, em especial ao seringueiro, que foi sempre visto
como um trabalhador virtuoso para Maia, deixando de lado os aspectos da
exploração e da alienação ligadas a atividade extrativista, resquícios de um
sistema produtivo colonial.
Essa ideologia de valorização da região surge em virtude, de um
processo de mudança no próprio tratamento dado a questão regional. A região
passa a ser tratada como um espaço social e não apenas natural. A
intelectualidade amazonense volta-se para um “olhar nativo”, na tentativa de
transformar os elementos estigmatizantes sobre a região como a questão da
indolência, em algo positivo.
Álvaro Maia durante as décadas de 1920 a 1950 foi uma referência
intelectual no processo de formulação de uma “visão nativa” sobre a realidade
amazônica, daí a facilidade em transitar entre os setores dirigentes regionais e
a intelectualidade local no sentido da promoção da recuperação econômica e
cultural da região. Foi eleito “príncipe dos poetas amazonenses”, título conferido
pela revista Redempção, em 1925, tendo como concorrentes nomes de prestígio
como Jonas da Silva, Raimundo Monteiro, dentre outros. Conhecido por seu
público como o poeta “místico”, característica dada em função da conotação
teológica que suas poesias transmitiam. Os temas religiosos demonstravam uma
mensagem salvífica sem qualquer vínculo com as coisas materiais; nesse
sentido, Álvaro Maia soube manejar sua legitimação literária no sentido de
transformar o poeta/profeta no político messiânico que encarnou os ideais de
mudança que o cenário nacional ansiava.
O seu primeiro livro, na Vanguarda da Retaguarda, só foi publicado em
1943. O livro é uma reunião de crônicas aparecidas durante a campanha da
produção da borracha. O prefácio foi escrito por Assis Chateaubriand sob o título
“O Mujik da Steppe Verde da Amazônia”. A interessante comparação de
Chateubriand entre Álvaro Maia e um importante personagem da literatura russa
reflete uma espécie de missão ser destinado ao sofrimento, o mujik russo, o
camponês trabalhador livre, mas que vivia sob uma espécie de servidão, porém
o verdadeiro representante da terra que se enquadra perfeitamente na imagem
de Maia: o homem sofrido por assumir para si a dura missão de conduzir o
Amazonas para fora da decadência gerada pela crise da borracha.

38
Esse reforço ideológico foi fundamental no momento da primeira
publicação em formato de livro de Maia; em pleno período da Interventoria do
Estado Novo, trata-se, portanto, de uma auto-defesa de sua atuação política, o
seringueiro é abordado como um “novo tipo” como um herói que agora exerce a
dura missão de contribuir como um soldado para os esforços de guerra, sem,
todavia, deixar de transparecer a importância de sua atuação como fio condutor
deste processo.

Um fundo místico, que vemos e sentimos no trato dos assuntos


corriqueiros do “faitdivers”. Se a solidão dos espaços ilimitados
deste vale, tal qual a “steppe” russa, pode dar a resignação de
um mujik chama-se o interventor, que dirige no antigo
acampamento dos barés e dos manaus, o destino da primeira
secção do Solimões e de uma parte do Amazonas (MAIA, 1943,
p.VI)

Em 1956, publica Gente dos seringais, onde apresenta um mapa da


região amazônica que serve de cenário para as suas narrativas. Em 1958, foram
três volumes: um de poemas, Buzina dos Paranás, livro que é uma compilação
de seus poemas, Nas Barras do Pretório, livro no qual Álvaro Maia pretende fazer
uma espécie de “defesa” de sua atuação como político. E, no mesmo ano,
publica no Rio de Janeiro o romance Beiradão, retratando o período de conquista
do rio Madeira e seus afluentes que serviam de pano de fundo para dramas e
tragédias.
Banco de canoa, publicado em 1963, retratava cenas de rios e seringais
da Amazônia. Esse livro propiciou ao autor uma guinada em sua produção
literária, convertendo seu estilo. Neste livro, uma linguagem formal e solene,
herança do simbolismo, muito próprio de sua juventude, passa a ser substituída
por uma linguagem coloquial de períodos curtos e incorpora termos tópicos, sem
desprezar os neologismos telúricos (cf. FARIAS, 2007).
Seguindo esse novo estilo, foi lançada em 1966 a coletânea de
pequenas estórias intitulada Defumadores e Porongas. Por fim, aos 64 anos,
poucos meses antes de sua morte, Álvaro Maia lança o livro Tenda de Emaús,
livro sobre suas divagações espirituais; nesse livro, o “místico” demonstra toda
a sua elevação espiritual.
A atuação intelectual de Álvaro Maia, é marcada por uma série de tarefas
políticas e ideológicas; entretanto, este processo reflete a necessidade do autor

39
permanecer no interior do campo literário em um momento em que se travavam
lutas no sentido de impor os princípios e modelos estéticos que pretendiam fazer
uma mudança de paradigma das artes como no caso do modernismo.
No Amazonas, durante a década de 1920, eclode o movimento nativista
denominado de Glebarismo, sob a liderança de um grupo de jovens; inspirados
no próprio Álvaro Maia, o movimento tinha o intuito de comemorar o centenário
de adesão do Amazonas à Independência. Entretanto, o objetivo do movimento
era a mobilização da intelligentsia amazonense para assumir de modo mais
incisivo o destino de seu povo. O movimento glebarista apresentou fortes indícios
de ser uma repercussão no extremo Norte do movimento paulista de 1922
(FARIAS, 2007).
Duas correntes nativitas fortes atuavam no interior do Movimento de
1922: os grupos Anta e Verde-Amarelo. O Movimento de 22, em São Paulo se
caracterizava, por um preocupação com a estética, que revelasse a identidade
brasileira. No Amazonas, entretanto, tal preocupação centrava-se em uma
conotação de natureza política. O discurso de Álvaro Maia, “Canção de Fé e
Esperança” (1923), tornou-se o documento mais importante do movimento
glebarista na região, bem como, serviu de fio condutor para a ascensão política
de Álvaro Maia (cf. BARROSO, 19693, p. 107).
Segundo Ramos (2010), o discurso transformou-se numa espécie de
ideário de vida, constantemente lembrado por lideranças intelectuais como um
programa de ação que orientaria a vida política, e que posteriormente voltou às
mãos dos amazonenses por um longo período. Arthur Cezar Ferreira Reis
publica o livro História do Amazonas (1931), inspirado nos ideais de civismo e
moralidade do discurso alvareano. Durante o período republicano, o Glebarismo
foi o movimento de maior relevância para a vida política do Amazonas.
A identidade cabocla se revela também nos discursos por ele proferidos.
A heroificação de Ajuricaba abordada no discurso Pela Glória de Ajuricaba
(1930), o líder indígena foi reconhecido pelo príncipe dos poetas como o
verdadeiro símbolo de Amazonas. Neste discurso Maia enfatizou, também a
importância dos programas educacionais voltados para o ensino primário.

3
Cf. Revista da Academia Amazonense de Letras. Op. cit.

40
Outro importante discurso proferido por Álvaro Maia por ocasião da
comemoração do movimento de 1924, intitulado, Após a Campanha (1926),
serve como um importante parâmetro para compreender o aumento de capital
político dentro de um cenário de plena interferência dos campos sociais. O
discurso tratava de uma exaltação a essa rebelião, na qual o místico poeta afirma
ser necessário o uso de armas em favor de uma causa maior, a redenção do
Amazonas. Vale ressaltar que, com a rebelião de 1924, os setores alijados do
poder foram convidados a participar do governo. Todavia, esses grupos
preferiram manter uma postura favorável ao levante sem, no entanto,
participarem efetivamente. Com o fim do levante esses grupos foram os maiores
beneficiados com o novo processo de rearranjo político, dentre eles o próprio
Álvaro Maia.
O discurso proferido pelo já então interventor Álvaro Maia, em 1943, em
favor da circunscrição do alistamento, mostra além de suas tradicionais
estratégias de legitimação, consagração e permanência no campo político, um
reforço ideológico ligado a valorização do regime político vigente: o Estado Novo;
onde ele faz uma alusão entre o soldado que vai para o front de guerra para
defender as fronteiras do país com o trabalho do seringueiro conhecido como
soldado da borracha (RAMOS, 2010).
No entanto, não podemos nos esquecer dos condicionantes sociais e
simbólicos que interferiram decisivamente na trajetória deste líder intelectual
propiciando seu ingresso em uma carreira política. Segundo Miceli (1979), as
posições autônomas dentro do campo intelectual e os mecanismos de
consagração, estavam durante o período da República Velha, sob completa
dependência das instituições e dos grupos que exercem o trabalho de
dominação.
Assim, ao se pensar na obra não se deve reduzir o texto e nem situá-lo
na visão reducionista de contexto, pois a construção dos sentidos das obras
depende das relações entre diversos atores, o que vem contradizer a ideia da
absolutização do texto, como se uma obra estivesse envolta em uma espécie de
aura que não a liga a um contexto social ou político ou que se trata de uma
estrutura estruturada sem a presença de um sujeito estruturante. Neste sentido,
Bourdieu (1996a) se apropria do estruturalismo simbólico de Michael Foucault
(1992), o qual observa que nenhuma ideia ou conceito existe por si próprio, pois

41
representa especificamente um recorte em relação à unidade primeira, sólida e
fundamental, que é a do autor e sua obra.
Neste sentido, ao se partir da ideia de que a noção de autor constitui o
momento mais forte da individualização na história das ideias e das literaturas e
de que existe uma relação entre as obras e o espaço social mais abrangente,
pois esta relação pode refletir diretamente as características sociais do seu autor,
torna-se necessário não se desprezar quem foi o Álvaro Maia e sua ideia de
valorização da Amazônia.
O nome de Álvaro Maia não é um simples elemento de um discurso. Seu
nome exerceu influência em seus discursos. Desta forma há uma caracterização
de suas obras pela própria relevância conferida ao seu nome. Vale lembrar que
ele era um dos principais representantes da “caboclitude”. A relevância
intelectual de Álvaro Maia deu-se muito pela sua capacidade se tornar um porta-
voz de determinados grupos. Segundo Foucault (1992), a posição do intelectual
como “porta-voz” das massas está ligada à existência de um sistema de poder
elaborado pelos próprios intelectuais que proíbe/barra ou estimula esses
discursos. Seu papel não é mais de ficar acima ou ao lado da sociedade, para
determinar o que é verdade.
Assim, a visão sobre o “nativo”, criada por Álvaro Maia era uma visão
que lhe conferia um poder. A “caboclitude” da qual ele era um legítimo
representante provinha de um discurso produzido por um determinado grupo
social detentor não apenas das condições da produção da vida material, mas
também os responsáveis pela produção dessa consciência.
Quando Álvaro Maia ingressou na carreira docente já havia se firmado
como jornalista, poeta, prosador e membro renomado da Academia
Amazonense de Letras. Álvaro Maia foi nomeado pelo interventor Alfredo Sá
para a função de professor interino do Ginásio Amazonense Dom Pedro II, em
1925, assumindo diversas cadeiras nesta instituição. Ensinou, efetivamente, até
1930. Nesse período, ainda lecionou no Colégio Dom Bosco, onde tentou
continuar a dirigir as classes em 1931, já interventor federal, verificando, logo no
início do ano, a falta de tempo. Entre 1931 e 1933, enquanto esteve no Rio de
Janeiro, voltou ao magistério em colégios particulares, tendo atuado ainda como
inspetor de ensino.

42
Álvaro Maia, defensor de doutrinas nacionalistas, criticava o governo por
ter arruinado, de forma permissiva, o quadro das transições regionais. Tais ideias
não ficavam apenas permeando as lutas por posição entre os docentes.
Ultrapassaram esse limite e chegavam as esferas das organizações estudantis.
Neste sentido, o Ginásio Amazonense Dom Pedro II, no Amazonas, se constituía
com a mesma relevância que, no Rio de Janeiro, a Faculdade de Direito detinha,
no sentido de revelarem-se como principais instâncias de recrutamento e
formação do futuro quadro de políticos e intelectuais das classes dirigentes da
oligarquia (RAMOS, 2010).
Álvaro Maia representava o papel de uma figura de relevância entre os
estudantes do Ginásio Amazonense Dom Pedro II, tornando-se liderança e
adquirindo carisma entre as elites. Maia passou a ser o intérprete ideal dos
anseios deste grupo, tornando sua presença indispensável nos principais
eventos sociais. Através de sua atuação como professor que ele se transformou
em porta-voz das elites oligárquicas.
Por ser dotado de carisma, foi elevado a uma posição messiânica.
Assim, ele soube manejar tal legitimação no sentido de transformar o poeta
místico no político messiânico que encarnou os ideais de mudança que o cenário
nacional ansiava em sua trajetória inicial. O título de místico, que lhe fora
atribuído, provinha de uma percepção de que sua obra revelava um caráter de
espiritualidade totalmente desprendida das coisas mundanas. Neste sentido,
construiu-se a ideia de que Maia era uma espécie de profeta messiânico portador
de uma mensagem salvífica que responde bem aos anseios de mudança do
período.
Como o carisma está ligado, segundo a ideia weberiana, com a
capacidade de conseguir que o grupo acredite em suas crenças, o poder
carismático de Álvaro Maia dependia, portanto, de suas qualidades individuais,
todavia não se deve esquecer que sua inserção no campo político e sua posterior
permanência provinham, também, da construção de uma rede de relações
sociais, intimamente ligada aos setores dirigentes do estado.
Segundo Ramos (2010), o estereotipo de “místico”, a linguagem poética
e a vestimenta, serviram como um reforço para a aquisição de capital simbólico
suficiente para uma reconversão em capital político. A admiração adquirida por
Maia deu-se devido ao próprio posicionamento político; sua participação ia além

43
dos círculos culturais ou instituições educacionais e, assim, seu nome passou a
ser reconhecido como símbolo de mudança. Tal admiração foi reforçada por sua
rede de relações que identificavam como o “evangelizador das gerações moças”
nas palavras de um intelectual contemporâneo de seu período, Djalma Batista.
Álvaro Maia ao pronunciar o discurso “Canção de Fé e Esperança”, incita
os jovens à luta, pois seriam os herdeiros do compromisso para com o Amazonas
e a nação brasileira, ou seja, delegava aos seus jovens alunos a função de se
rebelarem contra as elites titubeantes e a proclamarem uma revolução contra o
sistema político decadente.
Álvaro Maia exercia uma espécie de fascínio sobre seus alunos que ia
além dos bancos escolares. A fama e o prestígio se destacavam além de outros
grandes nomes da intelectualidade amazonense deste período. Segundo Mario
Ypiranga Monteiro (1996), ao traçar um comparativo entre Maia e outro
importante professor do Ginásio Amazonense Dom Pedro II- Agnello Bittencourt,
que destacava-se como um dos principais motivos de admiração entre os alunos.
Agnello Bittencourt, sempre cortês demonstrava uma postura impecável e
sempre trajava roupas escuras. Por outro lado, Álvaro Maia, mais comunicativo,
sendo cortejado pelos alunos com maior frequência do que outros professores
do ginásio, um assédio que vinha inclusive por parte das mulheres. Este fascínio
foi um dos fatores que o levaram a servir de fonte de inspiração para suas ações
que culminaram com o motim que se deflagrou em 1930 no Ginásio Amazonense
Dom Pedro II.
Segundo Falcão (2014), o motim ginasiano reflete um processo de
transição no qual o Amazonas passava, onde havia um processo de
autonomização e ao mesmo tempo de indiferença da esfera intelectual em
relação a esfera política, revelando em primeiro lugar os mecanismos de
resistências da intelectualidade, a partir do posicionamento crítico desse grupo
em relação as elites dirigentes do Amazonas durante este período. Trata-se de
um movimento interno rumo ao estabelecimento de mecanismos próprios de
reconhecimento e consagração do campo intelectual.
A década de 1930 é marcada pelo desejo de renovação de valores em
relação à ambiência dos setores dirigentes do Amazonas. Por este motivo, os
trajes vestidos pelos políticos e personalidades locais representavam o

44
estereótipo de uma representação incapaz de apresentar um projeto alternativo
à crise financeira e a estagnação na qual o Amazonas se encontrava.
Álvaro Maia estabeleceu um perfil que, de acordo com os padrões da
época, atendia às demandas do público, consequentemente, de um potencial
eleitorado. Trajava-se de ternos de cor branca, estabelecendo um perfil
caracterizado com cabelos fartos e uma oratória desenvolta, assim se construía
o poeta místico; a figura do poeta com ares messiânicos surgia como a única
resposta viável para encarnar as mudanças de que o estado necessitava. Maia,
por sua vez, via a política como uma “missão” que lhe foi incumbida pela
sociedade amazonense e sua dedicação deveria ser feita com o maior afinco
possível. Segundo Monteiro (1996, p. 162): “E foi a política que o desviou da
religião a que se votara o moço idealista, o teórico da célebre Canção de Fé e
Esperança”.
Através desse perfil construído por Álvaro Maia, seu discurso passou a
refletir uma intencionalidade que evidenciava certa identificação com seu
público/eleitor, pois exercia, dessa forma, uma espécie de “violência simbólica”
sobre seus receptores. Neste contexto, Álvaro Maia tornou-se um representante
ideal para esse projeto de remanejamento do pacto oligárquico.
A dependência material e institucional do poder público desvelou uma
postura de ambiguidade nos intelectuais, durante este período, tornando-se uma
estratégia no campo da produção cultural. Assim, situam-se na condição de
dependentes do estado, em que, ao mesmo tempo anseiam por libertar-se da
condição de produtores de uma obra engajada, cedem aos encantos de
justificações idealistas (MICELI, 1979).
Ao se pensar qual o real posicionamento de Álvaro Maia dentro do
cenário político e intelectual da região, o esforço de elaborar uma “posição”
torna-se praticamente inviável em virtude do fato de que o intelectual possui
diferentes performances. O fato de Álvaro Maia ser conhecido e/ou criticado pela
sua ambiguidade reflete antes de qualquer coisa a simultaneidade dos
posicionamentos por ele assumidos, reflexos do próprio processo de
modernidade tardia no qual o descentramento empurra o sujeito a um constante
processo de (re)construção de sua identidade. Assim, apesar do campo
intelectual e o campo político serem campos de tensões, nele as diferentes

45
identidades se articulam e se (re)constroem incessantemente, (re)criando signos
muitas das vezes dissonantes (RIBEIRO & MIRANDA, 2011).
Entretanto, dentro deste projeto político ideológico, é possível perceber
que Álvaro Maia só ascendeu ao poder contando com uma rede de apoio que se
espraiava pelas classes dirigentes. Nesse caso, o poeta aparece vinculado a
diversas áreas e atuava como porta voz dos setores oligárquicos, mantendo e
reproduzindo políticas protecionistas e garantindo, dessa forma, os interesses
de seus “protetores”. Assim, submetendo-se a estratégias comuns deste
período, Álvaro Maia envolveu-se em inúmeras atividades ligadas ao
funcionalismo público, fato que possibilitou a ampliação de sua rede de relações.
Neste sentido, seu poder consistia na sua capacidade de tomar para si o
discurso, visto que o próprio intelectual faz parte deste complexo sistema de
poder, por isso não pode ser pensador como um “detentor” deste poder
(FOUCAULT, 1992).
Segundo Santos (1996), quando o estado do Amazonas emerge no
período republicano catalisa os interesses do segmento comercial exportador e
importador, autodenominado “classes conservadoras do Amazonas”. O grupo
tinha sua representação corporificada pela Associação Comercial do Amazonas
(ACA) e se tornara a liderança comercial da região. Os principais fundadores da
ACA eram comerciantes, sendo principalmente exportadores e comerciantes
aviadores, que além das atividades mercantis na cidade de Manaus, possuíam
seringais, navios e embarcações. Realizavam ainda, atividades de exportação
da borracha fora do país.
Com a criação da Revista da Associação Comercial do Amazonas, em
1908, divulgando o extrativismo vegetal e o comércio do estado, buscando assim
abrir mercados externos e o estabelecimento do capital estrangeiro nas cidades
de Belém e de Manaus; a procura pela borracha tornou o estado conhecido ao
mesmo tempo em que o tornou totalmente dependente. O capital estrangeiro
incentivou a exploração uma vez que não havia outra opção. Entretanto, quando
a Ásia passa a oferecer o produto com preços mais baixos, o capital estrangeiro
muda seu foco, deixando a região em crise. Ao longo da década posterior a ACA
buscou várias formas de tentar revalorizar o preço da borracha. As classes
conservadoras amazonenses buscaram inclusive junto ao governo federal ajuda
para solucionar a crise. Contudo, apesar de que a borracha chegou ao nível de

46
segundo produto de exportação no país, o polo de decisão permaneceu nas
mãos dos cafeicultores do Sudeste.
Durante a Primeira República, o Amazonas sofreu com divergências
entre os grupos dominantes que disputavam o poder, no sentido de garantir seus
interesses particulares. Segundo Santos (1996), não houve no Amazonas uma
liderança política coesa, as facções se acusavam mutuamente sobre a
corrupção administrativa e restava ao governo federal intervir. A maioria dos
governadores do estado eram pessoas de outras regiões e sem vínculos
políticos com grupos locais. Assim, o capital político dos grupos no poder no
momento anterior a crise, não foi o suficiente para transformar a região em um
elemento de defesa, quando houve o rearranjo de forças nacionais em 1930.
Neste sentido, regiões como a Amazônia e o Nordeste acabaram sofrendo um
processo de exclusão no novo processo de reordenamento político e econômico
pelo qual o Brasil passava (FALCÃO, 2014).
Maia foi secretário do monsenhor Raimundo Oliveira do superintendente
do território federal de Guaporé (atual Rondônia), entre 1920 e 1921. No ano de
1922, participou da comissão de propaganda e organização do centenário de
independência do estado do Pará, então chefiada pelo cunhado Djalma
Cavalcante. No mesmo ano, tornou-se relator da Comissão de Saneamento
Rural do Amazonas, função que exerceu até a eclosão da revolta de 1924 no
27° Batalhão de Caçadores, em solidariedade ao levante de guarnições paulistas
contra o governo de Arthur Bernardes.
Logo após esse período, Álvaro Maia inicia suas atividades políticas em
uma organização partidária, o recém-criado Partido Revisionista, sem prejudicar
suas atividades na Comissão de Saneamento Rural; foi, então, nomeado
Secretário da Prefeitura Municipal de Manaus na gestão de Jessé Francisco de
Araújo Lima. Na Associação Comercial do Amazonas, foi assessor jurídico e
redator até 1930. Tal fato mostra que ele sempre esteve próximo das classes
conservadoras amazonenses.
A obra literária de Álvaro Maia, em especial, sua produção inicial, estava
fundada em um nativismo que tinha como elementos principais a paisagem e o
homem da Amazônia. Nesse sentido, a defesa do homem do interior serviu como
um elemento importante para lhe trazer relevância política. Devido ao carisma,
Maia manejou sua capacidade de adquirir a admiração das classes menos

47
favorecidas. Apesar de oriundo de família abastada, Álvaro Maia tinha facilidade
em dialogar com setores sociais mais rebaixados, na medida em que buscava
elementos com os quais poderia identificar-se. Segundo Farias (2007), todos os
anos Maia retornava ao seringal do Goiabal, onde retirava o paletó e se vestia
como os pescadores da região e com eles dialogava.
A partir desta imagem construída, Álvaro Maia foi nomeado em 1930
para o cargo de interventor por Juarez Távora, chefe da revolução no Norte e
Nordeste, cargo que ocupou até o início de agosto de 1931, quando pediu
exoneração por divergências políticas. Uma das características mais importantes
da habilidade política de Álvaro Maia era o fato de saber o momento certo de se
afastar dos embates políticos e ressurgir em outro momento mais oportuno. Após
sua exoneração do cargo de interventor, permaneceu no Rio de Janeiro
exercendo outras atividades.
No Amazonas, segundo Hosenildo Alves (2009), o Jornal do Comércio
fazia parte dos grupos que foram alijados do poder após 30, por esse motivo
manteve uma postura crítica ante os fatos políticos ao longo de sete anos. Tal
postura deu-se em virtude da impossibilidade de dirigir críticas diretas aos
setores dominantes sem correr o risco de sofrer uma represália, assim
assumindo uma postura alheia. No entanto, com a instituição do Estado Novo a
imprensa como um todo passou a ser obrigada a colaborar com a difusão do
regime através da não recusa nas publicações de comunicados oficiais.
As elites dirigentes no Brasil eram, também, as detentoras dos veículos
de comunicação em massa (jornais) que, por conseguinte, manejavam em favor
dos interesses desses grupos, tais como o lançamento de candidaturas de seus
representantes no cenário político, ou seja, a imprensa sempre usada como meio
de manobra desde o período da República Velha. E desde esse período jornais
como Jornal do Comércio, entre outros, também eram as principais instâncias
de consagração para os interessados em criar uma carreira de sucesso no
mundo das letras; neste sentido, o próprio Álvaro Maia esteve envolvido em tais
atividades por serem elas um dos principais veículos de publicação de sua
produção literária. Como durante as décadas de 1910 e 1930 constitui-se o
principal mecanismo para ascensão política, fica fácil compreender o fato de ele
manter uma estreita relação de engajamento com as facções políticas desses
jornais.

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A política de valorização da borracha sempre foi uma das maiores
preocupações de Álvaro Maia, desde que assumiu pela primeira vez a
Interventoria do estado do Amazonas em 1930, publicando alguns atos públicos
que reestruturassem a atividade extrativista que era a principal fonte da
economia no estado. Em 1931, na ocasião em que falou com Juarez Távora,
delegado Federal do Norte, pediu apoio à borracha do interior que passava por
período de crise e desvalorização, segundo o Interventor esse fator seria um dos
motivos para o despovoamento do Amazonas4.
Retorna em 1932 para Manaus quando ocorre a convocação de eleições
para a formação de uma Assembleia Constituinte, em que ajuda a fundar a União
Cívica Amazonense (UCA). No pleito realizado em 1933, a UCA elege, além de
Álvaro Maia, mais três deputados, tomando posse no final do mesmo ano. Em
1934, foi eleito deputado federal pelo Partido Popular (PP); entretanto, não
chegou a assumir o cargo, pois em 1935 foi eleito Senador da República e logo
em seguida nomeado novamente governador do Amazonas. Optou por este
último cargo que tomou posse em fevereiro de 1936. Getúlio Vargas o nomeia
Interventor Federal em 1937, mantendo-se no cargo até 1945.
Em 1945 Álvaro Maia ajuda a fundar o PSD, que assume um caráter
populista. Neste momento ainda dotado de prestígio o ex-interventor consegue
se eleger senador junto a Waldemar Pedrosa. Após 1946, o jornal Diário da
Tarde que congregava os opositores de Maia passaram a tecer críticas em
relação ao projeto da Batalha da Borracha denunciando a desorganização e
carência administrativa em relação a este projeto implementado pelo Estado
Novo sob a tutela da interventoria de Maia. Com o agravo das crises internas do
partido e com a crise da borracha, Álvaro Maia abandona a presidência do
partido.
A Constituinte de 1946 convocada em virtude da queda do Estado Novo,
no qual em seus esclarecimentos não soube precisar o número de nordestinos
mortos durante este período, alegando não disponibilizar de dados atualizados.

4
Segundo Eloína Monteiro dos Santos (2013, p.48): “Diante desse quadro, em exposição a
Juarez Távora, o interventor Álvaro Maia, pediu, em 1931, a defesa da borracha e da agricultura
visando conter o êxodo rural. [...] Álvaro Maia pediu providências urgentes no que dizia respeito
à borracha, sugerindo a compra os estoques existentes e o amparo a lavoura pela divisão das
terras ao estado e as municipalidades, em pequenos lotes, distribuindo-os aos habitantes dos
seringais que procuravam outras formas de trabalho”.

49
Discordando que tais trabalhadores estavam morrendo “à mingua”, ou que houve
grandes prejuízos com a campanha, reconheceu as dificuldades enfrentadas
alegando que os problemas de abastecimento enfrentados ocorreram em virtude
do bloqueio dos mares do norte, tendo assim que buscar suprimentos no sul e
nordeste, distribuindo-os aos seringais em embarcações ou aviões norte-
americanos (SANTOS, 1996).
Em meio a disputas partidárias, Álvaro Maia se afasta do cenário político
local, atuando na III Conferência da Borracha, realizada em Belém em 1949,
enfatizando que a borracha deveria ser encarada como um problema amazônico,
mas como um imperativo nacional. A produção do látex traria emprego para o
seringueiro, promovendo a integração nacional e a defesa da Amazônia.
No plano intelectual em âmbito nacional o ano de 1945, reflete uma nova
tomada de consciência rumo à redemocratização5 com o Primeiro Congresso
Brasileiro de Escritores (1945). No campo intelectual, marcou-se o fim do
Modernismo e no campo político era o fim do Estado Novo. Neste sentido, é
possível perceber que um processo de autonomização do campo literário que
vai culminar com o surgimento de intelectuais mais preocupados com a
estetização da obra, nesse cenário surgindo um grupo chamado “Geração de
45” que tem por característica fundamental o experimental. O Modernismo com
sua evocação para o elemento nativo se torna tradicional e obsoleto, o que
entrava em questão era um grande debate sobre uma nova opção histórica ao
Brasil. De um lado os partidários da agricultura (economia colonial) e de outro
lado os partidários da industrialização, ou seja, o que estava em jogo era um
Brasil sob a intervenção estatal ou sob a liberdade econômica. Contudo, a

5
Segundo Martins (1979, p. 219-220) a Declaração de Princípios afirmava: “Os escritores
brasileiros, conscientes da sua responsabilidade na interpretação e defesa das aspirações do
povo brasileiro, e considerando necessária uma definição do seu pensamento e de sua atitude
em relação às questões politicas básicas do Brasil, neste momento histórico, declaram e adotam
os seguintes princípios:
Primeiro- A legalidade democrática como garantia da completa liberdade de expressão do
pensamento, da liberdade de culto, da segurança contra o temor da violência e do direito a uma
existência digna.
Segundo- O sistema do governo eleito pelo povo mediante sufrágio universal e secreto
Terceiro- Só o pleno exercício da soberania popular em todas as nações torna possível a paz e
a cooperação internacionais, assim a independência econômica dos povos.
Conclusão- O Congresso considera urgente a necessidade de ajustar-se a organização política
do Brasil aos princípios aqui enunciados, que são aqueles pelos quais se batem as forças
armadas do Brasil e das Nações Unidas”

50
eleição que põe no poder Eurico Gaspar Dutra nada mais era do que uma
continuação do governo anterior.
Se a principal forma de inserção nos quadros dirigentes ocorresse
através da imprensa ou do funcionalismo público, a carreira dominante para a
qual se encaminham as esperanças dos intelectuais da República Velha seriam
os quadros políticos. Pois os postos conquistados no campo político não
divergiam da carreira intelectual. Ao contrário, se configuravam como uma
instância importante de produção ideológica no campo intelectual (MICELI,
2001). A partir das décadas de 1940 e 1950, a problemática do enquadramento
social, político e ideológico do intelectual cria um novo contorno, sua função
social se não estiver ligada à Igreja ou ao Estado, deveria estar ligada à
Universidade (MARTINS, 1979).
O problema da educação sempre foi o “calcanhar de Aquiles” da
intelligentsia brasileira. Na década de 1950, cerca de 50% da população era
analfabeta. Isso mostra uma grande contradição na história brasileira, ter criado
uma alta civilização intelectual, num país com praticamente metade da
população analfabeta. Esse complexo processo não esterilizou a sociedade
brasileira com o analfabetismo, homogeneizando-a pelos dominadores mais
baixos, do mesmo modo em que os intelectuais não conseguiram homogeneizá-
la pelos dominadores mais altos.
No Amazonas, a questão educacional sempre fora posta em segundo
plano, contudo para a intelectualidade amazonense esse problema tinha uma
preocupação maior. A reforma educacional evitaria a total deterioração do
estado como uma unidade social. Eles viam que desde o período do ciclo
borracha a elite incapaz de gerir seus próprios negócios estava a mercê de um
executivo estrangeiro, daí a enorme preocupação com a criação de um centro
de saber que pudesse formar uma mão-de-obra culta e especializada.
No Amazonas, ligado à literatura da Geração de 45, surgiu um
movimento chamado Clube da Madrugada. Esse movimento caracterizado pela
presença de jovens artistas buscava lutar contra a estagnação cultural dos
tempos anteriores. Contudo, além de ser um movimento literário antenado nas
tendências literárias da época, principalmente as que dominavam o nordeste e
o sudeste, esse grupo também tinha uma preocupação social, ligada com o
ambiente social e político do estado. O Clube da Madrugada promovia uma série

51
de atividades artísticas e literárias tais como programas de rádio, suplementos
literários, dentre eles podemos destacar o Caderno da Madrugada. Essas
atividades se apresentavam como uma alternativa à Academia Amazonense de
Letras que se apresentava o conservadorismo literário. Dentre seus principais
representantes, podemos destacar Jorge Tuffic, Elson Farias, este último ao falar
sobre a Cidade Flutuante revela uma região passando por uma fase de transição
onde o estágio pelo qual passava a economia extrativista no Amazonas, não
permitia a fixação do homem. Assim na Amazônia o povoamento era rarefeito e
esparso (AGUIAR, 2002).

Figura nº 01

Álvaro Maia e sua defesa pela borracha.


Fonte: O Jornal, Setembro de 1950.

Na década de 1950, ainda tendo a borracha como principal plataforma


política, Maia se vê diante acentuação da crise da produção da borracha, com o
abandono do plantio da hévea, ele sugere a diversificação com extração de
outras culturas, garantindo assim estabilidade e sobrevivência do interior do
estado. Defendeu uma planificação econômica para o estado, uma tentativa de
dar um caráter racional de melhorar a produção amazônica.

52
Quando a guerra acabou e os americanos foram embora, a
cidade caiu novamente no marasmo. De todos os investimentos
federais voltados para o desenvolvimento da infra-estrutura e
indústria de base, a Campanha da Borracha não era, na
verdade, um plano de valorização regional a longo prazo,
embora assim se apresentasse, mas consequência do esforço
de manter a demanda de borracha e outras matérias- primas da
selva, em nível satisfatório às exigências do mercado
internacional dominado pelos Estados Unidos. (SOUZA, 1978,
p.145).

Seu governo de 1951 a 1954 transcorre com imensas dificuldades


administração em virtude de um desalinhamento com os grupos dominantes,
sofrendo com a desagregação do sistema extrativista que culminou com duas
grandes problemáticas o inchaço da população urbana, que agrava as tensões
urbanas e o aparecimento dos ribeirinhos, os antigos soldados da borracha que
agora inserido entre os povos das florestas vivem nas margens dos rios criando
um modo de vida baseado na subsistência (LIMA, 2013).
O retorno à literatura é marcado por um momento específico de sua
trajetória política, com a derrota em 1954, vemos no momento de volta as suas
atividades literárias, uma estratégia de recuperação de um capital simbólico
perdido devido as suas atividades dentro do campo político. Como foi
mencionado anteriormente, o campo político, assim como o campo intelectual é
um espaço de lutas com uma dinâmica de funcionamento específica diferentes
do espaço social mais abrangente, todavia, o grau de autonomia desses
microcosmos sociais sofre interferências externas, que podem variar em maior
ou menor intensidade.
Neste princípio a consagração passa por um constante crivo de
“purificação”. Assim o público interno servirá como legitimador da consagração
das obras. Com a perda de capital político na década de 1950, Álvaro Maia busca
na literatura um investimento para a aquisição do capital perdido. Assim, como
pertencente a um grupo de intelectuais responsáveis por criar uma identidade
cabocla, decide-se por seu “exílio” ao seringal e sua posterior publicação de
várias obras entre as quais Gente dos Seringais (1956), Beiradão (1958), entre
outros. Onde, segundo Santos (1996), o elemento “trágico” do processo de
extração da hévea, foi amenizado ao ser ressaltada bravura e heroísmo do
seringueiro.

53
Segundo Marcio Souza (1978), o realismo identificado em seus
romances reflete um homem experiente na política e conhecedor da realidade
do interior do Amazonas. Diferente de outros escritores que trabalhavam o
mesmo tema, seu olhar “clínico” representava com clareza o lugar do homem
amazônico, que tinha sido posto à margem da história. Segundo o autor, sua
obra revela, mesmo se perceber, um sinal de libertação, pois já estava afastado
dos resíduos da ostentação e da decadência que influenciou a visão da literatura
local durante este período.
Neste sentido, o processo de interferência da esfera cultural na esfera
política, apesar de ser um processo de ganho de considerável volume simbólico,
acarreta riscos e prejuízos. Ao se inserir na política como político profissional,
Maia foi penalizado pela falta de um reconhecimento que correspondesse às
suas inegáveis habilidades no campo das letras. Quando Mario Ypiranga
Monteiro em seu livro Mocidade Viril- 1930: o motim ginasiano (1996), afirmou
que Álvaro Maia cedeu à tentação demoníaca da política e perdeu seus valores
cardeais, reflete uma espécie de desconforto em relação ao posicionamento
ambíguo do interventor, esse posicionamento mostra os conflitos existentes
entre os dois campos, conflitos esses que constituiu o campo intelectual em
Manaus, filtrando as influências externas no trabalho de construção de
representações sobre a realidade social (FALCÃO, 2014).
Esse processo revela um novo rearranjo de forças no Amazonas, saem
de cena as elites conservadoras ligadas a uma economia extrativista e entra em
cena um novo grupo que assume o poder político do estado, defendendo a
bandeira do populismo e da política de massa, esse grupo representava o jogo
de aspirações populares e nacionalistas. Assim, Maia passa a ser visto como o
representante da geração histórica da decadência, pois trazia a carga do Estado
Novo e da depressão.
Dentro desse novo quadro político, as classes dominantes brasileiras na
era do populismo, período que compreende aos governos dos presidentes
Eurico Gaspar Dutra à João Goulart, pautam seu discurso na política
desenvolvimentista com o objetivo de desenvolver o Brasil ao capitalismo
industrial, através da captação de recursos internacionais. No Amazonas, esse
discurso populista abre as portas para a eletricidade e mais demagogia.

54
Todavia, essa nova elite política com ares populista acaba por reverberar
seus traços extrativistas, assim o Amazonas saía do isolamento e o governo
pautava sua política na proteção de uma classe: a classe média. Nesse contexto,
o interior do Amazonas fica marcado por um aumento do êxodo rural e o
esvaziamento do interior, visto que a política populista amazonense era
destinada para a classe média e o proletariado urbano. Neste sentido, não foram
criados programas políticos para o interior. O resultado desse processo foi um
inchaço da cidade de Manaus durante a década de 1950, uma espécie de
processo de segregação desses ribeirinhos alijados da dinâmica da cidade,
permanecendo na periferia, como no caso do surgimento da Cidade Flutuante
(SOUZA, 1978).
Em 1958, foi nomeado presidente da Caixa Econômica Federal. Após
duas derrotas em eleições em 1958 e 1962, fase em que o escritor entrou
novamente em cena. Com o golpe de 1964, que marca o fim do populismo e dá
início na história do Brasil, a uma das mais duras e controversas fases do
ordenamento político: a Ditadura Militar; Álvaro Maia foi nomeado Senador da
República pela legenda da Aliança Renovadora Nacional (Arena), iniciando o
mandato em 1967; nessa ocasião, precisou se licenciar da presidência da
Academia Amazonense de Letras, cargo que vinha exercendo desde 1966.
Casado com Amalises Cavalcante Maia, com quem teve duas filhas, faleceu em
maio de 1969 durante seu mandato como senador.

1.4. Maia e a política: a ideologia liberal e a valorização da Amazônia

Nas eleições de 1930, a Aliança Liberal apresentou para presidente


Getúlio Vargas e João Pessoa como vice-presidente para candidatos. Getúlio foi
derrotado pelo candidato do governo, Júlio Prestes, mas este não chegou a
tomar posse, visto que meses depois das eleições eclodiu a revolução que
colocou Getúlio Vargas no poder. Contando com o apoio militar dos tenentes, as
oligarquias dissidentes de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul
desencadearam um movimento de revolta em várias regiões do país. Diante de
uma eminente guerra civil, as Forças Armadas (Exército e Marinha) deram um
golpe de Estado, depondo o presidente Washington Luiz, colocando Getúlio
Vargas como presidente interino.

55
O Presidente Getúlio Vargas tinha como estratégia a centralização e o
controle dos estados por parte do poder central. Segundo Eloína Santos (1996),
o governo central nomeava indivíduos que, apesar de oriundos desses estados,
se identificavam com as perspectivas dos grupos dominantes; no entanto se
encontravam em uma posição marginal com relação à influência dentro dos
partidos. Álvaro Maia, durante os anos de 1920, obteve sua consagração no
mundo das letras, e sua atuação durante a rebelião de 1924 foi decisiva para
que ele pudesse ser indicado ao poder.
Votada a Constituição de julho de 1934, organizou-se a vida política
estadual, sendo em 1935 escolhido pela Assembleia Estadual para Senador
Federal juntamente com Alfredo da Mata. Logo depois, também em eleição
indireta, foi eleito Governador Constitucional do Estado. Com o golpe político do
Estado Novo, em 10 de novembro de 1937, foi nomeado Interventor Federal,
mantendo-se no poder até a queda de Getúlio Vargas em 29 de outubro de 1945.
Com a implantação do regime autoritário do Estado Novo, o Amazonas, assim
como outros estados, não sofreu um remanejamento de lideranças políticas, e
sim sua acomodação, visto que já vinha ocorrendo um alinhamento dos grupos
políticos dominantes nos estados. Assim, o estabelecimento da nova ordem
ocorreu sem grandes traumas.
Ao se analisar os elementos ideológicos imbricados nos discursos
pronunciados e na obra alvareana, a partir da perspectiva contextualista 6 de
Skinner (1969), será possível identificar dentro do vocabulário de Maia a
contextualização da sua ideologia de valorização da borracha. Esclarecendo
assim, o tipo de ação política pretendida por ele ao expressar tais ideias. A partir
dessa abordagem complementar aos procedimentos metodológicos na análise
literária discutidas anteriormente, surge a concepção de que os sujeitos
elaboram suas visões de mundo como parte de sua experiência, experiência
essa que é compartilhada com um ou mais grupos sociais. Nesse sentido, os
literatos são formuladores de ideias, veiculadores de visões de mundo que são
construídas coletivamente.

6
Segundo Quentin Skinner (1969), os “textos” devem passar por um processo de
contextualização histórica e social, permitindo assim a identificação da intencionalidade dos
autores no ato da escrita. Ou seja, é necessário compreender o que o autor “faz” ao dizer o que
diz. O contexto, portanto, nos permitirá identificar os problemas que despertaram a atenção do
autor.

56
Ao analisar seus discursos, é possível identificar uma espécie de
ideologia política fundada na mudança e na exaltação das origens amazônicas
a partir da valorização do elemento nativo, o caboclo; insinua-se um retorno ao
tempo passado e a valorização do cenário amazônico, e isso em função das
mudanças sofridas pelo estado durante esse período que de fato não trouxeram
melhorias à vida dos amazonenses. Segundo Santos (1996), Álvaro Maia pode
ser caracterizado como um regionalista, daí a valorização de sua identidade
cabocla presente em sua obra literária e em seus discursos proferidos ao longo
da sua trajetória.
Em julho de 1926, a pedido de estudantes de direito do Amazonas que
residiam no Rio de Janeiro, Álvaro Maia saudou o presidente recém eleito
Washington Luís em sua visita ao estado do Amazonas, e assim escreveu uma
carta aberta, “Em nome dos Amazônidas”, na ocasião do segundo aniversário
da rajada libertadora do Amazonas.
Neste discurso, Álvaro Maia constrói uma das suas principais ideologias
políticas, a defesa da ideia de que o estado era o “paraíso verde”, em
contraposição à ideia de Alberto Rangel que havia denominado a região
amazônica como “inferno verde”.

Tentando explicar a má interpretação dadas ás palavras do


escriptor, dizia, vae para seis annos, o humilde signatario destas
linhas: - “Inferno Verde? Não. El-Dorado Verde! Paraíso Verde!
E’ uma denominação falsa applicada ao norte, à bacia que
povoam as immensas florestas, onde vivem creados pelo
mysterio impenetravel, myriades de lendas, que definem a sua
maravilha e a sua fecundidade7.

Pautado na ideia de valorização do Amazonas, Álvaro Maia procura


desconstruir a pecha preconceituosa de que o estado era um lugar que levava
ao óbito todos os que se aventurassem em desbravá-lo. Para se contrapor a este
conceito, ele criou a ideia de “paraíso verde”, isto muito em função de ser um
poeta simbolista, conceito que se relacionava ao paraíso mencionado na Bíblia
e que será destinado a todos os que o merecerem. Do mesmo modo, a ideia de
El-Dorado Verde está ligada à lenda do eldorado, um lugar escondido, detentor
de muitas riquezas intocadas. Ainda no mesmo discurso, ele irá relacionar esta

7
MAIA, Álvaro. Em nome dos Amazônidas. Manaus: Imprensa Pública, 1927. p. 6.

57
ideia de paraíso perdido com o “ouro negro” (a borracha), ou seja, este lugar, a
priori conhecido como um lugar de morte, na verdade é um paraíso cheio de
riquezas, isto é, a borracha seria a fonte destas riquezas. No entanto, segundo
Álvaro Maia, este paraíso verde está abandonado, esquecido dentre os outros
estados do país.
Ele desenvolve a ideia de paraíso verde/eldorado verde, justificando que
o Amazonas não poderia ser considerado um inferno, pois não é um cárcere que
prende todo aquele que pretende adentrá-lo. No entanto, por se tratar de um
lugar onde vivia um povo simples, tornou-se terreno fácil para aqueles que
chegavam para “desbravá-la” na intenção de dominar, defraudando a moral
deste povo.
Segundo Freitas Pinto (2008), as ideias que predominavam as
abordagens sobre a região Amazônica durante esse período estavam ancoradas
no racismo, no exotismo e no progresso. Neste sentido, o exotismo aparece na
ideia de inferno verde como algo diferente, misterioso, e como tudo que é
desconhecido pode ter riscos.
Nesse contexto, as ideias de Rangel apresenta uma visão de civilizações
diferentes dentro do próprio Brasil, onde regiões como o Nordeste e em especial
o Norte estivessem em uma escala inferior em relação às demais, ou seja, o Sul
e o Sudeste representavam a modernização que eram um dos principais
objetivos da Ocidentalização a partir de uma ótica eurocêntrica, daí o
investimento econômico, político e principalmente cultural no desenvolvimento
dos Estados nacionais, o pensamento de Rangel, portanto revela uma visão
evolucionista sobre a região.
Para Álvaro Maia é impossível conceber a ideia de que o Amazonas
levaria à morte todo aquele que tentasse desbravá-lo, pois fazendo uma alusão
ao seringueiro, o homem que penetra a selva, derrubando-a para construir os
primeiros sinais de civilização, consegue, apesar de estar em pleno estado de
solidão, modificar a paisagem, demonstrando um esboço da vitória do homem
sobre a natureza.
Álvaro Maia, partindo dessa visão, conseguia identificar os sinais
civilizatórios tão importantes para o desenvolvimento da região, seus ideais
nacionalistas fruto de uma tradição intelectual europeia do século XIX, via na

58
consolidação dos Estados nacionais como a única forma de desenvolver e
modernizar a região.
Segundo Silveira (2007), o projeto de formação nacional brasileiro é
fruto, desde suas origens mais remotas, de um processo de patrimonialismo,
onde desde a colonização foi marcada pela assimilação de arquétipos
institucionais tipicamente patriarcais. Enquanto colônia portuguesa, o Brasil
assimilou o modelo de estrutura administrativa do poder patrimonial, esse
processo é refletido na formação do estamento brasileiro composto por um
patronato rural dominante (coronéis, líderes regionais, etc.).
Diante desta estrutura política, o povo não conseguiu se organizar e se
contrapor a este sistema, tornando-se totalmente dependente da atuação estatal
na vida privada e alheio aos assuntos coletivos. Para Corrêa (1989), o estado-
nação faz parte do projeto moderno burguês, onde esta classe na busca pelo
poder rompe com os setores tradicionalmente dominantes e alia-se as classes
subalternas que os legitimam como os novos representantes, no caso brasileiro
este projeto foi feito através de um rearranjo de forças com os setores
tradicionais, excluindo o povo desse processo de formação nacional.
Neste sentido, ele vê nesse paraíso verde, através da atividade solitária
do seringueiro que se aventura na selva amazônica, um traço embrionário da
nacionalização do Brasil. Para Álvaro Maia é justamente este pequeno gesto de
homens simples que levarão o progresso aos lugares mais ermos do Brasil.
Contudo, apesar do discurso “Em nome dos Amazônidas” ficar preso a
uma linguagem literária, utiliza-se também de uma retórica política. Daí o começo
das críticas de Álvaro Maia com relação à situação política do estado e do país,
pois, para ele, o projeto republicano naquele momento não garantia a
nacionalidade do país: “[...] Adstricta a essas normas de liberdade intransigente,
adstricta ao nacionalismo sadio, a nossa pátria não inspira respeito pelo seu
presente, que se esboça ainda em falsas projecções”8. Neste sentido, ele vê com
preocupação o futuro do país, atemorizado de que esse projeto político possa
comprometer definitivamente a nação brasileira.
Álvaro Maia era um nacionalista e defendia a política republicana, no
entanto, como um conhecedor do jogo político, ele sabia que a retórica de seu

8
MAIA Op. cit. p. 9.

59
discurso direcionando para a defesa do sistema político vigente se harmonizava
com os interesses dos grupos políticos então no poder; neste sentido, construía
sua carreira política e criava a imagem do líder/poeta.
O ideário político de Álvaro Maia era fundado na construção do país
como uma nação; isso justifica muitos de seus atos ao longo de sua trajetória,
como o fato de apoiar o Estado Novo, sua defesa de uma educação moral e
cívica e a solidariedade dedicada à rebelião de 1924 demonstram como seu
ethos político estava sendo firmado e posteriormente justificariam suas atitudes
como um político já consagrado após a década de 1930.
Era comum aos intelectuais deste período a construção do ideal de
nação, e em suas obras e Álvaro Maia via na educação o fator decisivo para
reverter a apatia na qual a república brasileira se encontrava. Assim, seria a
ausência de civismo que geraria um comportamento indiferente ante a situação
política do país. Segundo Santos (1996), Álvaro Maia acreditava que nos
“imperialismos estaduais” estavam a fonte para a produção de uma espécie de
regionalismo, que era responsável pela falta de unidade da pátria.
Para Álvaro Maia, estes “imperialismos estaduais” sacrificavam os
estados menores ou com menor população o caso do Amazonas, ante outros
estados que dispunham de mais prestígio e poder de influência. O fim desse tipo
de regionalismo só ocorreria com princípios constitucionais e normas
centralizadoras. Contudo, como parte de seus fundamentos políticos, a questão
dos “imperialismos estaduais” possui uma relevância ainda maior, um enfoque
moral, pois ele acreditava que, com o aumento destes regionalismos, aumentava
também os desdobramentos dentro do país:

Não defendemos princípios regionalistas, que produzem a


desunião e a fraqueza, mas pedimos folhas de serviços reaes,
méritos reconhecidos ou escalas de sofrimento, como direitos
naturaes, que reclamam recompensas justas9.

É interessante ressaltar que Álvaro Maia é defensor de ideias


regionalistas, tais como a valorização da Amazônia diante do cenário nacional,
a desconstrução da ideia de que a Amazônia é um inferno verde, a integração
da região ao Brasil para a construção de uma identidade verdadeiramente

9
Idem p. 20.

60
nacional e a valorização da produção local da borracha (o ouro negro
amazonense).
Segundo (GOULARTI FILHO, 2006), para entender as regiões
brasileiras é necessário compreender que estas são resultado de processos
históricos com determinantes e condicionantes específicos e cada qual reage à
sua maneira em função da sua estrutura social, econômica e a cultural herdada,
neste sentido, o posicionamento político de Álvaro Maia contra o regionalismo
político de algumas regiões, parte de sua intenção em inserir o Amazonas dentro
do cenário nacional como uma região que apresenta condições de
desenvolvimento, visto por muitos como adverso ao desenvolvimento de uma
economia regional.

Todas as vezes que o destino me há proporcionado o bem de


transpor o rio Amazonas, tenho erguido os olhos em extase às
alturas, na tentativa de sorver o Cruzeiro do Sul, reflexo millenar
de nossa Historia, baixando-os logo a superficie liquida, onde,
como em lousa resplandescente, os reverberos das estrellas
ensolaram as ondas, unindo esse ganglio formidável de nossa
pátria ao céo, que a protege e a dignifica10.

A posição do Amazonas junto ao resto do Brasil é identificada neste


discurso, através da analogia em que Álvaro Maia faz ao Rio Amazonas
resplandecendo às outras estrelas do Cruzeiro do sul (uma referência a Bandeira
do Brasil). Nota-se a intencionalidade do autor em defender as ideias de
regionalismo e integração nacional. Neste trecho, todavia, o poeta místico aflora
a todo o momento no discurso de Álvaro Maia, ao passo que tece duras críticas
às facções políticas nacionais e regionais e faz uma defesa pessoal de sua
atuação política; ele se vale de uma linguagem poética para demonstrar sua
necessidade de intervenção na vida pública.
Sendo o Brasil um Estado novo em construção, São Paulo, segundo
Álvaro Maia, possuía uma posição de destaque não apenas pela sua relevância
econômica, mas pela relevância política. Segundo o autor a Amazônia já
despontava como uma região desenvolvida nos ramos administrativos como por
representar para as regiões menores uma referência de liberalismo político. A
América Latina foi fortemente influenciada pelos ideais do liberalismo, a elite
intelectual assumiu a missão de pôr em prática as ideias vindas da Europa ao

10
Maia Op. cit. p. 2.

61
defender a modernização política e a nacionalização. O Brasil durante este
período, não possuía uma sociedade liberal mas, ao contrário, parental, clânica
e autoritária (IANNI, 1992).
Álvaro Maia não via um caminho natural pelo qual a sociedade brasileira
pudesse progredir sozinha do estágio em que se encontra até tornar-se liberal.
Ele só identificava em São Paulo uma sociedade política e civil preparada para
pôr em prática um projeto liberal para toda a nação.

[...] São Paulo serve de modelo não para os estados, mas a


própria nação, em todos os ramos administrativos, nos processo
politicos, na liberdade à impressa na formação de uma admiravel
litteratura exclusivamente brasileira, no respeito às bancadas
das circumscripções menores, dando exemplos de cultura e
liberalismo11.

O projeto liberal falha no Brasil em virtude do excesso de corrupção por


parte das elites detentoras do poder. Neste sentido, é possível identificar a partir
deste contexto o problema das relações entre o Governo Federal e os estados e
municípios, onde a partir da Constituição de 1891, buscou-se resolver essa
questão através da descentralização política em favor de uma determinada elite
local e em detrimento dos "interesses nacionais".
Neste sentido Ianni (1992), os intelectuais durante este período
assimilavam as ideias de acordo com seus desejos e projetos. A ambiguidade
de Álvaro Maia se revela justamente no fato de que era pertencente a este grupo,
defensor de ideias que explicavam o “porque” do atraso da nação, acreditava ao
mesmo tempo em profundas reformas nas instituições sociais, visto que até este
momento o Estado nacional garantia a continuidade do conservantismo e de
estruturas sociais ligadas a uma herança colonial lusitana. Todavia, apesar de
defensor destas ideias, Álvaro Maia pertencia a uma elite que propunha as
mudanças necessárias para que o Estado nacional se modernizasse, sem
contudo alterar as tradicionais posições políticas.
Segundo Ortiz (1992), o processo de readaptação das ideias
“importadas” passava por um processo duplo: em primeiro lugar escolher dentre
as teorias disponíveis as mais interessantes aos seus objetos, e em segundo
lugar considerar dentro destas interpretações o que se encaixaria na

11
MAIA Op. cit. p. 22.

62
problemática nacional. Assim, adaptavam as teorias de acordo com as suas
ideologias e seus interesses (econômicos e políticos) no espaço social mais
abrangente. Neste sentido, é possível compreender o pensamento alvareano
sendo um reflexo de um processo, que após a Primeira Guerra vê surgir um
conjunto de intelectuais com ideais nacionalistas e propostas de
desenvolvimento de suas regiões e do país.
Isso faz parte de um processo no qual um grupo de intelectuais, que
elaborou um rearranjo dos sistemas de pensamento europeu e norte-americano.
Como o Brasil estava em fase construção da interpretação da identidade
nacional, os intelectuais modernistas que faziam parte da comunidade tradicional
brasileira, onde podemos situar o próprio Álvaro Maia, necessitando de novos
argumentos intelectuais buscavam aqueles que reforçassem suas posições, isto
é, eles assimilaram as ideias e as adequaram ao contexto da realidade brasileira,
justificando assim suas posições.

É como se o pensamento e o pensado se encontrassem mais


transparentes. Mais uma vez, procura-se reduzir o hiato entre as
sugestões do pensamento universal e os temas da realidade
nacional. Intelectuais formados no espírito europeu, no outro
lado do mar-oceano, mas sensíveis aos desafios do presente e
aos enigmas do passado, passam a explicar como se compõe e
decompõe o Brasil como nação (IANNI, 1992, p. 28).

No trecho: “ao estadista de amplo descortino que despertou a alma


unanime do paíz nesta phase de reconstrucção,-ha-de caber o milagre de abrir
a um simples gesto, as portas ainda trancadas, do Paraiso Verde”12. Álvaro Maia
propõe ao presidente Washington Luís uma ênfase maior no projeto de
centralização do Governo Central no sentido de garantir uma maior participação
do Amazonas no cenário nacional, numa linguagem literária ele se refere ao
estado como um Paraíso Verde, paraíso que estaria adormecido e que ao ser
acordado ascenderia em grandes realizações nacionalmente e mundialmente.
A história do pensamento brasileiro no início do século XX pode ser
encarada como um esforço persistente e reiterado de criar uma compreensão e
impulsionar as condições da modernização do Estado nacional. Esse esforço da
elite pensante ocorreu por dois motivos, o primeiro consistia no fato de que essa
elite pretendia fazer com que a sociedade e o Estado e todas as suas instituições

12
MAIA Op. cit. p. 24.

63
sociais se aproximem dos padrões estabelecidos pelos países desenvolvidos. E
o segundo consistia em criar no pensamento brasileiro um processo de
identificação, valorização ou exorcismo das peculiaridades da formação social
brasileira tais como, os séculos de escravismo, a diversidade racial, a
mestiçagem, o trópico, o lusitanismo, o europeísmo, etc.
Contudo o autor observa que tais esforços não se davam sempre na
mesma direção, pois alguns teóricos focavam essas ideias de modernização em
uma direção democrática, outros difundiam as ideias de modernização em
termos mais conservadores, dentre os quais podemos destacar o próprio Álvaro
Maia, visto que na medida em que pertencia à elite dominante do Amazonas,
defendia uma modernização que não alterasse profundamente a ordem social
vigente, já outros pensadores focam em termos mais autoritários.
Nos anos de 1930, a ideia central que norteava as obras dos autores
brasileiros era o papel da elite pensante no processo de mudança social, esse
ideário ligado ao pensamento político do Estado Novo, onde caberia às elites a
função de reconstrução nacional, pois cumpririam a tarefa de solucionar uma
dicotomia entre o Brasil real e o Brasil legal, pois detinham, acima de tudo, um
saber socialmente valorizado, visto que os intelectuais brasileiros da década de
1930 reivindicavam uma ciência do social. Esta era, sem dúvida, uma estratégia
para se fazer ouvir pelos detentores do poder na medida em que só acreditavam
em uma administração fundamentada na ciência dos homens e da natureza.
Assim, o conhecimento das condições reais do Brasil evitaria o uso de
“diagnósticos pré-estabelecidos”, ideias “vindas de fora”, pois essas ideias
importadas falseariam a realidade, daí a necessidade de retorno as raízes. Neste
contexto, os intelectuais seriam os únicos capazes de perceber de modo direto
as aspirações do povo brasileiro (BASTOS, 2007).
Assim, a necessidade de se estudar a gênese do pensamento social no
Brasil e na Amazônia, por meio de uma releitura das obras e discursos de
autores como Álvaro Maia, se dá no sentido de se obter o esclarecimento do
próprio pensamento social atual. Torna-se, portanto, importante resgatar as
discussões em torno da compreensão dos processos e das estruturas que
articularam a região amazônica com o restante do Brasil, e com o mundo.
Segundo Freitas Pinto (2007), para tal propósito era necessário apreender o
Pensamento Social em suas diferentes formas, tanto as sistematizadas pelas

64
Ciências Sociais como nas inquietações intelectuais de homens públicos,
ensaístas, cronistas, políticos, entre outros.
Embora haja diferentes posições entre os intelectuais, um aspecto comum
em relação à intelectualidade brasileira está relacionado à questão dos
impasses, busca de soluções para o chamado atraso nacional e às
desigualdades que marcam sua heterogeneidade espacial e sociocultural. Deste
modo, a articulação entre elementos tradicionais e modernos, símbolos do
progresso ou do retrocesso da sociedade brasileira, são temas recorrentes no
pensamento de vários estudiosos da nação.
Neste contexto, Renan Freitas Pinto (2008) destaca que a Amazônia tem
aparecido como território de excelência deste universo de “contrastes e
confrontos”, pois sempre esteve no interior dos principais movimentos pela
implantação do projeto de Estado-Nação. No entanto, sua inserção também foi
marcada pela insatisfação incompleta e tangencial devido às peculiaridades
desta região, o que despertou o interesse de um grande número de autores que
contribuíram para a formação de um pensamento sobre o homem amazônico e
a sua relação com a natureza, dando, assim, as bases para a formação de um
pensamento social na Amazônia, que estuda os modos como os homens
enfrentaram os problemas, os desafios e as questões que moldaram as
instituições, as representações, a cultura, os valores e o modo de vida peculiar
na Amazônia.
A principal preocupação da intelligentsia13 amazônica consistia em
elaborar um pensamento social que contribuísse para a inserção da Amazônia
no cenário nacional, no sentido de garantir um desenvolvimento até então não
alcançado devido às distâncias geográficas, naturalmente impostas ao povo
amazônida, onde todavia o autor via como empecilho devido à falta de unificação
e políticas centralizadoras comuns a um moderno estado-nação. Por este

13 Segundo Mannheim (1968), os intelectuais que tenham a missão de produzir pensamentos


síntese de épocas e preocupações sociais devem pensados também em termos de uma nova
ordem e, portanto, não só avaliá-la mas sugerir, propor mudanças. Neste sentido, podemos
pensar a ambiguidade de Álvaro Maia enquanto membro oriundo de grupos dominantes da
economia extrativista e intelectual que se revelou com tendências varguistas ao criticar o
abandono da Amazônia interiorana no ambiente da produção literária, e que produz o processo
de formação do perfil de independência política pelo caminho da imprensa e da literatura,
alcançando o reconhecimento político pela legitimação no não político entre os circuitos do poder
central.

65
motivo, o atraso da região era acentuado pelas distâncias políticas, econômicas
e sociais pois, segundo o argumento de Álvaro Maia:

Quanto ao Amazonas, que vê v. exc. em confronto aos seus


irmãos na Republica? o povo é, talvez, o mesmo, embora sobre
differentes, segregado nestes confins da patria, sem ideas
corruptoras, que, em alguns Estados, dessoram os sentimentos
de unidade, fatalmente necessario às raças em juventude14.

Para Álvaro Maia, o Brasil sofria com uma regionalização que era
acentuada pelas práticas corruptas de um determinado grupo que dominava as
esferas do poder e apenas reproduzia políticas que privilegiavam os interesses
próprios em detrimento da coletividade. Segundo Ricupero (2008), a política
brasileira reproduzia um comportamento colonial que se refletia em um excesso
de corrupção nas instituições públicas, causando um desnivelamento no
processo de modernização das regiões, onde alguns estados, em especial no
sudeste já experimentavam o progresso fruto da implementação de políticas
sociais liberais, enquanto que outros dentre os quais o Amazonas ainda
reivindicava sua participação.
Para o autor, a maior reinvindicação da elite pensante dessas regiões
esquecidas estava pautada no processo de unificação do Brasil, pois segundo
esse grupo graças ao sentimento de provincialismo que ainda dominava o Brasil
que ocorria o excesso de sentimentos mesquinhos por parte de principalmente
os grupos dominantes. Todavia, o estímulo ao patriotismo contribuiria para o
desaparecimento do egoísmo, de maneira que surgissem cidadãos virtuosos,
seus representantes assumiriam uma postura que visasse o bem-estar da
coletividade.
Segundo Álvaro Maia o caso do Acre é uma demonstração de que o
estado do Amazonas, já partilhava desse sentimento de patriotismo tão
importante para a construção do Estado-nação: “O Amazonas guerreou e
venceu uma nação, para depois entregar o pomo conquistado - o Acre ao
governo federal”15. É interessante salientar a questão do Acre se configura como
mais um exemplo dos processos de desigualdades sociais, econômicas e
políticas, nos quais o Amazonas sofreu durante este período. Para Álvaro Maia,

14
Maia Op. cit. p. 10.
15
Maia Op. cit. p. 10.

66
a resolução da questão do Acre deixou o estado preterido, visto que perdera
grande parte de suas rendas que eram de lá provenientes ao enviar e escoar
sua produção de borracha para o Amazonas. No processo de transformação do
Acre em estado brasileiro, o Amazonas contribuiu decisivamente com o envio de
armas, alimentos e dinheiro; todavia, a recompensa pela ajuda recebida foi
considerada lesiva aos amazonenses. Neste sentido, o posicionamento de
Álvaro Maia diante desta questão não deixa de refletir sua intencionalidade em
demonstrar a autodefesa na inserção nos estamentos do poder, visto que neste
período ele ainda não era um político profissional.
Neste discurso, o poeta procura além de defender a inserção do
Amazonas no projeto nacional, descontruir a ideia de atraso da região, afirmando
que uma efetiva política de desenvolvimento levará o Amazonas ao tão sonhado
progresso no qual outros estados, tais como São Paulo já experimentavam a
muitas décadas, visto que já conseguiam se adequar à lógica europeia e norte-
americana de desenvolvimento. No trecho em que Álvaro Maia rebate as críticas
publicadas trinta anos antes no Jornal do Commercio de São Paulo por Eduardo
Prado intitulada “O Perigo Amazônico”:

A Amazonia é um paiz de exportação. Não há possibilidade de


haver alli industrias tão cedo. Economicamente, a sua união com
o Brasil só lhe serve para tornar ali a vida carissima, para os
direitos de importação. No dia que forem supprimidas as
alfandegas do Pará e de Manaós, vida dos paraenses e
amazonenses será mãos folgada e cômoda.
A orgia republicano-financeira do Rio depreciou e envileceu a
moeda em nosso paiz, reduzindo de dois terços a fortuna
publica. O Pará e o Amazonas têm uma exportação muito mais
que sufficiente para garantir-lhes o cambio ao par, se elles
vierem a ter uma moeda propria...
...Como todos os brasileiros (paraenses e amazonenses) sofrem
os males do nosso pessimo regimen politico, isto creou-lhes um
estado d’alma que, certamente, não os predispõe a uma
exagerada fidelidade para o pouco estimavel governo, cuja
existência no Rio de Janeiro eles apenas sabem pelo sangue,
por sua ordem derramada nas disposições de governadores e
pelos pesadissimos e absurdos direitos de importação16

Segundo Ianni (1992), a formação econômica brasileira se caracterizou


por ciclos de desenvolvimentos desiguais e combinados, ou seja, os ciclos
econômicos: pau-brasil, açúcar, especiarias, gado, ouro, café, borracha, cacau,

16
MAIA Op. cit. p 21-22.

67
etc.; sempre se apresentaram em combinação com outros processos sociais tais
como: povoamento, expansão de fronteiras, extrativismo, industrialização, entre
outros, que geravam as mais diversas e contraditórias formas de vida e trabalho.
Neste sentido, o autor via a História Brasileira durante o século XX por um misto
de progresso graças ao capitalismo, industrial e urbano, sendo confrontado por
vários momentos de atraso.
Neste sentido, Álvaro Maia como um representante de um grupo de
pensadores que buscava a valorização do Amazonas, através de uma produção
intelectual e política que lutava para descontruir a ideia de que o atraso da região
devido a suas condições físicas era empecilho para o seu progresso e sua
unificação com o resto do país.
A maior preocupação de Álvaro Maia neste discurso consistia em
acelerar o processo de modernização na região amazônica, visto que o Brasil
passava por um processo de modernização, onde algumas regiões se
desenvolviam e se diversificavam, como ele percebia ao mencionar a situação
de São Paulo como, um exemplo, de uma profunda transformação social em
curso, enquanto que, ao mesmo tempo, outras regiões dentre as quais o
Amazonas estava inserido, preservava e recriava marcas do passado. Assim, a
formação da sociedade amazonense, observava o poeta, era marcada por
anacronismos, exotismos, ecletismos, e formas de organização da vida e do
trabalho que transformavam a principal fonte de riqueza da região: a borracha,
em um sistema que ao invés de servir o processo de desenvolvimento da
Amazônia, em apenas uma fonte de riqueza de um determinado grupo em
detrimento do esforço e da pobreza de muitos.
Ainda neste trecho é possível perceber que a ideia de desenvolvimento
está ligada a ideia de modernidade, onde as regiões amazônicas eram
consideradas atrasadas, pois não acompanhavam o ritmo das modernas
civilizações europeias. Neste sentido, partindo de uma ótica de um darwinismo
social as sociedades europeias, já evoluídas pressionariam as regiões menos
desenvolvidas a se adequarem a esses padrões de modernidade e
desenvolvimento.
Através da história é possível perceber que um dos maiores empecilhos
à construção de um ideário original para o desenvolvimento do Brasil, ajustado
ao seu perfil ecológico e cultural foi o fenômeno das “ideias fora do lugar”.

68
Segundo Schwarz (2000), no Brasil as ideias eram formadas sempre de fora
para dentro. Sua explicação para esse deslocamento se dá no próprio âmbito da
história, pois as ideias que interpretavam o Brasil como nação eram fruto das
relações de produção e do parasitismo do país, da dependência econômica, da
hegemonia intelectual da Europa, revolucionada pelo Capital.
Neste sentido, o poeta com ares messiânicos construía um discurso no
qual representava o papel de ser a única resposta viável para encarnar as
mudanças de que o estado necessitava, ou seja, a proposta de desenvolvimento
da região estava intimamente ligada à sua inserção no cenário político local. Ele,
por sua vez, via a política como uma “missão” que lhe foi incumbida pela
sociedade amazonense e que deveria cumpri-la com o maior afinco possível.

Sempre de branco, alegre continuamente, cabelos fartos e poeta


(ou místico?) na maneira de servir-se da cátedra para influenciar,
ele se tornaria nosso ídolo, elemento a um só tempo perigoso e
aceito como líder, se houvesse condições e oportunidade. E, no
entanto as condições e oportunidades surgiram mas ele era
avesso, sempre fora, à violência e não se prestaria a insuflá-la,
aceitando o respaldo da política de 1930. E foi a política que o
desviou da religião a que se votara o moço idealista, o teórico da
célebre Canção de Fé e Esperança (MONTEIRO, 1996, p. 162).

A principal crítica em relação ao desenvolvimento da região estava


pautada nas ideias de uma criminalização desse estado social, pois desde a obra
euclidiana construíra-se uma ideia de que na região amazônica representava o
oposto das outras modernas e industrializadas regiões brasileiras. Neste sentido,
a região amazônica representava o lado contraditório deste processo de
desenvolvimento, onde haveria uma sociedade primitiva, vivendo em nível de
subsistência, rural, em um profundo atraso urbano, com padrões de pobreza e
ignorância comparáveis aos povos afro-asiáticos. Para Octávio Ianni (1992),
esse cenário revela a existência de dois “brasis”, todavia apesar da literatura
social deste período identificá-los como dois grupos distintos, estão ligados por
relações processos e estruturas que os reiteram como grupos de regiões
distintas, ou seja, esse processo de distinção entre “excluídos” e “participantes”
é estabelecido e imposto pela parcela dos “participantes”.
No trecho a seguir Álvaro Maia busca descontruir essa ideia de atraso
definida por dois brasis: “Um homem, penetra a selva, investe-a, subjuga-a,

69
rasga o primeiro caminho, o primeiro arremeso virginal de civilisação”17. Na
revista Redempção (1924), o poeta justificando a ideia de que o homem que
desbravar o Amazonas não poderia sucumbir ao fracasso, pois não é um cárcere
que prende todo aquele que pretende adentrá-lo. No entanto, por se tratar de um
lugar onde vivia um povo simples, tornou-se terreno fácil para aqueles que
chegavam para “desbravá-la” na intenção de dominar, defraudando a moral
deste povo. Todavia, a própria condição do solo que anteriormente seduziu os
tarados é que vai fulminá-los.
Para Álvaro Maia, é impossível conceber a ideia de que o Amazonas
levaria à morte todo aquele que tentasse desbravá-lo, pois, fazendo uma alusão
ao seringueiro, o homem que penetra a selva, derrubando-a para construir os
primeiros sinais de civilização, consegue, apesar de estar em pleno estado de
solidão, modificar a paisagem, demonstrando um esboço da vitória do homem
sobre a natureza.
Neste sentido, ele desenvolve a ideia de paraíso verde, na qual a
atividade solitária do seringueiro que se aventura na selva amazônica, encontra-
se um traço embrionário da nacionalização do Brasil. Para Álvaro Maia, é
justamente este pequeno gesto de homens simples que levarão o progresso aos
lugares mais ermos do Brasil:

São os surto embyionarios, tornados em realidade prática, de


um progresso firme, phase ainda vacilante do paraiso verde,
onde as Amazonas celebravam os estos da vida nos recontros
sangrentos18

É interessante salientar que as ideias defendidas por Álvaro Maia


durante seus discursos reflete o ideário de uma intelligentsia, que se formava
neste período, ao mesmo tempo em que justifica uma atuação política, visto que
se tratava de uma missão da qual ele, assim como outros intelectuais deveriam
o fazer.
Neste sentido, apesar do discurso “Em nome dos Amazônidas” ficar
preso a uma linguagem literária, utiliza-se também de uma retórica política. Daí
o começo das críticas de Álvaro Maia com relação à situação política do estado

17
MAIA Op. cit. p. 7.
18
MAIA. Op. p. 7-8.

70
e do país, pois, para ele, o projeto republicano naquele momento não garantia a
nacionalidade do país: “[...] Adstricta a essas normas de liberdade intransigente,
adstricta ao nacionalismo sadio, a nossa pátria não inspira respeito pelo seu
presente, que se esboça ainda em falsas projecções”19. Neste sentido, ele vê
com preocupação o futuro do país; esse trecho revela o temor do poeta de que
esse projeto político possa comprometer definitivamente a nação brasileira.
Ianni (1992) afirma que a maior contradição em relação ao projeto de
modernização do Brasil ocorre no fato de que a nação parece neste período
desconjuntada, pois a formação social capitalista resultante dos “ciclos” gerou
um processo de desenvolvimento desigual entre as regiões, desenvolvimento
este que se tornou o principal empecilho para a elevação do nosso Estado-
Nação para outro patamar.
Neste sentido, é possível compreender que o principal entrave em
relação ao desenvolvimento do Amazonas deu-se em virtude do fato de que após
o ciclo da borracha, o estado não avançou na superação das desigualdades,
contradições sociais, econômicas, políticas e culturais, diminuindo assim as
barreiras entre regiões e nação e neste sentido Álvaro Maia levanta uma das
suas principais bandeiras políticas, o atraso econômico e social do Amazonas
se deu em virtude da pouca exploração do potencial da maior força trabalhadora
amazonense: o seringueiro, pois na medida em que esse potencial é explorado
ao máximo não haveria um desenvolvimento do campo, mas os centros urbanos
se desenvolveriam e assim se concluiria essa etapa da modernização.
Assim, torna-se profícua uma breve discussão sobre a importância da
ideia de desenvolvimento para o itinerário de ideias dos discursos de Álvaro
Maia, no sentido de compreender seu posicionamento em relação ao projeto
político-científico de modernização do Brasil e sua auto-defesa como um dos
agentes capazes de transformar tais ideias em práticas políticas, econômicas e
sociais.
Durante o século XIX a ideia de desenvolvimento estava ligada a uma
conotação evolucionista de etapas de crescimento econômico, onde a
industrialização estava ligada a evolução tecnológica. Em meados do século XX,

19
Idem, p. 9.

71
o termo desenvolvimento foi assimilado pelo discurso político, transformando o
desenvolvimento em sinônimo de modernização dos Estados.
Álvaro Maia fazia parte de um grupo de intelectuais como Sérgio
Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Celso Furtado, entre outros, que adequava
a ideia de desenvolvimento a ideia de progresso. Assim uma região desenvolvida
seria aquela que conquistaria o conforto material e espiritual, isto é, o
aperfeiçoamento do homem e de seu bem-estar (CANDEAS, 2010). Neste
sentido, o poeta adequa a ideia de desenvolvimento a sua ética política, na qual
o líder messiânico seria o mais apto a conduzir o Amazonas para o progresso.
Para ele o estado já apresentava as condições ambientais para o
desenvolvimento, todavia esse processo emperra na incapacidade e egoísmo de
seus gestores.
Assim, o poeta afirma:

Refeito de uma visita encaminhava os passos para outra


manifestação de progresso, onde as colmeias operarias
labutam, lembrando a intensidade das populosas cidades
européas. No Amazonas, encontra as primeiras tentativas de
fabricas, representando herculeo esforço de seus construtores,
que as edificaram as próprias custas, sem bafejos
protecionistas, em lucta aberta, muitas vezes, contra a
voracidade de impostos sobre a indústria em sonho20.

O poeta assim como os outros intelectuais deste período criticavam os


equilíbrios regionais e sociais oriundos de um processo de industrialização sem
planejamento adequado. Para Maia, era necessário uma série de programas
políticos voltados para o seringueiro, o caucheiro e o balateiro. Desta forma, o
autor acreditava ser possível minimizar as distâncias entre os dois Brasis, o rico
e o pobre.
Para o príncipe dos poetas era necessário descontruir a ideia de que o
Amazonas era desprovido de qualquer conhecimento útil para o
desenvolvimento e neste sentido, ele defendia que apesar da pecha
preconceituosa em relação ao desenvolvimento político-econômico e social, as
técnicas voltadas para o processo de industrialização no estado davam frutos
incipientes, porém frutos que demostravam o quanto o Amazonas tinha
condições de chegar à modernização necessária, e assim alcançar os padrões

20
MAIA. Op. cit. p.12.

72
estabelecidos pelos países capitalistas mais desenvolvidos, pois, graças às
falhas institucionais e a dificuldade em efetivar o projeto de nacionalização, o
desenvolvimento do Amazonas estava atrasado em relação a outras regiões.

Já no campo institucional, vale mencionar a desorganização e a


ineficiência político-administrativa causadas por corrupção,
autoritarismo, carência de quadros, insegurança jurídica,
fragilidade do Estado, deficiências legais, dificuldade de
absorção de novas tecnologias e outras adversidades
(CANDEAS, 2010, p. 34).

Maia construía sua ideia de desenvolvimento adequando as condições


locais e defendendo que o atraso econômico estava pautado na falta de políticas
públicas, visto que o próprio sistema político local era mergulhado por corrupções
e descaso. Sua visão de desenvolvimento estava ligada ao emprego correto de
modelos e alternativas voltados para a realidade amazônica. Assim, a borracha
se tornou uma de suas principais defesas políticas que posteriormente, ao se
tornar um político profissional, tornou-a um dos centros do seu foco de atuação
política, vendo na borracha uma possibilidade de integrar a região ao resto do
Brasil.
Segundo Ianni (1992), no final do século XIX o Brasil tenta efetivamente
se modernizar. Aboliu a escravatura e a Monarquia e adota a República e o
trabalho livre, cria uma Constituição pautada nas doutrinas do liberalismo e
assim constitui relações comerciais externas, em especial com a Inglaterra,
fundadas no liberalismo econômico; internamente, predominava o patriarcalismo
da casa-grande e do sobrado, do seringalista e do seringueiro, entre outros e
assim criou-se uma República simultaneamente Liberal e Patrimonial. Neste
sentido, havia um reordenamento entre sociedade e poder estatal. Todavia
essas mudanças não alteravam profundamente a ordem estrutural vigente e
neste contexto surge um grupo de pensadores que buscavam compreender o
trabalho livre e a república, mas fortemente marcados por uma sociedade de
castas, herança dos séculos anteriores.
Dentre o grupo de pensadores sobre a Amazônia deste período
podemos destacar Euclides da Cunha como um dos principais influenciadores
da formação do pensamento social amazônico, mesmo que não de forma
institucionalizada. Todavia, para entender a importância deste autor para a
formação do pensamento social e o itinerário de Álvaro Maia é necessário fazer

73
um breve resgate do pensamento euclidiano. Para Schwarz (2000), a maioria
das ideias que pautaram o pensamento social são frutos de importações e não
de experiências vividas localmente. Assim, essa assimilação de ideias
estrangeiras de forma acrítica gerou um caráter postiço, inautêntico e imitativo
da vida cultural. Da mesma forma, Candeas (2010) afirma que a apropriação
instrumental do pensamento externo servia principalmente para fins políticos.
Segundo Pontes (2005), Euclides apreende um conjunto de ideias, entre
as quais o evolucionismo social, como resultado de um processo de “ideologia
do colonialismo”, ou seja, um processo de apreensão de um ideário que
legitimaria a exploração colonial (conceitos sobre clima, raça e civilização).
Euclides era um representante de uma intelligentsia que estava preocupada em
desenvolver a região amazônica e integrá-la ao estado-nação.
Assim, Euclides acreditava que a Amazônia era uma terra inacabada, o
último capítulo do Gêneses, no qual o homem não teria chegado na hora
apropriada e se defrontou com um clima inóspito e hostil à presença do homem,
leitos de rios ainda em formação, mostram um Amazonas despreparado para o
convívio humano:

O aclimado surge de um binário de forças morais que vão, de


um lado, dos elementos mais sensíveis, térmicos ou
higrométricos, ou barométricos, às mais subjetivas impressões
oriundas dos aspectos da paisagem; e de outro, da resistência
vital da célula ou do tônus muscular, às energias mais
complexas e refinadas do caráter. Durante os primeiros tempos,
antes que a transmissão hereditária das qualidades de
resistência, adquiridas, garanta a integridade individual com a
própria adaptação da raça, a letalidade inevitável, e até
necessária, apenas denuncia os efeitos de um processo
seletivo. Toda a aclimação é desse modo um plebiscito
permanente em que o estrangeiro se elege para a vida. Nos
trópicos, é natural que o escrutínio biológico tenha um caráter
gravíssimo. (PONTES, 2005, p.151-152)

O perigo desta afirmação pairava justamente no fato de que não passava


por um processo mínimo de adaptação com a realidade local (CANDEAS, 2010).
As adoções destas teorias levavam à conclusão sobre a relativa inviabilidade da
região amazônica ao processo civilizatório em comparação aos padrões
europeus.
A importância do pensamento euclidiano é relevante para compreender
a relação com as ideias de Álvaro Maia em relação ao desenvolvimento da

74
Amazônia. As teses euclidianas sobre o espaço amazônico apareciam como
reflexo de um processo de aceitação acrítica das teses evolucionistas (PONTES,
2005). Todavia, esse processo vai se enfraquecendo quando o autor se defronta
com a realidade local.
Euclides, assim como Álvaro Maia, faz uma defesa de personagens que
representam o ideal de nação, sendo contudo esquecidos: o seringueiro, o
caucheiro e o balateiro. Euclides ao abordar a figura do seringueiro faz uma
análise crítica sobre a própria integração da Amazônia ao resto do Brasil. Para
o autor, o seringueiro e o caboclo viviam durante este período sem um mínimo
laço com o resto do país, levando-o a propor formas de desenvolvimento que
estimulasse esse processo de integração. Álvaro Maia em seu discurso “Em
Nome dos Amazônidas” não apresenta o homem amazônico como indolente ou
fraco, ao contrário, representa-o através da figura do seringueiro, como o
verdadeiro desbravador e, por conseguinte, o principal representante do projeto
nacionalista:

Increpal-o por indolente? Dizer que lhe faltam características de


lucta? Não. O homem no El-Dourado, é uma sentinella avançada
da nacionalidade: o seringueiro fulge no resplendor bronzeo de
um indomavel Paes Leme, de um titânico soldado das selvas: a
um só “mateiro”, descobrindo cauchaes e contornando
nascentes de rios, com os olhos no sól e nas estrellas, deve mais
o Amazonas do que a muitos governos pesados e reunidos21.

A obra e os discursos alvareanos procuram identificar um Amazonas


esquecido. Em um primeiro momento, enquanto ainda não era um político
profissional buscava apenas reconhecê-lo em sua obra literária e ao pronunciar
seus discursos. Contudo, ao adentrar no campo político profissional após a
década de 1930, Álvaro Maia encarna o papel do político messiânico como uma
estratégia para demonstrar sua capacidade de encabeçar o processo de
mudança necessário para integração do Amazonas ao resto do Brasil e assim
modernizá-lo.
Maia era um defensor das ideias euclidianas no que tange à defesa do
seringueiro, por ser o agente mais apto a encarnar o projeto de desenvolvimento
da Amazônia e por este motivo deve ser exaltado e defendido, visto que o
seringueiro era considerado um dos principais participantes do projeto de

21
MAIA. Op. cit. p. 14-15.

75
nacionalização. Neste sentido, Álvaro Maia, ao se tornar um político profissional
após 1930, buscou embasar suas ações políticas pautando-se nestas ideias.
Entretanto tais ideias não ficam penas no plano teórico, Maia criou várias ações
para a valorização do preço da borracha. Assim, ele conciliava o carisma criado
junto à grande população e os setores econômicos dominantes.
O tom de denúncia social no qual Euclides da Cunha aborda a situação
do seringueiro, em especial na sua obra Judas Asvero, no qual faz uma
comparação entre o seringueiro e sua condição de trabalho com o mito de
Asvero que foi condenado a ser um errante até o final dos tempos (PONTES,
2005). Álvaro Maia ao pronunciar: “Cada gotta de suor, perdida na abertura de
uma “estrada”, ou no incensorio dos defumadores, deve ser tão sagrada como
uma palavra de oração”22. O labor penoso do seringueiro é descrito por Álvaro
Maia como um trabalho que não recebe nenhuma recompensa, e ao descrever
tal esforço o poeta lança mão de uma conotação religiosa para reforçar seu
discurso de valorização, comparando essa atividade com os ritos sagrados do
cristianismo. Não devemos esquecer que o poeta místico não estava presente
apenas na produção literária de Álvaro Maia, mas era claramente identificado na
retórica de seus discursos (RAMOS, 2010).
Em Judas Asvero o seringueiro é retratado como um ser consciente de
seu drama, e esse drama não é produto de ordem metafísica. Assim, o texto
euclidiano reflete que o seringueiro ciente de seu árduo trabalho, as doenças, as
duras condições de trabalhos, as dívidas junto ao dono do seringal que tornam
seu retorno a terra natal impossível e a solidão do seringal; no dia desta festa
sua prática religiosa revela uma espécie de vingança à sua própria condição.
O seringueiro teria incutido uma espécie de resistência ao seu drama;
ao fazer uma digressão ao pensamento alvareano observamos que a conotação
religiosa com a qual se refere ao seringueiro em muito se liga a um tom crítico
às condições nas quais este representante da principal fonte de renda do estado
do Amazonas estava submetido. A contradição acentua ainda mais o tom crítico
com relação a condição da política do período, onde se vivia pautado em leis
inspiradas nas doutrinas liberais da democracia e do trabalho livre. Entretanto,
ao analisar a situação do seringueiro em condições quase escravas é possível

22
MAIA. Op. cit. p. 15.

76
observar o tom de semelhança entre a crítica social de Álvaro Maia em seus
discursos e obras literárias e a de Euclides da Cunha na obra “A Margem da
História”, que refletem os posicionamentos desses autores em relação a própria
inserção do Amazonas na corrida do capitalismo:

[...] a sina do seringueiro não deriva simplesmente de seu


isolamento no interior da floresta. É consequência de uma
cadeia mais ampla de fenômenos, sobretudo do avanço do
capitalismo sobre a periferia e do sistema de organização do
trabalho que prevalece na Amazônia (PONTES, 2005, p. 101)

Diante deste contexto, o discurso “Em Nome dos Amazônidas” reflete o


posicionamento de Álvaro Maia diante do abandono do poder público e ao
mesmo tempo ligado ao própria situação do Amazonas no processo de sua
inserção na história de expansão do sistema capitalista.

1.5. A Interventoria do Príncipe dos Poetas

A partir de 1937, o Brasil instaura um governo autoritário que tem por


peculiaridade a cooptação dos intelectuais para o seu regime. A Carta
Constitucional de 1937 permitia que o presidente governasse a partir de
decretos-leis, criou uma política centralizadora e através do apoio dos setores
políticos e militares que garantia a permanência de Vargas no poder. De 1934 a
1937, o cenário político brasileiro passou por profundas transformações que
liquidavam a democracia liberal, levando o país para um estado de autoritarismo
e perda de liberdades individuais (FAUSTO,1997).
Assim, como medida preventiva, Getúlio Vargas decretou em 1937 o
Estado Novo, pautando-se no argumento de que o regime constitucional vigente
‘perdera seu valor prático’, provocando assim um Estado que se encontrava em
total desordem e irresponsabilidade. As Assembleias Legislativas, a Câmara dos
Deputados e o Congresso Nacional foram dissolvidos e assim ampliou seu poder
político como chefe do Executivo. Também fechou todos os partidos e
organizações civis.
A política dos interventores se inicia em 1930 quando Getúlio Vargas
assume o poder e nomeia pessoas de sua confiança demonstrando a inclinação
centralizadora do governo de Vargas e esses interventores passam a ser

77
escolhidos a partir de uma escolha que obedecia a diferentes critérios. Contudo,
de modo geral a escolha dos interventores nos maiores estados brasileiros, deu-
se a partir da escolha de algum setor da oligarquia regional. Neste diapasão, os
interventores que governavam sob um decreto-lei, ficaram sob a tutela de um
Departamento Administrativo, em 1939, no qual dependia a autorização de todos
os seus decretos-leis e orçamentos. Segundo Eloína Santos (1996), o governo
central nomeava indivíduos, que pertencentes a estes estados, se identificavam
com as perspectivas dos grupos dominantes; no entanto se encontravam em
uma posição marginal com relação à influência dentro dos partidos.
Em 1930, Álvaro Maia assume pela primeira vez o cargo de Interventor
Federal sendo indicado pelo Tenente-Coronel Floriano Machado que estava à
frente do governo militar no estado, Maia exerceu o cargo até meados de 1932
em face de uma crise econômica devida a queda do preço da borracha e o
incidente da dissolução do Tribunal de Justiça do Amazonas (RAMOS, 2010).
Em 1935 foi escolhido pela Assembleia Estadual para o cargo de Senador e logo
após, foi eleito de forma indireta para o cargo de Governador. Todavia, com o
golpe político do Estado Novo em 1937, foi nomeado pela segunda vez para o
cargo de Interventor, mantendo-se no cargo até 1945 com a queda de Getúlio
Vargas.
No Brasil, durante este período, em virtude da sua estrutura patriarcal,
autoritária e sua própria condição de país periférico com um enorme contingente
de analfabetos, transformou a prática da representação onde os intelectuais
tomavam para si o papel de guia, ocorrendo assim um processo de interferências
entre o campo intelectual e o campo político. O realismo deste período deu-se
em virtude da crença que os intelectuais tinham de que a onipotência das ideias
era corroborada pela crença em concretizá-las, associado ao fato de que a partir
do regime de 1930 os intelectuais passaram a ser reconhecidos como os
responsáveis pela “redescoberta do Brasil” e sua atuação estava intimamente
ligada a construção científica da identidade brasileira (PÉCAUT, 1990), ou seja,
para o regime de Vargas os intelectuais eram necessários para fazer a teoria da
realidade nacional, ao passo que tomavam parte do desenvolvimento da
propaganda nacionalista.
Assim, os pensadores deste período estiveram empenhados em definir
como a cultura brasileira influiria de forma ativa ou não na elaboração das novas

78
representações do político. Assim, não haveria espaço para a arbitrariedade dos
interesses e paixões democráticas e neste sentido, ao assumirem o papel de
realistas, assumiriam o papel de forjadores da nação brasileira.
A trajetória de Álvaro Maia durante as décadas de 1910 e 1920 revelam
como os intelectuais deste período buscavam o ideal de brasilidade através da
construção da identidade da nação. Por sua própria condição de intelectual,
estes se julgavam como os capacitados para conhecer o Brasil. Neste sentido,
é possível ver como Álvaro Maia tinha na Literatura a forma de atingir a realidade,
tecer críticas aos grupos político dominantes e apresentar alternativas para o
desenvolvimento do estado. Tais argumentos eram reforçados pelos discursos
por ele proferidos criando a imagem dotada de certo messianismo de que sua
posição em um engajamento político mais profundo era necessário para o
Amazonas.
Segundo Ortiz (2012), o modernismo foi o primeiro grande movimento
em busca de uma nova interpretação e da criação de uma história
verdadeiramente nacional, que até então se encontrava esparsa na sociedade.
Todavia, com o advento dos elementos de uma sociedade moderna e com a
Revolução de 1930, quando as mudanças consolidadas passam a ser guiadas
pelo Estado, ocorre a necessidade de consolidação do próprio a
desenvolvimento social. O quadro de teorias raciológicas tão utilizadas para
explicar a realidade brasileira em décadas anteriores se tornam obsoletas e
precisam ser superadas. Surge um conjunto de intelectuais dentre os quais
podemos citar Caio Prado Junior e Sergio Buarque de Holanda como
importantes atores do surgimento da USP, que aparecem como fruto de um
processo de ruptura na produção do conhecimento social.
Em outro quadro, podemos situar outro conjunto de intelectuais que não
representam a ruptura, mas a reinterpretação do Brasil e dentre os principais
podemos citar Gilberto Freyre e o próprio Álvaro Maia, pois este último formou-
se no nordeste, seu contato mais ativo com o sudeste vem após o Golpe de
1930. É possível observar esse processo quando Gilberto Freyre transforma a
negatividade do mestiço em positividade. Do mesmo modo, quando o próprio
Álvaro Maia não representa o caboclo mais como o indolente, mas como um
trabalhador forte e valoroso.

79
A ambiguidade da identidade do ser nacional forjada pelos
intelectuais do século XIX não podia resistir mais tempo. Ela
havia se tornado incompatível com o processo de
desenvolvimento econômico e social do país. Basta lembrarmos
que nos anos de 1930 procura-se transformar radicalmente o
conceito de homem brasileiro. Qualidades como “preguiça”,
“indolência”, consideradas inerentes as raças mestiças, são
substituídas por uma ideologia do trabalho (ORTIZ, 2012, p. 42).

Com a revolução de 1930, a produção intelectual brasileira assumiu uma


posição em direção a uma atuação mais ativa no âmbito, do Estado; neste
sentido, sua produção passou a identificar o próprio Estado como a principal
representação da nação brasileira. Para Velloso (2003), a sociedade seria um
corpo conflituoso e fragmentado, ao passo que o Estado seria o “cérebro” que
coordenaria e faria funcionar de modo harmônico todo o organismo social.
Neste contexto, Daniel Pécaut (1990) observa que o organicismo social
fortemente marcado pelo positivismo estava pautado na ideia de uma
desmobilização da sociedade, daí a necessidade de se criar um Estado forte que
atuaria no sentido de garantir a cooperação dos mais diversos setores sociais.
No entanto, o “jusnaturalismo” pregado por esses intelectuais apenas dava um
caráter de redirecionamento às elites no poder, saindo de cena uma elite política
tradicional pautada nos moldes do liberalismo para a entrada de uma elite mais
apta a cumprir o projeto de adequação a realidade sem, todavia, perder o caráter
de uma revolução vinda do “alto”.
Álvaro Maia com a ideia de valorização do seringueiro, uma das
principais temáticas trabalhadas em sua produção literária, transpõe essa ideia
para seu discurso político como uma proposta de adequação da realidade,
contudo em uma análise mais profunda dessa proposta de valorização é possível
perceber uma consonância de seu discurso com a ideia de organicismo social,
visto que esse seringueiro que seria o verdadeiro homem amazônida estava
desemparado diante do Estado, devido ao fato de que os velhos grupos que se
revezavam no poder levaram os “interesse individuais” as últimas
consequências, perdendo assim a principal finalidade do Estado que é a de
garantir o bem-comum.
Em 15 de janeiro de 1942, ao reassumir o cargo de Interventor do estado
do Amazonas, Álvaro Maia publica um folheto publicado pela Imprensa Oficial
do Amazonas intitulado: Nota Oficial (1942), um conjunto de relatórios

80
destinados à Caixa Econômica em favor de um empréstimo para melhorias no
abastecimento de água no estado e nesta mesma publicação há o discurso
proferido em razão do momento em que reassume o cargo de Interventor e o
discurso de Araújo Lima o então Interventor interino do Amazonas.
Apesar de tratar-se de um conjunto de textos técnicos com assuntos
estritamente administrativos, o texto deixa revelar algumas características sobre
a visão de mundo de Álvaro Maia, seu pensamento político e suas estratégias
dentro do campo político, em alguns trechos, os textos dos relatórios se
distanciam da neutralidade da linguagem oficial e do tom predominantemente
objetivo dos textos burocráticos e deixam revelar o príncipe dos poetas que
assume a dura missão de salvar o Amazonas e integrá-lo ao resto do Brasil.
Logo nas primeiras páginas do Relatório de Álvaro Maia é possível
afirmar que sua retórica estava pautada na ideia de integração do Amazonas ao
resto do Brasil; o trecho ainda revela o tom de segurança ao afirmar que seu feito
realiza seu projeto de integração, nos seus discursos anteriores a 1930 quando
de fato se torna um político profissional. Sempre criticava o fato de que o maior
problema do Amazonas era o seu esquecimento em relação ao resto do país,
fato este que estava intimamente ligado ao descaso dos seus políticos locais em
cumprir esse projeto de integração, neste sentido ele afirma: “A instalação de
emissora local, dando-lhe capacidade para estender as suas informações a
todos os quadrantes do estado, possibilitando ao interior acompanhar o ritmo da
vida nacional”23
Segundo Werneck Sodré (1970), a partir da Revolução de 1930 ocorre
um processo de aceleração no desenvolvimento das relações capitalistas,
gerando o aumento quantitativo e qualitativo da burguesia e do proletariado. No
campo, essas relações se desenvolvem de forma mais lenta, no Amazonas
excetuando a capital Manaus ocorre uma disparidade em termos de
desenvolvimento, as relações de desenvolvimento operam em prejuízo de
outras. No interior do estado a produção ainda se baseia nas velhas estruturas
que se colocam de forma dependente e consumidoras, de igual modo às antigas
colônias.

23
MAIA, Álvaro. Nota Oficial. Manaus, Imprensa Pública, 1942. p.6.

81
Em relação à radiodifusão no Brasil durante este período, o
desenvolvimento das relações capitalistas afetam o desenvolvimento do rádio,
particularmente devido seu caráter de veículo de publicidade comercial,
associando as principais formas de mobilização de multidões: o futebol e a
música se tornando um importante instrumento de universalização do gosto,
costumes e paixões. As elites políticas observando a importância deste veículo
como instrumento de penetração e incorporação de numerosas e isoladas
massas não alfabetizadas no interior utiliza-o como importante instrumento de
transmissão de suas ideologias.
Durante o período da República Velha, não havia um campo intelectual
autônomo, portanto, a relação com as instâncias políticas, bem como os
mecanismos de consagração intelectual estavam intimamente ligados à
imprensa que, nesse período, exercia o papel de instância de consagração. A
imprensa constituía a principal instância de produção cultural, fornecendo as
maiores gratificações e as melhores posições para os intelectuais durante esse
período.
As elites dirigentes no Brasil eram, também, as detentoras dos veículos
de comunicação em massa (jornais) que, por conseguinte, manejavam em favor
dos interesses desses grupos, tais como o lançamento de candidaturas de seus
representantes no cenário político, ou seja, a imprensa era usada como meio de
manobra entre as oligarquias e o poder político. Jornais como Jornal do
Comércio, entre outros, também eram as principais instâncias de consagração
para os interessados em criar uma carreira de sucesso no mundo das letras;
neste sentido, Álvaro Maia via-se envolvido em tais atividades que, nesse
momento, eram o principal veículo de publicação de sua produção literária.
Tratando-se do principal mecanismo para ascensão política em 1930, fica fácil
compreender o fato de ele se engajar com as facções políticas desses jornais
(RAMOS, 2010).
A partir de 1930, com a sua consagração no campo político quando
assume pela primeira vez o cargo de Interventor, Álvaro Maia vê a possibilidade
de pôr em prática a sua “mudança pelo alto”, ou seja, a retirada das elites
oligárquicas tradicionais sem, no entanto, alterar a ordem social vigente e o
sistema de produção pautado nas relações tradicionais e patrimoniais. Já como
um político consagrado, dentro do campo político, ele está ciente da importância

82
dos veículos de comunicação para o processo de consagração. Assim como o
jornal escrito o auxiliou em décadas passadas, ele teve a sensibilidade de
perceber no rádio seu novo instrumento para a aquisição de capital político e
difusão da sua ideologia política.
Graciliano Ramos, assim como Álvaro Maia e outros intelectuais deste
período, teve uma trajetória intelectual que sofreu uma intensa interferência do
campo político, foi Prefeito de Palmeira dos Índios, cidade do interior de Alagoas
no qual assumiu o mandato por duas vezes, de 1928 à 1929, em 1930 renuncia
ao cargo e assume o cargo de diretor da Imprensa Oficial de Alagoas e se demite
em 1931, em 1933 é nomeado diretor da Instrução Pública de Alagoas, cargo
equivalente a Secretário Estadual da Educação. Com forte inclinação ao
comunismo é preso após o “pânico” causado pela intentona Comunista de 1935
em Maceió e levado para o Rio de Janeiro; no início de 1937 é libertado; em
1939 é nomeado Inspetor Federal de Ensino Secundário do Rio de Janeiro, em
1940, frequenta assiduamente a sede da revista "Diretrizes", junto de Álvaro
Moreira, Joel Silveira, José Lins do Rego e outros "conhecidos comunistas e
elementos de esquerda", como constam de sua ficha na polícia política, em 1945
filia-se ao Partido Comunista Brasileiro – PCB, a convite de Luís Carlos Prestes,
Secretário Geral do partido. Dentre seus principais livros publicados estão Vidas
Secas (1938) e o livro póstumo Memórias do Cárcere (1953).
No seu relatório de janeiro de 1930, o então prefeito também transparece
seus ideários dentro das linhas de um texto de caráter burocrático. Logo no início
de seu relatório, ele já afirma que a prestação de contas já tinha sido feita pelos
canais burocráticos competentes:

E nas contas regularmente publicadas há pormenores


abundantes, minudência que excitaram o espanto benévolo da
imprensa. Isto é, pois, uma reprodução de fatos que já narrei,
com algarismo e prova de guarda livros, em numerosos
balancetes e nas relações que os acompanharam (RAMOS,
Graciliano, 1994, p.1)

O tom meio humorado de certos trechos revela uma crítica social em


relação ao homem do Nordeste e o cenário político da época: “[...] Apesar de ser
o negócio referente à claridade, julgo que assinaram aquilo ás escuras. É um
bluff. Pagamos até a luz que a lua nos dá” (p.1). A crítica sobre as condições de
vida do nordestino e a corrupção fica clara neste trecho, visto que por se tratar

83
de um homem das letras deste período estava descontente como as instituições
políticas e sociais da maneira como estavam sendo conduzidas pelas elites
dirigentes deste período. Entretanto, esse tom de ironia e despreocupação em
desagradar as classes dirigentes também revela sua afinidade com os ideais
socialistas que ficará mais claro através de seu comportamento após a
Revolução de 1930, no qual é preso e depois quando filia-se ao PCB.
Segundo Sodré (1970), os escritores nordestino tais como Jorge Amado,
José Lins do Rego possuíam um caráter documentarista, ou seja, eles
pretendiam fazer um retrato do Nordeste, contudo suas obras se caracterizavam
por apresentarem um conteúdo muito à frente da forma. A obra de Graciliano já
apresentava um equilíbrio entre conteúdo e forma como é possível observar no
tom crítico apresentado em seu relatório:

Dos administradores que me precederam uns dedicaram-se a


obras urbanas; outros, inimigos das inovações não se dedicaram
a nada. Nenhum, creio eu, chegou a trabalhar nos subúrbios.
Encontrei em decadência regiões outrora prósperas; terras
aráveis entregues a animais, que nelas viviam quase em estado
selvagem. A população minguada, ou emigrava para o Sul do
País ou se fixava nos municípios vizinhos, nos povoados que
nasciam perto das fronteiras e que eram para nós umas
sanguessugas. Vegetavam em lastimável abandono alguns
agregados humanos. E o palmeirense afirmava, convicto, que
isto era a princesa do sertão. Uma princesa, vá lá, mas princesa
muito nua, muito madraça, muito suja e muito escavada.
Favoreci a agricultura livrando-a dos bichos criados à toa;
ataquei as patifarias dos pequeninos senhores feudais,
exploradores da canalha (RAMOS, Graciliano, 1994, p. 3)

A missão do engajamento político de Graciliano Ramos fica clara neste


trecho, através da necessidade de tratar os serviços públicos do munícipio com
mais interesse e objetividade com que os políticos até então não estavam
tratando, segundo o autor. Graciliano ressalta a importância de prestar
assistência às áreas rurais, que eram as mais esquecidas pelo Estado, gerando
o aumento da emigração do povo do Norte e do Nordeste para as regiões do Sul
e Sudeste para viver em condições piores das que as vividas em sua terra natal,
assim homem hostilizado pelo ambiente, pela terra, cidade, o homem devorado
pelos problemas que esse contexto lhe impõe, vinha sofrendo com o
esquecimento político acentuando ainda mais a exclusão social em que viviam.
É interessante salientar como Graciliano critica o mau uso do termo “princesa do

84
sertão” para a cidade de Palmeira dos Índios, afirmando que está princesa
estava esquecida e mal cuidada
Graciliano faz uma crítica contundente contra os pequenos feudos
regionais que enriquecem em detrimento da grande maioria da população que
vive em total miséria. Álvaro Maia, também, tece fortes críticas contra os feudos
políticos que apenas reproduzem os interesses de um pequeno grupo detentor
dos meios de produção.
Segundo Carlos Guilherme Mota (1977), um traço importante em relação
ao regionalismo destes intelectuais é que o elemento “regional” não deixa de ser
“nacional”. Segundo o autor, o regionalismo deve ser compreendido a partir do
contexto de transição ao qual estava inserido, pois diversas elites regionais
passavam por um período de contestação de seu poder de mando pelos
revolucionários de 30 que eram portadores do ideário do nacionalismo, sendo
assim alguns membros desta elite intelectual e política souberam estabelecer um
comportamento de engajamento social e político seja por fórmulas “regionais” ou
“universais” revelando na realidade como se davam as relações de mando no
país, bem como não deixava de ser uma estratégia de permanecerem nos
estames do poder.
É interessante observar como o discurso de Álvaro Maia sempre esteve
afinado com os interesses de determinados setores das elites dirigentes, em
1942 então como Interventor Federal durante o governo de Getúlio Vargas em
plena ditadura do Estado Novo; da evocação à figura do estadista se torna
necessária para a própria permanência no cargo:

O maior estimulo da pretensão veiu, no entanto da simpatia com


que foi o assunto encerado pelo Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas D.
Presidente da República, quando ouviu os auxiliares do
Govêrno, em sua recente viagem ao Amazonas sugerindo uma
transação com a Caixa Econômica Federal24.

Dentro de um determinado contexto do campo político, os distintos


agentes se distinguem de acordo com o seu capital político, o qual, por seu turno,
pode ser expresso e mensurado pelo usufruto de um capital simbólico de outros
campos sociais, como, por exemplo, o capital intelectual que, ao ser reconvertido
para o meio político, já desfruta de certa notoriedade. Ao converter-se um

24
MAIA. Op. cit. p. 10.

85
determinado capital simbólico em capital político, quando, por exemplo, da
aquisição de um mandato político, abre-se a possibilidade de uma carreira
política na medida em que o capital simbólico inicial fica subtraído pelo capital
político conquistado (BOURDIEU, 1989).
Quando o príncipe dos poetas inseriu-se no campo político como um
político profissional, sofreu uma perda de capital simbólico específico, capital
este que possibilitou sua inserção no campo. Entre as suas estratégias de
recuperação deste capital simbólico estava a auto-defesa política facilmente
identificada em seus discursos. No entanto, ao se fazer uma análise mais atenta
de seus Relatórios oficiais, é possível também encontrar essa estratégia:

[...] Tudo o que vimos apreciando e trazendo ao conhecimento de V.


Excia., é a expressão da verdade, colhida em observações diárias no
serviço e o fazemos no louvável intúito de colaborando, humildemente,
com o patriótico govêrno de Vossa Excelência, evitar que dias
sombrios e mais impressionantes venham perturbar a bôa marcha da
administração pública25

O tom poético se revela na sua auto-defesa política, bem como na


exaltação ao governo de Getúlio Vargas. Álvaro Maia lança fora a linguagem
burocrática comum dos documentos oficiais e busca construir um estereótipo de
confiança à sua figura de político. Vale ressaltar que apesar de se tratar de um
documento público, esse Relatório destinava-se a setores do governo federal.
Por esta razão, o texto é carregado de uma linguagem burocrática e possui um
tom que tenta transmitir a competência do então Interventor reempossado, assim
como tenta deixar claro sua fidelidade aos ideais do regime.
Ao examinar atentamente os Relatórios do prefeito Graciliano Ramos e
o Relatório do Interventor então reempossado Álvaro Maia revela-se no primeiro
um tom crítico diante da realidade social do homem nordestino totalmente
esquecido diante do projeto de modernização e desenvolvimento comum ao
resto do país visto que esse processo se deu de forma “tardia” nas Regiões norte
e nordeste e o descontentamento comum aos intelectuais do período anterior a
Revolução de 30 com que viam a queda das oligarquias tradicionais (Graciliano
era neto de fazendeiro e filho de comerciante) no desenvolvimento do
capitalismo industrializante e no surgimento das novas classes, não tendo como

25
Idem. p. 10.

86
outra opção desvelar o desnudamento do estamento ao qual pertencia (MOTA,
1977).
No Relatório de Álvaro Maia de 1942, ele também foge em alguns
momentos da linguagem burocrática. Contudo revela a retórica de político
messiânico, ou seja, o único a possuir a capacidade de conduzir o estado ao
desenvolvimento e à sua inserção dentro da conjuntura nacional. Por se tratar
de um “ideólogo do Estado” faz a defesa da política getulista, contudo revelando
certo tom de preocupação em desagradar os setores federais dirigentes.
No Estado Novo de 1937 a 1945, o caráter autoritário do pensamento
político brasileiro assume contornos mais definidos. Surge a “ideologia do
Estado”, um conjunto de teses que se opõem as teorias de autorregulação social
influenciadas pelo “mercado”. Esses pensadores tinham em comum uma
profunda crítica contra o liberalismo; os antiliberais pautavam suas ideias em
duas premissas em relação a realidade brasileira: a primeira era de que já existe
um mercado que fomenta os antagonismos ou fragmentações que ameaçariam
a unidade social, e a segunda premissa era de que não existiria de fato um
“mercado brasileiro”, gerando assim uma total ausência de um verdadeiro corpo
social ou político, neste sentido não havendo de fato uma classe ou identidade
social.

Desconfiança em relação ao funcionamento do capitalismo da época


ou condenação por princípio de sua lógica; dúvida sobre a viabilidade
do liberalismo político no Brasil ou antipatia doutrinária em relação as
próprias premissas do liberalismo; temor inspirado pela multiplicação
anárquica de interesses particulares ou pessimismo devido à
desorganização do social; eis o que levou grande parte dos intelectuais
a aderir a uma “ideologia do Estado” (PÉCAUT, 1990, p. 44-45).

A ideia de construção da nação brasileira já era um projeto


historicamente intentado pelos pensadores. A partir de 1930, a participação dos
intelectuais se intensifica, pois estes não aceitam que as instituições sociais
ainda estejam sendo construídas nos moldes dos modelos estrangeiros. Com o
período do Estado Novo, essa inserção se torna mais profunda visto que este
grupo passa atuar na organização político-ideológica do regime. Além de uma
produção intelectual fortemente carregada de críticas às instituições criadas
segundo moldes estrangeiros e com um forte discurso anti-liberal e autoritário,

87
esse grupo sai da Torre de Marfim26 e entra no meio social através de uma
atuação mais ativa- a arena política.
O intelectual munido da missão de ser o agente responsável pelo projeto
político-pedagógico do regime, ou seja, responsável difusão da ideologia do
Estado, passa a se engajar nas lutas nacionais. Assim, esse representante da
consciência nacional passa a caminhar lado-a-lado com o Estado, seja através
de uma produção intelectual que defende o regime, seja sendo cooptado para
funções nos estamentos do poder.
Em 1943, período em plena Segunda Guerra Mundial o então Interventor
Álvaro Maia fez um pronunciamento em favor da circunscrição do alistamento
militar, entretanto ao fazer o itinerário das ideias que influenciaram a formação
de seu pensamento político é mister compreender como os intelectuais
brasileiros deste período tinham como uma das principais funções sociais o
engajamento político.
No pronunciamento de 1942 quando Álvaro Maia é reempossado no
cargo de Interventor Federal, pronuncia um discurso com forte tom defesa do
Estado Novo. Contudo quando se observam os discursos anteriores a 1930
revela-se uma forte conotação de defesa ao Liberalismo político. A partir de 1930
já é um político profissional e então Interventor do governo de Vargas a retórica
do discurso se modifica e passa a fazer uma forte alusão ao autoritarismo.
No Amazonas, durante esse período, as lideranças políticas se
mantinham no poder a partir do apoio oferecido pelos grupos oligárquicos, então
constituídos por comerciantes ligados à extração e exportação da borracha. Os
dois principais grupos políticos que se revezavam no governo do Amazonas
pertenciam às famílias Rego Monteiro e Nery, durante as primeiras décadas da
República Velha.

No interior do Estado, à medida que a família Rego Monteiro se


consolidava no poder, os municípios se transformavam em
verdadeiros feudos dos chefes políticos que usufruíram de seu
beneplácito. As concessões de vastas regiões, a saber:
castanhais, balatais e seringais eram feitas a indivíduos

26
Torre de Marfim é um termo usado Machado de Assis para designar a função da Academia
Brasileira de Letras para a sociedade. Segundo Monica Pimenta Veloso em Os Intelectuais e a
Política Cultural do Estado Novo (2003), o termo “Torre de Marfim” serve para compreender a
função social do intelectual brasileiro no período da República Velha, refere-se a condição de
isolamento dos intelectuais dentro da sociedade onde apenas criavam as “ilusões” necessárias
ao bom andamento da ordem social

88
privilegiados, os quais necessitavam da ajuda parcial para
submeter as populações revoltadas contra essa servidão
(SANTOS, 1996, p. 40).

Com a crise do preço da borracha e as violentas repressões do


governador contra os oposicionistas, muitos grupos civis e militares mantinham
uma maciça articulação no sentido de ter uma nova tomada de posição na
política amazonense, no qual Álvaro Maia fazia parte como um dos membros
dos grupos opositores. Os grupos marginalizados pela Primeira República em
busca de uma estratégia para inserção estamental passam a defender a
revitalização do Liberalismo em detrimento do Liberalismo excludente comum às
instituições republicanas da época.
Após a Revolução de 1930, as classes então marginalizadas tais como
os setores oligárquicos marginalizados, a classe média, os intelectuais passaram
a participar dos estamentos burocráticos, condição possível devido ao governo
de Getúlio Vargas que nomeava indivíduos que se identificassem com os ideais
dos grupos dominantes, mas que possuíam uma posição no campo político
daquele período.
Assim, muitos daqueles intelectuais, dentre eles Álvaro Maia, que
defendiam ideias com forte teor liberal tais como: a modernização brasileira, uma
democracia alcançada somente através de uma república federativa; passam a
agora uma democracia conduzida por um Estado forte que levaria a sociedade
brasileira a verdadeira nação. Segundo Schwab (2010) os políticos e teóricos
liberais toleraram as ideias de Estado forte comuns nos regimes autoritários e
levavam em últimas instâncias os valores de ordem e respeito as hierarquias
inerentes ao liberalismo.
Para Velloso (2003), no Liberalismo era aceitável o intelectual ser um
inimigo do Estado, contudo com o Estado Novo o intelectual se torna um fiel
colaborador de um Estado que é capaz de conduzir a sociedade à construção
da verdadeira nação brasileira, tornando-os os porta-vozes capazes de captar o
subconsciente da coletividade, e neste subconsciente estariam contidas as
verdadeiras reservas da nacionalidade.
No entanto, para compreender o processo de condução da política
brasileira de uma política liberal para um regime autoritário que culminou com a
ditadura do Estado Novo de 1937 é necessário observar o contexto mundial que

89
acabou por reverberar no cenário brasileiro de modo direto ou indireto. Na
Alemanha, acende ao poder em 1933 Hitler com o nacional-socialismo
(nazismo); na Itália aumenta o poder do partido Fascista liderado por Mussolini
que assume com poderes ilimitados. Alemanha e Itália passavam por sérios
problemas financeiros e contestavam a divisão feita pelo Tratado de Versalhes
após a Primeira Guerra Mundial, que deixara países com amplas áreas
expansionistas tais como Inglaterra e Estados Unidos. Na Ásia, o Japão também
possuía fortes desejos de expandir seus domínios para territórios vizinhos e ilhas
da região.
A Segunda Guerra eclode em 1939 quando o exército alemão invadiu a
Polônia. De imediato, a França e a Inglaterra declararam guerra à Alemanha. De
acordo com a política de alianças militares existentes na época, formaram-se
dois grupos: Aliados (liderados por Inglaterra, URSS, França e Estados Unidos)
e Eixo (Alemanha, Itália e Japão).
No Brasil, o Estado Novo com a centralização política nas mãos de um
Estado autoritário e intervencionista, destinado aos interesses apresentados
como nacionais, surge a necessidade de legitimação dessa nova estrutura. Para
isso, foi necessário definir a ideologia as ideias estadonovista serviam para
legitimar o poder dominante (SCHWAB, 2010). Neste sentido, os intelectuais que
são os porta-vozes das massas tomam para si o dever de assumir cargos nos
estamentos do poder.
Quando Álvaro Maia reassume o cargo de Interventor pelo Estado Novo,
sua missão como intelectual é manter uma retórica que defenda a importância
de um Estado que direcione a sociedade à construção da nação. Diante de um
cenário externo em meio a um grande conflito, a ideologia por ele pregada não
era apenas a da construção da nação, mas a de um governo do qual ele fazia
parte que seria o único capaz de permitir que o Brasil passasse por este período
turbulento com tranquilidade e estabilidade:

A presente fase econômica inicía-se sob as naturais apreensões


do momento, existentes no mundo inteiro, por mais disciplinada
qualquer nação, na difícil neutralidade em que, porventura, ainda
permaneça27.

27
MAIA. Op. cit. p. 25.

90
Com a eclosão da Segunda Guerra e a instauração do regime autoritário
do Estado Novo; assim, ao mesmo tempo em que contraia empréstimos junto
aos Estados Unidos, Getúlio Vargas, conduzia uma política muito próxima aos
regimes totalitários da Europa. Essa “neutralidade” foi encerrada em agosto de
1942, quando o Brasil declara guerra à Itália e à Alemanha, após forte pressão
do governo estadunidense.
Maia segue afirmando que:

A presente fase econômica inicía-se sob as naturais apreensões


do momento, existentes no mundo inteiro, por mais disciplinada
qualquer nação, na difícil neutralidade em que, ainda
permaneça28.

O tom de crítica ao regionalismo político se revela neste discurso no qual


se critica a condução política anterior a década de 1930. Para Álvaro Maia, a
maior causa do descaso e da corrupção dos grupos políticos que estavam no
poder no período anterior a 30, estava relacionado ao fato de que esses grupos
assimilaram um modelo de instituição burocrática liberais, igual aos moldes
estrangeiros.
A sua missão como um intelectual que se engajou na política era a de
identificar, diagnosticar e propor soluções para estes males sociais, soluções
estas que ele deveria ter a missão de pôr em prática. Todavia, esta preocupação
dos intelectuais com os problemas nacionais guardava relações com o contexto
internacional da época. Desta forma, pensavam e propunham alternativas
reinterpretando soluções diante do que consideravam ser a realidade nacional,
formulando teorias que mais se adequassem ao contexto social, econômico e
político do Brasil. Neste sentido, procuravam valorizar os traços específicos do
povo e da história nacional, o que correspondia a uma tendência geral, presente
no pensamento europeu, com uma forte dose de nacionalidade e que ganhou
espaço no pensamento brasileiro (SCHWAB, 2010).
Todavia, o realismo do pensamento estado novista brasileiro tinha a
preocupação de manter uma postura antiliberal e ao mesmo tempo não rejeitar
qualquer semelhança com regimes fascistas da Europa. Partindo dessa ideia de
que esse modelo era o mais adequado para a realidade brasileira, fugia-se da

28
MAIA. Op. cit. p. 31.

91
velha prática da adoção de modelos abstratos, assim era necessário camuflar
as ideias adotadas sob o rótulo de uma “neutralidade ideológica” (GARCIA,
1999). Assim, pautado nessa ideia de construir a nação, ou do novo Brasil
buscava a legitimação do pensamento dominante, para essa tarefa, onde era
necessário o apoio da imprensa e a arregimentação de figuras locais que
reforçassem o apoio junto às massas, evitando assim a insatisfação popular e
possíveis manifestações contrárias que pudessem comprometer a força do
regime.
Como o representante da elite intelectual que assumiu a missão de
engajar-se em busca da redenção do estado do Amazonas, observa-se que sua
retórica revela além de sua autodefesa em sua missão política, o seu papel de
educar as massas no sentido de forja-as nos ideais doutrinários do regime:

[...] não temos duvida em assegurar que o Amazonas se


enquadrou nos princípios renovadores do Estado Nacional.
Readquiriu seu prestígio administrativo, à luz dos átos e
algarismos.
Certamente e é conveniente proclamá-lo mais uma vez, essa
redenção econômica se deve unicamente às instruções do
Presidente Getúlio Vargas, à tenacidade do povo amazonense,
às iniciativas industriais e extrativistas. Agora mesmo, neste ano
em que se impõe a união fraterna dos brasileiros, o Condutor da
Nacionalidade, executando suas anteriores promessas
favoreceu a expansão das nossas riquezas, pelas medidas, já
decretadas [...]. Devemos ao Grande Presidente a facilitação
dos meios para nossos melhoramentos principais [...]29.

Segundo Velloso (2003), as doutrinas do Estado Novo procuravam


demonstrar a realização de um corte na História brasileira, mostrando que a nova
realidade veio para exorcizar os males do passado. Assim, era comum a
utilização de termos que reforcem esta ideia tais como: “Brasil Novo”, “nova
ordem”, entre outros; tais termos servem como uma tentativa de marcar o regime
como uma fase de redenção, de encontro do Brasil consigo mesmo, uma
redenção que só existiu após um período de caos marcado pela importação e
implantação de uma política liberal, que segundo os pensadores do Estado Novo
foi um verdadeiro desastre para a construção da nação brasileira.
Note que neste trecho do discurso de Álvaro Maia há uma constante
exaltação ao regime de Vargas como o verdadeiro fio condutor da nacionalidade

29
MAIA. Op. cit. p. 32.

92
tão almejada pela intelligentsia brasileira. Maia intenta em seu discurso afirmar
que a nação já tinha alcançado a renovação administrativa e econômica graças
ao novo regime. Os termos “Condutor da Nacionalidade” e “Grande Presidente”
são evocados em um tom didático com a missão educadora de inculcar os
valores do Estado que conduz as diretrizes da política nacional.
Álvaro Maia possuía uma espécie de discurso que acabava por adquirir
uma retórica didática, pois precisava manter uma espécie de “manipulação” em
torno de seus admiradores, visto que neste período ele ainda não se submetia
ao processo eleitoral, fato que só aconteceu em 1933. O didatismo político, no
caso, diz respeito a uma espécie de tradução dos termos internos ao campo
político para um público externo (BOURDIEU, 1989). Ele procurava manter,
simultaneamente, o discurso corrente aceito por seus pares políticos e um
discurso para o público externo, neste caso, os setores mais rebaixados da
sociedade.
Voltando a ideia weberiana do carisma como a capacidade fazer com
que o grupo acredite em suas ideias, o fato de o príncipe dos poetas fazer uma
defesa do governo getulista auxilia no processo ideológico do Estado Novo, uma
vez que se o redentor do Amazonas acredita no regime, o povo amazonense
pode também acreditar. No entanto, é necessário observar um caráter de
ambiguidade, pois essa retórica de intensa defesa serve, também, para manter
um discurso em consonância com os grupos ligados à Vargas. Não se pode
esquecer que a rede de relações de Álvaro Maia foi um fator muito importante
para sua consagração política.
O governo brasileiro de 1930 e em especial durante o Estado Novo
apresentava uma postura antiliberal arraigada em um corporativismo que,
segundo Schwab (2010), esse corporativismo apregoado pelos ideólogos do
regime afirmava que a sociedade brasileira deveria manter relações econômica,
sociais e políticas de modo integrado e solidário extirpando assim todos os
conflitos políticos ou classistas. O Estado controlaria essas relações, pois,
somente um Estado forte e autoritário seria capaz a condução da sociedade,
impondo-lhe a direção e lutando em favor do bem comum.
A partir dessas ações o Estado estabeleceria na sociedade a hierarquia,
a obediência e a disciplina, afastando a nação das influências estrangeiras.
Apesar do corporativismo ter sido influenciado por países europeus, as ideias ao

93
chegarem eram reelaboradas de acordo com a realidade nacional. Desta forma,
o Estado deveria aumentar sua influência e seu poder, de uma forma em que
pudesse coordenar e arbitrar as atividades nacionais. Deste modo, assumiria o
papel de intérprete da sociedade e a dirigiria em função de um programa
nacional.
Segundo Pécaut (1990), a ideia do corporativismo serviria como a forma
de mediação que melhor respondesse à questão da união entre “povo/massa” e
“administração pública”. Assim o corporativismo pode ser entendido sob três
aspectos: o primeiro tem a ver com a distinção entre a questão social e a questão
nacional, onde o Estado controlaria todas as relações sociais, partindo do
pressuposto de que essa interdição preventiva evitaria os conflitos de classe; o
segundo aspecto está relacionado com a questão da cidadania, que funcionaria
como uma espécie de cidadania regulada, ou seja, após 1930 a regulação das
leis trabalhistas, das profissões e sindicatos estava ligada ao esquema
corporativista, pois desta forma submeteria cada categoria à constante controle.
O terceiro aspecto está ligado à criação das organizações dos profissionais tais
como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Conselho de Engenharia e
Arquitetura, entre outros, que legitimava junto ao Estado os profissionais liberais
dando-lhes um caráter de “organização”.
Quando em:

Com os olhos no porvir, conscientes das responsabilidades


assumidas para com o regime, saberemos prosseguir com
esforço e entusiasmo, obediente às ordens do Chefe da Nação.
A época determina compreensão nos gastos, união robusta,
sacrifícios pessoais pelo bem de todos, isenção de ánimo para
melhor cumprimento da justiça. Não devemos blasfemar em
tibiezas: guiado pelo Grande Presidente Getúlio Vargas, o Brasil
assume uma admirável projeção internacional [...] dirigindo-se
ao Mundo, a sua clarividência de Pensador transformará o Rio
na mais nobre tribuna do Novo-Mundo, ao traçar, dentro dos
princípios pan-americanos, as diretrizes de um mundo-novo [...]
– temos voz de comando no exterior. Tudo isto é uma dívida
sagrada ao Grande Presidente, que passará para a História
como o nacionalizador, o unificador, o creador do novo Brasil30.

Note o caráter ambíguo de Álvaro Maia ao mesmo tempo em que tece


palavras de exaltação ao governo de Vargas, constrói uma autodefesa política

30
MAIA. Op. cit. p. 33.

94
que ao notarmos ao longo deste discurso é pautada na construção do estereótipo
de um aprendiz que possui a humildade de reconhecer que deve ainda aprender
com seu mestre o próprio Vargas, sem todavia deixar de transparecer nessa
construção desse estereótipo o quanto sua figura política é a mais apta para
assumir este cargo. Esse trecho reforça ainda sua imagem do poeta com ares
místicos que se sente na obrigação de se engajar na política como um sacrifício
necessário para salvar o Amazonas31.
Segundo Barroso32, o prestígio intelectual e político de Álvaro Maia não
se abalaram em virtude de sua cooptação junto ao regime getulista, ao contrário,
além de transmitir um discurso alinhado com os interesses do governo central,
matinha uma rede de relações próxima do estadista, foi professor de uma das
suas filhas no período em que lecionou no Rio de Janeiro.
Outro ponto importante neste trecho está relacionado com a exaltação
do governo de Getúlio Vargas. A ideia de redenção do Brasil após o período de
caos causado pela política liberal só seria possível graças a figura do seu
estadista, é interessante salientar que os pensadores estadonovistas não
tratavam o Estado e o chefe da nação como duas figuras distintas, mas como
um só. Quando Álvaro Maia afirma: “Tudo isto é uma dívida sagrada ao Grande
Presidente, que passará para a História como o nacionalizador, o unificador, o
creador do novo Brasil”33. É possível observar como constrói-se um estereótipo
de que Vargas é o líder que consegue sintetizar a “alma nacional”, ou seja, ele é
a personificação da ideia de porta-voz da sociedade e o único capaz de levar a
cabo o projeto da construção da nação brasileira sem a necessidade de
intermediários.
Uma vez que está no povo e não na elite a alma da nacionalidade,
partindo de uma ideia corporativista de intervenção, Álvaro Maia apregoa a ideia
da harmonia entre governo e vários setores da sociedade. Este princípio legitima
a intervenção do estado na organização nacional:

Há harmonia em todo o nosso território, entendimento entre as


autoridades federais, estaduais, municipais, entre militares e
civis, entre leigos e religiosos: dentro dessa harmonia,
continuaremos o combate permanente na hinterlândia,

31
Como já havíamos assinalado no trabalho anterior (RAMOS, 2010)
32
Revista da Academia Amazonense de Letras. Op. cit.
33
MAIA. Op. cit. p. 33.

95
explorando-lhe as fontes de produção, a que se prende e
alicerça a nossa independência econômica.
As autoridades e os funcionários, os jornalistas e homens de
pensamento, as classes trabalhistas e os estudantes, os
sacerdotes de todos os credos devem ter o evangelho da união,
da disciplina, da fraternidade, seguindo religiosamente as
instruções do Govêrno Nacional34.

Álvaro Maia alude que o Estado deve intervir na organização social. A


sociedade possui os elementos necessários para a verdadeira construção da
nacionalidade. Todavia, o governo com sua condução firme teria a capacidade
de organizar e garantir a ordem. Essa ideia reforça a imagem do Estado forte
que assume o papel de “pai-grande” e dessa maneira constrói-se um projeto
messiânico, no qual o regime iria salvar o povo brasileiro. Tal enfoque acaba por
assumir um caráter homogeneizador visto que somente o regime levaria à
verdadeira democracia.
O fato de Álvaro Maia, um dos representantes da inteligência brasileira,
revelar também como o Estado estava preocupado em converter a cultura como
um instrumento para legitimação do regime e assim se tornar um instrumento de
dominação, além da cooptação dos intelectuais usando os meios de
comunicação em massa.
Segundo Velloso (2003), o Estado na tentativa de aumentar sua
consagração através da busca por elementos da nacionalidade evoca, uma
campanha na busca de símbolos, tradições e heróis nacionais, tais como
Tiradentes e Caxias que demonstram um caráter de luta pela nacionalidade. E
nesse quadro não caberia mais o anti-herói com sua preguiça (Jeca- Tatu).
O exemplo da personagem do Jeca-Tatu revela a própria ideia de
identidade nacional, pois antes da revolução de 1930 havia uma imagem
negativa do povo, sendo atrasado, preguiçoso e indolente, características nas
quais as elites pensantes buscavam explicar as defasagens brasileiras em
relação aos centros hegemônicos europeus. Com a revolução de 30 e em
especial com Estado Novo, o povo deixa de ser visto de modo negativo e por
este motivo tal personagem não revela a imagem do brasileiro que passa então
a ser visto de modo positivo.

34
Idem. p.33.

96
No interior do movimento modernista de 1922, atuavam muitas
tendências e, dentre elas, surgiram fortes correntes nativistas como os grupos
Anta e Verde-Amarelo. Em São Paulo o movimento se caracterizava,
inicialmente, pela predominante preocupação com a estética. No Amazonas, por
seu turno, tal preocupação centrava-se em uma conotação de natureza política
(FARIAS, 2007). Nisto é possível visualizar no Modernismo uma vinculação com
o Estado Novo que demonstra o esforço do regime para ser identificado como
defensor de ideias arrojadas no campo da cultura. Assim, aderem ao regime os
modernistas mais conservadores, bem como as mais diferentes correntes de
pensadores. Todavia segundo Velloso (2003), a ideia de associação do
Modernismo com o Estado Novo é extremamente limitada na medida em que
recupera a doutrina do grupo Verde-Amarelo.

1.6. A ideologia do Estado Novo em Álvaro Maia

Em função da circunscrição do alistamento militar, Álvaro Maia havia


proferido o discurso o dia oito de setembro de 1943 em meados da Segunda
Guerra Mundial e nele o seringueiro aparece como peça fundamental de sua
política econômica como os “bravos heróis do país”. Durante o período da
Segunda Guerra, comparava a eles com os soldados que eram recrutados para
ir às trincheiras. No entanto, estes soldados não eram arregimentados para a
batalha, mas sim para a extração da borracha que, neste momento, teve um
surto de revalorização graças à guerra.
A questão social sempre foi alvo de preocupação por vários setores da
sociedade brasileira, categorias como “trabalho” e “pobreza”, sempre vieram à
tona desde o período da escravatura. Junto com estas questões emergem
também as manifestações que buscam reivindicar melhores condições de vida
para as classes trabalhadoras. Os setores dominantes e os governos vão aos
poucos reconhecendo a necessidade de encarar tais questões, mesmo que,
encarem a pobreza como um impasse para o desenvolvimento da nação.
Segundo Gomes (1999), uma vez que a pobreza era entendida no
período anterior a trinta como algo útil, pois estimularia o indivíduo a trabalhar,
caberia aos “homens bons” a responsabilidade por conduzir a nação ao
progresso. Todavia, com o advento da República e a eclosão da Primeira Guerra

97
Mundial a venda da força de trabalho se desenvolve nas relações capitalistas e
o progresso passa a encarar a pobreza como inútil e até perigoso.
A crítica ao “abandono” do Liberalismo em relação a questão social já
vinha sendo feita desde a Independência, visto que o Estado brasileiro sempre
sofreu as pressões do setor privado por intervenções estatais. Entretanto, no
pós-trinta seus críticos defendiam uma maior intervenção estatal na educação,
saúde e mercado de trabalho. A intervenção vinda do Estado resolveria o
problema das agitações ameaçadoras no meio urbano e a desorganização e o
abandono do trabalho rural.
Neste sentido, a estratégia ideológica do Estado para combater a pobreza
deveria se pautar na promoção do valor do trabalho. A única forma de retirar o
povo brasileiro do abandono em que vivera durante séculos estava no fato de
que o Estado poderia garantir uma forma de vida com dignidade. A partir desse
contexto, é que se deve atentar para as relações estabelecidas entre as práticas
ideológicas do aparelho de Estado após o golpe de 1930, em especial durante
regime estadonovista, ou seja, para a construção de um discurso legitimador e
suas práticas políticas como a produção de regras legais e a criação de uma
polícia política. Essas técnicas repressivas eram utilizadas como formas
inibidoras que impossibilitava qualquer tipo de contestação ou oposição contra o
regime.
As leis incorporam ao mesmo tempo os princípios ideológicos de um
regime ao expor os motivos e os objetivos apresentados nas leis, apresentando
um conjunto de penas e sanções aos que se opuserem. O caráter coercitivo e
repressivo da lei, não se apresenta claramente de forma negativa, mas defende
valores na busca de práticas ideológicas de consentimento. Do mesmo modo,
pode-se afirmar em relação à polícia política, pois seus objetivos, bem como
relação com o judiciário, podem variar em uma infinidade de procedimentos de
sanções políticas e ideológicas. Assim, a produção de uma ideologia política,
possui um caráter duplo, pois articula informações e ideais legitimadores, através
de seu caráter repressivo, pois atua num processo de exclusão e combate e ao
mesmo tempo à veiculação de mensagens opositoras ao regime. Esse processo
se dá através da censura.
Neste sentido, as regras legais, como a ideologia política, são
mecanismos que organizam o consentimento e controlam o conflito social,

98
através de várias formas de coesão e coerção. Porém, o processo de produção
do consentimento não se sustenta somente através de ideologias, tendo também
uma dimensão socioeconômica, pois, se funda em determinados procedimentos
que visam asseguram a existência de vantagens materiais efetivas para os
dominados. Assim, a legitimidade não advém simplesmente de formas de
manipulação e repressão políticas, mas de um processo de incorporação de
valores pelos grupos que estão excluídos do poder.
Neste sentido, a propaganda é utilizada como recurso para a construção
de uma ideologia e do estereótipo dos agentes envolvidos neste processo de
dominação. Durante o período do Estado Novo tal recurso não foi utilizado como
um reforço à figura do seu líder Getúlio Vargas, mas também suas principais
figuras políticas, que de igual modo reforçavam a ideologia do regime e a
legitimação de seu líder em seus discursos e atividades públicas sempre
reforçando a imagem de que tal conquista não seria possível sem a ajuda de
Vargas e do Estado Novo. Neste sentido, a propaganda, a velocidade das
informações graças à imprensa é o instrumento basilar para a solidificação do
regime e sua legitimação junto à sociedade.
No Amazonas dentre os representantes do regime estadonovista
podemos destacar Leopoldo Peres que foi o Presidente do Departamento
Administrativo, Ruy Araújo o Secretário Geral do Estado e interventor interino na
ausência de Maia e o Interventor Álvaro Maia. Como foi mencionado
anteriormente, a retórica dos discursos de Álvaro Maia além de fazer uma
autodefesa de seu capital político que sofre um natural desgaste dentro do
campo político, seus discursos também reforçam através de uma exaltação a
figura de Vargas como o arauto da mudança, transformando-os em discípulos
que apenas seguem o passo de seu mentor político e intelectual. Alves (2009),
afirma que esse duplo papel servia para reforçar os ideais do regime, bem como
a figura de Vargas em âmbito local (ver figura nº02).

99
Figura nº 02

Álvaro Maia ao lado do Presidente Getúlio Vargas.


Fonte: O Jornal, nº. 3206, Manaus, 29 de janeiro de 1941. In: ALVES, 2009.

No Brasil, durante o regime, a Imprensa foi fortemente controlada no


sentido da reforçar a ideologia dominante, popularizá-la e minimizar as críticas.
Assim foi criado o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), com
subordinação direta ao executivo. O órgão teve sua ideia formada antes do
regime pelo próprio Vargas com o intuito de reprimir a Intentona comunista
através de uma “educação mental, moral e higiênica”. Assim, em relação à
missão do DIP ela estava ligada a “divulgação, radiofusão, teatro, cinema,
turismo e imprensa. Estava incumbida de coordenar, orientar e centralizar a
propaganda interna e externa” (VELLOSO, 2003, p. 20). Diante desse extensivo
controle, a imprensa local não passaria despercebida e vale ressaltar que os
principais jornais da época pertenciam a setores ligados aos grupos políticos no
poder, visto que, com a revolução de trinta, não houve um processo de profundas
mudanças nos estamentos do poder local. No entanto, a imprensa não se dava
apenas de maneira impositiva pois os jornais que manifestassem um claro apoio
recebiam do Governo (informalmente) determinadas regalias, entre elas
ganhavam cotas de papel, isenções na compra de matérias-primas e algumas
vezes o auxílio vinha em dinheiro (ALVES, 2009).
100
A Amazônia vivia um período de estagnação econômica tal qual o vivido
durante o período anterior ao primeiro “boom” da borracha. As principais cidades
que foram beneficiadas com o primeiro ciclo, Belém e Manaus, sofreram de
forma distinta com a perda do monopólio da borracha amazônica. A cidade de
Belém por se tratar de um importante centro com relevância econômica e política
na região antes do primeiro ciclo não sofreu com tão duras consequências como
Manaus. Esta, após o declínio do ciclo sofre buscando sobreviver apenas com a
produção de castanha e de alguns óleos vegetais. Belém, um destacado centro
agrícola da região amazônica, com um grande porto fluvial, um centro da
Federação mais rico e mais populoso que o estado do Amazonas, irá sofrer
menos.
Todavia, com a Segunda Guerra as duas cidades despertam do sono,
no momento em que a borracha do Oriente encontrava-se nas mãos dos
inimigos. Neste momento, o Governo Brasileiro assinou vários acordos de
cooperação no sentido de garantir que a produção não fosse interrompida em
tempos de guerra.
O fracasso da primeira fase gomífera na região amazônica se deu em
virtude da imprevidência dos comerciantes e políticos da época que
empregavam as divisas apenas no embelezamento das cidades, visto que a
maior parte do dinheiro voltava para os países de origem destes comerciantes.
Na segunda fase, a Amazônia pouco se beneficiou, pois o recolhimento das
divisas beneficiou o Governo Central em detrimento da região produtora, que na
época era a mais pobre e subdesenvolvida do país.
Em 1942, quando os japoneses tomavam cerca de 97% da produção
gomífera asiática, os Estados Unidos centram seus esforços a buscar a
produção da borracha artificial na América Latina, onde centram os olhos para a
borracha selvagem da Amazônia, região com imensa capacidade produtiva que,
contudo, padecia com o fato da borracha estar espalhada em meio à floresta e
não possuir mão-de-obra suficiente para a extração.

Outros problemas, entretanto, apareciam quando se tratava de


extrair borracha da Amazônia. Alimentação, assistência médica
e medicamentos, barcos, petróleo, e acima de todos, mão de
obra. Um seringueiro não poderia produzir mais de meia
tonelada de borracha por ano. Para se obterem 50.000
toneladas anuais, seriam necessários 100.000 seringueiros. Na

101
época, trabalhavam em toda região apenas 30.000, no máximo
35.000. Aonde recrutar mais homens para a formidável e ingrata
tarefa? (CORREA, 1987, p. 44)

O governo central personificado na figura de Getúlio Vargas mantinha


relações de mercado dúbias, pois reproduzia uma postura paternalista, influência
de uma postura que se reproduzia na economia brasileira durante séculos.
Segundo Andrade (2010), a intelligentsia do Regime durante este período
buscou dar uma interpretação “oficial” sobre a Amazônia e tal interpretação
reitera alguns posicionamentos já defendidos por Maia ao longo de sua trajetória
como homem das letras e homem político.
No Discurso de 1943, a valorização do elemento nativo como membro
integrante da Guerra, a importância da Amazônia para a integração do país e a
participação do seringueiro na defesa nacional, demonstram que a retórica do
discurso alvareano estava em consonância com o Regime. Contudo, algumas
ideias que passam a ser defendidas pelos pensadores do Regime, há muito já
faziam parte do itinerário das ideias de Álvaro Maia, ideias estas que
influenciaram a retorica de seus discurso e que influíram no aumento do seu
capital político, possibilitando assim sua consagração neste campo.
Figura nº03

O homem do povo.
Fonte: (ALVES, 2009)

102
O discurso mantém uma intencionalidade de transmitir que não se trata
de um representante de outras plagas a falar para pessoas, ou seja, que nunca
conviveu com essa realidade, mas revela um filho da terra conversando com sua
gente. A ideia de se autoidentificar como um homem do povo, já aparece nos
primeiros trechos deste discurso. Contudo, apesar de construir uma imagem de
autoidentificação com o homem simples do povo, ele procura criar a imagem do
representante mais adequado para assumir a gestão neste novo momento do
Amazonas. Note como a sua retórica messiânica que antes de 30 prenunciava
um novo momento para o Estado, onde ele seria o único candidato capaz de o
conduzir o para essa redenção após o declínio da borracha, se insere dentro do
projeto do Estado Novo, no qual tinha a pecha um discurso que defendia um
novo momento para o país, livre do fracasso das instituições liberais, um projeto
novo, feito para o Brasil por verdadeiros representantes da terra que conheciam,
de fato, a realidade local e não mais ideias vindas de fora sendo impostas de
forma arbitrária e muitas das vezes sem adequação à realidade local. Assim:

Novamente as praias emergem do prolongado banho invernal


para enxugar-se ao sol. Volto ao terreiro de tua barraca de irmão,
a fim de conversarmos alguns momentos, na simplicidade de
hinterlandinos da nossa Terra Verde35

A intencionalidade da retórica desse trecho revela que segundo o


Interventor, o período de abandono já passou. Quando ele afirma que já passou
o período de um prolongado inverno está se referindo ao período político
anterior, no qual os grupos políticos que se revezavam no poder, buscavam
garantir apenas seus interesses pessoais, razão pela qual o Amazonas
encontrava-se em uma condição de total descaso pelos políticos locais e pelo
Governo Central. O tom de autoidentificação, também está presente quando ele
afirma que conversa com seus pares os trabalhadores, o termo “irmão” trouxe o
elemento de aproximação necessária para afirmar que se trata de uma pessoa
do povo, um trabalhador. O “hinterlandino” Álvaro Maia se colocava na posição
de um elemento pertencente àquela situação de esquecimento, que

35
MAIA, Álvaro. Discurso do Interventor Álvaro Botelho Maia, proferido no dia 08 de 1943.
Manaus: D. E. I. P., 1943. p.1

103
compreendia a realidade de seus iguais e por também ser um homem simples
do povo, podia conversar compreendendo suas angustias e ser compreendido.
Para Andrade (2010), a política do Regime estava pautada na
centralização principalmente das áreas então esquecidas, tais como o Norte do
país portanto, era necessário conquistar essas regiões, para de fato fortalecer a
nação. Todavia, a legitimação do Regime só se deu a partir de um aparato
ideológico, órgãos como o DIP e toda uma intelectualidade que começa a
trabalhar em favor do Estado Novo, são os atores fundamentais neste processo.
Em relação à Amazônia, Getúlio Vargas constrói uma retórica governamentista
pautada na ideia de redenção do caboclo seringueiro, da conquista e do
saneamento da região. Essa retórica é reforçada pela propaganda e por viagens
que o presidente fez a região. Contudo a produção intelectual dos pensadores
do regime foi fundamental nesse processo de construção de um aparato
ideológico; revistas como Cultura Política publicavam artigos afinados com as
ideias do Governo para a região. Neste diapasão Álvaro Maia, como um teórico
do regime, contribuiu decisivamente para a legitimação do Estado Novo em solo
amazônico.
Diante da grande preocupação varguista de criar uma ideologia que
legitimasse seu regime, as propagandas cívicas foram usadas como uma
ferramenta fundamental para garantir seu projeto de refutação da importação de
qualquer ideologia alienígena, ao mesmo tempo em que procura evitar qualquer
tipo de semelhança entre seu regime e os regimes facistas.
Essa retórica política permanece acentuada, quando em 1937, Álvaro
Maia assume novamente o cargo de Interventor. Em seus relatórios e discursos
a defesa da borracha e do seringueiro aparecem envoltos de alegorias comuns
ao príncipe dos poetas, apesar do caráter oficial dos discursos e dos relatórios.
Assim no trecho:

Entre alegrias trepidantes, estilizadas em paradas da juventude,


concentrações militares, marcha de operários e atletas, houve
uma comemoração que não passará despercebida, embora se
realizasse no silêncio das florestas, sem as aglomerações das
cidades, sem os hinos candenciados por orquestras. Refiro-me
a Semana da Pátria na hinterlândia, no recesso dos centros,
onde os trabalhadores não ouviram as palavras do Hino, nem
sentiram nos olhos o olhar da Bandeira. Os sete dias, entre os
quais se inclui o dia máximo do Amazonas, decorreram em
esforço maior pela aquisição de matérias-primas. Decorreram

104
em trabalho: nas cidades houve cânticos e manifestações
cívicas; nos seringais, houve articulação para vencer a guerra.
Cada árvore era, ao mesmo tempo, mastro e tambor – mastro e
bandeira, distribuída nas folhas, em tambor para o baque surdo
das facas, na batalha da produção36.

Durante este período o Regime construiu um intenso projeto de


formação da identidade nacional brasileira. Todavia antes de observarmos o
papel de Álvaro Maia nesse processo de construção da identidade nacional, faz-
se necessário compreender o papel das identidades na formação do indivíduo e
como as instituições sociais tem papel fundamental nesse processo. Segundo
Castells (1999), a identidade é um processo de significação atribuído a um
conjunto de atributos culturais no qual o indivíduo assimila ao longo de sua vida.
Contudo esse projeto de construção do indivíduo acaba por assimilar e ou se
formar a partir de instituições dominantes, portanto, tal processo ocorre no
momento em que esses indivíduos as internalizam. Neste sentido, ao mesmo
tempo em que uma identidade possui um caráter de individuação que
simultaneamente é coletivo, da mesma forma o processo de construção da
identidade está ligado a um processo de dominação.
De igual modo, o conceito de nação para Anthony Giddens (2012) é fruto
da moderna sociedade industrial, onde o industrialismo cria a necessidade de
um sistema de Estado e de Governo mais eficiente, e como o aumento da
população e a divisão social do trabalho os homens precisam de um conjunto de
ideias que criem nos indivíduos um sentimento de unificação, daí a importância
das ideias nacionais. Contudo, tal sentimento de identificação pode estar ligado
a um grupo étnico, daí a justificação de que a nação não está apenas relacionada
à configuração moderna de Estado.
Neste sentido, o projeto de construção da identidade nacional durante o
Regime do Estado Novo, não teve um caráter de espontaneidade, mas apesar
das desigualdades sociais, procurou trazer a ideia de “camaradagem horizontal”
(ALVES, 2009). O Estado Novo transforma assim o nacionalismo de caráter
individualista em coletivista, transformando o “eu” em “nós”, isto é, deixa-se de
lado os interesses individualista, uma herança deixada pela primazia liberal e a
sociedade passa a funcionar como uma todo harmônico.

36
MAIA. Op. cit. p.2.

105
O Estado Novo cria assim um discurso, tendo como principais reforços
ideológicos a propaganda e a educação. O reforço ideológico criava uma
imagem de Novo Brasil, que a sociedade vista agora como uma corporação tinha
alcançado, graças a potente mão de seu líder a superação da fase de descaso
e degeneração sofrida devido à implementação das instituições liberais.
Álvaro Maia como um dos representantes e ao mesmo tempo, ideólogos
deste regime, exalta esse sentimento de nacionalismo, pois quando em seu
discurso ele faz comparação aos ritos cívicos da semana da Pátria com o
trabalho de extração do látex, ele afirma: “nas cidades houve cânticos e
manifestações cívicas; nos seringais, houve articulação para vencer a guerra”37.
É interessante observar que a retórica deste trecho faz uma exaltação ao
nacionalismo, bem como procura inculcar no povo a ideia de que o seringueiro
é um soldado com a mesma missão de um soldado no front, ao extrair o látex, o
“soldado da borracha” deve se abnegar até da alegria de participar das
festividades cívicas em favor de uma causa maior, tratando essa função como
um sacrifício nos momentos de guerra no qual Brasil enfrentava ao assumir uma
aliança com os Estados Unidos. Álvaro Maia alude o labor da borracha como
uma batalha na produção, a significância na qual ele emprega no processo da
38
extração é a mesma empregada para os soldados no front, servindo para
inculcar nos seringueiros e nos amazonenses um sentido de integração para
com o resto do país. Quando Álvaro Maia afirma:

Celebram a independência do Brasil, não apenas o grito do


Ipiranga que se esvái, na admiração geral, mas a formação do
Brasil em mais de um século, até esta manhã em que nasce
como potência pela força interna e pela expansão econômica

Quando a ideologia do regime passa a ser propagada nas classes


subalternas, através da propaganda, na educação e nos discursos dos seus
representantes era importante reforçar a diferença entre o novo regime e as
ideologias passadas, era necessário formar uma nova concepção de sociedade
brasileira que traça de forma clara as diferenças entre passado e presente.
Assim, a retórica deveria reforçar que os programas e metas do Governo eram
um resultado natural da evolução da realidade brasileira (GARCIA, 1999).

37
MAIA. Op. cit. p. 2.
38
MAIA. Op. cit. p.3.

106
Note a conotação do discurso quando se refere a um novo amanhecer
no qual o Brasil nasce como uma potência econômica, a ideia de novo dia está
ligada a essa nova temporalidade qual o país passa a viver sob a égide do
Regime. Já no Amazonas, jornais que tinham uma tradição oposicionista, não
levantavam críticas em relação à economia, visto que as políticas econômicas
para a região tanto da parte de Getúlio, como do Interventor primavam pela
estabilidade dos cofres do estado. É interessante salientar que a crítica do
Estado Novo em relação ao liberalismo, não tangenciava o liberalismo
econômico, a intervencionismo estado-novista deveria derrubar toda e qualquer
relação com o liberalismo político, assim em relação ao liberalismo econômico a
intervencionismo apenas deveria evitar os excessos, mas não deveria negar o
direito ao uso da propriedade privada (ALVES, 2009).
Entretanto, além de todo o investimento ideológico ligado à imagem do
Estado Novo era necessário um reforço através das festividades cívicas. Assim
essas festividades gerariam na população um sentimento de nacionalismo,
defesa do regime e unidade. Esse reforço ideológico aparece de forma clara na
intencionalidade do discurso alvareano, onde a exaltação cívica, além de buscar
a legitimação do regime, busca reforçar a ideia do seringueiro como um soldado
de guerra, quando Maia afirma:

Finda a semana em que vagiu a Pátria, ségue-se o batismo de


sua adolescência, consubstanciado no Serviço Militar. Urge,
desde logo, explicar aos jovens do interior que a conquista da
caderneta militar é a certidão de batismo da cidadania. Aos
reservistas ocupados no labor dos seringais foi facultado o
protelamento da convocação às fileiras, porque estão em
trincheiras abertas, combatendo pela vitória das Nações
Unidas39

Graças ao projeto de integração da Amazônia através do Estado Novo,


o antigo projeto alvareano de valorização do seringueiro, cria novos contornos.
Agora o seringueiro não é apenas o representante ideal para povoar e
desenvolver a Amazônia, mas é também, um importante ator no projeto de
segurança nacional.
A ideia de Amazônia como terra inóspita cai dentro do discurso varguista,
como uma das áreas a serem “conquistadas”, a fim de que saiam do atraso em

39
MAIA. Op. cit. p. 3.

107
que se encontravam. O projeto dos soldados da borracha cumpriria duas
importantes missões, que já há muito faziam parte do discurso de Álvaro Maia:
primeiro, a ocupação das terras e a inserção dessa região na economia
capitalista de guerra, assim o levantamento de um contingente de mão-de-obra
era fundamental a eficácia deste projeto. Note como o ideário de Álvaro Maia
defendido antes mesmo de sua consagração no campo político se encaixa de
forma clara com o projeto de centralização de Getúlio Vargas, do mesmo modo
em que este último enxergou no príncipe dos poetas um representante ideal para
seu projeto de centralização do poder, sendo que Álvaro Maia foi um dos
representantes consultados antes do Golpe.
Para a eficácia desse propósito era necessário uma mudança no
discurso sobre a própria ideia de Amazônia, neste sentido o reforço ideológico
caminhou lado a lado com a política de valorização do seringueiro –o soldado da
borracha. A produção intelectual local e nacional começa um processo de
desconstrução da ideia de natureza selvagem e inóspita, neste momento
retoma-se uma das pechas de Álvaro Maia em comparar a região com o
Eldorado, ou seja a terra da fartura, o discurso alvareano tão intensificado em
décadas anteriores passa a ser assimilado pelo discurso oficial, com o ingresso
do Brasil na Guerra e o coroamento dessa ação através da assinatura dos
Acordos de Washington40.

O Discurso do Rio Amazonas, proferido por Getúlio Vargas,


marcou para o Estado Novo e para os seus representantes na
Amazônia, uma inflexão nas políticas do poder central em

40
Acordo entre Brasil e Estados Unidos no dia 3 de março de 1942, obtido após a Terceira
Reunião dos Ministros de Relações Exteriores dos países americanos. O acordo previa entre
outros pontos:
1- O uso de borracha no Brasil, ficaria restrito ao essencial.
2- A venda aos Estados Unidos de toda a produção brasileira de borracha até 31 de
dezembro de 1946.
3- A criação de uma repartição do governo brasileiro para monopolizar as compras e
vendas de borracha.
4- A estabilização do preço do produto em 39 centavos de dólar por libra peso, para
conseguir melhor qualidade de borracha lavada a seco, não somente destinada à
exportação para os Estados Unidos, como, também, para consumo no mercado interno.
Mais tarde, em maio de 1942 este preço foi reajustado para 45 centavos por libra peso.
5- O estabelecimento de um bônus de 2 ½ centavos por libra peso, para toda borracha
adquirida acima de 5.000 toneladas anuais, e um adicional de 2 ½ centavos, por toda
compra acima de 10.000 toneladas, a ser pago pelo governo norte-americano.
6- O estabelecimento de preços, para o excesso de produtos manufaturados de borracha
exportável.
7- O consentimento da “Rubber Reserve” à criação de uma fundo, de US$ 5.000.000, para
incentivar a produção de borracha (MIRANDA CORREA, 1987, p. 81-82).

108
relação ao vale amazônico. Esta fala presidencial, repetida pelos
agentes do Estado, principalmente na pessoa dos
interventores41 dos maiores Estados amazônicos (Amazonas e
Pará), era, como tantos outros eventos, fabricada para mostrar
à população a figura de um grande líder preocupado com os
caminhos adotados pela pátria. De resto, fazia ainda a apologia
do sistema ditatorial imposto pelo Estado Novo, já que
asseverava que somente por intermédio de uma liderança forte
e presente, como a de Vargas, a Amazônia e o Brasil ocupariam
um lugar de grandeza no concerto das nações mundiais (LIMA,
2013, 58).

Segundo Miranda Correa (1987), durante o período da Segunda Guerra


com a tomada da borracha asiática pelos japoneses, os aliados voltam-se para
a borracha amazônica, todavia a produção gomífera brasileira era insuficiente
para as necessidades da guerra, mesmo ainda em sua fase de apogeu a
produção da região era complicada e dispendiosa, com as dificuldades naturais
ao Vale Amazônico; os dois Governos Norte-Americano e Brasileiro precisavam
primeiro sanar questões ligadas a extração do látex na floresta (as árvores
ficavam espalhadas no meio da floresta) e a arregimentação de mão-de-obra
suficiente.
Com os acordos firmados entre os dois países o governo norte-
americano institui a Rubber Development Corporation como o principal órgão
responsável pela aquisição de borracha, onde brasileiros e americanos
trabalhavam na compra e embarque da borracha. Segundo o próprio Getúlio
Vargas o fracasso do primeiro ciclo da borracha deu-se em virtude do caráter
nômade dos seringueiros, que exploravam a região apenas em busca de
riquezas e depois a abandonavam. Para mudar essa realidade o governo
brasileiro criou órgãos responsáveis pela arregimentação desses novos
seringueiros e dentre os principais órgão podemos destacar o Serviço Especial
de Mobilização de Trabalhadores para Amazônia (SEMTA).
Segundo Santos (2013), ao assumir a interventoria pela segunda vez
Álvaro Maia buscou criar um programa que conciliasse os interesses das elites
conservadoras locais e do Estado Novo. O interventor defendia uma produção
racional da borracha, para esse propósito e, também, para evitar o êxodo no

41
O papel dos interventores na propagação das ideias do Estado Novo foi fundamental no
processo de legitimação do regime em âmbito local.

109
interior do estado, o programa que arregimentava os “soldados da borracha” veio
ao encontro das suas propostas.
Neste trecho Maia afirma:

Quando falamos em exército, o nosso pensamento abrange,


num instantâneo de recordações, o Exercito do Império, que
manteve a disciplina no Continente Sul, e o Exercito ativo que se
ramifica pelo país inteiro, amparando-o cabalmente, através de
suas regiões militares. Devemos pensar que outro admirável
Exército está em vigilância nas trincheiras, envergando
indumentárias civis, mas aparelhado à primeira investida pela
convocação necessária. São os reservistas, são os quadros
honrosos a que terás de pertencer, meu conterrâneo do interior42

Note o tom de didatismo no qual Álvaro Maia situa a questão da


arregimentação de novos seringueiros, ao fazer uma alusão entre o serviço
militar e os trabalhadores da borracha. Defensor da doutrina trabalhista, a
valorização do seringueiro, veio de encontro com os interesses do regime, ao
passo que garantia legitimação para Álvaro Maia junto à população do interior e
aos setores dominantes do estado.
Ao longo do regime, a imagem construída sobre a Amazônia está
relacionada ao futuro auspicioso garantido graças à preocupação que o Governo
passara a lhe reservar. Todavia, a mudança da retórica teve como atores
fundamentais a elite pensante que reinterpreta a Amazônia. Álvaro Maia como
um de seus representantes, buscava em sua produção literária e em seus
discursos dar um novo rumo a uma das principais temáticas ligadas a região: a
eterna luta entre natureza versus homem. Como um antigo defensor da ideia de
paraíso verde, seu pensamento se encaixa na corrente de pensadores que
busca dar uma nova reinterpretação para a Amazônia, exorcizando de uma vez
por todas a velha ideia de terra caluniada e inóspita. O Vale Amazônico passa
agora a condição de Eldorado, que com a ajuda do Governo será conquistado,
colonizado e integrado ao resto do país, assim na medida em que contribui para
o projeto de segurança nacional, a região se desenvolve.
Segundo Andrade (2010), o pensamento social durante este período não
via mais o caboclo e o nordestino como indolentes, reflexo do pensamento em
décadas anteriores, mas como responsáveis pela sobrevivência da região. Para

42
MAIA. Op. cit. p. 2-3.

110
Ricoeur (1997), o passado é construído a partir da intencionalidade que damos
a interpretação destes fatos, neste sentido, o pensamento social do regime, no
qual o próprio príncipe dos poetas fazia parte, buscava dar um novo significado.
Sob a égide do Governo não seria mais a terra de uma natureza hostil fadada a
nunca se desenvolver. A partir deste período, todos os elementos que eram
representados como resultado desse doloroso processo natural passam a ser
vistos como uma fonte de renovação e sobrevivência; o caboclo e o nordestino
que prefiguram como os principais responsáveis pela sobrevivência da economia
da região, vistos antes como os culpados por seu empobrecimento, são tratados
neste momento pelos pensadores do regime como o grupo seleto responsável
pelo processo racional de ocupação da região.
Vale ressaltar que, essa ideia que passa ser assimilada pelos
pensadores do regime, de responsabilizar os seringueiros pela ocupação, o
saneamento e o desenvolvimento da região, já havia sido defendida por Álvaro
Maia ao longo de sua obra, e em Euclides da Cunha que apesar da pecha
determinista, o seringueiro é visto como o agente vital para o processo de
integração da Amazônia.
Quando em: “O Ipiranga, como expressão de independência nacional e,
em todo esse território, devem estar vigilantes os elementos de reação
imediata”43. Com o contexto de guerra, antigas questões são retomadas no
sentido de ser reforçada em um momento de políticas centralizadoras, a defesa
da integração da região toma novos contornos ligados à política de
desenvolvimento da região e sua inserção na econômica capitalista de guerra.
Um dos argumentos de Álvaro Maia é que o fracasso da economia gomífera
estava ligado ao descaso dos setores dominantes. Com a nova política de
valorização da borracha graças aos Acordos de Washington, o projeto de
integração da Amazônia através da borracha, ganha um duplo contorno, pois ao
passo que coloniza-se a região, atende-se, ao mesmo tempo, os setores
econômicos tradicionais.
Para Schwab (2010), o tom didático de Álvaro Maia assim como de
outros pensadores do regime varguista ocorre em virtude da função que os
próprios intelectuais assumem durante este período, pois além de produtores de

43
MAIA. Op. cit. p. 5.

111
ideologias, o intelectual tem a função, também, de educar as massas. É
interessante observar, como um bloco de ideias de Álvaro Maia, tais como a
“valorização do seringueiro e da borracha”, a “integração da Amazônia ao resto
do país”, perpassaram sua trajetória desde a sua juventude, e do modo como
essas ideias se encontram com o ideário do Estado Novo.
Como parte essencial da vida moderna, a borracha se torna parte do
discurso oficial do governo, como uma das mais importantes contribuições do
Brasil para os esforços de Guerra. Assim, quando Álvaro Maia conclama a
população à sua participação cívica na batalha da borracha, ele carrega uma
retórica com dupla intencionalidade, um discurso alinhado com os interesses da
economia local e ao mesmo tempo responde aos interesses do regime, seu tom
messiânico procura atribuir ao amazônida um papel vital para o processo de
segurança nacional e internacional e uma redenção do próprio estado, até então
esquecido pelo resto do país e seus governantes. Assim o discurso alvareano
procura encarar essa missão como o primeiro passo da arrancada do Amazonas
rumo ao desenvolvimento: “Conterrâneo: aperto-te as mãos calejadas pelos
remos que vencem as correntes, mãos amazônicas e corajosas”44.
Note a referência a figura do trabalhador do Amazonas- o trabalhador
forte e corajoso, porém esquecido, a redenção viria com o auxílio de dirigentes
que pudessem enxergar nesta terra toda a sua riqueza e potencial, e criar
condições para que ela seja devidamente desenvolvida. Neste contexto, a
criação de políticas para a arregimentação de pessoas aptas a explorá-la seria
o primeiro passo para o seu desenvolvimento. Com um tom fortemente
carregado de patriotismo esse discurso procura enaltecer o migrante nordestino,
como um representante que já demonstrou aptidão em outros momentos
(primeiro ciclo da borracha). Segundo Santos (2013), ao longo da interventoria
de Álvaro Maia havia uma defesa pela migração do nordestino como um agente
importante para evitar o êxodo da população rural e assim também evitaria
possíveis sentimentos separatistas, ao passo que resolveria o problema do
aumento dos sem-trabalho45 na cidade de Manaus.

44
MAIA. Op. cit. p. 5.
45
Segundo Lima (2013), muitos desses “soldados” arregimentados não chegavam ao seu destino
final: o seringal, ficando pela cidade em busca de um trabalho em que pudessem permanecer na
cidade ou obter o recurso suficiente para retornar a sua terra natal. Esse arigós (termo usado de
forma pejorativa) eram vistos com maus olhos pela sociedade manauense, por seu

112
Quando em:

[...] Pertencendo ao Brasil, és soldado exclusivo das Americas,


soldado da Humanidade. A Pátria generosa a que pertences, foi
chamada a assegurar a concordia e a emancipação de outras
pátrias. Como os apóstolos de Cristo passas a ser também um
soldado do mundo, manejando o fuzil para a defesa das causas
justas46

A retórica mística sempre fez parte do poeta que se inseriu na política,


com a missão de salvar o Amazonas do estado de abandono e esquecimento
em que se encontrava outrora. Segundo Ramos (2010), foi justamente o perfil
construído no mundo das letras como “poeta” que acabou sendo aceito pelos
seus pares políticos, e posteriormente pelos seus eleitores. Assim, o poeta
investido de uma aura mística que sempre fazia divagações religiosas em suas
poemas permanecia com a mesma retórica em seu discurso político.
Neste sentido, todo aquele que imbuído de um sentimento de
patriotismo, em especial os migrantes nordestinos pelas suas virtudes especiais,
pode assumir a função cívica de defender a causa amazônica, não sendo movido
por um espirito aventureiro, como em outros tempos o vale amazônico já havia
experimentado, mas por um conjunto de bravos soldados que assumiriam a
missão de solucionar os problemas amazônicos, sendo guiados pelo braço forte
do Estado.

De acordo com as ideias apresentadas por Vargas, para


enfrentar as agruras do vale amazônico e fixar-se a terra para
inclui-la no caminho do progresso da nação, só o povo escolhido
que havia dado prova de seu valor. O migrante nordestino por
sua índole de bravo e de homem calejado pela história e pela
geografia de sua região, não fugiria aos problemas do vale
amazônico, ao contrário, iria até lá solucioná-los, desde que
instruído e amparado pelo Estado, não mais, segundo ele, com
o espirito de aventura, mas sim, de amor patriótico e de fé nos
destinos da nação (LIMA, 2013, p. 61).

comportamento arruaceiro. O Governo criou várias medidas para conter o aumento do número
dos sem trabalho, dentre as principais escolher um ponto provisório na cidade de Manaus bem
afastado da região central, até serem deslocados para o interior; além de criar programas de
migração que facilitasse o deslocamento do seringueiro e toda a sua família, facilitando assim a
fixação deste indivíduo a terra.
46
MAIA. Op. cit. p. 6.

113
O movimento de ocupação da Amazônia, encontrou no contexto de
guerra uma oportunidade única de manejar os grupos regionais, construindo
uma política afinada com os interesses das elites econômicas tradicionais do
estado, ao passo que legitimava o regime de governo, a conotação militar tinha
a função de ativar o patriotismo desses trabalhadores e assim garantir sua
adesão:

-“O homem cuja casa está próxima a um grande incêndio – são


palavras do Grande Unificador, na oração de óntem – não pode
pensar noutra coisa que não seja apagá-lo. Quaisquer desvios
de atenções, quaisquer discussões com outros objetivos são
condenáveis e nocivas”47

Segundo Alves (2009), a associação da imagem de Álvaro Maia a do


grande líder era reforçada pela propaganda da época e pela retórica dos
discursos alvareanos. Neste sentido, constrói-se uma ideia de que somente
Getúlio Vargas poderia solucionar os problemas amazônicos tendo em seu
auxílio um homem de “cultura e ação” e juntos, seriam responsáveis pelo
ressurgimento do Amazonas. Todavia, segundo o autor apesar do auxílio que a
vinculação à imagem de Vargas influenciara no capital político de Maia, é
inegável seu carisma junto ao povo, devido à sua antiga campanha de
valorização do elemento nativo: o seringueiro, além de sua capacidade
intelectual e política que atraía a elite intelectual e econômica contemporânea.
É interessante salientar, que ao aclamar o povo amazonense à luta nos
seringais, faz-se uma referência ao caráter trabalhador e patriótico do
amazonense e essa ideia descontrói as antigas ideias evolucionistas e raciais de
décadas anteriores que tratava o homem do norte como indolente e preguiçoso.
Assim o trecho acima, procura inserir o amazonense como um ator
imprescindível nos esforços de guerra, reconhecendo que este povo pela sua
bravura, não fugiria a luta e contribuiria para que a Nação saísse vitoriosa desse
período conflituoso, eles eram encarados como membros importantes desta
grande corporação chamada Brasil, e por este motivo as divergências ou críticas
seriam postas de lado em favor de uma causa maior.

47
Idem. p. 6.

114
CAPÍTULO 2
A Amazônia em Álvaro Maia

2.1.Breve história da Literatura Brasileira na primeira metade do século XX

A primeira metade do século XX é marcada por inúmeras


transformações no campo literário. Deve-se destacar um esforço pessoal dos
intelectuais em incorporar à temática nacional um tom de didatismo e ao mesmo
tempo de engajamento social.
Durante as décadas de 1900 à 1920, observamos uma literatura que
buscava se ajustar com o modus vivendi da sociedade burguesa em ascensão.
Com a desestabilização do Império e a consolidação definitiva da República, a
dissolução da sensibilidade romântica, a crescente mecanização da vida e o
aumento da tecnologia e da ciência, a vida social passou a ser essencialmente
urbana apresentando um ritmo muito acelerado. Com isso, a concorrência da
literatura com o jornalismo e a ciência ficou mais evidente, visto agora como um
processo definitivo que modificou a posição social da literatura.
A Belle Époque homogeneizou definitivamente o padrão burguês, e os
literatos constatam um processo de banalização e neutralização da força cultural
e social da literatura brasileira. Segundo Williams (2011), a literatura burguesa
ancorou de forma muito específica no secular e social em comparação com a
literatura anterior. Assim, a personagem e a ação são profundamente
influenciadas pelo ambiente, seja ele social ou natural. O idealismo
contemplativo é deixado de lado, pois segundo o autor a base intelectual da
construção das personagens está assentada em uma profunda influência do
ambiente social. Este processo trata da culminação específica de uma tendência
das ideias e práticas burguesas.
No Brasil a literatura se torna, neste período, um lugar facilmente
identificável por um repertório limitável de clichês, ou seja, a construção literária
aparenta uma pesada feição uniforme onde a idealização do amor feminino
agora é substituída pela busca material, pelo status e pela busca incessante pela
mercadoria. Neste contexto, o próprio campo literário e o público criam uma
expectativa de um lugar comum na literatura brasileira.

115
Segundo Candido (2006), a literatura brasileira durante as primeiras
décadas da República Velha estava carregada de formas vazias, tendendo
sempre para a superficialidade e ao gosto médio, sofrendo de uma espécie de
banalidade. Contudo, graças a ação estabilizadora da Academia Brasileira de
Letras que durante as duas primeiras décadas do século XX, teve seu
funcionamento bem ajustado, possibilitou a literatura, o público burguês e a
oficialidade uma convivência harmoniosa e mediana.
Em 1922, o movimento do Modernismo surge como uma reação a crítica
da qual sofriam os literatos de estarem demasiadamente presos à regras fixas,
transpostas dos procedimentos científicos, e pouco à intuição e ao sentimento,
tidos como indispensáveis à realização de uma obra de arte. O Modernismo
rompe com a corrente literária estabelecida, pois, munido de um caráter heroico
liberta-se de uma série de recalques históricos, sociais e étnicos. Isto revela uma
clara intenção de findar com a posição de inferioridade, condição ainda herdada
de um sentimento colonial em relação a metrópole Portugal.
Os representantes deste movimento tinham como principal preocupação
solucionar os problemas de ambiguidade em nossa cultura, pois a identidade
nacional surge de uma cultura latina, com forte herança europeia, mas
etnicamente mestiça influenciada por heranças indígenas e africanas. Diante
desta constatação construía-se um certo tom de constrangimento e de
inferioridade que se resolvia pela idealização. O tratamento dado ao índio
demonstrava essa ideia, o índio era europeizado nas suas virtudes e costumes,
ignorava-se a mestiçagem e a paisagem era amaneirada. Neste contexto, o
Modernismo rompe com esta estrutura ao transformar as deficiências da cultura
brasileira, sejam elas supostas ou verdadeiras, e passam a ser reinterpretadas
como superioridades. A mestiçagem se torna objeto de estudo e de inspiração;
o primitivismo torna-se fonte de beleza e não é mais tratado como um empecilho
à elaboração da cultura. Trata-se de um processo de aceitação dos elementos
recalcados da nacionalidade brasileira.
Um elemento de grande importância na escrita destes literatos é a figura
do gênio nacional. Essa noção seria encarnada pelo escritor que encararia a
originalidade brasileira, interpretando a história nacional e guindo-a um destino
singular. Neste sentido, buscou se desvencilhar a verdadeira interpretação do
país que estava engessada pelo artificialismo da ciência e da técnica.

116
Após a Primeira Guerra o Brasil se encontrava mais ligado ao Ocidente
europeu, estando conectado e participando dos problemas sociais e econômicos
do período. As agitações sociais também traziam uma forte consciência literária
de inspirações populares. Inspirado nas ousadias de Picasso, Brancusi, Max
Jacob, entre outros, os modernistas brasileiros rapidamente plasmaram a
vanguarda europeia, criando um hábito de fetichismo do negro, dos tipos ideais
regionais, da poesia folclórica. Assim reencontraram a influência europeia por
um mergulho no detalhe brasileiro. Além desse processo de assimilação,
identifica-se um nacionalismo acentuado, diferente do patriotismo ornamental do
período anterior, há uma certa preocupação e empenho em mostrar o quanto
somos diferentes da Europa e por este motivo devemos ver e expressar as
coisas de modo diferente. O folclórico é mais profundo e baseado em dados
etnográficos, marcado por uma crítica mais profunda. Assim, de uma forma bem-
humorada, a abordagem sobre a miscigenação e os recalques da civilização são
tratados no sentido de demonstrar as qualidades específicas do povo. O principal
exemplo deste processo é livro Macunaíma de Mario de Andrade, em 1928.
Na década de 1930, a literatura brasileira não está tão presa aos
padrões científicos e/ou estéticos europeus, cria-se um nacionalismo e realismo
fortemente engajado politicamente. Ideias de direita e esquerda política refletem
na literatura, o laicismo e a arregimentação católica invadem a produção literária.
Há um predomínio da temática rural e urbana, através das questões
sociais e ideológicas, que foram conhecidas como romance de denúncia, ou
romance social. A década de 1930 é um desdobramento, na verdade, do
movimento modernista da década anterior. Segundo Candido (2006), surgiram
as condições para realizar, difundir e “normalizar”, uma série de aspirações e
inovações da década anterior. Neste sentido, a literatura assentou-se em uma
preocupação maior pelo projeto ideológico do que pelo projeto estético. Em
relação ao projeto ideológico a consciência política assume um caráter de
engajamento político por parte dos literatos. Mesmo os que não se definiam
explicitamente, assumiam algum tipo de inserção ideológica em suas obras.
As décadas de 1930 e as posteriores, até a Segunda Guerra Mundial,
são marcadas pela aceitação crescente das obras e do espírito modernista.
Segundo Candido (2010), os anos 20 são de luta para o Modernismo, no qual
pelejava pela liberdade de expressão. Nos anos 30, lucrando com essa luta por

117
liberdade o movimento encontra no Brasil terreno favorável para se difundir. A
década de 30 é o período de modernização geral nas ciências, nas artes, no
ensino, na edição, na crítica e na produção literária.
Segundo Velloso (2003), o período do Estado Novo manteve uma
relação harmoniosa com o movimento Modernista, pois ambos defendiam a
literatura como veículo da nação. Nesta defesa surge o escritor engajado (ou ao
menos inspirado por uma temática nacionalista), e um projeto cultural embasado
na ideia de brasilidade. As doutrinas estado-novistas se apropriam dos ideais do
modernismo e este acaba parecendo como uma espécie de prenúncio ao
estabelecimento do Estado Novo, cria-se então a ideia de que este movimento
é inacabado, imaturo e incompleto e que justamente o projeto de construção da
nação através do Estado Novo vem de fato construir o Brasil, com toda a sua
grandiosidade e pujança.
Para comprovar e situar o Modernismo como o prenúncio do Estado
Novo, surge um empenho pelos literatos do Estado Novo em demonstrar a
superioridade da literatura inspirada nos ideais do regime, do mesmo modo que
reforçava os equívocos tomados pelo movimento. Surge então um discurso de
que a literatura do Estado Novo seria mais nacional, por ser fruto da Revolução
de 30, demonstrando de fato os anseios e aspirações da sociedade brasileira,
enquanto que o movimento modernista, surge do impacto da Primeira Guerra
Mundial, refletindo muito mais influencias externas do que internas.
Também surge a crítica estado-novista de que a literatura modernista
gerava um nacionalismo meramente sentimental e livresco; o sentimentalismo
se justificaria por uma supervalorização das coisas da terra; o livresco tratava de
um movimento feito e destinado apenas para um pequeno grupo de intelectuais.
Já o Estado-Novo criava um nacionalismo que era “objetivo e realista”, visto que
estava alinhado com os anseios sociais.
Para os ideólogos do Estado, o romance de 30 representa a verdadeira
literatura brasileira, voltada para a construção da nacionalidade. Assim, unia o
naturalismo moderno da tradição do movimento modernista e a literatura adquire
novamente uma função social onde o literato reassume a posição de guia,
encarregado de cumprir sua missão de salvar a nação. Neste sentido surge uma
sacralização da arte atrelada a uma obrigação política.

118
Durante as décadas de 1930, 1940 e meados de 1950, ainda sob os
efeitos da “libertação literária” do Modernismo, há uma fase da maturidade, tanto
na prosa quanto na poesia. Sem no entanto romper com as conquistas das
gerações anteriores, mas também sem defender suas ideias propostas, essa
geração é caracterizada por uma acentuada maturidade literária e também pelas
pesquisas em torno da linguagem. Testemunhas do Estado Novo, da eclosão da
Segunda Guerra Mundial e o estabelecimento social, econômico e político de um
novo modos vivendi ligado ao capitalismo industrial.
No campo literário, os escritores permaneciam com as críticas sociais e
o regionalismo, características da geração de 30, mas a grande novidade das
obras produzidas girava em torno da própria linguagem literária, característica
marcante desta nova geração, que através de pesquisas estéticas surgem com
a renovação das formas de expressão literária.
Um dos grandes problemas da literatura brasileira e de sociedades latino
americanas durante a primeira metade do século XX, foi sua relação com o
público, devido a um público leitor extremamente pequeno. Devido às altas taxas
de analfabetismo da população, o produto literário ficou reduzido a determinados
segmentos da sociedade, diferente de nações que estavam em outra etapa de
desenvolvimento do capitalismo, tais como a Inglaterra, nas quais existiam já nos
século XVIII e XIX vários públicos de leitores e consumidores de produtos
culturais em diversos segmentos da sociedade, possibilitando a construção de
pesquisas para auferir qual o tipo de produtos culturais e gostos de acordo com
a classe social (WILLIAMS, 2011). Em relação a situação a literatura da América
Latina durante a primeira metade do XX conferir Antônio Candido48 (1989).
Contudo, devido a um crescente interesse do governo de implementar
programas educacionais, o índice de analfabetismo no Brasil caiu de cerca de
84% da população em 1890, para 57% em 1940. Neste contexto, os literatos
brasileiros precisam forjar condições para se adaptar à criação desse novo
público, concorrendo com novos meios de comunicação como o cinema, o rádio,
as histórias em quadrinhos, onde os literatos ou tornariam a literatura uma

48
Com efeito, ligam-se ao analfabetismo as manifestações de debilidade cultural: falta de meios
de comunicação e difusão (editoras, bibliotecas, revistas, jornais); inexistência, dispersão e
fraqueza dos públicos disponíveis para a literatura, devido ao pequeno número de leitores reais
(muito menor o número já reduzido de alfabetizados). (p.143).

119
espécie da produto que pudesse concorrer com os outros meios de
comunicação, contudo correndo o risco de se tornar uma presa fácil de desígnios
morais, político e propagandísticos em geral. Ou esses literatos manteriam uma
posição saudosista, separando-se da vida e de seus dilemas.

2.2. Maia e a literatura no Amazonas

Com o fim do período áureo da borracha, a literatura amazonense é


marcada por uma tentativa de explicar e/ou entender a “depressão” pela qual a
região passava, a missão era compreender o que “restou” do Amazonas; a crise
econômica, política e social foi o pano de fundo de inúmeras produções literárias
deste período. Apesar de um certo atraso em relação à época, suas obras foram
inspiradas em tendências parnaso-simbolistas, modernistas e naturalistas. Cria-
se uma produção literária que buscava compreender e identificar a verdadeira
Amazônia, por este motivo o elemento nativo era amplamente enfatizado nas
obras das décadas de 1920 a 1950.
O seringal surge como um tema recorrente nas obras dos escritores
dentre eles Ferreira de Castro, Alberto Rangel e Álvaro Maia. O grande destaque
de Maia ao abordar o seringal dentro de sua obra é o fato de ter conhecido esse
mundo, não como alguém de que veio de fora, mas que nasceu nele.
A obra literária de Álvaro Maia reflete a constatação de um modo de vida
que ainda está se adaptando ao processo de modernização. Nesta pesquisa,
dividiremos a obra literária de Maia em duas fases para compreender melhor as
condicionantes externas e internas que influenciaram a construção de uma ideia
de Amazônia, e a formação de seu pensamento político que se refletiu em uma
ação política voltada para a defesa da borracha, como foi trabalhado no capítulo
anterior. A primeira fase vai do primeiro decênio do século XX, com a publicação
de seu primeiro poema Cabelo Negros, em 1904, até a década de 30, esta é fase
marcada pela publicação de vários poemas e sonetos em diversos jornais e
revistas.
Segundo Sevcenko (1999), o ingresso dos literatos no jornalismo nos
primeiros anos da República Velha revela uma mudança na condição social do
artista. Com a ativação mercantil advinda na República e as oscilações sociais
e econômicas, obrigavam os escritores a buscarem postos mais “estáveis”. Com

120
um alto índice de analfabetismo, impedia um desenvolvimento mais amplo do
mercado editorial, relegando os escritores a procurarem postos nos jornais, no
funcionalismo e na política. Segundo o autor, as sociedades de profissionais para
a defesa dos interesses de classe, se tornavam uma instância de consagração,
ao mesmo tempo que garantiam uma espécie de proteção para sua inserção no
mercado editorial. No caso do Amazonas, devido as condições de precariedade
da produção editorial, os jornais serviam para os literatos não apenas como uma
forma de “garantia de estabilidade”, mas também, uma instância de
consagração.
A segunda fase começa na década de 1940, com a publicação de seu
primeiro livro Na Vanguarda da Retaguarda, em 1943, e se estende até o final
de sua vida. Neste período Maia dedicava-se além do mundo das letras para
atividades políticas, tais como interventor, governador, deputado federal e
senador, sendo este posto que assumira no mesmo período em que publicou
seu último livro Nas Tendas de Emaús, em 1968, meses antes de sua morte.
Segundo Ramos (2010), A linguagem alvareana em sua primeira fase
mescla elementos da realidade amazônica (a floresta, os rios, o caboclo, o
seringueiro) com elementos comuns ao simbolismo. Portanto, é possível
perceber que a obra poética de Álvaro Maia nas primeiras décadas do século
XX, além de estar envolta por um manto de engajamento social e político,
apresenta características do Simbolismo.
No entanto, ao analisar a obra literária de Álvaro Maia, não devemos
tratar com um todo autônomo, não devemos tratá-la como sobretudo um
instrumento para engajamento social e político, pois corremos o risco de
construir uma interpretação errônea, ou cair em uma superficialidade. Segundo
Skinner (2005), para compreender os principais debates enfrentados pelo
político e escritor Álvaro Maia, enquanto circulava nos espaços políticos e
literários da primeira década do século XX, é necessário reconstruir os “atos da
fala” tecidos em sua obra literária, no intuito de compreender para quem Maia
escrevia? Com quem e quais eram os seus interlocutores? Quais suas intenções
ao escrever seus textos literários e poéticos? Compreendendo que sua obra
literária não era meticulosamente construída no sentido de lhe garantir uma
legitimação política, visto que ele realmente acreditava naquelas ideias. E por
fim, a última questão que tentaremos elucidar é se sua missão como intelectual

121
inserido dentro de um projeto nacional se modificou devido as grandes
mudanças que ocorreram dentro do sistema político brasileiro nesta primeira
metade do século.
Partindo deste pressuposto, seu discurso literário não estaria isento de
seu projeto político, ao mesmo tempo em que constituía uma espécie de
intervenção nos conflitos ideológicos de seu tempo em plano local e regional. O
ponto a se entender é se essa intencionalidade iria reforçar sua posição de
ambiguidade ora mantendo uma postura reformista e até revolucionária, ora
matéria uma postura conservadora, defendendo a manutenção do status quo,
isto é, como ele se posicionava diante dos conflitos ideológicos de seu tempo,
tanto no plano da ação política como nas ideias.
Neste sentido, surge o seguinte questionamento: qual a ideia de
Amazônia para Álvaro Maia, uma vez que o que estava em jogo era a própria
construção de um projeto nacional e como a intelectualidade se posicionaria
diante deste processo. No caso da Amazônia, esta região se insere dentro deste
processo, ou seja, Maia fazia parte de um conjunto de intelectuais que
pretendiam mostrar que a região fazia parte do território brasileiro, e para isto
era necessário mostrar sua realidade histórica e cultural, a partir de quando e
sob quais condições ocorreu esse processo de inserção.
As divagações religiosas sempre fizeram parte dos escritos e dos
discursos de Maia, fortemente carregado de tendências parnasianas e
simbolistas, todavia, para nossa análise sociológica, é importante salientar que
existe relação entre a obra e a estrutura social. Num contexto de transformações
sociais políticas no período da Primeira República, sua obra surge também como
instrumento de transformação social.
O fato de manter uma retórica fortemente ligada a um misticismo, além
de reforçar a imagem de líder messiânico, está ligada a um ascetismo que o
colocaria numa posição de imunidade a degeneração na qual a sociedade
burguesa passava. Segundo Sevcenko (1999), um grupo de intelectuais, que
não conseguiram a grande consagração, e por isto eram marginalizados,
mantinham uma postura inconformista contra a ordem social vigente,
apregoando e mantendo uma atitude reformista. Este grupo compostos por
homens públicos, profissionais liberais e políticos, que decidiram transformar sua
obra em instrumento de ação pública e mudança social.

122
A religiosidade em Maia pode ser considerada como uma reação a
degeneração humana, e ao mesmo tempo, um instrumento de luta no sentido de
buscar a redenção da humanidade, o retorno aos valores perdidos, pela busca
incessante pelos bens materiais, seja no plano ideológico, seja no plano político.
As divagações refere-se também, sobre sua própria posição no campo
simbólico ao qual está inserido e qual a sua real missão como literato na
sociedade. No conto Ilusão de Natal (1924), Maia indaga sobre o real motivo
desta data para o homem do norte, o texto faz uma crítica às transformações
ocorridas em relação a esta celebração.
As celebrações tradicionais sofreram fortes mudanças com o advento do
capitalismo, passando por um processo de ressignificação e de reificação. Com
as mudanças de valores da sociedade moderna, ocorre uma perda dos valores
transindividuais e a grande questão passa a ser: se essas celebrações ainda
servem para reforçar os laços de solidariedade entre os grupos sociais.
Durante o período da República Velha, os literatos ao mesmo tempo em
que buscavam sua inserção dentro desta nova estrutura social usavam suas
obras como instrumento de engajamento social e político. Buscavam, ao mesmo
tempo, compreender esses dilemas e procuravam mesmo que no plano
simbólico, uma espécie de redenção para essa perda de valores e a busca
incessante pela vida mundana.
Lévi-Strauss, em o Suplício do Papai Noel (2008), aborda um evento
polêmico que ocorreu na França, em Dijon, em 1951. Onde as padres e pastores
protestantes denunciavam a “paganização” do natal, onde a festa estava
perdendo o seu real sentido; assim no dia 24 de dezembro padres queimaram
um boneco do papai noel nos átrios da catedral de Dijon, na frente de várias
crianças de um orfanato. O ato foi alegado como uma que a simbologia ensinada
às crianças estavam ocupando um espaço cada vez maior que o real propósito
desta festa cristã, logo a polêmica se espalhou pelos jornais de toda França.
Contudo, o ponto fundamental da análise, não se trata do porque as crianças
gostarem de papai noel, mas qual o real objetivo de seus pais inventarem este
mito. O que está de fato em jogo é uma manifestação sintomática de uma
acelerada mudança de crença e costumes.
Álvaro Maia denunciava que esta festividade estava deslocada do
verdadeiro propósito quando se questiona em relação à importância da árvore

123
de natal. Segundo o autor, o homem do interior não atribui a mesma significação
para este símbolo natalino do que lhe confere o homem moderno da cidade.
Maia indaga a importância deste símbolo natalino, grafado com letras
maiúsculas alegorizantes (característica comum ao Simbolismo), num cenário
amazônico de rios e florestas, onde a relação com a natureza também está
ligada com a sua religiosidade.

A minha Arvore de Natal...Vejo-me a uma enorme distancia,


entre florestas selvagens, num rio nervoso e barrento, cujas as
águas rolavam em epithalamios, sacudindo em adeuses os
arbustos mergulhados às margens. Os brinquedos eram as
nuvens que se esfarrapavam ao vento, as irrealidades que se
desfiavam a um olhar... 49

Todavia, deve-se observar que o confronto travado entre o uso ou não


de novos elementos simbólicos nesta celebração, não pretende criar uma
espécie de projeto revolucionário contra o modus vivendi da sociedade
burguesa, sua crítica dentro do plano do próprio campo intelectual está
relacionada a sua própria luta por legitimação. Durante os primeiros anos de sua
trajetória inicial buscava sua consagração no campo literário, por este motivo,
sua relação com seus pares na cidade, desvelava as angústias de um caboclo
nascido no seringal que tinha que se adaptar à cidade e a um novo estilo de vida.
Durante este período Manaus, ainda sob a aura da Belle Époque refletia um novo
estilo de vida alinhado com a cultura das grandes metrópoles. Neste sentido, os
dilemas da relação com o interior no qual Maia nasceu revelava as angústias de
um escritor que buscava o reconhecimento nos restritos círculos de seus pares.
Segundo Ramos (2010), a obra alvareana na trajetória inicial estava
passando por uma construção em relação a sua própria identidade intelectual.
Assim ele reflete uma espécie de registro de um período cujos ciclos econômicos
trouxeram tempos de prosperidade e desenvolvimento e também de crise e
desolação e, ao mesmo tempo, em que Maia começa a expressar seus anseios
e projetos como uma alternativa para o contexto social e político da época. Nesse
diapasão, a construção de sua própria imagem de intelectual vai ganhando

49
MAIA, Álvaro. A Ilusão de Natal, 1924. In: BAZE, Abrahim Sena. Álvaro Maia, memórias de
um poeta. 4° edição. Manaus: Novo Tempo Ltda. 1998. p. 61.

124
contornos mais claros ao tentar se inserir no campo e apostar que suas tomadas
de posição lhe garantam o sucesso intelectual e político.
Maia sofreu dilemas comuns ao outros escritores deste período, sua
obra teria um caráter puramente idealista e voltada as inquietações do espírito,
ou se renderia a matéria e as coisas mundanas, ou seja, se ele iria fazer de fato
uma “arte pela arte”; não deixando de levar em consideração que o campo
literário sofria neste momento uma forte ingerência de outros campos, tais como
o político, o jornalístico e a ciência.
Contudo, não se deve esquecer que o processo de consagração
intelectual e política em Maia estava intrinsecamente ligado à construção de uma
rede de relações com os setores dirigentes do Amazonas, como podemos
destacar na sua atuação como editor chefe da Revista da Associação Comercial
do Amazonas durante a década de 1920, ao assumir postos como este, Maia
além de reforçar sua imagem de líder político capaz de assumir o papel de porta-
voz de setores economicamente dominantes que estavam alijados do poder, ao
mesmo tempo em que conferia-lhe uma espécie de imunidade em relação as
sanções do mercado.
Esse processo de sociabilidade evidente ao assumir um posto nesta
revista é importante pois revela os resquícios ainda coloniais de uma formação
política construída a partir de uma rede de clientelas, senhorios e compadrios,
formando assim indicações ligadas pela proximidade com o “poder”. Neste
sentido, o intelectual neste período sempre estava ligado ao político, e por mais
sofredora que seja, sua obra estava marcada de um engajamento social.
Na continuidade do conto llusão de Natal (1924), Álvaro Maia enfoca um
dos temas centrais em sua obra literária e em seu pensamento político. A
borracha, a principal característica da abordagem de Maia ao tratar deste tema
é o enfoque no indivíduo, sendo ele o ator central deste processo econômico,
daí a presença constante do seringueiro nos escritos literários e em seus
discursos.

Nesse poderoso cenário, Jesus errava em som e perfume,


esparso nas maresias e nos arvoredos, e accendia preces nos
casaes rústicos, debruçados nos barrancos. A alegria
borbulhava à noite, ao tremor das estrelas, quando homens
rudes, seringueiros retardatarios, davam cerradas descargas de
rifles, despejando relampagos na escuridão. Dentro, na sala

125
maior, todos se ajoelhavam ante a imagem em tosco oratorio, de
onde pendiam fitas de varias côres que rememoravam o arco-
iris. Sim, o arco-iris, na terra em que nasci, é um traço de união
entre os homens e o Senhor. Quem peccar será condenado
pelas suas côres, que sorverão os rios e incendiarão as
selvas...50

Este trecho retrata a exploração da borracha sob a ótica do seringueiro,


o agente fundamental para a produção desta riqueza, sem todavia se preocupar
com grandes disputas que ocorriam no plano internacional. Álvaro Maia estava
tentando demonstrar que apesar da rudeza esses homens tinham a
sensibilidade e fé, fé esta que o autor critica por se perder com a modernidade.
Para ele o verdadeiro natal ainda é celebrado, por isso retrata esta celebração
com profundo saudosismo em uma descrição que trazia guardada em sua
memória como um homem do interior que viveu essa mesma pureza de crenças.
O tom de autoidentificação do texto é importante para a construção de
Maia como líder intelectual e político, contudo pode revelar ainda a preocupação
de Maia com a própria visão sobre o processo de desbravamento e civilização
das áreas amazônicas. Este aspecto aparece de forma mais clara em suas obras
da segunda fase através do realismo e a crônica histórica, onde o político
consolidado, o intelectual consagrado e o homem maduro, já poderia se
despreocupar em ousar ou conter suas palavras ou ideias. Sua obra já está mais
livre destes ditames sociais e simbólicos. Entretanto não se deve esquecer que
mesmo em suas obras da segunda fase o autor sempre tenta amenizar a
crueldade, onde as causalidades sobre os maus-tratos nos quais o seringueiro
passava por uma série de ambiguidades neste tratamento, ora construindo
seringalistas cruéis e desumanos, ora atribuindo a culpa ao descaso dado pelo
Governo Central em relação ao trabalhador no interior do estado, tal como
veremos mais adiante.
A Amazônia retratada em Álvaro Maia passa apenas por uma
preocupação em retratar a realidade local, para uma realidade que se torna um
instrumento de engajamento social. Como homem político, buscou criar uma
política voltada para minorar as péssimas condições das camadas mais baixas
da sociedade, apesar de que, segundo Santos (1996), a valorização do

50
MAIA, Op. Cit. p. 61.

126
seringueiro uma das suas principais pechas políticas não saiu do plano do
discurso.
A Amazônia retratada em suas obras, é fruto de sua intensa relação com
o interior, por isso sua obra literária não dá muita ênfase a cidade de Manaus. O
sistema de produção da borracha e os dilemas do homem do interior são o foco
de atenção do autor, daí a riqueza nas descrições sobre a realidade interiorana
do estado e seu ambiente natural, como no trecho: “florestas selvagens, num rio
nervoso e barrento, cujas águas rolavam em epithalamios”51
O retrato fiel de um tempo perdido na memória do autor entra em
confronto com a realidade moderna, daí a crítica a árvore de natal, a
corporificação da transformação dos valores, que como o próprio título da obra
sugere uma ilusão, que não retrata a real intenção e o verdadeiro simbolismo
desta celebração, por este motivo, Maia afirma que esse era seu natal, o natal
do verdadeiro homem amazônico e não uma cópia mal feita dos novos padrões
consumistas importados de fora.
A busca por uma remissão dos seus erros não é mais a maior
preocupação desta nova celebração, o autor faz uma evocação aos elementos
da modernidade mostrando como estava transformando as relações sociais,
quando ele refere-se a riqueza e o ornamento da árvore de natal, a luz elétrica e
os brinquedos representados como pombos de pratas, essas palavras revelam
uma problema que, segundo Williams (2011), está justamente em delimitar
aquilo que provém da natureza e aquilo que não é natural, dentro da literatura
burguesa. Neste sentido é possível aferir que Maia estava justamente criticando
um dos maiores dilemas da modernidade: até que ponto pode-se mensurar o
condicionamento que a natureza ainda exerce sobre o homem. Com a
predominância do materialismo e do pensamento humanista torna mais difícil
compreender o que seria esse condicionamento.
No trecho Maia afirma qual seria a verdadeira árvore de natal:

“-Dando-te o sonho e a crença, dou-te tudo. Ao seu fulgor,


erguerás a tua Arvore da Vida: à sombra de seu galhos e à
sipidez de seus fructos, sentirás a passagem dos dias, como
aguas corrente entre bambuaes que se abraçam em abóbodas,
num fim de estio maravilhoso... Abriste as pupilas ao mundo, e
ao teu berço era escuro. Construiste o teu edificio pedra a pedra,

51
MAIA Op. Cit. p. 61.

127
sem amparo de um braço, sem um arrimo de uma palavra. Na
escalada pela montanha ingreme, ainda soffrerás: gotas de suor,
como perolas, envolverão tua cabeça de uma fulgido diadema.
Que queres? A sorte tece de paina o leito de alguns para
abandonar outros à borda dos abysmos. Em compensação, tens
o condão do sonho. Sonha, e tudo fulgirá no chãos e na treva,
luarizando o teu caminho. Levantarás assim a tua Arvore de
Natal, alongando pelos annos afóra os galhos robustos e
amenos, a cuja sombra poderás viver52.

O tom de engajamento social é retomado, o autor conclama a sociedade


intervir e deixar de lado a passividade em relação as transformações sociais
recorrentes, nota-se uma crítica a sociedade urbana, que experimentou uma
surto de riqueza e desenvolvimento no período áureo da borracha, mas que foi
obtido graças ao árduo trabalho do homem do interior.
A forte evocação aos temas religiosos presente nesta e em outras obras
do autor reflete a construção de uma imagem de místico que foi oportunamente
manejada para o plano político. Segundo Ramos (2010), o misticismo e a
religiosidade presentes em Álvaro Maia, deixam transparecer em seus versos
sua intencionalidade política, conclamando o povo para uma guerra santa (como
uma espécie de missão divina) para se manifestar e retirar o povo desta prisão
na qual ele se encontra – a miséria.
Segundo Miceli (1979), a relação entre a igreja Católica e a política na
primeira metade do século XX é interessante pois reflete as inúmeras tentativas
da igreja de recuperar o status de sócios privilegiados do poder político que
haviam desfrutado até a queda do Império, mantendo uma posição semelhante
em relação ao regime Vargas. Eles se sentiam ameaçados com as reformas
educacionais do governo que importavam métodos pedagógicos inspirados no
pragmatismo, com o risco de gerar uma sociedade profundamente humanista,
daí a necessidade de expandir sua ação para o ensino, a produção cultural e o
enquadramento institucional dos intelectuais. Essa postura mais ativa da igreja
Católica, bem como de seus intelectuais simpatizantes53, parte de um

52
MAIA. Op. Cit. p. 62.
53
Somente no final de sua vida na publicação do livro Nas Tendas de Emaús (1967) que Álvaro
Maia apresenta uma postura mais crítica em relação a Igreja Católica, aproximando-se da
doutrina kadercista, no entanto, apesar dessa mudança seus registros biográficos revelam
relações estreitas entre o autor e vários representantes do clérigo na região, este assunto
desenvolveremos adiante.

128
direcionamento do Vaticano promulgado pelo Papa Leão XIII, de que a igreja
deveria manter uma postura mais ativa em relação ao problemas sociais.
Neste sentido, Maia conclui:

Amanhã, quando te curvares ao ventre da terra, em gestos de


filho carinhoso, fitarás tudo, agitando milhares de recordações,
que te embalarão para o sonho supremo com uma doçura e uma
bondade vindas do céu. No emtanto, ellas vêm do passado. E,
levantando os olhos pasmos de saudade, abençoarás os
pasmos de saudade, abençoarás os pomos duradouros de tua
Arvore de Natal, penduraste, dia a dia, à ponta de ser verdes
ramos tremulos... Aqui,- quanto é lindo este fructo!- é uma
lembrança de amor: uma supplica, uma lagrima, um beijo, um
adeus,- um cyclo de angustias. Alli, - um recanto de floresta,
ainda beijos... e o pecado. Mas não falemos nisto. Natal é
sagrado, e comove. Olha aquelles galhos em que o verde é mais
tenro, um verde de folhas novas. E uma caricia mais doce, amis
pura, talvez de noiva ou de mãe. Sonha! O acaso se manifesta
pelas oportunidades felizes. Nunca deixes de tornar uma ilusão
em realidade54.

Álvaro Maia deixa revelar sua inconformação com a realidade social, no


interior não havia as facilidades, belezas e modernidades da cidade moderna,
todavia, havia a inocência e firmeza de convicções que para o autor são
características excepcionais, exaltando o homem interiorano, o seringueiro, que
em meio as precariedades encontram soluções para enfrentar os problemas,
assim a sociedade deve se espelhar na dureza e ao mesmo tempo a
sensibilidade destes homens que enfrentam sem titubear os problemas e as
transformam a seu modo.
O autor cita a ilusão como uma estado que deve ser provisório e nunca
permanente, o novo modo de vida capitalista trouxe para a região uma falsa
ilusão de prosperidade e desenvolvimento, falsa pois não conseguiu atingir todas
as camadas da sociedade e breve, mais ainda assim deixava poucos bravos e
corajosos a insistirem em permanecer nesta região. Com o fim do período áureo
da borracha, muitos grupos sociais que se aventuram a tentar explorar a
borracha desapareceram, iludidos com a possibilidade de enriquecerem nessa
região. Para esse grupo o autor critica por virem seduzidos por essa ideia de
prosperidade e ao primeiro sinal de crise abandonarem a região.

54
MAIA. Op. cit. p.62.

129
Ele compara esse primeiro momento do ciclo da borracha como uma
grande ilusão, sendo simbolizada por esta celebração e corporificada pela árvore
de natal, como o elemento máximo desse novo momento de prosperidade,
contudo, diante da realidade de crise, não se pode manter uma postura passível
de seduções ideológicas visto que a própria realidade social exigia uma
transformação. O seringueiro é então exaltado, como o representante que
melhor retrata essa capacidade de transformação da realidade, o autor conclama
que a sociedade reaja transformando a sua realidade, transformando a crise em
oportunidade.

Colhe-a sempre, onde quer que te encontres; transforma em


beleza os menores factos e as menores scenas. Todo homem
póde construir, dentro de si proprio, a sua Arvore de Natal. Tens
sonho, e sonho é ouro55.

Durante as décadas de 1920, o Amazonas encontrava-se em uma crise


política e econômica, facções políticas locais estavam descontentes com os
grupos que se revezavam no poder, segundo Ramos (2010), o governador Cesar
do Rego Monteiro, foi empossado mediante manobras políticas, enfrentando um
governo em pleno processo de desvalorização da borracha, principal produto
agroexportador do estado, além de sofrer com o descaso do governo central.
Diante deste contexto, o governo permanecia mantendo uma política paternalista
para com seus aliados na capital e no interior do Amazonas em detrimento da
realidade social do resto da população amazonense.
Álvaro Maia surge como uma liderança, apta a representar os ideais de
mudanças, que os setores oligárquicos espraiados do poder ansiavam, ao passo
que sua figura de escritor e poeta místico conferia-lhe a condição de líder
intelectual garantindo assim o carisma necessário para uma possível
consagração política, no ano anterior a publicação deste conto Maia proclama
no Teatro Amazonas seu mais famoso discurso: Canção de Fé Esperança
(1922), a partir deste pronunciamento o líder místico se consolida e o poeta
passa por um processo/ritual de iniciação política, isto é, a partir deste momento,
começou a inteirar-se da lógica do campo político, manejando a prática do dizível
e do que é pensável dentro desse microcosmo social peculiar que é o campo do

55
MAIA. Op. cit. p. 63.

130
poder. Neste sentido, Álvaro Maia passa então a tomar o cuidado ao tecer
críticas, a fim de que não se colocasse em uma situação desconfortável ante as
elites conservadores do estado.
O conto revela a intencionalidade de Álvaro Maia em construir uma auto
imagem de porta-voz capaz de assumir os postos de representação destes
setores, ao mesmo tempo em que tece críticas tomando o cuidado de
“desagradar” determinados setores dominantes e para este objetivo a linguagem
do Simbolismo surge como um instrumento muito eficaz para o autor elaborar
sua crítica social. Quando ele afirma que todo homem pode transformar seus
sonhos, está conclamando a população a uma reação em relação ao contexto
político deste período.
Segundo Paiva (2007), o clima de inquietação intelectual e política que
cercava o começo do século XX, não repercutia apenas na Europa e nos grandes
centros culturais brasileiros, mas também refletia na Amazônia, no qual muitos
jovens intelectuais transformavam o Simbolismo na primeira opção para
demonstração do desagrado em termos literários. Em relação às crises
econômicas, convinha uma postura de renovação mais ampla que atingira
inúmeros setores da sociedade, daí o apoio a rebeliões seja de forma direta ou
indireta, tais postura dos jovens intelectuais amazônicos nos quais podemos
destacar além de Álvaro Maia, Abiguar Bastos, entre outros
No ano de 1924, ano da publicação deste conto, ocorre em Manaus um
levante armado encabeçado por um grupo de militares, fruto de um profundo
descontentamento de diversos setores da sociedade amazonense em relação
ao contexto político da época e o processo de sucessão eleitoral. No entanto,
alguns grupos civis apresentam um comportamento ambíguo ao se mostrarem
solidários ante o motim realizado pelos militares, sem contudo, que sua posição
se mostrasse desfavorável aos interesses do governo central; assim, muitos
opositores ligados à facção dos Nery, dentre os quais podemos citar o próprio
Álvaro Maia, manifestaram apoio aos revoltosos, fosse em suas publicações em
jornais, fosse em discursos pronunciados.

2.3. O lugar da região amazônica na obra de Álvaro Maia

131
A Amazônia imprime uma série de perspectivas e contrariamente ao que
se imagina, a região não foi descoberta, mas inventada pela historiografia greco-
romana a partir da construção da Índia (cf. GONDIM, 2007, FREITAS PINTO,
2008). O Oriente sempre exerceu fascínio sobre o pensamento Ocidental como
um lugar de encantamento e possuidor inúmeras riquezas. Neste sentido, o
pensamento ocidental consolidou o desenvolvimento das noções de democracia,
liberdade individual e sociedade civil em contraposição a ausência da geografia
política e social oriental. As Índias foram retratadas principalmente durante o
século XIX, por este motivo a visão encantadora pela Índia revela que apesar de
toda a sua beleza e poesia, tal sociedade não se desenvolveu no sentido de
assumir a força da razão para organizar e administrar a vida e as coisas do
Estado, determinando assim incapacidade desse povo que lhe conferia a
condição de servidão e degradação.
Tal ideia, norteou as impressões dos primeiros viajantes da Amazônia e
criou as primeiras impressões sobre raça, maravilhas e monstruosidades
indígenas, a natureza, o progresso entre outros. Somente com a borracha
começa a surgir a inclusão da região como fornecedora dos mercados europeus
e norte-americanos. Em contraposição a essa ideia, surge uma série de autores
que acreditavam que a valorização do elemento regional e do indivíduo da região
eram os agentes mais capazes de transformar a região, na medida em que
desconstruíam as pechas deterministas.
Segundo Rosa Brito (2001), Álvaro Maia descreve o viver e o fazer do
homem amazônico. É interessante salientar, que Maia faz parte dos intelectuais
que pretendem construir outra ideia de Amazônia, diferente da ideia consolidada
de que a região é carregada de exotismo, selvagem e inóspita. Ao abordar a
temática da borracha, ele pretende construir uma Amazônia que possui
condições suficientes para o seu desenvolvimento, através do investimento no
indivíduo, que conseguiria a adaptação e por isso seria capaz “domar” este meio.
Como podemos confirmar através da afirmação de Maia de que suas obras são
fruto dos relatos de pessoas que viveram o ciclo, desde seu apogeu até seu
declínio, passando pela desconfiança em relação ao segundo ciclo.
A ênfase na borracha e a riqueza de detalhes de suas descrições sobre
a Amazônia são transpostas para sua missão política. Álvaro Maia não
acreditava que o papel do intelectual era apenas descrever a realidade social.

132
Era necessária uma atuação efetiva para que houvesse uma mudança na
realidade social. Como testemunha ocular do apogeu e do declínio da borracha,
ele compreendia que era necessário ser também um homem de ação, para de
fato desenvolver a Amazônia.
Contudo, ele era consciente do fato de ser apenas um representante do
interior salientando a importância de sua origem e da potencialidade da região
em suas obras. Para obter a consagração política, era necessário apreender os
mecanismos e dinâmicas do jogo político, e por este motivo ele construiu uma
rede de relações para obter o reconhecimento entre os pares políticos.
Outro ponto importante com relação a construção da ideia de Amazônia
em Maia, segundo as descrições feitas em sua obra literária e reforçada em seus
discursos políticos, o primeiro apogeu da borracha deu-se exclusivamente a
esforços individuais dos verdadeiros desbravadores, o seringueiro, não havendo,
jamais, um ordenamento oficial. No livro Defumadores e Porongas (1966), o
autor revela o processo de fixação do homem no solo amazônico, vencendo as
doenças, estabelecendo-se nos beiradões e enfrentando as forças das águas,
que são as verdadeiras estradas nesta região:

O remo, a vela e o motor impulsionaram a marcha para o interior


amazonense, em capítulos lentos, do oceano às fronteiras,
durante os vários anos de penetração extrativista. Foi uma
conquista pelas aguas, remando ou com os velames ao vento56

Desbravamento do interior da Amazônia constitui-se de uma silenciosa


vitória do brasileiro anônimo, que não obteve o apoio oficial, sendo direcionado
apenas pelo desejo de conquista (BRITO, 2001). Por este motivo, sua atuação
política seria no sentido de dar uma caráter sistemático e racional a essa
produção extrativista, e protegendo de fato os verdadeiros agentes desse
desenvolvimento, o seringueiro.
Segundo Neide Gondim (1999), Álvaro Maia ao relatar o meio amazônico
incidindo sobre os personagens, não o faz sob uma rigidez em uma fatalismo
naturalista, o realismo de Maia transforma os desbravadores desta região
saudosos de sua terra natal, que graças a Mundo Novo modificam suas vidas de
aventuras e atropelos, sem as mesmices do cotidiano no agreste nordestino.

56
MAIA, 1966, p. 30.

133
Álvaro Maia não apresenta um discurso determinista. O autor apresenta
em sua obra literária e em seu pensamento político uma heroificação ao caboclo
seringueiro, descontruindo a ideia de indolência e covardia (LIMA, 2009). Maia
se diferencia de outros autores do ciclo ficcional da borracha por não enfocar no
aspecto negativo do incidência do meio amazônico na formação do povo, o meio
não é tratado a partir da ideia do infernismo. Álvaro Maia descreve de forma
muito clara a violência e a espoliação, que seriam fruto de uma sociedade em
formação. Álvaro Maia, assim como Arthur Cezar Ferreira Reis, sendo este
último secretário de Educação no governo de Maia, acreditava que estes
comportamentos concupiscentes são fatores naturais de um processo de
colonização ou de uma sociedade em formação.
A ideia de que o Brasil é pobre é uma construção relacionada ao
processo de desenvolvimento do sistema capitalista, onde ao longo da nossa
história a formação da sociedade de classes e as relações de trabalho
capitalistas, nas quais as classes dominantes sempre impediram a consolidação
da democracia e da cidadania, criando assim a concepção de que o povo
brasileiro, não era vocacionado a questões de âmbito público e interesses
coletivos, daí a ideia de atraso e primitividade. A Amazônia é um exemplo dessa
pobreza e atraso, neste sentido é necessário identificar o ponto em que a
percepção sobre a região não se desenvolveu como “sociedade civil”, que
segundo o autor são os elementos básicos para que a região pudesse ter de fato
uma “sociedade” ao moldes da modernidade e da racionalidade capitalista
urbana (FREITAS PINTO, 2008).
Neste sentido, para compreendermos o processo de construção da ideia
de Amazônia em Álvaro Maia, convém nos debruçarmos em um breve
levantamento sobre a representação da região amazônica na formação do
pensamento social e na literatura.
Gondim (2007) mostra que desde os relatos dos primeiros viajantes a
região era retratada como fantástica, com povos estranhos, a fonte da juventude
e de riquezas, todavia essa percepção vinha carregada das mitologias clássicas,
tais como as indianas e as greco-romanas que descreviam a Amazônia como o
Novo Mundo.
Assim a busca de riquezas e do Éden instigavam as novas expedições
em busca do El Dorado, e outro mitos. Neste contexto, muitos relatos estavam

134
impregnados das noções de paraíso, acreditando que havia um paraíso igual ao
descrito na bíblia, o jardim do Éden. O inferno também surge nesse contexto no
imaginário sobre a região, devido ao processo de choque etnocêntrico entre os
colonizadores europeus e as populações nativas, essa noção de inferno toma
novos contornos anos depois, se ligando a própria floresta, tema que será
retomado na produção do pensamento social séculos depois, no qual Álvaro
Maia aparece um crítico ferrenho sobre esse estigma. Como ele afirma no soneto
Paraíso Verde encontrado no livro Buzinas dos Paranás57 (1997), que faz uma
coletânea de sonetos e poemas produzidos por Maia ao longo de sua vida:

Paraíso verde! Verde em várzeas e ladeiras,


Possuis, como exceções abertas ao porvir,
Praias, campos gerais, queimadas e clareiras.
No entanto, quanto dói, no verde sem fronteiras,
Ver a árvore tombar, ver a floresta ruir...

Nas queimadas sem-fim, caem a folha e a flor no


Palude: enfrenta o galho o sol, a morrer de
Febre- pulso que expele a combustão de um forno,
O lobo é verde , a espuma é verde, a morte é verde.

Paraíso! Em teu inferno é verde a luz da aurora...


Verde a esguia palmeira, abrindo-se em troféus.
Mas no verde triunfal, que exubera em pletora,
A água atinge o seu apogeu, no ardor de quem devora,
Destrói as plantações, ameaça os próprios céus...58

Note nos versos (01 e 10), os termos paraíso e inferno não são para
Maia a fonte de destruição e atraso da região, ele faz uma contraposição através
da linguagem simbolista e parnasiana, no lugar da ideia de inferno e escuridão,
abre-se o espaço para a luz de um novo tempo. Assim, o autor pretende afirmar
que a região é repleta de possibilidades para o desenvolvimento e para a
modernização.
Na revista Redempção (1924), Maia inspirado na ideia de inferno verde
desenvolve uma crítica elaborando a ideia de paraíso verde/eldorado verde, a
partir da justificativa que o Amazonas não poderia ser concebido com um inferno,
visto que não é um cárcere que prende todo aquele que pretende adentrá-lo.
Entretanto, por se tratar de um lugar onde habitava um povo simples, se tornou

57
MAIA, Álvaro. Buzina dos Paranás. Manaus: Ed Sergio Cardos, 1958. p. 37.

135
suscetível à entrada daqueles “desbravadores” que na intenção de dominar,
defraudaram a moral deste povo. Essa ideia vem de encontro com a percepção
de estado de natureza elaborada por Rousseau, no qual o estado pré-civil era
um estado puro, um estado de inocência, e foi justamente com o surgimento da
propriedade privada que surge a ganância e a corrupção do homem.
A própria condição do solo que outrora seduziu estes tarados irá fulminá-
los. Para Álvaro Maia, é impossível conceber a ideia de que o Amazonas levaria
à morte todo aquele que tentasse desbravá-lo, pois quando destaca o papel do
seringueiro, aquele que penetra a selva, derrubando-a para construir os
primeiros sinais de civilização, consegue, apesar de se encontrar em pleno
estado de solidão, consegue modificar a paisagem, demonstrando um primeiro
esboço da vitória do homem sobre a natureza.
Neste sentido, esse paraíso verde, através da atividade solitária do
seringueiro encontramos um traço mesmo que embrionário da nacionalização do
brasileiro. Para Álvaro Maia são justamente estes pequenos gestos de homens
simples que levarão o progresso aos lugares mais longínquos do Brasil.
A Amazônia nos séculos XVI e XVII era a terra das possibilidades, por
este motivo provocava tamanho interesse. A ideia de Amazônia surge diante de
um contexto de modernização da sociedade europeia, todavia a mentalidade
desse europeu ainda estava enraizada no pensamento medievo como afirma
Gondim (2007, p. 97): “[...] diante do rio e da mata amazônicos, quase
genericamente, nenhum se isentou de externalizar sentimentos que variavam do
primitivismo pré-edênico os infernismo primordial”
Segundo Freitas Pinto (2008), pensadores naturalistas como La
Condamine e o padre João Daniel, pioneiros em inventariar a Amazônia,
acreditavam que os povos nativos eram débeis e apáticos, devido a sua
inaptidão e inadaptabilidade ao meio, por este motivo não teriam condições de
serem os agentes responsáveis para o desenvolvimento e modernização da
região.
Essa visão sobre a Amazônia surge inspirada nas ideias de Buffon, a
respeito de diferenças entre climas e localização geográfica sendo estes fatores
de diferenciação entre o comportamento, temperamento, índole e capacidade
inventiva das população do mundo. Neste sentido, o clima inóspito determinaria
a debilidade do povo amazônico e o contato com as populações europeias

136
auxiliariam-nos na assimilação de alguns valores da civilização e assim sairiam
da barbárie.
Alberto Rangel e Euclides da Cunha, autores do início da Primeira
República, ainda sob forte influência do determinismo europeu e do darwinismo
social, elaboram uma nova perspectiva sobre a relação homem e natureza.
Rangel com sua obra ficcional Inferno Verde (1908), e Cunha publica uma série
escritos jornalísticos e crítica social, que posteriormente foram compiladas no
livro Paraíso Perdido: Ensaios Amazônicos (1976). Esses autores incluem um
elemento novo para a compreensão da região amazônica: o caboclo. Segundo
Euclides da Cunha, assim como o sertanejo no nordeste, o caboclo seringueiro
seria o agente mais capacitado, para o projeto de integração nacional. Para
Alberto Rangel, no entanto, essa percepção é fortemente ambígua, pois fica
claro em alguns trechos de sua obra a capacidade do homem nativo de se
adaptar as condições naturais e em outros trechos, há um reforço da ideia de
subjugação as condições impostas pelo meio.
Todavia, não se deve esquecer que esses autores apesar de serem
influenciados pelas “ideias vindas de fora”, estavam inseridos num contexto
político e social de patriotismo e construção de um projeto nacional, daí a ênfase
no elemento nativo, como o agente capaz completar o projeto de construção da
identidade nacional:

Percebe-se a valorização do nativo: é ele o elemento moderador,


o que limita o conflito. O ribeirinho, abrigado em torno dos lagos,
consegue afastar-se da corrupção representada pela força do
comércio da borracha. Assim, o nativo da Amazônia é colocado
como elemento fundamental na construção do tipo brasileiro
(BUENO, 2002, p. 60).

Na década de 1930, Gilberto Freyre ao lançar o livro Casa Grande e


Senzala (1933), parte da perspectiva de uma existência simbiótica entre a
natureza e o homem, onde o processo de adaptação e/ou assimilação deram
elementos para uma relação harmoniosa entre homem e a natureza. Como
afirma Bastos (2014, p. 43): “A natureza influi sobre o homem e a cultura humana
altera a natureza, muitas vezes de modo profunda”.
Essa nova mudança na ideia de Amazônia ressoa na obra e no
pensamento alvareano no sentido de compreender que não foi o sistema
extrativista, ou a inaptidão sob as condições geográficas os motivos do atraso

137
da região. Segundo Tereza de Sousa Ramos (2012), autores como Araújo Lima
e Leandro Tocantins, já argumentavam sobre a impossibilidade do meio
geográfico e o clima, alterar o comportamento humano, visto que o homem não
é uma máquina inerte. Neste contexto, Leandro Tocantins afirmava que a região
amazônica não havia ainda construído uma cultura econômica que criasse elos
com a nação, não por culpa do homem ou da natureza, segundo o autor haveria
várias atividades que sendo bem administradas poderiam propiciar o
desenvolvimento da região. Neste sentido, a fragilidade ou não fixidez da
economia amazônica se deu somente pelo fato de a região se deter em um único
produto.
Mario Ypiranga Monteiro (1976), partindo desta ideia, afirma que o
panorama socioeconômico do ciclo da goma elástica diverge de outros ciclo
extrativos no Brasil. No caso do ciclo do cacau houve uma fixidez através da
implantação e não pela transplantação. A economia do cacau é a representação
legítima da expressão do sedentarismo burguês, o homem médio burguês.
Através da construção da casa grande, como muitas janelas e confortável, uma
representação da nacionalidade. Já o panorama social oriundo da economia da
borracha surge como algo diferente e perturbador. Os barões da borracha não
se fixaram ao solo, apresentando costumes fortemente urbanos, enquanto que
o outro, o fazendeiro, produzia não apenas o cacau, mas tinha em sua
propriedade pequenas criações e plantações para o consumo doméstico e isso
lhe dava um sentimento de fixação à terra. Assim, outros personagens surgem
no cenário gomífero e também não apresentam essa características de fixidez,
pois sempre estão em constante transitoriedade - o guarda-livros, o caixeiro
aviador, o seringueiro, todos esses personagens não cultivam tradições que lhe
confeririam raízes, ao contrário do sendimentarismo da feitoria do cacau.
Outro ponto que destaca essa falta de fixidez está relacionado ao próprio
ofício do seringueiro, diante de um cenário que o prende a um isolamento
prolongado. Este homem acaba por perder a satisfação pela vida, retirando-lhe
o sentimento de dignidade moral, condicionado ao sofrimento, gera um
inconformismo assim como a descrença de encontrar no Vale Amazônico um
paraíso que o faça esquecer das tristezas do sertão.

138
Enquanto o coronel cacaulista é patriarca e conservador,
religioso e saudavelmente ponderado nos gastos, o coronel ou
o barão da borracha é femeeiro, político famanado, republicano
sem saber por quê, meio ignorantaço e rude quando não é
totalmente, gastador inconsequente (MONTEIRO, 1976, p. 129).

Neste contexto, os estudos sobre a região amazônica, criaram novos


contornos, nos quais os pensadores da região, durante o período de 1920 a
1950, dariam maior ênfase ao elemento regional. Esses intelectuais faziam parte
de um projeto de construção da visão “nativa’ sobre a região, na qual Álvaro Maia
surge como referência intelectual, em especial para o campo intelectual local
(PAIVA, 2002).
Assim a Amazônia ainda exercia um ambíguo processo de
encantamento ligado ao Édenismo e ao infernismo, todavia o discurso
regionalista ao enfatizar determinados traços, elementos, típicos de uma
regionalidade, atrelados às ideias de adaptabilidade do homem com o meio
natural, formavam agora a ideia de cultura amazônica ou cultura cabocla.
Neste sentido, a Amazônia passa a fazer parte do pensamento social da
região, e a partir da década de 1930 a região se torna uma preocupação política,
a partir do governo Vargas. Contudo, a intelligentsia local, já vinha desde de
1920, mobilizando um movimento de construção de uma identidade
verdadeiramente amazônica. Maia surge neste contexto, como um escritor que
se insere no projeto de construção da identidade amazônica, ressaltando a
importância dos elementos locais para a própria construção da identidade
nacional, entretanto esse posicionamento apresenta inúmeras ambiguidades,
pois ele soube manejar esse posicionamento intelectual para um plano político.
Para Candido (1989), os intelectuais tomaram consciência das massas
como elemento constitutivo da sociedade brasileira. Neste sentido, a consciência
popular passava por um processo de amadurecimento, e ao mesmo tempo a
intelligentsia tomava ciência disto. Esse alargamento em direção ao temas
populares e os problemas sociais contribuiu para um engajamento maior por
parte deste grupo não apenas no plano das ideias, mas também na ação,
levando alguns representantes deste grupo a uma postura mais inclinada ao
radicalismo.

2.4. Temas Amazônicos na Literatura Alvareana

139
Em Álvaro Maia, as descrições sobre a realidade econômica, social e
política da região estão presentes em toda sua obra literária e em seus discursos
pronunciados e embora escritas em momentos diferentes de sua trajetória,
referem-se ao auge e declínio do ciclo da borracha.
Os livros publicados por Maia estão circunscritos a um tempo entre 1943
a 1966, marcadamente ancorados num estilo nativista e realista. Essa obra
também revela um período específico da vida política de Maia que vai do fim do
Estado Novo, passando pelo período de afastamento político durante a década
de 1950, até início do período da Ditadura Militar, quando foi eleito para o Senado
em 1966, pela legenda da Aliança Renovadora Nacional (Arena), quando falece
em 1969 em pleno exercício do cargo.
Neste sentido, apesar desta contextualização histórica da obra literária
de Maia, ela não se difere muito em conteúdo. Por este motivo, no presente
estudo não vamos obedecer a ordem cronológica das publicações, mas uma
ordem lógica, com o objetivo de compreender melhor a abordagem dos temas e
de que forma reverberavam em seu pensamento e ação política.
O livro Beiradão publicado em 1958, trata do apogeu e declínio da
borracha. Segundo Lima (2009), trata-se de um romance que apresenta uma
diversificação na abordagem do ciclo da borracha, o livro apresenta as visões de
mundo do autor, nas quais podemos observar que pouco divergem de seus
postulados políticos defendidos ao longo de sua trajetória política. Todavia,
segundo a autora o livro, traz uma espécie de proposta política de alternativa
econômica para o Amazonas. Neste sentido, dava pouca ênfase ao diálogo com
os outro ficcionistas da borracha.
É interessante observar que no mesmo ano de publicação do Beiradão,
Maia também lança Nas Barras do Pretório, um livro que faz uma espécie
autobiografia de sua vida política, diferente do seu primeiro livro publicado em
1943, Na Vanguarda da Retaguarda, onde apresentou uma coletânea de
crônicas políticas, onde o então Interventor aborda a Campanha da Borracha
feita por Getúlio Vargas. No segundo livro de Maia de natureza política, Maia
então afastado das atividades políticas e após sofrer derrota nas urnas, lança
um livro auto-biográfico de autodefesa de suas ações políticas. O livro é repleto
de documentos e depoimentos em seu favor.

140
Portanto, Beiradão se encaixa na proposta de Maia de recuperar seu
capital político e literário perdido com o fim do Estado Novo. Entretanto, pelo fato
de neste dado momento não exercer a função de político profissional há uma
certa liberdade na divulgação de algumas ideias, que servem até como uma
espécie de oposição aos governadores que o sucederam tais como Plínio Ramos
Coelho (1955-59) e Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo (1959-63), governos
populistas. Plínio Ramos Coelho tinha vínculos políticos com Álvaro Maia, porém
torna-se oposição a ele sucedendo-o por uma diferença mínima de votos. Junto
a Gilberto Mestrinho consolidou o populismo no Amazonas. Neste sentido, tanto
Coelho como Mestrinho tentam desvencilhar-se da imagem dos grupos políticos
conservadores que o próprio Álvaro Maia representava, assim apresentando-se
como modernizadores do estado.
Em Beiradão, o seringueiro é tratado como o verdadeiro desbravador, o
agente responsável pelo projeto de “conquistar” a região, adentrando os
bamburrais e os beiradões, onde se estabeleciam, construindo seus barracões
e fazendo plantações a fim de se estabelecerem com suas famílias. Desta forma,
dava-se as verdadeiras inciativas civilizatórias na região amazônica, segundo
Álvaro Maia. No livro Na Vanguarda da Retaguarda (1943), primeiro livro
publicado por Maia, apresenta uma coletânea de crônicas feitas no seu período
de interventoria. Maia representa o seringueiro como a vanguarda desbravadora,
e apesar do despontar do processo de industrialização da Amazônia, não perdeu
seu papel de destaque.
O sistema de extração da borracha serviu de tema para inúmeras ficções
e estudos sociológicos. Este tema torna-se uma referência para a formação do
movimento de valorização do elemento nativo na literatura e no pensamento
social amazônico. Temas como o mundo do seringal, o sistema de aviação, a
relação entre o seringueiro e o patrão eram temas fortemente enfatizados nestas
obras e foi amplamente explorado no final do século XIX passando por décadas
do século XX.
O enfoque destas obras tem uma particularidade: ou enfocavam o
sistema de um ponto de vista macro, ou sob a relação entre o seringalista e o
seringueiro. Segundo Lima (2009), o enfoque dado ao tema acentua mais um
ambiente do que outro. Para a autora a abordagem do ciclo da borracha
ressaltando o infernismo do processo extrativo, reforçando a exploração da

141
região e a exploração da tragédia humana em torno da relação de trabalho entre
seringalistas e seringueiros. Como ele afirma no trecho do livro Beiradão, “[...] o
proprietário não pagava os saldos, furava as meninas impúberes, enfeitava os
seringueiros, principalmente com dívidas, eram os juros de mora”.59
O tratamento dado ao seringueiro, gira em torno da submissão e
subserviência em relação ao patrão e a barbárie daqueles homens que sem
valoração alguma sucumbem a sedução da possibilidade de riqueza através do
ouro negro. Ainda no mesmo trecho do livro Álvaro Maia afirma: “o cangaço daqui
é revolta e tragédia”60, referindo-se a ideia de que nesta região as relações entre
os patrões e os empregados são pautadas por leis próprias, que às vezes
beiravam a selvageria.
Os brabos como são denominados os seringueiros novatos e os mansos
os seringueiros experientes, reforçavam a construção dos estereótipos que
brutalizam esses indivíduos. Álvaro Maia, além do tom realístico que muito se
assemelha às abordagens anteriores sobre o seringueiro, traz como novidade a
esse tratamento o argumento de ser apenas o narrador das experiências vividas
por eles, ao afirmar que os seringueiros que ele trata em sua obra fazem parte
das histórias recolhidas ao longo de trajetória, sendo ele mesmo um filho do
Madeira (referência a sua região de origem em Humaitá).
Álvaro Maia revela uma intencionalidade ao assumir o papel de narrador
das histórias publicadas nesses livros e se coloca na condição de porta-voz das
camadas mais populares eximindo-se assim de inúmeras acusações que vinha
sofrendo sobre sua atividade política. Afirmava no livro Nas Barras do Pretório,
publicado em 1958: “Quando tomba um governante, vencido por adversários nos
embates eleitorais, iniciam-se a execração e a cremação. [...] Imagina-se a
situação de um ex-governante sem trincheiras defensivas”61
Quando ele se coloca na condição de apenas um narrador e compilador
das histórias, ele assume uma condição de proximidade com o seringueiro, neste
sentido ele se exime da acusação de ser apenas mais um dos intérpretes do
infernismo, no qual tanto seringueiros como seringalistas fazem parte por serem
os únicos degenerados ao ponto de se submeterem a essas condições inóspitas

59
MAIA, Álvaro. Beiradão. Manaus. 2° ed. Manaus: Valer/UA, 1999. p. 120.
60
Ibdem. p. 121
61
Ibdem. p. 14.

142
em busca de riquezas, movidos pela mais vil paixão mundana. Como justificou
na introdução do livro Gente dos Seringais62:

Ouvi as narrativas dêste livro, dedicado aos seringueiros,


atendendo a uma dessas buzinadas, que traziam, nas
modulações, a poesia dos paranás largos engarçados nas
distâncias.
Prometi reduzi-los a escrito, na própria linguagem simples dos
domadores de rios, quando relatavam a ferocidade das tapioras,
de pés de burro e mãos de onça, e dos janaís vermelhos,
furtando crianças nas rêdes das barracas.
Tentei realizar o que vocês me pediram, seringueiros de
“Goiabal”. Linguagem que a gente entenda, mesmo sem saber
ler. As narrativas obedeceram a tessitura ductil dos narradores,
fugindo, quanto possível, ao “latim do padre e do advogado”, que
a gente da roça tolera na missa e no júri. Modifiquei também, os
motivos e o colorido das tragédias passionais, declamadas em
gesto e períodos fesceninos.
Elas vos pertencem, porque vossas, e eu fui um mero
compilador, substituindo, às vezes, nomes de lugares e
personagens.

Essas relações de trabalho se estabelecem de modo distinto, mas


complementares, diferente dos barões da borracha, mais ligados às cidades de
Belém e Manaus. Revivendo o luxo e ostentação das grandes metrópoles, os
seringalistas abordados também fazem parte do cenário do seringal e criam junto
com o seringueiro um modus vivendi. Todavia, essa relação era marcada por um
regime que beirava a escravidão como ele retoma no livro Beiradão:

Os patrões conservavam rigoroso segredo sobre os preços,


numa época sem telégrafo e navegação. Não explicavam o
preço das cotações, como os dos gêneros principais que vinham
de Manaus, acrescidos de fantásticas despesas nos trajetos
pelo rio, adicionando-lhe de 100% a 200%. Não tinham direito a
passagens nos batelões, nem favores de medicamentos,
mesmo adoecendo em serviços de campos ou expedições a
seringais inóspitos63.

Álvaro Maia quando aborda os dois personagens em seu romance em


outras obras, ressalta os aspectos da adaptabilidade deles ao meio. Partindo da
noção darwiniana de seleção natural, a dicotomia manso e brabo já reflete como
esse processo de seleção natural já invadiu a imaginação literária e o próprio
imaginário popular, quando se pensa nos grupos sociais envolvidos neste

62
MAIA, Álvaro. Gente dos Seringais. Rio de Janeiro: Bosol, 1956. P. 13-14
63
MAIA. Op. cit. p. 104.

143
processo, assim a ideia de que somente os mais fortes e mais aptos
conseguiriam se adaptar às florestas, os igarapés, os braços do Madeira
aparecem de modo bem delimitado nos relatos de Maia.
Todavia, como pertencente ao movimento nativista, Maia não partiu da
perspectiva de que os agentes mais aptos seriam apenas pessoas vindas de
fora, partindo daquela ideia raciológica de que as raças brancas desenvolvidas
e civilizadas seriam as mais aptas para dar cabo ao projeto de desenvolvimento
da região.

O sofrimento forja o espírito e a autonomia do norte. Até lá,


morrerá muita gente por estes igapós. Muita gente também
ficará, abrindo seringais, varadouros, constituindo famílias. E
ainda se queixam dos brabos, que são desordeiros, que trazem
facas, que praticam assassinatos...Crêem em Deus e Deus os
perdoará!64

Segundo Leandro (2014), o ciclo da borracha impulsionou


definitivamente o interesse pela região amazônica, inclusive na literatura, ou seja
novos interesses pelo Norte, através da identificação dos processos de
modernização, ruínas, conflitos, dramas humanos, ampliando assim o sentido de
nacionalidade brasileira a partir do olhar amazônico.
O seringueiro é abordado por Álvaro Maia a partir de um enfoque de
heroificação. Em sua poesia o seringueiro heroificado é comparado à mitologia
grega através da figura de Hércules. No entanto, não devemos esquecer de que
a valorização da figura do seringueiro sempre fez parte do programa político de
Maia, portanto, apesar de enfatizar o processo de adaptabilidade entre os brabos
e os mansos, ele ressaltava que esse processo não era apenas um
condicionamento ambiental, mas uma ausência de investimentos e assistência
política. Em sua trajetória inicial, o seringueiro hercúleo não tinha o principal
motivo de luta as condições inóspitas, nem a falta de investimentos tecnológicos
por parte dos comerciantes, mas ele atribui como principal causa para a
desvalorização do seringueiro a falta de assistência política em que os
seringueiros extraiam o látex.
Outra ideia relacionada para enaltecer essa força do seringueiro está
ligada a força do aço, comparando a força humana com aço, um dos metais mais

64
MAIA. Op. cit. p. 104-105.

144
fortes e resistentes. Segundo o autor este tipo de força foi fundamental para sua
contribuição na construção da nação brasileira. No entanto, a origem da força do
seringueiro, na qual faz referências a Hércules e ao aço, também estão ligadas
e elementos étnicos, entre os quais ele destaca a contribuição do índio, como
afirma no trecho do livro Na Vanguarda da Retaguarda: “brota com a resistência
do aço, e embora provindo de outros elementos étnicos de conquista, parece
com o índio, que pouco fala e age sempre”65
Além do seringueiro enaltecido por sua força e bravura, Maia critica a
relação de alienação entre o seringueiro e a propriedade privada, pois o uso da
terra não lhe permite um sentimento de pertença, visto que não são os
detentores dos meios de produção, a estes seringueiros apenas o uso de sua
força de trabalho, comparado pelo autor com os titãs da mitologia grega como
encontramos no poema Jangada de Cedros, publicado no livro Buzinas dos
Paranás66:

[...] onde a levais, bebendo horizontes,


Na successão das aguas,
Seringueiros-titans de brônzeas frontes?
Entre ribas azues e grandes aguas
E com a saudade a uivar nos horizontes,
A jangada de cedros, no Amazonas,
Vae para longe,
Muito longe.

Tal relação entre o seringueiro, os rios e floretas expressa também a


realidade de expropriação na qual este trabalhador faz uso da terra, no entanto
com a delimitação da propriedade privada o seringueiro não encontra um lugar
para si. Neste sentido lhe resta o lamento de ser uma parte essencial do sistema
sem porém encontrar um espaço legitimamente seu.
No período da publicação do Beiradão, Maia com uma carreira política
já consolidada, estava passando por uma espécie de “exílio político”, e já não
podia atribuir a culpa ao descaso os grupos políticos do passado. No entanto,
apesar de atribuir para si uma mea culpa em relação ao seringueiro, ele aborda
a vida no interior através de apadrinhamentos, manobras políticas, disputas e

65
MAIA, Álvaro Botelho. Na Vanguarda da Retaguarda. Manaus: DEIP, 1943.
p. 293.
66
MAIA. Op. cit. p.79.

145
abusos de poder, isso reflete o tempo político em que Maia publica esse
romance, período em que estava afastado das atividades políticas.
Diante de um contexto de instabilidade política, com o fim do Estado
Novo e período de redemocratização, podemos observar em Álvaro Maia o
processo de interdependência entre a arte/literatura e política, pois são duas
dimensões diferentes que se entrecruzam ao atingirem diferentes dimensões da
vida humana (CHAIA, 2007). Isso se dá porque os sujeitos, perante os desafios
presentes nas relações sociais, tais como as crescentes mudanças da
modernidade, o fim da Segunda Guerra Mundial e a inserção do Brasil no
capitalismo globalizado, procuram agir no intuito de intervir nos acontecimentos
sociais através de respostas às questões com que se deparam. Para Maia, a
produção literária e o engajamento político surgirem como formas de tentar
compreender e transformar esta realidade.
Segundo Goldmann (1967), o processo de adaptação da realidade a
partir das conveniências sociais faz com que os indivíduos tornem seus
comportamentos em espécies de estruturas significativas e coerentes. Essa
estrutura ocorre a partir da interação do grupo social, procurando dar respostas
às suas expectativas. Assim, a criação artística torna-se uma forma significativa
e articulada de expressão das possibilidades objetivas que estão nesse grupo
social. Para o autor, a mediação constitutiva surge através da possível
consciência da coletividade social que se encarna de forma coerente na obra
literária. Neste sentido o autor afirma: “[...] criação de um mundo cuja estrutura
é análoga à estrutura essencial da realidade social” (p. 195).
Podemos entender que Álvaro Maia elaborou suas visões de mundo
como parte de suas experiências na vida política e na vida pessoal, que
necessariamente essas mesmas visões eram compartilhadas com um ou mais
grupos sociais. Isto significa que sua obra literária foi se construindo
coletivamente. Os literatos são portanto, formuladores de ideias, vinculando
visões de mundo que são construídas coletivamente, sendo esta a função de
intelectuais dos escritores dentro da sociedade.
A partir desta ideia, compreende-se que a relação entre o texto literário
e a realidade social se dá através de uma visão de mundo. Assim é necessário
perceber na obra literária a homologia entre a estrutura da visão de mundo do
grupo social que pertence o autor e a estrutura histórica do texto. Nesse sentido,

146
o autor se torna uma espécie de mediador (FACINA, 2004), pois a partir de
estruturas que fundamentam as visões de mundo da obra cria-se um processo
de concepção da obra literária ou artística e o espaço social mais abrangente.
No entanto, ao analisar a trajetória de Álvaro Maia observamos que essa
estrutura relaciona a sua obra literária com determinadas condições de
produção, dadas pela estrutura de campo literário e pelo contexto social mais
abrangente em um dado período histórico. Isto é, essas condições são
determinantes para compreendermos por exemplo, mudanças inclusive nas
visões de mundo deste autor, ora para reforçar um status quo, ora para se
manifestar contrário a este. Em sua trajetória inicial, Maia publicava seus
poemas, crônicas e contos em jornais e em revistas, devido ao fato de que o
mercado editorial ainda não ser totalmente autônomo, e as condições de
vinculação e cooptação dos escritores ainda estarem ligadas à imprensa.
As estruturas sociais, literárias e políticas são constituídas por diversos
atores, que de uma forma individual ou organizada coletivamente, produzem
diferentes posições sociais e políticas que convergem e se opõe entre si. Assim,
a estrutura social, sua posição no campo literário e no campo político está
intimamente ligada a sua trajetória: os grupos sociais com quem se articulava, o
tipo de público de suas obras, o modo de recepção de seu textos, etc
(BOURDIEU, 1996a). No período da publicação de seus livros o mercado
editorial já possuía uma consolidação diferente do que no período de sua
trajetória inicial. Outro ponto importante é que durante a década de 1950, período
em que ele mais publicou livros, foi também o período em que Maia sofria
inúmeras oscilações políticas entre mandatos e perdas de mandatos, somente
na década de 1960 que ele retorna ao cenário político com um mandato biônico.
Neste sentido, observamos que não há a prioridade de um fator sobre
os outros, ao contrário, a partir da ideia de Maia como um mediador da realidade
social, entende-se que o contexto sócio histórico, político e literário tanto na
trajetória inicial como nas décadas posteriores revelam um processo
intimamente imbricado de uns aos outros dentro da obra de arte. Neste sentido,
conseguimos fugir da ideia simplista de que a atuação literária de Maia servia
como uma espécie de recuperação de capital político, tanto em sua trajetória
inicial, como nos anos posteriores onde já tinha uma carreira política
consolidada. Segundo Goldmann (1967), as atividades intelectuais, políticas,

147
sociais e econômicas quando agrupadas nas estruturas de conteúdo da obra
literária, possibilita estabelecer entre elas o conjunto de relações inteligíveis que
a mensagem do texto mostra que são as homologias.
Isto significa que sua obra não servia apenas ao ditames de um
determinado grupo. O foco do nosso presente estudo são seus livros publicados
no período posterior à sua inserção na política os quais revela, também, que
Maia estava preocupado em revelar os acicates e as contradições presentes no
sistema gomífero. O tom realístico e de denúncia com que aborda o ciclo da
borracha e as relações de trabalho entre seringueiros e seringalistas,
demonstram uma preocupação muito maior do que apenas um retorno ao
cenário político da região, ele estava preocupado em revelar a nação os dilemas
em torno da borracha.
Em Álvaro Maia as descrições antropológicas sobre o homem dos
beiradões, bamburrais e seringais, encontradas em sua obra servem para
auxiliar no processo de identificação da identidade do caboclo. Fruto de um
processo de miscigenação, quase sempre foi diminuído e desprezado pelos
preconceitos regionais, que tendiam a ocultar essa identidade. Ao tipificar o
caboclo, na obra alvareana, podemos encontrar um forte elemento de
valorização regional, onde o labor junto a hévea seria um destino que estaria
intrinsecamente relacionado, isto é, apesar de mostrar a forte presença do
nordestino como na personagem de Fabio Moura ou Sedagais no livro Beiradão,
ou dos índios através da personagem Narcisa, que aparece neste livro e em
outras obras de Maia, inclusive no poema Narcisa.
Para a autora a identificação do caboclo surge justamente nos contraste
com outros grupos sociais. Entre suas principais características está o fato deste
homem, que seria o ser verdadeiramente amazônico, ter um contato mais
profundo com a terra e com a água e por este motivo apresentava a capacidade
de executar tarefas em diversos ambientes da região, ou seja uma característica
anfíbia.
O desapego a atividades que não visam lucro, está mais ligado a
satisfação de suas necessidades básicas. Com um temperamento tranquilo,
sabe lidar com uma natureza extremamente perigosa, possui inúmeras
características herdadas e adquiridas do nordestino, todavia parece mais com o
índio em resistência e fixação à terra: “O homem do rio é a antítese do homem

148
da seca. Um caminha em função do pé e da pata, o outro vive em razão do remo
e da canoa. Mas a vida com seus paradoxos, colocou um em face do outro”
(BRITO, 2001, p. 105).
Em seu programa político no período do Estado Novo, já tipificava o
seringueiro como o soldado caboclo, o autor usa o termo o novo seringueiro, no
livro Na Vanguarda da Retaguarda (1943). Fruto dos primeiros desbravadores
da região (primeiros seringueiros), assumirá seu papel cívico nas trincheiras da
borracha, contribuindo para a segurança da Pátria e o desenvolvimento da
região.
A presença nordestina é recorrente na obra de Álvaro Maia, como
podemos observar em três personagens marcantes no livro Beiradão: Firmo
Segadais, Padre Silveira e Fabio Moura, sendo este último uma importante
representação sobre o seringueiro e o seringalista, pelas suas características de
humanidade e a forma como trata com os seringueiros. A construção dessas
personagens busca descontruir a imagem estigmatizada ainda em Alberto
Rangel sobre o homem dentro do espaço amazônico, como um produto social
condicionado. Assim, com base nas circunstâncias, seja a busca aventureira por
novas riquezas, seja a fuga de crises em sua terra de origem, este indivíduo foi
obrigado a reaprender tudo, adaptando-se ou desaparecendo. Neste contexto,
Monteiro (1976) afirma que a literatura amazonense criou uma espécie de mito
em torno da participação do nordestino na ocupação da Amazônia. Houve certo
exagero, pois apesar de sua inegável participação no processo de
desbravamento do imenso vale verde, para essa região vieram brasileiros das
mais diversas regiões do país, bem como bolivianos e imigrantes de outras
partes do mundo.
A personagem de Fábio Moura em muito pode revelar as lutas
enfrentadas no campo de produção literária. Ao fazer uma análise mais profunda
da personagem, podemos entender a partir da teoria de campo de Pierre
Bourdieu (1996a) que a personagem revela inúmeros antagonismos presentes
no campo literário local. Neste campo seus agentes utilizam-se de diversas
estratégias com o intuito de garantir sua conservação e/ou transformação. Essas
estratégias presentes nas obras literárias surgem em função de um maior ou
menor volume de capital simbólico. A personagem de Fábio ao longo da história
é uma testemunha ocular do processo de conquista, civilização, e

149
estabelecimento na região amazônica, procurando meios para resistir e se
adaptar as transformações econômicas, sociais, políticas e ambientais. Isto
revela o próprio posicionamento de Maia, que ao longo de sua trajetória criou
inúmeras estratégias para garantir sua consagração e permanência nos campos
literário e político.
Nos estudos de Rosa Brito (2001) e Luciene Gomes Lima (2009), Fábio
Moura é descrito pela sua resistência em conseguir permanecer no Amazonas
desde o apogeu ao declínio da borracha. Todavia, o ponto central que podemos
observar ao estudarmos essa personagem é a identificação com o próprio autor.
Fábio Moura nascido no Crato, estado do Ceará, estudava para ser
seminarista e veio para o Amazonas trabalhar na abertura de seringais. Junto ao
coronel Moreira trabalhava no recenseamento e fiscalização destes seringais.
Ao adquirir um bom “saldo” retorna ao Nordeste, onde reencontra a família e os
amigos, todavia já tinha sido seduzido pelos bamburrais e queria morrer nas
terras amazônicas.
Ao regressar adquire um pequeno seringal e se casa com a filha de um
seringalista, apesar do desejo de isolar-se nos beiradões até sua morte, atuou
em atividades públicas ligadas ao processo político interiorano, no qual criava-
lhe certa repulsa a determinadas práticas políticas. Esse período reflete o
apogeu da borracha. Com a queda dos preços da borracha, começa o período
de declínio econômico da região e Fábio sempre muito próximo dos seringueiros,
que os tratava como amigos dando-lhes conselhos e lendo suas cartas, decidiu
junto a sua mulher morrer naquelas terras, ao contrário de seu amigo Firmo
Segadais que retorna ao nordeste definitivamente. A ideia da resistência
representada por Fabio Moura, vem de encontro a uma das principais pechas
políticas de Maia, ao afirmar que foi a falta de uma produção racional que levou
ao primeiro declínio gomífero, como ele afirma no livro Defumadores e
Porongas67: “[..] o corte empobrecia as selvas entupido as estradas de
seringueiras com as árvores caídas e galharias quebradas. Acontecia isso em
seringais sem direção”
Partindo da ideia da própria estruturação do campo intelectual na
primeira década do século XX, podemos observar que Maia manejava diversas

67
MAIA, Álvaro. Defumadores e Porongas. Manaus: Imprensa Oficial, 1966. p. 207.

150
estratégias para sua conservação e permanência no campo. No entanto, o
campo é um espaço de tensões, onde há uma constante luta entre diferentes
posições antagônicas em função da conservação ou transformação do campo
em si. Partindo desta perspectiva bourdieusiana ao estudar um autor específico
e a produção de uma obra como de Maia podemos compreender a própria
estruturação do campo intelectual deste período e a contribuição de diferentes
agentes para a construção e autonomização deste campo, não esquecendo que
as ingerências do espaço social mais abrangente vão repercutir no próprio
campo e no projeto de criação pessoal do autor.
Segundo Paiva (2002), o movimento nativista regional surgia como uma
resposta da elite oligárquica decadente, no sentido de criar uma estratégia para
ainda participar do campo do poder, através da valorização do elemento nativo.
Surge o movimento da Caboclitude, no qual Maia era um dos principais
representantes. A construção da personagem de Fábio Moura em muito revela
a angústia do autor em construir um posicionamento que possa atingir a
dimensão subjetiva das relações humanas e do poder e ao mesmo tempo,
manter uma ótica realista da própria estruturação e autonomia do campo cultural
e político, assim é possível identificar essa ideia de resistência:

Não sairia apesar de tudo: esperava novos tempos através de


todas as crises. O igarapé tem peixes, a ilha reverdece em
canaviais, o gado engorda no campo, os porcos em pleno mato.
Não iria recomeçar longe, somente porque a borracha caiu no
preço. Provaria, que sem borracha, o mundo não estava perdido.
Produziria de qualquer modo, para comprar café, fósforo e os
gêneros essenciais. Não abandonaria tudo, só porque brabos
não vêm mais, seringueiros fogem, aviamentos diminuem ou
não chegam. Até no deserto Deus providencia. E aquilo, em
tamanha fartura, não era um deserto. Deserto queimado, sim,
viu no Ceará, na seca, sem vegetação, sem água, sem
alimentação. Vento e sol queimando, chão árido, árvore sem
folhas. Ali havia águas, matas, fartura. A questão seria ter fé e
trabalhar. Unias, seu irmão, temperado em ferro escandido,
declarava que ali permanecia até a morte. Companheiro de
desbravamento, - José Brasil, Joaquim Correa resistiriam
também em seus seringais. Iria chamar os seringueiros.
A primeira conta é de velho Chico Aleixo, corajoso nas
explorações do Rio Preto. Nada devia e podia partir; esforçado
e honesto, nada lhe faltaria por aí afora. A segunda era de
Fabrício, boto do baixo Amazonas, sempre disposto a auxiliar a
todos...
Riram-se Chico Aleixo, alto e magro, enrolava o chapéu de
carnaúba nas mãos e olhou fixamente Fábio.

151
-Eu é que não vou. Para onde é que eu vou? Vocemecê não está
botando para fora. Fico aqui mesmo.
-Nem eu!
-Nem eu!
Repartiram-se as declarações daqueles homens rudes,
calejados na trabalheira tropical. Era o reverso dos grandes
seringais. Queriam permanecer, correr o mesmo risco, afrontar
a hora tremenda e enfrentar os temporais.
Ficariam. Evolveram as contas e se sujeitaram aos parcos
aviamentos; meteram-se pelos varadouros, pelos caminhos dos
campos e barracas, calmos como se a crise desabasse somente
em outras paragens.
Fábio abraçou os companheiros de solidão. Começaria vida
mais apertada. Infância, engenho, seminário, secas, embarque,
seringal, índios, Cuniã, Machado, Rio Preto, beiradão. Nova fase
de luta: batizado pelo sofrimento, aceitava-o sem penitência,
com uma benção do céu...68

Ainda durante a década de 1950, surge no Amazonas um movimento O


Clube da Madrugada (1950-1960) inspirado no modernismo da década de 1920,
que tinha como objetivo a mudança dos padrões estéticos, afastando-se da
proposta regionalista de recuperação dos traços tradicionais que constituiriam
um espécie de identidade nacional, para os modernistas era necessário uma
“leitura” da realidade nacional a partir de uma perspectiva universal. Esse grupo
afirmava que a literatura do Amazonas fixou-se em uma espécie de saudosismo
em relação à Belle Époque.
Com o declínio da borracha a elite social amazonense, composta em boa
parte por funcionários públicos, buscava através do jornalismo e da literatura
uma estratégia para permanecer nos estamentos do poder, ao mesmo tempo em
que buscava reforçar sua própria condição como elite dirigente local. O Clube da
Madrugada reflete um processo de ruptura com essa ordem social, na medida
que não contestam apenas os padrões estéticos vigentes, o embate era
sobretudo um embate político, na medida em que este grupo contestava o
próprio papel da literatura na sociedade, assim se opunham que a literatura
amazonense se libertasse do papel de política literária, ou ainda que exercesse
o papel de literatura para a política (SILVA, 2008).
As restrições ao surgimento de agremiações literárias já revela esse
processo de controle e cooptação político ideológico. Neste sentido, o controle
varguista pode se revelar através da centralização das publicações pelo

68
MAIA. Op. cit. p. 289-290.

152
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), onde podemos citar o primeiro
livro publicado por Maia Na Vanguarda da Retaguarda, em 1943. A Imprensa
Oficial do Estado também publicou crônicas do autor neste período, bem como
de outros intelectuais.
Em seu primeiro livro Na Vanguarda da Retaguarda, publicado pelo DIP,
as crônicas políticas de Maia, enaltecem a figura de Getúlio Vargas como o único
condutor capaz de concretizar o projeto de Nação, projeto este que foi mal
sucedido pela Primeira República, tal ideia era recorrente em seus
pronunciamentos, onde ele também se colocava na condição de um discípulo
que contribuiria e apoiaria neste projeto, com o auxílio do estadista: “[...] Getúlio
Vargas, que nas horas da alma retorcida num hôrto sem consolação, não olvida
um só instante a Pátria, cuja unidade salvou”69.
Diante deste contexto, o Clube da Madrugada e os representantes do
regionalismo no Amazonas tais como o próprio Álvaro Maia durante a década de
1950, podem revelar lutas nos quais o campo literário amazonense estava se
reconfigurando neste período. Sendo assim, a ideia da resistência da
personagem de Fábio Moura no livro Beiradão, que diante de um cenário de crise
dos preços da borracha passa a investir em meios alternativos como a agricultura
e pequenas criações, revela a própria tentativa de resistência do autor na
manutenção de estrutura social e econômica diante de um cenário que começa
a se reconfigurar a partir do fim do Estado Novo e a redemocratização.
Surgia um período de mudanças e a resistência de alguns grupos de
intelectuais se revela em suas produções literárias. Segundo Miceli (1979), o
período “populista” que compreende de 1945 a 1964, ocorreu uma ampliação
das carreiras nos estamentos do poder destinados aos intelectuais e ao mesmo
tempo intensificou-se o recrutamento de especialistas tais como sociólogos,
economistas, entre outros. Muitos desses intelectuais alcançaram postos chaves
na administração do Estado. Neste processo de reconfiguração dos postos
públicos outros grupos de intelectuais foram alijados do poder, restando-lhes
apenas resistir à implementação das diretrizes e programas adotados pelo
governo.

69
MAIA. Op. cit. p. 335.

153
Álvaro Maia aborda a questão do processo de desbravamento da
Amazônia através da abertura de novas estradas de seringueiras, o tom saudoso
com que aborda os relatos sobre o desbravamento da Amazônia, exalta a força
hercúlea dos seringueiros que foram os agentes responsáveis por dar
continuidade ao processo civilizatório na região. A obra alvareana demonstra a
crueza deste projeto civilizatório, bem como cenas de completa barbárie das
vinganças e traições ao longo do Madeira.
Djalma Batista70 ,em sua preocupação em torno do papel dos intelectuais
amazonenses para a formação da identidade nacional, apontava na cultura o
elemento central para a formação social. Álvaro Maia é citado como um
intérprete das crônicas das atrocidades do Madeira, como uma espécie de
cultura da violência.
Partindo da ideia de sociedade em formação, o tom realístico com que
trata esse contato com a floresta selvagem ou com os índios traz uma
interessante abordagem sobre a gênese desse agente que seria, segundo o
autor o responsável legitimado por desenvolver a região: o seringueiro. Como
ele afirma no livro Beiradão:

[...] Uns sujeitos apressados já escreveram que os lenhadores


devastam as matas. Esquecem que as clareiras são necessárias
à saúde. O Amazonas não pode permanecer matéria cheia de
bichos e carapanãs. Derrubar é civilizar nos primeiros tempos.
Quem dera que abrissem campos nestes beiradões para
boiadas sucessivas, plantações de mandioca e bananeiras. O
porto de lenha é um claro de socialização. Os navios abastecem-
se, enquanto aguardam toneladas de borracha. Além do mais,
espalham algum dinheiro, inclusive ao comandante71.

O processo civilizatório foi necessário segundo Maia para que a região


de fato se inserisse no capitalismo mundial. Apesar de tardiamente e tentando
desconstruir a ideia de impossibilidade ligada as condicionantes climáticas, o
autor aponta que a tarefa foi muito bem executada pelo seringueiro, de origem
nordestina, que tinha as plenas condições para pôr em prática o projeto nesta
região:

[...] Era a imensidão com verdor e vida. Nova missão surgia aos
nordestinos- desbravar o Amazonas, incorporar os seringais ao

70
Cf. FREITAS PINTO, 2007
71
MAIA. Op. cit. p. 79.

154
movimento econômico do Vale. Teria de enfrentar indígenas,
morrer nos entreveros do paludismo, assassinar ou ser
assassinado, mas, de qualquer forma, auxiliaria a plantar as
sementes de redenção nessa imensidade. [...] Seguir para os
seringais, naquela época, era voluntariar-se para o
desconhecido- deixar o berço natal, abandonar a família para
submergir em perigos72.

Segundo Norbert Elias (1994), a ideia de civilização está relacionada a


um longo processo de aprendizagem “involuntária” no qual os indivíduos
transformaram suas relações com os corpos, sentimentos e suas próprias
estruturas sociais. Com o advento da modernidade, essa transformação dos
comportamentos humanos seria um processo destinado apenas às camadas
mais altas da sociedade, tal processo era comum a todos os indivíduos, ideia
que vai de encontro às intenções expansionistas desses grupos europeus em
especial, os franceses e ingleses, com o seu estilo de vida de côrte que
influenciaram os colonizadores das terras amazônicas - portugueses e
espanhóis.
Esse processo de transformação tomou um caráter universalista,
portanto quando pensamos no seringueiro como um agente civilizador, partimos
da ideia de universalizar esses costumes. No caso da relação abordada por
Álvaro Maia entre o seringueiro e sua missão desbravadora e os índios,
observamos como essas transformações ocorreram no cotidiano amazônico. A
índia Narcisa retratada no Beiradão e em outras obras do autor revela esse
processo de transformação no qual retirou-os da barbárie e da incivilização.

Nessa ocasião, como presente e cumprimento de palavra


entregou Narcisa.
-O resto você sabe, Padre Silveira. Foi você que a batizou.
Deixou uma filha que uniu as duas raças- o cearense e o índio,
o sertão e a selva, o nordeste e o norte. Amamentou o menino
mais velho, em seus seios selvagens, que traziam o sangue forte
da solidão. Concentrava-se, numa gota de leite, o mistério
amazônico. [...] Como não vigiar Narcisa, em sua paixão pelo
curumim, que lhe retribuía o mesmo sentimento, ouvindo-lhe as
histórias de lobisomem e índios em luta? Ensinavam-lhe, por
outro lado, o Padre-Nosso, a Ave-Maria, e ele crescia entre as
orações a Deus verdadeiro do Padre Silveira e ao Tupã de
Narcisa73

72
MAIA Op. cit. p. 171-172.
73
Ibdem. p. 206-207.

155
Note neste trecho a apresentação da personagem como sem cultura,
exilada em suas próprias terras, na função de ama-de-leite de um menino
branco, surge um florescimento de suas raízes ao contar sobre a bravura de seu
povo, ou sobre as lendas do lobisomem. No entanto, o processo civilizatório que
como o próprio Maia afirmava foi feito à base de violência, constrangia os
comportamentos da velha índia.
Em 1925, Álvaro Maia publica o soneto Narcisa, primeira publicação
referente a essa personagem. Neste soneto o autor fala de um amor platônico e
idealizado, representado por sua amada Narcisa, mostrando toda luta por ele
travada para não perdê-la. O soneto, fortemente carregado de características
simbolistas, onde o misticismo era uma das marcas principais do “príncipe dos
poetas” nas primeiras décadas da Primeira República. O regionalismo aparece
através de uma valorização do elemento nativo, o mesmo demonstra elementos
que foram por ele reconvertidos para um capital político posterior que possibilitou
sua consagração política na década de 1930.

Quando, alva e loura vital me dava,


minha Mãe, entre a selva e o céu nevoento,
também me dava o trom do oceano ao vento,
das galeras valsando na onda em lava...
Mas minha vida em fumo se apagava:
Germinara e cahira em soffrimento...
E tive a salvação, tive o tormento
nos seios de Narcisa, uma índia brava...
Dessas correntes em meu sangue, sinto
Galeões em rota por um mundo extincto,
Tribus em lucta pela mesma terra,
E, ora em doçuras, ora em rebeldias
Labios christãos ciciando Ave-Marias,
Rudes almas pagãs medindo a guerra...74

A temática de um amor que o deixa dividido, por meio do contraste entre


o amor que pode ser tão sagrado quanto o amor maternal (verso 2), também se
torna seu principal tormento. Note a afetividade entre a personagem e o autor,
referindo a figura materna, no livro Beiradão, Narcisa é uma ama de leite e o
menino, filho de um seringalista nutre mais afeto pela índia velha do que pela
mãe. A relação entre o amor a esta “segunda mãe” pode estar interligado a sua
terra natal- o Amazonas; a palavra Mãe posta em letra maiúscula no soneto

74
(apud BAZE, 1998, p. 68)

156
demonstra uma grande importância para o autor, que pode ser uma alusão a
mãe terra, o Amazonas, sua terra natal, bem como é importante salientar através
desta personagem a preocupação do autor em manter uma relação de
proximidade com o povo, mesmo sendo de origem abastada.
Segundo Ramos (2010), o soneto revela uma série de angústias do
autor; durante a publicação do soneto em 1920 estava dividido entre dedicar-se
apenas a sua carreira de poeta ou adentrar de forma definitiva nos estamentos
do poder, ou seja, Álvaro Maia deixa entrever esses dilemas no âmbito do
espaço social mais abrangente, assim como os possíveis posicionamentos em
função da necessidade de uma “definição” em sua vida como intelectual e
político. Todavia, suas publicações da década de 1950, revelam que esses
sentimentos o percorreram ao longo de sua trajetória, a missão de engajar-se na
política e não fazer uma “arte pela arte” propriamente dita, fora uma escolha mais
acertada para a sua vida.
O estranhamento entre os comportamentos apresentados através da
índia Narcisa revelam o próprio choque civilizatório. Tal estranhamento refere-
se a um dos sentimentos dominantes do processo civilizador, ou seja, causa-nos
mal-estar tudo que se refere ao “incivilizado” ou “bárbaro”, conforme ele afirma:

[...] a natureza do mal-estar que nos causa a “incivilização” ou,


em termos mais precisos e menos valorativos, o mal estar ante
uma diferente estrutura de emoções, o diferente padrão de
repugnância ainda hoje encontrado em numerosas sociedades
que chamamos de “não-civilizadas” (ELIAS, 1994, p. 72).

Ao analisar a personagem de Narcisa, observamos que a catequização


foi o recurso utilizado para que seus comportamentos e emoções passassem de
um estranhamento para os padrões considerados aceitáveis. Nos versos (12 e
13) do soneto e no trecho do romance acima, nota-se um conflito entre a
dedicação à crença ocidental (Cristianismo) e suas crenças tradicionais que
ainda estavam impregnadas em suas práticas religiosas, ou seja, ora agindo
como uma cristã civilizada, ora agindo como uma pagã selvagem.
No entanto, Maia também buscou em seu tratamento sobre os índios
tentar despi-los desse estranhamento, na medida em que reduzia o exótico a
uma perspectiva de índios que no final das contas conseguiam assimilar uma

157
série de comportamentos “aceitáveis” universalmente, isto é, deixando de
bárbaros e passando a conviver em ambiência civilizada.
Quando se refere a ideia de uma quebra desse exotismo, o autor está
criando uma valorização deste grupo, criando uma perspectiva otimista em
relação integração deste grupo dentro do projeto civilizatório. Descontruindo as
antigas ideias deterministas de uma região inacabada.
Segundo Brito (2001), o índio do beiradão incorporou-se aos serviços
dos seringais, as índias, por exemplo, foram cooptadas para os barracões
desempenhando um importante papel dentro do processo de formação da
sociedade amazonense – a “mãe-índia”, que segundo a perspectiva freyriana
está relacionado a um processo harmonioso de assimilação inter-racial, dada a
aproximação tipicamente comum do processo de desenvolvimento do povo
brasileiro entre a “casa grande e a senzala”. Neste sentido, o autor afirma que
além dos irmãos de sangue, pela família, passaram a existir no Madeira os
irmãos de leite, pelo convívio dos primeiros meses como a mesma mãe, tratava-
se de índias verdadeiras ou com sangue de índio, vindas de tribos,
transplantadas para a civilização atraídas a princípio pelos processos de
catequização e posteriormente influenciadas pela possibilidade de educação.
Além das descrições sobre o processo civilizador indígena na região, a
própria relação entre patrão e seringueiro perpassa por uma cadeia produtiva
que descreve o processo modernizador na região amazônica. Tal processo, no
plano simbólico, buscou desde sua concepção no Renascimento em um
constante progresso às sociedades, que seria capaz de transformar a vida
humana cada vez mais confortável e segura. No entanto, esse projeto
modernizador sempre esteve cercado de ambiguidades. Pois em nome dessa
modernidade “pacífica e segura” houvera o extermínio de inúmeras populações
tradicionais, dentre as quais povos indígenas e etnias, com a simples justificativa
de uma padronização de usos e costumes.
A vida no seringal descrita por Maia, possuía uma dinâmica social
própria, extemporânea às leis do Estado. No seringal quem determinava as leis
era o seringalista, assim o uso da violência servia como compulsão para docilizar
os comportamentos dos seringueiros (BENJAMIN, 1986).
No livro Banco de Canoa: cenas de rios e seringais da Amazônia (1997),
o realismo das histórias sobre a sociedade em formação na Amazônia,

158
demonstra como a degradação e aviltamentos cercaram as relações de entre
patrões e empregados no seringal, descrevendo a barbárie envolvida no
processo civilizatório da região. As descrições dos castigos dos seringalista
sobre os seringueiros “rebeldes”, ou os crimes sexuais cometidos contra as
cunhãs pelos patrões, demonstram os requintes de crueldade, ao passo que
demonstram a falta de ingerência das leis do Estado brasileiro em determinadas
regiões, em pleno período republicano:

Estes seringueiros (seringalistas) levam a vida de fazendeiros


ricos ou aristocratas rurais, cercados,- à moda de barões
medievais,- por serviçais indígenas e suas famílias. Essa vida
patriarcal é esplêndida em muitos aspectos. Tais homens eram
senhores absolutos de seus peões75

Walter Benjamin (1986) reflete sobre a pobreza das experiências


envolvidas no projeto civilizador. Se o processo civilizador foi pensado para
tornar as pessoas melhores, os meios para se alcançar tal objetivo não são dos
mais redentores, em favor do “atual”, a humanidade empenhou um alto preço,
ficando a mercê de inúmeras crises econômicas e guerras: “[...] a tenacidade é
hoje um privilégio de um pequeno grupo de poderosos que, Deus sabe, não são
mais humanos que a grande maioria; geralmente são mais bárbaros, mas não
no bom sentido”76. Neste sentido, Álvaro Maia revela que esse processo foi
adquirido sob um alto preço, marcado pela violência e pela barbárie em nome da
modernidade.
Álvaro Maia então revela essa relação sendo marcada por um civilizador
(o seringalista), trapaceiro, desumano e criminoso enquanto que seringueiro é o
trapaceado, diante dos “contratos” entre esses dois agente. No entanto, o
seringalista não deverá ser responsabilizado por tais condutas, pois faz em nome
da civilização, ou seja, trata-se da vitória da civilização como podemos observar
na descrição sobre a personagem do Coronel Terêncio do livro Banco de Canoa:

[...] Comeu as mulheres dos seringueiros, tirou os três vinténs


das cunhãs de treze anos, furtou no peso das mercadorias,
negou remédio na hora-da-morte, matou e incendiou. [...]

75
MAIA, Álvaro. Banco de Canoa: Cenas de rios e seringais do Amazonas. 2° Edição. Manaus:
UA, 1997. (p. 77).
76
Ibdem. p. 133.

159
Inutilizado para as cunhãs, mandava pegá-las pelo Nicó,
pretalhão da cozinha, e ria, mas parecendo um corujão77

Neste sentido, a sociedade amazônica conformou-se e deixou-se ser


vencida pela moderna sociedade ocidental, representada aqui pela figura do
seringalista, transformando sua própria relação com a natureza, que outrora se
mantinha por uma sociabilidade ligada ao valor de uso, agora incorporada a
lógica do capitalista tem suas relações exclusivamente ligadas aos valores de
troca, que transformaram todo o processo de sociabilidade na região. Diante
deste cenário, a representação da sociedade moderna feita pela figura do
seringalista na obra alvareana já traz consigo um processo de mudança na
representação sobre acontecimentos e práticas sociais, que para os grupos
tradicionais passavam por outro tipo de significação, essa modernidade trata
todas essas práticas (crenças, hábitos, padrões morais) como antigas e portanto
devem ser vencidas e/ou substituídas.
Todavia, Álvaro Maia denuncia a ambiguidade envolvida neste processo
pois apesar da imagem positiva de transformação das relações sociais e
econômicas na Amazônia através do desenvolvimento do ciclo da borracha, com
a existência de inúmeros seringalistas tais como o Coronel Terêncio que com
suas medidas punitivas garantiam as relações de poder e dominação no interior
dos seringais, afirmando que deveriam ser distribuídas lambadas aos malandros,
pois não ficaria endividado na praça ou engordaria vagabundos. Tais expressões
refletem as novas visões do mundo moderno, o mundo do trabalho, e estes como
os legítimos representantes da propriedade privada, estavam legitimados a
aplicar tais sanções. Neste sentido, a oposição a esse tipo de autoridade torna-
se insubordinação às leis do Estado, no qual esses patrões eram também os
representantes, ou seja, eram os detentores do uso da força e da violência e ao
mesmo tempo os representantes domésticos do poder coercitivo e civilizatório
do Estado.
As críticas políticas, e em especial a política interiorana, estão
fortemente retratadas na obra literária alvareana após a década de 1940. Lima
(2009) afirma que as relações de poder surgem no Beiradão e em outros livros
de Álvaro Maia através das descrições de situações cotidianas entre os pobres,

77
Ibdem. p.159.

160
os figurões poderosos e o religiosos. Neste sentido, Maia critica as manobras
políticas, os apadrinhamentos políticos e as disputas e pelo poder. Assim o autor
afirma: “Há nas histórias abordando as relações políticas interioranas a
predominância da noção de que a não aderência a um grupo político pode
resultar em perseguições e enxovalhamento”78
É interessante observar o posicionamento crítico de Maia em sua
produção literária durante as décadas de 1950 e 1960, uma vez que já não
contava com a harmonização política obtida durante a Interventoria no Estado
Novo, com um sistema extrativista enfraquecido e aumento do êxodo rural. O
autor tinha que manter uma posição de imunidade diante do processo de
desagregação da borracha, onde já vinha sofrendo duras críticas a
desorganização em relação aos programas de produção da borracha durante a
década de 1940 (SANTOS, 1996).
Partindo da lógica weberiana de que o Estado é uma fonte de poder e
que o político invariavelmente busca o poder, o que estava em jogo para Álvaro
Maia, durante este período era a forma como manejava a literatura como mais
um recurso para adquirir esse poder, seja para cumprir sua missão de intelectual
com uma proposta para a formação da identidade nacional, seja para gozar de
certo prestígio então enfraquecido como o fim do Estado Novo. Esse processo
faz parte da própria condução da luta política.
Note o posicionamento ambíguo de Maia em torno da condição do
seringalista em relação a política no interior, abordada neste livro assim como
em outros de seus livros, a crítica ao governo é tratada no livro Beiradão, na
medida em que exime da culpa o patrão seringalista, das condições de abandono
e falta de assistência social no qual a população pobre do interior do Amazonas
viveu ao longo da primeira década do século XX:

Diabo de governo, que faz o sujeito perder a alma, de tanta


indignação. Homens que defendem as fronteiras com o próprio
sangue, abandonados assim! Heróis obscuros, ignorantes do
próprio sacrifício, nesse desleixo, morrendo à mingua, sem
mínima assistência oficial. Porque os patrões fizeram o que
puderam. E alguns não entendem de responsabilidades
imediatas, porque, na maior parte, são também pioneiros, que
exploram as glebas, sob o arrojo da audácia e da sorte. O velho

78
MAIA. Op. cit. p. 93.

161
Gusmão, português de nascimento, ampara mais essa gente
com suas pílulas do que toda mentirada oficial79

A compreensão de qualquer afirmação, é necessário compreender a


motivação que levou o autor a fazê-la, ou seja, qual a pergunta que afirmação
supostamente pretende responder: “Se quisermos compreender aquilo que foi
afirmado, teremos de identificar exatamente (sic) qual a posição defendida pelo
seu autor” (SKINNER, 2005, p. 162). Neste sentido, essa abordagem dada por
Maia onde a culpa do descaso com relação às camadas mais baixas da
população amazonense, em nada tinha a ver com as relações entre patrões e
empregados durante na extração da borracha, mas estava relacionado ao
descaso com que o governo central tratou o homem do interior e suas
particularidades. Assim ele coloca quando constrói a personagem do velho
Gusmão, no livro Beiradão como um seringalista que se tornou uma espécie de
“curandeiro” tentando suprir uma necessidade básica da população que vivia em
completo descaso.
O ponto central da intencionalidade política presente na obra literária de
Maia, é mostrar como na sua condição de líder intelectual responsável pela
construção do projeto de modernização conservadora, todavia não se deve
achar que a produção literária dele servia apenas para essa finalidade. Como
um líder carismático, Maia sabia que não seriam apenas o manejo das
condicionantes simbólicas, o suficiente para a sua permanência no campo
político. Weber (2001), afirma que o poder da crença em um líder carismático
não se configura como a única forma de garantir a disputa nesse jogo político.
Antes reside na natureza dos meios que o político dispõe para exercer sua
autoridade, isto é, ele necessita de meios materiais e conhecimento
administrativo para exercer seu domínio.
Portanto, a passagem de Álvaro Maia pela política tratou-se de uma
realização prática de seu projeto de modelagem moral da prática do poder, e ao
mesmo tempo de uma construção de rede de relações e tomadas de decisões
que possibilitaram-lhe sua permanência, na medida em que se tornou porta-voz
de um grupo que também defendia proteção dos interesses de determinado
segmento econômico.

79
MAIA. Op. cit. p. 111.

162
Essa ideia da moralização da política surge no tom crítico em relação as
práticas políticas interioranas:

As eleições não tinham para Euzébio o menor valor.


Antigamente, ainda havia cerveja e vinho, distribuição de roupas
chapéus de palha para toda família.
-Hoje é sovinice. O governo está mesmo se desmoralizando. Às
vezes o pessoal se diverte, como no caso do doutor Pedro
Valdemar, medico, que tem mais votação do que eleitores.
Tratava de graça de casa em casa, nada cobrava e ainda dava
remédios. Nas vésperas das eleições, ia fazer cobrança;
distribuía chapas com seu nome e de seus amigos. Votavam
duas, cinco vezes, por gratidão. Era o que o chefe permitia- fazer
propaganda. Com o José Lobato, o caso mudava. Nas vésperas
do pleito, o coronel mandava fazer rigorosa inspeção. Tomava
os pepelinhos, substituindo-os por outros. Havia falação,
aqueles papeis borrados eram a democracia e a justiça!80.

Já no livro Banco de Canoa (1997), as descrições sobre a política local,


revelam uma nítida preocupação do autor em descrever os “tipos de políticos”
que enriqueciam em detrimento do “pobre” trabalhador do seringal. Como um
representante da elite tradicional, Maia procurava tipificar esses tipos sem
vinculá-los ao grupo político do qual ele fazia parte. Apesar de que nas décadas
de 1950 e 1960, sua legitimação política sofrera com os novos grupos vinculados
ao populismo, Maia procura nessa formação da identidade cabocla uma
estratégia de recuperação de sua posição política, na medida em que as
mudanças econômicas e políticas pelas quais o estado passava, tornavam seu
discurso antiquado e retrogrado. No entanto, a estratégia de permanecer como
um defensor da política tradicional em muito pode ser revelada através da
construção de suas personagens nas últimas décadas de sua vida. Neste
período o representante de uma elite decadente gomífera, que cresceu num
cenário político de uma geração preocupada em delimitar uma identidade
legitimamente cabocla, e deste modo conservar a estrutura política tradicional.
No entanto, apesar das transformações políticas que o estado
Amazonas sofrera na primeira metade do século XX, houve apenas um rearranjo
de poder no qual o próprio Maia é um exemplo, no sentido de que permaneceu
no poder ao longo desse período.

80
MAIA. Op. cit. p. 142.

163
No capítulo sobre as farsas politiqueiras do livro Banco de Canoa, Maia
inicia com uma citação de Affonso Henriques sobre o cenário político brasileiro
após a década de 1930, no qual critica o sistema eleitoral implementado após
1930 visto que, a grande massa da população ainda se seduzia por pequenos
“presentes”, em uma nota explicativa antes da apresentação das crônicas o autor
afirma que os pleitos no interior eram constituídos por inúmeras irregularidades
e uso de violência. O voto do cabresto era uma pratica comum no interior do
Amazonas.
A personagem do Coronel Pedro Pilão deste livro, descreve o modo
como as eleições no interior do Estado eram feitas, sendo marcadas por
irregularidades, punições severas aplicadas aos oposicionistas, como no caso
das professoras opositoras que seriam esculhambadas pelos guris, que
receberam ordens de depredar a sala de aula, ou o turco do regatão que pagaria
alta multa. Neste sentido, o tom crítico, revela também um deslocamento entre
a realidade política local e a política central, pois os regionalismos políticos
demonstravam uma dissonância e falta de integração no projeto republicano
brasileiro: “Nada se fazia sem ouvir Pedro Pilão. Resolvia a seu bel-prazer,
alegando instruções secretas de chefões. Rasgava inquéritos, prendia e
soltava”81
Segundo Mario Ypiranga Monteiro (1976), a literatura amazonense nas
primeiras décadas da República Velha tratava o seringueiro enriquecido com um
tom de deboche, atribuindo-lhe certa estupidez, pois não havia um preparo para
o convívio junto a sociedade burguesa. Álvaro Maia descontrói esse estereótipo
ressaltando a importância deste tipo de seringalista para um projeto de
construção da identidade nacional, na medida que os coloca na posição de
desbravadores, tanto quanto o seringueiro. Trata-se de uma desmistificação do
anti-herói, que surge como um movimento de rebeldia contra as construções dos
tradicionais estereótipos de alguns literatos que escreviam sobre esses temas.
Neste sentido, o papel de narrador dessas histórias, confere-lhe uma
posição segura dentro do processo de construção da opinião pública, pois sua
missão como intelectual é construir a consciência sobre o atraso nacional, não
mais pautado na ideia de um “país novo”, mais ligado a um subdesenvolvimento

81
MAIA. Op. cit. p. 180.

164
que precisa ser combatido a partir de uma nova tomada de consciência por parte
da sociedade brasileira.
Assim o autor afirma que:

Os tempos estão mudando para pior. Antigamente os rábulas


não tinham questões no foro e levavam peia. Inventava-se que
estavam conquistando na rua da Palha e era o bastante. Tudo
está mudando. È à-toa que se enseba couro de peixe-boi. Serve,
quando muito, para aquecer o lombo de algum cabra safado, que
se embriaga e vende borracha. As ultimas eleições deram o que
fazer. Na contagem dos votos, não houve equilíbrio. Ia vencendo
um oposicionista. Tivemos de rasgar e fazer tudo de novo. Diabo
de Partido Republicano! O escrivão teve de ser removido.
Comeu umas tacadas de peixe-boi e alguns dias no xilindró para
aprender o serviço. Com gente assim, o Brasil não vai pra diante
e cai na indisciplina.
Padre Silveira e Fábio indignavam-se, mas baixavam a cabeça.
Brigar com o coronel importaria arruinar a vida de todos. Era
implacável nessa história de eleições82.

Note a intencionalidade de Álvaro Maia em descrever as eleições no


interior do estado, quando o candidato da oposição vence, são rasgados todos
os votos e refeitos impossibilitando a tentativa de mudança da ordem vigente,
onde até o escrivão é punido severamente. Tais medidas servem para organizar
politicamente as sociedades interioranas e manter a ordem e a disciplina: “Com
gente assim, o Brasil não vai pra diante e cai na indisciplina”83. O autor usa de
ironia para afirmar que em determinadas regiões do Brasil o projeto republicano
falhou e a política ainda é regida pelo coronelismo. Neste sentido, o discurso de
defesa da ordem e da disciplina surge como uma estratégia dentro do jogo
político para a permanência dos grupos oligárquicos que ainda resistiam no
poder, através de feudos políticos.
O tom de lamento se mistura à obra ficcional, demonstrando que o autor
já apresentava sinais de desilusão em relação ao projeto político local. Deixando
o líder místico messiânico das primeiras décadas da República Velha constata
que o fracasso da Belle Époque reverberou aproximadamente por meio século
na história do Amazonas, só retomando o folego econômico com o surgimento
da Zona Franca de Manaus.

82
MAIA. Op. cit. p. 143.
83
Idem. p. 143.

165
O drama do seringueiro é retratado no livro de crônicas Gente dos
Seringais, publicado em 1956. Neste livro Álvaro Maia pretende dedicar ao povo
do interior, retratando o mito em torno da conquista financeira da borracha, com
detalhes sobre os ofícios e as dificuldades em suas execuções no imenso Vale
amazônico.
A sociedade moderna capitalista reproblematiza o papel da literatura na
sociedade, que acaba assumindo um caráter de ambiguidade, pois esta pode
ser a expressão de valores favoráveis a manutenção da alienação, ou usada
para oferecer as condições para a emergência da transgressão e da resistência.
Todavia, Chaia (2007) afirma que o papel do criador é fundamental para
compreender o próprio sentido da arte e sua finalidade social, por serem linhas
muito tênues, o engajamento social pode incidir de inúmeras maneiras processo
da criação. Ou seja, a posição política assumida pelo artista não subjuga sua
obra que ainda mantem suas qualidades estéticas. Neste sentido, é justamente
a capacidade deste em transmitir de forma poética e sensível a sua arguta
percepção da realidade. Portanto, Álvaro Maia ao produzir sua obra literária,
buscava mostrar antes de mais nada, suas visões sobre a realidade do povo
amazônico e o modo como o jogo político se conduz no sentido de garantir a
permanência de determinados grupos no poder.
A postura literária de Maia sofreu duras críticas de outros escritores
deste período devido ao forte cunho ideológico de obra literária convertida a um
engajamento político. O escritor amazonense Mario Ypiranga Monteiro no livro
Fatos da Literatura Amazonense (1976), afirma que Álvaro Maia, abordando a
problemática do seringueiro, envereda pelo engajamento social na medida em
que assume a temática na qual trata o drama vivido pelo seringueiro a partir de
uma espécie de ajuste de conta do freguês contra o patrão. Monteiro compara a
abordagem de Álvaro Maia com a abordagem trabalhada por Francisco Galvão,
no livro Terra de Ninguém (1934) que também apresenta um forte cunho
ideológico. No entanto, para Monteiro, Francisco Galvão consegue ser mais
corajoso em sua empreitada de descrever as relações de poder dentro do
seringal, denunciando como o projeto burguês civilizatório fracassou na
Amazônia na medida em que o homem não consegue romper com o processo
de atomização da modernidade.

166
No plano político a obra de Francisco Galvão enfoca a crítica à política
local amazonense. Todavia é interessante salientar a ironia feita ao
posicionamento político de Maia, que notadamente manejava seus poemas no
sentido de que seu engajamento político saísse da esfera do simbólico literário
e entrasse na esfera prática. Assim, quando Francisco Galvão elabora a
personagem Alberto Maia, essa personagem é uma caricatura de Álvaro Maia
que reflete a convergência ideológica no plano literário de ambos, ao criticar as
facções políticas tradicionais, mas ao mesmo tempo revela as divergências em
termos de posicionamento político, pois quando aborda a personagem Alberto
Maia (um referência as iniciais de Álvaro Maia), o retrata como um poeta imbecil
de melenas enormes e ideias curtas (SIQUEIRA, 2013).
Maia traz uma abordagem crítica e realista à questão da modernidade e
o desenvolvimento no Amazonas, no livro Gente dos Seringais (1956) temáticas
como a integração da região ao resto do país, o uso da aviação para atender as
áreas mais afastadas, novas propostas para o agronegócio surgem nestas
crônicas, juntamente com a ideia de valorização da borracha.
A partir da Segunda Guerra Mundial, a lógica dos países
industrializados, modificou-se no sentido de difundir o “processo civilizatório” em
escala global, encabeçado pelos Estados Unidos com uma estratégia para frear
o avanço do socialismo soviético, através do Plano Marshall e influenciado pela
Doutrina Truman. Assim, esses países usam a ideia de desenvolvimento como
recurso ideológico para a reafirmação de seus interesses econômicos e políticos
nos países pobres.
Segundo Candido (1989), a ideia de desenvolvimento e a consciência
de que o Brasil encontrava-se em estado de subdesenvolvimento é posterior a
década de 1950, todavia na década de 1930 a mudança de consciência pautada
por uma orientação regionalista já dá os primeiros sinais, ao deixar de lado o tom
mais ameno em relação ao homem do interior, e passando a utilizar um tom
realista de denúncia.
Neste contexto, o Brasil procura atingir o desenvolvimento guiado pela
lógica global capitalista, acreditando ser necessário atingir as mesmas etapas
pelas quais os países ricos passaram. O Estado atuaria como o principal agente
condutor deste processo, ora sinalizando os rumos econômicos e direcionando
os investimentos, ora investindo em setores fundamentais da infraestrutura de

167
determinadas regiões. As regiões norte e nordeste foram consideradas críticas,
visto que o desenvolvimento não conseguira acompanhar o ritmo de outros
estados do país, tais como São Paulo que se encontravam adaptados a lógica
capitalista global, apresentando uma industrialização e um crescimento
econômico condizentes com os padrões globais. Portanto, uma das principais
metas do Estado brasileiro em seus programas econômicos pautou-se na
redução das desigualdades regionais (CANDEAS, 2010).
Em Gente dos Seringais (1956), Maia além da defesa da borracha fazia
uma análise crítica sobre as possiblidades de modernização para o Vale
Amazônico. É interessante notar que Maia traça nestas crônicas um projeto de
modernização para região amazônica, totalmente ligado às ideias de integração
da região ao resto do Brasil. Todavia, a valorização da borracha não é vista com
um tom de desalento. Ela enfatiza a contribuição modernizadora dos patrões e
dos seringueiros, na abertura das matas e no processo civilizatório,
transportando para o descaso do governo central o declínio deste sistema
extrativo.
A busca por um projeto modernizador que se adeque aos interesses dos
grupos economicamente dominantes no Amazonas, ao passo que reflitam as
mudanças econômicas, sociais e políticas das décadas de 1950 e 1960 foram
uma das preocupações de Álvaro Maia, pois, com o fim do Estado Novo e o
natural desgaste do discurso de valorização da borracha era necessário que
Maia redimensionasse sua abordagem literária no sentido de manter essa
dualidade entre a tradição e a modernidade.
Neste sentido, a intencionalidade de Maia no livro Gente dos Seringais
(1956) reflete essa preocupação em dar uma visão nova para o desenvolvimento
da região sem contudo, desagradar os setores politicamente tradicionais. Assim,
faz uma compilação de estórias sobre o velho Amazonas, dos seringais e
barracões e o novo Amazonas, dos aviões e da abertura de estradas para o
escoamento da produção. Com a ascensão de uma classe média urbana, as
temáticas regionais do autor precisam agora retratar o interior em seu dado
momento histórico, pois apesar do atraso em relação a sua adaptação aos meios
modernos e tecnológicos, a própria dinâmica cultural os forçou a se adaptarem
aos novos meios.

168
Corajosos e generosos, êsses aviadores enfileiram-se à coorte
dos bandeirantes, que descobriram o Amazonas; concluem a
trabalheira dos sertanistas e mateiros, alinhando cidades e
seringais, que, a canoa e a pé, a remo e a terçado, abriram à
civilização.
[...] Regiões de imensas áreas, a Amazônia considera os
aviadores como patrulhas da nacionalidade, os vigilantes das
fronteiras,- e as cidades interiores, por menores e humildes, têm
sempre um sorriso e uma casa para receber os jovens, que,
nestes derradeiros anos, escreveram novos capítulos em sua
história econômica social84

Segundo Afonso (2010), o estado do Amazonas encontrava-se em total


estado de abandono durante as décadas de 1950 e 1960, em virtude da crise
deixada pelo ciclo da borracha. Assim, buscava-se alternativas ao mesmo
formato econômico da borracha, para retornar a posição de foco do mercado
mundial através da exportação de matérias primas.
Além da crise econômica o Amazonas, apresentou uma continuidade
entre o regime autoritário de Vargas e o período de redemocratização. Álvaro
Maia representava essa continuidade, pois segundo Santos (1996), não houve
o desmantelamento da estrutura política do Estado Novo e, também, não houve
rupturas ou mudanças radicais nos grupos políticos dominantes. Os governos
democráticos de Álvaro Maia, Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho não revelam
um processo de cisão em que se alinhariam com as mudanças nacionais
pretendidas através dos governos defensores do nacional-desenvolvimentismo.
Todavia, Álvaro Maia reflete em sua obra literária uma tentativa de
alinhar os discursos tradicionais que o tornaram um místico líder intelectual e
político com as novas demandas sociais, buscando dessa maneira conciliar suas
ideias tradicionais com as mudanças em curso na sociedade brasileira que
exigiam novas posturas menos discursivas dos políticos profissionais, bem como
novas abordagens temáticas na produção literária, apesar de que Maia ficou
conhecido por um ufanismo exacerbado, sendo acusado inúmeras vezes de não
produzir personagens com densidade literária, beirando apenas a uma
compilação histórico documental, fortemente ligada a ideais políticos.
A ênfase dada por Álvaro Maia a esses elementos modernos pode ser
observada através da figura do aviador, como um agente de modernização da
Amazônia, onde as aeronaves conseguem chegar a destinos dentro do imenso

84
MAIA. Op. cit. p. 38-41.

169
Vale que até então eram de difícil acesso, trazendo assistência social e
contribuindo para o desenvolvimento da região. O Catalina que trabalhava em
favor do processo produtivo da borracha, e sua especial atuação no segundo
ciclo da borracha, durante a Segunda Guerra Mundial como transporte da
borracha servia também para inúmeras atividades econômicas políticas e sociais
como ele retrata no caso do salvamento da menina morena:

[...] O transporte aéreo importava num incalculável serviço,


naqueles ferozes dias de guerra, em que a borracha
amazonense também voava céleremente, rumo as usinas norte-
americanas. [...] Não havia autorização para pouso
extraordinário, em avião lotado de borracha, disciplinado as
operações no interior. A vida de um pequenino brasileiro valia
mais do que a borracha para a guerra85

Partindo de uma ideia de ambiguidade, Álvaro Maia não propõe de fato


um uso de elementos literários que proponham uma estética de vanguarda,
como propunha os escritores pertencentes ao Clube da Madrugada, sua
aquisição de elementos modernos refere-se ao uso do rádio para a
comunicação, do avião para facilitar o escoamento da produção. Isso faz com
que sua obra se aproxime de um novo grupo social que está em ascensão nas
décadas de 1940 a 1960 - a classe média urbana, que passa a ser a nova
consumidora de sua obra literária. Neste sentido, a própria obra literária concorre
com novos produtos culturais na Amazônia restando ao literato adaptar-se a
esses novos recursos, tais como o rádio, cinema, etc.
Neste sentido, a personagem do piloto de avião revela uma
preocupação do autor em estar integrado à modernidade na qual a sociedade
amazonense estava se inserindo. Ao mesmo tempo seu caráter valoroso,
sacrificando o próprio posto para salvar a vida de uma pequena brasileira, em
muito revela a retomada da retórica de Maia em se colocar na condição de um
intelectual que se “sacrificou” em favor do bem estar amazonense ao assumir a
posição de engajar-se na política. Neste sentido, o emaranhado de eventos
narrados ligados a essa máquina busca através da construção de várias
histórias, relatar a condição da população do interior do Amazonas vítima do
descaso e do esquecimento em pleno século XX, ou seja, em uma espécie de
autodefesa, ele assume a condição de um intelectual e político que assumia o

85
MAIA. Op. cit. p. 293.

170
risco de sacrificar-se no sentido de criar uma identidade cultural amazônica e ao
mesmo tempo contribuir para o seu desenvolvimento. No livro Nas Barras do
Pretório, em 1958, Álvaro Maia afirma que Vargas, já morto, se sacrificou em
favor da nação, esse sacrifício foi feito em favor do próximo, não o deixando
imune às críticas vindouras, sendo este então o legado deixado por Vargas ao
seus descendentes, do qual o próprio Maia era um destes. Inspirado no legado
recebido por Vargas, Maia tentava demonstrar uma certa despreocupação com
possíveis críticas.
Na medida em que Álvaro Maia usa esses elementos reais/ e ou sociais
esses deixam de serem usados como elementos externos da obra e se tornam
parte da própria estrutura (CANDIDO, 2006), ou seja, o aspecto simbólico do uso
do avião na tradicional atividade extrativa da borracha, em muito revelam críticas
sociais ao próprio modelo extrativo, no qual a máquina assume um caráter
salvador em uma realidade social esquecida do resto do país.
Do mesmo modo, Maia aborda a questão da abertura de estradas para
a integração da região amazônica. Quando ele descreve o difícil processo de
abertura das rodovias pelas próprias condicionantes geográficas, ele busca
adaptar determinados termos ao processo de desenvolvimento do capitalismo
para a realidade tradicional da economia amazônica, como no caso da indústria
extrativa, sediada no seringal, o autor critica a criação de novas rodovias como
um empreendimento inadequado para região amazônica, acreditando serem os
rios e os aeroportos as alternativas mais viáveis para o desenvolvimento
econômico da Amazônia. Neste sentido, o autor critica no livro Gente dos
Seringais que muitos projetos nacionais para a região foram criados em
dissonância com a realidade local: “[...] por muitos anos, os rios e os aeródromos
serão as únicas válvulas do comércio e do movimento no Amazonas”86.
Durante a década de 1950, o Congresso Nacional cria o Plano de
Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), que criava uma série de serviços
e obras públicas para a região com o objetivo de minimizar a dependência
regional da cultura extrativa e fomentar a agricultura racional, bem como a
industrialização da região. Todavia Tereza Ramos (2012), afirma que os projetos
de desenvolvimento para a Amazônia durante as décadas de 1950 e 1960, que

86
MAIA. Op. cit. p. 157.

171
visavam a integração ao resto do país não obtiveram êxito, pois não se
adaptavam as pluralidades ambientais e culturais da região, sendo somente com
a implementação da Zona Franca de Manaus na década de 1970 que o
Amazonas consegue se inserir na industrialização. Todavia, apesar deste projeto
do governo central ter sido mais “exitoso” em relação a outros projetos
destinados a integração e desenvolvimento da região, a Zona Franca não
conseguiu garantir um amplo desenvolvimento econômico para o interior do
estado, concentrando-se prioritariamente na cidade de Manaus.
No entanto, a valorização da borracha ainda era encarada por Maia
como a única alternativa mais viável para a economia da região como ele justifica
em seu livro de autobiográfico em defesa de sua atuação política, Nas Barras do
Pretório87:

Num Estado como o nosso, onde o extrativismo representa a


base de nossa economia, não é possível incorporasse ao preço
o valor do Vargas
tributo, trasladando-o para frente, dado que os nossos produtos
não têm mercados certos, e estarem sempre sujeitos às
oscilações do mercado internacional e às leis protecionistas do
Estado. Nenhum dos nossos produtos poderá ser imposto aos
mercados consumidores, não só porque a nossa produção é
gravosa, como também por não serem produtos imprescindíveis
ao consumo e terem a concorrência de outros países. O único
nosso produto, em que a procura é maior que a oferta é a
borracha, cujo o preço se matem amparado pelo Govêrno
Federal.

A crítica de Álvaro Maia em Gente dos Seringais (1956) sobre a


condução desses novos projetos de desenvolvimento da Amazônia, sendo
justificadas em notas autobiográficas, além de ser uma crítica ao projeto
modernizador do nacional-desenvolvimentismo é uma tomada de posição do
autor em acreditar, que apesar das eventuais incertezas ligadas a produção da
borracha, ainda assim se configurava como o produto amazônico de maior
relevância para o mercado capitalista, cabendo aos governantes criarem meios
de adaptarem este produto as novas demandas do mercado internacional. Maia
não apresenta portanto, apenas um discurso mecanicamente ligado aos setores
econômicos produtores deste produto, ele realmente acreditava que apesar das

87
MAIA. Op. cit. p.116-117.

172
incertezas ligadas a sua produção, a borracha ainda era uma alternativa viável
para o desenvolvimento da região.
Neste sentido, é possível romancear e encontrar um tom poético na
centralidade da temática da borracha na obra de Álvaro Maia, partindo de uma
ideia desenvolvida por Vick Baum (1946 apud Gondim 2007), ao encararmos a
borracha como o denominador comum, atuando como herói e vilão, o assassino
e a vítima, o explorador e o explorado, ou seja, como o verdadeiro e principal
personagem na obra alvareana, ligando assim suas crônicas, poesia, contos e
romances, ao seu ideário de ação política. Onde o político a via como uma
estratégia de desenvolvimento social e econômico para a região e o escritor via
como um tema que explicava a Amazônia, sua verdadeira ocupação e processo
civilizatório. Integrando-a à moderna civilização ocidental e encerrando de uma
vez por todas a pecha preconceituosa e determinista de que a sociedade que
aqui se estabilizou não evoluiu gerando um povo apático e indolente. Maia ao
tratar em sua obra sobre a borracha, demonstra a superioridade do povo
amazônida, demonstrando além de plena capacidade econômica de
desenvolvimento, como a ascensão de uma intelligentsia “filha da terra”, capaz
de identificar a cultura desta gente e sua contribuição para o desenvolvimento
da sociedade.
Se a preocupação dos intelectuais dos primeiros anos da República
Velha até 1945 era forjar a nação para identificar os sinais de caráter e
temperamento da população, se era ainda necessário um Estado forte para forjá-
la, não havia mais dúvida de que existia uma nação brasileira nas gerações
posteriores até o Golpe Militar (PÉCAUT, 1989). A sociedade brasileira já
possuía identidade própria, com interesses econômicos próprios, vontade
política e cultura. Uma vez que havia criado um projeto de organização social e
política de forma consolidada, não poderiam mais falar de uma formação
nacional, o projeto Estado-Nação teve tempo suficiente para ser experimentado
internamente e externamente. O sentimento de identidade nacional foi
substituído pelo de confronto, onde o povo começa a se identificar como povo.
Não havia mais a necessidade da missão dos intelectuais de décadas anteriores
de serem os representantes do projeto de nação, a fusão entre povo e nação
selou-se definitivamente com os episódios da criação da Petrobrás e o suicídio
de Vargas em 1954.

173
A cultura regional ainda aparece nas abordagens de intelectuais tais
como Maia, como uma manifestação literária, política e social de seu tempo.
Todavia, essa abordagem faz parte de um retrato das transformações sociais
ocorridas em meio urbano, principalmente a partir da década de 1950 quando se
viu surgir uma realidade brasileira de concentração populacional em metrópoles
(com o êxodo rural) que trouxe uma complexidade nas relações sociais ainda
não vista nas cidades brasileiras. Diante deste contexto, o autor revela como as
“gentes dos seringais” lidavam com transformações econômicas, políticas e
sociais, nas quais pouco ouviam falar e das quais eram os principais impactados.
Há um desinteresse pelas eleições presidenciais. Apenas despertavam-lhe
interesse os pleitos municipais e estaduais. A política nacional eram coisas lá do
sul, por exemplo, o seringueiro não conhecia quem era o Presidente da
República. Note uma mudança no tom de crítica de Maia que em seu período de
interventor no Amazonas, enaltecia o governo do presidente Vargas por atender
as necessidades do homem do interior.
Neste sentido, o livro Gente dos Seringais (1956), mescla histórias sobre
o período áureo da borracha e o papel heroico dos primeiros seringueiros nos
primeiros anos do ciclo da borracha, bem como o seringueiro da metade do
século XX, que ouvia o rádio e era leitor de almanaques vindos de Manaus, que
segundo o autor, uma leitura menos tediosa do que os jornais que só falavam de
política. Diante do cenário de transformações no setor do comércio e indústria
na cidade de Manaus, o beneficiamento da borracha e de outros produtos
regionais tais como a castanha, consolidaram o capital com que iniciou a
construção da Refinaria de Petróleo de Manaus, no período de 1955/1956,
inaugurada oficialmente pelo Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, no dia
3 de janeiro de 1957.
A temática sobre a cultura popular surge nessa caracterização desse
homem do interior, cenas de festa de padroeiros, de lendas de botos, as rodas
de danças que assimilam elementos da cultura nordestina, tais como a
“desfeiteira”. A descrição da dança apresenta uma forte e diversificada
simbologia, que reflete-se em uma linguagem e em imagens do povo, ou seja, o
autor estava preocupado em retratar este povo amazônico e suas tradições.
Todavia, ao assumir o papel de narrador Maia passa a se “intrometer” nessas
histórias e por este motivo vão passar por um conflito interno no qual o autor vai

174
descrever as sobrevivências da vida cotidiana do homem interlândio, ao passo
em que vai conflitar com seu próprio sistema de pensamento urbano sofisticado.
Neste sentido, trata-se de estratégia de captar o sentido e o conteúdo dessa
tradição oral, elaborando uma espécie de refinamento literário, no qual o autor
por sua herança erudita de homem das letras, possibilita ao leitor88 reencontrar
o Amazonas através da herança cultural dos tipos de seringueiros descritos na
sua obra.
Podemos notar essa ambiguidade quando Maia retrata a cobra-grande.
Elemento das lendas amazônicas, trata-se de uma grande cobra que habita em
áreas profundas dos rios, e seus olhos lançam chamas de fogo, que o pescador
que olhar diretamente poderá enlouquecer:

A cobra-grande, boiuna em outras regiões, permanece na ponta-


da-ilha, gozando a aposentadoria de bicho bom, sentinela do
seringal, onde cresceu e envelheceu. Poderá dormir na praia,
cintilando como um pedaço de bronze polido, à lua nova, descer
do rio com a cabeça à moda de motor, ou comer algum capado
ou bezerro, que se atolem na bôca do igarapé. Tornou-se uma
vigilante protetora e quem tiver a ousadia de tocá-la, num tiro de
traição, ficará sujeito à perseguição dos botos tucuxis e
vermelhos e à vingança dos seringueiros89

Neste sentido, a literatura alvareana assume uma função artística de


reproduzir a realidade de um povo, isto é, do povo amazônico e de sua memória.
Esse papel da apreensão desta memória popular serve para compreender os
acicates que levaram uma crescente individualização do homem moderno
burguês, uma vez que o processo civilizatório deu uma ênfase a singularização
dos indivíduos, através da formação do pensamento ocidental.
Segundo Ricouer (1994), é dever da memória “curar” as feridas do corpo
político de uma sociedade, apaziguando um passado de sofrimento e de lutas
que jamais seria esquecido. Quando, Maia recupera a poesia e as canções
destes trabalhadores frutos do ciclo gomífero do Amazonas, ele não pretende
apenas fazer um relato documental da cultura extrativa na região, mas “pagar a
dívida” com aqueles que foram esquecidos dentro do processo, equacionando
de forma crítica o processo de degradação do homem durante o período de

88
O público consumidor da obra alvareana era exclusivamente amazonense, isso nota-se pela
origem de suas publicações e pelos depoimentos em veículos de comunicação local, como o
jornal.
89
MAIA. Op. cit. p.353.

175
implementação do sistema capitalista na Amazônia. Neste contexto, livros como
Gente dos Seringais (1956), apresentam um retrato das condições dos
seringueiros num contexto de transformações econômicas e políticas no qual a
região passava e ao mesmo tempo revela que esse grupo social acusado de
débil e docilizado, por este motivo sem condições de desenvolver a região, criara
meios para revelar a identidade elaborando subjetivamente sua realidade:

“Tu és um botão de rosa,


Que há-de abrir no dia seis...”
Humildemente te peço ano-bom, festas e reis.
“Não ande na casa alheia,
Não ande fazendo mal,
Senão acaba acabando
Na ponta de meu punhal...”90

Ao retratar essas canções, que segundo o autor foram inspiradas por


histórias do nordeste, histórias de amor e crimes, reconstrói os elementos da
etnicidade deste povo, através de valores, crenças que geraram um sistema
multiétnico de relações sociais e simbólicas (BRITO, 2007).
Na caracterização de Lukács (1966), a consciência histórica do
romancista fala mais do que apenas uma representação do passado. A partir
dessa consciência é que o escritor estará habilitado a conhecer adequadamente
o seu povo para extrair desse conhecimento a “verdade histórica”. Essa,
transfiguração, garante a totalidade ideal do romance tal como é encontrada
exemplarmente nos grandes mestres do século XIX. Neste sentido, Maia só
conseguira construir uma literatura “realista” da Amazônia a partir da tomada de
consciência sobre as forças históricas que estavam em disputa, assim o autor
conseguiu construir personagens extraídos das disputas e interações desse
cotidiano, sendo este um sujeito médio que experimenta forte vínculo com seu
grupo social.
De que maneira os intelectuais marginais manejavam o nacionalismo
estatal? e/ou posteriormente o nacionalismo populista seja denunciando ou
amenizando as contradições da sociedade capitalista. Para este propósito, a
literatura foi tomada para revelar a degradação das classes mais baixas da
sociedade. Enquanto algumas parcelas da sociedade, entre as quais podemos
citar a classe média, modernizavam-se e atingiam os patamares de cidadania e

90
Ibdem. p. 268.

176
civilidade, havia porém um grupo que estava de forma ambígua encontrando-se
materialmente à margem deste processo moderno civilizador, todavia
experimentava simbolicamente uma inserção cultural e política. Álvaro Maia
busca desvelar no homem interiorano da Amazônia essa relação ambígua com
a modernidade.
Diferente de outros escritores da borracha, os detalhes sobre o labor na
extração gomífera não era o principal interesse de Maia e sim as relações sociais
e de poder que se desenrolam a partir desta cultura extrativista. Pois são através
destas relações que o autor procura encontrar o indício da crise da civilização
burguesa, e em esfera local as atitudes e ideias sociais brasileiras formaram uma
classe média urbana totalmente inserida neste processo. O homem do campo,
todavia, aparece de modo deslocado nesse processo.
A “anomalia social” criada pelas condições sociais e políticas no interior
do ciclo da borracha na Amazônia, privava ao seringueiro oportunidades de
respeitabilidade do trabalho assalariado que obrigava a buscar seu sustento em
relações de proteção e clientelismo. Neste sentido, como esse caboclo
interiorano poderia ser moderno e civilizado dentro das condições geradas pela
economia gomífera? Para Maia a resposta se dava pela construção de uma
ordem social diferente no interior, ligada a cultura popular, as relações políticas
e econômicas locais, que imprimiam um modelo reduzido da sociedade
brasileira, no entanto, que revelava o verdadeiro retrato do Brasil: a caboclitude.
Os livros Defumadores e Porongas (1966), Gente dos Seringais (1956),
Banco de Canoa (1997), fazem uma compilação de crônicas, ou narrativa de
pequenas estórias, nas palavras do autor sobre a vida no seringal. Essas
crônicas possuem temáticas e personagens que se repetem como a condição
pioneira dos trabalhadores da borracha, o papel singular dos padres nos
seringais amazônicos cujas condições sociais, ecológicas e econômicas
transformavam o processo de catequização, a relação do homem com os mitos
e lendas amazônicas e as relações políticas e de poder no interior do estado,
entre outros temas mais gerais tais como os impactos sociais, econômicos e
políticos da aviação, da abertura de novas estradas e outros impactos modernos
na região. Deixam desvelar a crítica do autor em compreender como a
modernidade e suas transformações impactaram a região que se encontra na
periferia do sistema capitalista, que durante a primeira metade do século XX se

177
encontrava em vertiginosa expansão. Todavia, no Amazonas, o homem
interiorano, o seringueiro, o indígena, o padre, entre outros, sofreram profundos
impactos.
Neste sentido, ao qualificar esses atores sociais Álvaro Maia apresenta
um retrato das transformações sociais nas quais o Brasil passava, a partir do
olhar das “bordas” de um processo global. Ou seja, o autor retratava uma
realidade vista pelos olhos e pelas vozes silenciadas e/ou alienadas do processo
de modernização. Álvaro Maia foi considerado pela análise literária específica
atual um autor que construía personagens planos e produzia uma construção
literária fortemente carregada de maniqueísmos, ficando sua obra literária presa
mais ao cunho documental do que ao ficcionista. Sua obra, apesar de manter
um laureamento junto aos seus pares da época, estava ligada também a uma
consagração conquistada na esfera política, tangenciando-se assim de
construções literárias comuns aos dos grandes cânones, por este motivo o autor
foi estereotipado como uma figura a ser “engolida” mais pela sua condição social
política do que pelo valor de sua arte91.
No entanto, o objetivo desta pesquisa não trata de fazer uma defesa ou
acusação sobre a “qualidade” literária ou política da obra alvariana, mas de
compreender como a obra literária em si na medida em que busca uma
subjetivação, já mostra um caráter de objetividade e portanto, reflete a própria
sociedade na qual está inserida, portanto seus livros podem não somente refletir
as ingerências de um campo sobre outro, mas também o sujeito (eu) é o agente
fundamental nesse processo, pois quando abandona a linguagem está por
inteiro nela, isso porque não só o indivíduo está socialmente mediado, ou os
seus conteúdos são sempre e ao mesmo tempo sociais, mas também ao
contrário, a sociedade somente se forma e vive pelos indivíduos de que é a
essência (ADORNO, 1975).
Em outras palavras, sua obra literária é um reflexo da sociedade em que
o autor vive, revelando de que forma a arte pode ser uma expressão da
inquietude do espírito humano, mas ao mesmo tempo tratar-se de uma
experiência social, assim sua debilidade estética pode revelar ao mesmo tempo

91
Nos últimos anos as análises literárias especializadas, vem colocando Álvaro Maia na
condição de um escritor marginal, pela qualidade de suas obras e a forte ingerência política.

178
a força real das experiências econômicas, sociais e políticas nas quais o autor
está inserido.
Neste sentido, sua obra é um retrato social e por ser um retrato vai
revelar as visões de mundo que o autor quer identificar, qual a intenção do autor
ao redigir tais ideias (SKINNER, 2005) e as representações simbólicas nas quais
seu público (pares e leitores) identificam através da construção de temas,
personagens ou relações humanas, pois estas construções cumprem uma
função social, pois criam um espaço de interação de valores sócio históricos
entre os sujeitos aí envolvidos (autor e leitor); a literatura só existe através desse
intercâmbio social (BOURDIEU, 1996a).
A obra literária não é mero reflexo da consciência coletiva ou individual,
mas a concretização das ações sócioculturais tomadas por um grupo social na
definição da consciência coletiva: a produção literária corresponde à estrutura
mental de um determinado grupo social. Desse modo, a obra literária de uma
dada sociedade e época é o resultado de diversas práticas, pressupostos,
concepções expressas em valores e posturas reconhecidos enquanto tal pela
coletividade.
Nas décadas de 1940 e 1950 houve outro surto do movimento
regionalista (LEONEL & SEGATTO, 2009), como na obra de Érico Veríssimo e
Guimarães Rosa, o regionalismo deste período se diferenciava do movimento de
30 por expor a miséria humana da população do sertão e suas mazelas oriundas
das relações sociais e de poder. Esse processo ocorre como um elemento de
contraponto ao contexto econômico e político desse período. Após a queda do
Estado Novo, o Brasil experimentou um período de supervalorização do
nacionalismo, os intelectuais acreditavam que era o período de experimentar a
democracia “real”, onde o povo e não mais os ideólogos do Estado se
identificavam com a identidade nacional, assim o desenvolvimento atrela-se a
ideia de autoafirmação da identidade nacional (PÉCAUT, 1989). No entanto,
apesar da construção desta ideia de nacionalismo popular fortemente carregado
da pecha desenvolvimentista, o Brasil ainda sofre com uma forte centralização
econômica e política focada nas regiões do centro-sul e sudeste, apesar da
criação de inúmeros programas com a finalidade de integrar e desenvolver as
regiões mais longínquas (SPVEA no caso da região amazônica). Neste sentido,
com parcos elementos da identidade nacional, ainda sofremos neste período

179
com regiões que apresentam um grau de desenvolvimento diferenciado,
ressaltando que a ideia de vários brasis ainda não tinha sido superada.
A literatura ascende com a segunda fase do movimento regionalista,
agora marcada por um super regionalismo que busca valorizar o elemento
regional, que se confrontava a outras manifestações estéticas como o
surrealismo, e o super realismo e o naturalismo, entre outras. Onde a obra de
Guimarães Rosa representa essa valorização de uma espécie de naturalismo
onde objetivo central era o de encontrar a universalidade da região.
Com a publicação do livro Banco de Canoa: cenas de rios e seringais do
Amazonas, em 1963, é possível observar a representação de um retrato fiel da
condição do homem interionano, onde o seringueiro é a representação do claro
abandono no qual um sistema econômico extrativista, gerido de modo
desordenado e sem a assistência do governo central, deixou este trabalhador
perdido e desprotegido. Este livro, publicado na década de 1960, apresenta um
forte tom de desilusão, apresentando um Maia já velho que perdera o natural
otimismo e esperança em relação a possibilidade de recuperação do estado.
A preocupação de Maia em criar uma linguagem literária que criasse um
identificação específica para as relações sociais existentes na Amazônia, ou seja
um trabalho de nomeação dos aspectos particulares dos laços de
solidariedades, das relações econômicas e de poder, que eram específicas à
cultura e aos hábitos dos povos amazônicos. Neste sentido, o autor se
preocupou em nomear92 as narrativas por ele colhidas no sentido de tornar esses
elementos da cultura local em universal, daí a presença de glossários no final
dos livros do autor para identificar os termos que fogem dessa linguagem formal
e universal.

92
Segundo Brasil (2004, p. 31) o processo de nominação é um processo semântico no qual os
autores brasileiros e latino-americanos na primeira metade do século XX davam nomes as coisas
que deveriam ser conhecidas pelos habitantes de outras partes do globo, por exemplo as
árvores, os animais, entre outros. Brasil afirma que essa preocupação com a nominação se dá
pela necessidade de se reconhecer os elementos próprios da região, pois quando a literatura
europeia descreve um jardim clássico francês, por exemplo, não há a necessidade de maiores
descrições pois imagens de Versalhes estão ilustrando esse cenário desde as clássicas pinturas,
até calendários ou capas de cadernos, já no caso brasileiro ao se falar de um ser mitológico
como a cobra grande, é necessário fazer uma descrição especifica a fim de que os leitores
consigam compreender como esse ser raro possa se tornar um código acessível ao olhar
humano.

180
Havia também as andejas93, que se aboletavam nas rua-da-
palha, altos-do-bode das sedes municipais e percorriam certas
barracas dos seringueiros, disfarçando as viagens com a venda
de bugigangas. Evitavam, por esse engano ingênuo os
comentários, as intrigas e as proibições da roça94.

Esse processo de construção semântica, possui no plano simbólico uma


necessidade do autor de assumir aquele espaço regional para si. Uma
apropriação do espaço do interior amazônico e, também, daquele tempo que no
caso do autor na maioria de suas obras dava uma ênfase ao passado,
especialmente ao período áureo do ciclo da borracha. Neste sentido, esse tipo
de regionalismo nomeador torna-se um tipo de estratégia literária para concorrer
com os paradigmas europeus e norte-americanos, tais como o exotismo.
No entanto, a Amazônia retratada pelo autor encontra-se na margem do
processo de modernização global, assim sua posição marginal lhe desloca dos
espaços onde os fluxos, o desenvolvimento da ciência, da técnica e da
informação, mais comumente identificadas nos processos de interação que
giram em torno do centro. Essa dependência expressa de subordinação, a ideia
de que o desenvolvimento dessas regiões estão submetidas (ou limitadas) pelo
desenvolvimento de outros países e não eram forjadas pela condição agrário-
exportadora ou pela herança pré-capitalista dos países em estado de
subdesenvolvimento, mas pela forma de desenvolvimento capitalista do país e
por sua inserção no capitalismo mundial.
Neste sentido, escritores da margem, escrevendo sobre a margem criam
novas estratégias universalizantes e novos posicionamentos culturais entre as
“zonas ocultas” das histórias centrais (SARLO, 2010), neste sentido, cria-se uma
nova visão sobre o Pensamento Social Amazônico, pois ao invés de
compreendê-los sob o uma ótica estrangeira, é possível assumir uma análise
sob um ponto de vista interno, periférico, ou seja, uma recusa de compreender
Maia a partir do centro como um lugar de emanação da verdade.
A obra de Álvaro Maia no plano simbólico produziu um discurso sobre a
identidade do seringueiro que, segundo o autor, seria a maior representação da
caboclitude. Daí a relevância desta personagem. Os capatazes, os escreventes,

93
Andeja: mulher fácil, servindo aqui e ali (Fonte Glossário de Maia 1997, p. 371).
94
MAIA. Op. cit. p. 94.

181
entre outros, eram personagens secundários em sua obra. A formação da
identidade do seringueiro a partir de sua relação de trabalho foi um dos temas
centrais para o autor. Inspirado na negritude de Sartre, Maia se torna um dos
maiores interlocutores do movimento da Caboclitude da literatura amazonense.
A negritude em Sartre surge como um movimento de recuperação da linguagem
do povo negro, contra imposições imperialistas da própria linguagem que
dominavam as raças através da linguagem. Partindo deste princípio, Maia se
apropria da linguagem cabocla criando ontologicamente “ser-no-mundo” do
caboclo.

Essas narrativas e historietas, colhidas entre os seringueiros nos


bancos de latadas e canoas, são verídicas ou produtos da
imaginativa popular.[...] A linguagem foi um pouco modificada e
atenuada nas expressões fesceninas, inerentes aos primeiros
exploradores e aos atuais moradores. Falharia à verdade se
torcesse suas palavras e pensamentos. Demais, é um livro de
crônicas seringueiras e operários da selva. Espécie de folclore
pioneiro- caboclitude para imitar negritude, qualidades comuns
às atitudes e às condutas dos caboclos do interior
[...]
O caboclo, o amazônida, não foge a esse conceito magistral,
próprio aos grupos que se misturam, se confundem, se plasmam
ou se perturbam, na formação do homem robusto de amanhã,
egresso do heroísmo e cobardias na conquista dos novos
continentes.
Caboclitude Amazônia, caboclitude planiciária...95

Neste sentido, Álvaro Maia cria uma linguagem identitária regional, o


papel de representante da caboclitude lhe conferiu o uso de determinados meios
discursivos nos quais lhe foram autorizados o uso através da institucionalização
destas posições sociais, pois uma vez que o autor recebe do grupo social o papel
de locutor, por sua vez irá comandar o acesso a esse discurso. Este processo
lhe confere uma abertura institucional a expressão e representação deste
discurso e portanto, a própria participação no quinhão da autoridade institucional
(BOURDIEU, 1996b).
Todavia, a publicação dos livros Banco de Canoa e Nas Tendas de
Emaús, ambos na década de 1960, revelam uma crueza e desilusão diferente
das publicações das décadas. O autor então com 70 anos, já não demonstra
tamanha preocupação em “amenizar” as desigualdades sofridas pelo

95
MAIA. Op. cit. p.8.

182
trabalhador do seringal, nesse sistema de extração que predominou na região
amazônica. Identificando-se com a índole do ribeirinho, procurou neste momento
se afastar de qualquer tipo de política corrupta que degradava o homem do
interior, como ele afirma em seu livro auto-biográfico Nas Barras do Pretório96:
“Minha vida sempre foi simples, até por filosófica índole de ribeirinho”.
O misticismo que era uma característica marcante na trajetória inicial de
Álvaro Maia, retorna em suas obras finais revelando um Maia reflexivo,
reavaliando sua vida literária e política. É interessante salientar que tais
características vem de encontro com o período em que sofre sucessivas derrotas
eleitorais. Em carta à Álvaro Maia, o escritor João Leda revela surpresa e
admiração com a forma com que o político encarava as acusações de
enriquecimento ilícito: “Eu, de mim, confesso que jamais atingiria aquela placidez
espiritual na tosquia de cerdos”97. Note a referência a capacidade de sofrer as
acusações sem demonstrar um revide contra seus algozes, Leda ainda afirmava
nesta carta que não possuir tamanha serenidade, por seu temperamento mais
explosivo, diante de acusações “injustas”.
Mendonça de Souza98 (1969), na polianteia sobre a morte de Álvaro
Maia, também registrou a admiração com a qual Maia encarava as críticas contra
sua atuação política, sempre mantendo uma atitude discreta e não revidava com
as mesmas armas seus inimigos políticos. O homem místico respondia através
de sua literatura com um tom espiritualista sobre sua atuação política. O uso
desse discurso reforçava a imagem do líder místico, que depois de décadas na
política não poderia mais encarar o estereótipo de líder messiânico, mas o de
mártir que se sacrificou em nome da causa do bem.
No livro Tendas de Emaús (1967), Maia dedica-se a temas sobre a
espiritualidade, no conto Os sãos não precisam de médicos, escrito
originalmente em 1954, no seringal do Goiabal, o autor faz uma reflexão sobre
sua atuação literária e política como uma espécie de missão divina, que apesar
de sofrer duras críticas, faziam parte de um propósito divino escolhido para
apenas alguns “virtuosos”, que estariam predestinados a se sacrificar em nome
da humanidade assim como Jesus Cristo o fizera, Maia começa a usar então a

96
MAIA. Op. cit. p. 88.
97
Ibdem. p. 42.
98
Cf. Revista Da Academia Amazonense De Letras. Op. cit.

183
ideia de sacrifício em nome de uma grande causa como uma justificativa para
seu desgaste político nas décadas de 1950 e 1960.
No entanto, as mensagens de Maia, já velho, revelam também um
escritor mais soturno, com um forte apego à melancolia e ao desejo do encontro
com o paraíso, as mensagens deste livro já revelam um tom de despedida ou de
balanço de sua participação terrena. É como se a morte, com todo o seu mistério,
mexesse com todas as suas crenças de origem católica e não tendo como
depositar sua melancolia, ele encontrasse um refúgio no além da vida, onde ele
receberia a sua recompensa. Neste sentido, sua missão de engajar-se na política
poderia ser justificada pela condição de mártir.
Tecendo críticas à história do catolicismo, ele se questiona quem são
realmente os sãos? Que em nome de Deus cometeram as maiores atrocidades
da História da Humanidade, divinizando conflitos (Guerra Santa, entre outros),
onde conquistavam povos e os prendiam pela fome e pela fé, golpeando em
defesa de um idealismo cristão. Assim, o processo de constituição dos países
democráticos segundo o autor foram construídos debaixo de vários crimes e
perda de vidas, e os tratados e convenções a respeito de direitos universais,
legitimados por representantes de Deus, não geraram a liberdade entre as
classes, apenas fomentaram regimes escravistas e ditatoriais.
Em tom catequizador o autor propõe uma reflexão sobre a vida, o
Estado. Suas divagações constatam que as ideologias que fundamentaram o
estado brasileiro e a política do Amazonas não geraram todas as transformações
que ele imaginava, apesar de ter sido acusado de criar ideologias para garantir
os interesses de grupos ligados a extração gomífera, devido à sua literatura
nativista e seus programas econômicos serem voltados para a valorização da
borracha. Entretanto, o discurso possui duas dimensões ilocutórias: uma
dimensão voluntária, ou seja no caso alvareano os atos voluntários imbuídos no
interior de seu discurso (literário ou político), isto é suas intenções; e a outra
dimensão ligada às convenções linguísticas existentes, ou seja, os grandes
discursos formados dentro da ambiência intelectual e política na qual o autor
estava envolvido (SKINNER, 2005).
Assim a produção literária de Maia com um forte apego espiritualista
revela, que ele lia constantemente a Bíblia e dela retirava vários versículos,
personagens, inclusive ideias, como no trecho: “Envio-vos como cordeiros na

184
mão dos lobos. Aprendei de mim a sêr mansos; si vos baterem numa face,
apresentai a outra, e si vos tirarem a túnica, abandonai também o manto” 99. O
trecho contém citações dos livros de Lucas 10:3 [Envio-vos como cordeiros na
mão dos lobos]; Mateus 11:29 [Aprendei de mim a sêr mansos]; e Lucas 6:29 e
encontrado também em Mateus 5: 39b, 40 [Si vos baterem numa face, apresentai
a outra, e si vos tirarem a túnica, abandonai também o manto], esse versículo
também se encontra No Evangelho Segundo o Espiritismo de Allan Kardec
(1866), esse trecho revela a similaridade das divagações espiritualistas de
Álvaro Maia com o espiritismo.
No capítulo Oração de São Francisco, Maia revela seu posicionamento
mais claro sobre a fé cristã, e tece críticas a igreja católica, propondo um maior
sincretismo entre as religiões, criticando a vaidade de alguns padres.
Observamos essas críticas veladas à igreja católica através do uso das
expressões “túnica comprida”, “batinas vaidosas”. Segundo Brum (2009), na
literatura brasileira encontramos vários escritores, dentre os quais Machado de
Assis, Manoel Bandeira, entre outros, que não se identificavam ideologicamente
com o catolicismo, mas utilizavam a religião católica para compreender alguns
dilemas do homem através da religiosidade. Neste sentido, não podemos
identificar Álvaro Maia como um anti-católico. Em seu livro auto-biográfico Nas
Barras do Pretório (1958), menciona cartas sobre sua relação com inúmeros
clérigos do Amazonas, dentre os quais Dom Pedro Massa, da ordem dos
Capuchinhos, entre outros. Neste sentido, o fato de Álvaro Maia produzir tais
críticas neste livro revela-o com autor ligado aos problemas e assuntos de seu
tempo.
Em sua obra Maia sempre construiu diversos personagens do clero, com
características “mundanas”, que revelam no entanto a proximidade desses
comportamentos descritos com o próprio processo de religiosidade no interior do
Amazonas, onde os pecalhidos eram tolerados, caso contrário ninguém
permanecia na Igreja, como podemos destacar na personagem de Padre Silveira
no livro do Beiradão, o padre tinha um filho; Padre Luís em Banco de Canoa, que
tolerava os comportamentos pecaminosos do Coronel Terêncio por ser um
homem poderoso, ou o Padre Silveira e suas inúmeras afilhadas (amantes).

99
MAIA, Álvaro. Nas Tendas de Emaus: Temas espiritualistas. Manaus: Editora Sergio
Cardoso; 1967. p. 98.

185
Afinal era fruto de seminários brasileiros que não eram tão rigorosos quanto os
europeus, no livro Banco de Canoa. Note-se que apesar das condutas
“pecaminosas”, foram os padres significativos para autor, para a formação da
religiosidade do homem interiorano, a atuação desses padres nessas
comunidades ultrapassavam a função de clérigo, eram farmacêuticos, faziam
partos, conselheiros políticos, assim adquiriam o respeito e a admiração da
população, portanto, essas personagens não foram construídas de maneira
depreciativa por Maia, ou não estava tão preocupado com a essência do
sacerdócio, mas essas personagens revelam a realidade de seu tempo.
Do ponto de vista estético os textos são fortemente carregados de
Simbolismo com o uso de letras maiúsculas para destacar determinadas
palavras tais como: “Médico Supremo” referindo-se a figura de Jesus, como o
único agente capaz de curar os males da humanidade, ou a expressão “TUA
Mão”, no qual o autor justifica sua motivação por um engajamento político devido
ao direcionamento divino. Neste sentido, Maia reforça a construção de que sua
atuação política foi um sacrifício feito em favor salvação do Amazonas, tal qual
Jesus Cristo o fez com a crucificação em favor da salvação da humanidade, por
este motivo, as críticas feitas à sua política fazem parte do preço que ele deve
pagar por ter assumido essa missão divina.
Saindo da usual temática sobre Amazônia, e da valorização da borracha,
Álvaro Maia então com setenta anos demonstra uma mudança temática, apesar
do tema místico estar presente ao longo de sua obra, estaria preocupado com
seu leitor usual? Ou com as representações políticas que marcaram sua
ideologia e programa político? O ponto central é que através da leitura do livro
Nas Tendas de Emaús, podemos ainda identificá-lo com suas temáticas
tradicionais, e ao mesmo tempo observar uma preocupação com a
transcendência, no entanto, essa preocupação do ser-no-mundo possui um
caráter social, pois torna-se uma crítica ao discurso cientificista e racionalista no
qual o próprio autor estava imerso, daí o tom irônico com que hermenêutica
alvareana apresenta. Segundo Gadamer (2004), as representações contidas nos
símbolos gráficos, os significados implícitos do texto, nos auxiliaria em encontrar
um elo entre o signo e o significado, ou seja, Maia ao propor esse tipo de
transcendência reconstrói um tipo de discurso e conhecimento sobre o homem
e seu objeto de conhecimento.

186
Assim ao utilizar a Bíblia como elemento legitimador de sua ideia de
transcendência, revela que suas reflexões sobre sua vida particular, e sobre o
estado do Amazonas, mostram uma tentativa do autor em demonstrar as bases
da sua missão terrena, a política e como essa missão alcançou seu êxito, pois
ele semeou uma ideia que agora se propagaria no terreno fértil do coração de
homens bons:

Deves ser o agricultor das boas plantações. Ensina teu irmão a


semear grãos de generosa produção, que alimenta e
dessedenta semelhantes. Procura evitar as negras sementeiras
do ódio, que anilquilam e calcinam, matando os canteiros e
pomares
Se êle fincar o ódio, vai arrrancá-lo, mesmo que não o veja, nem
espere recompensa.
Estuda as criaturas com quem vives, estuda-lhes os recalques,
os sentimentos, os motivos que deflagram em raivas incontidas.
Não acendas o fosforo, perto da pólvora, nem o atires aos
capinzais em resclado. Há corações feitos de pólvoras e de
capinzais ressequidos.
Há os que se consideram intocáveis, intocáveis os do mesmo
sangue. Deixa insultar, ferir, sofre pelos pequenos, hulmilha-te
pelos humilhados, - e estarás servindo a Jesus100.

Assim, através da transcendência espiritual ele propõe que todas as


religiões levam a Deus, e que por isso não devem ser menosprezadas. Esse
novo tipo de evangelho de Cristo, de inspiração kardecista, revela a preocupação
do autor em demonstrar que em um contexto de transformações políticas e
sociais, nas quais ele testemunhou guerras, crises econômicas, ditaduras e
democracias, era necessário uma relação de verdadeira união entre pessoas,
para a construção de uma sociedade melhor e mais humana.
Portanto, diante das inúmeras temáticas encontradas na literatura
alvareana, é possível perceber em Álvaro Maia que como um leitor de seu tempo,
ele tentou denunciar as mazelas do homem, como no caso dos sofrimentos do
seringueiro. Como um intelectual que via na literatura sua missão, ele pretendia
construir uma sociedade verdadeiramente democrática, para isso saiu do plano
das ideias e se engajou na política. Como um amazônida, buscou nos elementos
nativos construir a identidade de um povo. E como um político, viu na literatura
uma possibilidade de legitimar suas ideias políticas e se tornar um representante
de um grupo.

100
MAIA. Op. cit. p. 192.

187
Capítulo 3
O Projeto Político e Intelectual de Álvaro Maia

Gramsci (apud MONASAT, 2010) inicia seus escritos sobre o papel dos
intelectuais na sociedade moderna a partir de um questionamento: “Os
intelectuais constituem um grupo social autônomo e independente ou cada grupo
social possui sua própria categoria especializada de intelectual?” (p.92). A partir
desta arguição o autor italiano procura identificar através dos intelectuais uma
função orgânica de consolidação de um status quo ou de uma perspectiva de
mudança.
Neste sentido, surge um questionamento em relação ao projeto político
e ideológico de Álvaro Maia para o Amazonas, como foi abordado nos capítulos
anteriores desta pesquisa. Maia empreendeu inúmeras ações políticas no
sentido de garantir sua inserção e permanência no campo político, quando se
insere em 1930 no cargo de Interventor até seu último mandato como Senador
na década de 1960, em plena Ditadura Militar.
Concomitante a esta trajetória política, teve uma extensa produção
literária, que passou pela publicação de crônicas políticas, romances, poesia
entre outros. Por este motivo, quando se analisa as mudanças de
intencionalidades literárias e ideológicas e a persistência em determinados
programas políticos, compreendemos que tais posicionamentos em muito se
assemelham ao de intelectuais brasileiros da primeira metade do século XX, que
construíram um esforço explicativo, para compreender o atraso nacional,
levando a uma necessidade de envolvimento político direto no sentido de tentar
sanar as feridas deixadas pelo colonialismo.
Todavia, a preocupação em forjar a nação através do engajamento
político não daria conta de responder, como Maia, um representante dos setores
economicamente dirigentes ao longo de sua vida política. Continuou a publicar
livros que revelavam a dura realidade do seringueiro, mostrando a crueza das
condições na quais o homem do norte foi envolvido pelo processo civilizatório na
Amazônia. Apesar de sua obra literária ser repleta de ambiguidades, pode ser
considerada como um estudo social sobre as relações de trabalho do principal
sistema extrativo no Amazonas na primeira metade do século, com um forte
caráter etnográfico e sociológico, tornando-se um retrato fiel de seu tempo.

188
Segundo Norberto Bobbio (1997), o intelectual é um agente capaz de
fornecer os princípios-guias para a sociedade. Neste sentido, a atividade política
e intelectual de Álvaro Maia expressavam essa intencionalidade. No entanto, o
posicionamento intelectual na sociedade não serve como única chave explicativa
para compreender sua trajetória. A intencionalidade de Maia nas suas
publicações literárias e em sua atuação política sofreu inúmeras ingerências,
dentre as quais a relação com as elites políticas locais, servindo também como
uma fonte explicativa sobre o modo como se deu o processo de
profissionalização de um literato no Amazonas.
A militância política de Álvaro Maia refletiu no projeto literário de
construção da identidade cabocla, uma complementação no plano prático. Ou
seja, o seu engajamento político a partir da década de 1930 não significou um
corte de interesse em sua trajetória literária e intelectual. Sua inserção na política
vem de encontro à missão dos intelectuais deste período de forjar a nação, ao
passo que a indicação ao cargo de Interventor no período do governo varguista,
tornou-se uma estratégia do estadista no sentido de ampliar o espectro de sua
administração. Maia se consolidou na política através da defesa dos setores
ligados ao comércio e o extrativismo, ao passo que mostrava-se adepto de
causas populares e cívicas.
Em seu primeiro mandato como Interventor observamos uma
preocupação com a moralização política. Apesar de sua exoneração em 1931,
após o incidente com Tribunal de Justiça101, Maia revela uma ação política de
caráter modernizador. Defensor de um liberalismo progressista, como uma
oposição ao liberalismo individual, conservador e oligárquico. Maia buscou

101
Após a decisão do Superior tribunal de Justiça de deferir um pedido de habeas Corpus em
favor de Abdon Villareal, colombiano, acusado de estupro. Tal decisão causou diversos protestos
populares, que desagradou ao então interventor Álvaro Maia que decretou o ato 699, de 25 de
junho de 1931, no qual dissolvia o Superior Tribunal de Justiça:
“26 de junho de 1931 (Diario Oficial) n°10.853
(Acto) n°699
O Cidadão ÁLVARO MAIA, Interventor Federal do Estado do Amazonas, por nomeação do
Governo Provisório da República,
Resolve
Art. Único- Dissolver o actual Tribunal de Justiça do Estado, ficando aposentados os seus
membros, de acordo com a legislação em vigor, revogadas as disposições em contrario.
Palácio Rio Negro, 25 de Junho de 1931.
Álvaro Maia
Interventor Federal
Francisco Pereira
Secretário de Estado” (apud GARCIA, Etelvina. O poder Judiciário na História, 2002. p. 51)

189
conciliar as políticas de valorização da borracha, com um planejamento estatal.
Neste sentido, o discurso de garantias individuais do trabalhador, faria parte da
agenda pública, e deste modo serviria de parâmetro regulador da ação
governamental. Apesar de que essa inclusão dos novos grupos sociais
ampliando sua participação política, ficou mais em um plano ideológico do que
verdadeiramente prático.
Essa perspectiva revela uma contradição entre sua ideologia política e
sua ação política, pois nos livros publicados, principalmente na década de 1950,
Maia critica as práticas políticas no interior, denunciando os votos de cabresto,
ou as eleições compradas. Neste sentido, o uso da valorização do seringueiro
servia como um discurso legitimador, no entanto sem enfocar soluções
concretas. Por este motivo, não podemos encontrar nas ações políticas de Maia,
uma ação que o colocasse de fato em uma condição de diferenciação dos grupos
políticos tradicionais que ele criticava.
Como explicar a influência que Maia continuou exercendo sobre as
classes políticas e intelectuais mesmo após o fim do regime varguista, do qual
foi um dos maiores representantes no Amazonas? Além da intensa dedicação e
da atividade mantida por ele, mesmo sem assumir cargos na administração, visto
que após seu último mandato de governador do estado, só retorna ao poder no
cargo de Senador em 1967, três anos antes de sua morte. Álvaro Maia continuou
exercendo influência moral sobre a classe política amazonense como podemos
observar na atuação intelectual e política de Arthur Cezar Ferreira Reis.

3.1. Uma elite política amazonense

Durante a década de 1930, Álvaro Maia participou de inúmeras


atividades políticas. Foi Interventor do estado do Amazonas durante o período
de 1930 a 1931. Nas eleições elege-se para a bancada amazonense à
Constituinte. Sua atuação na Constituinte foi decisiva para o fortalecimento de
seu capital político, elegendo-se em 1934 Governador Constitucional. Tais
atividades possibilitaram sua nomeação ao cargo de Interventor em 1937, no
período do Estado Novo.
Na década de 1930 sua atuação política se encaixa em uma espécie de
personificação do varguismo no Amazonas. Apesar de manter uma política em

190
consonância com os interesses do governo central, Maia procurou construir uma
política de equilíbrio em relação ao orçamento público. Segundo Santos (1996),
baixou setecentos atos, no sentido de regularizar situações indesejáveis ou
tomando providências reivindicatórias. Sob a égide da centralização política do
governo central, unificou os serviços públicos do município e do estado. Pleiteou
insistentemente junto ao Delegado Militar do Norte uma política nacional de
defesa e valorização da borracha, aos moldes das políticas de defesa do café.
Anulou várias concessões latifundiárias, atuando no combate à lepra e investiu
em melhorias na educação (cf. NORMANDO, 2014).
Como um representante de setores tradicionais da economia do
Amazonas, ele mostra neste tipo de ações uma preocupação em modernizar e
racionalizar a máquina pública, visto que durante a década de 1920, seu discurso
criticava justamente a ineficiência da administração pública, pela sua
morosidade e corrupção.
O cenário da borracha na década de 1930, era preocupação em virtude
do aumento da produção asiática. Desde 1910, junto aos primeiros sinais de
crise da exportação da borracha silvestre, o governo do estado e a Associação
Comercial não deram a real importância ao problema, acreditando ser uma fase
passageira. Em 16 de março de 1930, em assembleia geral da Associação do
Comercial do Amazonas, criaram um comitê para a defesa da borracha silvestre,
inspirado na tese de Cosme Ferreira Filho apresentada no mês anterior 102. A
finalidade deste comitê era promover a conferencia sul-americana da borracha,
a fim de debater soluções para a crise e a desvalorização da hévea na região.
Neste sentido, nota-se que tanto o governo do estado do Amazonas como

102
As seis teses defendidas por Cosme Ferreira Filho junto à Associação Comercial do
Amazonas, em 1930 foram:
“1-Estabelecer o ponto de vista brasileiro na questão internacional da borracha.
2-Promover, em virtude desse ponto de vista a independência econômica e technica da borracha
silvestre amazônica.
3- Transformar a referida borracha em manufactura, nas praças de Manaós e de Belém, como
único meio de obter-se a desejada independência technico-economica.
4- Converter o ponto de vista sul-americano, de maneira a interessar os demais países limítrofes,
produtores de borracha silvestre.
5- Promover a reunião de um congresso internacional dos paízes produtores de borracha
silvestre, para examinar e adoptar o ponto de vista brasileiro.
6- Convocar, finalmente, para esse congresso, que deverá reunir-se no Rio de Janeiro, a Bolivia,
o Perú, a Colombia e a Venezuela, e assentar, com esses paízes, todos os planos necessários
à realização do ponto de vista sul-americano, em todos os seus aspectos e detalhes.” (Revista
da Associação Comercial do Amazonas, 1930, s/p).

191
Associação Comercial, não tomaram medidas práticas no sentido de intervir no
problema econômico, como fizeram os produtores do café no sudeste.
Somente em 1943, organizou-se a Conferência da Amazônia para a
“batalha da borracha”, sediada em Belém, com a presença de Maia então
interventor do estado do Amazonas. Esta iniciativa foi fortemente motivada pelo
aumento do preço, devido o impedimento do fornecimento asiático por conta da
guerra.
Álvaro Maia surge como interventor em 1930 num cenário de tensões
políticas, em todo o país. No Amazonas além da instabilidade do contexto
nacional, à crise da borracha somava-se a insatisfação em relação ao cenário
político, com a centralização das elites oligárquicas no poder. Com o governo
provisório de Vargas começa a política dos interventores que objetivava por
homens de confiança de Vargas em todos os estados, afim de centralizar o poder
na esfera federal.
Segundo Pandolfi (1980), os interventores federais do norte,
representavam o modelo ideal de interventor. A escolha se dava a partir dos
seguintes critérios: ser estrangeiro, ser militar ou ser neutro politicamente. O
caso de Álvaro Maia se encaixa nestes requisitos devido a sua neutralidade
política. Segundo a autora a escolha era feita em virtude da falta de identificação
com os grupos políticos que se espraiavam no poder, antes de 1930.
Álvaro Maia, apesar de vinculado aos grupos dominantes, neste
momento se apresentava como um agente destituído de raízes partidárias, por
surgir durante a década de 1920 como uma liderança intelectual e esse perfil se
encaixa com os interesses de Vargas de criar uma política de centralização do
poder.
Diante do desafio de construir uma política de centralização alinhada
com o governo central e a crise da borracha, passou a nomear todos os prefeitos
dos municípios, sendo que entre estes, nomeou seu irmão Antônio Botelho Maia
(entre 1937-1938). Quando pressionado a rever sua decisão em relação a
dissolução do Superior Tribunal de Justiça, inconformado, exonerou-se do cargo
e afastou-se provisoriamente da política local, permanecendo no Rio de Janeiro
na condição de inspetor de ensino secundário e professor do Ginásio São Bento
e da Escola Alemã.

192
A trajetória política de Maia está intimamente atrelada à estruturação do
sistema econômico do extrativismo durante este período. Foi um dos políticos
que desenvolveu uma política de defesa da cultura extrativa para a região, ao
passo que nessa década o Brasil já experimentava seus primeiros investimentos
na área da industrialização.
A economia da Amazônia já nasce com um perfil extrativista, exportador
e dependente para mercados externos. Em 1800, a Amazônia não consegue
impulsionar a exportação de outros produtos em outras regiões do país como o
caso do café, fumo, cana-de-açúcar, entre outros, coube a borracha o papel de
produto dinamizador da economia local. Em seu período de apogeu da borracha,
50% da renda do setor primário vinha dela e de outros setores da economia
(indústria, comércio e serviços) que estavam ligados direta e indiretamente à
essa cultura extrativa. Durante o período de 1920 até meados de 1940, a região
passou por um novo estímulo de demanda por este produto, mas sem o fôlego
do primeiro ciclo. Além de um aumento de diversificação de produtos que
resultou no aumento das receitas do estado do Amazonas, sem contudo
apresentar a recuperação necessária que o estado ansiava.
Álvaro Maia construía uma política conciliatória entre os setores
dominantes da economia gomífera e os interesses do governo central. Segundo
Codato (2008), as elites políticas que estavam no poder, passaram por um
processo de reorganização do exercício do poder, com a ascensão de um novo
tipo de profissionalização da política, fortemente atrelada a burocratização da
máquina pública. Neste sentido, as medidas tomadas por Álvaro Maia durante
este período, revelam uma tentativa do interventor em racionalizar o governo do
estado.
A atuação política alvareana foi longa, no entanto alguns momentos
foram decisivos para compreender seu processo de profissionalização política.
Neste capítulo procuraremos nos deter nas vezes que assumiu o cargo de
executivo do estado, pois reflete o processo de legitimação e de maturidade
política, observando que se coloca como uma força política, que consegue
conciliar diversos setores sociais.
Todavia, no ano de 1930, Maia ainda sofria com a falta de autonomia
entre uma espécie de desarmonia entre suas condições sociais de produção no
campo político e social, isto é, ele ainda construía sua autonomia no jogo político.

193
O golpe de estado de 1930, trouxe um contorno diferente para o processo de
institucionalização política brasileira, pois criava uma institucionalização
burocrática e tentava construir uma separação entre o poder político e o poder
econômico. Contudo, neste período não houve no Brasil uma política
institucional de fato, com os trâmites deste processo tais como: eleições, partidos
parlamentares, entre outros.
Segundo Bobbio (1986), em uma sociedade sempre existe um pequeno
grupo, que de alguma forma é a detentora do poder, sendo este grupo capaz de
reunir condições estratégicas de exercer o controle do poder decisório no campo
político, ideológico e econômico. Essa elite política detém o controle do campo
político na maioria das sociedades tradicionais e modernas, organizando
inclusive institucionalmente.
Em sua busca por conservação do poder essa elite política engaja-se na
manutenção das estruturas sociais a fim de garantir seu prestígio, através do
monopólio do poder político, ou ainda incentivando determinadas condições de
transformações nas relações econômicas, políticas e sociais, com a finalidade
de garantir a manutenção de sua posição de comando. A década de 1930 sofreu
transformações que revelam esse processo, pois havia um conflito entre a
tradição agrária e a modernidade urbano industrial. Neste contexto, os grupos
detentores do poder que buscavam incentivar essas transformações eram
manejados no sentido de melhor garantir os interesses dessa elite política.
Durante este período cria-se uma ideologia da racionalização das
práticas administrativas, mesclando dois tipos de ideias próximas do antigo
notável103 (oligarca rural) e o especialista (o profissional liberal urbano:
advogados, médicos, engenheiros, etc). Neste sentido cria-se um novo tipo de
grupo político, o grupo transitório, entre esses dois tipos ideais. A principal tarefa
deste grupo era manter seus mecanismos de participação e engajamento dentro
de um contexto de centralização política. Por este motivo, a região e a
territorialidade tornam-se o discurso desta elite no sentido de manejar as

103
Segundo Max Weber em seu livro Economia e Sociedade (1999), ao estudar o gentlemen na
Inglaterra burguesa, os notáveis seriam um grupo que por sua posição social e econômica,
encontram-se em condições de dirigir e administrar, tendo a política como profissão secundária,
não tendo na prática política a forma principal de aquisição de seus rendimentos.

194
relações de poder em âmbito regional e assim não perderem seu status de grupo
dominante.
Esse tipo político entre o bacharel e o coronel predominou na elite
política brasileira, neste período, em um ambiente social onde predominava
social e ideologicamente a oligarquia. Maia representa, portanto, uma figura de
transição, era um notável (no sentido weberiano), pois sua carreira política ainda
na década de 1920 se inicia sem o usufruto das rendas da máquina pública. No
entanto na década de 1930, quando se apropria da dinâmica do jogo político, se
tornou uma espécie de profissional em transição entre o burocrata, o bacharel e
o não-partidário (conforme Mills, 1981). Apesar destas definições servirem
apenas como aporte teórico no sentido de elucidar as ambiguidades envolvidas
no processo de legitimação e de profissionalização política de Álvaro Maia.
O regime varguista procurou “descasar” a classe economicamente
dominante da classe dirigente, constituindo assim uma classe política de
profissionais intelectuais (CODATO, 2008). Álvaro Maia incorpora em seu
discurso político a lógica da eficiência, neutralidade e objetividade na prática
política. Por este motivo, em seus livros denunciava a política do coronelismo
ainda muito forte principalmente no interior do Amazonas. Neste contexto, a
inserção do político profissional de transição é resultado do fortalecimento do
Estado federal forte e centralizado.
A elite amazonense representa de forma clara esse processo de
transformismo e readaptação do campo político brasileiro. No Relatório Anual do
presidente da diretoria da Associação Comercial do Amazonas (ACA),
apresentado na sessão de assembleia geral, em 15 de março de 1931. O então
presidente da ACA Aluízio de Araújo, declara o apoio ao novo governo
ressaltando que manterão uma relação de harmonia com o governo atual, bem
como demonstraram em relação ao governo anterior, o governador militar o
tenente-coronel Floriano da Silva Machado, assim mostravam seu apoio a Álvaro
Maia e ao governo de Getúlio Vargas:

Tanto da Junta Governativa, como dos demais chefes do


governo do Estado, tem esta Associação Commercial recebido
provas inequivocas de consideração e apreço, às quaes tem
procurado retribuir, não servindo, porém, isso, de entrave às
reclamações justificadas que tem apresentado à consideração
dos governantes, visando sobre os altos interesses do

195
commercio que representa. Agora mesmo pendem de soluções
diversas reclamações apresentadas ao digno sr. dr. Álvaro Maia,
Interventor Federal que prometteu estudal-as com o maior
interesse e, estamos certos, a sua decisão será favoravel,
porquanto esta Associação sempre tem timbrado em fazer
solicitações justas e rezoáveis104

É interessante salientar o processo que cooptação dessa elite local, pois


esta transita entre garantir os interesses da comunidade local, bem como
questões mais amplas do Estado e da nação (MILLS, 1981). No caso da elite
amazonense, aqui representada pela Associação Comercial do Amazonas
(ACA), buscava garantir a valorização dos produtos agroexportadores tais como
a borracha, a castanha, entre outros, ao passo que demonstrava uma relação
afinada com o processo de integração do estado do Amazonas à nação
centralizada e o Estado forte e autoritário. Apesar de que, essa demonstração
de apoio possa se revelar também como uma estratégia para não perder sua
condição de elite dominante, diante de um cenário de transformação dos atores
políticos.
No Amazonas, as elites tradicionais precisaram superar seus interesses
arcaicos, voltando-se para a inovação e tal processo se deu pela ascensão de
um grupo do qual o próprio Álvaro Maia pertencia. Neste sentido, era necessário
que se legitimasse o Estado autoritário como uma instituição legal, para isso o
reforço ideológico na ideia de nação, ao passo que a elite regional
oportunamente manejava sua participação e engajamento no poder.
Dorineth Bentes (2008), atenta para o fato de que essas elites criaram
uma série de políticas de embelezamento da cidade de Manaus, como um
projeto de modernização para a região. Os sucesso das décadas de 1910 e
1920, onde o estado do Amazonas enviou representantes para grandes eventos
na Europa e no sul do país, reforçava a convicção das autoridades locais quanto
aos rumos do desenvolvimento urbano do Amazonas.
A profissionalização de Álvaro Maia na política se reflete, a partir do
processo de investidura que perpassou pela sua própria relação com a elite
política local, bem como a forma como construiu uma rede de relações que se
alinhavam aos interesses do governo de Vargas. Sua legitimação construída nos

104
Revista da Associação Comercial, 15 de março de 1931. s/p.

196
anos de 1920, conferiu-lhe uma notoriedade no mundo das letras que convergia
com sua própria missão intelectual de engajar-se na política. No entanto, é
necessário compreender que a primeira Interventoria de Álvaro Maia, fazia parte,
de uma espécie de “depuração” do seu capital político.
Durante a década de 1920, a partir do momento da proclamação do
discurso Canção de Fé e Esperança (1923), Maia fez uma espécie de investidura
política, que segundo as palavras de Bourdieu (1989, p. 192) trata-se de um “acto
propriamente mágico de instituição pelo qual o partido consagra oficialmente o
candidato oficial a uma eleição e que marca a transmissão de um capital político”.
No período de sua primeira nomeação ao cargo de interventor, Álvaro Maia ainda
possuía capital político suficiente para garantir sua total consagração no campo.
Por este motivo sua exoneração do cargo em 1931, reflete um processo de
depuração do seu capital político, onde se deu a compreensão do processo de
estabelecimento da elite local no sentido de que não haveria uma total
substituição por outra. Neste sentido, Maia amadurecia na lógica do jogo político
local, ao mesmo tempo em que criava um discurso afinado aos interesses do
governo central.
Durante os anos de 1930 a 1933, a região norte sofreu intensa
instabilidade política. Havia uma preocupação por parte do governo provisório
de Getúlio Vargas de que essa instabilidade enfraquece o governo central,
devido a uma forte campanha dos revolucionários do norte em relação ao sul ou
ao centro do país. Queixosos das diferenças econômicas regionais, fruto do
próprio desenvolvimento da economia capitalista no país, esse grupo além das
reivindicações econômicas, passa a fazer reivindicações políticas, dentre as
reivindicações a principal seria a oposição a convocação da uma Assembleia
Nacional Constituinte, que retornaria o país ao regime anterior a 1930. Assim
enquanto outras frentes únicas como a gaúcha e paulista questionavam o caráter
não-constitucional do governo provisório, o grupo do norte apoiava justamente
esse regime de exceção (DELFI, 1980). Dentro deste contexto Álvaro Maia, após
sua exoneração em outubro de 1931, permanece no Rio de Janeiro, envolvendo-
se na campanha de reconstitucionalização do país.

197
Figura n° 04

Álvaro Maia e Getúlio Vargas


Fonte: (BAZE, 2006)
A escolha dos interventores durante o governo provisório trouxe
insatisfações às elites locais, pois houve um desajuste entre as forças sociais
locais e os “vindos de fora”. No Amazonas, após a interventoria de Álvaro Maia,
houve uma serie de substituições no cargo de interventor federal, sendo somente
Waldemar Pedrosa (14/06/1932-10/10/19320), um típico representante das
elites locais, os demais interventores eram todos militares105. Tal crise se dava
pelos elementos tenentistas descontentes com a conciliação entre interventores
e os grupos oligárquicos locais, como pelos próprios grupos políticos locais
insatisfeitos com sua pouca representatividade nas interventorias federais.
Segundo Delfi (1980), diante desse cenário de crise Getúlio Vargas,
escolhia os interventores nortistas obedecendo ao seguinte critério: ser militar,
“estrangeiro”, ou ser neutro politicamente. Substituía os interventores assim que
se instalava uma crise na região, deste modo atendia às reinvindicações locais,
sem abrir mão da centralidade de sua decisão. Deste modo as forças políticas
locais lucravam com as substituições dos interventores. No entanto, esse
processo era realizado e decidido sob a arbitragem do governo central, que desta
forma controlava as crises em seu âmbito e em suas repercussões.

105
Santos (1996).

198
Essa relação de forças entre os grupos políticos regionais e o poder
central, revelam a própria dinâmica do poder, apresentando uma complexa e
ambígua relação entre região e nação. Segundo Bourdieu (1989), o regionalismo
e/ou nacionalismo faz parte das lutas simbólicas de um grupo de indivíduos
organizados ou coletivamente, que lutam entre si para conservar ou transformar
as relações das forças simbólicas correlacionadas (material ou simbolicamente)
à identidade social.
A reinvindicação regionalista é uma luta contra a estigmatização, pois
devido a distância econômica e social da região em relação ao centro, há uma
privação de capital (material e simbólico) e neste sentido esses grupos locais
lutam contra as características dominantes, centralizando as características
locais. No caso dos grupos políticos amazonenses, essa luta se dava na
permanência de políticos locais no cargo de interventores federais.
O retorno político de Álvaro Maia na campanha das Constituintes se deu
em torno do delicado posicionamento da região norte para o governo varguista.
Os interventores do norte defendiam o “espírito puro” da Revolução de 1930.
Diante de um cenário de transformação política, não havia mais lugar para o
absenteísmo político marcante no posicionamento dos grupos políticos
amazonenses no período anterior à revolução. Essa conduta deveria ser
substituída por uma interferência mais efetiva nos mecanismos político-
partidários.
Em virtude do envolvimento com o tenentismo e a campanha contra a
constitucionalização nos anos anteriores, Juarez Távora inicia um trabalho junto
aos grupos políticos locais, com uma proposta de unificação do norte e inserção
na política nacional. Para esse propósito aconselhava os interventores a criar
uma campanha em favor do alistamento eleitoral e as articulações em favor da
formação de um novo partido político nacional, sendo reformulada para a criação
de um partido em nível estadual. No entanto tais partidos deveriam ter o espírito
da revolução (DELFI, 1980).
Neste cenário, Maia permanece no Rio de Janeiro após sua exoneração
em 1931, envolvido na campanha pela Constituinte. Em 1932 foram instalados
os Tribunais Regionais Eleitorais, fruto do primeiro Código Eleitoral Brasileiro,
promulgado em 24 de fevereiro de 1932, através do Decreto 21.076. O código

199
regularia o alistamento eleitoral, assim como as eleições federais, estaduais e
municipais em todo o país.
Em 1933, fundou-se a União Cívica Nacional, uma coligação de diversas
correntes da revolução cujo primeiro passo seria a formação do partido nacional.
A UCN tinha como principais defesas a representação de classes, o apoio aos
sindicatos que estivesse alinhados com a legislação vigente; o apoio à eleição
indireta do Presidente, o comparecimento dos ministros ao Congresso e unidade
processual e organização do poder judiciário. Vários partidos estaduais filiaram-
se a UCN, a região norte estava coesa com o governo central e com Getúlio
Vargas, nos estados do centro-sul contavam com o apoio dos Partidos
Progressista e Republicano Liberal, no entanto caberia a UCN incluir São Paulo
entre os apoiadores e garantir assim o apoio efetivo do congresso para Vargas.
Álvaro Maia retorna para Manaus no final de 1932, com a convocação de
eleições para a formação de uma Assembleia Nacional Constituinte e para
organizar a União Cívica Amazonense (UCA), partido filiado à União Cívica
Nacional, criada em março do mesmo ano. No pleito realizado em maio de 1933,
foram eleitos três dos quatro integrantes deste partido da bancada amazonense
à Constituinte, dentre eles Álvaro Maia. No Amazonas, dos quatro candidatos
eleitos somente um não fazia parte do partido, o representante da Aliança
Trabalhista Liberal.
Note-se que o envolvimento político de Álvaro Maia nas Constituintes de
1933, se alinha com os interesses de Getúlio Vargas de aglutinar políticos que
apoiassem a sua candidatura para presidente e desta forma, formar uma coesão
entre os grupos políticos locais e o poder nacional. Neste sentido, a participação
de Maia, além de lhe conferir legitimação política, lhe confere a condição de
portador de uma linguagem autorizada (BOURDIEU, 1996b) para legitimar o
novo regime que se constituía.
A linguagem autorizada está ligada a capacidade de se fazer escutar, isto
é, além de Maia procurar ser compreendido em seu discurso ideológico, buscava
ser obedecido, acreditado, respeitado e reconhecido. Álvaro Maia buscava impor
nas situações reais as condições de outorgar aquilo que deveria ser obedecido,
no contexto da década de 1930, o discurso do autoritarismo e centralização do
poder sobre um grupo onde dominava a oligarquia.

200
O que estava em jogo nesse processo, era o fato de quem iria receber
esse discurso. Segundo Bourdieu (1996b. p.6): “não falamos a qualquer um;
qualquer um não toma a palavra”. Supõe-se que todo discurso possui um
emissor legítimo que se direciona a um receptor legítimo, esse processo está
relacionado à crença, ou seja, escutar alguém é crer nele. No caso de Álvaro
Maia, quando ele passou pelo processo de depuração durante a década de
1930, seu discurso alcançou a legitimação junto às elites, e em especial as elites
locais, uma vez que já tinha alcançado a condição de porta-voz de diversos
setores da sociedade durante a década de 1920 (RAMOS, 2010). Neste sentido,
trata-se de uma luta pela imposição de uma visão legitima, em um cenário
fortemente impregnado pelas oligarquias locais, um Estado autoritário e
centralizado necessitava de um discurso por parte de seus representantes que
conferisse o reconhecimento necessário para sua permanência como sistema
político.
Após passar o ano de 1934 como deputado pela Constituinte, Maia foi
eleito em 1935 como governador do estado do Amazonas. Álvaro Maia soube
manejar a arte da persuasão política, pois fez com que os eleitores acreditassem
nos ideais de um Estado autoritário sem saber de fato, os risco e incertezas que
envolviam um regime ditatorial (MARTIN, 2014). Na publicação do O Jornal,
Álvaro Maia era mencionado pela publicação como o portador das grandes
esperanças da população sendo recebido com grande comoção pública:

Pelo avião da carreira da Panair do Brasil S. A., aquatisado as


16,40 no porto desta cidade chegou à Manaós o dr. Álvaro
Botelho Maia governador constitucional. Assim que o apparelho
foi avistado, girandolas fenderam os ares, enquanto tiros de
morteiros eram disparados em diversos sectores urbanos e
suburbanos. A multidão que enchia as ruas da cidade, se
apressou ao descer ao roadway de Manaós Harbour e
adjacências, para homenagear o chefe do executivo
amazonense, que é portador das esperanças do povo de sua
terra, no desempenho das funcções de mais alto magistrado do
Estado. Na ponte de desembarque tornava-se quasi impossivel
a decida, tal a massa compacta que ali se acotovelava para
ovacionar o illustre amazonense, que é uma das mais brilhantes
expressões da intelligescia desta terra e um de seus filhos mais
dilectos, cujo o passado é uma pagina fulgurante de honradez e
de civismo106.

106
O Jornal, 19 de fevereiro de 1935. p.1.

201
A força carismática com a qual Maia é apresentado nos registros de
jornais deste período, revelam que em seu processo de profissionalização
política a elite política local, passou a esperar que essa influência demagógica
da personalidade de Maia, proporcionasse a esse grupo a recompensa
esperada, do ponto de vista simbólico a satisfação de trabalhar com uma entrega
pessoal, por um homem e não por uma causa abstrata de um partido (WEBER,
1999), ou seja, trabalhar pela causa que um líder defende e não um conjunto de
interesses medíocres de um partido. Tal elemento “carismático” foi a força motriz
de sua liderança.
Em grau latente e num cenário de constante luta estava a política
brasileira. E em um cenário de instabilidade política, entre vários conflitos
regionais os principais atores eram determinadas pessoas que falavam em nome
de seus estados, e seus estados se encarnavam nessas pessoas (CAMARGO,
1999).
A capacidade de persuasão de Álvaro Maia de criar um discurso
conciliatório que alinha os interesses das elites nacionais e estaduais e a grande
massa, no entanto é a partir da retórica que a prática da persuasão revelará seu
caráter político. O que estava em jogo era a capacidade de Álvaro Maia usar sua
condição de líder intelectual e político e moldar os julgamentos do grupo. Nos
registros dos jornais deste período, tais como O Jornal, sempre é referido como
o portador de um discurso doutrinador, onde ele próprio sempre enfocava que o
estado do Amazonas vivia naqueles dias, tempos de redenção, onde Vargas e o
próprio Maia se colocavam na condição de agentes desta redenção.
A nomeação de seus assessores, secretários e prefeitos e o fato de
serem oriundos do próprio estado, procuraria liquidar as divisões entre as
facções políticas. Segundo Codato (2008), Vargas cria uma solução política a
fim de solucionar o conflito entre pró-governo e contra governo. Ao invés de
simplesmente nomear cada conjuntura política, submeteu as elites políticas
regionais à sua política servindo-se dos quadros provenientes de sua própria
elite.
Assim, foram indicados elementos marginais para o cargo de interventor
federal como o caso de Benedito Valadares, em Minas Gerais, Agamenon
Magalhães em Pernambuco, o próprio Álvaro Maia no Amazonas, entre outros.
Neste diapasão, a estratégia de um equilíbrio de forças criada por Vargas sendo

202
que o mesmo princípio valeira também seus interventores. Neste sentido, sua
política era guiada mais por conveniências do que por atitudes definidas ou
princípios definidos. É interessante salientar no trecho do jornal abaixo o caráter
conciliatório de Maia e forma como busca demonstrar sua relação com os grupos
políticos opositores:

[...] uma vez ascendendo ao poder estivesse alheiado da


política, que significa um bem de governar e que geralmente se
tem confundido com politicagem. Esse um dos grandes erros da
revolução. Estaria dentro da política da ordem, do trabalho, da
liberdade e da justiça. As opposições são necessarias, pois são
o clarim que annuncia as victorias. Mesmo dentro dessas
correntes, não teria adversarios. Seria um funccionario do
povo107.

A relação entre Álvaro Maia e os grupos opositores, era ambígua pela


própria condição de definição explicita de oposicionismo partidário na região,
Manoel Severiano Nunes eleito juntamente com Álvaro Maia para o cargo de
deputado federal em 1934, que comumente tecia inúmeros elogios e palavras de
apoio a Maia, sendo que receberam inclusive homenagem e a inauguração de
um retrato no salão principal da sede do Partido Socialista quando foi eleito
governador em 1935.
A figura de Álvaro Maia passa a ser tratada como um depositário das
esperanças, como no trecho a seguir do jornal sobre sua posse como governador
Constitucional em 1935:

Eis ahi, em traços largos, a grande significação da posse do


novo governo, a sua physionomia mais preponderante.
O sr Álvaro Maia continuando sua trajectoria politica, foi o
homem novo escolhido pelas novas esperanças do Amazonas
para tomar sobre os hombros generosos essa investidura
prestigiosa108

Essa imagem é reforçada por um personalismo; o personalismo político


de Maia se dava pela prevalência de seus atributos políticos. Contudo, segundo
Codato (2008), durante este período há uma espécie de personalismo
institucionalizado; Vargas ascende ao poder a partir de uma série de limitações
jurídico-formais que regulamentariam seu respectivo cargo.

107
O Jornal. 19 de fevereiro de 1935. p.1.
108
Ibdem. p.1.

203
Esse personalismo institucionalizado, vai além das capacidades de
carisma, persuasão política ou outros atributos. O presidente confundia os
recursos e/ou os interesses da instituição estatal com seus próprios recursos
e/ou interesses. Maia encarna no plano regional essa característica. Daí, a partir
de 1933 consegue superar os períodos de instabilidade de capital político. Não
se deve esquecer que em 1934, diferentemente do que acontece em 1931, o
processo de burocratização já havia atingido um grau maior de desenvolvimento
na política brasileira, assim, os funcionários dos partidos submeteram-se com
relativa facilidade aos traços fortes deste demagogo, pois seus interesses estão
ideal e materialmente concatenado com a influência esperada dele sobre o poder
do partido, pois criou uma política de defesa dos interesses do comércio e do
extrativismo.
O patrimonialismo durante este período possui características próprias,
cedendo lugar a um tipo de governo baseado em um personalismo, no qual o
poder pessoal do líder é excessivo ou absoluto. Esse tipo de política feita por
Vargas e por seus governantes, dentre os quais o próprio Álvaro Maia, é repleta
de ambiguidades, pois de um lado uma política intimista arraigada de
paternalismo onde a sociedade se vincula aos partidos não por ideias ou
interesses, mas sim por sentimento e deveres (HOLLANDA, 1990).

204
Figura n° 05

Álvaro Maia sendo retratado pelos jornais como o libertador.


Fonte: O (Jornal, 1935)

Assim, Álvaro Maia e sua liderança são retratados, e não a presença do


partido apesar da forte relação entre o partido e Getúlio Vargas, assim como
entendedores das angústias nas quais o Amazonas estava passando, sua
lealdade não era ao cargo, e isso tentou provar ao pedir sua exoneração em
1931, mas sua lealdade e dever era com o povo. Neste sentido, começa a criar
uma política fortemente populista, mantendo uma relação direta com as massas,
arraigada em um vínculo emocional, como veremos mais adiante.
Álvaro Maia constrói um corpo administrativo que burocraticamente forte,
para que desta forma ele pudesse impor as suas decisões em nível local e assim
encaminhar suas decisões para o governo central. Não queremos aqui fazer uma
longa digressão sobre os mecanismo de recrutamento deste grupo (origem,
formação, profissão), o que nos interessa neste momento é compreender como
essa escolha reforçou a legitimação e permanência de Álvaro Maia no governo
do estado do Amazonas, por quase uma década.

205
Neste sentido, ao atentarmos para a escolha dessa grupo,
compreendemos como esse processo de sociabilidade tecido pelo próprio líder,
reforçou a circulação das ideias e valores do governo varguista e ao mesmo
tempo conferia a Álvaro Maia uma investidura política. Assim, criou-se uma elite
estratégica que servia como um reforço social, ideológico e político. E também
nesse sentido, vamos fazer um comparativo entre o secretariado escolhido em
1935 e em 1937, como podemos observar no quadro abaixo:

Quadro 01

SECRETARIADO DO GOVERNO DE 1935


PROFISSÃO NOME CARGO
Político, advogado, magistrado e jornalista Manuel Severiano Nunes Secretário Geral do Estado
Advogado, magistrado Marcionillo Lessa Chefe de Polícia
Advogado Helly Nunes de Lima Diretor da Fazenda Pública
Médico e Político Deoclydes de Carvalho Leal Diretor da Saúde Pública
Professor, jornalista e político Arthur Cezar Ferreira Reis Diretor da Instrução Pública
Professor e jornalista José Chevallier Carneiro de Almeida Diretor da Imprensa Pública
Político e Agrônomo Antônio Maia Oficial de Gabinete
Professor Carlos Mesquita Diretor do Ginásio Amazonense Pedro II
Professor Themistocles Pinheiro Gadelha Diretor da Escola Normal
Político Alfredo Lima Castro Prefeito de Manaus
Fonte: Santos, 1996 (adaptado).

Quadro 02

SECRETARIADO DO GOVERNO DE 1937


PROFISSÃO NOME CARGO
Magistrado e Político Rui Araújo Secretário Geral do Estado
Político e Agrônomo Antônio Maia Prefeito do Município de Manaus
Advogado João Fabio de Araújo Chefe de Polícia
Professor Julio Uchoa Diretor de Departamento de Estatística e Publicidade
Advogado e Magistrado Marciolino Lessa Diretor do Departamento das Municipalidades
Advogado Heli Nunes de Lima Diretor Geral da Fazenda Pública
Jornalista Raimundo Nicolau da Silva Diretor da Secretaria Geral do Estado
Professor Almir Pedreira Diretor do Departamento de Saúde Pública
Engenheiro e Geografo Lourival Muniz Diretor de Serviços Técnicos
Professor Temístocles Gadelha Diretor do Departamento de Educação e Cultura
Professor Ricardo Amorim Diretor do Ginásio Amazonense
Professora Eunice Teles de Souza Diretora da Escola Normal
Professor Maximiliano Corrêa Diretor do Instituto Benjamim Constant
Maestro João Donizetti Gondim Diretor do Teatro Amazonas
Tenente-Coronel José de Rodrigues Pessoa Comandante da Força Policial
Jornalista Américo Nogueira Ruivo Oficial do Gabinete do Interventor
Jornalista Clovis Barbosa Oficial-Chefe do Expediente de Gabinete do Interventor
Funcionário Público Jorge Carvalhal Procurador Geral
Jornalista e Advogado Huascar de Figueiredo Procurador Fiscal
Advogado Virgilio de Barros Sub-Procurador Fiscal

Fonte: Santos, 1996 (adaptado).

206
Ao atentar para formação do quadro de administradores do governo Maia,
é possível perceber que ele buscou mesclar integrantes do grupo político
(políticos profissionais) com outras profissões, note a presença de professores,
que tiveram na docência a ocupação principal, como o caso de José Chevallier
Carneiro de Almeida e do próprio Arthur Cezar Ferreira Reis, que apesar de suas
incursões na política ao longo de sua trajetória, seu ofício principal sempre foi à
docência, como veremos adiante.
No quadro 2, podemos observar a presença de seu irmão Antônio Botelho
Maia para o cargo de prefeito. Segundo Bourdieu (1996b), como detentores dos
meios de produção a estratégia da representação política é também uma
estratégia de manutenção do poder destas famílias. Neste sentido, quando os
grupos passam a se identificar por uma espécie de espírito familiar, alicerçados
em um capital cultural herdado, ocorre uma dinâmica de reprodução e
distribuição desse capital, no caso o político, ou seja, uma estratégia para a
manutenção do poder da família de Maia, que outrora era oriundo do poder
econômico da economia gomífera, será então reproduzido pela escolha de seus
familiares aos cargos públicos. Essa estratégia de reprodução política, tem por
finalidade perpetuarem-se na reprodução de uma ordem social.
Neste sentido, este laço simbólico serviria para reforçar a estratégia de
Maia de racionalizar a máquina pública ao mesmo tempo em que por formação
semelhante, ou por laços sociais e familiares vinculadas a oligarquia local, este
grupo assumiria um sentimento de pertença que traria a coesão necessária para
a manutenção e legitimação de seu líder.
Álvaro Maia em seu governo de 1934 demonstra uma capacidade de
integrar os grupos oligárquicos locais necessários para a sua permanência no
campo político. No entanto, sua capacidade de se consolidar como ideólogo do
Estado está ligada também a sua função de intelectual, pois a partir de um aporte
intelectual Maia vê na profissionalização política a forma de pôr em prática as
ideias de forjar a nação e desenvolver a região.
Assim Maia, um defensor da caboclitude literária, procura criar uma
política regional que possa apresentar a modernidade burocrática racional, como
ansiava o governo de Vargas, mas ao mesmo tempo procurava criar uma política
de desenvolvimento para a região a partir das potencialidades tradicionais locais,
como o comércio e o extrativismo.

207
Com o fim do governo provisório através da promulgação da Constituição
de 1934, a nova Constituição, elaborada pela Assembleia Nacional Constituinte,
introduzindo ao país uma nova ordem jurídico-política pautadas em princípios a
democracia, tais como o voto direto e secreto (inclusive para mulher), da
pluralidade sindical, regime de mandatos alternados no poder, dos direitos civis
e da liberdade de expressão dos cidadãos. Contudo, três anos depois, antes da
primeira eleição que elegeria o novo presidente se realizasse Getúlio Vargas deu
um golpe mantendo-se no poder e instaurando um regime ditatorial, o Estado
Novo.
Assim, em 1937, foi outorgada uma nova Constituição, elaborada pelo
ministro da Justiça, Francisco Campos. Na nova Constituição foram incluídos
vários dispositivos semelhantes aos encontrados em constituições de regimes
políticos autoritários vigentes em países na Europa, tais como na Itália e
Espanha entre outros. Assim, o governo de Vargas se conduziu sem a
possibilidade de que a oposição pudesse se expressar de forma legal, devido ao
fechamento do Congresso Nacional fechado e com o decreto de diversas e
rigorosas leis de censura.
Dentre as manifestações de oposição em 1935, o levante Comunista, foi
uma tentativa de golpe contra o governo. Liderada pelo Partido Comunista
Brasileiro em nome da Aliança Nacional Libertadora, sendo imediatamente
combatida pelas Forças de Segurança Nacional. Após esse levante, Vargas
declara estado de sitio e em 1937, estabelece o Estado Novo. Durante este
período Getúlio Vargas governava a partir de emendas Constitucionais. Assim o
período do Estado Novo pode se configurar como uma espécie de estado de
exceção.
Segundo Agamben (2004), em determinados momentos de crise e
necessário que o Estado suspenda a Constituição. A partir da ideia de
necessidade, o autor afirma que em momentos de crise como os eventos
anteriores ao estabelecimento do Estado Novo, tais como a intentona comunista,
a medida extrema de suspender as leis que regem o país, seria o único meio
para garantir a manutenção da vida política brasileira que estava sendo infectada
pelo vírus comunista.
O texto da Constituinte aprovada dizia que o presidente poderia declarar
estado de guerra em caso de comoção com finalidades subversivas das

208
instituições sociais e políticas (MARQUES, 2013). Neste sentido, além de
equiparar o estado sítio ao estado guerra, o texto constitucional dava amplos
poderes a Vargas, suspendendo assim os direitos civis, neste processo o limite
entre o político e o jurídico foram suprimidos e assim gerando um repressão
política sob a alegação de estarem em estado de guerra contra o novo Brasil.
Contudo, uma vez que muitas das garantias constitucionais foram
suspensas, o que era uma exceção passou a se tornar a regra. Pois, no Brasil
durante o período do Estado Novo, tais medidas foram tomadas no sentido de
transformar em legal, o que não pode ser legal, a constituição negava a si
própria, e assim o uso da força física perdia gradualmente o critério do que é
constitucional e o que é inconstitucional. O governante assume para si todas as
decisões, esse processo revela inúmeras ambiguidades pois além do critério do
que é constitucional ou não, a lei não suspenderia as imunidades parlamentares.
No entanto em situações de crise o presidente, quando julgar serem subversivas,
poderia prender os parlamentares e suspender a Constituição.
As reformas constitucionais sofreram com o crivo direto das negociações
regionais, e Maia como conhecedor deste jogo tornava-se uma espécie de
mediador nessas negociações entre o poder central e as elites regionais. Neste
sentido, surge então um paradoxo entre a hegemonia varguista de um lado,
personificada na região através da figura de Álvaro Maia, e o controle dos pares
e dos antigos companheiros, de outro.
Um aspecto interessante que podemos identificar através dos jornais do
período do Estado Novo referente a profissionalização política de Maia, foi o forte
cunho populista de seu governo. O governo de Álvaro Maia no Amazonas era
fortemente marcado por um misticismo, subordinando a ideologia de mudança
vínculada à figura do líder. Essas características se assemelham a própria
imagem populista construída por Vargas e outros líderes latino-americanos
durante este período.
Segundo Ianni (1989), esse aspecto no governo de ambos revela uma das
principais característica dos governos populistas na América Latina, que é o
caráter demagógico e carismático em relação ao líder e a massa, apresentando
um forte cunho emocional, personalizado da ideologia do Estado, ou seja, a
sujeição da redenção e do renovo do sistema de governo a figura daquele líder.

209
Com o golpe do Estado Novo, toda a ideologia de Estado vigente foi
totalmente alterada e implantado um novo sistema de forma súbita. As
tradicionais instituições responsáveis pela manutenção ideológica do status quo
(escola, família, igreja, sindicato), não tiveram tempo para se adaptar a essas
mudanças, cabia então a imprensa e a propaganda o papel de auxiliar neste
reforço ideológico (GARCIA, 1999).
Notamos na imprensa amazonense, em especial em O Jornal, sendo
usado com uma ferramenta não apenas para a manutenção desta ideologia do
Brasil Novo, criada sob um ponto de vista macro na imprensa brasileira durante
o período como um apoiador do regime varguista, mas também, com um reforço
do governo populista de Maia, pois reforçava a ideia de uma revolução das
expectativas depositadas. Quando a imprensa o trata como o “depositário de
todas as esperanças do povo” ocorre uma espécie de deslumbramento em
relação ao próprio status de representante local de um governo centralizador e
autoritário, neste sentido, apesar do país viver um sistema de governo no qual
havia o desprezo das liberdades civis e com fortes traços de um nacionalismo
retórico, o líder local seria o agente capaz de modificar definitivamente o cenário
político e econômico local, que se encontrava em completa crise.
Assim, a propaganda auxiliou Álvaro Maia na tarefa de ampliar e difundir
as mensagens legitimadoras do regime do Estado Novo no estado do Amazonas,
ao passo que contribuiu para a construção da sua própria legitimação como líder
populista.
A retórica de um líder pode refletir a opinião do povo, a forte presença
popular atrelada ao uso de imagens de civismo representava um discurso
persuasivo que construiriam assim a opinião popular legitimadora. Assim, a
persuasão é usada para deliberadamente manipular e tornar convincente um
discurso. Segundo James Martin (2014), nem toda linguagem é retórica
persuasiva e nem toda retórica é exclusivamente linguística, podendo envolver
imagens e gestos.
Podemos observar esse processo através das publicações do Jornal do
Commercio de 1937, onde se reforçava a ideia de que o Brasil vivia um estado
de Guerra contra o comunismo. É interessante observar, que diferente de O
Jornal, que mantinha uma postura mais enfática na exaltação a figura de Maia
como um líder populista, o Jornal do Commercio mantinha uma postura mais

210
neutra e por vezes crítica em relação à política local, uma vez que concentravam
os grupos políticos alijados do poder. Neste sentido, temendo sofrer represálias,
o jornal decidiu assumir uma postura que beirava a indiferença em relação ao
cenário político local (ALVES, 2009).
No entanto, apesar da postura mais neutra, esse jornal inevitavelmente
serviu como um reforço ideológico no sentido de legitimar o posicionamento de
Maia totalmente alinhado com os interesses varguistas, como na edição de dois
de novembro de 1937, onde noticia a troca de mensagens de apoio entre o então
governador Álvaro Maia e o governador mineiro Benedicto Valladares ao estado
de guerra decretado por Getúlio Vargas contra a intentona comunista. Note o
posicionamento de Maia e o tom de exaltação ao presidente:

[...] Tenho a honra de congratular-me com vossencia pela oração


pronunciada na Radio Inconfidência denunciando a infiltração
extremista nas fileiras de alguns partidos que apoiam as
candidaturas presidenciaes. O governo do Amazonas
empregará todo o sacrifício para a segurança da ordem,
apoiando o senhor presidente da República e as classes
armadas. Saudações cordiaes. (a) Álvaro Maia109.

A imprensa e a imagem foram fundamentais para a legitimação de Maia.


No entanto, é inegável a influência da retórica para a construção do papel do
político. Se a política é a prática de comunicar e convencer, Maia sabia da
importância de reproduzir uma imagem na imprensa conciliatória aos interesses
do governo central que o colocasse numa condição de agente condutor das
mudanças em âmbito local, assim ao demonstrar seu apoio a ideia de crise e
possibilidade de guerra orquestrada pelos comunistas, se colocava localmente
como o defensor da segurança do estado do Amazonas.
A política depende das dimensões socioeconômica e ideológica para
delimitar o que deve ser dito e feito, e uma das tarefas de governos de caráter
populistas é criar um discurso homogêneo. Segundo Ianni (1989), o modelo do
Estado Novo, uma espécie de populismo autoritário, surge com a migração da
população pobre do campo para a cidade, surgindo assim as massas, um grupo
altamente docilizado que se encontrava em um processo de ressocialização e
ressignificação para um comportamento urbano e democrático.

109
Jornal do Commercio. 16 de maio de 1937. p. 1.

211
No caso do Amazonas, a população urbana e do interior que estava
acostumada com uma política voltada para o coronelismo e os interesses dos
grupos oligárquicos, vê em Maia um líder com forte apelo popular atraindo as
massas e as incorporando que se encontravam marginalizadas da vida política,
daí sua forte atuação e defesa em discursos, propagandas e participação em
eventos populares.
Esses grupos foram facilmente manejados uma vez que não haviam
instituições políticas adequadas para a mobilização e incorporação dessas
massas. Atrelado a um vazio político deixado pelos grupos oligárquicos da
Primeira República, surgiu um terreno propício para a ascensão de líderes como
Getúlio Vargas e o próprio Álvaro Maia que conseguiam criam uma política que
obscurece as linhas das classes sociais e homogeneizasse todos em massa,
como nos princípios do organicismo e do corporativismo, como vimos em
capítulos anteriores.
Assim, o caráter persuasivo da política alvareana foi fundamental para a
consolidação do regime autoritário na região, pois como no campo político deve-
se delimitar o dizível e o feito, esse processo não se dá apenas na esfera da
composição das leis, mais também na forma como se constroem as ideias que
formarão tais leis.
Segundo Martin (2014), a persuasão é necessária para não tornar a
política apenas tecnocrática. Os discursos persuasivos servem para a
manutenção de um status quo e da definição de estruturas sociais, econômicas
e políticas. No entanto, esse processo não está cristalizado, envolve um contexto
histórico específico, assim o discurso de Maia se encaixa e se torna mediador
em nível local dos interesses do Estado Novo. Como podemos observar na
resposta do então governador ao ser notificado da dissolução do Senado e da
Câmara e pelo ministro da justiça Francisco Campos:

[...] Tenho a honra de accusar o despacho numero de 10.937,


apraz-me communicar acabo dirigir-me senhor presidente
Getulio Vargas, hypothecando integral solidariedade seu
governo e às gloriosas classes armadas pela solução patriótica
e elevadas que proporciona ao paiz medidas enérgicas salvação
publica, necessárias realizações seus grandes destinos e
accordo momento e aspirações nacionaes. Sciente promulgação
nova Constituição, dissolvendo a camara e o senado, formulo

212
votos a Deus tranquilidade, grandeza nossa patria. Saudações
cordiaes (a) Álvaro Maia110.

É interessante observar o modo como a perda das principais conquistas


civis, que são a base do projeto moderno liberal foram assimiladas de modo que
representasse um novo passo no processo de modernidade brasileiro. Getúlio
Vargas vislumbrou a modernidade brasileira embutida num país tradicional, e
retomou o centralismo político do período do Império.
Neste diapasão, o caráter persuasivo dos agentes políticos envolvidos
na construção deste novo regime foi fundamental para legitimação deste regime.
Álvaro Maia neste contexto, soube manejar as ideias e os argumentos ligados
ao populismo autoritário de Vargas, situando-os as circunstâncias políticas e
econômicas locais para forjar coalizões regionais e assim advogar alternativas
possíveis para liberalismo econômico em um cenário fortemente arraigado na
produção extrativista, onde os setores tradicionais exerciam forte ingerência.
Neste sentido, Álvaro Maia surge com um tom conciliatório entre esses
setores e ao mesmo tempo, sua produção intelectual, o reforço da impressa
criaram uma nova forma de pensar e fazer política. Não devemos esquecer que
como um líder intelectual, o agora interventor do estado não deixou de ser um
ideólogo. Na disputa pela batalha das ideias e por atuar na militância política
adquiriu um poder ideológico. Segundo Bobbio (1997), o poder ideológico é
exercido pelos intelectuais e diferente do poder econômico e o político, o poder
ideológico se exerce sobre as mentes pela produção e transmissão de ideias,
símbolos, visões de mundo, ensinos práticos, mediante o uso da palavra.
Weffort (2006) afirma que o regime do Estado Novo encontrou nos
fracassos econômicos das oligarquias agrárias a oportunidade de criar um novo
rumo de desenvolvimento e modernização para o país. Contudo, esse projeto só
teve eficácia uma vez que se atentasse para a cultura e a política. Era necessário
a construção de um pensamento que estivesse adequado a esse período de
transição de um país estritamente agrário para um país industrial.
Neste contexto, Maia como um ideólogo precisava estar alinhado com
as ideias de emergência de um Brasil moderno, no entanto, como um político de
uma região na qual a economia ainda estava intimamente atrelada ao

110
Jornal do Commercio, 11 de novembro de 1937. p. 1.

213
agronegócio e ao extrativismo, sua retórica estava situada numa argumentação
conciliatória atrelada a um momento e a um local específico, deste modo, suas
ideias eram manejadas com certa força e direção a fim de ganhar a aprovação
do grupo local.
Segundo Martin (2014), o discurso persuasivo trata-se de uma criativa
articulação de vários tempos e espaços. O tempo e o local da ocasião da fala,
no caso de Maia o momento que deu origem e a ocasião da entrega, onde o
discurso de uma iminente guerra feita pelos comunistas, só seria salvaguardado
através do apoio a um regime autoritário. O tempo e o espaço da mensagem,
sua mensagem apresentava um sentido de urgência, em nome de uma defesa
imediata da segurança nacional, era necessário o fim de determinadas
liberdades individuais. E por fim, o tempo e o espaço de eventos mais amplos
em que intervém, ou seja, como os efeitos de seu apoio poderiam influenciar de
forma duradoura sobre a política no futuro, isto é, como um Álvaro Maia getulista
poderia contribuir para a longo apoio à Getúlio Vargas no Amazonas, sendo isto
revelado pelas vitórias nas eleições diretas de Álvaro Maia na década de 1950.
Ao longo de quase uma década o regime getulista consegue se
estabelecer no poder partindo de um equilíbrio de forças entre vários setores. No
entanto, seu governo começa a se fragilizar a partir da a Segunda Guerra
Mundial. Com o naufrágio dos navios brasileiros pelos submarinos alemães em
1942, a população passou a pressionar Getúlio Vargas a declarar guerra contra
os alemães. Sem opções, precisou declarar que o país era contrário ao governo
de Adolf Hitler. No entanto, tal postura revelou um grande paradoxo uma vez que
o próprio Getúlio Vargas mantinha um regime autoritário ditatorial e entrou na
guerra para combater o regime que ele mesmo praticava.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, aumentava também a rejeição
ao governo de Getúlio Vargas. O presidente se viu forçado a conceder anistia
para os presos políticos, a permitir a liberdade de organização partidária,
convocando uma nova Assembleia Nacional Constituinte e novas eleições. Os
setores favoráveis a Vargas ainda articularam o movimento do Queremismo, no
entanto sua imagem já se encontrava desgastada e foi deposto do poder no dia
29 de outubro de 1945.
Com a queda de Getúlio Vargas, em 1945, assume temporariamente a
presidência república o presidente do Supremo Tribunal Federal José Linhares,

214
enquanto seriam realizadas novas eleições nas quais se elege o general Eurico
Gaspar Dutra, ministro da Guerra no governo de Getúlio Vargas, pelo PSD
(Partido Social Democrático). Os oposicionistas da UDN (União Democrática
Nacional, lançaram o nome de outro militar, o brigadeiro Eduardo Gomes. No
entanto, Dutra, com apoio de Vargas, foi eleito com uma ampla vantagem de
votos, assumindo o governo em janeiro de 1946. Paralelamente à sua posse,
organizava-se uma Assembleia Constituinte, responsável pela elaboração de
uma nova Constituição, que vigoraria de 1946 até o Golpe Militar, em 1964. Com
a nova Constituição foi estabelecida a divisão do poder em três poderes
(executivo, legislativo e judiciário), o mandato passa a ser de cinco anos para
cargos executivos e o voto feminino para maiores de 18 anos. O governo de
Dutra enfrentou um período transitório e de instabilidades na política
internacional, entre o fim da Segunda Guerra Mundial e os primeiros sinais da
Guerra Fria.
Getúlio Vargas se elege ao cargo de presidente da república, em 1951.
O retorno de Vargas ao poder se deu após um período em que o político optou
por se afastar do campo político, devido ao enorme desgaste de capital político
dos anos que findaram o Estado Novo. Foi senador entre 1945 e 1947, sem uma
atuação expressiva. E retornou as eleições presidenciais em 1950, utilizando em
seu discurso velhos bordões e estratagemas que elogiavam o seu antigo
governo, exaltando o nacionalismo e o patriotismo.
Neste contexto, Álvaro Maia, como um dos representantes regionais do
Estado Novo, passou pelas mesmas instabilidades políticas sofridas pelo
regime. No final de 1944, enquanto a Segunda Guerra Mundial encaminha-se
em favor dos Aliados, no Brasil as pressões pela redemocratização ganhavam
força. O governo federal orientou os interventores a organizarem um partido
político nacional que apoiasse Getúlio Vargas na transição do regime. Nasce o
Partido Social Democrático, fruto das articulações locais, sendo Maia um dos
fundadores no Amazonas.
Sendo substituído por Emiliano Estanislau Afonso no governo, Álvaro
Maia candidatou-se e foi eleito senador constituinte pelo PSD. Devido a
desentendimentos entre os dirigentes do Partido Social Democrático, a disputa
foi para as urnas. Onde a disputa se deu entre Maia, e pela união UDN-PTB

215
lançando como candidato Severiano Nunes, onde Maia venceu a disputa em
1950.

Figura n° 06

Maia na década de 1950


Fonte: (BAZE, 2006)

Álvaro Maia ancora sua campanha eleitoral em cima do slogan “o


libertador”, inspirado no nome da coligação na qual fazia parte a Frente
Libertadora. O slogan reforçava a ideia de que após a saída de Maia do governo
do estado, a população ficou desprotegida e os problemas do estado se
arrastavam com o decorrer dos anos sem uma pronta solução.
Álvaro Maia cumpria o papel de repositório de uma capacidade que
transcendia a satisfação das exigências da vida econômica cotidiana. Seu
carisma surgia principalmente em momentos atípicos da vida social
amazonense, em momentos de crise; a força de seu carisma estava ligada a
setores que viam nele os traços de uma liderança salvadora, portador de um
poder mágico. Seu retorno ao governo do estado revela a força desse poder
sobre o grupo. Assim observamos que Maia transitou em momentos de uma vida
política fortemente ligada aos seus dons carismáticos e outros momentos de uma
liderança “natural” burocrática, onde ele se mantinha no poder mais pela sua

216
capacidade de tecer uma rede de relações, do que pelo poder de suas crenças,
como no caso de sua atuação como senador no período de 1946 a 1950.
É interessante salientar que o retorno de Getúlio Vargas, bem como de
Álvaro Maia ao poder por vias democráticas em 1950, se deu em virtude da
constituição de um cenário político institucional e partidários que não conseguiu
criar uma alternativa ao projeto de nação criado durante o período do Estado
Novo.
Segundo D’Araújo (1992), a sucessão presidencial foi uma continuidade
de um sistema e não uma ruptura. Diante da fragilidade da institucionalização
partidária que não possuía capacidade de criar um consenso diante de uma
liderança que expressasse a “união” dos interesses dos diversos setores da
sociedades, as eleições de 1950, revelam a tentativa de manutenção do sistema
de poder vigente, enquanto que nas eleições de 1945, o elo que unia todos
candidatos ao governo era a negação em maior ou menor grau do governo
anterior.
Em 1950, devido a incapacidade de apresentar um candidato que
representasse os interesses dos partidos, as figuras políticas que representavam
uma liderança paternalista e carismática ganham força. Outro fator foi a contínua
atuação dessas antigas lideranças junto às massas, reforçando assim a
mobilização popular. Neste sentido a pressão da opinião pública foi fundamental
para o retorno de Maia ao cargo de governador do estado do Amazonas.
As eleições se deram diante de um contexto de total abandono da região,
o Amazonas ainda carecia de provimento de energia elétrica, a população vivia
em extrema pobreza. Em Manaus, a energia produzida pelo terminal do Porto,
era distribuída para uma pequena parcela da população. O governador Leopoldo
Neves, que renunciou ao cargo para concorrer ao cargo de senador, deixou o
estado em condição de miséria.
No entanto, o jogo político se constrói em torno da composição de
alianças e no caso específico de Álvaro Maia de clarificar que sua atuação
política possui como única intencionalidade o bem estar do povo e para o povo.
Apesar de que, em 1946 sofreu duras críticas em relação a Batalha da Borracha,
o programa do governo para arregimentação de nordestinos para a produção de
borracha no interior, que culminou com uma série de denúncias sobre a
desorganização, improvisação e desordem administrativa (SANTOS, 1996).

217
De 1946 a 1950, Maia ficou envolvido em atividades de defesa da
produção da borracha, que o colocava ainda na condição de defensor da cultura
extrativista na região. Neste sentido, seu nome ainda se colocava como um
candidato viável a representar os interesses dos setores dominantes. Apesar de
manter uma postura de neutralidade beirando a críticas veladas, o Jornal do
Commercio ainda fazia campanhas para a produção de novas mudas de
seringueira para assim atender a demanda da produção industrial interna
brasileira.
Neste sentido, Álvaro Maia soube manejar esse período de instabilidade
política e de críticas e retorna ao executivo. Segundo Weber (1999) a criação de
uma liderança carismática é resultado de situações extremas, sejam
econômicas, políticas, entre outras, onde um grupo excitado pela entrega ao
heroísmo e ao conteúdo profético cria uma entrega fiel ao líder, e este por sua
vez se entrega por completo a esta missão, no entanto, ao passar este primeiro
momento em estado burocrático, por exemplo, esse grupo de “fieis”, passam a
ser os “cidadãos” expostos as condições da vida cotidiana e aos poderes que a
dominam, em especial os econômicos. E assim o líder “espiritual” e suas
“profecia” também, estarão expostos a esse processo de rotinização. Cabe ao
líder conseguir manter sua legitimação diante deste processo de interferências
exteriores.
Álvaro Maia retoma velhos recursos de aquisição de capital simbólico
para sua permanecia neste terceiro mandato no executivo do Estado. Assim o
jornal é utilizado como um reforço ideológico para reforçar o populismo
trabalhista, bem como sua figura de líder intelectual. A revista Sintonia surge
como uma importante ferramenta para a manutenção desta legitimação.
Além de dar ênfase aos ganhos materiais de seu governo, onde segundo
Maia uma real defesa dos interesses da borracha, bem como o fato de Maia
incluir neste discurso a presença do seringueiro como o elemento basilar para o
desenvolvimento da região, ou seja, ele aproximava o povo e os tornava
coparticipantes do desenvolvimento econômico. Outro ponto fundamental para
compreendermos a ascensão de Álvaro Maia em 1950, se dá pelo fato de que o
poder de sua liderança carismática não pode ser transferido para outro sucessor.
Segundo Weber (1999, p. 333), “não se pode nem pensar em uma livre ‘eleição’
do sucessor, mas apenas um ‘reconhecimento’ da existência do carisma no

218
pretendente à sucessão”. Após sua interventoria em 1945, sucederam sete
governadores ao executivo do estado apesar de já estarmos em regime de
democracia representativa, sendo o maior mandato o do governador Leopoldo
da Silva Amorim Neves (1947-1950). Neste sentido, os políticos que o
sucederam buscavam se desvincular de Maia, e este ponto foi retomado em sua
campanha eleitoral no sentido de personificar em si a capacidade de resolução
dos problemas econômicos e políticos do estado. Daí a ênfase na ideia de
libertação, atrelada a campanha eleitoral de Vargas, como o pai da nação que
auxiliará Maia no processo de reconstrução de um estado, que após sua saída
sofrera um retrocesso em termos de desenvolvimento e modernização.
Contudo, não devemos esquecer que apesar do retorno político de Maia
ao governo do Amazonas, associado ao retorno de Vargas à presidência do país.
No Amazonas houve uma continuidade dos setores economicamente
dominantes ligados a cultura extrativista, sendo esses políticos claros
representantes.
Sua política governamental seria a favor do povo em detrimento dos
interesses das elites que apenas descontruíram os caminhos da salvação
deixados por Maia, a constante presença dos termos “povo” e “libertador” surgem
como estratégias da revista Sintonia para associá-lo aos interesses das
camadas populares, como podemos verificar no seguinte trecho:

O povo do Amazonas que saiu vitorioso na revolução branca de


3 de Outubro, pela redenção do voto livre, regozijou-se com a
data festiva e manifestou ao Libertador, em expansões de
entusiasmo, a satisfação de vê-lo empossado, norteando a nau
do Governo com rumo certo, desvencilhando-a dos escolhos
que semearam em seu roteiro, para soçobra-la, os impatrióticos
que desbarataram em proveito próprio o patrimônio estatal.
Nada impedirá, entretanto, que o insigne homem público
reconduza com descortino o batel desarvorado à esteira de
glórias, que cercará a administração paradigmaria que imprimirá
ao seu governo de braços com o povo111.

Note-se como a revista se torna um meio de sustentação dos princípios


doutrinadores que orientavam a política alvareana. Sua política de valorização
da borracha era um meio de fazer justiça social, onde era um defensor, aquele
que retorna ao jogo político para defender o povo, sua eleição tem uma

111
Revista Sintonia, março de 1951. p. 5.

219
conotação espiritual com o retorno definitivo para trazer justiça ao povo.
Contudo, esse discurso salvífico e messiânico do terceiro mandado no executivo
do estado, não demonstrou um programa político com o mesmo dinamismo do
período da interventoria.
A referência ao povo demonstra o caráter populista que o governo de
Maia imprimia. No entanto, essa ideia de incorporar as massas ao jogo político
se daria apenas no plano simbólico, pois a ação política de Maia no executivo
permanecia conciliatória aos setores dominantes da região.
A massa é o ponto fundamental para a legitimação de Álvaro Maia onde
as múltiplas identidades são postas de lado e todos assumiriam ou seriam
reduzidos a uma única identidade, com reações possíveis, sendo facilmente
moldáveis às ideologias totalitárias (ARENDT, 2005), como no período do
Estado Novo.
Neste sentido, é possível observar como a imprensa foi utilizada no
sentido de massificar a sociedade, através de um discurso populista, que retirava
a consciência política e ao mesmo tempo tornava-a um grupo amorfo, neste
sentido a liderança carismática e personalista de Álvaro Maia, associado a um
descontentamento diante do governo anterior possibilitou o retorno deste político
ao poder.
A Revista da Associação Commercial de março de 1951, demonstra uma
posição favorável ao retorno de Álvaro Maia ao governo do estado, este fato
demonstra uma consonância entre o político e os setores conservadores da
região, note a ênfase na sua liderança intelectual:

Pela segunda vez o illustre amazonense assume a


responsabilidade do poder no Amazonas, sendo licito esperar de
seu patriotismo e de sua cultura tudo o que actualmente se
necessita para o estado do empenho de um governante probo e
conhecedor dos múltiplos problemas administrativos e
econômicos da região112.

A participação popular se restringia ao apoio aos candidatos indicados


pelas cúpulas políticas, o apelo popular do governo de Maia estava
essencialmente subordinado ao consentimento dos grupos políticos. A posição
conciliatória com os interesses das camadas conservadoras de Maia reflete o

112
Revista da Associação Comercial. 15 de março de 1951. (s/p).

220
próprio posicionamento do governo getulista durante a primeira faze de seu
governo democrático.
Segundo D’Araujo (1992), além do nacionalismo que culminou uma ação
econômica governamental voltada mais para os interesses internos do que
externos, como no caso do monopólio estatal do petróleo, com a criação da
Petrobrás, esse processo revela uma intencionalidade em equilibrar os
interesses dos grupos conservadores, aliado a um discurso com forte caráter
nacionalista. Somente na segunda fase do governo de Getúlio Vargas que sua
atuação política foi mais popular através do trabalhismo e da atuação sindical
(sem essa atuação ser de fato uma liberdade sindical).
Getúlio Vargas em seu segundo governo criou um modelo de
desenvolvimentismo que busca fomentar a industrialização nacional através de
um dirigismo estatal, com forte caráter nacionalista e uma aproximação com o
capital estrangeiro. A Amazônia aparece como fruto dos interesses de
desenvolvimento regional, com criação da Superintendência do Plano de
Valorização Econômica da Amazônia, criado em 1953, que tinha por objetivo o
desenvolvimento da região através do extrativismo, da agricultura e da pecuária,
daí a ênfase na propaganda de Maia em enfocar sua atuação política na
construção de estradas, que serviriam para o escoamento da borracha. No
entanto, a SPVEA é substituída pela Superintendência de Desenvolvimento da
Amazônia (SUDAM), em 1966, por falta de infra-estrutura, uma das acusações
ao governo de Maia.
No momento em que seu governo passa a enfrentar várias acusações a
revista Sintonia é usada no sentido de defender sua legitimação, que já
apresenta uma série de dificuldades no sentido de se conciliar com os interesses
dos grupos dominantes, com a ascensão da figura política de Plínio Coelho, dono
do jornal O Trabalhista na década de 1940.

Homem com a mais bela concepção da bondade, nunca chegou


ao absurdo dos excessos afim de repelir agressões ou injustiças
a seu nome. Nele, há, o sentido sublime da tolerância e, por se
tornar sereno e espiritualmente superior, não há quem não fique
vencido pela extraordinária refulgência de sua grandeza113.

113
Revista Sintonia, março de 1954, p. 5.

221
As elites políticas locais passaram a acusar Maia de ser um político
demagogo questionando o mínimo de participação das lideranças em nível
democrático. No Estado Novo as lideranças foram escolhidas em consonância
com os interesses de Maia, como podemos observar na escolha de seu irmão
Antônio Maia para o cargo de prefeito de Manaus em 1938.
A permanência de um líder carismático está intimamente relacionada
com a obediência e a dominação sobre os setores economicamente dominante.
Na década de 1950, diante de um inchaço populacional na cidade de Manaus, a
escassez de energia e a extrema pobreza de determinadas áreas; era
necessária a obediência da ação humana de Maia diante dos portadores do
poder legítimo.
Mediante esse tipo de obediência são feitas as disposições sobre os
bens concretos necessários para o processo de dominação: o quadro
administrativo e os recursos administrativos materiais. A obediência do quadro
administrativo está ligada a recompensa material e a honra social e não apenas
aos dons espirituais do líder (WEBER, 1999). O serviço dos funcionários do líder
possui um duplo sentido além da crença espiritual e as lutas externas do campo
político, está ligado aos interesses externos do espaço social mais abrangente
(BOURDIEU, 1989).
Assim, os funcionários precisam de meios administrativos que também
são motivos de disputas materiais e simbólicas, esses meios servem como
motivação para a obediência e fidelidade ao líder.
Álvaro Maia conseguiu ascender ao poder com o apoio das massas, mas
a duração da permanência no cargo dependia de sua relação com os setores
dominantes. Neste sentido, Maia teve dificuldades de permanecer no poder em
sua terceira vez no cargo de governador, pois já não conseguia alinhar e
equilibrar os interesses dos grupos políticos dominantes com os seus próprios
interesses políticos, diante de um cenário crescente no Brasil da política das
massas, e a crise do governo de Getúlio Vargas, que culminou com seu suicídio
em 1954. O nome de Maia passou a ser considerado demagógico e arcaico e
após esse mandato só retornará ao campo político de forma indireta como
senador biônico em 1967.

222
3.2. O legado intelectual e político de Álvaro Maia: uma luta pela
permanência no campo

Álvaro Maia obteve relevância no mundo das letras, sendo um dos


principais representantes do movimento do nativismo. No campo político, devido
a sua liderança no campo intelectual e um discurso carismático consonante com
os interesses das elites agroexportadoras, foi o governador que mais tempo
esteve na frente do Executivo do estado do Amazonas. Neste sentido, é possível
compreender que ao longo de sua trajetória Maia em muitas vezes se afasta do
romantismo literário e se aproxima do pragmatismo político, alinhado ao
nacionalismo e o civismo de um pensamento político conservador e autoritário.
Em um contexto de inúmeras transformações políticas e sociais nos
quais a sociedade brasileira vinha sofrendo interna e externamente, tais como a
Revolução de 1930, o Estado Novo, a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria,
entre outras, convém compreender como um intelectual e político amazonense
expressa suas visões de mundo, assumindo a missão de forjar a nação, seja no
campo das ideias, seja no engajamento político, bem como é importante
compreender como seu pensamento e ação política influenciou seus pares no
campo intelectual e político.
Nos capítulos anteriores nos detemos em compreender o pensamento
político de Maia e de que modo reverberou em sua obra literária e nos seus
discursos pronunciados. Constantemente acusado pelos estudos atuais, em
especial os estudos literários, de produzir uma obra literária de forte cunho
ideológico torna-se necessário neste momento compreender a originalidade da
atuação intelectual e política de Álvaro Maia. Para este objetivo, nos atentaremos
para a trajetória política e intelectual de Arthur Cezar Ferreira Reis, a fim de
compreender a influência de seu pensamento e ação política. Arthur Reis foi
outro intelectual de destaque na região que, no entanto, obteve projeção nacional
e é fonte de vários estudos atuais sobre a História do Amazonas, bem com sua
contribuição para o Pensamento Social Brasileiro sobre a Amazônia.
Neste sentido, devemos atentar para quais lances da trajetória de Reis
contribuíram para sua legitimação, a fim de compreender em Álvaro Maia quais
fatores contribuíram para o baixo número de pesquisas referentes a esse autor.

223
Arthur Reis nasceu em Manaus, em 1906, filho do jornalista Vicente
Torres da Silva Reis, estudou em Manaus sua formação básica, viajando para
Belém para cursar direito, transferindo-se posteriormente para Rio de Janeiro
onde concluiu seus estudos, graduando-se em bacharel em Direito. Em 1923,
tornou-se o redator da Revista Amazonense ainda com dezessete anos, dirigida
por Álvaro Maia.
Ao retornar a Manaus, assumiu o cargo de redator-chefe do Jornal do
Correio, jornal de seu pai. Em 1935, assumiu o cargo de professor da Faculdade
de Direito, ainda neste mesmo ano tornou-se sócio correspondente do Instituto
Histórico Geográfico Brasileiro e foi nomeado pelo então governador Álvaro Maia
para o cargo de Diretor da Instrução Pública do Amazonas.
Em 1938, mudou-se para Belém, onde lecionou em vários colégios, e foi
colaborador dos jornais O Estado do Pará e Folha do Norte, posteriormente
mudou-se para o Rio de Janeiro. Em 1953, foi convocado pelo presidente Getúlio
Vargas para o cargo de diretor da Superintendência do Plano de Valorização da
Amazônia (SPVEA), permanecendo no cargo até 1955, no ano seguinte assumiu
a presidência do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA). Dentre
outras funções públicas, exerceu o cargo de diretor do Departamento de História
e Divulgação do estado da Guanabara (1961) e diretor do Departamento
Nacional da Indústria.
Em 1964, foi eleito para o cargo de governador do estado pela
Assembleia Legislativa. Após o término do mandato, integrou o Conselho
Federal de Cultura, no Rio de Janeiro, no qual foi presidente. Ainda no Rio de
Janeiro foi professor na Pontifica Universidade Católica (PUC-RJ) e na
Universidade Federal Fluminense (UFF).
Dentre sua vasta produção bibliográfica, podemos destacar História do
Amazonas (1931), quando tinha vinte e cinco anos. Este livro se tornou um
marco para a historiografia do Amazonas. Em 1934, publicou o livro Manaus e
Outras Vilas, por sugestão de Capistrano de Abreu, seu preceptor no Rio de
Janeiro. Em 1939 publicou o livro A política de Portugal no Vale Amazônico, fruto
de intensa pesquisa nos Arquivos Públicos de Belém, no período em que foi
professor nesta cidade. Lançou O seringal e seringueiro em 1953, ano em que
assume a direção da SPEVEA, este livro surge como uma reconstituição do
processo de produção e do desenvolvimento da região.

224
A relação entre os dois autores e as posições que ocuparam no campo,
refletem o modo como investiram estratégias no sentido de alcançarem a
legitimação no campo intelectual. A forma como ambos guiaram suas atividades
em um espaço de possibilidades, revela os contatos que estabeleceram criando
redes de relações e redes institucionais.
Gramsci (1982) afirma que o intelectual tem a função de organizador e
de elaborador da consciência de um determinado grupo social. Esse organizador
da consciência dedica-se a tornar uma determinada visão de mundo mais
“simples” para as massas, uma espécie de tradutor que explica ao grupo de
forma simplificada. No caso de Álvaro Maia, além de dedicar-se a função de
elaborador e organizador da consciência, deteve-se também na tarefa de
transformar essas “ideias” simples em ações prático-políticas.
No entanto, ao atentarmos para a trajetória de Arthur Reis observamos
que esse intelectual, assim como Álvaro Maia também esteve envolvido em
diversas tarefas junto ao Estado, sendo inclusive governador do estado do
Amazonas em 1964, durante a Ditadura Militar. A questão fulcral é compreender
como dois intelectuais contemporâneos que tiveram trajetórias intelectuais e
políticas semelhantes, recebendo determinado laureamento em vida, tiveram
uma recepção diferente de suas obras e de seus posicionamentos políticos,
apesar de ambos apresentarem um pensamento conservador autoritário.
Segundo Sousa (2009), Maia o “evangelizador das gerações moças”
como era conhecido pela sua liderança carismática no Ginásio Amazonense
Pedro II, implantou em Arthur Reis as ideias de civismo e nacionalismo, ideias
essas que Reis levou a construção de seu livro História do Amazonas (1931),
para sua atuação como Diretor da Instrução Pública em 1935 e para a própria
pesquisa historiográfica sobre a região amazônica. Neste contexto, se constrói
o projeto intelectual de Reis, tendo no ensino da História um modelo educativo
para as gerações futuras como proclamava Maia em sua “Canção de Fé e
Esperança”.

[...] a história escrita por Arthur Reis, [...], visava um fim pratico
na medida em que pretendia implantar nas novas gerações o
ideal de civismo proclamado por Álvaro Maia, sendo necessária
a representação de figuras históricas portadoras de virtudes e
de caráter inquestionável. A História do Amazonas visava
incorporar novos valores à sociedade através da história, na

225
mais perfeita expressão da história magistral vitae. Através
desta proposta, Reis se distanciou da moderna busca da
verdade proclamada por Capistrano de Abreu, próximo que
estava de Álvaro Maia, e num contexto mais amplo das
proposições de Francisco Adolfo de Varnhagen (SOUSA, 2009,
p. 87).

Inspirados nas ideias de Olavo Bilac; Maia e Reis acreditavam que o


projeto de cidadania e de construção da nação brasileira partiria primeiramente
do letramento das camadas mais baixas da sociedade. Enquanto exercia o cargo
de Diretor da Instrução Pública durante o governo de Álvaro Maia, Reis cumpriu
sua função como membro do IGHA, de levar ao ensino de base a história do
Amazonas, uma construção da identidade local, motivado pelo desejo de
autonomia em relação ao Pará, sem todavia causar qualquer questionamento
sobre o pertencimento ou papel político que o Amazonas podia desempenhar no
regime varguista (NORMANDO, 2014).
A construção da nação se daria através da educação, esta seria o
instrumento fundamental para equacionar a vida social e econômica do Brasil,
através dela o homem organizaria sua vida material e produtiva, somente a
educação organizaria de fato o projeto republicano, trazendo ao brasileiro a
consciência necessária para a formação da sua cidadania. Esta era a missão
intelectual de Álvaro Maia: criar uma modelagem moral na sociedade.
Neste contexto, os discursos Canção de Fé e Esperança (1923) e Pela
Glória de Ajuricaba (1930) fazem referências aos personagens locais que
representam o verdadeiro caráter nacional. A exaltação destes heróis teria uma
função pedagógica de dar subsídios para que as novas gerações conhecessem
através da história a identidade de seu povo, somente através desse didatismo
seriam corrigidas as falhas morais dos que de alguma forma adentram a região
apenas em busca de benefícios próprios e contribuíram para o estabelecimento
da crise econômica e política que assolava o Amazonas. Reis resgatava em sua
obra os elementos regionais que reforçavam esta ideia. Assim a construção do
caráter de seus personagens históricos, onde os heróis deveriam ser copiados
como exemplo de força e aspecto moral assim como os vilões deveriam ser
conhecidos, contudo, não devendo serem imitados (SOUSA, 2009).

226
Figura n° 07

Álvaro Maia e Arthur Cezar Ferreira Reis


Fonte: (BAZE, 2006)

Uma vez que fica clara a influência do pensamento político de Álvaro


Maia sobre a obra e ação política de Arthur Reis, o questionamento se funda no
sentido de compreender os caminhos que levaram Maia a uma recepção
intelectual diferente da recepção de Reis. Para isso, é necessário atentar para a
singularidade da obra alvareana, a partir de uma ideia de pluralidade (o espaço
das obras de seus contemporâneos), ou seja, qual era a concorrência intelectual
de ambos? Ou Maia e Reis eram concorrentes? A partir da ideia de concorrência
na produção de bens simbólicos, entendemos que esse processo nunca é
dotado de total neutralidade, existindo tensões e conflitos.
Como contemporâneos ambos viveram seu tempo. Os problemas
sociais que os afligiam, suas ideias não eram opostas ao seu tempo, ou díspares
à sua classe social de origem. Neste sentido, como explicar o posicionamento e
a recepção de Maia, que não chegou a ser um intelectual esquecido como
Manuel Bonfim (AGUIAR, 2000), nem tampouco atingiu o reconhecimento de
Arthur Reis, outro intelectual amazonense que se engajou na política.

227
Contudo, não se deve esquecer que Álvaro Maia engajou-se na política
motivado por uma missão, que beirava a espiritualidade, devido ao fato de crer
que a ação política seria o único meio viável para que suas ideias se tornassem
ações práticas, ou seja, o ethos político (WEBER, 1999) de Álvaro Maia estava
assentado no sentido de viver sua prática política como uma missão pessoal 114.
Por este motivo, em seu livro Nas Tendas de Emaús (1969), Maia justifica sua
missão política como um sacrifício que não fora compreendido pelos seus pares,
mas necessário para a redenção de seu povo, fazendo uma analogia a sua
missão política a missão terrena de Jesus Cristo.
Neste sentido, o engajamento de Maia tornou-se uma ação intrínseca a
sua condição de intelectual e não paralela. Outro aspecto que não deve ser
deixado de lado, o fato de que o campo intelectual ainda sofrer ingerências de
outros campos115 e do contexto social mais abrangente, os ganhos simbólicos
em outros campos serviam também como instâncias de consagração no campo
intelectual (MICELI, 1979).
Arthur Reis estava submetido às mesmas ingerências e as mesmas
pressões que Álvaro Maia. No entanto, no âmbito das especificidades é
importante compreender como foram dispostos o mercado de produção
específico para cada autor. Maia ao longo de três décadas publicou sua obra
literária em jornais e revistas especializadas, como vimos nos capítulos
anteriores, somente em 1943 aos cinquenta anos de idade publica seu primeiro
livro Na Vanguarda da Retaguarda, apesar de ter recebido em 1925, o título de
príncipe dos poetas pela revista Redempção. Arthur Reis, no entanto, lança seu
primeiro livro em 1931, História do Amazonas, com apenas 25.
Durante as primeiras décadas da República Velha, o mercado editorial
encontrava-se em vias de autonomização, haviam poucas editoras, não havia
uma cultura no Brasil de ler livros, visto que grande parte da população era
analfabeta. Chalmers (1994) afirma que determinada teoria prospera quando as
oportunidades objetivas são facilmente dispostas, ou seja, o campo
historiográfico em que Reis estava inserido conferiu-lhe oportunidades para suas
publicações, portanto, o desenvolvimento de sua pesquisa esteve submetido a

228
uma série de condições materiais e sociais, impedindo-lhe de fazer uma ciência
propriamente pura.
O campo literário116 onde Álvaro Maia estava inserido, assim como o
campo científico e sofria com as inúmeras ingerências materiais e sociais que o
impediam que fazer uma “arte pela arte”. No entanto, como intelectuais locais,
ambos estavam submetidos às mesmas condições de acesso a produção de
seus bens simbólicos, apesar de suas especificidades literárias e historiográficas
respectivamente. Maia só publica seu primeiro livro em 1943, pelo Departamento
de Imprensa e Propaganda, DIP, enquanto que Reis, publicou seu primeiro livro
doze anos antes, pela Editora Augusto Reis, uma editora local.
Contudo, não se deve esquecer que o processo de legitimação está
ligado a rede de relações em que cada autor estava envolvido. Maia antes de se
tornar um político profissional na década de 1930, participou ativamente da
criação da Academia Amazonense de Letras da qual foi um dos fundadores, seu
vínculo com a intelectualidade local foi notadamente reconhecido. Do mesmo
modo Arthur Reis, membro do Instituto Geográfico Histórico do Amazonas,
sendo posteriormente escolhido como correspondente do Instituto Geográfico
Histórico Brasileiro, neste sentido ambos mantinham vínculos institucionais com
seus pares.
O fato de se tornar um correspondente do Instituto Geográfico Histórico
Brasileiro foi fundamental para a legitimação intelectual de Reis. Segundo
Schwarcz (1993), os “guardiões da história oficial”, passavam por um critério de
escolha que tinha como premissa central o culto à ciência em sua totalidade. O
processo hierárquico do Instituto revela o processo de consagração de uma elite
intelectual: haviam os efetivos (residentes na Capital federal e com trabalhos
comprovados sobre história); os correspondentes dentre os quais Arthur Reis
era um membro (possuía a mesma condição de idoneidade intelectual dos
primeiros); honorários (homens distintos com determinada idade avançada);
beneméritos (geralmente sócios que tinham feito doações financeiras

116
O processo de legitimação política de Álvaro Maia dependeu de sua incursão e
reconhecimento no mundo das letras nos anos de 1920, o que lhe permitiu acumular como
chama Bourdieu (1996b) de capital simbólico que posteriormente se converteu em capital
político. Neste sentido, o campo político pode ser entendido como um espaço de lutas para
garantir a dominação, que tem no capital simbólico, ao mesmo tempo, como meio e como o fim.

229
relevantes); e o presidente honorário conferido aos Chefes de Estado ou chefes
de outras nações.
Assim, este aparato institucional conferiu visibilidade a seus membros,
em nível local e nacional. A escolha não levava apenas em conta a produção
intelectual e muitos eram selecionados pelas suas redes de relações sociais.
Bourdieu (1989) afirma que a instituição confere um lugar sobre determinado
grupo. O processo de institucionalização no qual os mandatários recebem o
poder para fazer o grupo. Neste contexto, é possível perceber em Arthur Reis
uma dedicação ativa no processo de institucionalização, ou seja, seus
investimentos não estavam diretamente ligados ao público em geral, mas em
alcançar uma legitimação junto ao grupo, que ocorre com a escolha do cargo de
correspondente do Instituto Geográfico Histórico Brasileiro. Neste momento se
torna um porta-voz institucional, uma espécie de ministro.
No entanto, Álvaro Maia apesar de sua consagração intelectual e de sua
atuação na Academia Amazonense de Letras estava detido com suas tarefas
políticas buscando assim uma legitimação junto as massas, das quais tornou-se
porta-voz e organizador da “simples” consciência, ao passo que se colocava
como o dirigente deste grupo. Este processo lhe possibilitou transitar com fluidez
entre o grupo político, o grupo intelectual e o grande público.
Outro ponto está relacionado ao intenso envolvimento de Álvaro Maia
com o regime varguista ao longo de quase vinte anos, que com a queda do
regime passou a ser estereotipado como apenas um ideólogo do regime e não
um literato. Enquanto que Reis esteve envolvido em inúmeras atividades
institucionais, além do jornalismo e da docência.
Em termos práticos, o que está em questão eram quais ganhos eram
esperados por cada um, a partir de seus investimentos no campo intelectual.
Contudo, é inegável que o fato de Arthur Reis se tornar um porta-voz do IGHA e
membro do IGHB foi fundamental para a construção de sua carreira intelectual.
Álvaro Maia obteve uma ascensão no campo político onde sua
profissionalização política, passou a demandar-lhe maior dedicação e tempo.
Contudo, Maia não deve ser caracterizado como político-escritor, pois este tinha
uma produção no sentido de minimizar sua cooptação, fundando sua obra em
um nacionalismo exacerbado. Maia, no entanto, estava preocupado em criar
uma identidade nativa, por este motivo o elemento regional era recorrente em

230
sua obra. Apesar de certas contradições e inconstâncias de suas ideias quando
se tornou um político profissional, não se deve esquecer, ele estava envolvido
na dinâmica do jogo político, carregada de disputas por permanência, e assim
muitas de suas ideias tiveram que passar por um filtro no campo político do que
é dizível ou não.

231
À Guisa de Conclusão

Álvaro Maia constrói sua trajetória intelectual e política no Amazonas em


um contexto demarcado pela busca por diretrizes regionais, onde os círculos
intelectuais defendiam a formação de um pensamento oriundo da sua própria
realidade no qual surge a defesa dos elementos nativo. Durante a primeira
metade do século XX, o Amazonas vivia uma crise econômica e política. E,
movimentos como a caboclitude, no qual Maia era um dos principais
representantes servia como uma defesa a criação de uma identidade
verdadeiramente regional.
Com a queda do preço da borracha, o Amazonas vivencia o descaso e
falta de apoio do governo central onde os grupos economicamente dominantes
que estavam vinculados a uma produção extrativista e agrária, procuravam
manter na política representantes que defendessem seus interesses. Maia surge
como um típico representante destes grupos, defensor de uma política que
protegia os interesses dos grupos conservadores. O príncipe dos poetas surge
na década de 1920, como um conselheiro político para tempos de crise, um
defensor da moralidade perdida por uma política fortemente assentada em
interesses dos grupos oligárquicos. Neste contexto, as elites políticas,
encontram em Maia um líder que defende os interesses de sua classe, sem estar
vinculado diretamente aos velhos grupos oligárquicos.
No entanto, seu ingresso no campo político fez parte de um projeto
intelectual no qual seu pensamento político sairia do plano das ideias para a
ação. Essa inserção foi comum a inúmeros intelectuais de países periféricos,
que além de tentar recriar a formação e o refinamento de um pensamento social
semelhante aos grandes centros, buscavam compreender o processo de
modernização nos quais seus países estavam vivendo. Neste sentido, a posição
de ambiguidade de Álvaro Maia em seu pensamento e sua atuação política pode
ser explicada, devido a própria condição destes intelectuais, pois este agiam ora
como reforçadores do status quo, ora como opositores (RIBEIRO & MIRANDA,
2011). A afirmação de uma identidade regional serve como uma estratégia que
foi levada a efeito por inúmeros intelectuais para compreender o processo de
modernização sob o olhar da “periferia”, ao mesmo tempo em que lhes conferiam
uma espécie de legitimação na qual, como os conhecedores do saber social,

232
seriam os mais aptos a dar cabo ao projeto de construção da nação (PÉCAUT,
1990).
Na década de 1920, os discursos de Álvaro Maia já revelam a
preocupação em descontruir as ideias de exotismo e indolência que criaram uma
imagem determinista sobre a Amazônia, onde seria impossível seu
desenvolvimento. Ele se torna um ideólogo que vê na figura do seringueiro a
representação da capacidade do homem de desbravar esta região e desenvolvê-
la, pois em seu árduo labor sobre a extração da hévea, eles já demonstravam os
primeiros sinais de vitória do homem sobre a natureza. Maia defendia a ideia de
que o Amazonas era um eldorado/ paraíso verde, referência irônica a ideia de
que a Amazônia era o inferno verde de Alberto Rangel.
Assim como outros intelectuais deste período, Maia estava preocupado
em forjar os traços exclusivos da nação brasileira, daí a valorização dos
elementos nativos. Ao mesmo tempo, seu papel como intelectual era o de
compreender o processo de modernização e os principais dilemas criados por
uma modernização em um país periférico. Neste sentido, a ideia do atraso
nacional precisava ser equacionada e sua ação política recebia a legitimação
necessária.
No entanto, não se deve esquecer que a sua profissionalização política
além de um fundamento ideológico, deu-se em função de um rede de relações
construídas em sua trajetória inicial (RAMOS, 2010). Com a revolução na década
de 1930 e posteriormente o estabelecimento do Estado Novo, os intelectuais
brasileiros já não buscam em seus estudos identificar a identidade nacional. Uma
vez superados tais questionamentos, buscou-se compreender de que maneira
as instituições liberais falharam. Por este motivo o Estado Novo é visto como um
recorte com o passado, um reencontro consigo mesmo, um Brasil Novo. Os
intelectuais brasileiros, bem como o próprio Maia foram cooptados pelo Estado
para tornarem-se seus ideólogos. Assim, ao invés de tentar explicar o atraso
nacional, buscou-se criar elementos que reforçassem a ideia de que a própria
sociedade seria apta a criar esse novo Brasil. E, para esse projeto era necessário
um Estado forte, com um líder que seria capaz de guiar a nação para essa nova
fase da história brasileira.
É interessante salientar a ambiguidade presente nas ideias de Álvaro
Maia, de reforçador das ideias de modernização das instituições liberais, crítico

233
do projeto liberal e defensor do autoritarismo. Os pensadores do liberalismo
demonstravam certa tolerância às ideias de regimes autoritários, essas ideias
em última instância, levavam os valores de ordem e respeito às hierarquias
inerentes ao liberalismo.
Do mesmo modo que em seus discursos, seu projeto literário não estaria
isento de um projeto político e a Amazônia retratada em sua produção literária
serviria como um reforço ideológico para o seu engajamento político. Maia faz
uma descrição do meio amazônico incidindo sobre os personagens, sem no
entanto, um fatalismo naturalista e uma fixidez comuns as produções deste
período. O seringueiro, um dos personagens centrais das obras alvareanas,
sempre era tratado a partir de uma heroificação e esse tratamento irá reforçar a
ideologia de valorização da borracha que foi o carro chefe de seu projeto político.
Nisto podemos identificar a intencionalidade dos “atos da fala” de Álvaro Maia
(SKINNER, 2005), no momento em que escrevia.
A partir do momento em que fica claro que a produção literária de Álvaro
Maia não foi meticulosamente construída no sentido de garantir sua inserção no
campo político, podemos compreender que, como um dos representantes do
movimento do regionalismo, via na literatura nativista uma forma de construir
uma identidade verdadeiramente amazônica. Contudo, segundo Paiva (2007),
este grupo conhecido como Caboclitude surge também como uma estratégia da
elite conservadora decadente em permanecer no poder.
De origem abastada, Álvaro Maia procurava manter um discurso
conciliatório com os grupos economicamente dominantes da região. As décadas
de 1950 e 1960, no entanto, revelam um posicionamento mais crítico de Maia
em sua produção literária. Não se deve esquecer que já não contava com a
harmonização política obtida durante a Interventoria no Estado Novo. Durante
este período sua atuação política passou por uma profunda instabilidade.
Contudo, a produção literária de Álvaro Maia buscou compreender como
a modernidade e suas transformações impactaram a região amazônica criando
dilemas, sendo que o homem interiorano, o seringueiro, o indígena, o padre,
entre outros personagens criados pelo autor, refletem o nível destes impactos.
Uma vez que estava inserido no campo político, Álvaro Maia precisava
obedecer aos ditames deste grupo, no sentido de garantir sua legitimação e
permanência. Na década de 1920, esse processo foi fundamental para sua

234
iniciação política, onde a liderança intelectual lhe conferiu a visibilidade
necessária para a inserção no campo político e sua profissionalização.
O regime varguista foi fundamental para a profissionalização política de
Maia, onde o seu carisma se adaptava aos ditames do jogo político e aos
interesses das elites, que passavam também por um processo de transformação,
onde perde força a figura do coronel e ascende a do bacharel. Assim, apesar de
representar as transformações e modernização necessárias ao aparelho
burocrático durante este período, seu processo de profissionalização passa por
uma espécie de depuração onde sua prática política deve estar em consonância
com os interesses da elite política regional bem com os interesses do governo
central. Esse processo deu-se em virtude das elites tradicionais amazonenses,
pois esta transita entre garantir os interesses da comunidade local, e de lidar
com questões mais amplas do Estado e da nação (MILLS, 1981).
O engajamento político de Maia garantiu um laureamento que
ultrapassou o mundo das letras, sua profissionalização política em muito foi
motivada pelo projeto de forjar a nação. Álvaro Maia continuou a exercer uma
influência moral em outros intelectuais e políticos amazonenses.
O estudo deste intelectual nos propiciou uma compreensão da própria
formação de uma intelligentsia amazônica e a formação do Pensamento Social
Amazônico. E através do estudo de sua trajetória podemos entender os
posicionamentos e os caminhos assumidos para uma intervenção política. Neste
sentido, a contribuição fulcral do pensamento político de Maia se dá em torno da
compreensão dos processos e estruturas que articulam a Amazônia ao resto do
Brasil e ao mundo.
Aguiar (2000), afirma que a História do Pensamento Social é excludente,
omitindo a importância de alguns autores. O estudo sobre este intelectual serve
para compreender a contribuição política e moral, de um autor, por muitos
considerado “menor”, que no entanto produzia ideias totalmente ligadas ao seu
tempo e vinculadas à sua classe. Portanto, o engajamento político de Maia não
pode ser considerado o responsável pela maior ou menor relevância de seu
posicionamento na formação do Pensamento Social.
Neste sentido, este estudo se torna esclarecedor para compreendermos
a própria posição da produção do pensamento social da Amazônia no cenário
nacional. A intelligentsia local, diante condições semelhantes de ideias de

235
intelectuais de outras regiões, tiveram e vem mantendo uma recepção diferente
das produções de determinadas regiões. Portanto, convém compreender qual a
intencionalidade dos grupos de maior recepção em não “articular” ou não
“aceitar” a produção vinda da Amazônia. Esse posicionamento reflete um
preconceito ou mesmo uma motivação em não tornar claras as ideias que muitas
vezes justificam ou explicam o atraso da nossa região diante do resto do país ou
ainda, a pouca receptividade da produção intelectual local nos dias atuais
refletindo o processo de dominação sobre a nossa região e tentando demonstrar
a incapacidade local de criar meios teóricos ou práticos para o seu
desenvolvimento.

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