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UNIrevista - Vol.

1, n 3: (julho 2006)

ISSN 1809-4561

Radiodifuso e governabilidade: Roosevelt, Vargas e a atuao dos polticos locais nas emisses comunitrias legalizadas da Regio Noroeste do Estado de So Paulo
Gisele Sayeg Nunes Ferreira
Jornalista, professora do curso de Rdio e TV, mestre em Cincias da Comunicao

[email protected]
USP/Universidade Anhembi Morumbi, SP

Resumo
O uso do rdio como instrumento para garantir a governabilidade por dois grandes lderes polticos Franklin Roosevelt, nos Estados Unidos em tempos de Segunda Guerra Mundial, e Getlio Vargas, no Brasil dos anos 194050 o ponto de partida para a reflexo sobre a atuao dos polticos locais nas emisses comunitrias, visando validao de discursos e o fortalecimento das aes de governo. A anlise sustenta-se em resultados obtidos a partir de pesquisa quanti-qualitativa realizada com 22 dirigentes de RadCom legalizadas da regio Noroeste do Estado de So Paulo, em julho/agosto de 2005. Palavras-chave: Rdios Comunitrias, Relaes de poder, Governabilidade.

Rdio, Poltica e Capital: o trip que sustenta as ondas


O rdio uma chave de investigao importante para refletirmos sobre as articulaes em torno do trip meios de comunicao cidadania democracia. Ao passo que nos pases europeus foram os meios impressos que conferiram identidade a eles, no Brasil e na Amrica Latina foi o rdio e, posteriormente, a televiso os responsveis por esse feito. perceptvel a relao entre rdio e poder poltico-econmico. A partir do momento em que se imps como um meio de comunicao massivo, segmentos e grupos de deciso poltica passaram a investir no rdio com interesses os mais diversos. Intrinsecamente ligado ao investimento de capital, o rdio vem sendo usado, desde seus primrdios, como suporte de poder poltico-ideolgico. No faltam exemplos da utilizao do rdio com fins polticos. Aquela que considerada por muitos a primeira experincia radiofnica no Brasil, foi marcada por um discurso poltico: em setembro de 1922, durante a exposio que comemorava o centenrio da independncia do Brasil, no Rio de Janeiro, Epitcio Pessoa tornou-se o primeiro presidente brasileiro a falar no Rdio.

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De incio, ainda era tmida a utilizao poltica do veculo. Foi a partir dos anos 1930, com Getlio Vargas no comando do governo provisrio, que o rdio passa cada vez mais para a rea de influncia direta do Presidente. (Moreira, 1998, p. 22). Juscelino Kubitschek, Aluisio Alves, Carlos Lacerda utilizaram intensamente o rdio. Tambm Leonel Brizola viu no veculo um importante aliado: em 1961, implantou a chamada Rede da Legalidade para tentar garantir a posse de Joo Goulart na Presidncia, e tentar impedir o golpe militar, de maro de 1964. Nas dcadas de 1960-70, sob regime ditatorial, os militares utilizaram a censura e a suspenso de licenas para impedir que grupos contrrios ao regime mantivessem controle sobre o rdio e por intermdio dele manifestassem idias contrrias ditadura. Com Joo Baptista Figueiredo, o ltimo presidente do perodo militar (1979-1985), o Pas vive uma nova fase nas relaes entre o Estado (responsvel pelas concesses) e os detentores de licenas de transmisso radiofnica (concessionrios). A abertura democrtica exigia que se comeasse a negociar com o Congresso. Assim, a partir do governo Figueiredo que as concesses passam a ser empregadas como moeda poltica em Braslia, nas negociaes entre o Executivo e o Legislativo (Id. Ibid.: 86). O toma l, d c que nos anos seguintes se tornou caracterstico nas concesses de emissoras de rdio em todo Pas se intensifica a partir de ento, com o nmero cada vez maior de polticos (senadores, deputados federais, estaduais, prefeitos, vereadores, apadrinhados e outros), detentores de canais de AM e FM. Aps duas dcadas de ditadura militar, o primeiro governo civil investiu no mesmo cenrio: para garantir a manuteno do mandato de 5 anos, o presidente Jos Sarney (1985-1989) tornou-se recordista na distribuio de emissoras de rdio e TV a polticos. Paralelamente ao festival de concesses e como forma de resistncia ao modelo clientelista de distribuio de canais a partir dos anos 1980 cresce em todo o Pas o movimento pela liberdade de uso de ondas, intensificando-se as emisses livres. Em muitas delas, o discurso de protesto contra o modelo vigente vinha acompanhado do engajamento em disputas eleitorais.1 No primeiro semestre de 2000, estimativa-se em todo o Pas a existncia de 2.000 emissoras no-oficiais controladas por polticos e outras 4.000, por grupos religiosos, com a expectativa de um aumento no decorrer dos preparativos para a campanha eleitoral que ocorreu naquele ano. (Castro, 2000) Em pequenas cidades do interior, desprovidas de emissora comercial ou outro veculo de comunicao dirio, grupos polticos buscavam investir nessas emissoras em funo, principalmente, do baixo custo de implantao e manuteno e da possibilidade de retorno imediato. J nas cidades de porte mdio ou grande, muitas emissoras no-oficiais foram utilizadas, sobretudo, por candidatos a vereador, principalmente os evanglicos, como uma forma econmica de atingir seus eleitores. Assim, d para perceber que os desvios de conduta das rdios comunitrias no so de hoje. Antes mesmo da implantao da Lei de Radiodifuso Comunitria, em 1998, pesquisadores e militantes alertavam para as transformaes que as Radcom sofriam, implicando em outra identidade:

1 Como por exemplo, a rdio no-oficial Se ligue no Suplicy, de apoio ao candidato do PT Prefeitura de So Paulo, Eduardo Suplicy.

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Muitas das emissoras que se auto-intitulam como comunitrias so na verdade micro-empresas. Tm donos particulares. Servem ao lucro, cuja aplicao depende unicamente da deciso dos proprietrios. Alm da venda de espaos comerciais, sua estrutura de funcionamento similar ao de qualquer outra empresa pequena. Sua programao semelhante a das emissoras convencionais, ou melhor, reproduzem sua lgica. No entanto, introduzem inovaes que agradam aos ouvintes. (Peruzzo, 1998, p. 43). Essas confuses e impasses tornaram-se a pedra de toque para uma poltica governamental que pudesse superar os problemas e desafios que as RadCom enfrentam. Assim, a poltica de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), responsvel pela regulamentao do setor de radiodifuso comunitria, foi duramente criticada pela oposio por fazer uso poltico da administrao, seja no trabalho da Anatel (Agncia de Telecomunicaes) de fiscalizao e fechamento de emissoras no-oficiais, seja na conduo do processo de legalizao ou mesmo de outorga das RadCom. Sob a vigncia do governo de Luiz Incio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (historicamente ligado ao movimento pela liberdade de utilizao de ondas), as denncias persistem. A gesto Lula tem sido alvo das mesmas acusaes que a de FHC, qual seja, de estimular o recrudescimento das fiscalizaes e aes punitivas da Anatel e favorecer, no processo de concesso de outorgas, militantes do partido ou aliados. Como observa Morris, cada novo meio de comunicao, surgido no processo de inovao tecnolgica, pode proporcionar oportunidades para convencer, persuadir e impulsionar as pessoas numa ou outra direo. (Morris, 2004, p. 329). Com o rdio no diferente. Sendo resultado do uso que fazemos dele, conforme alerta Machado, o agente poltico que percebe o potencial do veculo detm o poder de homogeneizar cdigos dispersos na sociedade. Detm ainda (at como conseqncia natural) o poder de manter a credibilidade e confiana dos cidados, garantindo a governabilidade e a sua prpria sustentao poltica. Franklin Roosevelt, nos EUA, e Getlio Vargas, no Brasil, so personagens da histria poltica que souberam reconhecer o papel estratgico da mdia rdio e, conseqentemente, utilizaram com eficcia os recursos

disponibilizados pelo veculo a fim de estabelecerem vnculos mediadores com os ouvintes/eleitores/cidados. Roosevelt explorou o potencial do rdio na ambincia dos anos 1930. Contemporneo a ele, Getlio Vargas um divisor de guas para se pensar no rdio como vis prioritrio para a construo de um projeto poltico. O trao essencial da gesto Vargas ser a integrao e criao de uma identidade nacional, tendo no rdio um dos seus principais suportes. A Hora do Brasil sintetiza o esforo deste governante para a coeso nacional. Em contrapartida,

Criatividade e intimidade: as armas de Roosevelt


Franklin Delano Roosevelt no foi o primeiro presidente norte-americano a usar o rdio para estreitar vnculos com a populao. Antes dele, Woodrow Wilson, Clavin Coolidge e Herbert Hoover tambm o fizeram. A grande diferena entre Roosevelt e os demais a forma como ele soube explorar toda a potencialidade do veculo, de modo no s a viabilizar sua reeleio por trs vezes, mas principalmente para criar um vnculo direto com o povo americano, obtendo apoio para muitas das medidas drsticas e impopulares que tomou.

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Nesse sentido, alerta Morris, o rdio foi para ele um instrumento essencial na tarefa de administrar (2004: 336), em tempos difceis, com o mundo sob o impacto de duas guerras mundiais, num Pas asfixiado pela Grande Depresso e sob o impacto de uma economia quase paralisada pela falta de perspectivas. Um histrico sucinto nos permitir uma viso mais clara dessa trajetria. Oriundo de uma tradicional famlia de polticos do leste americano, FDR eleito senador aos 28 anos, em 1910. Um ano anos da ecloso da Primeira Guerra Mundial na Europa, em 1914, designado Subsecretrio de Marinha. Em 1921, aos 39 anos vitimado pela poliomielite. Eleito governador de Nova York em 1928, reeleito dois anos depois. Em 1932, vence as eleies presidenciais, sendo reeleito em 1936, 1940 e 1944. Durante toda sua trajetria, at sua morte por um derrame em abril de 1945, Roosevelt utiliza intensamente o rdio para eliminar (ou pelo menos diminuir) a grande distncia que percebeu existir entre governantes e governados, fenmeno a que Morris classifica de alienao psicolgica entre classes. Em quatro anos como governador ele vai aos microfones mais de 75 vezes. Durante seus 12 anos na Presidncia, fala pelo microfone com a Nao mais de 300 vezes. (Id. Ibid.: 336-337). O uso recorrente do rdio, talvez fosse uma busca de alternativas para vencer sua limitao fsica e os problemas de sade2, que o impediram de realizar longas viagens pelos EUA e comcios abertos (nos quais teria que se apresentar em p, apoiado em muletas a custa de muito sofrimento). Roosevelt transforma o rdio em um meio efetivo de ligao com a Nao. Se outros j o haviam feito, onde estaria, ento, o mrito de Roosevelt em sua relao com o rdio? O mrito de FDR foi ter captado o extraordinrio potencial de intimidade que o emprego do rdio facultava (Id. Ibid.: 335). Em tempos de crise, em que as pessoas queriam ouvir diretamente de seus governantes as solues que estavam sendo encaminhadas, FDR compreende que no bastava um discurso bem feito, bem articulado e pronunciado, como muitos faziam. Era preciso criar um vnculo emocional. humanizar o processo para dissolver o medo: Iniciando suas falas com a expresso meus amigos, ele se comunicou com os americanos de uma maneira que nenhum presidente antes dele tinha feito e forjou um elo com os eleitores que durou durante quatro bem-sucedidas concorrncias presidenciais. (Id. Ibid.: 330). Assim, com criatividade e nuances de dramaticidade ele logrou sucesso em seu intento e fez do veculo em um grande instrumento poltico. Quando governador, por exemplo, Roosevelt enfrenta no Legislativo uma forte oposio republicana, respaldada pela maioria dos jornais da poca. Sem condies de aprovar suas propostas, ele vai ao rdio, nos dias das sesses, para falar com o povo, explicando suas razes e pedindo ajuda para sensibilizar o Legislativo. O resultado era imediato: cartas e mais cartas chegavam aos legisladores, pressionando pela aprovao dos projetos do governador. Em maro de 1933, uma semana depois de assumir seu primeiro mandato como presidente e logo depois de aprovar no Congresso as primeiras (e duras) medidas de combate crise, Roosevelt vai ao rdio falar populao. No que viria a ser sua primeira Conversa ao P da Lareira,3 o presidente pede a confiana de Era preciso

2 Vtima da poliomielite, Roosevelt passou grande parte da vida na cadeira de rodas, alm de ter sido acometido em diferentes momentos por pneumonias, sinusites, gripe espanhola, febre tifide, etc. 3 Em ingls, Fireside Chats, foi expresso cunhada pela emissora CBS para se referir aos discursos que o presidente realizava eventualmente. Alguns pesquisadores tambm utilizam a expresso Conversas ao P do Fogo.

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todos, para que o ajudem a restaurar o sistema financeiro e ultrapassar a crise. A reao ao discurso foi positiva. Roosevelt inaugura ali um novo modo de se relacionar com o rdio. O presidente americano se preocupa com a sonoridade e escolhe palavras simples, de uso comum, que possam atingir todas as classes sociais.. O ritmo e o tempo da fala tambm merecem ateno. Enquanto muitos oradores usavam em torno de 200 palavras por minuto, FDR utilizava 120 palavras,

propositadamente, para facilitar a compreenso. Tambm era comum inserir trechos selecionados entre milhares de cartas que recebia de cidados comuns para exemplificar o que defendia nos discursos. Roosevelt no soube apenas usar o meio rdio e perceber que era o veculo do seu tempo. Ele soube tambm entender as qualidades nicas de um novo meio e arregimentar o seu poder para servir aos seus prprios objetivos (Morris: 2004, 330). Assim, quando as palavras eram instrumentos de poltica nacional e internacional, ele abarcava todas as partes do processo: envolveu os proprietrios, seduziu profissionais do rdio e conquistou a confiana do ouvinte. Com sua aparente informalidade, os discursos polticos saram dos palanques, plataformas de trens e grandes palcos, para entrar, de forma definitiva, na casa do ouvinte/eleitor. Usando o rdio, alm de ganhar votos, FDR validou suas aes ao estabelecer o dilogo direto com o receptor.

A construo da identidade nacional: o iderio getulista


No Brasil, so vrias as semelhanas relativas utilizao do rdio que ligam as trajetrias de Roosevelt e Getlio Vargas. Ambos so contemporneos de um perodo de grandes transformaes mundiais e permaneceram muitos anos no poder. Alm disso, os dois souberam explorar todo o potencial de comunicao oferecido pelo rdio com a populao. De acordo com o excerto abaixo: A nica mas essencial diferena entre os dois presidentes que Vargas, aqui, foi o mentor do modelo de radiodifuso que prevaleceu at a segunda metade do sculo XX, enquanto Roosevelt, nos Estados Unidos, influenciou a programao radiofnica mas no a concepo do veculo, elaborada a partir de projeto anterior, traado por Herbert Hoover com o apoio da indstria americana de radiodifuso. (Moreira, 2002: 68). Tal modelo de radiodifuso, criado no Brasil das dcadas de 1930 e 1940, fazia parte de um ambicioso projeto poltico. Em 1930, com a deposio do presidente Washington Luiz, o lder revolucionrio Getlio Vargas assume o governo frente de um grupo heterogneo. Como destaca Nascimento, o perodo Vargas impe grandes mudanas, sobretudo no modo de encarar o futuro do Pas, no mais centrado no campo, mas na indstria. A questo social virou preocupao de Estado. E a questo poltica tornou-se um caso de polcia, especialmente durante a ditadura do perodo entre 1937 e 1945. O governo Vargas marca, portanto, o surgimento de um novo agente poltico: as massas. (Nascimento, 2004, p. 24). O movimento revolucionrio, no entanto, no provocou, de imediato, grandes rupturas. A grande transformao reside na estrutura estatal: Vargas vai promover a centralizao de poder do Estado, at

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ento marcado por um federalismo acentuado. Como alerta Fausto, a irradiao agora provinha do centro para a periferia, e no da periferia para o centro. (Fausto, 2001, p. 182). As transformaes foram implementadas ao longo dos anos. Medidas centralizadoras, no entanto, so impostas desde o primeiro momento por Getlio Vargas e devem marcar toda a sua trajetria, inclusive em relao ao rdio, uma vez que o prprio Vargas passa a controlar diretamente as questes relativas ao veculo. A criao de uma legislao especfica para o setor permite a consolidao do rdio no Brasil, mas tambm garante o controle do Estado e colabora para a sustentao poltica de Vargas (possvel graas sua fina percepo da importncia do novo veculo como meio de divulgao de seu projeto nacionalista, de persuaso e propaganda poltica). Afinal, foram 15 anos ininterruptos no poder (de 1930 a 1945), em que Vargas enfrentou e venceu duas revolues militares e liderou um golpe de Estado (1937), implantando o Estado Novo, regime ditatorial que dura at 1945 quando, ento, ele deposto. Em 1950, Vargas retorna Presidncia da Repblica, legitimamente eleito. Em todos esses momentos, se fez acompanhar muito de perto pelo veculo que ele ajudou a transformar. Se Vargas consolidou a histria do rdio no Brasil, no seria precipitado afirmar que tambm foi com e pelo rdio que o lder poltico obteve sua redeno, aps o suicdio em 1954, na mais traumtica pgina da histria do nosso Pas.4 Logo aps a instalao do novo governo, em 1930, em vrios pontos do Pas, diferentes emissoras lanam programas afinados com as orientaes nacionalistas do governo provisrio. A programao que, desde seus primrdios, praticamente se limitava simples transmisso de msica, instrumental ou clssica, comea a mudar. O rdio transformado pelo novo regime em instrumento ideolgico, que servir para consolidar uma unidade nacional necessria modernizao do Pas e para reforar a conciliao entre as diversas classes sociais. (Ferraretto, 2000: 107). Os programas de msica popular brasileira, at ento distantes do rdio, e as primeiras experincias de transmisso em rede no Brasil tm incio nesse perodo, que comporta ainda os dois textos legais que iro reger a radiodifuso no Brasil pelos vinte anos seguintes.5 A grande alterao prevista pelas novas regras , sem dvida, a autorizao da insero publicitria. Como vimos anteriormente, a publicidade que vai permitir os investimentos em equipamentos, o incremento da programao, o aumento na contratao de pessoal e a profissionalizao do setor. A publicidade integra ainda o mecanismo da poltica econmica de Vargas, centrada na industrializao do Pas. Agora, preciso estimular o consumo de produtos brasileiros entre a grande massa de trabalhadores assalariados que se concentram nas maiores cidades. A publicidade no rdio levou ao fortalecimento do consumo necessrio para o sucesso e concretizao do plano econmico implantado por Vargas. A assertiva abaixo esclarecedora:

4 Para Baumworcel, sobretudo aps sua morte, com a leitura da carta-testamento de Vargas ao microfone, o rdio teve papel crucial na formatao final da imagem do grande estadista, contribuindo para uma mudana de nimo na populao e, por conseqncia, com a alterao do quadro poltico que se desenhava. A leitura exaustiva da carta-testamento em emissoras de todo o Pas, com muita intensidade na Rdio Nacional, recuperou, simbolicamente, a legitimidade perdida de Getlio, e o rdio deu vida s palavras do presidente, j morto. (Baumworcel, 2004: 5) Ainda que a carta tenha sido, em realidade, escrita pelo jornalista Jos Maciel Filho, foi divulgada para a populao como testamento do presidente morto. 5 Editado em maio de 1931, o Decreto no 20.047, substitui o regulamento dos Servios de Radiotelegrafia e Radiotelefonia, de 1924, e institui as novas normas que reservam ao Estado o poder de conceder a autorizao para transmisso radiofnica, um servio determinado pblico, de interesse nacional, e que deve ter a educao da populao como principal objetivo. Em maro de 1932, o Decreto no 21.111 regulamenta e complementa o decreto anterior, criando normas que iro regular os servios de rdio no Brasil.

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Com efeito, Getlio Vargas foi o grande idealizador da funo do rdio como agente econmico. No apenas se empenhou em expandir a rede de emissoras em todo o pas, como tambm criou o mecanismo de concesso de canais, a ttulo precrio, que propiciou o controle das emissoras pelo Estado. (Perosa, 1995: 30). Criado por Vargas um ano antes com a misso de cuidar da formao de redes nacionais de rdio para as transmisses oficiais, o Departamento de Propaganda e Difuso Cultural (DPDC) realiza em julho de 1935 a primeira transmisso do programa Hora do Brasil, ainda hoje em atividade sob a denominao de Voz do Brasil 6 . De transmisso obrigatria, em cadeia nacional, todos os dias teis, a Hora do Brasil assumiu importante papel de veiculao das idias de Getlio, inclusive com vistas ao golpe de Estado e tambm lhe conferiu a posio de primeiro governante brasileiro a utilizar o rdio dentro de um modelo autoritrio. (Id. Ibid.: 38). No mesmo ano de sua criao, em novembro, Vargas utiliza o horrio do programa para um pronunciamento histrico com o objetivo de explicar populao a derrota do levante de militares ligados Aliana Nacional Libertadora, adotando um tom carregado de sentimento nacionalista que marcar suas falas posteriores. Moreira destaca que j em 1937, na mensagem em comemorao ao 1o de maio, tradicionalmente enviada ao Congresso Nacional, Vargas vai delinear a forma e a funo que esse meio de comunicao ter em seu projeto poltico, destacando a necessidade de instalao, em todos os pontos do Pas, de aparelhos de recepo de rdio. (1998, p. 29) Era preciso empreender um grande esforo para criar condies de que sua mensagem pudesse chegar a todos os brasileiros que poderiam assim, pela primeira vez, ter contato direto com o governante, sem intermedirios. Em 1939, sob o regime de exceo institudo pelo Estado Novo, Vargas anuncia no apenas uma nova mudana de siglas, mas tambm de propsitos e funes: o DPDC substitudo pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), subordinado Presidncia da Repblica, anunciando entre suas tarefas centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional, interna ou externa (Id. Ibid.: 29). A partir do DIP intensifica-se o controle sobre todo o sistema de radiodifuso nacional, sobre os jornais, o teatro, as revistas e o cinema, alm do controle das verbas de publicidade oficial. Para Haussen, a censura do DIP era o principal instrumento utilizado por Vargas para a concretizao de um amplo programa de uso poltico do rdio (1992, p. 73). Alm de legitimar o regime de exceo, o amplo controle permitia ainda a concretizao do projeto de disseminao de valores (morais, intelectuais e polticos) pretendido por Getlio Vargas (Moreira, 1998: 31). Tal processo atingiria seu pice em 1940, com a estatizao da Rdio Nacional do Rio de Janeiro quando o DIP tem condies de colocar em prtica, numa grade de programao diria, o projeto de criao de uma identidade nacional. Integrada pelos melhores profissionais do setor e alada a lder de audincia nacional, a Rdio Nacional vai permitir, mais do que a divulgao dos discursos oficiais de Vargas, a

6 Trata-se do programa mais duradouro no Hemisfrio Sul. Desde seu incio utiliza na abertura trecho da pera O Guarani, de Carlos Gomes.

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implementao do iderio getulista que previa, alm da integrao nacional, a divulgao dos princpios do trabalhismo7 e a exaltao do lder. A imagem do ditador passa a ser reforada no s por meio da Hora do Brasil e da transmisso dos discursos do 1o de maio, mas tambm atravs do humor e da msica popular brasileira, especialmente das marchinhas de carnaval. Alis, o carnaval e outras manifestaes culturais at ento regionalizadas, mas possuidoras de ressonncia popular, so transformadas em smbolos nacionais pelas ondas da emissora, como parte do processo de legitimao da identidade nacional que se construa. Assim, unindo norte e sul do Pas, o regime estimula a criao de valores comuns como o brasileiro gosta mesmo de mulher, samba e futebol. Era a produo de bens simblicos a servio da legitimao poltica. Apesar da figura austera, Vargas soube explorar com maestria o potencial de intimidade caracterstico do rdio para se aproximar do povo. Ao valorizar o sentimento patritico em seus discursos radiofnicos e trabalhar pela unidade nacional, ele fortaleceu, tambm, sua imagem como estadista e lder, obtendo apoio popular.

Ligaes perigosas: legalizadas

presena

de

polticos

locais

nas

RadCom

Cada qual em seu contexto, Roosevelt e Vargas usaram o rdio para impulsionar movimentos que conformassem a opinio pblica s aes por eles implementadas. Esses dois exemplos no esgotam, obviamente, as formas de utilizao poltica do veculo ao longo dos tempos, em maior ou menor escala, mas podem servir de parmetro para anlises atuais. As RadCom, por exemplo, surgem justamente como contraponto no s programao homogeneizante e submissa aos interesses do capital, irradiada pelas grandes redes comerciais, mas tambm como um antdoto ao uso poltico-ideolgico das ondas. Democratizar a palavra para democratizar a sociedade, o lema dos militantes pela liberdade de uso do espectro.8 No entanto, se at muito recentemente, antes da exigncia de licitao em 1997, a radiodifuso comercial era freqentemente sacudida por acusaes de ser usada com objetivos polticos ou como moeda de barganha poltica, hoje, esse papel cabe radiodifuso comunitria.9 Assim, tambm na anlise das emisses comunitrias preciso considerar a dimenso poltica. Em pesquisa realizada com 22 dirigentes de RadCom legalizadas da regio Noroeste do Estado de So Paulo10 o que corresponde 62% das outorgas concedidas para a regio no perodo fica clara a existncia de um outro

Tm razes no perodo getulista as bases da industrializao no Brasil e a criao de uma legislao social, garantindo direitos mnimos aos trabalhadores. 8 Confira, por exemplo, a Associao Mundial de Rdios Comunitrias (AMARC): <http://alc.amarc.org/page.php?topic=home_ES>. Acesso em 02/01/2006. 9 Veja, por exemplo: Mattos, Laura. 2003. PT vincula concesses de rdio ao Fome Zero. Folha de S.Paulo, So Paulo, 06 de outubro, p. A1-A4. Ou ainda: Lopes, C.A. Brasil, um pas de todos? A influncia de polticos profissionais na outorga de rdios comunitrias nos dois primeiros anos do Governo Lula. Paper apresentado no III Seminrio Internacional LatinoAmericano de Pesquisa da Comunicao. USP, So Paulo, maio de 2005. 10 A pesquisa integra dissertao de mestrado com o tema Rdios Comunitrias e poder local: estudo de caso das emissoras legalizadas da Regio Noroeste do Estado de So Paulo, por mim defendida em abril de 2006, na Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo.

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Radiodifuso e governabilidade: Roosevelt, Vargas e a atuao dos polticos locais nas emisses comunitrias legalizadas da Regio Noroeste do Estado de So Paulo Gisele Sayeg Nunes Ferreira

tipo de fazer poltica, que tambm utiliza o rdio como forma de validao dos discursos polticos e fortalecimento da governabilidade. Trata-se, entretanto, da ao meramente local, regional, da aldeia, das pequenas histrias protagonizadas por aqueles cujo nome no ser registrado pela histria do Pas, pelos grandes movimentos polticos e sociais nem mesmo pela histria das correntes ideolgicas, mas cuja ao ajuda a criar o tecido de relaes polticas que sustenta o dia-a-dia da vida pblica nacional. Nesse contexto se inserem os polticos de atuao local, muitos dos quais tambm aprenderam a usar rdio como instrumento de comunicao, como elo de ligao com os cidados/ eleitores. Atuando em cidades de pequeno porte, quase sempre desprovidas de outros meios de comunicao e informao abundantes nos grandes e mdios centros urbanos (como jornais dirios ou televiso), esse poltico local constri seu espao na radiodifuso comunitria. Paradoxalmente, ele instrumentaliza o modelo comunitrio criado para ser o contraponto a esse tipo de ao. A pesquisa quanti-qualitativa, realizada pessoalmente por mim entre os meses de julho e agosto de 2005,11 analisou o padro de funcionamento das primeiras rdios comunitrias legalizadas da Regio Noroeste, com enfoque nos discursos e no desempenho destas emissoras em relao s exigncias legais, identificando quais so e como se exercem as relaes de poder na dinmica das RadCom. A regio de So Jos do Rio Preto foi escolhida por abrigar vrias emissoras comunitrias com outorga definitiva, algumas atuando legalmente h mais de cinco anos. Tambm foi relevante o fato de que, na maior parte dos municpios com outorga na regio, a rdio comunitria a nica emissora em funcionamento, o que a insere no centro nevrlgico da vida cultural da comunidade, como o mais importante meio de comunicao dirio local: em 67% dos casos analisados a RadCom a nica emissora de rdio da cidade. Baseada em questionrio desenvolvido pelo Conselho Regional de Comunicao Comunitria (Conrad/RS) do Rio Grande do Sul, 12 a pesquisa composta de seis itens Questes Conceituais, Cadastro Interno da emissora, Histrico, Programao, Sustentao e Situao Legal com questes que procuram dimensionar o papel do cidado na programao e nos processos de gesto, traar a viso dos dirigentes sobre conceitos intimamente relacionados radiodifuso comunitria, como por exemplo, democracia, comunidade e cidadania, alm de mapear as relaes de poder que a partir delas e dentro delas se estabelecem. A atuao de polticos locais permeia toda a pesquisa, desde o momento da realizao das entrevistas: em dois casos Rdio 7 e Rdio 8, as entrevistas foram concedidas diretamente pelos prefeitos das cidades onde as RadCom operam (apesar de no integrarem mais o estatuto da entidade, so eles quem, efetivamente, comandam a emissora); em mais dois casos, Rdio 10 e Rdio 5, o prefeito acompanhou parte da entrevista; e em outros trs casos, Rdio 1B, Rdio 2 e Rdio 15, as entrevistas foram agendadas por intermdio do vice-prefeito ou do ex-prefeito.

11 Um total de 21 RadCom integram a pesquisa composta de 22 entrevistas. Isso porque, durante a realizao do trabalho, uma das RadCom (Rdio 1) foi vendida por R$ 45 mil. Assim, inclumos na pesquisa o antigo e o novo proprietrio, dividindo as informaes em Rdio 1A e Rdio 1B. 12 O questionrio original, desenvolvido pela secretria geral do Conrad/TS, Dagmar Camargo, est disponibilizado no stio do FNDC como Tese de n 4, com o tema Propostas para posicionamento do Frum em relao aos grandes temas da rea das comunicaes em debate na atual conjuntura: http://www.fndc.org.br.

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A simples presena ou intermediao no garantem necessariamente ingerncias na atividade das RadCom. Assim, a pesquisa buscou descortinar os anseios que motivaram o pedido de outorga e a montagem das emissoras. A franqueza da maior parte dos depoimentos permite traar um panorama que pensamos ser o mais prximo possvel do que realmente ocorre no interior das RadCom legalizadas. A partir dos dados levantados, constata-se a existncia de ao menos quatro motivaes primordiais para o surgimento de cada emissora: poltica, religiosa, comunitria, empresarial. A pesquisa demonstra, por exemplo, que 57% das RadCom pesquisadas nasceram a partir de motivaes preponderantemente empresariais, ou seja, foram criadas por pequenos empreendedores locais que, sem recursos financeiros suficientes para atenderem aos requisitos de uma licitao comercial (e desejosos de realizarem sua vocao na comunidade s quais esto ligados) acabam optando pela radiodifuso comunitria. Para realizar tal vocao e ultrapassar os obstculos legalizao, esses empreendedores estabelecem alianas com polticos que os auxiliam a encaminhar os processos junto ao Ministrio das Comunicaes em Braslia.13 Quase sempre, o contato feito primeiro com um poltico da localidade que, por sua vez, encaminha o pedido de ajuda a um poltico de maior expresso, normalmente deputado federal ou senador. Nesse caso, o interesse dos parlamentares est relacionado diretamente ao retorno eleitoral que as RadCom podem proporcionar: ao atender o pedido do correligionrio local, o deputado federal, por exemplo, busca garantir apoio para sua reeleio e um espao de mdia local. O poltico da cidade deseja o mesmo: espao no veculo e apoio no momento de campanha. A pesquisa constata ainda que: em 19% dos casos a RadCom surgiu a partir de motivaes preponderantemente religiosas (estando ligadas umbilicalmente a igrejas); em 14% dos casos pesquisados as motivaes so preponderantemente polticas (ou seja, as emissoras foram criadas por polticos profissionais com objetivos fortemente poltico-eleitorais); e em apenas 10% dos dirigentes comunitrios entrevistados so preponderantes as motivaes comunitrias. De qualquer forma, para alm das motivaes, o apoio poltico para acompanhamento do processo da outorga foi considerado fundamental por 76% das RadCom (16 emissoras). Basicamente, considerou-se como apoio poltico aquele que, de forma isolada ou concomitante, permite: aporte financeiro para a instruo de processos (como, por exemplo, elaborao de laudos tcnicos), e /ou disponibilizao de estrutura fsica para o trabalho (computadores, telefones, materiais de escritrio, selos, etc.);

acompanhamento da tramitao do processo junto ao Ministrio das Comunicaes. Como as emissoras analisadas pela pesquisa ficam muito distantes de Braslia (de nibus, em torno de 12 horas de viagem, e de carro, 9 horas), muitos dirigentes de RadCom contaram com a ajuda de funcionrios de deputados federais para entrega de documentos e o acompanhamento burocrtico.

13 Trabalho interessante, nesse sentido, a dissertao de mestrado de Cristiano Aguiar Lopes, defendido na Faculda de Comunicao da Universidade de Braslia, com o ttulo Poltica Pblica de Radiodifuso Comunitria no Brasil: excluso como estratgia de contra-reforma, de abril de 2005.

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Todas as 16 emissoras que citaram a necessidade de contar com uma fora poltica para obter a concesso, disseram ter buscado a ajuda de um deputado federal. Desse total, 57% tiveram tambm o apoio de um deputado estadual, e apenas 29% foram auxiliados apenas por polticos locais (prefeitos e vice-prefeitos). O apoio no processo de outorga, quase sempre, se transforma em suporte financeiro para a manuteno das RadCom legalizadas: 62% dos dirigentes entrevistados disseram contar com recursos provenientes do poder poltico municipal 7 emissoras recebem recursos somente da Prefeitura, uma recebe s da Cmara e 5 RadCom tm apoio de ambos. Dois casos merecem destaque: na Rdio 7, o apoio da Prefeitura e da Cmara Municipal virou lei especfica (aprovada em 2005), permitindo, respectivamente, das Comunicaes. Como as emissoras analisadas pela pesquisa ficam muito distantes de Braslia (de nibus, em torno de 12 horas de viagem, e de carro, 9 horas), muitos dirigentes de RadCom contaram com a ajuda de funcionrios de deputados federais para entrega de documentos e o acompanhamento burocrtico. Todas as 16 emissoras que citaram a necessidade de contar com uma fora poltica para obter a concesso, disseram ter buscado a ajuda de um deputado federal. Desse total, 57% tiveram tambm o apoio de um deputado estadual, e apenas 29% foram auxiliados apenas por polticos locais (prefeitos e vice-prefeitos). O apoio no processo de outorga, quase sempre, se transforma em suporte financeiro para a manuteno das RadCom legalizadas: 62% dos dirigentes entrevistados disseram contar com recursos provenientes do poder poltico municipal 7 emissoras recebem recursos somente da Prefeitura, uma recebe s da Cmara e 5 RadCom tm apoio de ambos. Dois casos merecem destaque: na Rdio 7, o apoio da Prefeitura e da Cmara Municipal virou lei especfica (aprovada em 2005), permitindo, respectivamente, subveno mensal de R$ 2 mil e de R$ 1 mil emissora; na Rdio 21, vereadores autorizaram desconto mensal de R$ 10,00 cada um na folha de pagamento. A ajuda financeira, por sua vez, pode se transformar em horrio na programao: 24% das emissoras pesquisadas (Rdios 2, 5, 6, 7 e 13) admitiram que algum poltico (prefeito ou vereador) tem horrio fixo na programao. No entanto, todas as 13 emissoras que disseram receber subveno do poder poltico, assumiram que procuram divulgar as informaes que recebem de seus apoiadores. A questo que se coloca se no se constituiria em um vcio, em uma deturpao de princpios, a presena de um poltico local (com ou sem mandato) em horrios fixos na grade de programao da RadCom. A mesma pergunta se estende ao pagamento feito s emissoras comunitrias por Prefeituras e Cmaras municipais para divulgao de aes. Ao pagar mensalidades, esses organismos no estariam se transformando em clientes? O pagamento no seria a porta para uma srie de presses e ingerncias nas emissoras? Ou seria obrigao da Prefeitura e Cmara colaborarem com as Radcom no custeio das despesas, uma vez que ocupam o horrio? De qualquer modo, a questo nos mostra claramente a percepo, por parte dos polticos locais, da importncia das RadCom para a aproximao e dilogo com o cidado/eleitor. importante ressaltar que nas democracias como a que vivemos ainda que no concludas, mas incompletas ou inacabadas (Morin, 2002, p.109) o conflito inerente sociedade. As regras no so obtidas pela unanimidade: so apenas consensuais e tidas como legtimas por todos, o que exige o dilogo permanente. Logo, possvel afirmar 11
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que o que confere legitimidade a um governante est no apenas em suas aes mas tambm na sua capacidade de dilogo com o pblico, qualquer que seja o nvel em que se estabelea a relao poltica. A prpria governabilidade depende do sucesso desse dilogo. Por outro lado, h que se levar em conta tambm que os poderes que se manifestam de maneira clara e decisiva nas grandes redes de radiodifuso, tambm esto latentes em nveis de comunidade. So essas foras de poder que se configuram em uma comunidade que, aliadas s foras polticas mais amplas, muitas vezes se infiltram dentro das regras e as instrumentalizam em benefcio prprio, tendo como objetivo manter abertos canais de dilogo positivo com a comunidade. Guardando as devidas propores, a exemplo de Roosevelt e Vargas, a pesquisa nos permite perceber que polticos de expresso apenas local tm buscado influenciar a programao seja participando da montagem da emissora e da compra de equipamentos, seja mantendo um programa regular, ou mesmo, disponibilizando recursos pblicos (vide exemplo da Rdio 7) para a sustentao da emissora. Fazem persistir, desse modo, uma relao de fora e poder numa forma de comunicao que foi concebida para ser o contrrio disso, ou seja, a RadCom como a expresso de contra-poderes em oposio ao discurso hegemnico e concentrao das redes comerciais. Se por um lado perceptvel que as emissoras comunitrias legalizadas padecem de distores, visto reproduzirem em menor escala, entre outros pontos, um modelo de relao poltico/rdio/ouvinteeleitor que se mantm desde os primrdios da radiodifuso no Brasil e no mundo o que, por sua vez, implica no distanciamento em relao ao discurso que propiciou o seu surgimento , por outro, sabemos a questo no se resume aos possveis desvios. Justamente por terem sido legalizadas, as distores tornamse mais evidentes, saltam aos olhos e geram a ira tanto dos militantes mais aguerridos quanto dos grandes proprietrios descontentes com a perda de audincia. No entanto, a lei que nos fornece parmetros para percebermos os muitos problemas que ainda existem, tambm pode nos apontar as sadas para san-los.

Referncias
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