Programa Casé - Rádio - Inovação e Cotidiano
Programa Casé - Rádio - Inovação e Cotidiano
Programa Casé - Rádio - Inovação e Cotidiano
XII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Campina Grande – PB – 10 a 12 de Junho 2010
RESUMO
O rádio no Brasil foi durante décadas um dos maiores símbolos de modernidade. Em 1932, surge no
Rio de Janeiro o Programa Casé, considerado um marco na programação radiofônica no país. O
programa foi o primeiro a introduzir a música popular brasileira no rádio, assim como as
radionovelas, rádio-teatro e programas interativos. O Programa Casé também foi pioneiro na
criação dos primeiros jingles, comerciais em forma de música, além de outros recursos técnicos
utilizados até hoje como o background, ou música de fundo e a sonoplastia. Este artigo discute a
influência do programa no imaginário popular carioca, no início do século XX, a partir da
perspectiva da História Cultural interagindo de forma interdisciplinar com os Estudos de Recepção.
O presente trabalho se propõe a analisar as possíveis mudanças de sociabilidade e sensibilidade, no
cotidiano dos ouvintes da época.
INTRODUÇÃO
1
Trabalho apresentado no DT 4 – Comunicação Audiovisual do XII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste
realizado de 10 a 12 de junho de 2010.
2
Aluna do PPGH-UFCG- Mestrado acadêmico em História, email: [email protected].
3
Orientador do trabalho. Professor do Departamento de História – UFCG, email: [email protected]
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Campina Grande – PB – 10 a 12 de Junho 2010
programas voltados para as massas. O veículo era definido por seus pioneiros como propagador da
educação e da boa música, entenda-se como boa música o que a elite definia e classificava como tal.
O Rio era de fato a cidade receptora das invenções, como o telégrafo e o telefone, mas
nenhuma inovação tecnológica transformou tanto os hábitos e costumes do brasileiro nas décadas
de 30, 40 e 50 como o rádio.
A transmissão de óperas e músicas clássicas era acompanhada pela elite carioca que
creditava ao rádio a responsabilidade de educar e civilizar o país. Foi somente em 1932, no Rio de
Janeiro, que surgiu na Rádio Phillips o Programa Casé, criado pelo nordestino Ademar Casé.
Natural da cidade de Belo Jardim, Pernambuco, o até então imigrante anônimo, foi o criador do
programa radiofônico pioneiro do país.
Também para agradar o público, o programa passou a fazer contratos de exclusividade com os
artistas. Os cantores recebiam bons cachês o que resultava em mais audiência. Entre os grandes
nomes que marcaram o Programa Casé estão: Sílvio Caldas, Vicente Celestino, Mário Reis,
Orlando Silva, Francisco Alves, Heloísa Helena, Noel Rosa, Carmen Miranda, Aurora Miranda,
Marília Batista, Pixinguinha, entre outros.
O rádio-teatro e as radionovelas também começaram no Programa. Obras literárias como os
Miseráveis, de Victor Hugo e A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo foram encenadas ao
vivo no programa, que introduziu ainda inovações como a sonoplastia, recurso já utilizado no teatro
para produzir sons que representam o que ocorre ao longo da cena.
As peças teatrais e novelas interpretadas no rádio eram acompanhadas pela população que
em sua maioria não sabia ler. De acordo com dados do IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, em 1920, 75% da população brasileira era analfabeta; em 1940, 57,9% e em 1950,
53,16%. 4
Os programas de humor e a interatividade no rádio também foram iniciados no Programa.
Cabral (1990), relata que o concurso de palavras cruzadas era um dos momentos mais esperados. Os
mapas de palavras cruzadas eram publicados na Revista O Malho, além disso, 20.000 folhetos eram
distribuídos por semana no comércio para que as pessoas participassem do concurso. O locutor
fazia as perguntas e o público preenchia em casa os espaços em branco com as palavras adequadas.
Uma forma de interação inovadora para os ouvintes da época.
4
http://www.ibge.gov.br/seculoxx/arquivos_xls/palavra_chave/populacao/instrucao.shtm
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O Programa Casé foi ao ar durante quase 20 anos, de 1932 a 1951, um período marcado por
diferentes momentos políticos e históricos. Em 1930, o Brasil vive a revolução quando indignados
com a vitória de Júlio Prestes, os políticos da Aliança Liberal, liderados por Getúlio Vargas alegam
fraudes eleitorais. Militares descontentes e membros da Aliança Liberal deram o Golpe de Estado
que culminou com Vargas presidente.
Em 1934, Getúlio foi eleito pela Assembléia Constituinte presidente do Brasil. Três anos
depois ele implanta a ditadura do Estado Novo e é deposto em 1945. Em seguida, o Presidente foi o
General Eurico Gaspar Dutra, outro Governo opressor que tinha como base a política de Vargas.
O rádio também passou a ser utilizado pelo Governo como veículo de propaganda
institucional. O primeiro presidente brasileiro a perceber a potencialidade desse veículo, que podia
atingir milhões ao mesmo tempo, foi Getúlio Vargas. No auge do período popular do rádio, Vargas
realizava seus discursos emocionados. Além de utilizar o veículo como plataforma para seus
discursos, durante a ditadura do Estado Novo o presidente instituiu a censura através do DIP
(Departamento de Imprensa e Propaganda).
Vargas também soube utilizar a música popular brasileira como incentivo para o seu governo.
No dia 03 de janeiro de 1939, criou o dia nacional da música popular brasileira e promoveu um
show com Carmen Miranda e outros artistas no Rio. No período da ditadura os sambas que
exaltavam a malandragem foram proibidos e apenas as canções que enalteciam o trabalho e as
maravilhas do Brasil eram permitidas.
Com o sucesso do novo formato do programa, novas rádios no Rio de Janeiro e também em
São Paulo seguiram a proposta popular. Era comum encontrar em jornais da época e revistas,
enquetes semanais que perguntavam aos leitores, qual seria o verdadeiro papel do rádio: Promover a
educação ou o entretenimento?
Em uma enquete realizada pela Revista Fon-Fon em 1940 os leitores responderam a
seguinte pergunta: O rádio era um fator de diversão ou educação? O resultado da enquete revelou 3
votos para o rádio como fator de educação, 9 votos para diversão e 50 votos para o rádio como um
veículo voltado para educação e entretenimento, o que de certa forma pode indicar que a
programação popular, criticada pelos mais tradicionais conquistou os ouvintes.6
5
“Mensagem publicitária em forma de música.” (RABAÇA e BARBOSA, 1978, p. 266.)
6
Revista Fon-Fon, seção: PR1 Fon-fon, periódico datado: Ano XXXIV, n.3 p. 29.
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A mudança que agradava ao público em geral, não era bem vista pelas elites. Os defensores
do rádio como um veículo cultural e educacional, costumavam se referir ao criador do programa
como o “o homem que prostituiu o rádio no Brasil”. (CADENA, 2001. p.81).
O fato é que o uso da publicidade e o caráter popular do Programa criou uma nova face no
rádio brasileiro. “A introdução de mensagens comerciais transfigura imediatamente o rádio: o que
era erudito, educativo, cultural passa a transformar-se em popular, voltado ao lazer e à diversão”.
(ORTRIWANO, 1985, p.15).
Novos hábitos e costumes foram criados na capital da República. A cidade (cercada de
contradições, polifonias e ambigüidades) torna-se fecunda para a produção e circulação de sentidos
em um movimento de resignificação constante, onde os citadinos não são apenas receptores, mas
também produtores e leitores do ambiente urbano expresso em representação (PESAVENTO,
1995).
Como afirma Tinhorão (1981), os jingles faziam sucesso no Rio de Janeiro, os reclames do
Casé eram famosos e comentados por todos. “As pessoas começaram a memorizar os jingles,
incorporar aos seus vocabulários as frases em evidência e sair pelas ruas assobiando suas melodias”.
(AGE, 2005, p. 32).
A espera pelo programa não era apenas dos ouvintes, graças ao contrato de exclusividade os
artistas mais cobiçados se apresentavam apenas no Programa Casé. Os famosos cantores do rádio
tinham o compromisso de passar domingos inteiros no estúdio, esperando a hora de sua
apresentação.
Considerações finais
O ponto de partida da interpretação histórica dessa análise são os estudos sobre o cotidiano,
para tanto, o embasamento teórico aplicado está inserido no campo da História Cultural.
Compreende-se ainda a importância de considerações situadas nas áreas da mídia relativas aos
Estudos de Recepção, interagindo e propondo um diálogo interdisciplinar entre esses dois campos.
De modo interdisciplinar, os pesquisadores dos Estudos da Recepção na América Latina
assim como, os teóricos da História Cultural acreditam que o receptor também possui o poder de
ação diante dos produtos midiáticos que consomem, a exemplo do Programa Casé, o que reflete
uma oposição aos estudiosos da Escola de Frankfurt, que definem a indústria cultural como um
processo imposto que geraria relações de submissão, sem a possibilidade de reação dos receptores.
O homem comum é o herói anônimo que sempre existiu, mas que apenas em pesquisas
recentes vem obtendo destaque no universo científico. “O enfoque da cultura começa quando o
homem ordinário se torna o narrador, quando define o lugar (comum) do discurso e espaço
(anônimo) de seu desenvolvimento” (CERTEAU, 1994, p. 63).
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Nesse aspecto, é possível citar as contribuições de Chartier que define o leitor ou (leitor
ouvinte) como um agente ativo que estabelece suas interpretações pessoais e particularidades. Dessa
forma, o receptor não é considerado submisso, mas sim, um ser atuante que absorve a mensagem
com diferentes visões.
Baseado nos autores da História Cultural, que tem como principal referência o historiador
Michel de Certeau, teóricos da área da Comunicação vem realizando pesquisas voltadas para os
Estudos de Recepção. Para Mattelart (2004), a problemática da mídia é analisada na perspectiva de
que os receptores não estão alheios às mensagens.
A análise da relação entre o homem e a mídia seja ela qual for deve levar em consideração as
relações entre os sujeitos, a vida na cidade, no bairro, na família e no grupo social. A mídia não tem
um efeito de devastação sobre os receptores. Na verdade, caberiam aos ouvintes no que se refere ao
rádio, apreenderem diferentes significados e sentidos da programação.
A construção do cotidiano dos ouvintes do Programa Casé também pode representar uma
nova forma de vida social coletiva. Dessa forma, teria se instituído na época, não apenas o simples
ato de acompanhar a programação radiofônica, mas, sobretudo, a possível construção de um novo
espaço de sensibilidade e sociabilidade, envolto em novos significados, usos e representações
incorporadas pelos habitantes da cidade.
Mesmo diante das inovações tecnológicas e do desenvolvimento de novas mídias, o rádio não
perdeu seu fascínio. Ainda hoje o veículo de comunicação, que para muitos deixaria de existir
depois da chegada da televisão continua exercendo sua magia. O rádio segue provocando os
ouvidos e aguçando a imaginação dos ouvintes e estimulando todos os sentidos.
Em milhares de programas de rádio no país, que utilizam até hoje o formato e recursos do
Programa Casé, a essência de idealização, sonho e fantasia dos ouvintes continuam, depois de sete
décadas, permeadas nas diferentes sensações e formas emotivas do ouvir, apreender e absorver
presentes no cotidiano.
REFERÊNCIAS:
AGE, Alessander H. Música no alvo:um estudo da música publicitária nas décadas de 1950 e 1960.
Campinas-SP, 2005. Dissertação (Mestrado em Música) – UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Artes. Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/ ?code=vtls00039
7471>. Acessado em: 15 jul. 2008.
CABRAL, Sérgio. No Tempo de Almirante: uma história do Rádio e da M.P.B. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1990.
CADENA, Nelson Váron. 100 anos de propaganda. 3.ed. São Paulo: Referência, 2001.
CASÉ, Rafael Orazem. Programa Casé: o rádio começou aqui. Rio de Janeiro: Mauad, 1995.
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1. artes do fazer. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis:
Vozes, 1994.
CHARTIER, Roger. Cultura Popular; revisitando um conceito historiográfico. In: Estudos Histórico. Rio de
Janeiro: FGV, v.8, n.16, 1995.
MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro:
UFRJ, 1997.
MATTELART, Armand. Comunicação-mundo. História das idéias e das estratégias. Petrópolis: Vozes,
1994.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Muito além do espaço: por uma história cultural do urbano. In: Estudos
Históricos. Rio de Janeiro, v. 8, n.16, 1995. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/ arq/
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Periódicos:
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Typográfica de J Schimdt. Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/fonfon/fonfon_anos.htm> Acessado entre 03 jul. 2008
a 29 jul. 2008.