Tese - Benedito Nunes
Tese - Benedito Nunes
Tese - Benedito Nunes
1 VOLUME
BENEDITO NUNES E A MODERNA CRTICA LITERRIA
BRASILEIRA (1946-1969)
FIRST VOLUME
BENEDITO NUNES AND THE MODERN BRAZILIAN
LITERARY CRITICISM (1946-1969)
CAMPINAS SP - 2012
ii
iii
N17b
Nascimento, Maria de Ftima do, 1953Benedito Nunes e a moderna crtica literria brasileira
(1946-1969) / Maria de Ftima do Nascimento. -Campinas, SP: [s.n.], 2012.
Orientador : Suzi Frankl Sperber.
Tese (doutorado) - Universidade Estadual
Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.
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vi
1 VOLUME
BENEDITO NUNES E A MODERNA CRTICA LITERRIA
BRASILEIRA (1946-1969)
2 VOLUME
BENEDITO NUNES E A MODERNA CRTICA LITERRIA BRASILEIRA
(1946-1969)
ANEXOS/ACERVOS
CAMPINAS (SP)
FEVEREIRO-2012
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viii
DEDICATRIA
Minha Me Olvia
Ao Pablo
Giulliana
Aiyumi
ix
AGRADECIMENTOS
xi
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xiv
RESUMO
O presente estudo sobre a crtica literria de Benedito Nunes, dividido em dois
volumes, parte de variados gneros textuais (tentativa de romance, poemas,
aforismos, crnicas sobre cincia, poesia, filosofia e religio, entrevistas, crtica de
poesia e de romances), ou seja, seus primeiros textos nos seguintes peridicos de
Belm do Par: Arte Suplemento Literatura, do jornal Folha do Norte (19461951), onde ele inicia sua carreira de crtico de literatura, continuada nas revistas
Encontro (1948) e Norte (1952); sua produo em outros peridicos do Brasil,
como seus textos no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil e nos
suplementos de O Estado de So Paulo e O Estado de Minas Gerais (ensaios
com anlises de poemas, romances e filosofia); e ainda seus primeiros livros: O
mundo de Clarice Lispector (1966) e O dorso do tigre (1969), livro que o consagra
como um dos expoentes da moderna crtica literria da segunda metade do
Sculo XX no Brasil, principalmente das obras de autores que publicam da dcada
1940 em diante, a exemplo de Clarice Lispector, Guimares Rosa e Joo Cabral
de Melo Neto. A compilao de textos nos peridicos, alm de possibilitar a
identificao das principais leituras de Benedito Nunes, incorporadas concepo
de sua crtica, com leituras iniciais dos filsofos cristos, So Toms de Aquino,
Pascal e especialmente, um precursor do existencialismo, Kierkegaard, que vai
ser uma constante nas anlises do ensasta brasileiro, permite traar a trajetria
intelectual de Benedito Nunes, particularmente como crtico literrio. Este,
posteriormente, vai acrescentar em suas anlises as ideias de Sartre e Heidegger.
Com relao especificamente a Heidegger, o qual Nunes estuda durante toda a
sua vida, verifica-se a concepo ontolgica da criao artstica pela linguagem
verbal, que, para o filsofo alemo corresponde fundao do ser pela palavra.
Com respeito diviso deste estudo, o primeiro volume contm a trajetria
intelectual de Benedito Nunes, bem como as anlises do material compilado nos
peridicos e de dois livros do crtico brasileiro (O mundo de Clarice Lispector
(ensaio), de 1966 e O dorso do tigre, 1969), enquanto que o segundo volume
contm uma amostra do material compilado.
Palavras chave: Benedito Nunes, Peridicos, Modernismo, Literatura e Filosofia,
Crtica Literria.
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xvi
ABSTRACT
This dissertation, about the literary criticism of Benedito Nunes, divided in two
parts, is based on a variety of textual genres (attempts to write novels, poems,
aphorisms, chronicles on science, poetry and philosophy, interviews, criticism on
poetry and novels). In other words, this study is about Nunes first texts on some
newspapers of Belm do Par: Supplement of Art and Literature, on the
newspaper Folha do Norte (1946-1951), in which the author starts his career as a
literary critic, also writing on magazines such as Encontro (1948) and Norte (1952).
This study is also based on Benedito Nunes writings on other newspapers of
Brazil, such as the Sunday Supplement of Jornal do Brasil and on the
supplements of journals like O Estado de So Paulo and O Estado de Minas
Gerais (texts containing analysis of poems, novels and philosophy); and, still,
Nunes first books: O mundo de Clarice Lispector (1966) and O dorso do tigre
(1969). The latter causes the writer to be considered one of the exponents of
modern literary criticism in the second half of the twentieth century in Brazil, mainly
of the works of art of writers who published from the decade of 1940 on, namely,
Clarice Lispector, Guimares Rosa and Joo Cabral de Melo Neto, just to name a
few. The compilation of the texts published on journals, besides enabling the
identification of the main readings of Benedito Nunes, which were incorporated to
the conception of his criticism, considering some Christian philosophers as Saint
Thomas Aquinas, Pascal, and, particularly, a precursor of existentialism,
Kierkegaard, which will be constant in the analysis of the Brazilian author, makes it
possible to trace the intellectual path followed by Benedito Nunes, specially as a
literary critic. The writer will, lately, add the ideas of Sartre and Heidegger to his
analysis. Specifically considering Heidegger, who Nunes studies throughout his
whole life, it is possible to see the ontological conception of artistic creation by
verbal language, which, to the German philosopher, corresponds to the foundation
of the self by the word. Regarding the division of this study, the first part contains
the intellectual path Benedito Nunes followed, as well as analysis of the material
compiled from the newspapers and from the two books of this Brazilian critic. The
second part contains a sample of the material which was compiled.
Key words: Benedito Nunes, Newspapers, Modernism, Literature and Philosophy,
Literary Criticism.
xvii
xviii
SUMRIO
1 VOLUME
INTRODUO ........................................................................................................ 1
PRIMEIRA PARTE - BENEDITO NUNES: EXPERINCIAS PROSSTICAS,
POTICAS, FILOSFICAS E CRTICAS EM PERIDICOS ................................. 7
1 BENEDITO NUNES: PRIMEIROS PASSOS DO CRTICO ................................. 9
2 O MODERNISMO NO PAR: TRS GERAES ............................................ 17
2.1 Primeira Gerao - Belm Nova (1923-1929) - Primeiros Transgressores
.............................................................................................................................. 17
2.2. Segunda Gerao - Terra Imatura (1938-1942) Relevo Social da
Literatura da Amaznia ....................................................................................... 32
2.3 Terceira Gerao - O Modernismo no Par dos Anos de 1940: O Lugar de
Benedito Nunes .................................................................................................. 39
3 BENEDITO NUNES: NOVOS PASSOS ........................................................... 69
4 CONSIDERAES SOBRE A PRODUO DE BENEDITO NUNES NO
SUPLEMENTO .................................................................................................. 95
4.1 Tentativa de um Romance: Joo Silvrio - Dois Captulos: Menino
Doente e Jaqueira .......................................................................................... 95
4.2 Solitrios Poemas ....................................................................................... 102
4.3 Confisses do Solitrio: Entretecendo Filosofia .................................. 122
4.4 Primeiras Crticas de Poesia ...................................................................... 143
4.4.1 Posio e Destino da Literatura Paraense (Entrevista) ........................ 143
4.4.2 Dez Poetas Paraenses ............................................................................. 143
4.5 Primeiras Crticas de Romances ............................................................... 150
4.5.1 O cotidiano e a morte em Ivan Ilitch ...................................................... 150
4.5.2 Consideraes sobre A Peste ................................................................. 173
SEGUNDA PARTE - REVISITANDO A CRTICA DE ROMANCES, CONTOS E
POESIAS DOS LIVROS DE BENEDITO NUNES ............................................. 193
5 A VEZ DE CLARICE LISPECTOR ................................................................. 195
6 OS ENSAIOS DE UM PRIMEIRO LIVRO: O MUNDO DE CLARICE
LISPECTOR (ENSAIO) ....................................................................................... 201
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INTRODUO
Benedito Nunes (1929-2011), considerado um dos expoentes da
moderna crtica literria brasileira, tem papel fundamental para poetas,
romancistas e estudiosos do Par e do Brasil. de sua autoria um dos mais
importantes trabalhos de crtica a respeito da obra da escritora Clarice Lispector,
tendo igualmente analisado textos de Guimares Rosa, Joo Cabral de Melo Neto,
Mrio Faustino, Fernando Pessoa, entre outros.
A proposta de estudar a obra de Benedito Nunes nasce no Instituto de
Estudos da Linguagem (IEL), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),
durante a minha pesquisa de Mestrado, atravs da qual desenvolvo um estudo
sobre a produo do ficcionista paraense Benedito Monteiro, sob a orientao da
Prof. Dr. Suzi Frankl Sperber, cujo livro Caos e cosmos: leituras de Guimares
Rosa muito me inspira para a realizao da presente tese pelo fato de tal
publicao estar voltada para o estudo da Biblioteca-Esplio do escritor mineiro.
Neste momento, deparo com um rico material publicado em jornais e
revistas de Belm do Par, entre os anos de 1946 e 1952, representativo das
primeiras atuaes de Benedito Nunes como autor de textos de filosofia, de
poemas e de crtica literria. Ainda naquele perodo, o autor inicia seu primeiro e
nico romance, Joo Silvrio (1946), projeto, no entanto, no finalizado.
Diante de todo esse material, vejo a possibilidade e at a necessidade
de desenvolver uma pesquisa de recolha e anlise de textos de Nunes dispersos
em peridicos de Belm do Par de 1946 a 1957 e de outros Estados,
sistematizando a trajetria intelectual de Benedito Nunes, com vistas a entender
sua crtica literria sempre relacionada com a filosofia, especialmente a
existencialista, e com as correntes hegemnicas da produo crtica da segunda
metade do sculo XX, mais precisamente, a Gerao de 1945. Apesar da
existncia de uma grande produo da parte de Nunes, no h estudos
sistematizados sobre seus primeiros trabalhos, nem maiores estudos acadmico-
cientficos sobre sua obra em geral. Assim que surge a presente Tese de
Doutorado: Benedito Nunes e a moderna crtica literria brasileira (1946-1969).
Para desenvolver semelhante tese, consulto os seguintes arquivos:
Fundao Cultural Tancredo Neves (CENTUR), de Belm do Par, onde realizo a
compilao de todos os textos de Benedito Nunes publicados no Arte Suplemento
Literatura, do jornal Folha do Norte, entre 1946 e 1951, ao mesmo tempo em que
tambm fao a reunio de sessenta e trs entrevistas e cinquenta e quatro artigos
de poetas, ficcionistas e crticos literrios belenenses, de outros Estados
brasileiros e do exterior, publicados no referido peridico, na mesma poca, textos
estes que tratam do Modernismo no Brasil e da literatura do ps-guerra no
estrangeiro, alm de artigos sobre Heidegger, Sartre e Camus, pensadores aos
quais a crtica brasileira tem vinculado o nome de Nunes. Ainda no CENTUR, so
consultados: o Rodap de Crtica dA Provncia do Par (1956-1957) e as
revistas Encontro (1948) e Norte (1952). Na Biblioteca Nacional, so compilados
os textos de crtica literria do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil do Rio
de Janeiro (RJ). No Arquivo Edgard Leuenroth (UNICAMP/IFCH/AEL), Campinas
(SP), recolho os artigos dos Suplementos Literrios dO Estado de So Paulo
(SP) e do Estado de Minas Gerais; na Biblioteca do IEL, alm da consulta de
praxe a livros e teses, consulto os peridicos: Revista de Antropofagia (1 a 10) e
Revista do Livro, coordenada por Alexandre Eullio.
Para entender o Modernismo no Par e a insero de Nunes na
Gerao de 1945 do Modernismo no Brasil, recorro s revistas paraenses das
dcadas de 1920 e 1930, respectivamente, Belm Nova (1923-1929) e Terra
Imatura (1938-1942), bem como ao Arte Suplemento Literatura do jornal Folha
do
Norte
(1946-1951).
Tais
documentos,
localizados
reinterpretados,
produo
dos
ficcionistas
mais
tmida,
mesmo
que
poemas
metalingusticos,
manifestos,
prefcios
conferncias
faz
um
aborto
voluntrio,
ocorrncia
decisiva
para
PRIMEIRA PARTE
Se fosse possvel estabelecer uma lei de evoluo da nossa vida espiritual, poderamos
talvez dizer que toda ela se rege pela dialtica do localismo e do cosmopolitismo,
manifestada pelos modos mais diversos.
(Antonio Candido)
Por ocasio das comemoraes dos 80 anos de Benedito Nunes, em novembro 2009, a
Universidade Federal do Par (UFPA) cria o Prmio Benedito Nunes, como reconhecimento ao seu
trabalho acadmico e literrio, prmio este destinado s melhores Teses de Doutorado e
Dissertaes de Mestrado na rea de Filosofia, Letras e Artes. Ao mesmo tempo, a UFPA publica o
discurso de Nunes Quase um Plano de Aula, proferido em 1998, no momento em que ele recebe
o Prmio Professor Emrito, da mesma Instituio de Ensino Superior. Em tal discurso, o ensasta
brasileiro discorre sobre sua infncia, sua famlia, a importncia das tias maternas, dos amigos,
dos seus mestres, entre outras questes de sua vida (NUNES, 2009, p. 9-27).
2
No CD-ROM Benedictus, composto em homenagem a Benedito Nunes e lanado em 30 de
novembro de 1998, quando do recebimento do ttulo de Professor Emrito da Universidade Federal
do Par (UFPA), na gesto do Reitor Cristovam Wanderley Picano Diniz, constam, alm de vrias
entrevistas de amigos do intelectual brasileiro, duas entrevistas concedidas por ele a jornais: uma
ao jornal O Liberal, do dia 19/04/1998, e outra ao jornal A Provncia do Par, realizada por Lcio
Flvio Pinto. Em alguns momentos das entrevistas dadas aos referidos peridicos, encontram-se
dados que esclarecem detalhes da vida de Nunes e da rua onde ele morava quando criana e
adolescente: Nascia em Batista Campos. Morava na Gentil entre Serzedelo e Presidente
Pernambuco. Sabe qual o trecho? s se localizar pelo Cemitrio da Soledade e pela caixa
dgua. Os cortios que chamvamos estncias eram habitados mais por lavadeiras e
empregadas domsticas. Minha infncia foi realmente tranquila. Eu era protegido!.... Ver entrevista
publicada no jornal O Liberal, caderno Cartaz, Belm, 1998, p. 4
3
A primeira estudiosa com produo acadmica desse encarte jornalstico Jlia Maus, que em
1997 defende, orientada por Benedito Nunes, Dissertao de Mestrado intitulada A Modernidade
Literria no Estado do Par: O Suplemento Literrio da Folha do Norte, publicando-a em 2002,
sob a forma de livro com o mesmo ttulo. Nesse trabalho, a autora empreende um estudo sobre
crtica literria e poesia da gerao de 1945 paraense. A partir da produo naquele jornal de
Belm, feito pela primeira vez o levantamento de textos publicados no referido Suplemento por
crticos e poetas nacionais, locais e estrangeiros. A segunda estudiosa do Suplemento em
apreciao com trabalho acadmico Marinilce Oliveira Coelho, que defende Tese de Doutorado,
em 2003, na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), sob o ttulo de Memrias Literrias
de Belm do Par: O Grupo dos Novos (1946-1952). Trata-se de trabalho em dois volumes: no
primeiro discute o Modernismo e seus principais atores no Par a partir dos textos do mencionado
jornal e das revistas Encontro (1948) e Norte (1952), trazendo novas reflexes a respeito do
Modernismo no Par e, por conseguinte, no Brasil. O segundo volume, precioso para o
pesquisador do encarte literrio e das revistas Encontro (1948) e Norte (1952), ainda no est
publicado. Ali, Coelho faz um importante levantamento por data de publicao, com ndice geral
por assunto de quase todo o Suplemento em causa, alm de fazer pequenos verbetes sobre tudo
o que circula no peridico de 1946 a 1951. Semelhante Tese (Primeiro Volume) publicada em
livro com o ttulo de O Grupo dos Novos (1946-1952): memrias literrias de Belm do Par. Ver
os citados trabalhos das aludidas autoras.
4
Os estudos anteriores do Arte Suplemento Literatura afirmam que circulam 165 nmeros, porm
essa informao diz respeito apenas numerao constante no ltimo exemplar do referido
encarte literrio, mas na verdade circulam apenas 160 exemplares de 5 de maio de 1946 a 14 de
janeiro de 1951, considerando-se as lacunas de numerao do citado suplemento, a saber: entre
os nmeros 17 e 18 h um nmero especial do dia 25/12/1946 no numerado; no existe o nmero
20; os nmeros 31, 32, 44, 68, 128, 138, 146 esto repetidos; do nmero 33 passa-se para o
nmero 36; do nmero 52 passa-se para o nmero 54; e do nmero 150, que deve ser, na ordem
correta da numerao, 154, do dia 12/03/1950, passa-se para o nmero 160, do dia 19/11/1950. O
encarte literrio em questo, posteriormente, recebe tambm a denominao de Suplemento Artes
e Letras.
10
Mauro Mota e Geir Campos5, alm da Gerao Moderna do Par de 1946, que
nesse Estado consolida o Modernismo e qual se filia o objeto de estudo da
presente Tese, Benedito Nunes, enquanto crtico literrio, intimamente associado
ao Suplemento do jornal Folha do Norte.
Nesse peridico, o ensasta paraense publica seus primeiros textos,
iniciando sua trajetria de homem de letras, dando seus primeiros passos como
crtico, passando posteriormente a figurar em livros nacionais como um dos
expoentes nos estudos de vrios literatos da moderna arte verbal brasileira e
portuguesa, a exemplo de Clarice Lispector, Joo Guimares Rosa, Oswald de
Andrade, Joo Cabral de Melo Neto, Mrio Faustino e Fernando Pessoa,
acrescentando-se estudos seus de autores estrangeiros, como Apollinaire e
Cendras.
As primeiras informaes sobre a vida de Benedito Nunes remontam ao
Suplemento citado, na coluna Nota Biogrfica, subintitulada Os que colaboram
na Folha, do dia 11 de agosto de 1946, quando ele tem apenas 16 anos. Essa
coluna, alm de mencionar a data do nascimento do ensasta, oferece
informaes a respeito da sua educao formal, isto , de que ele faz o curso
primrio no Colgio Sagrado Corao de Jesus, de sua tia Theodora Viana, e o
ginasial no Colgio Moderno, bem como de que ele, em 1946, encontra-se na
5
Observa-se que quase todos os poetas que figuram na antologia Panorama da nova poesia
brasileira (maro de 1951), organizada por Fernando Ferreira de Loanda, publicam no jornal em
estudo. Loanda, numa pequena introduo do citado livro, afirma: Esta a primeira de uma srie
de antologias que pretendemos editar. Durante trs anos a prometemos com um prefcio de lvaro
Lins, em que estudava os novos, os que nasceram antes, com Orfeu e depois. Com o tempo,
chegamos concluso de que o prefcio pouco poderia dizer, no duvidando, porm, da boa
vontade e da capacidade do escolhido prefaciador. A poesia fala por si e nisso baseamos a nossa
deciso. Poucos sabero valorizar o esforo que representa esta coletnea. Nela, procuramos ser
o mais honestos e imparciais possvel (Sic). S quando realizarmos grande parte do que
programamos e se tiver consolidado a posio histrica da revista ORFEU e de seu grupo, que
documentos como este sero respeitados, recebendo a acolhida que merecem. Somos na
realidade um novo estado potico, e muitos so os que buscam um novo caminho fora dos limites
do modernismo. essa labareda que se agiganta que pretendemos mostrar e alimentar. Fernando
Ferreira de Loanda um dos poetas da gerao de 1945 que mais publicam no jornal aqui
estudado. A importncia de Loanda para essa gerao se faz com o seu trabalho de antologista.
ele quem se preocupa em recolher e publicar os poemas da maioria dos colegas poetas do
perodo, conforme se percebe nas publicaes por ele empreendidas. Alm da antologia j
referida, organiza as seguintes obras: Antologia da nova poesia brasileira (1965) e Antologia da
moderna poesia brasileira (1967).
11
Haroldo Maranho, que nasce em Belm (PA) em 1927, forma-se pela Faculdade de Direito do
Par, cria e coordena o Arte Suplemento Literatura, do Folha do Norte, jornal de propriedade de
seu av, Paulo Maranho. No aludido Suplemento, publica artigos, poemas, assina a coluna
Apontamentos Literrios e congrega o grupo de amigos amantes de poesia vindos da Academia
dos Novos, associao que congrega vrios jovens em torno da poesia parnasiana, a exemplo de
Max Martins, Alonso Rocha e Benedito Nunes, e ainda poetas, romancistas e crticos da primeira e
da segunda gerao do Modernismo no Par, tornando-se Haroldo Maranho uma das
personalidades mais importante para a Gerao Moderna do Par de 1946. Estreia como crtico e
poeta no Suplemento em apreciao, vindo a ser romancista e contista. Falece em 2004, deixando
as seguintes obras: A estranha xcara (1968); Chapu de trs bicos (1975); Voo de galinha (1978);
As peles frias (1982), livros de contos; O tetraneto del-rei (1982); Os anes (1983), A porta mgica
(1983); Cabelos no corao (1990); Memorial do fim: a morte de Machado de Assis, entre outros
romances. Ver 2 Volume desta Tese, Anexos, item 8.3.
7
Em 20 de junho de 1926, nasce, em Belm (PA), Max Martins. Companheiro de Benedito Nunes
desde a infncia, tambm colabora no encarte aqui estudado, no qual so estampados alguns de
seus poemas, posteriormente publicados em livro. O poeta falece em fevereiro de 2009, deixando
vrios livros, tais como: O estranho (1952); Anti-retrato (1960); O risco subscrito (1980); Caminhos
de Marahu (1983); No para consolar Poesia completa (1992).
8
Jurandyr Bezerra tambm de Belm (PA), onde nasce em 13 de maro de 1928. Publica vrios
poemas no Suplemento aqui estudado, recebe prmios nacionais, tais como: 3 lugar pelo poema
Pastorela quase cantiga, em 1958, da revista Leitura; 2 lugar no 1 Concurso Nacional de Poesia
de Uberlndia (MG), pelo poema Criao do mito; e o Prmio Nacional Guararapes pelo livro
indito Os limites do pssaro, promovido pela UBE do Rio de Janeiro e Prefeitura de Jaboato de
Pernambuco. A partir dos anos 1960, fixa residncia no Rio de Janeiro.
9
Alonso Rocha afirma que ele, juntamente com seu primo Max Martins, Jurandyr Bezerra e
Antonio Cumaru, quem funda a Academia dos Novos. Posteriormente, Benedito Nunes e Haroldo
Maranho, entre outros, nela ingressam. Tambm afirma Alonso que, com o apoio das tias de
Nunes, as sesses passam a acontecer na casa deste. No entanto, Nunes informa que Max
Martins, Alonso Rocha, Jurandyr Bezerra e Antonio Cumaru j formavam uma Associao de
Novos, que a Academia ampliou e solenizou (O amigo Chico, fazedor de poetas, 2001, p, 16-17).
As referncias sobre essa Academia constam tambm do Suplemento em apreciao, de
24/12/1950, em que Alonso Rocha afirma ser ele o fundador dessa Academia numa autodefinio:
Alonso Pinheiro Rocha, 26 anos, casado, tem um filho, Srgio Alonso. Catlico Apostlico
Romano. Ciro dos Anjos e Jos Lins do Rego, entre os romancistas brasileiros. Beethoven, Chopin
e Debussy so seus compositores preferidos. Bancrio, graas a Deus. Manuel Bandeira, entre os
mais velhos e Ruy Guilherme Barata, Paulo Plnio Abreu e Ledo Ivo, entre os mais novos.
Fernando Pessoa, bom amigo e camarada. No tem livro publicado. Sendo casado, no pretende
opinar sobre os brotinhos e as balzaquianas. contra as Academias apesar de ter fundado uma
delas Gostaria de ver no Par uma revista de cultura. Gosta de futebol e f de cinema francs.
No frequenta rodas literrias por pura preguia (Grifos da autora da Tese). Ver 2 Volume desta
Tese, Anexos, item 8.3. Alguns membros do grupo da Academia dos Novos, que, a partir de 1946,
escrevem no Suplemento em causa, como representantes e adeptos do pensamento modernista,
frequentam o Caf Central, importante espao de discusso dos literatos do Par, entre eles:
Francisco Paulo Mendes, Haroldo Maranho, Max Martins e Benedito Nunes. O Caf Central
funcionava nas dependncias do Hotel Central, onde Clarice Lispector, na poca em que fixa
12
chamada Academia dos Novos, dentro dos moldes da Casa de Machado de Assis.
Semelhante referncia Academia dos Novos consta tambm da nota de agosto
de 1946 do peridico em foco: (Benedito Nunes) Escreve desde ano passado na
Folha do Norte, tendo anteriormente, 1941 e 1942, colaborado no jornal
estudantino O Colegial10. membro efetivo da Academia dos Novos.
Naquela agremiao, seus integrantes, depois que se renem em
praas de Belm, tomam como sede a casa das tias de Benedito Nunes. O grupo
de amigos e colegas interessados na leitura e produo de poemas rene-se para
ler e recitar composies de autores romnticos e parnasianos, a exemplo de
Castro Alves e Olavo Bilac, e versos metrificados e rimados produzidos pelo
grupo, atravs do que seus membros se exercitam na escrita e declamao de
poemas, adotando como modelo os adeptos da arte pela arte, ao seguir os
postulados do Tratado de versificao (1905), de Guimares Passos.
Do contexto em evidncia, o ensasta belenense, em 2005, recorda-se
com estas palavras:
residncia em Belm, de janeiro a julho de 1944, se hospeda, sendo l que conhece o Professor
Francisco Paulo Mendes, de quem se torna amiga. Ver GOTLIB, Ndia Batella. Clarice: uma vida
que se conta. So Paulo, Editora da Universidade de So Paulo, 2009, p. 202 e 205.
10
No encontrado o jornal estudantino O Colegial, no qual Nunes afirma ter escrito poemas
parnasianos.
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Jos Sampaio de Campos Ribeiro (conhecido como De Campos Ribeiro) nasce em 1901, na
cidade de Belm do Par, e falece em 1980. Participa ativamente da primeira gerao moderna do
Par, deixando livros de poesia, crnicas e ensaios. Principais obras: Poesia: Aleluia (1930), Horas
da tarde, Brases de Portugal (1940); Crnica: Gostosa Belm de outrora (1966); Ensaio: Graa
Aranha e o modernismo no Par (1969).
14
Francisco Xavier de Oliveira Galvo nasce em Manicor, no Estado do Amazonas, em 1 de
janeiro de 1906. Forma-se em Direito no Rio de Janeiro, onde falece em 26 de agosto de 1956.
jornalista em Manaus, deputado estadual pelo Amazonas por duas legislaturas. Colabora em vrios
rgos de imprensa do Rio de Janeiro, como o Jornal do Comrcio, O Radical, O Pas e A Nao.
Escreve um dos manifestos mais importantes do modernismo no Par: O Manifesto da Beleza.
Tambm autor de poemas, crnicas e romances, a saber, poesia: Vitria rgia (1922), poemas
parnasianos; crnicas: Cidade dos loucos (1925); romances: Terra de ningum (1934), e Trpico
(1938). Na Belm Nova, consta que ele um colaborador da revista no Rio de Janeiro. O livro
Terra de ningum reeditado em Manaus em 2002, pela Editora Valer e o Governo do Estado do
Amazonas. Ver 2 Volume desta Tese, Anexos, item 14.1.
15
Abguar Bastos tambm nasce em Belm, em 22 de novembro de 1902. Figura exponencial como
divulgador do Modernismo no Par, escreve dois manifestos na revista Belm Nova, em 1923 e em
1927. Homem de imprensa, de combate, escritor e poltico. Na Regio Amaznica, exerce os
cargos de Promotor Pblico no Amazonas, Secretrio da Junta Governativa Militar, em 1930, no
Par, bem como de deputado federal do Par em 1934 e, posteriormente, em 1955, de So Paulo,
onde fixa residncia em 1937. Falece em So Paulo, em 26 de maro de 1995. Suas principais
obras so: Amaznia que ningum sabe (1931), depois publicada com o ttulo Terra de Icamiaba
(1934), Certos caminhos do mundo (1936) e Safra (1937). Ver 2 Volume desta Tese, Anexos,
itens 14.2 e 14.3.
16
Eneida de Vilas Boas Costa nasce, em 1905, na cidade de Belm (PA). Em 1920, secretria da
revista belenense A Semana (1918-1940). Depois de casada, assume o sobrenome do marido,
passando ento a ser conhecida como Eneida de Moraes, uma das colaboradoras da revista
Belm Nova, como correspondente no Rio de Janeiro. Conforme Eunice Santos (2009, p. 106), em
1927, Eneida adere ao manifesto FLAMI-N-ASS, de Abguar Bastos, publica vrios poemas na
18
referida revista, falecendo, em 27 de abril de 1971, no Rio de Janeiro. Desse perodo, publica o
livro de poemas em prosa Terra verde (1929). Ainda a respeito de Eneida de Moraes, recomendase a leitura do livro Eneida: memria e militncia poltica, de Eunice Ferreira dos Santos, uma das
pesquisadoras de Eneida.
17
Eustchio de Azevedo nasce em Belm (PA) em 20 de setembro de 1867. Aps a morte do pai
em 1875, por dificuldades financeiras, deixa os estudos e passa a trabalhar em vrios empregos:
como escrevente no Arsenal de Guerra do Par, escriturrio da empresa de navegao martima
Loide Brasileiro e no Banco do Norte. Inicia-se na literatura como poeta parnasiano. um dos
intelectuais mais importantes do Sculo XIX e das primeiras dcadas do Sculo XX em Belm,
onde em 1885 comea a publicar seus primeiros poemas no caderno A Pedidos do jornal A
Provncia do Par. A partir da, passa a colaborar em vrios peridicos, a exemplo de O
Cosmopolita em 1887. Faz parte do grupo de jovens intelectuais paraenses que, em 1888, institui o
Grmio Literrio Silvio Romero, liderado por Olmpio Lima, que edita tambm a revista semanal
Sylvio Romero, oposta revista A Arena, peridico liderado por Paulinho de Brito e pelo
romancista Joo Marques de Carvalho. Eustchio de Azevedo, na poca, adota o pseudnimo de
Jacques Rolla. O poeta paraense funda, juntamente com outros literatos jovens no Par, a
associao Mina Literria (1895), da qual ele passa a ser o 1 Secretrio. Trata-se de uma
agremiao importante no fomento de publicao de livros de literatos paraenses a ela associados.
A partir de 1896, passa a ser o redator-revisor do novo dirio Folha do Norte, circulando o seu 1
nmero em Belm no dia 1 de janeiro do referido ano. nesse peridico que vai publicar da em
diante seus poemas, contos, novelas e crnicas, posteriormente publicados em livro. Falece em 5
de outubro de 1943, deixando os seguintes livros de poemas: Orchideas (1894); Nevoeiros (1895);
Brasil (1900); Musa ecltica (1909) e Duas musas (1928); A viva (1896) (novela); Dedos de
prosa (1908) (contos, novelas e crnicas); A irm de capa e espada (1917) (contos); Livro de
Nugas (1924) (crnicas); peas de teatro: O eterno tema (drama representado no Teatro Unio em
1902 ) e A irm Celeste (1916); Anthologia amaznica (poetas paraenses) (1904); Vindimas
(1913), (artigos, contos e crnicas; Belas artes (1919) (palestras literrias); Literatura paraense
(1922) (primeira obra que trata da histria da literatura paraense). Ver SALLES, Vicente.
Cronologia. In. AZEVEDO, Eustachio. Literatura paraense. 3 Edio, Belm: Fundao Cultural
do Par Tancredo Neves; Secretaria de Estado da Cultura, 1990 (Coleo Lendo o Par 7). O
poeta Eustachio de Azevedo, que tambm contista, tradutor, crtico, teatrlogo, em Literatura
paraense (1922), para mostrar a importncia de uma histria literria do Par que possibilite a
visibilidade da produo feita nesse Estado, como o livro dele, faz severas criticas a Jos
Verssimo (1857-1916), por este, segundo Eustachio, ter sido injusto com os literatos paraenses,
excluindo-os de sua Histria da literatura brasileira. Alm de crticas sobre questes pontuais do
livro de Verssimo, Eustchio, ressentido, afirma: O prprio Sr. Jos Verssimo, saudoso escritor
brasileiro e paraense erudito, na sua Histria da literatura brasileira, de ns no cuidou, nem de
leve, ao menos... Essas informaes demonstram que no Par houve, continuadamente, a partir
do Sculo XVIII, com Tenreiro Aranha (1769-1811), considerado o primeiro poeta do Par,
debates calorosos em torno da literatura, que de forma tensa tem criado mitos e srias brigas entre
os literatos nos peridicos e livros. Algo que chama ateno nessas produes que seus
autores esto sempre em grupos, ligados a um nome, que o do diretor de uma revista ou o do
fundador de uma associao. Quando cessam essas associaes, mesmo havendo literatos com
produo individual, os estudiosos da literatura local apontam o momento como sendo de
escassez de produo. Talvez por esse olhar voltado para os grupos, que nem sempre produzem
19
grandes obras, os estudiosos da literatura local deixam de perceber os autores meio que
independentes, a exemplo de um Dalcdio Jurandir, que vai residir no Rio de Janeiro (RJ) e produz
uma grande obra, que s comea a ser estudado, no Par, muitos anos depois. Na poca em que
Eustachio publica a 2 edio ampliada de seu livro Literatura paraense, ele ainda no tem lido o
livro Chove nos campos de Cachoeira, de Dalcdio Jurandir. Ento, estampa o poema Yay, com o
qual, segundo Eustchio, Dalcdio inicia sua colaborao na revista A Semana (1918-1940), outro
peridico de Belm. Eustchio um poeta parnasiano, que embora no ignore os jovens poetas
modernistas da revista Belm Nova, no deixa de fazer crticas produo deles, particularmente
poesia moderna de Abguar Bastos acusando-a de obscurantismo, de falta de significado.
18
Raul Bopp nasce em Vila do Pinhal, municpio de Santa Maria, Rio Grande do Sul, em 4 de
agosto de 1898, e falece no Rio de Janeiro (RJ) em 2 de junho de 1984. Segundo Jos Ildone
(1990, p. 257), Bopp faz o quarto ano de Direito em Belm do Par, cidade onde mora e conhece
in loco uma parte da Amaznia brasileira. Na revista Belm Nova, n. 34, de 1925, ele publica o
poema Selva mater. Ainda em 1925, na edio de n. 35, h uma correspondncia sua ao amigo
Trindade, informando que vai publicar um livro com motivos amaznicos, livro este que deve ser
Cobra Norato, de 1931.
19
Os mentores da Semana de Arte Moderna de 1922 j se encontram divulgando a nova esttica
desde 1921, conforme estudos de Mrio da Silva Brito (1947, p. 211).
20
provncia brasileira, no obstante tanto Mrio da Silva Brito 20 (1986, p. 31) quanto
Lcia Helena (1996, p. 51) atriburem esse pioneirismo publicao mineira A
Revista, de 1925.
Diferentemente da revista Klaxon, que publica apenas literatura
moderna em suas pginas, a revista Belm Nova (1923-1929), alm de publicar os
manifestos, crnicas, contos, ensaios, reportagens e poemas dos modernistas
paraenses, publica tambm textos dos poetas parnasianos.
A revista Belm Nova e o Manifesto da Beleza so peas
fundamentais para se compreender o avano do Modernismo brasileiro nas
provncias. O citado manifesto anterior tanto A carta de Inojosa21 (Recife) aos
intelectuais de Joo Pessoa, manifesto de 5 de julho de 1924, quanto s
publicaes das seguintes revistas de Minas Gerais, dadas estampa na Belo
Horizonte de 1925: A Revista, tendo como um dos principais representantes
Carlos Drummond de Andrade22, e Verde (1927), de Cataguases, que tem como
colaboradores Enrique de Resende, Rosrio Fusco, entre outros.
20
Mrio da Silva Brito publica o poema Atitude para o morto no jornal aqui estudado, em 8 de
junho de 1947, p. 6.
21
Joaquim Inojosa um dos colaboradores da revista Belm Nova. Conhece, em 1921, Bruno de
Menezes, com quem mantm correspondncia. Em seu livro O movimento modernista em
Pernambuco, publica no primeiro volume uma foto do poeta paraense (pgina no numerada) e
cita a revista Belm Nova e Bruno de Menezes, mas, em nenhum momento, diz que essa revista
publica os manifestos modernistas paraenses e que Bruno de Menezes e Abguar Bastos aderem
ao Modernismo em 1923, nem que os acontecimentos no Par so anteriores aos de Recife Pernambuco. No volume dois do referido livro, publica trs cartas, duas enviadas a Bruno de
Menezes, de 1/10/1924 e 28/11/1925 respectivamente, e uma recebida do poeta paraense. Nas
suas duas cartas, Inojosa faz novamente referncia (duas vezes) revista Belm Nova, mas no
diz nada sobre os manifestos. Outro detalhe dessa correspondncia o seguinte: a primeira carta
de Joaquim Inojosa a Bruno de Menezes traz uma nota de rodap em que ele afirma ser a
resposta carta de Bruno de Menezes que est publicada em cartas inditas, ao final do mesmo
livro, do dia 22/05/1924. No entanto, Bruno de Menezes, quela altura, j est convertido ao
Modernismo, inclusive, j tem dado a lume o livro de poemas Bailado lunar (1924), cujos versos,
embora sejam quase sempre rimados, apresentam poemas com aspectos modernos, a exemplo de
Chapeleirinhas. muito estranho que Joaquim Inojosa tenha ficado em silncio com relao a
todo o movimento literrio de 1923 ocorrido em Belm do Par. Ver a foto de Bruno de Menezes
aos 21 anos, as referncias revista Belm Nova e as correspondncias entre Inojosa e Bruno de
Menezes em INOJOSA, Joaquim. O movimento modernista em Pernambuco. Rio Guanabara:
Grfica Tupy LTDA, 1968, v. 1, p. 83, 105, 106; v. 2. p. 327-330 e 418-420.
22
Poeta importante na consolidao do Modernismo no Par, pois, alm de publicar vrias de suas
composies no encarte aqui estudado, publica artigos analisando obras em versos e crnicas, nas
quais ironiza os poetas que no tm conscincia do seu fazer literrio.
21
referncias
aos
pressupostos
modernistas
aos
principais
22
23
FLAMI-N-ASS uma espcie de neologismo criado por Abguar Bastos, uma vez que a palavra
flami..., de acordo com Caldas Aulete (1948, p. 1280) elemento que entra em composio de
vrias palavras com o sentido de flama, chama // F. lat. Flamma. J o termo Au, conforme
Houaiss (2001, 71), um elemento de composio pospositivo de etimologia tupi, significando
grande. Ento, Bastos se vale da liberdade de poeta e junta as duas palavras, muda a grafia,
colocando dois S, um N entre os dois termos Flami e ASS, hfen e apstrofe para, em seu
manifesto, criticar o Manifesto Pau Brasil, de Oswald de Andrade, porque, segundo Bastos, essa
expresso Pau Brasil ainda no o prprio volume da nacionalidade, afirmando ser necessrio
um nome genuinamente brasileiro: Da a minha ideia com um ttulo incisivo: FLAMI-N-ASS. a
grande chama, indo-latina, daquilo em que eu penso poderem apoiar-se as geraes presentes e
porvindouras. Ver 2 Volume desta Tese, Anexos, item 14.3. Abguar Bastos parece se equivocar
j que seu neologismo no genuinamente brasileiro.
24
Joo Franklin da Silveira Tvora nasce em Baturit, no Cear, em 13 de janeiro de 1842. Faz o
curso de Direito em Recife, onde se forma em 1863. Ingressa na carreira poltica. deputado
provincial, ocupando cargos importantes na administrao pernambucana. Conhece, em 1873, o
Par, onde exerce o cargo de secretrio de governo. Viaja pelo rio Amazonas, o que o inspira a
escrever a maior parte do prefcio do romance O cabeleira (1876). Em 1874, fixa residncia no Rio
de Janeiro, onde falece em 18 de agosto de 1888. Deixa vrias obras: A trindade maldita (1861),
Um mistrio de famlia (1861), Os ndios de Jaguaribe (1862), A casa de palha (1866), Um
casamento no arrabalde (1869), Trs lgrimas (1870), Cartas de Simprnio a Cincinato (1870), O
cabeleira (1876), O matuto (1878), Sacrifcio (1879), Loureno (1881) e Lendas e tradies
populares do Norte (1878). Slvio Romero, amigo de Tvora, conta que o romancista de O
cabeleira escreve tambm dois livros de histria: Histria da Revoluo de 1817 e Histria da
Revoluo de 1824, no entanto, num momento de crise, pelas dificuldades financeiras pelas quais
passa e o desgosto pelo abandono de amigos que ajuda, ps fogo nos dois livros, ficando apenas
fragmentos que so publicados na Revista Brasileira e na Revista do Instituto Histrico (ROMERO,
1954, p. 1601-1604).
24
Em 1876, poca em que Franklin Tvora escreve esse Prefcio, e em 1923, ano em que
Abguar Bastos publica o manifesto gerao que surge, o Brasil no dividido pelos seus
aspectos naturais. Somente em 1969, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) o
divide em cinco regies, a saber: Regio Centro-Oeste, Regio Nordeste, Regio Norte, Regio
Sudeste e Regio Sul. Portanto, at ento, o Nordeste brasileiro conhecido como Norte. Veja-se,
a propsito, uma observao de Jos Aderaldo Castello (1999, p. 245): Com a obra e as posies
assumidas por Franklin Tvora, voltadas para o Nordeste do Brasil, acentuam-se ento as
preocupaes com a representao das diversidades regionais brasileiras definidas por Bernardo
Guimares, mas inspiradas e finalmente sistematizadas por Jos de Alencar. Parece que por esse
motivo, todos os crticos literrios do sculo XIX e XX observam, apenas, o Nordeste, regio do
romancista de O cabeleira, no percebendo outras informaes do prefcio que, em sua maioria,
especula sobre a representao da Amaznia brasileira.
25
26
27
OUVI
Assunto-vos agora o meu propsito de uma corrente de
pensamento, cara a cara que se inicia no Sul com esta pele
genuna: Pau-Brasil.
Ouo, rascantes, os agudos de serroto das gargalhadas
puristas. E oponho-lhes, seguro, esta verdade: nem um dos
garimpeiros desse bando, correu briga, sem ter uma
bagagem de vulto onde toda a gente meteu a mo e trouxe
pepitas faiscantes. Eles correram, escoteiros, todas as
escolas, acordando, maravilhosos, o ritmo do universo, com
a mais intuitiva segurana. E venceram. E glorificaram-se E
entenderam, por fim, que nem uma delas era verdadeira para
o esprito nacional.
Houve balbrdia, como em chinfrim de tosca, -toa,
mirabolante at, num grande revoar de papagaios
arrepiados, papagaios teratolgicos, porque tinham dentes
de ouro no bico e poleiros de jacarand.
Apesar disso, noto, inflexvel, que o repiquete pau-brasil
ainda no o prprio volume da nacionalidade (2 Volume
desta Tese, Anexos, item 14.3).
mais
sincera
porque
exclui,
completamente, qualquer vestgio transocenico; porque
textualiza a ndole nacional; prev as suas transformaes
Ingls de Sousa, em que D. Ana, me de Miguel, personagem principal do citado romance, dorme
numa maqueira, na varanda da casa (1990, p. 87). No Manifesto aos Intelectuais Paraenses, de
Abguar Bastos, a palavra maqueira tambm significa rede de dormir, mas uma rede especial de
ouro, que congrega intelectuais com o mesmo propsito de Bastos, ou seja, o sonho
extraordinrio de liberdade literria.
28
29
Grifos da autora desta Tese. Abguar Bastos demonstra em seu manifesto a necessidade de
trocar as palavras usadas nacionalmente por outras francamente de cunho regional, especialmente
aquelas usadas pelos povos da Amaznia.
29
FLAMI-N-ASS
marchar,
selvas
dentro,
montanhas
acima,
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32
31
Clo Bernardo de Macambira Braga nasce em Belm (PA) no dia 11 de fevereiro de 1918. Fica
rfo de pai e vai morar com a av materna em Santarm (PA). Aos doze anos, retorna a Belm a
fim de continuar seus estudos. Depois, vai para o Rio de Janeiro, onde comea o secundrio no
Colgio Pedro II, mas outra vez volta a Belm. Ali conclui o Curso de Humanidades, no Colgio
Marista Nossa Senhora de Nazar. Faz o curso de Direito na Faculdade de Direito do Par,
formando-se em 1943, na turma do poeta Ruy Guilherme Barata. Entre 1938 e 1940, funda e dirige
a revista Terra Imatura com amigos, lanando novos poetas, prosadores e outros literatos, de um
modo geral, do Par, a exemplo de: Mrio Couto, Ribamar Moura, Daniel Coelho de Sousa,
Raimundo de Sousa Moura, Rui Coutinho, Garibalde Brasil, Nunes Pereira e Carlos Eduardo da
Rocha. Desses autores, poucos tm suas obras conhecidas posteriormente no meio acadmico do
Par, inclusive, o prprio Clo Bernardo, que tem seu nome ligado, apenas, revista Terra
Imatura. Contudo, ele tambm estampa vrios poemas nessa revista. No Suplemento aqui
estudado, em 1946, publica um artigo sobre o livro de Dalcdio Jurandir Chove nos campos de
cachoeira. Esprito combativo, integra-se como voluntrio Fora Expedicionria Brasileira, indo
lutar contra o nazi facismo, durante a Segunda Guerra Mundial, na Itlia. Retorna a Belm, onde
tambm vai lutar contra a poltica totalitria do governo do General Joaquim Magalhes Cardoso
Barata, quando participa da Coligao Democrtica Paraense. No ano de 1950, eleito deputado
estadual. Em 1951, Clo Bernardo organiza, em Belm, um protesto chamado de Marcha da
Fome, contra a situao de pobreza, sem soluo, das camadas menos favorecidas, no governo
do General Alexandre Zacarias de Assuno. Esse protesto brutalmente esmagado pela polcia
do Estado. Naquele mesmo ano de 1951, sai do partido Coligao Democrtica Paraense e funda,
juntamente com trabalhadores, estudantes e intelectuais do Par, o Partido Socialista Brasileiro
(PSB), do qual assume a presidncia e permanece nele at sua extino pela ditadura militar em
1964, momento em que preso e processado como subversivo. Posteriormente, solto, mas
proibida sua atuao poltica pelos governos militares. Ento, passa a colaborar com artigos no
jornal O Liberal, de Belm. Falece em 7 de setembro de 1984, sem ver a democracia no Brasil.
Aps sua morte, em 1985, editado, por Altino Pinheiro, o livro em trs volumes A p com a
liberdade, trazendo uma Notcia biogrfica de Francisco Paulo Mendes e Prefcio de Cecil
32
33
34
Manuel Bandeira, em seu livro Apresentao da poesia brasileira, seguida de uma antologia de
versos, da Edies de Ouro, insere o nome de Ruy Barata na gerao de 1945 (p. 178). No
entanto no apresenta nenhuma composio do poeta, como o faz com vrios autores dessa
gerao. Observa-se que, na segunda edio ampliada dessa obra pela Livraria-Editora da Casa
do Estudante do Brasil no consta o nome do poeta paraense. J a edio da mesma obra editada
pela Cosac Naify, em 2009 (p. 212) consta o nome de Rui Barata. Talvez a edio da Cosac Naify
esteja cotejada com a 1 edio.
35
36
39
O Suplemento Arte Literatura veicula, de 1946 a 1950, em termos de cultura geral (literatura,
artes plsticas, msica, cinema, filosofia, entre outros temas), sessenta e trs entrevistas de
autores do Centro-Sul do Brasil, do Exterior e dos escritores do Par. Dessas entrevistas, dezoito
so feitas com alguns dos literatos paraenses ou que residem em Belm do Par, sendo elas
37
publicadas de 1947 a 1948. A primeira dessas entrevistas de Ruy Barata (20/07/1947), dada em
Fortaleza, mas republicada em Belm. As outras dezessete entrevistas so enfeixadas na coluna
Posio e Destino da Literatura Paraense, na qual, a cada dia, so geralmente entrevistados dois
intelectuais de geraes diferentes, a saber: Clo Bernardo e Remgio Fernandez (05/10/1947);
Cecil Meira e Georgenor Franco (12/10/1947); Levy Hall de Moura e Sultana Levy (26/10/1947);
Bruno de Menezes e Romeu Mariz (02/11/1947); Stlio Maroja e Edgar Proena (16/11/1947);
Otvio Mendona e Raimundo de Sousa Moura (23/11/1947); Max Martins e Geraldo Palmeira
(07/12/1947); Paulo Plnio Abreu e Ruy Coutinho (14/12/1947); Benedito Nunes (1/01/1948). A
ltima entrevista da srie feita somente com Benedito Nunes. Ver as entrevistas no 2 Volume
desta Tese, Anexos, itens 11.17 a 11.25.
38
39
maioria deles, depois que o jornal sai de circulao, continua suas vidas como
poetas, romancistas, contistas, crticos e Professores de literatura, como ocorre
com Benedito Nunes.
Assim, Nunes inicia uma nova fase de vida literria como poeta
modernista40, fase relevante para esta Tese pela materialidade das produes do
intelectual paraense, que comea a publicar seus poemas e outros textos no
Suplemento em questo, a partir do ano de 1946, num momento em que vrios
crticos do Centro-Sul j esto avaliando o Modernismo no Brasil41 e outros j se
encontram emitindo juzo de valor a respeito dos novos poetas que so chamados
depois de Gerao de 1945. Esse fato reconhecido, anos depois, por Nunes,
como negativo para sua formao:
Benedito Nunes, em entrevista, posteriormente afirma: A minha entrada no modernismo foi pra
valer (NOBRE; REGO, 2000, p. 73). Ainda, em entrevista para esta pesquisadora, em 2008,
Nunes declara: Esse jornal foi singular para mim. Enfim, para todos ns: eu, Haroldo Maranho,
Max Martins no ramos modernistas. S depois de 1945, mudamos. Mudamos mesmo. Mudamos
completamente depois de 1945. ramos rfos. Nessa poca, j tinha ocorrido um movimento
modernista aqui em Belm com a revista Belm Nova, mas ns no sabamos. Ficamos sabendo
sobre o Modernismo pelo Francisco Paulo Mendes. Ver 2 Volume desta Tese, Anexos, item 10.1.
41
lvaro Lins num texto de 19 outubro de 1947, no qual faz uma avaliao do Modernismo no
Brasil, assim se pronuncia: Numa entrevista literria, em que se manifestava um poeta de vinte e
poucos anos, excepcionalmente bem dotado, li mais uma vez a opinio, por muitos preferida, de
que a gerao do movimento modernista apenas descobrira o pitoresco do Brasil e no
propriamente o Brasil. Parece-me que a se encontra uma condenao injusta. certo que, em
rigor, os modernistas no descobriram o Brasil, mas a verdade que se empenharam em ver e
sentir a vida brasileira, descobrindo-lhe faces ignoradas ou pouco conhecidas do passado e do
presente, reagindo contra a excessiva influncia europeia, principalmente a da tradio portuguesa
e a das incessantes correntes francesas, na busca de temas regionais e na procura de uma forma
de expresso tanto quanto possvel nacionalizada. Vistas hoje, quantas dessas obras quase
todas nos parecem postias nos seus excessos, superficiais, pretensiosas, ingnuas,
simplesmente pitorescas! Vistas no seu tempo, porm, e levando em conta os padres literrios
dominantes, contra os quais tinham de lutar os autores modernos, como se nos afiguram ricas de
vivacidade nos seus transbordamentos, originais, oportunas, intensamente viva na sua fisionomia
brasileira! O tempo, contudo, implacvel em matria artstica, no considerando circunstncias
acidentais e sim, apenas, os valores intrnsecos e permanentes das obras de arte. Isso explica que
hoje tantas produes da gerao modernista de 1922, em verso como em prosa, estejam fora do
nosso gosto e excludas do nosso interesse, amarelecidas, caducas, ultrapassadas, material mais
de histria literria do que da literatura, como acontece, alis com todas as escolas e movimentos
artsticos. Ver 2 Volume desta Tese, Anexos, item 12.8a.
40
Manifesto
aos
Intelectuais
Paraenses
(FLAMI-N-ASS)
42
41
caso
de
Roger
Bastide44
Paul
Arbousse-Bastide45,
que
42
Suplemento sai de circulao, ele continua publicando no jornal A Provncia do Par. Ver 2
Volume desta Tese, Anexos, itens 12.34a e 12.34b.
43
Abreu, Rui Coutinho, Raymundo de Sousa Moura, Clo Bernardo e Sylvio Braga,
bem como o Professor Francisco Paulo Mendes50, que, embora no tenha sido
47
Manuel Bandeira escreve uma carta de agradecimento a Haroldo Maranho pela publicao
desse poema e de sua foto no jornal em causa, pela passagem dos sessenta anos do bardo
pernambucano. Ver a carta de Manuel Bandeira no 2 Volume, Anexos desta Tese, Item 12.
48
Todos os textos de Benedito Nunes, publicados no Suplemento em estudo, so coligidos,
digitados sob a nova ortografia brasileira e publicados no 2 Volume desta Tese, Anexos. As
citaes da primeira parte desta Tese, referentes aos textos do crtico paraense coligidos dos
peridicos, so extradas do 2 Volume da presente Tese, Anexos, itens 5 a 7 e 9.
49
Ver tabela com a quantidade de textos no 2 Volume desta Tese, Anexos, Item 2.
50
Benedito Nunes o relembra em Meu amigo Chico: fazedor de poetas, livro que ele organiza aps
a morte de Francisco Paulo do Nascimento Mendes. Nunes, quando tem 12 anos, conhece esse
professor, que lhe empresta o livro Os mitos gregos, de Gustav Schwab. Depois o reencontra no
Caf Central, aonde levado por outro amigo: Haroldo Maranho, que o apresenta aos poetas e
crticos mais importantes, naquele momento, em Belm do Par (NUNES, 2001, p. 15-16). Para
esses amigos, anos mais tarde, Benedito Nunes faz introdues e prefcios de livros, como ocorre
com publicaes de Mrio Faustino, Max Martins, Ruy Barata e Haroldo Maranho.
44
seu mestre em sala de aula, considerado como uma figura presente em sua
formao literria. Em 2000, Nunes, ao ser perguntado se ele v uma linha de
continuidade entre a gerao de Jos Verssimo e a sua, responde:
45
Sobre Mrio Faustino, recomenda-se a leitura do livro Mrio Faustino: uma biografia, publicado
em Belm pelos editores Secult; IAP; APL, da poeta e uma das estudiosas de Mrio Faustino, Lilia
Silvestre Chaves.
46
52
47
Esse literato, que da Academia Paraense de Letras, no acredita que do grupo dos
Novssimos possam sair bons autores alm de trs, conforme suas palavras: Direi, no entanto,
que h, na atualidade, dois ou trs elementos, dos novssimos, alando voos promissores, belos
voos, podendo apontar-se, entre eles, Haroldo Maranho, Georgenor Franco e Mrio Faustino,
parecendo-me que desse filo ureo no viro outras gemas de prol, pois que no cascalho das
escavaes s vejo escrias. Enfim, tempo ao tempo. (Apud Augusto, Anexos, Item 11). Essa
opinio do acadmico faz com que Max Martins o critique contundentemente.
54
O Grupo dos Novssimos so os poetas que iniciam suas carreiras na agremiao Academia
dos Novos, bem como outros poetas que iniciam suas carreiras no Suplemento em estudo, como
Cauby Cruz e Mrio Faustino. Observa-se que, do grupo dos Novssimos, somente Benedito
Nunes e Haroldo Maranho escrevem desde o primeiro dia de circulao at o trmino do referido
peridico. J os outros componentes do grupo vo aos poucos se inserindo como colaboradores
do jornal, conforme poetas e poemas por ordem de publicao: Jurandir Bezerra - Um soneto (30/06/1946); Cauby Cruz Hino (10/11/1946); Max Martins Nesta noite eu sou Deus
(23/02/1947); Alonso Rocha ltima elegia - (10/08/1947); Mrio Faustino 1 Motivo da rosa (25/04/1948). Na organizao dos poemas dos Dez poetas paraenses, por Ruy Barata, no
consta o nome de Jurandir Bezerra, que publica bastante no jornal, constando, no entanto, dois
outros nomes: Floriano Jaime, que tem pouca participao e Maurcio Rodrigues, que publica no
jornal com o nome de Maurcio Sousa Filho.
48
55
Nesse jornal, Bruno de Menezes publica o texto Catulo cearense: a modinha e a poesia da
brasilidade, em 19 de maio de 1946. Ali, ele tambm publica, em 2 de novembro de 1947,.a
entrevista Posio e destino da literatura paraense (Entrevistados Bruno de Menezes e Romeu
Mariz) e ainda vrios poemas.
56
Tal fato aponta para um dos mitos construdos em torno do Modernismo no Brasil, a exemplo
daquele de pretender-se um movimento cultural genuinamente nacional e homogneo, em nvel de
Centro-Sul e de Provncia, mito este cristalizado atravs da verso da historiografia literria
oficial.
57
Bruno de Menezes, antes de 1923, j vem tentando mudana nas letras do Par. Em 1921, com
outros intelectuais vidos por inovao, junta-se aos membros da Associao dos Novos (os
ansiados de Angelus), para agitar a vida cultural de Belm. Posteriormente, congregam-se
Belm Nova, instaurando, de fato, com os manifestos, o Movimento Modernista no Par. De
Campos Ribeiro, um dos importantes poetas do perodo, reconhece enquanto principais autores
com produo modernistas: Eneida, Sandoval, Bruno, Muniz Barreto, Wladimir e Abguar Bastos.
Ver DE CAMPOS RIBEIRO. Graa Aranha e o Modernismo no Par. Belm: Conselho Estadual de
Cultura, 1973. Porm, os principais agitadores culturais, depois, por motivos polticos, financeiros,
de famlia ou de trabalho, a exemplo de Bruno de Menezes e Abguar Bastos, que visto por De
Campos Ribeiro como o principal agitador do movimento modernista no Par, aps o encerramento
da Belm Nova, em 1929, parece ter havido tambm certo esquecimento dos primeiros
modernistas no Par.
49
entre essa mocidade, embora isso se explique pela falta de uma sociedade que os
pudesse unir mais frequentemente. Isso so defeitos e falhas prprias do meio
paraense. Parece haver na Belm dos anos de 1940 a mesma dificuldade
encontrada pela gerao de 1920 na disseminao do Modernismo. Mas, nesse
momento, j h um nmero maior de literatos que podem discutir de igual para
igual com os parnasianos, pois muitos modernistas de primeira hora j esto
tambm na Academia Paraense de Letras. Inclusive, Bruno de Menezes, nessa
poca, j um dos imortais do Estado.
Outro entrevistado, Otvio Mendona (2 Volume desta Tese, Anexos,
Item 11.22) aponta as causas da falta de divulgao e disseminao das ideias,
dos conhecimentos na sociedade paraense, em entrevista dada em 23 de
novembro de 1947, explicando com citao de Ansio Teixeira, que tudo isso
ocorre pela ausncia de uma cultura universitria interpenetrada em que haja
valorizao dos indivduos, do conhecimento, dentro dessa sociedade. Segundo o
pensamento de Mendona, trata-se de uma educao que valorize o
conhecimento para todos, educao essa atravs da qual o indivduo detentor
desse conhecimento tenha a oportunidade de compartilhar o seu saber com os
outros, questo que, conforme o entrevistado, no apenas desses literatos da
gerao da dcada de 1940, mas pode interessar s geraes anteriores, pois:
50
51
58
52
53
O poeta cearense Antnio Giro Barroso tem vrios poemas publicados no Suplemento em
questo.
60
Embora Dalcdio Jurandir colabore em Terra Imatura, parece no se sentir pertencente
Gerao dessa revista, o que refora a entrevista de Levy Hall Moura que tambm o coloca numa
gerao anterior do grupo vinculado Terra Imatura. Ver 2 Volume desta Tese, Anexos, itens
11.19 e 15.1.
54
61
Ver prefcio de Brcio de Abreu com artigo de Dalcdio Jurandir, de 30 de agosto de 1940, em
Chove nos campos de Cachoeira. Rio de Janeiro: Casa Editora Vecchi LTDA, 1941, 2 Volume,
Anexos da Tese, item 15.1.
62
Peri Augusto cunha o termo Novssimos na primeira entrevista de 5 de outubro de 1947, para o
grupo de Haroldo Maranho, Max Martins, Cauby Cruz e Benedito Nunes.
55
63
Paulo Plnio Abreu nasce em Belm em 19 de junho de 1921. Falece em 5 de setembro de 1959,
aos 38 anos, sem publicar livros. Forma-se em Cincias Jurdicas e Sociais na Faculdade de
Direito do Par. poeta e, interinamente, Professor de Literatura Brasileira na Faculdade de
Filosofia, Cincias e Letras de Belm em 1954. Chefia o Departamento de Letras Clssicas e
Vernculas, da Universidade Federal do Par entre 1958 e 1959. Deixa vrios poemas dispersos
publicados em revistas e jornais, os quais so coligidos por Francisco Paulo Mendes, seu
Professor, e publicados no livro intitulado Poesia, em 1978, pela Universidade Federal do Par
(UFPA). Nesse livro (p. 81-153) consta tambm a traduo do livro As elegias de Duno, de Rainer
Maria Rilke, feita por Paulo Plnio Abreu. Clarice Lispector, em carta de 1944 a Lcio Cardoso, faz
referncia a Paulo Plnio, informando que ele faz poemas e, em Belm, aluno do Professor de
Literatura Francisco Paulo Mendes, com quem ela gosta de conversar sobre livros. Paulo Plnio faz
um trabalho sobre as poesias de Lcio Cardoso, o que surpreende o Professor Mendes, porque
este ministra aulas apenas sobre os romances de Cardoso, ao que Clarice Lispector acrescenta
sobre o poeta: Alis, ele se parece um pouco com voc, tem olhos meio de fantasma, afirmando
ainda: O Professor descobriu logo que o aluno fazia poesias. Li umas duas. Entre muitas palavras
que agora os poetas usam, h mesmo poesia. Ele fala de luar: Durmo ouvindo os teus passos de
anjo pela noite. Serve horrivelmente para um epitfio e a ideia de Paulo Mendes. Vou ver se o
Plnio conserva seu trabalho sobre as suas poesias. Seria bom voc ler, no ? sempre curioso
(MONTERO, 2002, p. 42-43). Esse verso transcrito por Clarice o segundo verso do poema
Elegia (Poesia, 1978, p. 9). Ver o 2 Volume desta Tese, Anexos, item 8.3.
64
Com exceo de estudos sobre Paulo Plnio Abreu, at a presente data, no existem estudos
acadmicos ou livros publicados acerca desses autores. Em algumas das entrevistas concedidas
ao jornal em pauta, embora os depoentes faam referncia a Osas Antunes como sendo
importante romancista paraense, quase nada escrito sobre ele pelos crticos. H uma pequena
informao sobre tal literato em MEIRA, Clvis; CASTRO, Acyr; ILDONE, Jos (Orgs.). Introduo
literatura no Par, v. VII. Belm: CEJUP, 1997, p. 16-21. Consta que Antunes Era romancista,
pintor, mdico e advogado... e que Em 1943, publicou o romance realista O quartero, do qual ali
reproduzido, sem informao de editora, um longo trecho. Dalcdio Jurandir tambm faz meno
56
57
Marinilce Oliveira Coelho, em seu livro O Grupo dos Novos (1946-1952): Memrias literrias de
Belm do Par. Belm: EDUFPA; UNAMAZ, 2005, 171-179, observa a importncia dessas
entrevistas dos paraenses sobre tal perodo. Nesta Tese, as citadas entrevistas recebem outro
enfoque, ao serem confrontadas com o contexto do Modernismo no Par.
58
Remgio Fernandez Jos Gonalves nasce na Espanha em 1881. Chega jovem ao Brasil e
passa a residir em Minas Gerais. Posteriormente, vai para Belm, onde faz o curso de Direito na
Faculdade de Direito do Par, formando-se na primeira turma de 1908. Ingressa no magistrio
secundrio do ensino pblico, em Belm, na cadeira de Latim, vindo a se tornar membro da
Academia Paraense de Letras (APL). Algo que chama a ateno nesses poetas do Par que so
geralmente formados em Direito e so professores na rea da linguagem. Percebe-se, ainda, que
muitos desses literatos de Belm que escrevem em jornais tm uma viso da tradio do Direito
positivo, legalista, no que diz respeito ao ordenamento social, levado tambm para a arte verbal, a
exemplo de Remgio Fernandez, como pode se observar em sua entrevista. Os integrantes do
grupo de Benedito Nunes tambm so quase todos formados em Direito, com exceo de Max
Martins, que cursa apenas o Ginasial no Colgio Estadual Paes de Carvalho, e Mrio Faustino, que
comea o curso de Direito em Belm e no o conclui.
59
poemas que remetem s questes sociais, traz tambm artigos com discusses
polticas, sociais e econmicas referentes a Belm, ao Estado do Par, ao Brasil e
ao mundo dos anos de 1930.
Pertinentemente, Alfredo Bosi (2001, p. 383), ao relacionar a
importncia dos eventos de 1922 e de 1930 para a literatura brasileira, demonstra
a diferenciao que apresentam esses dois marcos, afirmando que, se o ano de
1922 presta-se muito bem periodizao literria, porque a Semana foi um
acontecimento e uma declarao de f na arte moderna, bem diferente o que
ocorre em 1930, porque, segundo ele:
60
Clo
Bernardo
configura-se
como
uma
importante
Eustachio de Azevedo (1990, p. 131-132), em seu livro Literatura paraense, 2 edio, ampliada,
de 1943, ao falar da importncia do romancista Alfredo Anbal Ladislau faz a seguinte meno a tal
61
62
63
nem morrer sabem, pois vivem nos atacando com a excrementcia de seus
crebros fossilizados69.
Tambm Bruno de Menezes (Apud AUGUSTO, 2 Volume desta Tese,
Anexos, item 11.20) tem oportunidade de se expressar sobre a gerao moderna
no Par70 durante a entrevista do dia 2 de novembro de 1947. Mas no fala da
revista Belm Nova, dos companheiros que nela escrevem manifestos, como
Francisco Galvo e Abguar Bastos, nem das composies literrias que ali so
publicadas. Parece que, naquela ocasio, ele est influenciado pelas discusses
que ento se travam no Suplemento em foco e, talvez por isso, em tal entrevista,
que resulta em um texto genrico sobre poesia e fico moderna no Par,
contendo, a respeito, uma viso sua de outrora e do presente, Bruno de Menezes
no cite os nomes dos primeiros homens que acolhem o Modernismo no seu
Estado:
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72
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73
Um dos poucos entrevistados que se reconhece como de uma gerao anterior Levy Hall de
Moura, mas tambm no faz a diferena entre os intelectuais de Terra Imatura e os Novssimos,
conforme suas observaes: Primeiramente, preciso saber-se a que gerao tem em vista a
pergunta quando se refere a que diz chamarem de gerao moderna, a que alude a pergunta, j
no a nossa, do subscritor destas linhas, de Dalcidio Jurandir, F. Paulo Mendes, Miriam Morais,
Machado Coelho, Cecil Meira, Aldo Morais, Stelio Maroja, R. de Sousa Moura, Daniel Coelho de
Sousa, Eidorfe Moreira, Mrio Platilha, Dalcinda, Ritacinio Pereira, Eimar Tavares, Ribamar de
Moura, Sultana Levy, Clvis Martins, Flaviano Pereira, Ducina Paraense, Solerno Moreira Filho,
Pedro Borges. Trata-se, de certo, da gerao de Haroldo Maranho, Paulo Plnio Abreu, Ruy
Barata, Carlos Eduardo, Clo Bernardo, Geraldo Palmeira, Peri Augusto, Carlos Lima, Max
Martins, Alonso Rocha, Joo Mendes, Silvio Braga, J. Serro, Lucio Abreu, Jos Maria Platilha,
Aquiles Lima, Georgenor Franco, Vinicius Lima, Regina Pesce, Syla Andrade, Raimundo Serro,
Jaime Barcessat e Mario Faustino. V-se que, nessa observao, alguns dos Novssimos esto
juntos com os colaboradores de Terra Imatura.
68
Naquela data, tambm publicado o conto As moscas, de Mrio Faustino, amigo de Benedito
Nunes. Trata-se do primeiro texto de Faustino no Suplemento estudado. Em 25 de abril de 1948,
69
encarado, aqui, como o texto que o introduz na crtica literria, embora Nunes
(1992, p. 21) s v considerar a sua iniciao nessa rea em 1952, com a
publicao do artigo A estreia de um poeta (NUNES, 2 Volumes desta Tese,
Anexos, item 6.5.2) no jornal Folha do Norte, sobre a obra O estranho (1952), de
Max Martins. Esse artigo um dos primeiros textos nunesianos publicados no
corpo do referido jornal aps o encerramento do Arte Suplemento Literatura, aqui
estudado, enquanto encarte que recebe colaborao de Benedito Nunes.
Porm, antes do artigo A estreia de um poeta, Nunes publica o
prefcio obra de Max Martins, O estranho, que um breve livro publicado de
forma quase artesanal, uma brochura de 29 pginas, contendo vinte e trs
poemas, sendo os trs ltimos, dedicados ao luto pela morte de um pai,
separados dos outros vinte pelo ttulo Elegias, certamente em evocao s suas
leituras de Rainer Maria Rilke, aspecto estrutural no verificado posteriormente na
edio da CEJUP, organizada em Belm do Par pelo prprio autor em 1992, sob
o ttulo No para consolar: poemas reunidos 1952-1992. A capa no apresenta
ilustrao, constando apenas o ttulo e o ano da publicao (1952) em algarismos
romanos, sem indicao de editora e local. O verso da capa do livro estampa um
texto curto, tambm no fazendo parte da aludida edio de 1992, de onde so
retirados trs poemas. Trata-se do supramencionado texto de Nunes, tido aqui
como o seu primeiro prefcio. Esse traz informaes biogrficas de Max Martins e
rpida observao sobre as composies desse bardo paraense75.
Em A estreia de um poeta, texto mais longo, Nunes d notcia da
publicao do livro O estranho, de Max Martins, apontando as dificuldades dos
literatos do Par para a publicao de seus livros e a relevncia daquele vate no
cenrio da poesia brasileira e paraense. Reconhece a importncia dessa produo
e do poeta, bem como a admirao pelos versos de Max, bardo que j vem
publicando em peridicos no Par, especialmente no encarte aqui estudado,
ele publica o poema 1 Motivo da rosa, que vem acompanhado de um ensaio de Francisco Paulo
Mendes, o primeiro analista da obra de Mrio Faustino, de quem, posteriormente, Nunes vem a ser
tambm um dos estudiosos.
75
Ver 1 prefcio de Benedito Nunes, no 2 Volume desta Tese, Anexos, item 6.5.1.
70
Max Martins tem vrios poemas publicados no Arte Suplemento Literatura do jornal Folha do
Norte, sendo seu primeiro poema estampado no referido encarte Nesta noite eu sou Deus, de 23
de fevereiro de 1947, p. 2,
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V-se que ele como que incorpora ao seu texto a concepo sartreana
de artista, comprometido com as questes sociais no socialistas -, porm
75
76
Benedito Nunes, em entrevista a Nobre e Rego em 2000, ao ser perguntado em que consiste tal
esprito comum, responde: Esse esprito comum era o cultivo dos mesmos autores, poetas e
filsofos, muitos dos quais Mendes apontou para ns. Ele dizia: Leia Julien Green, leia Franois
Mauriac, ou ento leia Rainer Maria Rilke, pelo qual ele era apaixonado. Ento surgiu esse esprito
comum que, como todo esprito comum, era um pouco faccioso, pois ns cultivvamos esses
autores e detestvamos outros. Esse grupo era formado por duas geraes diferentes: uma
gerao mais velha, da qual participavam Francisco Paulo Mendes, Rui Barata que era poeta -,
Paulo Plnio Abreu - que morreu cedo -; e a outra gerao, que era formada por mim, Mrio
Faustino, Max Martins, Cauby Cruz que tambm morreu cedo e era poeta (NOBRE; REGO,
2000, p. 73-74). Benedito Nunes, nessa entrevista, faz a diferena entre a gerao mais velha, ou
seja, a dos componentes que vm da revista Terra Imatura, inclusive Mendes, que Levy Hall de
Moura, em sua entrevista de 1947, o coloca em uma gerao anterior a essa. Porm, o que Nunes
observa que Mendes comea suas crticas juntamente com o grupo que publica na citada revista.
A percepo de Nunes est de acordo com o que publicado nesse perodo.
77
revista
Encontro
fica
apenas
em
um
nmero78.
Todavia,
78
Marinilce Coelho faz a seguinte observao sobre a revista Encontro, a partir de uma entrevista
de Benedito Nunes, dada pesquisadora em abril de 1999: Graficamente a revista foi considerada
um desastre para os diretores, que nem se ocuparam em divulg-la, como era a inteno
primeira. Mrio Faustino tinha a tarefa de divulgar a revista paraense no Rio de Janeiro, no
entanto, quando as recebeu pelos correios, telegrafou aos amigos, desistindo da tarefa. Ver
COELHO, 2005, p. 109-124. Porm, acredita-se haver outras questes mais srias para os
dirigentes no levarem adiante o projeto da revista, que realmente tem problemas na parte grfica,
ou melhor, na organizao dos textos na revista. Isto porque, no sumrio, constam os ttulos das
sees com nmero de pgina, mas, no corpo da revista, a maioria desses ttulos no so
colocados antes dos textos e a numerao de alguns textos no a do sumrio, faltando ainda
partes de textos na seo Noticirio, que no est assinada. Mas os dirigentes tinham como
corrigir todos esses problemas no prximo nmero, o que no fazem, deixando de divulgar o
trabalho deles nos respectivos Estados onde os poetas da Gerao de 1945 esto divulgando os
seus poemas em revistas e jornais. O certo que, quando Manuel Bandeira, Fernando Ferreira de
Loanda e Manuel Bandeira e Walmir Ayala fazem as antologias sobre os poetas do perodo, no
incluem os poetas paraenses nessas antologias. Na de Ayala, de 1967, figura apenas o nome de
Mrio Faustino na seo Poesia Agora & Vanguardas.
79
Em 25 de dezembro de 1946 publicado, no referido jornal, o poema Natal, de Olavo Bilac.
78
Alonso Rocha, Benedito Nunes, Benedicto Vilfredo Monteiro80, Cauby Cruz, Ccil
Meira, Clo Bernardo, Daniel Coelho de Souza, Francisco Paulo Mendes, Haroldo
Maranho, Joo Mendes, Jurandir Bezerra, Mrio Couto, Mrio Faustino, Max
Martins, Paulo Plnio Abreu, Ruy Coutinho e Ruy Barata. Mas a direo da revista
fica com os Novssimos.
Na revista Encontro, Benedito Nunes, alm de ser um dos dirigentes,
nela publica trs poemas: Mar, Partida do filho nico e Autorretrato; faz a
traduo do poema Salmo VIII, de Patrice de la Tour du Pin; com a inteno
ainda de traduzir, juntamente com Mrio Faustino, daquele mesmo poeta,
Psaumes, conforme notcia sobre o prximo nmero da revista, e ainda h um
aviso de que Nunes vai publicar um livro intitulado O poeta e o anjo. No entanto, a
revista Encontro no tem continuidade nem o livro de Nunes anunciado
publicado.
Ainda em 1948, Benedito Nunes (2009, p, 10) convidado, pelo
Professor Augusto Serra, proprietrio e diretor do Colgio Moderno, para ministrar
aulas de Filosofia na referida Escola de Belm. tambm nesse momento que
Nunes comea a ler os clssicos franceses e ingleses, como Molire, Racine,
Corneille, La Bruyre, La Rochefoucauld, Swift e Walter Scott, todos autores
80
Benedicto Monteiro publica nesse Suplemento apenas dois poemas intitulados Cano prnupcial, em 11 de abril de 1948 e Poema, em 5 de setembro de 1948. Nessa poca, Monteiro j
tem publicado, no Rio de Janeiro, em 1945, o livro de poemas Bandeira Branca, tornando-se, anos
depois, ficcionista. A obra de Benedicto Monteiro, especialmente o romance O minossauro, tema
da Dissertao de Mestrado da autora da presente Tese. Esse escritor convive com o grupo do
jornal Folha do Norte; colaborador de revista Encontro, mas no faz parte nem da Academia dos
Novos nem do Grupo de Terra Imatura. Benedito Vilfredo Monteiro nasce em Alenquer (PA), em 1
de maro de 1924. Faz seus estudos em Belm e no Rio de Janeiro, formando-se em Direito pela
Faculdade de Direito do Par, em 1952, na turma de Benedito Nunes. Alm de literato, poltico
por vrias legislaturas pelo seu Estado. Passa a ser perseguido como comunista pela ditadura
militar, sendo preso e seus direitos polticos cassados, mas, na pesquisa da autora, verifica-se que
ele no comunista. Falece em 15 de junho de 2008, deixando vrios livros. Entre os mais
conhecidos, esto os que constituem a Tetralogia amaznica, a saber: Verde vagomundo (1972),
O minossauro (1975), A terceira margem (1983) e Aquele um (1985), nos quais a ao romanesca
est intimamente imbricada com o contexto da ditadura militar ps-1964 no Brasil. Dos autores
paraenses filiados literatura da dcada de 1970, Monteiro um dos mais estudados, at a
presente data, no Par (NASCIMENTO, 2004, p. 5-23). Benedito Monteiro j faz alguns anos que
tem obras inclusas nos Vestibulares da capital paraense.
79
80
Haroldo Maranho e, sobretudo, de Floriano Jayme, que, sem saber que o tal
analista Joo Afonso Benedito Nunes, defende a poesia do crtico que o avalia,
qual seja, o prprio Nunes.
Nota-se que a publicao desses poemas na Folha do Norte projeta,
nas letras paraenses, Benedito Nunes, que passa a gozar de prestgio entre seus
pares. Inclusive, em uma notcia de 1948 do jornal em pauta (2 Volume desta
Tese, Anexos, item 8.2), notcia intitulada Ir ao Rio Benedito Nunes, este
apontado como o jovem intelectual e considerado um dos mais jovens poetas
paraenses. Contudo, a partir da entrevista em dezembro de 1950 (2 Volume
desta Tese, Anexos, Item 8.3), em que declara que seu pendor para o estudo
da Filosofia, Nunes abandona a carreira de poeta, justamente quase ao trmino
da veiculao do encarte literrio em causa, que tem o seu ltimo nmero em 14
de janeiro de 1951.
Naquela data, Benedito Nunes ainda publica seu ltimo texto ali:
Consideraes sobre A peste (2 Volume desta Tese, Anexos, item 5.6.2), artigo
em que analisa o romance de Albert Camus e em que, ao final, embaixo de seu
nome e entre parnteses, vem o de Joo Afonso, talvez para demonstrar aos
amigos que ele o Joo Afonso. Mas, depois de mais de cinquenta anos, para o
pesquisador ou leitor desavisado, esse nome abaixo do de Nunes d a entender
que o artigo feito a quatro mos. Entre 1946 e 1951, ele publica em trinta
nmeros do Arte Suplemento Literatura, somando um total de trinta e seis textos.
Semelhante fato pode ser considerado como um exerccio fecundo para sua
carreira de crtico literrio.
Em 1952, Benedito Nunes forma-se em Direito e continua lecionando
Filosofia nos cursos secundrios de Belm. Casa-se com Maria Sylvia Ferreira da
Silva, filha de um desembargador, estudiosa de teatro, com quem ele vai
participar, em Belm, da criao do Norte Teatro-Escola82, juntamente com
Angelita Silva83, irm de sua esposa.
82
81
82
Nesse ensaio, Nunes (2 Volume desta Tese, Anexos, item 6.2.2) faz severas
crticas gerao de 45, principalmente ao poeta Fernando Ferreira de Loanda,
que em 1951 publica a antologia Panorama da nova poesia brasileira. O crtico
paraense considera a iniciativa louvvel, mas diz que esta serviu para revelar
um fenmeno h muito denunciado nas entrelinhas dos artigos de crtica (os raros
cometas da nossa literatura, depois que lvaro Lins e Tristo de Atade
abandonaram o cargo de crticos oficiais), acrescentando ainda que: Trata-se da
crise que a poesia brasileira atravessa, - crise posta em relevo pela gerao que
se apresenta nas pginas daquela antologia.
Ao reconhecer a importncia do segundo livro de Ruy Barata, Benedito
Nunes considera que o primeiro livro do poeta paraense, Anjos dos abismos
(1943), que a crtica metropolitana, representada por lvaro Lins, considerava
como a melhor estreia daquele ano em matria de poesia, ainda no apresenta a
...profundeza exigida pela poesia porque s suas experincias faltava a
cristalizao necessria, e aos seus versos a habilidade que s conferida depois
de um prolongado convvio com a riqueza interna das palavras, diferentemente do
segundo, A linha imaginria, no qual surge a poderosa revelao de um poeta
amadurecido no s na tcnica dos versos, mas tambm na filtragem das
experincias variadas que constituem o cerne magnfico de sua poesia, quando
demonstra que o poeta paraense muito superior a muitos que figuram na
antologia de Loanda, porque:
arte potica.
83
84
85
E no terceiro e ltimo
86
88
Ver a entrevista do ensasta brasileiro concedida a esta pesquisadora sobre tal viagem, no 2
volume desta Tese, Anexos, item 10.1.
89
Essa informao consta da parte Sobre o autor do primeiro livro em que Nunes trata de
filosofia: Introduo filosofia da arte (1966), integrante da Coleo Buriti, que, entre os membros
do seu conselho diretor, conta com a participao de Antonio Candido.
87
88
da Belm Nova; a segunda gerao com Ruy Barata, Paulo Plnio Abreu, Clo
Bernardo, Cecil Meira, Mrio Couto, entre outros do grupo de Terra Imatura; a
terceira gerao com os seus amigos que esto iniciando suas atividades
modernas, bem assim com a produo dos intelectuais de outros estados
brasileiros e do exterior que publicam no jornal aqui estudado. Ento, renem-se
no mesmo Suplemento trs geraes do Par: os intelectuais de 1920, os de 1930
e os de 1940. Estes ltimos, jovens versejadores, so chamados de Novssimos,
constitudos por Nunes, Haroldo Maranho, Max Martins, Alonso Rocha, Jurandy
Bezerra, Cauby Cruz e o poeta Mrio Faustino, que se junta ao grupo em 1947. A
reunio dos grupos de 1930 e 1940 configura-se como a Gerao Moderna do
Par de 1946. Leva-se em conta ainda o poeta americano Robert Stock, que
chega depois, em 1952 e, mesmo assim, contribui consideravelmente para a
formao de membros desse grupo de jovens escritores, quais sejam, Max
Martins, Mrio Faustino e, principalmente, Benedito Nunes90.
Benedito Nunes convive com essas duas geraes e beneficiado por
elas. Alguns desses intelectuais j so Professores, a exemplo de: Arthur Cezar
Ferreira Reis, Ccil Meira e Francisco Paulo Mendes, que, alm de crtico literrio,
o orientador do Suplemento em apreciao por duas vezes, a saber, em 1948 e
1950. Benedito Nunes reconhece, anos depois, que esse Mestre era o elemento
catalisador do grupo, aquele que dava informaes e julgava os poetas, tambm
encaminhando Nunes para o ensaio. Ruy Barata, Orlando Costa, Raimundo
Moura, considerados aqui da segunda gerao; Bruno de Menezes e De Campos
Ribeiro, que so da primeira, mas permanecem com o grupo do jornal em causa,
todos estes so solidrios interlocutores da gerao intelectual de Benedito
Nunes, gerao que chega e tem oportunidade de se expressar num peridico que
divulga obras de grandes crticos, romancistas, poetas, contistas brasileiros e
90
Nunes explica, em uma entrevista, como se faz esse aprendizado: (...) Stock foi o primeiro
beatnik. (...) Era um sujeito muito generoso. (...) Chegou aqui em 1950. (...) Ele se empenhava em
dar gente conhecimento de coisas como sonetos de Shakespeare. Ele traduzia um por um,
palavra por palavra. Algo notvel. Ele era um grande fillogo e se mantinha dando aulas de ingls
(NOBRE, 2000, p. 77).
89
90
junho do mesmo ano, quando encerra suas atividades naquele Suplemento. Entre
os sessenta e trs artigos publicado naquela coluna, vinte e dois so sobre
literatura.
Ainda em 1956, Benedito Nunes convidado por Alarico Barata a
colaborar no Suplemento Magazine, do jornal belenense A Provncia do Par, no
qual passa a manter, de 12 de agosto de 1956 a 22 de setembro de 1957, uma
coluna intitulada Rodap de Crtica. Observa-se que muitos dos seus artigos
publicados no Jornal do Brasil so os mesmos publicados em A Provncia do Par.
A partir de sua visibilidade no Rio de Janeiro, o crtico de Belm comea a receber
convites para publicao de seus textos em outros jornais importantes do pas,
como O Estado de So Paulo e o Estado de Minas Gerais.
A partir de 1959, convidado por Dcio Almeida Prado, Nunes inicia
colaborao no jornal O Estado de So Paulo. Porm, de janeiro de 1960 at
1971 que ele vai escrever regularmente, para o referido peridico, artigos de
filosofia e literatura. No entanto, durante esses anos, h intervalos breves e longos
de tais produes. Por exemplo, em 1964, saem apenas dois textos do ensasta
paraense, que, do ano de 1972 em diante, ainda publica, mas esporadicamente,
at 1982.
Os seus artigos sobre a obra de Clarice Lispector comeam a ser
publicados, em 1965, no jornal o Estado de So Paulo (NUNES, 1965, p. 3),
trabalho analisado positivamente pelo professor de Filosofia Vilm Flusser92, que
92
Vilm Flusser nasce no ano de 1920, em Praga, na antiga Tchecoslovquia, onde estuda
Filosofia de 1938 a 1939. Com o incio da Segunda Guerra Mundial, vai para Londres. Ali, continua
seus estudos, mas no os conclui. Fugindo do nazismo, em 1941 emigra para o Brasil, passando a
residir em So Paulo (SP), tornando-se um autoditada. Na dcada de 1960, passa a lecionar
Filosofia da Cincia na Escola Politcnica da USP; Filosofia da Comunicao, na Escola Superior
de Cinema e na Escola de Arte Dramtica (EAD). Tambm em So Paulo, passa a colaborar para
o Suplemento Literrio do jornal O Estado de So Paulo. Esse estudioso do pensamento de
Heidegger morre em 1991 em Praga. Vilm Flusser escreve um texto, no jornal O Estado de So
Paulo, em 25 de junho de 1966, sobre o livro O mundo de Clarice Lispector (ensaio), de Benedito
Nunes, afirmando o seguinte: ...Merece o presente ensaio no apenas uma distribuio ampla no
Brasil, mas tambm tradues para outras lnguas. Deve ser respondido pelas mltiplas sugestes
e provocaes que lana. Ver o Segundo Volume desta Tese, Anexos, item 15.1.
91
tambm colabora no jornal, o que vai projetando, ainda mais, Benedito Nunes no
mundo das Letras. Essa colaborao para O Estado de So Paulo viabiliza a
publicao do seu livro Introduo filosofia da arte (1966). Segundo Nunes, por
causa de tal atividade, Antonio Candido, que na poca, mediante Desa & So
Paulo Editora S.A/Editora da Universidade de So Paulo, o orientador da
Coleo Buriti, para esta encomenda-lhe livros (NOBRE, 2000, p. 77).
Verifica-se que os ensaios de Nunes feitos para os jornais so, com
algumas alteraes, os que vo ser publicados em livros a partir de 1966. A esse
respeito, observa-se que ele vai se preparando desde jovem, primeiramente na
Academia dos Novos e, depois, impulsionado pelo jornal, no decorrer da dcada
de 1940, fazendo muitas leituras de obras literrias, filosficas e crticas sobre
literatura, teatro, cinema, artes plsticas e msica, o que vai gerando uma
pesquisa sria, permitindo-lhe uma experincia mpar para a produo de seus
textos, tanto os de peridicos quanto as publicaes de livros, que vo acontecer
em outros Estados brasileiros a partir das dcadas de 1950 e 1960
respectivamente.
A quarta e ltima fase da vida intelectual de Benedito Nunes vai de
1966 em diante, quando ele publica seus primeiros livros de crtica literria (sobre
poesia e prosa) e de filosofia. O ano de 1966 traz a lume uma importante
introduo do ensasta e Professor de Filosofia Poesia de Mrio Faustino
(NUNES, 1966, p. 3-35), bem como dois livros, a saber: Introduo filosofia da
arte e O mundo de Clarice Lispector. Este ltimo constitui-se de cinco ensaios, nos
quais ele analisa trs romances e um conto da ficcionista a partir de teorias
filosficas, principalmente de Kierkegaard, Sartre e Heidegger. Aps essa
publicao, Nunes vai continuar estudando a obra da autora brasileira durante
toda a sua vida.
Com Introduo filosofia da arte, o crtico paraense d incio a uma
pesquisa fecunda sobre Filosofia, Esttica e Literatura. Nesse livro, ele estuda
vrios pensadores que desenvolvem reflexes acerca do assunto. Entre eles,
esto Plato, Aristteles, So Toms de Aquino, Kant, Hegel, Schopenhauer,
92
93
94
O romance Menino de engenho, de Jos Lins do Rego, considerado pela crtica especializada
como representante do romance de formao no Brasil, na esteira de O Ateneu (1888), de Raul
Pompia, cuja obra-prima tambm se insere nesse gnero. Alis, Lins do Rego retoma em seu
romance a expresso crnica de saudade, que constitui o subttulo de O Ateneu. Nessa mesma
tradio, pode-se filiar a tentativa de romance Joo Silvrio, de Benedito Nunes. Trata-se de
narrativas que apresentam traos biogrficos do autor, personalidades da vida real sob nomes
fictcios, podendo, por isso mesmo, corresponder, at certo ponto, ao roman clef. O romance de
formao (Bildungsroman) de tradio alem, criado por Goethe entre 1795 e 1796, com a
publicao de Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. Segundo Marcus Venicius Mazzari
(2006, p. 7-8): Com meios estticos at ento inditos na literatura alem, Goethe empreendeu a
primeira grande tentativa de retratar e discutir a sociedade de seu tempo de maneira global,
colocando no centro do romance a questo da formao do indivduo, do desenvolvimento de suas
potencialidades sob condies histricas concretas. Fez assim com que a obra paradigmtica do
Bildungsroman avultasse tambm como a primeira manifestao alem realmente significativa do
romance social burgus, na poca j amplamente desenvolvido na Inglaterra e Frana.
95
94
Essa avenida parece ser importante para a memria criativa de Benedito Nunes, que tambm
consagra um poema a tal via pblica de Belm do Par.
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97
Silverinho parece ser alter ego de Benedito Nunes. V-se que o crtico apresenta em sua
narrativa dois santos, que compe o nome de batismo de Benedito Nunes. A educao religiosa
repressora de Benedito Nunes parece ser a mesma da sua personagem Silverinho.
98
Benedito Nunes em Quase um Plano de Aula informa que quando criana, em Belm do Par,
brincava com os meninos de um grande cortio chamado Jaqueira, que ficava prximo sua
casa na Gentil Bittencourt, descrito como um conjunto de minsculos quartos de madeira, onde
habitavam lavadeiras, cozinheiras, pequenos artesos, desocupados, escroques, pedreiros e
trabalhadores em geral o Lumpenproletariat desse perodo (NUNES, 2009, p. 11).
99
Cu e Inferno. Para Silverinho, o inferno deve ser o lugar para onde vai D. Severa,
cliente que briga com a me dele:
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97
Observa-se, atravs da pesquisa no Suplemento em foco, que Nunes tem acesso tambm a
artigos com rplicas s mesmas crticas da Gerao de 45 de 1922, rplicas estas feitas pelos
crticos que reconhecem o legado deixado pela primeira fase do Modernismo no Brasil, a exemplo
Srgio Milliet e lvaro Lins.
98
Segundo Pricles Eugnio da Silva Ramos (1979, p. 270): Foram os crticos como lvaro Lins,
Srgio Milliet e Alceu Amoroso Lima os primeiros a apontar a existncia dessa poesia de
expresso disciplinada os poetas novos aceitaram a palavra da crtica, passando a designar-se
como gerao de 45, segundo o rtulo imaginado por Domingos Carvalho da Silva.
103
Srgio Milliet, no artigo Os gags de 22, de 19 de dezembro de 1948, faz uma crtica a esses
jovens iniciantes da revista Orfeu. Ver 2 Volume desta Tese, Anexos, item 12.12.
100
Em tal perodo, Benedito Nunes o primeiro crtico dos poetas paraenses que publicam no
jornal em estudo, inclusive dos poemas dele prprio. Anos depois, torna-se o crtico de um dos
expoentes da poesia da Gerao de 45: o autor de Morte e vida Severina. Em seu livro Joo
Cabral de Melo Neto (1971), Benedito Nunes observa que: Em 1942, quando apareceu o primeiro
livro de Joo Cabral, o movimento surrealista, j em perodo de sedimentao, ainda subsistia na
ditadura da fantasia, que marcou a criao potica na fase do ps-guerra. O intelectualismo de
Paul Valry, oposto a essa ditadura, e a que se liga a obra de Jorge Guilln, reunida no livro
Cntico, cuja verso definitiva data de 1950, deixava de ser uma tendncia parte, para tornar-se,
graas anlise terica do fenmeno potico, nos ensaios do criador de Le cimetire Marin, [...] o
ingrediente eficaz da reflexo, absorvido, como um fermento crtico, prpria condio da poesia
contempornea. Nunes verifica que no s o intelectualismo de Paul Valry e a crtica de Jorge
Guilln, mas tambm a produo de poetas internacionais so importantes para Gerao de 45.
Eis as palavras de Nunes a esse respeito: poetas surgidos entre ns s vsperas do trmino da
Segunda Guerra Mundial e que representam a chamada gerao de 45, situam-se na encruzilhada
dessas duas linhas de fora. Alm de Valry e Jorge Guilln, de Garcia Lorca e Pablo Neruda,
alguns poetas de lngua inglesa, a principiar por T. S. Eliot, influenciaram essa gerao, que sofreu
ascendncia de Rainer-Maria Rilke e foi sensibilizada pelo lirismo de Fernando Pessoa (NUNES,
1971, p. 25-26).
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mentalidade
popular,
ser
ouvido:
Os
moradores
viram
108
Na obra Antologia potica, organizada pelo seu autor, Carlos Drummond de Andrade d a
seguinte informao: Ao organizar este volume, o autor no teve em mira, propriamente,
selecionar poemas pela qualidade, nem pelas fases que acaso se observem em sua carreira
potica. Cuidou antes de localizar, na obra publicada, certas caractersticas, preocupaes e
tendncias que o condicionam ou definem, em conjunto. A Antologia lhe pareceu assim mais
vertebrada e, por outro lado, espelho mais fiel. Inclusive, Drummond cria ttulos para todos os
conjuntos de poemas publicados nessa coletnea. Para a sesso onde figura Cidadezinha
qualquer, ele escolhe o ttulo Uma provncia, que tambm remete ao poema de Nunes.
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Na Av. Gentil Bittencourt, em Belm (PA), Benedito Nunes viveu durante a infncia e a
adolescncia.
108
Atualmente, o nome dessa rua da cidade de Belm do Par Padre Eutquio.
111
num pas europeu, como a Itlia, em que o inverno marcado pelo frio: porque o
frio no veio para c/ficou na Itlia.
Nesse sentido, tambm marca a diferena entre a memria potica de
um poeta brasileiro e a de um poeta europeu, como a de Augusto Gil, com sua
Balada da neve: Fui ver. A neve caia/do azul cinzento do cu,/branca e leve,
branca e fria.../- H quanto tempo a no via/E que saudades, Deus meu!. Esse
poema tambm expressa a alegria de ver a neve e, ao mesmo tempo, a tristeza
de saber que pessoas desprotegidas sofrem com o frio. Na composio do poeta
portugus, o frio que faz sofrer tanto as pessoas quanto o poeta: Fico olhando
esses sinais/da pobre gente que avana/e noto, por entre os mais/os traos
miniaturais/duns pezitos de criana....
Nos versos de Nunes so mostrados trabalhadores que ganham o po
de cada dia labutando nas ruas, molhados pela gua da chuva, mas, embora
parea ruim para quem trabalha nessa situao, a chuva vista pelo poeta no
com tristeza, como o poeta portugus v a neve, e sim como um momento de
prazer e de rememorao, porque a chuva traz consigo no s as pessoas que
circulam pela via pblica trabalhando, mas tambm outras com suas histrias de
rezas, supersties e ainda uma cano que o sol sepulta/e o inverno camarada
desenterra. Tanto assim que, usando de um repertrio de crenas populares
sobre a chuva, h um afeto maior com o fenmeno da natureza do que com as
pessoas, conforme atestam estes versos: para que rezar Santa Clara?/Essa
chuva tem de cair/ s para mim, gente da rua! A vida e a poesia como que
brotam das guas da chuva.
Essa afetividade do poeta pela rua e pela chuva configura-se pelo uso
sistemtico da prosopopeia no poema, como, por exemplo, em chuva malandra,
Gentil menina, Inverno camarada, bem como pela repetio da palavra Gentil,
no incio da sequncia dos versos com os nomes das ruas, Gentil, Serzedelo,
So Mateus, no segundo e dcimo primeiro versos. No dcimo verso, a rua
caracterizada como Gentil menina.
112
113
perda: No ests aqui pai meu/no cemitrio sem cipreste, numa melancolia do
filho que percebe, no epitfio do tmulo paterno, que a vida necessria: te
entendo melhor na rua mida/na aflio dos bairros distantes/No sei por que.
Nos versos finais do poema, observam-se referncias ao conto popular
A menina enterrada viva, recolhido e difundido por Cmara Cascudo, como que
no desejo de ter o pai de volta, igualmente ao que ocorre no conto, em que o pai
desenterra a filha viva: o capineiro de meu pai/no me cortes meus cabelos,
mas reconhece que tudo no passa de sonho expresso no ltimo verso: te
entendo melhor l fora, no mundo dos vivos. Essa maior liberdade que os poetas
modernos passam a ter na expresso de seus sentimentos, com licena potica
mais alargada para tudo experimentar, trazendo para a poesia outras referncias
culturais, como o folclore, revelada no poema de Nunes. Esse poema, ao
abordar o tema da morte, que pode levar a um certo sentimentalismo, demonstra
preocupaes cotidianas em que a vida tem que prosseguir como a melhor
escolha.
A partir do sexto poema, notam-se, em alguns deles, como
Fragmento, Hino ao caminhante e Cantiga, reflexes sobre o estar no mundo
e o reconhecimento da possibilidade de mudana, em que a voz, a viglia, o
movimento e as mos passam a ser importantes para essa mudana.
Assim que, em Fragmentos, poema curto de uma nica estrofe, com
versos irregulares, so observadas reflexes nas quais o eu potico, ao despertar
para seus sonhos, metaforicamente, percebe, a partir do espao, que seu mundo
estreito, pois as janelas so estreitas e o teto baixo. Isso demonstra as
inquietaes do poeta com a vida humana, percebendo que h outra etapa da
existncia em que pode haver crescimento interior do homem, o qual vai
mudando, igualmente ao poeta que se interroga como o filsofo: Os meus sonhos
no cabem aqui/o teto muito baixo/as janelas so estreitas/para onde voaro
eles/quando houver o crescimento do homem?
114
115
do
poeta
dos
demais
seres
humanos:
Descendo
meu
116
anjo cingem-se alma do poeta, que, embora confesse seus pecados, parece
descrente do mundo e do amor, vendo no Senhor confessor o responsvel para
que essa descrena mude: Enfim, Senhor, comeou o pecado,/cortastes as
quatro cordas do anjo/que vibravam em mim./Enfim, Senhor, sou um homem
impuro. Esse poema parece revelar as primeiras dvidas que Benedito Nunes,
como catlico apostlico romano, desenvolve sobre a existncia de Deus: resisto
a minha angstia/e ao problema da tua existncia. Nessa poca, Nunes j est
lendo os filsofos anticristos, como Nietzsche. Isso pode ser observado nos seus
versos, que, mesmo tratando da confisso e supondo o perdo, o que sugere a
aceitao desse novo homem: Chegou o tempo de esquecer os gestos de
amor/lembrarei o dio e a obscenidade, e termina somente lamentando: Enfim, j
sou um homem impuro./Lamento apenas no saber cantar/Ou danar...
Outra composio de Benedito Nunes, com o nome Poema, vem
lume em 24 de agosto de 1947. Trata-se de uma composio formada por quatro
estrofes e trs versos. Ali, na expresso gua mansa, a palavra gua de
importncia fulcral assim como em diversos poemas de Benedito Nunes. Em
outras expresses, no caso, nomeadamente, areia mida e passos fundos, o
termo gua, at por suas sugestes de origens, revela o profundo mistrio da
vida humana.
O ltimo poema de Benedito Nunes, Retrato, de 20 de fevereiro de
1949. Em seus versos, o poeta parece fazer o retrato do homem/bardo, que vai
sair de cena, uma vez que vive sobre os muros de um invisvel reino/que rei
nenhum sonhou para a sua glria, como que anunciando aquilo que vai acontecer
com o poeta/homem, o qual muda seu itinerrio para a crtica literria, observando
que: Sou torre que fendeu no esforo de elevar-se/e carrego o vazio dos espaos
sem torres/e a fonte que sequei na nsia de ser claro.
Os primeiros poemas de Nunes comentados dialogam com as
premissas dos modernistas antecessores, ou seja, o uso do verso livre, a
liberdade de experimentar, atravs do que tudo pode ser assunto para versos,
como comprovam, por exemplo, os poemas que tratam das ruas de Belm. Em
117
seguida, observa-se ainda que grande parte dessas composies, de certo modo,
trata de temas religiosos, como o uso constante da gua, luz, branco, anjo,
eternidade. O 16 poema (Anexos, Item 5.2) apresenta maior sensibilidade no trato
de imagens ou metforas, como as da gua e do mar, em que o eu potico e o
objeto se fundem, quando o sujeito da enunciao lrica exprime seu prprio
estado de alma.
Benedito Nunes (1992, p. 21), antes do trmino da circulao do
Suplemento em foco, j tem decidido que no continua fazendo poemas e, sempre
que tem oportunidade de falar desse perodo, repete o que disse em 1950:
118
O poema Mar encontra-se publicado trs vezes: duas vezes no Suplemento e uma na revista
Encontro.
119
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111
112
122
Ver NOBRE, Marcos; REGO, Jos Mrcio (Orgs.). Conversas com filsofos brasileiros. So
Paulo: Ed. 34, 2000, p. 69-89.
114
Nunes em Quase um Plano de Aula afirma que no perodo em que cursava Direito trabalhou
no escritrio de advocacia a convite de seu Professor de Direito Penal, Jos Toms Maraj,
depois ele e Haroldo Maranho abriram um escritrio de advocacia com o seguinte propsito
...Assim, abrimos o escritrio para que pudssemos, com certo conforto, boy nossa disposio
para cafs e merendas, ler e escrever nossa vontade. Fugamos dos clientes, escondamo-nos
deles, e cheguei a expulsar de minha casa um desses inoportunos (NUNES, 2009, 20-21).
123
George Santayana, pseudnimo de Jorge Agustn Nicols Ruiz de Santayana y Borrs, nasce
em Madri em 1863 e falece em Roma em 1952. filsofo, poeta e ensasta. Embora nascido na
Espanha, educado nos Estados Unidos da Amrica (EUA), por isso ligado s letras norteamericanas. O filsofo tambm se utiliza de aforismos para transmitir suas ideias, como pode ser
observado em seu liivro A vida da razo (1905).
116
Raimundo Farias Brito, filsofo brasileiro, nasce em 24 de julho de 1862 em So Benedito,
Serra de Ibiapaba, Cear. Forma-se pela Faculdade de Direito do Recife (PE), onde aluno de
Tobias Barreto. Exerce o cargo de promotor e secretrio do governo do Cear. Transfere-se para o
Par, onde advogado, promotor e professor da Faculdade de Direito de Belm do Par, de 1902
a 1909. Posteriormente, muda-se para o Rio de Janeiro, onde leciona lgica no Colgio Pedro II. A
obra de Farias Brito composta de duas trilogias: Finalidade do mundo: a filosofia como atividade
permanente do esprito (1895), A filosofia moderna (1899), Evoluo e relatividade (1905); e
Ensaios sobre a filosofia do esprito: a verdade como regra das aes (1905), A base fsica do
esprito (1912) e O mundo interior (1914). Muito religioso, combate o materialismo, a teoria da
evoluo e o relativismo, pregando Deus como um princpio que explica a natureza e serve de
base ao mecanismo da ordem moral na sociedade. Desenvolve seu pensamento para um
espiritualismo mais pronunciado. Benedito Nunes faz a seguinte afirmao sobre o
124
primeiro pargrafo da nota um, em que Nunes faz referncia coisa em si117,
teoria filosfica de Immanuel Kant (1724-1804), o intelectual paraense j comea a
se preocupar no s com o que esses filsofos dizem sobre a complexidade do
conhecimento humano, mas tambm com as questes do universo, da natureza
do homem, a partir de suas observaes empricas: Nas noites estreladas,
compreendemos melhor a limitao de nosso entendimento, mas h uma revolta
em ns, um impulso que procura elevar-se e compreender (NUNES, Anexos,
Item, 5.3). Suas leituras revelam um caminho que vai do espiritualismo para a
metafsica.
J na primeira nota, Benedito Nunes questiona a posio do filsofo na
constituio dos saberes:
estudioso cearense: Farias Brito, longe de ser medocre, dotado de esprito penetrante: d
viveza filosofia sem deixar de ser profundo (NUNES, Anexos, Item 5.3)
117
Segundo Kant, em Crtica da razo pura (1781), existe uma tenso entre os conhecimentos
emprico e racional. Para concili-los, ele estabelece as doze categorias ou princpios do
entendimento, existentes, segundo ele, no esprito humano, concluindo que no se pode ter
conhecimento diretamente do mundo material. Da, Kant denominar tais categorias de A Priori.
Ento, distingue o mundo emprico, isto , nossas percepes sensoriais, e o transcendental, ou
seja, o saber que permitido por meio das suas categorias A Priori, que ordenam e configuram a
experincia. Distingue ainda o mundo dos fenmenos, aquele que percebido pelos sentidos e
interpretado pelo esprito da coisa em si (Ding an Sich). A coisa em si pertence ao mundo dos
nmenos, a que no se tem acesso (p. 230-233). De onde chegar-se a dizer que a existncia de
Deus e da alma so questes de f e no da razo.
118
Ernst Heinrich Philipp August Haeckel (1834-1919)), naturalista alemo que ajuda a popularizar
125
126
em
torno
de
tais
personalidades.
Pelo
pequeno
comentrio
Observa-se que desde 1947 Benedito Nunes est lendo Kant. No aforismo 23, do dia 5 de
janeiro de 1947, tem-se a seguinte afirmao: 23 O imperativo categrico que coisa terrvel.
Um prenncio do pragmatismo! Os gnios, como os anjos, tm as suas quedas. Kant apresentanos o dever como plenitude da ao humana. A felicidade est longe de ser olhada pelo seco e
metdico professor de Knigsberg! O dever a primeira palavra que os esbirros aprendem e nada
mais contrrio liberdade primeira ligao com o mundo! (NUNES, ANEXOS, Item 5.3).
127
Numa entrevista dada a Marcos Nobre, Nunes afirma o seguinte: Eu tive de comprar os meus
prprios livros, porque aqui [Belm] havia somente o do Estevo Cruz uma Histria da filosofia
e o de um senhor chamado Lars, que era Escolstico, editado pela Melhoramentos. Depois, surgiu
Teobaldo Miranda dos Santos. Quando comecei a dar aulas na Faculdade de Filosofia, eu traduzia
certos textos do francs e do ingls e passava para os alunos - Isso foi um timo exerccio. Ver.
NOBRE; REGO, 2000, p. 70.
128
como
representao, a msica vista como a arte mais elevada e majestosa, que faz
efeito to poderosamente sobre o mais ntimo do homem, a to inteira e
profundamente compreendida por ele, como uma linguagem universal, cuja
distino ultrapassa at mesmo a do mundo intuitivo. Talvez, por essas
afirmaes, Nunes (Anexos, Item 5.3) chegue seguinte concluso: O domnio
est em Beethoven; a compreenso em Chopin. Este nos descobre a humanidade
e por ele entramos no Amor.
Benedito Nunes, nessa poca, j um apaixonado pela msica erudita.
Numa entrevista assinada pelo amigo Ruy Barata e publicada no mesmo jornal, no
129
121
130
com
base
num
pensamento
utilitarista
que
vai
propiciar
131
Diferentemente o srio
como
salvao,
enquanto
outros
acham-se
profundamente
122
Essa viso de Benedito Nunes dos idos de 1947, na qual sua personagem chinesa vive em
estado contemplativo, muda bastante para os homens do sculo XXI, ou seja, esse exemplo no
retrata mais, hoje, os povos chineses, pois a China atual vorazmente capitalista.
132
Embora o artigo Atualidade de S. Tomaz, publicado por Benedito na revista Norte e centrado
em reflexes filosficas, no possua fortuna crtica, importante, pois demonstra que Nunes j se
encontra estudando as teorias da existncia, especialmente em Pascal e Kierkegaard. Ver 2
Volume desta Tese, Anexos, item 6.3.1.
133
134
135
136
Antes dessa entrevista dada em 1950, quando revela que deseja ser
catlico, mas sua f intermitente, em julho de 1947, nos aforismos 44-60 (2
Volume desta Tese, Anexos, item 5.3.5), ao comparar o catolicismo ao
protestantismo, afirma que detesta o ltimo e que tem razes espirituais no
catolicismo, acrescentando, em seguida, o motivo: O catolicismo malevel;
oferece valores humanos mais simpticos. V-se que o ensasta brasileiro, antes
124
137
138
139
125
Em 1949, tem-se uma entrevista de Heidegger no peridico no qual Benedito ento colabora.
Ver a entrevista na ntegra, no 2 Volume desta Tese, Anexos, item 11.54.
140
com
todo
um
arcabouo,
desde
antiguidade
at
141
142
NUNES, Benedito. (Joo Afonso: pseudnimo de Benedito Nunes). Dez poetas paraenses.
Folha do Norte. Belm, 31 dez. 1950, Arte Suplemento Letras, p. 4-2. Ver 2 Volume desta Tese,
Anexos, item 5.5.2.
143
127
Embora esse fato tenha ficado muitos anos desconhecido do pblico, acredita-se que muitos
dos literatos que escrevem naquele Suplemento e amigos destes que leem o texto na poca no
desculpam Benedito Nunes por essa atitude, sobretudo, pelo uso do pseudnimo Joo Afonso,
nome (com falta de um f) do av materno de Francisco Paulo Mendes, que, antes de se saber de
quem o texto, leva a culpa. Isso deve ter causado muitos dissabores a Nunes.
144
depreende dos fragmentos das cartas, est levando a culpa pela crtica feita por
Benedito Nunes.
Atravs dos fragmentos das cartas, ainda se observa que h uma troca
de correspondncia de Mrio Faustino com Francisco Paulo Mendes e com
Benedito Nunes, pois os nomes dos dois crticos esto referidos nos fragmentos
das missivas do poeta piauiense, que fica sabendo o que est acontecendo em
Belm, e at ele, que no to criticado pelo amigo, se aborrece com a aludida
crtica, conforme fragmento da carta de 29 de janeiro de 1951: Recebi ontem tua
ltima
grande
tristeza
que
145
NUNES, Benedito. Cronologia. In. (Org.). Meu amigo Chico, fazedor de poetas. Belm:
SECULT, 2001, p. 25.
146
vivncia do poeta com o fazer literrio, ou seja, a partir da palavra que serve
para levar a outra pessoa a ressonncia de uma impresso das coisas que s ao
poeta foi dado viver na intimidade misteriosa do ato criador. Na viso do crtico
brasileiro, o poeta deve utilizar uma linguagem precisa e falar de temas humanos
eternos, o que, segundo Nunes, no o que Floriano Jayme faz, pois seus
poemas so feitos de corpos estranhos, especialmente o poema As palavras de
Lcia.
Aps a crtica contundente aos poemas de Floriano Jayme, Nunes
passa a analisar as composies de Mrio Faustino, que se por um lado pode
lembrar o artigo O poeta e a rosa, de Francisco Paulo Mendes, publicado em 25
de abril de 1948, sobre o bardo piauiense, por outro lado a crtica de Nunes
bastante diferente da de Mendes, pois, enquanto este observa os temas da
pureza e beleza, considerando o Anjo e a Rosa como smbolos, num texto
bastante elogioso, Nunes, embora valorize os poemas de seu amigo Faustino,
aponta tambm os problemas, afirmando que h neles uma confuso de
conceitos entre tcnica e substncia potica.
J sobre o poema Enlevo, de Haroldo Maranho, o crtico brasileiro
aponta que h um encadeamento artificial e mecnico das imagens, destacando,
porm, a importncia da conciso da linguagem do poema Breve apelo.
Para fazer crtica a seus prprios poemas, Nunes afirma que achado
em poesia no sempre pura obra do acaso e observa ainda que: Este
fenmeno est condicionado conquista do esprito potico e se d quando o
poeta entra em posse das suas imagens e dos seus smbolos. Nota-se, neste
momento, que o crtico brasileiro introduz as ideias filosficas de Plato em seu
texto para dizer que [...] qualquer achado ser como que uma reminiscncia das
ideias supremas que presidem a todo trabalho de seu esprito. Ser, uma
interpretao platnica, um desdobramento dos modelos ideais que guarda na
intimidade.
Verifica-se que Benedito Nunes emprega as ideias de Plato sobre
reminiscncia, entendendo que o poeta busca as imagens/smbolos/achado de
147
148
149
Leon Tolsti (Conde Liev Nikolievitch Tolsti) nasce em Yasnaya Polyana em 9 de setembro
de 1828 e falece em Moscou em 1910. reconhecido como um dos maiores romancistas russos
do sculo XIX e da literatura mundial. Consagra-se nas letras nacionais e no mundo com os
romances Guerra e paz (1869) e Anna Karenina (1878). As referidas obras so produzidas durante
os longos anos de um casamento conturbado. Tolsti, que pertence aristocracia russa, descrito
por seus estudiosos como um homem atormentado, que na juventude leva uma vida mundana de
jogos, bebidas e bordis e, na maturidade, procura o sentido da existncia. No o encontrando na
satisfao das coisas do mundo, converte-se ao cristianismo. Aps alcanar fama, afasta-se da
vida luxuosa em que se encontra e, em concordncia com Rousseau, passa a habitar o campo, em
busca de uma vida simples como a dos camponeses. Dedica suas foras a atividades voltadas f
e solidariedade crist. Ser cristo para ele viver os ensinamentos de Cristo, por isso nega-se a
aceitar a autoridade de governantes, com os quais tem vrios problemas, e a autoridade
eclesistica no que diz respeito a obedecer aos preceitos da Igreja Ortodoxa Russa, da qual foi
excomungado. A partir de sua converso, passa a ser pacifista, vegetariano, deixa de fumar e de
beber. Abstm-se tambm da vida sexual e coloca-se ao lado dos menos favorecidos
economicamente. Sua famlia, mulher e filhos, no aceitam a nova vida abraada pelo escritor,
que, aos 82 anos, foge de casa e vaga nos trens, durante dias, viajando de terceira classe, o que
resulta numa pneumonia da qual vem a bito em 20 de novembro de 1910 (Ver PARINI, 2011, p.
7-18). A vida de Tolsti lembra muito a de So Francisco de Assis, um dos maiores santos da
cristandade, considerado, hoje, o primeiro santo ecolgico, defensor da natureza e amigo dos
150
151
152
132
As referncias dos filsofos cristos que Benedito Nunes cita, ao final desse primeiro artigo
publicado no Suplemento em causa, parecem constituir at uma questo doutrinria, pois no
comum vir bibliografia ao final dos artigos de outros crticos que publicam na Folha do Norte,
incluindo os dos crticos do Rio de Janeiro e So Paulo. Esse fato tambm parece demonstrar a
importncia de tais obras de teor religioso no s para Nunes, que as l indicadas por Francisco
Paulo Mendes, catlico como ele, mas tambm para os leitores daquele jornal de Belm do Par,
que, at hoje (2012), considerada uma das capitais mais catlicas do Brasil.
153
133 Tal postura adotada por Benedito Nunes, ainda no perodo em que publica no jornal Folha do Norte, posteriormente vai ser aperfeioada em outros
suportes literrios, como revistas e livros.
154
aflio e a agonia. Para todas essas questes, conforme Benedito Nunes, nem a
Cincia, nem o pensamento racional da filosofia tradicional, que ele vem
estudando, conseguem oferecer uma resposta satisfatria, e sim a religio, mais
precisamente, a crist, que, ... como ato de amor, (Cristo) pressupe a
esperana, no a esperana que se resume em ser a expectativa das coisas
futuras, mas a esperana essencial, que alimenta o ser e que o leva a confiar em
Deus e a fazer dessa confiana a suprema razo da existncia (NUNES, 2
Volume desta Tese, Anexos, item, 5.6.1). Tudo isso ocorre j que a cincia e
filosofia tradicional no encaram a pessoa humana como um ser histrico, nico,
vivendo e sofrendo conforme ele acredita que a religio v, e deixam sem
respostas questes cruciais da vida do homem, como acontece com o tema da
morte, porque:
155
austero dos estoicos vem a ser uma aceitao passiva do sofrimento, enquanto
que o cristo transforma-o num ato de amor para com o seu Deus (NUNES, 2
Volume desta Tese, Anexos, item, 5.6.1).
Benedito Nunes chama a ateno para as intuies profundas de
Plato e seu entendimento a respeito dos filsofos e da morte: Isto constitui para
todos um mistrio, quem se consagra filosofia no aspira seno preparar-se
para morrer e a morrer. Assim, filosofar aprender a morrer. Nunes entra em
detalhes sobre a passagem de Plato sobre o mito da Caverna134 e conclui que o
filsofo platnico preparava-se para morrer e aspirava a morrer, porque a morte
era o comeo daquela realidade que a alma, prisioneira do corpo, desejava
ardentemente possuir, enquanto submetida s contingncias da vida terrena.
Benedito Nunes aproxima essa histria simblica da Caverna de Plato religio
crist, afirmando que:
134
Nunes comea muito cedo a estudar as obras de Plato. V-se que o mito da caverna um
tema que o marcou profundamente. Em 2006, ele faz a apresentao e o prefcio do livro: O mito
da caverna (A Repblica Livro VII), de Plato, publicado pela EDUFPA e destinado aos
candidatos ao ingresso nos cursos superiores da Universidade Federal do Par (Vestibulandos).
Na apresentao Nunes faz a seguinte afirmao: A Universidade Federal do Par, ao lanar o
Mito da Caverna, stimo livro de A Repblica, pe disposio dos estudantes do ensino mdio
um texto fundamental da Filosofia clssica, de Plato, essencial a qualquer rea de estudos,
imprescindvel formao de uma cultura geral e ao esprito crtico-reflexvel de nossa juventude.
Os Dilogos de Plato, que entre seus interlocutores apresenta Scrates como o grande mestre,
produziro efeitos penetrantes e duradouros sobre a vida intelectual de seus leitores,
principalmente sobre jovens estudantes que, hoje como no passado, tm a Filosofia como
disciplina de seu percurso escolar inclusive exigida no Processo Seletivo Seriado de ingresso ao
ensino superior (Nunes, 2006, s/p.).
156
surge como a religio mais importante. Nunes entende que, para o cristo: o
pensamento da morte uma atitude essencial que inspirada pela vida,
atentando para a realidade do prprio ser que aspira perfeio e a vida eterna
(NUNES, 2 Volume desta Tese, Anexos, item, 5.6.1).
Assim como Landsberg reflete sobre os mistrios da existncia, em que
a religiosidade crist vai ser importante na compreenso da morte, o crtico
brasileiro, tambm cristo, nessa linha estabelece a primeira relao entre teorias
filosficas e a arte da palavra, mais precisamente, a prosa de fico, incluindo,
tambm como Landsberg, uma reflexo a respeito da morte na dimenso das
guerras e do extermnio humano135.
H na sua primeira anlise, assim como faz Landsberg, discusses
sobre a questo da morte do homem cristo e do no cristo, sobre a importncia
de abraar esse credo, para, aps a morte, alcanar-se a vida eterna com Deus. A
partir de semelhantes questionamentos religiosos, Nunes passa sua leitura da
novela de Tolsti. Todavia, para a anlise de A morte de Ivan Ilitch, o crtico
paraense recorre tambm obra As revelaes da morte, de Chestov.
A obra As revelaes da morte136, de Chestov, est dividida em duas
partes. Na primeira, sob o ttulo A luta contra as evidncias (Dostoievski), analisa
os sinais da morte em Recordaes da casa dos mortos (1862) e A voz
135
Em 1946, quando comea a circulao do Suplemento em foco, os literatos que ali trabalham se
renem em diferentes locais, principalmente no Caf Central, para ler e discutir as publicaes que
chegam de diferentes partes do Brasil, como Rio de Janeiro, So Paulo, Curitiba e Minas Gerais e
do exterior. Nas edies da poca, percebem-se naquele peridico vrias manchetes ainda sobre o
rescaldo da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Quando o Brasil a ela adere, durante o governo
Getlio Vargas, Belm uma das cidades brasileiras que servem de base aos avies norteamericanos que combatem o Fhrer nazista. Nota-se que os escritores que ali publicam so
sensveis ao que se passa na Europa no que diz respeito s atrocidades da citada Guerra. Muitos
deles, em entrevistas anexas no 2 Volume desta Tese, Anexas, item 11.17-11.25, implcita ou
explicitamente, s reconhecem tal conflito mundial como sendo uma prtica perniciosa, de onde
ser comum, nos textos dos literatos paraenses, aluses religio como aplacadora dos
sofrimentos humanos. Bruno de Menezes, em sua entrevista, declara que: O mundo, na fase que
atravessa, no s tem fome de alimentos, como de tranquilidade da conscincia, de
apaziguamento moral, de quietude cerebral, isto por meio do livro, que, alm do contedo humano,
transmita o amor, a fraternidade, a crena num Deus justo e bom, no culto da amizade e da unio
entre os homens.
136
Conforme notas ao final do artigo de Benedito Nunes, ele l tanto a obra de Landsberg quanto a
de Chestov de uma traduo do espanhol, a saber: Nota (1) Las Revelaciones de la muerte.
CHESTOV, Leon; e Nota (2) Experiencia de la muerte. LANDESBERG, Paul Luis.
157
158
137
Soren Aabye Kierkegaard um filsofo dinamarqus cristo, que vive no sculo XIX e passa a
ser um dos crticos de Hegel, por este, segundo o pensador nrdico, ignorar a existncia concreta
do indivduo. Vai viver uma vida de absteno religiosa e questionar as autoridades da igreja
luterana da Dinamarca, inconformando-se com as disparidades entre o carter introspectivo da f
crist e o conformismo social e poltico da igreja estabelecida... (p.VIII). Benedito Nunes admira a
filosofia de Kierkegaard por toda a sua vida. Tal filosofia recorrente em suas anlises literrias, a
partir da primeira, sobre a novela de Tolstoi, A morte de Ivan Ilitch, em que chama a ateno para a
obra O desespero humano: doena at morte, do pensador dinamarqus, considerado, por
muitos estudiosos, o primeiro representante da filosofia existencialista, tratando, alm do
desespero, da questo da morte, do pecado, entre outros temas religiosos. Ver KIERKEGAARD,
Soren Aabye. Dirio de um sedutor; Temor tremor; O desespero humano (Os Pensadores).
Traduo de Carlos Grifo, Maria Jos Marinho, Adolfo Casais Monteiro. So Paulo: Abril Cultural,
1979.
138
Blaise Pascal um matemtico, fsico e pensador francs do Sculo XVII, mais conhecido por
seus textos filosfico-religiosos, chamados de Penses (Pensamentos). Ele convive com outros
estudiosos libertinos, que acham que a f no pode ser demonstrada. Mas, depois de convertido
ao cristianismo, Pascal liga-se ao jansenismo, movimento dentro da Igreja Catlica Romana, de
aspecto disciplinar, moral e dogmtico, que se ope opulncia e ao racionalismo dos jesutas em
favor da piedade asctica e da doutrina Agostiniana da predestinao incondicional e da graa
fundamentada na vontade de Deus e no do Homem, tentando demonstr-la a partir de sua
prpria vida reclusa. Conforme relato de sua irm, que afirma ser ele um homem em consonncia
com os preceitos religiosos que adota dos vinte e quatro anos at sua morte, aos trinta e nove
anos: ... quando ainda no tinha vinte e quatro anos, tendo-lhe a Providncia divina dado a
oportunidade de ler os escritos devotos, Deus o iluminou de tal maneira com essa leitura que ele
compreendeu perfeitamente que a religio crist nos obriga a viver to somente para Deus e a no
ter outro objetivo seno Deus. Pascal, nos seus Pensamentos, critica todas as religies em favor
do credo cristo, o qual, segundo o pensador francs, o nico verdadeiro por causa de suas
testemunhas. Ver PASCAL 1979, p. 13. Benedito Nunes vai sempre mencionar Pascal como um
filsofo que traduz de forma coerente Deus e as dores humanas. No artigo sobre a personagem
Ivan Ilitch, Nunes destaca a parte em que Pascal observa as misrias do homem sem Deus. Em
dezembro de 1950, no Suplemento em pauta, o intelectual paraense faz a seguinte afirmao a
respeito de si mesmo: ...Salvou-se de ficar a vida inteira agnstico, lendo Pascal. Porm, na
continuidade da existncia, ele vai novamente se tornar agnstico, conforme declara,
pesquisadora desta Tese, em 2007.
159
160
como acontece com Ivan Ilitch, que, depois de sofrer os terrores de uma doena,
se reconcilia com Deus.
Nesse contexto, um ponto a assinalar o seguinte: na anlise literria,
uma personagem, que um ente fictcio e comunica a impresso da mais ldima
verdade existencial (CANDIDO, 2000, p. 55), pode provar uma verdade
experimentada por homens de carne e osso?
Nunes (2 Volume desta Tese, Anexos, item 5.6.1) observa que a
personagem Ivan Ilitch um homem do cotidiano que se defronta com a morte.
Contudo, o fato de ele ter vivido sempre preocupado com as exigncias da vida
diria, o medo que, a princpio, domina o seu ser diante da realidade da morte.
Isso ocorre, segundo Nunes, porque a morte, para os homens comuns, como
que uma coisa abstrata, s passando a ser entendida como algo que faz parte da
vida quando esse mesmo homem se conscientiza de que ele uma criatura
destinada vida eterna com Deus.
Assim que a personagem Ivan Ilitch, que vive tranquilamente,
despreocupada, como os comuns dos mortais, aps contrair a doena,
diagnosticada por vrios mdicos como sendo um rim flutuante ou um apendicite
ou as duas doenas, vai se apropriar da morte, aos poucos, a partir de sua via
sacra a procurar mdicos, tomando remdios, procurando ajuda em outras
especialidades de tratamentos, como as dos cones, e sofrendo muito, numa
gradao que vai do medo angstia, do dio agonia at compreender que a
doena diagnosticada pelos doutores no uma coisa nem outra, mas a morte.
Nunes, ao analisar a novela de Tolsti, trata em seu artigo,
especialmente, do momento a partir do qual a personagem Ivan Ilitch contrai a
doena at sua morte. Fato relevante ao se considerar o contexto no qual a obra
escrita, ou seja, o perodo da esttica do Realismo, que se inicia na Frana da
segunda metade do sculo XIX, tendo como principais representantes Flaubert e
Zola139. Tal perodo estilstico se caracteriza pela objetividade cientfica, isto , os
139
Ivan Ilitch, depois que adoece, passa a dormir sozinho num pequeno quarto. No dia de uma
festa em sua casa, vai dormir s 23 horas. Quando chega ao quarto: Trocou de roupa e pegou o
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vivo,
Ivan
Ilitch
procura
viver
dentro
das
mesmas
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164
Para Benedito Nunes (2 Volume desta Tese, Anexos, item 5.6.1), essa
dor da personagem maior porque o raciocnio abstrato no pode vencer a
abstrao do ser que se aferra vida e que se nutre de um amor louco e
desesperado por ela, amor insensato, como acontece tambm com a
personagem de Dostoivski140, Raskolnikov - outro que, como Ivan Ilitch,
apegava-se vida e no queria aceitar a realidade da morte.
A partir de um dia em que h festa em sua casa e as pessoas se
divertem, Ivan vai para o seu quarto e comea suas reflexes sobre a sua doena,
portanto sobre sua morte. Nunes, detendo-se no drama existencial da principal
personagem da obra em foco, observa que:
Agora Ivan Ilitch sabe que est morrendo. No adianta mais se iludir,
porque no pode deter o avano da morte. Comea a se fazer muitas perguntas,
sem respostas: [...] Eu estava aqui e agora estou indo embora. Mas para onde?
[...] No existirei mais e ento o que vir? No haver nada. Onde estarei quando
no existir mais? Ser isso morrer? No. Eu no vou aceitar isso (TOLSTI,
2002, p. 65). Comea a pensar que vai morrer e que seus familiares so
insensveis, no se importando com ele, no sentindo pena do seu sofrimento.
140
Benedito Nunes est lendo Dostoivski desde 1947. No aforismo 71, de 12 de julho de 1947, ao
falar da angstia, do sofrimento humano, refere-se a essa personagem de Crime e castigo (1866),
romance do escritor russo. Conforme as palavras do aforismo: Vida... O Raskolnikof de
Dostoievsky, condenado mais dura das existncias, pedia vida, de qualquer modo! (Ver 2
Volume desta Tese, Anexos, item 5.3.7).
165
Eis o temor da morte por parte de Ivan Ilitch, que se agarra, at quase
os ltimos momentos, vida e no quer morrer, primeiro procurando tratamento,
depois fazendo reflexes tentando entender por que tanta dor. O temor da morte,
de acordo com o crtico paraense, comum entre os homens, porque ... o
pensamento da morte em cada indivduo transforma-se, de sbito, num caso
pessoal, numa ameaa particular, e revela, com uma intensidade dolorosa, a
verdadeira situao do homem dentro da existncia, como revelou a Ivan Ilitch
(NUNES, 2 Volume desta Tese, Anexos, item 5.6.1).
Benedito Nunes percebe que Ivan Ilitch sabe o silogismo com o nome
de Caio: Caio homem; os homens so mortais; logo Caio mortal (TOLSTI,
2002, p. 68). Porm, Ivan Ilitch no se inclui na lgica das premissas, afirmando
que no Caio. Caio era um homem em geral. Ele era a realidade de uma vida,
ameaada pela realidade de sua prpria morte (NUNES, 2 Volume desta Tese,
Anexos, item 5.6.1). De acordo com Nunes, nessa parte do discurso do narrador,
Ivan Ilitch discorda da premissa, porque percebe que existe algo bem diferente da
racionalidade da premissa sobre Caio, que os homens tentam impingir como uma
verdade para os outros homens, mas existe outra verdade inexplicvel que
mesmo quem aceita, tem dificuldade para conceitu-la, como ele agora, com sua
dor e solido, sabe apenas que ele diferente de Caio.
A desesperana, conforme Nunes, faz Ivan Ilitch dizer a si mesmo: Se
eu tivesse de morrer, como Caio, havia de eu saber, dizia-me a minha voz interior,
mas ela nunca me disse coisa que se parecesse (TOLSTI, 2002, p. 62). Afirma
ainda que a personagem se esfora por compreender de que maneira a morte
pode penetrar na vida e, com isso, Ivan Ilitch estava sob o choque espiritual
provocado pelo sentimento agudo de sua morte e se desesperava. E como no
lembrar de O desespero humano (Doena at morte), de Kierkegaard?
Ivan Ilitch tem uma vida correta e digna. Os problemas familiares, a
profunda incompatibilidade com a mulher, nada disso o desvia de sua retido,
acatando todas as convenincias da sociedade em que vive. Ele , declara o
crtico brasileiro, um desses homens que, como observa Kierkegaard, referindo-
166
167
vlida para a natureza inteira (NUNES, 2 Volume desta Tese, Anexos, item
5.6.1). Aqui, Benedito Nunes reconhece que o terror que se apodera da alma de
Ivan Ilitch o terror do homem que levado bruscamente a defrontar-se com o
mistrio de sua existncia141. Mas a personagem no est preparada para
realizar um confronto com a realidade da morte. E, ao que parece, na anlise do
estudioso paraense, a doena vai, aos poucos, aps vrios meses de sofrimento,
espiritualizando Ivan, ou seja, a partir do momento em que comeam as consultas
mdicas, em que os doutores do diagnsticos diferentes: distrbios no apndice,
no rim, ou as duas enfermidades juntas e a medicao de nenhum deles faz
efeito. Esse fato leva a personagem aflio, descobrindo que sua doena a
proximidade da morte.
Ivan Ilitch descobre a morte, mas no quer morrer, porque, conforme
Nunes, tal personagem vive no estado de ignorncia da morte que oculta o
sentido trgico da situao do homem no mundo. A doena faz Ivan Ilitch
rememorar os episdios de sua vida, verificando a conscincia do dever
cumprido e tentando entender o passado da sua vida: constata que vem fazendo
aquilo que a sociedade exige, porm se tortura pensando ser um verdadeiro
absurdo pensar que no tinha vivido como devia. Essas interrogaes e a dor, o
sofrimento, segundo o crtico brasileiro, vo transformar Ivan Ilitch, pois durante
a sua agonia que ele realiza o movimento da F e da Esperana. Depois de
muito sofrimento e no momento em que se diz empurrado para um buraco, v
brilhar uma luzinha que se aproxima dele e que a F que se acendeu em seu
esprito, iluminando a morte. Semelhante incidente demonstra que: Ivan Ilitch
realiza a apropriao espiritual da morte que seguida de uma imensa confiana
em Deus a quem entrega seu destino que ia agora possuir um novo esplendor
(NUNES, 2 Volume desta Tese, Anexos, item 5.6.1). O analista paraense termina
seu artigo com a seguinte afirmao:
141
Percebe-se que, nas primeiras anlises das obras de Clarice Lispector, as quais comeam a ser
feitas no jornal O Estado de So Paulo, em 24 de maio de 1965, e depois vo ser publicadas em
livro a partir de 1966, Nunes recorre a essas mesmas teorias filosficas.
168
142 No jornal em que o artigo publicado, consta O cotidiano e a morte em Ivan Ilitch. J na entrevista de 2000, encontra-se A morte e o cotidiano em
Ivan Ilitch. Ver NOBRE, Marcos; REGO, Jos Mrcio (Orgs.). Conversas com filsofos brasileiros. So Paulo: Ed. 34, 2000, p. 74.
169
170
sistematicamente
aos
pensadores
cristos,
demonstrando
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172
Benedito Nunes escreve o artigo Dez poetas paraenses, fazendo uma crtica negativa, em 31
de dezembro de 1950, sobre poemas seus e de colegas que publicam no Suplemento Arte
Literatura, edio especial do dia 24 de dezembro daquele mesmo ano, na vspera do Natal,
quando assina com o pseudnimo Joo Afonso. Em Consideraes sobre A peste, ao lado de
seu nome, Nunes acrescenta Joo Afonso, Na republicao desse artigo, ocorrida na Norte
Revista Bi-mestral, o pseudnimo Joo Afonso retirado.
146
A propsito do artigo Consideraes sobre A peste, um dos nicos textos crticos de prosa
ficcional do crtico paraense a ser republicado em revista, naquele perodo, pode-se pensar que
transferir um artigo do jornal para um suporte como a revista confere perenidade ao ensaio. Nesse
sentido, Ruy Barata, na j mencionada entrevista de 1947, que concede a Antnio Giro Barroso,
na capital do Cear, o literato paraense faz a seguinte declarao: Estamos muito animados e
nossos planos para o futuro bem prximo incluem uma editora, espcie de Cl (editora de
Fortaleza), e uma revista de estudos que se chamar Meridiano (essa publicao no se realiza e,
sim, a revista Encontro). Igualmente, em entrevista a Ruy Barata no ano de 1950, um dos
representantes dos Novssimos, Alonso Rocha, declara: Gostaria de ver no Par uma revista de
Cultura. Ver BARROSO e ROCHA, 2 Volume desta Tese, Anexos, itens 11.14 e 8.3
173
174
obstante ele mesmo ter afirmado que querer jungir a obra de arte a uma ideia
preconcebida ou querer por fora lig-la a uma inclinao determinada do
pensamento (...) empobrecer o sentido da arte (NUNES, 2 Volume desta Tese,
Anexos, item 5.6.2).
O discurso do intelectual paraense aponta para uma dificuldade
filosfica na sua concepo esttica. Ao mesmo tempo em que ele, como se pode
ver tambm em fragmento infracitado, defende a autonomia da arte e reprova uma
literatura atrelada a um determinado pensamento, no caso o racionalismo, realiza
uma interpretao de A peste, de Camus, empregando, como aporte terico, o
pensamento filosfico-teolgico em sua dimenso metafsica. Nunes como que
atribui uma funo mstica literatura enquanto um veculo de exaltao do seu
credo pessoal, qual seja, a f catlico-crist. Adviria sua dificuldade da sua atitude
dedutiva, metafsica ou transcendente em conflito com anseios de carter
pragmtico?
Antes de iniciar a anlise de A peste, tomando como principal referncia
aceitvel a ideologia crist em seu vis catlico, Benedito Nunes faz severas
crticas ao livro La France byzantine (1945)148, do pensador e crtico literrio Julien
148
A obra La France byzantine (1945), de Julien Benda (1867-1956) anteriormente recebe crtica
no artigo A Frana bizantina, publicado em 14 de julho de 1946, no jornal O Estado de So Paulo,
por Srgio Buarque de Hollanda, que tambm colabora no encarte aqui estudado. O historiador faz
uma crtica mordaz a Benda, trazendo informaes histricas para mostrar que muitos intelectuais
usam a questo literria para reforar polticas preconceituosas contra os cidados menos
favorecidos. Eis as palavras de Hollanda: Compreende-se que num mundo onde a energia
mecnica aboliu ou tende a abolir a energia muscular, onde o princpio da competio destronou o
da solidariedade orgnica entre os indivduos, onde a sociedade, na famosa distino de
Ferdinand Tonnies, progrediu em detrimento da comunidade e onde o desenvolvimento sem
precedentes das populaes urbanas e metropolitanas acarretou uma reviso radical a uma nova
ordenao de nossos interesses, valores, atividades, sentimentos, atitudes e crenas, proliferem
por vezes legtimo e fecundo, certo os inconformismos de toda espcie. Cabe duvidar, todavia,
se esses inconformismos podero ser resolvidos por meio de um retrocesso; tudo faz pressentir,
ao contrrio, que s uma sntese ou uma harmonia novas, de que o passado no oferece modelo,
permitir superarem-se os desequilbrios e antagonismos da era presente. E talvez semelhante
convico o que leva alguns daqueles inconformados, cujo tipo mais perfeito e mais
monstruosamente coerente nas letras francesas atuais sem dvida o escritor Julien Benda a
buscar refgio no reino das ideias imaculadas, do pensamento especulativo com excluso de todas
as manifestaes tecno-pragmticas. Atitude aristocrtica em essncia, pois que enaltece, de
forma tambm exclusiva, os valores prprios de uma casta intelectual contemplativa, e presume,
embora sem confessar claramente, a absoluta preeminncia de tal casta. Isto explica a averso
to caracterstica por uma poca tendente cada vez mais a desconhecer a distino antiquada
175
Benda (1867-1956)149, por este ter condenado, na poca, os vinte anos recentes
de literatura francesa. Isso porque, segundo Benda, tal produo rompe com o
racionalismo. O crtico paraense chega a dizer que:
176
177
procedimento atravs do que o texto literrio deve ser estudado como objeto
detentor de existncia independente, no se devendo confundir a criao artstica
com a realidade da vida emprica.
Embora essa perspectiva esttico-literria, a partir de Benedito Nunes,
j venha sendo discutida no Brasil por Afrnio Coutinho desde 1948, quem
tangencia essa questo no Par, particularmente, em um texto de 18 de maio de
1947, intitulado Problemas de uma histria da literatura, Wilson Martins152. Um
dos colaboradores do Suplemento em tela que, de 13 de abril de 1947 a 4 de
dezembro de 1949, escreve vinte e sete artigos.
Porm quem discute explicitamente a Nova Crtica no encarte em
questo Otto Maria Carpeaux em artigo de 8 de maio de 1949, intitulado
Importncia e crise da crtica Americana153, em que analisa o livro de The Armed
mecanismos organizadores do texto literrio, bem assim como a prpria especificidade da sua
escrita.
152
Wilson Martins nasce em So Paulo (SP) em 3 de maro de 1921 e falece em Curitiba em 30 de
janeiro de 2010. Forma-se em Direito, faz curso de especializao literria em Paris. Retorna ao
Brasil, onde passa a militar na imprensa como crtico literrio e onde exerce o cargo de Professor
de Literatura Brasileira na Universidade Federal do Paran (UFPR), em Curitiba, cidade em que
fica residindo. tambm Professor de Literatura Brasileira na New York University, dos Estados
Unidos da Amrica, alm de ser um dos integrantes da equipe de especialistas que compe a obra
A literatura no Brasil, organizada e dirigida por Afrnio Coutinho. Martins escreve dois captulos: A
literatura e o conhecimento da terra (volume 1) e A crtica modernista (volume 5). O crtico
paulistano se revela um dos maiores defensores de Afrnio Coutinho e de sua doutrina em torno
da Nova Crtica, chegando a dizer, a respeito de tal doutrina, que: Esse terico da crtica
esttica iria surgir, em 1948, com Afrnio Coutinho, cuja obra marca, por assim dizer, a
conscientizao correta dos problemas literrios. Ele prprio afirma que fundamental o trabalho
doutrinrio e terico, o desdobramento dos problemas de princpio e mtodo, sem o que no
lograremos, no Brasil, jamais sair da fase do empirismo e da improvisao. Ver MARTINS, Wilson
A crtica modernista In. A literatura no Brasil. COUTINHO, Afrnio (Direo), v. 5. So Paulo:
Global 1986, p. 626-627.
153
Otto Maria Carpeaux, nesse artigo, afirma o seguinte: O livro The Armed Vision, Knopf, 1948,
em que Stanley Edgar Hyman expe os mtodos dos principais crticos literrios norte-americanos
(e alguns ingleses) de utilidade evidente. porm preciso l-lo com cautela, no se dispensando
a leitura de outras obras semelhantes (The New Criticism, de Ransom; The Intent Of The Critic,
editado por Donald A. Stauffer), nem a dos prprios crticos, Hyman entusiasta. No contei
quantas vezes ocorre no livro o adjetivo tremendous em sentido elogioso. Mas no justo para
com um Edmund Wilson. No fala bastante de alguns novos, Robert Penn Warren e outros [...].
Essa limitao no , porm, prpria de Hyman e sim tambm dos objetos. Ele mesmo menciona
uma ou outra vez que o respectivo crtico conhece pouco as lnguas estrangeiras. Mas talvez no
precisasse. O mtodo do close reading exige, evidentemente, domnio completo da lngua em
que a obra lida est escrita, domnio to completo como s possvel com respeito lngua
materna. Da os crticos americanos se limitam a estudar obras em lngua inglesa, preferindo at
nesse terreno o estudo da poesia de determinadas pocas (Sculo XVII, Wordsworth, Coleridge,
178
Vision (1948), de Stanley Edgar Hyman. Em tal artigo, Carpeaux discorre sobre a
importncia e as limitaes desse mtodo crtico. Ele observa que, para um
estudo do close reading, ou seja, leitura exata de uma obra literria, h a
necessidade de se conhecer a lngua na qual o livro escrito. Segundo o crtico
vienense, o prprio Hyman diz que conhece pouco as lnguas estrangeiras. Isso,
de acordo com Carpeaux, limita o alcance de tal crtica, uma vez que Hyman
parece desconhecer toda uma tradio da cultura literria, em especial a francesa,
a italiana e a alem. Desse modo, Hyman conhece muito pouco dos outros
mtodos crticos e de nomes importantes para a crtica literria. E sem tais
conhecimentos, um mtodo crtico no se sustenta. Carpeaux levanta outra
questo com relao obra de Hyman, isto , a de que este confessa no ter lido
os livros muito mais importantes do marxista hngaro Georg Lukcs, mas (Sic)
nem se quer conhece o nome do maior marxista Walter Benjamin, o que, para
Carpeaux, um problema srio para quem pretende um novo mtodo crtico.
Nesse contexto de debate em torno da crtica da obra de arte verbal
que Benedito Nunes se desenvolve intelectualmente, formando a sua concepo
de uma crtica que valoriza o texto literrio em sua essncia. Tal fato se acentua
em 1952, na convivncia de Nunes com o poeta norte-americano Robert Stock154,
os modernos); fora da poesia, o drama lhes importa menos e o romance quase nada (excees:
Stendhal, Henry James, Joyce, Faulkner). Limitao saudvel enquanto for voluntria. Mas quem
sabe se aqueles mtodos no se aplicam porventura, com vantagem, s a determinada poesia
inglesa? Por que no fazer a prova? Por exemplo Close Reading de um poema de Leopardi ou
Villon? Ou por que no experimentar o Close Reading em um poema brasileiro? Seria a maneira
mais segura de introduzir entre ns os mtodos americanos. V-se que Benedito Nunes tem
oportunidade de conhecer esses estudos sobre a Nova Crtica no calor da hora, o que favorece
sua atitude com relao crtica que ele empreende anos depois. Observa-se que Nunes vai
estudar as lnguas dos autores dos quais ele vai fazer anlises. Percebe-se, ainda, sobre essa
questo que a maioria dos literatos da Gerao Moderna do Par de 1946 tem formao francesa.
Todos leem e escrevem em francs, haja vista as tradues que so feitas nos peridicos por
muitos deles. Nunes, na poca, l em francs e em espanhol, depois passa a estudar ingls e
alemo para analisar obras de autores dessas nacionalidades.
154
Robert Stock nasce em Minassota em 1923 e falece no ano de 1981 em New Orleans, na
Louisiana, Estados Unidos da Amrica. autor de um livro de poemas ainda no traduzido para o
portugus, Covenants, em que existe um poema em homenagem a Mrio Faustino, intitulado O
poeta Mrio Faustino desce ao Hades e ascende ao Empreo. O tradutor Ricardo Carvalho verte
do ingls para o portugus a referida composio sobre Mrio Faustino. Ao final da traduo do
poema, h uma nota de Stock, tambm traduzida, que remete aos amigos da capital do Par:
Tendo perdido o contato com meus amigos em Belm, no Brasil, s ouvi falar da morte de Mrio
179
que reside em Belm, e com o autor paraense e outros que congregam a revista
Norte, discute questes esttico-literrias, que vo ser refinadas pelo ensasta
brasileiro. Numa entrevista concedida autora da presente tese (Anexos, item
10.1), Nunes declara: A importncia de Bob Stock como poeta e estudioso de
poesia foi muito grande pra todos ns. Enfim, pra todos aqueles que formavam a
Gerao dos Novos (risos): eu, Max Martins e Mrio Faustino. Para muitas
pessoas, umas mais velhas, outras mais novas...
Em
semelhante
ambincia
cultural,
quando
reconhece
que
180
181
155
A ttulo de ilustrao, seja referido que Antonio Candido, ao teorizar sobre o romance, afirma o
seguinte: O enredo existe atravs das personagens; as personagens vivem no enredo. Enredo e
personagem exprimem, ligados, os intuitos do romance, a viso da vida que decorre dele, os
significados e valores que o animam. (...) Portanto, os trs elementos centrais dum
desenvolvimento novelstico (o enredo e a personagem, que representam a sua matria; as
ideias, que representam o seu significado, - e que so no conjunto elaborados pela tcnica),
estes trs elementos s existem intimamente ligados, inseparveis, nos romances bem realizados
(CANDIDO, 2000, p. 53-54).
182
onde
acontecimentos
so
descritos
em
sua
universalidade,
183
184
185
Jacinto do Prado Coelho esclarece que enquanto na novela predomina o evento, a histria
linearmente contada, no romance avulta uma atmosfera psicossocial: o romance configura um
mundo de personagens mais denso e complexo, aproxima-nos do acontecer quotidiano, e da um
ritmo temporal mais lento. Ver Romance e novela. In: Dicionrio de literatura. Porto: Figueirinhas,
1997, p. 950. Tambm Thierry Ozwald indica certas proximidades e distanciamentos existentes
entre o gnero novelesco e o gnero romanesco: Se a novela (...) de estrutura fechada,
concentrada e mesmo repressora (pensamos no Rengat (1957) de Camus, em Zweig, em Kafka,
etc.), se ela regida por um princpio de unicidade absoluta e visa um final rpido e definitivo da
narrativa, o romance aberto (o que no significa desestruturado), plural e polimorfo: ele acolhe o
diverso, d lugar a mltiplas tentativas para reencontrar a harmonia do Eu, e cada uma delas
representa um progresso e uma etapa no processo de resoluo da crise. Contrariamente ao
esquema da novela, as personagens, os lugares, as situaes romanescas, etc., se mostram
numerosos, variam e se desenvolvem. O romance prolonga, de certa maneira, o propsito da
novela, concedendo-lhe, por sua vez, uma verdadeira liberdade de composio; so os mesmos
dados, a mesma problemtica da ciso original, a mesma busca existencial que servem de ponto
de partida, mas esta reanimao da narrativa lhe rende uma respirao mais ampla, confere-lhe
mais energia, mais envergadura e eficcia. No original: Si la nouvelle (...) est de structure ferme,
concentre voire concentrationnaire (songeons au Rengat de Camus, Zweig, Kafka, etc.), si
elle est gouverne par un principe dunicit absolue et cherche un terme htif et dfinitif du rcit,
le roman est ouvert (ce qui ne signifie pas decompos), pluriel et polymorphe: il accueille le divers,
il donne lieu des multiples tentatives pour retrouver lharmonie du Moi, et chacune dentre elles
reprsente un progrs et une tape dans la voie da la rsolution de la crise. Contrairement au
schma de la nouvelle, les personnages, les lieux, les situations romanesques, etc., se font
nombreux, varient et se dveloppent. Le roman prolonge en quelque sorte lentreprise de la
nouvelle, en lui octroyant cette fois une vritable libert de composition; ce sont les mmes
donnes, la mme problmatique de la scission originelle, la mme qute existentielle que servent
de point de dpart, mais cette ranimation du rcit lui vaut une respiration plus ample, lui confre
186
Ssifo, estampado em livro em 1943. s duas primeiras obras citadas, bem como
ao seu autor, o intelectual paraense se reporta com entusiasmo: O tipo que o
escritor criou na sua admirvel novela Ltranger um ser humano caprichoso,
perigosamente livre (NUNES, Anexos, item 5.6.2). Quanto ao romance A peste,
Nunes o define como uma autntica obra de fico, um mundo prprio, com a sua
realidade material e objetiva..., a obra-prima do autor franco-argelino. Inclusive,
na entrevista que Nunes concede, em 24 de dezembro de 1950, a Ruy Barata,
declara ser sua mais recente paixo literria A peste, de Camus (NUNES,
Anexos, 8.3). Sem dvida, uma questo importante para Nunes a liberdade,
analisada por ele pela vertente metafsica. Sua opo pela visada filosficoteolgica, inclusive, difere mesmo da tendncia filosfica da poca, quando, no
Suplemento em estudo, abundam artigos sobre o existencialismo no religioso de
Sartre.
Ao tratar da obra O estrangeiro, em que o protagonista da referida
narrativa assassina um rabe numa praia de Argel, o crtico brasileiro afirma que
tal ato se deve a um fator externo, um estado de irritao ocasionado pelo
excesso de luz solar. Nunes entende que a sensibilidade exagerada da
personagem converte-se em verdadeiro determinismo. Seria esta viso decorrente
de um certo rano passadista, da incorporao de ideias do naturalismo?
A partir de O mito de Ssifo, o ensasta paraense, em sua anlise de A
peste, observa que Camus simboliza o homem livre na figura de Ssifo e,
portanto, a pedra o mundo a que est preso, sem encontrar uma explicao
plausvel para isso, sendo que a nica coisa a fazer continuar sua tarefa. Ele
vive. Eis o essencial (NUNES, 2 Volume desta Tese, Anexos, item, 5.6.2).
Ocorre que, embora Nunes reconhea em A peste o fato de o seu autor restringirse realidade concreta que rodeia todos, afirma que existe outra realidade
incompreensvel, que desponta representada no domnio da cidadezinha de Oran
plus dnergie, denvergure et defficacit. Cf. La nouvelle. Paris: Hachette, 1996, p. 23. Benedito
Nunes, para efeito de adjetivao, utiliza novelesco como sinnimo de romanesco, o que
perfeitamente aceitvel, j que se usa o substantivo novelstica significando um conjunto de
narrativas prossticas ficcionais, sendo essas romances e/ou novelas.
187
188
Karl Jaspers (1883-1969), filsofo e psiquiatra alemo, estuda Medicina e se torna professor de
psicologia na Universidade de Heidelberg, desligando-se de sua docncia em 1937, por causa do
Nazismo. Retorna ao seu posto em 1945 e posteriormente vai lecionar Filosofia na Universidade de
Basel-Suia. Estudioso de Kierkegaard, seu pensamento possui estreita relao com a existncia
do homem real e no com a existncia da humanidade abstrata. Falece em 26 de fevereiro de
1969 em Basel.
158
Nikoli Berdiaev nasce em Kiev, Rssia, em 1874. Aps 1917, passa a ser Professor de
Filosofia na Universidade de Moscou. considerado um existencialista cristo que, por causa de
seu envolvimento com a igreja catlica ortodoxa, entra em choque com o regime socialista
sovitico e, por isso, expulso do seu pas, exilando-se em Paris, onde falece em 1948.
189
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192
SEGUNDA PARTE
193
194
195
peridicos
O intelectual paraense, ao reunir os textos para O mundo de Clarice Lispector (ensaio), livro
dividido em cinco captulos, altera todos os ttulos na passagem dos artigos do jornal para o livro,
mas conserva o seu contedo. No jornal O Estado de So Paulo, os ttulos so os seguintes: A
nusea em Clarice Lispector (24/07/1965), A paixo segundo G. H. (04/09/1965), O jogo da
linguagem I (20/11/1965, p. 6) e O jogo da linguagem II (27/11/1965, p. 4). Nessa passagem do
jornal para o livro, os artigos ganham, respectivamente, os seguintes ttulos: Captulo I, A nusea;
Captulo II, A experincia mstica de G. H. O terceiro e o quarto captulos do livro no so
encontrados no citado jornal; o captulo V, Linguagem e silncio, rene os artigos O jogo da
linguagem I e II. Em nota edio de O dorso do tigre, tem-se a seguinte informao: Os estudos
filosficos e literrios neste volume coligidos, apareceram, originalmente, nos seguintes peridicos:
Comentrio, Revista do Livro, Suplemento Literrio de O Estado de So Paulo e Minas Gerais
(Suplemento Literrio), entre 1962 e 1967 (NUNES, 1976, p. 8).
161
Livro at a presente data no reeditado.
162
Arthur Cezar Ferreira Reis, que tambm poltico e assume o governo do Amazonas, no incio
do perodo da Ditadura Militar no Brasil, entre 1964 e 1967, o prefaciador de O mundo de Clarice
Lispector (ensaio). A data do prefcio maro de 1966. Ao final do prefcio, Reis afirma: Benedito
Nunes, professor universitrio, ensasta, energia expressiva das novas geraes que ho de
construir uma Amaznia que no seja indiferente aos seus prprios problemas e tenha a coragem
de decidi-los, procura fazer a exegese de Clarice como romancista e, por que no dizer, tambm
como romance. imensa a minha alegria, por isso, fazendo editar este livro, que me fala muito do
esprito e do corao (NUNES, 1966, p. 10).
196
de: Fernando Pessoa, Oswald de Andrade, Guimares Rosa, Joo Cabral de Melo
Neto e Clarice Lispector. A exceo cabe obra de um colega seu, o poeta Mrio
Faustino, a cujo trabalho o crtico se dedica, publicando artigos, introdues e
livros. Mas, em geral, quase no h, por parte de Nunes, estudos em torno de
autores ainda no consagrados pelo cnone, inclusive os de sua regio, a
Amaznia, uma vez que sobre eles, Nunes se restringe escrita de prefcios,
introdues, artigos e organizaes163.
Entre todos os ficcionistas por Benedito Nunes estudados, Clarice
Lispector est no centro de suas atenes. Os romances e contos da autora de
Laos de famlia parecem ser importantes para as reflexes dele sobre filosofia e
crtica literria, uma vez que o estudioso em apreciao, a partir de 1965, vai
manter uma publicao constante de anlise da obra da autora brasileira.
Alm de diversos artigos em peridicos, Benedito Nunes publica quatro
livros sobre a escritora em foco, a saber: O mundo de Clarice Lispector (ensaio)
(1966), O dorso do tigre (1969), no qual vm enfeixados, na segunda parte, os
cinco ensaios publicados no primeiro livro com o ttulo O mundo imaginrio de
Clarice Lispector, importante para a carreira literria de Nunes, pois a partir
desse livro que ele fica mais conhecido nacionalmente; Leitura de Clarice
Lispector (1973) e O drama da linguagem: uma leitura de Clarice Lispector (1989).
Dos quatro livros, trs contm anlises apenas das obras da autora brasileira.
Nunes tambm coordena a edio crtica de A paixo segundo G. H. (1988),
romance junto ao qual traz uma explicao da citada edio com uma Introduo
do coordenador e Nota filolgica.
A propsito, no artigo de 2005, Meu caminho na crtica, em que
Benedito Nunes faz um balano da sua trajetria de crtico literrio164, ele
163
197
comea citando Clarice Lispector, que o leva a refletir sobre a dicotomia cultura e
natureza, a partir de tantos escritos dela:
Ver dois textos de lvaro Lins, um de 1944 e outro de 1946, intitulados A experincia
incompleta: Clarice Lispector, sobre os romances Perto do corao selvagem (1944) e O lustre
(1946), textos esses publicados em jornais e, posteriormente, em 1963, no livro Os mortos de
sobrecasaca: ensaio e estudos 1940-1960.
166
Ver os seguintes ensaios, inicialmente publicados em jornal: No raiar de Clarice Lispector
(1943), de Antonio Candido, em Vrios escritos (1970), Perto do corao selvagem (1959), de
198
199
200
6.1 A Nusea
Desta maneira, no seu primeiro ensaio intitulado A nusea, ttulo
homnimo ao do romance do filsofo francs Sartre, Nunes analisa trs textos de
Clarice Lispector, atentando para a experincia da nusea no comportamento
das principais personagens das obras em apreciao: Ana, protagonista do conto
Amor, do livro Laos de famlia (1960); Martim, do romance A ma no escuro
(1961), e G. H., do romance A paixo segundo G. H. (1964), para caracterizar a
atitude criadora da romancista e a concepo-do-mundo167, marcadamente
existencial, que com essa atitude se relaciona.
Para tal estudo, Nunes retoma inicialmente a filosofia da existncia de
Kierkegaard168, pensador do sculo XIX, que demonstra em seus estudos a
167
Benedito Nunes, em seu livro Introduo filosofia da arte, de 1966, mesma poca do ensaio
acima, ao fazer a crtica ao materialismo histrico em As condies sociais da arte (NUNES,
2010, p. 90-98), alm de afirmar que Lucien Goldmann quem faz esta oportuna advertncia, que
a melhor crtica crtica de cunho ideolgico, traz um fragmento da obra Recherches
dialectiques para demonstrar a importncia dessa crtica: Sem conceber o pensamento filosfico e
a criao literria como entidades metafsicas, separadas do resto da vida econmica e social, no
menos evidente que a liberdade do escritor e do pensador muito maior, seus laos com a vida
social muito mais mediatizados e complexos, a lgica interna de sua obra muito mais complexa do
que seria admissvel para um sociologismo abstrato e mecanicista (GOLDMANN, Apud NUNES,
2010, p. 96). Nunes chama a ateno ainda para o termo concepo-do-mundo do filsofo e
socilogo francs: O autor retifica o ponto de vista materialista-histrico, mostrando a necessidade
de anlise da obra para nela buscar-se a concepo-do-mundo de seu criador (NUNES, 2010, p.
97).
168
Kierkegaard (1813-1855), considerado por muitos estudiosos como o precursor do
existencialismo, o filsofo de cabeceira de Benedito Nunes. Muitas vezes o dialogo com esse
filsofo est implcito nas anlises de Nunes.
201
169
Kierkegaard, em vrios momentos de seu livro O conceito de angstia (1844), critica Hegel por
este, segundo aquele, negligenciar a experincia vivida, haja vista Hegel acreditar que possvel
superar o trgico da vida pelo saber.
202
Luiz Costa Lima, um dos estudiosos de Clarice Lispector, ao publicar o ensaio A mstica ao
revs de Clarice Lispector, no seu livro Por que literatura, de 1966, discorda da nusea sartreana
observada por Nunes, mas seu artigo parece no ter tido maior ressonncia nos meios
universitrios, visto que, geralmente, esse texto no citado nos estudos posteriores. Costa Lima
faz, ainda, um estudo do conjunto da obra da escritora brasileira, publicado no livro A literatura no
Brasil, organizado por Afrnio Coutinho.
171
A poeta Marly de Oliveira escreve vrios artigos, na dcada de 1960, a respeito da obra de
Clarice Lispector, a saber: Sobre Clarice Lispector. In Correio da Manh, Rio de Janeiro, 28 jul.
1963; A paixo segundo G. H.. In. Correio da Manh, Rio de Janeiro, 13 mar. 1965; A cidade
sitiada. In. Correio da Manh, Rio de Janeiro, 17 jul. 1966; A ma no escuro. In. Correio da
Manh, Rio de janeiro, 24 jul. 1966; A paixo segundo G. H.. In. Correio da Manh, Rio de
Janeiro, 31 jul. 1966; A paixo: interpretao da obra de Clarice Lispector. In. Correio da Manh,
Rio de Janeiro, 09 jan. 1966. Observa-se que Marly Oliveira comea a escrever sobre a autora
brasileira antes de Benedito Nunes, mas quase no se ouve falar da crtica dessa autora. Nas
correspondncias de Clarice Lispector, organizadas por Teresa Montero (2002, p. 321) consta
sobre Marly de Oliveira a seguinte nota: Marly de Oliveira, afilhada de casamento de Clarice. Seu
convvio mais prximo com a escritora deu-se na dcada de 60. Autora de ensaios sobre A ma
no escuro, A paixo segundo G. H. e A cidade sitiada, divulgou sua obra na Amrica Latina e na
Europa, no perodo em que residiu nesses continentes.
203
172
Nunes chama a ateno para o mesmo sentido de angstia tanto na obra de Sartre quanto em
Ser e tempo, de Heidegger. Nos artigos do livro O mundo de Clarice Lispector (ensaio), Nunes
menciona os ttulos dos livros que servem de base terica para seu estudo na lngua original da
edio, bem como os termos empregados por esses filsofos sem a sua traduo. A traduo dos
termos est disseminada em sua interpretao.
173
Benedito Nunes, inicialmente, estuda Heidegger para suas aulas de Filosofia. Posteriormente,
publica artigos e livros, dedicando, em quase todos aqueles com estudos filosficos, ensaios
obra do pensador alemo, com exceo do livro A clave do potico (2009). Nesta pesquisa,
percebe-se que a contribuio de Heidegger abrange no s a esfera filosfica, mas tambm a
literria do pensamento de Benedito Nunes. Para essa ltima, Nunes recorre a Heidegger,
notadamente, no que tange questo da linguagem. No corpus com o qual a autora desta Tese
trabalha, notam-se apenas em trs ensaios, A nusea, A estrutura dos personagens e
Linguagem e silncio centrados na obra de Clarice Lispector, nos quais Nunes utiliza dois termos
da filosofia de Heidegger: Dasein e Sorge. Em outros textos, no se encontram terminologias
explcitas da obra do filsofo da Floresta Negra.
174
Schuback (2005, p. 313) conceitua Sorge por Cura e Cuidado, fazendo a seguinte
distino: Quando se pretende remeter para o nvel de estruturao da Pre-sena em qualquer
relao, usa-se sempre o termo latino cura, pois indica a constituio ontolgica. Quando, porm
se quer acentuar as realizaes concretas do exerccio da pre-sena, utiliza-se a palavra cuidado e
seus derivados. Na entrevista de Heidegger concedida ao jornal Folha do Norte, esto os
conceitos de Dasein e Sorge.
175
Mrcia S Cavalcante Schuback (2005, p. 309), tradutora da obra Ser e tempo, de Heidegger,
cunha o termo Pre-sena para o significado de Dasein, por isso faz um longo texto explicando a
sua traduo: ... A palavra Dasein comumente traduzida por existncia. Em Ser e tempo, traduzse, em geral, para as lnguas neolatinas pela expresso ser-a, tre-l, esser-ci etc. Optamos
204
205
206
207
178
Nunes, em seu livro Dorso do tigre, retira o vocbulo ser e deixa apenas en-soi, mais
condizente com a expresso sartreana para o significado do ser das coisas, diferente do Pour-soi,
que o ser da conscincia, de acordo com Gerd Bornheim (p. 33-41).
208
179
Ver apndice, no qual a autora da presente Tese faz uma outra interpretao desse romance de
Clarice Lispector.
209
210
anteriormente. Assim, tal fato marca uma nova etapa na vida intelectual de Nunes,
que ento atinge a plenitude de si mesmo enquanto crtico literrio. Neste
momento, o ensasta brasileiro vai tratar o fenmeno literrio com a devida
imparcialidade, o que reconhecido, por exemplo, pelos convites que ele recebe,
desde 1966, em especial, o convite de Antonio Candido para publicar livros, em
colees importantes do Centro-Sul, o que vai culminar em 1969 com a publicao
de O dorso do tigre para a coleo debates da Editora Perspectiva. Com esse
livro, Benedito Nunes firma-se como uma referncia da crtica literria moderna,
em particular, da obra de Clarice Lispector.
Tudo isso fundamental para se entender a ascenso de Benedito
Nunes nos estudos de Filosofia que vem a ocorrer por causa da crtica literria,
pois nessa rea que ele passa a ser mais solicitado e mais estudado. A prova
dessa constatao que os estudos acadmicos sobre ele (Dissertaes de
Mestrado e Teses de Doutorado), embora de alguma forma tangenciem os
estudos filosficos, tais trabalhos so desenvolvidos em sua maioria por
estudiosos de Letras e pedagogia e no da rea filosfica. At o momento, das
obras filosficas do estudioso paraense, a nica feita objeto de uma Dissertao
de Mestrado A filosofia da arte (1966), que, alis, um dos livros importantes
para os pesquisadores de Letras, porque faz uma retrospectiva de todas as
correntes filosficas que tratam da arte, em especial, a literatura, a partir dos
primeiros filsofos, a contar de Plato at contemporaneidade.
Benedito Nunes, nesse primeiro livro com anlises de obras da
escritora brasileira, O mundo de Clarice Lispector (ensaio), no qual examina
quatro narrativas da autora, alm de em todos os captulos discutir a importncia
do romance A paixo segundo G. H., dedica um captulo exclusivo a essa criao
literria, que parece ter despertado muito interesse ao crtico brasileiro, uma vez
que se observa nesta pesquisa que tal romance o livro mais analisado por ele.
211
212
Landesberg, em Ensaio sobre a experincia da morte, livro lido por Benedito Nunes, cita os
msticos do Ocidente e do Oriente, concentrando sua anlise em Santo Agostinho e Santa Teresa
(no cita Dvila), considerando Santo Agostinho como o maior Terico da vida mstica. Com
relao a Mestre Eckhart, Landesberg apenas o cita, como faz Benedito Nunes. Tal mstico
alemo, de famlia nobre, se chama Joo Eckhart, nasce em 1260, em Hochheim, formando-se
Mestre em Teologia em Paris. da ordem dominicana, exerce vrias funes na Igreja Catlica,
como Prior do convento de Erfurt (1298), a de Provincial da Saxnia e Vigrio Geral da Bomia.
Nesse ltimo cargo, passa a visitar os mosteiros das monjas, perodo em que pronuncia a maioria
de seus conceituados sermes, tornando-se depois Provincial da Alemanha Superior. Porm,
granjeia muitos adversrios tanto entre os membros de sua ordem (dominicana) quanto entre os
franciscanos, por causa de suas ideias. Por isso, instaurado um processo contra ele. Falece em
213
214
que transforma tudo em nada. No lugar do Eu, a noite dos sentidos, que prolonga
na da (sic) inteligncia, instala o vazio da alma. Desse modo, as impresses
exteriores so neutralizadas.
Nesse sentido, Nunes afirma que a fase do deleite abismal vivido pela
personagem G. H. est muito mais em consonncia com a ascese hindu e chinesa
do que com a ascese crist, uma vez que:
De acordo com Chris Rohmann (2000, p. 376, 279-280), substncia em filosofia a essncia
fundamental do objeto que lhe d consistncia. Conceito Fundamental da Metafsica. Afirma ainda
que: Spinoza aceitava a distino cartesiana entre esprito e matria, mas considerava-as
expresses gmeas de uma nica substncia universal. o que passa a ser conhecido como
Monismo: Opinio de que tudo se compe de uma s substncia ou princpio, ou se reduz a uma
s substncia ou princpio; o contrrio de Dualismo e de Pluralismo. [...] O termo (monismo) se
215
p.
32-33),
encerrada
nesse
instante
impossvel
de
medir-se
216
217
218
219
220
Para venir a lo que no sabes,/ Has de ir por donde no sabes,/ Para venir a lo que no gustas, /
Has de ir por donde no gustas./ Para venir a lo que no posees,/ Has de ir por donde no posees,/
Para venir a lo do queeres,/ Has de ir por donde no eres, (NUNES, 1966, p. 39).
221
222
ns,
acrescentando
que,
independentemente
de
enquadramento
223
224
225
226
227
188
Gerd Bornheim, estudioso de Sartre no Brasil, afirma o seguinte sobre o termo Em-si, (En-soi):
O prprio Sartre reconhece que a expresso em-si (en-soi) no feliz, porque: A partcula soi
prende-se por natureza reflexividade, ao passo que o em-si designa uma realidade radicalmente
outra que no o ser da conscincia. Bornheim observa ainda que, mesmo com toda a relevncia
do tema, a anlise de Sartre sobre o assunto decepcionantemente sucinta, pois: Toda a doutrina
se resume em trs frmulas: o ser , o ser em si, o ser o que ele . O em si o ser (...).
Novas dimenses do em si revelam-se atravs da frmula: O ser o que ele . O em-si
absolutamente idntico a si mesmo. Desse modo, o princpio de identidade passa a ter um carter
como que regional e aplica-se de um modo absoluto ao em-si apenas ao em-si. O outro reino, o
humano, no o ; muito mais, deve ser, busca ser. A identidade do Em-si indica antes sua
opacidade. o ser-em-si no tem um interior que se oporia a um exterior. O ser no tem segredo,
apresenta-se como realidade macia, e nesse sentido constitui uma sntese absoluta, a mais
absoluta que se possa imaginar. Permanece totalmente isolado em seu ser e no tem possibilidade
de manter qualquer relao com o que no seja ele mesmo ((BORNHEIM, 2003, p. 33-36). Como
se v, todas essas terminologias filosficas so bastante complexas. Nunes consegue aproximar
Heidegger e Sartre no que diz respeito angstia, porque talvez, para os dois filsofos, o homem
um ser sempre em construo, que, quando consciente dos seus problemas existenciais,
principalmente, quando reconhece a liberdade de sua condio ontolgica, sofre, ou seja, como
percebe Nunes, a angstia reduz o homem quilo que ele : conscincia indigente, a quem coube
a maldio e o privilgio da liberdade (NUNES, 1966, p. 17).
189
O lema da fenomenologia de volta s coisas mesmas procurando com isso a superao da
oposio entre realismo e idealismo, entre o sujeito e o objeto, a conscincia e o mundo. Toda
conscincia conscincia de alguma coisa; a conscincia se caracteriza exatamente pela
intencionalidade, pela visada intencional que a dirige sempre a um objeto determinado. Trata-se da
considerao do que aparece mente a partir da experincia reflexiva da conscincia
(MARCONDES, 2006, p. 257-258).
228
229
230
190
Esse ensaio publicado anteriormente no jornal O Estado de So Paulo com o ttulo O jogo da
linguagem, dividido em duas partes: a primeira vem a publico 20/11/1965, p. 1. A segunda parte
publicada em 27/11/1965, p. 4. Na passagem do jornal para o livro, o ttulo trocado para
Linguagem e silncio, mas no h modificaes do contedo do referido ensaio.
191
Nesse momento, Clarice Lispector j tem publicado O lustre (1946) e A cidade sitiada (1949).
Contudo, Benedito Nunes, tanto em O mundo de Clarice Lispector quanto em O dorso do tigre, no
se refere a tais romances.
231
Ludwig Josef Johann Wittgenstein (1889-1951) um dos mais importantes filsofos do sculo
XX. Cursa engenharia em Berlim, continuando seus estudos na Inglaterra, onde se torna aluno de
Bertrand Russel, interessando-se pela matemtica. Segundo Chris Rohmann: Wittgenstein
influenciou o Positivismo Lgico e a Filosofia Analtica. Enquanto servia ao exrcito como soldado
no front da Primeira Guerra Mundial - poca durante a qual viveu uma experincia mstica
escreveu a primeira de suas obras fundamentais, o Tratactus lgico-philosophicus (publicado em
1921). Conforme Marcondes (2006, p. 270-271), o significado de jogo de linguagem o uso que
fazemos das expresses lingusticas nos diferentes contextos e situaes em que as empregamos.
O mesmo tipo de expresso lingustica poder ter, portanto, significados diferentes em diferentes
contextos; da a clebre frmula: O significado de uma palavra seu uso na linguagem. O
significado passa a ser visto assim como indeterminado, s podendo ser compreendido atravs da
considerao do jogo da linguagem, o que envolve mais do que a simples anlise da expresso
lingustica enquanto tal. Os jogos de linguagem se caracterizam por sua pluralidade, por sua
diversidade. Novos jogos surgem, outros desaparecem, a linguagem algo vivo, dinmico, que s
pode ser entendido a partir de formas de vida, das atividades de que parte integrante. O uso da
linguagem uma prtica social concreta. Por isso, a anlise consiste agora em examinar os
contextos de uso, considerar exemplos, explicitar as regras do jogo. Nunes dialoga com o
Wittgenstein de Investigaes filosficas (1958), livro pstumo do filsofo vienense, no qual d
destaque para a noo jogos de linguagem em qualquer situao de uso. Nunes emprega essa
noo em suas anlises de romances de Clarice Lispector.
232
pessoas. O
primeiro
corresponde
s atitudes, sentimentos e
233
234
porque, de acordo com Nunes (1966, p. 73), h uma oposio entre pensamento
e existncia, entre ser e dizer, conforme formula Kierkegaard, ao dizer que ...
assim pareceria correto dizer que h alguma coisa que no se deixa pensar; a
existncia (Apud Nunes, 1966, p. 73).
Nunes (1966, p. 73-74) aponta o fracasso existencial correlato ao
fracasso da linguagem, dois aspectos fundamentais de A ma no escuro, que,
segundo o crtico, reaparecem, sob nova luz, em A paixo segundo G. H.
Benedito Nunes explica que o termo fracasso usado, em seu texto, no sentido
filosfico das concepes existenciais, ou seja, tanto a personagem Martim como
G. H. fracassam como todo ser humano fracassa, incapaz que de atingir a
plenitude a que aspira, quer pelo conhecimento, quer pela ao ou pelo corao.
Lembra ainda o crtico que: No que concerne linguagem, o fracasso no
frustrao ou insucesso da romancista, e sim a experincia, levada ao seu ltimo
limite, sua extrema consequncia, do confronto decisivo entre realidade e
expresso. O fracasso existencial das personagens clariceanas, como diz Nunes,
s se concretiza quando estes aceitam, como Martim, a impossibilidade de
alcanar a plenitude. Consequentemente, aderem ao absurdo,
aceitando as
afirma que:
235
236
viso o Ser e o Nada se identificam. Ainda segundo o crtico, por isso que ... a
mensagem de G. H., ao fim de seu calvrio, compreendendo que a existncia em
si no-humana, e que toda linguagem tem no silncio a sua origem e seu fim, ,
no que diz respeito caracterizao do mundo imaginrio de Lispector,
verdadeiramente exemplar.
Nunes (1966, p. 76) acrescenta que: Nesse romance Clarice jogou
com a linguagem, mas para captar o mundo pr-lingustico, e teve de admitir, no
final, o significativo fracasso de seu empreendimento, ao mesmo tempo em que o
crtico reconhece que tambm isso que acarretou para a autora uma
surpreendente vitria. Essa vitria registrada nas ltimas pginas do relato de G.
H. traduz o reconhecimento da misria e do esplendor da linguagem, de sua
falncia e de sua essencialidade, exemplificando com o relato de G. H., que diz:
A realidade a a matria prima, a linguagem o modo como vou busc-la e
como no acho...
Ao final de seu ensaio, Nunes retoma as palavras de Wittgenstein no
livro deste ltimo, intitulado Tratactus lgico-filosfico, em que o pensador
austraco afirma que devemos silenciar a respeito daquilo sobre o qual nada
podemos dizer, isto para Nunes contrapor s palavras de Wittgenstein as de
Clarice Lispector, a qual, segundo o crtico, rompe com esse dever de silncio,
pois o fracasso de sua linguagem (Clarice Lispector), revertido em triunfo,
redunda numa rplica espontnea ao filsofo. A partir da interpretao da obra A
paixo segundo G. H., Nunes apresenta tal rplica, tomando para si uma frase
lapidar da protagonista do romance clariceano: preciso falar daquilo que nos
obriga ao silncio.
237
238
239
Lispector (ensaio), apenas com mudana de ttulo da seo dos ensaios para O
mundo imaginrio de Clarice Lispector, verificando-se muitas alteraes no
contedo dos referidos ensaios: todos os textos so revisados, havendo mudana
de estrutura dos pargrafos; suprime-se parte de alguns pargrafos ou mesmo
pargrafos inteiros so retirados do corpo dos ensaios; faz-se mudana verbal do
presente do indicativo em alguns pargrafos para o pretrito perfeito e h
mudana de pronomes pessoais, da 1 pessoa do singular para a primeira do
plural. Com essas alteraes, os ensaios de O dorso do tigre tornam-se mais
claros, suscintos, mais bem estruturados para a leitura, em relao aos ensaios do
primeiro livro.
240
193
Joo Guimares Rosa nasce em Cordisburgo (MG), em 1908, e falece no Rio de Janeiro (RJ)
em 1967. Formado em Medicina, estudioso de lnguas estrangeiras, entra para a carreira de
diplomata em 1941, exercendo o servio diplomtico em vrios pases, entre eles, Alemanha,
Frana e Colmbia, considerado um dos maiores escritores da literatura brasileira do sculo XX.
Segundo Franklin de Oliveira, a publicao de seus livros foi sempre acompanhada de grande
sucesso, granjeando-lhe largo conceito nacional e internacional, o que pode ser comprovado,
nesta pesquisa, pelos textos de Benedito Nunes. Guimares Rosa deixa uma extensa obra que
vem sendo estudada ininterruptamente, a exemplo de: Sagarana (1946), Corpo de baile (1956),
Grande serto: veredas (1956), Primeiras estrias (1962), Campo Geral (1964), Manuelzo e
Miguilim (1964), Tutameia - Terceiras estrias (1967), Estas estrias (1969). Ver COUTINHO,
1986, p. 475-516; BOSI, 2007, p. 428-434.
194
Benedito Nunes em 1957 publica, no Jornal do Brasil: Primeira notcia sobre Grande serto:
veredas, seu primeiro artigo sobre o referido romance de Guimares Rosa. Porm a partir de
1963 que Nunes comea a publicar uma srie de ensaios sobre as obras de Guimares Rosa no
jornal O Estado de So Paulo com os seguintes ttulos: O menino (02/02/1963); Guimares Rosa
e a traduo (14/09/963); O amor em Guimares Rosa (27/03/1965. Esse artigo republicado na
Revista do Livro, em setembro de 1964); A viagem (24/12/1966); Tutameia (1967); A viagem do
Grivo (1967); A Rosa o que de Rosa (22/03/1969). Esses ensaios, com exceo do ltimo, so
republicados no livro O dorso do Tigre.
195
Nunes publica no peridico mineiro os seguintes artigos: Guimares Rosa e a traduo
(27/10/1963, p. 4); Guimares Rosa em novembro (26/11/1968, p. 1-2) e A viagem do Grivo
(06/04/1974).
241
242
sua configurao potica daquele texto. Segundo o crtico, a viagem apresentase em Cara-de-Bronze, como Demanda da Palavra e da Criao potica,
ligando-a tambm histria do Santo Graal.
Em Guimares Rosa e a traduo, texto mais terico, em que Nunes
(2009, p. 192) crtica a traduo francesa da novelstica de Corpo de baile feita por
Villard, pois, segundo o crtico brasileiro, o seu tradutor no incorpora
243
196
Fernando Antnio Nogueira Pessoa nasce em Lisboa em 1888 e falece na mesma cidade em
1935. Vive parte de sua vida em Durban, na frica do Sul, retornando a Portugal, onde comea a
estudar Letras, mas no conclui o curso. Ele o introdutor das vanguardas modernas em pas e
considerado um dos maiores poetas em lngua portuguesa. Cria vrios heternimos, a exemplo de
Alberto Caeiro da Silva, Ricardo Reis e lvaro de Campos. Fernando Pessoa publica seus
primeiros textos em lngua inglesa e somente mais tarde, em lngua materna. O poeta lusitano
deixa uma importante obra, a exemplo de Mensagem (1934). Segundo Nunes (1971, p. 26-27):
Foi Fernando Pessoa que revelou aos poetas brasileiros dessa fase (Gerao de 45), a partir de
1942, quando teve incio a publicao de sua obra volumosa e pstuma, no s o lirismo moderno
na literatura portuguesa, como tambm uma metodologia de criao literria, que substitui o
princpio da sinceridade biogrfica pelo princpio da sinceridade artstica.
197 Esses artigos so publicados no jornal da seguinte forma: A prosa de Fernando Pessoa
1/10/1966; O ocultismo na poesia de Fernando Pessoa (22/10/1966); Paradoxo e verdade
(12/11/1966). O ensaio Os outros de Fernando Pessoa no encontrado em jornais.
244
245
246
247
198
Joo Cabral de Melo Neto nasce em Recife em 9 de janeiro de 1920 e falece no Rio de Janeiro
em 9 de outubro de 1999. Exerce a diplomacia na Espanha, no Uruguai e na frica. considerado
o maior poeta da Gerao de 45. Deixa uma obra potica importante: Pedra do sono (1942), O
engenheiro (1945), Psicologia da Composio com a fbula de Anfion e Antode (1947), Quaderna
(1960), A educao pela pedra (1966), Morte e vida Severina (1966), A escola das facas (1980) e
Servilha andando (1990).
199
O artigo A mquina do poema publicado no jornal O Estado de So Paulo em 3/12/1966.
248
Joo Cabral, mas Nunes quem primeiro observa essa questo na poesia do
bardo pernambucano.
O crtico brasileiro (2009, p. 257) observa ainda que: Todos os motivos,
temas, intenes satricas e estticas, constituem ao mesmo tempo, em
Educao pela pedra, partes da composio e elementos significativos, que a
mquina do poema produz e movimenta, acrescentando que Joo Cabral usa o
rigor da expresso, o esquematismo do conjunto, a impressionante lgica da
sintaxe, sendo que esses aspectos so sustentados pela atitude objetiva do
poeta, que reflete, calcula , explica e conclui, em versos severos, escritos num
ritmo que novo na poesia de Joo Cabral de Melo Neto.
Nunes sublinha tambm que, no referido livro, o processo de
composio obedece, de um modo geral, a linhas diretrizes, que partem de
determinadas palavras privilegiadas, dispostas em dadas e triadas, como marcanavial [...] e norte-cerimnia-brincadeira. Da em diante, Nunes traz vrios
exemplos com poemas que reforam a sua interpretao, para a qual, recorre
potica de Aristteles para falar de metforas e smiles na obra de Cabral.
As observaes de Benedito Nunes sobre a poesia de Joo Cabral de
Melo Neto revelam a perspiccia do crtico brasileiro para a anlise de poesia,
gnero no qual, entretanto, ele no to reconhecido, quanto o em relao s
suas apreciaes da obra de Clarice Lispector.
249
250
CONSIDERAES FINAIS
Ao trmino da presente Tese, constituda de dois volumes, verifica-se
que ainda so necessrios muitos estudos para uma reviso mais acurada da
complexa crtica literria feita por Benedito Nunes, uma vez que as suas anlises
esto intrinsecamente relacionadas s ideias de uma tradio filosfica, de Plato
contemporaneidade, com destaque para o pensamento teolgico da Patrstica
da Igreja Catlica e para o de filsofos cristos de um modo geral. Esses dois
ltimos ramos de pensamento configuram dados novos sobre a crtica nunesiana.
Tais pressupostos tericos, muitas vezes, dificultam a compreenso das anlises
de Nunes, podendo-se dizer, inclusive, que se trata de uma crtica voltada para um
grupo bastante seleto, qual seja, o daqueles iniciados nas teorias filosficas
iluminadoras das obras por ele interpretadas.
A partir dos textos da juventude, de Benedito Nunes, estampados em
peridicos de Belm do Par, em especial, suas publicaes no Arte Suplemento
Literatura, do jornal Folha do Norte (1946-1951), publicaes estas constantes do
segundo volume da Tese, so levantadas algumas questes relevantes para uma
melhor compreenso da trajetria intelectual do crtico literrio brasileiro, bem
como para a compreenso da importncia que ele passa a ter no cenrio cultural
do Pas.
No incio de sua carreira, em Belm, na condio de colaborador do
Suplemento em foco, Nunes empreende a analise de duas obras: A morte de Ivan
Ilitch, de Tolsti, e A peste, de Albert Camus, anlises nas quais se verifica que o
intelectual paraense toma como suporte interpretativo as ideias de telogos e
filsofos religiosos cristos e no cristos, a exemplo de Plato, So Toms de
Aquino, Pascal, Kierkegaard, Landesberg, Chestov e Karl Jaspers, observando-se
que, nesses dois primeiros artigos centrados no gnero prosstico, h, por parte de
Benedito Nunes, uma particular adeso doutrina catlica.
No entanto, percebe-se uma mudana nas anlises de narrativas de
fico feitas por Benedito Nunes a partir das suas publicaes sobre as obras de
Clarice Lispector e Guimares Rosa. Isto porque, no obstante o ensasta
251
252
Entre esses
nos
meios
universitrios
pblicos
do
Estado
de
So
Paulo
e,
253
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BIBLIOGRAFIA DA PESQUISA
1. LIVROS DE BENEDITO NUNES
255
256
JORNAIS
1 FOLHA DO NORTE
257
_____. Confisses do Solitrio (16-23). Folha do Norte. Belm, 26 jan. 1947. Arte
Suplemento Literatura, p. 4.
_____. Poema das 4 Ruas. Folha do Norte. Belm, 9 fev. 1947. Arte Suplemento
Literatura, p. 3.
_____. Elegia, Fragmento, Hino do Caminhante. Folha do Norte. Belm, 23 fev.
1947. Arte Suplemento Literatura, p. 3.
_____. Ligao e Fragmento n 2. Folha do Norte. Belm, 16 mar. 1947. Arte
Suplemento Literatura, p. 4.
_____. Cantigas, Fragmento n 3, Elegia para mim mesmo. Folha do Norte.
Belm, 13 abr. 1947. Arte Suplemento Literatura, p. 3.
_____. Confisses do Solitrio (25-43). Folha do Norte. Belm, 18 maio, 1947.
Arte Suplemento Literatura, p. 3.
_____. Mar, Triste 1, Triste 2. Folha do Norte. Belm, 25 maio, 1947. Arte
Suplemento Literatura, p. 6.
_____. Ao e Poesia I (Especial para a FOLHA DO NORTE). Folha do Norte.
Belm, 01 jun. 1947. Arte Suplemento Literatura, p. 3.
_____. Ao e Poesia II. Folha do Norte. Belm, 08 jun. 1947. Arte Suplemento
Literatura, p. 2.
_____. Confisses do Solitrio (44-60). Folha do Norte. Belm, 06 jul. 1947. Arte
Suplemento Literatura, p.3.
_____. Confisses do Solitrio (61-68). Folha do Norte. Belm, 06 jul. 1947. Arte
Suplemento Literatura, p.3.
_____. Confisses do Solitrio (69-78). Folha do Norte. Belm, 03 ago. 1947.
Arte Suplemento Literatura, p. 2.
_____. Poema. Folha do Norte. Belm, 24 agosto 1947. Arte Suplemento
Literatura, p. 2.
_____. Estrela do Mar (poema). Folha do Norte. Belm, 31 ago. 1947. Arte
Suplemento Literatura, p. 2.
_____. Confisso (poema). Folha do Norte. Belm, 21 dez. 1947. Arte
Suplemento Literatura, p. 2.
258
_____. Fuga (poema). Folha do Norte. Belm, 01 jan. 1948. Arte Suplemento
Literatura, p. 1.
_____. Salmo. (Especial para o Jornal Folha do Norte). Folha do Norte. Belm,
13 jun. 1948. Arte Suplemento Literatura, p. 1.
_____. Poema. Folha do Norte. Belm, 18 jul. 1948. Arte Suplemento Literatura,
p. 1.
_____. Retrato. Folha do Norte. Belm, 20 fev. 1949. Suplemento Arte
_____. Cotidiano e a Morte em Ivan Ilitch. Folha do Norte. Belm, 22 jan. 1950,
Suplemento Arte Literatura, p. 3 e 2.
_____. Dez Poetas Paraenses. Seleo e notas de Ruy Guilherme Barata. Folha
do Norte. Belm, 24 dez. 1950, Arte Suplemento Letras, p. 1.
Joo Afonso. Pseudnimo de Benedito Nunes. Dez Poetas Paraenses. Folha do
Norte. Belm, 31 dez. 1950, Arte Suplemento Letras, p. 4-2.
NUNES, Benedito/AFONSO, Joo. Consideraes Sobre A Peste. Folha do
Norte. Belm, 14 jan. 1951, Suplemento Arte Letras Num. p. 4 e 2.
NUNES, Benedito. A estreia de um poeta. Folha do Norte. Belm, 12 set. 1952 p.
3.
200
259
260
261
262
263
A Provncia do
264
Em 1957, foi retirado o nome Magazine do segundo caderno e deixado apenas Letras e
Artes. A coluna de Benedito Nunes que se chamava Rodap de Crtica passou a ser chamada
de Folhetim de Crtica.
265
266
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268
269
270
271
272
Suplemento Literrio., p. 1.
_____O Modernismo na histria das vanguardas. O Estado de So Paulo. So
Paulo, 02 dez.1971. Suplemento Literrio.
_____O retorno antropofagia. O Estado de So Paulo. So Paulo, 26 dez.
1971, Suplemento Literrio.
_____.Mrio Faustino revisitado. O Estado de So Paulo. So Paulo, 07 de
Nov.1972. Suplemento Literrio.
_____Drummond: poeta anglo-francs. O Estado de So Paulo. So Paulo, 2
set. 1973. Suplemento Literrio, p. 1.
273
274
275
REVISTAS
1 ENCONTRO
NUNES, Benedito. Mar, Partida do filho nico, Auto-retrato. In Encontro, Belm, n.
I, p. 24. 2. Trimestre de 1948,
2 NORTE
276
LIVROS
TESES:
277
DISSSERTAES DE MESTRADO:
ANDRADE, Andria Costa de. Dilogos Filosficos com Benedito Nunes, 2006,
112, f. Dissertao (Mestre) - IES: Universidade Federal do Amazonas (UFAM),
Manaus, 2006.
MONTEIRO, Maria Neusa. A Filosofia da Arte de Benedito Nunes, 1978, 165 f.
Dissertao (Mestre) Departamento de Filosofia. Pontifcia Universidade Catlica
do Rio de Janeiro (PUC), Rio de Janeiro, 1978.
OLIVEIRA. Ftima Aparecida Chaguri de. Perspectivas e Possibilidades de
Aproximao da Filosofia e da Literatura no Pensamento de Benedito Nunes: um
Estudo Hermenutico, 2003, 109 f. Dissertao (Mestre) - Instituto de Educao,
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas (SP), 2003.
SOUZA, Nilo Carlos Pereira de. Filosofia e Fico: O Ser em Drama da
Linguagem, de Benedito Nunes. 2003, 91 f. Dissertao (Mestre) - Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), 2003.
ENTREVISTA
NASCIMENTO, Maria de Ftima. Conversando com Benedito Nunes. Belm, 08
fev. 2008
ENTREVISTAS DO ARTE SUPEMENTO LITERATURA DO JORNAL FOLHA
DO NORTE ENTRE (1946-1950) SELECIONADAS PARA A TESE
IVO. Ledo. Modstia parte eu sou da Vila. Entrevistado Marques REBELO. .
Folha do Norte, Belm, ano I, n. 1, 05 maio 1946, Arte Suplemento Literatura, p.
2.
MALFATTI, Anita. No sou, nem nunca fui paranica ou mistificadora. (So Paulo,
via-area). Entrevistada Anita Malfatti. Folha do Norte, Belm, ano I, n. 3, 26
maio 1946, Arte Suplemento Literatura, p. 2.
278
279
Antnio Giro Barroso. Folha do Norte, 20 jul. 1947, Arte Suplemento Literatura,
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FISCHER, Almeida. Quais as Diretrizes Futuras do Romance?. (Exclusividade da
Folha do Norte). Entrevistado Marques Rebelo. Folha do Norte, 10 ago. 1947,
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MARTINS, Fran. A crise que se verifica no romance brasileiro no significa
decadncia. Folha do Norte, 14 set. 1947, Arte Suplemento Literatura, p. 4.
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Bernardo e Remgio Ferreira. Folha do Norte, 5 out.1947, Arte Suplemento
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Meira e Georgenor Franco. Folha do Norte, 12 out. 1947, Arte Suplemento
Literatura, p. 4-2.
AUGUSTO, Peri. Posio e destino da literatura paraense. Entrevistados Levy Hall
de Moura e Sultana Levy. Folha do Norte, 26 out. 1947, Arte Suplemento
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AUGUSTO, Peri. Posio e destino da literatura paraense. Entrevistados Bruno de
Menezes e Romeu Mariz. Folha do Norte, 02 nov. 1947, Arte Suplemento
Literatura, p. 4.
AUGUSTO, Peri. Posio e destino da literatura paraense. Entrevistados Stlio
Maroja e Edgar Proena. Folha do Norte, 16 nov. 1947, Arte Suplemento
Literatura, p. 4.
AUGUSTO, Peri. Posio e destino da literatura paraense. Entrevistados Otvio
Mendona e Raimundo de Sousa Moura. Folha do Norte, 23 nov. 1947, Arte
Suplemento Literatura, p. 4.
AUGUSTO, Peri. Posio e destino da literatura paraense. Entrevistados Max
Martins e Geraldo Palmeira. Folha do Norte, 7 dez. 1947, Arte Suplemento
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280
281
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Folha do Norte, ano IV, n. 131, 14 ago. 1949, Arte Suplemento Literatura, p. 2.
JEAN, Yvonne. Que cada avano do teu esprito seja um passo e no um rasto.
Entrevistado Guillevio. Folha do Norte, ano IV, n. 135, 18 set. 1949, Arte
Suplemento Literatura, p. 1-2.
JEAN, Yvonne. O brilhante Maurice Toesca. Entrevistado Maurice Toesca. Folha
do Norte, 25 set.1949, Arte Suplemento Literatura, p. 1.
Um congresso de tcnicos em linguagem homenageando um antigramtico.
Entrevistado Ccil Meira. Folha do Norte, ano IV, n. 139, 27 nov. 1949, Arte
Suplemento Literatura, p. 1.
WIZNITZER, LUIZ. Com Charles Morgan em Paris. Entrevistado Charles Morgan.
Folha do Norte, ano IV, n. 141, 11 dez., Arte Suplemento Literatura, p. 1-3.
WIZNITZER, LUIZ. A palavra de Heidegger. Entrevistado Heidegger. Folha do
Norte, ano IV, n. 142, 18 dez., Arte Suplemento Literatura, p. 1-3.
WIZNITZER, Louis. Entrevistando Collete. Entrevistado Collete. Folha do Norte,
ano V, n. 143, data ilegvel, Arte Suplemento Literatura, p. 1-2.
56 Encontrei nas artes plsticas um novo motivo para servir cultura do Brasil .
Entrevista com Marques Rebelo. Folha do Norte, ano V, n. 143, data ilegvel,
Arte Suplemento Literatura, p. 4.
FEDER, Ernesto. A averso Paul Claudel. Rio. Entrevistado Paul Claudel. Folha
do Norte, ano V, n. 146, 5 fev. 1950, Arte Suplemento Literatura, p. 4.
WIZNITZER, LUIZ. Uma entrevista com Graham Greene. Paris.
Entrevistado
283
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285
286
287
GERAL
PERIDICOS
288
ARQUIVOS
289
LIVROS
290
291
292
Rio de
293
294
295
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OS UPANISHADES. Traduo da verso inglesa de: Ins Busse
Livros
299
300
301
302
APNDICE
(Marcondes)
303
304
305
Luiz Costa Lima (1966, p. 110-111) um autor que diverge da anlise de Nunes no que tange
nusea sartreana, mas no toca no tema do aborto.
306
algumas
evidncias
sobre
aborto
voluntrio
feito
pela
Utiliza-se aqui a palavra enredo no sentido daquilo que est expresso no cotexto, ou seja,
aquilo que est explcito no discurso da personagem, figura importante no desenrolar da trama,
conforme nos ensina Antonio Candido (2000, p. 53-54): O enredo existe atravs das personagens;
as personagens vivem no enredo. Enredo e personagem exprimem, ligados, os intuitos do
romance, a viso da vida que decorre dele, os significados e valores que o animam. J na
interpretao, aquilo que o leitor percebe num romance, conto, poesia, etc. pode no estar explcito
no cotexto, mas sugerido pelas metforas, smbolos, entre outras figuras afins com a obra literria.
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Berta Waldman, em Clarice Lispector: A paixo segundo G. H., traz o ensaio No matars: um
esboo da figurao do crime em Clarice Lispector, no qual afirma o seguinte: Em verdade, G.
H. (como tambm Oflia) no comete crime, pois matar uma barata no se constitui como tal. Mas,
ao se aproximar tanto da barata, ela se separa dos homens e de suas leis que permitem que se
mate uma barata, pondo-se diante de outra lei onde seu impulso de matar o inseto pode ser
chamado crime, pois matar a barata reavivar, em G. H., seu impulso assassino mais fundo
voltado contra a matria viva (WALDMAN, 1992, p. 164-165). Embora reconhecendo o impulso
homicida da protagonista clericeana, Waldman tambm no percebe o aborto praticado por G. H.,
mas a prpria personagem revela esse fato no romance. Da o trucidamento da barata por G. H.
no ser a questo principal que a protagonista quer exprimir. Por simbiose, o discurso de G. H.
sobre a barata revela o aborto do seu filho, que a prpria me considera crime.
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A partir de vrias leituras do romance A paixo segundo G. H., faz-se o seguinte esquema para
facilitar a compreenso da obra: 1) verificao da estrutura do livro, chegando-se observao de
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Lcia, que antes de se tornar amante de Paulo, uma cortes (prostituta de luxo), sofre de
ameaa de abortamento involuntrio, segundo o mdico, pelo susto ao descobrir que est grvida.
Ento desmaia, sente dor e febre intensa durante trs dias. Porm, no aceita tomar o remdio
prescrito pelo mdico para interromper a gravidez, salvar a sua vida e acabar com seu sofrimento
fsico. Quando o mdico lhe diz que, tomando o frmaco, lanar o aborto e ficar inteiramente
boa, Lcia joga o copo de medicamento longe e, em resposta ao mdico, afirma: Lanar!...
Expelir meu filho de mim! (...) Iremos juntos! ...murmurou descaindo inerte sobre as almofadas do
leito. Sua me lhe servir de tmulo. S por muita insistncia de Paulo que toma o remdio, mas
j tarde, ele no faz mais efeito. Quando Paulo insiste para que ela tome o remdio, ela declara
O remdio de que eu preciso o da religio. Quero confessar-me, Paulo. Logo depois ela
falece (ALENCAR, 1999, p. 134-137). Lcia no aborta, pois o filho morre dentro de seu ventre e,
sem ser expelido, morrem filho e me.
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Os tradutores da 172 edio da Bblia Sagrada (Mt. 26, 17-29, p. 1317), ao se reportarem, em
nota de p de pgina, Ceia, no versculo 28, esclarecem as duas Alianas de Deus com os
homens, a saber: O sangue da Nova Aliana: a primeira aliana de Deus com o povo foi selada
pelo sangue de vtimas oferecidas ao sacrifcio. A Nova Aliana feita pelo sangue de Cristo,
vtima oferecida em sacrifcio pelo gnero humano.
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G. H. reconhece que, mesmo com toda a liberdade que ela possa ter, a
sociedade na qual vive tem modelos ou parmetros religiosos, sociais, para uma
boa convivncia entre as criaturas. Ento, percebe que aquilo por ela feito no
aceito pela coletividade. Mas o principal problema ela mesma, que precisa
compreender por que fez o aborto. Ela, como me, pode optar pela vida, e no o
faz. isso que a princpio ela no consegue se perdoar.
Porm, como o romance narrado em primeira pessoa, tendo G. H.
como protagonista, o leitor deve ficar atento, porque ela pode, com os seus
argumentos, levar o leitor a compreender a sua situao, porque ela agora se
culpa e quer o perdo. Veja-se o que ela diz sobre si mesma:
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G. H. sente vontade de falar, mas ela mesma reconhece que tudo o que
ela diz est somente adiando sua confisso, ou seja, adiando o seu silncio, que
o aborto.
A protagonista do romance em foco adia a sua confisso em longas
discusses que revelam sua situao pessoal e quem ela . Portanto, tem-se o
antes e o depois, o que o presente dessa personagem, fato observado no
segundo fragmento do romance, em que G. H est mesa do caf, sozinha, e se
esfora para esboar uma espcie de memorial dela prpria para poder
compreender quem ela . Depois vai se distanciando desse presente prximo para
falar mais amide de como ela prpria se v e, nessa viso de si mesma, se refere
a um relacionamento amoroso dissolvido:
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O leve prazer geral que parece ter sido o tom em que vivo
ou vivia talvez viesse de que o mundo no era eu nem
meu: eu podia usufru-lo. Assim como tambm aos homens
eu no os havia feito meus, e podia ento admir-los e
sinceramente am-los, como se ama sem egosmos, como
se ama a uma ideia. No sendo meus, eu nunca os torturava
(APSGH, 1998, p. 31).
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compreenso dela prpria. Essa questo vai sendo desenvolvida aos poucos, a
partir de suas observaes, quando diz ... Sempre gostei de arrumar. Suponho
que esta seja a minha nica vocao verdadeira, porque para ela arrumar
achar a melhor forma. A melhor forma tambm de contar a sua histria.
Ento, a protagonista faz uma discusso a respeito do trabalho
domstico, afirmando que, no sendo ela rica, seu desejo o de ser arrumadeira.
Depois fala o seguinte: O prazer sempre interdito de arrumar a casa me era to
grande que, ainda quando sentada mesa, eu j comeara a ter prazer no mero
planejar. Olhara o apartamento: por onde comearia? (LISPECTOR, 1998, p. 3334). Logo depois, compara o seu trabalho com o momento da criao do mundo,
quando Deus descansa, referindo-se ao Gnesis (primeiro dos cinco livros do
Pentateuco Antigo Testamento, da Bblia), livro no qual se tem a histria da
criao do mundo (G.n 2, 1-4). G. H. afirma que, ao trmino do seu trabalho na
stima hora, assim como no stimo dia, ela tambm merece ficar livre, aps o
trabalho, para descansar.
G. H. conta todos os passos que segue a partir do momento em que
decide comear o trabalho pelo [...] quarto da empregada que devia est imundo.
Esse quarto tem [...} funo dupla, dormida e depsito de trapos velhos, malas
velhas, jornais antigos... Esse cmodo parece ser tambm a vida interior de G.
H., pois, desde o planejamento da limpeza dessa parte da residncia, G. H.
sugere que:
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Para poder fazer o seu trabalho de forma solitria, sem ser incomodada
por terceiros, G. H. retira o telefone do gancho, pensando comear o seu trabalho
do quarto para o living, o que equivale ser dos fundos para a frente, ou seja, do
interior para o exterior, sugerindo a rememorao, porque, antes de G. H. entrar
no quarto, ela j comea a pensar, ou seja, ver. Suas palavras admitem que: [...]
J comeava a ver, e no sabia; vi desde que nasci e no sabia, no sabia.
Nesse momento, G. H. pede socorro ao seu interlocutor imaginrio quando diz:
D-me a tua mo desconhecida, que a vida est me doendo, e no sei como falar
a realidade delicada demais, s a realidade delicada, minha irrealidade e
minha imaginao so mais pesadas (LISPECTOR, 1998, p. 34).
V-se que, antes de entrar no quarto, G. H. j comea a pensar na
questo do aborto e de sua vida passada, problema latente que est sempre indo
e voltando na sua memria, porque o lembrar suscita o sofrimento. Mas, nesse dia
em que ela entra no quarto, nem pode imaginar que as lembranas vm com fora
e ela tem que pensar para compreender o que a leva a fazer o que faz: Olhei para
baixo: treze andares caam do edifcio. Eu no sabia que tudo aquilo j fazia parte
do que ia acontecer. Mil vezes antes o movimento provavelmente comeara e
depois se perdera. Desta vez o movimento iria ao fim, e eu no pressentia
(APSGH, 1998, p. 35).
No quarto fragmento, G. H. se dirige dependncia de empregada de
seu apartamento, passando por um corredor escuro que segue a rea, mas
antes de entrar, ela para porta, momento em que observa longamente o
cmodo, verificando com surpresa que ele est limpo. Vai entrando devagar
(assim como devagar a sua rememorao do aborto). Antes de G. H. ver a
barata, v um mural que descrito nestes termos: Na parede caiada, contgua
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porta - e por isso eu ainda no tinha visto estava quase em tamanho natural o
contorno a carvo de um homem nu, de uma mulher nua, e de um co que era
mais nu do que um co (APSGH, 1998, p. 39). G. H. descreve amide esse
mural, chegando concluso de que a figura feminina e a do co so ela, bem
como de que a empregada Janair a odeia e a censura, segundo as palavras da
protagonista:
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H. de matar a barata parece ser a mesma coragem que faz com que ela fale do
aborto pginas adiante.
V-se que G. H. vai indiciando, em quase todos os fragmentos, que a
principal histria que ela precisa contar no a da morte da barata, mas uma
outra histria que vai sendo contada de forma cifrada, como se pode observar na
seguinte passagem em que, aps dar o primeiro golpe na barata, G. H. afirma: J
ento eu talvez soubesse que no me referia ao que eu fizera com a barata mas
sim a: que fizera eu de mim? (APSGH, 1998, p. 53).
Depois do primeiro golpe desfechado contra o inseto, comeado no
sexto fragmento, G. H., como que num surto de loucura, mistura vrias
informaes sobre a barata e sobre ela prpria. Nas entrelinhas, percebe-se que o
inseto esmagado lembra toda a histria dela quando faz o aborto, como se pode
ver no seguinte excerto do oitavo fragmento, ao dizer que a matria da barata,
que era o seu de dentro, a matria grossa, esbranquiada, lenta, crescia para fora
como de uma bisnaga de pasta de dente (APSGH, 1998, p. 62). G. H., da em
diante, mistura seu sofrimento ao da barata. Ambos parecem ser a mesma coisa,
retardando a revelao principal de sua historia, que s vai ocorrer no dcimo
quarto fragmento. Entretanto, a partir desse momento, G. H. se esfora para pedir
perdo pelo seu ato de comer a barata, considerado um ser vivo imundo segundo
os livros bblicos Levtico e Deuteronmio, em que se encontram A pureza
legal (lei proibindo determinados alimentos) e a Proibio dos ritos pagos
respectivamente. Deste ltimo, que ela tem conhecimento, G. H. cita partes de seu
aprendizado religioso, mas, ao mesmo tempo, pede perdo. Todas essas
informaes aparentemente desconexas possibilitam a G. H. demonstrar aquilo
que ela chama de seu primeiro gesto de desumanizao, ou seja, a morte de seu
filho, o que ainda no dito, mas fica subentendido, conforme passagem do
dcimo fragmento:
Eu lutava porque no queria uma alegria desconhecida. Ela
seria to proibida pela minha futura salvao quanto o bicho
proibido que foi chamado de imundo e eu abria e fechava a
boca em tortura para pedir socorro, pois ento ainda no me
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Minarete s.m nas mesquitas, torre alta e fina, com trs ou quatro andares e balces salientes,
de onde o muezim conclama os muulmanos s oraes; almdena. Etimologia r. manra 'id.',
pelo fr. minaret 'id., e este, do mesmo voc. r., via tur. menaret 'farol'. HOUAISS, 2009, p. 1293).
G. H., de um quarto-minarete fala como que de um lugar sagrado em que ela, em vrios
momentos, reza.
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Cmara Ardente como fica conhecido um tribunal extraordinrio na Frana, para condenar
pessoas a penas severssimas, geralmente a morte na fogueira. Esse tribunal recebe tal nome pelo
fato de os julgamentos ocorrerem em uma sala preta, iluminada por tochas ou velas. No Reinado
de Francisco I, esse tribunal de inquisio persegue os protestantes franceses (geralmente
calvinistas) e a heresia; no Reinado de Henrique II da Frana, a perseguio severa conta os
huguenotes e os criminosos de modo geral. Nesse contexto de sofrimento, metaforicamente, o
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discurso. Portanto, G. H. parece falar de um lugar sagrado e nesse lugar que ela
sente um mal-estar, se confessa e reza, conversando com sua Me, que
remete tambm a me de Jesus (Maria):
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outra barata; e que uma mulher, na hora do amor por um homem, essa mulher,
est vivendo a sua prpria espcie (APSGH, 1998, p. 169), acrescentando que o
sofrimento prprio da condio humana quando afirma: mas chegar o instante
em que me dars a mo, no mais por solido, mas como eu agora: por amor.
Como eu, no ters medo de agregar-te extrema doura enrgica de Deus.
Solido ter apenas o destino humano (APSGH, 1998, p. 170).
G. H., antes de comear a contar que vai comer a barata, diz que, se
chegar ao fim do seu relato, no mesmo dia, vai sair e se divertir. Num texto entre
parntesis declara que:
V-se que G. H., em sua histria, relata o aborto, para isolar esse seu
fantasma, esquec-lo e voltar a sua vida anterior interrupo induzida de sua
gravidez. Noutras palavras, para retornar a vida de mulher liberta, que pode
escolher o homem que bem quiser, a exemplo de Carlos, Antnio, ou ambos.
Nos ltimos fragmentos trinta e dois e trinta e trs respectivamente, G.
H. reconhece que o golpe da graa se chama paixo, percebendo na barata viva
que ela, G. H. tambm um ser vivo e que tudo passa, inclusive a paixo.
. Depois enceta uma discusso suscitando dvidas sobre o que seja o
homem, ter humanidade, ser humano, inumano, sobre o que ela afirma:
No sei. Sinto que no humano uma grande realidade, e que isso no significa
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que a sua vida no tem sentido apenas humano, muito maior. Finalmente, G.
H., numa espcie de xtase, por ter entendido um problema que at ento a
atormenta, ou por ter se refeito dele, como que desconversa, reconhecendo que
as palavras, as quais ela tanto recorre em busca de um sentido para sua vida, so
insuficientes para expressar tal sentido no passando de uma mera conveno
social.
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