STRAUB Richard O Psicologia Da Saude Cap 01

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Fundamentos da

Psicologia da Sade

1
SADE E PSICOLOGIA DA SADE
O que sade?
Os trs domnios da sade
Teste da realidade:
Como est sua sade?

SADE E DOENA:
LIES DO PASSADO
Vises antigas
A Idade Mdia e a
Renascena
O racionalismo
ps-Renascena
Descobertas do sculo XIX
O sculo XX e o incio
de uma nova era
Diversidade e vida saudvel:
Sade no novo milnio

TENDNCIAS QUE MOLDARAM


A PSICOLOGIA DA SADE
Aumento da expectativa
de vida
O surgimento de transtornos
relacionados com o estilo de
vida
Repensando o modelo
biomdico
Aumento dos custos do
tratamento de sade

PERSPECTIVAS EM
PSICOLOGIA DA SADE
Perspectiva do curso
de vida
Perspectiva sociocultural
Perspectiva de gnero
Perspectiva biopsicossocial
(mente-corpo)

QUESTES FREQENTES SOBRE


A PSICOLOGIA DA SADE
O que fazem os psiclogos
da sade?
Onde trabalham os
psiclogos da sade?
Como tornar-se um
psiclogo da sade?

 psicologia da sade aplicao


de princpios e pesquisas psicolgicas para a melhoria da sade e a preveno e o tratamento de doenas

Introduo
Psicologia da Sade

bisav de Kathleen emigrou da Irlanda para os Estados Unidos em 1899.


Esperando uma vida melhor, ela e seu marido fugiram da dura pobreza
de sua terra natal e deram incio a uma nova famlia. As coisas melhoraram em seu pas adotivo, mas a vida ainda era dura. Mdicos eram caros
(e poucos), e ela sempre tinha de se proteger contra gua poluda, comida contaminada ou infeces como febre tifide, difteria ou alguma das
tantas doenas que prevaleciam naquela poca. Apesar da vigilncia, a sobrevivncia
para ela, seu marido e seu beb recm-nascido (a av de Kathleen) permanecia incerta. A expectativa de vida era de menos de 50 anos, e um em cada seis bebs
morria antes de seu primeiro aniversrio.
Um sculo depois, Kathleen sorri enquanto olha a fotografia desbotada de sua
bisav, tirada em um momento de alegria quando brincava com sua filha. Ela sabe
que sua ancestral viveu uma vida longa e produtiva, morrendo aos 75 anos de idade
de uma hemopatia que parece ser de famlia. Tambm devido a seus pais, ela sabe
que tem a mesma perspectiva otimista e o mesmo sabor pela vida que fortalecia sua
bisav contra as dificuldades. Como as coisas so diferentes agora, pensa Kathleen,
mas quanta coisa dela eu carrego em mim!.
As coisas so muito diferentes. Por um lado, os avanos na higiene, as medidas
de sade pblica e a microbiologia praticamente erradicaram as doenas infecciosas que os ancestrais de Kathleen mais temiam. Por outro lado, as mulheres que
nascem hoje nos Estados Unidos apresentam uma expectativa de vida de quase 80
anos, e os homens, apesar de apresentarem uma mais curta, freqentemente atingem a idade de 72 anos. Juntamente com esse presente do tempo, a maioria das
pessoas est mais consciente de que a sade representa muito mais do que estar livre
de doenas. Mais do que nunca, elas fazem coisas que garantem longa vitalidade,
modificando suas dietas, fazendo exerccios regularmente e mantendo-se socialmente ativas.

SADE E PSICOLOGIA DA SADE

histria da famlia de Kathleen deixa claro que muitos fatores interagem para
determinar a sade. Este um tema fundamental da psicologia da sade, um subcampo da psicologia que aplica princpios e pesquisas psicolgicas para melhoria,
tratamento e preveno de doenas. Suas reas de interesse incluem condies sociais
(como a disponibilidade de servios de sade), fatores biolgicos (como a longevidade
da famlia e as vulnerabilidades hereditrias a certas doenas) e at mesmo traos de
personalidade (como o otimismo).
Como Kathleen, temos sorte de viver em uma poca em que a maioria dos
cidados do mundo tem a promessa de uma vida mais longa e melhor, com muito
menos deficincias e doenas do que em qualquer outra poca. Entretanto, esses
benefcios sade no so desfrutados universalmente. Considere:
 O nmero de anos de vida saudveis que se pode esperar em mdia igual ou
excede os 70 anos de idade em 24 pases do mundo (a maioria deles desenvolvi-

22








PARTE 1

FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA DA SADE

dos), mas estima-se que seja menos do que 40 anos em outros 32 pases (a maioria em desenvolvimento) (Organizao Mundial da Sade, 2000).
Embora a expectativa mdia de vida continue a aumentar, os brancos norte-americanos vivem consistentemente seis anos a mais do que os negros norte-americanos. As taxas de mortalidade para bebs negros continuam a ser mais de duas
vezes superior dos bebs brancos (Anderson, 1995).
Mortes e ferimentos relacionados com violncia, drogas e lcool e riscos relacionados com sexo, como o HIV, cada vez mais marcam a transio da adolescncia
para a idade adulta, particularmente entre minorias tnicas (Yee e cols., 1995).
Em cada idade, as taxas de mortalidade variam de acordo com o grupo tnico. Por
exemplo, entre homens e mulheres norte-americanos entre 45 e 54 anos de idade, as taxas de mortalidade so maiores entre afro-americanos (12 por mil), seguidos pelos nativos americanos (6,1 por mil), europeu-americanos no-hispnicos (5,0), hispano-americanos (4,9) e americanos de origem asitica e das ilhas
do Pacfico (2,6) (National Center for Health Statistics, 1999).
Durante um estudo de sete anos e meio de durao, realizado com 3.617 adultos
com idades a partir de 25 anos, os homens que viviam em reas urbanas tiveram
mortalidade 62% superior do que os homens que viviam em subrbios, cidades
pequenas ou reas rurais (House e cols., 2000).
Embora os homens tenham duas vezes mais probabilidade de morrer devido a
qualquer causa, a partir da meia-idade as mulheres apresentam taxas de doenas
e incapacidades mais elevadas (National Center for Health Statistics, 1999).
Os imigrantes recentes para os Estados Unidos geralmente so mais saudveis do
que os residentes antigos de mesma etnia e idade (Abraido-Lanza, Dohrenwend,
Ng-Mak e Turner, 1999).
Os Estados Unidos gastam uma poro maior de seu produto interno bruto em servios de sade do que qualquer outro pas, mas ocupam apenas a trigsima stima
posio entre 191 pases em relao ao desempenho geral de seu sistema de sade,
medido pelo grau de resposta, imparcialidade de financiamentos, acessibilidade a
todos os indivduos, e assim por diante (Organizao Mundial da Sade, 2000).
Mais de 15 milhes de adultos ao redor do mundo entre as idades de 20 e 64
morrem a cada ano. A maioria dessas mortes so prematuras e podem ser prevenidas (National Center for Health Statistics, 1999).

Essas estatsticas revelam alguns dos desafios na busca pelo bem-estar global. Esses
desafios envolvem reduzir a discrepncia de 30 anos em expectativa de vida entre os
pases desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento; ajudar os adolescentes a fazerem
uma transio segura e saudvel para a idade adulta; e alcanar um entendimento mais
profundo das relaes entre gnero, etnicidade, status sociocultural e sade.
Este captulo apresenta a psicologia da sade, um campo relativamente novo
que ir desempenhar um papel fundamental para enfrentar os desafios para a sade
do mundo nos prximos sculos. Considere algumas das questes que os psiclogos
da sade buscam responder:
 De que maneira sua capacidade de se relacionar bem com outras pessoas influencia a sua sade?
 De que maneira suas atitudes, crenas, autoconfiana e personalidade geral afetam a sua sade?
 Ser que a acupuntura, a homeopatia, os tratamentos com ervas e outras formas
de medicina alternativa realmente funcionam?
 At que ponto as caractersticas especficas do seu ambiente, incluindo arquitetura, nvel de rudo e presena de sol esto associados sua sade?
 Pode a doena ser causada por hbitos pessoais?

N. de R. T.: Dados estatsticos do perfil de morbi-mortalidade da populao brasileira, bem


como de incidncia e prevalncia das patologias citadas podem ser encontrados nos sites indicados na pgina 641 deste livro.

A sade da mulher est indissociavelmente ligada a seu status na sociedade. Ela se beneficia com a
igualdade e sofre com a discriminao.
Organizao Mundial da Sade,
2000

INTRODUO PSICOLOGIA DA SADE

 sade estado de
completo bem-estar fsico,
mental e social

CAPTULO 1

23

 Quais so as barreiras adoo de um estilo de vida saudvel?


 Por que certos problemas de sade tm ocorrncia mais provvel entre pessoas de
determinada idade, gnero ou grupo tnico?
 Quais aspectos do estilo de vida do adolescente mdio contribuem ou comprometem a sade?
 Por que a pobreza uma ameaa potencialmente sria para a sade?
A psicologia da sade a cincia que busca responder estas e outras questes a
respeito da forma como seu bem-estar afetado pelo que voc pensa, sente e faz.
Comeamos nossa explorao desse excitante campo dando uma olhada mais de
perto no conceito de sade e nas mudanas que sofreu no decorrer da histria. A
seguir, examinaremos a histria e o alcance da psicologia da sade, incluindo a forma
como ela baseia e sustenta outros campos relacionados com a sade. Finalmente,
focaremos o tipo de treinamento necessrio para tornar-se um psiclogo da sade e o
que voc pode fazer aps obter essa formao.
O que sade?
A palavra sade vem de uma antiga palavra da lngua alem que representada, em ingls, pelas palavras hale e whole,* as quais referem-se a um estado de integridade do corpo. Os lingistas observam que essas palavras derivam dos campos de
batalha medievais, em que a perda de haleness, ou sade, normalmente resultava de
um grave ferimento.
Atualmente, somos mais propensos a pensar na sade como a ausncia de doenas, em vez da ausncia de ferimento debilitante obtido no campo de batalha. Como
tal definio concentra-se apenas na ausncia de um estado negativo, ela incompleta. Embora seja verdade que as pessoas saudveis esto livres de doenas, a maioria
de ns concordaria que a sade envolve muito mais. bastante possvel, e at comum, que uma pessoa esteja livre de doenas, mas ainda no desfrute de uma vida
vigorosa e satisfatria. A sade no se limita ao nosso bem-estar fsico.
Os trs domnios da sade
Reconhecendo como inadequada e limitada a definio anterior de sade, a
Organizao das Naes Unidas estabeleceu a Organizao Mundial da Sade. Em
seu documento de criao, a OMS definiu sade como um estado de completo bemestar fsico, mental e social, e no simplesmente como a ausncia de doenas ou
enfermidades. Essa definio afirma que sade um estado positivo e multidimensional que envolve trs domnios: sade fsica, sade psicolgica e sade social.
A sade fsica, claro, implica ter um corpo vigoroso e livre de doenas, com um
bom desempenho cardiovascular, sentidos aguados, sistema imunolgico vital e a
capacidade de resistir a ferimentos fsicos. Ela tambm envolve hbitos relacionados
com o estilo de vida que aumentem a sade fsica. Entre estes, esto seguir uma dieta
nutritiva, fazer exerccios regularmente e dormir bem; evitar o uso de tabaco e outras
drogas; praticar sexo seguro e minimizar a exposio a produtos qumicos txicos.
A sade psicolgica significa ser capaz de pensar de forma clara, ter uma boa
auto-estima e um senso geral de bem-estar. Ela inclui a criatividade, as habilidades
de resoluo de problemas (como buscar informaes sobre questes relacionadas
com a sade) e a estabilidade emocional. Ela tambm caracterizada pela autoaceitao, abertura a novas idias e uma tenacidade geral na personalidade.
A sade social envolve ter boas habilidades interpessoais, relacionamentos significativos com amigos e famlia, e apoio social em pocas de crise. Ela tambm est
relacionada com fatores socioculturais em sade, como o status socioeconmico, a
educao, a etnicidade, a cultura e o gnero.
*

N. de T.: Em ingls, hale significa sade, vigor, e whole significa completo, integral.

24

PARTE 1

FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA DA SADE

Cada domnio da sade influenciado pelos outros dois domnios. Por exemplo, uma pessoa emocionalmente estvel, que tem boas habilidades de resoluo de
problemas (sade psicolgica), provavelmente ter mais facilidade para manter relacionamentos sociais saudveis (sade social) do que uma pessoa depressiva que tem
dificuldade para se concentrar no problema em questo. Da mesma forma, a sade
fsica fraca apresenta desafios especiais, tanto para a auto-estima da pessoa (sade
psicolgica) quanto para relacionamentos com sua famlia e seus amigos (sade social).

Teste da realidade

Como est sua sade?

Como voc ver no Captulo 2, os psiclogos da sade utilizam


uma variedade de mtodos para conduzir pesquisas e guiar suas
intervenes clnicas. Entre esses mtodos, esto experimentos
de laboratrio, estudos de campo e pesquisas como esta. Um psiclogo que trabalha com a psicologia da sade aplicada pode usar
este tipo de questionrio para coletar informaes bsicas a fim de
planejar uma interveno para tratar uma pessoa com hipertenso
relacionada ao estresse. Por exemplo, as respostas podem revelar
espao para melhorias em sua sade fsica, talvez por meio de
aconselhamento nutricional ou orientao sobre como comear um
programa de exerccios. Alm disso, a pessoa que relate ter dificuldade em administrar o estresse pode ser beneficiada por uma interveno cognitiva visando a corrigir sua tendncia a reagir de
forma exagerada aos problemas cotidianos. Questionrios como
este so apenas pontos de partida para a pesquisa e as intervenes clnicas. Uma vez identificada uma rea potencial de melhoria
para a sade, informaes muito mais detalhadas e especficas
devem ser obtidas.

QUESTIONRIO

SOBRE

ESTILO

DE

VIDA

HBITOS

Este questionrio pode ser utilizado para examinar de forma


ampla o estilo de vida e os hbitos em relao a cada uma
das dimenses da sade e a questes relacionadas com a sade, como exerccios, boa forma e preveno de acidentes.
Leia cada um dos itens a seguir. Escreva com sinceridade o
nmero que melhor corresponde a sua resposta. Adicione
seus escores para cada categoria e use as diretrizes para interpretar os resultados.
Raramente
ou nunca
1

s
vezes
2

1. Eu realizo atividades fsicas moderadamente intensas, como caminhar rapidamente ou fazer trabalhos
domsticos por, pelo menos, 30 minutos por dia.
2. Eu realizo exerccios vigorosos, como correr, nadar, caminhar rapidamente ou aulas de dana
aerbica por, pelo menos, 20 a 30 minutos pelo
menos trs vezes por semana.
3. Eu tenho uma vida ativa.
4. Eu tenho mais ou menos a mesma forma fsica da
maioria das pessoas da minha idade.
5. Eu passo grande parte do meu tempo de lazer envolvido com esportes ou atividades fsicas ativas
como ciclismo, caminhadas, natao, jardinagem
ou praticando esportes competitivos.
6. Eu tenho boa resistncia fsica.
7. Eu realizo exerccios de fortalecimento muscular
pelo menos algumas vezes por semana.
8. Eu tenho energia suficiente para passar o dia sem
me sentir fatigado.
Escore de exerccios e boa forma

Consumo de lcool, tabaco e outras drogas

Normalmente
3

Sempre
4

Sade fsica

Exerccios e boa forma fsica

1. Eu cuido da minha sade.


2. Eu tento manter meu corpo saudvel e em boa
forma.
3. Eu freqentemente fao exames para problemas
de sade que podem afetar pessoas com o meu
histrico familiar.
4. Eu no tenho doenas crnicas ou incapacitantes.
5. Eu sinto que estou basicamente em boa sade.
6. Eu no tenho alergias.
7. Eu no perco muito tempo de trabalho por causa
de doenas.
8. Eu durmo pelo menos 7 a 8 horas todas as noites e
acordo sentindo-me descansado e revigorado.
Escore para sade fsica

1. Eu evito fumar cigarros.


2. Eu evito qualquer uso de tabaco, incluindo cachimbos, charutos e formas de tabaco que no produzam fumaa, como rap e de mascar.
3. Eu evito beber cerveja ou vinho ou, se beber, evito
beber mais de duas doses por dia.
4. Eu evito beber em situaes em que seria inseguro
beber.
5. Eu evito tomar bebedeiras (beber cinco ou mais
doses de uma vez).
6. Eu evito drogas ilcitas.
7. Eu evito socializar com pessoas que utilizam drogas ilcitas ou bebem excessivamente.
8. Eu evito usar lcool ou outras drogas para lidar
com problemas ou para fazer com que eu sinta mais
confiana no meio social.
Escore de consumo de lcool,
tabaco e outras drogas

Prticas de sade preventiva

1. Eu visito meu mdico regularmente para check-ups


de rotina.
2. Eu examino a presso sangnea e o colesterol regularmente.

INTRODUO PSICOLOGIA DA SADE

3. Eu pratico auto-exames dos seios/testculos mensalmente.


4. Se eu tenho contato sexual, pratico sexo seguro.
5. Eu evito exposio excessiva ao sol.
6. Eu uso protetor solar sempre que fico no sol por
mais do que alguns minutos.
7. Eu lavo as mos aps usar o banheiro.
8. Eu mantenho minhas vacinas atualizadas.
Escore de prticas de sade preventiva

Preveno de acidentes

1. Eu tenho um detector de fumaa em casa.


2. Eu tenho um detector de monxido de carbono em
casa.
3. Eu guardo produtos qumicos de uso domstico em
um local seguro.
4. Eu uso o cinto de segurana sempre que dirijo ou
ando de carro.
5. Eu mantenho as crianas sentadas em um assento
infantil ou com o cinto de segurana quando andamos de carro.
6. Eu obedeo as regras de trnsito.
7. Eu uso capacete e outros equipamentos de segurana recomendados quando ando de patins ou de
bicicleta.
8. Eu leio e sigo as instrues para o uso correto de
detergentes, solventes, pesticidas e eletrodomsticos.
Escore de preveno de acidentes

Controle de peso e nutrio

1. Eu limito meu consumo de gordura, incluindo gordura saturada.


2. Eu limito meu consumo de alimentos com alto teor
de colesterol, como ovos, fgado e carne.
3. Eu sigo uma dieta equilibrada do ponto de vista
nutricional.
4. Eu como cinco ou mais pores de frutas e vegetais diariamente.
5. Eu limito a quantidade de sal e acar que consumo.
6. Eu como alimentos fervidos ou cozidos no vapor,
em vez de fritos.
7. Eu como alimentos ricos em fibras diversas vezes
por dia.
8. Eu tomo cuidado para manter meu peso dentro de
um limite saudvel.
Escore de controle de peso e nutrio

1. Eu consigo me concentrar no trabalho na escola


ou no emprego.
2. Eu tenho uma direo definida em minha vida.
3. Eu geralmente gosto de mim mesmo.
4. Eu consigo relaxar e descontrair.
5. Eu tenho esperana no futuro.
6. Eu gosto de desafios.
7. Eu consigo expressar meus sentimentos.
8. Eu consigo administrar o estresse em minha vida.
Escore de sade psicolgica

25

Sade espiritual

1. Eu vejo significado na vida.


2. Eu tenho um senso de conexo com algo maior do
que eu, seja isso uma religio organizada, a natureza ou causas sociais.
3. Eu acredito que a vida tem um propsito.
4. Eu aprecio as artes pintura e escultura, dana,
msica ou livros.
5. Eu acredito ter um lugar de valor em minha comunidade.
6. Eu tento ajudar as pessoas necessitadas sem esperar algo em troca.
7. Eu tento fazer coisas que tenham um valor duradouro.
8. Eu sinto a necessidade de fazer alguma diferena
para a vida das pessoas.
Escore de sade espiritual

Sade social

1. Eu tenho amigos ntimos.


2. Eu sou capaz de desenvolver relacionamentos de
confiana com outras pessoas.
3. Eu consigo expressar sentimentos de apreciao e
amor para com outras pessoas, assim como sentimentos de decepo e raiva.
4. Quando h um problema que eu no consigo resolver sozinho, normalmente tenho ou encontro
algum com quem conversar a respeito.
5. Eu tenho um bom relacionamento com meus familiares.
6. Eu costumo estar disponvel para as pessoas quando elas necessitam de mim.
7. Eu consigo me afirmar de maneira responsvel e
no permito que os outros tirem vantagem de mim.
8. Eu respeito os sentimentos dos outros.
Escore de sade social

Sade ambiental

Sade psicolgica

CAPTULO 1

1. Eu me mantenho informado a respeito de questes ambientais, como a reduo da camada de oznio, a destruio das florestas e a chuva cida.
2. Eu reciclo papel, garrafas e latas de alumnio.
3. Eu tenho conscincia da segurana e qualidade da
gua que utilizo.
4. Eu participo ou contribuo para causas ambientais.
5. Eu me certifico de que qualquer resduo que eu
produzir seja descartado adequadamente.
6. Eu evito usar pesticidas em aerossol dentro de casa
ou no jardim ou, se os utilizar, tenho o cuidado de
seguir todas as instrues de segurana.
7. Eu lavo todas as frutas e vegetais antes de com-los.
8. Eu fao um esforo para economizar gua e eletricidade.
Escore de sade ambiental

Como interpretar o seu resultado


24 a 32 Parabns! Voc parece ter adotado um estilo de vida
saudvel, com um mnimo de comportamentos que possam comprometer a sade. Ainda assim, pode haver espao para melhorar. O que mais voc pode fazer para otimizar sua sade?

26

PARTE 1

FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA DA SADE

16 a 23 Embora voc tenha claramente estabelecido alguns


hbitos saudveis, voc ainda tem muito que melhorar. Examine as respostas que so menos do que sempre, especialmente aquelas que so s vezes ou raramente ou nunca.
Considere maneiras de mudar seu comportamento para melhorar seu escore.
Abaixo de 16 Com base nesses fatores relacionados com
seu estilo de vida, voc parece realizar muitos comporta-

mentos que podem comprometer sua sade. Possivelmente,


esses comportamentos aumentam seu risco de doena ou
de acidentes. Quais atitudes voc pode tomar para melhorar seu resultado?
Fonte: Nevid, J. S., Rathus, S. A. e Rubenstein, H. R. (1998).
Health in the new millenium (p. 10-12). New York: Worth
Publishers.

SADE E DOENA: LIES DO PASSADO

esmo que todas as civilizaes tenham sido afetadas por doenas, cada uma delas
compreendia e tratava a doena de formas diferentes. Em uma certa poca, nossos
ancestrais pensavam que a doena era causada por demnios. Em outra, eles diziam
que era uma forma de punio pela fraqueza moral. Atualmente, lutamos com questes como: ser que a doena pode ser causada por uma personalidade doentia?.
Vejamos de que maneiras as nossas vises com relao sade e doena mudaram
no decorrer da histria. (Talvez voc queira utilizar a Figura 1.1 durante a discusso
seguinte para ter um senso da cronologia da mudana nas vises sobre sade e doena.)

Vises Antigas
Medicina pr-histrica
Os esforos de nossos ancestrais para curar doenas podem ser traados at 20
mil anos atrs. Uma pintura feita em uma caverna no sul da Frana, por exemplo,
que se acredita ter 17 mil anos de idade, mostra o xam da idade do gelo vestindo a
mscara animal de um antigo curandeiro. Em religies que se baseiam em uma crena em espritos bons e maus, somente um xam (sacerdote ou paj) pode influenciar
esses espritos.
Para homens e mulheres pr-industriais, que enfrentavam as foras freqentemente hostis de seu ambiente, a sobrevivncia baseava-se na vigilncia constante
contra essas misteriosas foras do mal. Quando uma pessoa ficava doente, no havia
uma razo fsica bvia para tal fato; pelo contrrio, a condio do indivduo acometido era erroneamente atribuda a uma fraqueza frente a uma fora mais forte, feitiaria ou possesso por um esprito do mal (Amundsen, 1996).
O tratamento era duro e consistia de rituais de feitiaria, exorcismo e uma
forma primitiva de cirurgia chamada de trepanao. Muitos arquelogos j desenterraram crnios humanos pr-histricos contendo buracos irregulares que aparentemente haviam sido perfurados por antigos curandeiros para permitir que os demnios que causavam a doena deixassem o corpo do paciente. A trepanao era praticada em pessoas vivas e mortas, sugerindo que essa prtica desempenhava um importante papel em cerimnias culturais ou religiosas alm do tratamento da sade. Registros histricos indicam que a trepanao era uma forma de tratamento amplamente praticada na Europa, no Egito, na ndia e na Amrica Central e do Sul.
Aproximadamente 4 mil anos atrs, algumas pessoas notaram que a higiene
tambm desempenhava um papel na sade e na doena e fizeram tentativas de melhorar a higiene pblica. Os antigos egpcios, por exemplo, realizavam rituais de
limpeza para impedir que vermes causadores de doenas infestassem o corpo. Na
Mesopotmia (parte da qual localizava-se onde hoje o Iraque), fabricava-se sabo,
projetavam-se instalaes sanitrias e construam-se sistemas para o tratamento de
esgotos pblicos (Stone, Cohen e Adler, 1979).

INTRODUO PSICOLOGIA DA SADE

CAPTULO 1

27

Figura 1.1
Uma linha do tempo de variaes culturais histricas em relao doena e cura
Desde o antigo uso da trepanao para remover espritos do mal at o uso atual de radiografias no-invasivas do crebro
para diagnosticar doenas, o tratamento de problemas de sade tem assistido a importantes avanos com o passar dos
sculos. Uma coletnea de tratamentos ao longo das eras apresentada a seguir (da esquerda para a direita): trepanao
(em um crnio peruano antigo); acupuntura da China; as primeiras cirurgias no sculo XVII; vacinao por um vacinador
distrital na Londres do sculo XIX; e uma tomografia computadorizada para observar a atividade cerebral no sculo XXI.

Crditos (da esquerda para a direita): Gravura de crnio trepanado, Escola Inglesa (sculo XIX), publicado em 1878 em Incidentes de
Viagens e Exploraes na Terra dos Incas, de George Squier: coleo privada/Bridgeman Art Library; Ilustrao exibindo acupuntura:
Corbis; O Cirurgio, gravura da Escola Alem (sculo XVI): coleo privada/Bridgeman Art Library; Gravura de Vacinao, 1871: Hulton
Getty/Liaison Agency; CT scan: Premium Stock/Corbis.

Medicina grega e romana


Os avanos mais expressivos em sade pblica e saneamento foram feitos na
Grcia e em Roma durante os sculos VI e V a.C. Em Roma, um grande sistema de
drenagem, a Cloaca Maxima, foi construdo para drenar um pntano que mais tarde se
tornaria o lugar do Frum romano. Com o tempo, a Cloaca assumiu as funes de um
sistema de esgotos moderno. Banheiros pblicos, para os quais havia uma pequena
taxa de admisso, eram comuns em Roma por volta do sculo I a.C. (Cartwright, 1972).

28

PARTE 1

FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA DA SADE

O primeiro aqueduto trouxe gua pura para Roma j em 312 a.C., e a limpeza
das vias pblicas era supervisionada pelos aediles, um grupo de oficiais indicados que
tambm controlavam o suprimento de alimentos. Os aediles criavam normas para
garantir que a carne e outros alimentos perecveis estivessem frescos e organizavam
o armazenamento de grandes quantidades de gros, por exemplo, no esforo para
prevenir a fome (Cartwright, 1972).
Na Grcia, o filsofo grego Hipcrates (cerca de 460 a 377a.C.) estabeleceu as
razes da medicina ocidental quando se rebelou contra o antigo foco no misticismo e
na superstio. Hipcrates, freqentemente chamado de o pai da medicina moderna, foi o primeiro a afirmar que a doena era uma fenmeno natural e que suas
causas (e, portanto, seu tratamento e preveno) podem ser conhecidos e merecem
estudos srios. Dessa forma, ele construiu a base mais antiga para uma abordagem
cientfica da cura.
Hipcrates props a primeira explicao racional para o fato das pessoas adoecerem. Segundo sua teoria humoral, um corpo e uma mente saudveis resultavam
do equilbrio entre quatro fluidos corporais chamados de humores: sangue, bile amarela, bile negra e fleuma. Para manter o balano adequado, o indivduo deveria seguir um estilo de vida saudvel, incluindo exerccios, descanso suficiente, boa dieta e
evitar excessos. Quando os humores estavam desequilibrados, contudo, o corpo e a
mente seriam afetados de maneiras previsveis, dependendo de qual dos quatro humores estivesse em excesso. Um excesso de sangue, por exemplo, contribua para
uma personalidade sangnea (otimista e alegre). Embora uma personalidade alegre
possa parecer desejvel, Hipcrates acreditava o contrrio: sangue demais, dizia ele,
aumentava a suscetibilidade da pessoa a epilepsia, angina, disenteria e artrite. O
tratamento para o excesso de sangue consistia em flebotomia (a abertura de uma
veia para remover sangue), banhos frios e enemas. A pessoa fleumtica, que tinha
excesso de fleuma, era triste, lnguida e lenta. Como resultado, era propensa a dores
de cabea, resfriados e acidentes vasculares cerebrais. O tratamento consistia em
banhos quentes, diurticos e ervas que induzissem a nusea. A pessoa colrica, que
tinha um excesso de bile amarela e um temperamento ardente, necessitava de um
tratamento para lceras na boca, ictercia e distrbios estomacais. Encontrava-se alvio por meio de sangrias, dietas lquidas, enemas e banhos refrescantes. Uma pessoa
melanclica possua bile negra demais; uma disposio triste e sorumbtica (da o
termo melancolia) era o resultado provvel. Tambm se esperava que essa condio
contribusse para a ocorrncia de lceras e hepatite, que poderiam ser tratadas com
uma dieta especial, banhos quentes, emticos (drogas que induzem o vmito) e queima de tecido corporal com um ferro quente (cauterizao).
Ainda que a teoria humoral tenha sido descartada medida que foram feitos
avanos em anatomia, fisiologia e microbiologia, a noo sobre os traos da personalidade estarem ligados aos fluidos corporais persiste na medicina popular e alternativa de muitas culturas. Alm disso, como veremos no prximo captulo, atualmente
sabemos que muitas doenas envolvem um desequilbrio (de certa forma) entre os
neurotransmissores do crebro, de modo que Hipcrates no estava to errado.
Hipcrates fez muitas outras contribuies notveis para uma abordagem cientfica da medicina. Por exemplo, para aprender quais eram os hbitos pessoais que
contribuam para a gota, uma doena causada por perturbaes no metabolismo
corporal do cido rico, ele conduziu uma das primeiras pesquisas de sade pblica
a respeito dos hbitos daqueles que sofriam da doena, como sua temperatura corporal, freqncia cardaca, respirao e outros sintomas fsicos. Ele tambm apontou a
importncia das emoes e pensamentos de cada um dos pacientes com relao a
sua sade e tratamento e, assim, chamou a ateno para os aspectos psicolgicos da
sade e da doena.
A prxima grande figura na histria da medicina ocidental foi o mdico Claudius
Galeno (cerca de 129 a 200 d.C.). Grego por nascimento, passou muitos anos em
Roma, conduzindo estudos de dissecao de animais e tratando os ferimentos graves
dos gladiadores romanos, dos quais ele aprendeu grande parte do que anteriormente
no se sabia a respeito da sade e da doena. Galeno escreveu volumes a respeito da
anatomia, higiene e dieta, construdos sobre as bases hipocrticas da explicao racional e da descrio cuidadosa dos sintomas fsicos de cada paciente.

 teoria humoral conceito de sade proposto por Hipcrates, considerava o bem-estar como um
estado de perfeito equilbrio entre quatro fluidos corporais bsicos, chamados de humores.
Acreditava-se que a doena era
o resultado de perturbaes no
equilbrio dos humores

INTRODUO PSICOLOGIA DA SADE

CAPTULO 1

29

Galeno tambm expandiu a teoria humoral da doena, desenvolvendo um sistema elaborado de farmacologia que os mdicos seguiram por quase 1.500 anos. Seu
sistema era fundamentado na noo de que cada um dos quatro humores do corpo
tinha sua prpria qualidade elementar que determinava o carter de doenas especficas. O sangue, por exemplo, era quente e mido. Ele acreditava que as drogas
tambm tinham qualidade elementares; assim, uma doena causada pelo excesso de
humor quente e mido poderia apenas ser curada com drogas que fossem frias e
secas. Embora essas vises possam parecer arcaicas, a farmacologia de Galeno era
lgica, baseada em observaes cuidadosas, e semelhante aos antigos sistemas de
medicina que surgiram na China, ndia e em outras culturas no-ocidentais. Muitas
formas de medicina alternativa ainda usam idias semelhantes hoje em dia.

Medicina no-ocidental

A Idade Mdia comeou com um


surto de peste que teve origem no
Egito em 540 d.C. e espalhou-se rapidamente por todo o imprio romano, chegando a matar 10 mil
pessoas em um nico dia. Havia
tantos cadveres que os coveiros
no conseguiam acompanhar, e a
soluo foi carregar navios com os
mortos, rem-los para o mar e
abandon-los.

Ao mesmo tempo em que a medicina ocidental estava emergindo, tradies


de cura tambm eram formadas em outras culturas. Por exemplo, h mais de 2 mil
anos, os chineses desenvolveram um sistema integrado de cura, que conhecemos
atualmente como medicina chinesa tradicional. A medicina chinesa tradicional est
fundamentada no princpio de que a harmonia interna essencial para a boa sade. Fundamental para essa harmonia o conceito de qi (s vezes escrito como chi),
uma energia vital ou fora de vida que oscila com as mudanas no bem-estar mental, fsico e emocional de cada pessoa. A acupuntura, a terapia com ervas, a meditao e outras intervenes supostamente restauram a sade, corrigindo bloqueios
e desequilbrios no qi.
Ayurveda o mais antigo sistema mdico conhecido no mundo. Tem sua origem
na ndia em torno do sculo VI a.C., coincidindo aproximadamente com a vida de
Buda. A palavra ayurveda vem do snscrito ayuh, que significa longevidade, e veda,
conhecimento. Praticado amplamente na ndia, a ayurveda baseia-se na crena de
que o corpo humano representa o universo inteiro em um microcosmo e que a chave
para a sade manter um equilbrio entre o corpo microcsmico e o mundo
macrocsmico. A chave para essa relao est no equilbrio entre trs humores corporais, ou doshas: vata, pitta e kapha, ou coletivamente, o tridosha (Fugh-Berman,
1997). Iremos explorar a histria, as tradies e a eficcia dessas e de outras formas
no-ocidentais de medicina no Captulo 14.

A Idade Mdia e a Renascena

 epidmico literalmente, entre


as pessoas; uma doena epidmica se espalha rapidamente entre muitos indivduos de
uma comunidade ao mesmo
tempo. Uma doena pandmica
afeta pessoas ao longo de uma
grande rea geogrfica

A queda do imprio romano no sculo V d.C. abriu as portas para a Idade


Mdia (476 a cerca de 1450), uma poca situada entre tempos antigos e modernos
e caracterizada pelo retorno s explicaes sobrenaturais da sade e da doena.
Em uma poca em que a Igreja exercia uma influncia poderosa sobre todas as
reas da vida, interpretaes religiosas coloriam as idias dos cientistas medievais
a respeito da sade e da doena. Aos olhos da igreja crist medieval, os seres humanos eram criaturas com livre arbtrio, que no estavam sujeitas s leis da natureza.
Como possuam alma, os humanos e os animais no eram considerados objetos
apropriados para o escrutnio cientfico, e a dissecao de ambos era estritamente
proibida. A doena era vista como punio de Deus por algum mal realizado e
acreditava-se que doenas epidmicas, como os dois grandes surtos de peste (uma
doena bacteriana conduzida por ratos e outros roedores) que ocorreram durante
a Idade Mdia, eram um sinal da ira de Deus. A Igreja passou a controlar as prticas
da medicina e o tratamento freqentemente envolvia tentativas de expulsar espritos do mal do corpo de pessoas doentes.
Embora os leais seguidores de Hipcrates e Galeno continuassem a promover
uma abordagem cientfica, a maioria dos mdicos medievais enfatizava a feitiaria, a
demonologia e outras formas msticas de tratamento. E, assim, houve poucos avanos cientficos na medicina europia por 1.500 anos.

30

PARTE 1

FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA DA SADE

No final do sculo XV, nascia uma nova era, a Renascena. Comeando com o
ressurgimento da investigao cientfica, esse perodo presenciou a revitalizao do
estudo da anatomia e da prtica mdica. O tabu envolvendo a dissecao humana foi
suficientemente removido, ao ponto do anatomista e artista flandrense Andreas
Vesalius (1514 1564) conseguir publicar um estudo composto por sete volumes dos
rgos internos, musculatura e sistema esqueltico do corpo humano. Filho de um
farmacutico, Vesalius era fascinado pela natureza, especialmente pela anatomia dos
seres humanos e dos animais. Em sua busca pelo conhecimento, nenhum cachorro
vadio, gato ou rato estava livre do seu bisturi.
Na escola de medicina, Vesalius passou a dissecar cadveres humanos. Suas
descobertas provaram que algumas das teorias de Galeno e dos mdicos antigos estavam claramente incorretas. Como pde, pensou ele, uma autoridade inquestionvel
como Galeno ter feito tantos erros ao descrever o corpo? Ento compreendeu o porqu: Galeno nunca havia dissecado um corpo humano. Vesalius entendeu que o propsito de sua vida era escrever o estudo oficial da anatomia humana. Esses volumes
tornaram-se os fundamentos de uma nova medicina cientfica, fundamentada na anatomia (Sigerist, 1958, 1971).
Um dos mais influentes pensadores da Renascena foi o filsofo e matemtico
francs Ren Descartes (1596 1650), cuja primeira inovao foi o conceito do
corpo humano como uma mquina. Ele descreveu todos os reflexos bsicos do corpo,
construindo, nesse processo, elaborados modelos mecnicos para demonstrar seus
princpios. Ele acreditava que a doena ocorria quando a mquina estragava; a tarefa
do mdico era consertar a mquina.
Descartes conhecido por sua crena de que a mente e o corpo so processos
separados e autnomos, que interagem de forma mnima e que cada um deles est
sujeito a diferentes leis de causalidade. Esse ponto de vista, chamado de dualismo
mente-corpo (ou dualismo cartesiano), baseia-se na doutrina de que os seres humanos possuem duas naturezas, a mental e a fsica. Descartes e outros grandes pensadores da Renascena, em um esforo para romper com o misticismo e as supersties do
passado, rejeitava vigorosamente a noo de que a mente influencia o corpo. O estudo (no-cientfico) da mente era relegado religio e filosofia, enquanto o estudo
(cientfico) do corpo era reservado medicina. Esse ponto de vista abriu caminho
para uma nova era de pesquisas mdicas, fundamentadas na confiana na cincia e
no pensamento racional.

Primeiros desenhos anatmicos


Por volta do sculo XVI, o tabu que envolvia
a dissecao humana j havia sido contornado h tanto tempo que o anatomista e artista flandrense Andreas Vesalius (15141564) conseguiu publicar um estudo completo dos rgos internos, musculatura e sistema esqueltico do corpo humano.
Musculatura de um homem, por Andreas Vesalius,
1543. Fratelli Fabbri, Milo, Itlia/Bridgeman Art Library.

O racionalismo da ps-Renascena
Aps a Renascena, esperava-se que os mdicos se concentrassem exclusivamente nas causas biolgicas da doena. Cem anos aps Vesalius, o mdico italiano
Giovanni Morgagni (1682 1771) publicou o primeiro livro didtico de anatomia
mdica. Com base em seus achados de centenas de autpsias humanas, Morgagni
promoveu a idia de que as causas de muitas doenas residem em problemas nos
rgos internos e nos sistemas muscular e esqueltico do corpo. Enfim, a antiga
teoria humoral de Hipcrates poderia ser descartada em favor dessa nova teoria
anatmica da doena.
A cincia e a medicina mudaram rapidamente durante os sculos XVII e XVIII,
motivadas por numerosos avanos na tecnologia. Apesar de Galileu ter construdo
o seu primeiro termmetro em 1592, ele no tinha escala para medir e propiciava
apenas indicaes grosseiras da variao da temperatura. Um importante passo
adiante na cincia da medio da temperatura ocorreu em 1665, quando Christian
Huygens (1629 1695) props uma escala fixa em que os pontos de congelamento
e de ebulio da gua eram designados como sendo 0 e 100, respectivamente
a origem do sistema centgrado. Por volta do final do sculo XVII, o uso clnico da
termometria (a mensurao da temperatura) estava amplamente disseminado.
Talvez a mais importante inveno na medicina durante esse perodo tenha sido
o microscpio. Embora o uso de uma lente para aumento j fosse conhecido em
pocas antigas, foi um mercador de tecidos dinamarqus chamado Anton van

 dualismo mente-corpo ponto


de vista filosfico segundo o
qual a mente e o corpo so entidades separadas que no interagem
 teoria anatmica teoria segundo a qual as origens de certas
doenas so encontradas nos
rgos internos, na musculatura e no sistema esqueltico do
corpo humano

INTRODUO PSICOLOGIA DA SADE

 teoria celular formulada no sculo XIX, essa teoria diz que a


doena o resultado de anormalidades nas clulas do corpo
 teoria dos germes diz que a
doena causada por vrus,
bactrias e outros microrganismos que invadem as clulas do
corpo

CAPTULO 1

31

Leeuwenhoek (1632 1723) quem construiu o primeiro microscpio prtico. Com


um poder de aumento de 270 vezes, esse microscpio permaneceu inigualvel at o
sculo XIX (Lyons e Petrucelli, 1978). Usando esse microscpio, ele foi o primeiro a
observar clulas sangneas e a estrutura bsica dos msculos. O cientista ingls
Robert Hooke (1635 1703), contemporneo de Leeuwenhoek, construiu seu prprio microscpio e observou que os tecidos das plantas continham muitas cavidades
pequenas separadas por paredes. Hooke chamou essas cavidades de clulas ou pequenas cmaras e suas observaes tornaram-se o fundamento da teoria do sculo
XIX de que a clula era a unidade bsica de todos os organismos vivos.

Descobertas do sculo XIX


Uma vez que as clulas individuais tornaram-se visveis, o cenrio estava pronto
para Rudolf Virchow (1891 1902) esboar a teoria celular da doena a idia de
que a doena resulta do funcionamento incorreto ou da morte das clulas corporais.
Como ocorre freqentemente na cincia, problemas prticos levam ao entendimento mais profundo da doena. Em uma interessante srie de experimentos, o cientista francs Louis Pasteur (1822 1895) isolou a bactria responsvel pela doena
do bicho-da-seda, que ameaava a indstria da seda na Frana. E, aps provar que
um microrganismo causava a raiva, ele desenvolveu a primeira vacina eficaz contra ela. Porm, a contribuio mais
importante de Pasteur para a medicina veio em 1862, quando ele sacudiu o mundo mdico com diversos experimentos
meticulosos que mostravam que a vida apenas pode existir a
partir da vida j existente. At o sculo XIX, os estudiosos
acreditavam na gerao espontnea a idia de que os organismos vivos podem ser formados a partir de matria noviva. Por exemplo, pensava-se que as larvas e as moscas surgiam automaticamente de carne podre. Para testar a hiptese
de que a vida no pode ser formada a partir da no-vida, Pasteur
encheu dois frascos com um lquido semelhante a mingau,
aquecendo ambos at o ponto de ebulio para matar qualquer organismo presente. Um dos frascos tinha a boca larga,
por onde o ar poderia fluir com facilidade. O outro frasco tambm ficava aberto, mas tinha um pescoo curvo, impedindo
Louis Pasteur em seu laboratrio
que as bactrias presentes no ar cassem no lquido. Para surO meticuloso trabalho de Pasteur, em isolar bactrias no laboratrio e mostrar que presa dos cticos, nenhum crescimento ocorreu no frasco cura vida apenas ocorre a partir da vida existente, abriu caminho para procedimentos vo. Entretanto, no frasco com o bico comum, microrganismos
cirrgicos livres de germes. Bettmann/CORBIS
contaminaram o lquido e multiplicaram-se com rapidez. Mostrando que uma soluo genuinamente esterilizada permaneceria sem vida, Pasteur abriu caminho para o desenvolvimento posterior de procedimentos cirrgicos asspticos (livre de germes). Ainda mais importante, o desafio de
Pasteur contra uma crena com 2 mil anos de idade uma poderosa demonstrao da
importncia de manter a mente aberta na investigao cientfica.
As descobertas de Pasteur tambm ajudaram a moldar a teoria dos germes da
doena que afirma que bactrias, vrus e outros microrganismos que invadem as
clulas do corpo fazem com que elas funcionem de maneira imprpria. A teoria dos
germes, que um aperfeioamento da teoria celular, forma a base terica da medicina moderna.
Aps Pasteur, o conhecimento e os procedimentos mdicos desenvolveram-se rapidamente. Em 1846, William Morton (1819 1868), um dentista norte-americano, introduziu o gs ter como anestsico. Esse grande avano possibilitou a operao em pacientes, os quais no experimentavam dor e permaneciam completamente relaxados. Cinqenta anos mais tarde, o mdico alemo Wilhelm Roentgen (1845 1943) descobriu o
raio X e, pela primeira vez, os mdicos puderam observar os rgos internos de forma
direta. Antes do final do sculo, os pesquisadores haviam identificado os microrganismos
que causavam uma variedade de doenas, incluindo malria, pneumonia, difteria, lepra,

32

PARTE 1

FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA DA SADE

sfilis, peste bubnica e febre tifide. De posse dessas informaes, a medicina comeou
a controlar doenas que haviam acossado o mundo desde a antigidade.

O sculo XX e o incio de uma nova era

 modelo biomdico viso dominante no sculo XX que sustenta que a doena sempre tem
uma causa fsica
 patgeno vrus, bactria ou algum outro microrganismo que
causa determinada doena

medida que o campo da medicina continuava a avanar, durante a primeira


parte do sculo XX, apoiava-se cada vez mais na fisiologia e na anatomia, em vez do
estudo de pensamentos e emoes, na busca por uma compreenso mais profunda
da sade e da doena. Assim, nascia o modelo biomdico de sade, sustentando que
a doena sempre tem causas biolgicas. Motivado pelo mpeto das teorias celular e
dos germes, esse modelo tornou-se aceito de forma ampla durante o sculo XIX, e
continua a representar a viso dominante na medicina hoje em dia.
O modelo biomdico apresenta trs caractersticas distintas. Em primeiro lugar,
pressupe que a doena o resultado de um patgeno um vrus, uma bactria ou
algum outro microrganismo que invade o corpo. O modelo no faz meno s variveis psicolgicas, sociais ou comportamentais na doena. Nesse sentido, o modelo
biomdico reducionista, considerando que fenmenos complexos (como a sade e
a doena) so essencialmente derivados de um nico fator primrio. Em segundo,
esse modelo tem como base a doutrina cartesiana do dualismo mente-corpo que, como
vimos, considera-os entidades separadas e autnomas que no interagem. Finalmente, de acordo com esse padro, a sade nada mais do que a ausncia de doenas.
Dessa forma, aqueles que trabalham apoiados nessa perspectiva concentram-se em
investigar as causas das doenas fsicas em vez daqueles fatores que promovem a
vitalidade fsica, psicolgica e social.

Medicina psicossomtica
O modelo biomdico, por intermdio de seu foco nos patgenos, avanou o tratamento de sade de maneira significativa. Entretanto, foi incapaz de explicar transtornos que no apresentavam causa fsica observvel, como aquelas descobertas por
Sigmund Freud (1856 1939), que inicialmente obteve formao como mdico. As
pacientes de Freud exibiam sintomas como perda da fala, surdez e at paralisia. Um
caso particularmente intrigante envolveu uma paciente que relatou perda completa
das sensaes em sua mo direita. Freud acreditava que esse mal, que ele chamou de
anestesia de luva, era causado por conflitos emocionais inconscientes convertidos
em forma fsica. Freud rotulou essas doenas de transtornos de converso, e a comunidade mdica viu-se forada a aceitar uma nova categoria de doena.
A idia de que determinadas doenas poderiam ser causadas pelos conflitos psicolgicos do indivduo foi desenvolvida durante a dcada de 1940 pelo trabalho do
psicanalista Franz Alexander. Quando os mdicos no conseguiam encontrar agentes
infecciosos ou outras causas diretas para artrite reumtica, Alexander ficava intrigado
pela possibilidade de que fatores psicolgicos pudessem estar envolvidos. Segundo o
seu modelo do conflito nuclear, a presena de determinados conflitos inconscientes
pode levar presena de queixas fsicas (Alexander, 1950). Ou seja, cada doena fsica
o resultado de um conflito psicolgico fundamental ou nuclear. Por exemplo, acreditava-se que indivduos com personalidade reumtica, que tendem a reprimir a raiva
e so incapazes de expressar as emoes, seriam propensos a desenvolver artrite. Descrevendo com cuidado um grande nmero de transtornos fsicos que eram
presumivelmente causados por conflitos psicolgicos, Alexander ajudou a estabelecer
a medicina psicossomtica, um movimento reformista dentro da medicina, denominado em decorrncia das razes psico, que significa mente, e soma, que significa corpo.
Por definio, a medicina psicossomtica diz respeito ao diagnstico e ao tratamento
de doenas fsicas supostamente causadas por processos deficientes na mente. Esse
novo campo floresceu e, logo, o peridico Psychosomatic Medicine publicou explicaes
psicanalticas para uma variedade de problemas de sade, incluindo hipertenso, enxaquecas, lceras, hipertireoidismo e asma brnquica.

 medicina psicossomtica ramo


desatualizado da medicina concentrado no diagnstico e tratamento de doenas fsicas causadas por processos psicolgicos
deficientes

INTRODUO PSICOLOGIA DA SADE

 estudo de caso um dos mtodos mais antigos de observao, em que uma pessoa estudada de forma profunda, na
esperana de encontrarem-se
princpios universais
 medicina comportamental um
campo interdisciplinar que integra as cincias comportamentais e biomdicas para promover a sade e curar doenas

CAPTULO 1

33

A medicina psicossomtica era intrigante e parecia explicar o inexplicvel.


Entretanto, tinha diversas fraquezas, que fizeram com que fosse desfavorecida. A
mais significativa delas o fato de que se fundamentava na teoria freudiana.
medida que a nfase de Freud em motivaes inconscientes e irracionais na formao da personalidade perdeu popularidade, o campo da medicina psicossomtica
comeou a declinar. Alm disso, a medicina psicossomtica foi questionada pela
categorizao aparentemente arbitrria de algumas doenas como sendo de natureza completamente fsica e outra completamente psicolgica. Outra crtica medicina psicossomtica era metodolgica: ou seja, a pesquisa era fundamentada principalmente em estudos de caso de pacientes individuais, que est entre os mtodos mais antigos, mas menos confiveis (ver Captulo 2). Qualquer caso individual
pode ser atpico e, portanto, enganoso, como a base para uma teoria geral. A crtica
final que a medicina psicossomtica, como o modelo biomdico, apoiava-se no
reducionismo nesse caso, a idia obsoleta de que um nico problema psicolgico
ou defeito de personalidade seria suficiente para desencadear a doena. Atualmente sabemos que a doena, assim como a boa sade, baseiam-se na interao combinada de fatores mltiplos, incluindo a hereditariedade, o ambiente e a formao
psicolgica individual.
Embora a psicanlise de Freud e a medicina psicossomtica estivessem comprometidas de forma crtica, elas formaram as bases para a nova apreciao das conexes entre a medicina e a psicologia. Elas deram incio tendncia contempornea
de ver a doena e a sade como algo multifatorial. Isso significa que muitas doenas
so causadas pela interao entre diversos fatores, em vez de uma nica bactria ou
agente viral invasor. Entre estes, esto fatores do hospedeiro (como vulnerabilidade
ou resilincia gentica), fatores ambientais (como exposio a poluentes ou qumicos
perigosos), fatores comportamentais (como dieta, exerccios, hbito de fumar) e fatores psicolgicos (como otimismo e tenacidade geral).

Medicina comportamental

Condicionamento clssico e operante


(acima) Condicionamento clssico: nem sempre doloroso, mas sempre permanece com
a gente! Nesse tipo de aprendizagem, aprendemos a associar dois ou mais estmulos.
Uma criana aprende, por exemplo, que a
viso de uma agulha hipodrmica (um estmulo inicialmente neutro) logo ser seguido
por uma picada. Jeremy Horner/Corbis
(abaixo) Condicionamento operante: a pausa que refresca. Nesse tipo de aprendizagem, associamos uma resposta voluntria a
suas conseqncias. O corredor fatigado e
sedento, por exemplo, aprende que beber
uma bebida isotnica logo aps uma prtica
vigorosa ir acabar com sua sede e ajudar
os msculos cansados a se recuperarem
mais rapidamente. AP Photo/Thomas Kienzle

Durante a primeira metade do sculo XX, o Behaviorismo, liderado por John


Watson (1878 1958), Edward Thorndike (1874 1945) e B. F. Skinner (1904
1990), dominou a psicologia norte-americana. Na sua disciplina introdutria, os
behavioristas definem a psicologia como o estudo cientfico do comportamento
observvel. Eles afirmam, alm disso, que apenas dois tipos de aprendizagem explicam a maioria dos comportamentos: o condicionamento clssico (tambm chamado
condicionamento pavloviano) ou o aprendizado que ocorre quando aprendemos a
associar dois estmulos ambientais que ocorrem simultaneamente; e o condicionamento operante, por meio do qual o comportamento fortalecido quando seguido
por uma conseqncia desejvel (reforo) ou enfraquecido quando seguido por uma
conseqncia indesejvel (punio).
No incio da dcada de 1970, os profissionais conceberam a idia de um campo
de medicina comportamental como resposta direta ao Behaviorismo. Assim, o novo
campo comeou a explorar o papel do condicionamento clssico e operante na sade
e na doena. Um de seus primeiros sucessos foi a pesquisa de Neal Miller (1909),
que utilizou tcnicas de condicionamento operante para ensinar cobaias (e posteriormente seres humanos) a adquirirem controle sobre certas funes corporais. Miller
demonstrou, por exemplo, que as pessoas podem adquirir algum nvel de controle
sobre sua presso sangnea e relaxar a freqncia cardaca quando estiverem cientes desses estados. A tcnica de Miller, chamada de biofeedback, discutida de forma
mais detalhada no Captulo 4.
Embora a fonte da medicina comportamental tenha sido o movimento behaviorista
na psicologia, uma caracterstica distinta desse campo sua natureza interdisciplinar. A
medicina comportamental atrai membros de campos to diversos quanto a antropologia,
a sociologia, a biologia molecular, a gentica, a bioqumica e a psicologia, alm de profisses ligadas rea da sade, como enfermagem, medicina e odontologia.

34

PARTE 1

FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA DA SADE

iversidade e vida saudvel

Sade no novo milnio


Em 1991, o Departamento de Sade e Servios Humanos dos Estados Unidos publicou o relatrio Healthy People 2000 (USDHHS,
1991), que estabelecia as prioridades do pas na promoo da sade e preveno de doenas entre os norte-americanos. O relatrio
tinha por base as opinies criteriosas de um grande grupo de especialistas em sade da comunidade cientfica, organizaes de profissionais da rea da sade e do mundo empresarial. Ele estabelecia
300 objetivos de sade especficos, a serem alcanados at o ano
2000, os quais estavam organizados em trs categorias amplas:
 Aumentar o tempo de vida saudvel para todos os cidados
norte-americanos. A sade uma combinao da expectativa
mdia de vida e da qualidade de vida. Embora a expectativa
mdia de vida de todos os cidados norte-americanos atualmente seja de aproximadamente 76 anos, o nmero mdio de
anos saudveis muito menor: por exemplo, de apenas 64 anos
para norte-americanos brancos e de 56 anos para afro-americanos. O objetivo seria reduzir o nmero de anos disfuncionais
em que as pessoas vivem em estado de sade decadente e
com baixa qualidade de vida.
 Reduzir as discrepncias de sade entre os norte-americanos.
Historicamente, vrias medidas de sade mostraram diferenas
substanciais entre os grupos tnicos. Por exemplo, em 1997, a
expectativa mdia de vida era de 74,3 anos para homens brancos,
mas de apenas 67,2 anos para homens negros; 79,9 anos para
mulheres brancas, mas apenas 74,7 anos para mulheres negras
(Centers for Disease Control and Prevention, 1999). As razes
para essas discrepncias sem dvida so complexas, mas podem incluir o acesso desigual aos servios de sade, suscetibilidade gentica a certas doenas e diferenas no estilo de vida.
 Disponibilizar o acesso a servios de sade preventiva para
todos os cidados norte-americanos. Muitas minorias tnicas
tm acesso limitado aos servios de sade preventiva. Por essa
razo, elas tendem a sofrer com mais problemas de sade e a
ter taxa de mortalidade alta. Esse objetivo visa a entender e a
remover as barreiras que limitam o acesso aos servios de sade
para tais grupos.
Em 1998, uma reviso intermediria demonstrou que o pas
estava fazendo progressos significativos, atingindo aproximadamente dois teros dos objetivos do relatrio Healthy People 2000.
Esse progresso inclua:
 Declnio nas trs principais causas de morte (doenas cardacas, cncer e acidente vascular cerebral). Embora este progresso
se deva, em parte, s melhorias nos servios de sade, ele tambm reflete o declnio nacional em comportamentos que comprometem a sade (por exemplo, 50% dos adultos fumavam em
1955, comparado com aproximadamente 23% em 2000). Ao
mesmo tempo, a nao tem visto aumento de comportamentos
que melhoram a sade, medida que mais pessoas praticam
exerccios, seguem dietas melhores, que contm menos gordura, e assim por diante.
 Diminuio no nmero de mortes em acidentes automobilsticos relacionados com o consumo de lcool de 9,8 por 100 mil
pessoas para 6,8 por 100 mil pessoas.
 Reduo no nmero de suicdios e mortes relacionadas com o
trabalho.
 Aumento na porcentagem de norte-americanos que utilizam o
cinto de segurana de 49,7 para 76%.
 Diminuio no consumo de maconha e lcool entre jovens de
12 a 17 anos de idade.






Decrscimo na taxa de nascimentos com mes solteiras.


Declnio continuado na taxa de mortalidade infantil.
Aumento continuado na expectativa de vida.
Estabilizao na taxa de mortalidade devido AIDS.

Apesar desse progresso, outro relatrio, o Healthy People 2010


(USDHHS, 1998), observa que ainda h muito a ser feito. Enquanto o relatrio continua a concentrar-se na eliminao das
disparidades de sade entre diversos grupos socioculturais, ele
apresenta um foco mais amplo aumentar a sade de todos os
cidados norte-americanos. Ele tambm observa que o uso (e abuso) de certas drogas est aumentando novamente, e aproximadamente um milho de mortes que ocorrem nos Estados Unidos a
cada ano podem ser prevenidas. Com relao a esta ltima questo, estima-se que:
 O controle do uso excessivo de lcool e do consumo de lcool
por menores de idade poderia prevenir 100 mil mortes em acidentes de trnsito e outros ferimentos relacionados com o consumo de lcool.
 A eliminao da posse de armas de fogo em pblico poderia
prevenir 35 mil mortes.
 A eliminao de todas as formas de consumo de tabaco poderia
prevenir 400 mil mortes de cncer, acidente vascular cerebral
(AVC) e doenas cardacas.
 Uma melhor nutrio e programas de exerccios poderiam prevenir 300 mil mortes por doenas cardacas, diabete, cncer e AVC.
 A reduo em comportamentos sexuais de risco poderia prevenir 300 mil mortes por doenas sexualmente transmissveis.
 O acesso total a imunizaes para doenas infecciosas poderia
prevenir 100 mil mortes.
Para confirmar o papel da psicologia de cumprir com os objetivos
do relatrio Healthy People 2010, a American Psychological Association, em colaborao com o National Institutes of Health e 21 outras
sociedades profissionais, recentemente prepararam uma agenda de
pesquisa nacional, relacionada com a promoo da sade. Publicada
em 1995, Doing the Right Thing: A Research Plan for Healthy Living
identifica quatro prioridades de pesquisa no novo milnio:
 Aumentar o foco nos processos comportamentais bsicos de
preveno, desenvolvimento e tratamento de doenas crnicas.
 Acelerar pesquisas relacionadas com a promoo da sade e a
preveno de doenas.
 Estender a pesquisa e os servios de sade a grupos tradicionalmente no-representados, como as mulheres e as minorias.
 Reformar o sistema de sade para atrair mais ateno promoo da sade e preveno de doenas.
O relatrio tambm identifica estratgias especficas para atingir uma compreenso mais completa da interao de fatores biolgicos, psicolgicos e sociais em doenas como AIDS, cncer, doenas cardacas, artrite e obesidade. Estas incluem a necessidade de mais pesquisas visando a deteco inicial de doenas e
programas de exames, avaliao de riscos e programas de interveno para auxiliar cuidadores no-mdicos a prestar atendimento
para aqueles que sofrem de doenas fsicas.
Fontes: Murphy, S. L. (2000). Deaths: Final data for 1998. National Vital Statistics
Reports, 48(11), Figure 3; Science Directorate of the American Psychological
Association. (1995). Doing the right thing: A research plan for healthy living. Washington, DC: Author; U.S. Department of Health and Human Services. (1991).
Healthy People 2000: National health promotion and disease prevention objectives.
DHHS Publication No. (PHS) 91-50212. Washington, DC: U.S. Government
Printing Office; U.S. Department of Health and Human Services. (1998). Healthy
People 2010. Washington, DC: U.S. Government Printing Office.

INTRODUO PSICOLOGIA DA SADE

CAPTULO 1

35

O surgimento da psicologia da sade


Em 1973, a American Psychological Association (APA) indicou uma fora-tarefa
para explorar o papel da psicologia no campo da sade, a fim de determinar se a
psicologia permaneceria apenas sob a categoria de medicina comportamental ou
estabeleceria um campo distinto, com seus prprios objetivos e focos. Com base nas
recomendaes obtidas, em 1978, a APA criou a diviso de psicologia da sade (Diviso 38). Aps quatro anos, foi publicado o primeiro volume de seu peridico oficial,
Health Psychology. Nessa edio, Joseph Matarazzo, o primeiro presidente da diviso,
estabeleceu os quatro objetivos do novo campo:
 etiologia estudo cientfico das
causas ou origens de determinadas doenas

 Estudar de forma cientfica as causas e origens de determinadas doenas, ou seja, a


sua etiologia. Os psiclogos da sade esto principalmente interessados nas origens psicolgicas, comportamentais e sociais da doena. Eles investigam por que
as pessoas se envolvem em comportamentos que comprometem a sade, como o
hbito de fumar e o sexo inseguro.
 Promover a sade. Eles se preocupam com questes sobre como fazer as pessoas
realizarem comportamentos que promovam a sade, como praticar exerccios regularmente e comer alimentos nutritivos.
 Prevenir e tratar doenas. Eles projetam programas para ajudar as pessoas a parar
de fumar, perder peso, administrar o estresse e minimizar outros fatores de risco
de uma sade fraca. Eles tambm auxiliam aquelas que j esto doentes, em seus
esforos para adaptarem-se a suas doenas ou obedecerem regimes de tratamento difceis.
 Promover polticas de sade pblica e o aprimoramento do sistema de sade pblica.
Os psiclogos da sade so bastante ativos em todos os aspectos da educao
para a sade e renem-se com freqncia com os lderes governamentais que
formulam polticas pblicas na tentativa de melhorar os servios de sade para
todos os indivduos.
Uma questo natural que surge ao se ler esses objetivos seria: de que forma a
psicologia da sade difere da medicina comportamental? A resposta no difere
muito. A distino entre os dois campos sempre foi uma fonte considervel de confuso. Para eliminar essa confuso, ser feita referncia medicina comportamental
como o campo interdisciplinar que integra a cincia comportamental e biomdica
visando a promover a sade e a tratar doenas. E, conforme explicamos no comeo
do captulo, psicologia da sade o subcampo da psicologia que diz respeito ao aprimoramento da sade e preveno e tratamento da doena por meio de princpios
psicolgicos bsicos.

TENDNCIAS QUE MOLDARAM A PSICOLOGIA DA SADE

desafio que os psiclogos da sade enfrentam no sculo XXI claro: como ajudar
as pessoas a adotarem e manterem mudanas em estilo de vida que promovam vitalidade para toda a vida. Os antigos filsofos gregos afirmavam esse objetivo de forma
mais sucinta: ajudar as pessoas a morrerem jovens o mais tarde possvel (Brody,
1996b). Quatro tendncias principais em sade pblica, psicologia e medicina contriburam para moldar esse desafio.

Aumento na expectativa de vida


H menos de cem anos, 15% dos bebs que nasciam nos Estados Unidos morriam antes de seu primeiro aniversrio (Figura 1.2). Para aqueles que sobreviviam, a
expectativa de vida era de pouco mais de 50 anos. Com a melhoria dos servios de
sade, atualmente, mais de 90% dos bebs sobrevivem at pelo menos 1 ano de

36

PARTE 1

FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA DA SADE

Figura 1.2
Mortalidade infantil nos Estados Unidos
H menos de cem anos, 15% dos bebs que nasciam nos Estados Unidos
morriam antes de seu primeiro aniversrio. Para aqueles que sobreviviam, a
expectativa de vida era de pouco mais de 50 anos. Com a melhoria dos
servios de sade, atualmente, mais de 90% dos recm-nascidos sobrevivem at pelo menos 1 ano de idade.
Fontes: Historical Statistics of the United States: Colonial Times to 1970, de U.S. Bureau
of the Census, 1975, Washington, DC: U.S. Government Printing Office p. 60; Deaths:
Final Data for 1998, de S. L. Murphy, 2000, National Vital Statistics Reports, 48 (11),
Tabela 27.

idade. Alm disso, a expectativa mdia de vida o nmero de anos que o recmnascido provavelmente viver aumentou em mais de 20 anos. Nos Estados Unidos,
em 1999, a expectativa mdia de vida era de 79,7 anos para as mulheres e 73,8 anos
para os homens (OMS, 2000). Apesar dessas notcias encorajadoras, as desigualdades em expectativa de vida persistem nos pases, assim como ao redor do mundo e
esto bastante associadas classe socioeconmica, mesmo em pases com um bom
padro mdio de sade (OMS, 2000).
Com as pessoas vivendo mais, existe maior conscincia pblica das questes
relacionadas com a sade, a qual foi redefinida em termos mais amplos e positivos.
Essa nova definio, que enfatiza a vitalidade fsica, psicolgica e social para a vida
toda, estabelece um papel claro para a psicologia no tratamento de sade.

O surgimento de transtornos relacionados com o estilo de vida


Durante os sculos XVII, XVIII e XIX, as pessoas morriam principalmente de
doenas que eram causadas por falta de gua potvel, por alimentos contaminados
ou por infeces contradas no contato com pessoas doentes (Grob, 1983). No era
incomum que centenas ou mesmo milhares de pessoas morressem em uma nica
epidemia de varola, febre amarela, difteria, gripe ou sarampo. Essas doenas no
existiam nas Amricas antes da chegada dos colonizadores europeus. A varola, que
foi trazida para as Amricas pelos europeus no sculo XVI, matou aproximadamente
90% da populao. Os nativos americanos morriam em uma velocidade alarmante
por duas razes: em primeiro lugar, careciam de imunidade para os microrganismos
estranhos que causavam essas doenas e, em segundo, seus sistemas imunolgicos
eram mais fracos do que os dos europeus, em virtude de um nvel de variao mais
baixo em seu banco gentico.
Melhorias em higiene pessoal, nutrio e sade pblica (como o sistema de
tratamento de esgotos) durante o sculo XIX levaram a um declnio no nmero de
mortes por doenas infecciosas. Porm, somente aps a descoberta da penicilina
por Alexander Fleming, em 1928, a sade pblica deu um passo verdadeiramente
decisivo. Antes disso, quatro das 10 principais causas de mortes dos Estados Unidos
eram doenas infecciosas como tuberculose, gripe, gastrite e pneumonia (ver Tabela 1.1, que compara as taxas de mortalidade por doenas em 1900 com as de 1998).
De fato, s a taxa de mortalidade de gripe e pneumonia era quase quatro vezes
maior do que a taxa de mortalidade de todas as formas conhecidas de cncer.

 expectativa mdia de vida nmero de anos que provvel


que um beb recm-nascido
viva

INTRODUO PSICOLOGIA DA SADE

CAPTULO 1

37

Tabela 1.1
As 10 principais causas de mortes nos Estados Unidos em 1900 e 1998
1900

Taxa por 100.000

Doenas cardacas e AVC


Influenza e pneumonia
Tuberculose
Gastrite
Acidentes
Cncer
Difteria
Febre tifide
Sarampo

345
202
194
143
72
64
40
31
13

1998

Taxa por 100.000

Doenas cardacas
Cncer
AVC
Doenas obstrutivas pulmonares crnicas
Acidentes
Pneumonia, influenza
Diabete comeando na idade adulta
Suicdio
Nefrite e nefrose (doenas renais)

268,2
200,3
58,6
41,7
36,2
34,0
24,0
11,3
9,7

Fontes: Historical Statistics of the United States: Colonial Times to 1970, Pt. 1, de U.S. Bureau of the Census, 1975, Washington, DC:
U.S. Government Printing Office; Deaths: Final data for 1998, de S. L. Murphy, 2000, National Vital Statistics Reports, 48(11), p. 5.

importante observar que aqueles de ns que vivem em pases desenvolvidos, como


os Estados Unidos, so beneficiados com um ambiente bastante privilegiado de
cuidado sade. Na maioria dos pases em desenvolvimento, atualmente, doenas
infecciosas como a tuberculose e a pneumonia permanecem sendo as principais
causas de morte.
As principais causas de morte em pases desenvolvidos diferem hoje em dia das
verificadas no comeo do sculo XX de duas formas importantes. Em primeiro lugar,
ao contrrio da pneumonia, difteria e outras doenas s quais nossos antepassados
sucumbiam com freqncia, o cncer, o AVC e as doenas cardacas no resultam de
infeces virais ou bacterianas. Elas so doenas do estilo de vida que podem ser
amplamente prevenidas, mas cujas causas no so facilmente identificveis. Em 1998,
por exemplo, mais de um milho das mortes listadas na Tabela 1.1 tinha causas
evitveis, conforme explicado na Tabela 1.2.
Considere duas doenas relacionadas com o estilo de vida: a doena cardaca e
o cncer. O risco que um indivduo corre de ter doenas cardacas ou cncer de
pulmo, na garganta ou na bexiga aumentado amplamente pelo hbito de fumar
cigarros, levar vida sedentria e consumir dieta com teor elevado de gordura. Cada
um desses comportamentos est enraizado, em nveis variados, em fatores psicolgicos e sociais. Abster-se de fumar, manter um programa de exerccios e modificar a
dieta requer grande comprometimento psicolgico, que envolve modificar atitudes e
hbitos antigos.

Tabela 1.2
Mortes evitveis e custos associados
Causa
da morte

Nmero
anual

Tratamento

Custo por
paciente (U$)
30.000
29.000
22.000
570.000

Doena cardaca
Cncer
AVC
Leses

500.000
510.000
150.000
142.500

Cirurgia de ponte de safena


Radioterapia/quimioterapia
Reabilitao
Tratamento/reabilitao

Baixo peso natal


Infeco com HIV

23.000
1 - 1,5 milho

Cuidado neonatal
Farmacologia

10.000
75.000

Fatores comportamentais
Fumar, falta de exerccios, dieta deficiente
Fumar, falta de exerccios, dieta deficiente
Fumar, falta de exerccios, dieta deficiente
Consumo de lcool, falta do cinto de
segurana
Comportamentos maternos
Atividade sexual de risco, uso de agulhas
contaminadas

Fonte: Healthy People 2000: National health promotion and disease prevention objectives. DHHS Publication No. (PHS) 91-50212, do U.S. Department of Health
and Human Services (USDHHS), 1991, Washington, DC: U.S. Government Printing Office.

38

PARTE 1

FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA DA SADE

A segunda mudana nas principais causas de morte envolve o padro da doena. Antes do sculo XX, as principais causas de doenas e de morte eram transtornos
agudos, dos quais os indivduos se recuperavam em questo de semanas, ou morriam
rapidamente. Atualmente, as pessoas vivem com doenas crnicas por muitos anos.
Embora no possam ser curadas, possvel tratar as doenas crnicas para prevenir
mortes prematuras e manter a qualidade de vida.1

Repensando o modelo biomdico


A terceira tendncia que ajudou a moldar o campo da psicologia da sade foi a
necessidade de ir alm do modelo biomdico, valendo-se de um modelo mais
abrangente de sade e doena. Uma limitao da medicina tradicional sua dificuldade para explicar por que o mesmo conjunto de fatores de risco algumas vezes
desencadeia uma doena e em outras no. Como, por exemplo, Frank um homem
de meia-idade, obeso, fumante e sedentrio, com um histrico familiar de doena
cardaca tem um ataque cardaco fatal, enquanto Malcolm que apresenta praticamente os mesmos fatores de risco permanece livre de doenas cardacas? A dificuldade encontrada pela biomedicina para prever novos casos de doenas cardacas
levou os pesquisadores a descobrir que fatores psicolgicos como a maneira de uma
pessoa reagir ao estresse combinam-se com fatores de risco fsicos para determinar
o risco sade do indivduo.
Um problema intimamente relacionado ao modelo biomdico explicar por
que uma forma de tratamento (como o uso de certa medicao) pode curar determinada doena em uma pessoa, mas no em outra. Os psiclogos da sade tm aprendido que o fato de uma droga especfica ou alguma forma de tratamento ser eficaz
substancialmente influenciado por fatores psicolgicos e sociais.
Um desses fatores o poder de cura do efeito placebo, ou a f do paciente e do
profissional no valor teraputico de um certo tratamento. Placebo, em latim, significa
vou satisfazer. Na medicina, um placebo uma substncia inativa ou um tratamento que apresentado de tal forma que faz com que o paciente espere que a substncia ou tratamento funcione de verdade. Todos os tratamentos dependem mais ou
menos dessa f e por isso que determinada terapia pode ser capaz de curar certa
doena mobilizando os prprios poderes de cura do paciente (Relman, 1998). Qualquer procedimento mdico, das drogas cirurgia, pode ter efeito placebo ou, alm
disso, um efeito nocebo, em que a pessoa conecta uma expectativa negativa, ao invs
de positiva, ao tratamento. O prprio relacionamento entre mdico e paciente j
um bom exemplo. Pesquisas verificaram, por exemplo, que a quantidade diria de
insulina necessria para estabilizar pacientes de diabete flutua dependendo da harmonia do paciente com seu mdico.
Devido credibilidade da cincia mdica, tratamentos com base nas mais recentes tecnologias (ultra-som, estimulao transcutnea de nervos) so especialmente
suscetveis ao efeito placebo (Brody, 2000b). A terapia com placebos tem-se mostrado eficaz para uma variedade de doenas, incluindo alergias, asma, cncer, depresso, diabete, epilepsia, insnia, enxaquecas, esclerose mltipla, lceras e verrugas.
Examinaremos o efeito placebo de forma mais detalhada no Captulo 14.
Aumento dos custos do atendimento em sade
O ltimo fator que ajudou a moldar a psicologia da sade foi o rpido aumento
nos custos dos servios de sade. Em 1980, o custo anual dos servios de sade nos
Estados Unidos foi de 156 bilhes de dlares, ou aproximadamente de mil dlares
por pessoa. Atualmente, esses custos consomem mais de 13% do produto interno
bruto (1,5 trilho de dlares), ou mais de 3.900 dlares para cada homem, mulher e
criana (Figura 1.3).
Esses nmeros ajudaram a focar a ateno na eficcia do custo para promover
e manter a sade. A nfase da psicologia da sade em modificar os comportamen-

 efeito placebo o poder da crena de uma pessoa na eficcia


de um tratamento, a ponto de
influenciar sua interveno

INTRODUO PSICOLOGIA DA SADE

CAPTULO 1

39

Figura 1.3
Gastos per capita com sade nos Estados Unidos de 1960 a 2000
Em 1980, o custo anual dos servios de sade foi de 156 bilhes de dlares. Em 1995, esse nmero havia crescido para mais de 989 bilhes de
dlares. Em 2000, os custos com a sade consumiram 13,4% do produto
interno bruto dos Estados Unidos. Embora o sistema de sade norte-americano gaste uma poro maior de seu produto interno bruto com a sade do
que qualquer outro pas, ele ocupa apenas a trigsima stima posio em
191 pases que so membros da Organizao Mundial da Sade, no que
diz respeito ao seu desempenho geral.
Fonte: Health, United States, 2000, de U.S. Department of Health and Human Services,
2000, Washington, DC: U.S. Government Printing Office, p. 321.

tos de risco das pessoas, antes que eles causem doenas, tem o potencial de reduzir
custos com a sade de forma expressiva (Kaplan, 2000). Por exemplo, a cada ano,
surgem aproximadamente um milho de casos novos de cncer e ocorrem aproximadamente 500 mil mortes relacionadas com ele. Muitas formas de cncer so
evitveis, reduzindo ou eliminando o hbito de fumar ou aumentando o uso de
testes diagnsticos.

PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA DA SADE

oc j viu como as tendncias sociais e histricas criaram a necessidade de um


modelo novo e mais amplo de sade e de doena. De fato, os psiclogos da sade
desenvolveram diversos modelos, ou perspectivas, para guiar seu trabalho. medida que voc ler, lembre de que cada perspectiva proporciona uma forma diferente de ver a mesma coisa e, juntas, formam a imagem completa da sade e da
doena.

Perspectiva do curso de vida

 perspectiva do curso de vida


perspectiva terica concentrada em aspectos da sade e da
doena relacionados com a
idade

Em todos os estgios da vida, as pessoas enfrentam desafios sua sade e ao


seu bem-estar geral. Desde o momento da concepo at o dia em que morremos,
cada um de ns moldado por uma variedade nica de fatores genticos, biolgicos e socioculturais. A perspectiva do curso de vida na psicologia da sade
concentra-se em importantes aspectos da sade e da doena relacionados com a
idade (Jackson, 1996). Essa perspectiva considera, por exemplo, a maneira como
o uso de drogas psicoativas por uma mulher grvida afeta o desenvolvimento de
seu beb ao longo de sua vida. Talvez seu filho nasa prematuramente e sofra de
baixo peso neonatal (menos de 2.500 gramas), um dos problemas mais comuns e
mais evitveis no desenvolvimento pr-natal, e que deixa marcas no desenvolvimento fsico e cognitivo do indivduo por muitos anos. Entre as conseqncias
disso esto o desenvolvimento motor, social e lingstico lento; maior risco de
paralisia cerebral; e, ainda, dificuldades de aprendizagem a longo prazo (Liaw e
Brooks-Gunn, 1993).

40

PARTE 1

FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA DA SADE

Essa perspectiva tambm examina as principais causas de morte que acometem certos grupos etrios. Doenas crnicas, as principais causas de morte na populao geral, afetam, mais provavelmente, adultos de meia-idade e idosos. Os
jovens tm uma probabilidade muito maior de morrer de acidentes ou ferimentos
no-intencionais.
Outra preocupao dessa perspectiva a forma como as experincias de uma
determinada coorte de nascimento influenciam a sade. Uma coorte de nascimento um grupo de pessoas que, por terem nascido com uma diferena de poucos
anos, experimentam condies histricas e sociais semelhantes, as quais afetam
sua sade e doenas. As pessoas que nasceram no final do sculo XIX ou no comeo
do sculo XX precisaram superar obstculos enormes apenas para sobreviver at a
idade de 50 anos. Atualmente, grandes mudanas nas polticas de sade pblica
remodelaram o futuro para os adultos mais velhos nos Estados Unidos. Por exemplo, em 1965, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Lei dos Idosos norteamericanos, que proporciona a cada pessoa, independentemente de sua renda,
muitos benefcios sade desde refeies subsidiadas at orientao e outros
servios proporcionados por mais de 20 mil agncias comunitrias. Como resultado, os cidados mais velhos tm mais oportunidades, hoje em dia, para permanecer
em boa sade do que aqueles em sua faixa etria que atingiram a terceira idade em
outras pocas da histria.

Perspectiva sociocultural
A maneira como fatores sociais e culturais contribuem para a sade e para a
doena o foco da perspectiva sociocultural. Quando os psiclogos usam o termo
cultura, esto referindo-se a comportamentos, valores e costumes persistentes que
um grupo de pessoas desenvolveu ao longo dos anos e transmitiu para a prxima
gerao. Dentro de uma cultura, pode haver um, dois ou mais grupos tnicos, isto ,
grandes grupos de pessoas que, por compartilharem certas caractersticas, tendem a
ter valores e experincias semelhantes.
Em culturas multitnicas, como a dos Estados Unidos e da maioria das naes
atuais, existem amplas disparidades em expectativa de vida e nvel de sade, tanto
entre os grupos de minorias tnicas e como na maioria da populao. Algumas dessas diferenas sem dvida refletem uma variao em status socioeconmico, uma
medida de diversas variveis, incluindo renda, educao e ocupao. Por exemplo,
as taxas mais elevadas de doenas crnicas ocorrem entre pessoas que possuem os
nveis mais baixos de status socioeconmico (Flack e cols., 1995).
A variao sociocultural tambm est aparente em crenas e comportamentos
relacionados sade. Por exemplo, as prticas tradicionais de cuidado sade dos
nativos norte-americanos so holsticas e no distinguem modelos separados para
doenas fsicas e mentais (Johnson e cols., 1995). Em outro exemplo, os adeptos da
cincia crist tradicionalmente rejeitam o uso da medicina, pois crem que as pessoas
doentes podem ser curadas apenas por meio da orao, e a lei judaica prescreve que
Deus d a sade, sendo responsabilidade de cada indivduo proteg-la.
De um modo geral, os psiclogos que trabalham nessa perspectiva encontram
grandes discrepncias, no apenas entre os grupos tnicos, mas tambm dentro deles. Os latinos, por exemplo, no so homogneos. Os trs maiores grupos de nacionalidade cubanos, porto-riquenhos e norte-americanos de origem mexicana diferem em educao, renda, sade geral e risco de doenas e de morte (Bagley, Angel,
Dilworth-Anderson Liu e Schinke, 1995).
Perspectiva de gnero
A perspectiva de gnero em psicologia da sade concentra-se no estudo de
problemas de sade especficos dos gneros e em barreiras que tal condio encontra
nos servios de sade. Homens e mulheres diferem no risco que apresentam para

 coorte de nascimento grupo


de pessoas que, por terem nascido aproximadamente na mesma poca, experimentam condies histricas e sociais semelhantes

 perspectiva sociocultural perspectiva terica que aborda a maneira como os fatores sociais e
culturais contribuem para a sade e para a doena
 perspectiva de gnero perspectiva terica que aborda problemas de sade especficos
dos gneros e as barreiras que
estes encontram aos servios
de sade

INTRODUO PSICOLOGIA DA SADE

CAPTULO 1

41

Vis sociocultural
no diagnstico
Foi dito aos mdicos que estes supostos pacientes cardacos eram idnticos
em ocupao, sintomas e em qualquer
outro aspecto, exceto idade, raa e gnero. Embora o cateterismo fosse o tratamento adequado para os sintomas descritos, os mdicos recomendaram-no
mais para os pacientes mais jovens,
brancos e do sexo masculino do que para
os pacientes do sexo feminino, os mais
velhos e os negros.
Fonte: The Effect of Race and Sex on Physicians Recommendations for Cardiac Catherization, De K. A. Schulman, J. Berlin, W.
Harless, J. F. Femer, S. Sistrunk, B. J. Gersh, R.
Dub, C. K. Taleghani, J. E. Burke, S. Williams,
J. M. Eisenberg, e J. Escarce, 1999, New
England Journal of Medicine, 340, p. 618-625.

uma variedade de transtornos. Durante a infncia, por exemplo, os garotos apresentam uma proporo maior do que as garotas em uma variedade de transtornos de
comportamento e psicolgicos, incluindo problemas com o sono e a alimentao,
hiperatividade, autismo e comportamentos anti-sociais. Da mesma forma, da idade
de 8 anos at a idade adulta, as garotas e as mulheres apresentam uma proporo
maior do que os garotos e homens no diagnstico da depresso, ansiedade e transtornos da alimentao (Ussher, 1997). Alm disso, as mulheres tendem a responder de
forma mais ativa do que os homens a sintomas de doenas e a buscar tratamento
precoce.
A profisso mdica tem longa histria de tratar homens e mulheres de maneira
diversa. Por exemplo, pesquisas j mostraram que as mulheres tratadas para doenas
cardacas recebem mais medicaes, tm maior probabilidade de passar por procedimentos diagnsticos desnecessrios e provavelmente no recebero a mesma qualidade de tratamento mdico que os homens (Ayanian e Epstein, 1991). Em um estudo, solicitou-se que 700 mdicos receitassem tratamento para oito pacientes cardacos com sintomas idnticos (Schulman e cols., 1999). Na verdade, os pacientes
eram atores que diferiam apenas em gnero, raa e idade (55 ou 70). Embora o
diagnstico seja uma forma de julgamento, a maioria dos especialistas em problemas
cardacos concordaria que o diagnstico de cateterismo seria o tratamento apropriado para os sintomas descritos por cada um dos pacientes hipotticos. Entretanto, as
recomendaes realmente feitas revelaram um pequeno, mas ainda assim significativo, preconceito contra mulheres e negros. Para os pacientes mais jovens, brancos e
do sexo masculino, o cateterismo foi recomendado em 90, 91 e 91% das vezes, respectivamente; para os pacientes mais velhos, negros e do sexo feminino, em 86, 85 e
85% das vezes, respectivamente.
Problemas como esses, somados sub-representao das mulheres como participantes dos testes de pesquisas mdicas, levaram a crticas contra os preconceitos de gnero em pesquisas e no tratamento mdico. Em resposta, o National
Institutes of Health publicou diretrizes detalhadas sobre a incluso de mulheres e
grupos de minorias na pesquisa mdica (Burd, 1994). Alm disso, o NIH recentemente lanou a Womens Health Initiative, um estudo de 15 anos de durao, realizado com 160 mil mulheres aps a menopausa, concentrando nos determinantes
e na preveno das deficincias e da morte em mulheres mais velhas. Entre os alvos
de investigao nesse estudo esto a osteoporose, o cncer de mama e a doena
cardaca coronariana.
Hoje em dia, provavelmente esteja claro para voc que essas perspectivas se
sobrepem, e que todas elas vem a sade e a doena como produtos da interao de
fatores. Elas diferem apenas nos fatores que enfatizam e, embora respondam diferentes questes sobre sade, elas se complementam, em vez de se contradizerem.
Juntas, ajudam a explicar a sade e a doena humanas. De certo modo, as perspectivas sociocultural, do curso da vida e de gnero agrupam-se na perspectiva
biopsicossocial, pois esse modelo, direta ou indiretamente, lida com todas as questes tratadas pelas perspectivas mencionadas. Por essa razo, nosso foco neste texto
estar na perspectiva biopsicossocial, para a qual nos voltamos agora.

42

PARTE 1

FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA DA SADE

Perspectiva biopsicossocial (mente-corpo)


Segundo nos conta a histria, procurar um fator causal produz uma imagem
incompleta da sade e da doena de uma pessoa, portanto, os psiclogos da sade
trabalham a partir da perspectiva biopsicossocial (mente-corpo). Conforme mostrado na Figura 1.4, essa perspectiva reconhece que foras biolgicas, psicolgicas e
sociais agem em conjunto para determinar a sade e a vulnerabilidade do indivduo doena; ou seja, a sade e a doena devem ser explicadas em relao a
contextos mltiplos.

 perspectiva biopsicossocial
(mente-corpo) ponto de vista
segundo o qual a sade e outros comportamentos so determinados pela interao de
mecanismos biolgicos, processos psicolgicos e influncias sociais

O contexto biolgico
Todos os comportamentos, incluindo estados de sade e doena, ocorrem no
contexto biolgico. Cada pensamento, estado de esprito e nsia um evento biolgico possibilitado pela estrutura anatmica e pela funo biolgica caracterstica do
corpo de uma pessoa. A psicologia da sade chama a ateno para aqueles aspectos
de nosso corpo que influenciam a sade e a doena: nossa conformao gentica e
nossos sistemas nervoso, imunolgico e endcrino (ver Captulo 3).
Os genes proporcionam o projeto de nossa biologia e predispem nossos comportamentos saudvel e doentio, normal e anormal. Por exemplo, sabe-se h
muito tempo que a tendncia de abusar do consumo de lcool hereditria (ver
Captulo 8). Uma razo para isso que a dependncia ao lcool , pelo menos em
parte, gentica, embora no parea estar ligada a um nico gene especfico. Em vez
disso, certas pessoas podem herdar uma grande sensibilidade aos efeitos fsicos do
lcool, experimentando a intoxicao como algo prazeroso e uma ressaca como algo
de pouca importncia. Essas pessoas tm mais probabilidade de beber, especialmente
em certos contextos psicolgicos e sociais.
Um elemento fundamental do contexto biolgico a histria evolutiva de nossa
espcie. Nossos traos e comportamentos humanos caractersticos existem na forma
como so porque ajudaram nossos ancestrais distantes a sobreviverem tempo suficiente para se reproduzirem e enviarem seus genes para o futuro. Por exemplo, a
seleo natural favoreceu a tendncia das pessoas de sentirem fome na presena de
um aroma agradvel (ver Captulo 7). Essa sensibilidade para pistas relacionadas
com a comida faz sentido evolucionrio, pois comer necessrio para a sobrevivncia particularmente no passado, quando os suprimentos de comida eram imprevisveis e era vantajoso ter um apetite saudvel quando havia alimento disponvel.
Ao mesmo tempo, a biologia e o comportamento interagem de forma constante.
Por exemplo, alguns indivduos so mais vulnerveis a doenas relacionadas com o
estresse porque reagem com raiva a perturbaes cotidianas e a outras influncias
ambientais (ver Captulo 4). Entre os homens, quantidades maiores do hormnio
testosterona apresentam uma correlao positiva com esse tipo de reao agressiva.

Figura 1.4
O modelo biopsicossocial
Segundo a perspectiva biopsicossocial, todos os comportamentos
saudveis so melhor explicados em termos de trs contextos: processos biolgicos, processos psicolgicos e influncias sociais.
Fonte: Psychology: A Byopsychosocial Approach, de C. Peterson, 1997,
New York: Addison-Wesley Longman.

INTRODUO PSICOLOGIA DA SADE

CAPTULO 1

43

Essa relao, contudo, recproca: ataques de raiva tambm podem levar a nveis
elevados de testosterona. Uma das tarefas da psicologia da sade explicar como (e
por que) essa influncia mtua entre biologia e comportamento ocorre.

O contexto psicolgico
A mensagem central da psicologia da sade que a sade e a doena esto
sujeitas a influncias psicolgicas. Por exemplo, um fator fundamental para determinar o quanto uma pessoa consegue lidar com uma experincia de vida estressante
a forma como o evento avaliado e interpretado (ver Captulo 5). Eventos avaliados
como avassaladores, invasivos e fora do nosso controle nos custam mais do ponto de
vista fsico e psicolgico do que os que so avaliados como desafios menores, temporrios e superveis. De fato, algumas evidncias sugerem que, independentemente
de um evento ser realmente experimentado ou simplesmente imaginado, a resposta
do corpo ao estresse , de modo aproximado, a mesma. Os psiclogos da sade pensam que certas pessoas podem ser cronicamente depressivas e mais suscetveis a
certos problemas de sade porque revivem eventos difceis muitas vezes em suas
mentes, o que pode ser funcionalmente equivalente a passar repetidas vezes pelo
evento real. No decorrer deste livro, iremos examinar as maneiras como o pensamento, a percepo, a motivao, a emoo, a aprendizagem, a ateno, a memria e
outros tpicos de importncia central para a psicologia tm implicaes para a sade.
Os fatores psicolgicos tambm desempenham um importante papel no tratamento de condies crnicas. Considere o tratamento do cncer que j foi uma
doena que levava inevitavelmente morte. Embora a morte no seja mais inevitvel, tratamentos como a quimioterapia foram os pacientes a passar por reaes s
vezes insuportveis causadas pelas poderosas drogas administradas, incluindo nuseas e vmitos extremos. Os efeitos colaterais podem ser to debilitantes que alguns
pacientes recusam-se a continuar com o tratamento que tem o potencial de salvar sua
vida. A eficcia da medicao bastante influenciada pela atitude do paciente para
com o tratamento. Um indivduo que acredita que a droga ir apenas causar-lhe
desconforto capaz de experimentar uma tenso considervel, que pode piorar sua
reao fsica ao tratamento, desencadeando um ciclo vicioso, no qual a crescente
ansiedade antes do tratamento seguida por reaes fsicas progressivamente piores
medida que o regime de tratamento continua. As intervenes psicolgicas ajudam
os pacientes a administrar sua tenso, diminuindo, assim, as reaes negativas ao
tratamento. Aqueles pacientes mais tranqilos em geral so mais capazes e mais
motivados para seguir as instrues de seus mdicos.
As intervenes psicolgicas tambm auxiliam os pacientes a administrar o
estresse da vida cotidiana, que parece exercer um efeito cumulativo sobre o sistema
imunolgico. Eventos negativos na vida, como a perda de um ente querido, o divrcio, a perda do emprego ou uma mudana, podem estar ligados diminuio do
funcionamento imunolgico e a maior suscetibilidade a doenas. Ensinando aos pacientes formas eficazes de administrar tenses inevitveis, os psiclogos da sade podem
ajudar o sistema imunolgico do paciente a combater as doenas.

O contexto social
Ao colocarem o comportamento saudvel em seu contexto social, os psiclogos
da sade esto preocupados com a maneira como pensamos, influenciamos e nos
relacionamos conosco e com o ambiente. O seu gnero, por exemplo, implica determinado papel social que d a voc um senso de ser mulher ou homem. Alm disso,
voc membro de determinada famlia, comunidade e nao; voc tambm tem
certa identidade racial, cultural e tnica, e vive dentro de uma classe socioeconmica
especfica. Cada um desses elementos do seu contexto social nico influencia suas
crenas e comportamentos incluindo aqueles relacionados com a sade.

44

PARTE 1

FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA DA SADE

Considere o contexto social em que uma doena crnica, como o cncer, ocorre.
Um cnjuge, outra pessoa afetivamente significativa ou um amigo ntimo, proporcionam importante apoio social para muitos pacientes de cncer. Mulheres e homens
que se sentem socialmente conectados a uma rede de amigos afetuosos tm menor
probabilidade de morrer de qualquer forma de cncer do que seus correlatos que
sejam isolados socialmente (ver Captulo 10). O fato de sentir-se amparado por outras pessoas serve como proteo, que mitiga o resultado de hormnios que causam
estresse e mantm as defesas do corpo fortes durante situaes traumticas. Pode
tambm promover melhores hbitos de sade, check-ups regulares e exames para
sintomas preocupantes tudo isso tende a melhorar as chances de sobrevivncia de
uma vtima do cncer.
Apesar da validade dessas influncias sociais, lembre-se de que seria enganoso
concentrar-se exclusivamente neste, ou em qualquer outro contexto, de forma isolada. O comportamento saudvel no a conseqncia automtica de determinado
contexto social. Por exemplo, embora, como grupo, os pacientes de cncer que so
casados tenham tendncia a sobreviver por mais tempo do que pessoas que no so
casadas, casamentos infelizes e destrutivos no oferecem benefcio algum nesse sentido e podem estar ligados a resultados ainda piores para a sade.

Sistemas biopsicossociais
Conforme indicam esses exemplos, a perspectiva biopsicossocial enfatiza as influncias mtuas entre os contextos biolgicos, psicolgicos e sociais da sade. Ela
tambm est fundamentada na teoria sistmica do comportamento. Segundo essa
teoria, a sade de fato, toda a natureza melhor compreendida como uma hierarquia de sistemas, na qual cada um deles simultaneamente composto por subsistemas
e por uma parte de sistemas maiores e mais abrangentes. Assim, cada um de ns
um sistema um corpo formado por sistemas em interao, como o sistema endcrino,
o cardiovascular, o nervoso e o imunolgico. Esses sistemas biolgicos so, por sua
vez, compostos de partes menores, que consistem de tecidos, fibras nervosas, fluidos,
clulas e material gentico. Na direo contrria, somos parte de muitos sistemas
maiores, incluindo nossa famlia, nosso bairro, nossa sociedade e nossa cultura.
Aplicada sade, essa abordagem enfatiza uma questo fundamental: o sistema, em determinado nvel, afetado por sistemas em outros nveis e tambm os
afeta. Por exemplo, o sistema imunolgico enfraquecido afeta rgos especficos no
corpo de uma pessoa, o que, por sua vez, afeta a sua sade biolgica geral, afetando,
por sua vez, os relacionamentos dessa pessoa com sua famlia e seus amigos. Conceituar
a sade e a doena conforme a abordagem sistmica permite que compreendamos o
indivduo de forma integral.

Aplicando o modelo biopsicossocial


Para ter uma idia melhor da utilidade de explicaes biopsicossociais de comportamentos saudveis, considere o exemplo de transtorno depressivo maior, diagnosticado quando os sinais da depresso (incluindo letargia, sentimentos de inutilidade e perda de interesse nos amigos e na famlia) duram duas semanas ou mais sem
nenhuma causa observvel.
Como a maioria dos transtornos psicolgicos, a depresso melhor explicada
em termos de diversos mecanismos (ver Figura 1.5 na pgina 45). Pesquisas realizadas com famlias, gmeos idnticos ou fraternos e crianas adotadas demonstram claramente que as pessoas com um parente biolgico diagnosticado com
depresso antes dos 30 anos de idade tm maior probabilidade de ter diagnstico
de depresso do que pessoas que no tm um parente que sofra dessa doena
(Pauls, Morton e Egeland, 1992). Alm da gentica, h outros fatores no contexto
biolgico desse transtorno, como nveis baixos de certos neurotransmissores cerebrais, especialmente norepinefrina e serotonina (ver Captulo 3). Medicaes

 teoria sistmica ponto de vista segundo o qual a natureza


melhor compreendida como
uma hierarquia de sistemas, em
que cada sistema , simultaneamente, composto por subsistemas menores e sistemas
maiores inter-relacionados

INTRODUO PSICOLOGIA DA SADE

CAPTULO 1

45

Figura 1.5
Um modelo biopsicossocial da depresso
A depresso melhor compreendida se considerarmos sua
ocorrncia em trs contextos: biolgico (predisposies genticas e desequilbrios de neurotransmissores), psicolgico (pensamentos negativos e crenas autodestrutivas) e
social (eventos estressantes, desamparo condicionado e
cultura individualista que encoraja a autoculpa por fracassos pessoais).
Fonte: Psychology: A Biopsychosocial Approach, de C. Peterson,
1997, New York: Addison-Wesley Longman.

antidepressivas (como Prozac e Paxil), terapia de choques eletroconvulsivos e


exerccios fsicos regulares (por exemplo, correr, nadar e andar de bicicleta) so
tratamentos eficazes por aumentar a disponibilidade dessas substncias no crebro (Jacobs, 1994).
Do ponto de vista psicolgico, existem considerveis evidncias de pesquisas
que mostram que pensamentos negativos, incluindo atitudes autodestrutivas, contribuem para a depresso.
Pessoas depressivas tendem a pensar sobre si mesmas, seu mundo e o futuro de
forma melanclica (ver Captulo 5). Quando eventos dolorosos incontrolveis e inevitveis ocorrem, elas tendem a explic-los com causas internas (A culpa minha.),
globais (Isso vai afetar tudo o que eu fao.) e estveis (Eu nunca vou superar
isso.). Na terapia cognitiva os psiclogos trabalham com pacientes deprimidos para
desafiar e redirecionar essas crenas.
No aspecto social, a depresso com freqncia causada por experincias estressantes a perda de um emprego ou de um ente querido, o divrcio e qualquer coisa
que desafie o senso de identidade da pessoa (Kendler, Neale, Kessler, Heath e Eaves,
1993). Martin Seligman (1991) props que crenas autodestrutivas e depresso podem ser condicionadas socialmente em pessoas que aprendem que no conseguem
influenciar eventos importantes em suas vidas. Assim como cobaias de laboratrio
que recebem choques eltricos que no conseguem evitar, tornam-se passivas e
introvertidas, as pessoas tambm experimentam eventos dolorosos incontrolveis.
Da mesma forma como os transtornos psicolgicos, a cultura exerce influncia
importante sobre a vulnerabilidade do indivduo depresso. O transtorno depressivo
maior muito mais comum entre jovens ocidentais talvez por causa da ascenso
do individualismo, que encoraja o indivduo autocentrado a aceitar responsabilidade pessoal por todos os problemas. Em culturas no-ocidentais mais estreitas e cooperativas, como o Japo, a depresso rara talvez porque os problemas so menos
ligados autoculpa pelos fracassos pessoais (Seligman, 1995). Alm disso, h um
efeito da coorte de nascimento na depresso: os jovens adultos da Amrica do Norte
so trs vezes passveis de sofrerem de depresso atualmente do que seus avs em
qualquer momento de suas vidas (Statistics, Canad, 1999).

QUESTES FREQENTES SOBRE A PSICOLOGIA DA SADE

vimos como as vises com relao natureza da doena e da sade mudaram no


decorrer da histria, examinamos tendncias que ajudaram a moldar o novo campo
da psicologia da sade e discutimos as vrias perspectivas tericas a partir das quais
os psiclogos da sade trabalham. Porm, talvez voc ainda tenha questes a respeito da profisso da psicologia da sade. A seguir, algumas respostas para as questes
mais freqentes.

46

PARTE 1

FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA DA SADE

O que fazem os psiclogos da sade?


Como todos os psiclogos, os psiclogos da sade podem trabalhar como professores, cientistas pesquisadores e/ou clnicos. Seu papel como professores bvio:
eles formam a prxima gerao de estudantes em campos relacionados com a sade.
Como pesquisadores, identificam os processos psicolgicos que contribuem para a
sade e para a doena, investigam questes relacionadas com o porqu das pessoas
tomarem parte em prticas que no so saudveis e avaliam a eficcia de determinadas intervenes teraputicas.
Os psiclogos da sade esto na vanguarda da pesquisa, testando o modelo
biopsicossocial em inmeras reas, incluindo HIV/AIDS, adeso a regimes de tratamento mdico e efeitos de variveis psicolgicas, culturais e sociais sobre o funcionamento imunolgico e sobre diversas patologias (por exemplo, cncer, hipertenso,
diabete, dores crnicas). Como o modelo biopsicossocial foi desenvolvido primeiramente para explicar problemas de sade, at pouco tempo, a maioria das pesquisas
concentrava-se nas doenas e em comportamentos que comprometessem a sade.
Entretanto, um novo movimento em psicologia, chamado de psicologia positiva, est
enconrajando os psiclogos a dedicarem mais ateno para o funcionamento humano saudvel e adequado (Seligman e Csikszentmihalyi, 2000). O mbito dessas pesquisas cobrindo tpicos to diversos quanto felicidade, rigidez psicolgica e traos
das pessoas que vivem at uma idade avanada mostra claramente que o modelo
biopsicossocial guia a maior parte delas.
Psiclogos da sade, que geralmente concentram-se em intervenes visando a
promover a sade, so licenciados para a prtica independente em reas como psicologia clnica e orientao. Como clnicos, eles utilizam ampla variedade de tcnicas
teraputicas e de avaliao diagnstica existentes na psicologia para promover a sade e auxiliar os doentes fsicos. As abordagens de avaliao com freqncia envolvem
medidas de funcionamento cognitivo, avaliao psicofisiolgica, pesquisas demogrficas e avaliaes do estilo de vida ou da personalidade. As intervenes podem
envolver o manejo do estresse, terapias de relaxamento, biofeedback, educao a
respeito do papel dos processos psicolgicos na doena e intervenes cognitivocomportamentais.
Tanto intervenes individuais quanto em grupo so normalmente utilizadas,
podendo ser diretas ou indiretas. Intervenes diretas envolvem, por exemplo, projetar e implementar um programa de treinamento para relaxamento, a fim de ajudar
um paciente a lidar com uma dor crnica. Uma interveno indireta implica conversar
com o mdico de um paciente para determinar os traos psicolgicos que esto influenciando o tratamento mdico.
As intervenes no esto limitadas queles que j esto sofrendo de um problema de sade. Indivduos saudveis ou em risco podem aprender comportamentos
saudveis preventivos. Freqentemente as intervenes desse tipo feitas por psiclogos da sade concentram-se em mitigar o impacto negativo do estresse, promovendo
mecanismos de enfrentamento ou um maior uso de redes de apoio social.
Na medida em que o Projeto Genoma Humano avana rumo identificao do
papel preciso de cada gene humano, a sociedade ter acesso a uma exploso de
informaes, que promete progressos extraordinrios no diagnstico, tratamento e
preveno de doenas, enquanto levanta difceis questes ticas e legais. Espera-se
que os psiclogos da sade desempenhem papis essenciais, proporcionando a base
clnica e de pesquisas necessrias para lidar com essas informaes. Por exemplo, na
rea da pesquisa, provvel que os psiclogos da sade explorem questes como a
idade em que deve ser permitido s crianas consentir com seus tratamentos mdicos, o impacto no desenvolvimento do indivduo ao saber que ele geneticamente
vulnervel a uma doena crnica, que pode vir a se manifestar posteriormente, e o
impacto de perfis individuais de DNA em relacionamentos interpessoais.

INTRODUO PSICOLOGIA DA SADE

CAPTULO 1

47

Onde trabalham os psiclogos da sade?

Figura 1.6

Tradicionalmente a maioria dos psiclogos aceitava posies de ensino ou pesquisa em universidades e faculdades. Devido ao declnio no nmero de matrculas,
contudo, as posies docentes em muitos subcampos da psicologia no acompanharam o nmero de interessados. As oportunidades de emprego para psiclogos da
sade com habilidades de pesquisa ou aplicadas, todavia, parecem estar muito boas
por todo o mundo desenvolvido, particularmente em cenrios hospitalares (DeAngelis,
1995). De fato, o nmero de psiclogos que trabalham em campos relacionados com
a sade mais do que dobrou na dcada de 1980 (Enright, Resnick, DeLeon, Sciara e
Tanney, 1990). Essa tendncia continua, atualmente, em resposta maior
nfase da sociedade na promoo da sade e no cumprimento das necessidades de determinados grupos, como os idosos (Kaplan, 2000).
Alm de trabalharem em faculdades, universidades e hospitais, os
psiclogos da sade atuam em muitos outros locais, incluindo organizaes
de sade, faculdades de medicina, clnicas de reabilitao e consultrios
particulares (ver Figura 1.6). Um nmero crescente de psiclogos da sade
pode ser encontrado em locais de trabalho, onde orientam empregadores
e trabalhadores em diversas questes relacionadas com o trabalho, e
tambm ajudam a estabelecer intervenes no local de trabalho para ajudar
os empregados a perder peso, parar de fumar e aprender maneiras mais
adaptativas de administrar o estresse.

Como tornar-se um psiclogo da sade


A preparao para uma carreira em psicologia da sade normalmente
requer um diploma superior em algum dos inmeros programas educacionais disponveis. Certos estudantes matriculam-se em escolas de enfermagem ou medicina e se tornam enfermeiros ou mdicos. Outros recebem
treinamento para as demais profisses da rea da sade, como nutrio,
fisioterapia, servio social, terapia ocupacional ou sade pblica. Um nmeOnde trabalham os psiclogos da sade?
ro crescente de graduados interessados continua na ps-graduao em
Alm de trabalharem em faculdades, universidades e hos- psicologia e adquire as habilidades em pesquisa, ensino e interveno que
pitais, os psiclogos da sade atuam em muitos outros lomencionamos anteriormente. Aqueles que esperam prover servios diretos
cais, incluindo organizaes de sade, escolas de mediciaos pacientes normalmente obtm sua formao em programas de psicolona, clnicas de reabilitao e consultrios independentes.
Um nmero crescente de psiclogos da sade pode ser gia clnica ou de aconselhamento.
Muitos estudantes que desejam uma carreira em psicologia da sade*
encontrado em locais de trabalho, onde orientam empregadores e trabalhadores em uma variedade de questes adquirem formao geral em psicologia no nvel de graduao e recebem
relacionadas com o trabalho.
treinamento especializado nos nveis de doutorado, ps-doutorado e em
Fonte: 1993 Doctorate Employment Survey, de M. Wicherski e J.
seus estgios. Na graduao, so oferecidas disciplinas de psicologia da
Kohout, 1995, Washington, DC: American Psychological Association.
sade em aproximadamente um quarto de todas as faculdades e universidades dos Estados Unidos. Devido orientao biopsicossocial da psicologia
da sade, os estudantes tambm so encorajados a cursar disciplinas em anatomia e
fisiologia, psicologia social e anormal, processos de aprendizagem e terapias comportamentais, psicologia comunitria e sade pblica.
A maioria dos psiclogos da sade acaba obtendo o grau de doutor (Ph.D.)
em psicologia. Para chegarem ao doutorado em psicologia, os estudantes completam um programa de quatro a seis anos, ao final do qual eles conduzem um projeto
de pesquisa original. Em 2000, foram identificados 65 programas de doutoramento
em psicologia da sade.
*
N. de R.T.: No Brasil, a formao do psiclogo, no nvel da graduao, generalista e tem cinco
anos de durao. Seu trmino permite o ingresso do profissional no mercado de trabalho. Muitas
faculdades oferecem disciplinas nas reas de sade, embora a mais comum seja a psicologia hospitalar. H cursos de ps-graduao lato e stricto senso em psicologia hospitalar, sade pblica, sade
coletiva, psicologia da sade, entre outros. O Conselho Federal de Psicologia confere o muito controvertido ttulo de Especialista em Psicologia Hospitalar, segundo critrios definidos pelo CFP,
acessveis pelo website http://www.pol.org.br.

48

PARTE 1

FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA DA SADE

A ps-graduao em psicologia da sade geralmente baseia-se em um currculo


que cobre os trs domnios bsicos em cada um dos principais subcampos (biolgico,
evolutivo, personalidade, etc.). E o treinamento no domnio social concentra-se no
estudo de processos de grupo e nas formas em que os vrios grupos (famlia, tnico,
etc.) influenciam a sade de seus membros.
medida que avana o sculo XXI, a medicina est sendo beneficiada com uma
variedade esplndida de novas tcnicas de diagnstico e tratamento. Em menos de
cem anos, os mdicos deixaram de usar sanguessugas para fazer sangrias e colocaram em evidncia maravilhas da medicina nuclear, da ressonncia magntica e da
engenharia gentica. H apenas 30 anos, quando o presidente Nixon declarou a guerra dos Estados Unidos contra cncer, pouco se sabia sobre biologia celular bsica de
doenas como essa. Os oncologistas somente tinham a seu dispor as armas bsicas da
radiao, da quimioterapia e da cirurgia. Novas descobertas revolucionrias durante
os ltimos anos da dcada de 1990 geraram muitos tratamentos novos e promissores,
incluindo terapia gentica, anticorpos artificiais e uso de agentes biolgicos que sufocam tumores, impedindo o crescimento dos capilares (Brownlee e Shute, 1998). Podemos apenas imaginar as novas descobertas que ainda esto por vir.

Sntese
Sade e psicologia da sade
1. Sade um estado de completo bem-estar fsico, mental e social. A psicologia da sade preocupa-se com os
aspectos psicolgicos da sade no decorrer da vida
de um indivduo. Seus objetivos especficos so promover a sade, prevenir e tratar doenas, investigar o
papel de fatores comportamentais e sociais na doena e avaliar e aperfeioar a formulao de polticas e
servios de sade para todas as pessoas.
2. A definio de sade confirma que ela um estado
positivo e multidimensional, que envolve trs domnios: sade fsica, sade psicolgica e sade social.
Os domnios no so independentes, mas influenciam
uns aos outros.
Sade e doena: lies aprendidas
3. Nas mais antigas culturas conhecidas, acreditava-se que
a doena resultava de foras msticas e espritos malignos que invadiam o corpo. A teoria humoral de
Hipcrates foi a primeira teoria racional da doena, na
qual a sade do corpo e da mente resultava do equilbrio
entre quatro fluidos corporais chamados de humores.
Galeno expandiu a teoria humoral da doena, desenvolvendo um elaborado sistema de farmacologia que
os mdicos adotaram por quase 1.500 anos.
4. Sob a influncia da igreja medieval, a medicina avanou pouco durante a Idade Mdia. Os estudos cientficos do corpo (especialmente a dissecao) eram proibidos e as idias a respeito da sade e da doena tinham implicaes religiosas. A doena era considerada uma punio de Deus por alguma malfeitoria, e o
tratamento freqentemente envolvia tortura fsica.
5. O filsofo francs Ren Descartes desenvolveu sua teoria do dualismo mente-corpo a crena de que a
mente e o corpo so processos autnomos, cada qual
sujeito a diferentes leis de causalidade. A influncia
de Descartes abriu caminho para uma nova era na

6.

7.

8.

9.

pesquisa mdica, fundamentada no estudo cientfico


do corpo.
Avanos em mensurao e microscopia levaram a diversos modelos novos da doena. Com base em seus
achados, obtidos em autpsias humanas, Morgagni
promoveu a idia de que as causas de muitas doenas
esto em problemas nos rgos internos e nos sistemas
muscular e esqueltico do corpo (teoria anatmica). A
teoria celular da doena sugeria que a doena ocorria
quando as clulas do corpo funcionavam de maneira
inadequada ou morriam. Louis Pasteur descobriu que
as bactrias freqentemente faziam com que as clulas
funcionassem de maneira inadequada, dando incio
teoria dos germes da doena.
A viso dominante na medicina moderna o modelo
biomdico, que supe que a doena seja o resultado
de um vrus, bactria ou algum elemento patognico
que invade o corpo. Como no faz nenhuma meno
a fatores psicolgicos, sociais ou comportamentais na
doena, o modelo adota o reducionismo e o dualismo
mente-corpo.
Em seu tratamento de pacientes que sofriam de doenas
biologicamente impossveis, como a anestesia de luva,
Sigmund Freud introduziu a idia de que determinadas
doenas poderiam ser causadas por conflitos inconscientes. As vises de Freud foram expandidas para o campo
da medicina psicossomtica, que diz respeito ao tratamento e diagnstico de transtornos causados por processos deficientes na mente. Entretanto, a medicina
psicossomtica deixou de ser favorecida, porque baseavase na teoria psicanaltica; era arbitrria ao considerar certas doenas como sendo fsicas e outras como psicolgicas; apoiava-se no mtodo, s vezes errneo, do estudo de
caso; e postulava a idia obsoleta de que um nico problema suficiente para desencadear uma doena.
Como conseqncia do Behaviorismo na psicologia
norte-americana, a medicina comportamental explo-

INTRODUO PSICOLOGIA DA SADE

ra o papel do condicionamento clssico e operante na


sade e na doena. Ao contrrio da psicologia da sade, que uma subespecialidade da psicologia, a medicina comportamental atrai seus adeptos em campos acadmicos diversos.
Tendncias que moldaram a psicologia da sade
10. Diversas tendncias levaram ao crescimento da psicologia da sade:
a) A expectativa mdia de vida aumentou em mais
de 20 anos durante o sculo XX.
b) As principais causas de morte atualmente so doenas do estilo de vida evitveis, enraizadas em
comportamentos que comprometem a sade, como
o hbito de fumar, m nutrio e vida sedentria.
Cada um desses comportamentos, em graus variados, controlado por fatores psicolgicos e sociais.
c) Houve um afastamento do modelo biomdico, primeiramente, devido dificuldade para explicar por
qual motivo o mesmo conjunto de fatores de risco
s vezes desencadeia doenas e s vezes no. Ele
tambm no consegue explicar por que determinado tratamento funciona ou no com todas as pessoas (por exemplo, por que o efeito placebo funciona
em alguns casos). Finalmente, o modelo no leva
em considerao o relacionamento entre o mdico
e o paciente para a eficcia do tratamento.
d) A promoo da sade e a preveno de doenas
so as abordagens com maior eficcia de custos
no tratamento de sade. A nfase da psicologia
da sade em modificar os comportamentos que
apresentam risco sade das pessoas antes que
elas fiquem doentes tem o potencial de reduzir
de forma expressiva os custos de tratamentos de
sade.

CAPTULO 1

49

Perspectivas em psicologia da sade


11. Os psiclogos da sade abordam o estudo da sade e
da doena partindo de quatro perspectivas principais,
as quais se sobrepem. A perspectiva do curso da vida
concentra sua ateno na maneira como alguns aspectos da sade e da doena variam com a idade, assim
como as experincias de uma mesma coorte de nascimento (como mudanas em polticas de sade pblicas) influenciam a sade. A perspectiva sociocultural
chama a ateno para a maneira como fatores sociais e
culturais, como variaes tnicas em prticas alimentares e crenas sobre as causas da doena, afetam a
sade. A perspectiva de gnero chama a ateno para
as diferenas entre homens e mulheres no risco de determinadas doenas e condies, assim como em vrios
comportamentos que possam comprometer ou contribuir para a sade. A perspectiva biopsicossocial combina essas modalidades, reconhecendo que foras biolgicas, psicolgicas e sociais agem em conjunto para determinar a sade e a vulnerabilidade de um indivduo
doena.
Questes freqentes a respeito da psicologia da sade
12. Os psiclogos da sade esto envolvidos principalmente em trs atividades: ensino, pesquisa e interveno
clnica. Alm disso, trabalham em diversos cenrios,
incluindo hospitais, universidades e escolas mdicas,
organizaes que visam a manuteno da sade, clnicas de reabilitao, consultrios particulares e, cada
vez mais, no local de trabalho. A preparao para uma
carreira nessa rea normalmente requer o grau de
doutor. Alguns estudantes entram para a psicologia
da sade a partir da medicina, enfermagem ou de alguma profisso da rea da sade, sendo que um nmero cada vez maior de alunos matricula-se em programas de ps-graduao nessa rea.

Termos e conceitos fundamentais


psicologia da sade, p. 21
sade, p. 23
teoria humoral, p. 28
epidmico, p. 29
dualismo mente-corpo, p. 30
teoria anatmica, p. 30

teoria celular, p. 31
teoria dos germes, p. 31
modelo biomdico, p. 32
patgeno, p. 32
medicina psicossomtica, p. 32
estudo de caso, p. 33

medicina comportamental, p. 33
etiologia, p. 35
expectativa mdia de vida, p. 36
efeito placebo, p. 38
perspectiva do curso de vida,
p. 39

A psicologia da sade na internet


A internet est repleta de recursos relacionados com a psicologia da sade. Em
funo disso, ao final de cada captulo, ser fornecida uma lista de websites para
auxiliar voc em seu estudo da psicologia da sade. Alguns dos sites foram escolhidos
por outra razo: para direcionar aqueles que possurem questes pessoais ou familiares especficas em sua busca por fontes especializadas de informaes e de apoio.

coorte de nascimento, p. 40
perspectiva sociocultural, p. 40
perspectiva de gnero, p. 40
perspectiva biopsicossocial
(mente-corpo), p. 42
teoria sistmica, p. 44

50

PARTE 1

FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA DA SADE

Endereo

Descrio

http://web1.ea.pvt.k12.pa.us/medant/

Leia ensaios sobre a histria da medicina na Roma e na Grcia antigas e


siga os links para numerosos recursos sobre a histria da medicina.

http://www.health-psych.org
http://freud.apa.org/divisions/div38/

A diviso 38 (psicologia da sade) da American Psychological Association


(APA) um bom lugar para comear sua busca pela resposta para qualquer questo relacionada com psicologia e sade.

http://socbehmed.org/sbm/sbm.htm

A Society of Behavioral Medicine um recurso interdisciplinar sobre sade e doena.

http://www.cdc.org

Os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) proporcionam informaes pblicas sobre doenas infecciosas.

http://www.chid.nih.gov

O CHID (Combined Health Information Database) um banco de dados


bibliogrficos produzido pelo National Institutes of Health; alm disso,
um mecanismo de busca pequeno e simples que organiza artigos em quase todos os temas relacionados sade.

http://noah.-health.org

Mantido pela City University of New York, este incrvel site bilnge (todas as informaes esto disponveis em ingls e espanhol) oferece atualizaes freqentes e links para boletins de sade.
A seo de psicologia da sade da Canadian Psychological Association
proporciona informaes e links sobre inmeros temas relacionados com
a psicologia da sade.

http://is.dal.ca/~hlthpsyc/hlthhome.htm

Exerccio de pensamento crtico


A psicologia da sade na internet
Agora que voc completou o Captulo 1, leve seu aprendizado adiante, testando suas habilidades de reflexo crtica neste exerccio de raciocnio psicolgico. Para uma
introduo a estes exerccios, veja o Prefcio antes de
comear.
Cada captulo deste texto concludo com uma lista
de sites da internet. Alguns proporcionam informaes
sobre as ltimas pesquisas relevantes, outros iro ajudar
voc a responder questes a respeito da psicologia da sade, alm de fazer uma lista de seus servios de apoio. Se
voc tem acesso internet, poder facilmente encontrar
informaes sobre:
 Pesquisas cientficas publicadas nos principais peridicos de sade, como o Journal of the American Medical
Association (JAMA), o Health Psychology e o Behavioral
Medicine.
 Projetos em andamento de agncias federais e internacionais, incluindo os National Institutes of Health (NIH),
o National Cancer Institute e a Organizao Mundial
da Sade (OMS).
 Organizaes nacionais como o National Womens Resource Center, a American Heart Association e a American Diabetes Association.
 Provedores de servios de sade pblicos e privados,
incluindo hospitais, clnicas e servios de apoio em cada
regio dos Estados Unidos.
 Notcias da sade na mdia popular, como Consumer
Reports, o USA Today e as diversas redes de notcias.

 Material orientado para o consumidor de organizaes


como a Mayo Clinic.
 Enciclopdias eletrnicas que permitem procurar termos relacionados com a sade, alm de proporcionarem informaes sobre medicaes, tratamentos e condies especficas.
 Fruns e grupos de bate-papo relacionados com sade, que renem pessoas que compartilham os mesmos
interesses sobre esse assunto.
 Websites do tipo pergunte ao especialista, nos quais
uma equipe de profissionais da sade responde perguntas dos usurios.
Quando voc estiver conectado internet, um navegador
como o Internet Explorer ou o Netscape Navigator lhe oferecer duas maneiras de navegar. O mtodo mais direto
digitar o endereo de um site conhecido, como aqueles fornecidos ao final de cada captulo. O segundo conduzir
uma busca on-line, usando um dos mecanismos de busca
oferecidos pelo seu provedor de internet.2 Quando voc estiver no menu principal do mecanismo de busca, pode digitar
o tema de seu interesse. Se quiser procurar informaes
relacionadas com a AIDS e comportamentos de risco, ao
digitar o termo AIDS, seu mecanismo de busca ir listar
todos os websites indexados AIDS, provavelmente milhares. Escrevendo AIDS e comportamentos de risco, contudo, voc limita sua busca queles websites que contenham
informaes relacionadas com ambos os termos. A quantidade de informaes presentes na internet to volumosa
que limitar sua busca sempre uma boa idia.

INTRODUO PSICOLOGIA DA SADE

Outra abordagem consultar um site com uma boa


reputao comercial e no-comercial diretamente. A maioria deles possui uma seo de notcias, uma biblioteca
com livros de referncia, questes freqentes (FAQs), artigos de sade e uma seo pergunte ao especialista.
Entre os melhores esto webmd.com, mayohealth.org,
medscape.com, mediconsult.com e drkoop.com. Entre os
sites mais confiveis para pesquisas sobre questes de sade esto pginas mantidas por fundaes importantes, como
a American Cancer Society (www.cancer.org), a American
Heart Association (www.americanheart.org), American Diabetes Association (www.diabetes.org) e a Arthritis National
Research Foudation (www.curearthritis.org).
A internet uma fonte enorme mas que deve ser
usada com cautela, pois qualquer um pode publicar informaes nela, e especialmente importante que voc reflita de forma crtica sobre aquilo que encontrar. Entre essas
habilidades est observar de forma cuidadosa, fazer perguntas, procurar conexes entre idias e analisar informaes e evidncias em que elas se fundamentam. Aqui esto algumas dicas.
 No acredite em tudo o que encontrar na internet. Seja
especialmente cauteloso com informaes publicadas
em websites por companhias que esto tentando vender produtos relacionados com a sade. Seja cuidadoso e considere que suas afirmaes so apenas propaganda.
 Avalie suas fontes de informao. As fontes mais
confiveis so jornais cientficos, escolas de medicina,
universidades, agncias governamentais como os National Institutes of Health (NIH) e organizaes de sade
importantes como a OMS, a American Medical Association (AMA) e a American Heart Association (AHA). Esses sites so confiveis porque as informaes que fornecem esto sujeitas s regras e aos procedimentos do
mtodo cientfico. Ou seja, as publicaes geralmente
so cuidadosamente avaliadas por diversas autoridades com reputao no meio cientfico.
 Assegure-se de que as informaes publicadas esto fundamentadas em referncias confiveis. Os cientistas no
so persuadidos por opinies; eles apiam seus argumentos em referncias pesquisa emprica. Se um
website alega que determinada medicao, dieta ou
produto reduz a incidncia de certa doena ou condio, ele deve fornecer a citao de um jornal ou peridico em que o estudo tenha sido publicado; os nomes
dos autores, o ano, o volume e os nmeros das pginas
do artigo. Se esses dados no forem fornecidos, no h
maneira de verificar a exatido das informaes e voc

CAPTULO 1

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deve ser muito cauteloso. Em alguns casos, universidades, agncias federais de sade e outras organizaes
cientficas proporcionam informaes relacionadas com
a sade para o pblico em geral sem citar a referncia
completa do estudo em que as informaes se baseiam. A credibilidade da organizao como uma fonte
genuna, contudo, obviamente permite que voc considere as informaes confiveis. Alm disso, mesmo
quando essas organizaes no apresentam as referncias completas, elas quase sempre indicam um link para
a fonte original ou explicam como solicitar uma citao completa.
Exerccio: encontre pelo menos dois websites que apresentem informaes conflitantes para determinado tratamento
de sade digamos, por exemplo, o uso da erva-de-sojoo para melhorar a memria ou acupuntura para aliviar
a dor. Ento, responda s questes a seguir. (Dica: dois
sites que voc pode consultar como ponto de partida so
www.herbs.org, que se orgulha de ter uma biblioteca de
150 mil artigos e www.seanet.com/~vettf/Primer.htm, do
National Council on Reliable Health Information.)
1. Qual tratamento de sade voc decidiu pesquisar?
Por qu?
2. Quais websites voc visitou? Como os encontrou?
3. Que agncias ou grupos mantm os websites? Eles
so autoridades confiveis? Como voc sabe?
4. Quais afirmaes em favor da sade so feitas para o
produto ou tratamento em cada website? Que evidncias so apresentadas para fundamentar essas afirmaes? As evidncias so confiveis?
5. Suponhamos que um amigo ou parente pergunte se
eles deveriam experimentar o produto ou tratamento. Como voc responderia?

NOTAS
1. Observe que as principais causas de morte na dcada de
1990 no foram doenas novas; elas j estavam presentes
em pocas anteriores, mas menos pessoas morriam por causa
delas ou elas eram confundidas com outras causas.
2. Alguns dos mecanismos de busca mais poderosos so aqueles oferecidos pela Yahoo, Infoseek, Microsoft Network,
Excite e Alta Vista, todos os quais possuem categorias de
sade elaboradas, como mecanismos de busca, links, batepapo e quadros de avisos. Use a categoria sade para localizar informaes sobre quase todos os aspectos da sade, doena e medicina.

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