Mercador de Plauto
Mercador de Plauto
Mercador de Plauto
O MERCADOR DE PLAUTO:
ESTUDO E TRADUO
So Paulo
2007
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLSSICAS E VERNCULAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS CLSSICAS
O MERCADOR DE PLAUTO:
ESTUDO E TRADUO
So Paulo
2007
Nosce te ipsum
til que o homem conhea a si
mesmo como disse Scrates mas essencial que ele se no
esquea que se compe de corpo e
alma...
(Doutor Miguel Vieira Ferreira)
AGRADECIMENTOS
RESUMO
A presente dissertao divide-se em duas partes. Na primeira, analisamos O
mercador, de Plauto, examinamos o que disse Aristteles sobre o gnero cmico e
estudamos as origens da comdia, com destaque para a Nea, com base no trabalho de
George E. Duckworth. Partindo-se desse estudo, as caractersticas prprias da comdia,
em geral, so apontadas, demonstrando-se a frmula da comdia utilizada pelos autores
antigos, apresentada neste trabalho, ao citarmos Northrop Frye. Aps isso, focalizamos
a estrutura da obra O mercador e, tambm, os tipos existentes na obra plautina,
sobretudo os tipos femininos. A seguir, destacamos a relao amorosa entre o senex e a
escrava-cortes. Na segunda parte da dissertao, traduzimos a comdia, a partir do
texto latino encontrado na edio de A. Ernout publicada pela Socit ddition Les
Belles Lettres.
Palavras-chave: Literatura latina, Plauto, comdias, comdia latina, O mercador.
ABSTRACT
This dissertation is presented in two parts: in the first one, we made an analysis
of PlautusMercator. To lay the foundation of such analysis, we considered what
Aristoteles stated about comedy and we also retrace the sources of comedy, with
particular emphasis on the Nea, by taking into consideration the study of George
Duckworth. Still based on this work of Duckworth, we conducted a research on the
identifying characteristics of comedy and, to do such, we also consulted Northrop Frye,
whose work helped us to expose the strategies of comedy developed by the ancient
authors. After this comprehensive study of comedy, we gave an analysis of the structure
of the play and the characters, particularly the female ones, presented in Mercator.
Eventually, the first part of our study is dedicated to examine the loving relationship
between senex and his slave courtesan. In the second part of the dissertation, we present
a translation into Portuguese of Plautus comedy from the original text, in Latin, which
was found in A. Ernouts book published by the Socit ddition Les Belles Lettres.
Key-words: Latin literature, Plautus, comedy, latin comedy, Mercator.
SUMRIO
Introduo .............................................................................................. 3
INTRODUO
No h informaes precisas sobre a data da primeira representao de O
mercador, de Plauto, o que tambm ocorre com vrias das outras comdias do autor. O
mercador uma pea cujo enredo foi considerado simples por alguns crticos
(Duckworth, 1952, p. 167; Lejay, 1925, p. 78), mas que muitas vezes foi julgada
positivamente, conforme afirma Hunter (1989, p. 96).
At os dias de hoje, ao que parece, a comdia O mercador no tinha sido
traduzida em lngua portuguesa, havendo, porm, tradues estrangeiras que foram
consultadas para a feitura do presente trabalho e que so prefaciadas com os
comentrios que elencaremos a seguir.
Na edio italiana das obras de Plauto, a comdia O mercador prefaciada por
Cesare Questa, que menciona o tema do comrcio martimo, que inspira a pea e lhe d
ttulo:
il Mercator ne ripete anche la singolarit, perch in realt di
mercati e di mercatura nella trama non c posto, e il titolo si giustifica
solo per il fatto che Graziosino stato spedito dal padre a Rodi a
commerciare solo per essere distolto da un amore poco consigliabile...
(Questa, 1983, p. 113/114)1
Pierre Grimal, no prefcio de O mercador, comdia por ele traduzida em 1971,
e includa em Plaute, Thtre complet (Plaute, 1971, p. 477), assim justifica o ttulo da
comdia:
Loriginal de cette pice est une comdie de Philmon, qui
portait le titre dEmporos, cest--dire le Marchand. Un emporos
tait un ngociant qui armait un bateau ses frais et allait vendre les
marchandises quil y entassait, selon les variations des cours, dans les
diffrentes villes du monde gen2.
Grimal discorre sobre a pea O mercador, tomando como ponto de partida a
comdia Emporos de Filmon, tratando sobretudo da data em que a comdia grega foi
escrita e fazendo consideraes sobre a provvel data de apresentao da comdia de
Plauto, O mercador. Aps estudo apurado, Grimal afirma ter sido a pea de Filmon
representada em 316 a.C, incio do governo de Demtrio de Falron. Isso nos remete ao
estudo de Lesky (1995, p. 678) sobre a comdia grega e sobre a influncia de Demtrio
de Falron na obra dos escritores gregos, sobretudo Teofrasto e Menandro. Na edio
francesa da Belles Lettres, por ns utilizada para esta traduo, A. Ernout afirma que
O mercador apresenta um enredo comum, o amor de pai e filho pela mesma mulher,
sendo uma comdia de intriga. Afirma, tambm, que os crticos foram severos em
relao a Plauto, pela falta de artifcios mtricos existentes em O mercador e lembra a
posio de P. Lejay para quem O mercador uma das obras mais fracas de Plauto
(Plaute, 1952, p. 90). Em seus comentrios, Ernout considera que a comdia tem
passagens excelentes e se refere de forma especial ao sonho de Demifo, contido no
segundo ato e sob certos aspectos semelhante ao que se encontra na comdia Rudens de
Plauto.
Grman Viveros (Plauto, 1982, p. XXIII ), nas notas introdutrias sua traduo
das comdias plautinas, salienta os conflitos sociais existentes poca de Plauto e faz
meno lei final da pea O mercador, que condena os arroubos dos senes.
Importante ressaltar que o texto latino estabelecido e traduzido por A. Ernout e
publicado pela Socit ddition Les Belles Lettres foi por ns escolhido para a
feitura do presente trabalho por tratar-se de material editorial reconhecidamente idneo
no meio acadmico e, principalmente, pelo tratamento dado ao texto original, por meio
de aparato crtico e notas de rodap.
O original desta pea uma comdia de Filmon, que tinha o ttulo de Emporos, ou seja, o Mercador.
Um emporos era um negociante que aparelhava um barco a suas prprias custas e ia vender as
mercadorias com que o carregava, segundo as variaes de curso, nas diferentes cidades do mundo
egeu.
Como obras baseadas nas comdias de Plauto e adaptaes teatrais das obras plautinas, da Idade Mdia
aos dias atuais, temos: Querolus sive Aulularia, de autor desconhecido; O Avarento, de Molire; A
comdia dos erros, de Shakeaspere; O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna; Ai, Caarola, de Atlio Bari
(2006), entre outras.
4
Veja-se, por exemplo, o comentrio de Aulo Glio: Verum esse comperior quod quosdam bene litteratos
homines dicere audiui, qui plerasque Plauti comoedias curiose atque contente lectiarunt, non indicibus
Aelii nec Sedigiti nec Claudii nec Aurelii nec Accii nec Manilii super his fabulis quae dicuntur ambiguae
crediturum, sed ipsi Plauto moribusque ingenii atque linguae eius (Aulus-Gellius, Les Nuits Attiques,
III, 1) (Reconheo ser verdade o que ouvi alguns homens bem informados dizerem: que leram muitas
vezes, com ateno e cuidado, a maior parte das comdias de Plauto, no por causa das indicaes de
lio, Sedgito, Cludio, cio ou Manlio, sobre essas peas, que so consideradas duvidosas, mas, como
se h de crer, pelo prprio Plauto, por sua maneira de proceder em relao criatividade e lngua). As
tradues de textos em lngua latina apresentadas neste trabalho so de nossa responsabilidade.
preferindo-as aos dilogos e anlises mais aprofundadas, feitas por Terncio (195 a.C.
159 a.C.)5, nas obras adaptadas por este teatrlogo6.
Os dilogos de Plauto, conforme os tericos literrios e estudiosos do teatro
antigo, sempre foram pautados pela relao entre as personagens e o ambiente romano,
ainda que suas obras tenham tido nas peas teatrais gregas de Dfilo, Filmon e
Menandro, seus principais modelos; em cada obra, Plauto acrescentava, seno temas,
locais e personagens que se referiam vida cotidiana de Roma7.
Por todos esses motivos, propusemo-nos a estudar alguns aspectos da obra
plautina, tendo escolhido, para tanto, a comdia Mercator, cujo ttulo em portugus O
mercador, a fim de estabelecermos parmetros comparativos com outras obras do
mesmo autor e, assim, abordarmos questes literrias que se colocam at hoje, ao
lermos tais obras, luz da crtica moderna e da teoria literria.
No primeiro captulo, faremos uma breve apresentao de Plauto e sua obra,
lembrando a Comdia Nova Grega, principalmente Menandro, na tentativa de mostrar
os originais que forneceram a base para a comdia latina, sobretudo a do comedigrafo.
No segundo captulo, aspectos crticos e estudos sobre o autor sero abordados, a fim de
satisfazer a anlise proposta.
Se as peas teatrais de Terncio nem sempre prendiam a ateno do pblico romano, como se pode
verificar pela leitura do prlogo de Hecyra, Plauto tambm sofreu com os rudos da audincia. Cf.
Grattwick (1983, p. 81) : The prologues to Plautus Poenulus and Terences Hecyra show that
audiences were mixed as to class, age, and sex, and that they could be unruly ("Os prlogos do
Poenulus, de Plauto, e da Hecyra, de Terncio, demonstram que as audincias eram heterogneas em
relao classe, idade e sexo, e que podiam ser turbulentas."
7
Nas comdias plautinas h aluso a costumes romanos; na Aulularia, por exemplo, h uma cena em que
ocorre a distribuio de moedas no Frum; na referida cena, Euclio sai de casa para participar da
distribuio, a fim de no atrair suspeitas sobre si, pois j encontrou a panelinha de ouro. Na mesma
comdia, Aulularia, Plauto cita o Bosque de Silvano, situado em Roma, local onde a panelinha de ouro
escondida, durante a trama.
1. CONSIDERAES GERAIS
1.1. VIDA E OBRA DE PLAUTO
Nascido na regio da atual mbria, no norte da Itlia, afirma-se que Plauto
possivelmente tenha vivido entre 254 184 a.C. (Bayet, 1965, p. 39; Zehnacker, 1993,
p. 29 ss). Contudo, sobre a origem de Plauto e seu nascimento, Conte e Duckworth
atentam para a incerteza de alguns dados, que at hoje se apresentam8.
Tendo vivido do teatro e para o teatro, cr-se que o autor tenha nascido de
famlia no muito pobre, pois teve oportunidade de ter acesso cultura e lngua
helnica e, por conseguinte, de ler textos originais na lngua grega.
Mesmo adaptando obras gregas, foi considerado o autor que mais criatividade e
originalidade demonstrou nas obras apresentadas nos festivais, encenadas, muitas vezes,
pelo prprio autor. Conta-se que Plauto perdeu muito dinheiro e ficou endividado, ao
ponto de precisar trabalhar como moleiro, para pagar suas dvidas9. No entanto, foi com
a produo das obras teatrais que mais alcanou glria e riquezas.
8
Cf. Conte (1996, p. 35): Varie fonti antiche chiariscono che Plauto era nativo di Srsina, cittadina
appenninica dellUmbria (oggi in Romagna): il dato confermato da un biscticcio allusivo in
Mostellaria (v. 769-70) (Vrias fontes antigas esclarecem que Plauto era nativo de Srsina, pequena
cidade apenina da mbria (hoje Romagna): o dado confirmado por um trocadilho alusivo em
Mostellaria (v. 769-70); La data di morte, il 184 a. C. sicura; la data di nascita si ricava
indirettamente da una notizia di Cicerone (Cato Maior, 14, 50), secondo cui Plauto scrisse da senex la
sua commedia Pseudolus. Lo Pseudolus risulta rapresentato nel 191, e la senectus per i Romani
cominciava a 60 anni. Probabile quindi una nascita fra 255 e 250 a.C. (A data de morte, 184 a. C.,
segura; a data de nascimento se deduz indiretamente a partir de uma notcia de Ccero (Cato Maior,
14,50), segundo o qual Plauto escreveu a sua comdia Pseudolus, quando senex. Pseudolus foi
apresentada em 191, e a senectus, para os romanos comeava aos 60 anos. provvel, portanto, que tenha
nascido entre 255 e 250 a. C.. Para Duckworth (1952, p. 49), Little is actually known about the life of
Plautus, and the meager accounts found in handbooks have been pieced together from random remarks
made by Cicero, Aulus Gellius (who quotes Varro), Jerome, and others. () The dates given for
Plautus birth and death are 254 and 184 B.C. The year of his death is stated by Cicero (Brutus, 15,60),
and this is doubtness approximately correct, although it may be an inference from the latest mention of
the presentation of his plays (Pouco se conhece, na verdade, sobre a vida de Plauto, e os escassos
relatos encontrados em manuais foram reunidos a partir de fortuitas observaes feitas por Ccero, Aulo
Glio (que cita Varro), Jernimo e outros...As datas atribudas ao nascimento e morte de Plauto so 254
e 184 a. C. O ano de sua morte estabelecido por Ccero (Brutus, 15, 60) e , sem dvida,
aproximadamente correta, embora possa ser uma inferncia a partir da ltima meno apresentada de suas
peas).
9
Embora no se possa comprovar a veracidade de tal fato, o que afirma o autor Zehnacker (1993, p. 2021): ...il voulut senrichir en faisant du commerce, mais choua dans cette entreprise. Ruin, il du
gagner sa vie en travaillant dans um moulin et en composant des comdies(...ele queria enriquecer
com o comrcio, mas falhou nesta empreitada. Arruinado, precisou ganhar a vida trabalhando em um
De fato, Plauto, em seu tempo, alcanou muita fama. Mais de cem comdias
foram atribudas a ele, mas somente 21 delas foram atestadas como sendo originais; tal
trabalho foi executado por Varro e, por esse motivo, as vinte e uma comdias so
chamadas varronianas (Beare, 1964, p. 46). As comdias plautinas varronianas,
apresentadas em ordem alfabtica, pois que a data de sua apresentao incerta, so as
seguintes: Amphitruo, Asinaria, Aulularia, Bacchides, Casina, Captivi, Cistellaria,
Curculio, Epidico, Menaechmi, Mercator, Miles Gloriosus, Mostellaria, Persa,
Poenulus, Pseudolus, Rudens, Stichus, Trinummus, Truculentus, Vidularia10. Dentre as
comdias plautinas mais conhecidas, por terem sido adaptadas mais vezes ao longo dos
anos, citamos: Amphitruo, considerada como tragicomdia em seu prlogo; Aulularia, a
comdia da panelinha, que relata a estria de uma panela de ouro encontrada por um
velho avarento; Menaechmi, comdia em que dois irmos gmeos so separados e se
reencontram aps algum tempo e algumas peripcias.
Por serem representadas at hoje, tais comdias de Plauto fazem com que o
autor seja consagrado na literatura latina e, tambm, na literatura mundial.
1.2.
Comdia Nova grega, tal como transmitida por Plauto e Terncio, em si mesma menos
uma forma do que uma frmula, tornou-se a base da maior parte da comdia,
especialmente em sua forma dramtica mais altamente convencionalizada, at nossos
dias. A frmula da Comdia Nova Grega com seus diversos temas e enredos, de fato,
perdura at hoje, o que nos leva a atentar para o fato de que tal frmula, que trouxe
moinho e escrevendo comdias). Bayet (1965, p. 39), no entanto, para justificar a bancarrota de Plauto,
d a verso de porque o comedigrafo teria se aventurado no comrcio martimo: trs actif, et dsireux
coup sr de fortune, il soccupa dentreprises thatrales, y gagna, mais se runa dans l commerce
maritime... (Muito ativo, e desejando fazer fortuna com segurana, ele se ocupou de empreendimentos
teatrais, ganhou, mas se arruinou com o comrcio martimo...).
10
Os ttulos das comdias plautinas, em portugus, so: Anfitrio; A comdia dos asnos; A comdia da
panelinha; As Bquides; Csina (A comdia do sorteio); A comdia do cofre; O gorgulho; Epdico; Os
Menecmos; O mercador; O soldado fanfarro; A comdia do fantasma; O persa; O cartagins; A corda;
Estico; A comdia das trs moedas; Truculento; A comdia da valise.
Erich Segal descreve os Ludi como festivais populares (1987, p.8). Essa comparao feita, tambm,
por Bakhtin, que faz aluso s festas populares em Roma (1987, p.5).
12
A pea estudada na presente dissertao no apresenta o final generalizado por Frye, porquanto no
h aluso a um futuro casamento entre as personagens Pasicompsa e Carino; tambm, no h a revelao
citada por Frye de que Pasicompsa uma moa livre.
10
escravo que se irritou em seus versos ser agora fustigado; num dos fragmentos de
Menandro um escravo amarrado e queimado com um archote no palco. Esse tipo de
ao causava riso audincia de Plauto e Terncio na Antigidade. Referindo-se
segunda fase da comdia, Frye a considera de menos intensidade cmica, em
comparao com a primeira: nesta fase que o heri escapa ou foge da sociedade, sem
transform-la, contudo.
Ilustrando a terceira fase da comdia, j com menos cenas cmicas que a
primeira e a segunda fase, o crtico afirma que nesse contexto - um senex iratus ou
outro obsesso cede aos desejos de um jovem - encontramos a frmula de algumas
comdias plautinas13. Pai e filho esto em conflito e geralmente so rivais no amor:
amam a mesma jovem.
O conflitos entre pai e filho, que amam, geralmente uma escrava-cortes, so
focalizados desde a Antigidade Clssica. Horcio alude a eles, em uma de suas stiras,
quando discorre sobre as formas e gneros literrios, abordando a construo da
comdia; a frmula da Comdia Nova grega e da comdia latina:
Id circo quidam comoedia necne poema
esset, quaesiuere, quod acer spiritus ac uis
nec uerbis nec rebus inest, nisi quod pede certo
differt sermoni sermo merus at pater ardens
saeuit, quod meretrice nepos insanus amica
filius uxorem grandi cum dote recuset,
ebrius et, magnum quod dedecus, ambulet ante
noctem cum facibus (Sat. 1,4, 45-52).
Alguns, perguntaram, pois, se a comdia seria ou no
uma forma de poema, pois nela no esto presentes
a inspirao e a fora, nem nas palavras, nem em seu assunto;
a no ser pelo metro adequado que a difere da prosa,
seria mesmo a simples prosa. O pai fica irado com
o filho prdigo que, enlouquecido pela amiga meretriz,
recusa a esposa com afortunado dote, bbado,
e - o que a maior vergonha - vaga pela noite com fachos.
13
O crtico Northrop Frye no faz a correlao entre comdias de forma geral e a comdia plautina, mas
tal frmula aplica-se presente comdia.
11
No estudo Vestgios do riso: os tpicos sobre a comdia do Tractatus Coisilianus, Fernando Santoro
faz aluso ao segundo livro da Potica de Aristteles, afirmando que este seria um tratado sobre a
comdia (2006, p.160).
12
15
Cf. Duckworth algumas comdias de Plauto teriam sofrido influncia da Comdia Mdia grega, tais
como: Persa e Amphitruo (Duckworth, 1952, p. 24).
16
Sobre os modelos de Dfilo e Filmon para as peas de Plauto, ver Kenney, E, 1983, The Cambridge
History of Classical Litterature, v. II, part. 1, p. 96-98.
13
Menandro chegou at ns a maior parte dos textos da Nea, ainda que fragmentados.
Portanto, em Menandro que nos apoiamos, a fim de estudar a comdia Nova Grega e,
assim, buscarmos melhor compreenso das origens do drama plautino. mister,
portanto, que conheamos alguns aspectos da Comdia Nova grega. A Nea, em
oposio Comdia Antiga, teve como base temas tirados da vida cotidiana, pois as
figuras polticas e pblicas no mais interessavam. O mundo particular do cidado
grego passou a fazer parte da literatura e, conseqentemente, comeou a ser abordado
nas obras da poca. Os temas recorrentes ento passaram a ser: disputas entre pais e
filhos, o relacionamento familiar, relaes entre marido e mulher. Para tanto,
personagens foram introduzidas ao contexto literrio da Nea: o leno (mercador de
escravos), a cortes (escrava), o soldado fanfarro (que voltava da guerra), o parasita,
entre outros. Presentes no cenrio da Nea, personagens e temas desta passaram a
integrar a comdia latina, pois os representantes de tal comdia conquanto
traduzissem e adaptassem a comdia grega, naturalmente utilizavam os mesmos
assuntos e tipos. Como tipos entendemos as personagens tpicas, ou seja, as que
apareciam repetidamente nas comdias da poca. Notamos que essa tipologia, prpria
da Comdia Mdia Grega e da Nea, no esteve presente na Comdia Antiga, que tinha
assunto diverso e retratava figuras pblicas.
Teofrasto nos Caracteres18 elencou uma vasta galeria de tipos; contudo, no se
pode afirmar se houve influncia da obra de Teofrasto na criao dos tipos em
Menandro (Lesky, 1995, p. 680).
Pouco se conhece da vida de Menandro, embora seja notrio que foi o maior
comedigrafo representante da chamada Comdia Nova grega. possvel que
Menandro tenha sido discpulo de Teofrasto uma vez que os tipos da Nea muito se
aproximam da teoria caricatural exposta no livro de Teofrasto (Lesky, 1995, p. 679s).
Alguns fragmentos da obra de Menandro chegaram at ns e, tambm, a comdia
18
Na obra Caracteres, Teofrasto relaciona tipos caractersticos, que lembram os tipos usados por
Menandro em suas comdias; tambm, quatro ttulos de comdias de Menandro correspondem aos tipos
elencados por Teofrasto em seus Caracteres, quais sejam: O Rstico, O Desconfiado, O Supersticioso, O
Adulador (cf. Lesky, 1995, p. 679-80).
14
Dscolo, com algumas lacunas. A partir dos estudos feitos sobre a comdia Dscolo foi
possvel chegar a um estudo comparativo entre as obras de Plauto e Menandro19.
Sem dvida, algumas peas de Plauto tiradas de originais de Menandro tornaram
possvel a comparao entre a comdia latina e a Nea, ainda que no tenhamos obras
completas de outros comedigrafos gregos, tais como Dfilo e Filmon.
19
Sobre o tema ver Handley, E.W. Menander and Plautus: a study in comparison, Londres, 1968.
15
2. O MERCADOR, DE PLAUTO
2.1 ESTRUTURA DA OBRA
No presente captulo, faremos uma anlise de O mercador, apontando seus
principais aspectos estruturais, com base na Potica de Aristteles e em estudos
modernos.
Para a composio de O mercador, Plauto tomou como modelo a comdia grega
Emporos, escrita por Filmon20. Embora seja desconhecida a data exata da apresentao
de O mercador, pois que nessa comdia no h didasclia21, acredita-se ter sido uma das
primeiras peas de Plauto. Sobre o tema, na obra The Roman Stage, Beare (1964, p. 67),
citando Duckworth, supe que Mercator e Asinaria teriam sido escritas nos estgios
iniciais da produo de Plauto, se comparadas s demais peas, que possuam mais
recursos mtricos.
O mercador, com seus 1026 versos, dividido em cinco atos, chegou at ns com
algumas lacunas. O tema o amor de dois homens, pai e filho, pela mesma mulher, uma
escrava-cortes. O Ato I tem 224 versos e duas cenas. O Prlogo, de carter explicativo,
corresponde primeira cena e nele os acontecimentos da pea no so antecipados;
consiste num monlogo recitado pelo jovem Carino (v. 1-110), que fala, entre outras
coisas sobre o assunto da comdia O mercador, sobre sua vida pregressa, sua viagem a
Rodes, seus amores e os dissabores que atingem aqueles que amam. Relatando seus
sofrimentos amorosos, Carino pede a benevolncia do pblico, para ser ouvido, o que
era caracterstico nos prlogos (Michaut, 1920, p. 101).
A segunda cena (111-224) se inicia com a chegada do escravo Acntio, que
um seruus currens. Este, por suas aes e palavras, imprime um tom bastante cmico
cena, caracterstico do tipo que representa. Cenas com a presena de um seruus currens
20
O autor assim se expressa no Prlogo de Mercator: Graece haec uocatur Emporos Philemonis, eadem
Latine Mercator Macci Titi (vv. 9/10) (Em grego esta comdia chamada o Emporos, de Filmon. A
mesma, em latim, Mercator de Mcio Tito) (vv.9/10).
21
16
22
Nas comdias latinas, muitas vezes, o escravo tinha papel fundamental; no caso das obras plautinas
acredita-se que, por ter sido escravo, o autor tenha acentuado a relevncia da personagem-tipo, em
algumas de suas comdias: Aulularia, Persa, Captivi so alguns exemplos.
23
Na pea Rudens h, tambm, o relato de um sonho; no se sabe ao certo qual deles teria sido o
primeiro, se o sonho da comdia Mercator ou da pea Rudens.
17
Eutico e Carino conversam: Eutico comunica ao amigo que a cortes fora comprada e
Carino, desgostoso, diz que vai embora de casa.
O Ato IV tem 162 versos e seis cenas. Na primeira cena (667-691), Doripa
chega do campo com sua escrava Sira, um dia antes do previsto. Doripa pede a Sira um
galho para fazer honras ao altar de Apolo e manda que a velha escrava entre; ao entrar
na casa, Sira sai imediatamente, gritando e dizendo que h uma mulher l dentro. Na
segunda cena (692-699) um monlogo curtssimo, de apenas oito versos -, Lismaco
parece estar arrependido e lamenta ter levado Pasicompsa para sua casa. Na terceira
(700-740), Doripa e Lismaco lamentam sua sorte; na quarta (741-802), o cozinheiro
chega e Lismaco age de forma dissimulada, mas no consegue enganar a esposa, que
acaba discutindo com ele. O cozinheiro vai embora, sem preparar o jantar, e Lismaco
fica desesperado, pois constata que teve problemas ao tentar ajudar Demifo. Na quinta
cena (803-816) Sira diz a Eutico que Doripa voltou e encontrou a meretriz em casa. Na
ltima cena do Ato IV (817-829), Sira fala da situao das mulheres24.
No Ato V, h 196 versos e quatro cenas. Na primeira (830-841), Carino se
despede de seu lar. Na segunda (842-956), Eutico conversa com Carino e tenta dissuadilo de partir. Na terceira (957-961), Demifo e Lismaco discutem sobre a fidelidade dos
homens e, tambm, sobre Pasicompsa. Na ltima cena do Ato V (963-1026), Eutico,
Lismaco e Demifo chegam a um acordo; por fim, Eutico censura Demifo e termina a
pea.
Classificada como comdia de intriga (Michaut, 1920, p. 186-187), O mercador
no teve boa aceitao por parte da crtica, sobretudo pela simplicidade da metrificao.
Essa metrificao difere da das outras comdias plautinas, que so ricas em recursos
mtricos, nas partes cantadas (Beare, 1964, p.67).
Embora no apresente um final exultante, em que ocorre o reconhecimento de
uma das personagens, como o caso de Casina e Rudens, a comdia O mercador do
24
A fala de Sira, no Ato IV, comparada parbase da comdia grega antiga. A parbase, em geral, era
uma parte da tragdia ou da comdia em que um ou mais atores, que se dirigiam audincia, tratavam
diversos temas, quebrando a iluso dramtica. Segundo Adriane Duarte: A parbase uma seo de
natureza puramente coral da comdia antiga (Duarte, 2000, p. 31).
18
incio ao fim mantm o nimo do espectador, que no sabe como ser seu desfecho.
19
25
More than one scholar of the present day (e.g. Westaway and Norwood) has found the Mercator
different in style from the other plays. (Mais de um estudioso da atualidade, por exemplo Westaway e
Norwood, considerou O mercador diferente das outras peas em estilo (Beare, 1964, p .47); The early
editors of the Renaissance were shocked by such a play as the Mercator, in which a father and son
appear as rivals for the affections of a slave-girl. Os antigos editores do Renascimento ficaram
chocados com uma pea como O mercador, em que um pai e um filho aparecem como rivais pelo amor
de uma escrava (Beare, 1964, p. 65).
20
26
21
2.3.
ESTUDO
DOS
TIPOS:
PERSONAGENS-TIPO
EM
MERCADOR
Para
analisarmos
as
personagens-tipo,
em
mercador,
mister
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comedies with the greatest frequency; (2) feminine roles: these include the
heroine, a young girl (uirgo) or a courtesan (meretrix) who is beloved by
the adulescens, the wife or mother (matrona), and the maidservant
(ancilla); (3) roles rich in comic value, e.g., parasite (parasitus),
slavedealer (leno), soldier (miles), banker or moneylender (trapezita,
danista), doctor (medicus), cook (coccus) (Duckworth, 1952, p.237)27
O seruus currens, personagem principal em vrias comdias do autor, em O
mercador aparece apenas para anunciar a intriga, propriamente dita. O senex amans,
Demifo, apresentado como velho ridculo, fazendo oposio a Lismaco, que teme
aborrecer a esposa e retratado como homem mais responsvel que o amigo Demifo.
O adulescens representado por Carino, que tipificando bem o jovem, demonstra ter
muitas dvidas, quando descobre que seu pai viu Pasicompsa no navio. Carino
ajudado por Eutico, outro adulescens, que nO mercador quem auxilia no desfecho da
intriga. O leno apenas citado, assim como o homem que hospeda Carino, quando este
conhece Pasicompsa. Destaca-se na comdia a figura do cozinheiro que, em dilogo
com Lismaco, d tom cmico cena em que Doripa descobre a suposta traio do
marido.
As personagens femininas, que sero analisadas a seguir, so: Pasicompsa
(escrava-cortes), Doripa (mulher de Lismaco) e Sira (velha escrava de Doripa),
merecendo destaque a escrava-cortes, por ser o motivo da intriga inicial da comdia.
27
(I) membros masculinos da famlia: o jovem (adulescens), o pai idoso (senex), e o escravo (seruus);
essas personagens formam a parte principal da trama, por assim dizer, e naturalmente apareceriam nas
comdias com maior freqncia; (2) papis femininos: esses incluem a herona, uma jovem (uirgo) ou
uma cortes (meretrix) que amada pelo adulescens, a esposa ou me (matrona), e escrava domstica
(ancilla); (3) papis ricos em comicidade, por exemplo, o parasita (parasitus), o mercador de escravas
(leno), o soldado (miles), o banqueiro ou agiota (trapezita, danista), o mdico (medicus), o cozinheiro
(coccus).
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Em O mercador, as personagens femininas so trs: Pasicompsa, escravacortes; Doripa, materfamilias, esposa de Lismaco e me de Eutico; e Sira, velha
escrava de Doripa. Passamos a analisar essas trs personagens, separadamente.
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usa de vrias artimanhas para que o leno seja enganado e a moa libertada. Em algumas
peas, a escrava sequer poderia ter sido comprada, pois h o reconhecimento,
geralmente no final, aparecendo a condio de mulher livre: Rudens, Casina. Em O
mercador no ocorre esse tipo de peripcia, pois quando a pea tem incio a escrava j
est nas mos de Carino.
A sucesso de acontecimentos em O mercador, relacionados cortes, faz com
que nos deparemos com a questo, referente s amantes e ao concubinato. Embora fosse
considerado comum um homem romano ter contato com cortess e, muitas vezes, uma
ou mais concubinas (Grimal, idem, p.122, p.137)31, Doripa mostra toda sua indignao
ao saber que seu marido colocou uma meretriz dentro de casa.
Importante ressaltar que, durante toda comdia, Pasicompsa tem tratamento
diferenciado; assim, classificada de diversas formas: amica, meretrix, scortum,
mulier.
31
Grimal em O amor em Roma (1995, p. 122) esclarece a questo, afirmando que entre jovens o fazer uso
de cortess no era mal visto, o que no ocorria com o mesmo costume entre homens casados.
32
Duckworth: in many cases they have faithless husbands, e.g. Artemona (Asinaria), Cleustrata (Casina)
and the unnamed wife of Menaechmus I, or husbands whom they wrongly suspect of unfaithfulness
(Dorippa in the Mercator) (1952, p. 255/256) - ...em muitos casos, elas possuem maridos infiis,
e.g.Artemona (Asinaria), Creustrata (Casina) e a no nomeada esposa de Menecmo I, ou maridos dos
quais tm forte suspeita de infidelidade (Doripa, em O mercador) .
28
33
Ainda Duckworth (1952, p. 256) citando Michaut: These are the dowered wives (uxores dotatae)
whom Michaut includes in his list of Plautine grotesques. Estas so as esposas com dote, que Michaut
inclui na sua lista de figuras grotescas.
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Na comdia Aulularia a questo do dote abordada no Prlogo e, tambm, no decorrer da pea, por
Megadoro, que fala sobre o casamento.
29
quando Lismaco diz a seu escravo que v ao campo e a avise, pois ele ficar na cidade
naquele dia para julgar trs litgios. E insiste para que o escravo no se esquea de
transmitir o recado (v. 277-280). Lismaco aceita ajudar Demifo e esconder
Pasicompsa (v. 500). Na verdade, o ancio s oferece a casa como esconderijo, ao
amigo Demifo, enquanto Doripa estiver no campo e, ainda assim, mostra-se
preocupado, pois no quer desagradar a esposa (v. 544, v. 585). Doripa aparece no Ato
IV, quando chega do campo com Sira, antes do previsto por Lismaco.
J na primeira apario de Doripa, esta reclama que seu marido no foi ao
campo para encontr-la e, ento, retorna a casa mais cedo (v. 670). Em seguida, pede
um ramo a Sira, sua escrava, para fazer as honras a Apolo e roga proteo ao lar e ao
filho (vv. 675-680).
O comportamento de Doripa condiz com sua posio de matrona; sempre atenta
aos deveres religiosos, roga proteo para os seus e honra os deuses familiares.
Entretanto, Doripa tem comportamento agressivo com Lismaco. Ela desconfia do
marido, chegando a discutir ironicamente com ele, como veremos adiante. Segundo
Grimal, na comdia romana, por vezes a esposa aparece como tirana, outras vezes sua
presena insignificante e, amide, o casamento caracterizado por brigas e
desavenas (Grimal, idem, pp. 101-103).
A insignificncia da esposa, citada por Grimal, sentida por Doripa e, tambm,
retratada por Sira, num monlogo da pea. Doripa, quando descobre a escrava-cortes
em sua casa, sem saber que a moa pertence a um amigo do marido, faz um desabafo,
em tom de crtica, marcado em sua fala:
Miserior mulier me nec fiet nec fuit,
tali uiro quae nupserim. Heu miserae mihi!
Em cui te et tua quae tu habeas commendes uiro.
Em quoi decem talenta dotis detuli,
haec ut uiderem, ut ferrem has contumelias (vv. 700-705).
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...a mulher casada no depende em nada do seu marido, continua a depender de seu pai, que apenas a
emprestou ao genro, a ela e ao seu dote (Veyne, 1990, p. 64).
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Sira a ancilla, criada que provavelmente veio da Sria: Recte. Ego emero matri tuae/Ancillam
uiraginem aliquam nom malam, forma mala,/Vt matrem addecet familias, aut Syram aut Aegyptiam./Ea
molet, coquet, conficiet pensum, pinsetur flagro,/Neque propter eam quicquam eueniet nostris foribus
flagit (Bem. Eu comprarei para sua me uma escrava robusta, de m aparncia, conveniente para uma
me de famlia, Sria ou Egpcia; ela moer, cozinhar, fiar, acender o fogo, no advir qualquer
desonra nossa porta, por ela) (v. 413-418).
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Segundo Coulanges, era necessrio tornar um escravo membro da famlia, para que este pudesse
participar dos rituais sagrados, da religio domstica.
39
H tambm outra considerao a esse respeito, a de que a palavra famlia viria, inicialmente, do termo
latino famulus, dando conotao diferenciada afirmao de Coulanges.
32
Segundo Cardoso, Estfila se revela cheia de solicitude em relao moa; tem por ela
e deixa extravasar as preocupaes que sente40. A velha escrava, alm de ser uma
servial uma personagem que participa ativamente no desenrolar da trama.
Na comdia O mercador, Sira a escrava e companheira de Doripa. Em sua
primeira apario, no incio do Ato IV, Sira retorna do campo, com sua ama Doripa, a
quem havia acompanhado. Em dilogo com Doripa, Sira revela sua idade: 84 anos;
refere-se aos anos como uma carga. A seguir, Sira entra na casa, por ordem de Doripa, a
fim de arranjar algo para fazer honras ao altar vizinho (v. 677). No momento em que
entra na casa de Doripa, Sira v Pasicompsa. Ao encontrar a cortes, a velha-escrava sai
da casa, gritando, tomando as dores de Doripa, sua senhora; e Sira quem diz a Doripa
que Pasicompsa uma meretrix (v. 686). No dilogo que se segue entre Doripa e Sira
(em que existe uma lacuna), h presumidamente um tom de aconselhamento por parte
da velha escrava. Ela esclarece a situao sua senhora, advertindo-a de que Lismaco
tem uma amante (vv. 688-689). Na cena 4 do Ato IV, Sira faz uma nica apario, ao
receber uma ordem, a fim de chamar o pai de Doripa, quando esta afirma no querer
continuar casada, pois tem um casamento ruim (vv. 784-789). Sira no consegue
encontrar o pai de Doripa, que est no campo (v. 801), mas encontra Eutico e a este
informa tudo que sucedera em casa de seus pais, Lismaco e Doripa (vv. 804-817).
Finalmente, na cena 6 do Ato IV, Plauto usa a personagem Sira, velha escrava, para
fazer crticas condio da mulher na sociedade, quanto s leis, costumes e casamento
(vv. 818-825).
33
tem incio quando se tem notcia de que Demifo esteve com Pasicompsa, at ento
escondida no navio de Carino.
O encontro entre Demifo e Pasicompsa d incio intriga da comdia. O
simples fato de a escrava-cortes ter vindo de Rodes com Carino e, por vrios motivos,
estar escondida no navio, no gera a ao, o cmico, nem sequer gera o riso, na
comdia. O fato de Carino estar escondendo a cortes do pai, por pudor ou medo, no
vai desencadear os fatos vindouros da comdia, e at mesmo antes do riso causa
preocupao ou expectativa.
Acntio, na segunda cena do Ato I, quando corre ao enconte Carino, o faz para
dar a m notcia, pois Pasicompsa havia sido descoberta pelo velho Demifo. No
dilogo, h uma expectativa criada, pois, conforme Acntio chega e tenta contar o
ocorrido a Carino, ainda no se sabe qual ser esta m notcia. Neste momento,
gradativamente, gerada a intriga, que durar at o final da pea. O fato de Demifo j
ter visto Pasicompsa no navio gerar todos os demais fatos, dentro da comdia. A partir
da est instaurado o conflito inicial, traado a partir da relao entre o velho e a
escrava-cortes. Em primeiro lugar, embora a exemplificao do caso senex e cortes
se d entre Demifo e Pasicompsa, h tambm um curto dilogo entre Lismaco e
Pasicompsa, em que o velho vizinho de Demifo brinca com a moa e, tal dilogo
tambm deve ser por ns apreciado, pelo contexto em que se insere no texto da
comdia.
No primeiro ato, temos a notcia de que Carino trouxe Pasicompsa escondida no
navio. Tal comportamento j foi analisado anteriormente. Entretanto, embora Carino
no saiba que seu pai j viu a moa, causa-lhe preocupao o simples fato de saber que
esta poder ser descoberta pelo velho Demifo. Ademais, choca-nos primeira vista
o comportamento do velho, ao descobrir a moa no navio, mesmo esta sendo uma
escrava-cortes. Tal relato feito por Acantio no Ato I, cena 2, no dilogo inicial entre
o escravo e o moo, Carino:
Ac. Postquam aspexit mulierem,
Rogitare occepit cuia esset.
Ch. Quid respondit?
Ac. Illico
Occucurri atque interpello, matri te ancillam tuae
Emisse illam.
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tal ponto que diz a seu amigo Lismaco somente agora ter aprendido as primeiras letras:
AMO.
nesse ponto que o senex amans retratado como uma figura ridcula. Segundo
alguns crticos, o cmico est justamente na falha percepo de Demifo, ao pensar que,
mesmo sendo velho, pode cair de amores por uma moa. Os velhos apresentam como
caracterstica o ridculo. Dessa forma so retratados por Plauto, como afirma Viveros (p.
XXI, p.XXIII), falando de modo geral e, em particular, sobre Lismaco e Demifo:
Cuando Plauto pone sobre la escena a los imprecindibles hombres
viejos de la comedia latina, lo hace para sealar sus debilidades o defectos,
e incluso sus vicios o conductas desviadas. No son figuras que, como en el
caso de algunos jvenes, inspirem simpatia, pues de ellas bsicamente slo
se comprueba el aspecto ingrato (...) Al hacer aqu breve referencia a los
viejos de El mercader, de nuevo nos vemos enfrentados a la imagen
generalizada que de ellos brinda Plauto en sus comedias; es decir: vanos,
irresponsables y libertinos. En efecto, Demifn aparece como un hombre
concupiscente, que incluso est decidido a enfrentarse a su hijo, com tal de
conseguir a la mujer que h despertado su sensualismo (v.390-468). Por su
parte, Lismaco, el outro viejo, aunque ayuda en sus propsitos a Demifn
y corre los riesgos consecuentes (v.499-593, 562-587, 700-802), no pierde
del todo algo de sus limpias convicciones, ni la ntima compostura (272334, 692-695).
Com efeito, no dilogo em que Demifo se diz apaixonado por Pasicompsa a
Lismaco, o diz de forma toda figurada, achando-se novamente um menino e dizendo
que havia aprendido, pela palavra, o significado do que era amar (v. 290-305).
Alm de abrir seu corao com palavras, Demifo relata ao amigo tudo aquilo
que sentiu e ainda sente, assim que viu Pasicompsa, objeto de seu desejo. Assim,
chamado de decrepitus senex, pelo prprio amigo, o comportamento do ancio
apaixonado vai dando o tom cmico cena. Quanto mais Demifo proclama-se como
um menino, que pode ver melhor com os olhos e, ainda hoje, comeou a aprender na
escola, mais fica evidente a sua loucura, sobretudo para a audincia, que j sabe que
Pasicompsa amante de seu filho adulescens, Carino.
O velho, todavia, sem se dar conta do riso que j causa, no liga para a
reprimenda do amigo Lismaco, usando sentenas proverbiais, para justificar o que
sente (v. 319-320).
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comicidade nas palavras de Demifo ao relatar o que sente e o que quer fazer com
Pasicompsa, afirmando ao filho, contudo, ser desejo daqueles que porventura vissem a
escrava junto da materfamilias. Na verdade, o que Demifo quer est assim descrito:
...quando incedat per vias, contemplent, conspiciant omnes, nutent, nictent, sibilent,
uellicent, uocent, molesti sint, occentent ostium... e, em parte, descreve por essas aes,
as loucuras de amor, ainda h pouco citadas, quippe haud etiam inepte feci, amantes ut
solent.
Oportuno, tambm, abordarmos algumas questes referentes relao entre o
velho e a escrava-cortes, relao essa representada nas obras de Plauto, sobretudo
atravs das aes e sentimentos do senex amans Demifo.
A descrio que temos da figura de Demifo a de um homem rude, at com
seu filho, rgido com seus costumes e que, de toda sorte, no tolera que seu filho gaste
dinheiro, mesmo com cortess. Por causa de um arroubo amoroso, trata seu filho com
severidade e recordemos por isso que Carino enviado a Rodes.
Ao finalizar seu dilogo com Carino, no Ato II, Demifo consegue comprar
Pasicompsa, em nome de Lismaco, e, com celeridade, faz planos para estar com sua
escrava-cortes. Note-se que, desde o incio da pea at o presente momento, Demifo
trata Pasicompsa por amicam. Quando est a ponto de comprar a escrava-cortes,
Demifo trata a mesma por mulier. Ele alterna as duas palavras, ao falar de Pasicompsa.
H um motivo, pois j se v que, apenas no Argumento (que possivelmente fora
acrescentado depois, sendo duvidoso afirmar ter sido escrito por Plauto) e nas partes
faladas por Eutico, amigo de Carino, a escrava-cortes designada por scortum.
Embora a mulher de Demifo no aparea durante a trama, sendo apenas
mencionada, temos cincia de sua existncia. Alm disso, sabemos que a mulher de
Demifo uma matrona, materfamilias, como Doripa, esposa de Lismaco. Doripa,
demonstra toda a ira e dissabor, ao ser informada de que h uma mulher em sua casa.
Demifo optou por esconder a moa de sua esposa e, tambm, de seu filho Carino. O
senex amans relata seus feitos ilcitos, em passagem singular (v.545-560)
Demifo afirma querer uma casa para essa mulier, relata que, quando se
jovem, s h tempo para fazer fortuna e agora hora de gozar dos prazeres, pois o mais
seria ganncia de sua parte. No final da exposio, o senex, regozija-se por conseguir
esconder de seu filho e de sua esposa a amica, que comprou, para ser sua amante fixa.
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41
Ter relaes passageiras com mulheres que disso faziam sua profisso era permitido. O perigo s
comeava quando vinha o hbito, portanto, um comeo de afeto e talvez de amor. Cato costuma dizer
que um homem apaixonado permite que sua alma viva no corpo de outrem (Grimal, 1995).
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CONCLUSO
O estudo da obra plautina, sem dvida, no causa esgotamento queles que
elegem a comdia latina como base e objeto de seu estudo; antes, o estudo das obras de
Plauto, em pleno sculo XXI, como salientamos no incio da dissertao, oferece campo
vastssimo para fillogos, escritores e teatrlogos. Duas questes, no entanto, incitaram
a idia primeira para que fosse realizado o presente trabalho: analisar a obra plautina,
enfocando diversos aspectos e traduzir o texto da comdia O mercador.
Sobre a primeira questo podemos ressaltar os temas escolhidos para anlise: os
tipos femininos em Plauto e a relao entre o velho e a cortes. Embora muito j se
tenha falado a respeito dos tipos e tipos femininos em Plauto, em nossa abordagem
tivemos a pretenso de enfocar as personagens femininas presentes n O mercador, a
saber: Pasicompsa, Doripa e Sira. Nessa abordagem, no consideramos os papis
femininos, de maneira geral nas comdias e textos antigos, mas priorizamos as aes
levadas a efeito na prpria comdia O mercador, a fim de analisar as mulheres presentes
na pea.
Pasicompsa, a escrava-cortes, s aparece na pea durante o dilogo com
Lismaco, em que pensa ter sido comprada por este. Doripa, a materfamilias, e a escrava
Sira aparecem, inicialmente, quando regressam do campo um dia antes do que o
anunciado e calculado por Lismaco e Demifo. Essas personagens femininas, presentes
na comdia O mercador, no representam papis de grande relevncia para a comdia,
principalmente em suas aes. o que ocorre, de maneira geral, na maioria das
comdias plautinas. Pasicompsa, escrava-cortes, embora seja considerada a propulsora
da intriga e geradora da rivalidade entre pai e filho, participa de um nico dilogo na
trama, como antes mencionado. No entanto, ela classificada como uma cortes boa se
comparada a outras cortess, em Plauto, sobretudo Ercio, da comdia Menaechmi. Em
Doripa temos a figura da materfamilias que age fielmente como tal. Ao analisarmos o
papel da esposa de Lismaco citamos, de forma superficial, o tema do divrcio e do
dote, tendo como base a prpria comdia plautina. E, por fim, Sira, a ancilla, a velha
escrava prudente, que aconselha Doripa e tem maior participao na trama, pois
tambm trava pequeno dilogo com Eutico.
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TRADUO
O MERCADOR
PERSONAGENS
Carino jovem
Acntio escravo de Carino
Demifo velho, pai de Carino
Lismaco velho, vizinho e amigo de Demifo
Lorrio escravo
Eutico jovem, amigo de Carino, filho de Lismaco
Pasicompsa escrava-cortes
Doripa mulher de Lismaco
Sira velha escrava
Cozinheiro
CENRIO: Atenas
48
ARGUMENTO I
Um jovem, encarregado pelo pai de fazer negcios, compra uma mulher de reconhecida
beleza e a traz consigo. O velho, depois de t-la visto, procura saber quem ela ; o
escravo do moo inventa uma desculpa, dizendo que a escrava foi comprada para a me
do rapaz, para ser sua acompanhante. O velho se apaixona por ela e simulando vend-la
a confia ao vizinho. A esposa do vizinho pensa que ele trouxe uma prostituta para casa.
Um amigo, ento, aps encontrar a jovem, faz com que Carino desista de fugir.
ARGUMENTO II
Um pai obriga seu filho gastador a partir para fazer negcios. Enviado ao estrangeiro,
ele compra uma escrava da pessoa que o hospedou, por estar apaixonado por ela. Assim
que volta, sai do navio; o pai corre sua frente e morre de amores pela escrava quando a
v. Quer saber de quem . O servo diz que ela foi comprada pelo rapaz para sua me,
como uma acompanhante. O velho, atento a seus interesses, pediu ao filho que ela fosse
destinada a um amigo seu; o filho, que fosse a um amigo dele. O jovem pensou no filho
do vizinho; o pai, no prprio vizinho. O velho, antes de mais nada, compra a escrava. A
mulher do vizinho ao surpreend-la dentro de casa a acusa de ser uma prostituta e
expulsa o marido. O negociante, desesperado, decide deixar a ptria. impedido por um
companheiro que, juntamente com o pai, pediu ao pai do jovem que a cedesse ao filho.
49
ATO I
CENA I (Carino)
Ca.
10
15
20
50
25
30
35
40
45
50
55
51
60
65
70
para voc que voc ara, para voc revolve a terra, para voc semeia,
da mesma forma para voc que voc colher,
para voc enfim, que este trabalho gerar alegria.
Depois que a vida deixou o corpo de seu pai,
ele vendeu o campo, com o dinheiro
75
80
85
52
90
95
100
105
110
53
115
Ca.
120
Estou preocupado com o problema que possa existir ou venha a ser anunciado.
Ac. Estou fazendo pouco caso!
Quanto mais fico parado, mais a coisa fica perigosa.
Ca.
Ca.
Ei, voc! por Plux, pegue uma pano e limpe o seu suor.
Ac.
125
preciso que eu saiba que negcio esse para ter certeza quanto a este medo.
Ac.
Eis-me aqui,
54
130
Ac.
Ca.
Qual o problema?
Ac.
Ca.
Estamos perdidos.
Ca.
135
136a
136b
Por sua causa arrebentei os pulmes, j faz tempo que cuspo sangue.
Ca.
Ac.
Ca.
Ac.
Ca.
Ac.
Deixe minha sade, por favor; esse remdio vem com tortura.
Ca.
Diga-me, por acaso em algum lugar, existe algum bem que se possa ou se
140
145
55
Ca.
Ca.
Deve-se considerar
150
Em poucos meses,
Ah,
Ac.
Vou dizer.
56
155
Ac.
Diga.
Ca.
Ac.
Ca.
Ai de voc!
Ac.
160
Ac.
Ca.
Ca.
165
Ca.
Ac.
Ca.
Por Hrcules, sem dvida voc ser aoitado, a no ser que conte j ou saia
daqui.
57
Ac.
carinhoso.
Ca.
Peo e suplico, por Hrcules, que voc revele logo qual a notcia.
170
Ca.
Ca.
175
Cale-se.
58
180
Ca. Meu pai, o qu?
Ac.
Sua amiga...
Ca.
Ela, o qu?
Ac.
Ele a viu.
Ca.
Com os olhos.
Ca.
De que forma?
Ac.
Ca.
Abertos.
Ac.
Ca.
Ca.
59
185
Ac.
Ca.
Onde a viu?
Ac.
E voc, e voc, por acaso cuidou para que ele no a visse, seu tratante?
Por que no a escondeu, desgraado, para que meu pai no a descobrisse?
Ac.
190
Ca.
195.196
estar em terra e terra firme; mas, vejo que sou levado para os rochedos
pelas ondas agitadas. Continue a falar, o que aconteceu?
Ac.
Ca.
Ac.
Imediatamente,
200
Voc acha que ele acreditou nisso?
Ac.
60
Diga-me, a ela?
205
Ac.
Isso loucura.
Ca.
210
de que a suspeita, de como teria sido feita a coisa, apanhe meu pai.
Responda o que pergunto a voc, por favor.
Ac.
Ca.
No pareceu.
61
215
Ca.
Mas, na verdade,
mas, por que estou aqui arruinado, lamentando, e no vou para o navio?
Siga-me.
Ac.
220
j se afastou do porto?
Ac.
Muito bem!
ATO II
CENA I (Demifo)
De.
62
225
230
235
Diz ele que com a chegada daquela cabra, por culpa dela,
ocorreram sem moderao reclamaes e danos;
fala que a cabra que lhe foi dada para guardar
comeu o dote de sua esposa.
Pareceu-me espantoso que uma s cabra
240
245
250
255
63
260
265
270
De.
275
280
Nada mais.
64
De.
Salve, Lismaco.
Li.
Li.
Os deuses o ajudem!
De.
285
O que se passa?
De.
Li.
De.
290
Li.
Do Aqueronte,
De.
Voc v mal.
De.
Digo a verdade.
Li.
65
295
De.
Li.
Muito bom.
De.
De.
Li.
Preste ateno.
Li.
De.
300
Estou prestando.
Li.
A-M-O.
66
305
De.
Li.
De.
310
De.
Li.
315
No censuro voc.
De.
De.
67
320
Li.
Est visto.
De.
Com certeza?
Li.
Voc me perde!
Esse homem est louco de amor. Por acaso voc quer algo mais?
De.
Li.
Passe bem!
325
Boa viagem.
Li.
330
a vender aquela mulher, e no a d para sua me; pois, ouvi dizer que ela foi
trazida para presente. Mas, necessrio que eu seja precavido, para que
ele no sinta que ela afeta meu nimo.
CENA III (Carino e Demifo)
Ca.
335
340
Desgraado de mim, por minha vontade, busquei para mim uma amante,
68
345
350
355
360
meu pai como uma mosca, no se pode ter nada escondido dele,
nem qualquer coisa sagrada, nem profana, que logo no esteja ali.
No confio em meus negcios; no tenho nenhuma esperana em meu corao.
De.
Ora, ora!
69
365
Ca.
De.
Como voc foi transportado por mar, agora seus olhos contemplam a terra....
Ca.
Mais, eu creio...
De.
370
Por Plux, por isso est plido. Se voc sbio, v para casa e deite-se.
Ca.
De.
375
Ca.
De.
Que est acontecendo? Por que ele se afasta de mim, para aconselhar-se
consigo mesmo, sozinho?
J no temo que ele possa saber que eu amo. Pois que,
380
Certamente, por Hrcules, at aqui, a coisa est em segurana; pois ele parece
70
385
Creio que, por Plux, enjo do mar, de fato. Mas, logo ter passado.
Mas, o que voc diz? Voc trouxe uma escrava de Rodes para sua me?
Ca.
Trouxe.
De.
De.
De.
Por Plux, no m.
71
390
Ca.
De.
Ca.
395
Nada nos necessrio, a no ser uma escrava que tea, que moa,
que corte madeira, fie, varra a casa, leve aoites, que prepare alimento
todos os dias para a famlia: ela no poderia fazer nada disso.
Ca.
Precisamente.
Na verdade, comprei-a por isso, para dar de presente para minha me.
De.
De.
400
Os deuses me ajudem!
Ca.
405
72
410
Ca.
415
Ca.
417.418
De maneira nenhuma.
420
De.
Fique calado agora. H um certo velho que mandou-me para comprar uma,
425
Ca.
73
430
De.
Mas, digo...
Ca.
Escute, eu digo...
De.
De.
Eis que o vejo. Ordena, tambm, que ajunte agora cinco minas.
Ca.
Por Hrcules, que os deuses o faam infeliz, quem quer que seja.
De.
De.
De.
432.433
74
435
Ca.
440
Certamente, por Plux, aquele jovem, para o qual a compro, est perdido
de amor por ela.
De.
Ca.
445
De.
Ca.
Ca.
Ca.
O que ?
De.
75
450
De.
De.
De.
Por que para ele, certo estar com o que dele nas mos dele.
De.
455
Ca.
Est decidido?
De.
No quero.
76
460
Ca.
De.
Ca.
Voc impede.
De.
Ser obedecido!
465
Dizem que as Bacantes teriam despedaado Penteu; creio que foram meras
brincadeiras diante da forma com que, ao ser despedaado, fui destrudo.
470
Por que vivo? Por que no morro? Que h de bom, para mim, nesta vida?
Estou decidido, irei ao mdico e l eu me matarei com um veneno,
visto que sou privado da razo do meu desejo de viver a vida.
Eu.
Quem me chama?
Eu.
Eutico,
475
77
Eu.
Ca.
Sei.
Eu.
Eu.
Ca.
Voc sabe demais. Mas, como sabe que ela minha amiga?
Eu.
No um fato admirvel.
Ca.
78
480
responda: com que morte voc acha que eu deveria morrer, de preferncia,?
Eu.
Por que voc no fica quieto? Tenha cuidado com o que voc diz.
Ca.
Eu.
Eu.
Ca.
Eu.
Eu.
485
Ca.
Quero, claro.
Voc quer que ela seja comprada pelo tanto que ele pedir?
Ca.
79
490
Eu.
dizendo? De onde vir o dinheiro que voc dar? Quanto seu pai pedir?
Ca.
Eu.
Ca.
Eu.
No possvel.
Eu.
Por Plux, no posso estar bem antes que voc volte a mim.
Farei isso.
80
495
ATO III
CENA I (Lismaco e Pasicompsa)
Li.
500
Pa.
505
com minha sabedoria e meus recursos, o que penso que o senhor quer.
Li.
Pa.
Li.
Li.
Por qu?
81
510
Pa.
Porque l, de onde fui trazida para c, estar bem comum para as...ms.
Li.
Na verdade, no digo,
nem meu costume proclamar algo que creio que todos sabem.
Li.
Por Plux, as palavras dela valem mais do que a quantia pela qual foi comprada.
Quero perguntar uma coisa.
Pa.
Li.
Perguntando, eu responderei.
Li.
515
Pasicompsa.
O nome foi dado pela sua beleza. Mas, o que voc diz,
Pasicompsa? Voc poderia, se for necessrio, tecer um fio fino?
Pa.
Posso.
Li.
Se voc sabe tecer fino, sei que voc pode tecer mais grosso.
Pa.
Li.
82
520
a voc uma ovelha de sessenta anos, para ser sua propriedade particular.
Pa.
de origem grega;
525
Li.
Agora, mulher, para que no seja enganada, voc no minha, no pense isso.
Pa.
530
na verdade, por Plux, est perdido de amor e viu voc pela primeira vez, hoje.
Pa.
Li.
O que voc diz? J faz dois anos que tem um caso com voc?
Pa.
Certo. E entre ns
535
536a
83
536b
Li.
Deuses imortais!
540
O qu? Dentes?
Li.
dia providenciasse um lugar em minha casa, pois minha mulher est no campo.
CENA II (Demifo)
De.
545
84
550
555
560
onde essa mulher vai morar. Eis que ele sai para fora.
CENA III (Lismaco e Demifo)
Li.
De.
Li.
De.
O que farei?
Li.
De.
85
565
Li.
De.
570
falar e beijar.
De.
Porque eu a amo?
Li.
Isso o de menos.
575
Por Plux, sei que voc ama, pois mostra isso para mim.
Mas, se eu fizer um jantar? O que acha, podemos contratar
um cozinheiro que prepare um jantar, aqui em sua casa,
para esta noite.
Li.
86
580
Li.
590
595
do porto. Ele tem o maior de todos os vcios: lento demais, o que contrrio
a meu modo de pensar. Mas, quem quer vejo correndo? O prprio. Irei ao
encontro dele. Esperana dos deuses e dos homens que s senhora dos homens,
que afastou a esperada esperana de mim, a voc serei grato. Agora, o que
resta? Estou desesperado! O rosto dele de nenhum modo me agrada.
Ele caminha triste. Meu peito arde; sufocado. Ele est balanando
a cabea. Eutico!
Eu.
Ai, Carino!
Ca.
87
600
Ca.
605
Em parte alguma.
Ca.
Em primeiro lugar:
estamos perdidos.
Ca.
Eu.
Eu.
Os deuses no permitam!
Ca.
Eu.
Por qu?
Ca.
Eu.
610
88
Ca.
dizendo alguma outra coisa ruim. Por quem ela foi comprada?
Eu.
No sei.
615
Ai de mim!
Para voc isso no maior aflio, do que foi hoje para mim.
Ca.
620
a um bom companheiro?
Eu.
que perea. Por que voc no perguntou qual era a aparncia do homem
que a comprou? Desse modo se poderia seguir o rastro da mulher.
Ai, pobre de mim, ai!
Eu.
89
625
Ca.
Porque voc tem na mo o que podia acreditar; o que eu podia dizer, eu tenho
na minha mo.
Ca.
Sobre esse assunto voc to astuto que responde de igual pra igual,
para o que lhe mandado, voc coxo, cego, mudo, manco, dbil.
630
Voc prometeu que iria zombar do meu pai. Acreditei incumbir da tarefa
um homem inteligente, mas a ordem foi dada maior pedra.
Eu.
Ca.
Eu.
Eu.
Eu fiz isso.
Ca.
635
90
640
Ca.
645
Eu.
650
J falou?
91
655
Eu.
Falei.
Ca.
660
665
ATO IV
CENA I (Doripa e Sira)
Do.
Do.
Que carga?
Si.
92
670
Traga algo,
675
Estou indo.
680
Si.
Do.
Si.
Si.
Do.
Que mulher?
Si.
Si.
De verdade! Srio?
685
93
687a
Do.
690
Li.
695
700
94
705
Do.
Do.
E de mim, ento!
Estou perdida!
Li.
Por Plux, foi por isso que meu marido no quis ir para o campo.
Li.
710
715
Do.
Do.
Eu a vi.
95
Voc a viu?
720
Li.
Li.
Est indeciso.
Li.
Do.
No vi mais ningum.
Li.
Do.
Do.
Diga ento.
Li.
Direi.
Do.
Li.
96
725
Do.
No adianta,
Que flagrante?
Quem ela?
Li.
Ela...
Do.
Li.
Do.
Ah!
730
732.734
Juiz? J sei:
735
Li.
Li.
Entendo.
97
739.740
745
Li.
Chegamos.
V embora.
Co.
O qu? Ir embora?
Li.
Psiu! V embora.
Co.
Ir embora?
Li.
Co.
V embora.
No vai jantar?
Li.
J estamos satisfeitos.
98
750
Co.
Voc no se cala?
Co.
Li.
V embora, infeliz!
Co.
Co.
755
O qu?
760
99
Do.
Certamente, nego.
765
Ela essa.
No quero.
Co.
Li.
Do.
Li.
770
100
Li.
775
Vou sair.
Ser dada.
Co.
Vamos, coloquem
780
101
785
Si.
Li.
Estou indo.
790
795
800
Eu.
Eu.
102
805
Si.
Salve, aluninho.
Eu.
Si.
Eu.
810
Eu.
Como?
815
Ainda.
Eu.
Siga-me.
CENA VI (Sira)
Si.
103
820
825
ATO V
CENA I (Carino)
Ca.
830
835
104
840
Por acaso existe algum deus que agora esteja alegre com minha alegria?
Em casa estava o que eu procurava, encontrei seis companheiros:
845
850
Eu.
Est resolvido,
eu a buscarei em qualquer parte do mundo para onde tenha sido levada daqui;
nenhuma corrente, nem monte, nem o mar, nem o calor me impedir,
eu no temo o frio, nem o vento, nem o granizo.
860
Invoco vocs,
105
Jpiter!
865
Aquele no Carino?
Ca.
Cidados, adeus.
Eu.
Pare
um momento, Carino.
Ca.
Quem me chama?
Eu.
Ca.
Ir com voc.
Ca.
Eu.
Ca.
Ca.
Quem so eles?
870
Pare um instante.
Voc faz um mal, porque est me detendo, a mim, que estou com pressa.
O sol se pe.
Eu.
106
875
880
Voc sbio,
J estou.
Ca.
Eu.
Exilar-me.
Eu.
O que faria l?
Ca.
Eu.
Tome-a.
107
885
Ca.
Eu.
S e salva.
Ca.
Eu sei.
Ca.
Eu.
Eu quero saber.
890
Eu.
Ca.
Eu.
Eu.
108
Ca.
Eu.
Farei.
Ca.
900
Em nossa casa.
Ca.
Boa casa!
Eu mesmo a vi.
Ca.
forma desagradvel.
Ca.
109
Eu.
905
O que, se eu escolher?
Ca.
Eu.
Mas, por que no tiro esta roupa? Eh! Algum saia aqui fora,
neste instante, e tire o meu manto.
Eu.
Ca.
910
Ah, agora voc me agrada.
Voc chegou no momento certo; menino, pegue minha capa e fique aqui, um
instante, para que, se isso no der certo, eu continue a prosseguir o caminho.
Eu.
Mas, por que no me leva l dentro, diante dela, para que a veja?
Eu.
Espere um pouco.
Ca.
Como? Esperar?
Eu.
915
No hora de ir l dentro.
110
Ca.
Eu.
Voc me mata.
Responda,
No certo.
Ca.
Por qu?
Eu.
para ela.
Ca.
920
Eu.
Eu.
Coloque o cinto.
J est na mo a adaga.
111
925
Eu.
Eu.
Eu.
caminho?
Eu.
No permito.
Ca.
930
e em linha reta at Chipre, j que meu pai prepara o exlio para mim.
Eu.
112
935
Ca.
Ca.
J cheguei a Chipre.
Eu.
Ca.
Procurado e no achado.
Eu.
Ca.
940
Ca.
Eu.
No est mentindo.
Ca.
113
945
Voc fala bem, diz coisas boas: amanh vou a sua casa;
agora minha casa.
Assim o certo, como convm que seja.
Eu.
950
Siga-me.
Ca.
Seguirei.
Eu.
entre meu pai e minha me, pois agora ela est irada...
Ca.
Eu.
V rpido.
V rpido.
Eu.
114
955
Li.
De.
Li.
960
Irei ao encontro de meu pai, para que ele saiba que a ira de minha me contra
ele se acalmou. J volto.
Li.
Eu.
Eu.
Li.
Os deuses me ajudem.
Eu.
De.
965
115
Direi.
Li.
Eu.
Aqueles que so de boa famlia, se tm m ndole, por sua prpria culpa colhem
o dano, e por sua ndole desmentem a famlia.
De.
970
Pois, no certo que em sua idade voc roube a amiga de seu filho,
jovem apaixonado, comprada com dinheiro dele.
De.
De.
Eu.
Li.
timo, por Hrcules, continue, eu por outro lado darei assistncia a esse caso
975
daqui.
Que ns dois o acusemos, j que ele digno disso.
De.
Eu.
Nada sou.
116
980
De.
983b
Da mesma forma, como as estaes do ano, em cada idade convm uma atitude;
Pois se isso justo, que os velhos com idade senil sejam devassos,
985
Li.
De.
Eu.
Por mim, certo que ele fique com ela, como quer.
Eu.
Por Plux, depressa. Pois que no possvel que voc faa diferente.
De.
990
somente peo que vocs faam a paz, para que ele no fique irritado comigo.
Por Hrcules, se eu tivesse sabido ou se ele ao menos me tivesse
dito, que a amava, nunca a teria roubado para ser
minha amante.
Eutico, peo a voc, como companheiro dele, salve-me e defenda-me.
117
995
Voc ter um velho como seu cliente e guardar a memria desse benefcio.
Li.
De.
Li.
Nada disso;
1000
Por favor,
Voc tem razo. Mas isso sua esposa far, quando souber tudo.
De.
De.
118
1005
Li.
Eu.
1010
Que coisa?
Li.
Veja l.
Eu.
Eu.
No acredita em mim?
Li.
De.
Sei.
1015
1020
E, alm disso, que ningum dever proibir seu jovem filho de amar e de ter uma
amante, desde que o faa com boa medida.
Se algum o proibir ele perder mais com o que for feito s escondidas
119
120
1025